CSFV 1
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do autor.
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Parte
1
"Se o meu sorriso mostrasse o fundo da minha alma, muitas pessoas, ao
me verem sorrir, chorariam comigo." — Kurt Cobain.
Prólogo
O Sol está quase desaparecendo por completo. Aquele momento se tornou
o meu favorito do dia: quando o horizonte está manchado pelo laranja forte
e quente do entardecer; como se o Sol estivesse lutando, sangrando numa
batalha cruel e perdida para não desaparecer e a escuridão reinar. Mas
apesar disso... Nós sabemos que ele nascerá de novo, num novo dia. Esta é
minha inspiração, para continuar aguentando.
— Eu... eu não... — paro. Não sei o que estou tentando dizer. De repente,
senti uma necessidade de me abrir com Benjamin, mas não sei o que dizer
ou fazer.
— Ei! Está tudo bem não estar tudo bem, de vez em quando. — fala com a
voz tão suave e carinhosa que sinto vontade de chorar.
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Como um cara assim se disponibiliza a me ajudar sem nem me conhecer?
Não pensei que isso acontecesse na vida real.
Viro a cabeça em sua direção. Benjamin ainda está olhando para frente.
— Você também está aqui por causa dessa dor?— pergunto baixinho.
Benjamin fica um minuto em silêncio, ainda olhando para o lago, até que dá
um pequeno aceno de cabeça.
— E-eu... — sua voz quebra e parece que ele está prestes a desmoronar
— Está tudo bem não estar tudo bem. — repito o que ele me disse, com um
meio sorriso.
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— Vamos lá, babe! Não quero chegar atrasada para a aula da Sra. Peterson.
Aquela mulher me dá arrepios.
Como imaginado, Rose acaba de chegar. Não a deixo esperar mais e abro a
porta.
— Você sabe que não chegaríamos atrasadas nem que você esperasse mais
15 minutos, certo?
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— Talvez o problema esteja exatamente na palavra ―esperar‖. — Ela sorri.
Reviro os olhos para a espertinha ruiva.
Rose está usando um estiloso óculos de sol que cobre seus olhos verdes.
Ela gosta de estar na moda e ser o centro das atenções. Sou totalmente o
oposto, mas nossas personalidades diferentes combinam, de um jeito
estranho.
— Não precisa ser Sherlock para saber disso. Sua cara está horrível. —
Mesmo com o insulto, a última parte saiu mais como um carinho.
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— Valeu por não me deixar esquecer, Rose.
— Às suas ordens! — Ela bate uma continência. Não consegui segurar a
risada.
— De novo? Sério?
Rose bufa.
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— Ele ao menos te liga para dar notícias!
Não queria ter que pensar muito em Mike e na saudade que ameaça rasgar
meu peito. Fazem 435 dias desde que o vi pela última vez aqui, em
Fayetteville. A última vez desde que o abracei e segurei sua mão. Mudo de
assunto para afastar esses pensamentos.
O olhar de Rose deixou claro que ela sabia o que eu estava fazendo, mas
resolveu deixar passar.
— Claro que sim. Você me conhece há sete anos e ainda precisa perguntar
isso? Sempre acontece algo a mais quando Sean e eu estamos entre quatro
paredes, Kate. Além do mais, pensei que fosse um detetive melhor. — Ela
me olha sarcástica.
Bom. Era bom que Sean não estava sendo um idiota, provocando mais
brigas para o péssimo histórico deles.
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Avistando a escola, reprimo um suspiro. A primeira aula é de química,
como todos os dias.
— Não pareça que está indo para uma prisão, Kate. Carolina do Norte não
é o melhor estado do mundo, mas você bem que podia parecer mais
animada por vir as aulas do seu último ano. — viro-me para a ruiva que me
encara como se fosse minha mãe. — Então, vamos? — Ela prende meu
braço com o dela e começa a me puxar.
— Não.
Rose ri. — É só uma aula de química, Kate. O que de ruim pode acontecer?
— Kate? Você pode ficar por um instante, por favor? Eu gostaria de falar
com você.
Sr. Murphy está sentado em sua cadeira, então fico em pé atrás de sua mesa.
Não gosto de conversas que começam com "eu queria falar um pouco com
você." e que venham do meu professor de química. Matéria essa, que eu
sou péssima.
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— Certo...
— Kate, suas notas não estão agradando muito. Você tem muita
dificuldade de aprender o assunto e costuma errar questões de nível fácil.
Sugiro que procure alguém para te ajudar nisso, rápido. Você sabe o que
acontece se continuar assim, não sabe?
Engulo em seco.
— Eu sei.
Balanço a cabeça.
— Não.
Merda!
Saio para o corredor até minha próxima aula. Como vou conseguir alguém
para me ajudar com isso? Como vou conseguir passar em química e ir para
a faculdade?
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"Você apenas precisa encontrar o caminho certo para isso." Qual caminho?
Não conhecia ninguém, mesmo em quase 4 anos ali.
Clico para atender o mais rápido possível, porque não sabia se no segundo
seguinte aquela chamada ainda estaria ali.
— Hey, irmãzinha!
— Como você está? Onde você está? Tem ideia do tamanho da preocupação
que estava por você?
— Ei, ei! Calma, Kate. Estou bem, não se preocupe. Você sabe que eu fico
alguns períodos sem comunicação. É normal.
Normal?
— Não tem nada de normal ficar dias sem falar comigo. — respondo
asperamente.
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— Eu só tenho alguns minutos antes de sair para o trabalho. Você quer
mesmo gastar esse tempo brigando?
Eu não queria.
— Bem... É difícil dizer. Estou em Las Vegas agora e ainda não tenho
previsão de quanto tempo ficarei aqui. Depende do quão rápido vou ganhar
dinheiro suficiente para ir te ver.
Ele está em Las Vegas? Mesmo com essa informação excitante, meu
coração murchou com a resposta.
— Ei! Eu não vou te deixar sozinha, ouviu bem? Você vai me ver milhares
de vezes até se cansar. Não pense que vai se livrar de mim tão fácil,
irmãzinha. Além do mais, fui eu quem escolhi essa vida.
— Não quero que se desculpe por isso. Nunca. Você está bem?
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— Nem comece. Prometi cuidar de você e é isso que estou fazendo, mesmo
que de longe.
— Só não queria perder o pouco tempo que temos falando sobre meus
problemas.
Ele suspira.
— Logo mais, teremos tempo de sobra para falar sobre o que quisermos, eu
prometo. Agora é hora de conversar sobre você. Pode começar
respondendo.
— É claro que ele foi. Tudo o que está acontecendo foi resultado da
decisão dele. Se não tivesse ido embora como o covarde que é, a nossa
família não teria se transformado no que se transformou. Eu ainda me
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lembro dos malditos pesadelos que você tinha todas as noites e me matava
ver como você estava sofrendo e não poder fazer nada! — grunhe.
— A minha pode ter sido, mas não foi a sua. E não o considero mais como
pai. Para mim, ele está morto. — puxo uma respiração diante do ódio nas
palavras de Mike.
— Desculpe. Eu sei que você ainda o ama. Não devia ter falado essas
coisas. — Sua voz volta a ser gentil.
— Eu preciso ir. Meu turno no bar irá começar. Fique bem, ok?
— Ok.
— Eu amo você, irmãzinha. Mais que tudo. — Ele ainda me chama assim,
mesmo sendo gêmeos.
O outro lado fica mudo e, mais uma vez, meu irmão vai embora.
Olho para o livro na minha cama por alguns segundos. Esta vai ser mais
uma noite sem dormir, pelo visto. Muitas emoções foram despertadas e não
terei uma boa noite de sono, com meus pensamentos viajando em minha
mente e em meu coração.
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Deito de costas para a cama e pego o livro, na esperança de me perder nas
linhas e esquecer todos os sentimentos que fazem meu coração quebrar.
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Vivo imaginando o meu final feliz, desde pequena. Talvez seja porque eu
leio muitos romances e sonho com o cara perfeito, mas gosto de pensar que
terei um bom futuro.
Faz uma semana desde a última vez que tentei entrar em contato com Mike
e já estou cansada de não ter notícias dele.
Meu quarto não é muito decorado. Tenho quatro prateleiras: uma para séries
de fantasia e drama, outra para os clássicos e duas para romances.
Na parede seguinte, que fica ao lado da porta, tem uma estante média onde
guardo os de suspense, terror, ficção e poesia. Minha mesa de escrivaninha
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fica abaixo das prateleiras e também tem livros em cima dela. Minha
mochila do colégio guarda mais três livros e meu Kindle.
Olho a hora no relógio do celular. São 16:30. Tenho que ir para a casa de
Rose agora para ajudá-la com Inglês antes que fique tarde demais para o
jantar.
— Mãe? — Eu sabia que era ela, mas tinha que ver seu rosto para meu
cérebro acreditar que aquela era realmente a minha mãe.
Ele parece estar na casa dos 40, mas usa roupas mais jovens. Jeans rasgado
e as mangas de sua camisa azul marinho estavam nos cotovelos.
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— Kate, não faça assim. Não é como você está pensando. — Ela olha
nervosa de mim, para o homem mortificado, no canto da cozinha.
— Filha, eu…
— Você não me respondeu. Quem é ele? Ou é mais um que você não sabe o
nome? — cruzo os braços.
— Não aja como se isso fosse algo anormal para você. — cuspo, ignorando
Richard.
— Pare com isso! — diz como se realmente agisse como minha mãe nos
últimos tempos.
— Judie. — Richard tenta acalmá-la. — Nós... Nós não sabíamos que você
estava em casa.
— Desculpe, Kate. Eu errei feio com isso, mas estou tentando. — Ela me
olha nervosa.
— Oh, sim, sim. — solto sarcástica. — Vejo que está pondo muito esforço
na sua tentativa com o Richard. — O nome do sujeito saiu em desgosto.
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Ele franziu a testa diante com o jeito que falei seu nome.
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Kate! — diz minha mãe perdendo a paciência. — Você não precisava
ter visto isso, eu sei, e peço desculpas por isso. Mas não perca seus modos
falando dessa maneira comigo e com Richard.
— Kate, não...
— Olha só, não quero ouvir mais nada. Mudei de ideia. Vou sair agora.
Assim vocês podem continuar a festinha que estavam fazendo antes de eu
interromper. — dou meia volta e sigo para a liberdade.
— Kate! Kate, ainda não terminei1 Volte aqui! Katherine! — Ele vem atrás
de mim, mas bato a porta da frente, deixando-a com seus gritos e Richard
para trás.
Ainda escuto quando ela pede perdão a Richard pelo meu comportamento.
O meu comportamento? Quase rio da hipocrisia.
Não leva muito tempo até chegar no meu destino, já que Rose mora na
mesma rua que eu.
— Kate.
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—
Ele é um cara bonito. Só vestia preto e couro, tem pele negra, olhos escuros
e o cabelo bem raspado. Não chegava a ser careca, apenas curto.
Sean deixa a porta aberta e passa por mim, com suas botas pretas fazendo
barulho, em direção ao seu jeep.
Sério mesmo?
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Bem, porque temos estudo marcado para esta mesma hora. — cruzo os
braços e olho com impaciência.
— Bem, então você tem que falar com ela. — aponta para a casa.
— Não é da sua conta, Kate. Mas para te deixar tranquila, — Ele sopra
mais fumaça. — Não tenho intenção de magoar minha namorada. — Sua
sobrancelha se ergue.
— Claro que sim. — A fumaça chega até minha e faço o possível para
permanecer neutra. — Acho melhor você entrar. Rose já deve estar
terminando. — E volta a tragar o cigarro.
Passo pela sala estilosa e subo as escadas de madeira até seu quarto. Não
me incomodo em bater na porta, apenas abro e entro.
— Rose, que história é essa de que você e Sean vão sair no momento da
nossa hora do inglês?
23
—
— Oi para você também, Kate. — ela estava terminando de prender o
longo cabelo num rabo de cavalo no seu espelho da penteadeira.
— Então, vai me dizer para onde vão que nem se incomodou de me avisar?
— cruzo os braços.
— Casais brigam, Kate. Isso é normal. Eu tenho que ir. Podemos marcar
para outro dia? Não quero ficar num clima chato com Sean, nem com você.
— Kate. — ela suspira e caminha na minha direção. — Olha só, não era a
minha intenção furar com você, ok? Eu ia te mandar uma mensagem para
você não precisar vir aqui. Por favor, baby, não fique chateada. Eu estudo
mais do que o dobro se você quiser.
Deixo escapar um longo suspiro. Não tinha muito o que fazer mesmo. Não
podia acabar com a alegria dela.
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Desde que ele se lembre de que você é a melhor pessoa do mundo, não
te faça sofrer e não te roube mais de mim nas horas de estudo, ok, eu não
vou ficar chateada. Apenas desta vez. — acrescento.
Suspiro.
— Você percebeu?
— Você sabe que eu te amo, não sabe? — Rose olha dentro dos meus
olhos, me lembrando de todos os sete anos de parceria.
— Eu sei. E também te amo. Agora vai logo antes que eu mude de ideia, te
prenda aqui e te faça comer todos os livros que eu te der.
— Até amanhã!
Aquela é a ruiva que me ilumina nos dias escuros. E eu lutaria para ser o
seu Sol, se ela um dia precisasse.
25
—
Carregar 6.000 tijolos cobrou seu preço. Mal sinto meus braços quando
levo o copo de água à boca. Até a água daqui é ruim.
É sábado e não eu não tinha aula, então vim fazer trabalho extra nas
construções. Quase desisti quando vi o que tinha que fazer. Não que eu seja
preguiçoso, apenas querendo algo melhor que levantar tijolos e ganhar
pouco para isso.
Ele é jovem, porém mais velho que eu. Devia ter 22 anos. Um loiro de
olhos azuis, que trabalha na parte de finanças da construtora.
Retorno seu cumprimento com um aceno de cabeça, cansado até para falar.
Adam vai até sua moto, uma KTM 200 Duke, e liga o potente motor,
coloca o capacete e deixa o local.
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Respiro fundo para me dar a coragem de caminhar até a minha casa.
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Moro numa parte pobre de Fayeteville, uma cidadezinha da Carolina do
Norte.
Parando em frente a minha casa, velha e descascada, noto que muitas luzes
estão acesas no andar de baixo; sinal de que meu pai está em casa, com
outras pessoas. Seus companheiros de jogos, provavelmente.
Não estou no clima para lidar com nenhum deles, mas não tinha nenhum
outro lugar onde eu pudesse ficar. Com um suspiro, subo os degraus de
madeira velha e escuto a conversa alta dos bêbados. Coloco a chave na
fechadura. O que se mostrou uma tarefa desnecessária, pois ela não estava
trancada. Meu pai nunca a tranca. Isso era um problema enorme
considerando o lugar onde morávamos.
— Phil? Acho que o Phil chegou. Phil, é você? — meu pai pergunta,
arrastando-se nas palavras. Algo muito comum. — Ah, Ben. Achei que já
estava em casa. — A figura baixinha e pesada aparece no pequeno hall de
entrada.
Ele não disse isso de forma receptiva. Sua voz profunda e arrastada, quase
como um rosnado, não facilitava.
Meu pai é um cara gordo, com barba que dava um certo nojo. Seus cabelos
estão perdendo a cor e não há nada feliz na aparência dele.
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Meu corpo tenciona com a pergunta. Eu não tinha o hábito de dizer quando
eu recebia e onde eu guardava o dinheiro. Meu pai não é uma pessoa
confiável se tratando do assunto.
— Não demore. — meu pai resmunga para mim e volta para seus amigos.
— Não era o Phil. Kurk, cara, o que está fazendo?
Subo as escadas a caminho do meu quarto. Lá, pego uma toalha e vou para
o pequeno e único banheiro, no final do corredor.
Tomo um longo banho ao som de I Wish You Were Here de Pink Floyd,
no celular. Não devia demorar tanto, porque a água poderia faltar, mas não
me importo com isso neste momento.
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Deixo que a melodia da música acalme meu espírito.
Sempre canto o refrão "Como eu queria que você estivesse aqui" para a
minha mãe. Pensar nela é uma triste melancolia e constante lembrança da
minha culpa, mas também é consolo e paz. Um paradoxo muito estranho,
tipo as músicas do AC-DC.
Pego meu velho celular, que já está tocando Born To Be My Baby do Bon
Jovi, em cima do vaso e saio do banheiro. Tudo o que quero agora é
dormir, penso quando fecho a porta do meu quarto.
Já que não vou conseguir dormir tão cedo por causa do barulho lá embaixo,
decido continuar minha busca pela família da minha mãe, mesmo sabendo
que não vai dar em nada, depois de tanto tempo.
Suspiro e deixo o celular de lado. Estendo o braço para pegar o meu violão.
Eu o chamo de Big Ben. Big Ben foi o amigo que nunca tive, o cara que
ficou comigo todas as horas da minha vida por 10 anos e não me deixou
cair no poço da insanidade. É estranho que um objeto assim possa salvar a
pessoa de se perder na própria cabeça, mas foi o que aconteceu comigo.
Alguns minutos depois, o cansaço me vence. Devolvo Big Ben para o seu
canto, ao lado da minha cama e ponho as mãos debaixo da cabeça.
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— Boa noite, Mommy Cookie. Espero que eu sonhe com o seu sorriso
hoje.
Há um som ao longe.
Se prestar bem atenção, é Gimme Shelter do The Rolling Stones. Não para
de tocar e, apesar de amar muito essa banda, não quero escutar nada além
do silêncio agora.
Suspiro.
Hoje é segunda, então acordo antes do Sol nascer. Alguém tem que deixar
a casa limpa e eu passo o dia inteiro fora na escola e depois no trabalho. O
único jeito é fazer tudo agora, porque quando chegar do trabalho estarei
cansado demais até para respirar.
Como muitas vezes, meu pai estava bêbado demais para subir as escadas
para o próprio quarto, então ele dormiu no sofá. Queria que ele parasse
com isso antes que tivesse uma doença grave.
Agora, vou até a lavanderia que fica do lado de fora e é composta por
apenas uma pia velha. Deixo que a água encha o tanque, então começo a
lavar a roupa. Uma máquina de lavar também economizaria muito do meu
tempo.
Depois de me arrumar vou ate a cozinha para ver se tem algo para comer
nos armários. Nada além de pratos velhos e copos. Fecho as portas. No
caminho eu compro algo.
Sempre foi meu sonho ser um astro do rock. Ficar famoso para poder viver
sem se preocupar se vou conseguir comprar comida para o dia seguinte.
Um dia, eu vou conseguir. Apesar de às vezes achar que isso é algo
impossível para alguém como eu, me inspiro em outras histórias como a do
Mick Jagger, Kurt Cobain e Michael Jackson. Isso, e a minha paixão pela
música, me dão esperanças de que chegará a minha vez.
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Depois de alguns minutos de caminhada, eu chego na padaria da Flora. Ela
é uma velha amiga e sempre passo para visitá-la, antes de ir para a escola.
Assim que me viu, abriu um grande sorriso, o que me fez sentir um pouco
especial.
Fluflu está nos seus 60, mas ainda linda e com a alma jovem. Sempre tem
algo rosa com ela. Hoje era uma presilha na lateral do cabelo grisalho.
Seu óculos está pendurado na gola de sua camisa branca. Também usava
uma saia de tecido azul e saltinhos que faziam barulho quando ela andava.
Fofa.
— Hmmmm. — finjo pensar. — Você não viria junto com o pacote, não é?
— Ora, seu galanteador. Estou muito velha para esse tipo de coisa.
— Não pense que porque tem a idade que tem, seu espírito não é jovem,
Fluflu. Amor não tem idade e nunca é tarde para ele.
— Você é sábio demais para a idade que tem, menino. Bem, você ainda
não me disse o que quer. Que tal um daqueles donuts com bastante
chocolate como você gosta? Ou os pretzels açucarados?
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Meu estômago roncou com as palavras "donuts", "bastante ", "chocolate ",
"pretzels", e "açucarados".
Ela bufa. — Claro que sim! Não vê como está magro? Não tem se
alimentado direito? — Ela cerra os olhos para mim, fazendo seu rosto ficar
mais enrugado.
Merda!
— Meu bom Deus! Você acha que isso é o suficiente para sustentar um
homem do seu tamanho? Ah, Cristo! Eu pensei que você tinha algum juízo
nessa cabeça. Você não pode sair da minha loja levando somente isso. Tem
que comer alguma coisa para encher a barriga, senão pode acabar
desmaiando por aí.
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Ela desapareceu, com seus saltos bonitinhos, atrás de uma cortina
murmurando estas palavras. Levou algum esforço para segurar a risada que
insistia em sair depois do discurso indignado de Fluflu.
Alguns minutos depois, ela reaparece com uma caixa e um copo de plástico
em mãos.
— O que é isso?
Quase engasgo.
Ela zomba. — Sim, sim, certo. Ande, garoto! Não tenho o dia todo e você
já está atrasado.
— Mas...
— Sem "mas".
— Mas...
Suspiro. — Tudo bem. Você venceu. Mas vou pagar por tudo.
Flora nunca me deixava pagar quando vinha aqui e disse que iria me
procurar com uma espingarda se deixasse de vir por isso.
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— Você não vai me pagar nenhum centavo. Você vai, apenas, dar um beijo
na minha bochecha velha e sair por aquela porta em direção ao colégio.
— Mandona!
Pego a caixa e o copo de suas mãos. Isso era muito mais do que apenas
comida e nós dois sabíamos disso. Nunca poderei agradecê-la por tudo o
que fez por mim durante todos os 5 anos que a conheço.
Saio da loja e caminho até a escola, que não está tão longe. O último
período começou há 3 semanas e já estou ansioso para começar a
faculdade.
Me ponho a andar porque o dia de hoje vai ser difícil. Como todos os
outros.
36
4
É mais um dia nublado e fico feliz por usar meu casaco cinza de algodão.
Rose não parece se importar muito com o tempo, já que está vestindo saia
preta com uma blusa de manga curta rosa. Ela tinha seu próprio jeito de
ser, a sua identidade e não escondia de ninguém. Nem o clima consegue
pará-la.
— Hey, Rose! Você se lembra de quando eu disse que não queria saber
sobre a vida sexual de vocês? Então, eu quis dizer exatamente isso.
— Não, Kate, você não está entendendo. Nós fizemos sexo, foi bom, mas
não parecia certo sabe? Eu tive uma sensação que tinha algo errado e isso
acaba comigo.
— E você já falou com ele sobre isso? — Viro meu rosto para Rose,
preocupação fazendo meu coração acelerar.
Ela estava com a testa franzida. Odiava ver que estava preocupada assim e
mais ainda se o motivo fosse o idiota do namorado dela.
Paro de caminhar e seguro seu braço para que ela parasse também e olhasse
para mim.
— Isso não é besteira, Rose. Se você não está feliz no seu relacionamento,
fale com ele sobre isso. Se Sean não fizer nada a respeito, então ele não te
merece.
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— Olha só, para, ok? Eu sei que você não gosta muito do Sean, mas eu o
amo, Kate. Então, por favor, entenda isso e pare de ficar falando essas
coisas. — Rose volta a caminhar, rápido, desta vez.
O sinal toca avisando que a primeira aula vai começar. Saio do banheiro e
vou até a sala de química.
— Bom dia, sr. Murphy! — sorri. Rose não faz aula de química comigo, o
que era um alívio. Não queria uma tensão sobre nós agora.
— Bom dia, pessoal! Hoje vamos fazer uma coisa diferente. — Eu gosto
do Sr. Murphy, mas odeio a matéria que ele ensina. Era pior quando ele
vinha com "algo diferente".
Os olhos do Sr. Murphy recaem sobre mim por alguns segundos a mais.
Ótimo. Serei obrigada a socializar e ser a responsável por este "algo
diferente".
Paro de ouvir o sr. Murphy, para procurar quem é o tal Benjamin. Acho
que já ouvi o professor chamar seu nome algumas vezes, mas não consigo
lembrar quem ele é. Não tenho o costume de prestar atenção nas pessoas ao
meu redor e não sabia o nome da maioria das pessoas que estudam na
mesma sala que eu.
— Kate?
Ele sinaliza para o lugar em que devia ir. Balanço a cabeça para mostrar
que sabia onde Benjamin está. Na frente.
Pego a minha mochila caída do meu lado, para ir até ele, mas ele começa a
caminhar em minha direção. Alto. Ele é um cara alto.
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Benjamin tem presença. Talvez fosse seu corpo enorme, comparado ao
meu.
— Boa sorte. — diz olhando para mim por cima dos óculos.
— Não se preocupe. — Sou atraída pelo sorriso em sua voz. Eu tenho que
confessar: Benjamin ainda é mais bonito quando sorri. — Você não?
— Então parece que o Sr. Murphy acertou na escolha das duplas. — diz
sorrindo mais ainda. Ele tinha algum senso de humor.
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Nos últimos minutos, ele conseguiu fazer o trabalho praticamente sozinho e
até conseguiu me ajudar com algumas questões. Fiquei surpresa com a sua
inteligência e eficiência em resolver o questionário. O Sr. Murphy estava
muito contente quando nos deu nota máxima por isso. Eu mesma estou
contente com isso.
Obrigada, Deus, por colocar este anjo de cabelos negros para me salvar do
monstro chamado Química Orgânica!
— Eu poderia dizer um "Eu te falei", mas sou muito bonzinho para isso.
— diz fechando a mochila.
Devia ser crime ser tão bonito e inteligente assim. As costas de Benjamin
são largas e a pele um pouco bronzeada, o que indica que fica no sol por
bastante tempo. Os cabelos pretos parecem que não tiveram um bom corte
há um tempo, mas isso não o deixa menos bonito.
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Suas roupas são bem simples: camisa preta e outra xadrez por cima, com os
botões abertos, jeans surrados e… uma bela bunda. Mas porque eu estou
me importando com isso?
Depois da escola, volto para casa com um péssimo humor. Ainda tenho
algum dinheiro na carteira, então vou ao pequeno mercado perto de casa e
compro o necessário para fazer o jantar.
Estou me aproximando de casa e vejo que o Sr. Finlay está no seu lugar
habitual, na sua varanda.
— Hey, Sr. Finlay! — cumprimento-o quando passo por sua casa. Quase
sempre ele está na varanda, em sua cadeira de balanço. Às vezes, até
parece que está esperando alguém.
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Me aproximo da sua velha casa, como sempre faço, para ele não ter que
forçar muito a voz. Está vestindo um suéter azul marinho e um cobertor
nas pernas. A pele negra parecia mais ressecada que o normal.
— Ah, mas o senhor está em forma. Talvez até consiga sair para dançar
com uma bela moça, não?
— Não existe outra mulher para mim desde que minha esposa se foi.
O amor que o Sr. Finlay tem por essa mulher é algo que eu quero ter um
dia. Ele está sozinho naquela casa por muito tempo, mas não parece se
sentir assim. É como se ela estivesse sempre com ele, em seu coração.
Ele faz um movimento de dispensa com a mão, porém eu sei que, em seu
coração, aquelas palavras o fortaleceram.
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— Você sabe o que eu acho sobre isso. Não era você quem devia estar
fazendo o papel de pai.
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Vá, garoto! Antes que eu me levante daqui dar uns bons socos em seu
pai. — Minha risada é alta.
— Tenho certeza de que seriam os piores que ele já levou. Tchau, Sr.
Finlay!
Chegando em casa, destranco a porta e entro. Meu pai ainda está jogado no
sofá e roncando como um trator.
Desta vez, não gasto muita água, apenas o necessário para tirar o suor e
ficar limpo. Enrolo a toalha na cintura, quando termino e vou para o
quarto. Visto uma calça moletom cinza e uma camisa preta. Eu tinha muito
preto em minhas roupas. Algumas eram manchas.
— I'm so sick and tired. Try to turn the tide. So I'll say my goodbyes.
46
—
Laugh, laugh, I nearly died.
Há dias que é muito difícil pensar na minha mãe. Apenas murmuro o resto
da canção enquanto dedilho os acordes.
— Ah, você está aí! Onde está a cerveja que deixei guardada aqui? —
pergunta e aponta para geladeira quase sem nada dentro.
Preciso trabalhar mais horas extras para conseguir fazer as compras esse
mês e pagar as contas, penso com um suspiro.
47
Não pai, eu não bebi. Você sabe que eu não bebo essas coisas. Ontem
você estava com seus amigos e acabaram com toda a cerveja e comida que
tinham aqui. — começo a ficar irritado também. Encaro com raiva aquele
rosto velho e mal cuidado do meu pai.
— Isso é o que você diz. — resmunga — Como você fez naquele dia em
que sua mãe morreu. — diz amargamente e eu prendo a respiração.
Ele sabe como eu odeio que traga esse assunto a tona em momentos como
este, mas ainda assim, trás para me machucar. O problema é que ele
consegue.
— Não foi minha culpa — murmuro, mesmo sabendo que, no fundo, eu sei
que foi.
— Eu também não sei! — explodo. — Não sei porque me deixa ficar aqui
já que me odeia tanto. Não sei porque ainda me vê todos os dias debaixo da
mesma porcaria de casa. — Lágrimas começam a queimar nos meus olhos
mas não vou dar a satisfação pra ele me chamar de fraco.
Não hoje.
48
—
— Eu acho que sei sim. É porque você quer alguém para culpar pelo que
aconteceu e não admitir sua parcela de culpa nisso, porque você também
foi culpado! Podia fazer alguma coisa e não fez então agora fica
descontando todas as suas frustrações no seu próprio filho!
— Abaixe esse tom, seu moleque ingrato. Você não pode falar comigo
dessa maneira. — ele se enrola em algumas palavras. — Você, seu
bastardo, não faz nada além de sentar essa sua bunda idiota no quarto e
toca aquela merda de violão.
Ouvir meu pai me chamar daqueles nomes era difícil. Eu já devia estar
acostumado, já que é a bebida tomando o lugar das palavras dele, mas só
estou cansado de tudo isso.
Respiro fundo.
— Aquela merda de violão? Aquela merda de violão foi a única coisa que
ela me deixou. É a única lembrança que eu tenho dela. E não fico apenas
"sentado por aí tocando violão". Sou eu quem trabalha duro para colocar o
mínimo de comida nessa casa enquanto você gasta seu dinheiro com
bebidas de jogos. Sou eu quem limpa suas roupas e deixa a casa arrumada,
então não fale mais comigo dessa maneira porque você perdeu esse direito
no momento em que deu as costas pra mim para ficar com a bebida. —
minha garganta se fecha.
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— Você não entende nada. — cospe.
— Isso tudo é culpa sua! A culpa é sua, droga! — Ele começa a tropeçar.
— Eu sei.
Só queria que você mentisse para mim uma vez sobre isso. Saio de casa
deixando-o com seus gritos e me permito chorar um pouco.
Estou tão cansado disso. Cansado de sentir culpa, cansado dele, cansado de
ter que sempre trabalhar como um burro de carga e ganhar tão pouco.
Eu apenas cansei da minha vida. Às vezes fico pensando se irei fazer como
ela fez; se eu aguentarei mais do que ela aguentou.
50
—
Venho aqui para ter paz, sozinha. Não sei se quero companhia agora e
talvez ele também não queira. Além disso, parece ser algo... Íntimo. Um
silêncio que diz muitas coisas, que revela suas preocupações e problemas.
Não é algo para se compartilhar com um estranho. Mas… ele não parecia
ser tão estranho.
Ele não percebe minha presença se aproximando e tiro este tempo para
observá-lo.
51
Benjamin está murmurando uma canção que eu não reconhecia. É triste e
lamentosa. Exatamente como ele agora. Isso fez com que meus pés dessem
mais alguns passos até estar de pé ao lado do banco.
Benjamin se vira pra mim e pisca, como se voltasse do lugar onde sua
mente estava. Quando olha para mim, percebo que ele me reconheceu e...
Todo o ar do parque se esvai.
Eu devia ter dito não. Devia ter inventado alguma desculpa e o deixado
com sua privacidade. Talvez fosse o efeito do sol poente nesses olhos
azuis, mas apenas me sentei ao seu lado.
Aquela, com certeza, era uma pergunta estúpida, mas não consegui pensar
em nada melhor. Ele ri e eu queria costurar minha boca. Pelo menos
alguém está se divertindo.
52
— Você entendeu o que quis dizer, espertinho. Isso não foi uma cantada.
— Acabo sorrindo involuntariamente.
— Eu sei. E respondendo a sua pergunta, venho aqui toda vez que preciso
de paz.
53
Nossas cabeças estavam voltadas para a obra prima à nossa frente.
— Eu... eu não... — paro. Não sei o que estou tentando dizer. De repente,
senti uma necessidade de me abrir com Benjamin, mas não sei o que dizer
ou fazer.
— Ei! Está tudo bem não estar tudo bem, de vez em quando. — fala com a
voz tão suave e carinhosa que sinto vontade de chorar.
Viro a cabeça em sua direção. Benjamin ainda está olhando para frente.
— Você também está aqui por causa dessa dor?— pergunto baixinho.
54
Benjamin fica um minuto em silêncio, ainda olhando para o lago, até que
dá um pequeno aceno de cabeça.
— E-eu... — sua voz quebra e parece que ele está prestes a desmoronar
— Está tudo bem não estar tudo bem. — repito o que ele me disse, com um
meio sorriso.
— Está sim. Apenas queria saber o nome da canção que você estava
murmurando antes de eu chegar.
— Quer dizer que você estava bisbilhotando. — Ele sorri, com uma
sobrancelha arqueada.
Ele dá uma pequena risada. — Sim, sim. Era Hurt, do Johnny Cash.
"O homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas
não derrotado." As palavras de Hemingway em O Velho e o Mar me vêm à
mente.
Encaro seus olhos e sinto que fiquei presa a eles. Eu não queria ir embora.
Queria conhecer mais dele, do que sua alma falava através dos olhos azuis.
56
— Por favor, me chame de Ben. Benjamin é um nome muito longo e
impessoal.
Eu bem que gostei da liberdade de chamá-lo pelo apelido.
— Tchau, Kate.
57
Interrompendo minha leitura de Misto Quente de Charles Bukowski, digito
uma resposta.
Era tão estranho perguntar isso. Nós não tínhamos nem o costume de avisar
que estávamos indo à casa da outra.
"Sim."
O que?
"Como assim?"
Levanto da minha cama e olho para a rua pela janela. Rose estava parada
olhando para o celular, mas percebe minha presença e acena com o braço.
Não deixo de sorrir.
58
Ela está... Hesitante.
— Oi.
Rose suspira. Seus dedos começam a brincar entre si. Ela está nervosa.
— Kate, eu sinto muito. Esses dias que não estamos indo juntas para a
escola, nem nos falando, me mata por dentro.
59
Me dói vê-la desse jeito, mas não consigo esquecer a decepção que foi
quando ela escolheu Sean, que é um babaca, ao invés de mim, que sempre
estive com ela.
— Então não entendo porque não falou comigo antes, porque não tentou
resolver as coisas conversando comigo.
Exalo uma respiração. Vou até minha cama e me sento ao seu lado.
— Sinto muito por ter sido tão dura com você. — olho para ela.
— Não, não. Você estava certa. Eu que fui uma idiota com isso tudo.
Não discordo.
Rose dá de ombros.
60
— Estamos bem. Não discutimos nos últimos dias e Sean tem sido bastante
atencioso. Até me trouxe flores e chocolate outro dia. — Um sorriso surge
em seus lábios.
Apesar de não gostar nada de Sean, fico feliz em saber que ele tem cuidado
de Rose como ela merece. Ou pelo menos tenta.
— Foram apenas três dias, Rose. Você fala como se fossem três anos.
— Bem, muita coisa pode acontecer em três dias. Além do mais, pareceram
três anos para mim. — calor inunda meu coração quando ela diz isso.
61
— Não aconteceu nada de importante. Aulas, estudos e minha mãe
discutindo comigo sobre conhecer melhor o tal de Richard.
Ela bufa.
— E como você não me contou sobre isso logo? Kate, estou decepcionada.
Essa é a melhor notícia dos tempos. Katherine Laurentis conheceu um cara,
senhoras e senhores!
— Dramática. — Murmuro.
— Anda. Me conte sobre esse cara misterioso. Nome, altura, cor dos olhos,
cabelo, corpo, nome dos pais, onde mora...
62
— Tudo bem, Sherlock, mas sinto informar que não tenho todas essas
informações pessoais sobre o cara. O nome dele é Benjamin. A única
matéria que fazemos juntos é química.
— Falando assim, até parece que você não me conhece há sete anos.
— Às vezes esqueço que você não gosta de pessoas. Mas chega de papo
furado. Vamos para o que é realmente importante: ele é gostoso?
Começo a tossir.
— Você não é uma garotinha, Kate. Você tem 18 anos e eu quero saber se
o tal de Benjamin é gato ou não.
— Kate, eu estou interessada em coisas que não sei. — geme. Ela já está
cansada das referências que faço ao livro A Seleção.
— Ok, hmmm. Ele é mais alto que eu, tem um corpo bem malhado e
grande, os cabelos pretos e olhos azuis. — Aqueles olhos me enfeitiçaram.
— Nós nos demos muito bem. Ele parece ser um cara legal.
63
— É, ele parece servir. — Rose parece pensativa.
Engasgo.
— Rose!
64
7
— Ei, Ben! — Adam grita de sua sala que, na verdade, era uma tenda.
Deixo cair a pá que usava para colocar o entulho no carro de mão, e tiro os
óculos de proteção. Caminho até a tenda que serve de secretaria. Há muito
barulho de máquinas, além de homens trabalhando com equipamentos de
construção.
Ele está sentado atrás de uma mesa cheia de papéis e envelopes. Adam tem
um dos envelopes na mão.
— Sim, bem, você sabe, por não terem trabalhado nos últimos 3 dias.
— Desculpe, o que? Você está dizendo que não vamos receber porque não
trabalhamos os 3 dias que vocês nos disseram para não trabalhar? É isso
mesmo?
— Olha só, não foi nossa culpa também. Entenda, alguns investidores
marcaram uma reunião de urgência e tivemos que sair às pressas, sem ter
como deixar alguém para supervisionar as obras.
— Ben, nós tivemos prejuízos com esse período. É por isso que o
pagamento de todos diminuiu desta vez.
— Eu ainda não entendo como isso tem haver comigo e com os outros.
Adam suspira.
— Cara, eu até te acho legal. Você trabalha bem e tudo o mais, mas isso
aqui é uma questão maior que eu, ok? Só estou seguindo ordens. Agora, se
não tem mais nada a tratar, tenho muita papelada para atualizar e mais
pagamentos para entregar.
66
Sei que Adam apenas estava seguindo ordens como todo mundo, mas isso
não me impediu de querer bater naquele rostinho de boneca dele.
Ando por entre barro e concreto, máquinas e homens, até chegar numa
tenda onde guardávamos nossas mochilas. A minha tinha um bolso falso
que Fluflu fez, então eu escondia dinheiro e meu celular ali.
Ainda frustrado pela conversa com Adam, volto para o trabalho, debaixo
do sol escaldante.
Hoje não trouxe meu violão, mas, geralmente, ele está comigo. Em vez
disso, Dust in the wind do Kansas está tocando no meu celular. Ponho os
fones de ouvido, fecho os olhos e inspiro fundo.
Essa música me lembra que não somos eternos e devemos aproveitar cada
segundo das nossas vidas, porque o tempo passa voando. Num momento,
estamos aqui, no outro, não.
Gostaria de poder ficar aqui para sempre. É difícil saber que, quando eu
abrir os olhos, a minha realidade vai cair sobre mim. Vou ter que lidar com
meu pai bêbado, meu trabalho cansativo e mal pago e meus estudos.
Abro meus olhos e pisco para a luz alaranjada do pôr do Sol. É tão lindo
que arranca um pequeno sorriso meu.
67
— Essa vista me lembra você. — começo a conversar com a minha mãe.
Um hábito frequente que me ajuda a não esquecê-la.
— Queria que estivesse aqui. Sei que digo isso todos os dias, mas sinto sua
falta. Mesmo não lembrando do seu toque, do seu cheio, da sua voz. Eu
sinto sua falta.
É a última coisa que digo antes de me levantar e seguir para casa. A música
acaba e o sentimento de perda fica.
Depois de caminhar alguns metros, olho novamente para o lago e noto que
tem alguém sentado no banco. Sorri com o pensamento de que pudesse ser
Kate.
Desejo que a pessoa, seja ela quem for, encontrasse o que procurava, se
estivesse procurando por algo. Acho que todos nós estamos, apenas não
sabemos o quê, na maior parte do tempo.
68
Tiro os fones e os guardo no outro bolso da minha jeans surrada e suja.
Ainda estou com a minha roupa de trabalho. Quando chego perto de casa,
vejo que o Sr. Finlay está sentado numa cadeira de balanço na sua varanda.
— Oh! Ei, menino! Aí está você! — fala o mais alto que sua voz rouca
permite.
— Aconteceu algo?
Ele bufa.
— Apenas o inútil do seu pai que saiu há pouco, muito bêbado para
lembrar seu próprio nome.
Parece que meus planos de descansar assim que chegar em casa, foram
para o ralo.
— O Burdurick's?
69
— Não! Não faça isso! — tenta gritar.
— Você se mata por aquele velho ingrato e ele só sabe se perder por aí e
dormir no próprio vômito. Deixe-o com sua bebida e vá descansar. Estou
velho, mas ainda enxergo o cansaço no seu rosto, rapaz.
Suspiro.
— Bem, ele é meu pai. Eu sei que ele é difícil às vezes, mas não deixa de
ser o único parente que eu tenho.
— Vá para casa, Benjamin. Seu pai vai voltar para ela quando se lembrar
onde fica. Não ouse negar o pedido de um velho, rapaz.
70
— Vá. — sua cabeça se vira na direção da minha casa, ao lado da sua. —
Tome um banho e descanse. Amanhã será mais um dia para enfrentar e
você precisa estar com suas energias renovadas.
Um pequeno sorriso se abre nos cantos da boca dele. — Eu sei meu dever,
garoto. Não vou morrer tão cedo, como espera.
Sorri.
Quando fecho a porta da frente, solto um suspiro. O Sr. Finlay vai ter que
me desculpar, mas não consigo ficar tranquilo sabendo que meu pai está
bêbado e pode ter caído em algum lugar.
Vou para o único banheiro da casa e tomo uma ducha rápida. A água está
fria, como sempre. Quando termino, visto a primeira roupa que encontro e
pego um casaco para meu pai. Está anoitecendo então vai fazer bastante
frio. Pego meu celular, as chaves e saio.
Por sorte, o Sr. Finlay não estava à vista. Sigo em direção ao Burdurick's,
que fica alguns quarteirões da minha casa.
A pintura está velha e com pichações. Uma janela está quebrada. Essa é
uma área deprimente que cheirava a mijo e esgoto. Engolindo minha ânsia,
ando para a porta da frente.
71
Já se ouvia a ladainha dos bêbados de longe. Eu tinha medo de entrar ali.
Algumas pessoas podem ser perigosamente fatais quando estão bêbadas.
Eu tinha uma cicatriz nas costas para provar isso.
Dou apenas 3 passos antes de ouvir resmungos. Parei e escutei. Parecia vir
do beco escuro ao lado do bar. Devagar, me aproximo da pessoa,
esperando que seja meu pai e que não esteja machucado.
Quando chego perto o suficiente para saber quem era, solto um suspiro de
alívio por ver que era meu pai e que parecia intacto. O único problema é
que estava bêbado demais para voltar para casa andando. Vou ter que
gastar 7 dólares num táxi.
Suspirando, ligo para um táxi. Tenho que sair logo deste lugar. Aqui não é
seguro e tem todo tipo de gente ruim.
Graças a Deus saímos de lá sem problemas. Quero acreditar que não vai
haver próxima vez, mas sei que vai ser uma mentira. Rezo para que ele não
se meta em encrencas. Não gosto nem de lembrar das últimas vezes.
Depois que deixei meu pai no sofá, subi para meu quarto. Estou me
sentindo um peso morto sobre a terra, mas antes de fechar os olhos, dou
72
uma olhada na matéria de amanhã e faço minha pesquisa diária sobre
minha família em Toronto. Não deu em nada, como sabia que não daria,
mas fazer isso todas as vezes, me dava um pouco de esperança.
— Boa noite, Mommy Cookie. Espero que eu sonhe com o seu sorriso.
Eram 4:00 quando levantei da cama e escovei meus dentes. Fiz comida,
arrumei a casa, lavei as roupas e as louças, limpei a área onde ficava o
jardim, arrumei meu quarto e tomei banho. Faço isso praticamente todos os
dias, mas hoje, era diferente. Eu estava... Inspirado.
Até mesmo o episódio de ontem com meu pai apagou-se da minha mente.
Saí de casa e logo dei de cara com meu vizinho favorito.
— Bom dia, Sr. Finlay! — Desço os degraus da minha casa e vou até a
dele.
— Bom dia, garoto! Parece que está muito bem hoje. — Está tão
perceptível assim? — Qual o nome da garota?
Engasguei.
73
— O que?
— Não foi uma garota que fez isso com você? — pergunta com a voz
rouca pela idade, mas com tom de inocência.
— Claro que não, Sr. Finlay! — Ele me olha por tempo suficiente para me
deixar desconfortável.
— Se você diz. Bem, e como vai seu pai? Você foi buscá-lo ontem, não
foi?
Pigarreio.
— Você faz demais por ele, garoto. O inútil devia ao menos parar de lhe
fazer mal.
74
— Eu ainda quero saber o nome da garota! — fala o mais alto que sua voz
permite.
É claro que não foi uma garota. A última com quem falei foi Kate. Eu senti
algo quando estávamos juntos, mas não creio que tenha algo a ver. Isso não
acontece desde dois anos atrás, e não acho que voltará a acontecer tão
cedo.
Deixo o assunto do meu humor de lado e ponho os fones de ouvido. Desta
vez, coloco na playlist aleatória que começa com Smell Like a Teen Spirit,
do Nirvana.
— Bom dia, Fluflu! — beijo sua bochecha direita, enquanto ela arrumava o
balcão com alguns doces.
Hoje Flora vestia uma saia rosa e um suéter da mesma cor, mas de um tom
mais claro.
Ela dá risada.
75
— Primeiro, essa palavra não existe. — balança o dedo minúsculo na
minha direção. — E segundo, eu fiz uma surpresa para você.
— Você fez?
76
—
Olhe você mesmo. — ela estende a embalagem para mim.
— Fluflu, você sabe que venho aqui só para te ver, porque você é uma
pessoa especial para mim. Não quero que fique me dando presentes toda
vez que vier te visitar.
— É claro que eu sei de tudo isso! Mas isso não me impede de mimar
você um pouquinho. Ben, você é tão gentil e carinhoso. Merece ser
retribuído à altura.
— Mas é verdade. Eu sou grato a você por ter me ensinado muito sobre a
vida e ter me alimentado. Mesmo que hoje eu ainda não tenha um bom
emprego e o dinheiro seja pouco, agora consigo comprar minha própria
comida. Não sou mais aquele menino assustado que passava fome. Você
não precisa fazer mais isso por mim, Fluflu.
— A questão não é precisar, querido. Nunca foi. Você vem aqui todos os
dias para me ver e me dar um bom dia gostoso de receber; arranca sorrisos
e até gargalhadas minhas com naturalidade. Eu vi você crescer e se tornar
o homem generoso e forte que é hoje. Você não é mais aquele menino
assustado, mas continua sendo o meu menino. Por favor, não me prive de
presentes que eu faço com carinho para você.
77
—
Isso me faz sentir culpado e mesquinho.
Tudo bem. Eu vou aceitar. Desculpe se te ofendi, Fluflu.
— Não me agradeça ainda! Olhe o que tem dentro. — Ela parece estar bem
ansiosa sobre o assunto, então trato de fazer como ordenado.
Aquilo eram mais do que cookies e Fluflu sabia disso. Olho para ela e com
todo o meu coração, eu digo:
— Obrigado.
— Você merece.
Eu não merecia.
— Obrigado. — repito.
78
—
Vou até ela e a abraço, lutando bravamente contra as lágrimas. Fluflu
retribui com tapinhas carinhosos nas minhas costas.
Tudo bem. Já chega, porque faltam poucos minutos para eu abrir a
padaria. — ela tenta disfarçar, mas pego suas mãos enxugando as lágrimas
quando se vira para arrumar a bancada de pães.
— Se cuide, querido.
— Até mais, Fluflu. Amo você. — abro a porta com a placa "aberto" do
lado de dentro e saio, mas não sem antes ouvir:
Na escola, vou direto para a lixeira mais próxima e jogo a embalagem que
guardava os cookies. Ajeito a mochila nas costas e ando pelo corredor,
mas ao virar a esquina, esbarro em alguém.
79
—
80
naquele coque baixo. Ela é simples o que me fez ter uma simpatia maior
por ela.
81
9
Mas olhando para aqueles olhos incrivelmente azuis, fiquei tentada a dizer
que o amor da minha vida era um cara que estudava na minha escola, dono
de lindos olhos azuis e incrivelmente bom em química. Eu sou uma idiota.
— Kate?
Droga!
— Ah, oi. Como você está? — odeio como fico abobalhada perto de
pessoas bonitas.
82
Nem em outro planeta, cheio de alienígenas bonitos, você seria
considerado feio.
— Não, não. Desculpe, é que eu... Eu estava pensando num filme de terror
que assisti.
Bem, eu tenho medo de filmes de terror. Isso conta como verdade, certo?
O que?
— Queria? — Merda! Falei alto demais. — Quero dizer, sobre o que você
queria falar... Comigo?
— Gosto de pensar que sou uma pessoa que ajuda a quem precisa. E você
precisa de ajuda em química. Então, pensei que podia, não sei, te dar um
auxílio para passar na matéria?
Fico boquiaberta.
Não é possível que Ben tivesse adivinhado meu desejo e ainda se oferecido
para realizá-lo. É perfeito demais para ser verdade.
83
— Acho que porque você parece uma pessoa muito legal. E gostaria de te
conhecer melhor. — seus lábios se juntam e os olhos vão para outra
direção.
84
—
O que? — É como se eu tivesse falado alguma obscenidade ou
ofendido a mãe dele.
— Não, não, Kate. Não quero te ajudar com segundas intenções. Quero
ajudar por simplesmente querer. Não se preocupe com nada disso. Você
apenas precisa aceitar.
Ah, droga! Não se apaixone por ele, Kate. Não se apaixone por ele!
— Ok. Isso foi muito legal da sua parte, mas eu realmente não posso
aceitar isso assim. Quer dizer, não somos nem próximos. — Não que eu
não quisesse ser mais que isso. — Te dou 10 dólares por cada aula.
Vi nos olhos dele a batalha que estava travando entre aceitar ou não.
Talvez ele estivesse precisando muito. Não parei para pensar muito nessa
possibilidade, mas olhando para suas botas e calça gastas... Ele
definitivamente teria que aceitar.
— Vamos lá, Ben. Nós dois vamos sair ganhando. Além do mais, não
aceito sua ajuda se eu não pagar por ela. — decido colocar um pouco de
pressão.
85
—
— Isso aí! — abro um sorriso e não perdi o segundo em que seus olhos
foram parar nele. — Quando podemos ter nossa primeira aula?
Ele sorri e põe as mãos dentro dos bolsos da calça. — Bem, er... — coça a
cabeça. — Vamos?
Ele ainda me olha por alguns segundos e depois se vai. Solto um gemido
sofrido e encosto a cabeça na parede. Eu estava encrencada se tivesse que
lidar com aquele cara lindo e inteligente, na minha casa, me ensinando
química.
— Então, aquele era o tal Benjamin? — Meu coração quase decide parar
de bater e me levar direto para o céu.
— Baby, sinto muito, mas estou mais interessada naquele cara gostoso ali
do que com a sua saúde. Quero dizer, você viu o tamanho daqueles braços?
86
—
— Falando assim, até parece que você não namora. — saio da parede e
caminho até a sala de química. — E sim, aquele era o Ben.
— Ben, é? Já estão tão íntimos assim? — vejo um vulto ruivo pelo canto
do olho. Ela está acompanhando meus passos, que estão rápidos.
— Sei muito bem quais são as suas intenções com isso. — viro um
corredor e já consigo ver a sala de química... Graças a Deus.
— Não sei do que você está falando. Ele te chamou para sair. — Não foi
uma pergunta.
Estamos lado a lado na minha escrivaninha, que parece bem menor com
Ben aqui. Estou lutando para terminar o exercício que ele fez para mim.
87
—
O encontrei me esperando no portão da escola e, juntos, viemos até minha
casa. Foi uma caminhada constrangedora. Sou péssima em puxar assunto e,
na maior parte do tempo, queria achar um buraco para enfiar a cabeça.
Rose estava comigo na hora que saímos do colégio e abriu um sorriso
cúmplice quando deu mais uma boa checada em Ben. Mal sabe ela que
estou prestes a estrangular o cara se ele disser "errado" mais uma vez.
88
Ainda bem que o homem que inventou esse assunto estava morto, senão eu
mesma mataria o desgraçado.
— Você deveria ter, primeiro, usado a fórmula que ensinei no início para
encontrar as massas molares. E na hora de relacionar as massas, deve
convertê-las para gramas. — diz tranquilamente. Não parece que estava
falando quase a mesma coisa desde que começamos a uma hora.
— Odeio química.
— Ah, isso não é nada. — Ele parece ter corado... — Anda, termina. Quero
pelo menos fazer um exercício de química orgânica e deixar mais dois para
você fazer e me entregar amanhã.
— Está reclamando? — posso jurar, pelo seu tom, que ele levantou uma
sobrancelha.
89
É tão gostoso ouvi-lo rir. Uau. Preciso ocupar minha mente com exercícios.
Ela não é um lugar seguro, principalmente para Ben, que está sendo muito
legal me ajudando em química.
Nas duas horas que se passaram, aprendi dois assuntos, o que com os
professores da escola não leva menos que duas semanas e, às vezes, nem
aprendia.
— Você precisa confiar mais em mim, Kate. — meu nome saindo dos
lábios de Ben faz cócegas nos meus ouvidos.
Foco, Katherine!
90
Droga.
— Ãn, obrigada?
Faço um movimento para bater nele novamente, mas Ben consegue ser
mais rápido abrindo a porta e correndo para fora.
Desgraçado.
— Até amanhã, Kate. — bate e volta dois dedos na testa. Queria que ele
me chamasse de Kate mais vezes. Sendo sincera, gostaria que ele não fosse
embora tão cedo.
— Por isso também. — o sorriso dele se alarga. Ben tem um sorriso muito
bonito.
91
Bonito até demais.
92
10
— Merda!
Mais uma vez, não consegui nenhum acorde legal para a minha nova
música. Faz um tempo que estou trabalhando nela e sem nenhum
progresso.
Desisto de tentar por hoje e coloco Big Ben no seu lugar de sempre. Meus
pensamentos vão para a minha mãe, como de costume.
Quando estou feliz ou triste, acabo tendo um lembrete de que ela está lá
comigo. Mamãe era uma pessoa tão linda e gentil. Ainda consigo me
lembrar, vagamente, das vezes em que me orientava para cuidar bem das
mulheres, porque elas eram como as lindas flores do nosso antigo jardim.
Dizia que eu devia ser carinhoso e romântico.
— Você tem que ser gentil, ok? — Não me lembro do som da sua voz.
Apenas sei que era um suave muito gostoso de ouvir.
— Sim, mamãe.
93
— Sim, mamãe.
— Entendi.
Mamãe riu.
Ficar sozinho pode ser perigoso. A nossa mente brinca com a gente e nos
leva a ter pensamentos que não nos fazem bem.
Hoje foi mais um dia de busca pela família dela, mas como todas as outras
vezes, sem sucesso. Não faço ideia se algum dia vou encontrá-los ou se
essa procura vale mesmo a pena.
94
Olho para as poucas estrelas no céu, me perguntando se minha mãe me
observa lá de cima. Era um pouco triste não poder ver o céu cheio delas.
Algum dia, vou viajar para um lugar longe da cidade e assim, poderei me
deitar sob milhares de estrelas.
Meu olhar desce para a figura sentada na varanda da casa ao lado. O Sr.
Finlay também observava as estrelas e percebi que ambos estávamos
sozinhos. Provavelmente, eu deveria ir fazer companhia. Ele passa a maior
parte do tempo em sua própria presença.
Pego um cobertor e visto um casaco. Antes de sair, olho para Big Ben.
Talvez o Sr. Finlay também esteja precisando de você, penso enquanto
pego meu violão.
Ao descer as escadas, escuto o ronco do meu pai. Ignoro seu corpo jogado
no sofá e abro a porta.
— Olá, garoto. — Sua resposta foi baixa, por causa de sua voz rouca, mas
eu percebi o tom distante nela.
— Como vai hoje? — Era a minha pergunta habitual, porém nunca vazia.
Eu sempre perguntava por querer realmente saber.
Me sento nas escadas, enquanto ele fica na cadeira um pouco atrás de mim.
Meu vizinho suspira. — Uma pergunta difícil para este momento. Tente
amanhã e talvez eu saiba a resposta.
95
Não sei o que dizer.
Essas duas palavras falam mais que discursos. Há uma cicatriz dentro do
Sr. Finlay que ele ainda sentia doer. Eu entendia isso.
— Por que o senhor diz isso? — ajeito o cobertor nas pernas dele.
Sozinho.
96
— É por isso que reclamo tanto do seu pai. — Sr. Finlay olha para mim. —
Eu me vejo nele, Ben. Todas as escolhas e atitudes. Eu fui aquele homem
um dia. A diferença é que seu pai ainda tem a sorte de ter você. Mesmo
depois de tanto tempo, você não o deixou. Ele não valoriza a sorte que tem
e eu fico muito indignado com tanta burrice. Você é um anjo, garoto. Seu
pai devia pedir perdão de joelhos por todo o sofrimento desnecessário que
fez você passar.
Nunca neguei que meu pai não era minha pessoa favorita e nem que isso
me entristecia mais que tudo.
Não, eu não acreditava. Meu coração doeu. Eu apenas queria que aquilo
fosse verdade, mas sabia que era algo impossível.
— É triste se tornar aquele que não tem mais esperança. É como se não
tivéssemos mais nada.
— Sim. Mas você ainda pode ser salvo. Aproveite enquanto é jovem.
Ainda há tempo para você.
Havia?
97
— Eu acho que sim.
— Sim.
— E pretende realizá-los?
— Eu vou lutar.
— Então você ainda tem esperança. Ainda pode ser muito feliz e eu sei que
será.
A lateral da minha boca sobre um pouco. Uma brisa noturna passou entre
nós e olhei para o rosto cor de ébano do meu vizinho.
Olho para o meu violão. — Achei que poderia ajudar. Cantar sua desgraça
torna-a menos desgraça. — sorrindo, levanto meus olhos para o Sr. Finlay
e o encontro sorrindo também.
98
Pego Big Ben.
— Bom. Vamos lá, então. Mostre-me o que sabe. — Sr. Finlay tosse
novamente.
— Pode deixar. — vou dedilhando alguns acordes até achar a música certa.
— Ok, vamos nessa.
Canto a primeira parte da música com o tom em sol e depois, apenas deixo-
a me levar.
I stand dethroned
Eu permaneço destronado
99
But when your finger points so savagely,
Mas quando seu dedo apontar tão selvagem
How can I go on
Como posso continuar
100
They're lost and they're no where to be found
Eles estão perdidos e não estão onde podem ser encontrados.
I cannot see
Não consigo ver
How can I go on
Como posso continuar
101
Where can I be safe
Onde posso estar seguro
Abro os olhos.
— Meu erro. Desculpe, Sr. Finlay. — dou risada enquanto ele murmura
algumas palavras.
Abro a porta e deixo-o entrar primeiro. Passamos pela sala com poucos
móveis e seguimos em direção ao quarto. Lá, ajudo-o a deitar na cama e
ajeito o seu cobertor.
— Disponha. Agora, eu vou indo. Tem certeza de que não precisa de nada?
103
— Sim?
— Benjamin!
— Mas que…
104
11
— Não!
— Sim.
— Não!
— Sim.
— Oh, merda!
— Sinceridade?
— Sempre.
— Péssimo.
Gemo.
105
— Ele não podia morrer.
— Eu sei. — Ela funga. — Ainda não superei. Não sei se um dia vou
conseguir. — escuto o barulho de comida sendo mastigada.
— Ai! Caramba, Rose, eu ainda quero escutar com meus dois ouvidos.
— Katherine Laurentis, se você repetir não vai continuar a série, vai ficar
surda não só de um, mas dos dois ouvidos, entendeu?
— Não repita esse nome. Ainda não suporto ouvir ou vou me acabar de
chorar.
106
— Ok. Como você quer que eu assista, sabendo que ele morre?
— A culpa foi sua se não quis maratonar a 11° temporada comigo numa
noite de garotas. Por favor, Kate. Você não pode me deixar surtar sozinha.
Somos melhores amigas e melhores amigas surtam juntas.
— É, eu acho que te devo essa pela vez que você aceitou maratonar
crepúsculo comigo.
— Ah, ok. Vou fingir que não me lembro de você torcendo para a Bella
ficar com o Jacob só porque ele era mais "gostoso" que o Edward.
Balanço a cabeça. Ela não entendia que o Edward é o sonho de todo mundo
e o par perfeito da Bella. Eu sim, porque li os livros.
— Ouch! Agora eu que fiquei surda. — Ainda não sabia se Rose estava
brincando ou não. — Na verdade, eu já sou formada nisso. Quero dizer, eu
assisti as 16 temporadas de Grey's Anatomy, posso muito bem ser uma
chefe de cirurgia geral, assim como a Meredith, certo?
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— Errado. Rose, você não consegue ver sangue, senão começa a surtar. Da
última vez você desmaiou porque o vizinho machucou a mão no trinco da
porta.
— E fictício...
— Não, não, não. Você vai me contar tudo. Eu te conto tudo sobre Sean e
eu.
108
— Você vai me agradecer um dia por te ensinar tudo o que precisa saber.
Mas me fala, o que você e o Benjamin estavam conversando?
— Nada demais. Ele só queria me oferecer ajuda em química. — Uma
sequência assustadora de tosse soa no telefone. — Rose? — mais tosses.
— Rose, você está bem?
— Ele quer algo com você! — A garota ri como uma criança que acaba de
receber o presente dos sonhos.
— Ele disse que queria apenas me ajudar porque me achava uma pessoa
legal.
— Oh, sim! — bufa. — Ah, Kate, que sorte você teve. Quem mais pode
dizer que está tendo aulas particulares com um professor como Ben?
109
Sorri quando relembrei daquele momento especial com Ben no banco em
frente ao lago.
Não sei explicar, mas acho que aconteceu algo diferente lá, uma conexão.
Ou talvez seja reflexo dos romances que amo e minha vontade desesperada
de viver algo como o que leio.
— Conte-me sobre isso. — resmungo. Era bom saber que eu não era a
única com esse pensamento.
— Só não espere que ele faça qualquer coisa. Se quer que algo aconteça,
faça voc... Amor, é você? — ouço uma voz abafada no fundo. Parece que
Sean chegou. — Ok, babe. Estou aí em segundos. Deixe a cama bem
quente para mim.
— Oh, Deus. Ok, não preciso ouvir suas obscenidades com seu namorado.
Tenho que terminar o trabalho de literatura e ir dormir.
Desgraçada.
— Até amanhã.
110
— Até, babe. E vá fundo nesse lance com o Benjamin.
— Eu te odeio.
Rimos e desligamos.
Estava quase terminando quando meu celular vibra com uma mensagem.
Verifico quem era.
O que ele quis dizer com aquilo? Será que estava vindo me ver, ou era
outra coisa? Se tratando de Mike, não dava para saber.
Espero vários minutos, mas Mike não me responde. O que ele estava
aprontando?
12
111
A partir do momento em que os colocava, nada mais no mundo importava.
Era só eu e a música, a música e eu. A letra dizia para fechar os olhos que
eu encontraria a saída para o escuro. Foi o que eu fiz. ―Aqui estou. Você
vai me enviar um anjo?‖ Canto o refrão baixinho e quando me encosto no
corredor da escola.
Tiro meus fones e a observo. Será esse o meu anjo? Assim que o
pensamento passa pela minha cabeça, sinto vontade de rir de mim mesmo.
O que Kate está fazendo comigo?
— Bela camisa. — Ela aponta para meu peito. Estou vestindo uma camisa
do Guns N‘ Roses.
— Valeu. — olho para a camisa dela. — A sua também não está nada mal.
Rose veste uma do Nirvana.
112
— Vejam só! Não sabia que você tinha um humor sarcástico, Kate. —
provoco, enquanto ela ruboriza.
Dou risada.
— Bem, fico feliz por descobrir esse lado seu, mas tenho uma péssima
notícia para você.
— Não posso te dar aulas hoje. Sim, sim, eu sei. Não precisa ficar com essa
cara de cachorrinho molhado. Podemos tirar suas dúvidas por telefone
quando eu chegar do trabalho. — Kate luta contra um sorriso.
— Há muito o que você não sabe. — O que eu estou fazendo? Era verdade
o que eu disse, mas aquilo saiu como um flerte.
Rose prende o riso e olha para o chão enquanto Kate parece tímida. Bom
trabalho, Benjamin, seu idiota!
113
— Está tudo bem. — tranquilizo Kate. — Não acho que o trabalho nas
construções me fez assim, mas com certeza ajudou. — digo a Rose.
— Rose!
— O que? O cara está em boa forma. — Ela pisca os olhos para mim e não
evito uma risada.
— Não dá corda, cara. — Kate me alerta. —É sério, uma hora você vai se
perguntar como ainda consegue se manter são.
—Ah, mas acho que você gosta um pouco de viver na loucura. — puxo um
sorriso de lado e noto quando seus olhos vão parar brevemente nele.
114
Ouço um pigarreio.
— Até mais tarde, então. — digo para ela. — Foi um prazer te conhecer,
Rose.
— Igualmente, Rock Boy. — solto uma risada alta e faço meu caminho
para a turma de matemática.
Das pouquíssimas vezes que falei com Kate, eu ia embora com uma
pontada no coração. Seria isso esperança? Ou eu estava apenas sendo um
completo idiota, de novo?
Você ainda era jovem quando abandonou o título de pai. Guardo meus
pensamentos para mim mesmo.
Não vale a pena discutir com ele. Mesmo que às vezes seja difícil lidar com
suas reclamações, meu pai é apenas um velho bêbado que se esqueceu de
115
como é ser feliz e amado. Eu temia, mais do que tudo, estar nessa situação
também.
— Ok, pai. Amanhã te dou dinheiro para o que você quiser. — Era um
blefe, claro. Não podia deixá-lo se matar com bebidas e jogos às minhas
custas.
— Só isso?
Meu pai resmunga algumas palavras, mas pega o dinheiro da minha mão.
116
Dust in the Wind toca no meu celular. Tiro-o do bolso e vejo que o nome
―Kate‖ aparece na tela. Automaticamente, um sorriso se forma em meu
rosto, antes de atender.
— Hey, Kate!
— Oi, Ben. — Algo na voz dela me faz querer ouvi-la mais e mais.
— Acho que você daria uma ótima atriz. — ouço uma risada. — Não, é
sério. Todo esse carisma e talento está sendo desperdiçado aqui. Você
deveria investir na sua carreira de atriz. — entro no quarto e pego o
material na minha mochila.
— Ok. Hoje vamos complementar o que vimos na última aula sobre Massa
Atômica e Abundância Atômica. — abro o meu caderno de anotações.
117
falar sobre. Vamos apenas calcular de uma para a outra. Em química, como
você sabe, muitas vezes é preciso calcular diferentes formas de medição.
Neste exemplo, que te mandei mais cedo, calculamos a abundância
atômica da massa atômica. Está com o material aí?
— Estou.
— Hmm... Eu acho que sim. Então quer dizer que se quisermos calcular a
abundância de um elemento, que tenham dois isótopos, temos que fazer
100 de um menos a abundância de outro?
— É exatamente isso.
— Sim, mas apesar de não ser tão difícil quanto imaginei, continuo não
gostando da matéria.
118
— Até o final do semestre vou te fazer mudar de ideia.
— Tem algo mais que você tem dificuldade e queira falar sobre? — evito
soltar um bocejo. Estou bastante cansado.
Me deu vontade de falar com ela. De verdade. Eu queria, mas não estou
pronto para me abrir novamente. Não por enquanto. Ainda tínhamos muito
o que conhecer um do outro antes disso.
— Obrigada.
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Kate dá risada. Gostava de saber que a fazia rir facilmente e com
frequência.
— Boa noite, Mommy Cookie. Espero que eu sonhe com o seu sorriso
hoje.
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— Sim? Desculpe, o que disse? — Ela volta de seu estado de estupor, mas
ainda parecia estranha.
120
— Sim, claro. Sobre o que estávamos falando? — se ajeita no sofá e parece
pronta para ouvir o que eu disser.
Ela bufa.
— Se você diz. Eu estava falando sobre minha aula com Ben, no Mazarick.
— Sim, sim, disso eu lembro. A aula no seu banco de praça favorito. Por
falar nisso, qual é a do banco? Nunca entendi porque você o considera tão
especial.
— Eu não sabia que você gostava do banco tanto assim. É bizarro, mas
legal. — dou risada. Rose volta a acariciar o braço. — E o que aconteceu
entre vocês?
121
— Nada demais. Nós conversamos e foi bom. Ben me contou um pouco
sobre a vida dele, mas não demais. Acho que tem muito mais se passando
naquele coração e o cara apenas não fala sobre isso. Talvez com ninguém.
Ele nunca mencionou outras amizades, apenas o seu vizinho e a sra. Flora.
— Pois é. Sei lá, talvez ele precise de alguém da idade dele com quem
possa conversar. Não sei se é algo da minha cabeça, mas, às vezes, é como
se eu sentisse que Ben esconde uma dor profunda. Quando olho em seus
olhos por tempo suficiente, vejo tristeza e a barreira que ele construiu para
esconder isso.
Penso um pouco sobre a questão que Rose levantou e percebi que aquela
era uma grande verdade. Eu fazia aquilo o tempo todo e às vezes nem
percebo que faço. Que hipócrita eu era.
122
— Que tipo de coisas, Rose?
O que está acontecendo com Rose? Sem pensar, me levanto da cama e vou
atrás dela.
— Ela já foi. Está tudo bem? — Minha mãe aparece no corredor da porta
de entrada.
Seja lá o que for, não acho que quero saber do que se trata.
— É rápido. Só queria avisar que o Richard vai jantar com a gente amanhã.
— O que?
— Vamos lá, filha. Se você o conhecesse, saberia que ele é um cara legal.
123
— Kate, não comece. Apenas vim avisar sobre o jantar. Você querendo ou
não, ele vai acontecer e você estará presente. — Ela se vira e caminha até a
cozinha.
— Espera aí. Então quer dizer que não tenho escolha? Onde está a porcaria
do livre arbítrio? — sigo-a.
— Olhe como fala. — vira-se para mim. — Está combinado, Kate. Você
vai jantar conosco amanhã e fim da história.
Quando a porta da cozinha bate, solto minha respiração. Desta vez, passei
dos limites. Não sei o que acontece, mas ficar com minha mãe, por mais de
2 minutos, me relembra dos maus momentos e perco o controle.
Eu irei ficar para este jantar. Espero, de verdade, que tudo dê certo e que
esse Richard seja uma boa escolha. Senão... Suspirando, volto para o meu
quarto. Senão não sei se um dia poderei perdoar minha mãe por tudo o que
já me fez passar.
124
13
Eu não fazia ideia de como encontrar pessoas pela internet sem ao menos
saber o primeiro nome delas. Na verdade, não sei porque ainda fico
insistindo nisso. Como vou achar a família da minha mãe assim?
É noite, mas não achei que conseguiria dormir, então peguei um casaco,
calcei minhas botas e saí do quarto. Meu destino é o Mazzarick Park.
Fazer música não era tão difícil como a maioria das pessoas pensam. É só
se entregar a ela, deixar que ela te envolva mais e mais fundo, até que o seu
coração esteja nisso também.
Música é bem mais que apenas letras e sons. É fervor pela harmonia, é
surfar nas ondas sonoras e deixar que elas te levem para fora de si. São
coisas loucas de um louco apaixonado por música.
125
Meus dedos calejados passeiam por entre as cordas, como se ali fosse um
lugar familiar, um lar. Era uma pena eu não ter trazido meu caderno de
canções. Aquilo estava ficando bom.
Nunca estive sozinho, pois sempre tive Big Ben. E sou grato por isso. Um
dia, chegaremos em cima de um palco, onde milhares de pessoas estarão
nos vendo, e lá, faremos nossa música brilhar. Sorrio diante do
pensamento.
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Tive um pesadelo envolvendo minha mãe. Eu raramente tinha um desses,
mas quando tinha, era ruim o bastante para que eu ficasse perturbado e não
conseguisse dormir. Pelo menos estava sem camisa.
127
14
— Ele chegou.
— Você prometeu.
— Sim, sim. Não vou fazer ou falar nada estúpido. Não sou tão mesquinha
quanto pensa.
O tal Richard bate na porta e minha mãe vai correndo abrir. Reviro os
olhos. Com certeza eu não seria assim com ele se todos os outros
namorados dela não fossem babacas nojentos.
128
—
Ei! — ela diz para ele, com uma voz que revelava que estava caidinha
pelo cara. Eu apenas escutava da sala de jantar, enquanto eles estavam na
porta.
— São para você. — Com certeza ele trouxe flores. Quem faz isso hoje em
dia? Talvez ele não seja tão babaca nojento quanto os outros. Só... Talvez.
— Elas são lindas! — Não lembro da minha mãe fazendo uma exclamação
de felicidade genuína há tempos.
— Não mais que você, com certeza. — Consigo visualizar a cena. Ele
olhando para ela de cima a baixo e minha mãe ficando vermelha... Bem,
até eu fiquei com as bochechas quentes.
Finalmente!
— Depois de você.
129
—
— Vou pôr essas flores num jarro. — ela sai do corredor com os saltos
batendo ao chão e passa por mim para ir até a cozinha. Seu olhar de
advertência não passou despercebido.
Ah, merda. Aquele comentário me deixa mais sem graça do que qualquer
coisa. Principalmente vindo dele.
— Obrigado. Você também não está nada mal. —Olho-o com atenção. Não
pude fazer isso no nosso primeiro encontro, porque estava ocupada demais
tentando engolir aquela cena dos dois na cozinha.
Richard é um cara em forma. Não está de terno, como achei que estaria,
mas com uma calça social preta e uma camisa branca. Até que ele era
estiloso. Com certeza, um bom partido, mas isso não significa que eu
ainda goste dele. Apesar de eu ter que admitir que ele não me parece tão
ruim agora.
— Bom, o jantar está pronto. Vamos comer? — Minha mãe volta alisando
as mãos umas nas outras. Ela está nervosa.
130
—
Ela sabe até o prato preferido dele. Eu não sei o prato preferido de Ben. E
não vejo qual a importância disso.
— Você gostou?
— Então, Kate. Como anda a escola? — Ele pergunta enquanto põe risoto
em seu prato.
— Bem.
— Boston.
— Ah, uma ótima escolha. Vejo que é uma aluna esforçada, então. Para
entrar na faculdade de Boston você precisa ter uma mistura de A‘s e B‘s.
Mais A do que B.
131
—
— Kate!
Buck‘s Pub é um lugar que eu sempre quis visitar. Não por ser um bar,
mas todo mundo ia lá e é perto do Mazzarick. Não sei ao certo porque
nunca fui. Até Rose foi com Sean.
— Legal. — Volto minha atenção para a minha comida. Até que a bisteca
Fiorentina não é ruim.
— Querido, talvez possamos ir todos juntos para lá. — minha mãe sugere.
— Essa é uma ótima ideia. Não estarei trabalhando neste domingo. Bob,
Cynthia e Marcos estarão cuidando do bar então você pode tirar o dia de
folga também.
132
—
— Eu não te falei?
133
— Não, mãe. Você com certeza não falou sobre isso.
— Bom, não tem problema. Domingo iremos ao bar e vamos nos divertir
um pouco. O que acha? Você vem conosco? — Richard pergunta.
Penso um pouco. Eu queria ir? Sim. Queria ir com eles? Talvez. Olho para
a minha mãe e seu olhar me implorava para que eu vá. Olho para Richard e
ele parecia animado com a ideia. Suspirei.
Sorri, agradecendo. Eu esperava que tudo saísse bem, porque Richard não
parece um cara ruim. Mas eu ainda estaria de olho nele.
— Obrigado por me convidar para jantar. Gostei de passar tempo com duas
mulheres lindas e uma comida bastante saborosa. — o sorriso de Richard
era caloroso, quando se virou para nos olhar da escada em frente a casa.
134
— Nos vemos amanhã, querido. — Minha mãe segurava a porta, com um
sorriso calmo. O lado dela que presenciei hoje, eu não tinha visto em muito
tempo. Talvez... Em dois anos...
— Com certeza sim. Vejo você no domingo, Kate. Vamos ver quem vence
no jogo de dardos. — Me desafia.
Ele gargalha, o que me fez sorrir também. — Até mais, garotas! — Richard
entra em seu volvo branco e deixa o local.
— Bem, foi melhor do que eu esperava. — diz minha mãe quando fecha a
porta e olha para mim.
A relação com a minha mãe tinha se desfigurado com o tempo desde que
meu pai foi embora, e ainda acho difícil dizer certas coisas para ela. Fazia
tempo desde que eu disse 'eu te amo' ou a abracei pela última vez.
— Obrigada. Você verá. Richard é... Bom. Ele se importa comigo e... Eu
estou feliz. — Ela passa por mim e vai arrumar os pratos da mesa.
Fiquei na porta, ainda digerindo as palavras da minha mãe. Ela está... Feliz.
Não percebi que minha família estava tão carente disso, até que o
incômodo no meu coração ficou mais forte enquanto ajudava minha mãe a
arrumar a mesa.
135
15
— Isso. Muito bom! Agora, refaça aqueles cálculos que corrigi do início e
estamos livres. — disse a Kate que estava sentada do meu lado no nosso
branco de praça favorito.
— Pode deixar!
— Ei! Considerando que você fez tudo certo, isso é um erro quase
irrelevante. Não se preocupe com isso. Da próxima, tenho certeza de que
você fará tudo certo.
136
— E como você pode ter certeza disso? — seus cabelos adquiriram um tom
mais vivo com a luz do sol poente. Qualquer um que visse, poderia dizer
que era uma obra de arte.
Quando estamos os dois em pé, viro o corpo de Kate de frente para o lago.
Pego meu celular colocando-o para tocar You Were Born to be My Baby
do Bon Jovi e deixo o aparelho no banco.
Suas pálpebras levantam devagar e imediatamente seu foco sou eu. Não sei
para onde todo o ar do parque foi quando encarei aqueles olhos. A beleza
de Kate era tão... Eu nem sabia explicar. Não havia nada carnal ali. Não.
Era algo natural, puro. Sua beleza era a sua alma. Tão... Triste e
melancólica, que me fazia querer ser o único a fazê-la sorrir.
—Ben?
137
— Sim?
138
—
Ok. — Mas nenhum de nós fez nada, a não ser olhar um para o outro.
— Te vejo amanhã?
— Com certeza.
— Ok.
Ainda ficamos algum tempo assim, até que uma criança passa correndo ao
nosso lado e nos assustamos. Começamos a rir enquanto a mãe do menino
corre atrás dele gritando seu nome.
139
— Ah... — ela fica calada alguns segundos. — Eu... Só estou preocupada
com uma amiga.
Não ia perguntar o que houve, porque estava na cara que era algo entre ela
e a amiga, e que me contaria, se quisesse. Então apenas apertei seu ombro
para mostrar que eu estava ali. Kate sorriu, agradecendo.
— O que você quer dizer com estranho? — viro minha cabeça para ela.
— Eu não sei. Íamos diversas vezes, mas nunca nos encontramos. Só não
parece ser verdade, entende?
Olho para ela alguns segundos. — É, eu sei exatamente o que você quer
dizer. Uma coisa que aprendi é que as coisas acontecem no tempo que elas
tem que acontecer. Talvez nós precisássemos nos conhecer exatamente
naquele dia. — refleti.
Lembro-me do dia em que nos conhecemos. Tive uma briga feia com meu
pai, que me deixou muito mal. Kate foi como uma luz para a escuridão
dentro de mim naquele dia. Poderia jurar que não sorriria mais, mas ela
tirou uma risada de mim com apenas segundos de conversa.
— Sim, talvez. — sua expressão se torna pensativa.— Mas fico feliz por
ter te conhecido. — caminha tranquilamente com um pequeno sorriso no
rosto.
Kate ri.
140
—
Ser chamado de amigo não me causou uma boa sensação, apesar de ser
exatamente isso que somos... Amigos.
— Fico feliz por estar sendo útil para você. Pode continuar me usando. —
tentei, mas não consegui falar isso sem ambiguidade. Se Kate notou, não
demonstrou.
— Sou é?
— A sua cantada.
141
142
—
Você não é pescoço, mas mexeu com a minha cabeça. — balanço as
duas sobrancelhas. De repente, uma luz cega a minha visão e ouço Kate
cair na gargalhada. — Você realmente tirou uma foto minha?
— Claro.
143
Não é? É muito louco também. Quer dizer, você se apaixona, chora,
sofre e torce por pessoas que sequer existem. Mas Stephen King disse que
"a ficção é a verdade dentro da mentira, e a verdade desta ficção é bem
simples: a magia existe." E eu concordo com ele.
Ver a paixão que ela te m pela leitura, me lembrou da minha própria paixão
pela música.
— Sim. — dou risada. — Posso ler um livro sob sua recomendação, mas...
Você terá que escutar um álbum de uma banda sob a minha.
144
—
— Vou fazer uma pesquisa pela minha estante e ver qual você poderia
odiar.
— Ah, Katherine, você é muito má. Também não facilitarei para você.
— Quem não cumprir com o combinado vai ter que fazer um desafio. —
Então ela gostava de jogar.
— Vou escolher 5 músicas da banda e não vou dizer quais são. Você terá
que ter escutado todos os álbuns para saber quais e então vai me dizer o
refrão de cada uma delas.
145
16
Eu não aguento mais. Estava escutando pela terceira vez Woke Up This
Morning, do álbum Siver Side Up de 2001 do Nickelback. Eu não gostei
nenhum pouco das músicas, mas também não facilitei para Ben.
"Veremos."
146
—
Você acha mesmo que a Daenerys vai subir de volta ao trono? —
pergunta Rose.
Mais cedo, quando ela apareceu na minha porta de óculos escuros, blusa
rosa e jeans rasgado, se desculpou pela maneira que saiu da minha casa no
outro dia. Disse que foi uma emergência com a mãe dela, mas que estava
tudo bem. Achei estranho, mas não questionei. Apenas a abracei e disse
que poderia contar comigo para qualquer coisa.
— Olha só o seu Drogo vindo aí. — Rose sorri maliciosamente para mim e
aponta para a frente com o queixo.
Não entendi de imediato, mas quando viro minha cabeça na direção que ela
queria, vi Ben andando até mim. Suspirei. Não me julguem, é difícil
controlar as emoções quando esse cara está por perto. Ou neste caso,
caminhando despreocupado até mim.
Ponho a mão na parte da minha bolsa onde o livro está. Passei horas
relendo os livros que eu achei que Ben poderia odiar até finalmente
encontrar um para emprestá-lo. Eu não vou perder esse desafio.
147
—
Hey, garotas! — nos cumprimenta sorrindo. Ah... Aquele sorriso...
Droga.
— Legal. Ainda quero te mostrar umas músicas que acho que você vai
gostar.
Ben ri. — Acho que você é das minhas. E você, Kate? Como está? — meu
coração deu um salto com sua atenção em mim
Ben parece pronto para responder às perguntas. Eu, por outro lado…
— Claro que você pode vir com a gente. Não é, Kate? — Rose não foi
nada discreta no seu tom sugestivo.
148
—
— Ótimo. Vejo vocês no almoço, então. — sorri e olha para mim antes de
ir embora.
— Relaxa, Kat. Prometo que não vou falar nada que envergonhe você.
O sinal toca.
— Eu não fiz isso. — Ele levanta dos braços, se divertindo com a minha
reação.
149
—
Você não pode ter acertado todas as perguntas! Deve ter alguma escuta
escondida por aí. — cruzo os braços.
— Não estou, e você sabe disso. Talvez essas sombras abaixo dos meus
olhos expliquem melhor para você.
— E o de Too Bad?
— Never Again.
Hesito. Essa foi a primeira música que escutei, e é por isso que não consigo
lembrar direito da letra.
Ben parecia estar se deliciando não só com sua comida, mas com toda a
situação.
150
—
151
Eu me recusei a desistir antes dos 5 minutos, porém eu não consegui me
lembrar da maldita letra.
— E parece que eu venci. Foi bom jogar com você, Kate. — Ele diz
vitorioso.
Já que perdi, preciso cumprir algo que Ben me pedir. Pensar nisso, me fez
perceber o quão crianças fomos em fazer essa aposta, em primeiro lugar.
— Saia comigo.
152
São 20:05 e estou completamente nervosa andando de um lado para o outro
no meu quarto, com o celular na mão e indo para a janela. Nada. Tudo
bem. Não devia ser nada demais. Talvez Ben não seja um cara tão pontual
assim. Eu não ia ficar esperando a noite toda com meu vestido preto de
manga longa novo e de maquiagem. E se... Não.
Pensei também no almoço que tivemos. Foi um tempo muito legal juntos.
Ben parecia querer ouvir tudo o que eu tinha para dizer e, mais assustador,
o que não dizer.
São 20:45, ouço uma batida na porta. O alívio que senti era indescritível.
Peguei minha pequena bolsa e desci correndo as escadas. Estava de
sapatilha, então foi fácil.
153
— Oi, Be... — mas quando abri a porta, não era Ben. Era alguém que não
esperava ver nem tão cedo.
— Olá, irmãzinha!
154
17
— Tudo bem, ok? O senhor vai ficar bem. Aguente firme! — Foram
minhas últimas palavras antes de soltar a mão de um Sr. Finlay
desacordado e deixar que os médicos o levassem para a sala de exames.
Passei a mão pelo rosto, preocupado. Só podia esperar que ele ficasse bem.
Sentei-me numa das cadeiras da sala de espera e pus os braços nos joelhos.
Foi muito rápido. Apenas fechei a porta da frente da minha casa para me
encontrar com Kate e acenei para o Sr. Finlay.
Ele não parecia bem, mas retribuiu o cumprimento mais lento que o
normal. Cheguei mais perto para me certificar de que não tinha nada de
errado, mas quando perguntei sobre o que estava acontecendo, ele não
falou. Comecei a me preocupar e fui chegando mais perto. O Sr. Finlay não
reagia. Meu coração acelerou. Até que chegou um ponto em que ele
desmaiou em sua cadeira de balanço.
Vim com ele na ambulância, segurando sua mão, como se aquilo fosse
mantê-lo comigo. Sem comunicação, eu só podia esperar que Kate
entendesse quando eu lhe explicasse amanhã.
Agora, eu só podia pensar que meu amigo, de tantos anos, está em uma
dessas salas de hospital com o risco de não sobreviver. Não. Eu não posso
155
pensar nisso. Ele é velho, eu sei, mas é um velho forte, teimoso. Não pode
simplesmente partir assim. Não pode.
Pela primeira vez na vida, eu estava sentindo o pavor de ver alguém que
você ama indo embora para sempre. Ou ao menos, a enorme possibilidade
disso. Não tive esse sentimento com a minha mãe. Ela estava comigo em
um momento e no outro... Se foi. Não tive tempo de pensar direto, de ficar
angustiado com a possibilidade de sua partida. Estou sentindo isso agora e
quero que pare.
De repente, penso em sua família. O Sr. Finlay não tinha uma. Ele havia
falado sobre uma mulher e seu filho, mas nada de localização ou nomes.
Tudo tão vago. Meu vizinho vivia num mundo de solidão e dor. Talvez sua
única saída não fosse sair daquela sala, ou deste hospital. Talvez eu
estivesse sendo egoísta querendo que ele ficasse, sendo que a paz que ele
merece, não está aqui.
Comecei a chorar naquela sala de espera, com outras duas pessoas sérias.
Não havia motivo para sorrir, ou para querer isso. Minhas lágrimas nada
mais eram do que tristeza. Não por mim, mas pelo Sr. Finlay. Se ele partir
agora, não terá ninguém para chorar sua morte. Ninguém além de mim.
Nenhuma pessoa merece isso. Mesmo depois de todos os erros que
cometeu, ele está arrependido e não merece morrer sozinho.
— Por favor! Por favor! Eu preciso saber como uma pessoa está. Ele
entrou aqui há pouco... — Eu conhecia aquela voz.
— Por favor, eu preciso saber como ele está. — Flora estava diferente. Seu
semblante repleto de apreensão e seu visual sem nada rosa, me deixaram ao
mesmo tempo preocupado e confuso. Quem ela estava procurando
156
— Calma, senhora. Preciso que me diga qual o nome do paciente para que
eu possa lhe dar mais informações.
— Eu... Ele... E-eu... — Ela estava tão nervosa que fiquei com medo que
desmaiasse ali mesmo.
— Ei, Fluflu!
— B-Ben?
— Se acalme. Ei. Calma. Vamos sentar ali. — passo meu braço sobre seu
ombro e a acompanho até uma das cadeiras da sala. — Você quer um copo
de água? — me abaixo num joelho para ficar do mesmo tamanho que ela.
— Volto logo, está bem? — beijo sua testa e me levanto para buscar água.
Olho para os lados até ver um bebedouro no fim do corredor.
— Eu devia ter voltado. Fui uma idiota egoísta. Eu devia tê-lo dito que o
amava mais que tudo. — Se meu coração não estivesse quebrado, ali seria
o momento em que ele quebraria.
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— Ele está aqui? — acariciei suas costas. Senti apenas o balançar de sua
cabeça. Brevemente me separei do abraço e peguei o copo de água. —
Aqui. Beba devagar. — assisti enquanto Flora esvaziava o copo.
— Eu fui tão burra!
— Não diga isso, Flulfu! Você é uma das pessoas mais sábias que eu
conheço.
Levo um tempo para compreender o que ela queria dizer. E meus olhos se
arregalaram quando percebi de quem se tratava.
Oliver Finlay.
18
— Ah meu Deus!
158
— Oi para você também. — diz sorrindo.
— Ah, meu Deus! Ah, meu Deus! Ah, meu Deus! — me jogo nos braços
do meu irmão e quase nos faço cair no chão.
— Não. — eu fungo.
— Venha. Vamos entrar. — deixo que ele entre primeiro e fecho a porta.
159
como os meus e seu sorriso igual ao da nossa mãe. Apesar de gêmeos, não
éramos idênticos.
Vou para bem perto dele. Estou cansada de distância. A partir de hoje,
distância é minha palavra mais odiada depois de química.
— O que? Está mesmo me dizendo que Las Vegas não é grande coisa? Las
Vegas, a cidade do pecado, onde tudo acontece? — Me separo o suficiente
para olhar nos olhos castanhos dele.
Eu bufo. — Anda, me conta como foi lá. — cutuco sua lateral com meu
cotovelo.
160
— Você já foi num cassino?
— O que?
— Não!
— É, bem…
161
—
Estou muito chateada com você, Michael Laurentis. — balanço a
cabeça.
— Então quer dizer que você, homem e irmão mais velho, pode ir e eu,
mulher e irmã mais nova, não? — semicerro os olhos à espera de uma
resposta.
— Como assim?
— Bem, cassinos são chatos, na verdade. Não tem muito o que fazer a não
ser ver pessoas podres de ricas apostarem fichas que valem mais do que 3
vezes a nossa casa e perderem tudo.
— Claro que não. As apostas eram muito altas e eu não tenho tanta
estabilidade financeira para isso, maninha.
— Faz um tempo que não sou chamado assim. — imediatamente viro meu
rosto para ele. Dava para sentir a saudade em suas palavras.
— É…
162
Por algum tempo, ficamos presos em nossas lembranças. Ainda dói. Essa
desconstrução de um passado feliz. No entanto, acho que estamos
conseguindo superar.
— Bem, o que tem para jantar? Estou morrendo de fome. — Mike quis
saber.
— Kate?
— Ah, então… Er… vou ver o que tem na geladeira. — salto do sofá.
— Sim, sim. Estou bem. — sorri, sem encarar seus olhos. Me ponho a
andar.
— Ah. Ah! Isso aqui? — faço descaso de sua observação sobre minha
roupa. — Não, não é nada de importante.
163
—
Então você se arrumou para ficar em casa? — Mike diz irônico. E ele
está certo. Já é bem difícil eu me arrumar para sair, imagine para ficar em
casa. Simplesmente, não é meu estilo e todos sabem disso.
— Sim. Às vezes faço isso. — Não queria que ele se sentisse culpado por
vir e, talvez, eu também estivesse com medo de falar que estava indo a um
encontro. Não sei. Apenas é muito constrangedor falar essas coisas para o
seu irmão mais velho.
— Não.
— Sim. — Então ele começa a rir, o que me deixou com raiva. — Qual é a
graça?
— É que… É que… — Mike gargalha outra vez. — Isso parece uma piada.
— sua risada continua.
— Então quer dizer que eu sou uma piada para você? Francamente, Mike.
Não posso me arrumar para mim mesma? — cruzo os braços.
164
Devo eu contar para meu irmão que iria ter um encontro com Ben? Parecia
tão embaraçoso. Além do mais, Mike iria querer conhecê-lo e não acho que
isso seria uma boa ideia. Pelo menos não tão cedo.
— Kate?
— Não foi exatamente um bolo, ok? Ele teve um imprevisto e não pôde
vir. — Eu acho. Ben não parece ser o tipo de cara que faz isso, mas ele
também não deixou nenhuma mensagem.
— Kate…
— Mike, escuta. Isso é coisa minha. Pode, por favor, não se meter? —
tentei não soar tão seca, mas não creio que foi possível.
Meu irmão apenas me olha por um tempo. — Tudo bem. Você está certa.
Já não é mais criança para que eu cuide de assuntos como este. Apenas
tome cuidado, ok? E me avise se algum idiota fizer algo de errado com
você. — o olhar assassino dele era um aviso bem claro.
— Tudo bem. — sorri, sabendo que ele me deixaria em paz. Por enquanto.
165
—
Ótimo. — ele relaxa no sofá. — Mas ainda quero saber quem é esse
cara que te deu um bolo.
— Kate!
— Você está linda. — seus lábios se puxam para cima. Meu coração se
aqueceu ao ouvir aquilo.
Vou para a cozinha numa batalha feroz contra as lágrimas. Preparei o jantar
e alguns lanches. Queria falar sobre tudo ou sobre nada. Apenas têlo
comigo ali, naquele momento, já era o suficiente. Meu irmão estava de
volta e eu não podia estar mais feliz.
19
Nunca tinha percebido o quanto os cabelos de Fluflu eram macios até estar
acariciando-os hoje.
Apenas era triste que a situação tenha sido esta.
166
Ainda é um pouco difícil de acreditar que ela e o Sr. Finlay foram casados
e quase tiveram um filho. Era algo quase surreal. Uma história triste que
foi contada entre lágrimas e muita dor.
Fluflu e Sr. Finlay viveram muito bem na casinha deles em Raleigh até que
ela descobriu que estava grávida. Eles ficaram preocupados com a situação
financeira, Sr. Finlay mais ainda e acabou começando a mergulhar na
jogatina.
Houve então, um dia em que Fluflu sentiu dores muito fortes na barriga e
começou a sangrar. Porém ela estava sozinha em casa enquanto Sr. Finlay
estava em algum lugar, jogando. Quando ele voltou para casa, descobriu
que ela perdeu o bebê e cometeu o erro de dizer que talvez aquilo fosse
uma benção. Os dois brigaram feio e o relacionamento terminou ali.
Segundo Flora, ele já vinha definhando há meses.
167
quando criança. Ela me pedia para que eu me referisse a si mesma como
Fluflu. Então quando eu falava dela para o Sr. Finlay, ele nunca poderia
imaginar que fosse sua ex esposa.
— Eu tinha decidido falar com ele. Você já tinha me dito onde ele morava.
Amanhã será seu aniversário de 63 anos e queria… — sua voz quebra. Ela
põe as mãos entre os cabelos. Meu coração apertava tanto que doía.
168
Estava começando a ficar preocupado com a situação de Fluflu, mas não
interrompi sua fala. Ela precisava daquilo.
— Uma dor como essa só senti no dia que perdi meu bebê e no dia que nos
separamos. — Os olhos de Fluflu vão para um ponto distante, enquanto
lágrimas silenciosas escorrem por sua bochecha flácida. — Rezei o
caminho todo para que ainda pudesse ter a chance de dizê-lo que apesar de
tudo, nunca deixei de amá-lo com todo o meu ser. Apenas isso já seria o
suficiente para que o meu amor pudesse ficar em paz com isso... Mas
talvez não seja isso o que o destino quer. — ela tenta rir, mas saiu mais
como um choro.
Os olhos de Fluflu continham uma escuridão, uma dor tão profunda que
nunca tinha visto antes. Reuni toda a minha força para não desabar com
ela, ali.
— Quem se importa com o destino? Você está aqui, por ele, Fluflu. O
destino não pode impedir alguém de ir aonde quer que for, se entre todo o
caos tiver amor. Seu amor pelo Sr. Finlay e sua decisão de estar aqui são
mais importantes do que qualquer destino, ok?
Olho para minha Fluflu, tão triste e despedaçada. Ela assente com um
movimento sutil de cabeça e vejo lágrimas se acumularem novamente em
seus olhos.
— Tudo bem. Eu estou aqui com você. — sussurro em seu ouvido. Sinto
suas lágrimas quentes molharem minha camisa enquanto seu corpo treme
com os soluços. — Você não está sozinha.
169
Imagino se fosse comigo. Se minha mãe tivesse numa cama de hospital e
não morrido num piscar de olhos. Imagino como seria ter a chance de ter
tempo para sofrer com isso. Não sei se é uma benção ou maldição o fato de
que não tive tempo para processar tudo.
— Você age como se eu não tivesse te visto crescer e ter sido sua
confidente esse tempo todo. — bufa e limpa uma bochecha.
— Que música você vai cantar? — ela olha para mim. Penso sobre isso.
Não queria algo muito melancólico para não piorar a situação, mas também
algo muito alegre estava fora de questão.
— Everybody Hurts, do R. E. M.
170
Respiro fundo, me preparando para me conectar com a música e sua
melodia. Fecho meus olhos e abro meu coração.
Of this life
(Desta vida)
Well hang on
(Bem, aguente firme)
171
(Porque todo mundo chora)
Of this life
(Desta vida)
Well, hang on
(Bem, aguente firme)
Everybody hurts
(Todo mundo se machuca)
Oh, no
In this life
(Nesta vida)
To hang on
(Para aguentar firme)
Everybody cries
(Todo mundo chora)
Em cada frase, eu torcia para que ela entendesse. Cantei com toda a minha
alma para que ela sentisse.
174
Everybody hurts
(Todo mundo se machuca)
Prolongo a última frase. Foi algo que tinha dito a Fluflu, pouco antes. Eu só
esperava que ela soubesse.
— Vocês podem vê-lo. Vou levá-los ao quarto onde o Sr. Oliver está. O
doutor está esperando para falar com vocês. — A jovem sorri.
Flora toma uma respiração profunda. Seguro seus ombros por trás.
— Vamos lá.
Ela acena com a cabeça. A enfermeira nos lidera por entre os corredores do
hospital. Sinceramente, eu odiava esse lugar. Era uma atmosfera tão para
baixo, que me fazia ficar doente.
175
Entramos num corredor e vimos um homem negro parado em frente à
porta.
— Muito bem, pelo que vi nos resultados dos exames, o Sr. Oliver, que é
diabético, parou de tomar suas doses de insulina. Isso causou o aumento do
açúcar, o que o levou a ter um derrame.
— Oh, meu Deus! — Fluflu leva a mão trêmula à boca. Aperto seus
ombros.
Merda!
176
Sem "Ele está fora de perigo." ou "Não se preocupem, ele vai ficar bem.".
Nenhuma garantia.
— Obrigado.
Ele assente. — Não há de quê. Vocês podem entrar. Vou sair para dar mais
privacidade, mas caso necessitem, há um botão perto da cama que, se
apertarem, uma enfermeira virá ao seu auxílio. Daqui a pouco voltarei com
uma equipe para darmos início ao tratamento do Sr. Oliver.
— Ei. — massageio seus ombros. — Ele está bem, ok? Você consegue.
Um aceno.
Ela balança a cabeça. — Tudo bem. — funga. — Eu estou bem. Não vou
demorar muito, querido.
177
Fluflu sorri de volta e me dá mais um aceno com a cabeça antes de girar a
maçaneta e entrar no quarto.
Passaram-se uns poucos minutos até que Fluflu finalmente sai do quarto…
Chorando.
— Eu… Eu estou indo ao banheiro. Você pode entrar enquanto isso. — Ela
nem espera uma resposta. Vira-se e sai caminhando pelo corredor. Respiro
fundo e controlo minhas emoções. Não sei se consigo segurar a barra
quando vê-lo deitado naquela maca.
Seguro a maçaneta. Tenho que ser forte, pois o Sr. Finlay já passou muito
tempo sozinho. Mesmo desacordado, talvez ele precise de alguém para
confortá-lo. Trincando os dentes, entro no quarto.
A primeira coisa que vejo é o corpo imóvel do meu vizinho coberto por
lençóis, do tronco para baixo. Fecho os olhos um momento, para afastar
pensamentos ruins. Ele não é minha mãe. O Sr. Finlay terá um final
melhor. Ainda não pode ter chegado a vez dele.
178
Abro os olhos e me aproximo da cama.
— Hey, Sr. Finlay! — digo com a animação de sempre. Imagino que sua
resposta seria ―Olá, garoto‖, como sempre e não o ―bip‖ daqueles
aparelhos. — O senhor nos deu um baita susto. — sem resposta. Pego sua
mão e acaricio-a.
— Viu que a Flora veio? Ela ainda te ama muito e se arrepende de ter
perdido tantos anos longe de você. Se tem algo que aprendi com vocês
dois, é que quando a gente ama, a gente doa a nossa alma e coração para a
outra pessoa. Você tem a alma e o coração dela. Acredito que ela tem a sua
alma e coração também.
— Sabe, Sr. Finlay, acho que não nos encontramos por acaso. Você perdeu
seu filho e eu perdi meu pai. Você… Você tem sido um pai para mim, tem
me ensinado coisas sobre a vida e o coração. Eu… E-eu não quero que
você vá. — aperto os lábios um no outro. Desvio meu olhar para a parede.
179
— Com licença. — pede o médico com a sua equipe atrás. — Precisamos
preparar o Sr. Oliver para começar o tratamento.
180
20
— Hey, Kat! — Ela vestia uma blusa azul com uma jaqueta, saia de couro
preta e botas da mesma cor. — Que cara é essa?
Hoje decidi vestir uma camisa branca que dizia "No reading, no life", jeans
skinny e meus usuais tênis surrados.
— Grey 's Anatomy. — Dizer aquele nome em voz alta me causava certo
sofrimento.
— Não! — Ela leva as duas mãos à boca. — Ah, Kat! Como você está se
sentindo? — uma das mãos vai ao meu ombro.
Rose estuda meu rosto. — Nah! Deixa para lá. Enfim, sei como se sente.
Mesmo tendo terminado há 3 dias atrás, ainda não superei. — suas
sobrancelhas se unem.
181
182
Não acho que estarei muito melhor daqui a três dias. — Encaro o
asfalto à minha frente.
— Talvez, mas apesar de tudo, é uma série incrível. Sou fã da Shonda. Até
quero fazer faculdade de enfermagem ou algo assim. — Só Rose mesmo
para dizer que quer fazer faculdade de enfermagem "ou algo assim."
— Pois é… Não deve ser nada demais. Além disso, você pode perguntar ao
seu homem bonitão sobre isso, já que ele e a dona são velhos amigos. —
sinto seu ombro encostar no meu. Resisto a vontade de revirar os olhos.
— As duas únicas coisas que eu sei é que sou muito hot e Benjamin está
caidinho por você.
Não consigo reprimir e solto uma risada. — Você devia comprar óculos.
Seus olhos estão enxergando demais.
— E você devia abrir mais os seus. — Rose cutuca meu rosto. — Se toca,
baby, e pega logo o que está sendo dado de bom grado para você.
— Acha mesmo que não está exagerando? Talvez ele só seja gentil. — Eu
não tinha certeza se acreditava nisso.
— Eu não sei…
183
—
— Olha só, é normal se sentir insegura, ok? Só não deixe isso atrasar você.
Eu realmente gostei do cara. Parece ser decente. Mas se estivermos
enganadas e ele for um babaca desgraçado, vou chutar a bunda dele e
destroçar aquele rostinho lindo. — Ela faz movimentos de garra no ar.
— Ele que se cuide então. — dou risada. — Talvez você esteja certa… —
penso alto.
— Não foi nada disso. — paro e olho para ela. — Pelo menos eu acho que
não.
184
Acho bom ele ter uma ótima explicação para isso. Mas como foi com
seu irmão?
— E onde ele está ficando? Suponho que seu irmão não queira ficar na
mesma casa que sua mãe, certo? — três carros passam por nós e me
lembram que temos que ir.
— Sim. Ele disse que alugou um apartamento pequeno aqui perto. — volto
a andar.
— Uau. Não sei se fico chateada com Mike por quase ter te impedido de
sair com Ben ou se fico feliz porque ele voltou e não te deixou sozinha
ontem.
— Eu realmente estou feliz. Só não sei como contar sobre Ben para ele.
Não que tenhamos algo.
— Você vai negar que não fica pensando nele 24h por dia? — levanta a
cabeça para me dar um olhar de desafio.
185
—
— Eu sabia! — ela praticamente grita e começa a dar pulinhos. Viramos a
esquina, onde consigo ver o prédio da escola.
— Meu Deus, Rose! Ser um pouco mais discreta seria bom. — aperto seus
braços para me segurar e me impedir de cair.
— Certo. — sorri.
Na aula de química, Ben parecia estranho. Ele que costumava ser bem
animado e brincalhão, hoje estava mais sério e triste. Apesar de ter me
dado alguns sorrisos e se desculpado por ontem à noite, percebi que sua
voz estava distante.
Decidi esperar até a hora do almoço para falar com ele. Enquanto isso, mal
consegui prestar atenção nas aulas. E se o problema for eu? Será que ele
iria mesmo me dar um bolo ontem? É claro que poderia ser algo totalmente
diferente de mim, mas a pequena possibilidade de ser eu, já era o suficiente
para me deixar inquieta e desatenta. Mais de um professor chamou minha
atenção por isso. Eu precisava que a hora do almoço chegasse. Assim eu
poderia falar com Ben e esclarecer isso de uma vez por todas.
— Vi sim. Ele está no gramado da frente. Sabe, notei que ele está diferente
hoje. — Rose franze a testa.
— Não sei. Triste, talvez. O que é realmente estranho já que ele vive
sempre sorrindo e fazendo piadas. — Então ela também percebeu. — Não
notou?
— Sim, notei. É por isso que quero vê-lo. Talvez eu possa ajudar.
187
—
Me aproximo por trás e me sento ao seu lado, chamando sua atenção para
mim. Ben olha em minha direção, com um sorriso fraco. Devolvo o
sorriso.
188
—
Claro. — diz, dando de ombros.
Tiro a mochila das costas e coloco do meu lado. Imito a posição que ele
estava, colocando meus braços ao redor dos meus joelhos.
Sinto uma mão no meu rosto e me sobressaltei. Olho para Ben e o vejo
segurando um dos lados do fone. Com um sorriso, pego-o de sua mão e
coloco no ouvido. Era um rock. Não conhecia aquela música ou de quem
era e não gostava muito do estilo também, mas naquele momento eu não
me importava. Estava entrando no mundo de Ben.
Sua expressão não mudou desde que cheguei e não queria forçar nada.
Então apenas continuei escutando a playlist do lado dele. Percebi que
estava na pasta aleatória. Algumas músicas eram de gêneros diferentes.
Tinha rock, folk, blues e até indie. Comecei a conhecer um pouco mais de
Ben ouvindo sua playlist enquanto estávamos os dois sentados no
gramado da escola, olhando as pessoas passarem.
Era estranho, mas ao mesmo tempo especial. Me fazia querer passar mais
tempo com ele, conhecer mais dele, ter mais dele. Tinha medo de que
pudesse estar me apaixonando tão rápido por Ben sem saber se ele sentia
isso também.
189
—
Ben ri e pega o fone da minha mão. Eu não sei o que senti na hora, mas
deixou meu coração mais leve. Ouvi-lo rir foi um alívio.
— É… Eu só… não sei lidar. — o tom de derrota na sua voz, fez com que
eu colocasse minha mão em seu braço, fazendo-o parar.
Seu olhar vai para a minha mão e depois para mim. Eu não sabia o que
dizer. "Sinto muito" parecia tão idiota assim como "vai ficar tudo bem".
Naquela hora, isso não parecia ajudar muito.
— Tudo bem. Você pode me contar quando quiser. — movo o polegar sem
tirar a mão de seu braço. — Eu… Você não está sozinho, ok?
190
Ben me encara com aquelas esferas azuis. Sempre fico sem ar quando elas
me encaram. Era tão intenso. Tudo era intenso em relação a Ben. Desde
conversas à trocas de olhares.
Tinha a impressão de que ele era uma pessoa muito solitária, carente de
alguém que o ouça de vez em quando. Por um instante, aquilo fez meu
sangue ferver, pois todo mundo merece ter alguém para dividir os
problemas da vida, não carregar certos fardos sozinho. Então por que Ben
não tinha?
— A partir de agora, você tem uma amiga, Benjamin Hunter. — digo com
firmeza. Podíamos nos considerar amigos antes, mas senti a necessidade de
falar oficialmente em voz alta pra ele.
191
21
Eu não sei bem como lidar com tudo isso. Dava para levar quando eram
apenas problemas com meu pai e com o trabalho. Mas agora… Há dias que
eu não sei como respirar. Há dias que só quero ficar na cama ouvindo
música. Há dias que eu queria viver outra vida. Está ficando difícil de
aguentar.
Quando Kate me disse que ela estava lá para mim, há alguns dias atrás,
pensei que podia dar certo. Eu finalmente poderia ter alguém para me
segurar quando a merda ficasse tão insuportável que minhas pernas
cederiam. O problema era… Eu não queria falar sobre isso, levar essas
frustrações para outra pessoa, especialmente para Kate.
Eu podia lidar com aquilo também. Eu ficaria bem de novo como em todas
as outras vezes e ninguém precisaria saber de todo esse problema que é a
minha vida. Eu conseguiria.
Sr. Finlay ainda não deu nenhum sinal de melhora. Os médicos ainda estão
supervisionando o estado dele e Fluflu não sai do seu lado. Estou tão
preocupado com os dois. Toda essa preocupação está resultando em
broncas do meu chefe e dos professores. "Você não é assim, Benjamin!"
"O que está acontecendo com você?" "Estou decepcionado, Benjamin."
"Você era tão esforçado!" "Nunca pensei que você fosse assim." Essas são
as frases que mais escuto deles. E estou cansado delas.
192
Volto para casa depois de levar mais uma advertência de Adam, no
trabalho. Acabei saindo mais cedo por causa disso. Ele me disse para botar
minha cabeça no lugar e voltar no dia seguinte focado para fazer um bom
trabalho. Como se valesse a pena, quase disse. Eles pagam tão mal que
quase não se nota a diferença entre trabalhar de graça e isso.
Subo direto para o meu quarto, ignorando totalmente meu pai jogado no
sofá com suas garrafas de cerveja baratas vazias.
Depois de um longo banho, me sinto exausto de até mesmo pegar Big Ben.
Só me deixo cair na cama com meus fones. Olho para o teto.
— Mãe, o dia hoje foi difícil. Tem sido uma semana difícil e preciso que
me ajude… Que me dê alguma força porque… porque não sei onde
encontrar mais. — O som das cigarras, junto com a brisa fria da noite,
atravessam a janela aberta. Suspiro. — Boa noite, Mommy Cookie. Espero
que eu sonhe com seu sorriso hoje.
Fiz todas as minhas tarefas hoje. Acordei um pouco mais tarde, então tive
que me apressar.
Toda vez que saio de casa e olho para a varanda adjacente à minha, sinto
meu peito doer. Ele não está mais lá, porém me agarro na esperança de que
seja temporário. Passo pela padaria e a placa "fechado" produz um
sentimento semelhante. Eles vão voltar.
Na escola, fica difícil manter a concentração. Faço o melhor que posso para
que nenhum professor chame minha atenção novamente.
193
— Hey, garoto do rock! — Rose chama, atrás de mim.
— Por que não vêm almoçar com a gente? — sua cabeça inclina em
direção ao refeitório.
— Bom dia, Fluflu! Como vai hoje? — mantive um tom alegre, do jeito
que ela gosta de ouvir. Creio que ela precisava, ao menos, disso.
— Bom dia, querido. — A voz dela parecia cansada. — Estamos bem, não
se preocupe. Oliver não teve nenhuma melhora, mas também nenhuma
piora. O Dr. Jordan está confiante por ele não ter piorado nesses dias.
— Ah, isso é incrível, Fluflu! Com certeza ele vai sair dessa. — disse mais
para mim do que para ela. Flora parece perceber.
— E como você está indo? Espero que não tenha se preocupado demais. Eu
disse que ligaria ao menor sinal de mudança.
— Eu sei. Mas não posso evitar. — dou um sorriso triste e encosto numa
parede próxima enquanto alunos passam por mim. — Hoje à noite estou
indo visitá-los.
194
— Mas você não trabalha hoje? Como vai vir para aqui?
— Depois do trabalho.
195
—
Ah, querido. Eu sei que não é fácil para você também, mas tente
descansar. Não ajudará em nada se você acabar ficando doente.
— Não estou brincando. Eu… Eu preciso mesmo ver vocês dois, Fluflu. —
confesso baixinho.
Desligamos.
Faço meu caminho até o refeitório. Pego meu almoço na cantina e procuro
por Kate e Rose. Encontro-as numa conversa animada, não longe de onde
eu estava.
196
—
Sim. — Kate confirma com a cabeça. — Li a menção dela num livro.
Dois personagens resolveram assistir e acabaram maratonando algumas
temporadas. Rose e eu estamos decidindo se vamos assistir.
— Bem, são meus olhos que irão assistir, não? — A ruiva levanta uma
sobrancelha.
197
—
— Bem, mas não é. Obviamente, o único casal que irá será Sean e eu. —
Rose olha para Kate como se a estivesse desafiando a dizer alguma coisa.
— O que você diz? — pergunta para mim.
— Alô?
— Ben? Ben! É o Oliver! Ele teve uma parada cardíaca! — Fluflu grita
desesperada na outra linha.
198
—
— Ele está estável, agora. Conseguimos fazê-lo voltar. Ele está lutando,
vocês podem ter certeza. — o Dr. Jordan, nos informou.
Meu telefone toca novamente. Pego, com cuidado para não nos tirar
daquela posição, e atendo.
199
—
— Alô?
— Olha só, cara, — tentei falar o mais baixo, para que Fluflu não
escutasse. — Eu não pude ir hoje. Tive um contratempo e…
Ela não fazia ideia do quanto eu queria que aquilo fosse verdade. Eu tinha
acabado de ser demitido.
200
22
— Do tipo que seu chefe fala para você não trabalhar mais para ele. — Ben
tenta fazer piada. O negócio é que não estou achando graça.
— Mas porquê ele demitiu você? — Isso ainda era muito ilógico para mim.
Ben não parecia ser do tipo que faria algo grave para causar uma demissão.
— Adam estava na minha cola essa semana, por eu estar um pouco menos
produtivo do que eu costumo ser. Veja bem, com o Sr. Finlay no hospital e
Fluflu com ele, eu realmente não consigo dar tudo de mim, preocupado que
algo possa acontecer a qualquer momento.
— Mas — ele continua. — apesar disso, eu nunca dei motivo para que
Adam desconfiasse da minha capacidade de fazer tudo correto. Sempre fiz
todo o trabalho do jeito que tem que ser feito, agora, apenas, com um
pouco menos de ritmo.
— O que aconteceu com o Sr. Finlay? Ele está bem? — Meu coração está
batendo muito forte.
— Eu não devia. Sabe, não sou rico e está difícil arranjar um emprego de
meio período. Mas eu não aguentava mais. Era como se fôssemos animais.
Mal tínhamos folga e o pagamento era horrível. Provavelmente isso não
acontece em grandes empresas, mas eu não tinha condições de me dar o
luxo de escolher.
— Vou ficar de olho caso uma oportunidade chegue. — Foi o melhor que
consegui fazer para consolá-lo.
202
Ben vira a cabeça para mim e dá um sorriso de gratidão.
— Obrigado. Mas, por enquanto, você será minha chefe.
Inclino a cabeça, com uma pergunta nos olhos. Algumas pessoas riem e
conversam em algum lugar perto dali.
— Bem, você está me pagando por essas aulas, não? Foi você quem
insistiu. — esclarece.
Ben ri.
Realmente, a casa alugada de Mike não era nada do que eu esperava. Era
muito pequena e a sala era diretamente conectada com a cozinha, como se
fosse para economizar o espaço.
203
Havia apenas um sofá, perto da porta, a tv antiga em cima de uma pequena
mesa; os móveis da cozinha eram velhos e gastos também. Haviam mais
duas portas, que eu suponho serem um quarto e um banheiro. Como já
estava escuro, as luzes estavam ligadas, mas não demonstraram fazer um
bom trabalho.
— É o único lugar mais perto de você e com um bom preço que consegui
encontrar.
Segurei a vontade de dizer que ele podia voltar a morar em casa, que o
quarto dele está do mesmo jeito que deixou há 3 anos atrás. Tivemos
longas discussões sobre isso e não quero voltar a tê-las agora.
— Bem, pensei que você tinha algo em mente quando decidiu me trazer
aqui. — Levanto uma sobrancelha. — Eu estava muito bem lendo Guerra e
Paz na minha cama.
— Isso tudo foi para me irritar, não foi? — Meus olhos são como fendas na
direção do Mike. Quando ele não nega, eu bufo. — Bebezão.
Não tinha muita opção do que comer, então apenas peguei um pote de
pasta de amendoim.
— Eu sei. Mas não consigo resistir a isso. — começo a trabalhar nos pães.
— São meus preferidos.
205
— Você quer?
— Faz um tempo desde que comi um desses. — diz com a boca cheia.
Eu podia ver novamente o menino que amava comer essas coisas no jantar,
na cozinha de casa. Aquilo produziu uma ligeira dor no meu peito.
— Não sei. — volta a comer como se este fosse o assunto mais chato do
mundo
— Presumo que você saiba que precisa do ensino médio para entrar na
faculdade. — Deixo claro o sarcasmo em minha voz enquanto encaro o
meu gêmeo.
Suspiro pesado.
— Por quanto tempo mais terá que ser assim? Você vai mesmo desistir dos
seus sonhos por cau…
— Que droga, Kate! Eu não estou a fim de falar sobre isso, ok? Vamos
parar por aí.— sua testa se franze em irritação.
206
— Suponho que você não queria falar sobre a mamãe também. —
murmuro, olhando com uma esperança morta.
— Não tenho nada para falar sobre ela. — diz ríspido. — Você está
passando dos limites.
— Mike, você…
— Pensei que você não estivesse a fim de falar sobre isso. — retruco um
pouco magoada e me viro para guardar o pão e o pote de pasta de
amendoim.
Me viro para olhar para ele. Mike não estava olhando para mim, mas para a
mesa à sua frente, com a testa franzida. Respiro fundo.
— Então por que me disse que não sabia? — deixo minha voz suave e me
encosto no balcão da pia.
— Não sei bem. Ainda tenho um… Receio de voltar, sabe. É como se eu
esquecesse quem eu era e não soubesse mais o que eu quero. — ele diz a
última frase num sussurro.
207
Vou até ele e o abraço de lado.
— Seu passado não é o seu futuro, Mike. Você pode começar de novo.
Ainda não é tarde.
Ele suspira.
Mike balança a cabeça. — Ainda não. Sabe algum lugar onde precisem de
funcionários?
Senti falta de ver esse sorriso. Senti falta dele e ainda não acredito que ele
está de volta.
208
— Pare de me olhar assim.
— Assim como?
— Como se você fosse me pegar no colo e falar coisas com voz de neném.
23
209
— Você acha que essa roupa está legal? — pergunto virando a câmera do
celular para o espelho.
Optei por vestir uma calça jogger verde escuro, camisa branca com
mangas, enrolada com um nó, e um tênis branco. Deixei meus cabelos
soltos. Aquelas ondas mereciam um pouco de paz.
— Como você está? Nervosa com o jantar? — Rose finalmente mostra seu
rosto e se deita na cama, na mesma posição que eu.
— Não… Não estou. Da última vez correu tudo bem. Agora teremos mais
pessoas para prestarmos atenção além de nós mesmos. Vai ser legal.
— Daqui a alguns minutos. Richard disse que vem nos pegar às 19h. —
Meu braço começa a doer naquela posição.
210
— Cara, que louco. Você tem um padrasto agora. Minha mãe ainda não
conseguiu achar ninguém desde que meu pai morreu e isso foi há 16 anos.
Judith encontrou Richard em 3 anos. Acho que elas precisam conversar.
Eu rio.
— Não é que eu goste. O negócio é que parece que vocês vivem precisando
de um. — Ela revira os olhos. — Mas eu já falei. Vou ser enfermeira.
— O que foi?
— Rose…
— Eu preciso desligar. Você não quer ver o que nós iremos fazer, não é?
Se cuida no jantar. Vejo você amanhã. — desliga.
Estou preocupada com Rose. Não apenas pelo fato do relacionamento dela,
mas porque ela simplesmente não fala sobre isso. Sonho com o dia em que
ela finalmente se livre de Sean.
211
Uma buzina me avisa que Richard chegou. Pulo da cama. Olho no espelho
apenas mais uma vez e vou para as escadas.
— Kate!
— Estou indo!
— Ah, mas eu sou um homem de sorte. Tenho certeza que não terei
sossego na companhia de duas lindas mulheres. — Richard pisca para nós.
Ele também não está nada mal hoje. Como no jantar anterior, Richard não
precisa fazer muita coisa para ficar bonito, mas ele certamente gosta de
estar bem apresentável. Assim como eu, usava uma camisa branca, porém
com um blazer preto por cima. Sua calça jeans parecia da melhor
qualidade, assim como seu tênis azul escuro.
212
As luzes, davam um clima alaranjado ao lugar. As paredes de tijolos eram
decoradas com quadros com frases e objetos como alvo para dardos, discos
de vinil e algumas luzes. Havia um lugar para tirar foto onde tinha um arco
e a frase "É aqui que eu me divirto."
Havia muita gente ali. Muitos queriam passar o domingo de uma forma
legal e parece que o Buck's era perfeito para isso.
— Fico muito feliz que pense assim. — Ele parecia aliviado, como se
esperasse que eu dissesse algo ruim. A culpa enche meu coração. —
Venha, vamos nos sentar. Separei a mesa especialmente para hoje.
Nós sentamos numa mesa perto da parede, com uma boa visão do palco.
213
— Como não estou trabalhando hoje, — Richard se senta na ponta e eu e
minha mãe ocupamos os lados. — Bob ficará com a cozinha para ele hoje.
— Não posso dizer que não é o que ele queria. — Mamãe ri.
— Sim. — Richard solta uma risada. — Aquele velho espera por toda
oportunidade de ficar com o lugar só para ele.
Ele ri.
Incrível.
— Então, o que vamos pedir? — Minha mãe olha de mim, para Richard.
214
Eu não sabia o que fazer.
— Bem, eu… Não conheço muita coisa… Então vou deixar que o chef
escolha. Como mais uma introdução ao lugar. — Dou um sorriso.
Richard gargalha.
— Excelente!
— Vamos esperar que Marcos termine com suas mesas. Ele parece
ocupado hoje. — a cabeça da minha mãe se vira para onde um jovem
garçom negro, que entra, apressado, numa porta. Suponho ser a cozinha.
Ouço um suspiro.
— Ele tem trabalhado muito nos últimos dias. Preciso encontrar alguém
para ajudá-lo. O Buck's cresceu ultimamente e preciso aumentar a equipe.
— Richard diz olhando para porta onde Roy entrou.
— E você precisa que alguém tome meu lugar também. — Minha mãe
coloca a mão sobre a dele.
— Não é isso, Kate. Recebi outra proposta de emprego, uma que envolve
um trabalho na minha área. — Veterinária. Minha mãe era veterinária até
ser demitida por aparecer bêbada no trabalho. Irônico ela ter vindo
trabalhar num bar.
— Bem, que seja. — passo meus olhos através das pessoas. Encontrei
rostos familiares de pessoas da escola.
215
— Espero que não esteja chateada. — Ela diz com cuidado.
— Não estou. — E fui sincera. Eu também não contava as coisas para ela,
então não fazia sentido ficar brava com isso.
— Boa noite, pessoal! O que gostariam de pedir hoje? — ele disse com um
sotaque que não reconheço. Sua boca formava o mesmo sorriso que o vi
dar aos outros clientes. Parecia alguém que gostava de fazer seu trabalho.
— Que você pare de ser tão formal comigo. Já falei que vou demitir você
por isso, garoto.
Marcos ri.
— Desculpe, chefe.
216
— Então, — ele começa, olhando para mim. — enquanto nossos pedidos
não chegam, que tal aquela partida de dardos?
— Você devia ter sido atiradora de elite na outra vida. Isso não é possível.
— Richard disse para mim, quando acertei meu primeiro dardo no alvo.
— Não sei o que você está fazendo, Kate, mas com certeza não é justo. —
Ele diz enquanto arremessa seu último dardo. 18 pontos.
— Eu costumava ser bom nisso, sabia? — resmunga e vai até a parede tirar
os dardos de lá.
Uma música folk começa a tocar na jukebox, que reconheci por ser Handy
Man do James Taylor.
217
— Vejo que temos uma garota esperta aqui. — Richard olha de soslaio
para mim e ri.
— "Não existe nada mais poderoso no mundo do que a ideia que chega na
hora certa." — Citei uma frase de Vitor Hugo.
— Certo. Bem, me diga o que posso fazer por você. — Ele já tinha
colocado os dados no lugar, ao lado do alvo. Agora, seu corpo está
totalmente virado para mim e tenho sua atenção.
— Não é nada demais. É que… Tenho dois amigos que estão procurando
um emprego e queria saber se posso recomendar o Buck's, já que você
disse que estava precisando aumentar a equipe. — Tomei o cuidado de não
citar Mike como meu irmão. Não tenho certeza de que ele aceitaria o
trabalho se soubesse que o chefe seria o namorado da mamãe.
— Bem, não sei. Mas garanto que eles são inteligentes e dispostos a fazer
um bom trabalho. — Olho-o, esperançosa.
— Traga-os na quarta. Farei isso por você. — diz sorrindo, fazendo-o ficar
mais charmoso do que ele é.
218
— Vamos voltar. Deixamos sua mãe sozinha tempo demais para os outros
homens pensarem que ela está solteira e tenho quase certeza de que a nossa
comida está chegando.
— Parece que estão se dando bem. — Minha mãe comenta com um sorriso
enorme no rosto.
— Sua filha tem muitos talentos escondidos — Ele olha para mim e me dá
uma piscadela, como se fosse meu cúmplice.
Sorri, feliz porque agora talvez Ben e Mike pudessem ter um emprego para
se manterem. O único detalhe, é que provavelmente iriam trabalhar juntos
e eu não sabia como diabos eu iria apresentá-los.
219
24
— Você não está ajudando, Rose. — olho duro para a ruiva espertinha.
— Não se preocupe, Kat. Seu homem vai aparecer e quando te ver... — Ela
assobia. — Vai precisar de um caixão.
Reviro os olhos.
— Não sei porque você ainda nega. Está na cara que estão destinados. —
Ela move a cabeleireira ruiva à procura de algum dos garotos.
Suspiro.
— Hey, gata! — Sean agarra Rose pela cintura e os dois fazem uma
demonstração, íntima demais, de afeto no meio da calçada.
Não que eu não tivesse passado pela mesma coisa diversas vezes durante
os dois anos que eles estão juntos, mas nunca me acostumei.
221
— Ainda não. — Rose me olha, sugestiva. — Mas esperamos que
aconteça, logo, não é?
Dou meia volta, surpresa pela voz que veio atrás de mim.
— Ben. — Não pude evitar o sorriso que saiu dos meus lábios.
Ele está tão bonito. Sua camisa branca, um pouco justa, com jeans rasgado
e botas marrom, dava uma vista de tirar o fôlego. Ben está simples – ele é
simples –, mas, ao mesmo tempo, acima da média.
— Maravilha! Ben, quero que conheça Sean, meu namorado. Sean, este é
Ben, o acompanhante de Kate hoje. — Rose sorri e pisca rapidamente para
mim.
— É um prazer. — Ben sorri gentil para Sean, que não devolve a gentileza.
Ele parece não gostar do meu 'acompanhante'.
— Aqui estão seus tickets. — Rose entrega os três ingressos para cada um.
222
Apesar do arrepio, forço a minha voz sair calma, enquanto caminhamos
atrás deles.
— Sean é ciumento. — Não quis falar mais nada sobre isso. Não é justo
com Rose, falar mal do namorado dela para os outros.
Sorri para ele enquanto o casal volta com dois baldes de pipoca. Rose
coloca um na minha mão.
223
— Sim e não. Vamos assistir ao mesmo filme, na mesma sala, mas Rose
escolheu cadeiras diferentes para nós. — coloco duas pipocas na boca e
noto quando Sean agarra novamente a cintura de Rose. — Considere-se
sortudo. Eles raramente assistem filmes quando estão juntos, mesmo
quando este é o propósito da noite.
— Ok. Vamos lá, antes que você acabe com a pipoca sem ao menos
chegarmos a ver os trailers. — Ele estende o braço.
Não me importo com o sorriso estampado no meu rosto quando enrolo meu
braço no dele. O que importava era o sorriso que eu recebi de volta; aquele
que eliminava tudo ao meu redor.
Nós apenas assistimos o filme. E foi bom. Mais que bom. Eu gostava de
apreciar um filme e fiquei agradecida por Ben não ser do tipo que tagarela
enquanto assisto.
224
Estávamos esperando Rose e Sean fora do cinema, numa conversa animada
sobre o filme.
— Sabe, fico feliz por Rose ter escolhido um thriller, em vez de drama. Eu
poderia sair do cinema como o próprio lago do Mazarick.
Era quase vergonhoso uma pessoa chorar tanto por uma história fictícia,
mas não posso evitar quando me apego fácil aos personagens.
225
O namorado dela não fez mais do que um aceno tenso. Não sei qual o
problema dele. É desnecessária essa quantidade de ciúme. Não é saudável.
Fiquei surpresa pelo tom ríspido que respondi. Era apenas uma brincadeira.
Sean não ia matar Ben. Mas se tentasse...
Meus olhos descem para a sua boca e fico cogitando quanta distância eu
tenho que encurtar até que a minha esteja colada na dele.
226
— Talvez seja melhor virmos sozinhos, da próxima vez... — a expressão
de Ben não é diferente da minha. Ele está igualmente infeliz com a
interrupção.
— Eu disse que você me pagaria quando tirou aquela foto minha depois
que te fiz uma cantada — Revela pretensioso.
Oh, meu Deus. Eu estou perdida. Não consigo frear o sentimento que
cresce e ameaça esmagar o meu coração até não sobrar um átomo. Mas até
que morrer por isso, não me pareceu tão ruim.
227
Fiquei pensando qual seria a sensação de sua boca na minha todo o trajeto
até a lanchonete e depois, quando deitei a cabeça no travesseiro. Isso
estava consumindo meus pensamentos e decidi então que precisava fazer
algo a respeito.
228
25
Fazia tempo, também, que não vinha no Mazarick pelo prazer de vir. Não
por precisar da atmosfera, mas por simplesmente gostar. Isso se torna mais
fácil, já que estou sem trabalhar. Mas essa realidade pode ser mudada mais
rápido do que pensei.
— Foi você, não foi? — meus olhos varrem toda aquela área acima. –
Você mandou um anjo para me ajudar?
229
— Não, pai. Eu não irei lhe dar mais dinheiro. — Pego meu celular em
cima do sofá, pronto para sair. — Você sabe que estou desempregado e não
podemos gastar com coisas assim.
— Você não serve para nada mesmo. Nem para manter um emprego idiota
como aquele. — diz ele, enrolando nas palavras.
— Quem é você para dizer o que devo fazer, seu moleque? — grita, se
desequilibrando um pouco.
Coloco os fones e faço uma caminhada até o hospital. Agora que tinha
mais tempo livre, ia ficar junto com Fluflu e nós tentávamos encontrar
motivos para sorrir em meio a toda preocupação. O lugar não ajudava. O
hospital tinha uma atmosfera melancólica, triste, mas Fluflu não queria sair
daqui, mesmo quando eu disse que ficaria de olho nele, por ela.
— Mas você tem que comer uma comida decente e dormir num lugar
decente. Além disso, tomar banho e usar o banheiro de casa faz muito bem
para os nervos, ouvi dizer. — digo à Fluflu enquanto ela se acomoda ao
meu lado, na sala de espera.
230
aqui se algo acontecer. — Seus olhos estão suplicantes agora. Imagino que
não são para me pedir para não forçá-la a sair daqui.
— Eu apenas quero que você esteja bem, saudável. Me preocupo com a sua
saúde também, sabe. Vejo o que essas noites mal dormidas e a má
alimentação estão fazendo com você. Não é a Fluflu que eu conheço.
Apenas me prometa que não vai esquecer do seu próprio bem-estar.
Fluflu não responde. Apenas confirma com a cabeça que me ouviu e deixa
o corpo pesar contra o meu.
231
De repente, lembro de algo que queria falar para ela no encontro, mas não
consegui.
— Ahn, não.
Desde que ela me olhou daquele jeito ontem, como se quisesse me atacar
no meio da rua, não consegui ter paz de espírito. Era verdade que
sentíamos atração um pelo outro e, arrisco dizer, que um pouco além disso
também.
— Gostou da cantada?
— Tem razão. Mas me diga, qual o problema de química temos aqui, desta
vez?
232
— Não brinca! Eu te fiz perder a fala? Saiba que isso alimenta muito meu
ego, Kate-Kate, mas gostaria saber o motivo da ligação. — Sorri, mesmo
que ela não pudesse ver e as enfermeiras me achassem um idiota.
— Eu… Kate-Kate?
— Um novo apelido. — Dou de ombros, mesmo que ela não possa me ver.
E ela não faz ideia do quanto gostei daquilo. Não percebi que estava
sorrindo até ver uma enfermeira parada me olhando estranho. Estava
sorrindo para ela, como um idiota. Coloco uma expressão de desculpas no
meu rosto.
— Er… desculpe. Eu acho que não devia ter ligado. — Kate começa a se
desculpar.
Kate suspira.
— Até onde eu sei, muito bem. Só, por favor, não vamos mais sair com
eles. Pelo menos não num futuro próximo.
— Então… Quando podemos sair novamente? Só… nós dois. — foi uma
pergunta hesitante, percebo.
235
Odeio ter que fazer isso, mas eu não posso gastar dinheiro com
trivialidades. Ainda mais agora que estou em emprego. Apenas fui da
outra vez porque Rose comprou nossos bilhetes e eu estava devendo um
encontro a Kate.
Eu sei que ela disse isso com preocupação evidente na voz, mas não gosto
de falar da minha situação financeira com ninguém. Não quero que
sintam pena do garoto maltratado pelo pai que começou a trabalhar desde
pequeno para sustentar ambos.
— Qual livro?
— Releu? Mas qual a graça de reler um livro que você sabe o que
aconteceu? — Parecia tedioso reler o mesmo livro várias vezes.
— Da mesma forma que uma pessoa escuta uma música diversas vezes até
aprender a letra de trás para frente.
236
—
Eu? Não sou do tipo leitor. Já li alguns livros sim, mas… Nunca achei
um livro que me prendesse.
— Ahn… Kate, eu tenho que desligar, mas ainda quero saber sobre o tal
livro. Falo com você depois, okay? — Fluflu não tira os olhos de mim, o
que me deixa desconfortável.
237
Desligo e guardo o celular.
— Não tive culpa. Talvez você tenha esquecido que tenho sono leve.
Depois que seu celular tocou, não consegui me concentrar em dormir com
você conversando. — arqueia uma sobrancelha.
Fiquei sem reação diante do jeito espontâneo que ela trouxe o assunto à
tona. Durante alguns segundos Fluflu ficou apenas piscando para mim e
eu para ela.
Respiro, frustrado.
238
—
— Então não sei o que quer que eu diga. — digo, exasperado.
— Então é melhor você começar a falar antes que essa história fique mais
longa. — Encaro Fluflu. Ela levanta as sobrancelhas. — Tenho tempo o
suficiente. —E cruza os braços, esperando que eu comece.
Respiro fundo, então começo a contar de como conheci Kate naquele dia,
na aula de química e nosso segundo encontro do dia, no Mazarick. Conto
também um pouco das nossas conversas, sobre as nossas aulas e sobre o
encontro que devíamos ter no dia que o Sr. Finlay foi internado.
— Estou desapontada por não ter sabido disso antes. — Ela franze o cenho.
— Enfim, quero conhecer essa Kate.
— E como você pretende fazer isso? Você insiste em não sair daqui. —
Talvez, essa fosse uma oportunidade de ela dar uma pausa deste lugar. E eu
estava topando tudo. Mesmo que seja por isso.
— Bem, há um café aqui perto. Podemos nos encontrar lá. Quero conhecer
a garota que fisgou seu coração. — Fluflu diz um ar de indiferença.
— Não é bem assim, Fluflu. — gemo. Era por isso que não tinha contado
a ela ainda. — Kate não é…
239
— Sim, sim, eu sei. Mas não repita o nome daquela… jovem, novamente.
Já lhe disse para não mencioná-la em nossas conversas. — O seu tom de
voz mudou drasticamente. Ela ainda não superou essa história.
— Quarta-feira, às 14h.
Diante daquele olhar decidido, eu só poderia esperar que Fluflu visse que
Kate não tinha intenção de me magoar.
240
—
— Certo, certo. — pego Fluflu e a abraço. — Não precisa se preocupar,
querida. — beijo sua cabeça. — Eu não sou tão fácil de se abalar agora.
241
26
— Não seja dramática! Eu mal encostei em você. — Meu irmão chato fala
atrás de mim.
— Não quero mais falar com você. — Me afasto dele pisando forte. Eu
odiava ele ser mais alto e mais rápido, mesmo quando éramos gêmeos.
— Mike me bateu.
— Como se isso fosse verdade! Eu não fiz isso, pai! Eu não bati nela. Você
sabe que eu nunca faria uma coisa dessas. Foi apenas um peteleco porque
ela estava me irritando.
— Isso é verdade?
Os dedos do meu pai pegam o meu queixo e erguem-no para que eu olhe
em seus olhos.
Não era mais criança e não gostava quando ele me chamava como uma.
Ouço Mike bufar.
— Kate, você pode ter a idade que for, mas vai ser sempre minha
garotinha. — Papai sorri. — Agora, me conte porque mentiu sobre seu
irmão ter batido em você.
Suspiro.
243
— Aquele aparelho idiota é um Xbox 360. — Resmunga. Olho feio para
Mike.
Ele era uma criança alta para sua idade. Os cabelos macios e grandes,
faziam invejas às meninas. Incluindo a mim.
— Eu quero que parem de brigar agora. Mike, você não deve dar mais
atenção a um objeto do que a sua irmã, mesmo que ele seja o mais legal de
todos. Ela é mais importante, sempre. Lembre-se de que Kate é nossa
garotinha e é o nosso dever protegê-la e fazê-la feliz. Ok?
— Sim, papai.
Eu tinha o maior dos sorriso até meu pai voltar seus olhos para mim,
ainda em seu colo.
— E, Kate, eu quero que me prometa não mentir mais para mim. Não é
certo você fingir algo para conseguir o que quer. Não gostei do que você
fez.
— Eu prometo, papai. — odiava que meu pai estava decepcionado comigo
— Garotinha, seu irmão ama você. Mesmo quando ele age como um
bebêzão. — comecei a rir, esquecendo-me das lágrimas.
244
— Ei! — Mike protesta quando papai ri. Meu irmão bufa. — Você só fala
isso comigo porque ela é uma garota.
— Não porque ela é uma garota, mas porque ela é nossa garotinha. Tem
uma diferença.
Salto do colo do meu pai e vou atrás de Mike. Antes de subir, dou meia
volta e corro até papai dando um beijo em sua bochecha.
— Eu te amo.
Ele sorri.
Fiquei alguns segundos a mais olhando para o rosto bonito do meu pai.
— Você demorou.
245
— Pare de reclamar!
— O que foi que o bebêzão fez agora? — ouvimos mamãe perguntar ao
papai.
Eu apenas sorri. Mike era tão mal humorado. Abro a porta do meu quatro
e deixo ele entrar primeiro.
Meu peito começa a doer e sinto que terei uma crise de choro. A dor me faz
pegar o celular e ligar para Mike. Quando a chamada quase entra na caixa
postal, ele atende.
Olho a hora. 4:45. Faltavam apenas 3:00 até eu ter que ir para a escola.
Mike bufa.
— Certo. Você vai me dizer o que está acontecendo ou vai ficar brincando?
— Mike? — sussurro.
Ouço um pigarreio.
O quarto está tão escuro que quase não faz diferença lágrimas borrarem
minha visão.
247
Minha garganta se aperta enquanto as lágrimas caem. Fecho os olhos
inspirando fundo.
— Eu estou bem.
— Tem certeza?
Saio da cama e vou para a janela. Lá fora ainda está escuro e vazio. Tinha a
sensação de que aquilo refletia meu próprio interior. E eu temia que isso
fosse verdade.
Levanto os olhos para o céu. Parecia tão frio e cinza, mas todos sabemos
que, mesmo que não possamos vê-lo, o Sol irá nascer.
Mike suspira.
27
248
— Ele está acordado. Ainda muito debilitado e suas funções sensitivas
lentas, mas acordado.
A única coisa que eu consegui fazer foi olhar para o rosto o médico negro e
segurar os ombros de Fluflu.
Ele estava acordado. Não ousei dizer a frase em voz alta. Talvez fosse um
sonho.
— Nós podemos vê-lo? — Fluflu pergunta. Sua voz não era mais que um
sussurro trêmulo.
Consigo ouvir meu coração bater em meus ouvidos. Ele estava acordado.
— A situação do Sr. Finlay ainda é muito crítica. — O Dr. Jordan nos olha
sério. — Termos que continuar a fazer exames e observá-lo a todo instante.
Ele está muito sensível agora e seu coração diretamente comprometido
com a situação. O sr. Finlay não pode se esforçar demais ou ter reações
extremas. Ele precisa de repouso 100%.
Uma visita de Fluflu enquanto ele está consciente poderia piorar muito a
situação. A tensão nos ombros dela me disseram que ela sabia disso
também. Massageio o local.
249
— Ok. — expiro. — Você quer ir? — pergunto baixinho a mulher
pequenina à minha frente.
Eu queria dizer que ela estava errada, que tudo isso não passava de uma
bobagem e que ele ficaria melhor ao vê-la. Mas seriam mentiras.
— Fluflu…
250
— Eu vou. — suspiro, assentindo.
Sem esperar por uma resposta, ela sai batendo os saltinhos no chão e
desaparece no corredor.
Olho para a porta à minha frente, onde o meu vizinho está deitado numa
maca. Respiro fundo diversas vezes, procurando acalmar meu coração
acelerado e evitar que eu me acabe em lágrimas. Se o Sr. Finlay me visse
agora, com certeza iria me xingar e dizer para me recompor.
Dou um passo, dois. Luto contra o tremor no corpo. Três passos. Ele está
bem. Está acordado. Quatro passos. Estou em frente à porta. Levo a mão à
maçaneta. Fecho os olhos e engulo em seco. Sem pensar mais, eu abro a
porta e entro no quarto.
Por um tempo fiquei ali, piscando para o corpo do meu vizinho. Piscando
para os olhos dele. Acordado.
— E-eu… eu…
251
Ele está acordado.
Soluços fazem meu corpo tremer até que caio de joelhos.
— Eu espero que essas lágrimas não sejam de tristeza, Benjamin. Não vou
morrer tão cedo. — sua voz rouca, um pouco mais arranhada e devagar do
que eu costumava ouvir, me repreende.
Era um alívio, uma benção ver que ele estava acordado, falando comigo.
Uma parte de mim achava que eu nunca mais falaria com ele de novo e,
por mais que eu rezasse, não conseguia afastar a agonia de que a qualquer
momento receberia a notícia de que o Sr. Finlay tinha partido.
— Acho que você precisa mais desta pergunta do que eu. — brinca. Seus
olhos estão tão pesados, a respiração tão irregular, mas ele está vivo. Está
aqui e é real.
— Talvez nós dois precisamos dela. — consigo sorrir. Com a minha mãe
livre, limpo meu rosto molhado pelas lágrimas.
— Mas o senhor não pode se esforçar demais. Não fale muito. Apenas
descanse. — Faço círculos em sua mão com o meu polegar.
Minha garganta se aperta e preciso engolir várias vezes até conseguir falar
de novo.
Poeira ao vento.
253
Tudo o que somos é poeira no vento. "
28
Não sei porque estou tão nervosa. Não é como se eu estivesse indo
conhecer a mãe do meu namorado… Mesmo quando esse é o meu desejo.
Quando Ben me falou que Flora queria me conhecer, pensei que tinha
escutado errado. Ele falava de mim para ela? Bem, não é estranho que
comentasse sobre sua nova amiga. Então por que não conseguia me livrar
da sensação que estaria sendo testada pela mulher que nunca gostou de
mim por um acontecimento de anos atrás?
— Ah, isso é... — Se fosse com outro, eu diria que aquilo era uma
completa loucura, mas Richard tem se mostrado um cara legal e minha mãe
254
tem se esforçado para compensar o passado. E fazia tempo que eu não ia à
praia. — Legal. Acho que um pouco de sol e maresia vão me fazer bem. —
Dou de ombros.
— Ok. — assinto. — Bem, eu tenho que ir. — aponto para a porta atrás de
mim.
— A um café. — Não quis dar mais detalhes, pois aquilo exigia tempo.
— Ah! — Acompanho o movimento que sua mão fez para colocar o cabelo
castanho ondulado, parecido com o meu, atrás da orelha.
Eu não tinha muita vontade de conversar com ela, não sobre as coisas que
conversávamos antes. Essa relação entre nós… quebrou. Não é fácil
resgatar sentimentos perdidos como aqueles, mas se ela estava disposta a
tentar…
255
— Bem, eu preciso resolver uma coisa, mas… talvez… possamos
conversar qualquer dia. — Acho que precisamos mesmo atualizar.
O rosto da minha mãe se ilumina um pouco. Aquilo fez eu me sentir
culpada por precisar sair.
— Sim?
Fico tensa. Mike me pediu para não contar para mamãe que ele já estava de
volta a Fayetteville. Ele não queria ter que lidar com ela, mas vendo a
preocupação estampada no rosto da minha mãe para saber se o filho está
bem… eu tinha que dar ao menos alguma coisa.
— Sim. Ele está bem e feliz pelo que sei. Não se preocupe.
Percebi que ela ficou aliviada, mas ao mesmo tempo triste, por não ter
ouvido isso do próprio Mike.
256
O aperto não passa enquanto chego perto do meu destino. Cada passo
parecia mais pesado que o outro. Olho para a construção moderna do café
que Flora escolheu para nos encontrarmos. Respiro fundo antes de abrir a
porta de sininho.
Esqueço tudo. Esqueço o dia que quebrei aquela prateleira de doces junto
com Rose há anos atrás. Esqueço que há pouco estava preocupada com que
roupa iria usar para esse encontro, com medo de que ela pudesse me achar
inapropriada - para Ben. Minha mente estava focada na mulher sentada à
janela, olhando para a rua.
Uma linda presilha de pedras rosas, presa aos cabelos brancos, dava um ar
de graça ao rosto pálido e melancólico de Flora. Ela estava longe de ser a
pessoa ranzinza e assustadora que eu esperava.
Sustento o peso de seu olhar, fechando minhas mãos em punho. Sorri fraco,
forçando meus pés a caminharem. É isso. Vamos lá.
— Olá, Sra. Flora. — Paro em frente a ela e estendo minha mão. — Sou
Kate.
Não queria pensar no esforço que estava fazendo para não tremer a mão. E
também no fato de que ela não hesitou em apertá-la. Com suavidade.
257
Flora ainda não tinha pedido muita coisa. Um café com leite para ela, um
cappuccino para mim e alguns biscoitos. Parecia um gracioso chá da tarde
que eu lia nos livros da Julia Quinn.
— Espero que não se incomode. Tomei a liberdade de escolher o nosso
lanche.
Levanto os meus olhos para ela. Flora tinha uma voz tão suave e gostosa de
ouvir, que penso que, talvez, eu tenha me enganado sobre ela todos esses
anos. Não vejo nada além de curiosidade genuína naqueles olhos cinzentos
e isso tira um pouco do meu nervosismo.
— Ele era apenas um menino. Tão lindo, tão… — Sua garganta trabalha
para engolir em seco. — Ele provavelmente vai querer contar a história de
sua vida ele mesmo. — Ela me dá um sorriso amarelo. — Só quero que
saiba que me preocupo muito com Ben. Ele é o garoto mais incrível e
gentil que você irá encontrar, não importa onde vá. Ele é… é como um
filho para mim. O filho que nunca tive.
Não sabia o que dizer ou o que fazer quando os olhos dela começaram a
brilhar com lágrimas, mas ela permaneceu firme. Uma mulher acostumada
a lutar. De repente, eu queria abraçá-la.
258
— Tenho meus motivos para querer saber quem você é, para garantir que
ninguém o fará sofrer novamente.
Novamente. Sem dúvidas, essa palavra ecoaria na minha mente por muito
mais tempo do que gostaria.
— Eu espero que possamos nos dar bem. Não tenho intenção nenhuma de
assustar você. — Flora sorri para mim, parecendo uma madrinha carinhosa.
— Se vocês dois ficarem juntos, espero que sejam felizes.
Aquilo era estranho, por mais verdadeiro que fosse. Era como se eu
estivesse confirmando algo que nem sabia que iria acontecer, mesmo que
eu quisesse muito.
— Não se preocupe. Não sei o que aconteceu antes, mas eu só quero vê-lo
feliz. — Espero que Flora veja a sinceridade nos meus olhos.
O que eu poderia dizer depois daquilo? Quem fez Ben sofrer tanto ao ponto
de Flora se sentir tão insegura assim? Eram muitas perguntas, mas só ele
podia me dar as respostas.
259
pensei que poderia aproveitar o momento e pedir sua permissão. — Levo o
copo de cappuccino à boca.
— Então acho que posso esquecer o incidente de anos atrás. — diz após
ficar satisfeita com o sabor.
— Você vê?
260
— Mas vocês nunca tiveram coragem de voltar lá novamente. — Um
pequeno sorriso surge nos lábios dela.
Observo enquanto ela pega o café e dá pequenos goles. Assim que a xícara
retorna à mesa, eu pergunto:
Ben iria me contar… se achasse que eu fosse boa o suficiente para saber o
lado sombrio de sua vida. Se… confiasse em mim.
261
Uma vez, ele me disse que sabia que eu podia terminar certo cálculo
porque acreditava em mim. Aquilo valeu mais do que um dia ele pudesse
imaginar. E eu queria ser a pessoa a acreditar nele também.
Acho que talvez eu esteja perto de ser o que Flora mencionou. Talvez eu
possa ser… alguém especial para Ben. Repentinamente, comecei a sentir
saudades dele, comecei a desejar que estivesse aqui, comigo. Me pergunto
como ele está indo na entrevista.
— Eu adoraria isso. — Sorri, aliviada por esse encontro ter dado certo.
Aquele era Ben. O cara altruísta e gentil que entrou na minha vida e
invadiu meus pensamentos. A cada sorriso, a cada cantada, a cada
momento silencioso ao lado dele, eu o sentia. Sentia-o entrando por entre
as brechas do meu coração machucado, fazendo-me sentir cuidada,
especial. Eu nunca ia cansar disso. Dele.
Não tinha nenhuma dúvida de que o queria e acho que chegou a hora de
saber se Ben queria o mesmo.
262
29
Estava sentado à frente dele numa das mesas do bar. É cedo, então o Buck's
está fechado, mas há funcionários trabalhando nos fundos.
— Preciso que entenda que o Buck's está virando um lugar mais influente
na região, — Ele põe as mãos juntas sob a mesa. — então preciso de
profissionais que saibam lidar com as pessoas, mesmo que servir mesas
não seja um emprego que precise de uma formação.
Richard olha para mim alguns segundos. Ele deve estar na casa dos 40 e
parece muito bem para a idade. Não é o cara gordo, barbudo e de maus
modos que achei que fosse. Na verdade, é um cara muito profissional e até
brincou comigo no início da entrevista, para me deixar mais relaxado. Com
certeza mil vezes melhor do que meu patrão anterior.
— Bem, podemos fazer uma semana de teste e ver no que dá. Vou te passar
um contrato contendo o que esperamos de você nesse período de teste e
tudo o que você precisa saber sobre o local e clientes. Assim que terminar
263
de ler, pode vir trabalhar no dia seguinte. Se tiver alguma dúvida, meu
número estará no verso da página.
Empolgação toma conta das minhas veias. Eu poderia chorar de alívio por
isso.
— Sim, claro. Obrigado. — Não fiz muito para controlar o sorriso em meu
rosto.
No que dependesse de mim, iria fazer de tudo para fazer isso funcionar.
Uma coisa que Richard me falou no início da entrevista foi que, o que ele
mais prezava nesse meio, era o trabalho em equipe. Para ele, todos aqui
eram uma família cooperando juntos. Raramente usavam o sistema
hierárquico no trabalho pois raramente precisavam.
— Vítor, Jenna, Bob e Mike, também um novato. Pessoal, este é Ben. Ele
será o nosso mais novo garçom.
264
— Ah, finalmente. Já estava na hora do reforço chegar. — Vítor , o
garçom de pele negra e muito simpático, me abraça como se eu fosse sua
salvação. Ele tinha um sotaque diferente, provavelmente por não ser desta
parte do país.
— Vocês são umas crianças. Espero que você não seja influenciado por
eles, rapaz. Este lugar precisa de um pouco de experiência madura. —
resmunga com a voz rouca, olhando para Vítor e Jenna. Ele,
definitivamente, era mais velho que Richard.
— Bob quis dizer que está muito feliz por ter você conosco. — Richard,
que estava atrás de mim, segura meus ombros. — Não é, Bob?
— Você não aguentaria uma semana sem a gente, Bob. — diz Vítor com
indiferença e Jenna concorda com a cabeça.
265
— Parece que somos os recrutas deste batalhão. — Mike aperta minha
mão. Estranhamente, aqueles cabelos e olhos castanhos traziam a sensação
de familiaridade.
— Com certeza. — Eu ri
— Eu concordo com você. Quer dizer, sei que sou uma beldade e tudo o
mais, mas esses dois… Com certeza teremos mais clientes por aqui e
duvido que seja pela comida. — Vítor comenta.
Jenna mostra os dois polegares para Richard com uma expressão 'muito
bem' e vai atrás de Vítor. Bob… apenas olha para mim e Mike mais uma
vez antes de sair sem dizer uma palavra.
Sou interrompido quando Kate pula com exultação. Eu esperava por essa
reação. O que me pegou de surpresa foram seus braços ao redor de mim.
Sim, Kate pulou, mas pulou no meu pescoço. E eu não vou fingir que não
gostei disso.
— Eu estou tão feliz por você, Ben! — A felicidade genuína de Kate pela
minha conquista, fez meu coração falhar.
O lindo sorriso que se abriu naquele lindo rosto me aqueceu por dentro.
— Não foi nada. Príncipes precisam ser salvos, de vez em quando. — Kate
dá de ombros e se senta no banco.
267
Por um momento, apenas olho para ela.
— Bem, fico feliz em ter sido salvo por você, princesa. — Sento ao seu
lado.
Kate ri.
— São… divertidos. — olho para o lago à frente. — Eles parecem ser parte
de uma família de verdade, o que deixa o ambiente mais confortável. Estou
tão ansioso para começar a trabalhar lá, Kate-Kate.
— Aposto que vão se dar muito bem. Você tem essa coisa de fazer todo
mundo gostar de você.
Minha boca fica seca, meus pensamentos disparam, meu sangue corre
descontrolavelmente e meu coração… Kate fazia coisas comigo que nem
imaginava só pelo fato de estar perto, mas aquilo era diferente, outro nível.
Me fazia arder.
268
— Você se tornou uma pessoa muito importante para mim, Ben, e passei a
sentir saudades suas quando você não está por perto; passei a ansiar pelos
momentos que estarei com você, mesmo que nada saia de nossa boca.
Apenas estar com você é o suficiente. — Ela passa a língua pelos lábios,
controlando o nervosismo.
— Eu tenho esperado para ter certeza de que você sente o mesmo, se você
se importa como eu me importo, mas não consigo mais. Sei que isso pode
acabar com a nossa amizade, estou bem ciente disso, porém está me
matando e eu preciso saber, Ben. — Seus olhos invadem os meus à procura
de uma resposta para a pergunta silenciosa. — Eu quero que você me
queira. Você não tem ideia do quanto eu quero. — A brisa suave leva o
sussurro da confissão de Kate.
Kate tinha um poder sobre mim. Eu sabia que faria qualquer coisa para
manter aquele lindo sorriso no seu rosto, para ter o prazer de ouvir a risada
dela ecoar pelo lugar, de ver a luz reluzir naqueles olhos castanhos. O rosto
de Kate adquiria um brilho - ela brilhava quando sorria e eu não queria
nunca, nunca perder a forma como ela me olhava e eu tinha certeza de que
a tinha feito feliz.
269
— Como não me importar com você, Kate-Kate? — sussurro e levanto a
mão para pôr uma mecha atrás do cabelo dela. — Como?
Kate e eu rimos. Nada como uma garotinha aos berros para quebrar o clima
intenso de segundos atrás.
Apoio meu queixo em cima de sua cabeça e passo meus braços ao redor
dela também.
270
— É perfeito.
— Não precisa ter medo, Kate-Kate. Confie em mim. Prometo que o que
sinto por você é mais sólido que isso e você sabe muito bem que cumpro
minhas promessas.
Minha camisa abafa a risada dela. Sabia que Kate lembrou de quando tirei
uma foto sua depois do cinema.
— Eu e você? — sussurra.
30
— Deseje-me sorte.
271
— Boa sorte. Você vai se sair bem, não se preocupe.
— Não é bem com isso que estou preocupada, Rose. — Suspiro para o
telefone. — Se ela não aceitar Ben, não sei como eu e ele ficaremos. —
Mordo a cutícula do meu polegar.
— Oh, babe. Todos sabem o jeito que você olha para ele. Não vai ser isso a
impedi-los, tenho certeza. Demorou séculos para vocês acontecerem e me
recuso a simplesmente aceitar que isso não não vai funcionar. — Acabo
sorrindo. — Além disso, quem não gosta do Ben?
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— Ei, querida. Aconteceu alguma coisa? — pergunta com as sobrancelhas
unidas e com uma xícara na mão.
Minha mãe ainda está vestindo roupas de trabalho. O jaleco deixado numa
das cadeiras do cômodo, me diz que não havia muito, ela chegou do
consultório veterinário.
Os cabelos castanhos estão presos com uma caneta. Seu rosto parece
cansado e linhas de expressão começam a nascer em sua testa, o que me
fazem hesitar em começar a conversar.
Ela pega seu jaleco e passa por mim a passos rápidos na direção das
escadas. De repente, não vi mais o cansaço visível em seu rosto. Agora
mamãe parecia mais jovem.
Suspiro e caminho até o sofá da sala. Eu preciso contar a ela sobre Ben. Se
ela não aceitá-lo, não só meus planos de levá-lo nessa viagem vão dar
errado, como também, meu coração vai ficar despedaçado. Não quero que
minha história com ele vire uma tragédia romântica tipo Romeu e Julieta
onde as famílias não aceitam o relacionamento. Apenas pensar nisso, me
dá calafrios.
Então eu espero, pacientemente, minha mãe voltar do banho. Quando ela o
faz, fico surpresa pois seus cabelos estão molhados, sendo que geralmente
ela gosta de secá-los.
— Já.
— Então, sobre o que quer conversar? — Percebo, pelo canto do olho, que
ela está olhando para mim.
274
— Eu nunca fui boa em química. — Esclareço.
— Certo. Bom, fico feliz em saber que isso não é mais um problema para
você. Estou orgulhosa. — E, de novo, aquele sorriso radiante aparece em
seu rosto, fazendo com que meu coração se aperte.
— Certo. Continue.
— Nós não temos nos falado muito desde há 3 anos atrás… então espero
que não fique chateada.
Arrisco uma olhada rápida de segundos e descubro que minha mãe está
com as sobrancelhas levantadas.
Confirmo com a cabeça, desejando não estar mais ali. Me abrir com ela era
tão difícil, mas eu tinha que tentar.
275
— Bem, há algumas horas. — Brinco com meus dedos no colo.
— Bem, mas ainda assim. — Noto algo estranho em sua voz e quando olho
para o rosto da minha mãe, encontro-a sorrindo. — Fico feliz por ter me
contado.
— Querida, não me importo que você namore, desde que me conte. Estou
feliz por saber disso com antecedência.
276
Nós duas ficamos tensas com o ato. Ela, esperando que eu me afaste e eu
decidindo se o faço ou não. Suavemente, deito minha cabeça em seu ombro
com a mente turbilhando em pensamentos.
Essa foi a primeira vez, em 3 anos, em que tive certeza de que aquelas
palavras eram verdadeiras. Eu realmente senti que minha mãe estava aqui,
para mim.
Não fazia ideia de que sentia falta desse contato, que sentia falta dela.
Minha mãe. Tantas coisas passam pela minha cabeça, mas é apenas quando
meus olhos começam a queimar que desfaço o abraço.
— Tudo bem. — Ela sorri, mas seus olhos estão brilhando com lágrimas.
Era demais por hoje.
— Ok.
277
Me sentindo mais tranquila, pego o celular em cima da cama e ligo para
Ben. Três toques depois, ele atende.
Sorri.
— Ben, eu tenho uma proposta para você. — Mordo o lábio inferior pela
milésima vez hoje.
— Uma proposta?
— Sim.
— Estou ouvindo.
278
— Acho que é uma loucura boa, se você estiver descansando e comendo
nos horários corretos. — olho em volta do pequeno apartamento de Mike.
— Não se preocupe comigo. Está tarde e só vim saber como você está e te
entregar isto. — Estendo a mão que carregava uma sacola.
Mike para o que estava fazendo para pegar o que estou segurando.
279
—
Eu ia pedir pizza, mas fiquei enrolado com algumas questões e queria
resolvê-las primeiro. Acabei esquecendo que precisava comer. — Mike
coloca toda comida do pote no prato e começa a devorá-la.
Me sento na cadeira adjacente à dele. Levo meu tempo lendo a questão até
encontrar o erro.
280
—
Passo o papel e caneta e observo enquanto ele refaz o cálculo. Mike
pragueja.
Boca!
— O que é este sorriso no seu rosto? — Mike cerra os olhos para mim.
Suspiro pensando que vou ter que lidar com o comportamento ciumento e
teimoso de Mike.
— Estou namorando.
— Então?
281
—
Sei que não tenho atrativos fisicos suficientes para ter a atenção de muitas
pessoas do sexo oposto - e estou bem com isso - , mas ainda tenho um
pouco de orgulho próprio.
Porque, irmãzinha, você não pode estar namorando. Não a sério. —
Apenas levanto as sobrancelhas. — Qual é, Kate. Eu nunca ouvi falar no
cara, como você quer que eu acredite que está namorando alguém?
— Não preciso explicar nada da minha vida, Mike. Você, mais do que
ninguém, devia entender isso.
— Kate. Kate!
— O que?
— Nem pense, Mike, nem pense em prejudicá-lo por estar comigo. Ele não
é esse tipo de pessoa. Eu espero, de verdade, que você pare com esse
282
—
territorialismo idiota e comece a agir como meu irmão, me apoiando.
Então talvez mereça a minha confidencialidade novamente.
Saio do apartamento o mais rápido possível. Eu merecia ser feliz, então por
que ele não podia simplesmente ficar do meu lado?
283
31
— Ah, amor. Qual é! — Ela dá risada. — Estava, sim. Sua mão estava toda
molhada.
— Sério, Fluflu? Depois de tantos anos você vai ficar do lado de quem
conheceu há dias atrás?
Suspiro, derrotado, pensando se foi uma boa ideia ter juntado essas duas.
Certamente não o teria feito se soubesse que se voltariam contra mim dessa
maneira.
Pego um cookie e observo enquanto mais pessoas entram no Café. Ele está
especialmente cheio hoje.
284
— Então, o que mais aconteceu no jantar?
Gemo.
— Quieto, Ben. Você não pode achar que não vou querer saber dos
detalhes. — Fluflu me repreende.
— E você, como uma ótima pessoa que é, nem disfarçou que estava
curtindo às minhas custas.
Foi horrível. Jurei ter morrido por alguns segundos. Nada em mim
funcionava quando escutei um pigarreio atrás de mim e sabia que a mãe de
Kate tinha nos pegado.
— Uhum.
— Benjamin Hunter! O que deu em você? Como pôde fazer isso quando
foi conhecer a mãe da sua namorada? Que será que ela pensa de você
agora? — Fluflu praticamente grita e quero me enterrar no buraco mais
próximo.
285
— Na verdade, Fluflu, minha mãe amou conhecê-lo. — Kate me olha com
um sorriso. Não o sorrisinho, mas o sorriso que amo.
— E, no fim, Judie mal podia esperar para passarmos mais tempo juntos
neste final de semana. — digo antes que elas continuassem a falar de mim
como se eu não estivesse ali.
— Estou sempre certo, amor. — Pisco um olho para ela e dou uma
mordida em mais um cookie. Estes são deliciosos.
— Bem, eu espero que vocês se comportem nessa viagem. Não quero que
me apareçam com um netinho tão cedo.
As pessoas começam a olhar para nós. Para mim. Pego meu milk-shake e
tomo goles generosos.
286
— Isso foi golpe baixo. — Sibilo para ela com a voz rouca.
— Você está bem? — Kate se agacha para olhar bem para o meu rosto.
— Estou, Kate-Kate. — Pego sua cabeça com as duas mãos e beijo sua
testa.
Ela não podia entrar no quarto, já que era arriscado causar emoções fortes
nele. E ainda tinha meu pai.
287
— Você pode curtir algumas horas num bom lugar, querido. Nada vai
mudar por aqui enquanto estiver fora. Estarei de olho em seu pai também.
Fluflu agora saia do hospital para casa e até contratou alguém para cuidar
da padaria. Então, todos os dias, ela saia para tomar um banho e
supervisionar seu estabelecimento enquanto eu ficava ao lado do Sr.
Finlay.
— É um pouco perigoso, Fluflu. Não quero que se arrisque indo até lá.
— Mas…
Meu coração bate forte no peito porque essa garota, minha namorada,
escolheu sacrificar sua vontade e seus planos para me dar livre escolha.
— Fluflu? — Ainda não tiro os olhos de Kate. Ela também não desvia dos
meus.
288
— Sim, querido? — A voz dela parece mais suave.
— Você irá me ligar se algo acontecer, certo? Tanto com meu pai, quanto
com o Sr. Finlay.
— Eu irei.
— Vou.
Ótimo.
— Amor?
— Sim?
Ainda estamos conectados. Nenhum de nós olhou para qualquer outra coisa
a não ser um para o outro.
— Tem certeza?
O fato de ela ainda me perguntar isso, me faz querer atravessar essa mesa e
beijá-la com tudo o que tenho.
— Sim.
— Eu sei.
289
Kate me dava uma sensação de paz e segurança. E, droga, como eu
confiava nela.
— Eu e você?
290
32
— Depois que nos instalarmos na casa, podemos ir para o mar. O sol está
sorrindo para nós hoje. — diz Richard do banco do motorista, abaixando o
volume do som.
Ele e Ben tem gostos musicais muito parecidos e vieram discutindo sobre
as melhores bandas britânicas de 1973 e se Mick Jagger era melhor que
Freddie Mercury.
— Exato. — concordo.
— Estou bem com qualquer um dos lados. — Ben comenta ao meu lado.
— Mas não é arriscado alguém vir e roubar algo? — Pergunto e solto meu
cinto.
292
— Richard deixa um casal amigo cuidando da casa enquanto ele não está. O
casal mora pelas redondezas e a área é cercada por câmeras. — Mamãe
esclarece.
Richard tinha razão quando disse que podíamos ver o mar da maior parte
dos cômodos. É uma área retangular e a sala e cozinha ficam opostas uma à
293
outra. A tinta branca e as decorações em mármore dão uma classe ao lugar,
que se assemelham muito com o dono.
Ela está usando um vestido branco solto que transparece seu lindo maiô
preto, e um óculos de sol quadrado grande.
— Vamos.
Olho mais uma vez para a paisagem através da parede de vidro, antes de
dar meia volta e descer as escadas.
294
— Vamos lá, Kate-Kate! É só água. — Ele se aproxima devagar, me
fazendo retroceder meus passos na areia.
— Você estava mais do que animada para entrar lá. Vai mesmo fazer seu
namorado entrar naquela água sozinho?
— Assim estaríamos sofrendo juntos. Isso faz uma grande diferença nos
relacionamentos. — Seus passos ficam mais largos.
— Katherine Laurentis, nem pense em entrar lá! – Ben para e põe as mãos
na cintura. — Não me obrigue a fazer isso.
Ele suspira.
— Eu avisei.
— O que..
295
— Me põe no chão, Benjamin! — grito me esperneando.
O desgraçado é forte como uma rocha. Não consigo mover quase nada.
— Você irá me agradecer por isso. Não quero ouvir seus lamentos por não
ter aproveitado o quanto podia, na viagem de volta.
— Ben…
Ele já está na água. Uma onde bate em na parte inferior de suas pernas,
esguichando água para o meu corpo. Solto um grito involuntário. Gelada.
Ben dá risada.
Não tenho tempo de xingá-lo, pois o mar cobre tudo em mim. Gelado.
Subo para a superfície o mais rápido possível. Eu vou matar o meu
namorado.
— Gostou?
296
— Vou gostar das minhas mãos em seu pescoço. — forço minhas pernas a
andarem contra a pressão da água.
Ben ri.
— É?
— Uhum. — murmura. — Não sei exatamente porque, mas você parece ser
a paz que venho procurando por um longo tempo.
297
Encostada em seu peito, ouvir aquelas palavras e seu coração batendo,
produz uma sensação estranha e boa ao mesmo tempo. Ben despertava
coisas em mim, que não sabia que existiam.
— Kate?
— Sim?
— Então… — Ele me afasta pelos ombros para olhar nos meus olhos. — O
que acha de pegar aquele livro que você trouxe e ler para mim?
— Eu disse que nunca achei um livro que me prendesse. Talvez você possa
me ajudar com isso. — E então ele sorri. O maldito sorriso que deixa meu
coração derretido dentro do peito.
— Então quer dizer que não está mais brava comigo? — Ben me alcança e
enlaça nossas mãos.
298
— Não, seu idiota. — sorrio.
Não consigo deixar de acreditar quão bonito ele é. Meu namorado. Cada
vez que olho para Ben, uma parte de mim vai involuntariamente para ele. E
eu estava bem com isso. Muito, muito bem.
— Espere aí! Então quer dizer que a Camryn simplesmente viu as batatas
que a mulher estava comendo e decidiu que o destino dela seria Idaho,
porque lá é a terra das batatas? — Ben abre os olhos em confusão e franze
a testa de um jeito fofo.
— Sim. — dou risada. — Ela não tinha muita coisa em mente. Então optou
por qualquer lugar, desde que a levasse para longe de seu passado. —
passo os dedos entre os fios de seu cabelo preto.
— Ela devia estar bem perdida. — Murmura. — Bem, ela com certeza
estava, considerando toda merda que ela teve que aguentar, mas acho que
não seria má ideia sair viajando de vez em quando, quando as coisas
ficarem ruins. Gostaria de um Road trip, algum dia. — Ben volta a fechar
os olhos, como se estivesse sonhando com isso.
299
A ideia de reproduzir, com Ben, algo marcante num dos meus livros
favoritos, me faz querer agarrá-lo com tudo o que tenho. Mas não queria
fazer uma cena com mamãe e Richard tão perto de nós.
— Mas, me diz, — Ele abre os olhos. — quando é que o... Andrew vai
aparecer? Você está lendo há tempos e a coitada da Camryn está
depressiva e ninguém está nem aí. Já estamos na página… Em que página
estamos?
— Bem, você disse que ele é super parecido comigo e gostaria que ele
ajudasse a Camryn a sair dessa. Sabe, que ele fosse alguém que se
importasse, que não a deixasse sozinha.
— Bom, se você esperar mais duas páginas, verá que Andrew faz sua
primeira aparição. Mas é na página 48 que você o descobre escutando Bad
Company e aí vem a primeira semelhança entre vocês dois.
300
— Kate-Kate, você sabe como conquistar um cara. Continue lendo. — Ele
cruza os braços em frente ao peito e fecha os olhos novamente. — Estou
ansioso para conhecer esse Andrew e seu maravilhoso gosto musical. —
Dou risada. — Além do mais, quero ver a Camryn sorrir de verdade.
Leio mais umas 40 páginas antes de Richard nos chamar para tomar banho
para jantarmos. Ele e Ben serão os chefs hoje e mal posso esperar para
provar de sua comida.
— Não acredito que paramos! Eles estão começando a sentir algo pelo
outro, mesmo sem perceber. — Meu namorado resmungão pega a toalha
em que estávamos sentados e fecha o guarda-sol. — Você viu, ele está
sorrindo pensativo, contemplando o fato de que Camryn não é uma garota
previsível. Ele está gostando dela, certeza.
— Os dois estão. — Limpo a areia das minhas pernas com uma mão. — Eu
amo a forma como eles começam a se conhecer e isso vai gerando um laço
forte entre os dois. Percebeu como a conversa deles é fácil?
— Por favor, Kate-Kate, temos que continuar lendo. Preciso saber como
eles ficam juntos.
301
— Acredite, não tenho nenhum plano de fazer o contrário.
— Você é demais. — Ele passa o braço sob meus ombros e beija a lateral
da minha cabeça.
— Sim, sim. — Eu rio. — Agora, vamos logo porque estou ansiosa para
ver do que você é capaz de fazer na cozinha.
— Você sabe que se me desafiar, eu irei cumprir, não sabe? — Ben levanta
uma sobrancelha para mim.
33
302
— Tem certeza de que está tudo certo por aí? — me sento nas escadas dos
fundos da casa, em frente ao mar.
— Tenho, querido. Já lhe disse. Oliver está dormindo enquanto seu pai está
em casa e bem alimentado.
— Não acho uma boa ideia qualquer pessoa, que não seja eu, ir até lá e
visitá-lo. — Encaro o reflexo da lua no oceano escuro.
— Pare de se preocupar! Seu pai nem perceberá que não é você cuidando
dele. — Fluflu me repreende. — Agora me diga, como estão indo as coisas
em Carolina Beach?
— Hoje foi incrível, Fluflu. Não lembro de ter ficado tão relaxado, de ter
rido o dia todo e me divertido com pessoas legais, até agora. Começo a
pensar que tipo de vida infeliz eu tinha. — Rio sem humor.
— Você sempre mereceu mais do que isso, Ben. — Ela diz baixinho.
— Mas eu juro, Fluflu, nunca imaginei que aquelas páginas podiam mexer
tanto com as minhas emoções. Estou ansioso para saber o que acontece
com os personagens.
303
— Nunca podemos julgar aquilo que não conhecemos. É ótimo que Kate
tenha despertado isso em você.
— Ah, quer dizer que agora você virou um chef? Talvez não precise mais
de mim para isso.
— Sim, minhas mãos fazem uma comida muito saborosa, mas ainda
preciso das guloseimas que você faz. Alguém tem que me manter saudável.
Fluflu gargalha.
— Ei! Você não pode me esquecer! Sou seu garoto desde muitos anos.
— Ora, você sabe que eu jamais faria isso. Não lhe ensinei nada sobre ser
egoísta?
304
— Sim, sim. Desculpe. — abro um sorriso, feliz apenas por estar falando
com Fluflu.
— Boa noite, Fluflu. Amo você. — sorrio para a areia à minha frente.
" I've been travelling... but I don't know where (Estive viajando, mas não
sei para onde)"
Lost in the wilderness... so far from home. (Perdido no deserto, tão longe
de casa)
305
(Ria, ria que eu quase morri)"
Não percebi que estava tão distraído até abrir os olhos e ver Kate sentada
ao meu lado, com duas canecas na mão. Ela está me olhando estranho.
— Não sabia que tinha pedido serviço de quarto. — digo com um sorriso.
Kate ri.
— Aqui não é um quarto, espertinho. — Ela estende uma das canecas para
mim.
Balanço a cabeça.
— Sim.
Olho para ela. Kate está vestindo um moletom cinza, calças xadrez e
prendeu o cabelo num coque rápido.
— Então, o que faz aqui fora, nesse vento frio e cantando Laugh I Nearly
Died?
306
— Jura? — Kate acena. — Eu acho que estou me apaixonando pelo cara,
Kate-Kate. E isso é preocupante.
Ela dá risada.
Sorrio.
Balanço a cabeça e volto a olhar para longe, para a escuridão além do mar.
Abraço minhas pernas.
Sinto a atenção de Kate em mim, mas não olho de volta. A única coisa que
eu consigo encarar agora é o horizonte negro. Ela coloca a caneca no chão,
com cuidado.
— E a sua também?
Assinto devagar.
— O que ela me deixou de herança, foram meu violão e a paixão pelo rock.
Desde então, é a música que me mantém de pé. — Queria que isso a
tivesse mantido de pé também.
307
— Essa é a questão, não é? — posso sentir a confusão de Kate. Viro a
cabeça em sua direção. — Não tenho nenhuma lembrança da minha mãe.
— Não. — olho para frente. — Não tenho nada para me lembrar. Sua voz,
seu rosto, seu cheiro… estão todos perdidos na minha mente. Eu só… Só
consigo me lembrar de como me sentia com ela e de algumas coisas que
me ensinava quando estávamos juntos.
Será que Kate estava preparada para saber? Talvez, essa fosse a
oportunidade de mais alguém me culpar. Talvez ela fosse embora e nunca
mais olharia para mim novamente.
34
Um sorriso triste nasce naqueles lindos lábios. O vento passa por nós como
se também quisesse varrer aquele sentimento para longe dele.
Oh, Ben!
Me quebra ver a dor que vejo em seus olhos e, mesmo com os dedos
trêmulos, pouso minha mão em seu ombro, esperando que eu possa de
alguma forma, mostrar que não quero que ele esconda nada, mas que me
mostre seus demônios e medos.
A voz dele embarga. Meus olhos começam a arder e aperto minha mão em
seu ombro. Não, não, não, não, não.
— Eu a chamei. Pensei que era mais uma brincadeira nossa, que eu devia
ressuscitar-lá, mesmo vendo todo o sangue, mas ela… Ela não acordou.
Minha mãe estava morta na minha frente e não pude fazer nada! — Ele
fecha suas mãos em punho enquanto mais lágrimas caem.
Horror. Eu não posso acreditar que Ben tenha passado por esse horror, que
tenha acreditado que a morte da mãe foi sua culpa.
— Quando a ficha caiu, não me mexi. — diz ele sem emoção na voz. —
Não gritei. Apenas fiquei lá, em choque, tentando entender porquê ela
tinha feito aquilo. Eu me odiei naquele instante. Me odiei e odiei a meu pai
310
por não termos percebido que ela estava assim. Nós… — ele soluça.—
Nós devíamos saber! — fala exasperado.
Tento controlar as minhas próprias emoções. Tento ser forte para ele, mas a
dor de Ben é tão profunda, tão intensa que atravessa as minhas barreiras,
me fazendo sentir seu sofrimento, sua perda, sua raiva. Suas lágrimas
ecoam em mim.
— Eu sempre peço perdão a ela por ter deixado que isso acontecesse. A
culpa também foi minha, sabe?
Balanço a cabeça pra discordar, mas ele não olhou pra mim uma só vez
desde que começou. Seus olhos focam o chão da escada de madeira.
"Meu pai ainda me culpa pela morte dela. Diz que eu merecia ir para o
inferno pelo que fiz. Sei que ele está certo, mas queria que mentisse para
mim como mamãe mentiu. Que me dissesse que não sou o culpado e que
ainda me ama. — Uma risada de escárnio sai de sua boca. — Mas a
verdade é que ele virou um alcoólico, que quase nos matou de fome porque
desistiu de tudo depois que ela se foi.
— Estou cansado de sempre ser o vilão da história. — Ele olha para mim.
Ben finalmente olha para mim. Dor pura mancha seus olhos. — Você
também me culpa, Kate-Kate? Você também acha que eu mereço ir para o
inferno?
311
Não consigo mais. Puxo seu corpo para um abraço, e ele me aperta de
volta, como se estivesse desesperado, esperando que eu o culpasse
também. Ele não devia nem considerar isso.
Ben chora com mais intensidade. Seguro firme suas costas enquanto elas
tremem violentamente contra as minhas mãos. Ele aperta o tecido na minha
roupa enquanto desaba, garantindo que isso é real, que estou com ele.
Ninguém esteve lá para dizer que não foi sua culpa e não entendo o porquê.
Ben, mais do que ninguém, merece ser feliz.
Seus soluços sofridos são marcas de anos carregando esse fardo. Eu queria
que isso nunca tivesse acontecido com Ben. Ele não merecia. Nunca
mereceu.
— Obrigado. — diz com a voz rouca. — Por mentir como ele não fez.
Ben olha para o lado, negando minha afirmação, mas não vou deixar que
ele se martirize ainda mais. Coloco minha mão em sua bochecha e,
delicadamente, o faço olhar para mim.
— Ei. — Ele direciona seu olhar para o meu. — Você não tem culpa das
atitudes dos seus pais. Sua mãe te amava, e esse amor continua, ele vive
através de você. — Posiciono minha outra mão em seu peito,
especificamente em cima de seu coração. — Sua mãe está aqui. E ela
nunca culparia você. Eu duvido que ela não tenha sentido uma paz ao seu
redor como sinto quando você
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Aqueles olhos, aqueles mesmo olhos que me fazem sentir arrepiada e viva,
agora me encaram, como se pudessem ver cada centímetro da minha alma,
como se tivessem me conhecido a vida inteira ou muito mais do que isso.
Trêmulo, Ben coloca sua mão sobre a minha, que está em seu rosto. Ele me
olha durante longos e dolorosos segundos.
— Onde você estava durante todo esse tempo? — Sussurra com a voz
despedaçada.
Encaro seus olhos. Os olhos azuis que eram tão lindos e vibrantes, agora
estavam cheios de dor. Nenhuma cor, nenhum brilho se passava ali. Eu me
pergunto se conseguiria ajudá-lo a curar essa ferida.
É nesse momento, nesse exato momento que tenho certeza de que nunca
mais serei a mesma.
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Ben alcança minha nuca com uma mão e a outra encontra as minhas costas,
me puxando para perto. Lágrimas, dor e necessidade. Esse é o gosto do
beijo. Mas ainda assim, sinto que devia ser desse jeito.
Tiro calmamente minha mão de sua bochecha e faço algo que queria há
muito tempo: coloco meus dedos em seus cabelos, que são tão macios
quanto eu achava que seriam. Seu cheiro, seu gosto me invadem, me
fazendo sentir tudo intensamente, enquanto unimos nossas almas.
Sua dor vira a minha dor, suas lágrimas se misturam as minhas, e sua luta
para achar a cura, se torna a minha. Encontrei uma necessidade gritante de
fazer com que a dor dele diminua.
Enquanto meus lábios se chocam contra os seus, quero que ele entenda
isso. Quero que saiba que ele não é culpado pela morte da mãe. Quero
que… Que ele saiba que sou completamente dele. E eu não permitiria que
Ben sofresse assim novamente.
Terminamos o beijo, sem fôlego, mas não nos afastamos. Ben encosta sua
testa na minha, de olhos fechados. Nossas respirações ofegantes ocupam os
centímetros que nos separam. Com a voz trêmula, ele fala algo que jamais
esquecerei, nem em 500 anos.
— Talvez… Talvez eu não mereça você, Kate, mas não estou disposto a
abrir mão da coisa mais linda que já entrou na minha vida. Vou lutar para
merecê-la, para tê-la ao meu lado. Não quero… não consigo ficar longe de
você. — Seu hálito encontra a pele sensível acima do meu nariz. — Não
tem ideia do que significa ter você aqui, nos meus braços, depois de tudo o
que compartilhei. Nunca tive tanta certeza como tenho de você agora.
Quero você para mim, Kate. Por favor — sua voz abaixa, provocando-me
arrepios. — seja minha.
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— Estou com você, amor. Eu já sou sua. — digo numa carícia suave, me
afastando para olhar em seus olhos. Eu já era dele antes mesmo de
conhecê-lo. — Não sofra sozinho.
— Eu e você, Kate-Kate.
Enquanto ele me faz viajar nos seus lábios, que se abrem de boa vontade
para os meus, o mar parece celebrar este momento.
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mãos em mim. Mas o que mais me deixou inquieta foi saber das coisas
horríveis pelas quais Ben teve que passar.
Ainda não posso acreditar que o cara mais incrível que conheço, sofreu
tanto na infância e carrega esse trauma como seu fardo. Meu coração se
parte em mil pedaços por ele. Aquele homem generoso não merecia sentir
tanta dor.
"Talvez… Talvez eu não mereça você, Kate, mas não estou disposto a abrir
mão da coisa mais linda que já entrou na minha vida. Vou lutar para
merecê-la, para tê-la ao meu lado."
Se ele ao menos soubesse que eu é quem teria que lutar contra todo o
mundo para merecer um terço daquele coração quebrado.
— Eu me sinto muito sortuda por ter vocês dois cozinhando para mim. —
digo como bom dia.
Gemo quando vejo as delícias da mesa. Tudo tão bonito e colorido que
quase me dá pena de comer. Quase.
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— É um prazer servi-la, princesa. — Ben, com uma camisa regata preta e
um pano sobre o ombro, pisca para mim.
— Por falar nisso, que horas teremos que voltar para Fayetteville? — Passo
pela grande mesa de vidro, cheia do café da manhã, e ocupo um dos bancos
do balcão, em frente aos dois chefs.
— Desculpe, crianças. Não queria ter que acabar tão cedo com o passeio.
— Richard aparenta estar decepcionado consigo mesmo.
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— Sem problemas.
Aceno.
— Ora, vejo que todos já estão prontos. — Mamãe chega com radiosidade
no seu macacão floral.
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Ele dá risada do meu comentário.
— Querida…
— Nada com o que precise se preocupar, eu lhe asseguro. — Ele diz sem
vacilar. — Kate apenas me fez perceber que não há nenhuma outra como
ela e que eu seria um idiota se a deixasse ir.
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Olho para a minha mãe e ela parece satisfeita com o que ouviu. Não mais
que eu, com certeza.
Aperto a mão de Ben por debaixo da mesa para mostrá-lo que eu peguei
suas palavras.
— Sim?
— Nada a declarar?
— Fico feliz que vocês tenham decidido isso juntos. Gosto muito de você,
Ben, e é bom tê-lo como genro agora.
Todos rimos.
— Obrigado, Judie. Prometo fazê-la feliz. — Ele olha para mim e meu
coração se enche de amor.
— Obrigado. — repete.
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— Bom, este é um ótimo momento para comemorar. — Richard se levanta.
— Vou pegar um rosé Miraval 2016. Vamos brindar a ocasião! — Ele vai
até a cozinha e volta com uma garrafa elegante de vinho e 4 taças.
Me assusto quando a rolha sai da garrafa e Ben acha graça. Ignoro sua
risada trazendo borboletas ao meu estômago e estendo minha taça para
Richard.
Mamãe olha para mim como se dissesse "Bom trabalho, filha!" enquanto
Richard enche sua taça
— Desejo que sejam muito felizes e que a união de vocês dois signifique o
início de uma fase especial. — Richard sorri. — Espero que possam
conhecer o amor um no outro e vivê-lo dia após dia, sem nunca se
cansarem. — Ele olha para mamãe por um momento. — Um brinde. À
vocês dois.
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— À todos nós. — diz Ben.
— Não é tão ruim como parece. — Tiro os óculos de sol e me viro para ele,
cruzando as pernas.
Quase peço para que ele ponha uma camisa para que eu possa me
concentrar no assunto e não em sua pele bronzeada, mas percebo que isso
seria idiotice.
— Tem algo que eu ainda não comentei com você. É sobre o meu irmão.
— brinco com meus dedos.
— Seu irmão… Mike, não é? Você me falou que ele viajava muito e que
quase nunca o vê.
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— Sim. — concordo com a cabeça. — A questão é que Mike está de volta
e será seu colega de trabalho. — jogo tudo de uma vez.
Eu suspiro.
— Ele chegou no dia em que íamos sair pela primeira vez, e o Sr. Finlay
acabou sendo internado. — olho para o mar. — Sabe, ele é um cara
teimoso e ciumento. Gosta de agir como o irmão mais velho, mesmo sendo
meu gêmeo. Eu não sabia como falar de um para o outro.
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— Porque ele agiu como eu esperava que agisse. — olho para o chão. —
Mas não se preocupe. Alertei Mike de que não faça nada que prejudique
você.
— Eu… não sei. Acho que fiquei com medo de que vocês não se dessem
bem, mas vejo que isso soa mais estúpido em voz alta.
— Eu e você.
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— Você vai ser sempre meu amigo. — abaixo a cabeça até encostar minha
testa na dele. — Desculpe por ter escondido isso de você. Às vezes tenho
dificuldades em falar o que estou sentindo, mas tentarei por nós dois.
— Estamos resolvidos?
— Sim.
Passo meus braços por seus ombros e agarro seu pescoço. Ben não hesita
em abraçar minhas costas.
— Você é um sonho, sabia? — Murmuro contra sua pele quente pelo sol.
— Como você sempre sabe o que eu quero? — Ele beija meu ombro. —
Fique aqui que vou pegá-lo.
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— Espera. — Seguro seu braço.
— Estou bem. É… difícil falar dela e fiquei com medo de que você não
aceitaria um cara cheio de problemas como eu, mas aqui está você.
Ele me olha por alguns segundos antes de me puxar para um beijo lento e
apaixonado. É inebriante a sensação dos seus lábios com os meus. O
mundo parece certo, assim como entregar meu coração a este homem.
Ele é como uma música boa, difícil de achar e que você não quer deixar de
ouvir. Quando ela não está tocando, sua cabeça não para de cantá-la a todo
instante, praticamente implorando para que você aperte o play no seu
celular e a deixe invadir seus ouvidos.
O sol parece mais quente, o mar mais agitado e os braços dele mais fortes.
Me sinto segura, em casa. O beijo fica cada vez mais lento até que nossas
bocas se separam ofegantes.
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Parte 2
"O passado é um lugar excelente e não quero apagá-lo nem me
arrepender, mas também não quero ser seu prisioneiro." — Mick Jagger.
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