Outono
Outono
Outono
DE
1 M I0 HLH3A10 BE CASTILHO
VOLXTME SX.®
VOLUMES P U B U I3 Æ 0 S :
I — A m o r e m e la n c o lía .
I I — A CHAVE DO ENIGMA.
I li — C a r t a s d e Ecco e N a r c i s o *
IV — F e l i c i d a d e p e l a a g r i c o l t u r a ( i . ° v .)
V — F e l i c i d a d e p e l a a g r i c o l t u r a (2.* v.)
V I — A p r i m a v e r a ( i . ° voi.)
V I I — A p r i m a v e r a ( 2 .® v o i.)
V i l i — Vivos e m o r t o s — Apreciações mo-
raes, litterarias, e artísticas.
IX — Vivos js m o r t o s (2.® vol.)
X — Vivos e m o r t o s (3 .®vol.)
X I — Vivos e m o r t o s (4.® vol.)
X I I — V ivos e m o r t o s ( 5 .®vol.)
X III— V iv o s e m o r to s (6.® v o l.)
X IV — Vivos e m o r t o s (7.® vol.)
X V — Vivos e m o r t o s (8.® v o l.)
x v r — E x c a v a ç ó e s p o e t i c a s ( i . 0 v o l.)
X V II — E x c a v a ç ó e s p o e t i c e s (2.® v o l.)
XVIII — E x c a v a ç ó e s p o e t i c a s (3 .° v o l.)
XIX — O P r e s b y t e r i o d a m o n t a n h a ( i . ° v . )
X X — O P r e s b y t e r i o d \ m o n t a n h a (2.® v .)
X X I — O O ü t o n o i.® vol.)
NO P R É L O :
X X II — O O u t o n o (2.® vol.)
OBRAS COMPLETAS DE A. F. DE CASTILHO
Rerâlas, annotadas, e prefaciadas por nm de seas filhos
. - XXI .............................................. :
O OUTONO
VOLUME 1
L IS B O A
E m p re z a d a H is t o r ia d e P o r t u g a l
Sociedade Editora
L IV R A R IA M O D E R N A TYPOGRAPHIA
R ua A ugusta, 93 45, R ua Ivens, 4 7
1905
Pergat ad iibum.
H orat. — Art. Poti.
ADVERTENCIA DOS EDITORES
i
A SU A M A JESTA D E FIDELISSIM A
S enh or :
VO L . XXI 3
38 Etupreja da Historia de Portugal
Lisboa, 17 de Marco
de i863.
NOVO ANJO
E L E G IA
1 A ilha da Madeira.
Obras completas de Castilho 49
Lisboa
Fevereiro de i85í
II
N O T R A N S IT O
DO
No monumento público
lidaste o dia inteiro,
desd’alva até ao véspero,
joven, Real obreiro.
A os do porvir artífices
déste não visto exemplo:
juntaste um lanço amplissimo
da humanidade ao templo.
«estrellam-n-a carbúnculos;
«foi co’os martyrios teus
«que os fabricou tão vívidos
«a propria mão de um Deus.»
«Eras o primogènito,'
«e eu precedi-te; eu sou
«quem ao fugir do ergástulo
«os teus grilhões quebrou.
«Abraça-me, e agradece-m’o.
«Olha e compara: o mundo,
«antro da insciencia e dúvida-,
«d’erros mar vasto e fundo;
«contempla-se o pretérito;
«devassa-se o porvir;
«e ao Trino, ao Uno, ao Optimo,
«faz-se o louvor florir.
«Cad’arte, lá no infimo
«orbe terreno, escuro,
«almeja algum revérbero
«de um ideal futuro;
«lustrámos as myriadas
«de seus feudaes planetas;
«o conto, o nome, as indoles
«sabemos dos cometas.
II
Solatia victis
A S U A M A JE S T A D E
Lisboa
Novembro de 1861
IV
A S U A M A JE S T A D E
Lisboa
Novembro de 1861
V
VATICINIO
i
¡Meia noite! ¡o campo, mudo!
¡ermo horrível a cidade !
só na etherea immensidade
se vêem lumes a scism ar.
T u me abraça, eu te saúdo,
noite cara a amor e aos cantos.
Prophétisa, mãe de encantos,
pois sou teu, vem-me inspirar.
Se invocas o futuro,
se evocas o passado,
no teu sacrario obscuro
brilham clarões do Fado.
68 Empresa da Historia de Portugal
II
¿Que ouvi no Estreito de Hercules ?
¿Que ouvi na Herminia Serra ?
jSons de festivos canticos !
¡Eccos d’extranha guerra !
Ili
Y O L XXI 5
70 Empresa da Historia de Portugal
As sereias
Arm ada doirada, toldada de flores,
de L ysia e d’Ausonia tremúla bandeiras;
co’as vélas tufadas, co’as rodas ligeiras
avança em triumpho com bênçãos d’amores.
¡Triumpho! ¡triumpho! ¡triumpho á tão linda
Sereia de Italia ! jbem-vinda ! ¡bem-vinda !
Os espectros
Já. não são pois do horrendo Capitolio
fulmíneas aguias, capitães traidores.
E ’ deusa amante. Marciaes pastores ;
a laurea serra lhe daria um solio.
As sereias
Mande-se, irmans, n’um sonho este cantar nocturno
á Donzella feliz; á majestosa Flor,
que do mais regio tronco em terrrs de Saturno,
furtou por sua mão, e a traz soberbo, o Amor.
Obras completas de Castilho 71
Os espectros
¡Ai que terra de gloria a nossa terra!
Morta a lacial Bellona que a affrontava,
eis Lysia irman da Italia, em vez de escrava.
Brotae, palmeiras, pela Herminia serra.
hi sereias
Nós, musas marinhas nas grutas de escumas,
outr’ora ás Sibyllas de Tibur e Cumas
ouvimos cantar,
que um dia viria Maria aos dois povos
tecer fados novos,
e aos lustres herdados mais lustres juntar.
Os espectros
¡Ouvi! ¡o u v i... que nome auspicioso!
jsymbolo de resgate e liberdade!
¡Maria ! ¡Oh! quatro vezes venturoso
quem logra a vida em tão propicia edade!
i s sereias
O ’ Tronco Brigantino,
que o próspero destino
cobriu de aureos tropheos,
sublime te alevanta;
amor te enxerta a Planta
mais cara a terra e Ceos.
7» Empresa da Historia de Portugal
Os espectros
Sim, terras do terrivel Endovélico,
séculos dois por nós independentes;
paz e amor, liberdade e exforço bellico
vos dêem reis de Viriato descendentes.
As sereias
Lemos do Fado o livro aberto
á luz do facho de hymeneu:
Victor Manuel, Carlos Alberto,
Dom Pedro Quarto, o neto seu,
turba de heroes e de heroinas
do mais esplendido fulgor,
á sombra placida das Quinas
vão renascer, graças a Am or.
Os espectros
Dormimos oito séculos sepultos,
sonhando sempre gloria aos netos nossos.
¡Quem nos hoje animára os frios ossos,
q u e a Mulher tal podessemos dar cultos!
Obras completas de Castilho ?3
IV
v
E a Princeza dormia. A azul immensidade
bafejava-lhe paz. C o’as flores da saudade
respirava, sonhando, as rosas do prazer.
¡Ah! d’essa alma virginea as commoções dizer...
só o anjo que a protege acaso poderia.
Triste e risonha, a bella, a candida Maria,
vê traz si, a fugir-lhe, a patria, o berço, o pae
e a infantil liberdade. A Italia já lá vai,
sepulta, e para sempre. Em terra alem, distante,
que aprôa inda não vê, vê Ella a cada instante,
a aguardai a insoffrido, os $lhos sempre ao mar,
um Rei Joven e Heroe, que lhe ensinou a amar,
que a tornará feliz, e que o vai ser por Ella.
VI
V il
Basta, Senhora ; eu creio em teu Real condão.
Futura Mãe de Reis, já Mãe da multidão,
escuta o que hoje um vate obscuro, amigo, sério,
te exora fervoroso a bem de todo o imperio.
Lisboa — 1862.
VI
DEPRECAÇÃO
E PISTO L A
A
A D V E R T E N C IA .
E P IS T O L A
I
Era um velho, Senhora: obscuro, pobre, honrado;
estrangeiro, e bemquisto; humilde, e venerado.
Após o dia, exhausto em grangear o pão,
entre os filhos e a esposa as graças, a oração,
por sua voz serena (¡austero patriarcha!) -
subiam cada noite aos pés do grSo Monarcha;
e dos Ceos cada dia, a paz, o exforço, o amar,
como bênçãos cahindo, arraiavam seu lar.
Tépido ninho á sombra, alegre de caricias,
Obras completas de Castilho 79
II
Um dia
uma esposa infeliz (Senhora, o mundo as tem)
chorosa, desgrenhada, envolta em sangue, vem...
do consorte fugida á bruta feridade,
do tecto bemfeitor invocar a piedade.
¿Podiam recusar-lh'a? O primeiro seu ai
segurou-lhe um abrigo, e mãe, e irmãos, e pae;
Ill
Mas o cruento drama era em meio.
Outro dia
que o velho solitario ao seu lavor pedia
o sustento do corpo, e co’a enxada na mão
regava de suor o parco seu torrão,
encanecido, curvo, e sob o sol gem endo.. . .
8a Empresa da Historia de Portugal
A ’rbitra a Providencia
a decide.
D epois. . .
á Justiça dos Ceos, insondável, terrivel,
Obras completas de Castilho 83
IV
A Lei é cega e surda; afortunado o Rei
que suppre,ouvindo evendo, o incompleto da Lei;
e a quem do Estado o jus, da humanidade amigo,
deixa dizer:—¡Perdão!—quando a Lei diz:—Castigo.—
VI
Sim, Augusta; ella só, c^ue por um mede mil,
cingirá digna c ’rôa ao feito senhoril;
não já essa de roble, outr’ora imposta á coma
do cidadão salvando um cidadão de Roma,
mas de amores na terra, e na Patria, de sóes;
duplex c’rôa, invejanda aos maximos heroes.
VII
E d e p o is... (bem sabeis) por mui christan que seja,
nunca de todo esquece uma alma bemfazeja
venturas que espalhou, bênçãos que mereceu;
do fundo coração, mago thesoiro seu,
lagrimas que hão furtado as suas mãos amantes,
a estrellejam de luz mudadas em diamantes.
VIII
Pedi-vos um perdão, Senhora; outro podia
não menos supplicar da insólita ousadia.
Em vós, deslumbram: prole, esposo, irmãos, avós; ..
mas de tanto esplendor desassombrais-me vós:
dentro da Majestade, a mulher mãe contemplo;
trouxe ao P aço a oração, como a levára ao Tem plo.
AGRADECIMENTO
E PIS T O L A 2.»
A
Lisboa
A gosto de 1857
VIU
C A R T A A SUA MAJESTADE
A . F. de Castilho.
IX
CARTA
AOS
A . F . de Castilho.
X
ADRIANA LECOUVREUR
o p e r a em quatro acto s
TRADUZIDA DO ITALIANO
DO SN R . A C H IL L E S DE L A U Z IÈ R E S .
I
Sob o que ri, descrê, chora, doideja, lida
sob a cambiante, a escura, a procellosa vida;
por baixo do presente, ingrato, vão, fugaz,
ha duas regiões: na menos funda, jaz
tudo que vida teve; o enxame outr’ora activo,
que errou, zumbiu, soffreu, como este agora vivo.
II
Mas entre applausos férvidos
¿que meiga voz retumba
’té aos recessos intimos
da horrenda catacumba?!
O s eccos alvoroçam-se;
desperta o coração;
cala o porvir. ¿ Que magica
soltou esta canção?!
III
0 ’ flor do Mincio, ó Mantua; a Roma, inveja
dão teus fados poeticos: Virgilio,
o grande, o que abrangeu no canto augusto
o immenso imperio, os Cesares e os deuses,
chamou-te mãe; por séculos dezoito
descançaste do parto; alfim te assoma
esta filha, outra inveja ao mundo e a Roma.
Diva irman de Virgilio,
tu, que os imos arcanos
da Natureza e da Arte a fundo sondas,
inspirada Sibylla em viço de annos,
dize-me o teu segredo; ¡oh! não m’o escondas.
¿Acaso de tão longe o teu Virgilio
te adivinhava já?, te pressentia?
¿eras tuj por nascer, a doce Musa
que lhe inspirava a terna poesia?
Vagam no Elysio (d’elle proprio o soube),
co’as sombras dos que hão tido illustre fama
sombras dos que hão-de têl a: heroes, heroinas,
sumidos na selvatica espessura
de seus futuros loiros,
a aguardarem os séculos vindoiros.
¿D’essas uma eras tu?, que interdormido
lhe ias verter no ouvido
mysterios de ineffavel sympathia,
quando elle suspirando repetia:
— «Aos deuses lá no Ceo levae-me, ó ventos,
«parte d’estes accentos!» —
Sim, sim, apraz-me o crêl-o, entre vós ambos
havia-já então, e inda hoje existe,
commercio fraternal: cantavas n’elle,
poetisa elle em ti; eras outr’ora
a sua Musa, elle é teu Phebo agora.
ïi4 Em presa da Historia de Portugal
IV
Que digo? á mente vasta,
para encher-t’a, um Virgilio inda não basta:
das edades pretéritas evocas
as femininas sombras memorandas;
quaes, cingidas de rosas;
quaes de feraes cyprestes;
umas, sorrindo amor; outras, chorosas;
já, furiaes; já, victimas celestes.
Evócal-as, ressurgem; despareces;
já n ã j és tu; és Dona Elvira; és Fides;
Eleonora, Semiramis, H ekn a,
Desdémona, Macbeth, Amina, Sapho,
Palmira, Gatharina, Anna, Delicia,
Rosina, Abigail, Theodora, Anaide,
Norma, Rebecca, Longueville, ¡e quantas!
Todas são tu; és todas;
renasces, morres, vives, ressuscitas;
pranto, invejas, horror, ternura, excitas.
Das mil paixões na arena, arrancas sempre
os vivas da victoria; a turba attonita
vê-te mil, e uma só; diversa, a mesma,
foco de seducções; não te resiste;
e á déspota das almas
sente-se altiva em tributar as palmas!
V
¡A ’vante'pois na triumphal carreira,
de nações em nações, de mundo em mundo,
nobre filha da Italia!! ensina aos povos
que inda é Romano o genio da conquista:
guerreiro outr’ora, em nosso tempo artista.
A ’s flammigeras aguias
os namorados cisnes succederam.
A ’s aguias, inda alguem de longe a longe,
um luso, um Viriato, ousava oppôr-se;
Obras completas de Castilho ii5
VI
Tedesco, hoje, entre nós; passados poucos d ia s .. .
no theatro, o deserto; as raras melodias,
que nos fazem tremer, bramir e delirar,
vão ter por coro o vento, e por tablado o már.
¡Depois, já n ’outro mundo! Após tão amplos mares,
o Brazil, terra de oiro á sombra de palmares,
já te aguarda insoffrido, e te apresta os laureis.
¡Depois, que de orbe aindal e a nós, aos teus fieis,
nunca mais volverás; nunca jamais.
V il
Lá quando
lassa de conquistar, ao ocio amigo e brando
te volveres alfim do ninho teu natal;
quando do Mincio á beira, a sombra fraternal
te induza a contem plar do orbe a carta immensa,
m appa da tua gloria, encara o T ejo; e p e n s a ...
pensa que á tua voz, á tua voz tão só,
lyra de tanto muda, esquecida no pó,
vibrou, trem eu, surgiu do fundo de um jazigo,
a tributar-te uro hymno, a modular comtigo.
Sim; cantaste Adriana ; e um ecco portuguez
do fundo d’esta lyra a redisse outra vez;
e depois, a canção que a tua lhe acordàra,
a ti a dedicou. Era assim que ante a ara,
no teu antigo Lacio, um devoto pastor
das flores á deidade offertava uma flor.
Vili
Torne ao silencio a lyra; o obreiro á obra ingente,
e a ouvir os vagos sons que veem lá do nascente.
Lisboa
1858—Novembro 28
PREÂM BULO DO TRAD U CTO R
ARGUM ENTO DA O P E R A
Mauricio Conde de Saxoiiia, Marechal G e
neral de França, nascido em Dresda aos 19
de Outubro de 1696, e fallecido em Cham-
bord aos 3 o de Novembro de 1760, avulta
grandioso na historia politica e militar d’a-
quelles tempos. A presente opera, extra-
tada de um drama de Scribe, é miniatura
d’esse quadro, que já era elle proprio resu
mo caprichoso de uma historia tão ampla e
memorável-, tem o duplice interesse de nos
abranger, com poucas linhas de contornos,
um memorável guerreiro, e uma memorável
artista: Mauricio e Lecouvreur; dois genios,
dois triumphadores; elle, pela sciencia e pe
las armas; ella, pelo talento e pelos feitiços.
P ôr em contacto, em harmonia, em jogo
dramatico, o heroe e a heroina, podéra ter
sido inspiração feliz da poesia, mas foi obra
real do acaso, da fortuna, do amor. Mauri
cio de Saxonia e Adriana Lecouvreur viram-
se, conheceram-se, amaram-se; as duas au
réolas mutuaram, confundiram por um mO'
mento, os seus resplendores.
O poeta lyrico italiano, éujo sou intérpre
te, angustiado sem duvida nas estreitezas,
no leito de Procustes, d’este genero de
composições, deixou por ventura, e deixá
mos por consequencia tambem nós, algu
mas partes do enredo menos allumiadas e
i24 Emprega i a Historia de Portugal
A L e c o u v r e u r , dama do
d r ia n a
SCENA I
(Actores e actrizes, com seus variados trajos theatraes: uns de co-
media, outros de figuras que hao-de entrar na tragedia B a j a -
ase*. Q uiuault de vízir. Scornato joga o xadres com outro
actor. Alguns estão de mirÔes ao pé do taboleiro; varios aos la
dos e diante do fogão ; este, prova um vestido ; aquelle passeia;
aqueil’outros conversam em meia voa, ou estudam os seus pa
péis. Um toca rijo uma campainha e cbama.)
Um a c to r. ¡Michonnet !
O u tro s Buscae o; ¿aonde ?
nunca pára.
Q u in a n lt (jogando) Mate ao rei.
(O aetor agita outra vez a campainha.)
O u tro s ¡Grita bem! vê se responde.
O a c to r ¡Que m aldito! ¿onde o achareit1
Còro A A driana deu-lhe coca ;
o theatro anda ao laré;
deixa tudo ir á m atroca ;
¡quem diria! ¡o M ichonnet!!1.
¿Será fada essa A driana ?
/quem viu nunca igual m ulher ?
já do povo é soberana,
e inda mais vassallos quer.
O a c to r ¡Michonnet! ¡grita-se, e nada !
¡Michonnet 1
Obras completas de Castilho i3 i
S C E N A II
Os precedentes, M ic h o n u e t
S C E N A III
M ic h o n n e t só, depcis A d r ia n a
V OL. XXI 9
134 Empresa da Historia de Portugal
S C E N A IV
A d ria n a só, depois m auricio de Saxonia
A dr. (seguindo com a vista a Michonnet)
¡Que alma nobre!
(Tornando em si)
De am or trium phe em parte
agora a Arte.
(Retoma o papel e declama)
Os meus tramas e ardis,
minha traição fatal ,
quanto ousei, quanto /??,
¿lucral-o uma rival?
¿Uma rival? ! !
Maur. (com galanteio, á porta da esquerda)
¿Rivaes para Adriana?
A dr. Arminio meu, julgava-te na sala,
segundo a tu a carta, a amavel nuncia
do teu fausto regresso.
M aur. (descendo o pateo) ¿Oh) nao podia
viver já sem te vêr, sem repetir-te
que só, sem ti, querida,
me é todo o mundo exilio, e peso a vida.
¿E tu amas-me ainda?
Adr. (com infantil simpleza, pega-lhe da mão e lh’a põe sobre
o seu proprio coraçáo)
P ergunta a este qual o pôz tu a vinda.
(Com transporte)
¿Se te amo? ¡ahí tu conhecel-o
m elhor do que eu t’o digo.
Dois s5o meus votos unicos:
viver, m orrer, comtigo.
¡Ingrato! ¿perguntares-me
se ardo por ti de amor?
seja-te d alma intérprete
dos olhos meus o ardor.
M aur. Repete a phrase magica;
redobra-m e o delirio;
dos séraphins as citharas
cuido escutar no Empyrio.
Vezes repete innumeras
esse amo encantador.
G rande te ha feito a gloria,
faz-te divina am or.
Obras completas de Castilho 1 35
SCENA V
O Duque de B ou illon, o Cavallelro de Alby
Dnq. (segue com os olhos a Mauricio, que o não vê; no mo*
mento d’este desapparecer, diz:)
Se n ão me engano, era Maurício, o Conde,
que ora partiu.
136 Empresa da Historia de Portugal
S C E N A VI
Os precedentes, M ichonnet, depois fidalgos, actores e «driles,
e por ultimo Adriana
C ô rj ¡Viva Adriana!
A dr. ¡Oh! ¡calae por piedade!
(com impaciencia)
M ich. ¿T u que tens?
A dr. (a meia voz) Estou m orta, não sei.
¡Um signal de que vir já não ha-de!
¡e eu tão cega que am ante o julguei!!
D uq. (em pé do meio do theatro, a todos os circumstantes)
P retendo, em honra da grande artista,
dar um a festa; sois convidados;
¿vireis, Adriana?
A dr. (com voz muito sumida) Nao.
Q uin, (áparte) Q uer que insista.
D uq. T erem os danças, risos, agrados;
as classes mixtas: nobres e artistas.
Sereis, A driana, vós a sob’rana;
vosso parceiro, bravo guerreiro:
o joven Conde Mauricio.
A d r. (ao ouvir-lhe o nqme, levanta a cabeça, pensa um ins
tante, e exclama resoluta:)
Prom pta.
(áparte) Irei ser util ao que me affronta;
po r elle ao Conde supplicarei.
Oôro ¡Adriana acceita!
A dr. (para o £>uque) Faltar não sei.
Còro Nas taças á mesa de espumeo licôr,
na musica accèsa, nos cantos de am or,
¡amemos! ¡gosemos! ¡busquemos folgar!!
iS8 Empresa da Historia de Portugal
F.M DO ACTO I
A C T O 11
SCENA I
fUm magote de malfeitores, gente do Duque, atravessa a scena
muito a passo, como que a observar e sem querer aer visto)
S C E N A II
Saleta no interior do pavilhfio. A ’ direita uma janella; á esquerda
urna porta. No topo duas portas, urna das quaes disfarçada
(A D uquesa d e B o u illon está assentada a uma mesinha, e dá
de quando em quando mostras de insoffrida. O relogio dá umá
hora )
Duq.* ¡ Mas não chega! ¡uma hora ha já que espero!
e d’a n te s .. . ¡que ñel pontualidade!
da minha mallograda mocidade
mais um anno là vai; m arcou-o esta hora.
140 Empresa da Historia de Portugal
SCENA III
A D aqueza, Maurici»
Hanr. Duqueza!
Dnq.* Alfim!
Maur. (ajoelhando) Dignae*VOS
o involuntario aggravo
p erdoar gen erosa ao vosso escravo.
Obras completas de Castilho 141
S C E N A IV
O Duque, todos os convidados, depois M aurici*,
e por ultimo Adriana
D uq. (a Mauricio)
Conde, fausto o am or vos seja;
tudo aqui a am or festeja;
do festejo a soberana,
(Entra Adriana)
SCENA Y
A driana, e depois a D u q u e »
A d r. (meditativa)
Prom etteu-m ’o; estava certa.
Sahireis, senhora, occulta
que ninguem vos ha-de ver.
(Apaga a luz. Ouve-se entSo fora o còro dos malfeitores
do Duque. Corre Adriana 4 janella e observa-os. Vai-
se o coro a pouco e pouco attestando, e váo-se as
vozes a esvahir na distancia. Volta Adriana da janella
e diz:)
Foi-se a odiosa turba-m ulta;
não ha tem po que perder.
(Todo o theatro está escuro e silencioso. Vai Adriana
bater á porta do gabinete onde está a Duqueza)
S C E N A VI
Adriana, o D u q u e , os convidados
FIM DO ACTO II
A C T O III
SCEN A I
Senhores e senhoras em trajo de baile. Por entre as columnas do
fundo se vêem apparecer e desapparecer os pares da dança
O Onque, a D uqueza e * l b j
S C E N A II
Os preced ente!, A d ria n * e H le h n u e l
S C E N A III
Os precedentes e M aurici»
TODOS
SCENA I
( M ic h o n n e t entra, olha para dentro da cortina, levanta a, vê-se
o leito em que A d r ia n a está deitada)
S C E N A II
(4 á r ta n a só. Ltaça-se para cima de uma cadeira, toma as
ñores, contempi <as, e as beija.
Fica absorta em pensamentos maguados, repetindo as palavras
do acto I.)
•Fores são que am or te ha dado:
«findo o am or, m ’as restitue.»
E ra assim que eu lhe dizia,
quando am or m e prom ettia.
Inda foram seus am ores
mais ephém eros que as ñores.
(Pausa)
Lindas nuncias de desejos
que a beijar-vos segredei,
fostes mais que flores: beijos
que eu lhe enviava, e que lhe eu dei.
Vence a am or a iniqua sorte;
repulsou-vos o cruel:
nuncias pois da minha m orte,
¡vinde! ¡vinde! eu sou fiel.
(Beija-as muitas vezes com arrebatamento, depoU atira-as ao lume)
S C E N A U L T IM A
Mlehonnet, M auricio, e Adriana
LETREIRO
P O S T O PO R BAIXO DE UM R E T R A T O
DE
Lisboa
19 de Fevereiro de i85g.
X II
J U L IE T A
NA
O P E R A I C A P U L E T I E M O N TECH 1
SONETO
A ’ P R IM A D O N N A
MARGARIDA BERNARDI
NO SEU BENEFICIO
NO
Lisboa
8 de Abril de i858
X IV
DESPEDIDA
CANTADA
PELA
P R IM A -D O N N A M A RG A RID A BER N A R D I
AO
Lisboa
27 de Maio de i858.
XV
POlt
PIETRO HERI-BJLRÌLDI
NO
REAL T H E A T R O DE S. CARLOS
Lisboa
19 de Março de 1859
XVI
IDESIPEIXED.A.
Pulí «a o ntnti do iolir
NO ALBUM
DA
Lisboa
23 de Março de 1861.
XVII
FELIGITÁÇÂ O
DA
SA N -P IE R O
SONETO
OS PORTEIROS
DO
Lisboa
N atal de 1860.
X IX
IDÆOEsTOLOQO
P A R A SER RECITADO
PELA
A C T R IZ E M IL IA D A S N E V E S E S O U S A
fl’llH A PROJECTADA FESTA THEATRAL
EM BENEFICIO
DA
I
O Theatro é do mundo espelho immenso e vago.
II
¡Oh! ¡se te amo, Theatro! ¡oh! ¡se te devo amor!
Quanto sou, foi teu don, meu bello salvador,
theatro, capitolio, escola, asylo, mundo.
Se vélo, penso em ti; se durmo, o somno fundo
ás penas da saudade os gosos substitue;
então, qual foste, és meu; eu, tua sou, qual fui;
sonho ver apinhada a luminosa sala,
vibrar aos gestos meus, tremer á minha fala;
e, como outr’ora, então, logo ali, tambem eu
aos seus brados vibrar, tremer no applauso seu.
III
P or cidades e cam po o u tr’ora, ao perto, ao longe,
envôlto em seu borei, encanecido monge,
co’o pardo saco ao hombro, as sandalias nos pés,
nas mãos bordão nodoso, ao sol crestada a tez,
impassivel á injuria, ao sol, ao vento, ás chuvas,
pedia, extranho á terra, os seitis das viuvas,
ao colono a paveia, e do pobre os reaes;
depois, abria o saco, e mosteiros Reaes
lhe pulavam de dentro, aos séculos assombro.
IV
Finda a estação gelada, a bosque e monte nus,
progresso eterno, o sol faz de calor e luz
verduras, esperança, aromas, graças, flores,
musicas mil no ar, nos peitos mil amores;
e nos ninhos á sombra, e no flóreo matiz,
e nos chãos de esmeralda, em tudo, já prediz
que vem lá o verão; que d’esses mudos ovos
vão pulular, fugir, sem conto, alados povos;
que é messe de oiro a relva; um pomo cada flor;
cada fragrancia um favo. ¡Hosana ao Creador!
¡ao Progressista Summo! ¡ao Prodigioso Eterno!
que no mundo moral, como no mundo externo,
ao pensamento e ao sol impoz a mesma lei:
— A 'vante! avante sempre! em fogo, em lu{ crescei;
tsôlva-se o rude inverno em rtca prim avera ;
•para o bem, para mim, se avance de tra em era .*—
178 Empresa da Historia de Portugal
V
¡Oh! ¡se a tivesseis visto, a escola, como eu vi,
a escola que ora nasce, a escola que ama e ri,
a escola clarfdade e cantos, como a aurora!
Damas que me escutais, ¡se a visseis! ¡se algum ’hora,
attrahidas ali pelo ecco do prazer,
dos frutos pelo aroma, a chegardes a ver,
tan ta attenção na infancia encher-vos-ha de pasmo,
de enlevo 0 seu progresso, o am or de enthusiasm o;
e exclamareis, como eu, a chorar e a sorrir:
—«¡Salve, ó berço, em que dorm e a gloria do porvir!»
Otras completas de Castilho 179
VI
iOh! ¡do divino drama acto novo e sublime!
{Surge electrico sol! O error, o vicio, o crime,
sombras da noite d’alma, e a inercia odiosa e van,
vão fugindo ao crescer da esplendida manhan.
VII
¡Mas a h í... ¿previ? ¿sonhei?... ¿a edade de oiro, ó Deus,
ter-nol-a-has tu guardado entre os arcanos teus?!
Delirio; os Ceos, são Ceos, e o nosso mundo é mundo.
VIU
¿Mas sabeis vós qual seja 0 grupo sideral
que n’esta hora do mundo attrai esta corrente,
a marchéta de luz suave e refulgente?
Essa constellação, feliz, terna, gentil,
mulheres, soil-a vós. O horóscopo infantil
ue em puericia ditosa adita a adolescencia,
3 obra ao adulto a força, ás cans dobra a sciencia,
(¿que outrem podéra sel-o?) ó damas, vós o sois.
IX
¿Quem resistiu jámais á supplica infantil
de creanças sem lar, sem pae, sem pão, sem veste,
que, alta noite de inverno, á chuva, ao vento agreste,
descalças, Deus na voz, e lá dentro nem Deus,
apegadas á mãe, seguem co’os choros seus
o peão distrahido, o coche luminoso,
que vão da op’ra á ceia, ou do amor ao repouso?
V O L . XXI 12
i82 Empresa da Historia de Portugal
3S Æ O R . E T O
ÏR A D U C Ç À .0 D E U H P O E M A A T T R IB G ID O A V IR G IL IO
OFFERECIDA
AO
I
Dez horas ha que é noite; a alada sentinella
d ’entre a brum a invernosa o dia emfim revela.
II
O utro fôlego vivo inda ha porém nos lares:
Cybale; entra a cham ai-a; é tem po de se erguer;
Cybale, do casal e do seu pobre haver
a serva guardadora. A pinta não engana;
quem n ’ella os olhos poe, diz logo: és africana.
Lan, p o r cabello; o beiço, inchado; escura a tez;
no peito ampla extensão; nos seio< flaccidez;
o ventre com primido; a perna sem grossura;
o calcanhar gretado; a planta enorm e e dura.
T o m a a chamal-a; chega; ordena-lhe ao fogão
m e tte r lenha, pôr agua ao lume.
A rotação
já deu fim á tarefá; agora a mão ligeira
lança todo o moído á concava peneira,
e sacode-a, e sacode-a, até que a sêmea vil
pule extrem e ao de cima; em baixo, a flor subtil,
aa farinha fugida á nuvem grossa e leve,
poisa, se alastra, alveja em cumulos de neve.
Em liza tábua a ajunta, a am ontôa mui bem;
infunde-lhe porção d’agua aue ao lume tem;
mistura, volve, am assa, endurece, redobra
as abas para o centro; em quanto adianta a obra,
vai na massa lançando em conta o vitreo sal.
Amassou, tende.
E ’ prom pto o pão, don cereal
disco achatado e am plo, em quadros com partido.
194 Empresa da Historia de Portugal
III
Ao rés da choupaninha
fica a pequena horta, a próvida vizinha,
com vimes por tapume, e seu cannaviaí
que offerta annua! um córte e rebenta annual.
IV
Cogitando talvez alguma coisa d’estas,
entrou na h o rta pois; direito aos alhos vai;
co ’os dedos fossa a te rra ; um, dois, mais dois extrai;
de aipo uns ram inhos colhe, arruda e mais coentro.
Regressa para casa; e apenas está dentro,
senta-se ao vasto lume, e pede á serva o gral.
Cebolas pela; em torno alastra-se o estendal
das camisas subtis que enjeita; emfim já franco
apparece lustroso o bôlbo interno branco;
em agua o banha, e o lança ao m arm óreo pilão.
Deita sal, deita queijo a que inda unidas vão
novas codeas de sal, um queijo ressequido;
e ajunta áquillo tudo as hervas que ha trazido.
E ntre as coxas co ’a sestra o fato subm etteu;
co’a mão do gral a dextra exerce o lavor seu;
móe os alhos primeiro, e logo de m istura
tudo mais que apanhou se esmaga, se tritura;
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