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Fate of a Faux Lords of Rathe #2 Meagan Brandy & Amo Jones 1

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Este livro lida com temas mais sombrios que podem ser

considerados gatilhos para alguns leitores.

Por favor, tenha cuidado com os seus enquanto você


mergulha...

Vire a página e aproveite a viagem perversa!

XoXo,

Amo e Megan.
Para todas as garotas que se apaixonam por vilões...

Seus corações só são negros até que você os arranque.


Ben se abaixa e eu corro a toda velocidade, pulando em suas
costas como fiz centenas de vezes antes. Meus braços se enlaçam
ao redor de seu pescoço, enquanto os dele se enrolam atrás dos
meus joelhos, e dou um beijo forte e desleixado em sua bochecha.
Sorrindo, abraço-o com mais força, lutando contra as lágrimas que
ameaçam escapar. A última coisa que eu quero depois de um dia
como o que tivemos é que ele me veja chorar. De novo.

O fato é que... nossos mundos estão mudando. Não, não é isso.


Nossos mundos mudaram, e não há como evitar o que acontecerá
a seguir.

Eu perderei meu melhor amigo.

Tenho que perder meu melhor amigo; ele só não sabe disso
ainda. Isso é o melhor para ele. Sou um desastre que só piorará,
pelo que parece, e ele já passou por muita coisa por minha causa.

Quero dizer, merda, ele estava...

— Lon, pare.

Suas palavras suaves me enchem de calor. Como se as sílabas


envolvessem meu coração e me lembrassem o porquê de ele estar
em casa. Ben sempre foi bom em me ler, às vezes bom demais.
Encostando minha têmpora em sua cabeça, olho para frente,
para a noite escura, e um calafrio me invade. Encostando minha
cabeça em seu pescoço, fecho os olhos, lutando contra a umidade
que ameaça se acumular ali.

— Eu te amo, sabe disso — sussurro. — Eu te amo e estou


muito orgulhosa de você.

— Foi apenas um gol em um jogo que não significou nada. —


Ele ri, mas é mais do que isso e ele sabe disso.

Ele superou e realizou muitas coisas e ainda tem uma vida


inteira de felicidade em seu caminho. Deus sabe que se alguém
merece isso, é ele.

Chegamos à porta e ele me solta, girando para me puxar em


seus braços. — Tudo ficará bem, London, eu prometo.

Ele não pode cumprir tal promessa, mas não digo isso. Eu não
digo nada, apenas aceno com a cabeça em seu peito.

— Às nove amanhã? — Ele pergunta.

Concordo com a cabeça, olhando em seus olhos castanhos. —


Às nove amanhã.

— Lon. — Ben me lança um olhar de advertência e é preciso


esforço para revirar os olhos quando a última coisa que estou
sentindo agora é brincadeira.

Os últimos dias pesaram muito em minha mente e odeio o que


está por vir. — Estou bem.
Lentamente, ele pressiona os lábios na minha testa e me
empurra pela porta.

Meu tio Marcus me cumprimenta na entrada, sorrindo


largamente até ver meu rosto e seus braços se abrirem
instantaneamente. Não hesito, mas me jogo neles e choro.

— Ah, vamos lá, Little Crow. Não pode ser tão ruim assim —
ele me acalma, da mesma forma que fez durante toda a minha
vida.

— Vou arruinar a vida dele.

Meu tio ri e se afasta, prendendo meu queixo entre os dedos.


— Querida, não, você não vai. Você é a luz da vida do garoto. É
tudo que ele tem agora.

— Eu sei, e por causa disso, ele ficará aqui e irá para uma
faculdade comunitária. Ele é muito melhor do que isso.

— Ele está fazendo o que parece certo. — Meu tio sorri


suavemente. — Ele não quer deixá-la, especialmente agora que sua
avó, Betsy, se foi.

— Isso é uma bolsa de estudos completa! Um time


universitário... uma equipe universitária pela qual ele nem mesmo
tentou, que nunca ouviu falar, e eles o querem! — Eu me estresso.
— Tio Marcus, acho que você não entendeu. Ele me disse que os
prazos de admissão e aceitação foram encerrados há meses. Ele já
está matriculado no JC1 e agora recebe essa oferta? Isso é enorme.
É... destino ou algo assim.

Algo passa no olhar do meu tio, mas desaparece antes que eu


possa decidir o que foi. — Não sei sobre isso — diz ele, quase
cautelosamente. — Acho que você deveria incentivá-lo a ficar aqui.

— Tio! — Eu exclamo, minha cabeça puxando para trás.

— Não para sempre, mas talvez JC por um ano e então ele


poderá se inscrever em outro lugar. Em algum lugar... não tão
longe.

Estou balançando a cabeça antes mesmo de ele terminar. —


De jeito nenhum, isso é épico para ele.

— É, mas...

— Sem “mas”. — Eu bato o pé como uma pirralha. — Faça-o


ir!

Meu tio levanta uma sobrancelha e sinto uma carranca


tomando conta do meu rosto antes que eu perceba o que está por
vir.

— Eu sou diferente — discuto o que sei que ele está pensando.


— Sou péssima na escola e quase não passei. Sinceramente, nem
sei como me saí, mas Ben? Ele trabalhou duro. Pode ser
persuadido, eu sei disso.

— Você nem queria ir ao passeio escolar para o qual te


convidaram, e isso era basicamente o seu passe livre para uma

1
-Junior College, também conhecida como faculdade comunitária.
festa na faculdade por um fim de semana, portanto, como diabos
convencerei Ben a se mudar horas longe de casa quando vocês só
falam sobre ficar juntos?

Minhas sobrancelhas se franzem com suas palavras, e ele me


olha de forma engraçada.

— Espere... — Inclino minha cabeça. — A Daragan State é a


mesma escola que me enviou aquele convite para o cruzeiro do
último ano no campus?

— Quer saber, acho que estou confuso — diz ele, virando-se


em direção ao balcão para pegar o telefone. — Não importa, por
isso, o que estamos com vontade, hmm?

Ele começa a falar sobre pedir o DoorDash2 tarde da noite, por


isso eu aceno e volto para o meu quarto. Tio Marcus tem o hábito
de fazer isso. É quase como se ele confundisse seus cronogramas.

A pequena lata de lixo embaixo da minha mesa, que nunca é


usada porque nunca faço lição de casa, encara-me de volta. Os
mesmos dois pedaços de papel de alguns meses atrás ainda no
fundo, o envelope escondendo o convite que meu tio mencionou.

Vasculhando as embalagens de doces, eu o tiro e sento no


chão para ler – algo que não fiz quando foi entregue pela primeira
vez.

-A maior plataforma estadunidense de entrega de alimentos.


2
Tio Marcus tem o péssimo hábito de empilhar correspondência
na bancada da cozinha, por isso o encontrei por acidente uma
semana quando limpávamos. Desdobro o papel grosso e bordado.

— Querida London V. Crow. — Eu bufo, revirando os olhos. —


Não tenho certeza de onde tiraram o V. Não é à toa que parei de ler
antes mesmo de começar. — Pegando um pirulito do meu bolso,
arranco a ponta, enfio na boca, e começo novamente.

— Querida London V. Crow, em nome do Daragan Admissions


Department, gostaríamos de convidá-la formalmente para
participar do Daragan State University’s Annual Senior Campus
Cruise como futura bolsista visitante. Se você gostar do que
encontrar durante sua estada aqui, considere esta sua carta de
aceitação. Na Daragan, nos orgulhamos da excelência acadêmica
e... Bem, aí está, porra — interrompo as palavras impressas,
olhando para o papel. — Motivo número dois pelo qual não li esse
negócio.

Excelência acadêmica? Por favor. Talvez isso fosse destinado a


uma pessoa real chamada London V. Crow. Nem sequer tenho um
nome do meio. Não que isso importe. Perdi a data de resposta e
estou muito longe da excelência acadêmica.

Tio Marcus estava certo, porém, mesmo que eu tenha a


sensação de que ele apontou isso por acidente. Esta é a mesma
faculdade que quer o Ben.

Quais são as chances...


Meus olhos ardem e pisco para afastar as chamas, sentindo
pela primeira vez o fluxo constante de lágrimas quentes escorrendo
pelo meu rosto.

No momento em que minhas pálpebras se abrem, não estou


mais sentada no meu antigo quarto na minha cidade natal. A
memória desaparece na escuridão e então sou deixada sozinha sob
a luz ofuscante do meu mais novo inferno – uma cela mágica no
centro de Rathe. Minha verdadeira cidade natal.

O reino em que nasci.

Sou uma maldita Gifted. Não uma humana como vivi os


últimos onze anos acreditando.

É um pensamento tão debilitante quanto libertador.

Finalmente, entendo porque a lua me chama e porque tudo


fica melhor sob o manto da meia-noite. Agora sei o porquê
acordava no mesmo horário todas as noites, esperando por algo
que nunca vinha. Sei o porquê nunca consegui encontrar paz ou
conforto no mundo humano, por mais que procurasse.

Porque aquele não era o meu mundo e, em primeiro lugar,


nunca pertenci a ele.

A única vez que não me senti como uma garota na pele de


outra pessoa foi quando estava com...
Meus dedos tremem. Olho para minhas mãos, a urna de vidro
é de um verde escuro e suave, como a cor do mármore de olho de
gato, não muito diferente dos olhos do meu melhor amigo. Eram
do tom mais bonito de avelã quando ele sorria. Não que a pessoa
que escolheu soubesse disso.

O corpo de Ben foi transformado em cinzas menos de trinta


minutos depois de ficar frio.

— Os dragões aproveitaram a chance de servir a um Royal. —


O tom cruel e os olhos vazios de Knight brilham em minha mente.
Aperto com força tudo o que resta do garoto que nunca me
decepcionou.

A dormência vai e vem, e agora... não está em lugar nenhum.

Eu sinto tudo, e é demais, porra.

Ben se foi, assassinado bem na minha frente... pelo meu


companheiro; em sangue frio e vingativo.

A expressão em seus olhos cor de avelã passa pela minha


mente, e um arrepio percorre meu corpo. Era uma completa
impotência e medo que o engoliam por inteiro. O que me faz querer
bater minha cabeça contra o chão duro abaixo, até tudo ficar preto,
é como Ben não estava apenas com medo por si mesmo naquele
momento, ele estava com medo por mim.

Ele sabia que estava prestes a morrer, sentiu a pontada afiada


da lâmina contra sua garganta e, naquele único momento, seus
olhos encontraram os meus, seu horror mudou. Sabia que não
poderia se salvar e se preocupou com o que aconteceria comigo
nos momentos que se seguiram. Ele não tem ideia de que eu era a
razão pela qual sua vida estava prestes a acabar ou que o homem
que a levou era aquele para quem eu literalmente nasci.

Porra. Fecho os olhos com força, a pressão por trás deles é


como o peso de mil punhos.

Ben...

— Vejo que você recebeu meu presente.

O gelo corre pelas minhas veias, congelando meus músculos


no lugar.

Passos se aproximam e eu puxo cada grama de força que me


resta, na tentativa de não parecer tão destruída quanto me sinto,
mas tudo que consigo fazer é erguer os olhos.

Eu sei a quem pertence a voz, mas olhar para os olhos azuis


vazios do maldito Rei Arturo Deveraux é algo para o qual nunca
estarei preparada. Ele é assustador. Todo o seu ser grita poder.
Tanto que arrepia minha pele como centenas de picadas de abelha
de uma só vez. Fico ainda mais tensa quando ele atravessa as
barras mágicas brilhantes que me mantêm trancada neste armário
que é uma cela, como se fossem apenas uma invenção da minha
imaginação – as queimaduras que cobrem minha pele por tentar
me jogar através delas provam o contrário. Se minha carne ainda
é capaz de tais características humanas, então tenho cem por
cento de certeza de que o sangue foi drenado do meu rosto.
— Você veio aqui para me matar? — Pergunto humildemente.
Posso ouvir a antecipação voluntária em meu tom, mesmo que não
reconheça a voz áspera com que é falada.

Ele inclina a cabeça, observando-me atentamente, lendo-me


de um jeito que só um Rei das Trevas com dons da mente
consegue. — Se eu quisesse você morta, acha que teria acordado?

— Se você for parecido com seu filho, então sim. Eu acho. É


mais... dramático. Ele claramente gosta de fazer um show.

— Mmm — o Rei cantarola, seus olhos fixos nos meus. — Sim,


ele é como sua mãe nesse aspecto. Todos eles são, na verdade.

Seu olhar penetrante é demais, por isso baixo os meus para a


urna mais uma vez.

— Ele era seu amante antes de Knight? — Rei Arturo pergunta.

Eu não respondo. Não me importo com o que eles pensam e


falar sobre Ben não vai desfazer o que foi feito. Só doerá mais, mas
a dor já é tão paralisante que mal consigo suportá-la.

É com esse pensamento que olho nos olhos do Rei e o lembro


— Matei sua filha. Sua única filha. Eu tirei de você. Arruinei sua
reputação Royal ao me acasalar com seu filho. Se eu tiver a
chance, também vou arruiná-lo. Quero arruiná-lo. Quero
despedaçá-lo de dentro para fora e ver seu coração parar de bater.
Eu o odeio.

Mata-me. Acabe comigo.

Devore-me por inteiro, não me importa...


Espero, dando boas-vindas à morte, rezando para as
profundezas do maldito inferno, de onde essa família
provavelmente surgiu, mas o Rei da Magia Negra não se move.

Sua expressão não muda. Nenhuma raiva, fúria ou mesmo


impaciência aparece em seu rosto à medida que ele tira as mãos
dos bolsos da calça do terno. Puxa as coxas, dobrando os joelhos
até ficar na altura dos meus olhos.

Em vez de abordar o que falei, ele diz — Se quiser sobreviver a


isso, esqueça quem você se tornou e lembre-se de quem era, Little
Crow. Se não... você morre.

Com isso, o Rei da porra da escuridão se levanta, mas antes


de se afastar, ele sussurra — O dom dos deuses das trevas não
deve ser passado para qualquer um, mas você tem a chave em suas
mãos. Lembre-se disso, Little Crow, e quando os olhos esmeralda
caírem sobre você, banqueteie-se até sentir sua alma.

Observo o homem até que ele desapareça completamente e, a


cada momento que passa, minha mente se agita, as palavras do
Rei tocando em loop na minha cabeça pelo que parecem horas.

Se quiser sobreviver a isso, esqueça quem você se tornou e


lembre-se de quem era.

O enigma da boca do Rei pode significar uma de duas coisas,


mas não tenho ideia de qual é a resposta correta, se é que há
alguma. Os Deverauxs são manipuladores e astutos, e nenhuma
palavra de qualquer uma de suas bocas jamais significará algo.
O Rei disse que recebi seu presente. Ele só pode estar se
referindo a uma coisa.

A urna de Ben.

Ele fez com que o cadáver do meu melhor amigo fosse enviado
para mim, colocado na cama ao lado da minha cabeça, de modo
que, quando acordei nesta maldita prisão, foi a primeira coisa que
vi.

Um lembrete, tenho certeza.

Do que eles podem fazer – tudo e qualquer coisa que seus


corações negros desejarem.

A fúria ferve profundamente em meu âmago e eu mergulho de


cabeça nela, implorando à escuridão furiosa que leve o resto
embora, mas é muito recente. O corte é profundo demais.

Meu corpo começa a tremer, convulsionando onde estou


sentada, com as pernas cruzadas no colchão minúsculo. E então
algo dentro de mim se rompe. É como se minhas costelas tivessem
se quebrado sob a pele, e eu grito.

Minhas entranhas se enfurecem, meus braços se projetam, as


mãos se abrem e, em seguida, uma sensação de desgraça se abate
sobre mim. Meus olhos se abrem, bem a tempo de ver a urna
caindo no chão com um estalo ensurdecedor.

— Não! — Eu grito e a eletricidade passa de um dedo para o


outro, meu dom lutando para ser libertado dessa prisão, mas a
maldição sobre esse cômodo é muito forte. Minha cabeça se inclina
para trás até que eu olhe para o teto branco e um grito sai do fundo
do meu peito, ecoando pelo pequeno espaço enquanto uma
corrente mais pesada corre pelo meu corpo um momento depois,
mas não é o meu dom. É a exigência desta prisão para que não
tentar usá-lo, e isso ainda não foi feito.

O veneno escorre de cada canto como uma névoa espessa até


me engolir por inteira, mas não se detém em roubar a visão e o
som. Arranha minha pele como as escamas de uma cobra,
deslizando e circulando todos os meus membros, girando ao meu
redor como um vórtice mumificado, privando-me de ar.

Eu me esforço para respirar e ofegar, antes de ouvir vagamente


o menor indício de uma voz. Fecho os olhos e me concentro,
abrindo-os lentamente mais uma vez.

O cômodo está livre de fumaça, meu corpo está livre de


qualquer dor... e Sinner Deveraux está parado a apenas um metro
de distância, com a cabeça inclinada enquanto olha através dos
raios laser vermelhos que me prendem.

— Pensei que você cuidaria melhor da pessoa mais importante


da sua vida. — Ele franze a testa, olhando para a esquerda.

Levo um momento para entender, para registrar o tom


zombeteiro em sua voz, e minha atenção se desvia para o lado.

Meu coração para com a visão. Literalmente para de bater e


agarro meu peito, desesperada para arrancar meu próprio coração
só para impedi-lo de sentir.
A urna está aos meus pés em dezenas de pedaços, o que
sobrou do corpo de Ben espalhado como um monte de terra
esperando para ser varrido. Como lixo. Como nada.

— Oh, meu Deus! — Caio de joelhos, aproximando-me. Minhas


mãos tremem enquanto roçam o chão tentando salvar os pedaços
arenosos. Cacos de vidro cortam minhas mãos e acho que choro.
O sangue escorre pelas palmas das mãos e pelos dedos,
transformando as cinzas em gosma e eu caio de bunda no chão.

— Porra! — Meu rosto cai em minhas mãos, um dos pequenos


cacos cortando minha bochecha, sangue manchando a umidade
da minha pele.

Eu sou uma idiota de merda!

Sinto muito, Ben. Sinto muito, caralho.

Meu corpo treme, meus ouvidos zunindo tão alto, como um


maldito grito ecoante que se repete. Leva um momento para eu
ouvir as risadas.

Eu olho para cima, e desta vez o sorriso de Sinner é mais


profundo do que os abismos do inferno. A diferença entre ele e
Knight, embora indetectável para os outros, é flagrante aos meus
olhos. Não posso fingir porém, que ver o rosto de Knight olhando
para mim não é fácil. Quero vomitar. Gritar. Quero morrer, porra.
Sinto o interior do que sobrou de mim murchar como flores
teimosas, sem vontade de permanecer vivas.
— Você não pode me deixar entrar na sua cabeça tão
facilmente. — Ele olha para a tela do telefone. — Vê o que acontece
quando faz isso?

Uma ilusão.

Não houve dor ou veneno. Ele fodeu com minha cabeça e eu


permiti, e esse é o resultado. O Rei provavelmente nem estava aqui.

O sangue escorre pelo meu cotovelo, espalhando-se pelas


minhas coxas. — Foda-se. — Não sinto a dor latejante distante
onde os cacos da urna me cortaram. A dor disso é simplista em
comparação com a dor de perder Ben.

— Você esteve tão perto de fazer exatamente isso, não foi? —


Seus olhos azuis surgem, brilhando como a sombra de um maldito
psicopata. — Se não fosse pelo seu companheiro.

Cerro os dentes até que a dor física se manifesta. — Vá. Se.


Foder.

Uma risada sombria o deixa, e ele encara por um longo


momento.

— Eu mal cutuquei sua mente agora, Little L, e... — ele estala


os dedos — ... abre-te sésamo. Tem certeza de que é uma de nós?
Talvez uma Gifted defeituosa, o destino tentando se desculpar por
permitir que a prole do infame Slasher vivesse? Porque devo dizer,
filha de Acheros Lacroix, que foi tão fácil quanto manipular um
humano. — Recebido com silêncio, ele continua. — Eu sei que você
esteve ausente por muito tempo, Villaina, mas...

— Não me chame assim.


Seus olhos se estreitam e ele dá um passo à frente, seu corpo
metade dentro e metade fora da barreira vermelha. — Mas você é
Villaina Lacroix. Não há como negar esse fato.

— Não estou negando nada, mas a Villaina morreu há muito


tempo. — Mantenho seu olhar firme, apesar da merda acontecendo
na minha cabeça. Como uma colisão em massa na rodovia, é puro
caos. — Basta perguntar à sua mãe.

A expressão facial de Sinner fica em branco, e sei que toquei


num nervo.

— Cuidado, princesa do gelo, e prepare-se. Você acabou de


entrar nos portões da porra do inferno. — Sinner me lança um
olhar de escárnio e seu significado não pode ser mal interpretado,
não que as palavras fossem necessárias. — Espere até ver o que
tem dentro.

Sinner se afasta, a raiva emanando dele em ondas e eu afundo


ainda mais no chão.

Eu posso ter estado ausente por muito tempo, mesmo assim


sei que o que acontece a seguir não é nada bom. Mesmo assim,
não consigo me importar com o amanhã, porque tenho que me
concentrar no único pensamento que está me mantendo inteira
esta noite. Esses segredos revelados e as consequências de mantê-
los têm sido um completo inferno para mim, sim, mas também não
é um piquenique para os Dark Royals de Rathe.

É uma pequena vitória, se é que se pode chamar assim, mas é


tudo que tenho. Por isso, aceitarei, segurarei firme e esperarei que
amanhã eu encontre outra razão para viver... ou o caminho mais
rápido para morrer.

O que ocorrer primeiro.


O ódio corre em seu sangue mais quente do que qualquer outra
emoção. Era inevitável que, no que dizia respeito a ela e a mim,
isso nunca seria fácil. Nada que fosse destinado a mim jamais seria
fácil. Eu teria que arrancá-la de seu lar e espremer sua vida. Fazê-
la implorar. Rastejar. Ansiar por mim. Ela não era diferente, por
isso não sei o porquê de eu estar surpreso por ela ser quem é.

— Vai terminar isso ou o quê? — Silver pergunta do meu lado


oposto, com as pernas bem abertas e o copo meio vazio de qualquer
substância que ele esteja bebendo esta noite.

Eu precisava disso. Mais do que nunca.

Levando a borda do meu copo aos lábios, deixo o líquido descer


pela minha garganta. Era ela. Durante toda a porra do tempo, era
ela. Eu deveria estar bravo. Porra, estou bravo... mas quanto mais
o tempo passa, mais a dor que me entorpece se transforma em
uma bola de fogo, e a dor que sinto em meu peito não tem nada a
ver com a traição de descobrir que ela matou minha trigêmea. Não
tem nada a ver. É o fato de ela não estar aqui, comigo, no meu colo
e no meu pau.

Que tipo de besteira é essa?


— Knight! — Silver bate no meu pé com o dele, assim que bebo
o resto da minha bebida.

O pó escuro reveste a mesa entre nós, e toda vez que a luz


estroboscópica pisca ao fundo, atinge as pequenas partículas de
brilho no pó Fae. Quanto mais escuro o pó, mais forte é a magia,
e essa merda é escura como breu.

Sibilo para meu melhor amigo, mostrando os dentes. — O quê?

— Maldição... — Ele se inclina para trás em sua cadeira e eu


o observo enquanto se move sobre o ombro e agarra uma das
garçonetes dragões pela cintura, puxando-a para seu colo.
Enquanto ele tira os longos cabelos azuis do ombro dela, seus
olhos se transformam em fendas quando pousam em mim. Silver
sorri à medida que sussurra em seu ouvido e ela se apressa,
pegando alguns copos vazios no caminho de volta ao bar.

Não é de surpreender que The Dungeon esteja muito melhor


do que estava após a explosão. O carmesim queima contra as
rachaduras do pavimento de pedra, que escorre da cachoeira de
lava que rola sobre a parede atrás do bar.

Eu encosto minha cabeça contra a cabeceira, desesperado por


uma saída. Qualquer coisa para tirar minha mente das últimas
vinte e quatro horas. O teto está desprovido de qualquer cobertura,
dando uma visão direta da noite escura lá em cima. Planetas se
iluminam contra o fundo negro ônix. Pergunto-me o quão alto
preciso gritar para que um dos deuses desça e estrague minha
vida.
— Nem pense nisso, Legend. — Consigo sentir as ideias do
meu irmão daqui. Ele quer me afundar em uma distração e
renunciar ao vínculo que tenho com London.

— Então, você está bem com ela sendo sua companheira?


Alguém que assassinou a porra da nossa irmã?

Cerro os dentes com tanta força que juro que posso ouvi-los
ranger.

— Você não sabe do que diabos está falando. — Inclino-me


para frente e pego a nota de ouro enrolada e a enfio em uma
narina, cheirando a linha perfeita de pó Shadow Fae. Isso me
atinge de uma só vez e minha cabeça nada em uma piscina de
cores. Cores que nem estão na paleta. Roxos vibrantes se alinham
ao redor do corpo de Legend enquanto ele se inclina para um jovem
shifter que dançava na lava momentos atrás. Observo conforme ele
se apressa entre seus seios fartos, chupando seu mamilo
perfurado e passando a língua ao redor do pequeno botão inchado.

Não queria sair esta noite, mas tanto Silver quanto Legend
sabiam que eu precisava disso. Uma distração. Só que não o tipo
de distração que Legend pensa que eu preciso.

— Eu não quero falar sobre ela — digo, pegando a erva mágica


enrolada atrás da minha orelha. — E não preciso de uma distração
como essa. — Acendo a ponta e trago, permitindo que a fumaça
desça pela minha garganta em ondas de lavanda e menta, antes
de expirar.
Meus olhos se fixam na gaiola que paira no céu acima de The
Dungeon, focando nos altos gritos e berros. Por outro lado... isso é
algo que eu posso apoiar.

Eu me levanto da cadeira e empurro a garota que dançava


para o lado. Ela tropeça no chão, mas rapidamente se recompõe,
limpando o carvão de suas calças.

Legend olha entre mim e ela, rindo em meio a uma nuvem de


fumaça. — Mudou de ideia? Quer mergulhar os dedos em alguma
boceta nova?

Eu o ignoro, imaginando-me saindo da superfície plana e


flutuando. Antes que consiga entender o que qualquer um deles
está dizendo, meus pés se levantam do chão e meu corpo flutua
cada vez mais alto até passar pelo anel de Júpiter e abrir a porta
de entrada da gaiola.

— Uau, uau! O que temos aqui, senhoras e senhores? —


Anuncia o árbitro, e eu contorno seu corpo sem camisa para olhar
para as cadeiras que enchem o coliseu. Pilares de concreto se
alinham do lado de fora do octógono, com bancos que levam para
cima, mais para o céu. De baixo, no The Dungeon, não parecia
muito, se é que parecia alguma coisa.

O árbitro me rodeia lentamente, passando os lábios pintados


de vermelho pela bochecha, com os olhos brilhando. Camponês.
Sem dúvida, entusiasmado com o fato de alguém como eu ter
entrado na Blood Chamber.

— Diga, é um Royal... — a multidão acima ruge tão alto que


seria quase penetrante se o sangue correndo atrás de minhas
orelhas não fosse tão ensurdecedor. Ele tira o microfone da boca,
inclinando a cabeça quando se aproxima de mim. — Meu Lorde,
você e eu sabemos que não posso colocá-lo aqui. Você matará todo
mundo e, por mais que gostemos de derramamento de sangue... —
sua voz diminui ao mesmo tempo que ele se aproxima do meu
ouvido — não é bom para meus bolsos, entende?

Pego o microfone dele, levo-o à boca e olho para as luzes


brilhantes que incidem sobre nós. Manchas de sangue antigas e
recentes cobrem a área, com o cheiro de suor e saliva pesado no
ar. — Um milhão de notas de ouro para a primeira pessoa que
conseguir me nocautear por um segundo.

Silêncio. Malditos grilos. E então uma debandada.

O árbitro arranca o microfone de mim, rindo nervosamente. —


Só para que saibam, todos vocês concordam de bom grado que sua
vida está em risco para participar deste desastre.

Pego minha camisa pelo colarinho e a tiro, jogando-a no chão


e abrindo bem os braços enquanto estalo o pescoço.

Voltando-me para a entrada, sigo a fila que leva até as cadeiras


do estádio. Homem após homem, desesperado por dinheiro.
Famintos por ele. Não posso culpá-los. A maioria deles tem família
e, se me importasse, fingiria me nocautear para cada um deles que
precisa, mas não sou um maldito Argent e preciso mais da luta.

Do sangue. A carnificina e a distração.


Quando um vínculo queima tanto quanto o que compartilho
com London, é preciso uma quantidade igual de caos para apagar
essa merda.

Antes que eu possa me virar para encarar meu primeiro


oponente, um punho se choca com minha bochecha. Crack! Nem
sequer recuo. Nem um único fio de cabelo se ergue de minha
cabeça quando me viro lentamente para encarar quem quer que
tenha dado o primeiro golpe. Um Ordinary, mais ou menos da
mesma altura que eu, mastiga o lábio inferior, jogando a mão no
ar como se doesse.

Certamente doeu.

— Sério? — Eu disse sério, antes de estender a mão para frente


e bater em sua testa. — Pare! — Grito assim que seu corpo cai no
chão. Olho ao redor do local para cada pessoa que está na fila,
esperando a chance de encher os bolsos vazios com um milhão de
dólares. — Isso não é para os fracos. Eu revidarei – preciso disso.
Nada de Ordinary. — Observo a fila diminuir até restar apenas
metade. Talvez doze, ou vinte. Não importa.

O próximo cara que dá um passo à frente me dá um sorriso


astuto, as pontas afiadas de suas presas brilhando contra à luz do
luar. — Bem, merda. Estou aqui para me divertir, não para durar
muito, Knight!

Eu não o reconheço. Não sei quem são esses filhos da puta,


mas eles com certeza me conhecem. Encaro meu próximo
oponente. Ombros mais largos, sangue seco incrustado em torno
de seus lábios. Vamp. Com certeza. E um desleixado, já que nem
sequer consegue limpar a refeição da noite passada de sua boca.

Ele se materializa na minha frente na velocidade da luz, mas


antes que possa receber o golpe, minha mão está em sua garganta
invisível e, lentamente, o resto de seu corpo volta à tona. Ele olha
para mim em estado de choque e eu levanto uma sobrancelha.

— Boa tentativa. Mais ou menos. — Levantando-o do chão,


jogo seu corpo no meio da multidão e engasgo com a risada. —
Tudo bem, está ficando mais interessante. Ainda longe do
suficiente.

Em combinações, mãos voam em direção ao meu rosto e peito.


Soco após soco conforme a próxima pessoa entra. Nem o vi. Os
golpes são bons, mas não o suficiente. Quero sentir a dor
escorrendo de feridas nuas, apenas para fazer com que seja
minúsculo o que quer que esteja acontecendo dentro de mim.

Risos escapam de mim a cada golpe que recebo.


Repetidamente, ele vai do meu rosto para o meu peito e estômago.
Com um golpe de uma mão, empurro o shifter para o lado, que
voa, sobre as cadeiras que se alinham no coliseu e em qualquer
abismo que exista dentro do sistema solar de Rathe.

Passando a ponta do polegar sobre o lábio, dou de ombros. —


Nem chegou à superfície. — Eu olho para a fila de pessoas
restantes. Aqueles que ainda estão de pé. — Todos de uma vez. —
Faço um gesto para que se aproximem, justo quando ouço a risada
de Legend atrás de mim.
Eles avançam com um rugido de energia. Mais. Eu preciso de
mais dor...

Como se o pensamento por si só de alguma forma conjurasse


a sensação, uma dor aguda penetra minha espinha, como o corte
de uma lâmina fresca ultrapassando a carne e atingindo o osso.
Tensiono por um momento, as sobrancelhas juntando enquanto
minha visão embaça e o calor explode no meu peito. Eu pisco e os
homens Gifted que vêm em minha direção voltam à visão um
instante antes de seus golpes acertarem. Abro os braços,
recebendo o que eles têm para oferecer.

Um som agudo e estridente irrompe pelo ar e todos param no


meio da luta. Fios quentes se enrolam no meu estômago e sinto o
tempo passar mais devagar dentro da minha cabeça. Quase ecoa
pelo espaço. Como um lembrete da dor ou um aviso de que está
chegando. O som ultrapassa a pulsação do meu próprio sangue
jorrando pelo meu corpo, e os pelos do meu pescoço se eriçam
quando percebo o que é.

Houve apenas três vezes em que este alarme soou. A primeira


para declarar quem havia vencido a guerra – meu pai. A segunda
vez para anunciar o nascimento do primeiro herdeiro da Coroa
Negra, o nascimento de Creed, e a terceira? Quando minha irmã
morreu.

Isso não é bom.

Mãos agarram meu braço e me afasto delas, sem perceber que


se trata de Legend. Não quero que ninguém me toque. A ideia de
alguém, nem que seja respirar muito perto de mim, faz minha pele
arrepiar.

Ela fez isso comigo.

— Knight! — Creed se aproxima e tudo fica mais claro.

Minha respiração fica mais lenta, encontrando os olhos


arregalados do meu irmão.

Suas mãos chegam à minha bochecha. — Precisamos ir


embora. Isso pode significar qualquer coisa.

— Eu sei. — Pisco para além da minha raiva por um segundo,


antes de Creed colocar a mão no bolso e eu olhar ao redor para ver
todos os outros fazendo exatamente o mesmo. — O que foi?

Legend enfia o telefone no meu peito e pisco ao ver o alarme


que toca ao fundo. Isso realmente não foi bom.

— Você está fodendo...

— Veja! — Legend enfia o telefone ainda mais no meu peito e


vejo todos ao meu redor desaparecerem lentamente. Não sei se é o
fato de estarem fora de vista ou se é minha própria mente que os
empurra para fora.

Arranco o telefone das suas mãos e começo a ler as palavras


na tela. Leio-as repetidamente até que começam a se confundir.
Um eco oco começa a rugir em meu peito.

— Impossível... — sussurro, toda a raiva que senti momentos


atrás desapareceu. Puf. Evaporada. — Não pode ser... — Leio as
palavras novamente, a sirene agora está me irritando.
Em seguida, leio a mensagem particular que aparece em nosso
grupo.

Mãe: Encontro na Chamber.

Enfio o telefone de Legend em seu peito, inspirando


profundamente e recitando a antiga língua até que vinhas pretas
comecem a crescer do chão até se tornarem uma forma oval
perfeita. O interior se torna de um preto obsidiana profundo e se
espalha como um vírus até preencher o espaço. Empurro Legend
para dentro e fecho rapidamente o portal da Chamber.

O silêncio é ensurdecedor e, quanto mais o tempo passa, mais


minha agitação aumenta. Abro outro portal, do tipo simples, bem
diferente do Royal portal, e passo por ele quando vejo a sede.

O trono aparece primeiro e tudo ao seu redor deixa de existir.


O local de encontro onde sempre realizamos a Reunião dos
Stygians, agora é um espaço grande demais. Os tetos são altos
demais, a sala é ampla demais. Sinto o cheiro de metal derretido
assim que meus pés tocam o chão.

Uma onda de raiva abrasadora me invade. Viro minha cabeça


para o lado e o estalo alto de seu pescoço interrompe o silêncio.
Minha velocidade aumenta, e quanto mais me aproximo, mais a
realidade do que está na minha frente aparece, o gosto de sangue
escorrendo pela minha garganta como se pertencesse ali. Todos os
outros detalhes desaparecem quando me abaixo, passando o dedo
na poça vermelha e pegajosa aos meus pés.

Lembro-me da primeira vez que realmente notei os olhos do


meu pai. Eu era jovem. Jovens o suficiente para perceber que eles
são de tom distorcido de azul. Do tipo que parece céus encantados
ou águas amaldiçoadas. Azul, branco, cobalto com um toque de
prata. Eram da cor de tudo, mas de nada ao mesmo tempo. Ou
costumavam ser. Até agora. Eles olham para mim com um vazio
que só a morte pode tocar. Desolados e pálidos, viveram três mil
malditos anos — tudo para quê? Ser levado por algum pedaço de
merda que nunca chegaria nem perto de ser tão importante quanto
ele.

Realeza.

Rei.

Pai.

Eu fico de pé, aproximando-me de onde sua cabeça estava


presa ao pescoço. Cortada completamente e agora aos seus pés,
estudo a adaga enfiada onde deveria estar sua cabeça. O cabo é
simplista e tem pedaços de prata derretidos. Estendendo a mão,
agarro o ferro moldado e forço sua lâmina a sair da carne de meu
pai, observando enquanto o sangue escorre de onde coagulou ao
redor da ponta afiada. Eu a coloco no cinto e dou um passo para
trás, a raiva percorrendo minha espinha como uma descarga
elétrica desesperada para romper toda a raiva que tentei conter.

Não consigo ignorar o que está diante de mim.

A superfície do trono de tungstênio capta a luz da lua através


das janelas de vidro do chão ao teto na parte de trás. Esta sala foi
um espaço de santuário no passado. Onde papai anunciava
guerras, nascimentos, ameaças, qualquer outra merda que
precisasse de audiência, com o resto dos Stygians assistindo em
suas televisões em casa. Bailes em massa, casamentos, tudo
aconteceu aqui. Nesse cômodo. Onde o trono nunca saiu. Agora,
as duas pontas pontiagudas que chegam até o teto não mostram
nada além de assassinato. Engano. Alguém assassinou o Rei das
Trevas e agora… agora vamos todos para a guerra.
Minha bochecha está fria contra o piso de mármore da minha
cela, com as palmas das mãos apoiadas nele, enquanto observo
com olhos embaçados e cheios de lágrimas a bagunça diante de
mim.

Se eu não seguisse o tempo do mundo humano, diria que


estou olhando para essas malditas paredes há vários dias, mas só
precisei de um para me lembrar deste lugar. Pode até ter sido esta
mesma cela, de fato – a ideia de alguém com um pouco mais de
diversão, tenho certeza.

A última vez que estive aqui, fui colocada na frente de centenas


de pessoas e julgada pelos crimes do meu pai.

Eu tinha cinco anos.

A Rainha, o pesadelo de mãe do meu companheiro, ficou ao


meu lado naquele dia, defendendo-me de uma forma que eu não
entendia na época e, para ser honesta, ainda não entendo.

Meu pai assassinou os Gifted a sangue frio. Pessoas Argent.


Pessoas Stygian. Pessoas da Royal Corte e muitos outros. Ele não
tinha um tipo. Matava qualquer pessoa que sentisse vontade de
matar, quando sentisse vontade de matá-la.
Ele é uma lenda do pior tipo.

De qualquer forma, uma rainha misericordiosa e gentil


reconheceria que uma criança é uma criança e que o que seu pai
de quatrocentos e cinquenta e cinco anos de idade – que parecia
um mafioso russo em seu auge até o dia em que foi executado –
havia feito não tinha nada a ver com sua filha.

A Rainha Cosima, porém, não é uma rainha misericordiosa e


gentil. Ela é totalmente o oposto. Portanto, por que ela falou em
meu nome naquele dia? Será que ela sabia que Knight e eu éramos
companheiros? Será que foi porque a sua filha era minha melhor
amiga?

Penso no meu pai.

Mafioso russo.

Se minha garganta não estivesse seca por falta de líquidos e


minha mente não parecesse uma zona de construção na cidade,
riria disso. Aposto que ele enfiaria um punhal em seu próprio
coração se ouvisse esse termo Giftless. Não me lembro de muita
coisa sobre meu pai, mas nunca me esqueceria de seu ódio por
humanos. Bem, agora que me lembro realmente da minha vida
antes de ser London.

Infelizmente, tenho que agradecer ao meu companheiro


assassino por isso.

Eu odeio você, Knight Deveraux.

Juro que uma vozinha no fundo da minha mente sussurra, eu


também te odeio.
Apertando os olhos por um momento, eu os reabro.

Estou deitada aqui há sei lá quanto tempo, e as lágrimas não


param. Formam poças debaixo de mim, o gosto salgado se
infiltrando nos cantos dos meus lábios e em suas bordas rachadas,
mas não sinto o incômodo. Assim como não sinto os cacos de vidro
cravados na minha pele de várias tentativas fracassadas de juntar
as cinzas de Ben em um montinho, mas só consegui fazer uma
bagunça maior de tudo. Não ajuda que estejam a centímetros do
meu rosto, e então, a cada respiração instável que dou, elas
desaparecem um pouco mais.

Há um vazio no centro do meu peito, um maldito poço de


escuridão do qual não posso escapar, e gostaria que isso já me
engolisse inteira. Acabe comigo. Eu também gostaria de poder
dizer que é tudo por Ben, porque na minha cabeça é, mas não sou
apenas uma garota humana que só tem um coração e uma cabeça
para lidar.

Não, sou Gifted. Carregando algo mais profundo que só faz


sentido para outros como eu. Onde uma parte de mim literalmente
pertence a outra pessoa, assim como essa outra pessoa pertence a
mim. Encontrar essa pessoa e não tê-la... tê-la e depois perdê-la,
é o pior tipo de tortura.

Para os Giftless, corações partidos podem ser curados, mas


uma alma literalmente dilacerada? Não muito. Eu o odeio.

Odeio o quanto todo o meu ser dói por ele. É repugnante.


O olhar cheio de medo de Ben surge na minha cabeça e grito,
estremecendo um momento depois, quando as cinzas voam com a
rajada dos meus gritos.

— Porra! — Limpo o nariz sujo de ranho, ajoelho-me e passo


as mãos pelo chão, só que as cinzas grudam em pontos aleatórios
das minhas lágrimas e algo mais.

— Droga! — Entro em pânico. Se eu soubesse como usar


minha magia, isso não seria um problema. Poderia conjurar algo
ou lançar um feitiço ou sei lá! Talvez meu poder fosse a arte da
limpeza e pudesse salvar tudo o que me resta do Ben.

Não posso fazer isso, contudo, e não sei a extensão, ou a falta


dela, de minha magia porque os Deverauxs tiraram isso de mim.
Talvez eu devesse me sentir grata por não ter sido assassinada no
mesmo momento em que Temperance foi, por alguém, em algum
lugar, ter se atrevido a enfrentá-los para me poupar, mas não
estou.

Eu queria que eles tivessem me matado naquela época.


Gostaria de ter morrido naquele dia, onze anos atrás. Se eu tivesse
morrido, Ben ainda estaria aqui. Ele nunca teria me conhecido,
portanto nunca teria morrido por minha causa.

Choro ainda mais, rosnando contra tudo e todos, e caio de


volta no chão. Viro de costas, com as lágrimas caindo em meus
ouvidos e cabelos enquanto começo a tremer.

É tudo culpa minha. Tudo é minha culpa.

Temperance está morta.


Ben está morto.

Meu tio provavelmente está morto.

Meu companheiro e eu gostaríamos que um ao outro estivesse


morto.

— Porra. — Todo o meu ser treme e não aguento mais.

Estendo minha mão, tateando a bagunça até encontrar um


pedaço de vidro grande o suficiente, e depois fecho meu punho ao
seu redor, apertando até que sua lâmina se enterre em minhas
palmas.

Não sobrou nada para mim neste mundo ou no humano, e


mesmo que sobrasse, eu não iria querer isso.

Portanto, com uma forte sensação de dormência, levanto o


fragmento afiado e o arrasto do pulso esquerdo até a dobra do
cotovelo. Virando-me, agarro as cinzas de Ben, observando
enquanto meu sangue se mistura com elas, criando uma pilha de
mingau que não pode ser salva.

Eu não quero que seja salvo.

Quero morrer aqui mesmo ao lado dele.

Não quero sentir o buraco vazio que Knight nunca preencherá.

Não quero respirar o ar que é mofado em comparação a


quando ele está perto, só que eu não quero que ele esteja perto.

— Eu o odeio! Odeio todo mundo! — Eu choro.


Meus lábios se abrem e eu grito até não poder mais,
enterrando meu rosto nas mãos, depois batendo-as contra o chão
repetidamente até que o sangue não venha apenas das feridas que
criei, mas das novas que ganhei. Meus nós dos dedos estão
deformados, os ossos quebrados, meu corpo pesado demais para
segurar à medida que caio para trás, batendo a cabeça na beirada
da cama ao descer, mas não me importo.

Estou tão.

Cansada.

Porra.

A exaustão cai sobre mim como um cobertor quente e pesado,


e por um momento me pergunto se já é hora. A atmosfera de calma
parece uma dose de heroína, e tremo quando o gelo percorre
minhas veias como a própria morte me acolhendo em casa.

Por favor, que seja a hora...

— Como está minha pequena encrenqueira... — Acho que ouço


através do ruído branco batendo na parte de trás da minha cabeça.
— Que porra é essa?!

Meus olhos se abrem assim que alguém cai ao meu lado. Seu
rosto embaçado no início, mas depois os olhos azuis bebê estão
olhando para os meus. Estão selvagens, cansados... e há outra
coisa que não consigo nomear.

— Ledge?

— Sim, baby, aguente firme.


— Não. — Afasto-me, mas o movimento é interrompido,
balançando a cabeça. — O que você está fazendo aqui? Le... deixe-
me em paz.

— Não acontecerá. — Ele envolve os braços sob meu corpo,


levantando-me sem nenhum esforço, e me coloca na maldita cama
enquanto me examina mais detalhadamente. — Que porra é essa
em você?

— O que seu irmão deixou do meu melhor amigo — digo a ele,


procurando uma reação através das pálpebras pesadas. Ou ele não
dá uma ou meu foco está fodido demais para perceber.
Provavelmente o primeiro.

— Eu preciso levá-la a um curandeiro.

— Eu não quero ser curada. — Tento me livrar de suas mãos,


olhando para os cortes largos em meus braços, o sangue ainda
escorrendo sobre minha pele em ondas quentes. Eu levanto meus
olhos para ele teimosamente. — Eu quero morrer.

— Sim, bem, você não é humana, lembra? — Ele tira a camisa,


pressionando-a suavemente em meu rosto. — Vai precisar de mais
do que isso. Tudo o que está fazendo é se deixar fraca para que
outra pessoa termine o serviço ou algo pior.

Suas palavras me atingem com força, e começo a chorar de


novo, subitamente a versão mais fraca de mim mesma. — Então
faça! Mande sua mãe entrar. Aposto que ela gostaria disso, vadia
maluca.
— Pelo amor de Deus. — Ele me pega em seus braços fortes,
embalando-me contra seu peito.

— Eu não vou a lugar nenhum com você.

Ele me ignora e, quando se vira, minha cabeça rola para o lado.


Através da visão turva, observo o chão manchado de sangue, com
aglomerados confuso de cinzas e todos os cacos de vidro sobre o
mármore. Os respingos de sangue pintam as paredes como algo
saído de um filme de terror e a escuridão pesa sobre meu peito.

— Deixe-me aqui, Legend.

— Cale a boca, London — ele retruca, segurando-me com mais


força.

— Eu odeio você e sua família — digo a ele, mas o calor de seu


corpo me atrai para mais perto, por isso movo a camisa pendurada
em seu ombro, pressionando meu rosto em sua pele nua.

— Isso mesmo, baby — ele sussurra, seus lábios percorrendo


minha testa coberta de sangue. — Agora, vamos sair daqui, hein?

Há gritos e berros e depois... escuridão.

Um sorriso curva meus lábios porque finalmente.

Finalmente... o Grim Reaper 3 veio atrás de mim.

Estou pronta para ele me levar para casa.

Eu venci.

3
-Ceifador.
Acordo com uma batida tão forte que juro que alguém está
dando golpe após golpe neste momento. E devem estar usando
soco-inglês, porque essa merda dói pra caramba. Há um zumbido
em meus ouvidos e meus membros queimam como uma chama
que se enrola em torno do que resta deles.

— Ele te matará, cara — alguém diz.

Há uma zombaria e depois — Vá em frente, porra. Eu lidarei


com meu irmão.

O que... meu corpo se contrai.

— Ela está acordando.

O fogo fica mais forte, e grito, minhas costas se curvam. Meus


olhos se abrem e me levanto, mas meus ombros são empurrados
de volta para a superfície plana no mesmo instante. Minha cabeça
se vira para a esquerda e encontro Silver, com os olhos brancos
como um fantasma e os dedos cobertos de sangue. Olho para baixo
e vejo como ele os pressiona contra minha pele. Utilizo minhas
forças, soltando-me por um momento, e então o rosto de Legend
está acima de mim.

— London, se você não sentar, porra...

Eu lhe dou uma cabeçada com um rosnado. Minha cabeça


explode de dor enquanto mais sangue escorre pelo meu rosto, mas
eu sorrio loucamente quando a dor finalmente toca o vazio em meu
peito. O sangue escorre de seu nariz, pingando sobre meu rosto e
meu peito, e ele rosna de volta, derrubando-me.

O pânico se espalha por mim e meu corpo começa a tremer


como se tivessem me atingido com um taser de duas pontas com
força total.

Os olhos de Legend se arregalam.

— Você viu isso? — Silver sibila.

— Você está machucando-a?! — Ele grita.

— Bem... sim, cara. Dói antes de curar.

Cura. Silver está me curando.

— Não. — Puxo meu braço, mas no segundo em que ele se


move, é como se as chamas lambessem minha carne, e um grito
borbulha dentro de mim novamente. Algo é enfiado em minha
boca, então mordo com toda a força que posso, minha língua é
instantaneamente atingida por alecrim e gasolina. É uma mistura
tóxica que faz minhas papilas gustativas dançarem. Meus olhos se
abrem.

É Legend.

Um sorriso malicioso aparece em seus lábios, mas as rugas


nos cantos de seus olhos denunciam sua preocupação.
Preocupação comigo. — Morda se precisar, qualquer coisa para
calar você.

Afundo meus dentes ainda mais na carne de seu punho e ele


sibila, com um gemido misturado. Se eu estivesse pensando direito
no momento, reviraria os olhos, mas não consigo enxergar além da
dor... e ele meio que gosta disso.

— Quase pronto — Silver sussurra.

Obrigando-me a olhar, observo enquanto ele gira os dedos e os


pulsos de um lado para o outro, torcendo e virando, os dedos
tocando como se pressionasse as teclas de um piano. Lentamente,
os cortes profundos que ele reabriu começam a fechar até que tudo
o que resta são as manchas da bagunça que fiz. Seus olhos se
levantam para encontrar os meus por um momento, e então um
grito agudo sobe pela minha garganta à medida que ele quebra
todos os ossos das minhas mãos de uma vez, recolocando-as em
seguida.

A dor desaparece assim que as últimas partes de mim se


reconectam e meus músculos se enfraquecem com a fadiga.

Lentamente, Legend tira o punho da minha boca e o leva até a


dele, passando a língua pela carne até que o sangue desapareça.
Ele me imobiliza com uma carranca. — Eu deveria bater na sua
bunda.

— Vá se foder, e eu não pedi para ser curada. — Arranco


minhas mãos das de Silver quando ele estende a mão,
provavelmente para inspecionar seu trabalho.

— Knight me mataria se eu deixasse você morrer. — Silver olha


com raiva.

— Vadiazinha assustada...
— Não comece problemas comigo, baby. Você precisará de
mim um dia e...

— Você está delirando. — Eu fecho meus olhos.

— Seu corpo precisa recarregar.

— Recarregar — desdenho. — Eu não sou a porra de uma


bateria.

O telefone de alguém toca e depois Legend diz — Porra,


precisamos ir. Agora.

— Eu ficarei com ela mais um pouco e depois a levarei de volta.


— Silver oferece enquanto alcança meu queixo, suspirando
quando me afasto. — Ela não deveria entrar em um portal ainda.

— Ela não voltará. — Legend avança, levantando-me em seus


braços mais uma vez.

— Legend, você não pode...

— Sim, posso — ele interrompe Silver, segurando-me com


mais força.

Um momento depois, sou cegada pelas cores opalinas, meus


olhos se fechando, meu rosto virando para o seu peito. Uma onda
de náusea toma conta de mim, meu corpo gira como se saísse de
um passeio de merda na antiga feira do condado.

— Você está maluco, porra?! — Silver sibila.

— Sim. Estou.

— Ela não pode estar aqui, Legend!


Meu corpo estremece quando abro os olhos, percebendo que
já passamos pelo portal e estamos do outro lado.

Paredes vermelhas com redemoinhos pretos brilhantes


alinham-se no corredor, gigantescos castiçais dourados flutuando
ao lado delas e oscilando entre o fogo e a luz a cada passo que
Legend dá, apenas os primeiros um metro e meio à frente são
visíveis de cada vez.

O teto não é um teto, mas uma porta de entrada para o nada.


Nenhuma estrela brilha acima, nenhuma galáxia está ao nosso
alcance, apenas o ar da escuridão.

— Onde estamos? — Eu pergunto.

Está quieto. Muito quieto. Não há guardas à vista, nem um


único criado ou funcionário atravessando os corredores enquanto
passamos por eles.

Uma sensação de enjoo se agita em meu estômago, meu pulso


bombeia mais forte a cada segundo.

A cada passo dado, só piora...

Como antes, há uma batida no meu peito. Bem no maldito


centro. A pressão pressiona minha caixa torácica, mas é diferente
da sensação que tive no final da luta.
É mais forte. Mais profunda.

E isso está me puxando pra caralho. Tenho que olhar para


baixo para ter certeza de que minha carne não está rasgando a
porra dos meus ossos. Minha garganta começa a tensionar e
levanto a cabeça da pilha de informações espalhadas pela mesa
circular.

Creed olha em minha direção e Sinner olha feio por trás da


tela do laptop.

— O que foi? — Creed se recosta na cadeira com cautela.

Olho para o sofá, vazio, os arquivos que Legend examinava


abandonados ali.

Eu me levanto. — Onde está Legend?

Meus irmãos se viram e se levantam tão rápido quanto eu.

— Eu nem o ouvi sair. — Sinner vira para olhar para mim. —


Knight… não.

Engulo em seco. Porra. Isso não é o que parece, não é?

Senti alguma merda e então descobri que meu pai foi


assassinado. Desmembrado pra caralho.

Meu irmão também não. Pelo nosso pai, procuraremos o seu


assassino pelos malditos mundos.

Por nosso irmão?

Queimaremos todos eles até a morte.


Isso, porém... meu pulso bate mais forte até que ecoa nos
meus ouvidos. Meus pés se movem sem permissão, meus irmãos
na minha cola. Pouco antes de eu conseguir abrir as portas que
dão para o corredor, uma rajada de vento vem do outro lado,
arrombando as portas, sacudindo-as nas dobradiças.

Meu sangue gela e depois ferve, a visão enlouquecedora e


calmante ao mesmo tempo.

London.

Coberta de sangue e sujeira e pressionada contra o peito do


meu irmão.

Segurando-o. Tocando-o.

O ciúme queima profundamente em meus ossos, e minhas


mãos se fecham em punhos, cada parte de mim doendo para ir até
minha companheira. Para tirá-la de seus braços e tomá-la nos
meus, mas eu forço essa merda para longe, drenando-me da
fraqueza que ela me sangra só de estar perto. De existir.

Foda-se isso.

Foda-se ela.

— Knight — Creed adverte.

— Deixe-o — Sinner retruca.

Legend simplesmente continua avançando, o queixo erguido.


Silver se afasta para ficar fora disso. Como ele deveria, porra.

A raiva ferve sob minha pele e me estremeço no exato momento


em que ele se mexe.
Na velocidade da luz, ele a gira até que suas costas batam na
parede, girando novamente a tempo de pegar meu punho em seu
queixo.

— Que porra é essa?! — Eu grito, acertando-o com um golpe


de esquerda dessa vez, recusando-me a olhar para a garota que
caiu como um saco no chão. — Você tem muita coragem, irmão.

Ele não diz nada, recebendo meu terceiro golpe antes de


revidar.

Ele empurra meu peito e eu tropeço um único passo, dando


um salto para frente e derrubando-o no chão. Ele abre um portal
e me empurra através dele, e depois estamos batendo contra a
parede do outro lado do cômodo. Sua mão está em meu pescoço,
mas bato minha cabeça na dele, reabrindo uma ferida que já
estava lá, e o chicoteio, jogando-o no chão antes de pisar em sua
garganta.

— Chega — Creed grita. — Tire a vadia daqui e vamos voltar


ao trabalho.

Na minha visão periférica, Silver avança e minha cabeça se


move, olhando enquanto ele cai ao lado de London com
movimentos lentos e cautelosos.

É quando finalmente olho para ela de verdade.

Seu cabelo está coberto de sangue e o que parece ser sujeira.


O sangue em seus braços está impregnado nas roupas que ela usa,
e sua pele está pálida. Hematomas marcam seu rosto e braços e,
antes que eu perceba, estou de pé sobre ela.
Suas palmas estão pressionadas contra o chão, seus olhos mal
se abrem e a cabeça balança de um lado para o outro.

Silver estende a mão para tocá-la e ela levanta o braço, mas


depois seus olhos se arregalam e se chocam com os meus.

Ela suspira, seus lábios se separam.

Algo esmaga em minha palma e, quando uma mão pousa em


meu ombro, olho para encontrar Sinner. Seus olhos estão brancos
quando ele abaixa o queixo e seus dedos envolvem meu pulso.
Olho para baixo e encontro o pulso de Silver, o mesmo que foi para
ela em meu aperto, os ossos quebrados, sua mão dobrada na
direção errada. Eu o solto, dando um passo para longe e depois
outro.

— Explique — eu consigo forçar.

— Ela tentou se matar — revela Legend.

A dor me assola, meu peito se fecha enquanto um rosnado luta


para ser solto da minha garganta. Meu Ethos se agita, implorando
para ser libertado, mas preso sob a verdade sobre mim e a garota
diante de mim.

Ele quer ir até ela. Quer que ela o chame e o liberte.

Foda-se isso.

Ela não merece sua lealdade. Ela está tentando nos deixar.

Foda-se tudo isso.

— Silver a curou — finaliza Legend.


Os olhos de London estão mortos à medida que olham para os
meus. Nenhum sinal do fogo ou do atrevimento que eu passei a
desejar. A precisar, porra. Não há sinal de nada.

Ela está vazia, um saco oco de ossos quebradiços. Uma


bonequinha quebrada.

Exatamente como ela merece.

O ácido recobre minhas entranhas, mas a dor é bem-vinda.

Deixarei que me consuma por inteiro, se levar consigo o apetite


pela única coisa que meu corpo jura que eu quero, mas me recuso
a ter.

Eu me abaixo, travando meus membros quando ousam tremer


de raiva, ousando alcançá-la. Para consertar o que está quebrado.

Perco a batalha, e meus dedos deslizam ao longo de sua


têmpora, puxando seu cabelo de onde ele gruda no sangue ao
longo de sua cabeça e escovando-o para trás.

Seus olhos se fecham, provavelmente por acidente, e a visão


faz algo comigo. Por isso, forço a ponta das minhas garras dos
meus dedos e as deixo raspar sua pele.

Três pequenas gotas de sangue aparecem e espero que


estremeça. Que grite e chore de dor, mas ela não faz nada. Ela não
faz absolutamente nada.

Eu olho para ela, lentamente me levantando. — Se este é o seu


pedido por atenção, você desperdiçou sangue perfeitamente bom,
bonequinha. — Olho para Legend e depois para Silver. — Você
deveria tê-la deixado morrer.

E então me afasto, mas não antes de ouvir a voz dela. Invade


minha mente, e sem que ninguém possa ver, fecho os olhos para
ouvir.

— Eu te disse — ela murmura.

Meu melhor amigo dá uma risada e eu quero arrancar sua


língua. Quero sufocar a vida dela. Como ela ousa falar com ele
como se fossem amigos, mas não reagir a mim? Ela deve estar
queimando por dentro, como eu.

Acordando suando frio.

Procurando os cantos escuros de seus pesadelos. Ou talvez


não.

Talvez isso seja apenas comigo.

O destino testando minha força.

Eles levaram nosso Rei. Nosso pai.

Talvez eles a levem em seguida.

Meus joelhos dobram com o pensamento, e me apoio na mesa


antes de cair no chão feito um idiota.

Eu a odeio. Odeio o que ela fez comigo.

Eu odeio o que a verdade fez conosco.

Rosnando, atravesso as portas e espero meus irmãos


passarem. No momento em que passam, aproximo-me de Legend.
— Que porra você estava pensando? — Eu berro, lançando um
feitiço de barreira para que ela não possa ouvir como a cobra que
é. Dou um passo em direção a Legend. — Você a trouxe aqui?! Este
é um maldito santuário para a Royals. O lugar onde nem mesmo
os mais confiáveis são permitidos e você deixa uma vadia que
assassinou um de nós entrar?! Quem garante que ela também não
é responsável pela morte do papai?

Legend arqueia uma sobrancelha. — É meio difícil matar um


Rei quando você nem sabe como usar seus poderes.

— Talvez ela saiba, como você saberia? — Eu o empurro, mas


ele não se mexe, e então ficamos peito a peito. — Você acha que a
conhece melhor do que eu, irmãozinho? — A raiva irradia em cada
poro meu e não consigo impedi-la.

Legend sorri, e me aproximo, pronto para arrancar a porra do


seu coração. Ele está me provocando e gostando.

Sinner e Creed intervêm, afastando-me e Legend ri, caindo no


sofá de onde ele se esgueirou, folheando metade dos arquivos do
papai como se não tivesse tornado isso dez vezes mais difícil.

Eu me solto, empurrando meus irmãos para longe de mim e


olho para o meu irmão mais novo.

— Ela estava se espancando, porra. Cortou os braços do pulso


até o cotovelo, batendo a cabeça e os punhos no mármore até que
os ossos quebraram tanto que Silver não tinha certeza se
conseguiria recuperá-los sem um curandeiro de nível sênior. Ela
não come nem bebe nada há quatro dias e quer morrer.
Minhas entranhas se retorcem, torcendo, e juro que o monstro
dentro de mim crava suas garras na minha maldita carne por
dentro.

Os olhos da Legend encontram os meus com conhecimento de


causa. — Acabamos de perder nosso Rei, a porra do nosso pai,
Knight. Não podemos perdê-la também.

— Ela não é ninguém.

Ele balança a cabeça levemente enquanto se acomoda no sofá.


— Talvez, mas a fera tremendo em seu peito discorda. Ela fica até
que ele exija o contrário.

Virando-me, soco a porra da parede repetidamente até que ela


se transforme em uma pilha de entulho aos meus pés e meus
irmãos não dizem uma maldita palavra, porque, por mais que
todos odiemos isso, faz sentido.

Isto não é sobre ela. É sobre mim.

Posso não querer ela por perto, mas há uma parte de mim,
uma parte que não posso controlar, que quer, e a última coisa que
o povo de Rathe precisa é de um Royal desequilibrado no encalço
de um morto.

Minha mãe subirá aos céus esta noite para fazer o anúncio
para o qual não estou preparado.

Para dar o primeiro passo em direção ao que vem a seguir.

Eu não quero isso, mas não importa.

O Rei das Trevas está morto...


É hora de um novo.
Lentamente, meus olhos se abrem e, dessa vez, não estou
deitada no mesmo chão de mármore ensanguentado, mas em uma
cama com travesseiro e envolta em seda.

Minhas mãos vão até os olhos e os esfrego com força antes de


olhar ao redor do quarto.

É gigante e escuro, com objetos dourados caros por toda parte,


mas não me importo o suficiente para olhar mais de perto. No fim
das contas, é tudo a mesma coisa. Royal é isso, isto é o desperdício
de dinheiro.

Esses filhos da puta não durariam nem um dia no mundo


humano sem a colher dourada e mágica que receberam. Eles não
têm ideia de como lutar ou sobreviver por conta própria. Por isso,
são obrigados a frequentar a Rathe U por alguns anos depois de se
formarem em sua versão do ensino médio aqui em Rathe, e daí,
porra? Isso não lhes ensina nada.

Bem, pelo menos não os Stygians. Os Argents talvez, mas os


de Magia Negra?
Tudo o que isso faz é alimentar a sua sujeira. Eles encontram
humanos com quem querem brincar e brincam. Brincam até
ficarem entediados, e então passam para o próximo.

Eu achava que era apenas um brinquedo, e, droga, se não


estava disposta a isso em algum momento, mas agora aqui estou
eu. Deitada em uma cama de seda, com sangue seco por toda parte
e as mesmas roupas de quatro dias atrás.

Levantando meus braços sob os cobertores, inspeciono os


danos, mas não encontro nada além de linhas finas de onde os
cortes foram feitos. O ódio e a vergonha me enchem e eu desvio o
olhar.

Nunca fui suicida, e talvez não seja agora. Talvez eu tenha


pensado no fato de que sou um ser imortal e sabia que só doeria
por um tempo, mas no final eu ficaria bem.

Talvez eu não tenha pensado. Não sei dizer com certeza.

Levantando-me, passo os pés pela lateral, esperando que a dor


se precipite e me derrube, mas ela não vem. Estou totalmente
curada e isso é péssimo, porque a única dor que resta é do tipo
mental. Do tipo que esconde suas cicatrizes no fundo de sua
mente, onde ninguém mais pode vê-las.

Ao pensar nisso, minhas entranhas parecem encolher,


fazendo-me estremecer.

Tuuudo bem, então ainda é físico, mas terei que me acostumar


com isso, porque me recuso a permitir que a única pessoa que
pode parar essa parte específica da dor o faça. Não que ele faria
isso.

Ele prefere morrer, tenho certeza.

Quero dizer, isso não é uma má ideia...

Não. Ele só me matará primeiro e eu não quero que ele viva


essa sua fantasia. Não merece conseguir tudo o que quer, por isso
se alguém matará, sou eu.

Levantando lentamente, movo-me para a janela, mas quando


empurro as cortinas pretas para trás, uma pesada névoa cinzenta
aparece, girando e faiscando com raiva e dou um pulo para trás.

— Que porra é essa? — No entanto, conforme continua a


faiscar, algo dentro de mim se acalma, uma falsa sensação de
segurança se instalando sobre mim. Ainda assim, dou um passo à
frente novamente e, desta vez, deslizo a janela para abri-la.

A princípio, a fumaça me sufoca. Ela entra, rodopiando ao meu


redor, apertando meus pulmões até não restar mais nada dentro
deles. Nada além do sabor saboroso de ... seja lá o que essa porra
for.

Então ela se acalma, contudo, pressionando contra minha pele


como o travesseiro mais macio. Meus olhos se fecham por conta
própria, e minhas palmas se abrem, a fumaça se ligando às
minhas mãos como se quisesse segurá-las, e por um momento,
meus lábios se contorcem em um sorriso.

Finalmente, algo suave. Algo... amoroso.


Meus olhos se abrem com o pensamento ingênuo e fecho a
janela, tropeçando para longe dela.

A fumaça então fica furiosa, batendo no vidro com tanta força


que espero quebrar. Correndo para frente, fecho as cortinas e,
depois de um momento, o som para, mas não olho para ver se
desapareceu. Claramente, não devo ver o que está além destas
paredes. Na verdade, provavelmente não são nada além dos anéis
da porra de Saturno.

Virando-me, olho para o quarto impecável, ando até a cômoda


dourada e jogo tudo para fora com um movimento das minhas
mãos. Cristais caem no chão e, desta vez, sorrio e vou até a lareira
no canto. Pego as pedras de dentro dela e as arrasto pelas paredes,
arranhando e raspando cada centímetro que consigo alcançar.

Derrubo os criados-mudos e arranco as gavetas de seus


suportes, espalhando os conteúdos por todo o quarto. Destruo os
lençóis em seguida, rasgando os travesseiros e espalhando as
penas vermelhas dentro deles por todo lado. Pulando, corro de
volta para a lareira, procurando por um botão ou fósforos para
poder queimar esse lugar maldito até o chão, mas não há nenhum.

— Porque filhos da puta mágicos não precisam de tais coisas


para iniciar as chamas. — Sibilo, puxando meu cabelo enquanto
corro para a porta do banheiro.

É feita de vidro, por isso eu a chuto com a sola do pé descalço


repetidamente até rachar, e depois jogo meu ombro nela, pisando
no vidro, pronta para destruir tudo que estiver à vista. A primeira
coisa que vejo quando entro no espaço gigante feito de vidro puro
é o suporte no canto.

É o sonho molhado de um viciado. Garrafa após garrafa, sabe-


se lá do que, porque está tudo em decantadores de cristal, mas
quem se importa? Deve ser algo bom se está aqui.

Vou direto para lá, removendo as tampas e jogando-as para


trás.

Tomo um gole da primeira garrafa, balançando a cabeça


enquanto ela queima e depois bebo da segunda. A terceira, a
quarta e assim por diante. Passando as costas da mão na boca,
seguro uma garrafa com a outra, usando-a para derrubar as
demais no chão. Nem todas quebram, mas todas derramam, o
líquido rolando sobre meus dedos dos pés e além.

Em seguida, passo para a bandeja de cristal vermelho.

Pequenos recipientes de pó cheios até a borda, só posso


presumir que seja pó Fae. Alguns rosa, alguns azuis, alguns rosa
e azul, mas o último é o que eu escolho. O que não tenho tanta
certeza de ser como os outros. É vermelho, reluzente, e algo me diz
que é o mais forte.

Eu o aproximo do meu nariz, e meus olhos reviram para trás


com o cheiro delicioso, é como açafrão mergulhado em açúcar.
Coloco um pouco entre meu polegar e dedo indicador, lambendo
com um único movimento.

Meu corpo balança instantaneamente e eu respiro fundo,


expirando enquanto meus músculos relaxam. À medida que
minhas entranhas se transformam em mingau e vibram de
excitação. O vazio absoluto é um maldito presente, agora mais do
que nunca.

Ligo o chuveiro, tiro as roupas, uma peça de cada vez, e tomo


outro longo gole da garrafa. Eu balanço um pouco, um pequeno
sorriso entorpecido surge em meus lábios, mas quando me viro,
vejo meu reflexo no espelho de corpo inteiro, e tudo em mim
congela.

— Puta merda — ofego, aproximando-me do balcão.

Meus dedos tremem quando os levo até o rosto, vazio como se


não tivesse vida, minhas olheiras pretas como se eu realmente
estivesse tão morta quanto me sinto. O sangue em meus braços
não parecia tão ruim quando olhei para eles pela primeira vez, mas
neste espelho vejo tudo. Estão endurecidos, revestidos, assim
como minhas pernas.

Ainda há um corte na minha testa onde não permiti que Silver


terminasse de me curar. Sangue gruda em tufos do meu cabelo. É
fosco e escuro e... não é apenas meu sangue.

São cinzas e vidro e sim, um pouco do sangue de Legend


também.

Viro a cabeça, vendo os pequenos cacos brilhando logo antes


da linha do cabelo e, em vez de procurar uma pinça para removê-
los, pressiono as mãos sobre os pontos, esfregando-os e cravando-
os ainda mais. Esfrego até que estejam incrustrados sob a pele. O
sangue fresco escorre em gotículas minúsculas, pequenas demais
para cair, mas não pequenas demais para serem vistas. É quando
meus olhos descem para o ponto em meu pescoço.

Marcas de dentes, profundas e orgulhosas na pele.

Meus dedos roçam o local e um arrepio percorre meu braço,


através do meu corpo até que todos os nervos dentro de mim
estejam acesos. Meus olhos caem para minhas coxas e eu as abro,
olhando para a marca ali também. Está reluzente, parecendo
vibrar sob minha pele, ou talvez seja meu peito.

Estou rosnando?

Agarro minha garganta, sentindo as vibrações ali e


escondendo a marca. Minha palma treme e fecho os olhos
enquanto um arrepio percorre minha espinha, mas assim que faço
isso, eu o vejo.

Sombrio e mortal. Forte. Consome tudo e altera a vida. Seguro

— Não. — Balanço a cabeça, forçando minhas pálpebras


abrirem. — Porra, não.

Eu o vi no corredor. Sua camisa estava amassada e


desabotoada, como se ele tivesse passado a noite me tirando do
sistema com alguma vadia sem sentido e não tivesse se dado ao
trabalho de trocar de roupa. Seus olhos também estavam pretos,
provavelmente por causa da falta de sono e de alguns favores reais
e mágicos. E mais uma vez... uma maratona de sexo.

Sinto uma pressão no peito ao pensar nisso, mas mordo a


bochecha para bloqueá-la. Olhando para a sua marca em minha
pele. Seu selo.
Sua reivindicação de sua companheira antes de sua rejeição.

— Vá se foder, Knight Deveraux — digo. — Eu mesma cortarei


você da minha pele.

Com esse pensamento, pego a garrafa em uma mão e um saca-


rolhas na outra.

Mamãe se prepara para se dirigir às massas, o céu se


iluminando à medida que ela aparece dentro dele como uma
grande projeção ao vivo para sua proteção.

Seu anúncio está sendo transmitido por todo o reino; um farol


de emergência floresceu no céu alertando a todos que algo estava
por vir. O farol não é usado há séculos, por isso não há dúvida de
que nosso povo espera ansiosamente para ouvir o que a Rainha
das Trevas tem a dizer. Garanto, porra, está prestes a ser a última
coisa que esperavam ouvir esta noite.

Provavelmente pensam que estão aqui por causa dos ataques


contínuos às propriedades reais. O último matou quatro Fae que
nem deveriam estar trabalhando naquele dia, mas foram
chamados de última hora.

Meus irmãos e eu estamos sentados juntos ao redor da mesa,


observando através de um monitor espelhado que Creed conjurou.
Ele flutua entre nós, as bordas brilhando em um azul profundo
que mudará para vermelho quando ela abrir a boca para falar.

Nosso povo não poderia estar mais errado sobre o motivo pelo
qual foram chamados esta noite, e mamãe não perde tempo. Como
sempre, ela enfia a faca sem hesitação.

— O Rei está morto. — Ela fala com a força de uma Rainha,


segurando-se para seu povo.

Nós encaramos em silêncio e a tensão sobe pela minha


espinha, sabendo que cada casa, camada e fortaleza nestas terras
estão igualmente silenciosas neste momento, suas palavras sem
dúvida enviaram uma onda de choque através da comunidade de
Gifted.

— Em nome dos demônios que guardam essas paredes,


prometo que esta pessoa será encontrada e sua execução pública
para todos nós desfrutarmos. — Mamãe faz uma pausa como se
houvesse uma multidão lá embaixo, e ela consegue ouvir seus
aplausos.

Sinner zomba ao meu lado, servindo outra rodada de uísque


para cada um de nós. — Ela adora esse jogo, não é?

Concordo com a cabeça distraidamente, observando as ruas


escuras de Rathe, esperando que a pessoa responsável pela morte
de nosso pai apareça.

— Não vamos esquecer que nossa perda também é nosso


ganho. — A mão de minha mãe se levanta, estendida para a galáxia
acima, e sinto uma carranca crescendo em meu rosto.
Estendendo a mão, Creed afasta as telas e observamos
enquanto elas se transformam em nada além de fumaça que se
dissipa acima de nós.

— O que você acha que ela dirá? — Sin pergunta.

— O que mais ela pode dizer além da verdade neste momento?


— Creed encara o nada, totalmente ciente de que essa é a opção
menos provável.

— Ela planeja matá-la, não é? — Legend cruza os braços.

Meu coração aperta, mas me estico além dele, forçando o


sentimento a desaparecer.

— Tenho certeza de que a Little Slasher já deveria estar morta,


considerando como ela agiu quando Creed a expôs na frente de
todos — Sin resmunga com raiva. — Alguém foi desleixado quando
deveria ter cortado a porra da cabeça dela como d...

— Não — vocifero antes que eu queira, minhas narinas


dilatando enquanto tento me controlar.

Pressiono as palmas das mãos nos olhos e rosno.

Eu não quero ser a porra do Rei, e com certeza não quero


alguém aleatório ao meu lado.

O problema? Isso não é uma escolha. É o caminho.

É o que é e não há como mudar isso. E com a morte de nosso


pai, o pouco tempo que eu teria para me conformar com tudo isso
não existe mais.
Sou o próximo Rei das Trevas e, em Rathe, um Rei não pode
governar sem sua Rainha.

Como se essa palavra por si só a conjurasse, o vínculo


esfarrapado entre nós se estreita.

Sei que, assim que ela se aproxima, o maldito e estúpido


vínculo com o qual fui amaldiçoado se agita com vida, forçando-
me a apertar o estrangulamento que sou continuamente forçado a
manter, mas estou fazendo isso há dias, há mais tempo se
contarmos todas as vezes que lutei com ela antes de saber a
verdade.

Isso está me enfraquecendo. Meu dom não consegue se


recarregar totalmente porque está em constante estado de uso.
Minha pele se arrepia e minhas entranhas ardem, implorando para
que eu vá até ela, para tocá-la, abraçá-la e fodê-la, mas que se foda
ela e esse vínculo que acha que está no controle. Não está.

Nunca estará.

Não pode estar, porra.

Forçando meus olhos a permanecerem focados na frente,


ignoro a sensação de esmagamento dos ossos para ir até ela e finjo
que não noto os olhares de suspeita de meus irmãos.

Mordo minha língua, o sabor de canela do meu sangue enche


minha boca e deixo que escorra pelos cantos dos meus lábios.

Instantaneamente, no exato momento em que toca o ar, a


cabeça de London se inclina para este lado. Sinto seu olhar como
o toque da língua de um dragão. A queimadura, os cortes afiados
que parecem se arrastar pela minha pele.

Meus membros tremem com necessidades demais para serem


citadas e, como sempre acontece quando se trata da maravilha de
cabelos brancos, perco a porra da batalha.

Meus olhos se arregalam. Seus olhos de vidro se fixam nos


meus e minha pulsação dispara em meu peito.

Minha. Cada centímetro. Cada pedaço, porra.

Não! Que merda!

Minha mandíbula treme ao olhar para a vadia que roubou meu


futuro. Minha irmã. A porra da minha sanidade.

Você pagará por tudo isso, Little London.

Um sorriso se insinua em seus lábios, sua cabeça se inclina


como a pirralha que ela é, e eu quero arrancar seus lábios de seu
rosto impecável. Fodê-la um pouco. O sangue que a cobre não
ajuda a esconder sua beleza. Na verdade, é exatamente o oposto.

É então que vejo o que não vi antes, o que a raiva bloqueou.

London está entrando aos tropeções no cômodo onde meus


irmãos e eu estamos sentados, nós quatro olhando para ela...
completamente.

Porra.

Nua.
Então, ela para, levanta a perna e a abre até ficar bem aberta
diante de nós, com o pé equilibrado na borda do sofá.

Eu a absorvo, com água na boca e o peito roncando ao ver sua


boceta exposta. Sua mão desliza ao longo de sua coxa e sigo seus
dedos minúsculos até o ápice de sua coxa. Em direção à minha
marca.

Uma faísca se acende sob minha pele e meu pau endurece,


minha língua correndo ao longo do lábio inferior enquanto a
observo acariciar o local, e juro que sinto seu toque dentro de mim.

Bem abaixo de minha carne e osso, ela acaricia o monstro com


cada toque de seu dedo. Sua mão desliza para cima, os dedos
escorregando entre suas pernas.

Um gemido baixo soa, mas não é meu. Vem do meu lado,


rompendo a luxúria.

De uma só vez, nos movemos. Eu me viro e meus irmãos


pulam de suas cadeiras, rapidamente colocando distância entre
nós antes que eu arranque seus olhos da cabeça.

Eles não podem olhar para ela. Ver a sua boceta que me
pertence.

Eu rosno na direção deles, virando a cabeça para olhar a fonte


do problema.

— London — vocifero, meu queixo encostando no peito.

As portas atrás dela se abrem e Silver entra correndo.


— Ela está... — Ele para bruscamente ao ver sua bunda nua.
— Oh, merda.

— Sim, tarde demais — Sin ri enquanto Legend grita — Silver,


corra!

Os olhos de Silver, cheios de pânico, encontram os meus e,


cautelosamente, ele dá um passo lento para trás. — Knight...

Meus lábios se curvam e sinto meu dom vir à tona. Antes que
eu perceba, estou me movendo na velocidade da luz, com sua
garganta presa em minha mão e o corpo erguido no ar. Aperto,
esmagando sua traqueia, meus lábios se separam com um
grunhido.

— Eu...

Uma risada rouca e bêbada me faz piscar e, lentamente, olho


por cima do ombro.

Ela está sentada no sofá agora, com as pernas esticadas ao


lado do corpo em uma porra de abertura completa, a boceta
exposta e molhada.

— Porra — Creed diz de algum lugar, e quando todos estão


diante de mim, libero Silver, a quem seguro apenas pela metade
agora.

— Qual é o problema, meu Lorde? — Ela passa os dedos pelos


lábios de sua boceta. — Você não me quer. Eu não quero você...
portanto por que não posso tê-los? Só tenho três buracos, mas
aposto que podemos ser criativos no quarto. Especialmente com
a... imaginação de Sinner.
Eu corro em sua direção, mas sua mão vai rapidamente até
minha marca em seu pescoço e paro, as sensações de antes me
inundando.

Desejo. Necessidade.

Caralho, consigo sentir meu pau envolto em seu calor. É como


se eu estivesse dentro dela aqui e agora.

Ela ri novamente. — Sim, esse é um truquezinho sacana que


aprendi por acidente.

— Eu vou te matar — forço entre dentes cerrados, desejo


inundando cada porra de veia minha, olhos colados na forma
rítmica como ela esfrega minha marca em sua pele acetinada.

Minha marca.

Minha. Porra!

Ela bebe mais uísque, a porra do líquido dez vezes mais forte
do que o que está acostumada. — Aposto que este é o seu favorito...

Seus dedos, revestidos de sua excitação, traçam minha


mordida em sua coxa e algo bate em meu peito.

— Sim, é, não é? — Ela olha para baixo. — Uma mordida tão


perfeita. Marca perfeita.

De repente, ela agarra algo de trás dela, um grito alto rasgando


sua pele ao mesmo tempo que o esfaqueia no centro do lugar onde
eu a reivindiquei primeiro.

Eu caio de joelhos, os outros gritando em estado de choque ao


meu redor.
— Que porra é essa? — Sinner avança.

Os dentes de London cerram e ela chora enquanto puxa o


saca-rolhas, enfiando-o de volta na carne uma e outra vez.

— Pare-a! — Creed grita, mas Legend está lá, tentando


alcançá-la.

Antes que eu saiba o que estou fazendo, ele é lançado por cima
das minhas costas e jogado no chão.

Girando, os olhos selvagens e sem sanidade, estendo minha


mão para matá-la, aqui e agora, mas a cabeça de London se ergue
e ela estende a mão.

Meu corpo surge no ar, pernas e braços esticados enquanto


voo para trás até que minha cabeça e minhas costas batam na
parede do lado oposto da sala. Nada menos que dezoito metros,
porra.

— Porra — Creed explode, indo em sua direção, mas ela fica


de pé, com a cabeça jogada para trás como se estivesse possuída,
e porra, talvez esteja. Seus ossos quebram sob sua carne enquanto
ela uiva para o ar.

— Merda! — Legend se levanta.

As janelas vibram, o vidro balança e cai no chão, e quando


Creed toca sua pele nua, sua cabeça gira em sua direção.

Ela range os dentes para ele, os olhos completamente pretos.


É o suficiente para fazer Creed parar e ela rir. É sombrio,
ecoado na morte e na destruição. Ela ri maniacamente antes de
pegar o maldito saca-rolhas e enfiá-lo no pescoço.

Eu cambaleio de dor, a raiva corroendo meus sentidos. Ela se


debate então, pulando e atacando Creed. Ele se esquiva, desviando
do golpe dela com a garrafa de cristal, mas quando ele volta, ela
consegue acertá-lo na cabeça.

Sangue jorra de suas orelhas e ela ri novamente, virando-se


para Sinner.

Os olhos de Sinner brilham brancos em um instante, seus


lábios se movem enquanto ele cria uma ilusão, mas ela sorri, de
alguma forma vendo através disso. Ela mergulha da borda em que
ele a deixou, rindo à medida que cai em direção à lava fervente
abaixo. Quando ela emerge à superfície, fixa os olhos nos dele e o
arrasta para baixo com ela, afogando-o em seus próprios truques.
Lentamente, a ilusão desaparece.

— Acabe com ela — Silver entra em pânico. — Ela está... isso


é...

Eu me levanto, chegando por trás dela e segurando sua cabeça


em minhas mãos. Ela rosna, arranhando meus olhos até que o
sangue penetre em minha visão.

— Knight — Legend avisa com um grito.

Sinto raiva por dentro, mas olho para meus irmãos, para o
choque e a preocupação em seus rostos.

Volto-me novamente contra minha própria alma.


Eu quebro a porra do seu pescoço e ela cai no chão.

Ela morre pela terceira vez.

Porra.
O álcool não tocou as bordas do meu estresse, nem o pó Fae,
mas fiquei quieto. Sem nada além do que eu sabia que estava
acontecendo. As luzes piscaram ao som de uma música mortal
enquanto eu levava lentamente a garrafa de líquido azul à boca,
permitindo que a potência queimasse meus lábios antes de engolir.
Sibilo através do rastro de fogo que deixa, até que finalmente se
instala em minhas entranhas.

— Você sabe que essa merda pode te matar, Knight.

— Eu não — sibilo, mantendo meus olhos fixos no teto.


Ganchos aparafusados, onde a corda se conecta e balança para as
dançarinas.

A Maga deve ter entrado na minha cabine – a cabine mais


escura do clube – porque sua voz soa mais perto. Ao piscar através
da névoa, fica óbvio como meu processo de pensamento está
atrasado.

No entanto, eu não me importo.

Preciso de respostas e sei que não vou obtê-las esta noite,


portanto, esta noite, beberei. Por ele.

Para ela. E por causa do quanto a odeio.


Jesus. Estou fodido.

— Ora, ora, meu Lorde... — sua voz é baixa e finalmente tiro


minha atenção do teto e a direciono diretamente para ela. Zhara é
o tipo de Maga que se pega imaginando como ela se sentiria bem
ao redor do seu pau. Não precisei me perguntar muito, já que a
coloquei de costas mais vezes do que pude contar.

Particularmente? Médio.

Ela joga seus longos cabelos negros por cima do ombro, os fios
brilhantes batendo na luz estroboscópica toda vez que ela pisca.
— Eles já sabem alguma coisa sobre a morte do rei? — Sua cabeça
se inclina para o lado, e eu observo quando seus dedos começam
a bater na mesa. Ela está inquieta.

— O que quer que queira dizer, desembuche.

Silêncio. Então ela se aproxima e tira a garrafa de álcool de


mim, levando-a aos seus lábios cor de vinho e dando um longo
gole. — Não tenho nada a dizer. — Ela passa o polegar na parte
inferior do lábio. — Por enquanto.

— Mas — eu digo, forçando minha boca a se abrir quando ela


me devolve a garrafa para eu tomar outro gole.

— Mas, sinto algo.

Meus olhos se desviam por cima do ombro dela para a porta


da frente, que se abre ligeiramente e uma pequena figura usando
um capuz passa por ela, indo para a outra extremidade do bar. A
garota puxa um banco e desliza por cima. Eu me pergunto se ela
tirará o capuz.
— Knight?

— O quê? — Eu volto para a Maga. — Desembucha. Não estou


com disposição para adivinhações.

Ela se aproxima de mim e me inclino para trás, precisando de


distância. — Se você está aqui por causa do meu pau, Zhara,
sugiro que vá a outro lugar, porque tudo o que lhe darei esta noite
é um desejo de morte.

Ela ri, sua cabeça se inclina para trás antes de se fixar


novamente em mim. Não posso me deixar enganar por seus
truques esta noite, por isso me viro de volta para a jovem para ver
se ela já tirou o capuz, mas o assento em que ela estava está vazio.

Engolindo o resto da minha bebida, deslizo para fora da


cabine, precisando de distância entre mim e essa realidade fodida.
Primeiro o rei, depois a briga com London. A maldita vadia teimosa.
Sempre que ela está com raiva, tudo o que imagino é minha mão
em sua garganta e meu pau em sua boca. Nessa ordem.

— Espere! — A mão da Maga me detém ao apertar meu braço.


— Knight…

Olho para ela uma última vez, observando como a cor de seus
olhos se transforma em um branco opaco.

— Há... fogo. E neve. Frio... muito frio... mas... muito quente?

Eu forço meu braço a sair de seu aperto. — Mais uma vez você
provou que seus lábios não valem merda nenhuma.
O rei está morto. O Rei está morto e ninguém me contou. Tive
que descobrir ouvindo os guardas e seu chefe enquanto trocavam
alguns deles de lugar no último minuto. Deve haver centenas deles
marchando para cima e para baixo nesses corredores, seus passos
silenciosos, sem nenhuma prova de sua presença além da visão
deles.

Não sei ao certo o porquê dói saber que os rapazes não me


contaram, mas por que contariam? Não sou um deles... não que
eu queira ser.

No entanto, o Knight deve ser...

Não.

Cerro os dentes. Foda-se o Knight.

O Rei provavelmente mereceu, mas até mesmo uma garota


criada no exterior pode entender a seriedade de tal ato. Não tenho
certeza do que um lugar como este faz quando algo desse calibre
os atinge, mas sei que não pode ser bom.

Suspirando, mantenho meus pés em movimento quando só


quero cair no chão e ficar sentada ali para sempre.
Os guardas encarregados de me levar por um monte de
corredores vazios param e a parede de pedra à nossa frente
desaparece, uma porta se materializa em seu lugar.

Os quatro homens vestidos de preto, com uma espécie de


máscara de esqui sobre o rosto, deixando apenas os olhos visíveis,
endireitam-se, seus corpos completamente sincronizados,
tornando-se anormalmente rígidos ao darem um passo para o
lado. De costas para a parede, eles olham para frente, vendo tudo,
mas não olhando para nada.

Era o que meu cérebro treinado por humanos chamaria de


manhã quando acordei com os gritos dos irmãos Deveraux do lado
de fora do quarto em que me trancaram – algo que eles parecem
gostar muito, por algum motivo.

Tive tempo de vestir a calça jeans e o moletom que encontrei


na cômoda, usar o banheiro e passar uma escova no meu cabelo
emaranhado antes de a porta finalmente girar nas dobradiças,
revelando Creed do outro lado. Ele olhou fixamente, sem dizer uma
palavra, enquanto vinha em minha direção, mas percebi os passos
cautelosos que ele tentou não dar ao se aproximar. Não demonstrei
ter notado, mas por dentro senti uma pontada de satisfação que
logo foi embora.

Ele veio em minha direção, cuspiu algumas palavras que não


consegui entender e então estávamos aqui. Ou eu estava aqui, na
porra do prédio do Ministry.

Só que desta vez não fui jogada em uma jaula como uma Gifted
malvada.
Não tenho ideia do que há do outro lado desta porta, mas
conforme minhas palmas começam a suar e meu pulso a acelerar,
tenho uma pequena ideia.

— Se espera que alguém abra a porta para você, sugiro que


pense novamente, Ordinary.

Ordinary, certo. Não sou mais a garota Giftless. Sou quase


pior.

Uma comedora de restos em meio a um bando de tubarões.

Ordinary porque não viram nenhuma prova de poder


significativo e não têm nenhuma linhagem à qual me vincular.
Afinal, sou apenas uma garota perdida e Giftless que encontrou o
caminho de casa.

Eu soube no minuto em que o Elder, um conselheiro que se


apresentou como Odin, líder dos Monsters, se dirigiu a mim como
“London” quando acordei naquela cela no primeiro dia, que a
Família Royal não havia revelado tudo. Tenho uma suspeita
sorrateira sobre o porquê, mas honestamente? Que porra eu sei.

Claramente, não o suficiente.

Olho para a mulher ao meu lado. Ela parece ter a minha idade,
mas deve ter quatro vezes mais se – fala pelo monstro de Rathe –
como afirmou quando se apresentou. Seja lá o que isso signifique.
Ela tem mais de um metro e oitenta de altura, portanto trinta
centímetros mais alta que eu, com olhos vermelhos ardentes e
cabelos combinando. É longo e elegante, assim como seu pescoço.
Sua mandíbula é um pouco afiada e se ela estivesse no mundo
humano, as pessoas veriam unhas compridas, mas as pontas
afiadas que se estendem das pontas dos dedos não são unhas. São
garras.

E estão pintadas de rosa.

Não tenho ideia de que tipo de monstro ela é olhando-a, mas


a maneira como ela continua olhando para meu pescoço me dá
uma pequena ideia.

— Sabe, você não se parece uma Victoria. — Aperto meus


lábios para o lado, meu olhar percorrendo seu comprimento. —
Mais como... uma vadia.

A mulher se inclina para frente, mas no momento em que ela


se move, os guardas também se movem.

O rosto da mulher fica inexpressivo e ela olha para frente,


então reviro os olhos e pego a maçaneta. Minha pele arde
instantaneamente.

— Porra! — Eu grito, olhando para a palma da minha mão e


para a pele carbonizada pendurada ali. Olho para a queimadura
quando nove letras brilham de volta.

Rejeitada.

Minha cabeça vira na sua direção, bem a tempo de captar seu


sorriso, não que ela tente escondê-lo.

Rejeitada?

Meu coração bate forte no peito.


Victoria passa por mim, aproximando seu rosto do meu. Ela
olha nos meus olhos enquanto passa a língua pelos lábios
inferiores. — Meu erro. Esperemos que haja um curandeiro em
algum lugar que seja corajoso o suficiente para tocar em você ou
isso doerá por um tempo.

Corajoso o suficiente?

Eu não tenho tempo para pensar nisso, pois Victoria tem meu
rosto nas palmas das mãos um segundo depois e seus olhos
vermelhos começam a girar com prata. — Vou tirar suas restrições
mágicas e você se comportará como uma boa Gifted. Você não
falará. Não correrá. Mais importante ainda, se tentar usar magia,
fritará de dentro para fora.

Uma pequena carranca começa a se formar ao longo de


minhas sobrancelhas e, sinceramente, eu quero rir porra, mas
então ela pisca, um sorriso orgulhoso aparecendo em seus lábios,
e percebo... ela está falando sério.

Ela espera que eu ouça. A curiosidade invade minha mente,


por isso decido lhe dar o que ela quer, balançando a cabeça como
uma boa Gifted.

Suas mãos pairam sobre meus pulsos e as luzes vermelhas,


semelhantes a lasers, que se enrolam ao seu redor, criando o que
parece um loop infinito, ficam azuis. Do azul, desvanecem para o
preto, e depois tudo que resta é uma nuvem de fumaça
desaparecendo.
Esfrego meu pulso esquerdo, sibilando pelas queimaduras que
as restrições deixaram para trás, mas não é nada comparado à dor
na palma da minha mão.

Finalmente, ela abre a porta, mas tudo que consigo ver do


outro lado é escuridão.

Respirando fundo, dou um passo à frente, mas então algo bate


em meu peito.

Ele bate, agita-se e gira, e eu sei.

Meu companheiro está do outro lado daquela porta... e está


furioso.

Ótimo. Isso faz de nós dois, porra.

Mais uma vez, sei quando ela está perto, mas desta vez não é o
vínculo que faz todo o meu ser formigar. É o cheiro do sangue dela.

Minha cabeça se vira na sua direção no exato momento em


que a dela faz o mesmo comigo; é como uma reação instintiva que
não conseguimos controlar.

Sua coluna enrijece e suas mãos estão cruzadas atrás do


corpo.
Instantaneamente, meus olhos percorrem cada centímetro
dela, procurando pela brecha em sua pele que está enviando seu
cheiro direto para meus pulmões e descendo até a porra do meu
pau, mas não consigo encontrá-lo, o moletom e o jeans escondem
quase cada centímetro de seu pequeno corpo.

Leva apenas uma fração de segundo para ela perceber que não
sou o único aqui e, lentamente, ela olha para frente.

Seus olhos se arregalam enquanto ela olha para as pessoas


abaixo e dá um pequeno passo para trás. No segundo em que seu
pé se move, Victoria, um dos animais de estimação do Ministry, a
empurra para frente. É preciso todo o esforço que posso reunir
para manter os pés no lugar.

Os músculos das minhas pernas se contraem e puxam, mas


me espreguiço apesar da dor, negando a parte de mim determinada
a chegar até ela, e foco em minha mãe à frente.

Ela levita sobre a beirada da varanda sem bordas com vista


para a ponte que separa nosso reino; seu vestido vermelho
balançando ao vento da meia-noite fazendo-a parecer um
verdadeiro pesadelo.

Sua última mensagem foi grave e ela está aqui parecendo uma
viúva malvada, mas não é nada diferente do normal, exceto pela
fúria em seus olhos.

Os Elders desaconselharam o nosso conclave esta noite; disse


que era perigoso, considerando que o assassino do meu pai ainda
andava pelas nossas ruas, e isso é apenas mais uma prova de que
o Ministry nos torna fracos.
Esqueça que ele é nosso pai por um minuto.

Nosso Rei foi assassinado, porra. O Rei.

O homem que nasceu com o único propósito de seu papel e


dever. Que passou a vida inteira servindo e falando pela nossa
espécie. Para os Stygians e os malditos Argents, se eles viessem
pedir um pouco de ajuda para pintar uma massa cinzenta de preto.

É quando nosso povo, os verdadeiros e dignos Gifted, se


reúnem mais.

Estamos putos, famintos por vingança. Para obter respostas,


mas é mais do que isso. É uma questão de destino.

Somos feitos do Destino. Destino de um Royal, ou era o


Destino de um Faux?

O Ministry disse que as pessoas não sairiam esta noite e nós


também não deveríamos.

Eu sorrio para mim mesmo.

Mostra o quanto eles sabem.

O corredor está cheio, Argents e Stygians estão lado a lado, até


onde os olhos podem ver, enquanto esperam pelo que sabem que
está por vir, mais uma vez sendo atingidos por algo que não
poderiam ter previsto.

Imagino que toda vez que os Argents são chamados, é com


medo e incerteza que viajam para cá, sendo o mesmo caminho que
eles descobriram a morte de sua própria Família Royal séculos
atrás, seguido pelo choque de um Ministry se formando em seu
lugar, e a recusa de nosso pai em renunciar ao seu título.

E por que diabos ele faria isso?

Ele era o maldito Rei das Trevas, e com razão.

Nunca nos curvaremos ao chamado Ministry. Não nos


curvamos naquela época e com certeza não nos curvaremos agora.

— Após a morte de um rei, o decreto real declara que o trono


das trevas passará para o filho primogênito… — ela vira a cabeça,
olhando para a esquerda da multidão. — No entanto, também
afirma que um rei concederá sua coroa ao primeiro de sangue real
a desbloquear seu Ethos por meio de uma companheira. Meu povo,
o Rei Arturo estava preparado para fazer exatamente isso antes
que um traidor tirasse sua vida.

Leva apenas alguns instantes para que os sussurros


comecem, ficando cada vez mais altos a cada segundo, mas se
acalmam quando ela abre a boca mais uma vez.

Erguendo o queixo e estendendo as mãos, mamãe continua.


— Estou diante de vocês hoje para anunciar que há um novo Rei
das Trevas no horizonte.

Nosso povo depende de cada movimento dela. A cada


respiração dela, por isso quando ela se vira, olhando por cima do
ombro, seus olhos encontrando os meus, eles a seguem... mas no
ângulo deles, não conseguem ver em qual de seus Lordes o olhar
de sua Rainha recai.
Portanto, eles esperam, olhando extasiados enquanto um
tapete vermelho aparece.

A espessa e brilhante crina do monstro que esfolou as próprias


costas para essa honra hoje começa não mais longa do que o
comprimento do meu taco de hóquei, mas à medida que meu
sapato toca a pele, ela cresce, subindo mais alto no ar a cada passo
que dou, criando escadas invisíveis. Sobem cada vez mais alto no
ar noturno, até que estou acima de minha mãe. Até que eu esteja
acima de todos.

Cerro os dentes até que haja um estalo profundo.

Nunca em minha vida ouvi um silêncio tão verdadeiro, e um


segundo depois nunca vi rugidos tão intensos.

O povo se alegra, seu amor por meu pai é instantâneo e sem


culpa passando para seu filho escolhido. Porque aos seus olhos...
o destino nunca erra. Para eles, este momento significa que fui
escrito nas estrelas e abençoado pelo sangue dos nossos
antepassados há muitas vidas, mas eles não sabem o que eu sei.

Que minha companheira, meu vínculo... é uma besteira.

Há duas coisas que quase todos os Stygians têm em comum.

Eles amam sua espécie mais do que todos.

E odeiam o The Slasher mais do que qualquer outro.

Essa é apenas uma das muitas razões pelas quais minha


companheira não pode ser.
Mamãe se levanta, sem ficar ao meu lado enquanto a multidão
observa. Lentamente, sua cabeça gira em minha direção, seus
olhos encontrando os meus. Ela abaixa o queixo e espera.

Meus olhos se movem para trás, fixando-se nos de London


enquanto ela se mantém o mais longe possível na sacada na
tentativa de se esconder.

Suas feições estão marcadas pela tensão, muitas emoções


para contar passam por seu rosto enquanto seu olhar prende o
meu. Suas mãos caem ao lado do corpo e minhas sobrancelhas se
juntam com a visão.

Meus lábios se curvam, minha cabeça gira, mas limpo o ar dos


meus pulmões, apagando o seu cheiro.

Nem preciso olhar para meu irmão, ele age por conta própria.

Sinner corre até ela, agarra-a pela camisa e a joga pela borda.
Antes que ela perceba o que está acontecendo, ela cai em queda
livre no chão, a uns 22 metros de distância.

A multidão suspira, provavelmente os Argents, aqueles filhos


da puta fracos, e seu grito perfura o ar enquanto ela continua
caindo para a morte – o som puxando cada nervo do meu corpo.

Minha mãe ri ao meu lado e, pouco antes de London atingir o


chão, seu corpo para bruscamente.

Olho por cima do ombro e encontro os olhos de Legend


fechados, sua boca se movendo enquanto manipula o ar para
salvar a traiçoeira Gifted.
Sabia que ele seria o único. Gosta de agir como se não fosse
tão calculista quanto Creed, mas é. Ele usará isso a seu favor,
tenho certeza.

— Chega de brincadeira, filho — minha mãe avisa baixinho.

Levantando o queixo, vou direto ao ponto desta reunião.

— O destino está me testando — digo a eles. — E eu não


falharei. Minha Rainha deve ser digna de sua coroa, e aquela
garota diante de vocês, fraca e pairando acima de vocês, sem a
menor ideia de como escapar do simples feitiço que a prende ali,
não é.

Os olhos de London encontram os meus e olho diretamente


para eles. — Eu rejeito seu vínculo, London Crow. Que você queime
como seus ancestrais.

Cada palavra é como veneno rolando pela minha língua.


Minha garganta ameaça fechar, meu coração martela
descontroladamente em meu peito, ameaçando rasgar a carne e se
jogar aos pés dela, nem que seja para que ela o pegue e acaricie
com seu toque suave.

A multidão começa a sussurrar, e esses sussurros ficam mais


elétricos à medida que mães, filhas e outras pessoas começam a
juntar as peças.

— A partir daqui, neste mesmo instante — a voz de minha mãe


ressoa enquanto ela se ergue, mas ainda abaixo de mim, e a
multidão se acalma mais uma vez. — Suas filhas maiores de idade
devem se reportar à Faelific Fortress. Ao amanhecer, serão
testadas lá, e as cinco primeiras colocadas serão imediatamente
transferidas para a Ala Ward Wing da propriedade.

Assim, a esperança delas aumentou mais do que nunca.

Minha mãe sorri largamente, sua voz ecoando. — A próxima


Rainha de Rathe está entre vocês. Que a evolução do Rei... comece!
Nossa mãe abre um portal, olhando para nós quatro com
expectativa.

Creed se aproxima, Legend logo atrás dele, e seus olhos se


estreitam quando nem Sinner nem eu nos movemos.

— Knight... — ela avisa, plenamente consciente de que não


fará diferença.

Legend se vira para mim, as sobrancelhas franzidas de raiva.


— Você acabou de rejeitar seu vínculo na frente de todos os civis
da magia.

Sinner se posiciona ao meu lado.

— Você disse que tinha isso sob controle. — Creed balança a


cabeça, seu rosto vazio de qualquer emoção, mas seus
pensamentos são muito altos. Ele está quase tão irritado quanto
mamãe. — Vá embora.

Sin zomba ao meu lado e eu olho para o lado da mamãe, com


a intenção de encontrar os olhos do meu pai... mas ele não está
aqui. Ele veria e aprovaria.
Porque o homem sabia o que diabos acontecia, assim como
todos os quatro sabem que não posso ir embora depois do que a
vadia se atreveu a fazer. Não posso e não quero, porra.

Creed franze a testa e depois fecha nossa mãe do outro lado


do portal, todos os meus três irmãos estão comigo. Eles sempre
estarão.

A multidão permanece e o Ministry dá um passo à frente para


encerrar o conclave, informando a todos o que aprendemos esta
manhã: as aulas na Rathe U estão suspensas temporariamente até
que o cortejo seja concluído.

Eu viro à direita, seguindo os guardas enquanto eles voltam


para a extremidade distante do prédio do Ministry. O líder avança
e a barreira cai instantaneamente, a porta se materializando em
um segundo.

A shifter atravessa e os homens se afastam em uníssono. Três


à esquerda e três à direita, ficam ombro a ombro com os braços ao
lado do corpo, criando um caminho para Sin e eu.

Nós entramos.

A shifter gira para encarar o futuro Rei, assim como eu


esperava, um sorriso se espalhando por seus lábios.

Minhas mãos se estendem e agarro a pobre coitada de um


dragão pelo pescoço.

Os olhos de Victoria se transformam em chamas, sua pele se


aquece sob meu toque. Há gritos e exigências vindas de trás de
nós, e depois a barreira é fechada, trancando todo o Ministry do
lado de fora.

Eu isco a maldita fera, minhas garras jorrando das pontas dos


dedos, diretamente em sua pele até que sua traqueia esteja em
meu poder. Um rosnado profundo soa de dentro dela, e o fogo
explode de suas narinas em jatos espessos.

O peito de Sin bate em minhas costas em um instante e posso


sentir sua ansiedade aumentar, mas não o pressiono,
respondendo sem palavras.

Minha mão começa a tremer, meu aperto se afrouxa e depois


o fogo cessa. A palma da mão de Victoria envolve a minha, o triunfo
brilhando em seus olhos.

Meu rosto está carbonizado, a pele derretendo e pendendo em


pedaços grossos. Mal consigo enxergar além da bagunça que ela
fez em mim. Meus lábios quase desapareceram, por isso deve ser
uma visão incrível quando meu vínculo, a parte de mim mesmo
que eu irritei, percebe o que fazemos aqui, e minhas presas se
soltam em uma descida lenta e proposital. Elas rasgam o que resta
do meu rosto, deixando um rastro de sangue fresco no meu
pescoço.

Vejo isso nos olhos dela, no momento em que ela percebe que
é um dragão morto.

— E você deveria ser líder de uma equipe de monstros? —


Minhas garras ainda estão cravadas em seu pescoço. Eu as afundo
um pouco mais enquanto viro meu rosto da direita para a
esquerda, meu olhar nunca deixando o dela. — É assim que a mão
dela ficou depois da sua pegadinha? — Mais fundo. — A carne dela
caía aos seus pés como a minha?

Victoria choraminga em estado de choque. — Mas ela é uma


rejeitada. Ela...

— Pertence ao seu futuro Rei — Sinner sibila.

Suas sobrancelhas se franzem. — Mas...

Enfiando minhas garras até o limite, arrasto-as para baixo... e


elas a abrem como se fosse uma melancia madura. Victoria
convulsiona, e depois estalo sua coluna vertebral e seu corpo cai
no chão.

Limpando a mão na camisa, passo por cima dela e continuo


pelo corredor.

— Mas porra nenhuma.

Sinto o poder se agitar sob meu corpo e aos poucos me ergo,


afastando o cabelo do rosto. Observo as pessoas ao meu redor.

Tantas. Pessoas.

Os sorrisos de escárnio, os risos presunçosos, o desprezo. Eu


odeio estar aqui. O que acabou de acontecer? Não queria ser a
companheira de Knight, mas o que significa ele renunciar
publicamente o nosso vínculo? Ainda posso senti-lo dentro de
mim, por isso sei que não é tão simples assim.

Perdida em meus pensamentos, não percebo o quão menor o


espaço ao meu redor ficou. Dou um passo para trás, tentando
criar alguma distância entre mim e a multidão de Gifted, quando
esbarro em alguém atrás de mim.

— Ah, olha só quem é. Carne fresca? — Alguém murmura.

Outro ri. — Dificilmente é fresca. Vamos brincar um pouco


com ela. Abrir e ver se tem um coração.

Eu me afasto novamente, mas o espaço se aperta.

De repente, uma mão envolve meu pulso direito e sou puxada


pelo mar de pessoas. Nem mesmo sei quem é, e não me importo.
Tudo que sei é que preciso sair daqui e quem quer que seja essa
pessoa, está me ajudando a fazer isso.

Corpos roçam no meu enquanto vamos mais rápido, e então


estamos descendo por uma pequena viela. A figura encapuzada me
empurra contra uma parede de tijolos antes de retirar o capuz da
cabeça e colocá-lo em volta do pescoço.

Kaia me encara com arregalados olhos castanhos, do tipo que


lembram casca de árvore. O que combina, considerando que ela é
uma Pixie da terra e a notória traficante de maconha. —
Precisamos te tirar daqui, London. Eles vão querer seu sangue se
descobrirem de quem é o sangue que corre em suas veias e, sem a
proteção dos Royal’s, temo que que você será carne assada.

Eu respiro fundo. — Você sabe...


Kaia dá de ombros.

Engulo em seco, sem saber o que fazer, mas o que diabos eu


posso fazer?

Solto um suspiro profundo. Ela está certa. Por mais que eu


deteste a situação em que estou. — Só preciso voltar para a Terra.

Ela balança a cabeça. — Sem chance! Você não pode. Eu não


poderia permitir isso, pelo menos não agora. Agora preciso levá-la
para algum lugar seguro em Rathe.

— Tem algum lugar em mente? — Cruzo os braços na frente


do corpo, esperando que ela responda. Não vejo Kaia desde a
primeira vez que a conheci, mas soube imediatamente que era uma
das boas. Ou talvez eu esteja iludida e ela seja tão louca quanto
todo mundo.

Antes que eu possa expressar minha preocupação, ela diminui


a distância entre nós, pousando as mãos sobre as minhas. — Não
tenho. Quero dizer, sou um deles, mas não desse jeito.

— Como? — Estou perdida demais procurando respostas


sobre o porquê de ela querer ignorar uma possível briga com a
Família Royal quando olho para minha mão e a vejo curada. —
Quero dizer, como você não tem muito medo de ir contra eles?

— Não se trata de medo. — Ela joga o capuz de volta na cabeça,


passando a mão pelo meu corpo. A eletricidade se espalha por toda
a minha pele quando olho para baixo e percebo que minhas roupas
foram substituídas.

— Este é o seu estilo, eu acho.


Observo os shorts de couro apertados, a meia-calça arrastão,
o tênis Jordans preto e branco e a camiseta de banda. — Nada
mal, Pixie.

— Venha. Temos que sair agora. — Ela faz um círculo em um


portal à nossa frente. As cores opacas se misturam como um
tornado colorido, e nós duas atravessamos. Não percebo que faço
isso sem sequer pensar se confio nela ou não, até que seja tarde
demais.

O portal se fecha atrás de nós e sou instantaneamente


arrastada para o mundo de uma Pixie Fae. A sujeira sob meus pés
range, mas quando olho mais de perto, noto os pequenos brilhos
afiados espalhados por ela. O cheiro – oh Deus, o cheiro. Como
folhas de grama recém-cortadas depois de uma chuva leve de água
de rosas. As árvores brotam do chão abaixo, alcançando o céu
noturno, e inclino a cabeça para trás para ver melhor os galhos.
Lilases suaves, tons de laranja queimado e rosa avermelhado.

— Desculpe pela bagunça. Minha tia está fora e não posso me


dar ao trabalho de desperdiçar energia inútil na limpeza.

Minha boca se abre levemente enquanto tento entender


minhas palavras. Eu não deveria estar tão surpresa. Kaia é uma
Pixie da terra. Elas não são apenas excêntricas, mas exalam
confiança. Não se pode dizer a elas nada além do que a intuição
delas lhes diz. Isso não é diferente.

— Você mora na floresta? — Pergunto, dando a volta no


espaço. Avisto uma cozinha de madeira escondida atrás de uma
linha de arbustos, antes que outros itens da sala de estar comecem
a se tornar óbvios. Uma tela grande flutua no ar, direcionada para
um sofá rosa em forma de L.

— Nah. — Ela desabotoa a capa e a joga sobre uma mesa de


ouro rosa. — A floresta mora comigo. — Mesmo a olho nu, não
consigo ver onde a floresta termina. Ela se joga no sofá, segurando
meu olhar. — Existem paredes... — ela quase revira os olhos. —
Não sou uma completa anim... — se interrompe, aparentemente
pensando em suas próximas palavras. — Bem...

Eu engasgo com minha risada, cuidadosamente indo para o


outro lado do sofá. Há uma pequena mesa de centro entre nós com
uma pilha de Louis Faeton e Saint Lycan empilhados uns sobre os
outros. Quase rio dos nomes, imaginando se o mundo humano
sabe que algumas coisas são secretamente roubadas desse reino
ou o contrário.

— Você não precisa se preocupar. — Ela passa os dedos pelo


cabelo, amontoando tudo no topo da cabeça. — Juro que tenho
intenções puras.

Quando não respondo, ela me estuda atentamente. — Você


sabe ler as intenções das pessoas?

Não faz muito tempo, eu teria dito que sim. Que sou fantástica
em ler as pessoas. Que minha intuição sempre estava certa, mas
agora?

Eu balanço a cabeça, sentindo-me estúpida. Eu odeio isso.


Não me saio bem quando estou exposta e vulnerável. A única
pessoa com quem eu poderia desmoronar livremente na frente se
foi agora. Você tem que ter cuidado com quem desmorona, porque
a maioria das pessoas roubará partes que pertencem a você sem a
intenção de devolver.

Engulo o novo nó que se formou na minha garganta. — Não.


Acho que não.

Os olhos de Kaia percorrem todo o meu rosto e juro que está


decidindo o que me dizer a seguir. Ela arriscou se meter em
problemas ao me ajudar. Eu sei que pelo menos devo a ela alguma
confiança.

— Desculpe — acrescento, meus ombros cedendo em derrota.


— Estou achando difícil confiar em alguém deste mundo.

Ela se inclina para frente e desliza o tampo da mesa de centro,


revelando uma gaveta escondida. Começa a mexer nas coisas
antes de tirar um longo rolo – suponho que seja um baseado – e
um pequeno saco transparente com glitter roxo.

Ela assente. — Isso é de se esperar com sua história.

Ela acende a ponta e eu afundo ainda mais no sofá,


permitindo-me um segundo para baixar a guarda. Não é como se
eu tivesse outras opções agora. Eu nem sei como conjurar meu
próprio portal para me tirar daqui, e tanto quanto sei que Kaia
quer ajudar, suponho que há uma razão pela qual ela não abriu
um portal direto de volta para a Terra. Não que eu tenha certeza
de que tenha algo para onde voltar.

Não posso encarar o que pensei ser meu lar sem o garoto que
fez com que parecesse que era.
— Falando nisso. — Ela me entrega o baseado aceso chamas
e eu olho entre ela e a maconha.

A última vez que fiz isso foi com o Mago, e não posso dizer que
odiei. Na verdade, minha vida não poderia estar pior neste
momento. Então, pego-o, levando-o a minha boca. Inalando, deixo
a fumaça doce se acomodar na parte de trás da minha garganta
antes de exalar lentamente pelo nariz e boca. Leva segundos para
os efeitos se manifestarem, e a cada um que passa, meus músculos
relaxam ainda mais até meus olhos enfraquecerem e minha mente
ficar lúcida.

— Por que não está brava comigo sobre meu pai? E como você
sabe sobre ele quando, pelo que posso dizer, ninguém mais sabe?

Ela olha para longe. Ela provavelmente não me responderá.


Eu não me responderia.

— Eu tenho meus métodos e meus motivos. — Ela enfia a mão


no bolso para pegar o telefone. — Motivos que tenho certeza que
compartilharei um dia.

Inclino a cabeça no encosto do sofá enquanto levo o baseado


de volta aos lábios, inalando, antes que meus lábios formem um O
e eu empurre anéis de fumaça para o céu. Kaia pode dizer o que
quiser, mas se esta é uma casa de verdade, por que não há teto?
E se chover?

Merda. Chove aqui? Já choveu aqui?

Lembro-me de quando era jovem, mas minha mente não


consegue se concentrar em nada por mais de cinco segundos.
Puta merda, estou chapada.

— Merda... — Ela ri, tirando-me do meu torpor chapado. —


Bem, ele pode tê-la rejeitado como companheira, mas acabou de
assassinar o shifter dragão que queimou você.

Engulo com força e odeio o fato de minha saliva parecer uma


lixa. Estou cansada de sentir ódio e ressentimento – imagens de
Ben caindo, afundando e morrendo - passam pela minha cabeça,
não, porra, não estou cansada.

— Provavelmente porque ele gostaria de ter feito isso primeiro.


— Eu não queria dizer isso em voz alta, e estou parcialmente feliz
por ter sido apenas um sussurro, então ela pode não ter percebido.
Ou se percebeu, não está dizendo nada.

— Bem… as coisas serão diferentes agora, daqui para frente,


já que anunciaram um cortejo para seu pau real.

Eu engasgo com a fumaça na boca, meus pulmões queimam


quando minha tosse se torna incontrolável. — Isso é incrível. —
Depois de alguns segundos, nós duas perdemos o controle. Uma
risada tão profunda irrompe de mim e é uma sensação boa. Nem
que seja por um segundo.

Sentir qualquer coisa além de tristeza e ressentimento.


Quando eu era criança, minha mãe reformou todo o meu quarto
sem me avisar. Não foi nada demais. Um simples estalar de dedos
e tudo voltava ao normal, mas lembro que isso me irritou. Ela não
conseguia me distinguir de Sin se nossas marcas não estivessem
aparecendo, por isso era engraçado para ela pensar que tinha a
menor ideia do que eu quereria em uma reforma. Eu não estava
irritado com o design; era o fato de ela ter feito isso para ter
controle. Para controlar.

Assim como agora.

— Dê um passo à frente, por favor. — Sua unha comprida, em


forma de caixão, da cor das cinzas, bate no trono de mármore preto
em que está sentada.

Se nosso pai estivesse vivo, ele não estaria aqui para isso. Você
coloca um monte de mulheres sedentas e minha mãe jogando sua
carta de controle, e não o encontraria em nenhum lugar próximo.

Se ele estivesse aqui, isso não estaria acontecendo.

Quem se atreveria a matar nosso rei, ainda mais no trono em


que ele estava sentado?
Legend chuta meu pé e me viro para encará-lo. Comigo à
direita da minha mãe, Legend ao meu lado, Creed ao seu lado e
Sinner no final, eu deveria estar preparado para a merda
espertinha prestes a sair da boca do meu irmão mais novo.

— Quinhentas almas de que você fode com todas elas na


primeira semana.

Eu o ignoro, abrindo bem as pernas e passando o dedo no lábio


superior. Com ou sem companheira, tenho uma obrigação a
cumprir, uma que nunca quis, mas sou filho de Arturo Deveraux.
O primeiro Lorde a encontrar sua companheira, portanto, por mais
que London esteja me matando, literalmente, tenho certeza, isso
não importa.

É simplesmente uma parte do meu caminho para o meu


legado.

É natural rejeitar a alma que foi criada para possuir a sua?


Não. É comum? Porra, não. Na verdade, é uma das piores atitudes
que nossa espécie pode tomar.

Não é tão fácil quanto descartá-la. Gostaria que fosse, pois isso
tornaria o que vem a seguir muito mais fácil. Não que eu precise
de facilidade. Não preciso.

Posso lidar com tudo o que for jogado em mim e farei isso com
um sorriso de merda, com o sangue de qualquer um que fique em
meu caminho pintado com orgulho em minha pele.

Ainda assim, com certeza planejo ficar diante da Roaring


Flame de Rathe, onde os guardas das guerras passadas
começaram suas jornadas rumo à vitória, para entoar para os
monstros da noite que viveram antes de nós e esperar que uma
dessas garotas possa ocupar o lugar de London. No trono, em
minha mente e em meu pau.

A terceira parte parece ser uma pequena possibilidade


enquanto a primeira escolhida segue as instruções de sua Rainha
e dá um passo à frente na caixa de vidro diante dela. A entrada se
fecha atrás dela, trancando-a lá dentro, e com um rápido
movimento da mão da mamãe, a caixa em forma de cubo desce
lentamente pelo corredor comprido que leva em minha direção.

O corredor está totalmente escuro, assim como o quarto que


ocupamos. Existem apenas duas fontes de luz no espaço. Uma
vinda da relíquia vermelha aos meus pés, dando à escolhida nada
mais do que a silhueta de seu possível futuro parceiro forçado. A
segunda vem do próprio cubo.

Cada borda está iluminada, um brilho dourado caindo sobre


a garota dentro dela. Ela está alta e imóvel como uma estátua, seu
longo cabelo vermelho pendurado solto em suas costas em grandes
ondas. Grampos dourados são pressionados acima de suas
orelhas e toda a extensão de seu pescoço é engolida por um colar
em forma de laço da mesma cor, cuja extremidade enrolada e
apontada contra o peito.

— Esta é Ophira Octave. — Minha mãe gira o dedo, e o cubo


começa a girar, nos dando uma visão da garota em todos os
ângulos.

— Vamp? — Eu acho.
— Sereia.

Nossas cadeiras estão a mais de um metro do chão, e o cubo


continua avançando até estar a meio metro do primeiro degrau. A
ruiva abre seu vestido dourado na fenda, revelando pernas longas
e esbeltas enquanto se ajoelha diante de mim. Seus cabelos de
seda caem graciosamente sobre seus ombros, e ela permanece ali,
com a cabeça baixa diante de nós.

Inclino a cabeça, tentando me conectar com a dela, e franzo a


testa quando não recebo nada.

— O cubo bloqueia toda a magia de entrar ou sair. — Olho


para Creed, que sorri em seu assento.

— Olhos — exige mamãe.

A cabeça de Ophira levanta, seus lábios se curvam em um


sorriso tímido enquanto seu olhar dourado encontra o meu. —
Meu Lorde. — Sua voz cheia de luxúria.

O colar de ouro em torno de seu pescoço começa a girar,


desaparecendo completamente até que o objeto chame minha
atenção novamente, desta vez envolto em seu braço, até que a
cabeça de uma serpente sibila acima dos nós de seus dedos.

Meus lábios se curvam para um lado e, pelo canto do olho,


percebo Legend se inclinando para mais perto.

— Sua amiga?

— Algo parecido. — Ela luta contra um sorriso. — Talvez eu


tenha a oportunidade de lhe contar mais em outra ocasião.
Atento a serpente, passo o dedo pelo lábio inferior. — Talvez
você queira.

Ophira acena com a cabeça uma vez, levantando-se e então a


luz ao seu redor desaparece até que ela não passa de uma sombra.

O cubo se eleva no ar, movendo-se para o canto esquerdo do


cômodo e depois a segunda é chamada.

Desta vez, o vidro brilha em um vermelho profundo, não muito


diferente da cor sob meus pés. É escuro e assustador e não posso
deixar de me inclinar para frente.

A garota lá dentro está de pé, assim como a primeira, seu


cabelo escuro tão liso quanto possível. Cai como uma cortina de
seda sobre seus ombros, chegando quase na cintura. Nenhuma
joia sobre a sua pele, mas marcas de dentes decoram seus pulsos
como a mais cobiçada das pulseiras.

— Aí está a sua vamp. — Sinner estica as pernas, recostando-


se na cadeira.

Ela não é meu nada.

O pensamento percorre minha mente antes que eu possa


impedi-lo e cerro os dentes até que o calor não seja nada mais do
que o de um pavio de vela. O ácido sobe pela minha garganta,
forçando-me a engolir qualquer tipo de resposta que eu possa ter
tido, e então a vampira, o que ela deve ser porque nossa mãe não
corrigiu a declaração de Sin, está diante de mim.

Seu vestido é curto, justo e preto. Preto transparente.


Ossos cruzados de strass cobrem seus mamilos sob o material
transparente e uma tira de strass tão fina fica entre suas pernas –
sua maneira de me mostrar que sua boceta é bem depilada.

Quando ela se ajoelha, uma perna de cada vez, cada


centímetro dela fica à mostra, e enquanto meus irmãos se ajustam
em seus jeans, tenho que me esforçar para manter a carranca
longe do meu rosto.

— Evangaline Valur — minha mãe começa, a menina ainda


com a cabeça baixa. — Seu Ethos foi desbloqueado. O
companheiro dela foi assassinado há dois anos.

Eu me inclino para frente com isso.

Seu companheiro foi assassinado.

Ela perdeu seu companheiro e aqui está ela. Bem, ajoelhada.

— Ela seria minha primeira escolha, uma boa maneira de


evitar ter que executar sua própria esposa caso seu destino
aparecesse no futuro.

— Você não terá escolha, mãe.

— Olhos — ela fala como se eu não tivesse feito isso.

A morena levanta o olhar para o meu. São de um marrom


básico, mas definitivamente há sede brilhando neles... e não é pelo
meu sangue.

— É uma honra me ajoelhar diante de você, meu Rei. — O tom


de Evangaline é ousado.

— Futuro Rei. Meu pai ainda é seu Rei.


— Perdoe-me, meu Lorde. Permita-me me ajoelhar diante de
você em algum lugar mais privado para compensar?

A luz em sua caixa se apaga antes que ela tenha a chance de


se levantar, e é levada embora até que sua caixa esteja flutuando
a alguns metros da de Ophira.

— Mas eu pensei que você gostasse dessa, mãe? — Sinner


provoca, mas não recebe resposta.

— Número três. — A terceira caixa é chamada.

A luz brilha em um azul suave, e a garota sobre a qual ela


brilha é alta e magra. Em vez de seu melhor vestido, ela usa um
vestido amarelo fluído que chega aos pés. Seus pés descalços
pintados tão cor-de-rosa quanto seu cabelo curto.

A caixa gira enquanto minha mãe diz — Willow Falour. Fae.

— Que tipo?

— Passe algum tempo com ela e você verá. — Minha mãe


inclina a cabeça, seu desdém pela aparência da garota é claro
como o dia.

A vergonha colore a pele clara de Willow e ela abaixa os olhos


antes de ser instruída, desesperada para acabar com isso, tenho
certeza.

Ela olha para cima quando instruída, e um brilho de glitter se


revela em seus olhos verdes.

Meu olhar se estreita um pouco, e ela começa a entrar em


pânico, mas ponho um dedo nos meus lábios. Inclinando-me mais
perto para que ela possa ver o mesmo brilho no meu próprio
olhar. Parece que nós dois precisávamos de um pouco de pó Fae
para sobreviver hoje.

— Meu Lorde — ela sussurra.

Minha mãe zomba do tom nervoso da garota e com um


movimento da mão, a manda embora.

— A seguir temos alguém que todos vocês conhecem bem.

Esta caixa se move mais rápido do que as outras, a luz dentro


dela é um branco plano, e ninguém menos que Alexandra Kova
está lá dentro. Seu cabelo loiro tão perfeito quanto de costume, seu
sorriso tão seguro como sempre.

Já fodi a garota várias vezes para saber o que está pensando:


ela será a nova Rainha da Magia das Trevas. Não há dúvida em
sua mente.

— Mas ela é uma Ordinary — Creed corta. — Uma Ordinary


como Rainha?

Minha mãe nem sequer a traz para a frente, mas a envia para
a esquerda com as outras. — As avaliações foram tão justas
quanto parecem e, de alguma forma, aquela Ordinary obteve a
pontuação mais alta.

Minha cabeça vira em sua direção. — Sério?

— Mmm — mamãe reflete. — Sim, ela...

— Ela ficou em segundo lugar.


A voz intrusa tem toda a nossa atenção voltada para o
corredor. A última garota fica ali parada, mas Odin, o homem que
ocupa o Conselho representando os Monsters, sussurra para si
mesmo e a garota desaparece.

— Você duvida de mim? — Nossa mãe se levanta de seu trono,


com a energia escura escorrendo de sua pele.

— Eu não duvido. Os resultados mostraram a jovem Kova


como a primeira semente, no entanto...

— Odin — nossa mãe avisa, e observo a mulher de perto.

— Por mais que queira controlar tudo... — o Monster


interrompe corajosamente, continuando, e todo o ser de minha
mãe começa a tremer. — Algumas regras não podem ser
quebradas. As da corte são um delas, mas você sabe disso, Rainha
Cosima, portanto tenho certeza de que foi apenas um... pequeno
descuido de sua parte, certo?

— Não...

— Revele a quinta, Monster. — Minha pele arrepia. — Eu não


tenho o dia todo.

Os olhos do homem se movem para os meus, um homem que


meu pai conhecia bem, e depois de um olhar longo e firme, ele
acena lentamente com a cabeça. Abaixa a cabeça, fechando os
olhos, mas nenhum cubo de vidro aparece.

Em vez disso, um portal começa a tomar forma diante de mim,


as cores rodopiantes iluminam completamente o cômodo. Abre-se
e uma risada rouca e rítmica enche o ar.
Minhas entranhas se contraem, minha pulsação dispara, tudo
para chegar a uma paralisação completa.

Eu me levanto em segundos à medida que o cabelo gelado


queima minhas retinas, mãos macias curvadas sobre o encosto de
um sofá, meias arrastão enroladas em suas curvas. Com a
velocidade da luz, dou um salto para a frente, agarrando o cabelo
branco pela raiz e o arrasto para fora da abertura.

Alguém grita, mas o portal é fechado antes que eu consiga


descobrir quem foi, e então London está caída aos meus pés.

Seus olhos arregalados se voltam para todos os lados,


brilhantes e intoxicados. Por fim, seus olhos de vidro pousam nos
meus e meus dedos doem para aliviá-la... mas cinco segundos
depois, ela se levanta com um olhar fulminante, e eu quero torcer
seu pescoço.

— Quem diabos era aquele, e onde diabos você estava?! —


Exijo.

— Perdão?! — Ela grita. — Vá se foder! Quem você pensa que


é?

— Cuidando com sua língua.

— Cuidado com a sua, seu covarde! Assassino! Eu...

Sua boca se fecha, os lábios desaparecem e o medo


instantaneamente nubla seus olhos. Olho para minha mãe, cujos
olhos ficaram completamente brancos.

— Chega — eu digo.
A cabeça de minha mãe se vira em minha direção, seu olhar
se volta lentamente à medida que a cor retorna ao seu olhar. Ela
se vira para frente e, por fim, os lábios de London são liberados.

Demora um pouco, mas me lembro do porquê de estarmos


aqui... e que eu esperava a quinta e última escolhida que estaria
na corte para a Evolução de um Rei.

— Não. — Eu olho para o Monster. — Porra, não.

Não posso viver nos mesmos aposentos que ela. Não posso vê-
la todos os malditos dias.

Não posso também passar um dia inteiro sem vê-la...

Porra!

Odin dá um único passo à frente. — Rejeitada ou não, a


predestinada ocupa o primeiro lugar no cortejo. É assim que tem
sido desde o início dos tempos. O destino exige isso.

— Espere... — London balança a cabeça, girando para olhar


as caixas no canto, as meninas penduradas e expostas, como
brinquedos em uma loja. Essencialmente, é isso que elas
representam. Pelo menos nesse estágio.

— Espere! — Ela grita desta vez. — Eu tenho que estar no


cortejo? O cortejo que só acontece porque não queremos um ao
outro como companheiros?!

Meu peito se curva e tenho que bater nele com o punho para
me endireitar.
Suas palavras não deveriam doer, mas parece que a adaga ao
meu lado está cravando e torcendo sob minhas costelas, e isso é
besteira.

Eu não a quero. Eu a rejeitei.

Não o contrário.

— Knight.

Olho para Creed, que mantém meu olhar, falando sem


palavras.

Não há como escapar disso.

Expondo minhas presas, olho para London. — Tudo bem, mas


saiba agora... esta não é sua oportunidade de voltar atrás,
traidora.

Em vez de afundar-se em si mesma, London dá um passo à


frente. — Oh, não se preocupem, meus Lordes, nunca os deixarei
esquecerem o que fiz com vocês, assim como nunca esquecerei o
que vocês fizeram comigo.

— Farei com que se arrependa de ter colocado os olhos em


mim.

— Oh, baby... — ela murmura, seus olhos ficando escuros. —


Você já se arrependeu.

Vadia.
Olho para Kaia enquanto conto o que aconteceu. — Você ouviu
o que eu acabei de dizer? — Quando ela não me responde, estalo
os dedos na frente de seu rosto na tentativa de tirá-la do que quer
que esteja acontecendo dentro daquela cabecinha fofa.

— Desculpe... — ela solta uma nuvem de fumaça, antes de


terminar o baseado e contornar o balcão da cozinha para me
encontrar. Suas mãos chegam aos meus braços. — Não posso te
ajudar com isso, Lon.

Suspiro, balançando a cabeça. Não era isso que eu perguntava


a ela, embora eu ame que essa foi a primeira coisa que ela pensou
logo depois que lhe contei que fui cortejada para o castelo de
cadáveres com seu filho da puta real e suas quatro putinhas. Tudo
bem. Essa pode não ser uma observação justa – na verdade, não.
Foda-se ele e foda-se elas.

— Eu não pediria que me ajudasse. — Deslizo para fora do


pequeno baú feito de um grande tronco de árvore, abaixando-me e
observando o clique do relógio pendurado na parede da sala de
estar. — Tenho duas horas para arrumar minhas coisas e estar lá,
Kaia. Não que eu tenha algo para arrumar, porque o Knight nunca
me deixou voltar e pegar minhas coisas.
— Se eu me oferecesse para levá-la para pegar suas coisas,
você iria? — Ela pergunta com conhecimento de causa, usando a
lógica para tentar apagar uma coisa ruim da minha mente.

A resposta é não, eu não iria. Não conseguiria encarar meu


dormitório depois do que presenciei lá. Pelo que sei, ele foi
esvaziado, todos os meus pertences jogados fora, assim como o
carpete encharcado com o sangue do meu melhor amigo.

Como dormirei no mesmo lugar que Knight sabendo do que ele


é capaz?

Olho de volta para Kaia. — Eu preciso que você faça uma coisa
por mim.

— O que é isso? — Ela pergunta, e em questão de horas sinto


que posso confiar nela mais do que na maioria das pessoas que
conheço há anos. Além do fato de ela ter provado seu valor, meu
espírito, seja lá qual for a porra que vive dentro de mim, se sente
em paz sempre que ela está por perto.

Não posso negar isso.

Eu me inclino para frente, virando a cabeça para a janela de


vidro atrás dela e observando enquanto o céu rosa suave começa
a queimar em um amarelo mostarda. — Espere, por que o céu está
fazendo isso?

— Hmmm? — Ela se vira na cadeira para seguir minha linha


de visão. — Oh, bem, quando há uma Evolução forçada do Rei
devido a um Royal – ou futuro Lorde das Trevas – que rejeitou sua
companheira, isso desequilibra a magia até que o cortejo termine
e a nova Rainha seja coroada.

Eu pisco para ela, desejando que ela continue, já que deixou


escapar isso tão casualmente quanto alguém faria com sua lista
de compras.

— Desculpe, vou continuar. — Observo enquanto ela se


levanta e se move em direção a uma grande estante. Uma que não
reconheci em nenhuma outra vez que estive aqui. Como não vi
isso? Quase não é uma estante. A parede que divide a cozinha e a
área de estar é dividida por uma parede cheia de livros. Nenhum
que eu reconheceria, até que uma lombada rosa e azul brilhante
apareça. Boys of Brayshaw High 4 . Quase engasgo com minha
bebida. Eu era obcecada por esse livro. Que porra isso está fazendo
aqui? Meus olhos encontram o outro livro ao seu lado. The Silver
Swan5. Deveria perguntar a Kaia o porquê ela tem The Elite Kings
em sua estante, ou que tipo de merda ela gosta de ler – porque
preciso de recomendações, mas eu meio que quero lhe perguntar
o porquê ela colocou os dois tão próximos. Li a ambos. Ter essas
autoras próximas, e não apenas nas prateleiras, é o suficiente para
me assustar de volta à Terra.

— Como eu estava dizendo — ela pula os dois livros. Graças a


Deus. E para em uma lombada mais velha, com pele de couro. —
O equilíbrio da magia foi abalado, por isso as coisas começarão a
mudar por aqui. Afeta a todos nós, London. De muitas maneiras.

-Livro da série Brayshaw da autora Meagan Brandy.


4

-Livro da série The Elite Kings da autora Amo Jones.


5
— Ela finalmente se vira para mim, segurando o livro aberto e
colocando-o na mesa à minha frente. — Mas como só tenho duas
horas, tentarei fazer isso rápido.

— Os Stygians são sombrios, você já sabe disso, mas o que


não sabe é que durante Yemon, o desequilíbrio do vínculo real, as
coisas começam a ficar descontroladas. Linhas serão traçadas.
Começamos a expor nossos eu’s sombrios. Você não pode confiar
em ninguém, nem mesmo em mim. Há um aumento da
criminalidade e dos assassinatos, da alimentação ilegal e até do
incesto. Assim que Yemon acabar, todos voltarão ao normal, mas
até lá, London, temo que você esteja em um perigo ainda maior.

Não consigo entender isso, e acho que é principalmente porque


não consigo imaginar essas pessoas sendo piores do que são agora.
— Como assim?

Ela segura meus olhar, e é a primeira vez que sinto o medo


escorrer pela minha garganta enquanto engulo. — Porque você
está bem no coração do lugar que quer te matar.

— Merda. — Eu me recosto na cadeira, mas quando isso não


me dá nenhuma chance de relaxar, fico de pé e começo a andar
pela cozinha. A sujeira – que mais parece areia cinética – derrete
entre as fendas dos meus dedos dos pés, e toda vez que fecho os
olhos para pensar em um novo plano, ela é erradicada em
pedacinhos e expelida por uma maldita fera de um metro e noventa
de altura que atualmente ocupa todo o meu maldito coração.

Eu o odeio.
— Está bem, então todo mundo enlouquece até Knight
encontrar sua Rainha. — Eu odeio que isso pareça ácido subindo
pela minha garganta. — O que mais?

— Bem. — Kaia folheia o livro e perco o foco mais uma vez


quando aquele tom laranja ardente no céu se torna mais escuro.
Não exatamente vermelho, mas não mais laranja.

— Porra. — Kaia fecha os olhos e uma gota de suor escorre


pela lateral de sua têmpora. Seus lábios formam um O e ela
lentamente expira uma respiração constante. — Muito bem, como
estava dizendo, todo mundo começa a expor suas sombras. Isto
significa as partes que escondem do mundo, propositalmente ou
por negação. Não somos boas pessoas, London. Somos todos
animais, essencialmente, apenas seres místicos, todos vivendo de
acordo com um único código. Um código que nos permite coexistir
uns com os outros, e esse código é inexistente durante o Yemon.

— Que código é esse?

O chão vibra sob meus pés e pássaros voam das árvores ao


nosso redor. O céu fica com um vermelho assassino e a voz de Kaia
sai suave. — Que não somos inimigos.

— Kaia... — eu aviso, recuando lentamente.

— Não vou machucá-la, London. — Kaia avança rapidamente,


desaparecendo por uma porta que leva ao seu quarto. Eu a sigo,
desesperada por saber o que mais ela pode me dar, mas
entendendo a urgência.
Ela está enterrada em seu armário, roupas voando para fora
do compartimento de vidro. Não há uma única parede nesta casa
que não seja feita de vidro, exceto aquela estante de livros, que
provavelmente desapareceu agora.

Um pedaço espesso de algodão branco está estendido em uma


parte menor do quarto, com pequenas folhas como travesseiros.
Uma árvore grande cresce diretamente do centro do quarto,
erguendo-se do teto e se estendendo até o céu, e atrás disso há um
lago em miniatura, com água da mesma cor dos portais. Uma cor
espelhada e vidrada, que meus dedos coçam para tocar. Parece
que seria sedoso ao toque. Eu quero tocar.

Algo é empurrado contra meu peito e encaro de volta minha


amiga fada da terra de volta.

— Não toque nisso. — Ela corre atrás de mim e lentamente me


viro para observá-la. — Como eu dizia, você não precisa ter medo
de mim. Não vou te machucar. Minha sombra não se importa em
machucar você, mas há muitas pessoas aqui que querem
simplesmente porque o seu Rei considerou você indigna. Se
descobrirem quem era seu pai, será ainda pior, por isso precisa
chegar àquela fortaleza ridícula o mais rápido possível. Há um
escudo de proteção ao redor da Royal State, e a Faelific Fortress
está localizada na extremidade mais distante dela, portanto Yemon
nunca interfere nos cortejos enquanto acontecem. Tudo lá dentro
deve permanecer igual. É a maneira que a natureza tem de nos
lembrar o porquê é importante ter um Rei e uma Rainha liderando.
— Ela está abrindo e fechando gavetas quando juro que a ouço
murmurar — Desde que ninguém invada.
— Você me contará o segredo da sua sombra?

Ela zomba, finalmente fechando o zíper dos últimos itens na


pequena bolsa de lona que estou segurando. — Não. Bem... — ela
se distrai um pouco. — Talvez um dia, mas você me odiará.

— Duvido. — Quero revirar os olhos, mas não reviro. — Mas


por que não me sinto estranha?

Seus olhos se transformam em fendas. — Não sei. Boa


pergunta. Pergunte a outra pessoa porque você precisa ir.

— Estou me teleportando? — Pergunto, preparando-me


internamente para o turbilhão de uma viagem.

— Somente um membro da realeza pode fazer um portal para


os terrenos da realeza. — Sua boca se estica enquanto ela mexe as
sobrancelhas. Pressiona os dedos na boca antes de assobiar alto.
Ouço o barulho do vento ao longe, então automaticamente olho
para cima, estremecendo quando o céu vermelho ardente queima
minhas retinas só de olhar para ele. Quando estou prestes a
desistir, uma figura escura desliza pelo ar. Duas asas que se
estendem tanto que não consigo ver os pontos finais e um grande
pescoço conectado a um corpo.

Engulo em seco, ignorando a maneira como minha boca seca


ao ver um... — Dragão?

Ela mexe as sobrancelhas para mim. — Sim, mas não pode


ficar com ele.

Eu tropeço levemente no chão quando um baque alto quase


estilhaça o vidro em sua aterrissagem. — Seu?
— Bem… longa história. — Kaia pega minha mão e me arrasta
pela casa, até chegarmos à entrada da frente de uma porta
transparente. Ela balança a mão na frente de si mesma, e se abre,
expondo as profundas escamas sombreadas de um maldito dragão
de verdade.

Um grande. Não é pequeno.

— Acho que você pode me contar junto com a história da sua


sombra.

Estendo a mão para tocar suas escamas ásperas, mas penso


novamente quando seus olhos grandes vermelhos me encontram.
Droga, essa coisa é assustadora, e eu sei que são maiores do que
isso – geralmente também em um tom diferente de preto.

Nem cheguei a perguntar a ela quem é essa pessoa por trás do


turno quando ela me jogou em suas costas, onde um arreio de sela
está amarrado ao redor de seu corpo grande e suas escamas se
prendem à minha pele.

Kaia coloca as mãos em volta da boca enquanto grita para


mim. — Segure-se! Ele voa rápido!

— O quê? — Eu grito de volta, o vento fazendo com que meu


cabelo comprido se enrole em meu rosto. Kaia nem mesmo
responde quando o dragão se levanta do chão com uma flutuação
agressiva e eu prendo a respiração ao mesmo tempo que a casa da
floresta abaixo de mim fica mais visível. Eu me agarro ao arnês e
espio pela lateral, o sorriso em minha boca se estica o suficiente
para destruir meu rosto. Uau. A casa da Kaia é maior do que eu
pensava. Posso ver o contorno quase invisível de sua casa, mas
nada dentro dela. Portanto, podemos ver de dentro, mas não de
fora para dentro.

Bom.

As asas do dragão bate no ar rapidamente enquanto seu nariz


se move para frente, tão rápido que quase escorrego, agarrando as
tiras de couro com mais força. Juro que o ouço bufar embaixo de
mim enquanto continua a nos deslizar para frente. Este dragão
acabou de me olhar de soslaio em uma linguagem de dragão?

Nuvens negras se separam à medida que ganhamos


velocidade, e é tão assustador como Yemon é diferente do que
Rathe normalmente parece. Todos os planetas se alinham no céu,
só que desta vez eles não parecem cenários em tons pastéis para
seus sonhos favoritos, parecem diferentes. Mais raivosos. Mais
sombrios. Sujos.

Meu sorriso cai um pouco ao ver que isso é parcialmente culpa


minha. Esta terra, o mundo onde todos vivem e amam, é assim
porque Knight e eu não conseguimos deixar de lado nossas
diferenças e... Não! Que porra foi essa?

Razoável. Minha sombra é obviamente razoável, porra.

Passo a mão pela crina do dragão. — Leve-nos até lá mais


rápido, por favor.

Ele solta um gemido baixo antes de avançar.

Eu deslizo de suas costas e pego minha mochila de seu lado,


observando-o cuidadosamente. É uma sensação estranha não ter
medo de algo que, historicamente falando, eu deveria ter medo. Os
dragões são impulsivos, teimosos e imprevisíveis. Não se importam
com quem queimam, abrirão a boca de qualquer maneira.

Como aquela cadela da Victoria.

Knight realmente a matou porque ela me queimou?

Duvidoso.

— Obrigada pela carona — sussurro, não sendo capaz de


evitar o fato de que quero tocá-lo ainda mais. Senti-lo sob a minha
mão, mesmo que seja só para testar quão quente é seu fogo.

Maldito Yemon!

— Ah, que bom que você chegou.

Sua voz não é o que me surpreendeu. Eu meio que esperava


que, se fosse alguém, fosse ele quem estivesse aqui para me
receber.

Legend está na varanda de mármore, com os pés cruzados nos


tornozelos enquanto se apoia em uma das muitas colunas na
frente de sua casa. Casa. Pfft 6 . Não pode chamar essa
monstruosidade de casa. É mais como um grande e gordo inferno
enganoso.

Legend está sem camisa, com a calça jeans baixa e o peito


brilhando de suor. Ele afasta o dragão com um revirar de olhos e
me agarro à minha bolsa conforme ele finalmente se levanta do

-Exclamação britânica, um som que indica desaparecimento repentino ou cessação de algo.


6
chão com um bater de asas, e volta a ser apenas uma sombra no
céu.

Assim que ele sai, volto minha atenção para Legend. — Não
posso dizer que foi um prazer vê-lo, Leg. Não estou totalmente feliz
por estar aqui.

— Hmmm... — Ele dá dois passos de cada vez à medida que


me encontra, e quanto mais perto chega, mais quero voltar atrás
no que decidi fazer. Não que eu tenha decidido fazer isso
exatamente, já que é uma maldita ordem estar aqui. Levar-me de
volta à Terra e a todas as suas pequenas festas mundanas. —
Sabe, você matou minha irmã, e seu pai reinou o assassinato em
Rathe por anos, mas claro, baby girl! — Ele descansa os braços em
volta dos meus ombros, puxando-me para perto. — Continue com
raiva de mim.

Com sua admissão, retraio-me um pouco com culpa. Ele está


certo. Eu odeio que ele esteja certo, mas está. Se alguém tem
algum direito de ficar bravo, é ele. Só não o Knight porque ele é um
bastardo assassino.

— Será que quero saber o que está acontecendo lá dentro


agora?

— Bem... — Legend ri enquanto nós dois subimos as escadas


e ele leva a mão ao pequeno rosto na maçaneta da porta. Só
quando olho para ele por alguns segundos é que noto os chifres
esculpidos no metal. — Isso depende, nossa Little London.

Nossa. Ótimo. Porque ser de um deles não é ruim o suficiente.


A porta se abre e ele gesticula para dentro com o braço. —
Você está pronta para começar imediatamente?

Sigo sua linha de visão e quase quero dar um passo para trás.
Correr. Talvez pular de volta naquele dragão e deixá-lo me levar
para qualquer lugar, menos aqui, porra. Não sei o que esperava
com a porta se abrindo, mas não era o que estou olhando. Talvez
um hall de entrada. Uma área onde as escadas começam e a sala
está escondida.

Não. Isso é muito... humano para esse tipo.

Um salão de baile se estende pelo espaço, e as pessoas estão


vestidas com seus melhores trajes. Música tocando ao fundo, e há
um grande palco na frente da sala onde uma única coroa está
posicionada. Preta e adornada com penas escuras, chamas de fogo
tremulam dos raios de trás dela, queimando com um movimento
relaxado.

Minha pele aquece com a visão, e é quase como se eu pudesse


sentir o calor do fogo daqui. As pessoas ignoram isso, andando por
aí e conversando em pequenos grupos.

Como é que ninguém se importa com isso?

É magnífico, sussurrando sombriamente em meu ouvido, as


palavras muito baixas e rápidas para serem captadas, talvez até
faladas na língua nativa que há muito esqueci.

Está me chamando e...

Um pigarro me faz piscar e os sussurros desaparecem. Olho


em volta, percebendo que ninguém me viu ainda, e observo o traje.
— Mas que porra? — Eu me viro para Legend. — Será que eu
fui a única pessoa que não recebeu o memorando de que
brincávamos de Família Addams?! — Sibilo. — Eu nem tenho
roupas para... — Gesticulo para a área. — ...Isso!

— Para quê? — Ele pergunta, e seus lábios tocam minha


nuca.

Eu me arrepio, meus olhos fechando brevemente. — Para isso!

— Abra os olhos e me diga o que você vê…

Estou irritada por ele estar sendo Legend, mas abro os olhos
mesmo assim, e meu sangue gela, a sala gira em seu eixo até ficar
pendurada de cabeça para baixo.

O piso, que antes era pintado com padrões brancos sobre


madeira brilhante, agora está lambuzado de vermelho. As paredes
são pretas, mas as bordas na parte superior estão vazando algum
tipo de líquido escuro. Knight tem uma garota ruiva em sua mão,
com as unhas cravadas em seu pescoço e os lábios presos em seu
ombro. O seu corpo nu está pressionado contra o corpo
parcialmente nu dele, e posso sentir o vômito subindo pelo interior
da minha garganta.

A sua outra mão encontra o mamilo dela e ele o aperta com


força, antes de forçar o corpo dela a ficar de frente para ele e tomar
a sua boca com a dele. Ele a pega pela garganta e a derruba em
uma das mesas retangulares com tanta força que a comida que
estava sobre se espalha. As pessoas ao redor estão todas fazendo
algum tipo de sexo, e a névoa que passa ao redor de seus pés tem
cheiro de morte.
Embora odeie isso, não consigo deixar de assistir. Eu quero
morrer. Parece que uma faca está me cortando repetidamente até
que não seja nada além de feridas e carne crua.

Knight abre tanto as pernas que posso ver sua boceta daqui.
Aberta e chorando, pingando esperma. Antes que eu possa piscar,
ele se ajoelha na frente dela e a cobre com a boca. Sua língua está
claramente fazendo-a gozar, pois sua mandíbula estremece a cada
movimento.

As costas dela se arqueiam e suas mãos voam para os lados,


desesperadas para se agarrar a qualquer coisa que possa ajudar.
Quando sua respiração rápida diminui após o orgasmo, ela fica
mole e, quando Knight tira o rosto de entre as suas pernas, o
sangue cobre sua pele e a ponta do colo do útero fica pendurada
entre suas presas. Ele mordeu e o arrancou de seu corpo.

Um grito sai de minha garganta enquanto tropeço para trás,


mas esse grito se mistura com o riso e, quando tento me virar e
correr, deparo-me com uma parede de tijolos e não Legend.

Lágrimas escorrem pelo meu rosto, e não dou a mínima se


pareço louca – essa merda é fodida!

A música clássica começa a tocar novamente e minha


respiração ofegante se estabiliza conforme a iluminação ambiente
muda daquela cor escura e mofada para um tom mais claro. Um
tom que me lembrou a cena original do salão de baile.

Mais risadas soam atrás de mim e, em seguida, Sinner gira em


torno do meu corpo, com um sorriso satisfeito nos lábios.
A sala gira mais uma vez, agora em pé e totalmente... normal.
Bem, a versão Gifted.

Eu cerro os dentes, irritada porque esse idiota me pegou de


novo. Antes de me virar, seco cuidadosamente os olhos para que
ninguém perceba, mas quando movo o braço, o que estou vestindo
chama minha atenção. Alças pretas cruzam meu torso e mal
cobrem meus mamilos, deixando um amplo decote e a lateral dos
seios aparecendo conforme a barra do meu vestido se espalha em
uma cascata de renda gótica. Há uma fenda na lateral que vai até
meu quadril, expondo minha falta de calcinha, e toco as pontas
dos meus longos cabelos brancos para senti-los alisados
elegantemente.

Eu te odeio, Legend, mas também agradeço. Pervertido.

Lentamente, viro-me, endireitando os ombros e afastando tudo


o que aconteceu momentos atrás.

É hora do show, e se alguém morre neste filme, é Knight. E


talvez suas aspirantes a vadias.
Os cabelos na minha nuca se eriçam, indicando que ela
finalmente chegou. Não que eu estivesse esperando. Meu punho
se fecha em torno do copo.

Ainda não consigo acreditar que, depois de renunciar


publicamente a London, sou forçado a jogar esse jogo. Encontrar
uma Rainha entre as quatro escolhidas estava fadado a ser um
pesadelo, e não do tipo divertido, mas decidir sobre uma Rainha
entre elas quando aquela que foi criada para ser ela está ao alcance
das minhas mãos? Tão perto que posso literalmente sentir o cheiro
enlouquecedor de sua carne?

Eu balanço minha cabeça.

Por que ela está suando? Está com calor?

Imediatamente, olho para o canto esquerdo do salão de baile,


onde a fada do fogo se balança no ar, cada balanço de suas pernas
alimentando a chama que emoldura a coroa. Eu deveria dizer a
London para se aproximar, para que possa sentir a energia que ela
transmite às escolhidas...

Que porra é essa?


Minhas sobrancelhas se franzem e eu engulo o que resta da
minha bebida, olhando para o fundo do copo vazio e desejando ter
o poder de estalar os dedos e encontrá-lo cheio mais uma
vez. Poderia estalar os dedos e a equipe viria e faria exatamente
isso tão rápido quanto eu piscaria, mas que dádiva seria poder
fazer isso sozinho.

— Outro, meu Lorde? — Ophira, a sereia ruiva, sussurra, suas


longas unhas acariciando a serpente dourada enrolada em sua
garganta.

— É assim que ela dorme? — Pergunto, notando como o corpo


parece tão duro quanto ouro verdadeiro.

Seus lábios se curvam para um lado, a borda de seus olhos


brilhando em vermelho. — Ela nunca dorme, meu Lorde. Se
dormisse... muitos homens morreriam. — Um sorriso sombrio se
forma em seu rosto. — A maioria seria uma morte desnecessária.

Meus olhos deslizam para a esquerda, fixando-se no cabelo


branco mais puro que já vi, e não consigo desviar o olhar enquanto
London sobe os degraus em direção ao bar.

Seu vestido se abre, expondo sua pele nua até o quadril. Está
mostrando aos outros o que é meu e eu deveria matá-la por isso.

Ela congela, sua cabeça vira para cá e nossos olhos se


cruzam. Ela engole em seco, e só quando seus olhos caem para
minhas mãos é que olho para baixo.
Cobertas de sangue seco e grandes cacos de vidro quebrados
entre meus punhos.

Uma pequena dor se forma no meu peito, mas desaparece


antes que eu possa descobrir de onde diabos veio ou o porquê está
ali.

— Talvez eu possa pedir para compartilhar alojamento com a


jovem rejeitada? Eu poderia resolver seu problema no espaço de
uma lua...

Antes que me dê conta do que estou fazendo, estou tentando


agarrar o pescoço da ruiva, com minhas garras puxadas e faminto
pela sensação de carne despedaçada.

O gemido profundo de Silver enche meus ouvidos e, quando


pestanejo, é o cheiro dele que chega às minhas narinas, seu corpo
envolvendo o meu em um abraço apertado, o rosto de Creed sobre
seu ombro direito e o de Sin sobre o esquerdo.

Como um só, eles avançam, empurrando-me para trás até que


saímos completamente do cômodo. As mãos de Silver encontram
meus ombros e levo um segundo para perceber que ele está me
puxando para poder se afastar.

Meus olhos se voltam para os buracos escancarados em seu


peito e olho para minhas mãos, sem ver as armas afiadas que
vivem dentro delas.

A pele de Silver começa a brilhar, as feridas se fecham


enquanto ele se cura por dentro. Quando seus olhos se abrem
novamente, aponta o dedo para mim antes de voltar para o portal
aberto, fechando-o logo atrás de si.

Sou deixado com meus irmãos em um quarto na mansão real.


Eu me levanto, estalo os dedos e crio um portal, mas estou tão
nervoso que não consigo enxergar direito. Não sei que tipo de
merda eles estão fazendo, mas não estou aqui para isso.

Creed fecha o portal com um gesto casual. — Relaxe — ele


exige. — Agora.

— Vá se foder.

Legend se junta a nós então, aparecendo atrás de mim. — Não


será ele quem estará fodido se você não conseguir se controlar.

— Não sou eu! — Grito, e meus irmãos param, os três se


aproximando um do outro, a confusão apontando em minha
direção. — Não é.

— Knight...

— Porra, não sou eu, Creed! — Grito, a raiva aumentando. —


Você acha que eu agiria como um maldito animal enlouquecido
durante o Midnight Mating por causa dela? Uma traidora? Uma
garota fraca que ama os humanos como se eles valessem mais do
que o sangue em suas veias? Uma maldita Gifted que nem sabe
abrir uma maldita porta sem agarrar a maçaneta?! — Jogo-me
contra as almofadas. — Que se dane o não e que se dane ela. Eu
a odeio, porra.
Ao dizer isso, uma dor aguda atravessa meu esterno como se
a fada da terra da festa de hoje tivesse estendido suas vinhas
espinhosas diretamente nele.

Creed encara, balançando a cabeça, enquanto Sin


simplesmente observa, provavelmente se perguntando se deveria
torturá-la um pouco mais para que eu me sentisse melhor, mas é
meu irmão mais novo que se ajoelha, aproximando seu rosto do
meu.

— Errado — ele diz com naturalidade. — É você e você sabem


disso. É uma parte mais profunda de você. A porra da parte mais
verdadeira. A parte que sabe o que você realmente é e o que quer,
e o que quer é a garota que pertence a ela. Não há como negar isso.
London pertence a você. Literalmente. Pode odiar isso e odiar a
garota, mas até destruir completamente o vínculo, esses são os
fatos. Mentir para si mesmo só o deixará furioso. Confie em mim.

Eu rosno, com raiva porque não consigo falar, porra. Não


posso reconhecer. Eu fiz isso. Por uma maldita fração de segundo,
soltei. Queria e cedi, e ela era a perfeição em minhas mãos.

E então descobri a verdade.

London Crow, não, Villaina Lacroix, não está destinada a ser


a Rainha de Rathe. Não, ela é o teste para o futuro Rei. Eu.

O destino me deu a filha do Slasher para testar meu valor. Para


testar não apenas o monstro sob minha pele, mas também o
homem que o usa; e não falharei em ceder à fraqueza que se
insinua sob meus ossos por causa dela. Não se engane. Isso é
exatamente o que ela é.
Uma fraqueza. Uma praga, destinada a destruir tudo o que
toca.

Lentamente, fico de pé e meu irmão se levanta comigo.

A resposta é fácil.

Eu só tenho que destruí-la primeiro.

E destruirei.

Os garçons usam piercings prateados sobre os mamilos e uma


tira de glitter translúcido cobre suas fendas, o resto de seus corpos
completamente nus. A maquiagem brilhante é elegantemente
desenhada acima e abaixo dos olhos, algumas desenhando até a
linha do cabelo em redemoinhos grossos, outras curvando-se até
os ossos pontiagudos de suas bochechas.

As pontas de suas orelhas são sutis e de aparência suave,


clipes prateados percorrendo muitos de seus lóbulos, embora não
todos. Como se fosse uma escolha. É bom saber que algumas
pessoas neste mundo ainda conseguem alguns desses.

— Talvez eu seja a única que não tem — murmuro.

— Não tem o quê? — Uma voz acetinada sussurra em meu


ouvido.
Meus olhos se fecham e arrepios percorrem minha pele.

— Eu... — Minha cabeça cai para o lado.

— Você o quê?

— Mm — murmuro levemente, minhas pálpebras tremem. —


Não tenho escolha.

— E o que você faria se tivesse? — Uma língua quente percorre


a pele exposta do meu ombro. — Diga-me, doce menina.

Aperto minhas coxas no primeiro toque de calor e meus dentes


afundam em meu lábio inferior no segundo. Há um estrondo e
depois um suspiro, e eu pisco, uma névoa se dissipando sobre
meus olhos.

Eu me viro, ficando cara a cara com um caos de olhos


selvagens e presas expostas, mas não é a visão da Gifted que pode
acabar sendo a vadia do Knight, que claramente é uma vampira,
que rouba o fôlego dos meus pulmões.

É a miragem pura e crepitante entre nós. É clara, parecida


com vidro, mas não é.

Meus olhos se estreitam ligeiramente, os dela se abrindo ao


máximo.

Estendo a mão para tocá-la, meus dedos deslizando facilmente


por ela, e no momento em que minha pele a toca, meu corpo se
ilumina. Um milhão de borboletas explodem no meu peito e a
tensão nos meus ombros se dissipa.
O sentimento e qualquer coisa que haja entre nós se dissipam
quando mãos envolvem a cabeça da garota, uma apoiada no queixo
dela, a outra na testa.

Olhos azuis travam e seguram os meus, e sem romper o


contato, ele quebra o pescoço da vampira, deixando o seu corpo
cair em um baque forte a seus pés.

Creed.

Ele passa por cima dela, por isso agora está pairando sobre
mim. O irmão que me odiou desde o início me estuda por um longo
momento, e eu estremeço quando uma vibração percorre minha
têmpora.

Ele está tentando entrar na minha cabeça, e se a raiva que


cresce a cada segundo que passa me diz alguma coisa, não
consegue.

Com isso, ele se afasta, mas pouco antes de passar perto da


minha orelha, fala em um sibilo furioso — Ela estava a ponto de
se tornar selvagem. O sangue em seu lábio é uma única gota e,
mesmo assim, ela não conseguiu resistir. — Ele se inclina mais
perto, sussurrando — Imagine o que aconteceria se ela sentisse
um pouco mais?

Eu me viro, observando enquanto ele atravessa o cômodo com


o mesmo ar de confiança de seu irmão, suas palavras girando em
minha cabeça pelo que parecem horas. Não demora muito até que
seu pai também entre.
Se você deseja sobreviver a isso, esqueça quem se tornou e
lembre-se de quem você era.

Nunca poderei perguntar a ele o que quis dizer com isso, mas
como quase me entreguei àquela fascinante e sanguinária – se é
que o irmão que eu menos esperava que fosse útil para mim
tentava me dizer o que acho que tentava me dizer – vampira que
atualmente luta pela marca do meu companheiro, não tenho
escolha. Isso não é ser uma cadela chorona. Isso é fato.

Sou uma peça importante no tabuleiro de um jogo que não


quero jogar, uma prisioneira da Corte Royal.

Minha atenção se volta para a esquerda da sala, onde Knight


e Sinner riem com um grupo de garotas, e o gelo enche minhas
veias, ardendo em minha pele como se fosse geada.

A sensação é tão potente que meus olhos baixam e franzo a


testa para a onda brilhante de tons azuis que vem de baixo da
minha pele. Eu rapidamente jogo meus braços atrás das costas,
meu olhar voando ao redor enquanto respiro fundo.

Bem, isso é... novo.

London.

Eu suspiro, meus músculos travando quando uma voz baixa


entra em minha mente. Fico em silêncio e, justamente quando me
convenço de que imaginei, o intruso está de volta.

London, se você pode me ouvir, deve ouvir. Você precisa fugir.


Aprender e ir embora.
Meus nervos atingem um pico máximo, minhas mãos voando
para minha cabeça e segurando-a enquanto me viro, olhando da
direita para a esquerda. Da esquerda para a direita.

— Quem... quem é...

Quando vejo pessoas olhando para mim, fecho a boca,


forçando-me a me acalmar.

Eu não posso surtar. Aqui não.

Nunca.

Não tenho motivo para ouvir uma voz dentro da minha cabeça,
especialmente quando é provavelmente o Sinner brincando com
minha mente, se não outro irmão Deveraux, mas se for um deles,
o plano de me deixar apavorada fracassará com a escolha das
palavras.

Aprender e ir embora. Isso foi o que ele disse.

E ele está certo, porra. É disso que eu preciso.

Não para me esconder e me acovardar, não me afogar na


tristeza por tudo que perdi ou simplesmente tentar sobreviver.
Preciso aprender como fazer.

Não sou Giftlesss. Eu tenho dons... só não tenho tanta certeza


de quais são, mas isso ainda nem importa. Preciso aprender o
básico, todas as coisas que o resto das pessoas da minha idade
aprenderam há uma década. As coisas que eu aprendia antes de
cometer um erro e matar Temperance e ser arrancada de minha
casa e jogada em uma nova. Se eu tivesse aprendido mais rápido,
talvez ela ainda estivesse viva.

A tristeza toma conta de mim, mas eu a afasto. Não posso


voltar atrás, mas posso usar o tempo que sou obrigada a ficar aqui
a meu favor.

Simples assim, decido.

Aprenderei e depois chocarei os Deverauxs.

Risadas falsas queimam meus ouvidos enquanto estreito meu


olhar para a maldita vampira que não está mais temporariamente
morta no chão, mas voltou para o lado de Knight com o resto de
suas prostitutas.

A porra da Alex Kova é uma delas.

A última vez que a vi, ela estava nua em cima do meu melhor
amigo, consumindo a energia dele para alimentar a sua própria.
Essas pessoas acham que podem fazer o que quiserem. Pegam
quando querem. Tocam quando querem. Matam quando querem...

A raiva arde no fundo do meu peito e eu aceito a dor.

— Que se dane. É melhor assim.

Com a cabeça erguida e o rosto inexpressivo como sempre, vou


até eles, lembrando-me repetidamente de que o medo é uma
característica humana e, no final das contas... eu não sou
humana. Ironicamente, é um pensamento aterrorizante, mas
também fortalecedor, porque não sou humana, porra.

Eu sou mais.
Sem mais nem menos, a tensão se desprende de meus ombros
em ondas leves.

Meus lábios se erguem de um lado e não me importo mais se


esse vestido ridículo fica no lugar ou se minha boceta está à mostra
para todos verem. Nunca fui recatada e com certeza não começarei
a ser em um lugar que vê o sexo como uma saudação casual.

Knight me sente após o primeiro passo que dou e, sim, talvez


eu tenha tentado alcançar o vínculo que está desgastado entre nós,
mas ele finge que não, até não poder mais me ignorar. Até que ele
só consiga se concentrar em mim e sua cabeça seja forçada a se
virar para cá.

Seus olhos se estreitam, mas ele se lembra de que não está


nem aí e pinta o rosto de branco com a mesma rapidez.

Pegando uma taça de cristal cheia de purpurina, bebo o


líquido esquisito sem me importar com o que seja. Aproximo-me
do grupo e, com uma velocidade que não sabia que tinha, quebro
o fundo do copo, cortando-o na palma da mão aberta, e depois o
enfio no pescoço da vadia da Alex, passando meu sangue em sua
bochecha ao longo do caminho para que meu cheiro se misture ao
dela.

O sangue jorra descontroladamente, e eu afasto, rindo


enquanto os olhos da vampira irritante ficam emoldurados por
profundas veias vermelhas, suas presas descendo e afundando na
carne de Alex. As pessoas gritam, feitiços são lançados, mas é
tarde demais e todos sabem disso – a vampira está perdida na sede
de sangue.
A vadia precisa ser eliminada.

Knight é quem avança, sua mão inteira desaparecendo no


peito da morena, surgindo com seu coração negro em sua mão
depois que ele o arrancou de seu corpo.

Pela segunda vez esta noite, a vampira desaba no chão e desta


vez ela não se levantará.

As pessoas se movem, mas eu não presto atenção nelas.

Meus olhos estão grudados aos do meu companheiro, fixos no


choque total que cobre seu rosto.

Ben adoraria ver isso.

Meu coração dói com o pensamento, mas mantenho meu


sorriso firme, porque se não posso ter meu melhor amigo, ele não
pode ter seu reino. Eu tirarei isso debaixo dele se for preciso.

Como se lesse minha mente, a mandíbula de Knight treme de


fúria, por isso inclino a cabeça com um sorriso, passando a língua
pela palma da mão para limpar o corte.

— Uma já foi… faltam três.

Com isso, viro-me e vou para a pista de dança. Se a dormência


voltará, é melhor deixar meus músculos queimarem um pouco.

Eu nem sequer me virei completamente, o sorriso ainda


presunçoso em minha boca, quando uma mão chega à minha
nuca, paralisando-me. Meus joelhos ficam gelatinosos à medida
que ele aperta com força, forçando minha cabeça para trás na
tentativa de detê-lo.
Os lábios chegam à concha da minha orelha. — O ciúme não
fica bem em você, Little London...

Eu me forço a sair de seu controle, mas não estou delirando.


Sei que se ele não quisesse me libertar, eu não teria conseguido
me afastar de seu abraço.

Virando-me, levo meus olhos até os dele lentamente,


entrelaçando meus dedos com os seus ensanguentados. Eu os
trago aos meus lábios, sugando seu dedo indicador em minha boca
enquanto agito meus cílios para ele.

— Talvez não — provoco, passando o polegar no canto da boca


enquanto abaixo a mão dele. — Mas o sangue sim.

Antes que ele possa fazer qualquer outra loucura, como


finalmente me matar desta vez, danço em meio ao mar de pessoas,
roubando um copo de Faepagne azul cintilante de um garçom.
Fechando os olhos, deixo meus quadris balançarem com a música,
levando o copo aos lábios. As bolhas evaporam na minha língua,
deixando notas inebriantes de prata por trás do álcool potente. A
música muda para uma melodia mais suave, mas não paro. Posso
sentir as garras do caos percorrendo lentamente a superfície da
minha pele e, a qualquer momento, elas podem se romper.

— Eu sabia que você sabia dançar… — A mão de Legend vem


até a minha enquanto me força contra seu peito, ambas as mãos
encontrando a posição inicial da valsa. O copo escorrega da minha
mão, mas não cai no chão, pois Legend se encarrega disso com um
simples movimento de sua sobrancelha perfeita.
— Como você é tão bonito? — Pergunto, dando um passo para
trás e seguindo seus passos. As luzes diminuem ainda mais, assim
que ele me joga para trás. O teto se move como uma via láctea,
com nuvens espessas protegendo um nascer do sol ardente. O
salão de baile inteiro cheira a magia, mas não é necessário cheirá-
la para vê-la ao seu redor.

Ele me puxa suavemente, colocando a mão no meio das


minhas costas.

O canto de seu lábio se contrai. — Você não ouviu? Eu sou o


favorito do Diabo.

Eu o ignoro, não querendo me envolver em conversa fiada.


Seus olhos se estreitam e caem em minha boca. — Quantas mais
escolhidas teremos que chamar? Você matara todas elas? Preciso
saber para fazer compras com antecedência.

Minha boca se fecha e eu cerro os dentes. Odeio o fato de ter


me deixado levar pelo que eles pensavam que eu faria e pelo que
ele queria que eu fizesse. Não importa o quanto fosse bom.

— Hmmm? — Legend se abaixa para encontrar meus olhos. —


Derrubar as meninas, uma de cada vez, não é surpreendente. Você
não achou que tínhamos reforços? — Legend se endireita, olhando
por cima do meu ombro por um breve segundo. — Honestamente,
este não é o primeiro Yemon e quase todas as vezes as pessoas são
eliminadas.

— Não gosto quando você fala com razão, Legend. Diga outra
coisa.
Ele sorri para mim, aproximando sua boca da minha
bochecha. Está tão perto que posso sentir sua colônia potente
queimando o meu nariz. — Quando você terminar de brincar com
os inúteis, venha encontrar meu pau para fo...

O ar é tirado de mim quando a música muda para Skin, de


Rhianna, e uma mão aperta meu braço, forçando-me a colidir com
um peito. Um peito maior. Um que reconheço e, neste momento,
desprezo.

— Se acha que compartilharei você, está enganada.

Não me preocupo em esconder a risada amarga que irrompe


do meu peito. — Eu não sou sua para compartilhar.

Seu aperto em volta da minha cintura se intensifica e juro que


ouço minhas costelas estalarem. — Quer tentar de novo? — Seu
tom mal passa de um sussurro.

— Não. Não tentarei. Porque não sou sua para compartilhar.


Você tirou esse direito quando matou meu melhor amigo e admitiu
abertamente que eu não era sua.

— Você ainda é minha, London, e além do fato de que tenho


que encontrar uma Rainha... — ele para de dançar e sinto a
pontada afiada de sua presa em meu ombro. — Você ainda é minha
companheira.

Dessa vez, meus dedos chegam até a sua nuca dele, forçando-
o a se aproximar de mim. Seu cabelo roça a ponta do meu nariz e
tenho que prender a respiração por alguns segundos para me
recompor. Ao contrário de Legend, a colônia de Knight não é muito
forte. É uma mistura ameaçadora de rosa, oud e cinzas da
montanha.

— Você pode ser meu companheiro, mas nunca serei sua. —


Eu me afasto dele, já farta de qualquer que seja a besteira que foi
essa noite. Que tal isso? A primeira noite desse Yemon e já matei
alguém e quase fodi com o irmão do meu companheiro.

Gostaria que não fosse um quase, para que eu pudesse pelo


menos me sentir melhor com o fato de que esta noite, tenho
certeza, Knight levará outra pessoa para sua cama.
Meu joelho não para de balançar. O caos foi a primeira coisa
que me lembro de ter sentido quando era garoto. Minha mãe o
usava para apaziguar minha necessidade de morte.

— Você precisa relaxar. — Legend chuta meu pé com o dele,


mas o ignoro.

Mantenho meu olhar fixo na parede do lado oposto do cômodo.


As sombras batem nos lustres que pendem de cima e, de vez em
quando, pego-me contando até dez para acalmar aquela coceira
louca que quer arrancar as pontas dos meus dedos, como
acontecia quando eu era criança.

Portanto, minha mãe me jogava no meio de um campo e


deixava que eu estragasse tudo em meu caminho. Era um
mecanismo de enfrentamento. Um mecanismo que não praticava
há algum tempo, por isso os danos de London.

— Você não sabe do que diabos eu preciso. — Levanto meu


copo até os lábios, limpando o pó Fae que sobrou em minhas
narinas.

— Na verdade, tenho uma ideia — ele provoca, e não preciso


seguir sua linha de visão para saber exatamente para quem ele
está olhando. Ela passa o cabelo branco e pálido por cima do
ombro e, deixando a raiva de lado, sinto meu pau endurecer em
minhas calças ao vê-la.

Porra.

Deixo meu copo encostado em meus lábios. Não posso deixar


de me perguntar se quem quer que tenha matado o Rei é ousado o
suficiente para comparecer ao baile desta noite. Era preciso ter um
par de bolas pesadas para derrubá-lo, por isso acho que sim.
Porra, claro que sim, eles flutuariam em um salão de baile
bonitinho só para ver como reagiríamos. Odeio o fato de que nos
vejam, mas nós não os vemos.

O fogo toca meu peito e meus olhos voam para a mão de


London, onde outro cara toca a dela no exato momento. Ela agita
os cílios para ele olhando de baixo para cima, deixando um
fantasma de um sorriso sedutor decorado em sua boca. Vadia
atrevida.

Legend se inclina para mim. — Vai cuidar disso?

Eu sei o que ele está perguntando – se eu causarei uma cena.


E eu causaria, mas, do jeito que London está ultimamente, todos
sabemos que ela não teria problema algum em devolver o quanto
eu ofereço. Não quero drama. Não depois da morte.

Levanto-me da cadeira, tomo o restante da minha bebida e a


deixo sobre o ferro flutuante que paira ao lado do meu trono.
Dando dois passos de cada vez, as pessoas se separam como o
maldito Mar Vermelho enquanto diminuo a distância entre nós.
Quanto mais ela se aproxima, mais a mesma raiva ferve.
Estendo a mão para o braço dela e a puxo para o meu peito. O
cara com quem ela fala ser afasta um pouco. Seus olhos captam
os meus e eu cerro os dentes, observando seu rosto empalidecer
ligeiramente. Passe. Eu me perguntava se alguém tão ousado para
matar o Rei seria o mesmo que tocaria a companheira de um Lorde.

— Ah, para trás! — A mão de London está em meu peito,


forçando-me a ir embora.

É fofo que ela pense que pode, por isso meus olhos se deslocam
entre sua mão e seu rosto, sem fazer nada para esconder meu
sorriso.

Envolvendo a mão em seu pulso frágil, meu sorriso desaparece


quando a puxo de volta para o meu peito e começo a acompanhá-
la até o outro lado do cômodo.

— Não gosto muito dessa distância entre nós, companheira —


mordo o lóbulo de sua orelha. — O único momento em que deve
haver espaço entre nós é quando estou sugando o seu último
suspiro.

Vejo as portas duplas douradas ao longe e, por mais que


London possa lutar contra mim, ela sabe que não é páreo. É como
um filhote de rato lutando por sua vida enquanto o penduro pela
cauda sobre um covil de pítons.

Assim que abro as portas, empurro-a para frente até que


tropece, e ela detém a queda com as mãos, levantando-se
rapidamente.
— Deixe-me ser claro, companheira. — A palavra não saiu da
minha boca antes que um punho voasse em direção ao meu rosto.
Nem me dei ao trabalho de desviar do golpe, encarando-a de frente
e sorrindo para ela quando gritou, segurando os nós dos dedos na
palma da mão.

— Eu odeio você!

— Idem! — Minha mão encontra sua garganta e eu a


arremesso pelo cômodo até que ela se choque contra uma parede
forrada de livros. Caindo no chão, mas não me importo, porque
essa vadia testou meu último limite, e o que me restava ela
queimou no segundo em que me irritou.

Aperto suas bochechas com tanta força que seus lábios fazem
beicinho.

— Você não toca em outro homem perto de mim, London. Quer


ver o que acontece se fizer isso? Ou esse aviso é suficiente para
você? — A mesma raiva queima silenciosamente na parte de trás
de meus ouvidos. — Responda-me!

— Vá se foder.

O canto da minha boca se curva para cima e me inclino para


frente, tão perto que nossos lábios se tocam. — Com prazer.

Sua mandíbula se retesa e ela tenta se afastar, mas eu caio


para a frente na curva de seu pescoço. Sinto meu coração batendo
no peito como se fosse uma stripper em um mastro. Odeio isso. O
que ela faz comigo. Quero me livrar de tudo isso, mas, em vez
disso, sempre me encontro aqui. Inalando-a como uma droga,
como se ela me pertencesse. Porque pertence. E se não
pertencesse, eu mataria todos os traficantes na rua e a trancaria
em meu porão só para reivindicá-la como minha.

— London — sussurro contra a curva de seu pescoço. — Foda-


me como você luta comigo.

Ela solta um suspiro constante, mas sinto os pequenos


arrepios surgirem em sua pele, desencadeando os meus. — Eu te
odeio — sussurra tão suavemente que quase passa despercebido.

— Nós percebemos isso, mas... — Quando ela não se vira para


mim, seguro seu queixo e forço seus lábios nos meus. — Eu ainda
sou apenas seu para odiar.

Ela luta no início. Recusando-se a abrir os lábios macios até


que minha língua mergulhe dentro. Seu calor me envolve da
cabeça aos pés e alcanço suas costas, prendendo-a no lugar para
que fique colada em mim. Seu corpinho treme sob mim assim
como seu peso cai, mas eu a seguro, pegando-a e forçando suas
pernas ao redor da minha cintura. Aprofundando o beijo, chupo
seu lábio inferior enquanto ela coloca a mão entre nós,
desafivelando meu cinto e forçando minhas calças para baixo
sobre meu pau. Devido à simplicidade de seu vestido, só preciso
passar minhas mãos por suas coxas para levantá-lo ainda mais
até que a seda caia de seu corpo como o leite cai no mel.

Ela para por um segundo, mas é tarde demais, porque sua


outra mão está envolta em meu pau e deslizo seu vestido para o
lado, mergulhando meu dedo entre sua dobra e circulando com
força, capturando sua boca novamente para me distrair com seus
beijos mortais.

Sua mão encontra a parte de trás da minha cabeça enquanto


eu direciono meu pau contra sua entrada. Arrepios percorrem
minha espinha quando sinto seu calor acariciar a ponta do meu
pau. Com uma mão em sua garganta, gemo conforme me forço
para dentro dela.

— Porra — ofego, rangendo os dentes enquanto me movo


lentamente cada vez mais fundo dentro dela.

Eu me afasto, e então empurro para frente, preso em um


transe de seu corpo contra o meu. Seus lábios nos meus. Sua
língua contra a minha.

Minha, minha, minha.

Com minha outra mão, forço seu vestido para baixo sobre seu
mamilo inchado, beliscando-o entre meus dedos tão forte que ela
sibila com uma mordida em meu lábio inferior.

Eu sorrio contra seus lábios macios, aumentando meu ritmo


e trabalhando duro dentro dela.

— Knight, merda... — Ela tenta se mover para frente, mas


sinto minhas bolas se apertarem ao mesmo tempo que suas
paredes se contraem ao meu redor como um maldito torno.

Suas costas batem na estante enquanto seu clitóris esfrega


contra minha pélvis. Meu pau atinge a borda de seu colo do útero
a cada estocada, e suas pernas se apertam ao redor da minha
cintura enquanto sua respiração se torna mais desesperada. Eu
capturo cada gemido com um movimento da minha língua, meus
dentes alongando-se quanto mais perto chego de gozar.

Seu corpo tensiona e sinto o momento exato em que ela se


solta ao meu redor. Seu corpo se sacode violentamente enquanto
o gozo jorra sobre meu eixo e desce pelas minhas bolas. Aperto
com mais força a sua garganta até sentir o esôfago estalar na
palma da minha mão.

— Porra, London... — Gemo, tão perto que posso sentir o calor


pronto para explodir dentro de mim. Sei que será violento e difícil.
Há muito tempo que eu queria isso, tê-la me fodendo com ódio e
hematomas por todo o corpo.

Sinto o metal frio contra minha nuca e quase quero revirar os


olhos.

— Você acha que isso me impedirá de gozar? — Insisto,


desafiando-a com um olhar firme.

Ela não responde, mas sinto o corte da lâmina abrir minha


pele atrás do pescoço. A adrenalina corre em minhas veias e meu
aperto em sua garganta se intensifica ainda mais. O pânico brilha
em seus olhos por um segundo quando diminuo a velocidade de
minhas investidas.

— Terá que fazer melhor do que isso, baby. — Estico a mão


atrás do meu pescoço para pegar a lâmina dela, levando-a à sua
boca. Mergulho-a dentro de sua boca, observando como o líquido
vermelho cai sobre o inchaço de seus lábios perfeitos antes de
deixá-la cair no chão enquanto me retiro, apenas para forçá-la a
se virar, empurrando seu rosto contra uma das estantes.
Enrolando seus longos cabelos em meu pulso, puxo sua
cabeça para trás e dou um tapa em sua bunda com a outra mão,
inclinando a cabeça para ver a cena. — Sabe que gosto quando
você luta.

Volto a penetrá-la com tanta força que suas costas se


arqueiam e o grito que sai de sua boca deixará histórias nestas
paredes. Eu a bombeio com força. Áspero. E rápido. Mesmo que
ela tenha me enganado usando a mesma lâmina que matou o Rei.

— Knight! — Ela grita, mas eu não paro.

— O quê? — Eu rio. — Você quer que eu pare?

— Si...

Eu a fodo com força, minhas bolas batendo contra sua boceta


encharcada a cada investida. Sua boceta chora de prazer,
deixando gotas de lágrimas deslizando sobre minhas bolas
enquanto pequenas convulsões a deixam. Seu corpo é o brinquedo
que nunca soube que queria, e agora que o tenho, vou desmontá-
lo e estudá-lo de dentro para fora. Ver o que a faz vibrar.

— Você sabe que é minha, London... diga. — Quando ela não


responde e tenta lutar contra os gemidos que saem de sua boca,
puxo ainda mais seus cabelos, tanto que tenho certeza de ter
arrancado alguns de seus folículos. — Diga!

— Egh! Nunca... — Tiro meu pau de dentro dela e vejo meu


esperma quente jorrar por toda a sua bunda e vestido. Recuo,
afastando-me enquanto ela tropeça docilmente no chão.
Ela olha para mim de sua posição, com o cabelo emaranhado
e a maquiagem borrada. — Eu odeio você.

— Talvez, mas sua boceta não.

Eu me viro para sair, incapaz de entender a razão pela qual


acabei de fazer isso. Uma mistura de irritação e descrença me
inunda, e sei o que tenho de fazer. Eu sei. Porque, por mais que
eu tente lutar contra isso, sei que a London é um risco real. Ela
acabou de tentar me matar no meio do sexo.

A vadia é louca. Se eu não conseguir ganhar seu perdão, vou


tirá-lo dela sem que ela perceba.
Fixo meu olhar na grande porta que se arredonda nas bordas
em um arco, antes de voltar para o espesso tapete. O branco é
quase um tapa na cara para tudo o que eu não sou. A pureza dessa
coisa sozinha me insulta.

Levo minha mão até a maçaneta de cristal. Obsidiana. Girando


a maçaneta, empurro-a para frente e fico boquiaberta com o que
está esparramado diante de mim. Paredes imaculadas e brilhos
reluzem contra o grande lustre pendurado no meio do cômodo. Isso
queima, porra. Tudo queima. O cheiro de caramelo aceso se
espalha pelo ar em ondas suaves e lentamente tiro meus saltos,
inclinando-me para pegá-los antes de dar mais um passo.

É melhor que essa merda seja uma ilusão. E droga. Existe


algum lugar onde eu possa limpar o esperma da minha bunda
como uma puta barata que acabou de ser fodida para obter
perdão? Consigo lidar com o Knight. O Knight para mim é como
andar de bicicleta... se a bicicleta estivesse a caminho do inferno.
Ele pensará que eu tentei matá-lo? Provavelmente. Eu tentei matá-
lo? Provavelmente.

Eu passo pela soleira. — Merda.


— Oh! Você está aqui! — Uma mulher sai correndo por uma
das portas no final do cômodo, carregando uma cesta. Ela é mais
alta, mais magra e tem cabelo loiro cortado curto ao redor do
pescoço.

Ela coloca a cesta em cima da cama e o cobertor se move como


uma onda fluida. — Eu sou Angela, sua dama de companhia.

— Minha o quê? — Levanto uma sobrancelha, incerta do que


pensar. Um quarto branco e limpo com as únicas explosões de cor
vindo das flores femininas plantadas nos cantos e paredes do
quarto, e agora uma dama de companhia? Legend precisa tirar sua
bunda daqui e acabar com essa ilusão. Sinner com certeza não
fará isso.

Deixo meus saltos ao lado da cama, apoiando minha mão em


um dos pilares dourados. Dou-lhe um pequeno sacolejo para
testar. Exatamente como eu pensava. Ouro puro. — Maldito
idiota.

Ela morde os lábios, mas se ocupa com a cesta, espalhando os


cremes na cama. Brilho de unicórnio, esfoliante de pixie, óleo
corporal de cânhamo. Eu nunca precisaria de nada.

— Estou no quarto do outro lado daquela porta. — Ela olha


por cima do meu ombro e eu sigo seu olhar. Há uma parede bem
atrás da minha cama, mas do outro lado dessa parede há uma
porta - bem menor do que a que entra aqui. O teto é alto, e sigo a
trilha de lírios brancos que crescem como videiras pelos pilares
que revestem o teto. Definitivamente, esse quarto é para me
castigar.
Corro para o outro lado do espaço, onde há cortinas de rede.
Forçando-as a se abrirem, meu coração se esvazia quando encaro
uma parede em branco. Nenhum pátio. Nenhuma janela. Apenas
uma parede do outro lado das cortinas. Isso é definitivamente
intencional.

— Está tudo bem, senhorita?

— Faria diferença se não estivesse? — Eu olho para ela por


cima do ombro, e a fada dá um pequeno sorriso porque nós duas
sabemos a resposta, então qual é o sentido de dizê-la em voz alta?

— Se você dormir, durma quando o glitter brilhar em um azul


da meia-noite. Quando vir o coral, será o que você chamaria de
manhã e lavanda o resto do tempo. Essa é a única maneira de
conseguir acompanhar o tempo humano aqui.

Nossos olhares se cruzam e o meu se estreita. Portanto, ela


recebeu a mesma história de garota Gifted perdida que o Ministry
parece ter?

— Todo mundo sabe que fui criada no mundo humano?

— Você odiava o quarto antes mesmo de entrar, mas ele


permanece o mesmo a cada momento que passa — diz a mulher.
— Os Gifted criados em Rathe são mimados demais para isso.

Solto uma pequena risada e juro que a mulher se vira para


esconder o sorriso.

— Há um guarda-roupa completo no armário e a programação


de eventos aparecerá se você estiver diante de suas portas. O
próximo passo é o café da manhã no Gnomes Gardens. Seu
encontro individual com Lorde Deveraux será sua última tarefa
antes de tudo começar novamente.

— Um a um? — Meu estômago se revira e, quando pressiono


a palma da mão contra ele, encontro um cetim macio. Olhando
para baixo, descubro que não estou mais com o vestido sexy que
Legend me vestiu, mas com um pijama branco puro, largo e
cobrindo cada centímetro de minha pele, do pescoço aos
tornozelos.

Suspirando, deixo minha cabeça cair para trás e fecho os


olhos, mas quando os abro, ofego.

O teto se deslocou, os céus se mostrando acima, mas não foi


isso que fez meus lábios se abrirem.

É ele.

O dragão amigo de Kaia paira acima, com suas asas gigantes


batendo para mantê-lo estável, enviando uma rajada de vento
sobre meu rosto e soprando meu cabelo em meus olhos. Esforço-
me para colocar os fios soltos atrás da orelha para poder olhar para
a magnífica fera novamente... mas ela se foi, e em seu lugar há um
vórtice de nuvens brancas.

— Vocês percebem que estão hospedando um cortejo para o


futuro Rei da Magia das Trevas, certo? Um Stygian, não um
Argent?

— Claro, minha senhora. — Ela puxa a roupa de cama para


baixo e depois passa a mão diante da mesa ao lado da cama. De
repente, vapor sobe da pequena xícara de chá. Seu olhar encontra
o meu por cima do ombro e ela oferece um sorriso hesitante. — No
entanto, os quartos estão enfeitiçados pelo sangue. Seu sangue. O
que vê é o que o Ministry considerou que você é.

— Isso não faz sentido.

— Não buscamos respostas em coisas como o bom senso. Essa


é uma prática humana. Isto — ela aponta ao redor do quarto — é
resultado de sua humanidade. Isso consome você.

Os humanos têm qualidades melhores do que a maioria das


pessoas que conheci em Rathe até agora, mas não digo isso a essa
mulher que provavelmente nunca deixou as terras. Eu me atenho
aos fatos.

— Não sou Argent. Tenho sangue Stygian. Quero dizer,


caramba, meu c... — eu me interrompo. — Quero dizer, se eu sou
supostamente a futura companheira do Rei, devo ser bem sombria,
certo? Tipo... alguns passos abaixo do The Slasher, sombria... —
lanço isso, testando para ver se ela sabe mais do que disse.

— Não fale dele dentro dessas paredes — ela sibila em um


sussurro, vindo rapidamente na minha direção enquanto olha ao
redor do quarto. Seus olhos brilham em um verde vivo conforme
encontram os meus, e quando ela fala, é em um sussurro. — A
Faelific Fortress é um lugar de segurança e santuário para todos
os tipos.

— Então, ouvi.

— Você ouviu o porquê foi criada?


A tensão me percorre e, embora sinta que posso dar um palpite
educado neste momento, quero ouvir isso da boca da dama.
Balanço a cabeça negativamente.

— Para aqueles que se acreditava serem caçados por sabe


quem, e as famílias que foram abandonadas depois do fato.

Os Gifted que meu pai poupou após assassinar alguns


membros de suas famílias, ela quer dizer.

A dama, minha dama, continua. — Continuamos a proteger os


civis da magia até hoje, daí o motivo do cortejo ser realizado aqui.
Yemon não pode romper essas paredes; foram construídas com os
ossos da primeira Fairy7 a pisar nessas terras. Aqui, você está a
salvo do que está além dessas paredes.

No entanto, não do que está dentro delas...

Ela não diz isso, mas a maneira como inclina o queixo diz
tudo.

Estremeço quando a mulher agarra minhas mãos, mas há


uma suavidade nela que me faz permitir que sua palma encontre
a minha.

Ela murmura tão baixo que quase não consigo ouvir, e quando
suas sobrancelhas se levantam, falo as palavras com ela em
uníssono.

— Usar a língua não é a maneira mais simples quando a


maioria pode simplesmente pensar ou estalar o que deseja e fazer

-Em português, fada.


7
acontecer, mas é a maneira mais rápida de aprender e requer
pouca energia. — Ela me solta e dá um passo para trás, franzindo
a testa para meu peito. — Não é o que eu esperava. — Seus olhos
encontram os meus. — Até a próxima vez, minha senhora.

A mulher faz uma reverência e, em seguida, todo o seu ser se


encolhe até que ela não fique mais alta do que a minha rótula.
Desaparece pela pequena porta no canto e é só quando vou colocar
as mãos nos quadris que percebo o que aconteceu.

Foi-se o pijama de cetim branco que toda mãe suburbana do


mundo humano provavelmente possui e, em seu lugar... uma
camiseta desbotada do Daragan State Hockey.

Um soluço sufocado escapa de mim e caio de joelhos onde


estou, segurando a camiseta com os punhos. Lágrimas caem de
meus olhos e não me dou ao trabalho de tentar combatê-las. Deito-
me de costas no carpete feio e fecho os olhos, segurando o algodão
velho e desejando que fosse a mão do meu melhor amigo, e não a
sua camiseta velha de treino que provavelmente nem é real.

Enquanto olho para ela por mais algum tempo, algo em meu
peito se agita, uma névoa cai sobre minha visão e a energia passa
por meus dedos. Minha visão clareia e, de repente, não é a
camiseta antiga do Ben que estou usando, mas uma camisa
grande, só que essa não é do Daragan State. É da Rathe U, e nas
costas, conforme olho por cima do ombro, está o sobrenome
Deveraux.

Esta é a camisa de Knight.


Uma culpa como nunca vista antes cai sobre mim, pesando
tanto que não consigo respirar. Até que tenha certeza de que me
sufocarei com ela.

Por que meu subconsciente está sempre consumido por


pensamentos sobre ele? Arranco a camiseta, mas não consigo jogá-
la fora, por isso a coloco embaixo do travesseiro e puxo o roupão
de cetim que minha dama de companhia colocou aos pés da cama.

Eu transei com ele. Deixei que ele me tocasse com as mesmas


mãos que assassinaram a pessoa mais importante da minha vida.
Sou uma maldita desgraça. Uma bagunça completa.

Ou um desastre, na verdade. E estou me desfazendo.

— Sinto sua falta, Ben.

Muito.

Mesmo.

Porra.
O seu coração parou de bater. Eu a matei com minhas próprias
mãos, e ela renasceu como era destinada.

Como minha.

Sua pele, de um tom impecável de pálido, suas bochechas com


um rosa natural. Seus cabelos nevados de alguma forma mais
brancos, como se congelados pelas profundezas mais remotas do
inverno, brilham sob o pó das nebulosas acima, tentando-me a
agarrá-los com meu punho. Envolvê-los firmemente e erguê-la de
onde está deitada. Rastejar sobre ela, e abrir à força seus lábios
carnudos e macios para deslizar meu pau entre eles.

Poderia. Eu a arruinei.

Uma maldita traidora da Corte Royal, foi o que pensei que ela
fosse, mas eu estava errado.

Tão errado, porra.

Essa garota guarda uma parte de mim dentro dela. Se eu


soubesse onde ela a mantém escondida, poderia simplesmente
rasgá-la e pegá-la de volta, mas não sou idiota. Sei que não é assim
que funciona, assim como sei o que acontece em seguida.
Já está acontecendo. Eu sinto, no fundo do meu peito onde
dizem que o vínculo é criado. Não é mais uma dor oca buscando
algo que não pode encontrar. Ele a encontrou.

Ele a quer.

Eu a quero.

Cerro os dentes, negando os pensamentos que não consigo


controlar. O coração oco que se revelou no momento em que ela
estava ao alcance de minhas mãos de volta à Terra, agora está
cheio, mas há um buraco que não deveria existir. Vaza como piche
negro, queimando em minhas veias a cada estrela moribunda
acima.

Ela também deve sentir isso. A tensão em seu dom, as


correntes que se enrolam em torno dele – castigo do destino por
negar o dom que ele me deu – não que ela sequer saiba como é o
seu dom.

Vencerei, a guerra contra minha mente, porém, mesmo que as


razões agora sejam diferentes das de uma hora atrás.

Desistirei da bonequinha, cuja perfeição me provoca.

Não posso ficar com você, Little London.

Meus dedos se contorcem para tocar o que é meu no momento


em que penso nisso, por isso invoco os ventos acima, deslizando-
os ao longo de sua bochecha. Seus lábios se curvam durante o
sono e tenho que desviar o olhar.
Apenas algumas horas atrás, eu a tinha enrolada em meu pau.
Agora, a sensação é diferente. Como um adeus.

Levo a borda da garrafa à minha boca, sem conseguir tirar os


olhos de sua pele de seda. Sua perna está apoiada para fora dos
lençóis, na linha direta da luz pesada da lua que atravessa o vidro
estrelado acima. Não era isso que eu queria, mas sei que estou
encurralado em um canto sem nenhuma escolha.

Colocando a garrafa de uísque, agora vazia, na mesa ao meu


lado, fico de pé. Ainda posso sentir o seu cheiro ao meu redor, seu
cheiro se agarra a mim como se pertencesse a ele. Porque pertence.
Tudo em London pertence a mim, até mesmo sua raiva e ira. Eu a
envolveria em meus braços e a deixaria sucumbir ao meu toque.
Porra, mas eu a odeio.

Eu odiava ainda mais, porém, o fato de não a odiar de forma


alguma.

Sibilando, cerro os dentes e diminuo a distância entre nós até


que sua cama bata em minhas canelas. Inclinando-me para a
frente, afasto o cabelo loiro de sua bochecha e enrijeço quando ela
rola para trás, com o roupão de seda se abrindo e expondo sua
carne impecável. Dois mamilos perfeitamente rosados olham para
mim, sua barriga tonificada se contrai quando ela abre as pernas.

— Porra... — Eu rosno, passando levemente a ponta do meu


dedo na parte interna de sua coxa exposta. Não é o calor que
percorre todo o meu corpo com o simples toque, é o gelo.

Como gelo sendo borrifado em meu sangue. Eu preciso dela,


mas não posso tê-la. Eu não a mereço, e ela não me quer.
Ela nunca me desejaria.

— Você tem o hábito de me observar enquanto durmo? — Ela


sussurra sonolenta, mas seu corpo não se move.

— Às vezes. Outras vezes gozo na sua boca e você nem percebe.

Ela não faz nenhum comentário engraçado, apenas olha


fixamente, com uma tristeza que não consigo suportar em seus
olhos. — Knight?

Eu me ajoelho na beirada da cama, tentando me concentrar


novamente na banheira solitária que está no meio do quarto. Só
que começo a imaginar London nua naquela banheira e todas as
formas diferentes de fodê-la dentro e fora dela. Eu limpo minha
garganta.

— Não quero te odiar, mas odeio. — Suas palavras me trazem


de volta ao presente. London é uma mulher durona e não suaviza
suas arestas para ninguém. Eu amava isso nela. Ela pegava o que
queria e não se importava com o que isso parecia para os outros.
Diria narcisista se ela não tivesse tantos traços admiráveis que
contradizem o termo.

Ela deve ter rolado para o lado porque a cama se move sob
mim.

— Odiarei você para sempre, Knight. Eu me conheço. — Sua


voz é abafada pelo sono.

Tenho que lutar comigo mesmo para não olhar para ela e ver
se realmente está acordada. Eu sei disso, mas saber e ouvir as
palavras enquanto saem de seus lábios é muito diferente.
— Eu nunca te perdoarei e tornarei sua vida miserável. — A
palavra final é um fantasma de sílabas em sua boca, e quando
finalmente olho para ela, fico surpreso ao ver seus olhos fracos nos
meus. — Então, por enquanto, você pode simplesmente deitar
comigo.

É como um soco no estômago, só que o punho segura C4 e


explode dentro de mim.

Tirando os sapatos, deslizo debaixo das cobertas, prendendo


a respiração quando ela se aproxima de mim. Sua energia é suave
quando ela abaixa a cabeça em meu peito, e finalmente solto o
fôlego que segurava. O primeiro em semanas infernais.

London e eu somos muitas coisas, mas gentis um com o outro


não é uma delas. Eu fecho os olhos com força enquanto imagens
de antes passam na minha cabeça. A verdade correndo pela minha
mente como um lembrete de como fui estúpido. Quão cego.
Enganado.

Ela levanta a perna sobre a minha e eu ligeiramente abro as


pernas para dar mais acesso a ela. O silêncio bate entre nós, seu
coração batendo contra minha caixa torácica. Viro-me
ligeiramente, assim como ela curva a cabeça para olhar para mim.
Eu capturo seus lábios com os meus. O fogo irrompe
profundamente em meu peito e minha mão encontra seu cabelo,
apertando-o contra o couro cabeludo. Ela geme suavemente à
medida que a levanto gentilmente. Ela cavalga minha cintura sem
interromper o beijo, sua língua mergulhando em minha boca e
acariciando a minha. Eu movo minhas mãos mais para cima em
suas coxas, movendo sua camisola de seda até que minhas mãos
pousem em sua bunda.

Pegando seu lábio com meus dentes, ela se move para frente,
sua mão vindo entre nós. Alcançando minhas calças, ela tira meu
pau e lentamente o direciona contra sua entrada. Gemo
ligeiramente quando ela abaixa seu corpinho sobre meu eixo, a
suavidade de suas paredes apertando minha largura. Alcançando
as suas costas longas e esbeltas, eu a puxo para baixo e envolvo
ambos os braços ao seu redor, aprofundando o beijo. Ela deixa
sussurros de seus gemidos sobre meus lábios, e são do tipo que
eu quero tatuar ali. Esfregando-se contra mim, nossos corpos
batem entre um brilho de suor ao mesmo tempo que eu aperto sua
bunda firmemente, minha respiração acelerando.

Encostando sua testa na minha, seus lábios se movem


ligeiramente. — Knight, eu...

— ...Cale a boca. — Minha mão chega à sua nuca e eu a forço


a voltar a se encontrar com a minha. — Não faça isso.

Sua boca se afasta da minha e se fixa na lateral do meu


pescoço. Uma pontada aguda irrompe em minha pele quando seus
dentes perfuram a lateral da minha garganta antes de ela me
pressionar contra a cama. Rosno baixinho em protesto até que os
vales de seus enormes seios estejam bem na minha cara.
Inclinando-me para cima, levo um deles à boca, passando o
pequeno botão pela língua até ter de lutar contra a vontade de não
mordê-lo. Seus quadris aumentam o ritmo à medida que ela se
esfrega sobre mim, fazendo círculos com sua boceta contra meu
pau latejante. Minhas bolas se apertam e os dedos dos pés se
curvam conforme me sinto lentamente começando a perder o
controle. A eletricidade morde toda a minha pele e eu a empurro
para baixo novamente até que seus seios fartos estejam
pressionados contra meu peito e sua boca de volta na minha. Sua
língua se move lentamente com a minha, atraindo seu corpo até
que ele ganhe velocidade mais uma vez e sua boca siga a deixa.
Fechando os olhos, meu demônio vem à tona com a temperatura
do seu corpo tão perto do meu.

Companheira.

Minha.

Nossa.

Sua boceta encharcada se aperta com força ao meu redor e a


restrição que eu retinha esmaga minhas vias respiratórias. Seu
corpo se sacode contra o meu enquanto o esperma quente jorra do
meu pau. Eu a empurro ainda mais sobre mim e ela solta um grito
agudo. Engulo sua dor, massageando a parte de trás de sua cabeça
à medida que ela diminui o ritmo. Ela desaba sobre meu peito, seu
pequeno coração batendo contra o meu conforme eu olho para o
teto.

Ela boceja, descansando a bochecha em meu peito. Espero até


que sua respiração se estabilize antes de dar um beijo gentil em
sua cabeça e sussurrar — Dormi nunc, donec suus 'super.
Daragan não é pequena, mas também não é grande. De alguma
forma, fica bem no meio. A cidade é tranquila, mas moderna,
especialmente com todos os prédios que eles sempre parecem
reformar ao longo das ruas. A lanchonete do Joey se destaca no
final da rua. É um prédio grande que faz uma curva na esquina,
bem em um conjunto movimentado de semáforos. As ruas estão
mais movimentadas nesta manhã, e o ar um pouco mais frio do
que o normal.

Fecho o zíper da minha jaqueta e sigo Justice à medida que


ele entra na lanchonete. O calor me atinge assim que a porta se
abre. Droga. Está sempre quente aqui. O lugar está sempre cheio,
e os cozinheiros estão sempre ocupados. Eu diria que Joey's está
no coração de Daragan.

Justice nos leva até o local de costume e eu deslizo para uma


cabine, sentando-me confortavelmente na beirada do assento de
couro vermelho, tirando o casaco.

— Então, o que você acha?

Abrindo o zíper do bolso, retiro meu telefone e o ChapStick. —


Hmmm?
— Você nem estava ouvindo, estava? — Ele reclama, com o
lábio inferior caído.

As garotas gostam muito desse lábio inferior. Eu não gosto de


nada, a menos que a pessoa tenha mais de 1,80m e uma bandeira
vermelha pairando sobre sua cabeça.

Eu não estava ouvindo, no entanto. — Não…

Ele revira os olhos. — Eu perguntava se vocês têm algum plano


para este fim de semana?

Adoro o fato de ele dizer “vocês”, sabendo que Ben e eu somos


uma dupla com a qual não se pode brincar. Letty vem às vezes,
mas, na maioria das vezes, ela é a mais esperta. Mantém a cabeça
baixa e faz seu trabalho. Para onde Ben vai, eu vou, e onde eu vou,
é melhor que ele também venha. Chamo isso de codependência...
porque é.

— Por quê? — Pergunto, pegando o cardápio e dando uma


olhada, embora já saiba o que pedirei.

— Tem uma festa acontecendo...

— Jus, sem ofensa, mas depois da última festa em que você


me levou, não sei se estou a fim de ir. — Esmaguei as lembranças
da enorme festa para a qual Justice nos arrastou há um mês.
Tentei colocar a culpa em seus amigos já que ele não estuda na
mesma faculdade que nós, mas não consegui. Na verdade, Justice
é apenas um problema, e se juntar ele e Ben, será uma catástrofe.
— Ah, vamos lá! Se esse ménage tivesse acontecido, teria sido
divertido. Pelo menos para você, já que eu sei que o Ben não se
diverte com seu pau grande desse jeito.

— Justice... — Digo, balançando a cabeça no momento em que


um garçom vem à nossa mesa com seu pequeno iPad. — Não posso
te levar a lugar nenhum. — Estou prestes a gritar o que quero
quando sinto uma onda de calor passar pelo meu rosto. Como se
estivesse sendo beijada por uma fornalha, juro que sinto o calor
penetrar em minha pele muito mais perto do que jamais senti.

Ao fundo, ouço a campainha soar enquanto passos pesados


entram, mas coloco meu longo cabelo platinado atrás da orelha e
mostro um sorriso para o garçom. — Pode me trazer um
cheeseburger, por favor?

— Garota... — Justice arranca o cardápio de mim. — Você


sempre pede isso.

O garçom sai no momento em que Justice suspira, passando


as mãos pelos cabelos. — Olha, é... eu estou organizando a festa.
Primeiro, porém, você não pode contar para as minhas mães, e
segundo, não pode mesmo contar para as minhas mães.

Paro de beber minha água. — Você está com tantos problemas.

— Apenas me diga que você estará lá.

— Tudo bem! — Arregalo meus olhos para ele, sorrindo. — Eu


estarei lá. — Um movimento chama minha atenção atrás dele e
olho para ver o que é.
Meu estômago revira quando me deparo com aqueles olhos
azuis afiados nos quais eu pensava. Ele está com um grupo de
outros rapazes. O que quer que o Justice esteja falando agora se
transforma em ruído branco, porque puta merda.

Por que diabos eu continuo vendo-o em todos os lugares


agora? Ele está diferente hoje. Seu cabelo parece mais
desalinhado, mas de alguma forma isso só o torna mais sexy.
Áspero nas bordas. Como uma lâmina afiada que alguém usaria
como arma. Olho em volta para os rapazes com quem ele está e
minhas bochechas se ruborizam quando percebo como todos são
atraentes. Jesus. Que porra é essa? Todos têm cabelos escuros,
exceto um, e eu provavelmente diria que todos poderiam ser
irmãos.

Ele, no entanto. Aposto que ele usa seu pau como uma arma,
servindo uma cavalgada crua e robusta. Meu tipo favorito.

Ele rola o lábio inferior em sua boca rapidamente antes de sua


língua deslizar sobre a base e eu avidamente espero por mais.

— Bom! — Justice bate em minha perna com a dele antes de


olhar por cima do ombro para ver o que estou olhando. — Oh,
Deus, Lon. Olha, vou te foder, está bem? Pode parar de ser tão
desesperada. Que nojo — ele brinca, sacudindo os dedos para
mim.

— Você é um tremendo idiota. — Balanço a cabeça conforme


o garçom coloca nossos pratos na mesa. Eles são tudo menos
nojentos. Claramente, Jus está com seus óculos de cerveja. —
Então, esta festa... — Eu tento distraí-lo. — Está esperando muita
gente? E como você acha que se safará disso? Literalmente, toda a
sua rua é amiga de suas mães.

— Eu sei. — Ele termina de espremer ketchup em seu prato


antes de passá-lo para mim. — É por isso que não faremos isso na
minha casa. Vamos fazer em outro lugar.

Conheço Justice há cerca de um ano, mas não saímos juntos


até eu começar a trabalhar na loja da sua família – minhas curtas
visitas aqui no ano passado foram totalmente dedicadas a passar
tempo com Ben. Jus não é tão próximo em nosso grupo de amigos,
mas tenho cem por cento de certeza de que isso se deve ao fato de
ele não frequentar nossa faculdade. A dele fica do outro lado da
ponte e do outro lado da cidade. O motivo pelo qual ele se recusa
a frequentar a nossa é simples. É uma universidade inferior.
Embora... eu não tenha visto muito dessa instituição, mas não
estou aqui há muito tempo, por isso não é surpresa.

— Onde?

Ele dá de ombros para minha pergunta. — Na casa de um


amigo. — Seu telefone começa a tocar no bolso e ele o pega, com o
rosto empalidecendo. — Eu tenho que atender. Pode me dar um
segundo?

Observo enquanto ele se levanta de seu assento e se dirige


para o outro lado da lanchonete. Ele está de costas para mim,
portanto não consigo entender o que está dizendo, o que é irritante.
Preciso da distração. Qualquer coisa que me impeça de ficar
olhando para os caras à nossa frente.
Saio da cabine e me dirijo ao banheiro. Não há como meus
olhos não se desviarem. É como se meu corpo se recusasse a ouvir
minha ordem de ignorar os rapazes gostosos e quisesse – não –
precisasse fazer o contrário. Juro que meus músculos se
tensionam como se eu os forçasse a se mover, apenas para evitar
que meu pescoço vire e meus pés me levem na direção deles.

Literalmente, fiquei tão excitada com Molly que imaginei um


deles me observando enquanto chupava seu pau, que tenho
certeza que é divino, na porra de uma casa flutuante.

Meus hormônios precisam se acalmar, porra.

O pequeno corredor que leva ao banheiro feminino está vazio


quando chego lá, a iluminação é muito fraca para um
estabelecimento, na minha opinião. Estou prestes a empurrar a
porta para entrar quando um braço está sobre o meu, virando-me
e me forçando contra a parede.

— Que porra é essa! — Tento afastar a mão, mas uma palma


é pressionada com força sobre minha boca para me calar e estou
olhando para um par de olhos azuis furiosos. A intensidade deles
se assemelha mais a uma cor turquesa do que a qualquer outra
coisa, como a sombra das ondas que se agitam na costa de uma
ilha tropical, escura e clara ao mesmo tempo. E, neste momento,
são um tsunami furioso e eu sou a terra que ele deseja destruir.

Ele inclina a cabeça para o lado, sua mão desliza para baixo
apenas o suficiente para liberar meus lábios. Esse cara está me
irritando. Será que ele está me perseguindo? — Qual é o seu nome?
Eu o empurro para longe de mim novamente, ignorando a
forma como meu coração se agita em meu peito no segundo em
que meus dedos roçam a pele nua de seus braços. — É assim que
você pergunta o nome de todas as garota?

Minhas palavras são fortes, mas, por dentro, estou pirando


pra caralho. Sempre me perguntei se teria encontrado outro Gifted
durante todo o meu tempo aqui no mundo humano, mas nunca
pude ter certeza. Esse cara, porém, esses caras...

Eles não são humanos, eu sei disso.

Está na forma como a energia brilha em sua pele pressionada


contra a minha. Não é avassaladora, quase como se ele estivesse
se segurando, mas está lá, como a chama de um fósforo ao
primeiro toque.

Eu afasto o pânico, concentrando-me em minha raiva por ser


usada como um brinquedo.

O canto de sua boca se curva ligeiramente para cima, como se


minha raiva o divertisse. — Geralmente não, não. Responda à
pergunta.

— Prefiro não responder.

Ele leva a mão de volta à base de minha garganta, e me encosta


gentilmente na parede mais uma vez. Acho que sinto um leve
tremor em seu toque, mas seu tom me faz questionar meus
sentidos porque é calmo e controlado. — Huh. Engraçado como
você não se fez de difícil com a língua em sua garganta.
— Vá se foder. — Vou me afastar dele, mas ele bloqueia meu
caminho.

Meus olhos passam por cima de seu ombro, o que é difícil de


fazer, já que ele é literalmente uns trinta centímetros mais alto do
que eu, elevando-se e enjaulando meu pequeno corpo como uma
fera faria com sua próxima refeição. Seu grupo está atrás dele, dois
com cabelos escuros e pele estranhamente pálida como a dele, e
um com o tom de prata mais estranho que já vi. Eles quase
parecem antinaturais. Sua energia é ilegível.

Por um momento, meus olhos se fixam no de aparência


sombria à sua esquerda. Quando se aproxima, seus olhos azuis
escuros se estreitam acusadoramente, e um olhar de frustração
aperta suas feições quanto mais ele olha para os meus. Quando
seu lábio se enrola cruelmente, eu cedo, voltando minha atenção
para o cara à minha frente.

— O que é isso? — Ego uma sobrancelha. — Vocês querem se


gabar? Talvez dizer que eu, a mulher, era a mais desesperada? Eu
estava bêbada e, se quisermos ser realistas, o beijo foi apenas uma
peça do jogo que eu precisava para tirar alguém de cima de mim.

— Sim, porque era isso… — ele responde suavemente. — Qual


é o seu nome?

Uma risada zombeteira sai de mim, mas quando seu olhar só


se intensifica, limpo a garganta e, dessa vez, quando tento passar
por ele, ele me deixa passar.

Um pouco mais perturbada do que gostaria de admitir, pego


meu celular e minha carteira e saio pela porta da frente para
esperar por Justice. Que se danem esses caras. Não importa o
quanto ele seja gostoso...

Não importa o quanto todos eles sejam gostosos.

As portas se abrem novamente e me endireito, esperando vê-


los sair, mas Justice está passando a mão no cabelo, com as rugas
profundas entre os olhos. — Tenho que voltar ao trabalho. Posso
te acompanhar de volta ao campus, se quiser?

— Eu posso andar, Jus. Está tudo bem?

Ele permanece em seu telefone, as linhas de preocupação


ficando mais profundas. — Na verdade, não. Ei! — Ele o enfia no
bolso, seu comportamento mudando. Ele me aproxima e encosta
os lábios em minha testa. — Eu ligo para você, está bem?

— Claro! — Observo-o enquanto ele caminha na direção


oposta, atravessando a rua e olhando por cima do ombro a cada
dois segundos.

Como se alguém o perseguisse. Ou estivesse caçando-o...

Com fome, já que não conseguimos comer, arrasto minha


bunda irritada de volta ao campus.

Quando chego em casa, fecho a porta da frente com um chute,


desabotoo minha jaqueta e a jogo na mesinha da sala de estar
quando um pequeno envelope cai. Nosso quarto é um dos menores
oferecidos aqui no campus, mas era o único disponível nos
dormitórios mistos. Não reclamaríamos. Não havia a menor chance
de Ben e eu ficarmos separados novamente, mesmo que fosse por
apenas alguns metros. Somos tudo o que o outro tem.
Eu me abaixo e pego o envelope, jogando-o sobre a mesa e
tirando os sapatos. Desabo no sofá, apoiando a cabeça na borda,
quando meu celular começa a tocar no meu bolso. Deslizo o dedo
para atender quando vejo o nome do Ben na tela e a primeira selfie
que tiramos um com o outro. Sua língua perfurada está para fora,
suas covinhas afundando em cada lado de suas bochechas e seus
olhos castanhos mel brilhando com malícia.

— Sim?

— Justice contou a você sobre a festa dele?

— Contou. — Eu me levanto e vou para o meu quarto pegar


tudo para tomar um banho. A fadiga envenenou meus músculos
há muito tempo e, a cada segundo que passa, sinto que estou
enfraquecendo. Droga. — Nós vamos?

— Definitivamente. — Isso é o código para ele ter encontrado


alguém para ficar enquanto estiver lá.

— Mmmm. E qual é o nome dela? — Pergunto, pegando meus


pertences e saindo pela nossa porta em direção aos chuveiros.
Poderíamos ter morado fora do campus, mas nenhum de nós tinha
condições de pagar por isso no momento, o que é outra razão pela
qual optamos por um dormitório de dois quartos. É bom o
suficiente para chamar de lar.

— Ahhh, terá que esperar até o final de semana porque ela


vem conosco.

Eu largo minhas coisas no balcão e tiro minhas roupas. —


Tudo bem. Você terminou? Preciso tomar banho.
— Não! O que você quer jantar? Foi por isso que liguei. É a
minha vez de cozinhar, mas não posso ser sacaneado.

— Qualquer coisa. Não estou com tanta fome hoje. Mais


cansada.

— Ah? — Ele pergunta, e eu sei que não me livrarei dele tão


cedo, por isso troco de ouvido e me dirijo aos chuveiros.

— Não é nada demais... é só... — Será que conto a ele? Meu


melhor amigo que consegue me ler como a porra do alfabeto? Ele
verá minhas mentiras por todo o rosto quando cavar, portanto,
talvez eu possa lhe dar um estratagema por enquanto. Acho que
não estou pronta para admitir que uma certa pessoa está
ocupando todo o meu tempo. — ...Nada. Minha menstruação está
chegando, por isso estou sendo muito sensível.

— Ah! — Ele me dispensa. — Precisa de absorventes internos


ou algo assim?

— Ben…

— Talvez um pouco de sorvete?

Meu Ben, sempre tentando cuidar de mim.

Meu sorriso suaviza. — Está bem, deixarei você agora.

— Eu sei, vodca e sorv... — Desliguei o telefone, rindo,


enquanto jogava o celular no balcão com minhas roupas. Apressei-
me no banho, esfregando-me na metade do tempo antes de sair e
calçar meus chinelos de banho. No caminho de volta, percorro o
Instagram, navegando pelo story do Ben. Ele é uma vadia. A cada
semana, uma garota diferente chama sua atenção, mas fala sobre
elas comigo? Não. Portanto, quem é essa garota e o que a torna
diferente? Talvez ele finalmente sossegue. Só Deus pode garantir.

Fechando a porta, jogo todas as minhas coisas no meu quarto


e me enfio em uma das camisas grandes do Ben, que eu
oficialmente reivindiquei como minha, que fica acima do meu
joelho, e coloco meias de tricô. Ben só voltará daqui a uma hora,
então pego meu laptop e abro minha tarefa.

A escola é uma droga. Estou aqui porque faço o que todas as


outras pessoas fazem na minha idade, mas há uma dor persistente
que continua martelando no fundo das minhas entranhas sempre
que penso no futuro. Nunca consigo enxergá-lo. Já tentei, mas
tudo o que vejo é nada.

Fechando o laptop com um estrondo forte, suspiro e me jogo


de volta na cama. Minha cabeça se vira e olho para a porta e, antes
que eu possa me convencer a não fazer isso, levanto-me e corro
para a cozinha.

Mordo o lábio e fico olhando para o envelope.

O tio Marcus não está aqui para me convencer a não o abrir


desta vez, e já faz um ano que um envelope não aparece. Sempre
me perguntei se eu seria como os outros Gifted e receberia meu
“convite” para estudar na Rathe U, a instituição para Gifted aqui
em Daragan. A instituição que Justice frequenta e, se eu pudesse
adivinhar, aqueles caras da lanchonete hoje de manhã. Não que
eu pudesse aceitar isso, se tivesse aceitado, e se tivesse... Eu não
fui informada disso.
Até onde sabia, minha vida nesta cidade era um segredo,
assim como minha existência deveria ser. Meu tio fez o possível
para que eu voltasse para casa, mas ele sabia que era uma batalha
perdida no momento em que Ben decidiu ir para a faculdade aqui.
É quase como se fosse... destino. Meu melhor amigo e a única
pessoa sem a qual não posso viver escolheu a única faculdade que
me aproximaria do meu passado. Da pessoa que eu deveria ser em
vez da finjo ser.

Uma garota humana comum, sem a menor ideia da magia que


existe nesses mundos, mas que conhece a escuridão que se
esconde lá fora. Ela vive dentro de mim, flui pelo próprio sangue
que enche minhas veias.

Abro a porra da carta.

Meus olhos examinam o cabeçalho e, olhando para mim, em


letras grandes e em negrito, a letra R surge do papel, iluminando,
formando uma sombra que se contorce ao seu redor.

As letras R A T H E se formando lentamente até que o nome


do reino para o qual nasci me olha de volta.

Rathe. Minha casa.

Uma pontada de tristeza pela vida que perdi me invade, mas


eu a afasto e leio o que eles têm a dizer.

Querida, London Crow,

O Rei está morto.


— Oh, merda... — Eu me interrompo, imaginando se isso
deveria me deixar triste ou não, mas não fico. Continuo. — E um
novo Rei surge no horizonte. Ao raiar do dia, desejamos que você
se junte a nós aqui na Faelific Fortress, em Rathe, onde um cortejo
para a sua mão está em andamento. Seu futuro Rei procura sua
Rainha, portanto, aceite este convite e junte-se a nós. Aceite esta
oferta e volte para casa de uma vez por todas.

Meus lábios se apertam e uma risada borbulhante surge antes


de se soltar. Sorrindo, balanço a cabeça, olhando para o papel
como se ele tivesse chifres e, sinceramente? Poderia.

— Vá para casa — penso. — Eles são malucos, porra?

Eu ouvi todas as histórias.

Meu pai? Ele era um maldito assassino de coração frio; estou


falando de cem vezes mais homens do que os que assombram os
pesadelos dos humanos. Meu pai era literalmente um. Não é
brincadeira, ele está no maldito Livro Book of Nightmares. Eu seria
massacrada logo de cara se soubessem de quem sou filha
bastarda. Essa é a razão pela qual meu tio me escondeu todos
esses anos.

Claramente, não o suficiente.

Provavelmente é minha culpa. Sou eu quem insiste em


aprender magia, embora não possa usá-la. São apenas as noções
básicas que me ensinavam na escola primária antes de termos de
fugir – levitação, proteção mental e persuasão... mais ou menos
algumas que peguei pelo caminho. Tenho certeza de que os Gifted
têm uma maneira de rastrear o poder encontrado fora de Rathe.
Provavelmente, trouxe-os direto a mim, mesmo que nunca tenha
aproveitado o poder principal que o sangue de meus pais me
transmitiu.

A carta está endereçada a “London”, contudo, por isso talvez


eles não saibam quem eu sou, apenas que sou como eles? Ainda
assim... eu? A Rainha das Trevas?

— Sim, porra, com certeza. — Estendo a mão para o outro lado


do balcão, apoiando-me nele enquanto mordo uma maçã com um
sorriso, olhando para o papel no balcão. — Eles realmente esperam
que eu faça o quê? Que eu diga “aceito esta oferta” e
simplesmente...

Minha voz se interrompe quando uma nuvem escura aparece


diante de mim.

Eu recuo, a maçã cai no chão enquanto um maldito vórtice


rodopiante aparece, rosas, azuis e roxos girando e rodopiando até
que um portal aparece. Fazia tanto tempo que não via um, que
quase me esqueci de como eram. Esse aqui, no entanto? É
diferente. Estoura e racha, e todo o medo, os avisos que meu tio
me deu ao longo dos anos sobre a importância de evitar tudo o que
é mágico a todo custo, borbulham em minha mente.

— Porra! — Grito, fechando os olhos. Minhas mãos se


levantam para cobri-los e balanço a cabeça. Talvez isso
desapareça.

Demora alguns instantes, uma porta bate e estremeço, virando


a cabeça para o lado.
Uma pequena senhora aparece por uma porta minúscula que
nunca vi antes, e seu tamanho aumenta à medida que se
aproxima. Ela sorri e depois franze a testa. — Bom dia, minha
senhora? Está tudo bem?

Olho em volta e o pânico aumenta. Não estou mais no meu


dormitório em Daragan. Estou em uma cama, enrolada em
cobertores de seda em um quarto de paredes pretas e brilhantes
com a maldita galáxia girando acima de mim.

Eles realmente esperam que eu faça o quê? Diga “Aceito esta


oferta…”

Bato as mãos sobre os olhos e me jogo de volta na cama,


amaldiçoando a idiota que sou.

Maldita magia!
A mulher me olha com estranheza, mas depois seus olhos se
desviam e ela olha ao redor do espaço como se o visse pela primeira
vez. — Huh — brinca, voltando para mim enquanto um sorriso
brilhante surge em seus lábios. — Bem, isso foi resolvido bem
rápido, não foi? Bem-vinda ao lado negro, minha senhora. Lorde
Deveraux ficará satisfeito quando souber disso.

Cautelosamente, arrasto-me dos lençóis mais macios que já


senti e me levanto, cambaleando um pouco enquanto faço isso,
pois o efeito do portal claramente ainda me deixa instável. Muito
confusa, mais ainda pelo fato de essa mulher agir como se me
conhecesse, ando com cuidado. — Uh-huh. — Observo o que deve
ser a porta de saída, considerando que a porta pela qual ela entrou
é tão pequena que eu ficaria presa nos ombros se tentasse passar
por ela. — E o que exatamente você acha que... Lorde Devereaux
ficará satisfeito?

O nome parece estranho em minha língua, e um calor


estranho surge atrás de minhas costelas. Conheço o sobrenome da
família real desde que me lembro, mas não penso neles há muito
tempo, bem, desde que consigo pensar.
Em vez de responder, a mulher ri para si mesma, balançando
a cabeça como se o que eu tivesse perguntado fosse engraçado, e
talvez fosse mesmo. As mulheres daqui provavelmente sabem
como é o cheiro de mijo do Lorde Deveraux, provavelmente são
obcecadas por isso.

— Está bem, minha senhora. — Ela diz, abrindo as portas do


armário e revelando muitos vestidos e opções de roupas do outro
lado. — O café da manhã no Gnome Gardens não exige trajes
formais, mas lembre-se de que seu encontro com Lorde Deveraux
será no final do dia e não haverá tempo para uma troca de roupa,
e como você não saberá usar sua magia, talvez queira considerar
isso ao escolher uma opção para o dia.

Muito bem, então eles acham que eu fui jogada aos lobos nos
últimos onze anos. E, tecnicamente, fui... mas também sou uma
garota, e a melhor parte de ser Gifted, literalmente, quando tenho
que esconder isso, são as vantagens que vêm com a magia. Uma
das primeiras coisas que ensinei a mim mesma foi como ser a
porra da Cinderela. Desde então, tenho sido minha própria fada
madrinha.

No entanto, talvez eu deva esconder esse pequeno fato, já que,


tecnicamente, não se tem permissão para praticar magia se não
tiver passado nos ensinamentos de magia defensiva dados no
primeiro ano, pelo menos de acordo com meu tio. Lembro-me
vagamente de estar na escola aqui, mas não me lembro de todas
as regras e bobagens que acompanhavam isso.

— Venha, vou preparar seu banho. — Ela vira, seu cabelo


curto e irregular se destacando enquanto caminha.
Sem saber o porquê, sigo atrás, esperando não caminhar para
minha própria execução.

Entramos no grande banheiro aberto e meu queixo cai com o


luxo de tudo isso. Seu mármore preto e cristais só podem ser
descritos como o sonho molhado de uma mulher.

A banheira está cheia quando olho para dentro e franzo a testa


para a enorme banheira tipo spa. Certamente isso não é água
usada, certo? As sobras de quem quer que tenha ficado neste
quarto antes de mim, mas então a mulher coloca as mãos sobre
ela e, num instante, o vapor sobe, borbulha e o cheiro suave de
lavanda enche meu nariz.

— Pronto. — Ela sorri, virando-se para mim. — Deve estar do


jeito que você gosta.

Então percebo, e um sorriso se estende pelos meus lábios.

No momento em que isso acontece, a mulher parece


assustada. Ela dá um passo para trás, mas para quando quase
grito — Você é Fae!

Sua carranca é instantânea, sua boca se abre como se fosse


dizer alguma coisa, mas depois uma batida forte a faz se calar. —
Sim, minha senhora. Sou. Angela — diz ela, balançando a cabeça.
— Banhe-se. Abrirei a porta. Você precisa estar pronta antes que
as nuvens no céu se dissipem.

Ela sai correndo do banheiro e fico olhando para ela por um


momento. Depois do quê?
Eu olho para cima e, com certeza, um céu roxo como
machucado paira acima, as nuvens lentamente se afastando do
centro, por isso faço a única coisa que consigo pensar, enquanto
me pergunto se estou prestes a acordar de um sonho estranho,
sabendo que não estou. Estou em Rathe.

Entro na maldita banheira.

Café da manhã no Gnome Gardens.

A dama do meu quarto, Angela, disse isso, portanto não tenho


certeza do que esperava, mas... não é isso. O porquê, não sei,
porque é literalmente exatamente isso.

Café da manhã.

Com gnomos. Em um jardim.

Um jardim com caules brotando e flores desabrochando, com


pequenas nuvens de chuva pairando sobre pequenas manchas de
terra e paredes florais matando e criando novas Glórias-da-manhã
coloridas como uma faixa de luz LED ajustada no modo de
desvanecimento.

E de novo... malditos gnomos de verdade!

Eles são mais altos do que eu imaginava, a maioria ficando na


altura dos meus quadris e com as mesmas pequenas carrancas
em seus rostos. Suas mãos estão enluvadas enquanto carregam
bandejas com o que suponho ser comida, até a longa mesa em
forma de C curvando-se na borda de uma parede de marfim
gigante.

Se eu tivesse que adivinhar, diria que este café da manhã será


em estilo buffet, o que parece estranho, considerando que tenho
noventa e nove por cento de certeza de que este é o cortejo de que
a carta fala.

Quero dizer, o que mais poderia ser? Eu não fui transportada


aqui aleatoriamente.

Ou fui, mas ninguém veio ao quarto em que acordei para me


dar uma explicação do que esperar aqui. Não me foram dadas
regras sobre como agir ou como me dirigir ao futuro Rei e à sua
família.

Eu deveria me curvar? Fazer uma pequena reverência, talvez?

Eu bufo com o pensamento. Não, isso deve ser humano demais


para essas pessoas.

Merda, pelo que sei, devo oferecer meu pescoço para ele cravar
os dentes como um presente, como uma versão distorcida da Bela
Adormecida.

Olhando ao redor, um pequeno sorriso surge em meus lábios.


Os gnomos poderiam fazer o papel dos Sete Anões. Espere, não,
esse é o conto de fadas errado. É com esse pensamento que um
forte estrondo soa. É nítido, tão nítido quanto um trovão,
perfeitamente sincronizado, como se quisesse me lembrar que este
não é um lugar de contos de fadas. É o local de nascimento do Rei
das Trevas. Rathe, quero dizer. Não... como a carta chamava isso?

Faelific Fortress.

Meu Deus, duh, aquela mulher era Fae!

O som estrondoso ressoa mais uma vez e do outro lado dos


jardins, onde os arbustos verdes fluorescentes estão aninhados
entre grossos tocos de cogumelos cor de marshmallow, aparece um
portal.

De repente, meu coração começa a bater forte dentro do peito.


Meus dedos ficam úmidos ao redor do copo com alguma merda
brilhante que um gnomo enfiou em minha mão no momento em
que entrei – é espumante, mas não é qualquer champanhe que já
provei, e eu já provei todos eles.

Olho para o centro do portal, esperando que a Família Royal,


presumindo que seja ela, passe por ele e, no momento em que uma
camada de escuridão aparece além dos anéis de opala, uma voz
sarcástica surge ao meu lado.

— Passei muito tempo me perguntando o porquê, em nome de


Merlin, ele iria querer você aqui, e no final não consegui chegar a
nada.

Assim, a cadela recebe toda a minha atenção. Viro-me e encaro


a garota ao meu lado.
— Você deve ser a Regina George8.

A cabeça da garota recua enquanto ela olha para mim como


se eu tivesse crescido uma segunda cabeça. Os pobres Gifted
nunca conhecerão a grandeza que são as Meninas Malvadas.

— Claro, finja que não sabe meu nome ou como sou nua em
cima do seu melhor amigo. — Seus olhos brilham com algo que eu
só poderia imaginar como orgulho. — Ou devo dizer antigo melhor
amigo, você sabe, já que ele não passa de poeira.

Esmago meus lábios para um lado, acenando para a garota


porque, primeiro... do que ela está falando, e segundo... de que
porra ela está falando? O quem é óbvio, já que só tenho um melhor
amigo, mas… — Então, você fodeu com o Ben? — Pergunto,
olhando para ela. Pode acontecer. Estamos na Daragan State e ela
pode ser uma aluna da Rathe U.

Nós nos cruzamos o tempo todo... não que os humanos


tenham alguma ideia de que são algo além de um grupo de garotos
ricos em uma universidade particular.

— Sim — ela cospe, aparentemente ficando mais irritada a


cada segundo.

— Okaaay, suponho que ele não ligou depois, como se fosse...


duff, poeira? — Uma pequena risada sai de mim e dou de ombros.
Muito bem, Ben. — Quer que eu peça desculpas por ele ou algo

8 -Principal antagonista do filme estadunidense “Meninas Malvadas”, de 2024 interpretada por Rachel

McAdams.
assim, porque eu posso, mas isso não vai levá-lo de volta para a
sua cama.

Seus olhos se estreitam ainda mais e sua mão se estende para


me agarrar, mas antes que ela consiga, uma mão maior prende
seu pulso. Seu olhar se levanta e ela solta um grito de menina que
faz o dono da mão rir perto da minha orelha.

É um som sexy, e viro a cabeça assim que ele se aproxima de


mim.

— Solte-me — ela exige.

— Prazer em vê-la também, Alex. — Lentamente, ele a solta,


erguendo uma sobrancelha em expectativa.

— Ugh. — Ela revira os olhos. — Por que estou perdendo


tempo aqui?

— Não sei, por que você está? — Desta vez sou eu quem inclina
a cabeça.

— Vadia — ela sussurra, passando por mim, e tanto eu quanto


o cara ao meu lado rimos.

Empurrando para trás uma das mechas soltas de cabelo que


deixei no meu rabo de cavalo alto, sorrio para o loiro. Ele é alto,
mas todo mundo é comparado a mim e ao meu metro e meio.

— Obrigada, tenho certeza de que ela me derreteria ou algo


assim.

Ele ri de novo, mudando de posição para ficar de frente para


mim e eu mordo o interior da minha bochecha.
— Mais como sugar sua alma. — Ele balança a cabeça,
sorrindo quando meus olhos se arregalam. — Ela é um banco de
energia.

Banco de energia, li sobre eles. Alimentam-se da energia de


outras pessoas para aumentar seus poderes porque não têm força
suficiente por conta própria.

— Certo, sim. — Concordo com a cabeça, levando minha


bebida aos lábios e terminando o líquido.

O mesmo gnomo aparece no segundo em que afasto o copo dos


lábios, franzindo a testa e colocando um copo novo e cheio em
minha mão. — Obrig... — E ele se foi.

Outra risada sexy.

Encaro o cara mais uma vez, seus olhos verdes brilhando


contra sua pele clara e mesmo que seu cabelo claro esteja penteado
um pouco perfeito demais para um lado, seus olhos são
emoldurados por cílios grossos e escuros. — Sou London.

Estendo minha mão e ele sorri, levantando lentamente a sua


e pegando-a, e por um momento me pergunto se os apertos de mão
são mais uma característica humana não usada neste mundo,
mas então ele a pega, só que em vez de colocar a palma da mão na
minha para um aperto firme, ele cuidadosamente envolve seus
longos dedos em torno dos meus.

— Sou Zeke — compartilha, lentamente levando minha mão


aos seus lábios.
Luto contra um sorriso, esperando para ver como seus lábios
grossos parecerão contra minha pele, mas antes que possam me
tocar, algo pressiona minhas costas e sou arremessada para
frente.

Zeke me solta num piscar de olhos, suas mãos estendendo-se


para me pegar quando estou prestes a cair nele, mas não caio.
Dois braços envolvem minha cintura, puxando-me para trás com
tanta força que o ar sai dos meus pulmões. Eu suspiro. No mesmo
segundo, dois homens com costas largas e fortes aparecem na
minha frente, com cabelos tão pretos quanto seus ternos,
enquanto encaram meu novo amigo Zeke.

— Ele estava apenas me salvando da Barbie Vadia. Não há


necessidade para o que... seja isso.

Uma das mãos na minha cintura aperta minha boca e, em


seguida, lábios quentes são pressionados em minha orelha. — Cale
a boca, Little London.

Minha espinha enrijece, a voz abalando algo nos meus ossos,


mas pode ser apenas porque não precisei dizer a quem quer que
seja meu nome, ele já sabe. Bem, meu nome falso, tecnicamente,
não é uma grande preocupação.

Certo?

— Sim, você a ouviu. — Zeke espreita pelo espaço entre os


ombros deles e os dois se movem em uníssono. — Eu estava
simplesmente ajudando-a... Knight.
Uma pequena risada borbulha e a mão sobre minha boca
aperta com mais força.

— Cuidado, encrenca — ele sussurra. — Você realmente quer


que ele arranque o coração de outra pessoa tão cedo? E o filho da
diretora?

Uma carranca surge na minha testa e enrijeço quando a


pessoa ri.

— Na verdade, ele provavelmente adoraria uma desculpa para


fazer exatamente isso.

Quem é ele e quem diabos é... bem, ele.

Não sei, mas cansei de ser manejada como uma boneca.


Levanto minhas mãos, deslizando-as ao longo dos músculos sob o
traje que me envolve, e quem diria, o homem amolece um pouco.
Apenas o suficiente para eu guiá-las para cima, até encontrar a
pele de seus pulsos. Afundo minhas unhas nelas, cravando até que
rompam.

Ele sibila em meu ouvido, jogando-me para longe, e dou uma


risada, girando. Assim que nossos olhos se encontram, ofego e olho
para ele um instante depois.

— Você! — Eu grito, estendo a mão para frente e o empurro


com força no peito. Ele não se move, nem mesmo um centímetro.

Em vez disso, ele dá um passo à frente, fazendo com que eu


dê um passo para trás, mas me choco contra uma parede.

Risca isso. Duas paredes.


— Eu. — Ele sorri, levantando o braço e lambendo as marcas
de sangue para limpá-las. Não sei o porquê, mas meus olhos
acompanham a ação, voltando para os dele ao mesmo tempo que
ele enfia a língua de volta na boca.

— O que diabos você está fazendo aqui? — Encaro-o. — Você


seguiu...

Interrompo minhas palavras, com o pavor descendo pela


minha espinha em cócegas quentes. Oh, meu Deus, foram eles que
descobriram que eu era uma garota Gifted que fingia ser uma
Giftless?

Será que eles perceberam meu poder ou algo assim e


apareceram na lanchonete especificamente para me procurar? São
como a versão Gifted dos caçadores de recompensas?

Uma mão agarra meu ombro e me viro, ficando cara a cara


com outro par de olhos azuis, estes pertencentes ao silencioso e
irritado de ontem.

— O que... — começo, mas minha pergunta morre na minha


garganta quando olho para a pessoa à sua esquerda.

Minha boca se abre ao ver o idiota inconcebivelmente atraente


sorrindo ao seu lado. Ele é a versão idêntica daquele que me
prendeu contra a parede ontem... só que há uma clara distinção
entre os dois. Mesmo que eu não saiba qual é.

— Seu... filho da puta.

— Exato. — Ele ri sombriamente, passando a língua pelos


dentes. — Mas talvez você não queira que ela ouça isso.
— Eu beijei você!

Seus olhos se estreitam levemente e ele olha para o que está


ao seu lado, que não para de me encarar, com o olhar cada vez
mais duro.

— Eu beijei você e vocês tentaram me fazer pensar que eu


tinha beijado o outro!

— ...Que porra — ele murmura, com certeza por acidente. Dá


meio passo à frente, os olhos voando entre os meus. — London?

O grande e brincalhão que estava com os braços envoltos por


trás vem se colocar ao lado deles. Os três homens maravilhosos e
estúpidos me olham atentamente. Os sorrisos, a raiva, a irritação
e até mesmo as provocações desapareceram há muito tempo. São
lousas em branco, sem qualquer indício que pudesse me mostrar
o que eles poderiam estar pensando.

O som de vidros quebrando e gritos altos de uma mulher


rompem nossa bola de silêncio, e todos nos viramos.

Alex, como Zeke a chamou, sorri maniacamente enquanto olha


para uma garota de aparência sombria, com cabelo rosa suave
enrolado em uma bola a seus pés, com sangue escorrendo de suas
orelhas.

Eu me movo para a frente, sem saber o que fazer, mas cansada


dessa vadia. Antes que eu possa me aproximar, sou puxada para
trás e, desta vez, quando tento me libertar, não consigo. Estou
presa contra a minha vontade, como um maldito feitiço preso ao
meu corpo. Meus pés fortemente enraizados no lugar.
O pânico surge dentro de mim, fazendo meu pulso bater mais
forte contra o peito. Uma mulher com cabelos longos e escuros e
uma coroa gigante e brilhante aparece no canto, com amarras
brancas leitosas saindo de suas palmas, torcendo e envolvendo
Alex.

Os olhos de Alex se enchem de lágrimas, mas ela não luta.

Eu sorriria se pudesse mover meus lábios. É bem-feito para a


vadia.

Espero pela Rainha – porque, puta merda, essa é a porra da


Rainha! – para ler para ela o ato de motim.

— Ora, ora, Sra. Kova. — Sua voz é sedosa e sombria. — Não


comece a diversão e os jogos sem que seu futuro Rei esteja aqui
para ver. Você sabe o quanto ele os ama.

Na minha cabeça, estou oficialmente com a boca aberta


porque que porra é essa? Que merda é essa?

Em que diabos me meti ao rir das palavras “eu aceito” como a


tola que sou?

Quero dizer, sou totalmente a favor da escuridão e desânimo,


mas posso dizer, sem ter dito uma única palavra à garota que
sangra no gramado brilhante abaixo dela, que ela não fez nada
para merecer isso.

É assim que as mulheres em Rathe agem?


Minha ansiedade me atormenta, mas quando desvio os olhos,
a única coisa que consigo mover graças ao homem que me
envolveu, ela se acalma um pouco.

Todas as mulheres estão vestidas com os vestidos mais


ostensivos. Alguns são justos e elegantes, outros decotados, mas
longos. Seus cabelos estão soltos em grandes cachos, seus rostos
são suaves e seus lábios, em sua maioria, bem vermelhos para
serem tomados. Elas usam saltos com brilho e purpurina que
fazem com que suas pernas pareçam incrivelmente longas,
especialmente se comparadas às minhas.

Claramente, todas elas querem o assento pelo qual estamos


aqui para lutar. Elas têm a aparência de uma princesa e,
mentalmente, dou-me cinco pontos por ter escolhido o oposto do
que eu imaginava que um rei gostaria.

Um espesso delineador preto contorna meus olhos, combinado


com uma pesada sombra carvão e lábios lambuzados pela cor
corvo. Meu cabelo está preso em um rabo de cavalo alto e elegante,
fluindo em linha reta até a espinha, mantendo apenas os dois
volumosos suportes frontais para direcionar as curvas do meu
rosto.

Meus seios são mantidos juntos por um corselete de couro;


mas não do estilo dominatrix, apenas um estilo sutil, do tipo, não
quero ser o seu lindo troféu. Apertado em volta da barriga e alguns
centímetros acima do umbigo. As calças de couro combinando
ficam logo abaixo do piercing no umbigo e são justas até o
tornozelo. As botas pretas envolvem o tornozelo e não acrescentam
nada à minha altura.
Um movimento para a esquerda chama minha atenção, e olho
intensamente, tensão de repente girando em meu ventre conforme
o muro de marfim se abre, e filho da mãe!

É ele, o cara da lanchonete e o irmão do gêmeo atrás de mim.


Aquele que estive pensando o tempo todo que beijei. Aquele que vi
tendo o pau chupado do lado de fora daquela festa dos Gifted que
achavam que eu não conseguia ver.

Meu coração estremece no peito, batendo violentamente e


exigindo que eu vá até ele. Toque-o.

Meu.

Que porra é essa?

Ele veste um terno, feito sob medida e seu cabelo escuro está
bagunçado, mas aquele tipo bagunçado que parece perfeito.
Delicioso. O tipo que se pode imaginar olhando para baixo quando
o seu rosto está enterrado entre suas pernas. Pena que ele seja um
idiota, mas por que vê-lo hoje parece tão diferente do que era há
vinte e quatro horas? Havia algo naquele dia, uma atração
escaldante, mas isso... não é a mesma coisa.

Meus pulmões literalmente doem, como se estivesse


desesperado para se encherem com seu cheiro. Não faz sentido e
não gosto disso. Meus olhos captam a marca de mordida na lateral
de seu pescoço e, por um momento, juro que sinto o gosto familiar
de plasma escorrendo pela minha garganta.

Por que ele está aqui?

Por que qualquer um deles está aqui?


Preciso que esse brunch acabe para que eles possam ir embora
e eu continuar com... seja lá o que diabos devo fazer aqui. Não
tenho certeza do que é isso, mas meu objetivo pessoal?

Evitar o futuro Rei, quem quer que seja, como a peste e


garantir que ele odeie o que vê quando eu não puder.

Como se lesse meus pensamentos, e para meu horror, a


Rainha da maldita Rathe se vira, estendendo a mão. — Ah, filho,
você chegou.

Cada centímetro de mim gela. Filho.

Filho?!

— Onde estão seus irmãos? — Ela pergunta a ele, e eu quase


não ouço por causa do estalo em meus ouvidos.

Quando os homens atrás de mim dizem — Aqui, mãe — é tão


barulhento quanto uma boate de música eletrônica.

Filhos. Eles são os filhos da Rainha.

O cara que me observou do outro lado da arena depois do jogo


de hóquei, que eu testemunhei com uma garota de joelhos diante
dele, que me encurralou naquela lanchonete ontem...

Ele é o futuro Rei.

No momento em que penso nisso, seu olhar turquesa se


levanta, fixando-se no meu pela primeira vez hoje, e não é nada
como antes. É... mais.
Um turbilhão de emoção ganha velocidade no meu estômago,
como se ele estivesse fisicamente me forçando com a própria
mente.

Eu os sinto.

Eu o sinto.

Como uma tempestade sob minha pele.

Como uma praga que não pode ser vencida.

Como um maldito pesadelo ambulante com olhos azuis e a


morte como alma.

Ele tinha que saber que eu receberia aquela carta. Deve ser
por isso que ele estava na lanchonete ontem. Normalmente diria a
mim mesma que estou sendo paranoica, mas não desta vez. Ele
me encurralou e agora estou aqui, a quatro metros do futuro Rei
de Rathe, como participante de uma espécie de competição pelo
lugar ao seu lado. Ele é um completo estranho para mim e ainda
assim esperam que eu lute por ele.

Que o obedeça. Provavelmente até agradá-lo, porque é


impossível que um cara como ele não queira testar sua futura
Rainha antes de lhe dar a coroa. Eu me arrepio. Ele tem mais um
problema se achar que lutarei por algo, ou alguém, que não quero.

E eu não quero isso.

A boa notícia é que não sou a única garota aqui, por isso não
deve ser muito difícil evitar a sua atenção. Afinal, aposto que toda
garota Gifted que existe daria qualquer coisa para ser aquela que
ele escolheria no final. Portanto, sim, não deve ser muito difícil
desaparecer no fundo.

Como se ele pudesse ler meus pensamentos, como se soubesse


exatamente o que estou pensando... O olhar do Lorde Deveraux se
estreita, ainda congelado no meu e, quando olho para o lado,
percebo que não é apenas a atenção do futuro Rei que tenho.

Tenho também a atenção dos seus irmãos.


— Explique. Agora. — Creed não perde tempo, aproveitando o
momento em que lança um feitiço de barreira, isolando meus
irmãos e eu na beira do jardim.

— Cuidado, irmão — aviso. Fui testado muitas vezes no espaço


de quarenta e oito horas. Estou quase esgotado.

— Vá se foder — ele grita. — O que você fez, Knight? Ela era


ilegível! — Seus olhos se arregalam e ele balança a cabeça, mas
não diz nada.

— Ele fez o que eles fizeram. — Legend me olha, não


precisando que Creed explique o que viu quando olhou dentro da
cabeça dela dessa vez, porque ele mesmo teve a chance de olhá-la
nos olhos. — Ele roubou uma parte dela por motivos egoístas...

— Eu não roubei...

— Sim. Roubou, porra. Você tirou dela o que nossos pais


tiraram dela, ou quem diabos deixou aquela garota viva e a jogou
no mundo humano como se ela não fosse nada. Ela não é.

— Ela assassinou a porra da nossa irmã. — Sinner fala com


os dentes cerrados, aproximando-se de Legend. — Nossa maldita
trigêmea! Sangue Deveraux! Seu maldito sangue!
— Na verdade — enfio as mãos nos bolsos, aproximando-me
da borda onde o jardim termina na face do penhasco. O oceano
abaixo bate contra rochas pontiagudas. — Ela não matou.

— Do que diabos você está falando? — Creed se aproxima de


mim e olho de soslaio para ele quando sinto o calor de seu corpo.

Credo. O irmão cabeça quente que age por impulso, bem,


normalmente não, mas agiu com ela. Agora, tudo o que quero fazer
é esmagar a sua cabeça e bater contra uma parede que tenha a
porra de London era inocente pichada por toda parte. Eu me viro
para encarar todos eles, alternando entre Creed e Legend. Legend,
porque sei que, no fundo, ele achava que havia algo errado com a
London. Ele queria gostar dela, mas odiava isso.

Eu deveria ter visto isso como meu primeiro sinal. — Você


perdeu completamente o controle com esse acasalamento, irmão...
— Creed sibila, mostrando os dentes. — Por que deveríamos salvá-
la? Ela. Assassinou. Temperance.

Parte de mim quer continuar pressionando-o só para ver o


quanto posso tirar dele. É engraçado o quanto ela mexe com ele.
Creed tem um botão com o nome de London estampado sobre ele,
e provavelmente farei disso minha missão virar esse botão de vez
em quando, sempre que quiser.

— Knight, ele está certo. Você está sendo um idiota. — Sinner


desta vez, e ele coloca a mão no meu braço. Não me movo,
encarando a conexão. — Preciso empurrar seu traseiro idiota deste
penhasco para você acordar, porra! Ela matou a porra da nossa
irmã! Precisamos puni-la para sempre. Foda-se seu vínculo de
acasalamento.

— Quanto você tirou dela? — Legend exige.

A raiva percorre minha espinha, fazendo meu sangue ferver e


esfrego o dedo no lábio inferior. — Por que você se importa,
irmãozinho?

Creed interfere, estreitando os olhos. — Vá se foder.

Eu continuo focado em Legend. — Está preocupado que minha


garota tenha esquecido completamente de você? — Aproximo-me,
meu ombro se contraindo. — Que ela não se lembra dos seus
lábios nos dela? Suas mãos na carne dela por baixo do vestido?

— Eu deveria dar um soco na sua cara — ele vocifera,


enfrentando meu avanço com o seu. — Você continua jogando
esses jogos e as coisas só piorarão. Continue fodendo com a “sua
garota” e da próxima vez que ela tentar se matar, certamente
encontrará alguém para ajudá-la a fazer isso, para que não haja
chance de salvá-la. Nós dois sabemos como isso seria fácil,
considerando que ela está atrapalhando outra vadia e a coroa que
estão buscando.

— Deixe-a morrer! — Sinner grita, estendendo a mão e de


repente a bolha em que estamos se transforma em um cinza
vaporoso. A fumaça demoníaca veio para nos proteger de olhares
indiscretos. — Ela não merece nossa lealdade.

— Cara, vá se foder! — Legend grita. — Você só está irritado


porque gosta dela e odeia todo mundo, e agora é apenas um cara
que ela beijou em uma festa pensando que você era seu maldito
gêmeo!

Sinner rosna, avançando, mas Creed o agarra pelo pescoço


antes que ele possa quebrar o pescoço do nosso irmão mais novo.

— Chega — ele sibila. — Não aqui e não por causa dela. — Ele
diz “dela” com mais desdém do que eu imaginava ser possível. —
Ela não vale a pena e em breve sairá com o resto do lixo.

Sinner se solta do agarre de Creed olhando para mim, e então


eu vejo. Nos olhos do meu irmão gêmeo há um leve indício de
incerteza.

Suas emoções sempre me deram uma chicotada.

Tudo isso está me dando uma maldita chicotada.

— Essa garota é a legítima Rainha de Rathe. — Legend franze


o cenho. — Você não pode simplesmente entregá-la aos Monsters
pelo que ela fez quando era criança. Pode não a querer, ela pode
não ser capaz de ser Rainha, mas você tem que protegê-la!

— O que você acha que estou fazendo, hein?! — Eu finalmente


me descontrolo, porra. — Entendemos tudo errado.

Meu peito arfa, uma dor profunda começando no centro das


minhas costelas, e pressiono contra isso, prestes a cair de joelhos.
Tudo o que ela é, é uma maldita fraqueza.

Eu tinha cedido por ela. Deixei-a entrar de uma forma que


nunca deixei ninguém, de uma forma que jurei que nunca
deixaria. Demorou um tempo para cair a ficha, mas finalmente, eu
estava pronto. Pronto para ser seu companheiro, para reivindicá-
la como minha, e usar sua marca com orgulho. Indefinidamente.

Estava na névoa da manhã, minha mente ainda


acompanhando as decisões do meu subconsciente, por isso
quando seus segredos vieram à tona para todos nós ouvirmos, eu
voltei para a única coisa que sabia.

Família acima de tudo.

Sangue por sangue.

Deixei a raiva me consumir e fiz o que um Deveraux foi criado


para fazer. Eu tomei. Tomei sem pensar e sem arrependimento.
Tomei sem nem me importar.

Estraguei tudo em um nível maior, fui direto para a vingança


como um moleque, em vez de exigir respostas como um homem.

Meus irmãos me observam de perto, mas é Sin quem dá um


passo à frente, a tensão aumentando seu tom, porque ele é um
filho da puta perspicaz. Especialmente quando se trata de mim.

— Irmão? — Suas sobrancelhas se franzem. — O que você sabe


que nós não sabemos?

Olho para Creed, que balança a cabeça, e quando tenta


bisbilhotar minha mente, eu abro para ele. Seu rosto cai
instantaneamente, sua mão agarrando o ombro de Sinner.

Os olhos de Sin ficam brancos, e então a cena se desenrola


para ele e Legend verem, assim como Creed está vendo em minha
mente, a ilusão de Sin não deixando nenhum detalhe de fora.
Estremeço quando a lâmina afunda em minha carne e tropeço
levemente. London chupa minha boca com a adaga ainda no
pescoço, quando tudo fica preto.

A escuridão gira em torno do espaço, as paredes racham como


as raízes de uma árvore antiga e o chão treme sob nossos pés.

Lágrimas brotam dos olhos de minha esposa enquanto ela se


abaixa no chão ao lado de nossa filhinha.

— O que diabos aconteceu aqui? — Olho em volta, uma vida


inteira de morte e guerra me permitindo me distanciar da emoção do
que está diante de mim.

O corpo de Temperance, de oito anos, está frio aos meus pés.

— Você disse que estava melhorando.

O olhar brilhante da minha Rainha passa por cima do ombro,


fixando-se no meu. — Isso é tudo que você tem a dizer agora?

— Você mentiu para mim?

Seus olhos ficam brancos e ela se volta para a princesa de


Rathe, sem vida no chão. Afasta o cabelo escuro do rosto e se
levanta.

— Ninguém pode saber o que aconteceu aqui hoje — exige


Cosima, trancando sua tristeza.

Meus olhos se estreitam, esperando para ouvir que plano ela


poderia ter. Eu a ouço antes de vê-la, a vozinha suave ecoando pelos
corredores vazios da mansão real.
— London’s bridge is falling down, falling down9…

Em pânico, estendo a mão para fechar a porta antes que ela


chegue muito perto, mas a porta congela no meio do caminho,
reabrindo lentamente.

Meus olhos se voltam para minha esposa, estreitando-se, mas


antes que eu possa perguntar o que diabos ela está fazendo,
Villaina passa pela porta, com os cabelos brancos balançando atrás
dela. — Tempy, estou aqui... — seus pés param e um grito
penetrante enche o ar.

— Merda. — Eu avanço, caindo de joelhos e puxando-a contra


meu peito para esconder a visão. — Você não deveria estar aqui,
Villaina.

Ela soluça, seu corpo começa a tremer incontrolavelmente e um


arrepio cobre sua pele. Ela se afasta, grandes olhos azuis gelados
fixos nos meus. — O que aconteceu com Temperance, Rei Arturo?

Minha boca se abre, mas antes que uma única palavra possa
escapar, Cosima está lá. Ela afaga a cabeça de Villaina, olhando
para cima, fazendo as lágrimas escorrerem por suas bochechas
pálidas.

A Rainha sorri para a garotinha, colocando a palma da mão em


sua nuca... e então a quebra.

Seu corpo cai sem vida em meus braços e eu olho para minha
esposa.

-Trecho da música infantil “London Bridge Is Falling Down.”


9
Ela levanta o queixo. Seus olhos se fixam nos meus. — Acabe
com ela. — Cosima — grito, deitando o corpo sem vida de Villaina
no chão e me levantando.

— Alguém deve pagar por isso. — Ela levanta um ombro. — O


pai dela era um monstro. Faz sentido, Arturo. Acabe. Com. Ela.

— Você não dita as regras aqui, minha Rainha. Eu sou a porra


do Rei, e essa garota está escrita em nosso futuro mais do que
qualquer outra antes dela!

— Seja como for — ela sibila, fatos não são algo de que ela
goste. — Se as pessoas souberem a verdade sobre o que aconteceu
aqui hoje, o Ministry usará isso contra nós. Contra nossos filhos.
Eles procurando uma maneira de nos derrubar há anos. Isso pode
ajudar no caso deles.

— Matarei todos eles agora, hoje, e acabarei com isso se


ousarem.

— Não. Isso trará guerra.

— Uma guerra que vencerei — lembro a ela, embora ela esteja


errada.

O Conselho nunca poderia se enfurecer contra nós. Temos mil


vezes mais Gifted ao nosso lado do que eles poderiam desejar.

— A menina jaz aos seus pés — Cosima tenta argumentar. —


Ela não respira. Não sentirá... nada. Pense em seus filhos e faça o
que for preciso, pois se não fizer isso... direi a todos eles que ela é a
culpada pela queda de nossa amada princesa. Ela morrerá de
qualquer maneira.
Com isso, minha esposa se abaixa no chão ao lado de nossa
filha.

Eu poderia facilmente anular minha querida esposa, mas isso


não fará nada para impedi-la de espalhar as mentiras sobre a
garotinha a meus pés. Poderia acabar com ela sem dor, poupar-lhe
a morte que o Ministry exigirá dela.

E quanto ao futuro de Rathe?

Sem pensar mais, pego Villaina Lacroix em meus braços e saio


do cômodo.

Minha esposa disse para fazer o que devo. Pensar nos meus
filhos.

É exatamente isso que farei, porra.

Os olhos de Sinner se fecham abruptamente e ele leva um


momento para reabri-los. Quando reabre, voltam ao azul, só que
desta vez com rachaduras de teia de aranha em sua íris por uma
fração de segundo. Porque Legend estava certo.

Sinner odeia a todos e não confia em ninguém, mas London?


Ele gostava dela mesmo que não quisesse e ela também gostava
dele. De alguma forma, ela entendeu que há uma máscara que ele
deve usar e aceitou a que ele escolheu. Ela o aceitou, mesmo que
não quisesse. O destino não dá a mínima para seus sentimentos.
Coloca pessoas em sua vida por razões que você simplesmente não
consegue ver agora.

— Maldição.
Legend passa as mãos pelos cabelos, andando tanto quanto o
pequeno espaço permite. Ele para na minha frente, com os braços
pendendo ao lado do corpo. Abre a boca para falar, mas não sai
nada e desvia o olhar.

— Quanto — Sin finalmente pergunta. — Quanto você


apagou?

— Lembra da carta que encontramos no quarto dela na noite


em que tudo deu errado, aquela avisando-a de Rathe? — Pergunto.
— Ela conseguiu no dia em que a encurralamos no restaurante,
quando ela estava com Justice. Ela simplesmente nunca leu
naquela época, por isso brinquei com suas memórias, levando-as
de volta para aquele dia. Contei-lhe sobre seus dons e fiz parecer
que a carta era o convite para o cortejo. Ela dormia o tempo todo,
a memória desenrolando em sua cabeça como se fosse real. O
momento em que abriu os olhos esta manhã é o momento em que
ela pensa que foi transportada para cá. — A pressão atinge meu
peito, mas ignoro. — Tudo depois daquele dia no restaurante se
foi.

— Então, o vínculo de acasalamento? — A mandíbula de Sin


treme. — Ben?

Não digo nada. Não preciso.

Eles sabem de que dia estou falando. Foi quase o nosso


começo. Antes de eu tocá-la. Antes que ela soubesse que era
minha... mesmo que ela não quisesse ser. Foi antes de tudo.

— Abaixe a barreira — diz Sin.


Creed balança a cabeça, mas Sinner não permitirá que
qualquer pensamento ou desculpa que ele tenha o detenha.

— Abaixe a maldita barreira, Creed. — Sinner alisa o paletó do


terno, endireita os ombros e a mandíbula, esperando que Creed
faça exatamente o que lhe foi pedido.

Ele baixa. Primeiro, a névoa ao nosso redor se dissipa e, assim


que a barreira cai, Sinner avança, Legend logo atrás dele.

A expressão de Creed é mais indecifrável do que a dos outros,


sua mente provavelmente girando enquanto ele decide o que fazer
com essa informação e como aceitá-la. Ele me encara por um
momento, antes de se virar lentamente e eu faço o mesmo,
seguindo sua linha de visão.

Como esperado, nossos irmãos estão a caminho dela.

Ela está do outro lado dos jardins, diante de uma gigantesca


cachoeira de chocolate feita de paralelepípedos. As jovens gnomos
que encontraram o caminho até ela estão ao seu lado. Riem e
empurram sobremesa após sobremesa em sua direção, e London
sorri ao dar uma pequena mordida em cada uma delas, com a
palma da mão transbordando a ponto de ter de segurá-la contra o
corpo para tentar evitar que caiam.

A menor de todas, vestida com um vestido rosa florido e longas


tranças amarelas, escorrega entre suas pernas, girando sem parar
enquanto se agarra a outra.
— Elas sentem o poder dela — diz ele, e eu aceno com a cabeça
sem desviar o olhar. Não consigo. História e merda à parte, não há
como negar que London daria uma Rainha fenomenal.

As jovens daqui têm um jeito próprio. Elas conseguem captar


o que está por dentro, mesmo que o dela esteja temporariamente
adormecido.

London ri, e o som vibra em meu peito, forçando-me a cerrar


os dentes até sentir uma rachadura. Vai sarar, mas eu gostaria
que não sarasse. Mereço me destruir, mesmo que apenas
fisicamente, pelo que fiz a ela e pelo que continuarei a fazer.

Sin e Legend a alcançam, aproximando-se por trás. As jovens


gnomos se dispersam assim que meus irmãos tomam o espaço ao
lado de London. Eles a encurralam, com a cabeça dela balançando
de um lado para o outro, mas nenhum deles fala. Ficam parados,
olhando para ela e, lentamente, o canto de sua boca se ergue.

Seus lábios se abrem, e não sei o que ela diz, mas tanto Sin
quanto Legend dão acenos curtos.

— O que você viu? — Eu finalmente pergunto, mantendo meus


olhos fixos na garota que não tem a mínima ideia de quem eu sou
para ela. — Quando olhou na cabeça dela, o que você viu?

Creed fica em silêncio por mais alguns instantes, e é quase


demais, mas então sua mão segura meu ombro.

— Caos — ele diz friamente. — Puro. E maldito. Caos.

Puta que pariu.


De uma só vez, as gnomos adoráveis e não convencionais se
dividem, e as guloseimas que não tiveram a chance de passar pelo
meu caminho caem na grama, desaparecendo no mesmo instante.
A preocupação se agita em minha barriga enquanto as observo
correr a toda velocidade em direção às roseiras que brotam à
frente. Elas não diminuem a velocidade; passam direto por elas,
pouco a pouco, seus corpos ficando cada vez mais confusos, como
se as flores não fossem mais do que um portal para elas pularem.

Droga, talvez sejam mesmo.

Não preciso me perguntar por muito tempo o que as assustou,


pois uma grande sombra aparece no chão à minha frente em um
piscar de olhos. Sei quem é sem olhar. Ou tenho uma ideia e acho
que são dois dos quatro. Com certeza, quando inclino a cabeça
sobre meu ombro, lá estão eles. Colocam-se ao meu lado, por isso
dou meio passo para trás para poder olhar para os dois.

Nenhum dos dois diz uma palavra, permanecendo rígidos e


simplesmente olhando.

Nunca tive a atenção da realeza e nunca em minha vida pensei


que teria a realeza e Rathe tão perto, portanto, apesar de minha
confiança habitual, uma pequena bola de ansiedade se forma atrás
das minhas costelas. Faço a única coisa em que consigo pensar e
levanto as mãos desajeitadamente enquanto expando a barriga,
como se quisesse chamar a atenção deles para a enorme pilha de
petiscos que estou segurando ali, e levanto a mão direita, dando
uma mordida no que está mais perto dos meus lábios.

— Querem um pouco? — Ofereço.

Os dois ficam parados por um momento, e é o gêmeo que se


abaixa, escolhendo morder a borda de uma maçã com caramelo,
com um pouco de porcaria brilhante salpicada por cima. É também
uma das guloseimas que está na mão pressionada contra o meu
corpo, por isso, no verdadeiro estilo playboy, como presumo que
os jovens Lordes seriam, seus olhos turquesa se voltam para os
meus no momento em que estão no nível do meu peito.

As pontas afiadas de seus dentes são quase invisíveis, mas


estão lá, e isso me faz pensar se ele é um vampiro. Eu nunca vi um
na vida real e sempre me perguntei — Os vampiros morrem no sol?

Suas sobrancelhas se juntam e, lentamente, ele se levanta,


lambendo o pó rosa do canto da boca, no momento em que seu
irmão começa a rir.

É uma risada gostosa. Profunda e um pouco travessa, e


quando olho em seus olhos, decido se é ele. Aposto que é o mais
novo, embora todos tenham idade próxima, mas este tem um toque
de... não exatamente delicadeza, mas algo que os outros não têm.
Um senso de moralidade talvez, mesmo que apenas um
pouquinho. — Sou Legend — ele diz, quase como se seu nome o
entristecesse de alguma forma. — Não, vampiros não morrem na
luz.

— Eles podem — o outro oferece.


Quando olho para ele, descubro que ele está olhando. —
Portanto, eles morrem ou... não morrem?

— Não se caminharem ao sol, mas se eles te irritarem muito...


ou se ficarem com desejo de sangue e tiverem que ter seus corações
arrancados na pista de dança depois de uma garota...

Ele avança, mas Legend o empurra com força suficiente para


fazê-lo tropeçar. Quando ele se recompõe, coloca um grande
sorriso nos lábios, e eu sei.

Eu tinha toda a razão. Grandes playboys.

Talvez eu não fique tão entediada aqui, afinal…

— Baby girl — Legend, como ele mesmo se apresentou, adverte


enquanto desliza atrás de mim. — Não olhe para ele desse jeito.
Isso só vai encorajá-lo.

— Talvez eu queira encorajá-lo.

— Claro, vá em frente. — Ele ri. — Se você quiser ver como os


monstros morrem.

Meus músculos enrijecem e ambos os irmãos riem, ficando na


minha frente.

— Está tudo bem, Little L, encoraja-me. — O gêmeo sorri,


passando a língua pelo lábio inferior, mas é mais brincalhão do
que qualquer coisa. — Posso morrer, mas apenas por alguns
minutos, por isso... vale a pena.

Há uma sensação estranha entre nós, como uma teia tecida,


do tipo que se encontraria no verso do cardápio de uma lanchonete
durante o Halloween. Onde se tem que pegar uma caneta e tentar
todos os caminhos até encontrar o certo. Aquele que leva para o
outro lado. O lado deles.

— Sou Sinner.

Assinto, olhando para ele em seu terno todo preto. —


Apropriado.

O terceiro irmão se junta a nós depois, aquele com os olhos


raivosos de ontem, que parecia pronto para arrancar minha
cabeça, mas não parece mais assim agora. Ele está... perturbado.

Por alguma razão estranha, meus dedos se contorcem,


levantando e totalmente preparados para aliviar as linhas ao longo
de suas têmporas, mas puxo esses malditos de volta para o meu
lado antes que sejam cortados.

Você não pode tocar em um maldito Lorde, London!

— Creed — ele diz. Nada de “olá”, nada de “meu nome é” ou


mesmo um “sou” como o Sinner começou, e começo a ficar
nervosa, por isso finjo que era um teste surpresa.

— Meh. Para mim, é um sucesso ou um fracasso, mas adoro


o Sublime.

Creed pisca, irritado, mas novamente... há algo escondido por


trás de sua expressão, algo que não tenho certeza se ele quer que
eu veja, mas posso ver.

— Meu irmão não é de ouvir o que o mundo humano chama


de música. — Sua voz me envolve como seda, envolvendo-me em
uma bola de prazer enquanto beija minha pele. E realmente
acontece. Até os dedos dos pés.

Lentamente, o quarto, possivelmente o último irmão, aparece


diante de nós.

Instantaneamente, meu olhar se fixa em seu rosto, mas o dele


percorre sua família, e não imagino a forma como sua garganta se
estica com um engolir justo antes de finalmente voltar sua atenção
para mim. Meu pulso acelera no meu peito. Literalmente. Bate tão
forte contra minhas costelas que preciso dar um passo para não
cair para frente.

Os seus olhos azuis escurecem enquanto seguram os meus,


mesmo que apenas em um único tom. — Ele prefere ouvir os sons
que as mulheres fazem quando gritam por ele.

Ele encara, como se esperasse que eu... não sei,


honestamente, mas o que ele consegue é uma risada e, só para ter
certeza de que não direi algo que me faça ser queimada na fogueira
ou seja lá o que for que os Royals façam hoje em dia, enfio um
minicupcake na boca.

Percebo o erro no segundo em que o cometo, quando todos os


olhares se voltam para os meus lábios. Levanto a mão, cobrindo
rapidamente a boca e mastigo mais rápido.

— Meu nome é Knight — ele diz, suas palavras lentas e


quase... cuidadosas. — Eu...

— Você é o futuro Rei de Rathe.


Sua carranca é instantânea, mas ele dá um breve aceno de
cabeça.

— Você é a razão pela qual fui forçada a vir aqui.

— Forçada? — Ele levanta uma sobrancelha escura. — Tenho


certeza de que foi um convite.

— Certo. A formalidade da ilusão de consentimento.

Os lábios de Sinner se curvam no tipo de sorriso que alguém


dá quando se compartilha um segredo com essa pessoa, mas eu
franzo a testa para ele e olho para... Knight.

— Se você acha que eu te quero aqui, está enganada. — O


rosto de Knight endurece.

— Bem, isso faz de nós dois. De qualquer forma... eu lhe daria


meu nome, mesmo que você tenha pedido tão gentilmente ontem,
mas arriscarei um palpite e direi que você já sabe.

Aquele falso sob o qual fui criada, espero...

Como se soubesse que eu queria uma confirmação,


provavelmente supondo que fosse algum motivo digno de piada
que um verdadeiro caçador de coroas desejaria – como saber que
o futuro Rei sabia de sua existência – e não porque minha
identidade é um segredo completo, ele diz.

— Seu nome é London Crow.

A tensão em meu corpo diminui um pouco e inclino a cabeça,


sem confirmar ou negar. — Como você sabia que eu era Gifted?
Seus olhos se estreitam e vejo seus irmãos olharem em sua
direção.

— Somos a Família Royal. Sabemos de tudo — diz ele


friamente.

Deixo meu sorriso livre, porque ele acabou de me chamar de


London. Uma risada pequena e rouca sai da minha garganta, e
meus olhos se fixam na forma como a veia grossa do seu pescoço
lateja com mais força.

Jogando outro petisco na boca, dou alguns passos para trás,


com o olhar fixo no dele. — Isso é o que veremos, não é?

Eu me viro e vou até a mesa comprida. Um gnomo macho


aparece, agarra minha mão e me puxa ao redor dela, soltando-me
quando chegamos ao assento que aparentemente estava reservado
para mim. O cheiro é de grama recém-cortada e de produtos
assados quentes. A mesa está forrada de papoulas, íris e pratos de
comidas coloridas que me dão água na boca. A parede atrás de nós
é toda de vidro, com vista para o que quer que tenha aparecido, e
bem à nossa frente há um campo interminável de canteiros de
flores coloridas, que florescem bem diante de nossos olhos.

Não demora muito para que os Deverauxs encontrem seus


lugares à mesa e, enquanto espero que meu copo do que o gnomo
chamou de Faepagne seja reabastecido pela segunda vez, olho
para cima.

Meus lábios se abrem com um suspiro.


Os Lordes de Rathe estão a apenas quatro metros de distância,
com todos os quatro pares de olhos azuis fixos em mim. O mais
estranho é que, embora seus rostos não revelem nada, eu sei a
verdade por trás de suas expressões mascaradas, e cada uma
delas conta uma história diferente.

Confusão.

Incerteza.

Esperança.

E a mais estranha de todas... arrependimento.

Pelo quê e o porquê, eu não sei.

E, sinceramente? Não dou a mínima.

Não posso ser Rainha de um reino onde meu pai arruinou. Um


reino sobre o qual não sei praticamente nada, e como se essas
duas razões não bastassem... não quero ser.

Quero ir para casa, comer comida de merda e passar os


próximos três anos da minha vida odiando cada minuto da
faculdade, mas vivendo cada dia morando com meu melhor amigo,
Ben.

Enquanto olho ao redor da mesa para as outras garotas lindas,


até mesmo para aquela garota mal-intencionada, Alex, penso que
não será muito difícil. Imagino que a maioria delas mataria por um
assento no trono, talvez até literalmente. Deve ser fácil se misturar
ao fundo, especialmente se a ruiva no final quiser o que a trouxe
aqui. Ela parece uma verdadeira deusa, e quem sabe, talvez seja.
Elas existem aqui? Não sei, mas de qualquer forma, aposto
que ela é muito poderosa e é exatamente isso que a coroa exige.
Dinheiro, poder e beleza.

Eu só tenho um desses itens, por isso, novamente, não deve


ser difícil conseguir a menor pontuação na lista de futuras
criadoras de bebês da realeza.

No entanto, portanto, olho para a frente, sem querer, e olho


para o futuro Rei e, de repente... Não tenho tanta certeza.
Há uma nova garota.

Claro, há a porra de uma garota nova. Se London, quando


ainda tinha todas as suas memórias, pensou que se livrava de uma
das mulheres que poderiam ser minhas, estava enganada.

A ideia de seu ciúme, de sua possessividade por um homem


que ela odeia, faz meu pau se contorcer no maldito terno que mal
posso esperar para tirar.

Gostaria de tirar aquele couro dela.

Eu pegaria minhas garras e as estenderia diante dela para que


ela visse como o comprimento delas se transforma em pontas
afiadas que poderiam cortá-la sem nenhum esforço. Eu as
arrastaria pela frente daquele diabólico espartilho preto,
deleitando-me com a visão dele se abrindo e seus seios saltando
livremente, mas não pararia por aí. Continuaria descendo,
passando por cima de seu monte e descendo até conseguir
empurrar para cima, direto para sua boceta apertada, e ela é
apertada. É tão apertada, porra.

— Irmão.
Meus olhos deslizam para a esquerda e Sin ergue uma
sobrancelha escura, seu olhar se volta para onde estou duro sob
minha calça. Simplesmente levo minha bebida aos lábios, bebo-a
e olho para frente mais uma vez. A risada de Sinner é baixa, mas
ele a engole quando mamãe levanta a cabeça por cima do ombro
com um olhar furioso.

— Como eu estava dizendo — mamãe fala lentamente,


voltando-se para a imagem flutuante que ela jogou diante de nós.
— O seu nome é Ivana. É uma shifter. A mais nova da família e
filha de um dos nossos.

Olho fixamente para o rosto na tela.

Ela é atraente. A garota exata que eu teria procurado para uma


noite de pura diversão. Seus cabelos são longos e tão pretos quanto
possível. Sua pele é ligeiramente mais escura, mas são seus olhos
que me fazem inclinar para frente em meu assento. Suas íris são
cinzas como carvão, com lábios pintados em meu tom favorito:
vermelho sangue.

Tento imaginar meu pau entre eles, imaginar seu cabelo


enrolado em meu punho, mas assim que isso acontece, o cabelo
fica branco, os olhos ficam gelados e eu amaldiçoo a mim mesmo.

— Então, ela nasceu Stygian? — Creed confirma. —


Familiarizada com os métodos da magia das trevas?

Mamãe sorri com orgulho, levantando o queixo. Seus olhos


brilham por um momento e ela balança a cabeça. — Familiarizada,
defensora e detentora de maior poder entre seus colegas na Rathe
U.
— Parece que está escolhendo favoritas, mãe. — Legend franze
a testa.

— Estou. — Ela abaixa ligeiramente o queixo, estendendo as


unhas negras para fora e a imagem desaparece. Seus olhos se
estreitam agora, e eu sei o que está por vir. — O que aconteceu
hoje nos jardins?

— Usei a magia real para manipular a mente de London.

— Bom. Aquela vadiazinha estava ficando fora de controle.

Mantenho minha expressão fria, balançando a cabeça


lentamente. — Sim, estava. Isso não deve mais ser um problema.

— Quer dizer que não precisamos nos preocupar com ela


tentando matar todo mundo a cada passo e se tornando a filha que
todos esperavam da prole do Slasher? — Uma expressão estranha
passa pelo rosto da minha mãe, uma expressão que eu nunca
havia notado antes, mas que não consigo decifrar.

Ou talvez eu não tenha prestado atenção suficiente…

— Exatamente. — Concordo.

— Ela não se lembra mais que é companheira de Knight —


Sinner oferece o que não consigo dizer.

Mamãe olha para mim, minha máscara no lugar, e então seus


ombros caem um pouco. — Filho… — ela sussurra, aproximando-
se e colocando a mão na minha. — Deve ter sido uma tarefa difícil.
— Seus olhos brilham levemente. — Mas isso mostra a força que
tem. Você deveria ser o Rei de Rathe, meu garoto, e que Rei você
será. — A palma da sua mão sobe, descansando na minha
bochecha.

Não digo uma palavra, mas levanto o queixo em


reconhecimento e um sorriso suave curva seus lábios.

Desaparece no momento em que a porta do outro lado da sala


é aberta, Silver e seu pai, o guarda número um e amigo mais
próximo de meu pai, entram. Ambos param, baixando a cabeça e
esperando serem abordados.

— Falem — minha mãe exige.

Vicente olha para ela e depois para nós quatro. — Há uma


pista sobre o assassino do Rei Arturo. Devemos ir agora se
quisermos capturar o shifter antes que ele fuja.

Nós quatro levantamos rápido das cadeiras, mas mamãe


estende a mão para nos impedir. — Não colocarei meus filhos em
perigo.

— Psshhh... — Murmuro baixinho. Desde quando?

— Por favor, mãe. — Sinner revira os olhos, passando além


dela e nós o seguimos.

Vicente abre um portal e dá um passo para trás, meus irmãos


já subindo, mas olho para mamãe.

Ela pressiona a mão no peito. — Fique seguro, filho.


Remarcarei os encontros individuais.

Eu olho nos seus olhos por um longo momento e quando seus


lábios se curvam um pouco, aceno. — Sim, mãe.
Eu passo direto, Vicente atrás de mim.

Não sei para onde estamos indo, não sei quem diabos é esse
shifter, mas isso não importa.

Para Vicente nos guiar até aqui, ele deve saber algo, e se há
uma coisa que meus irmãos e eu somos bons, é em conseguir o
que queremos de alguém. Mesmo que tenhamos que arrancar isso
deles, uma gota de sangue de cada vez.

Minha memória se volta para a noite em que mordi a coxa de


London com força suficiente para tirar sangue, e isso faz meu
próprio coração bater mais forte em minhas veias. Sim, graças a
Deus, aqueles encontros individuais foram cancelados ou eu
poderia ter feito algo realmente estúpido... como dobrá-la sobre a
mesa e fodê-la até sangrar.

Suspirando, vou até a frente do grupo, abrindo a porta de


madeira quebrada no final do corredor.

Olhos arregalados e amarelos encontram os meus do outro


lado, e então o filho da puta faz algo que eu esperava que ele
fizesse.

Ele corre.

Nós quatro rimos enquanto tiro o paletó do corpo, jogando-o


para o lado.

— Pronto ou não, filho da puta... — e então, de repente, nos


dividimos em todas as direções. Eu saio em uma corrida pesada,
tudo ao meu redor ficando preto, exceto pela sombra forte de uma
forma humana piscando em vermelho. Acelerando o ritmo, abro os
botões da minha camisa, minhas mãos ficando visíveis por um
segundo. Minha pele é cinzenta e elegante, minhas unhas
pontudas e pretas. Sinto a fome da morte correr em minhas veias
quanto mais rápido bombeio minhas pernas. Preciso senti-lo.
Sentir seu sangue me lavar da mesma forma que tenho certeza de
que meu pai fez com ele.

Meu mal não apenas paira acima da superfície, levanta sua


cabeça feia à vista de todos e quando meus dentes afiam, sei que
estou em forma.

A figura vermelha fica cada vez mais perto, e assim que ele
bate em meu peito, meu mal desaparece e minhas mãos em forma
humana estão em volta de seu pescoço e a visão noturna
desaparece.

Seus olhos amarelos me encaram em pânico, seus lábios


contraídos pelo medo. — Não sei o que você ouviu! — Inclino minha
cabeça, afasto seu cabelo comprido de sua orelha e o mordo.

— Uma maldita raposa...

— Imaginem... — Sin o agarra pela orelha e o joga contra a


parede atrás de nós. As pessoas andando pelo beco, mas nenhuma
delas nos notou. Correndo com o ar de proteção, não aconteceria
rapidamente.

Eu limpo o sangue dele da minha boca. — Levante-se.

A raposa tropeça nas duas pernas, pressionando as mãos


contra a parede de tijolos. Ele fecha os olhos à medida que me
aproximo, até que minhas botas tocam seus pés. — Vou matá-lo,
mas, primeiro, mostre-me o que quero ver... — Sacando uma única
unha, eu a apunhalo em sua têmpora e meus olhos rolam para a
parte de trás da minha cabeça.

O ambiente é escuro, cheio de fumaça escura e, sempre que tento


limpar os olhos, ela preenche ainda mais o espaço. Quem quer que
eles estejam protegendo é forte, porque essa raposa não seria
suficiente para me bloquear. Os passos ecoam e sigo o bater dos
pés. É inútil eu estar aqui, já que sua mente é guardada por alguém
ainda mais poderoso que um Royal. Estou prestes a retirar meus
dedos quando um murmúrio chama minha atenção. Tento
acompanhar as palavras, os tons suaves. Passo após passo, suas
vozes se tornam mais claras até que um grito agudo e penetrante
irrompe em meus ouvidos.

Eu me afasto, fazendo uma careta para a raposa.

Ele me dá um sorriso malicioso, antes de levar a mão à


garganta e cortar a pele com a ponta afiada da unha. O sangue
escorre da incisão enquanto ele cai no chão.

— Porra! — Eu tropeço para trás.

— O que você viu? — Pergunta Vicente, examinando meus


olhos. O desespero que todos temos para encontrar o assassino
não pode prejudicar o processo. Posso ver daqui o quanto ele quer
encontrar a pessoa ou as pessoas, assim como eu.

— Absolutamente nada.
Não sei ao certo o que diabos esses irmãos estão fazendo –
principalmente o Knight, se é que posso chamá-lo assim em minha
cabeça – mas sei que não deve ser bom. Pelo que pude perceber, a
maior parte da atenção deles permaneceu em mim durante todo o
almoço. A julgar pelas expressões estranhas e francamente
assassinas que me apontaram enquanto esperávamos o homem da
hora – ou, sabe como é, do século, o que for – voltar e mais uma
vez nos agraciar com sua presença para a conversa fiada em que
aparentemente somos obrigados a participar.

Estamos literalmente andando pelos jardins sem rumo, como


gado esperando para ser abatido.

Oh, meu Deus, e se isso acontecer?

E se eles nos matarem uma a uma até que reste apenas uma
única garota de pé?

Não, não pode ser assim que isso funcione... certo?

Eu me viro para a garota de cabelo rosa que tem seguido cada


passo da Alex durante toda a tarde, provavelmente planejando sua
vingança pelo que quer que ela tenha feito com ela antes.

— Então, ei, eles nos matam se não correspondermos às


expectativas do Lorde Deveraux?
Os olhos verdes e arregalados da garota se voltam para os
meus, e eu a peguei tão desprevenida que ela começa a rir.

Um pequeno sorriso se espalha pelo meu rosto. — O quê, estou


falando sério. Como isso funciona exatamente?

A garota se recompõe, lambendo os lábios enquanto estreita


os olhos para mim. Depois de um momento, ela inclina a cabeça.
— Você não quer arrancar minha cabeça e dar de comer aos
dragões, quer?

— Dragões?! — Meus olhos esbugalham. — Que porra é essa?

Sua boca puxa para o lado. — Você é tipo... estranha.

Levanto um ombro, olho para o lado e, quem diria, aparece


outro copo de Faepagne!

— Obrigada, Frankie. — Eu sorrio para o gnomo com cara de


bravo, mas ele apenas grunhe e vai embora.

— O nome dele não é Frankie?

— Provavelmente não, mas quando tudo o que ele fez foi


grunhir quando lhe perguntei qual era o nome, disse-lhe que o
chamaria de Frankie. Acho que ele secretamente gosta disso.

— O que te faz dizer isso?

— Ele continua voltando. — Eu sorrio. — Então... eles nos


matarão uma a uma como algum tipo de sacrifício vodu, ou o quê?

Ela pisca para mim, balançando a cabeça. — Eu... não. Não,


eles não nos matarão. Com licença. — Ela sai correndo como se eu
a tivesse assustado, mas tanto faz.
Eu viro, parando quando ninguém menos que Zeke se
aproxima. — Olá de novo.

Ele sorri para mim. — Olá de novo.

Abro a boca para falar quando uma voz ressoa nos jardins.

— Os encontros individuais de hoje foram cancelados. Voltem


para seus aposentos. Vocês serão requisitadas para jantar e
dançar quando o anel de Saturno brilhar mais forte.

Olho de volta para Zeke, levantando uma sobrancelha. —


Então.

— Então. — Ele levanta um baseado entre nós e eu sorrio.

— Lidere o caminho…

Ele gargalha alto, pegando minha mão com a sua e


empurrando o baseado entre os lábios com a outra. Nem me
preocupo em pará-lo para ver para onde vamos. Tudo é muito
estranho. O cortejo foi a coisa menos estranha que me aconteceu
hoje.

— Aqui! — Zeke cai de joelhos na minha frente, apontando


para os ombros. — Pule neles! — Envolvo minhas pernas em volta
dele e grito quando ele prende minhas canelas em seus braços
para me estabilizar. Quando estou por cima, ele ri. — Feche os
olhos e conte até dez.

— O quê!? — Minha mão encontra seu cabelo para segurar


melhor.
— Vamos! Conheço um lugar, mas preciso que você feche os
olhos.

Há muitas coisas que questionei ao longo dos anos. Muitas.


Mesmo entendendo nosso mundo e tentando ocultá-lo, essas
coisas mal arranharam a superfície das últimas vinte e quatro
horas. O que poderia ser pior?

Eu fecho meus olhos.

O vento chicoteia meu pescoço enquanto uma onda de


adrenalina me pega de jeito. Tento engolir a excitação, mas já é
hora de abrir os olhos e quando os abro... — Oh, meu Deus!

Ele ri, mergulhando na água, e observo enquanto o ouro


líquido engole minhas pernas, dos joelhos para baixo. Eu caio para
trás, com os braços bem abertos à medida que o líquido envolve
meus braços como um abraço caloroso e todas as minhas emoções
que eu sentia momentos atrás se acalmam.

Inspiro e expiro, pois o que quer que seja que esteja flutuando
carrega meu peso. — Isso é tão adorável.

— Não é? — Zeke está bem ao meu lado. Ele leva a ponta do


baseado aos meus lábios e eu o pego, inalando o sabor doce de
algo que não tem gosto de maconha. Quando ele afasta a mão de
mim, quase temo o ataque de asfixia que estou prestes a ter, mas,
em vez disso, suaves nuvens de fumaça deixam meus lábios e os
efeitos tomam conta. Sinto meus músculos relaxarem
completamente enquanto rolo para frente e fico de pé.
Zeke está dando outra tragada quando examino a área ao
nosso redor. Árvores roxas fluem sobre a pequena área de natação
em que estamos, com arbustos grossos, o verde mais brilhante
espalhado ao nosso redor. Virando por cima do ombro, espero ver
mais vegetação, mas em vez disso é o vazio do sistema solar. As
cores lilás e suaves do coral exibem nosso sistema solar e
combinam com a piscina em estilo de borda infinita. Saturno paira
calmamente atrás de nós num cenário perfeito.

— Uau. — Mordo minha língua, minhas bochechas ficam


vermelhas. — É tão lindo aqui.

— Não é?

Eu sorrio para o nada e para tudo, completamente feliz. —


Então por que você está aqui? O futuro Rei também está te
cortejando?

A risada rouca de Zeke enche meus ouvidos e fecho os olhos,


seguindo os pequenos pontos de luz que dançam atrás deles. —
Desculpe decepcionar, mas não. Sempre há uma dúzia de extras
aqui para o cortejo, homens e mulheres. Somos testemunhas de
certa forma, substitutos para dançar com as garotas no baile para
mantê-las ocupadas quando o Lorde está ocupado.

— Então, basicamente, você tirou a sorte grande e teve que


vir?

— Com as aulas na Rathe U canceladas até que isso acabe, eu


não tinha nada melhor para fazer de qualquer maneira. Além
disso, posso sair com você — ele brinca, nadando ao meu lado,
justo quando um alarme distante soa.
— Merda. — Sua expressão cai. Ele me agarra pela mão,
puxando-me para fora do ouro solvente que parece seda.

— O que houve?

Ele puxa com tanta força que sua mão provavelmente deixará
um hematoma, mas é o pânico em seus olhos que me faz tropeçar
atrás dele, permitindo que ele me puxe ao invés de me soltar.

— Yemon.

Yemon?

Minhas sobrancelhas se franzem, mas balanço os pés,


acompanhando-o enquanto nos dirigimos para uma parede
gigante atrás de nós. O emaranhado de hera é trançado em seu
comprimento maciço em colunas paralelas intermináveis,
espinhos crescendo do nada, ficando maiores a cada passo que
damos em sua direção.

— Temos que voltar para dentro dos muros. Eles sabem que
estamos desaparecidos, e a única razão pela qual teriam
procurado é se houvesse...

Um grito alto nos faz congelar. Zeke se vira. — Perigo — ele


termina seu pensamento, mas quase não o ouço.

Esse grito. Não foi do tipo que eu ouvi. Foi afiado; o som
raspando minha pele como se eu fosse fisicamente tocada por ele,
e era estridente. Um grito que se esperaria ouvir de um guerreiro
que corre para uma batalha perdida. Um grito de morte iminente,
mas interrompido abruptamente.
Eu giro para ficar na mesma direção de Zeke, no momento em
que uma cabeça rola pela grama como a porra de uma bola de
basquete, parando perto de nossos pés. Ofego, inclinando-me
ligeiramente para frente.

— Não se mexa! — Zeke insiste baixinho e instantaneamente


meus músculos travam.

Nesse momento, vejo uma figura sombreada pairando sobre o


lago dourado. Demoro alguns segundos para perceber que é um
corpo pendurado em suas garras. Um sem a cabeça. Semicerro os
olhos para ver melhor, mas depois o vento gira e meu cabelo
molhado chicoteia como um chicote, golpeando meu rosto até que
sinto um filete de calor escorrendo pela minha pele.

— O que é isso?

— É uma besta das sombras. — Ele fala baixo. — Elas não têm
olhos, por isso não podem nos ver fisicamente, mas podem nos
sentir e perceber nosso movimento.

— Ela?

— Bestas das sombras são… como posso explicar. Mãe


natureza? Elas zelam e protegem as barreiras do nosso mundo.

— Então por que temos medo de algo que deveria nos proteger?
— Talvez o corpo em sua mão seja de um traidor?

— Estamos numa encruzilhada. Não temos Rei. Nosso futuro


Rei rejeitou sua companheira. — Zeke lança um rápido olhar em
minha direção. — Desculpe. — Ele olha para frente novamente,
sem perceber a carranca que cruza minha expressão. — Explicarei
mais sobre Yemon mais tarde, apenas não se mexa.

Meu braço ainda levantado parcialmente no ar, meu cabelo na


mão, levo meus olhos para frente, assim que a besta das sombras
encontra a linha da grama. Meu sangue bombeia com mais força
em minhas veias e meus pés se contorcem para correr, para fugir,
mas para onde diabos eu iria? Não através da parede assassina
literalmente atrás de nós.

— Portal? — Eu sussurro.

— Não é possível entrar ou sair da Faelific Fortress. Está


protegido. Somente o sangue Royal pode passar por esse caminho.

Merda.

Onde está um Deveraux quando se precisa?

O pensamento faz algo bater em minhas costelas, uma


estranha névoa de... Não sei o que está girando em minha mente.

A besta das sombras se move lentamente como um balão no


céu, seu movimento à mercê do vento, e enquanto antes ela se
agitava e enfurecia, agora está mais fraca, como uma brisa suave,
nossa imobilidade enganando os sentidos da besta. Conforme ela
se aproxima, finalmente tenho uma visão completa.

Ela é alta; não menos que três metros. Embora seja


essencialmente composta por uma espécie de névoa negra e
espessa, há características definidas. A névoa molda o que seria
um rosto, se espalhando sobre sua cabeça como um capuz,
destinado a proteger sua identidade. Ela cai como um grande
manto, ou talvez sua intenção seja parecer um vestido, o
comprimento balançando atrás de sua forma. É majestosa, e
quando a figura envolta em nuvens negras ergue os braços, algo
estranho brilha em meu peito. Dou um passo à frente antes de
saber o que estou fazendo, sussurros suaves enchendo meus
ouvidos, mas não consigo ouvi-los, então dou outro.

— London! — Zeke sibila. — Pare!

Meus pés me levam para frente, até que começo uma corrida
leve.

Eu preciso chegar até ela.

Então passos soam atrás de mim, contudo, e um buraco se


abre no rosto da besta, o grito ensurdecedor que escapa dela
ressoa como uma maldita granada em meus tímpanos.

A dor irrompe em minha têmpora e minhas mãos cobrem os


ouvidos enquanto me ajoelho e grito de dor. Um movimento chama
minha atenção, e minha cabeça se levanta. Meus olhos se
arregalam em pânico quando o que parece ser sangue branco rola
de onde os olhos deveriam estar. O corpo é jogado aos meus pés.

Abro a boca para gritar novamente, mas sou interrompida


quando Zeke agarra meu cotovelo. — Vamos!

Eu me levanto aos tropeços e corremos para o outro lado do


pátio. Zeke é puxado para trás e meu ombro sai do lugar devido à
força com que ele não teve tempo de me soltar.

Um grito alto de dor me escapa enquanto me levanto. Viro-me


à medida que a mulher, se é que podemos chamá-la assim, agarra
sua perna e depois sua cabeça, antes de começar a puxar.
Rangendo os dentes, viro-me freneticamente, procurando uma
maneira de salvá-lo, com o braço pendendo inerte ao meu lado.

Os olhos de Zeke ficam brancos e, em seguida, raízes explodem


do solo, envolvendo a forma da besta, enquanto a metade inferior
da grande figura se transforma de uma nuvem negra espessa e
aparentemente sólida em uma fina camada de névoa cinza.

Zeke começa a cair no chão, mas a criatura grita mais alto


dessa vez e, então, ela o pega novamente. Levanta-o no ar,
batendo-o contra a terra dura, mas ele estende a mão, com os
olhos ainda brancos, e a grama se transforma em um leito de água.
Ele submerge completamente e a besta se debate, alcançando seu
interior, mas não consegue nada. Quando ela grita novamente, a
água é jogada para o lado em uma onda rápida, e os seus olhos se
arregalam. Os seus braços se levantam, mas ela agarra seu pulso
antes que ele possa fazer alguma coisa, e seu uivo ecoa ao nosso
redor.

Ela agarra o seu pescoço, com grossas faixas de fumaça o


envolvem. Seus olhos em pânico encontram os meus e eu me
inclino para frente.

Corra, ele tenta dizer, mas sua boca não se move.

Ela aperta, assim como as faixas ao redor de seu corpo, no


momento em que o estalo de seus ossos me atinge.

— Não! Pare! — Eu grito, aproximando-me .


O sangue escorre das orelhas e da boca de Zeke enquanto ele
tenta balançar a cabeça, mas eu continuo me aproximando.

A besta grita comigo, seu braço livre se estende, enquanto o


meu se levanta no que certamente será uma tentativa fútil de me
proteger, mas depois um zumbido forte me detém. Meus olhos se
abrem para encontrá-la gritando, com a boca aberta conforme um
grito contínuo enche o ar.

Eu olho para a palma da minha mão, mas que...

Ela corre em minha direção; Zeke ainda sendo esmagado em


seus braços e minha mão que está trabalhando dispara mais uma
vez.

Encaro, chocada, quando uma longa corda de luz cintilante


jorra dos meus dedos. É de uma cor azul-gelo e faísca quando
encontra as densas faixas de fumaça ao redor de Zeke. As amarras
o liberam instantaneamente e ele cai no chão. Algo dentro de mim
surge e meu peito se curva. Meus olhos tremem e se contorcem na
escuridão que cobre minha visão. Eu pisco e, de repente, a névoa
se dissipa.

Eu corro para Zeke, mas ela vem em minha direção em toda


velocidade. É isso. Estamos prestes a morrer.

Eu me jogo sobre ele, cobrindo seu corpo com o meu e espero


a morte chegar. Poderia ser paciente para a morte, mas os seus
gritos ficam mais altos. Abro os olhos.

Uma geada clara cintila ao nosso redor, nos envolvendo em


um pequeno iglu.
— Um escudo — ele tosse, segurando a barriga. Eu olho para
ele; seus olhos se arregalam. — London, seus olhos...

— Huh? — Ofego, balançando a cabeça. Estremeço quando a


besta bate no... escudo? — Vamos. — Eu o agarro com minha mão
boa e puxo.

Ele grita de dor. — Não consigo. Tudo está quebrado. Não


consigo me mexer, porra.

— Você quer morrer, porra?!

— Alimente-me.

Minha cabeça recua. — O quê?!

— Apenas corte sua mão. Eu preciso da energia. Sou um


Mago, posso extrair da terra. Posso consertar o suficiente para nos
levar até um curandeiro mais legítimo.

Quando eu apenas olho para ele, ele balança a cabeça de dor.


— É me alimentar ou me foder, London. É a única maneira de
fortalecer meu poder agora.

Concordo com a cabeça, abrindo a palma da mão. Antes que


eu possa tentar encontrar algo para cortá-la, uma raiz brota do
chão e cai frouxa em minha mão. Por alguma razão, sei o que fazer,
fechando minha mão ao seu redor enquanto ela se liberta. Quando
abro a palma da mão, sangue escorre da minha mão. Eu a levanto
até seus lábios ao mesmo tempo que ele passa a língua ao longo
do corte e seus olhos brilham brancos.
Ele grunhe, os dentes cerrados e brilhando em vermelho
enquanto pequenos estalos e rachaduras ecoam. O escudo ao
nosso redor se rompe e nós estremecemos.

— Pronta? — Ele ofega.

Assinto, e nos levantamos, o escudo se movendo conosco


enquanto corremos em direção à parede gigante de espinhos
raivosos.

— Maldição! — Ele grita, balançando a cabeça de um lado para


o outro, mas eu continuo.

— London, espere!

O escudo faísca com raiva ao encontrar a parede protetora,


mas eu me aproximo mesmo assim.

— Temos que tentar de outra maneira! — Ele grita.

— Espere! — Eu grito de volta e ele congela. — Está...

— Abrindo — ele murmura, incrédulo, olhando para mim com


curiosidade.

O gelo absorve as videiras, morrendo e se desfazendo em


pequenos flocos de neve que derretem antes de tocar o chão, e
depois a parede de pedra faz o mesmo. Nós empurramos no
segundo em que ela se abre o suficiente, caindo na grama.

Quando olhamos novamente para a parede, ela está selada, a


besta deixada chorando do outro lado.

Caio de costas, Zeke ao meu lado, e olhamos para o céu


escuro. Depois de um momento, viro a cabeça e nos olhamos ao
mesmo tempo. Nossa pele machucada e ensanguentada,
encharcada do lago dourado.

O riso borbulha em meu peito enquanto nós dois caímos na


gargalhada, rolando de lado conforme isso nos domina.

Um rosnado ameaçador ecoa atrás de nós e eu congelo,


preocupada por termos deixado a besta entrar, mas quando viro a
cabeça sobre o ombro, o ar se prende em meus pulmões por uma
razão muito diferente.

Knight Deveraux, o futuro maldito Rei, está atrás de nós, sem


camisa, ensanguentado e completamente furioso.

Merda.

Eu me levanto às pressas, assim que ele chega perto de mim.

— Foi ideia minha — eu digo rapidamente.

A mão de Knight dispara, envolvendo meu pescoço. Ele me


joga contra a parede e eu grito quando meu ombro é forçado de
volta para o lugar devido ao impacto.

— Bem, esta posição é familiar, não é? — Cuspo, lembrando


de como ele me agarrou na lanchonete.

Seu corpo treme enquanto ele olha para mim. — Por que
você...

Ele interrompe, suas narinas dilatadas, mas então meu pulso


está em sua mão livre. Ele olha para o pequeno corte, mas depois
o leva ao nariz, inalando, e enquanto seus olhos se fecham por
uma fração de segundo, abrem-se no próximo. Suas pupilas se
dilatam, raiva girando dentro dele enquanto seu peito começa a
roncar. É como se um animal enjaulado vivesse dentro dele,
implorando para ser libertado para me devorar viva.

Eu me encolho ao ouvir o som e odeio isso, mas é mais


profundo do que minha vontade. Algo dentro de mim se submete
a ele no momento, uma espécie de futuro Rei esquisito, todo
poderoso e idiota, tenho certeza.

— Amarre-o — Knight murmura, os olhos fixos em mim.

— Porra — Zeke engasga, e quando olho por cima do ombro de


Knight, vejo que seus irmãos se juntaram a nós, todos também
sem camisa e cobertos de sangue que não deve ser deles.

Não tenho certeza de quem faz isso acontecer, mas Zeke é


levantado no ar, com as pernas e os braços abertos como se
estivesse sendo crucificado.

— Seus ossos estão quebrados! Vai machucá-lo...

— Cale a boca, porra! — Knight grita na minha cara, sua saliva


espalhando-se pela minha pele e seu aperto em meu pescoço
aumenta.

A raiva inunda minhas veias e eu luto contra ele.

Seus olhos brilham de choque quando ele recua um pouco,


sua mão caindo do meu pescoço. Sou largada com um baque.

Eu tusso, esfregando minha garganta. Quando levanto a


cabeça para encará-lo, encontro seus olhos estreitados em mim,
uma pitada de choque em sua expressão, mas desaparece um
momento depois e a raiva está de volta. Ele se aproxima
novamente, pressionando seu peito no meu, forçando minha
cabeça a se inclinar totalmente para trás para manter meus olhos
fixos nos dele, embora ele seja um maldito gigante comparado a
mim.

Com seu corpo pressionado tão perto do meu, minha mente


me prega peças, sussurrando, sim, mantenha-o aí. Que é aqui que
eu o quero, aqui mesmo contra mim. É tão forte que a fúria começa
a morrer por conta própria e é substituída por uma necessidade
pesada, que não apenas pulsa em minhas veias, mas também
entre minhas pernas. Meus olhos caem para as manchas em seu
peito e a vontade repentina de lambê-lo e limpá-lo me atinge.

Sua risada é onisciente e me tira do sério.

— Você deu a ele o que pertence a mim?

Uh... — O quê?

Ele mostra os dentes, levantando minha palma cortada entre


nós.

Espere. — Meu sangue? — Pergunto, confusa.

Ele abre a boca para me repreender, mas Creed agarra seu


ombro e depois de um momento, Knight dá um passo para trás.

Creed entra no meu espaço. — O que ele quer dizer é que você
está neste cortejo. Por causa disso, cada parte sua pertence a ele.
— Creed tenta explicar, mas não é uma linha de verdade. Posso
sentir sua mentira.
Cheira azedo no ar ao nosso redor.

— Mas ele ia...

— London — Zeke me interrompe e nos entreolhamos.

Isso só enfurece Knight ainda mais.

Garras gigantes descem de seus dedos, e eu enrijeço,


observando com os olhos arregalados enquanto ele se aproxima de
Zeke e o corta do pulso até a axila em ambos os braços antes
mesmo que eu possa piscar.

Eu suspiro, correndo para frente, mas Sinner bate seu peito


no meu, olhando para mim. — Bonequinha má. Fique.

— Que porra você está fazendo? — Grito, olhando em volta e


notando que outras pessoas saíram do prédio para ver o que
acontece.

— Cuidado com a porra da sua boca — Sinner sibila baixinho,


chamando meus olhos de volta para os dele. — Você não questiona
seu futuro Rei. Entendeu? — Sua declaração é ameaçadora.

Mordendo a língua, forço-me a assentir com a cabeça quando


tudo o que eu realmente quero fazer é chutá-lo na porra das bolas,
mas ainda não sei como as coisas funcionam aqui e não quero
morrer hoje por causa da minha boca grande, especialmente
quando acabei de lutar contra uma besta feita de névoa!

Jesus, porra, como essa é a minha vida agora? Preciso


encontrar uma maneira de ligar para o Ben...

— O que ele fará com ele?


Sinner balança a cabeça, com os nós dos dedos passando pela
minha bochecha. — Não, Little L... não é o que ele fará. É o que
você fez. — Sinner se move tão rápido que não consigo vê-lo e, em
seguida, seus braços me envolvem por trás e sou levada a ficar
diante de Zeke.

Knight se vira, olhando-me nos olhos, enquanto rasga com sua


garra a coxa de Zeke até o tornozelo, rasgando a calça e a carne, e
depois faz o mesmo com o outro.

Ofego, olhando em choque enquanto o sangue jorra de cada


membro.

Knight se aproxima de mim lentamente, seus olhos são


selvagens e duros e ele os fixa em mim.

É estranho, como ele parece aterrorizante e vingativo nesse


momento, mas seu toque quando agarra meus dedos e os puxa até
seus lábios é tão gentil que meu corpo se derrete no abraço de seu
irmão.

Ele olha para a minha palma, a que não está cortada, e depois
de volta para mim. — Você deu a ele seu sangue, por isso drenarei
cada grama do seu corpo para que nenhuma parte de você viva
dentro dele e, em seguida, quebrarei todos os ossos do seu corpo
que ainda estiverem intactos. Não permitirei que ele seja curado
até que passe a noite pendurado no ar para que todos vejam como
um aviso do que acontece quando alguém mexe com o que é meu.

Ele se aproxima mais de mim, ignorando completamente os


braços de seu irmão que me envolvem, e depois seus dentes estão
à mostra e observo, paralisada, seus caninos se transformarem em
presas afiadas.

Eu ofego, mas os dedos dos meus pés se enrolam em meus


sapatos.

E depois, tão rápido que quase não percebo, ele crava seus
dentes em minha palma, mordendo com tanta força que sinto a
vibração do meu osso encontrando seus dentes.

Eu grito de dor, mas ele rosna tão profundamente ao meu


redor que seus olhos ficam brancos enquanto suga minha carne
aberta. Ele me solta com a mesma rapidez, lambendo minha pele
à medida que sua boca pinga meu sangue.

— Leve-a de volta para o quarto dela e tranque-a lá.

— O que...

No segundo seguinte, sou jogada sobre o ombro de Legend,


chutando e gritando, mas sem sucesso. O que parece ser segundos
depois, sou jogada pela porta do meu quarto, minha bunda
batendo no chão com força.

Legend olha para mim com desapontamento. — Você poderia


ter morrido.

— Sim, bem, eu não morri — respondo.

Ele zomba, balançando a cabeça e quando fala, é como um


aviso — Tome cuidado, London... ou você morrerá. — Ele bate a
maldita porta.

Jogando-me de volta no tapete, olho para a galáxia acima.


— Foda-se minha vida!
Por que diabos eu a mordi ontem à noite?

Meu corpo tinha se acalmado um pouco, o desespero pelo


gosto dela amenizado pela morte anterior do maldito corredor, mas
então senti o cheiro dele nela. Senti o cheiro dele nela.

Surtei. E agora?

Agora o sangue dela corre por mim mais uma vez, e todos os
meus nervos estão em chamas.

Não tenho ideia do que essa garota, Ophira, está dizendo, mas
se a cobra dourada em seu pescoço continuar sibilando para mim,
vou comê-la no almoço. Só consigo pensar em London.

Sinto seu gosto toda vez que movo minha língua, sinto seu
cheiro toda vez que respiro.

Esse cortejo é uma grande besteira. Não tenho ideia de quem


escolher, mas, para a alegria de minha mãe, provavelmente será a
garota nova.

Ela é Stygian, veio de um dos nossos. É a mais limpa.


Definitivamente, não será essa garota. De jeito nenhum essa
cobra dormirá perto do meu pau à noite, por isso é com esse
pensamento que me levanto da mesa.

Seus olhos dourados se voltam para os meus, com uma leve


carranca em sua testa. Ela leva apenas um segundo para perceber
o que está por vir, e seus olhos começam a girar.

— Você não será a Rainha de...

Não consigo pronunciar a última palavra antes que a cobra


solte sua garganta e ela inale o que parece ser sua primeira
respiração completa, e quando fala, seu tom é como um sussurro
exótico que me eletrifica. — Meu Lorde, venha até mim.

Eu me viro no momento em que ela diz as palavras, dando um


único passo em sua direção e ela se levanta, mas é quando suas
palmas tocam meu peito que meu vínculo de acasalamento se
acende, chutando e arranhando minhas entranhas com vingança.
Recupero-me e, quando ela abre a boca para falar novamente,
estendo uma mão, prendo-a ao redor de sua garganta e destruindo
sua traqueia.

— Quase funcionou, pequena sereia. — Minha mão livre se


levanta, agarrando a cobra no ar enquanto ela se lança contra
mim. Eu parto seu pescoço em dois.

Lágrimas enchem os olhos de Ophira enquanto a jogo no chão


e a afasto de mim.

— Knight? — Mamãe se aproxima.

— Ela tentou usar seu canto de sereia contra mim.


— Que garota linda e estúpida — minha mãe murmura,
afastando o cabelo de Ophira da testa. — Dispense-a, meu filho.

Encontro os olhos de Ophira, dizendo o que ela tentou evitar.


— Você é indigna da coroa e foi liberada para Rathe. — No instante
em que as palavras são ditas, uma nuvem se abre acima de nós,
chovendo sobre ela até que seja engolida pelo chão.

Suspirando, eu me sento.

Mamãe sorri enquanto dá um tapinha no meu peito, gira e se


dirige à porta. — Próxima!

Aqui vamos nós de novo.


Desta vez é diferente. Com a raiva ainda ardendo contra meu
vínculo de acasalamento, estou ainda mais desesperado para
acabar com essa besteira. Encontrar uma rainha. Uma que não
seja inteligente o suficiente para saber que eu a amo, mas que
esteja iludida o suficiente para achar que pode ser rainha. Olho
para as pessoas sentadas ao redor da mesa. Agora comigo à frente.
Ainda não sei como me sinto por ter sido empurrado para uma
posição que eu tinha tanta certeza de que seria de Creed, mas
quanto mais tempo fico sentado no trono, mais sinto que os
fantasmas de meus ancestrais exigem que eu esteja lá.

— Knight. Você decidiu seus três principais? — Pergunta


Odin, com o rosto cuidadosamente mascarado. Ele representa os
Monsters e geralmente é o mais silencioso durante uma reunião.
Aquele que fica em segundo plano e observa. Nunca fala demais e
sempre mantém distância. Acho que é por isso que meu pai era o
que menos o odiava entre todos os conselheiros, talvez até gostasse
dele, mesmo que só um pouco.

— Não. — Meu dedo bate no meu copo de bebida, agora vazio.


— Eu odeio todos eles. — Movo meu dedo em um movimento para
cima e meu copo vazio é lentamente reabastecido com mais líquido
âmbar.
— Bem. — Legend dá uma risadinha e, se não estivesse tão
longe, eu o estrangularia. — Nem todos...

Eu cerro os dentes, ignorando todos os olhares


questionadores. Quando não consigo mais ignorar, concentro-me
no chão abaixo de nós. O céu está completamente limpo, com
nuvens grandes e fofas passando pela sola dos nossos pés. À
distância, é possível ver a cidade de Stygian, o castelo, as
catacumbas e o alto arco da ponte que nos separa. Para quando o
parque de exposições aparece. Luzes de mogno profundo, vermelho
sangue e azul-petróleo piscam lá embaixo, enquanto o círculo da
roda-gigante gira. As pessoas lá embaixo não fazem a menor ideia
do que acontece aqui em cima, nesta pequena sala flutuante de
segredos.

— Bem, precisamos de um novo Rei se quisermos que o


equilíbrio permaneça entre todos nós. Quanto mais tempo isso
durar, maior será o risco de os civis da magia decidirem que
gostariam de ultrapassar os limites. E nem comecemos a falar das
Bestas das Sombras malvadas.

— Eles não ultrapassarão nenhum limite — sussurro por trás


do meu copo, abrindo os botões superiores da minha camisa. —
Porque se eles fizerem isso, vou matá-los. — E matarei. Todos eles.

— Como matou o homem a quem você foi e...

— Torturou? — Levanto uma sobrancelha para Magdalena. —


Pode dizer a palavra que conhece, isso não faz de você menos...
Argent.
Seus olhos se estreitam e sei que ela está pensando na forma
como encontrou seu filho pendurado nos jardins há duas noites –
temporariamente morto e nada além de um saco de ossos
quebrados.

— Você não deveria interrogar ninguém sobre a morte do rei


sem a presença de todo o Ministry — ela ousa. — Seu pai...

— Meu pai está morto, e caso não tenham percebido, não farei
as coisas do jeito dele. Resumindo? — Olho para o outro lado da
sala, encontrando o olhar de cada membro do Ministry que
representa um corpo docente diferente de Gifted. — Não confio em
nenhum de vocês. Provavelmente nunca confiarei. Se eu receber
uma dica do meu povo que possa aproximar minha família da
pessoa que matou nosso pai, nosso rei, meus irmãos e eu faremos
o que acharmos adequado, e não há absolutamente nada que
alguém nesta sala possa fazer para mudar isso.

— Houve alguns sussurros. Sobre a rejeição.

Meus olhos se voltam para Agro, o homem que representa os


Fae, a veia em meu pescoço se esticando enquanto eu controlo
minha raiva por sua escolha de palavra.

O silêncio cai e as nuvens aos nossos pés ficam mais escuras,


com sons suaves de trovões estalando dentro delas. Começou.

Eu não deveria culpá-lo por isso. Eu a rejeitei, joguei-a aos


lobos – literalmente, com a ajuda de Sinner naquele dia no terraço.
Portanto, sim, ela é uma rejeitada. Obrigada a viver uma vida de
solidão e vergonha, mas isso não me faz querer arrancar sua
cabeça e alimentar sua família com seu cérebro como sobremesa
por mencioná-la. Na verdade, estou disposto a mantê-la trancada
em seu quartinho em meu castelo ao mesmo tempo que vivo este
reinado. Ela poderia ser meu animal de estimação. Fodê-la quando
eu precisar, e depois usar minha falsa Rainha como um show para
o povo.

— O que tem ela? — As palavras me deixam lentamente, mas


consigo manter a expressão em meu rosto, a de sempre, de não
brinque comigo, por isso não deve levantar suspeitas.

Eles não fazem ideia de que aceitei minha companheira


desastrada, que eu a amo pra caralho, mesmo que não possa ficar
com ela. Que sou eu quem está escurecendo as entranhas
lentamente, não ela.

— Sua origem. Está em questão. O Ministry decidiu


investigar...

— Não. — A palavra é cortante e venenosa e quando me inclino


para frente na cadeira, meus irmãos fazem o mesmo.

Eles não nos convidaram para esta “reunião obrigatória” que


convocaram depois de ouvir sobre a viagem que fizemos até a orla
da floresta dos Night Walkers, mas ninguém nesta sala se atreveu
a questionar quando entramos em quatro.

— Não? — O homem inclina a cabeça. — Lorde Deveraux, não


pedimos sua permissão. Estamos lhe dizendo que há um motivo
de preocupação e que não pode ser ignorado. O rei, seu pai, foi
assassinado. Ela é uma estranha, criada no mundo Giftless e, há
alguns dias – pelo que ela fez todos acreditarem, ingênua em
relação ao poder que pode ou não processar, mas todos nós vimos
a prova dessa mentira – ela usou seus dons quando quebrou as
regras do cortejo e saiu dos muros da Faelific Fortress. Só por isso,
ela deveria ser negada e forçada a ir embora, mas como não
sabemos a extensão de seu poder ou a linhagem de onde provém,
é mais seguro para todos que ela fique aqui. Yemon seria o fim da
garota após sua rejeição pública. Precisamos saber o porquê de o
destino ter dado essa garota a você. A resposta está no sangue que
corre em suas veias.

— O destino está me testando. É isso — digo com os dentes


cerrados. — A garota não vale nada. Ordinary. A porra de
preocupação e só está aqui porque você a forçou depois que eu a
dispensei. — Olho para Magdalena e depois para o resto deles. —
Quer investigar alguém? Comece com as pessoas nesta sala.

O choque se espalha pelos rostos dos membros do Ministry, e


a raiva vai se manifestando lentamente. Por favor, contudo, como
eles podem estar chocados? Não tenho sido nada além de
problemas para eles desde o início. Eles sabem que nunca acreditei
em seus costumes. Lutei contra eles a todo momento.

Honestamente? Provavelmente sou o último Deveraux que eles


esperavam que chegasse ao posto de Rei. Bem, talvez o último
antes de Sinner, mas ainda assim. Queriam Creed ou Legend, não
o irmão desonesto.

— Não é possível que você esteja falando sério! — Agro grita.

— Estou falando sério, porra. — Inclino minha cabeça. —


Como eu disse, não confio em nenhum de vocês e, se eu descobrir
que alguns ou todos conspiraram para matar nosso Rei, cumprirei
a promessa que nossa Rainha fez ao povo. Matarei a pessoa ou
pessoas responsáveis da maneira mais pública e dolorosa possível.
Não farei nenhum prisioneiro. Vou me banhar no sangue do filho
da puta, portanto, se foi um de vocês... acabem com vocês mesmos
agora, porque quando os pegarmos?

A risada cruel de Sin sussurra pela sala e nos levantamos. Não


usamos a porra da porta. Nós lançamos nosso portal bem aqui, em
cima da cobiçada mesa redonda deles e subimos em cima dela.

Saímos daqui, porra.


Ele cheira como a garota de cabelo rosa e, por alguma razão,
isso cria uma sensação irritante de formigamento na minha
espinha. É acompanhado por uma necessidade interna insana de
lavar bem sua pele. Com minha língua, uma lambida gloriosa de
cada vez.

Porra, preciso me controlar.

Não, droga, duh, ele cheira como ela, considerando que ela
teve seu primeiro encontro antes de mim. Na verdade, todos
tiveram. Eu faria uma piada sobre deixar o melhor para o final,
mas pela expressão no rosto do Knight enquanto segura o copo
com tanta força que os nós dos dedos com cicatrizes ficam
brancos, acho que não é esse o caso.

Ele literalmente parece sofrendo por estar aqui.

— Você realmente não tem controle sobre nada disso?

Minha pergunta deve pegá-lo desprevenido, pois sua cabeça se


inclina em minha direção, com uma carranca. Eu simplesmente
dou de ombros. — Quero dizer, claramente você não quer estar
aqui e já disse que não me quer aqui, por isso... você realmente
não tem controle?
Ele me olha por um longo momento e, por um breve segundo,
acho que vejo uma ponta de suavidade, mas quando pisca, ela
desaparece.

— Não. — Ele leva o copo aos lábios, termina-o e pega a garrafa


pela terceira vez desde que se sentou... há cinco minutos. — Há
muitas coisas que posso ditar e muitas que mudarei quando for
Rei, mas essa não é uma delas. Está escrito nas cinzas de nossos
antepassados. Não há como mudar a evolução de um Rei.

— O quarto ao lado do meu. Era o quarto da ruiva — paro.

Os olhos de Knight se estreitam em mim, mas não me


acovardo nem desvio o olhar.

Ela se foi e, de acordo com as fofocas no salão do café da


manhã, ela só teria ido embora se fosse morta ou dispensada, e as
meninas juraram que não a mataram. Foi meio estranho como
todas olharam para mim como se eu fosse a culpada, mas tudo o
que pude fazer foi rir de seus olhares acusadores. Por que diabos
eu mataria qualquer uma dessas garotas? Elas são a única chance
que tenho de liberdade. Ele tem que escolher uma e, quanto mais
cedo, melhor. Tenho aulas na faculdade e um melhor amigo me
esperando.

— Sim — Knight finalmente diz. — Ela se foi. — Ele me observa


atentamente, como se procurasse algo que não consegue ver.

Então, ele se livrou dela.


— Até quinze minutos atrás, também a Fae — ele oferece,
aqueles olhos penetrantes e nadando com mais do que ouso
nomear.

Não sei de qual garota ele está falando. Não tenho ideia de
quem é o quê por aqui, mas não me importo o suficiente para
perguntar quais são as duas garotas que restam no momento,
porque agora estou ainda mais confusa.

Ele estava tão puto comigo outra noite, mas ainda estou aqui.
O que ela poderia ter feito de pior do que fugir desta fortaleza com
outro cara quando deveria lutar pela mão do Rei, quanto mais pela
coroa? Não é muita coisa que meu cérebro possa inventar. É
verdade que isso não significa muito, já que este é o maior tempo
que passei com os Gifted em mais de uma década.

— Então por que ainda estou aqui? Se você pode decidir


quando terá certeza de alguém, por que não me manda para casa?

— Você está em casa, London — diz ele de forma enganosa,


mas calma. Há um brilho de fogo em seus olhos.

Balanço a cabeça, mas não digo nada e ele não gosta disso.

— Vamos. — Ele se levanta tão rápido que me assusto.

Quando ele estende a mão, hesito, mas então aqueles olhos


azuis escuros caem nos meus. Olham mais fundo, buscando os
segredos da minha alma, e embora queira desaparecer, não posso.
Algo dentro de mim se agita, uma súbita explosão no fundo do meu
ventre e eu contraio os músculos abdominais para esconder.
Seu olhar abaixa e percebo que meus lábios se separaram.
Seus olhos se fixam nos meus e ele inclina levemente o queixo.

Não pretendo me mexer, mas meu corpo tem outros planos.


Minha palma encontra o caminho até a dele. Um choque elétrico
desce pelo meu braço quando nossa pele se conecta e eu suspiro
ao mesmo tempo que ele me puxa da cadeira com tanta força que
meu peito bate no dele.

Ele é alto pra caramba, tanto, que meus joelhos começam a


tremer. Seu braço livre me envolve, pressionando-me mais perto e
seus dedos encontram a parte inferior do meu queixo. Ele levanta,
forçando meus olhos a permanecerem nos dele.

— Feche os olhos, baby — ele sussurra.

Baby.

Meus olhos se fecham e, no momento em que fecham, um flash


de pele pálida e músculos ataca minha mente.

Dentes e uma sensação aguda de prazer infundido pela dor.

Mãos ásperas e palavras raivosas. Movimento lento e sussurros


ternos...

— Baby... — ele sussurra.

Meus olhos se abrem novamente, meu coração bate forte no


peito. Enquanto o encaro, a confusão cria pânico em minha mente,
mas meus pensamentos morrem em meus lábios quando olho ao
redor. — Puta merda...
Uma cachoeira de cor obsidiana flui de um penhasco alto,
repleto de flores rosa e verde-limão brilhantes que se torcem para
chegar ao topo. As árvores se estendem com garras grossas,
oferecendo um gostinho da magia que se esconde atrás da
barreira. Seja lá o que for esse lugar, é lindo, se não puro. Uma
figura de sua imaginação, talvez?

Meus pés param e, assim que param, os braços do Knight me


envolvem por trás. Ele me abraça e eu paro de respirar.

O futuro Rei de Rathe me segura como se eu fosse uma flor


que ele tem medo de destruir. Seu toque é gentil e suave e quase...
hesitante. Como se não tivesse certeza se deveria. Como se não
tivesse certeza se quer fazê-lo. Talvez seja assim? Ele tem que
testar a sensação de sua Rainha em seus braços e ver se consegue
suportar o toque dela.

Eu deveria arrotar ou fazer algo nojento, tentar afastá-lo o


máximo possível, mas meu corpo não parece entender o senso de
sobrevivência da minha mente porque, na próxima respiração,
inclino-me de volta para ele.

Ao mesmo tempo, nós dois soltamos uma respiração longa e


lenta, como se a segurássemos.

Uma calma que nunca senti se instala em mim, mas, ao


mesmo tempo, algo me cutuca por dentro. Bate em uma porta que
não consigo ver e procuro desesperadamente a maçaneta para
poder abrir a porta e ver o que há do outro lado. Não tenho certeza
de quanto tempo ficamos ali parados, ou quando fechei os olhos,
mas seu sussurro fez com que se abrissem.
— Eu não posso ficar com você.

A umidade floresce, embaçando minha visão, mas engulo em


seco. — Eu sei. — E sei mesmo.

Eu sei mais do que ele que ele não pode. Seja qual for a razão
pela qual estou aqui, sei que mesmo que houvesse um pingo dele
me querendo, eu sendo eu e quem sou significa que isso nunca
poderia acontecer.

Ele sabe quem eu sou? Quem foi meu pai? É por isso que ele
disse isso?

Então, ele me gira, segurando meus braços enquanto a raiva


cresce em sua testa.

— Lorde Deveraux... — Paro depois de um momento.

Seus lábios se curvam e ele me empurra. Um portal aparece e


então eu caio....

Eu grito, minha cabeça girando com cem cores diferentes que


não estão na paleta antes de voltar para o meu quarto. Bem, meu
quarto temporário.

Instantaneamente, sou atingida por uma estranha sensação


de perda. Minha mão se estende para agarrar a parede enquanto
respiro fundo. Quando a ansiedade gira em meu estômago como
ácido, corro para o banheiro. Não sei porquê, mas lágrimas caem
pelo meu rosto e as limpo com raiva.

Por que diabos eu tenho que chorar? — Controle-se, London!


Ligo o chuveiro e volto para o quarto para pegar um pijama,
mas paro completamente quando encontro Knight parado no
centro do meu quarto, com o peito arfando.

O medo percorre minha espinha, mas é seguido por outra


coisa. Algo que não quero admitir.

— Não posso ficar com você — ele repete com raiva, mas a
cada palavra, rugas profundas emolduram suas feições. — Não
quero você.

Concordo com a cabeça, olhos presos aos dele enquanto ele se


aproxima até estar bem na minha frente.

— Eu te odeio, porra — ele diz.

Uma dor aguda se forma atrás das minhas costelas, mas


quando olho para ele, ela desaparece. Desaparece porquê... ele
está mentindo.

Posso ver, sentir o cheiro rançoso que suas palavras deixaram,


mas mesmo que não pudesse, eu saberia. Posso sentir isso
claramente como o dia. Não sei como, mas posso, e apostaria
minha vida nisso.

Knight Deveraux não me odeia.

Ele não te odeia porque não te conhece...

— Sim, baby. Conheço. — O tormento sangra com suas


palavras e ele se aproxima. — Mais do que você imagina.

Minhas sobrancelhas se contraem. — Como você...


Minhas palavras são interrompidas pela mordida afiada de seu
beijo.

Eu suspiro, mas tudo o que isso faz é lhe dar a abertura que
ele claramente deseja. Sua língua mergulha em minha boca,
procurando, lutando, e ele rosna, puxando-me para mais perto.

— Beije-me de volta — ele exige.

Eu quero, mas não deveria.

— Beije-me de volta... — Desta vez é um apelo desesperado,


mais forte que a minha vontade.

Eu o beijo de volta. E, oh, que merda.

Minhas entranhas pulsam, meu corpo inteiro ganha vida


enquanto movo minha língua com a dele, nossos lábios se
movendo como se eles se conhecessem desde sempre. Como se
fossem feitos para isso, um para o outro.

É um pensamento estúpido, esclarecedor, e me afasto.

Minha mão bate em minha boca e ele rosna, avançando e


apagando cada pedaço de espaço que coloquei entre nós até que
minhas costas estejam contra a parede.

— Eu estraguei tudo. Quero recuperar tudo isso — ele sibila


com raiva. — Aceitarei sua raiva em vez dessa maldita mentira.

— Eu não entendo.

Knight range os dentes, afastando-se enquanto seus dedos


mergulham em seu cabelo e o puxam. Quando ele finalmente olha
de volta para mim, há um inferno furioso. — Você me odiará, porra.
Mais agora do que antes, mas não tenho certeza se me importo.

Sua boca bate na minha novamente e eu luto contra isso, mas


então ele se abaixa, agarra minhas coxas e minhas pernas se
enrolam ao seu redor como se pertencessem a ele.

— Você não pode ser minha maldita Rainha, London — ele


vocifera contra meus lábios.

— Eu não quero ser.

Isso o irrita e ele me arranca da parede, apenas para me jogar


contra ela.

Suas mãos mergulham sob o pequeno vestido que usei hoje e


ele não hesita. Seus dedos mergulham bem dentro de mim, meu
gemido é alto e necessitado, enquanto seu corpo inteiro treme com
o som.

— Eu senti sua falta, porra — ele murmura em meu pescoço,


e eu o deixo falar sua loucura porque a sensação de seus dedos
dentro da minha boceta é demais para me importar com o fato de
ele me imaginar como outra pessoa.

Ele trabalha em mim incansavelmente, esmagando seu pau


contra minha coxa enquanto isso, e minha cabeça se inclina para
trás.

— Porra — grito, puxando seu cabelo enquanto seus lábios


voltam para os meus.

— Talvez eu também possa ficar com você.


Também. Também?!

Suas palavras são como um maldito banho de gelo e meus


músculos congelam. Literalmente.

Knight recua e eu caio no chão enquanto ele olha para os


dedos como se eu o tivesse queimado.

Olho de volta para minha pele, notando a nova coloração


azulada.

Ele se volta para seus dedos, minha excitação coberta por


eles... tão dura quanto gelo.

Puxo meu vestido para baixo, dando passos para trás, mas ele
continua vindo.

O pânico aumenta e eu levanto as mãos para mantê-lo


afastado. Ele sai voando, com as costas batendo contra a parede
oposta.

Minha boca se abre e meus joelhos começam a tremer.

— Oh, merda. Eu sou... meu Lorde, eu... por favor, não me


mate! — Finalmente imploro. — Por favor eu...

— Seus olhos — ele diz baixinho, ficando de pé. — São negros.

Engulo em seco, piscando, lutando contra a vontade de correr


até o espelho e ver com meus próprios olhos.

— Eu vi isso antes, no santuário. — Suas palavras se perdem


em mim. — Mas aí estão eles.

Suas palavras, não são de raiva, são... de espanto.


Tensiono conforme ele se aproxima, mas não ouso me mover,
caso eu acidentalmente use algum outro tipo de magia contra a
porra de um governante.

Ele se aproxima e eu fico perfeitamente imóvel enquanto seus


olhos procuram os meus. Encaro, paralisada, à medida que seu
dom vem à tona, seus olhos brilhando em um branco sólido, como
todos os outros Gifted que vi até agora.

Ele disse que os meus são pretos, porém, e Zeke também


mencionou algo assim.

Knight assente. — Zeke os viu. O Ministry, também viram, nas


suas memórias.

Os orbes brancos de Knight continuam a girar e o calor


explode em meu peito. A energia pulsa através de mim e um
estrondo baixo treme de alguma parte mais profunda dele.

— Knight. — Não pretendia usar o seu nome.

— Ela é... — Ele olha nos meus olhos como se não me visse.
Como se ele visse alguém ou alguma outra coisa. — Ela é a porra
da perfeição.

Um instante depois, seu rosto se transforma. Raiva e


frustração aumentam, e ele se afasta de mim. Seus lábios se
curvam enquanto mostra os dentes.

— Fique longe de todo mundo, você entendeu? Minha família


especialmente, e se eu te vir perto de Zeke novamente, vou
estrangulá-la até a morte repetidas vezes, e só quando for uma
pilha de carne inútil no chão implorando para que isso acabe, eu
matarei você.

Com essa imagem gravada em minha mente, ele vai embora, e


nada em minha vida foi mais claro do que o pensamento que
assalta minha mente um momento depois.

Eu tenho que sair daqui. Tenho que dar o fora daqui e agora.

O pensamento não deveria trazer tristeza. É isso que eu quero.

Ir embora. Voltar para casa.

Então por que diabos meu coração parece estar partido e não
pela primeira vez?

Funcionou. Minha aceitação na noite em que roubei sua


memória de mim e de nosso vínculo, da maneira como matei Ben
a sangue frio.

Seu Ethos foi libertado e ela é magnífica, porra. Forte e


sombria e ficando mais inquieta a cada dia.

Porra! Preciso tirá-la daqui antes que ela mate todos que
ficarem no seu caminho.

Minha. Meu vínculo.


Meu maldito monstro que chora por ela atrás da jaula que
tranquei ao seu redor. Não que eu pudesse libertá-lo se quisesse.
Ela tem que me aceitar como dela para que isso aconteça, e eu
apaguei a única maldita chance de isso acontecer. Roubei a porra
da minha própria companheira de mim.

Eu não posso ficar com ela. Eles vão matá-la se descobrirem


quem ela é, lembro a mim mesmo. Ou tentarão e ela acabará
fazendo o que todos temiam: destruirá todos eles, uma cabeça de
cada vez, assim como seu pai fez.

Ou matarei todos eles por tentarem tocar o que é meu e levar


meu povo à guerra antes mesmo que a coroa seja colocada em
minha cabeça.

Preciso dela longe daqui. Eu poderia fazer isso acontecer com


uma única frase, como fiz com a garota cobra, mas as palavras não
se formarão. É por isso que não escolhi a porra de uma Rainha
ainda.

Eu não posso desistir dela. Ainda não.

Talvez nunca...
Há uma mudança no ar. Uma ruim.

Esta noite, o jantar está sendo servido no mesmo salão desde


que cheguei, mas desta vez, não só a mesa dos conselheiros está
vazia, a mesa da Família Royal também. Ou quase.

A Rainha Cosima está aqui.

Ela se senta sozinha na cadeira central; a cadeira que Knight


ocupou todos os dias, exceto hoje.

Não é o fato de ela ser a única aqui que me deixa nervosa, é o


jeito que me encara.

A cada poucos momentos, há uma sensação de formigamento


em minha mente, como se ela tentasse quebrar uma barreira, uma
que eu não tinha ideia de ter criado, mas estou começando a
pensar que talvez não seja necessário.

Os feitiços defensivos que todos os Gifted precisam aprender


para ajudar a manter os outros afastados para evitar a persuasão
são simples, mas acho que Zeke estava certo em sua suposição.
Acho que tenho algum tipo de escudo, porque não há como o pouco
de magia que aprendi conseguir manter a força de uma rainha fora
da minha cabeça.
O que é ainda mais estranho?

Ela não é a única a me encarar.

As garotas sussurram enquanto olham para mim, e as mãos


do garçom tremem cada vez que aparecem ao meu lado para
encher meu copo ou colocar minha comida diante de mim. Eles
pulam quando agradeço e quando desaparecem no ar, um toque
de cidra podre preenche o ar, medo.

Eles me temem, mas por quê?

Porque salvei a minha bunda e a de Zeke naquela noite? Eu


quase não fiz nada, e essas pessoas são shifters, Fae e essas
coisas. Quão assustadora posso parecer?

Espera. Ele disse que a Fae não está mais aqui, e por isso
percebo que a garota de cabelo rosa se foi.

Eu me inclino, aproveitando a oportunidade e sussurrando


para a garota de cabelo preto. — Onde estão os Lordes?

Seus assustadores olhos cinzentos se voltam em minha


direção, estreitando-se. Ela olha por um momento e depois vira
sua atenção para a esquerda antes de trazê-los de volta. —
Estavam aqui quando entrei. Eles receberam uma ligação e os
quatro saíram correndo daqui.

— Você saberia disso se chegasse na hora. — Minha atenção


passa pela garota de cabelos escuros para encontrar Alex.
No momento em que nossos olhos se encontram, ela recua, os
ombros se erguendo enquanto ela abruptamente volta a olhar para
frente.

Eu a insulto com um gesto obsceno, mesmo que ela não esteja


olhando, e volto a comer. Assim que meus dentes afundam em um
morango recém-cortado, a voz da garota de cabelos escuros chega
aos meus ouvidos.

— Eles sabem quem você é. — Suas palavras são como o


sussurro do vento e minha cabeça vira em sua direção.

Uma carranca cruza minha testa quando a vejo com a boca


cheia, sua atenção voltada para a mesa vazia à frente.

Que diabos...

— Pare de olhar para mim — ela diz então, e minha cabeça se


vira rapidamente para frente.

A Rainha estreita os olhos e eu rapidamente desvio os meus


para o prato.

Os lábios da garota se abrem ligeiramente e é a sua voz que


estou ouvindo, mas parece que ninguém mais consegue perceber.
Eu me forço a dar outra mordida, esperando por mais.

— Estou levando minha voz até você, idiota — ela repreende.


Na minha visão periférica, vejo-a olhar para o lado oposto a mim.
— Seus olhos. Ficam pretos quando seu dom aparece. — Por isso,
eu ouvi. — A única pessoa em nossa história a quem isso aconteceu
foram os reis e rainhas caídos do nosso passado... e The Slasher.
Uma nuvem de tempestade estala acima de nós nem um
momento depois que o nome sai de seus lábios, e lembro do que a
donzela disse – seu nome não é usado aqui.

A cadeira da Rainha raspa no chão e meus olhos cortam seu


caminho.

— Você não é uma rainha, portanto isso significa que é uma


vadia morta andando. — A garota de cabelos escuros sorri para si
mesma, recostando-se em sua cadeira.

As palmas das mãos da Rainha estão pressionadas contra a


mesa, mas ela não se levanta.

Instantaneamente, minhas pernas começam a tremer.

Eles não podem saber.

Os olhos do meu pai ficaram pretos?! Ótimo! Lá se vai minha


tentativa de me misturar!

Eu pulo quando as portas no final do corredor se abrem e o


Ministry entra, vários guardas atrás deles, suas máscaras de esqui
puxadas para baixo para esconder sua identidade.

É a primeira vez que os vejo aqui na fortaleza e, pela forma


como meus pelos se eriçam, meus dedos ficando doloridos, sei que
é por minha causa.

Será que eles realmente sabem sobre meu pai ou a vadia de


olhos cinzentos está apenas tentando me assustar?
Oh, droga, e se o Knight contar a eles o que eu fiz com ele?
Você não pode usar magia contra o rei legítimo, contra qualquer
membro da família real, e não pagar por isso com sua vida.

Meu pânico diminui um pouco quando o Ministry não começa


a gritar e a exigir minha cabeça, mas sim a se sentar à esquerda
da sala. Conversam entre si enquanto a comida é entregue, mas
depois os homens mascarados chamam minha atenção.

Eles andam em fila única, marchando silenciosamente pela


longa extensão do refeitório, mas, a cada um metro de distância,
um guarda na frente dá um passo para o lado e fica de frente para
a sala enquanto os outros continuam passando. Estão se
distanciando um metro em todo o perímetro.

Meu pânico voltou com força total porque, embora possa não
ter sido criada aqui, os Giftless fazem alguns trotes de merda que
encontrei na faculdade. Reconheço um jogo de gato e rato quando
vejo um. Se a garota estiver sendo honesta, eu sou o maldito rato
nesta armadilha.

Eles ainda não chegaram a este lado da sala, por isso me


levanto silenciosamente, pedindo licença para ir ao banheiro, mas
no momento em que meus pés tocam o chão para dar o primeiro
passo, o silêncio começa a tomar conta do espaço.

Dou um segundo passo, depois outro, e então...

— Ela está fugindo!

— Peguem-na!

— Pare, filha do Slasher!


Oh, merda!

— Ela matou o Rei!

Oh. Porra.

Saio correndo, meus pés batendo largamente, e


silenciosamente agradeço por escolher sandálias hoje. Saio pela
porta, concentrando-me na fechadura por um momento,
esperando de alguma forma descobrir como trancá-la, mas em vez
do trinco girar, a coisa toda explode como uma bomba. Chamas e
fumaça se projetam para fora até que toda a parede esteja
escondida.

Gritos ecoam, mas continuo correndo.

Eles acham que eu matei o Rei? O Rei?!

Que porra é essa?!

Um barulho alto soa e então a dor explode na minha espinha.

— Ah! — Eu grito, minhas costas se curvando enquanto o calor


percorre toda a extensão, dizendo-me que estou sangrando, mas
continuo correndo, contornando a gigante fonte prateada e
voltando para os jardins.

Quando chego na esquina, uma parede de fogo surge diante


de mim e dou um pulo para trás.

— Renda-se, traidora!

Minha cabeça vira por cima do ombro e encontro vários Gifted


não muito atrás. Minha pele aquece com o toque das chamas, e eu
franzo o rosto.
— Muito bem, Gifted, seja lá o que você for. É melhor me
ajudar de novo.

Eu disparo para frente.

Há gritos e berros, e um deles é o meu, enquanto corro direto


para o inferno, com os olhos bem fechados e me preparando para
a dor, mas quando minha pele não derrete dos meus ossos, abro
os olhos e encontro uma camada de gelo me cobrindo.

Eu me afasto, escapando do fogo e quando olho para trás, as


chamas evaporam no ar.

Um homem com longos cabelos dourados e uma longa capa


azul joga as mãos para o céu e relâmpagos explodem acima.

Continuo correndo, a parede a apenas quatro metros à frente.

Vamos, vamos, repito incessantemente.

E então meu corpo se inclina para frente, meu rosto batendo


no chão de concreto com um estalo forte.

Eu gemo, apoiando-me nas palmas das mãos, sangue


escorrendo de algum lugar do meu rosto. — Porra — resmungo,
tentando ficar de pé, mas meus pés não se movem.

Ofegante, olho para trás.

Anéis vermelhos brilham em volta dos meus tornozelos,


apertando até eu gritar. Desta vez, sinto o cheiro de carne
queimada. Olho e vejo todo o Ministry, os escolhidos e os outros
que estão aqui para testemunhar o cortejo enchendo o pátio.
— Você não pode morrer aqui. — Sussurro para mim mesma,
mas conforme as palavras me deixam, sinto as palavras que falei.
Sinto-as em algum lugar bem dentro de mim, como se as falasse
para outra pessoa e esse alguém estivesse ouvindo.

De repente, espessas faixas de fumaça negra rompem as


muralhas da fortaleza, descendo e espalhando-se sobre o grupo.

— É magia real!

— Fumaça demoníaca!

— Silêncio! A Rainha está entre nós. Isso vem para protegê-la


daquele monstro!

Porra! Estou morta.

É isso.

A fumaça viva e demente voa em minha direção, submergindo


e eu prendo a respiração, fechando os olhos. Aguardo que ela me
choque, estrangule e traga meu pior pesadelo à vida. Lágrimas
brotam em meus olhos enquanto digo adeus silencioso a Ben,
desejando não ter estado longe dele por tanto tempo antes dos
meus últimos momentos.

Knight...

Minha garganta fecha quando seu nome sussurra em minha


mente e não sei porquê. Eu mal o conheço e ele nunca seria meu
de qualquer maneira.

Quando a primeira lágrima desliza pela minha bochecha, é


afastada com um toque suave, como de cetim. Lentamente, meus
olhos se abrem e aquela fumaça espessa e escura, que disseram
que veio para proteger sua Rainha, escova minha pele como a mão
de um amante. É leve e terno e, enquanto gira ao redor dos meus
pés, as faixas vermelhas ardentes faíscam antes de se
transformarem em cinzas. A magia Royal, como a chamaram,
envolve-me em um travesseiro de escuridão. Uma nuvem gigante
e protetora. Sou levada para os céus, e a fumaça se dissipa assim
que alcançamos a borda da parede, revelando meu rosto para os
Gifted abaixo.

Eles suspiram, gritam e berram, cada um recuando. Alguém


levanta uma barreira entre mim e eles enquanto gritam palavras
na nossa língua de origem, mas não sei o que estão dizendo. Não
tenho certeza do que veem quando olham para mim, mas o horror
em seus rostos não passa despercebido.

Posso imaginar que é uma visão. Nenhuma parte de mim se


parece comigo.

Eu me sinto... mais forte. Maior.

Eu me sinto livre, porra.

Como o que eu deveria ser. Como o destino pretendia que eu


fosse.

— Ela... ascendeu — alguém diz.

A fumaça me leva mais alto, acima de todos eles. Acima da


fortaleza até estar sobre uma almofada de escuridão, com as
estrelas ao meu alcance.
A Rainha sai de trás da barreira, transbordando de raiva, mas
depois seus olhos se arregalam... assim que meu corpo é virado de
cabeça para baixo.

Minha bunda cai em algo duro, e um pequeno grito sai de mim


quando percebo que estou sentada em uma sela de couro... nas
costas de um maldito dragão! Inclino-me para trás, mas ele vira a
cabeça, estreitando os olhos verdes. Bufa e eu estremeço e juro
que ele – tem que ser um ele, certo? – revira os olhos.

Como um piloto evitando a turbulência, o dragão desce três


metros, portanto por alguns momentos estou em queda livre, antes
de aterrissar na sela mais uma vez.

— Tudo bem! — Grito para o dragão insolente, estendendo a


mão para as correias. Eu as envolvo em meus punhos, segurando-
me para salvar minha maldita vida. Assim que as pego, ele aponta
o nariz e voa alto.

Não sei para onde vou ou se algum lugar é seguro para mim
neste momento. Tudo o que sei é que não sinto medo, veias negras
percorrem todo o comprimento dos meus braços e estou montando
a porra de um dragão.
Minhas botas rangem sobre os escombros soltos enquanto o ar
mal começa a dissolver a escuridão deixada para trás por London
e o caos contra o qual ela lutou. Eu cerro os dentes, ignorando a
conversa atrás de mim vinda de Silver e Creed.

— Onde diabos ela foi?

Creed interrompe seu sussurro para Silver, como se eu não


pudesse ouvir os dois de qualquer maneira. Ainda posso senti-la
como se estivesse bem na minha frente. Pisco além da alucinação
da fumaça delineando seu corpo quando a mão de Creed toca meu
ombro. — As notícias estão se espalhando rapidamente sobre
quem ela é, Knight. Precisamos descobrir como lidaremos com
isso.

— Você sabia? — Pergunto as palavras que eu queria desde


que descobri quem ela era. Um segredo com o qual morreria para
manter longe de todos.

— O quê? — Creed fala e Silver fica completamente em


silêncio. — Não. Eu suspeitei que algo estava errado com ela desde
o início, mas não isso.

Eu me viro para encará-lo, ignorando o cheiro de enxofre e


cinzas da montanha do shifter dragão que a levou.
— E você? — Pergunta, ambas as sobrancelhas levantadas.
Quando não respondo, ele ri, balançando a cabeça e relaxando os
ombros. — Claro que você sabia.

— Vamos. — Empurro os dois, flexionando os dedos na palma


da minha mão quando minhas unhas afundam na minha carne.
Posso sentir a raiva ardente que ferveu dentro de mim lentamente
vindo à tona enquanto dou cada passo mais perto do castelo.
Subindo os degraus correndo, abro a porta e ignoro os dois
guardas parados no saguão, indo direto para a sala de estar nos
fundos da casa, com vista para o sistema solar. Este era meu lugar
favorito para brincar quando criança. Agora... agora tudo que sinto
é raiva e aborrecimento.

Minha mãe se levanta do trono alto no centro da sala e em


frente à lareira acesa. — Knight! O que...

— ...Você não fala porra nenhuma. — Meu tom é pouco mais


que um sussurro enquanto dou a volta na pequena mesa do bar e
pego a primeira coisa que vejo. A sala fica em silêncio. Todos os
membros do Ministry me encaram com uma mistura de
expressões. Principalmente raiva e confusão, mas um.

Um. Esse mesmo. Odin fica para trás, com um copo de uísque
balançando entre os dedos enquanto se inclina contra a parede na
área mais escura da sala, os olhos fixos em mim como se
esperasse. Esperando que eu grite? Grite? Que faça a porra de um
escândalo por esses malditos cães apenas espantarem minha
companheira?

Não. Não é o que aquele olhar significa.


Eu giro o líquido no meu copo, assim que Silver e Creed
finalmente nos encontram na sala, todos os olhos em mim. Vejo
um pequeno tornado de água circular em meu copo enquanto luto
contra os flashbacks vívidos das memórias que tirei do meu pai no
segundo em que London me cortou com a mesma faca que foi
usada para matá-lo, desbloqueando uma magia que eu não sabia
que existia. Não confie em ninguém.

Meu pai era o Lorde das Trevas. Governante de Rathe, um


lugar muito pior que o inferno. Como, você pergunta? Bem, porque
existe. Meu pai foi um governante brutal, mas foi isso que fez dele
um grande Rei. Havia, porém, uma coisa que ele sempre colocava
em primeiro lugar: seu legado.

Meus olhos se voltam para minha mãe, sentada nervosamente


em seu trono, batendo o dedo no arco onde seu braço repousa.

Tomo outro gole da minha bebida, antes de colocá-la


lentamente de volta no balcão. — Eu não respondo a nenhum de
vocês.

— Ah, você descobriria que...

Um grunhido vindo das profundezas das jaulas onde


mantenho meu monstro escondido vibra pela sala, sacudindo os
retratos pendurados na parede. — Eu. Não. Respondo. A. Vocês.

Storm se levanta, ajeitando a camisa branca. — Sinto muito,


Knight. Pode nos avisar o quanto quiser, mas por um tempo mais
antigo que você, este Ministry existe para permanecermos
equilibrados... — Antes que eu possa piscar, meus pés voam pela
sala e meus dentes estão em sua garganta. Sinto a pulsação de
seu coração batendo contra meus dentes afiados à medida que os
afundo ainda mais em sua jugular. Meus olhos rolam para a parte
de trás da minha cabeça quando sinto seu batimento cardíaco
desacelerar. Thud. Thud. Até nada.

Um Elder a menos, faltam três, porra.

Dê-me uma maldita razão...

Eu levanto minha cabeça para trás, meus dentes ainda


cerrados em torno das veias de seu pescoço enquanto empurro seu
corpo para longe. Ele cai aos pés da Rainha e eu lambo o resíduo
dos meus lábios, passando as costas da mão na boca ao mesmo
tempo que observo sua reação. Suspiros soam pela sala, mas
minha mãe permanece imperturbável. Ela simplesmente chuta o
seu corpo um pouco antes de dobrar a perna sobre a outra e ajeitar
a saia novamente.

A energia vibra no canto da sala onde está o homem sempre


em silêncio. Observando. É quase como se ondas sonoras
chegassem a ele e, por um momento, permaneço completamente
imóvel.

Silencioso.

Um calor nos conecta como uma videira invisível de veneno,


torcendo, enlaçando e se encontrando no meio. Eu contorno o
corpo, diminuindo a distância. Mantendo o olhar de Odin, meus
dedos envolvem a garrafa de uísque em suas mãos. Um gesto. Um
acordo silencioso de que, desde o início, este homem esteve ao meu
lado. Eu não o conhecia para nada e não havia trocado duas
palavras com ele, mas sabia. Eu sabia lá no fundo que, seja lá o
que fosse ou quem fosse, ele estava por ela.

Ele assente silenciosamente, seus dedos liberando a garrafa e


eu a levo à boca, dando um grande gole, porque ela estava
desaparecida. Sumida.

Eu a devolvo e olho para toda a sala. — Minha companheira


se foi e este Ministry acabou. — Algumas pessoas se remexem em
seus lugares, e eu sei que quando sair da sala, elas terão palavras
para dizer, mas não terão a chance. — Eu não dou a mínima se
concorda ou não. Se você lutar comigo, eu te matarei e cada pessoa
que ama.

Alguém limpa a garganta e minha cabeça se volta direto para


eles, as veias ao redor dos meus olhos parecem teias de aranha
enquanto tento domar a raiva selvagem que ameaça tomar conta.

— Filho. — Minha mãe nem termina as próximas palavras


quando Sin aparece na minha frente, mostrando os dentes.

— Alguém tem algum problema com o que meu irmão está


dizendo... — Sinner vira a cabeça por cima do ombro, e vejo a
covinha em sua bochecha aparecer quando sorri levemente para
mim antes de voltar para os estranhos em nossa casa. — Então
fale agora ou destruirei para sempre sua paz. — Silêncio.

Eu mantenho meus olhos em minha mãe, meu queixo


batendo. Ela estuda meus irmãos antes de voltar para mim.
Observo-a enquanto ela afunda lentamente na cadeira,
estendendo a mão como se para apressar, mas eu disse o que disse
e agora, essa merda não é o que é importante para mim.
Agora... preciso encontrar London. Logo depois de encontrar a
putinha que vazou quem ela era.
Estendo a mão para as nuvens, rindo alto quando a névoa de
resíduos de chuva molha minha palma. O céu está mais escuro
esta noite por causa de Yemon, vermelho carmesim pintado
agressivamente no céu.

Inspiro profundamente, fecho os olhos e aperto o arnês de


couro. Apesar do que acabou de acontecer, sinto-me relaxar. Meus
músculos liberam toda a ansiedade e o medo. Quando os abro
novamente, as asas do dragão batem no ar ao mesmo tempo que
nos impulsiona para frente. Estendo a mão, tocando as escamas
duras de seu longo pescoço. — Você me salvou. — Ele continua a
nos levar para frente, e me inclino para baixo, a fadiga percorrendo
a medula dos meus ossos. — Durma.

Ele bufa, e se eu não soubesse... diria que concordou. Com


seu corpo largo me oferecendo um espaço seguro para me arrastar
para a frente, descanso minha cabeça contra ele e fecho os olhos.
— Só por um segundo.

— Oh, meu Deus! — Empurro Ben de brincadeira enquanto caio


de costas no colchão, meu cabelo esvoaçando em volta do rosto. Era
a noite do meu aniversário de 16 anos e, é claro, Ben estava sendo
Ben e não queria que eu fosse explorar o grande e mau mundo das
festas do ensino médio. Acho que é por isso que meu tio gostava
tanto dele. Porque, no fundo, embora Ben estivesse longe de ser um
nerd, tinha um gosto especial, e esse gosto sempre era engolido
rapidamente quando eu estava em cena. Eu costumava me sentir
mal pelas garotas com quem ele saía e dormia. Todas sabiam que
eu era sua prioridade, mas, com o passar dos anos, me vi grata por
poder ser essa pessoa para ele, ou ele provavelmente teria
tropeçado e caído no território de Nick Cannon 10 com seus cem
filhos.

— O quê? Ela era gostosa, não era? — Ele cai na cadeira do


meu computador, apoiando o pé na lateral da minha cama. Viro
minha cabeça ligeiramente, aproximando meus olhos dos dele.

— Sim, era muito bonita, mas, Ben, ela era uma valentona no
ensino médio! — Arregalo os olhos para ele, incitando suas
memórias a se moverem para o lobo frontal de seu cérebro.

Ele estala os dedos, inclinando-se para frente até que seu rosto
fique perto do meu. — Certo! Na equipe de natação, quando ela
empurrou aquela garota dois segundos antes de começarmos, tudo
porque ouviu dizer que ela era uma ameaça.

— Isso, entre outras coisas.

— Como aquela vez em que te salvei das palhaçadas dela na


biblioteca com o iogurte? — Ele levanta uma sobrancelha perfeita e
me perco nele por um segundo. A única pessoa, além do meu tio,

10-Cantor, compositor, produtor, diretor, apresentador, escritor, comediante, ator, DJ, empresário e rapper

estadunidense. Ex-marido da Mariah Carey, pai de 12 filhos.


com quem eu realmente me senti conectada e confortável. Gostaria
de fazer amigos tanto quanto os amigos queriam me fazer, mas a
verdade é que não estava interessada. Ele me deu tudo o que eu
precisaria em um amigo e um pouco mais.

— Eu não estava mencionando isso de propósito... — Escondo


a risada por trás do meu sorriso sarcástico.

Ele se aproxima, enrolando meu cabelo em volta do dedo. —


Quando você entenderá, Lonnie? — Inclina-se para frente, dando
um beijo suave na minha testa. — Eu sempre te salvarei.

A cama embaixo de mim treme e eu gemo, limpando a saliva da


minha boca enquanto limpo o sono dos meus olhos. Quase deslizo
para o lado quando me lembro que estou montando a porra de um
dragão de verdade.

Um dragão!

Empurrando um pouco para cima, dou uma olhada para o


lado e vejo o contorno de uma ilha. Não consigo distinguir muita
coisa agora, mas as bordas irregulares do penhasco e as nuvens
de areia pairando acima me fazem enfiar o rosto na gola da camisa
para filtrar as partículas. O dragão abaixo de mim se inclina para
a frente e mergulha levemente em direção ao que parece ser uma
ilha, e quanto mais nos aproximamos, mais percebo o que esse
lugar pode ser. Já li o livro Book of Nightmares mais vezes do que
posso contar, tentando encontrar uma maneira de me sentir
conectada ao mundo em que não cresci, e tenho certeza de que
esta é a ilha da qual ele fala.
As pontas das montanhas ficam maiores à medida que nos
aproximamos, os edifícios de concreto e as cabanas desgastadas
penduradas nas árvores. O dragão vira bruscamente para a
direita, antes de descer. O vento me chicoteia na testa antes que
ele pouse no chão com um estrondo alto.

Eu viro minhas pernas para o lado, meus pés batendo na


poeira. Atrás de nós, o penhasco se transforma em nada além de
um leito de neblina, e quando espreito em volta de seu corpo
gigante, vejo a entrada de uma caverna. É pular no abismo ou
caminhar na escuridão. Droga, acho que é o lugar sobre o qual li.

Passando minha mão pelo lado longo do dragão, minhas mãos


batem nas montanhas de escamas, alcanço seu rosto, tocando o
lado de seu queixo. Ele se move para o meu abraço, seus olhos se
fechando ligeiramente enquanto bufa.

— Obrigada.

Sua cabeça se inclina ligeiramente, antes de ele fazer um gesto


em direção à entrada da caverna. Eu olho entre ele e o buraco
escuro. — Sério?

Um som baixo vibra em sua barriga enquanto seus pés batem.


Sim.

Merda. Eu realmente confiarei neste dragão? Mesmo quando


a questão, contudo, entra na minha mente, não demora muito
para que ela exista, porque sim. Sim, eu confiarei nele.
Havia duas coisas das quais eu tinha absoluta certeza no
momento em que conheci London Crow. Uma, ela era louca pra
caralho, e duas? Eu queria fazê-la sofrer só para poder lamber
melhor suas feridas e deixar o resíduo do meu veneno misturado
ao seu sangue. Queria que ela me desejasse. Que precisasse de
mim. No verdadeiro estilo London Crow, ela lutou contra o vínculo
de acasalamento a cada chance que teve. Era selvagem e
indomável. Era isso que eu mais admirava nela. Imaginem. É claro
que o destino colocaria alguém como ela como minha
companheira, porque se fosse diferente, eu ficaria entediado.

Eles sabiam o que eu precisava. Não me testaram.

Eles me abençoaram com uma linda maldição que é London


Crow, porra.

Aproximo-me de Alex, inclinando a cabeça para estudá-la. Eu


sabia que era ela. Não havia mais ninguém estúpido o suficiente
para fazer isso. Ela deixou seu ciúme atrapalhar seu julgamento,
assinando a porra da sua sentença de morte. Ela nos perdeu no
minuto em que London apareceu. Nosso tempo e energia não
estavam mais livres para foder a Ordinary faminta por um pau
real.

— Knight, por favor, pensei que você tivesse denunciado o


vínculo! — Ela puxa as amarras em seus pulsos. Sinto Legend se
aproximar de mim.
— Saiam todos daqui.

Legend faz uma pausa. Eu viro minha cabeça ligeiramente por


cima do ombro. — Agora.

Espero até ouvir a porta se fechar e o silêncio cair ao nosso


redor. Desabotoando minha camisa, vou até a cômoda no canto do
quarto. — Você sabe de quem é este quarto, Alex?

O fato de eu ter colocado meu pau nesse deslizamento de terra


me dá coceira na nuca. Uma coceira que só uma lâmina de quinze
centímetros pode coçar. Quando ela não responde, levanto as
sobrancelhas. — Hmmm? Não fique quieta agora... — A cadeira à
qual ela está amarrada raspa no chão e me viro para encará-la,
tirando a camisa. — Nós dois sabemos o quão barulhenta você
tende a ser...

Seus olhos caem sobre meu peito, até meu abdômen e mais
abaixo. Eu quase quero arrancar seus malditos olhos e alimentá-
la com eles.

— Eu... pensei que você gostaria que eu fizesse isso, Meu


Lorde...

Eu seguro o riso, meu coração desacelerando à medida que o


tempo passa. Mesmo sem London por perto, ainda consigo sentir
sua presença, como se ela manchasse as paredes de cada cômodo
por onde passa. — Eu não sou seu Lorde…

Diminuo a distância entre nós, até que minha bota encontre


seu pé descalço. Ela puxa as amarras em volta do pulso, com força
suficiente para que Hellhounds Bite salpique gotas de lava no chão.
— Por favor... por favor, não me mate.

— É sua culpa que ela esteja sendo caçada agora.

— Ma... — antes que as palavras possam sair de sua boca


pecaminosa, eu alcanço seu peito até sentir as batidas de seu
coração contra minha palma. Thud. Thud. Ela ofega, sua boca se
abrindo em um O perfeito enquanto o sangue drena lentamente de
seu rosto. Ela fica de um tom pálido assustador, antes que o
carmesim escorra lentamente entre seus lábios, deslizando pelo
lado do queixo e pingando em minha bota.

— Eles a querem morta. Por sua causa. — Aperto um pouco


mais, apenas o suficiente para sentir o órgão pesado se
transformar em geleia entre meus dedos. O branco de seus olhos
se transforma em vermelho, antes que eu arranque minha mão,
segurando o símbolo moribundo do amor.

Seu corpo cai para trás, e fico olhando para o buraco escuro
deixado em seu peito, onde seu coração costumava estar. Jogando-
o em seu colo, ouço a porta se fechar atrás de mim enquanto limpo
meu nariz com a mão ensanguentada, dando um passo para trás
ao mesmo tempo que mantenho os olhos em seu cadáver murcho.

— Tudo bem, eu sabia que isso aconteceria. Por que diabos


eles deixaram você aqui sozinho? — Silver me dá um tapinha no
ombro, mas não faz nada. Nada para conter a raiva que sinto
jorrando por mim a cada segundo que passa.

— Preciso encontrá-la. — Eu me viro para a porta, pegando


minha camisa e jogando-a por cima do ombro assim que Sinner
entra.
Ele segura meus olhar. — O que há de errado?

Antes mesmo que eu possa realmente registrar o que estou


sentindo, ele percebeu.

Abrindo as portas com nada além de um pensamento, uma


súbita agudeza perfura meu peito, e minhas sobrancelhas se
juntam enquanto alargo meus pés na tentativa de manter o
equilíbrio, mas ainda assim meu corpo balança. Meus músculos
não congelam ou se contraem; eles se rasgam, um por um.

Meus irmãos se viram ao som da porta.

Meu rosto se contrai, lábios tremendo de uma dor que nunca


senti. Uma dor tão forte que meus olhos caem no peito para ver o
que diabos foi atravessado nele, mas o único sangue na minha pele
é o sangue que derramei momentos atrás.

— Que porra é essa. — Sinner corre em minha direção e, em


um segundo, atravesso o longo corredor, caindo no chão enquanto
minhas pernas fraquejam.

Meus joelhos estalam contra o piso de mármore e cada parte


de mim desmorona de dentro para fora. A dor é aguda e
abrasadora, como se alguém tivesse pegado as escamas de uma
cobra prateada e as moído, injetando-as diretamente em minhas
veias de sangue negro.

— Irmão, fale conosco. — Os olhos de Legend rastreiam meu


corpo manchado de sangue, a atenção se volta para o meu ombro
para observar o massacre que deixei para trás.
Eu sibilo, com os dentes cerrados e as presas se soltando
enquanto minhas garras fazem o mesmo, mas no momento em que
descem completamente, elas se retraem.

Eu suspiro, caindo contra o peito do meu irmão. — Acho...


porra. Acho que estou morrendo.

Sin e Legend olham de mim para Creed, esperando que nosso


irmão mais velho tenha a porra das respostas. Quando os olhos de
Sin se estreitam, inclino a cabeça para olhar para Creed.

Seu braço se move, então estou aninhado nele para que ele
possa me ver melhor.

Ele pressiona meu peito, bem sobre meu coração. — Knight...

Como se saísse do meu próprio corpo, minha cabeça se inclina


para trás e meus olhos rolam para a parte de trás da minha
cabeça. Um grito animalesco sai violentamente de meu peito. Meus
membros começam a tremer quando me colocam deitado contra o
mármore frio. Cravo minhas unhas no chão, batendo minha
cabeça contra ele até ouvi-la se partir com o impacto e um líquido
quente escorrer pelo meu crânio.

Eu ofego, tentando entender o que está acontecendo comigo.


Parece que um punho foi enfiado na minha pele; minha caixa
torácica foi rasgada.

E então... nada.

Uma sensação avassaladora de dormência se apodera de mim,


meu corpo fica imóvel, os olhos arregalados e, juro por Deus, meu
coração para de bater. O sangue para de fluir.
Gifted ou não, o sangue em nossas veias é vital, uma fonte de
nosso poder. Nossos corações, embora negros como uma noite de
inverno, são o que nos mantém vivos e em movimento, o que nos
mantém sãos e nos impede de nos tornarmos selvagens. O local de
nascimento de nossos vínculos antes de nossas almas se
banquetearem com eles.

É o que nos liga à nossa companheira...

A eletricidade desce pela minha espinha e me levanto, com um


pânico como nunca senti em minha pele. Perda como nunca havia
sentido. Só que sabemos que isso não é verdade. Conheço a perda.
Eu praticamente chutei a vadia para fora da porta e a tranquei
atrás dela.

— Não. — Eu me levanto, batendo em meu peito com o punho.


A fúria borbulhante que não vai embora se intensificando
enquanto ando em círculos.

— Não, não, não... — Fecho os olhos, procurando nas


profundezas da porra da minha alma. Estendendo minha magia
além da razão.

Baby, não...

Passo as mãos pelos cabelos, puxando, arrancando e girando.


Meus olhos vidrados encontram os do meu irmão. — Creed.

Seu rosto cai, os olhos baixando para os pés.

— Creed, não. Tem que ser outra coisa! — Eu grito, mas sei
que minhas palavras são inúteis.
Porque eu sei. Sei porque aquela parte dela, a corda que me
ligava à minha companheira, minha maldita garota a mim, está
rasgada. Cortada na base. O vínculo contra o qual lutei, a calma
que ansiava, a porra do lar que ela criou dentro de mim, o
propósito que me deu sem mesmo saber... tudo se foi.

— Eu não consigo senti-la, porra.

— O que você quer dizer? — Legend se aproxima. — O que


quer dizer, Knight!

Sinner se aproxima, ombros tensos, expressão tensa enquanto


ele entra em minha mente. — Ela... desapareceu.

Desapareceu. O vínculo desapareceu.

Minha alma está dilacerada. Meu coração vazio.

Minha mãe aparece no canto, com os olhos arregalados de


pânico quando me vê no chão, mas então algo estranho acontece.
Ela congela, observa-me da cabeça aos pés, sua expressão se
suaviza enquanto ela chega à conclusão sozinha. — Então, ela
finalmente está morta.

Não é uma pergunta. É um fato declarado, que mexe com


meus ossos e me deixa sem forças. Literalmente. Não sinto
nenhuma energia fluindo através de mim. Nenhuma faísca ou ser
sob a minha pele.

London. Minha linda e sombria bonequinha… está morta.

E é tudo culpa minha. Mal o pensamento passa por mim


quando uma explosão soa.
Um incêndio começa no final do corredor, as portas voando em
centenas de pequenos fragmentos.

Meus irmãos ficam de pé, o poder surgindo de suas pontas dos


dedos e depois o cômodo atrás de mim é destruído por um maldito
tsunami.

A água gira dessa maneira, o fogo cresce e se espalha do outro


lado, e depois o céu se abre.

Trovões e relâmpagos caem acima de nós, atingindo minha


pele e me sacudindo.

Não sinto nada disso.

Meus irmãos gritam.

Nossa mãe berra.

Eu fecho os olhos, implorando para a maldita criatura que me


criou me abraçar e me manter lá até que eu seja nada além de
cinzas a seus pés.
No momento em que atravesso o túnel, ouço as asas pesadas
do dragão que me salvou baterem contra o vento enquanto ele me
deixa no desconhecido. Não faz sentido, mas uma sensação de
perda me envolve ao saber que ele não está mais aqui. Levanto
meu queixo em teimosia e deixo a escuridão da caverna me engolir
por inteiro.

A cada passo que dou, uma nova sensação me invade. Sons


estranhos ecoam nas paredes de pedra úmidas.

Há estalos agudos e, em seguida, gritos ásperos, gritos de


socorro de gelar o sangue e, depois, silêncio total. Estranhamente,
o silêncio cai como um peso, arrastando meus ombros para baixo
até que cada passo seja uma luta árdua. Meus pés parecem um
saco de pedras à medida que os forço a avançar, aprofundando-
me na escuridão sem nenhum sinal de luz. E então os sons
começam novamente, só que desta vez mais próximos.

O rosnado profundo vibra em minha mente, ricocheteando da


direita para a esquerda, da esquerda para a direita e, em seguida,
uma pontada aguda raspa a extensão de minha coluna. Minhas
costas se curvam, minha palma se ergue e pressiona contra meu
peito enquanto meu coração bate dez vezes mais rápido do que
antes. Se eu não estivesse morta, tecnicamente falando, juraria
que estava tendo um ataque cardíaco. A dor é tão real, tão horrível.
Por isso, mais uma vez, silêncio.

Com medo do que poderia vir a seguir, hesito em me mover,


mas quaisquer que sejam os espíritos que estejam dentro desta
caverna, claramente não são fãs.

O vento sopra atrás de mim e é preciso dar um passo ou cair


de cara no chão, por isso movo meus malditos pés, forçando-os
um na frente do outro e, novamente, tudo piora.

Os gritos abafados e as palavras sussurradas não são mais


sons distantes. São faróis, ecoando ao meu redor e me engolindo
por inteira enquanto a realidade se abate sobre mim.

Imagens piscam nas paredes enquanto meu corpo inteiro


treme. Eu as absorvo como se assistisse a um carrossel de imagens
Polaroid passando por um projetor.

Eu no jogo de hóquei do Ben... olhando para o Knight e seus


irmãos do outro lado da arena.

Eu beijando Sinner pensando que era Knight em uma festa.

Eu sentada no colo de Legend enquanto Sinner finge ser


Knight, sua língua penetrando na minha.

Eu de costas, Knight nu e pairando acima de mim.

Eu correndo, Knight me alcançando e acordando em Rathe.

Lutando com ele. Odiando-o.

Um vínculo ganhando vida em meu peito.


Precisando dele. Querendo-o.

O toque possessivo de Knight, suas palavras ternas


sussurradas.

O olhar penetrante da Rainha e a dura verdade revelada.

O ódio e o desprezo de Knight.

Minha fuga.

Meu dormitório.

Ben... ensanguentado e sem fôlego, sem vida aos pés do


homem que o destino dizia ser meu.

Caio de joelhos enquanto a secura em minha garganta parece


engolir uma lixa. O gosto acre do vômito se arrasta pela minha
garganta conforme o ácido se derrama do meu estômago para o
chão úmido sob mim.

Eu desmorono, a dor e a tristeza ameaçam me engolir


enquanto tudo volta de uma vez.

A aceitação de Knight transformada em vingança.

Eu destruída em uma cela que meu povo de mentira me


colocou.

A visita do Rei.

O Santuário.

As mãos suaves de Knight e os sussurros entrecortados. Seu


amor acidental, inconfundível e a completa e totalmente aceitação.
Sua reivindicação.

Ele me deixou ir...

Eu grito na escuridão, as imagens sendo interrompidas por


uma última imagem nas paredes, só que esta não é das minhas
próprias memórias, mas dele. É Knight de joelhos, sozinho em seu
quarto, desejando um jeito de ser meu.

Eu vomito mais no chão.

O ódio e a confusão criaram um coquetel tóxico que me fez


desejar poder voltar atrás e me jogar do penhasco em que caí e que
me levou a este momento, mas os espíritos não permitirão. Entrei
na caverna deles, e eles querem me expulsar.

Mais uma vez, sigo em frente, caindo várias vezes enquanto


meus joelhos e pulso estalam e raspam no chão duro. A pele dos
meus joelhos se abre, mas não me importo. Eu preciso sair.

Justo quando tenho certeza de que a dor é demais, que não


aguento e que só isso me matará por onde rastejo, uma luz aparece
no final, a figura de uma mulher se delineando à frente.

— Temos uma nova garota! — Ela grita, sua voz rouca e


grossa.

Meu corpo cai, meus músculos cedendo à medida que ela


entra na caverna. Suas mãos seguram meus braços enquanto me
arranca das profundezas do inferno de que esta caverna é feita.
A garota fica acima de mim, cabeça inclinada para o lado com
o sol que não vi por dias brilhando atrás dela. — Bem-vinda à Exile
Island.

Eu tinha razão. Esta é a Exile Island, onde os Gifted


indesejados e não bem-vindos são jogados.

No entanto, eu não deveria saber disso. Não era uma memória


real, eu lendo aquele livro.

Era uma falsa que Knight me deu quando ele roubou a verdade
de mim.

Quero ficar com raiva, mas cavo bem fundo, procurando essa
raiva, implorando para que ela cresça, mas não consigo encontrá-
la, e isso me dá vontade de vomitar tudo de novo. Quem se importa
se ele fez isso para roubar minha dor e consertar o que quebrou.

Está errado. Ele matou meu melhor amigo porque pensou que
eu matei a sua irmã.

Eu deveria odiá-lo, mas não sei como.

Não mais. Não depois de tudo.

E por isso... me odeio.

Espere. Espere!

Pensou que eu matei a sua irmã?!

Fecho os olhos, procurando a memória mais uma vez. Uma


memória que mais uma vez não é minha.

É dele e está clara como o dia.


Eu não matei Temperance Deveraux... portanto quem diabos
matou?

Minha mente é uma maldita bagunça, um milhão de


pensamentos que não consigo discernir me cercando de uma só
vez, a ponto de me sentir tonta. Minha visão continua embaçada,
mas pestanejo através disso, tentando focar no calor do sol
enquanto brilha contra minhas costas. Admito, senti a sua falta
enquanto estava em Rathe. Crescer no mundo humano pode
parecer um pesadelo para a maioria dos Gifted, mas há muitas
partes que posso apreciar agora que minha mente é minha
novamente.

Como o sol e o oceano. Olho para a borda da ilha, para os


penhascos rochosos afiados que parecem não levar a nada além
de nuvens. Meus sentidos estão em chamas, cem vezes mais do
que antes. Ouço o estrondo das ondas lá embaixo. Sinto o cheiro
de sal no ar.

A Exhale Island não fica em Rathe. Está escondida na Terra.

Tento me concentrar no fato de que estou em terreno familiar


novamente, buscando uma sensação de paz, mas não há
nenhuma. Agora, mais do que nunca, sinto que não pertenço à
ilha, mas conforme olho para a linda garota que me conduz pelo
caminho de pedras negras, uma pequena dor se forma em meu
peito por ela.
Porque, na verdade, ela também deve sentir isso. Todos aqui
devem sentir, e imagino que esse seja o objetivo, forçando-os a sair
de suas casas e entrar em um mundo ao qual nem mesmo
pertencem.

É um castigo mais cruel que a morte.

A garota ajusta a adaga em seu quadril, jogando seus longos


e ondulados cabelos negros por cima do ombro enquanto olha para
o céu. Eu sigo sua linha de visão, meus olhos se arregalam quando
não um, mas três dragões saem de trás do penhasco, com as asas
presas ao lado à medida que correm para o céu e o som de seus
corpos dispara por cima. Tão rápido quanto aparecem, eles
desaparecem, nada além de um rastro de fumaça em seu caminho.

— Puta merda.

A garota ri. — Sim. Eles são mais competitivos que os lycans


— diz ela, virando-se para a frente, e eu a vejo melhor.

Suas botas de couro são de um marrom profundo e sem salto,


chegando um pouco acima dos joelhos. Sua calça parece uma
legging, mas o material não é o mesmo que reconheço, e uma
camiseta regata preta enfiada na cintura. Ela usa algum tipo de
coldre sobre os ombros. É da mesma cor de suas botas, as faixas
grossas se curvam ao redor dos ombros e se encontram na coluna,
onde as tiras se unem. Fica plano contra suas costas, passando
em volta de suas costelas e presilhas como um macacão aberto.
Ela tem uma adaga presa nas bainhas dos lados direito e esquerdo
e um cinto com coldre preso frouxamente à cintura, duas
pequenas bolsas de cada lado, mas não consegui adivinhar o que
há dentro delas. Tem ainda um pequeno capacete – mais uma vez,
uma combinação perfeita com o equipamento e as botas – que fica
em sua testa, com as tiras escondidas sob seu espesso cabelo
preto.

Uma pequena joia está pressionada em seu centro e, quando


ela olha para mim por cima do ombro, vejo outras iguais
pressionadas em sua pele nas têmporas. Seus olhos são tão
escuros quanto seus cabelos e seus lábios são de uma cor malva
espessa. Ela parece uma espécie de princesa guerreira que acabou
de sair de um campo de batalha mítico.

Ela sorri e percebo que estou observando-a há cinco minutos.

— Desculpe.

— Não se desculpe — ela diz naquele seu tom rouco, seu olhar
viajando sobre mim. — Você também não é tão ruim, Little.

Certo. Ela deve ter um metro e setenta e cinco. Talvez mais


alta. Porra, eu provavelmente pareço uma mulher fraca e chorona
para ela. Tenho um metro e cinquenta, olhos vermelhos e inchados
pelas lágrimas, e provavelmente tenho vômito seco nos joelhos.
Meus braços estão enrolados no meio do corpo para tentar aliviar
a dor.

Little L.

Little London. Bonequinha.

Estremeço quando as vozes dos rapazes Deveraux me atacam


de uma só vez, afastando a estranha vibração que pulsa
profundamente em minha mente.
Felizmente, a garota começa a falar, por isso me esforço ainda
mais para me concentrar nela. — Então, como eu disse, esta é a
Exile Island. Considerando o jeito que olhou para os dragões,
assumirei que você não está completamente familiarizada, por isso
deixe-me explicá-la como se fosse uma novata. Este lugar é para
os indesejados, indomáveis e incontroláveis. A maioria das pessoas
assume que é apenas sobre os caras maus sendo expulsos por
coisas ruins, mas isso não é exatamente verdade. Quase cem por
cento dos Gifted aqui são Stygians. Fizeram coisas ruins, mas
ruins de acordo com os termos do Ministry. Alguns estão aqui por
tão pouco quanto se recusar a ir para a universidade em Rathe,
outros mataram a sangue frio de acordo com as pessoas que os
sentenciaram.

— Portanto, ninguém é realmente tão ameaçador? — Eu


pergunto, esperando pela resposta certa.

— Oh, não. — Ela ri. — Estão todos ameaçando neste


momento e, garota, não me entenda mal. Eu apenas comecei.
Temos assassinos, shifters selvagens e psicopatas absolutos.
Temos pessoas que perderam a fé na Coroa Sombria, outros que
odeiam o Ministry e aqueles que se rebelam contra tudo isso.
Aqueles que não eram tão perigosos quando chegaram, agora são,
porque este lugar existe para te enlouquecer.

Ela faz uma pausa, e o caminho de pedra preta termina alguns


centímetros antes de suas botas. Abre a bolsa do lado esquerdo,
tirando um pequeno punhado de pó preto brilhante. Ela sopra em
linha reta diante dela.
O caminho rochoso que leva à linha das árvores a vários
quilômetros de distância começa a ficar confuso até que um
buraco negro se abre no centro dele, revelando a verdade: o
caminho distante é uma ilusão destinada a bloquear o que está do
outro lado.

A garota olha para mim. — Se os Giftless tropeçassem na ilha,


esse pequeno truque os manteria andando no mesmo lugar por
quilômetros e quilômetros. — Ela sorri, estendendo a mão como se
estivesse orgulhosa. — Depois de você.

— Isso já aconteceu? — Eu pergunto.

Ela assente. — Algumas vezes. Eles foram drenados pelos


vampiros poucos minutos após o pouso. — Ela dá de ombros. — A
ilusão é resultado do último, e ei, aquele helicóptero em que
voaram nos deu coisas que nunca pensamos encontrar. De
qualquer forma. Vai.

Respirando fundo, passo pela abertura, meus olhos se


arregalando enquanto observo o local. Os prédios de concreto e as
cabanas antigas são construídos no fundo das árvores que avistei
quando o dragão nos levou para mais perto e, pela primeira vez,
avistei mais Gifted. Alguns pendurados pelas pernas em galhos de
árvores, conforme outros lutam e brigam em uma cama gigante de
lama. Há gritos vindos da esquerda e rosnados profundos da
direita e meus pés diminuem o ritmo.

— Esta é uma tarde calma. — Ela percebe minha hesitação e


se vira para me encarar pela primeira vez. — Acho que deveria te
contar agora, se já não fosse óbvio. Você odiará isso aqui. Não é
uma pergunta, apenas um fato. Está oficialmente sozinha no que
diz respeito à sua vida passada e nunca melhorará. A dor nunca
será entorpecida. Esta não é uma daquelas situações que tudo
cura com o tempo. Na Exile Island, é o oposto. — Ela olha para
trás e de volta para mim.

— Você está completamente bloqueada para todos fora deste


lugar. Para eles, você não existe mais, exceto em suas memórias,
mas eles não estão bloqueados para você.

— Significa?

— Significa que se você estiver conectado a alguém, ou como


correr em uma matilha ou algo que te ligue aos outros, os sentirá
todos os dias, sempre, mas eles não saberão disso. Eles não
sentirão nada de você, por isso, com o tempo... eles se curarão e a
esquecerão, mas você nunca terá o mesmo alívio. É um jogo
perverso que o Ministry gosta de fazer conosco. Gostamos de
chamar isso de tortura sem contato. A julgar pela maneira como
saiu da caverna, ela lhe revelou uma merda muito fodida. E, com
base na minha experiência, eu diria que você tem um
companheiro. Desculpe, mas o sentirá pelo resto de sua vida e,
infelizmente, não há como se livrar dele aqui. Essa é literalmente
a única mágica que está bloqueada aqui. A morte temporária é
uma ferramenta comum que todos nós usamos, mas permanente?
— Ela balança a cabeça, seus longos cabelos escuros caindo sobre
os ombros em ondas enormes. — O Ministry nunca nos permitiria
tal luxo.
Olho ao redor da ilha. Parece algo daquele programa que Ben
costumava assistir, Naked and Afraid. Tudo é improvisado, mas
com toques adicionais de magia. E partes de helicóptero.

As árvores são altas, bloqueando a maior parte do sol e a água


fica parada ao longo da costa. Para os Gifted, a escuridão e a
energia que a galáxia fornece não são apenas uma preferência,
mas uma necessidade. É uma fonte de energia para o seu poder,
uma das razões pelas quais aqueles em Rathe devem se alimentar
tanto dos outros para manter seus corpos abastecidos, o que
significa que as pessoas aqui se alimentam umas das outras para
se manterem vivas.

Enquanto penso nisso, faço uma pausa, envolvendo meus


braços ao redor do corpo conforme a pressão cai sobre meu peito.
Isso não é do meu conhecimento. Saiu diretamente da mente e da
memória do Knight.

Ele está literalmente entrelaçado dentro de mim agora. É tão


reconfortante quanto revoltante.

— Portanto, o Ministry administra este lugar? — Eu me ouço


perguntar, tentando me concentrar em qualquer coisa que não
seja o incessante cabo de guerra dentro de mim.

— Nós administramos, mas eles o criaram. É uma prisão sem


fim. Um inferno eterno, e não um divertido. — Ela se vira, andando
para trás com um sorriso presunçoso. — Provavelmente não é o
discurso de boas-vindas que você esperava, mas fique feliz por ter
sido eu a vigiar a caverna hoje e não o Frenchie. Ele é um babaca.
— Ela estende a mão, as unhas pintadas de preto brilhante. — Eu
sou Haide.

Hesito, imaginando se devo contar todas as minhas merdas


desde que a mentira me fodeu e me trouxe até aqui.

Knight me fodeu e me trouxe aqui... Literalmente.

Engulo. — Fui criada como London, mas meu nome de


nascimento como Gifted é Villaina... Lacroix.

Suas sobrancelhas levantam. — Bem... alguns deles com


certeza vão matá-la, mas, novamente... não se pode realmente
morrer aqui, por isso. — Ela dá de ombros, jogando o braço sobre
mim. — Vamos conhecer os outros, pequena Slasher, mas você
pode querer ficar com isso.

Haide me passa uma pequena faca que não a vi puxar e olha


para frente. — Sangue novo!

Porra.
Sons abafados ecoam ao meu redor, mas meus olhos não se
abrem.

Escuridão, um tipo novo e mais pesado do que estou


acostumado, se infiltra em minhas veias, pesando-me até que eu
não seja nada além de um vazio negro. Oco e faminto por algo que
não existe mais.

Estou morrendo, porra. Ou uma parte de mim está, e


roubando minha força, uma memória de cada vez. Isso é como
nada que pesquisei sobre quando um vínculo é quebrado ou
rejeitado. Quando acontece, o rejeitado enlouquece, perdido para
a sede de sangue ou completamente selvagem. Como London
estava a caminho de se tornar antes de eu me apagar de sua
mente.

Nunca foi comprovado, mas os rumores sussurrados em Rathe


dizem que assim nasceu The Slasher - um homem descartado pela
mulher que o destino lhe deu. Faz sentido quando se pensa sobre
isso. Conforme os dias após um vínculo destruído passam, e a
autoaversão se transforma em algo mais, os rejeitados começam a
desejar o sangue dos vinculados. Eles se banqueteiam com aqueles
de almas ligadas.
Isso, no entanto? Tento engolir. Essa impotência vazia e
depravada que me arranha por dentro não é um vínculo sendo
quebrado. É o resultado da morte do guardião de sua alma, a
extração final de um vínculo.

Minha companheira está morta.

Minha London... morta.

Meu corpo treme, e vagamente percebo que é pelo toque de


outra pessoa, mas caio mais fundo em minha mente, buscando a
dela. Busco nas profundezas do meu dom, mas tudo o que
encontro é um maldito buraco vazio onde ela costumava estar. Um
coração sem batida. Um céu sem estrelas.

Um rei sem sua maldita rainha.

Baby, sinto muito.

— Knight!

Estremeço, abrindo os olhos para encontrar uma versão


borrada e ensanguentada do meu irmão mais velho. — Creed? —
Eu sussurro, cambaleando.

Que diabos?

Meus pulsos estão amarrados com fogo e, quando inclino a


cabeça para cima para ver a que estou amarrado, encontro uma
corda vermelha brilhante que me conecta ao teto. — Porra. Onde
estamos?
Creed está pendurado ao meu lado, chutando Legend para que
desperte, enquanto me viro para encontrar Sinner do outro lado,
tentando se levantar da corda.

— Não consigo. Porra. Eles nos prenderam por uma coleira de


Hellhounds. — A mesma merda que meu pai usava para manter
seus Hellhounds seguros até precisarmos deles. — Quem fez isso?

Creed finalmente chuta Legend com força suficiente para ele


acordar. — Não sei. A última coisa que lembro é de ter ido dormir.

Examino minhas memórias, tentando pensar na última coisa


de que me lembro. — Eu matei Alex, por isso meu corpo sentiu o
vínculo me deixar e eu... — Fecho os olhos com força. — Porra.
Então não sei. Não me lembro de nada depois disso.

— Eu sei quem é... — Sinner sibila, finalmente caindo


derrotado. — A porra do Ministry. Só eles tinham acesso aos
Hellhounds do papai, e só para eles somos uma maldita ameaça.

— Eu não dou a mínima. Eles estão mortos. — Olho ao redor


do espaço para tentar encontrar nossas opções, mas a dor surda
em meu peito se recusa a me libertar. Como um maldito e
constante latejar de culpa, as marcas das garras de London que
ela deixou em meu coração não têm chance de desaparecer. Não
tenho certeza se quero que desapareçam. Se a dor de perdê-la é
tudo o que me resta, então a sentirei pelo resto de minha vida.

— Não há saída. Se estou certo e for o Ministry, então estamos


trancados no cofre abaixo da sala de reuniões, já que é o único
lugar onde ninguém pode entrar, a menos que seja um membro do
Ministry.
— Portanto, em outras palavras... — Legend ri maniacamente.
— Ficaremos presos aqui até que eles não precisem mais de nós.

— Ou nos matem... — eu digo com os dentes cerrados.

— Por que diabos eles nos matariam? — Sinner pergunta de


lado, e eu tenho que lutar contra tudo dentro de mim para não
contar a eles o que estive pensando o tempo todo. Ou talvez eles já
saibam. Não. Eles não sabem.

— Algum de vocês notou como mamãe está calma desde que


papai foi assassinado? — Mantenho meus olhos voltados para a
única porta do cômodo. Estou esperando que ela se abra, que um
dos membros do Ministry entre e finalmente nos conte o que
diabos está acontecendo.

Será que eles queriam isso o tempo todo, nos matar, apenas
esperando a morte do Rei? É possível. Muito provavelmente.

— Explique isso. — Creed tenta se virar para mim. — Está


dizendo que ela nos colocou aqui?

— Não, estou dizendo que ela não está nem um pouco


chateada com o fato de seu companheiro estar morto.

— Onde diabos está mamãe? Ela estava conosco, no corredor.


— Legend franze a testa entre nós. — Acha que eles a mataram
como provavelmente fizeram com nosso pai?

— Não — Sinner cospe. — Eles nos fariam assistir se o


fizessem. Ela provavelmente está trancada em algum lugar com
garras em suas têmporas para que eles possam roubar até a última
informação dela e usar contra nós.
Eu puxo a corda novamente, mesmo que o fogo queime minha
pele. A maneira como continuo a me curar é uma distração fraca
da agitação girando dentro de mim. Penso sobre as pessoas do
Ministry.

Eu matei Storm, líder dos Ordinaries, por isso só me restam


três outras opções.

Magdalena, líder dos Magos e governante de Rathe U. Não sei.


Muito fraca. Sua necessidade de atenção supera seu desejo por
caos e destruição, e ela tem um filho para pensar. Não que a
existência dele supere sua posição.

Odin, líder dos Monsters. Calado. O líder silencioso que


observa outras pessoas tomarem decisões enquanto claramente
compila sua própria opinião internamente. Eu nunca tinha
reparado muito nele até a morte do Rei. Suspeito.

Agro fala pelos Fae. Não gosto dele nem do seu complexo de
deus. Definitivamente ele, mas ele não poderia fazer isso sozinho.

E o Monarca Royal – nós – governantes de todas as Criaturas


das Trevas que governam todos os pesadelos que lhe contaram
quando criança.

Quem. Caralho. Destas pessoas faria isso. Apenas dois. Agro


e Odin.

Alguém chuta minha perna e olho para cima e vejo Sinner


olhando para mim. — Saia dessa merda de cabeça.
— Não consigo mais senti-la. — Deixo as palavras saírem dos
meus lábios, mesmo com vontade de mastigá-las e cuspi-las. O
cômodo fica em silêncio.

— Você tem certeza, Knight... — Legend rompe primeiro. —


Tem certeza de que não conseguiu... finalmente quebrar o vínculo
como queria?

Eu não queria isso. Ou queria, mas isso foi antes, foi no


começo. Mesmo quando a odiava, quando a levei e a tranquei,
quando pensei que ela tirou alguém que eu amava de mim, e
quando ela queria me deixar para ir com Ben, ainda a queria, eu
só não sabia que era eu. Pensei que era o vínculo me forçando a
sentir o que sentia.

Eu estava errado.

Era eu.

Eu a queria. Eu a amo.

— Ele não quebrou o vínculo. — Creed então chama a atenção


de todos, mas seus olhos não saem da porta. — Ele completou. —
Finalmente seus olhos se movem para os meus. — Eu vi isso na
sua cabeça no dia em que ele me deixou entrar para compartilhar
a verdade sobre a morte de Temperance com todos nós.

— Knight? — O tom de Sinner está cheio de mais frustração


do que já ouvi, por isso olho para ele. Ele olha fixamente, com uma
pequena ruga na testa.
Não contei ao meu gêmeo e contei tudo a ele. Ele está magoado
e quer saber o motivo. Ele merece isso. Todos os meus irmãos
merecem.

— Eu sabia que se as pessoas descobrissem quem ela era,


seria o fim para ela. Eles nunca a aceitariam como sua rainha. Só
havia uma coisa que eu poderia lhe dar nesta vida, portanto eu
dei.

— Seu Ethos — diz Legend.

Concordo com a cabeça, movendo meus olhos de volta para a


porta.

— Você viu isso? — Sinner pergunta.

Meu lábio se contrai, apesar de tudo. — Ela teria sido feroz se


tivesse metade da chance de descobrir o que vivia sob sua pele.

Uma dor aguda atinge minhas costelas e inspiro


profundamente, dando boas-vindas à dor.

Mamãe nunca demonstrou nenhum sinal de dor, tampouco teve


suas veias negras.

A cabeça de Creed se vira em minha direção.

— Vamos sair dessa e, quando sairmos, encontraremos quem


tirou de você, irmão. Eles não se safarão. Acontecerá assim que
sairmos dessa porra. — Legend faz um gesto para o teto. No
momento em que estou prestes a abrir a boca para responder,
passos ecoam pelas paredes. Botas batendo em poças d'água e, em
seguida, um som distinto de saltos altos tilintando no concreto.
— Dois deles. Uma mulher. Magdalena? — Sinner sussurra ao
som do barulho da corda batendo no teto.

— Não. Não pode ser. Ela é uma vadia vingativa, mas tem
muito a perder.

— É verdade — Creed responde, assim que a maçaneta da


porta treme e tudo ao meu redor se desfaz, porque quem quer que
passe por essa porta acaba de assinar sua sentença de morte.

— Olá... irmãos.
Estou deitada em uma rede que Haide pendurou para mim na
extremidade mais distante da floresta há não sei quanto tempo,
tentando entender algumas das coisas que estão acontecendo em
minha cabeça, e por mais dolorosas e confusas que sejam... Acho
que descobri um pouco.

Na noite em que o Knight entrou naquele recinto do santuário,


ele não apenas apagou a dor e o meu conhecimento do vínculo
entre nós, ele o aceitou.

Meu companheiro zangado e quebrado me aceitou. Ele se uniu


a mim.

Meu vínculo está vivo, sua reivindicação está completa.

As veias negras ao longo do meu corpo e o próprio sangue que


corre em mim estão infundidos com o dele.

Meu Ethos está desperto.

É uma parte de si mesmo que ele não precisava me dar, mas


deu, mesmo que não conseguisse desbloquear o seu próprio. Ele
me deu tudo de si e depois me deixou ir o melhor que pôde,
sabendo que isso significava que ele nunca ascenderia ao seu eu
superior. Nunca se tornaria o Rei que deveria ser. Ele fez isso por
mim, a garota que ele jurou odiar. Isso não era bom o suficiente
ou forte o suficiente.

A garota que ele disse que não queria.

Ele mentiu. Para mim e para si mesmo.

Knight me libertou da prisão em que eu acusava o destino de


me prender, fechando-se ao lado das grades das quais ele me
libertou.

Posso vê-lo em minha cabeça, ouvi-lo em meus pensamentos,


agora que a barreira foi quebrada em minha mente, mas não
entendo o entorpecimento vazio que sinto dele neste momento. Por
que ele está sofrendo? Por que ele lamenta a minha perda?

Ele escolheu me deixar ir.

Era disso que se tratava o cortejo. Ele não podia me aceitar


como sua Rainha, e sabia disso, então estava preparado para
aceitar outra.

Ele provavelmente fez isso no minuto em que eu não estava


mais na sua frente, lembrando-o do que ele queria e não podia ter.

Os pensamentos misturados com a dor crua, que não é minha,


são demais, por isso uso meu novo escudo para bloqueá-los, mas
assim que ele sai da minha consciência, a dor se intensifica. Fica
tão forte que eu rolo, caindo no chão com um baque forte. Ofego,
cravando as mãos na terra à medida que a sensação de facada
passa por mim e jogo a cabeça para trás com um grito.
Um grito que é interrompido quando os arbustos atrás de mim
farfalham em alerta. Girando, eu congelo.

Seis Gifted se aproximam de mim, seus dentes afiados e olhos


selvagens. Pareceriam humanos, se não fosse pelas feições
monstruosas de seus rostos.

Eles são vampiros.

O sangue em minhas veias corre mais rápido, pulsando mais


forte na minha garganta e juro que é como se meu dom zombasse
deles. Desafiando-os a se aproximarem, mas essa vadia precisa
relaxar.

Não posso enfrentar seis vampiros de uma vez.

Eu nem tenho certeza se posso enfrentar um!

Todos eles circulam ao meu redor em plena forma. Minha


ligação com a mente de Knight me diz que eles não são apenas
vampiros, são do tipo que nasce de demônios, curados ao longo do
tempo para se tornarem exatamente isso – maus. Não há redenção
nas profundezas de seus olhos, apenas tormento. Ambição.
Malícia.

— Ora, ora... — um deles resmunga e se inclina lentamente,


estendendo a mão para me tocar com sua unha longa e incolor. —
O que o dragão arrastou…

Eu afasto sua mão, olhando para a criatura feia. — Algo que


não é para você.
Ele ri, recuando enquanto segura a barriga. O resto do seu
pequeno clã segue com suas risadas de hiena. As árvores se
curvam com o vento, à medida que o céu cinzento me observa lá
de cima. Desolador. Incolor e tóxico. Esta ilha é uma fotografia
presa em sépia, cega a olho nu.

Antes que possa responder, algo afiado afunda em meu


pescoço e eu congelo, meus músculos paralisados. Estico a mão
lentamente, chegando a uma cabeça com cabelos pretos, grossos
e sujos. A graxa desliza sobre meus dedos enquanto lentamente
aperto uma pilha dela em minha mão e puxo para trás com um
grito alto, seus dentes ainda conectados à minha veia.

— Filha da puta! — Eu grito com os dentes cerrados,


empurrando a garota para longe. É isso. É assim que eu morro
porque não há como lutar contra eles. O sangue jorra da ferida no
meu pescoço, e se isso não me matar, esses animais sedentos de
sangue me matarão.

— Oh, não... — a vampira no chão resmunga, o pavor


visivelmente a inundando enquanto suas mãos trêmulas
lentamente se erguem para os lábios. Seus olhos se arregalam, um
pavor gelado tão claro quanto o dia, ao mesmo tempo que ela olha
para mim, sua matilha recuando lentamente a cada segundo que
passa.

O medo invade as folhas que giram em volta dos meus pés e,


por alguma razão que não sei, não corro. Ela olha para mim, a pele
ao redor dos olhos suavizando à medida que lentamente se ajoelha.
— Perdoe-me, Rainha. Pois não sabíamos.
— O quê? — Respiro, o mundo inclinando-se para o lado até
perder o equilíbrio. O chão cada vez mais perto de mim é a última
coisa de que me lembro antes de tudo ficar preto.

O suor escorre pelo meu rosto e meu batimento cardíaco diminui.


Respiro fundo e tento abrir os olhos, mas eles se recusam a se
separar. Porra. O que diabos está acontecendo agora.

Mãos envolvem meus tornozelos, sacudindo-me. — Acorde,


London. Acorde. — Tento novamente, mas nada funciona. A voz é
familiar, mas não o suficiente para tocar as laterais do meu cérebro.

— London! — Um grito alto perfura meus ouvidos e eu salto de


onde estou deitada, com os olhos bem abertos.

Com meu coração gaguejando e o suor escorrendo pela minha


pele, observo o que me rodeia. Um longo corredor escuro fica à minha
frente, com nada em ambos os lados. Um pequeno ponto vermelho
fica do outro lado, e me levanto devagar, tomando cuidado para não
cair. É como o interior de um sonho, que não chega a ser um
pesadelo, mas não é exatamente agradável.

— London... siga minha voz, baby...

— Knight? — Eu sussurro, os cabelos da minha nuca se


arrepiando. Isso pode ser um truque. Aqueles malditos vampiros
estúpidos e quaisquer jogos que eles estejam jogando, sem
mencionar Haide.

— Não é, baby. Siga minha voz...


— Eu não acredito em você... — respondo com um sussurro
suave, incapaz de lutar contra a atração magnética que me
direciona para baixo. Por mais que eu queira lutar contra isso, o
ponto vermelho se expande quanto mais ando, e sei que estou me
aproximando de quem quer que seja.

— Na última vez que transamos, eu tirei suas memórias.

É ele.

Suspiro, aborrecimento abafando o barulho. — Eu te odeio —


sussurro, sem saber se é verdade.

— Eu sei, baby, mas venha até mim.

Deixo que meus pés me levem até o fim, pois a cada minuto que
passa mais meu corpo relaxa. É Knight. Eu sei que é. Finalmente, o
ponto vermelho agora é grande, uma única porta do outro lado.
Estendo a mão para frente, apertando a maçaneta para abri-la, mas
não se move. Tento novamente, desta vez com mais força e
invocando meu Ethos para me ajudar. Eu caio para frente quando
inesperadamente ela se abre, tropeçando no chão. Filtrado em um
vermelho brilhante, lágrimas incomodando os lados dos meus olhos
quando vejo a carnificina ao meu redor. Sangue e massa cerebral
respingam nas paredes conforme conto os corpos no chão.

Um.

Dois.

Três.

— Knight! — Eu grito tão alto que minha garganta queima...


Eu pulo do chão, poeira chicoteando em torno do meu rosto em
um tornado enquanto as pedras atingem as palmas das minhas
mãos. O calor me envolve em ondas, à medida que observo os
vampiros que me cercam. Tem mais desta vez. Cerca de vinte,
todos reunidos ao meu redor. Viro-me para fugir, mas paro quando
chamas quentes lambem o ar escuro. Brasas ardentes atravessam
a noite e me viro para os monstros à minha frente. Não tenho
certeza se são todos vampiros, mas são todos alguma coisa.

Eu posso... senti-los.

— Villaina... — Sua voz surge atrás de mim e me movo


ligeiramente, o cascalho sob minhas botas rangendo. Haide
emerge de trás das chamas, ficando totalmente visível. Seu cabelo
escuro está penteado perfeitamente, mas deixado em uma onda
elegante que desce pelas costas magras. Carvão preto mancha o
contorno de seus olhos, sua maquiagem é tão polida que é sem
dúvida mágica. Não há dúvida de quão linda Haide é, embora eu
não saiba se a palavra certa é linda, já que ela é um pouco
assustadora. Suas maçãs do rosto são tão afiadas quanto a espada
que ela carrega amarrada ao quadril, e seus lábios permanecem
manchados com seu tom de malva característico.

Ela limpa a garganta, assim que se senta em uma cadeira feita


de toco de árvore, gesticulando para a outra ao seu lado. — Se eu
não soubesse melhor, pensaria que você estava me examinando.
— Ela segura meu olhar. Quando a música começa a tocar ao
fundo e todos os monstros estão ocupados com o que quer que
estejam fazendo, eu lentamente aceito a oferta dela.
— Talvez você não saiba melhor.

Ela me entrega um copo cheio de uma substância branca e


espessa e eu o pego. — Bem, se vai me envenenar, acho que não
tenho mais coragem de lutar.

Ela suspira, cruzando a perna sobre a outra até que a fenda


que para em seus quadris da calça de couro justa se abra
ligeiramente. — Eu não vou envenená-la, Villaina.

Mordo minha língua, querendo corrigi-la com London, mas


quase me perco nos porquês. Por que me incomoda o fato de ela
me chamar de Villaina? Eu preferi London por tanto tempo... até
que ouvi o som que sai da língua de Knight. Deixo que o silêncio
se instale entre nós, enquanto uma música da Lana Del Ray toca.
A fogueira se acende ao lado de Haide, e me perco nas brasas, a
cor profunda me faz lembrar do pesadelo que tive momentos antes.
Será que conto a ela sobre isso? Não confio nela, mas também não
desconfio dela.

Levo o copo à boca e deixo o líquido opalescente repousar em


meus lábios por um momento, antes de engolir. Estremeço, meu
rosto se contrai. Não sei o que esperava, mas não era isso.

— No mundo humano, isso se chamaria tequila. Sem a


textura...

Ela ri, apoiando a mão na cadeira, enquanto duas mulheres


nuas começam a dançar ao redor da fogueira. Seus cabelos
carmesim sopram ao vento à medida que elas se movimentam ao
som da música. Por um segundo, fico dolorosamente consciente
do que está ao meu redor. Os dois homens corpulentos protegendo
Haide e a festa que se desenrola à nossa frente.

— Esses edifícios? — Aponto para os arranha-céus


abandonados que se alinham em ambos os lados da rua
empoeirada. Parece a cidade de Nova Iorque dez anos depois de
um apocalipse. — As pessoas ficam neles?

Haide dá de ombros, virando a cadeira para me encarar


melhor. — Alguns ficam. Outros não. Como eu... — sua cabeça se
inclina. — Quando vai me perguntar?

— Perguntar o quê? — Há três coisas que quero perguntar a


ela, por isso preciso que ela seja mais específica.

— Se eu vou ajudá-la a salvá-los?

Empalideço, baixando lentamente minha bebida no colo. —


Das três coisas que eu queria te perguntar, essa não era uma
delas.

Ela sorri de lado, e a forma como isso se curva sobre seus


dentes perfeitamente retos é criminoso. Sinos de alarme deveriam
soar, mas também há algo sobre sua aura que é caloroso. Ela me
lembra de um cristal de Turmalina Negra. Escuro, misterioso,
sexy, firme e durão, caralho. — Bem?

Viro-me para encarar as massas e vejo que todos se dividiram


em grupos ou estão dançando em frente ao fogo, ouvindo música
e bebendo. Eu não esperava algo tão... humano.

— Não sei se posso confiar em você o suficiente para


perguntar. — Deveria lhe perguntar como ela sabe disso, mas
desisti de fazer a mesma pergunta. Eu só recebo a mesma
resposta.

— Teste-me.

Faço um gesto para a festa. — Por que eles não me mataram?

— Porque você mantém a escuridão dentro de si à qual nos


curvamos. Senti isso no momento em que você chegou. Próxima
pergunta.

Eu me viro para encará-la. — Por que você me ajudaria?

Ela se aproxima, a ponta do nariz quase tocando o meu


enquanto olha entre minha boca e meus olhos. — Porque estou
entediada.

Meus olhos se estreitam. — Não é bom o suficiente.

— Porque eu posso — ela responde honestamente, arregalando


os olhos ligeiramente. Levanta a mão e estala os dedos, enquanto
uma fumaça escura explode ao nosso redor com um estrondo.
Brilho e vapor preto chovem do céu, e levanto a mão para cobrir a
boca, contendo a tosse. O ar fica rarefeito mais uma vez, só que
desta vez todos que estavam aqui se foram – incluindo os dois
guardas que estavam atrás dela.

— Como você fez isso? — Pergunto, cética, mas intrigada. Eu


não sei como lê-la. Ela não é nada como já conheci antes.

— Magia. O único tipo que posso fazer.

Examino seus olhos escuros, convencida de que ela deve ser


uma sereia. — Como?
Ela estuda meu rosto com atenção. Segundos se passam, até
que penso que ela não responderá. — Eu nasci aqui, Villaina.

Eu me recosto na cadeira. Mais uma vez, as palavras foram


tiradas da minha boca. — Realmente? O que isso significa?

— Significa que eu não existo. — Ela pisca um pouco por cima


do meu ombro, antes de voltar para mim, avançando ainda mais,
sua voz nada mais que um sussurro. — Significa que posso tirar
as pessoas de lá...

Faço uma pausa, meu pulso martelando. — Você está


mentindo.

— Não estou. — Ela estremece. A carranca triste que eu


esperava ver não aparece. A garota é fria como pedra. — Eu
gostaria de estar.

— Então por que você ainda está aqui se pode tirar as pessoas
de lá? — Sibilo asperamente, com medo de que as pessoas ouçam
e que ela corra perigo, o que não faz sentido, já que eu não deveria
me importar com nada. Acabei de conhecê-la e, tecnicamente, ela
me deixou para morrer.

Ela balança a cabeça, a trança na lateral da cabeça se move


sobre o ombro. — Eu não quero. Esta é a minha casa, é tudo o que
conheci. — Seu sorriso está de volta. — Mas você? Você, eu posso
ajudar.

— Não sei se pode. Meus pesadelos não são exatamente


confiáveis. — Reviro os olhos, irritada comigo mesma e com a
quantidade de pesadelos que tive desde que conheci o Knight.
— É aí que você se engana, Villaina... — ela ri, levantando-se.
— Todos são uma mensagem. Só precisa descobrir de quem é a
mensagem. — Ela segura minha mão e eu paro para olhá-la. Seu
pulso é decorado com pulseiras de couro e amuletos. Ela é uma
contradição a toda a feiura que a mente de Knight tem sobre essa
ilha infernal.

Levantando-me completamente, o que não é muito ao seu


lado, mordisco meu lábio. — Vi vermelho. Sangue. Morte. Eu
acho... — Encaro-a. — Acho que eles estão feridos, mas não estão
mortos.

Suas sobrancelhas se franzem. — Eles?

Minha cabeça se ergue, a escuridão se agita na borda da


minha visão, a súbita necessidade de defendê-los e protegê-los me
queima.

Haide ergue uma única sobrancelha, seu olhar divertido se


volta para minhas mãos. Olho para baixo e as vejo fechadas em
punhos e quase fico constrangida. É uma coisa tão Giftless de se
fazer.

— Portanto, você está acasalada. — Ela sorri, sua atenção


caindo no meu pescoço. — Eu não tinha certeza se aquela mordida
danificada era um motivo para meu coração se partir ou se era
apenas a sua excentricidade aparecendo.

Solto uma gargalhada, a tensão que se instala em meus ossos


se acalma um pouco, e tenho a sensação de que essa era a sua
intenção quando seus olhos se derretem com uma suavidade
inesperada, mas então suas palavras se aprofundam um pouco
mais e, de repente, não estou mais em uma ilha para exilados, e
os olhos que vejo não são os meus.

Uma carranca surge em meu rosto enquanto a memória


arranha meu coração.

Minha pele se arrepia e minhas entranhas ardem, implorando


para que eu vá até ela, para tocá-la, abraçá-la e fodê-la, mas que se
foda ela e esse vínculo que acha que está no controle. Não está.

Nunca estará.

Não pode estar, porra.

Forçando meus olhos a permanecerem focados na frente, ignoro


a sensação de esmagamento dos ossos para ir até ela e finjo que
não noto os olhares de suspeita de meus irmãos.

Mordo minha língua, o sabor de canela do meu sangue enche


minha boca e deixo que ele escorra pelos cantos dos meus lábios.

Instantaneamente, no exato momento em que toca o ar, a


cabeça de London se inclina para este lado. Sinto seu olhar como o
toque da língua de um dragão. A queimadura, os cortes afiados que
parecem se arrastar pela minha pele.

Meus membros tremem de necessidade, muitos para citar, e eu


perco a maldita batalha.

Meus olhos se arregalam. Seus olhos de vidro se fixam nos


meus e minha pulsação dispara em meu peito.

Minha. Cada centímetro. Cada pedaço, porra.


Não tenho palavras para descrever o peso que a imagem e as
palavras conflitantes provocam ao desaparecerem no fundo da
minha mente.

Ao me ver através de Knight, eu parecia a porra de uma


psicopata, uma bagunça sangrenta e destroçada, ali, nua, na
frente de todos, mutilando a marca que ele havia deixado em
minha pele, enfiando o saca-rolhas duplo em minha carne
repetidamente. Não é isso, porém, que me mata. É a batalha
interna na mente do Knight naquela noite que faz minha garganta
fechar.

Eu achava que ele me odiava por quem eu era ou talvez pelo


que não era, mas mesmo quando ele achava que eu tinha matado
sua irmã, não conseguia me deixar ir, por mais que tentasse. Ele
lutava contra nós, fingindo que nosso vínculo não era exatamente
o que ele queria. Que eu não era exatamente o que ele queria,
quando a verdade é que... eu era.

Oh, Knight.

A dor que ele está sentindo agora é diferente da que sentiu


naquela noite.

— Eu posso senti-lo — digo baixinho. — Algo está errado.

Ela respira fundo, seus ombros relaxando. — Você confia em


mim.

— Não, eu...
Ela leva a mão à minha bochecha e meus olhos se fecham com
a conexão. O calor irradia através de mim. — Nós vamos salvá-lo.

— Eles.

Seus lábios se contraem. — Ele, eles, quem quer que sejam.


Eu não ligo. Nós os salvaremos. Mate quem te machucou e então
voltarei para casa.

— Você faz isso parecer tão simples. — Olho em volta. — As


pessoas aqui se voltarão contra você se me levar e abandoná-los.

— As pessoas aqui lutarão ao seu lado se você pedir. — Suas


palavras são fortes e claras. Ela deve ver a descrença em meu
olhar, por isso estende a mão, prendendo meu cabelo atrás da
orelha e me mantendo imóvel. — Há escuridão correndo em suas
veias e não do tipo que corre nas deles. Não estou ligada a Rathe
como eles, mas cresci perto dos nascidos Stygian. Todos nesta ilha
provém do sangue de almas sombrias, inclusive eu. Por alguma
razão, essas almas reconhecem você como mais, então, portanto,
você é.

— Por que você não está me perguntando por que isso


acontece?

— Porque pela sua expressão, Villaina Lacroix, você não tem


certeza de qual é a resposta. — Ela me olha por um momento antes
de continuar. — Eu não preciso saber o que você fez para ser
deixada aqui e não me importo com sua vida em Rathe ou de onde
veio. Nada disso me importa. Nada disso é da minha conta, já que
não sou nada além desta ilha.
Eu a observo de perto. — Mas?

Ela assente. — Mas desde o minuto em que você desembarcou


nesta ilha, meu sangue ficou mais quente do que nunca. Minha
magia pulsando sob minha pele. Sabe o que isso me diz?

— Que sou tóxica.

Haide ri alto, balançando a cabeça enquanto se levanta. —


Sim, garota. Tóxica pra caralho, mas estou nessa. — Ela estende
a mão, por isso dou a minha, deixando que ela me coloque de pé.
— Fiquei sentada nesta ilha por dezessete longos anos esperando
que meu propósito se revelasse, perguntando-me por que o destino
abençoaria os condenados com uma criança que seria condenada
da mesma forma.

— E agora você acha que eu sou o motivo?

Ela dá de ombros, sorrindo enquanto dá um passo para trás.


— Provavelmente não, mas isso seria uma loucura, não seria?

Nós duas rimos um pouco e observo enquanto ela puxa uma


das adagas da bainha ao seu lado. Joga-a para mim e eu pego pelo
cabo, olhando meu reflexo na lâmina afiada.

Meu cabelo branco está mais brilhante do que nunca e,


quando olho nos meus olhos, uma sombra aparece. Aproxima-se
da superfície olhando para mim. Não tem forma que eu possa ver,
mas é forte, escura e está faminta.

Por vingança.

Por ele.
Um sorriso curva meus lábios e eu juro que ela sorri de volta.

Eu olho para Haide. — Pronta?

— Pronta.

Ela enfia o polegar e o indicador entre os lábios e assobia.

Encaro, virando quando o chão ruge e treme sob meus pés. O


vento assobia, troveja e ruge, e depois eu os vejo.

Quatro, cinco... seis dragões se curvam sobre a beira do


penhasco, suas garras gigantes cravando-se na terra enquanto
pousam com um estrondo retumbante que me faz tropeçar onde
estou. E então um sétimo se junta, mas não desce na linha estreita
que os outros criaram, ele voa acima, baixando lentamente até que
seu corpo enorme esteja diante de mim.

Ele abaixa a cabeça no chão e aqueles olhos verdes ainda estão


acima da minha cabeça.

— Oi de novo, amigo — eu sussurro, uma estranha sensação


de tristeza tomando conta de mim, mas no momento em que minha
palma pressiona suas escamas grossas e afiadas, dissipa-se.
Minha carranca é pequena e juro que o dragão se inclina para o
meu toque. Lágrimas se acumulam em meus olhos, mas não sei o
porquê.

— Muito bem, garota nova. — Haide chama e eu olho para


encontrá-la subindo nas costas de um dragão vermelho gigante. —
Para onde?
Eu me movo, subindo nas costas do meu dragão e envolvendo
as rédeas com as mãos enquanto olho para ela. Fechando os olhos,
tento algo que nunca fiz antes. Algo que não tenho certeza se
funcionará. Deixo-me ficar em segundo plano, permitindo que meu
vínculo flutue para frente e assuma o controle.

E então eu os vejo.

Sinner, Creed e Legend estão pendurados ali, sangue


manchado em seus peitos e rostos, pequenos cortes e feridas
abertas marcando sua pele. Eu respiro fundo.

Eles estão com problemas. Foram capturados.

Os olhos pelos quais estou vendo devem ser de Knight, porque


ele é o único faltando. Eu tento algo, olhando para baixo e um
gemido luta para sair da minha garganta.

O dragão, meu dragão, ronrona embaixo de mim, e minhas


palmas trêmulas instintivamente se apertam contra ele.

O cabo de uma adaga se projeta da barriga de Knight, a lâmina


enterrada profundamente em sua carne. O sangue se acumula a
seus pés em uma poça gigante, e a raiva misturada com o medo
lambe minha pele.

Onde está você, baby?

Algo se agita em minha mente, lutando contra minha intrusão,


e de repente Knight se debate. Os rapazes olham para cima,
franzindo o cenho. Seus lábios se movem, mas não consigo ouvir
sons. Eu só tenho visão.
Olho em volta, avistando as paredes salpicadas de sangue,
todas de cor branca, mas são as longas cordas vermelhas feitas de
magia que fazem minha raiva explodir. Eu conheço essas cordas,
foram elas que me prenderam não faz muito tempo.

Pisco, olhando para Haide. — Você não gostará disso.

Os dragões sobem em uníssono, redemoinhos rosa e azuis


girando no alto, e Haide levanta o queixo, endireitando os ombros.
Sua decisão foi tomada, independentemente.

— Para onde, Villaina?

— A sala de reuniões do Ministry.

Assim que a última palavra sai dos meus lábios, somos


engolidas por um vórtice, o rugido de um dragão ressoa em meus
ouvidos.

Estou indo, Knight.

Estou chegando e acabarei com todos eles.


Estou ficando delirante. A perda de sangue é demais para o
meu estado já enfraquecido.

Eles estão drenando nossa energia e, com ela, nossos dons.


Eles não podem levar tudo, o sangue em nossas veias não é o único
lugar onde a magia Royal vive, mas eles sabem disso, assim como
sabem que nunca poderiam nos derrotar com força total. Não
poderiam nem mesmo nos derrotar em nosso ponto mais fraco,
mas é para isso que servem as correntes Hellhound de meu pai.

Se ele soubesse que essas pessoas as usariam em seus


herdeiros, ele teria arrancado seus membros um a um, e somente
quando suas famílias estivessem mortas a seus pés, seus seres
nada mais que uma cabeça em um torso com um coração batendo
lentamente, teria acabado com eles.

Se ele vivesse o suficiente para testemunhar a traição de sua


própria herdeira, ele também a mataria.

Eu vou matá-la. Como diabos ela está viva?

London foi mandada embora, desapareceu, foi tirada de mim


e de seu lar e depois morta... tudo por causa dela. Meu próprio
sangue. Minha trigêmea.
Ela morrerá lentamente. Dolorosa e publicamente.

Minha mente dói de novo e cerro a mandíbula, olhando para


meus irmãos. Eles estão no mesmo estado que eu – facas
enterradas em sua carne; sangue derramado a seus pés.

O Conselho nos quer mortos. Acabados.

Eles querem Rathe para si e, ao olhar para meus irmãos,


sabendo que minha irmã está ajudando o inimigo, que ela também
é o inimigo, temo que seja exatamente isso que eles terão.

O fogo queima ao meu redor, engolindo as ruas e me fechando


em uma bola de fumaça preta. A princípio, pergunto-me se são
nossos observadores, se a fumaça é dos nossos ancestrais que
vieram nos proteger, mas quando a nuvem espessa se aproxima,
roubando meus sentidos, sei que estou errado.

No entanto, sou um Gifted, um Royal. O sangue Deveraux corre


em minhas veias.

O fogo não pode me matar e a fumaça não pode me prender, por


isso, avanço, atravessando as chamas. O poder agita meu peito,
circulando e rosnando, mas quando chega à superfície, é puxado
pela corrente.

Uma corrente que não pode ser cortada. Uma fechadura que não
pode ser quebrada.
Apenas uma pessoa tem a chave para me libertar, e eu a levei
à morte.

Eu a matei.

— Você tentou.

Meus músculos congelam, as chamas ao meu redor rugem e se


enfurecem, mas a fumaça subiu mais alto no ar, permitindo-me ver
através das manchas vermelhas e azuis.

Branco é o que encontro.

Uma camada disso. Longo, elegante e esvoaçante, e depois


olhos negros encontram os meus.

Meu coração dá um pulo, ganhando vida como se fosse atingido


por um raio.

Tento correr até ela, mas isso só a afasta ainda mais.

Como eu fiz.

Tudo o que fiz foi empurrá-la para longe, portanto paro onde
estou para ver o que ela faz quando tem escolha. Ela correrá e nunca
mais olhará para trás?

London sorri, as chamas tremeluzindo em seu rosto, as veias


de seu pescoço pulsando enquanto a escuridão aparece, descendo
por seus membros como barbantes torcidos e teias destroçadas.

Ela é magnífica... e vem direto para mim.


Ela se aproxima e as chamas se curvam em sua direção,
suavizando-se até se transformarem em nada além de um leve
brilho beijando seus pés.

O vínculo vem das sombras da minha alma, literalmente


morrendo de necessidade por ela, e meu pé avança antes que eu
perceba que estou me movendo.

O fogo sibila, buscando vingança pela minha ação e derrete a


carne ao redor dos nós dos meus dedos até que sejam apenas
ossos. Ele gira em torno dela, protegendo-a e faz seu cabelo voar,
enrolando-o ao longo de seus lábios.

Ela sorri e é como uma espada na espinha. Alterando a porra


da alma.

— Baby?

Eu suspiro, balançando a cabeça de um lado para o outro


enquanto afio minha visão.

As portas foram abertas e pode sentir o poder tremeluzindo no


ar.

Eles estão fazendo disso um espetáculo, provavelmente irão


transmiti-lo ao povo de Rathe como aviso ou para nos difamar e
destruir nosso nome.

— Eles estão vindo atrás de nós. — A voz de Creed é vazia, mas


forte. — Se você conseguir uma oportunidade, aproveite. Não
importa o quê.
Não importa se é Temperance, ele diz sem realmente dizer.

— E se não houver oportunidade? — Se eles pensaram nisso


e isso é tudo. O fim de uma era. A morte de nossa linhagem.

A queda da Coroa das Trevas.

Creed acena com a cabeça, olhando para cada um de nós, seus


olhos pousando em mim. — Então nos veremos na próxima vida.

Nós nos viramos um para o outro, palavras que não


precisamos falar em voz alta passando por nós.

Pelo menos morreremos juntos. Esperamos.

Uma cabeça rola primeiro, e depois o barulho suave de botas


ecoa pelo corredor.

Meu coração salta quando London passa, com uma adaga


ensanguentada pendurada em uma mão e arrastando um corpo
com a outra. Ela deixa cair a perna do guarda e ele imediatamente
chuta em sua direção.

Seus olhos ficam brancos e eu abro a boca para avisá-la, mas


antes que a cor chegue às suas pupilas, uma adaga voa vindo do
corredor escuro, cortando sua garganta.

— Obrigada — ela grita por cima do ombro e uma voz feminina


responde — Eles estão aí?!

Legend puxa suas correntes, um estrondo profundo agitando


seu peito. Creed e Sinner ficam em alerta máximo.
No entanto, só consigo olhar para a garota diante de mim.
Seus olhos encontram os meus e é como no meu pesadelo – ela é
exatamente como eu a vi.

Cabelo gelado e grandes olhos negros, veias entrelaçadas como


tatuagens cinzentas na pele. Ela é linda pra caralho, mas não é
nenhuma bela.

Minha garota, minha companheira... ela é a pior de todas.

— Meu pequeno demônio.

Seus olhos brilham com minhas palavras ásperas e o vínculo


brilha em meu peito.

— Eu mesma deveria acabar com você. — Ela se aproxima e


não para até estar bem na minha frente.

Meus olhos percorrem cada centímetro de seu rosto e minha


pele fria se aquece. — Mas...

— Mas uma rainha nunca poderia matar seu Rei. — Seu tom
é suave, mas forte.

Eu puxo as correntes, precisando abraçá-la, mas tudo o que


isso faz é enviar um choque pelo meu sistema.

Os membros de London tremem de raiva com o som, seus


olhos voando para as restrições poderosas.

Ela estende a mão para elas, mas eu recuo. — Não! — Franzo


a testa, fraco demais para me mover conforme ela simplesmente
avança novamente. — Está amaldiçoado.
London sorri, pegando a corda do Hellhound em seus punhos.
— Eu também estou.

Sua cabeça se inclina para trás, a boca se abrindo, e meus


irmãos e eu ficamos boquiabertos enquanto uma névoa espessa e
cinza sai de sua boca.

— Fumaça demoníaca — Creed respira, pasmo. — Vive dentro


dela.

— Como?

Ele balança a cabeça e nós olhamos para a porra da


criaturinha magnífica diante de nós. Minha criatura.

Meu maldito futuro.

As veias de seus antebraços latejam contra sua pele, as longas


cicatrizes de onde ela se cortou brilham.

A neblina se espalha por todo o cômodo, nos envolvendo. As


cordas vermelhas ficam azuis, depois pretas e depois se
transformam em cinzas à medida que somos largados no chão.
Fracos demais para ficar de pé, caímos ali, esticando os membros
e ouvindo a guerra do lado de fora destas paredes.

London não veio sozinha.

Ela cai aos meus pés, segurando meu rosto nas palmas das
mãos. — Eles estão vindo. Temos apenas alguns minutos. —
Balança a cabeça e depois abaixa minha cabeça em seu pescoço.

Eu não hesito. Afundo minhas presas em seu pescoço e a


bebo, seu sangue iluminando meu interior como nunca. Ela ofega,
mas me pressiona mais perto, sussurrando — Sinner precisa de
energia — ela me diz.

Ela não está exatamente perguntando, mas se certificando de


que não brigarei com ela por causa disso. Se eu brigar, ela poderia
me matar, porque essa porra de mulher perfeita não veio aqui
apenas por minha causa. Ela veio por todos nós.

Ela veio por sua família.

Eu retiro meus dentes dela, levantando meus lábios apenas o


suficiente para soltar as palavras. — Alimente-o.

Minha boca volta para sua pele e ela se move


instantaneamente, sussurrando o nome dele. Sinto o momento em
que seus dentes perfuram sua pele, mas meu vínculo não quer
matá-lo, em vez disso, fica calmo... quase grato pela devoção de
nossa companheira.

— Haide, por favor — London implora a alguém, lutando


contra o prazer que este momento não deveria trazer, mas traz. —
Eles estão muito longe. Isso não pode esperar. Não há tempo.

Há um xingamento baixo atrás de mim e depois passos.

— Aqui — a garota diz com arrogância.

— Afaste-se de mim — sibila Legend.

— Ah, pelo amor de Deus. — Ouço o bater do couro e o som


inconfundível de uma arma sacada, e depois um novo cheiro
preenche o ar. Ela se cortou e seu grito duplo me diz que ambos
os meus irmãos se agarraram a ela.
Tão rápido quanto reclamam, eles rosnam e eu caio de bunda
no chão, respirando profundamente e saboreando o reinício da
energia.

— Que porra é essa? — A garota resmunga.

Olho para a garota de cabelos escuros e vejo que ela está


olhando com os olhos arregalados para o pulso, e então olho para
Legend. Seus dentes estão arreganhados, garras cortando o
mármore a seus pés. O sangue escorre em linhas grossas pelo seu
queixo e um estrondo profundo vibra em direção à garota à medida
que Creed ainda suga a sua pele bronzeada, seus olhos no rosto
dela o tempo todo.

Ela olha para Legend e seus olhos ficam brancos. A garota se


agita, tentando se libertar, mas ele a mantém imóvel.

— Villaina — a garota fala, com expectativa.

London passa a mão pelos cabelos de Sinner enquanto ele se


alimenta no local onde mordeu o tecido sobre sua coxa. Seus olhos
encontram os meus e muita coisa se passa entre nós com aquele
olhar. Porra demais.

Ela abre a boca para falar, mas o som estridente de um trovão


estala no ar e seus olhos se arregalam.

Todos nos levantamos, com os corpos ainda feridos, mas com


a energia cheia. A energia me invade e, quando olho para baixo,
vejo uma calça tática preta e uma manga comprida preta cobrindo
minha pele, e meus irmãos com o mesmo equipamento.
London sorri, orgulhosa de seu trabalho, e eu a agarro pelo
pescoço, puxando-a para mim.

Ela suspira, com os olhos escuros brilhantes e reluzentes com


meu próprio reflexo. Meus olhos ficam brancos e seus lábios se
curvam ainda mais. Eu me aproximo, pronto para atacar a porra
dos seus lábios, para finalmente senti-los nos meus novamente,
mas quando eles pressionam sua pele, não me deparo com a porra
do veludo macio. Meus olhos se estreitam e levanto a mão para
encontrar uma máscara de esqui puxada para baixo sobre o meu
rosto e o do meu irmão.

Estamos vestidos como os guardas, e eu olho para ela à


medida que percebo que ela não usa uma. Ela e a garota têm as
mesmas roupas, mas ambas deixam o rosto à mostra.

— Eu não preciso me esconder. — London joga o cabelo por


cima do ombro, girando em direção ao corredor escuro. — Eu
quero que eles me vejam chegando.

E então ela sai e, caralho... nós a seguimos.

— London! — Eu grito em sua direção quando ela corre pelo


longo corredor. As massas de pessoas lá embaixo são barulhentas,
e sei que, assim que sairmos dessa área, os olhos estarão voltados
para nós.

— Não há tempo para conversar, Knight... — Eu pego seu


braço e a puxo para trás, detendo seu passo.

— Este era o Conselho. — Eu olho em seus olhos.


— E? — Ela pergunta, arregalando os olhos como se
perguntasse, é só isso?

Cerro os dentes. Quero avisá-la sobre Temperance. Não tenho


ideia do que encontraremos quando sairmos daqui e não quero que
seja pega de surpresa, mas quando olho para ela, sei que não
precisa de aviso. Ela está pronta para mutilar todos que ousarem
tocar em seu companheiro. Eu.

Ela voltou para mim, mesmo quando eu não merecia.

De pé, prometo merecê-la para sempre a partir deste


momento.

Se minha irmã ficar no seu caminho, eu limparei, pintando o


caminho com nosso próprio sangue. Eu balanço minha cabeça. —
Deixa para lá. Prossiga.

Ela continua andando ao lado da garota que chamou de Haide,


e eu fico um pouco para trás para que meus irmãos possam ouvir.

— Quem é aquela garota? — Legend pergunta, seus olhos


focados nela. — E por que diabos é como se ela e London se
conhecessem há muito tempo?

— Talvez se conheçam... — Sinner acrescenta, enquanto


passamos por salas vazias e nos aproximamos das escadas que
nos levam até a sala principal. — Muita coisa foi tirada dela. Deixe
que ela tenha a porra de uma amiga.

— Queremos realmente deixar a pequena psicopata fazer


amizade com uma psicopata maior? — Ele reclama novamente.
Sin olha em sua direção. — Como você sabe que ela é louca?

Legend resmunga como se fosse uma pergunta estúpida e


Sinner sorri de lado.

Reviro os olhos quando eles começam a discutir sobre merdas


idiotas, subindo os degraus de dois em dois até chegarmos à sala
de reuniões familiar. A sensação é a mesma, só que a cadeira onde
meu pai costumava sentar está vazia.

A raiva pulsa em mim mais uma vez e tenho que lutar com
tudo dentro de mim para não perder o controle. Para não perder o
controle novamente.

— É seguro falar aqui? — Haide pergunta, olhando ao redor


da sala. A mesa retangular ocupa a maior parte do espaço com o
lustre dourado pendurado delicadamente acima. As paredes são
feitas de vidro, proporcionando uma visão direta de Rathe lá
embaixo enquanto circulamos em órbita, constantemente, sempre
observando o que acontece abaixo.

— Sim. É a única área de Rathe isolada de todos. É onde


realizamos nossas reuniões com o Ministry.

— Ahhh... — Haide estala a língua acima da boca,


acomodando-se na cadeira dourada na cabeceira da mesa,
levantando as botas para descansar em cima. Seus olhos saltam
sobre cada um de nós, ignorando London. — Este glorioso
Ministry.

— London. — Ela chama toda a nossa atenção com isso, mas


mantém o olhar fixo no meu. A garota é descarada, admito,
enfrentando o futuro Rei tão abertamente. E então a pirralha
inclina a cabeça para o lado, oferecendo o ângulo perfeito para sua
mandíbula afiada. Ela se parece com a Lara Croft, com sua pele
bronzeada, traços marcantes e olhos verdes brilhantes. Há algo
mais, porém. É uma rebelde, de corpo e alma. Onde diabos London
encontrou essa garota?

— Para ser justa. — London ri, seus dedos dançando pela


parede enquanto se dirige para a janela. Ela olha por cima do
ombro, sorrindo para Haide. — Você disse que ele não queria saber
e que dois não se importavam.

Haide estreita os olhos e meu interior se agita, querendo pular


e arrancá-los de suas órbitas, mas a risada de London e o sorriso
seguinte que Haide dá fazem meus músculos relaxarem. Ela não é
uma ameaça, lembro a mim mesmo. Se fosse, London a teria
matado no minuto em que ela não precisasse mais de sua ajuda.

— Então... meu povo estava certo. — Ela cruza os braços. —


Você é a Rainha deles.

— Seu povo? — Legend olha furioso.

Lentamente, a garota arrasta seu olhar para Legend, e é como


se toda a sala ficasse em silêncio. Ela não mostra emoção e não
responde à sua pergunta.

Sinner sorri de um para o outro e Creed suspira, balançando


a cabeça. — Aqui vamos nós.

— Precisamos de um plano. — Legend se vira, encostado na


janela, observando enquanto a sala continua a flutuar diretamente
sobre o coliseu. — Todos estão lá embaixo, como se esperassem
por alguma coisa.

— Oh, eles esperam! — London segue Legend. — Sua morte.


Sem dúvida, o Conselho pretendia fazer uma exibição disso, e
queriam que toda Rathe testemunhasse o quão ruins são. — Meus
dedos coçam para estar perto dela e sempre que ela coloca
distância entre nós só me faz querer despedaçá-la para que eu
possa sempre manter parte dela comigo.

Um sorriso toca minha boca enquanto meus olhos escurecem


sobre ela. Ela olha para mim, e se eu pudesse estender a mão e
tocar a tensão entre nós, isso deixaria queimaduras que
desafiariam até mesmo o fogo do inferno.

— Bem, já que eles acham que vocês ainda estão trancados e


sangrando lá embaixo, por que não vamos até lá e os matamos
primeiro? — Haide encolhe os ombros, verificando suas longas
unhas pretas. — Sempre quis descascar as muitas camadas que
Magdalena sugeriu que ela tinha ao longo dos anos. Você sabe...
por diversão.

Meus olhos se estreitam na nova amiguinha psicopata de


London, mas antes que eu possa dizer qualquer coisa, Legend deve
tê-la chutado embaixo da mesa quando ele se senta porque o corpo
dela se inclina para frente e seus olhos esverdeados se tornam
afiados nele. Não tenho dúvidas de que Lege pode se virar, mas ela
até me faz questionar.

— De que ala psiquiátrica nossa Little London tirou você? —


Ele a encara.
Haide desafia seu olhar, enquanto o canto de sua boca se
curva para cima em um sorriso sinistro. — Bem, você não gostaria
de saber.

— Vocês sabem aquele remix que Machine Gun Kelly e Travis


Barker fizeram... como era mesmo o nome? — London finge pensar
consigo mesma, olhando para o teto. Eu me afasto da parede na
qual estou encostado, perdendo a luta de ficar separado dela por
tanto tempo. Quanto mais perto ela chega, mais forte meu coração
bate no meu peito e tudo que eu quero fazer é agarrá-la pelos
cabelos e arrastá-la para fora daqui. Antes que possa me conter,
minha mão está em sua garganta e eu a empurro contra o vidro,
meus dentes se afiando nas pontas à medida que sinto seu pulso
bater contra a palma da minha mão. Ela pisca para mim. — A girl
like you11.

— Vocês podem foder o quanto quiserem mais tarde. Por


enquanto, precisamos lidar com isso. — A voz de Creed se dissipa
no ar como o gelo faz contra a umidade. — Knight!

London me dá um sorriso largo, que mostra seus dentes


brancos. — Mais tarde, amor...

— Haverá Argents preparados para lutar pelo Conselho — ele


fala o que todos nós provavelmente percebemos.

Simplesmente não há como o Conselho escapar impune dessa


merda sem algum tipo de exército à sua disposição. Os jogos
mentais da raposa e o grito que ouvimos com o seu óbvio

11 -Em português, Uma garota como você. É o nome do remix da música de Machine Gun Kelly e Travis
Barker
envolvimento no assassinato do Rei são prova suficiente disso. A
questão é... qual mulher foi corajosa o suficiente para matar o
nosso Rei?

Tenho a porra da sensação de que sei exatamente quem foi.

A raiva me invade e um grunhido sai da minha boca ao mesmo


tempo que solto London de seu aperto, voltando-me para Creed. —
Nós matamos todos eles.

Creed acena em aprovação, acenando com a mão para abrir


um portal. As videiras crescem do solo enquanto rosas e espinhos
envolvem a moldura antiga.

— Retire suas máscaras. Não podemos nos esconder do nosso


povo. Os Stygians precisam saber que vivemos e nos levantamos
contra isso. — Creed atravessa primeiro, enquanto Haide se vira
por cima do ombro, piscando para Legend, que ainda está olhando
furioso para ela.

— O que há de errado, irmão... — Eu cutuco seu ombro antes


de pegar a mão de London com a minha. Serei amaldiçoado se eu
a deixar fora da minha vista novamente. — Não gosta da nova
garota?

Ele desdenha, nos seguindo. — Você a viu acariciar o cabelo


da cabeça decepada daquele guarda com um sorriso? — Ele
balança a cabeça. — Ela é louca pra caralho.

Acho que o que ele quer dizer é que ela é mais louca do que
ele, nosso irmãozinho lógico, mas feroz quando necessário.
O portal se fecha atrás de nós conforme nos materializamos no
centro do estádio. A poeira sobe ao nosso redor à medida que a
multidão nas arquibancadas se acalma completamente. Encontro
Magdalena instantaneamente enquanto ela para o que está
dizendo, virando-se para olhar para todos nós. Sua boca se abre
de repente, ao mesmo tempo que Agro se aproxima dela.

Seus olhos se arregalam e então suas mãos se levantam.

Trovões estalam acima, nuvens se materializam num piscar de


olhos, bloqueando a visão das pessoas da arena circular. É aqui
que as pessoas lutam durante os testes de colocação na Rathe U.
É aqui que a determinação final é feita – você é Argent de coração
ou o órgão que bate em seu peito sangra preto como nós,
verdadeiros Stygian.

— Estou tão farta desses trovões, filha da puta — London


resmunga, jogando os braços para baixo, enviando faíscas para a
terra e depois levantando-as para o céu. Relâmpagos faíscam por
todo o lugar, crepitando e explodindo em todas as superfícies e
depois se juntam para formar um raio gigante. Atinge a plataforma
com um estrondo feroz, a madeira e os assentos onde o restante
do Conselho se senta transformado em gelo.
London sorri e depois inclina a cabeça. — Haide?

— Morrendo de vontade de brincar. — A porra da princesa


guerreira de cabelos escuros dá um passo à frente.

Os olhos de Magdalena se estreitam na garota e Haide ri,


agitando os dedos para ela, e depois, mais rápido do que meus
olhos poderiam processar, ela puxa uma adaga do seu lado e a
lança. Passa zunindo pelo ar em alta velocidade, cravando-se
diretamente no centro da plataforma.

Ela sorri, recuando e batendo na mão de London sem olhar.

Seus lábios formam um pequeno O, enquanto ela solta um


suspiro rápido, como se fosse apagar uma simples vela. O gelo
racha, os olhos do Ministry se arregalam e então se quebra,
fazendo com que todos caiam em uma avalanche de gelo.

Magdalena amortece a queda transformando o gelo em uma


onda de água, surfando em sua superfície.

Odin avança, com os olhos arregalados enquanto olha de nós


para o Ministry. — O que diabos é isso? — Ele vocifera.

Suas próximas palavras são interrompidas quando a Maga


levanta uma barreira, puxando-o para trás e então os gritos de
guerra começam.

Yemon ainda está em vigor e os céus começam a sangrar,


distorcendo nossa visão assim que há uma ruptura nas nuvens de
tempestade.
— Knight! — Eu me viro, o alívio me inundando quando avisto
Silver, Vicente e vários outros guardas reais cortando a névoa e
pulando sobre os muros do estádio.

Eles se aproximam, preparados e prontos, curvando-se e


batendo os punhos no peito.

Os Argents se enfurecem, lançando feitiços fracos no escudo


que London mantém forte, mas ela não os deixa atingir sua
camada de gelo impenetrável. Afasta-os com um movimento do
pulso e um sorriso, enviando-os de volta para a pessoa que os
enviou para nós.

— Poderiam ser suas sombras... — Silver menciona, olhando


para seu pai, que olha para mim.

— Nós matamos todos eles. — O comandante do nosso exército


pronuncia as únicas palavras que valem a pena serem ditas,
aquelas que ele já sabe que viemos até aqui preparados para viver.
— Onde está a Rainha?

— Estou aqui!

Todos nos viramos, observando enquanto mamãe emerge por


um portal, com seus longos cabelos negros balançando ao vento,
o vestido rasgado e coberto de sujeira.

Meus olhos se estreitam, mas quando um rosnado baixo soa,


olho para minha companheira.

A escuridão em suas veias brilha em sua pele e seus lábios se


curvam.
— Hoje, lutamos juntos. — Mamãe olha para ela. — Por nosso
povo. Pelo... o seu reino.

O corpo de London começa a tremer, mas antes que alguém


possa dizer uma palavra, Vicente se aproxima.

Ele bloqueia a visão de minha mãe de London, e o comandante


mostra o pescoço para London. — Ela é nossa Rainha… hoje,
minha Senhora. Amanhã, daremos as boas-vindas a uma nova. —
Ele sustenta o olhar dela.

Lentamente, os lábios de London se curvam e ela balança a


cabeça sutilmente.

— Vamos acabar com isso. — Mamãe apenas levanta o queixo


e depois as mãos, os olhos brilhando brancos enquanto correntes
azuis e brancas voam no ar. — Largue o escudo.

— Olha, senhora, ela não responde a... — As palavras de Haide


são interrompidas, a mão de Legend tapa sua boca.

— Quieta, novata — ele avisa e Haide afunda profundamente


as unhas em sua pele.

— Cadela. — Ele a joga.

London olha para mim em busca de aprovação e eu aceno.

O escudo cai e a mamãe envia seu poder com força total para
os Argents.

London levanta a mão direita, contudo, transformando-a em


chuva, e depois levanta a esquerda.
Eu não sei o que diabos ela faz, mas um por um, os peitos dos
Argents se abrem do pescoço ao umbigo, seus corações caindo na
terra a seus pés antes que seus corpos sequer registrem o que
aconteceu.

Haide ri, girando os dedos e glitter gira, caindo lentamente


sobre todos eles, brilhando contra o carmesim. — Tão bonito — ela
suspira.

— Maluca da porra, juro — Legend murmura.

Agro grita com raiva, e então todos os portões são abertos,


Argents nos cercando de todas as direções. Centenas deles entram
correndo.

— Você deve amar ver seu povo morrer, Fae.

Avanço, agarrando um pela garganta e arrancando sua


cabeça, jogando-a aos pés dela enquanto me curvo, derrubando as
pernas de outro. Ele cai no chão e Creed pressiona os pés em suas
costas, arrancando seus braços das articulações antes de seu
punho entrar em suas costas e arrancar sua espinha dorsal.

Magdalena uiva de raiva, e então estou parado na beira de um


penhasco, com alcatrão preto, milhares de metros abaixo.

A risada de Sinner soa e depois desaparece, e quando olho


para ele, seus olhos brancos brilham enquanto ele olha para ela
com um sorriso.

Ela treme, encolhe-se, e não tenho ideia do que ele mostra a


ela, mas não me importo.
Continuo avançando em direção a Agro, verificando minha
companheira após cada Argent que acabo no caminho.

Ela e Haide estão rindo, brincando com os traidores Argents


como um jogo humano do qual fomos forçados a participar na
Rathe U. Dodgeball. London arremessa um e Haide pula seis
metros no ar para evitá-lo. Haide manda um voando e London finge
ser uma bailarina, girando e levantando as mãos, criando um
círculo grande o suficiente para o corpo passar.

— Eu ganhei! — Haide grita em triunfo, girando e enfiando


uma adaga no pescoço de uma garota que se esgueirou por trás
dela.

— O quê?! — London retruca, caindo de bruços para evitar


uma bola de fogo e manda de volta uma pedra gigante feita de gelo
sólido. Ela olha por cima do ombro para sua nova amiga. — Ele
não me tocou!

— Uma gota de sangue dele caiu na sua testa. Conta!

London murmura algo que não consigo ouvir e continua


andando.

Eu sorrio, olhando para frente e quando faço isso, minhas


sobrancelhas se juntam. — Eles estão fugindo!

— Vá — grita a mamãe. — Eu posso lidar com essas... coisas.

Hesito, assim como meus irmãos, esta é nossa Rainha. Nossa


mãe.
Vicente entende, inclinando a cabeça. — Eu protegerei a
Rainha. Nós encontraremos você.

Nós decolamos, observando enquanto o portal começa a se


fechar, mas London abre a boca, e a fumaça demoníaca dispara
como a porra de um canhão, direto para a pequena abertura e
alguém grita, alto e estrondoso.

— Peguei — London murmura para si mesma.

Chegamos ao portal e Silver fecha os olhos. Lentamente, o


portal se abre, grande o suficiente para passarmos. Saímos na
ponte de Rathe, justo quando as chamas a engolfam de um lado
ao outro.

Haide sopra e elas se espalha, mas no momento em que ela


para, retornam.

Através das chamas, vejo Agro puxando Odin, Magdalena logo


à frente deles.

— Lutem contra nós, seus covardes!

O cheiro de carne queimada nos envolve, mas London se


abaixa, pressionando a mão no paralelepípedo. Lentamente, as
chamas se transformam em pingentes de gelo e, quando ela se
inclina para frente, deslizando a língua ao longo de um, ele derrete
como lava.

— Eu transaria com você — Haide concorda, inclinando a


cabeça para frente. — Eles estão fugindo.
Ela sai correndo, e com uma risada zombeteira, Legend a
segue, o resto de nós logo atrás.

Sinner ergue uma parede na frente deles, e Magdalena a


transforma em cinzas.

Ela envia forças de poder para nós, mas bloqueamos, jogando-


as de volta para ela.

Agro chama o trovão e London transforma as nuvens espessas


em nuvens de chuva, e ele grita para os céus.

Eles giram, partindo, Odin tropeçando ao lado de Agro, mas


assim que chegam às portas do prédio do Ministry, Vicente, seus
homens e nossa mãe aparecem.

Eles dão um passo à frente.

Os membros do Ministry congelam, girando.

Damos um passo à frente e então as nuvens se dissipam, o


vermelho do céu se transforma em um rosa esparso. Portas abrem
e fecham, passos ecoam na calçada enquanto os sussurros e gritos
do povo de Rathe chegam até nós.

— Nossos Lordes!

— São os Lordes!

— O futuro Rei vive!

— Nossa Rainha ressuscitou!

— Nós lutaremos com você, meu Lorde!


Orgulho e calor explodem na porra do meu peito e olhamos em
volta enquanto os Stygian, nosso maldito povo, se enfurece,
correndo direto para o portal ainda aberto pelo qual os Argents
furiosos avançam.

Eles se encontram no meio, com estrondos e rachaduras


fortes, enquanto a magia das Trevas e da Luz se chocam.

Uma pequena mão desliza na minha e olho para London, que


está com os olhos negros clareados e os azuis gelados cheios de
lágrimas ao ver o que acontece atrás de nós. — Esse é o nosso
povo.

Meu coração dispara em meu peito e ela olha para mim, com
uma suavidade que eu desejava, que eu precisava, em seu olhar.
— Esse é o nosso povo, meu Rei. Meu companheiro — ela sussurra
para que só eu ouça.

— Baby...

— Agora não.

Não é uma recusa. É uma promessa.

Olho para frente, ficando um metro à frente dos outros, com


minha Rainha ao meu lado, seus olhos negros mais uma vez.
Oh, porra, é bom demais, a maneira como os membros do
Ministry me olham, de olhos arregalados.

Isso mesmo. Exatamente como seu Rei morto.

Fico levemente tensa quando um deles se inclina para frente,


ficando de joelhos.

— Isso o livra de nada, Odin. Você é um traidor, assim como


eles — Knight vocifera.

Odin, esse é o seu nome, eu tinha esquecido.

Seus olhos se arregalam e, quando isso acontece, estão


encobertos. — Eu não sou traidor. — Ele se levanta rapidamente
e avança — Não sei o que...

Sua mão chega ao meu braço e Knight me puxa para longe


dele, mostrando os dentes.

— Toque nela novamente, Monster, e demorarei para matá-lo.

As sobrancelhas de Odin se unem. — O que...

— O que... — Magdalena pigarreia, esboçando um amplo


sorriso. — Knight, pense sobre isso, podemos começar de novo e...

A mão de Knight está em sua garganta e ele a levanta do chão


antes que ela possa dizer outra palavra.
— Ouça! — Seu tom é firme. — Como eu disse antes, o Ministry
acabou. Se alguém pretende desafiar isso, tenha certeza de que faz
a escolha certa. — Os dedos do Knight afundam na carne ao redor
da garganta dela enquanto o sangue escorre por suas mãos. —
Porque será o último que você escolherá. — Ele puxa a mão para
trás e o corpo dela cai no chão. Ele aperta o que resta de sua
garganta na palma da mão, à medida que resíduos e sangue se
moldam em seus dedos. Ele joga em cima do corpo dela ao mesmo
tempo uma pequena risada a surge atrás de mim.

Haide bate palmas com entusiasmo, os olhos brilhantes como


a manhã de Natal. — Minha vez!

Legend a agarra pela parte de trás da garganta para impedi-


la, mas ela gira em seu aperto, agarrando-o e jogando-o no chão.
Ele tosse respingando sangue, segurando o estômago.

Ele ri, inclinando-se até que seu nariz toque o dela. — Oh, isso
é tudo que você tem, baby? Isso foi apenas preliminares...

— Haide! — Digo, olhando entre os dois novos inimigos. Jesus


Cristo, porra. O que não precisamos é de uma rachadura óbvia no
nosso aparente “lado forte”.

— Eu não sei o que está acontecendo, Knight, mas seja lá o


que eles fizeram, eu não fiz parte... — Odin levanta as mãos, se
aproximando de mim. — Basta perguntar ao Vicente, se você não
confia em mim.

A cabeça de Knight se levanta e ele olha para o homem de


cabelos grisalhos parado ao lado de Cosima, olhando fixamente
para o cadáver de Magdalena e de volta para Knight.
— O que aconteceu? — Vicente pergunta enquanto passa por
Odin e Agro, ficando perto de Knight e de mim. — Preciso ouvir
diretamente da sua boca — ele diz a Knight.

— Exatamente o que tenho certeza que você suspeitava. Eles


nos prenderam, nos amarraram e tentaram nos matar. — Knight
oferece. — Tentaram também prender London, mas ela escapou
antes que eles pudessem.

Vicente dá mais um passo cauteloso. — Quem são “eles”?

Agro finalmente avança, com o rosto vermelho. Suas orelhas


crescem até se curvarem em torno de sua cabeça. — Conseguimos!
Vocês, pirralhos, não sabem nada sobre administrar um Reino.

— Você matou o Rei? — Pergunto inexpressivamente, meus


cílios se espalhando sobre minhas bochechas.

— Você sabia que quando sua mãe deu à luz todos vocês, todos
nós sabíamos o que vocês eram... — Agro acrescenta, ignorando
minha pergunta.

Quando tivermos o esclarecimento da participação deles na


morte do Rei, sei que isso selará o seu destino e de quem mais os
ajudou. Isso também significa a queda de um sistema que ajudou
as rodas de Rathe a girar sem baixas. A situação está prestes a
mudar daqui para frente.

— Matem-no, matem-no! Viva o Rei das Trevas! — A multidão


canta. Knight dá mais um passo para perto de Agro enquanto seus
cantos aumentam, transformando-se em rugidos e gritos.
— Deixe-me terminar! — Agro interrompe Knight, arrumando
seu terno. — Depois que sua mãe deu à luz todos vocês, sabíamos
que vocês seriam exatamente como seu pai.

Nunca pensei muito sobre o que eram os Lordes. Acho que a


maioria de nós presumiu que eram Monsters. Do tipo que só pode
nascer de sangue real.

Agro endireita os ombros, assim como Vicente se coloca entre


mim e Odin. — Belial, Judas, Caim, Nero... — ele olha entre Knight
e seus irmãos enquanto minha mente pensa em todas as memórias
que tive de Knight nos últimos meses em que estive com ele, e mais
importante, acasalada com ele. — Eles significam alguma coisa
para você?

— Os seis demônios de Lúcifer... — sai da minha boca em um


sussurro, mais para mim mesma do que para qualquer outra
pessoa. Poder percorre meu ser.

— Eu sei o que somos, Agro.

— Ah, eu sei... — seu tom chama minha atenção e eu levo


meus olhos para ele. — Mas ela não sabia.

— Espere! Seis? — Eu os interrompo. — Vocês são quatro, sua


irmã, e? E quem é o sexto?

Knight se vira ligeiramente sobre o ombro. Os músculos de


ambos os lados de sua mandíbula saltam. Você sabe quem diabos
é o sexto, baby. Pare de se fazer de boba e não finja surpresa.

Encaro Agro.
— E? — Puta que pariu? Como eu sou a sexta? Por que sou a
sexta!

— E vocês estão todos condenados... — ele responde, com os


olhos arregalados. — Mas eu não matei o Rei.

— Foi... ela? — Creed pergunta.

Ela? Quem é ela?

Knight me lança um rápido olhar, mas não me diz nada, e


minha mente começa a correr.

Estou perdendo alguma coisa.

— Oh, não — ele ri. — Mas ela foi muito útil quando...

Knight avança e um estalo alto ecoa no ar quando seu punho


atinge o rosto de Agro.

Viro-me para encarar Vicente, deixando Knight travar sua luta


suja. — Eu não entendo. O que o fato de eu ser um demônio tem
a ver com tudo isso e o Rei estar morto? Se você me disser que sou
sua irmã, eu vou te devorar.

As rugas ao redor dos olhos de Vicente se aprofundam


enquanto ele segura um sorriso. — Você não é. Não se preocupe.
E, por favor...

— ...London. Eu preciso falar com você.

Os olhos de Vicente se voltam para o homem atrás de mim, e


eu levo minha mão até seu peito para detê-lo.

— Pare. Eu posso cuidar disso sozinha.


Gotículas de sangue tocam meus lábios enquanto me viro para
encarar Odin. Passo a língua sobre eles antes de me virar para ver
o que Knight fez. Músculos e carne vermelhos brilhantes me
encaram, assim que Knight arranca o último pedaço da carne de
Agro do seu rosto.

Volto-me para Odin sem me abalar. — Não confio em você nem


em uma palavra do que diz. Você fazia parte do Ministry, o mesmo
que tentou matar pessoas que significam muito para mim.

— Não era eu. — Ele balança a cabeça, mas antes que possa
dizer mais alguma coisa, Creed abre um portal atrás dele e o chuta,
fechando-o rapidamente.

Eu olho para Creed. — Ainda não terminei.

— Você pode falar com ele mais tarde. Agora, precisamos


controlar esse show de merda, e olhe para o seu companheiro... —
Viro-me para Knight, para vê-lo olhando para as pessoas de Rathe,
que aplaudem. Os rugidos são altos o suficiente para fazer meus
ouvidos sangrarem. Eu deveria saber o quanto o povo de Rathe
adora os Lordes. O Ministry vem destruindo as coisas há séculos,
desesperado para se tornar tão importante quanto a realeza.

Eles são a razão pela qual Haide viveu toda a sua vida em uma
ilha pequena e isolada com um bando de Gifted selvagens.

— Ele está dando às pessoas o que elas querem.

Creed ri. — Você e eu sabemos como Knight é com


derramamento de sangue. Precisamos conversar com as pessoas
antes que isso saia do controle.
Dou um passo para trás, sorrindo para Creed. Espero até que
ele me dê as costas antes de inalar toda a magia que se agita dentro
de mim, fechando os olhos e visualizando um portal se abrindo na
minha frente. Abro os olhos, ofegando. O gelo cresce ao redor de
um arco, rachando ao se sobrepor a rosas vermelhas e espinhos.
O interior gira em cores brancas pálidas e pretas, e dou mais uma
olhada para trás antes de atravessar.

Eu não sabia muito sobre o Ministry, ou sobre as pessoas que


faziam parte dele. Só quando me tornei quem eu era para Knight
é que comecei a tomar nota. Odin era diferente, porém, e não
consigo explicar de outra forma senão que simplesmente sei.

Ele permanece imóvel, sentado na mesma cadeira em que


sempre se sentava durante as reuniões que realizavam nesta sala.
O portal se fechando me faz virar, quando meus olhos colidem com
Haide.

Ergo minhas sobrancelhas para ela. — Você está me seguindo


agora?

Ela dá de ombros, dando-me um largo sorriso. — O que posso


dizer. Eu sou leal.

Tiro meu casaco, deixando-o cair sobre o encosto de uma


cadeira antes de me sentar em frente a Odin. Ele segue meus
movimentos de perto. Segundos se passam entre nós, e só quando
Haide se senta na cadeira ao meu lado, segurando uma garrafa de
álcool e três copos, é que ele finalmente interrompe o silêncio.
— Eu não sou um inimigo para você, ou para os Lordes,
London. — Ele tenta sorrir, mas tudo o que consegue é forçado. —
Na verdade, posso mostrar como não sou uma ameaça.

Meus olhos caem para sua mão estendida, antes de voltarem


para seu rosto. Inclinando-me sobre a mesa, estendo a mão para
tocá-lo quando Haide interrompe.

— Pare! — Ela grita do final da mesa.

— O quê? — Eu pergunto, esperando que ela me dê uma razão.

Ela morde os lábios na boca nervosamente. — É só que... ele


é o Ministry e você está permitindo que ele tenha liberdade dentro
da sua cabeça. Ele poderia fazer qualquer coisa!

Eu olho de volta para Odin. — Ela tem um ponto.

Odin abaixa a mão, batendo o dedo na mesa. — Eu sei, mas


não vou. Não tenho nada a esconder e a única coisa pela qual vivi
foi, bem... — ele faz uma pausa, inclinando a cabeça. — ...você. —
Ele solta um suspiro. — Olha, eles me matarão de qualquer
maneira. Seu poder é muito mais forte que o meu. Você poderia
me expulsar se eu fosse uma ameaça real.

— Ele tem razão. — Dou de ombros, pegando sua mão. Assim


que as nossas mãos se tocam, meus olhos rolam para a parte de
trás da minha cabeça e a sala desaparece debaixo de mim...

Deixo a bolsa murcha cair sobre a mesa com um baque. Trovões


soam alto atrás das janelas de vidro do chão ao teto. Adequado. Já
que eu tinha cem por cento certo de que o que quer que acontecesse
hoje à noite seria algo para ser lembrado.

— Você trouxe? — Ele pergunta, tirando seu casaco longo e


pendurando-o no cabide perto da entrada. Mantenho meus olhos
fixos nas luzes brilhantes abaixo, observando enquanto Ordinaries,
Magos e alguns Lobisomens se misturam, espalhados pelas ruas
movimentadas de Rathe. Sem saber sobre o que estava por vir.
Infelizmente para mim, não fui agraciado do tipo de ignorância que
meros lacaios têm. Não tenho certeza se isso é uma coisa boa ou
ruim.

— Na mesa. — Levo o copo à boca, inalando o cheiro potente de


uísque envelhecido. Do tipo bom. Se tem uma coisa que os humanos
sabem fazer é destilar sua bebida. Mesmo sem magia.

O farfalhar da velha bolsa de lona me distrai enquanto termino


o resto da minha bebida, virando-me para finalmente encarar meu
melhor amigo. Alguém com quem sempre contei, mesmo quando não
pude contar comigo mesmo. — Existe uma razão pela qual você
precisa disso?

— Há uma razão para tudo, mas quando eu partir, preciso que


me prometa uma coisa, Odin. E isso precisa se basear em nossa
amizade. — Paro quando ele coloca a bolsa de volta na mesa,
sustentando meu olhar. Com o passar dos anos, a idade não foi
gentil com ele. Quanto mais inocência tirada, mais o destino tentaria
equilibrar. Isso era nítido com ele.

— O que é?

— Villaina, ela é... importante.


Odin ri, olhando para a porta atrás da qual minha filhinha
dorme. — Estou bem ciente de que a criança é importante.

Ele não está entendendo.

Eu balanço minha cabeça. — Não, ela é importante para Rathe.


Os destinos, eles estão perturbados.

A constante martelada em minhas têmporas se intensifica e


meus olhos começam a rolar, mas os fecho. Cerrando os nós dos
dedos, uso a umidade da minha pele para formar gelo, queimando
minha própria carne até ficar congelada para afastar a sombra que
ameaça tomar conta por mais alguns momentos.

— Ela está destinada a restaurar o equilíbrio.

Odin me olha, sentando-se lentamente em sua cadeira. —


Acheros… o que você está dizendo? — Ele sussurra, como se as
palavras por si só pudessem nos atingir onde estamos.

— Você sabe exatamente o que estou dizendo.

Ele fica em silêncio por um longo momento antes de passar as


mãos pelo rosto. — Tem certeza?

— Tão certo quanto estou de que eles estão vindo atrás de mim.
Estou enfraquecendo. Minha sombra quase assumiu o controle. Não
demorará muito até que isso aconteça de vez e não poderei estar
com ela quando isso acontecer. Eles me matarão e vão levá-la, Odin.

A tristeza enche os olhos do meu amigo mais antigo e ele


assente. — O Conselho já começou a sussurrar sobre isso. Estão
procurando por você agora. Se descobrissem que eu estava aqui e
não o levasse eu mesmo, eu seria morto por traição.

Silêncio. — É por isso que você não pode voltar, apenas me


prometa que a Villaina não enfrentará o mesmo destino que eu. Ela
merece viver, Odin. Ela deve viver. O futuro de Rathe depende disso.

Odin se levanta, oferecendo-me sua mão, nós dois sabendo que


esta será a última vez que nos veremos. Deslizo meu punho no dele
e ele abaixa o queixo. — Você tem minha palavra.

Eu retiro minha mão dele, estremecendo.

Olho para o homem diante de mim, um aliado sem


reconhecimento, o tipo mais confiável que existe.

— Você é quem tentou me manter longe. A voz na minha


cabeça naquele dia, o aviso na carta.

Ele concorda. — Tanto o Rei quanto eu, sim.

Minha garganta fica apertada. — O Rei ajudou a me salvar.


Por quê?

Ele me dá um olhar astuto e eu aceno.

Por seu filho.

Ele sabia. Ele sabia que eu estava destinada a um dia me


tornar Rainha de Rathe, que eu era companheira de Knight.
Odin balança a cabeça. — Não, Villaina — diz suavemente. —
Não se tratava apenas de Knight desbloquear seu Ethos. Era sobre
você, a garota que ele ganhou, e era sobre o Reino. Veja, o Rei
Arturo não teve escolha a não ser permitir a formação do Ministry
após a morte do monarca real Argent. Seus filhos ainda não
haviam nascido, por isso ele tinha que proteger o trono, salvá-lo e
assegurá-lo para a próxima geração de Stygians e essa era a única
maneira. Durante muitos séculos, ele foi o único Deveraux vivo, e
sua noiva...

Minhas sobrancelhas se franzam. Claro.

Claro.

— Cosima não era sua companheira. É por isso que ela não
ascendeu.

Ele concorda. — Ela nunca poderia receber o dom das trevas.


O fogo do inferno nunca faria guerra em seu nome. Ela estava
desequilibrada, rejeitou seu companheiro pelo assento na coroa.

Um arrepio percorre meu corpo e, de alguma forma, sei a


resposta para a pergunta antes de fazê-la. — Quem era seu
companheiro?

Ele fica quieto por um momento antes de dizer — Seu pai.

Puta. Que. Pariu.


Meu pai.

Meu pai estava destinado à Cosima, mas ela o rejeitou. Foi por
causa dela que ele se tornou selvagem e sedento de sangue. Ele se
voltou contra seu povo porque sua companheira se voltou contra
ele por um título que não pertencia a ela.

As palavras do Rei voltam a mim e eu fecho os olhos.

O dom dos deuses das trevas não deve ser passado a qualquer
um, mas você tem a chave em suas mãos. Lembre-se disso, Little
Crow, e quando os olhos de esmeralda caírem sobre você, festeje
até sentir sua alma.

Eu pisco. Ainda não vi os olhos esmeralda, mas o dom.

O dom foi passado para mim.

Olho para baixo, e as longas cicatrizes em meus braços


brilham para mim, a escuridão por baixo cintilando como se
quisesse responder.

O Rei salvou minha vida.

Espere. Little Crow?


Minha cabeça se levanta, lágrimas surgindo no fundo dos
meus olhos. — Meu tio...

Odin dá um sorriso suave. — É o irmão bastardo do Rei Arturo.


Ele foi banido dessas terras há muitas luas. Quando o Rei pediu
minha ajuda, eu fui encontrá-lo na Exile Island.

Olho para Haide, mas ela está ocupada bisbilhotando o


ambiente. — Eu quero vê-lo.

Odin assente. — Tenho certeza de que, quando você for


coroada, poderá trazê-lo para casa sem problemas.

Ele está vivo. Meu tio, ou melhor, o homem que conheço e amo
como meu tio está vivo. Eu tinha certeza de que o Knight também
o havia matado...

Interrompo meu pensamento quando uma pequena rachadura


se forma em meu peito e o afasto. Lidarei com minha dor no
coração em breve, mas hoje não é o dia.

— Você tem alguma pergunta? — Odin pergunta, colocando a


mão no bolso e tirando um longo charuto. Será que tenho? Eu
sempre quis isso? Ter a chance de perguntar sobre meu pai e meus
pais, sem disparar alarmes de guerra com a simples menção do
The Slasher.

Eu balanço a cabeça. — Não preciso saber nada além do que


você acabou de me mostrar, Odin.

— Seu pai não era um homem mau por escolha. É apenas o


que alguns se tornam quando sua companheira nega seu destino.
— Sei muito bem disso, eu estava bem a caminho. — Acho que isso
o atingiu tão profundamente porque sua companheira não era
apenas uma garota na rua que ele nunca precisou ver, mas a
Rainha que ele teve que assistir criar uma família com outro de
forma tão pública. Quando ele conheceu sua mãe, pensei que
poderia ficar bem, ele tentou o melhor para amá-la, mas ela não
tinha amor para dar a ninguém, e se alimentou aos dragões depois
que você nasceu.

Espero que a tristeza pela verdade sobre a morte de minha


mãe me atinja, mas nunca vem. Eu não a conhecia, portanto a
única tristeza que escorrega pelos meus ossos é pelo meu pai.
Claro, era um homem perverso, maníaco e assassino no final, mas
poderia ter sido diferente para ele, e não é como se ele fosse
humano e tivesse tomado a decisão de matar. Foi mais profundo
que isso e além do seu controle.

— London, você deveria saber...

Um portal se fecha rapidamente, e eu pulo da cadeira, meus


olhos voando diretamente para Knight. Sangue mancha seu rosto
e cabelo, seus olhos negros dilatados e diretamente em Odin.

Eu rapidamente me coloco entre ele e Odin, minha mão indo


para o peito de Knight. Respiro fundo quando sinto a raiva em seu
pulso. Quando ele mantém os olhos fixos em Odin, levo minha mão
até o seu queixo, forçando seu rosto na altura do meu.

— Olhe para mim.

Ele não se mexe. Sangue é a porra do lanche favorito de


Knight, e ele simplesmente come até se fartar. — Knight.
Ele aperta a mandíbula algumas vezes, antes de finalmente
arrastar seus olhos para os meus. Raiva, dor, arrependimento?
Proeminentes. Os cantos suavizam um pouco, o suficiente para ele
alcançar minhas costas e me puxar para perto.

Ele apoia a testa na minha, fechando os olhos brevemente. —


Desculpe, baby.

— Está se divertindo muito por aí, hein? — Eu provoco, com


uma sobrancelha levantada.

Ele ri, inclinando-se e trazendo seus lábios contra os meus.


Metal líquido toca a ponta da minha língua e sinto o fogo sob
minha pele ganhar vida levemente.

Eu apago com um balanço de cabeça, recuando. — Ele tem me


protegido o tempo todo.

O canto da boca de Knight se levanta ligeiramente. — É


mesmo? — Sua mão desliza para baixo para segurar minha bunda.
— Portanto devo dizer... ele fez um péssimo trabalho. — Ele olha
por cima do meu ombro, virando-me para que eu fique de frente
para Odin com ele nas minhas costas.

— Odin era o melhor amigo do meu pai.

A mão de Knight se move sobre minha barriga e eu coloco a


minha sobre a dele de forma protetora. — É isso mesmo?

— Knight...

— Amizades passadas não permitem que você mantenha a


cabeça fria.
Odin se recosta na cadeira, olhando entre nós dois. — Vocês
são muito fofos juntos, mas preciso perguntar. — Ele se levanta da
cadeira. Não preciso ver o resto dos Lordes atrás de nós para saber
que eles estão aqui. — Você contará a ela?

As palavras de Odin se perdem quando o som crepitante da


eletricidade rompendo o ar estala e eu me viro para ver outro portal
se abrindo, dessa vez Legend atravessando, com os olhos
selvagens.

— Que porra ele ainda está fazendo vivo?

— Ele não é uma ameaça — respondo, mantendo os olhos em


Odin. — Eu vi. Ele era amigo do seu pai.

— E daí, porra? — Sinner força os dentes cerrados, inclinando


a cabeça enquanto dá a volta na mesa, pronto para atacar.

Vicente então entra na sala, colocando-se entre Sinner e Odin.


Ele levanta o queixo. — Foi o Rei Arturo quem confiou em Odin
para levar nossa futura Rainha em segurança para a Terra. Ele é
a única razão pela qual ela conseguiu sair viva de Rathe.

Meus lábios se separam, e o controle do Knight sobre mim se


aperta quando meus olhos se conectam com os de Odin. Ele não
me mostrou isso. Seu olhar suaviza enquanto olha para mim,
oferecendo um pequeno sorriso, mas seu rosto fica branco quando
ele encara os irmãos mais uma vez.

— Ainda acho que deveríamos matá-lo. — Sinner dá de


ombros. — Uma limpeza de todos os membros do Conselho e tudo
mais.
— Sin... — Uma gargalhada brota de mim inesperadamente.
Eu o alcanço, mas antes que consiga, a sala ao meu redor se
transforma em pó e eu estou flutuando acima, perdida no céu
denso de redemoinhos escuros e estrelas brilhantes. — Puta
merda.

A mão de Knight chega à frente da minha garganta, virando-


me para encará-lo. Meus lábios quase se chocam contra os dele
devido à proximidade quando me levanto para me segurar pela
nuca. As veias se dilatam na superfície de sua pele à medida que
arrasto meu dedo pelos músculos de seus braços.

— Você o esfolou vivo...

— Esfolei. — Suas mãos descem da parte inferior das minhas


costas até a minha bunda. Ele me empurra para cima e eu tento
não olhar para baixo.

— Estamos flutuando?

— Estamos... — Enterra o rosto na curva do meu pescoço,


fazendo com que gemidos suaves percorram meu corpo. Ele deve
tê-los captado porque um rosnado vibra em minha garganta. Não
foi suave, nem gentil. Era animalesco e vigoroso. Era o som de um
lobo faminto, morto de fome e finalmente sentindo o primeiro gosto
de sangue. Era Knight Deveraux... finalmente me tendo de volta
em seus braços, sem intenção de me deixar ir.

— Por quê? — Eu pergunto, meus olhos rolando para a parte


de trás da minha cabeça. Nem se eu quisesse eu poderia lutar
contra a maneira como meu corpo responde a ele. Tudo está
pegando fogo e nada mais existe além de nós. Ele e eu e este
momento aqui.

— Porque eu terminei com essa besteira por esta noite. — Ele


dá pequenos beijos na lateral do meu pescoço, pegando o lóbulo
da minha orelha entre os dentes e puxando-o suavemente. — E eu
quero foder minha companheira em algum lugar onde nenhum
filho da puta possa nos interromper.

Subo em seu longo corpo, envolvendo minhas pernas em volta


de sua cintura e massageando seus cabelos com os dedos.
Puxando para trás, forço seus olhos a encontrarem os meus, meus
lábios a uma distância mínima dos seus. — Então me foda.

Sua boca colide com a minha e minha língua desliza entre seus
lábios. Ele lambe o fogo contra o meu enquanto se aprofunda,
levando-me para trás até que minhas costas batam em algo duro.
Eu nem me preocupo em me virar para ver o que é porque não me
importo. Tudo o que me importa é ser fodida tão forte por Knight
que o sentirei dentro de mim por muitos anos. Nunca quero deixar
de senti-lo dentro de mim. Minhas roupas evaporam no ar e sua
mão vem até meu seio, seu polegar deslizando sobre meu mamilo
inchado.

Eu sibilo, esfregando-me contra ele para me libertar. Qualquer


tipo de alívio neste momento. — Por que estou nua e você não?

Ele ri na minha boca, e porra, se eu não quero sentir isso entre


minhas pernas – antes que eu possa terminar meu pensamento,
ele me levanta com a mão na minha bunda e eu coloco minhas
pernas sobre seus ombros, aqueles mesmos dedos que estão
enterrados em seu cabelo agora é usado como arnês de controle.
Ou tentativa de controle. O calor cobre minha boceta e os tons
pastéis de rosa e azul se confundem à medida que meus olhos
lacrimejam. Meus dedos dos pés se curvam quando sua língua
pressiona meu clitóris, esfregando círculos quentes e
escorregadios ao redor dele, como se ele mesmo tivesse desenhado.

Meus quadris se inclinam para frente enquanto busco mais, à


medida que sua boca se move sobre mim em movimentos
perfeitamente pressionados. — Eu preciso de você, Knight...

Seus dedos cravam nas minhas costas e eu arqueio para frente


para ficar mais perto dele. Os demônios podem respirar em outros
lugares além da boca? Espero que sim. Porque estou prestes a
sufocá-lo.

Ele nos leva para trás antes de me deixar cair lentamente até
que eu esteja deitada contra uma mesa. Inclinando-se sobre meu
corpo, ele paira sobre meu rosto antes de sua mão me pegar pelo
queixo, apertando-me com força. — Eu te amo, porra.

Faço uma pausa, mas minhas pernas envolvem sua cintura,


puxando-o para mais perto.

Ele aperta novamente, abaixando-se até ficar bem acima de


mim. — Essa palavra não significa nada para nós, mas se alguma
vez houve uma palavra para descrever como me sinto sobre você,
London, seriam essas três palavras idiotas, mas eu não apenas te
amo. — Paro de respirar, minha frequência cardíaca atinge um
nível perigoso. Ele pressiona a língua na base da minha garganta
e lentamente me lambe até o queixo, antes de pairar sobre minha
boca novamente. — Eu quero arruiná-la completamente, porra.

Ele aperta minhas bochechas até que meus lábios se separem,


cuspindo em minha boca no momento em que sinto seu pau bater
dentro de mim com tanta força que tenho certeza de que meu colo
do útero se rompeu. As marcas das garras foram deixadas para
trás pelo grito que saiu de mim e minhas costas arqueiam para
fora da mesa. Tento agarrá-lo novamente, mas sua mão está atrás
do meu pescoço, forçando-me a ficar sentada ao mesmo tempo que
ele continua me penetrando com estocadas perfeitamente
ritmadas. Ele coloca o outro braço atrás de minhas costas,
prendendo-me o mais próximo possível dele. Cavalgo sobre ele o
melhor que posso, acompanhando seu fluxo à medida que sua
circunferência continua a me esticar cada vez mais, até que me
sinto tão cheia dele que posso explodir.

— Minha.

Eu o beijo com força, cravando os dentes em seu lábio inferior


até que o sangue escorra pela minha garganta. Sorrindo, rolo sobre
ele enquanto ele aumenta o ritmo e a única coisa que mata o
silêncio são nossos corpos escorregadios se chocando, famintos e
desesperados um pelo outro. Depois de ser privada, quero destruí-
lo. Foder com tanta força e por tanto tempo que seu pau nunca
mais reconhecerá outra boceta. Que se esqueça de que já esteve
dentro de outra pessoa – pare de seguir esse caminho. Um rosnado
baixo sai de minha boca ao mesmo tempo que pressiono com mais
força contra ele. Formigamentos quentes se espalham do meu
âmago até os dedos dos pés conforme me aproximo.
— Começarei a próxima linhagem real...

Seus sussurros se perdem em meus gemidos enquanto meu


orgasmo me arrebata por dentro e deixa cicatrizes em seu rastro.
Antes que eu possa recuperar o fôlego, ele me empurra ainda mais
para baixo sobre ele e eu grito de dor conforme o esperma quente
me enche por dentro. Sua respiração se acalma sobre meu peito
antes que ele finalmente me coloque de pé, nossos corpos se
afastando um do outro.

Ele me mostra um sorriso raro, que exibe todos os seus dentes.


Que droga. Ele realmente deveria sorrir assim com mais
frequência. — Bem, merda. Se isso não lhe der pequenos bebês
demônios, não sei o que dará.

Eu o encaro, balançando a cabeça, mas me inclino nas pontas


dos pés para beijar seus lábios suavemente. — Se você me
engravidar, Knight — bato meus cílios para ele docemente — eu
acabarei com você.

Ele solta uma gargalhada com minha resposta humana,


acenando com a mão preguiçosamente. O peso das roupas de volta
em minha pele me deixa mais irritada do que eu esperava, mas
adoro o fato de ele não ter se lavado de mim.

— Porra, isso é um desastre... — sussurro, olhando para Rathe


enquanto orbitamos acima.

— Dará tudo certo. As pessoas nunca gostaram do Ministry,


eu simplesmente fiz algo que todos eles queriam que acontecesse
há muito tempo.
Ele me abraça por trás, dando um beijo no topo da minha
cabeça no momento em que seu celular começa a tocar no bolso.

— Bem, porra. O timing do meu irmão está piorando.

Ele atende, apertando o alto-falante. Não sei por que de isso


me confortar. Talvez porque mostre que ele não está escondendo
mais nenhum segredo de mim, ou talvez seja só coisa da minha
cabeça.

— Ei, temos um problema... — A voz de Legend vem pelo


telefone e os cabelos da minha nuca se arrepiam. — Vá para o
terreno. Agora.

Os ventos nos envolvem e antes que eu pisque, nossos pés


batem no chão. Knight fica rígido contra mim e olho para ele,
franzindo as sobrancelhas.

— Knight, o que há de errado...

— Olá… melhor amiga.

O gelo formiga contra minha pele e eu respiro fundo.


Lentamente, minha cabeça vira sobre o ombro, meus olhos azuis
se conectando com um par muito familiar.

— Temperance?
A tensão envolve meus músculos e meus olhos se voltam para
Sin.

Essa é a nossa trigêmea, o sangue com o qual compartilhamos


uma conexão sem igual... antigamente. No entanto, ela está ali ao
lado do conselho e cravou o punhal em nossas entranhas com um
sorriso.

O mesmo sorriso que ela usa enquanto está no coração de


Rathe, de queixo erguido... nosso povo ajoelhado diante dela com
estrelas nos olhos. Para eles, sua princesa há muito perdida está
viva. Ela retorna para eles.

No entanto, eles não sabem que ela nos traiu, e nós não
sabemos o porquê de ela ter feito isso ou onde esteve. Vi a visão
nas memórias de meu pai. Ela estava morta no chão.

Penso um pouco, e minhas sobrancelhas franzem.

Não, ela estava inconsciente. Não havia sangue para ser visto,
nenhum ferimento, apenas a base abalada das paredes milenares
e a destruição total do cômodo.

Mamãe havia dito que ninguém poderia saber, mas o que isso
significava exatamente?
— Oh, meu Deus... — London sussurra, libertando-se do meu
aperto. — Temperance!

Ela se lança para a frente, com os braços esticados, e o horror


se abate sobre mim quando percebo o que ela está fazendo.

Ela não sabe porque ainda não contei a ela.

Ela está correndo, correndo para abraçar a garota que foi sua
melhor amiga. A garota que pensou ter matado por um tempo
quando suas memórias manipuladas mudaram.

Ela é rápida, e eu estava na minha cabeça e ela quase a


alcançou agora.

Eu estremeço ao mesmo tempo que meus irmãos, mas é tarde


demais, London se jogou nas mãos do inimigo.

Antes que possamos pegá-la de volta, Temperance estala os


dedos, sorrindo por cima do ombro, e elas desaparecem em um
portal.

— Não! Porra! — Eu grito, virando-me.

As pessoas suspiram, sussurrando, sem ter ideia do que está


acontecendo.

— Sua princesa é uma traidora da coroa. Ela ajudou o


Conselho a capturar seus Lordes! — Vicente grita.

— Não! — Mamãe grita, mas Sinner coloca a palma da mão em


sua boca, puxando-a para trás.

As ruas estão cada vez mais barulhentas, com gritos e berros,


mas eu me agarro aos de uma pessoa.
— Ali! No terraço! — Alguém grita.

Eu me viro para encontrar London e ela na beira do edifício do


Ministry, o mesmo edifício do qual eu a joguei. A raiva bate
descontroladamente em meu peito.

— Meu Lorde, essa é sua companheira?! — Outro grita.

— Essa é a rejeitada!

— Não! — Eu grito e, instantaneamente, o silêncio cai. Meu


pulso bate descontroladamente, com raiva, medo e orgulho,
enquanto olho para minha beleza de cabelos brancos. — Ela não é
uma rejeitada. É o futuro. É Villaina Lacroix, salva e protegida por
seu Rei caído. Ela salvou a mim e a meus irmãos da traição do
Conselho. Ela é minha companheira. Nós a chamamos de
London... mas vocês a chamarão de Rainha. Ela é mais merecedora
desse título do que qualquer outra antes dela.

Meus olhos deslizam para os de minha mãe, e o olhar que ela


me dá não é nenhum que eu já tenha visto.

Mais tarde, mãe.

— Nosso Rei escolheu sua Rainha! — Um homem ruge. —


Louvado seja Satanás!

Rugidos e uivos enchem o ar.

— Por que ainda estamos aqui? — Legend grita.

— Temperance não pode ser mais forte do que London. —


Creed as observa atentamente. — Mas o sangue real corre em suas
veias.
Baby... você pode me ouvir?

O vínculo bate forte em meu peito, sua aceitação é sentida e


compreendida, embora ainda não tenha sido concretizada.

— Sim. — Seu sussurro rola pela minha mente.

Ouça-me... foi ela. Ela ajudou o Conselho.

O silêncio preenche o espaço que liga meus pensamentos aos


dela, e depois a escuridão.

O céu se revolta, soltando faíscas e estrondo, e o anel ao redor


de Saturno escurece.

Na minha visão periférica, vejo os meus irmãos se


aproximando de mim.

— Ah, porra — Creed murmura.

Mamãe se debate nos braços de Sinner. — Vicente! Fique com


ela, volte para o Royal State!

Mamãe protesta, mas eles se foram em uma fração de


segundo, Sinner recua pelo portal aberto e fecha mamãe e o
comandante do outro lado.

Meus olhos estão fixos nos cabelos brancos que sopram do


alto.

Baby...

— Quieto, amor. As meninas estão conversando.

Suas palavras são provocantes, mas a maneira como saem


dela é tudo menos isso.
São sussurros sombrios de um demônio.

Observo quando ela sorri para a garota que costumava


conhecer, e sei quando seus olhos escurecem.

Minha irmã recua um passo, depois outro, e depois London ri,


um som maníaco que se eleva no ar, sacudindo a base sobre a qual
estamos. Nós tropeçamos, observando.

Então, London levanta a palma da mão, colocando-a sobre os


olhos.

— O que ela está fazendo? — Legend se preocupa.

— Sendo uma durona do caralho. — Haide dá um passo à


frente, bocejando como se estivesse entediada.

— Knight... — Creed se aproxima, pronto para saltar e proteger


nossa Rainha.

London levanta o queixo, girando. Ela dá as costas para


Temperance.

Não, ela oferece as costas para Temperance, dando-lhe a


chance de enfiar uma faca nela.

Um rosnado atravessa minha garganta, e meus irmãos e eu


corremos como um só, saltando, mas antes que possamos chegar
ao terraço, antes que a faca que Temperance revela deixe a ponta
de seus dedos, ele aparece.

Suas asas se abrem, o nariz apontado e ele voa direto em


direção a elas.
Paro em meu caminho porque sei que ele a protegerá, embora
não tenha mais certeza de que ela precise disso.

Isto? Isso é um show e todos em Rathe estão assistindo.

Ele desce, pega nossa irmã entre os dentes e a joga no ar no


momento em que vários outros dragões aparecem.

Minhas sobrancelhas saltam e Haide bate palmas.

London sorri, estendendo a mão para congelar Temperance no


ar, e os dragões a cercam.

Minha Rainha olha para mim, esperando.

Olho para meus irmãos, que acenam brevemente com a


cabeça.

Ela é toda sua, baby.

London olha para frente, inclina a cabeça e sorri.

De uma só vez, o fogo sai das bocas de cada dragão.

Os gritos de uma Royal indigna ecoam no ar enquanto as


cinzas caem do alto.

Estendo a mão para cima, observando-a cair, desaparecendo


no nada à medida que se aproxima do chão, a cinza de seus ossos
são comida indigna para a superfície de nosso reino.

Espere.

Olho para meus irmãos e é como se eles percebessem isso ao


mesmo tempo.
— As cinzas.

Creed acena com a cabeça, um pequeno sorriso curvando seus


lábios. — As malditas cinzas.

Os dragões se abaixam, suas garras batem no chão com um


baque forte, mas não o meu. O meu é elegante quando volta para
mim, o espaço no céu onde Temperance estava suspensa, nada
além de uma nuvem cinza de fumaça que está desaparecendo a
cada segundo.

Não acredito que ela estava viva.

Não acredito que ela se foi.

É um espaço estranho para se estar, especialmente porque eu


queria arrancar a cabeça dela do corpo quando Knight me contou
o que ela fez.

Como ela pôde fazer isso? Por que ela fez isso?

Onde ela esteva?

Obviamente, as chamas de um dragão não podem matar um


membro da realeza, mas eu não tentava matá-la. Queria torturá-
la um pouco antes que os meninos a pegassem. Para onde quer
que ela tenha ido, não demorou muito para que suas roupas se
transformassem em cinzas e a carne derretesse de seus ossos, e
não é como se ela pudesse se curar. Ela não pode ir muito longe.

O dragão vem até mim, pousando gentilmente diante de mim.

Ele abaixa o queixo até o chão e sua cabeça ainda é muito mais
alta do que todo o meu corpo. Um pequeno sorriso cobre meus
lábios quando me aproximo, e não sei explicar isso, mas a tristeza
toma conta de mim a cada passo que dou.

Coloco minha mão sobre as escamas afiadas, passando


suavemente as pontas dos meus dedos sobre sua forma
deslumbrante. — Você me salvou de novo, hein, dragãozinho?

Ele bufa e eu dou uma leve risada.

— Sim, sim, só estava brincando. — Eu me aproximo,


sussurrando — Você é uma fera de verdade, não é?

Ele pisca, seus olhos gigantes brilham e giram em um tom


esmeralda profundo.

A saudade me invade e, no fundo de minha mente, as palavras


do Rei aparecem mais uma vez.

Quando os olhos esmeralda se voltarem para você, banqueteie-


se até sentir sua alma...

Olho fixamente para o dragão, com os olhos se estreitando e


os dedos se contraindo. O verde brilha mais forte, girando, e eu
caio em seu transe. Rodopio e giro até chegar aos dez anos de
idade, balançando-me no velho parque perto de casa, com as mãos
não muito maiores que as minhas empurrando minhas costas.
Eu rio, pulo e, de repente, estou rompendo a superfície da
água, girando e espirrando na pessoa que me empurra. Mergulho
e, de repente, estou em minha cama, enterrada em cobertores,
enquanto um peso cai sobre mim, rindo e fazendo cócegas, e me
entrego. Tiro as cobertas do rosto e sorrio para um par de olhos
cor de avelã perfeitos.

Avelã agora escondida sob uma esmeralda encantada.

Saio do meu estado de espírito, com lágrimas quentes


escorrendo pelo meu rosto, que nem senti cair. Aproximo-me da
fera brilhante, pressionando as palmas das mãos em seu rosto.

Ele se vira em meu toque, soltando um suspiro baixo e


satisfeito, assim como o calor do Knight flui através do vínculo em
meu peito. E eu sei.

Sei o que deveria ter sabido o tempo todo.

Este dragão não é apenas um dragão.

Ele é meu melhor amigo.


Não sei como abordá-la. Será que ela surtará de novo, ou ficará
feliz por ter seu melhor amigo, mesmo que na forma de um dragão.

— Dragões pegam muita gente, baby. Ele será feliz.

Testo as palavras enquanto o chão range sob minha bota


ensanguentada.

Ela não se vira, os braços voando ao redor do pescoço dele,


mesmo que só alcancem uma fração dele.

Deixo-os por um momento, respeitando o fato de que ela e ele


compartilharam uma vida inteira juntos antes de eu aparecer.
Isso, e ela é minha infinitamente, portanto aprenderei a
compartilhar o seu tempo. Aprenderei o que diabos ela quiser a
essa altura.

London dá um passo para trás, virando-se para mim enquanto


enxuga as lágrimas dos olhos. — Ele pode mudar? Tipo voltar a
ser humano? O que isto significa?

— Ele não é mais humano, baby... por isso não. — Ofereço um


pequeno sorriso para os dois. — Ele é um de nós agora, só que
diferente.

— Mas ele pode mudar, certo?


Merda. Não tenho tanta certeza se isso está nos planos para
ele.

— Se é algo que você quer, tenho certeza de que podemos


descobrir. — Quando o dragão bate o pé pesado e a fumaça sai de
suas narinas, lanço um olhar rápido na sua direção antes de olhar
de volta para London. — Algo me diz que ele está feliz onde está.
Bem aí. Para te proteger para sempre.

London vira-se para o dragão e deixa pequenos beijos em sua


bochecha, e espero pela dor ou raiva da ação atingir, mas nunca
vem.

Meu vínculo pulsa forte no meu peito, meu pescoço


devidamente marcado com uma mordida mais profunda do que eu
pensava que minha pequena companheira seria capaz, meu Ethos
livre e inigualável.

Sou um maldito Rei e ela é minha Rainha e ninguém nunca


poderá se intrometer nisso.

Ele é sua família, o que significa que agora é parte da minha.

Ele conquistou minha confiança e eu encontrarei uma


maneira de conquistar a dele da mesma forma. Por ela.

— Vá — ela murmura. — Conversaremos em breve.

O dragão acena com a cabeça, batendo as asas ruidosamente


até que seu grande corpo se erga do chão. Quando ele e seus
amigos finalmente se foram, ela se vira para mim mais uma vez.

— Ele morará conosco.


Eu concordo.

— Para sempre.

Eu aceno novamente.

— E nós encontraremos uma namorada dragão gostosa para


ele.

Eu dou uma risada, enganchando meu braço ao redor do


pescoço dela para puxá-la para perto.

Ela sai do meu aperto, agitando os cílios para mim docemente.


— Ah, e, amor?

— Hmmm? — Sorrio de volta para ela. Eu deveria saber o que


ela estava pensando, mas quanto mais ela está na minha cabeça,
mais eu baixo minha guarda.

Seu pé atinge meu peito com um baque forte e sou jogado para
trás, caindo do penhasco do qual eu a joguei.

Uma gargalhada sai de mim quando meus pés atingem o chão


com um baque estrondoso.

— Eu também te amo! — Grito, balançando a cabeça e me


virando para olhar entre meus irmãos.

Eles me olham de volta com sorrisos orgulhosos.

— Porra, isso foi satisfatório — Lege é o primeiro a falar.

Eu o ignoro. — Vá se foder. Agora, onde diabos está nossa


mãe?
Os Stygians silenciam conforme me viro para todos eles. — Por
muito tempo, este coliseu significou muitas coisas, como tenho
certeza de que todos sabem. — Sinto meus irmãos às minhas
costas, e London lentamente se aproxima um pouco atrás. —
Quero todos vocês de volta quando o relógio bater meia-noite. —
Quando o silêncio se estende, o canto da minha boca se abre em
um sorriso. — Temos uma maldita coroação para fazer... —
Rugidos e cantos enchem o ar, e me viro para encarar London,
puxando-a para baixo do meu braço e beijando o topo de sua
cabeça. — Você pagará por isso mais tarde.

— É mesmo? — Ela provoca, beijando minha mão que está


sobre seu ombro. — Podemos jogar esse jogo se você quiser.

Eu rio enquanto Creed abre um portal. — Oh, eu quero.

London ainda está rindo quando nossos pés tocam o chão do


outro lado, só que desta vez estamos na Faelific Fortress. Meu
sorriso diminui quando noto minha mãe parada no lado oposto,
como se estivesse esperando. Ela provavelmente estava, mas sei
que Creed não a deixaria aqui e permitiria que ela tivesse seus
poderes. Ela pode ser da realeza, mas, de fato, não é mais forte do
que London. London não será apenas a nova Rainha, está
acasalada com um membro da realeza, o que a torna infinitamente
mais forte do que a mamãe.

— Então, acho que você gostaria que eu explicasse? — Ela


finge limpar sob as unhas, abaixando-se lentamente em uma
grande pedra que fica bem em frente à cachoeira.
— Você realmente não precisa — eu digo, sustentando seu
olhar. — A resposta esteve lá o tempo todo, mas infelizmente para
nós, demorou um pouco para entendermos.

A mão de London vem até a minha, detendo-me, e os olhos da


mamãe se fixam na conexão. Agitação se manifesta em sua pele, e
é a primeira vez que percebo o quanto ela envelheceu. Como se o
destino começasse a drenar tudo que ela tem no momento em que
London ascendeu.

— Ela pode fazer o seu pior...

— Ela já fez isso. — Inclino a cabeça e todos ao meu redor


ficam em silêncio. — Você contará a eles ou eu devo?

Legend é o primeiro a se mover, posicionando-se um pouco à


minha frente. Não deixo de notar a pequena sombra que também
está do seu outro lado. Parece que a pequena amiga de London
está por perto para o drama também, não apenas para o sangue.

— Do que ele está falando? — Exige o filho mais novo dela.

Nossa mãe endireita os ombros e levanta uma sobrancelha


perfeitamente desenhada. A energia ao seu redor muda naquele
momento, e de repente as cores na fortaleza se transformam em
tons anêmicos de sépia.

— Eu o odiava — ela diz simplesmente.

Um grunhido cresce em meu peito, a raiva me agarra pelo


pescoço.

Ela continua — E ele merecia morrer.


Sinner se move tão rápido que o perco quando sua mão está
em volta do pescoço dela e ele está levantando seu corpo frágil do
chão.

— Ela não foi acasalada com o Rei, foi acasalada com o pai de
London, The Slasher. Sua necessidade de reinar e ser Rainha era
maior do que a necessidade de estar com o seu companheiro. —
Eu me abaixo sobre uma das rochas, puxando London para o meu
colo e envolvendo meu braço em volta da sua cintura. Se eu disser
a coisa errada, ou inferno, se a mamãe disser a coisa errada, não
confio que minha garota não a matará antes de conseguirmos o
que queremos dela.

Que é justiça. Vingança. Respostas.

Sinner joga o corpo dela no chão, cuspindo em seu rosto. —


Você tirou tudo de nós!

— Oh, por favor! — Ela limpa o cuspe de sua bochecha,


encarando todos nós. — Eu lhes entreguei o maldito reino!

Legend morde para se conter, e todos esperamos por isso.


Legend pode ser gentil com London, mas é letal quando provocado.
Como ele é com ela é uma ocorrência rara que nenhum de nós
jamais tinha visto antes. — Não gostamos de receber coisas que
poderíamos facilmente pegar.

A raiva de Legend irradia dele em ondas, e lentamente tiro


London do meu colo, sabendo que ele está prestes a agir. Ele
avança, mas desta vez eu o seguro pelo pulso.
— Deixe isso — sibilo em seu ouvido. — Guarde para a
coroação.

O rosto da minha mãe muda, transformando-se em uma


confusão de olhos arregalados e apavorados. Seu cabelo, agora um
ninho em cima da cabeça, cai em volta dos ombros enquanto
lentamente gagueja ao se levantar. Ela dá um passo para trás,
colocando o tronco em que estava sentada entre nós. — Não!
Apenas me matem agora.

— Oh, qual é, mãe... — Sinner começa a rodeá-la, faminto por


sua dor. — Não quer uma execução pública? — Se havia uma coisa
que ela amava mais do que o seu lugar ao lado do Rei, era o seu
orgulho.

Agora também tiraríamos isso dela.

Desta vez é diferente. A iluminação sobre o coliseu está fraca,


com o foco principal no palco onde estamos. London está ao meu
lado, sua mão na minha, e Legend e Creed estão do outro lado de
Sinner. Cinco tronos pesados alinhados horizontalmente no palco,
cada um de nós em frente a um. O meu e dos meus irmãos estão
revestidos de cetim preto, cada um com padrões diferentes
gravados no ferro, mas é o de London que rouba a cena. Com o
mesmo preto polido que o meu e o dos meus irmãos, os pés do dela
se desfazem em gelo. Frescas pontas azuis de gelo sobem por seu
trono em vinhas retorcidas, abraçando as bordas.

Levanto a mão e a multidão se acalma. Segurando a mão de


London na minha, olho para as arquibancadas, para o nosso povo.
— Todos vocês estão aqui hoje para assistir à coroação de seu
futuro Rei e Rainha, mas primeiro, meu presente para todos
vocês...

Aceno para frente e outro holofote se acende sobre mamãe.


Sua pele está suja, seu cabelo grudado no rosto e os cortes em
seus pulsos sangrando. Assisto a cada gota cair no chão
empoeirado, desejando poder dar algo mais para fazê-la sofrer.

As pessoas suspiram de choque, antes que minha boca se


abra. — A Rainha Cosima tem algo a anunciar ao povo de Rathe.

O silêncio se instala entre nós. Segundos viram minutos, até


eu começar a pensar que ela não dirá uma palavra. Finalmente,
ela ergue a cabeça, puxando as correntes em torno de seus pulsos
e olhando diretamente para mim.

Eu sorrio. — Aí está ela. — Eu começava a ficar desapontado


com sua falta de luta. Mesmo às portas da morte, ela me desafia.

— Eu matei o Rei.

Mais um suspiro de milhares de pessoas, e sem dúvida de


todos aqueles que estão em casa, assistindo em seus projetores.
Ela endireita os ombros e levanta uma sobrancelha.

— O Rei era fraco...


Ela lança um olhar simples para London, antes de voltar para
nós. — Mas não importa como me sentia em relação ao Rei, sei que
meus filhos liderarão com mais força. — Suas próximas palavras
são para nós e apenas para nós enquanto ela abaixa o tom. —
Vocês pensam que porque têm o trono, venceram. — Ela faz uma
pausa em cada um de nós, antes de voltar-se para London. — Mas
estão errados. Matem-me como quiserem. A morte será indolor e
com certeza voltarei na próxima vida para puni-los repetidamente
até que cada um de vocês seja amaldiçoado. Apenas lembrem-se...
Eu não estava sozinha em tudo isso, mas acho que vocês sabem
disso, não é? Pelo menos um dos meus descendentes era leal.

Sua boca se fecha enquanto ela inclina a cabeça para trás, os


olhos revirando para o fundo da cabeça. Ela começa a sussurrar
em uma língua estrangeira que nenhum de nós reconhece
enquanto gira lentamente o corpo em círculos. As chamas que
revestem a base do coliseu explodem mais alto no céu, e as pessoas
sentadas mais perto delas se esquivam do fogo furioso.

— Knight... — Legend adverte ao nosso lado. — Que porra ela


está fazendo?

London cruza as mãos uma sobre a outra antes de forçar uma


bola de gelo ao redor do corpo da mamãe. As chamas diminuem e,
com um flash de luz brilhante, o que quer que London tenha criado
explode. A poeira se assenta ao nosso redor e mamãe desaparece.

— Você a matou? — Eu pergunto a London.

— Ela desejará que sim...


As pessoas rugem alto, batendo palmas e assobiando. Os
cantos pesados da Rainha London, que ela reine, começam a
sacudir o chão tão forte que a poeira se levanta ao redor de nossos
pés.

Odin sobe as escadas que levam até nós, uma capa escura
cobrindo sua cabeça enquanto cinco almofadas pretas flutuam ao
seu redor, segurando as coroas. Sozinhas, cada uma delas flutua
à nossa frente e sinto a onda de magia vibrar através da linhagem
Real.

Odin se curva diante de mim e London. — O Rei e a Rainha de


Rathe!

Todos nós pegamos as coroas em nossas mãos e as levantamos


lentamente para nossas cabeças. Dourado e preto se entrelaçam
ao meu redor e eu deixo meus braços caírem ao lado assim que
está seguro. As pessoas se curvam enquanto seguro a mão de
London na minha, trazendo-a até meus lábios e beijando o topo.
Ela olha para mim através de cílios escuros, um sorriso tocando o
lado de sua boca, sua coroa seguindo o mesmo estilo que seu
trono. Rathe nunca esteve melhor.
Passei toda a minha vida sem me sentir pertencente. Sentia-me
como uma espécie de pária perto de meu próprio povo. Mal sabia
eu que era exatamente isso. Rodeada pela espécie errada.

Olhando para o povo de Rathe, um sorriso toca minha boca e


um sentimento de orgulho percorre meu sangue. Finalmente,
sinto-me em casa. Uma sensação de pertencimento, com minha
família.

Ben está incluído nisso, como sempre esteve e sempre foi


destinado a estar.

Tudo o que aconteceu em minha vida, aconteceu por uma


razão, e o mesmo aconteceu com Ben. Ele não tinha ninguém na
vida, a não ser uma mulher maravilhosa que o ensinou a ser um
bom homem, e quando ela deixou a Terra para a qual nasceu, tudo
o que restou em seu mundo fui eu. Ele nunca quis se apaixonar e
agora eu sei o porquê. Porque ele também não foi feito para a Terra.

Rathe sempre deveria ter sido seu lar. Mesmo que tenhamos
ido parar em Rathe antes que o Rei quisesse que voltássemos para
casa, eu e meu protetor, mesmo que Temperance tenha feito seus
jogos para tentar nos trazer para cá em sua linha do tempo, não
importava. Sempre estivemos destinados a acabar aqui e agora.
Meus olhos encontram alguém sentado na frente da multidão
e eu engasgo. — Kaia!

O sorriso largo de Kaia se irradia de volta para mim. Ela leva


dois dedos aos lábios e os beija, soprando diretamente para mim
antes de bater palmas.

Knight pega minha mão e olha para mim e seus irmãos, os


outros Reis de Rathe, porque é isso que eles são. E com razão.

São os herdeiros do reino e sua lealdade mútua não tem


limites. Eles reinarão juntos, e Rathe será mais forte por causa
disso.

Posso ser Rainha, e serei uma rainha fantástica, mas somos


um Reino de Reis. Até que eles encontrem suas companheiras,
pelo menos.

— Vamos embora — diz meu companheiro.

Legend acena com a cabeça e eu sorrio. — Permita-me.

Faço o mesmo movimento que fiz com Cosima, só que dessa


vez o globo se forma em torno de cada um de nós. Em um piscar
de olhos, estamos na sala onde realizamos reuniões, olhando para
o estádio abaixo.

Eu me viro para o meu Rei com um sorriso, porque agora o


gato está meio fora do saco.

— Espere, foi isso que você fez? — Ele diz, rindo. — Então,
para onde você a mandou?
Creed vai direto para o bar no canto e Sinner segue logo atrás.

— Traga minha garota... — London ri, automaticamente


encontrando a cadeira na ponta da mesa. — E eu te contarei tudo
o que você perdeu.

Knight tira o celular do bolso, envia uma mensagem para


Silver e, nem um minuto depois, ele entra na sala, com Haide logo
atrás.

Que bom. Todos estão aqui. Todos vão querer ouvir isso.

Haide e Silver entram na sala pisando forte, cada um vestido


com sua própria versão de equipamento de batalha, mas enquanto
Silver trocou o dele por um par limpo depois do banho de sangue
de hoje, Haide escolheu deixar o sangue de suas vítimas onde caiu.

— Essa garota é uma sádica ardilosa — diz ela, soltando o


arnês do peito e da cintura.

— Quase tão ardilosa quanto você — reclama Silver.

— Ah, para com isso, baby... — Ela sorri de lado, e a cabeça


de Legend se vira sobre o ombro, os olhos estreitando na nova
garota. — Pensei que todos os homens gostassem de um pouco de
malícia?
London ri alto, levantando a mão para cumprimentar Haide
enquanto passa por ela, indo direto para o bar.

Ela joga suas armas no chão assim que desamarra a última


alça e pula no bar. Inclina a cabeça, olhando para Legend com
uma expressão entediada, então rapidamente rouba a bebida das
mãos dele e a leva aos lábios.

— Presumo que você não encontrou o traidor? — Suas


palavras são lentas, e eu percebo como ele aperta a garrafa de
bebida mais forte.

Meus olhos se voltam para os de London assim que os dela


encontram os meus e ela levanta uma sobrancelha.

— Não. — Ela enfatiza o O. — Como eu disse, ela é ardilosa.


Toda vez que pegávamos o rastro de sua querida irmã, ela o cobria
com sálvia ou açafrão ou algum outro tipo de erva que se pode
encontrar na natureza, portanto não há razão para pensar que ela
teve ajuda de alguém. Não senti o cheiro de ninguém, nem mesmo
de um curandeiro. — Ela olha para nós cinco, falando com certeza.
— Ela está sozinha.

Como eu presumi que ela estaria. Não posso fingir que a


conheço mais, mas ela é pelo menos inteligente o suficiente para
não permitir que alguém mais fraco que ela a acompanhe e a faça
ser capturada.

Legend não está satisfeito com a resposta da nova garota. —


O que te faz pensar que confiaríamos na sua palavra? — Ele
arranca o copo agora vazio dela, enchendo-o novamente e tomando
um pequeno gole. — Você ainda tem habilidades de rastreamento?
Haide curva os dedos sobre a borda do bar, inclinando-se para
frente até estar na sua frente. — Posso não ser uma fodona como
você, Rei Legend, mas não sou nada... se não uma caçadora.

Legend fica quieto por um momento. — Você acha que é um


predador maior do que eu, garota maluca?

Haide mantém seu olhar, sem piscar, então antes que ele
perceba, pega a bebida de volta. Ela desce do bar, pegando também
a garrafa, e se junta a London em sua cadeira em vez de sentar em
uma livre.

— Além disso — ela passa a garrafa para London, e elas


brindam uma à outra — a Rainha confia em mim... por isso dane-
se os Reis...

Ela é interrompida quando Legend rosna, e quando as garotas


se olham, ambas começam a rir.

E foda-se, se eu não senti falta do som da risada da minha


garota. Não era tão direcionada a mim quanto eu gostaria de
afirmar, o início de nossa história é para o livro Book of Nightmares
da próxima geração. Na maioria das vezes era quando ela estava
com Sin ou Lege... ou Ben. Quase nunca comigo, mas essa merda
acabou agora.

Conquistarei todos os seus sorrisos e risadas, até mesmo


aqueles que ela dará quando eu a dobrar sobre meu joelho. Posso
ver agora, seus longos cabelos brancos amarrados apertados ao
redor do meu pulso, pescoço esticado ao máximo enquanto ela me
espreita um pouco do que permito. Seus lábios se curvarão em um
desafio, e aquela risada que ela dá quando meu controle se rompe
será de um riso intoxicante, direcionado diretamente para o meu
pau. Posso ver os momentos logo depois que eu terminar de tê-la
como quiser. A suave curva de seus lábios e aqueles grandes olhos
frios encarando os meus com mais amor do que eu mereço, mas
avidamente aceitarei. E a garota me ama, mesmo que ela não
tenha dito as palavras. Ela não precisa.

Olhe o que minha garota fez por mim. Isso diz tudo.

Ela salvou Rathe como a conhecemos.

London me olha sabiamente, por isso quando sinto o seu dom


cutucando o meu, derrubo a barreira e a deixo entrar, ambos
conscientes de que ela não precisa usar seu dom para entrar, só
precisa puxar o vínculo que pulsa com vida entre nós, e ele cederá
para ela. Ela não quer isso, porém.

Ela quer que eu permita que ela dê uma olhada ao redor. Quer
que eu baixe todas as minhas defesas.

E, enquanto seus olhos se turvam do outro lado da sala, com


os outros completamente alheios a nós, ela vê a verdade em
minhas memórias.

Minha defesa caiu no momento em que nos conhecemos e, por


mais que tentasse, não conseguia levantá-la novamente. Um olhar
em seus olhos e eu estava acabado.

Seu sorriso cai e meus lábios se curvam levemente.

Qual é o problema, baby, não gosta quando eu sou doce?


Prefere que lhe diga que castigarei sua boceta por se colocar em
tanto perigo?
Seus olhos saltam e ela responde em minha mente. Duh.

Uma risada inesperada escapa de mim, o que me faz receber


olhares do resto da sala.

— London, vai continuar imaginando todas as maneiras como


foderá os Reis de Rathe ou nos dirá onde está a Mãe Querida?

— Reis? — Haide olha para London em dúvida. — Então, é


uma situação deles?

— Não. Não é. — Eu olho para meu gêmeo idiota.

— Pequena H — Sinner me ignora. — London te contou sobre


quando a sentei no colo de Legend e enterrei meus dedos
profundamente na...

Um rosnado sai de minha garganta, um que nunca ouvi e que


não tinha certeza de ter feito, até que meus irmãos pulam de seus
assentos, com os olhos arregalados e em mim.

Olho para o lugar onde London está sentada e, lentamente, ela


se levanta. Vem até mim, cada passo mais lento que o anterior, e
então está bem aqui, olhando para mim com admiração.

Sua palma quente pressiona minha camisa onde meu coração


bate e, instantaneamente, meu peito começa a roncar, a vibração
ecoando por todos os meus ossos e seus olhos gelados se
arregalam.

— Aí está ele — ela respira, com a boca se abrindo em um largo


sorriso. London pisca e, quando seus olhos se reabrem, estão
completamente negros. — Estávamos esperando para conhecê-lo,
nossa fera, e aí está você, pronto para brincar. Meu Rei demônio.

Demônio.

Olho mais de perto para o poço de escuridão que seus olhos


formaram, vendo os meus por um momento.

Orbes negras e brilhantes me olham de volta, e eu olho para


meus irmãos, impressionado e imaginando o dia em que eles serão
libertados como eu fui.

Volto para London. — Como?

Ela ri, um som sombrio e ousado. — Sou a Rainha de Rathe,


meu Rei. Sua Rainha. O destino precisa de uma mensagem mais
clara do que essa?

Minha Rainha. Minha companheira. Meu maldito Ethos.

Desbloqueado.

Eu vasculho a mente de London, devorando cada parte de mim


que ela manteve fechada, embriagando-me com as imagens que
passam por seus pensamentos, armazenando cada detalhe sujo,
prometendo silenciosamente realizar todas as suas fantasias,
começando com uma de nós no meu trono.

Por isso descubro o que estava perdendo – tudo o que


aconteceu desde o dia em que voltei à Faelific Fortress e descobri
que ela havia desaparecido.
Seu ódio por mim era tão forte, mas, por baixo disso, seu amor
por mim era mais forte. Ela não podia me deixar ir, assim como eu
não podia deixá-la ir.

Ela me escolheu há muito tempo.

Há tanto para analisar, e quero começar do primeiro momento


dolorosamente esmagador, quando ela entrou naquela caverna e
recuperou suas memórias, revivendo o que eu havia feito com ela
novamente, mas London me empurra contra sua cabeça,
mostrando-me o que ela quer que eu foque nesse instante.

Eu vejo isso, claro como a porra do dia.

Uma risada alta me deixa, e balanço a cabeça, olhando para


meus irmãos. — Nossa Rainha fez à mamãe algo pior do que a
morte.

Haide se levanta, com um sorriso crescendo em seu rosto. —


Não...

— Oh, sim. — London sorri.

— O que estamos perdendo? — Legend olha fixamente.

— Mamãe não está sentada em algum lugar esperando a


execução. Ela foi banida. — Olho para Haide, as peças do quebra-
cabeça de quem ela é e de onde veio se encaixando. — Ela está na
Exile Island... com uma gangue de Stygians furiosos.

— Oh. Merda.
Girando a adaga que matou nosso pai em minha mão, saio para
o salão, admirando o trabalho que foi feito nessas paredes.

Depois da coroação, depois de Yemon, nosso povo precisava de


um propósito mais profundo do que aquele que já servia, por isso,
quando um grupo de nossos melhores artesãos nos procurou com
uma ideia, fomos todos ouvidos.

Eles pediram permissão para ter a honra de construir a nova


e melhorada mansão real, que representaria não um Rei e sua
Rainha, mas cada Rei e sua futura Rainha, quando ela chegar.

Com Vicente e Odin supervisionando e aprovando, foi


exatamente isso que eles fizeram.

Agora, erguida no alto dos céus de Rathe, na extremidade da


Royal State, fica nossa nova casa.

Cada parede da minha ala e da ala de London, a ala norte,


conta uma história diferente se você parar para observá-la. Nossa
história e os caminhos que nos levam às coroas que estão em
nossas cabeças. É um lembrete de que lutamos por cada momento.

Nunca deixarei de lutar por ela, por nós, por nossos irmãos e
por nosso povo.
Faz apenas duas semanas que recebemos nossos papéis e
Rathe nunca esteve tão forte, nosso povo nunca esteve tão unido.
Até mesmo os Argents.

Eles precisavam de orientação e não haviam experimentado


nem um pouco disso desde a morte de seus líderes e a formação
do Ministry. Eles veem agora, porque nosso pai se manteve forte e
lutou contra eles a todo momento.

Somente aqueles que entendem o peso de uma coroa podem


carregar o peso de seu povo.

Nós os manteremos tão fortes quanto os Stygians, como civis


iguais da magia, desde que sua lealdade continue sendo nossa. Por
enquanto, é assim. No momento em que isso mudar, e um dia
mudará, eles serão tratados com rapidez e sem piedade.

— Sinto o cheiro de caramelo fresco batido e o doce estalo da


pimenta fresca.

Olho para o corredor e vejo Haide contornando e erguendo


uma sobrancelha escura.

— Planejando um massacre tão cedo, é? — Seus olhos


brilham. — Quem morre primeiro?

Uma risada baixa me escapa e balanço a cabeça, pisando na


plataforma levitante. Haide aparece perto de mim, escondendo algo
nas costas. — Nada de massacres e nem mortes hoje. Desculpe,
Little Psycho12.

-Em português: Pequena Psicopata.


12
— Eu sei o que senti. Você estava pensando em matar alguém.

Olho para o saguão abaixo, membros da equipe real correndo


de um lado para o outro, todos finalizando suas tarefas da noite.
— Você é boa, admito, mas foi mais um pensamento metafórico do
que um plano real.

Ela dá de ombros, uma expressão convencida tomando conta


do seu rosto. — Sabia.

A plataforma chega ao chão preto brilhante e descemos,


observando enquanto ela desaparece no ar.

— Por que você está com seu equipamento? — Pergunto,


olhando para a mesma roupa que ela usava no dia em que nos
conhecemos.

— Não quero deixar nenhuma das minhas coisas para trás. —


Minhas sobrancelhas se erguem, mas antes que eu possa
perguntar, suas mãos revelam o que ela escondia nas costas. —
Aqui, eu fiz isso para você.

Minha atenção cai no item que ela segura. — Você fez algo
para mim?

— Vai pegar ou ficar só olhando? — Ela resmunga.

Lutando para não sorrir, aceito o couro preto dobrado, meus


olhos se erguendo para os dela quando percebo o que é. — Você
fez isso para mim?

— Fiz.

— Com suas mãos?


Ela me olha de forma estranha, mas é porque ela não entende.
Os Gifted usam seus dons para o trabalho manual. Ela não fez
dessa forma. Isso é feito à mão, cada desenho intrincado, cada
costura.

— Como já estabelecemos, sim, eu fiz. Fiz isso para você. Não


aguento mais um segundo sabendo o quanto está despreparado
tendo uma adaga enfiada dentro de suas calças. Um movimento
errado, você poderia cortar as joias. Minha amiga não gostaria
disso. Daí, a bainha.

Eu não me preocupo em apontar o fato de que somos Gifted e


meu melhor amigo é um curandeiro porque não é isso que importa
aqui. Aprendi tudo sobre a nova amiga da minha garota quando
mexia em sua cabeça uma semana atrás – meu novo passatempo
favorito. A garota nasceu na Exile Island, caçar e lutar é tudo o
que ela conhece, e aos olhos de uma caçadora, uma guerreira como
ela é, você guarda suas malditas adagas.

— Tem um lugar onde você pode passar seu cinto direto, e


caso não seja do tipo que usa cinto, também há uma pequena aba
para que possa prendê-lo diretamente na alça. Deve ser
exatamente do tamanho que precisa para segurar esse bebê. Você
pode escondê-lo sob sua camisa para o elemento surpresa ou usá-
lo com orgulho para todos verem. Sua escolha.

Com isso, Haide faz uma saudação brincalhona, vira-se e


segue pelo corredor.

— Haide! — Eu chamo, e ela olha por cima do ombro com uma


sobrancelha levantada. — Obrigado.
Pelo estojo e por tudo que você fez para nos ajudar a chegar
aqui, libertando London e lutando ao lado dela. Por ser boa com ela,
uma estranha em seu mundo, quando nem mesmo eu consegui.

Não digo nada disso a ela, mas não preciso.

Ela sabe. A garota pisca e vai embora.

Fixando a adaga no lugar, um pequeno sorriso encontra meus


lábios e me dirijo para o pavilhão, um espaço gigante no porão com
paredes laterais que se abrem para a galáxia e permitem assentos
nas nuvens ao longo da borda externa do cômodo.

Porra, senti falta de uma boa festa.

Faz uma eternidade desde que nós mesmos organizamos uma,


mas com a mudança para o novo lugar, é a ocasião perfeita.

Hoje à noite, abrimos as portas de nossa casa para o povo de


Rathe pela primeira vez.

Estou bêbada e é glorioso pra caralho.

Os últimos meses foram os mais desafiadores de minha vida


e, por um momento, não tive certeza se algum dia seria capaz de
simplesmente... ser.
No entanto, aqui estou eu, no canto da sala, com os dedos dos
meus pés literalmente alinhados contra o ponto do porão onde as
paredes de canto deveriam estar, mas a magia é incrível, por isso
não há nenhuma. Não há nada além de nuvens infinitas e céus
escuros diante de mim.

Do lado de fora do espaço, as corridas estão em pleno


andamento, e eu observo enquanto Ben, que agora é um dragão
gigantesco, move-se para a linha de partida, com uma fêmea
menor à sua direita. Suas escamas brilham em um roxo profundo,
seus olhos combinam perfeitamente.

Os dois bufam e rugem, agachando o pescoço e se


empoleirando em preparação.

Uma estrela explode acima deles, e eles explodem,


desaparecendo nos céus, deixando apenas um rastro de fumaça.

Uma pequena risada sai de meus lábios e bebo o que resta do


líquido preto e brilhante que Creed me serviu.

É como uma injeção direta na veia, meus olhos piscam e os


músculos ficam moles em um instante. Droga, eu precisava disso.

Meu corpo está leve e livre, o que é muito estranho quando a


maior dádiva deste reino existe sob minha pele, está incrustada
nos cortes profundos de meus antebraços – as cinzas dos ossos
dos ancestrais reais, meu presente do Rei caído.

Um demônio Deveraux.

Meu demônio.
O poder que assombra sob minha pele não se parece com nada
que já tenha sentido antes, está além da compreensão. É uma
sensação totalmente incomparável, mas de alguma forma... nada
se compara ao calor das mãos do meu companheiro quando ele
desliza na minha direção, curvando seu corpo gigante sobre o meu.
Ele enterra a cabeça em meu pescoço, sua língua quente passando
sobre a mais nova marca de mordida, uma maior e mais profunda
e no lado oposto da original.

O que posso dizer, ele é selvagem em suas reivindicações e eu


adoro isso.

Eu o amo.

Meus olhos se fecham e eu sorrio para a escuridão do espaço,


com a festa alta e estrondosa atrás de mim. — Ben venceu
novamente.

— Bom — murmura Knight, a palma da mão deslizando pela


minha lateral até que sua mão passeie pela minha coxa e
desapareça na fenda do meu vestidinho preto. Ele geme quando
encontra meu presente para ele. — Sem calcinha, baby?

— Hm — cantarolo alegremente, estendendo a mão para


deslizar em seu cabelo, empurrando seu rosto mais
profundamente em meu pescoço. — Pensei que eu poderia sentar
no seu colo, no seu trono, esta noite, e fodê-lo de devagar enquanto
todos assistem, sem ter ideia do que estão realmente vendo.

— Isso está absolutamente acontecendo, porra. — Ele rosna,


suas garras cravando na carne dos meus quadris e me
pressionando ainda mais contra ele. — Mas, primeiro, tenho
minha própria surpresa.

— Devo ficar apavorada ou feliz com isso?

A risada sombria de Knight cai sobre mim, mas não é sua voz
quem diz — Eu esperava que você ficasse feliz, Rainha Deveraux.

Meu corpo enrijece no abraço quente de Knight e, lentamente,


liberto-me, virando-me com a mesma cautela. Uma expiração
áspera passa por meus lábios quando meus olhos encontram os
olhos gentis e envelhecidos à minha frente.

— Olá, Little Crow.

— Tio Marcus. — Engulo, com lágrimas nos olhos. Leva


apenas um momento e então me jogo em seus braços, chorando
em seu peito. — Você está aqui.

Você está realmente vivo.

— Ei, agora — ele sussurra suavemente, alisando meus


cabelos como sempre fazia quando eu era criança. — Você não
gostaria que seu povo me matasse por fazer a Rainha chorar, não
é?

Eu bufo, afastando-me para olhar para ele, mas quando as


mãos de Knight deslizam pela minha cintura e ele me puxa de volta
para seu abraço, vou de boa vontade, sorrindo para meu tio...
olhando com raiva um segundo depois.

— Você sabia que eu não era normal e não me contou.


— Não tinha permissão para te contar, querida — diz
suavemente. — Eu estava sob as ordens do nosso Rei, para
proteger e te proteger deste lugar. — Ele olha em volta, uma
profunda sensação de saudade estampada em suas feições. Ele
sentiu falta de sua casa. — Pelo que me disseram, não era você
quem precisava de proteção.

Dou de ombros, sem saber o que dizer. — Você ficará, certo?

Algo atravessa suas feições, tristeza e arrependimento e mais


algumas emoções que não consigo nomear, e ele aponta um sorriso
triste para as nuvens. — Tenho algo que preciso fazer e pode levar
algum tempo.

Quero argumentar, dizer-lhe que não, que ele tem que ficar,
mas meu tio, ou o verdadeiro tio de Knight e o homem que me
criou, teve uma vida antes de ser “honrado” com a tarefa de cuidar
da futura Rainha de Rathe. Portanto, embora exija muito esforço
da minha parte, aceno com a cabeça em minha compreensão. —
Venha me ver quando voltar.

— Sei exatamente onde te encontrar quando eu voltar. — Seu


sorriso é terno.

Estendendo a mão, aperto a dele.

— Eu te amo, Little Crow, tanto quanto qualquer pai ama sua


filha.

A umidade se acumula em meus olhos e eu aceno novamente.


Estou prestes a chorar quando ele finalmente desaparece de vista,
mas antes que eu possa, Sinner, Creed e Legend se aproximam,
membros soltos, sorrisos largos e olhos baixos.

— Olá, nova irmãzinha — Sin resmunga.

— A Rainha demônio de Rathe. — Legend tropeça enquanto


tenta se curvar.

— A maior dor de cabeça de todos os tempos — acrescenta


Creed, esbarrando em seus irmãos.

Só assim, meu humor muda e estou sorrindo novamente.


Todos os meus meninos estão completamente fodidos e
aproveitando cada segundo. Sim, até Creed.

É realmente bom ver depois da merda que passamos.

— Eu foderei aquela shifter gostosa da sua corte hoje à noite.


— Sinner sorri maliciosamente, a bebida derramando pela borda
do copo. — Aquela Stygian que veio depois que Little L matou o
vampiro? — Ele geme como se imaginasse isso. — Puxarei aqueles
seus cabelos compridos tão forte.

Knight ri, pegando dois copos da mistura roxa brilhante da


longa bandeja flutuante que acompanha Legend e me passa um.
— Diga-me se ela gritar meu nome em vez do seu — ele provoca,
esquivando-se quando eu jogo um pedaço de gelo na direção da
sua cabeça.

Legend sorri, mas quando ele olha para mim e depois para a
última dose na bandeja flutuante, uma carranca se forma em sua
testa. — Onde está a maluca? Diga a ela para vir buscar sua bebida
antes que eu mesmo a beba.
Olho para o lembrete da ausência de Haide, pegando-a e
virando-a uma fração de segundo depois de terminar a minha,
batendo-a de volta.

Knight ri levemente e Legend olha de mim para ele.

— O quê? — Ele pergunta.

Knight me envolve com os braços, puxando-me para perto e se


inclinando para beijar o topo da minha cabeça. — Ela perdeu sua
amiguinha e está chateada com isso.

A mão de Legend congela em seus lábios e, lentamente, ele


abaixa o copo. — Explique — ele cospe.

Meus olhos se voltam para os dele, estreitando-se, mas estão


apontados para o irmão.

— A garota foi embora — ele diz dando de ombros.

— Foi embora... para onde? — O tom de Legend é baixo e letal.

Um estrondo monstruoso. Interessante...

— Para casa, eu acho... — Knight interrompe quando Legend


dá um salvo para frente.

— Irmão, que porra é essa? — Sinner diz.

Todos nós giramos, correndo em direção à borda do prédio...


do qual Legend acabou de se jogar. Dois segundos inteiros se
passam e, depois, meu par de asas favorito bate de baixo para
cima, Ben surge por entre as nuvens... Legend sentado em suas
costas.
— Ei! — Eu grito. — Esse é meu melhor amigo!

Meu protesto não foi ouvido, a dupla desaparecendo há muito


tempo antes que as últimas palavras saíssem de meus lábios.

— Cara, ele é rápido, porra — Creed resmunga, girando


quando seu nome é chamado e arrastando Sinner com ele.

Knight me gira, puxando-me para perto dele. Ele mergulha e


eu pulo, envolvendo minhas pernas ao seu redor e sorrindo
quando ele se move para a borda do prédio, caindo livremente para
trás em uma grande nuvem e nos elevando mais alto nos céus,
com seus olhos azuis escurecendo a cada segundo. Seu demônio
quer sair para brincar e, para sua sorte, o meu também quer.

Sua palma áspera pressiona minha bochecha, deslizando ao


longo da minha pele até se enterrar profundamente em meu
cabelo. — Eu morreria mil mortes por você, minha Rainha.

— Que bom — sussurro pressionando meus lábios nos dele.


— Porque tenho a sensação de que matarei você com bastante
frequência.

Ele ri com isso e depois me castiga por minhas palavras com


um puxão forte em meu cabelo.

Eu suspiro no ar e ele toma minha boca com a sua, mordendo


meu lábio inferior. — Preciso que você faça duas coisas para mim,
baby. Concorde com essas duas coisas e nunca mais pedirei nada
de você.

— Qualquer coisa.
— Nunca pare de lutar comigo.

— Você sabe que não pararei.

O azul de seus olhos gira na borda de suas íris, segurando,


lutando por mais alguns momentos antes que nossos demônios
exijam liderar do jeito que eles costumam fazer quando estamos
pele a pele.

— Qual é a segunda coisa? — Pergunto suavemente, tendo


uma ideia do que ele está prestes a dizer.

Knight desliza seus lábios nos meus, fechando os olhos


enquanto suas garras afiadas mordem minha bunda. — Você já
sabe — ele avisa. — Diga, London. Diga agora.

Minhas entranhas se contraem, meu estômago revira e corro


minhas mãos por seu peito, envolvendo-as em seu pescoço. Não
sei porquê segurei as palavras quando ele não o segurou.

Eu as sinto, e ele sabe que sinto, minhas ações dizendo-as por


si só, minha mente sussurrando para ele conforme ele entra nela,
mas ele merece isso. Droga, eu mereço isso.

Pressiono minha testa na dele, esperando que seus olhos se


abram.

— Lutarei com você por toda a eternidade... e te amarei


infinitamente. Por todos os meus dias e além deles. Quando eu for
apenas os ossos de uma velha urna ou as sombras que protegem
estas terras, ainda amarei você, meu Rei. Para sempre.
Os olhos de Knight vão do azul ao preto sólido em um instante
e a risada que me invade é de emoção. Ele nos enterra na proteção
da fumaça demoníaca e das nuvens negras... e não subimos para
respirar por horas. Talvez dias, não tenho certeza, e não me
importo.

Porque este é o nosso tempo.

Nosso reino.

Nossa escolha.

Em Rathe, nós sangramos.

Knight e eu, sangraremos juntos.

Até o fim dos tempos, porra.

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