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Se Fosse Um Filme (Amores Imper - Mithiele Rodrigues

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E DIÇÃO DIGITAL

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C opyright © 2019 Mithiele Rodrigues
Todos os direitos reservados. É proibido o
armazenamento ou a reprodução de qualquer parte desta
obra, qualquer que seja a forma utilizada – tangível ou
intangível –, inclusive distribuir gratuitamente e de
maneira remunerada sem o consentimento escrito da autora.
Redes sociais da autora:
Instagram: @mithielex
http://Facebook.com/mithielerodriguex
Skoob: Mithiele Rodrigues
Para mim, pois esse livro foi escrito com minhas experiências, de
quando eu sofri bullying na escola aos doze anos.
*E para você que também passou por isso*
Além disso, depois de tanto tempo dando alisamento nos meus
cabelos, dias antes de escrever esse livro, decidi passar pela transição
capilar e cortei minhas madeixas.
A Mia me ajudou, estou tentando me descobrir, espero que se você
estiver passando ou já passou por uma situação ruim, saiba que tudo ficará
bem.
Que esse livro faça você se amar um pouco mais, assim como fez
comigo.
Uma sombra vem em minha direção e quando a luz reflete na sua
pele, a primeira coisa que observo são suas formas e logo em seguida, o jeito
com que seus olhos brilham. Ele é incrível e sabe disso.
Seus braços torneados e hipnóticos me fazem pensar em como deve
ser o seu toque em minha pele. Assim que está completamente na luz, perto
de mim, observo como seus olhos são bonitos.
Um tom de azul bem claro.
Na minha cabeça, um único pensamento… Estou apaixonada e nem
o conheço, pelo menos, não dessa maneira como apareceu para mim.
Um brinde à amores instantâneos. Sonhos são para a hora de
dormir?
— Por que as árvores mudam no outono, pai?
Estou aconchegada com um enorme casaco cor-de-rosa, nas ruas
desertas do Brooklyn, por causa da hora. O vento toca na minha pele e
arrepio.
— Elas querem se proteger do frio, querida, assim como nós.
Papai bagunça o meu cabelo e aperto ainda mais a sua mão. Falta
poucos dias para o meu aniversário e tudo o que consigo pensar nesse
momento é em uma pizza com bastante queijo.
— Ah, mas não é como se elas ficassem sem roupa?
— Quando você crescer um pouco mais, saberá o que acontece
dentro delas.
— Ok, um dia eu terei essa resposta, e vou ensinar a você.
Ele sorri, seus olhos brilham, pois eu sou a pessoa mais importante
para ele depois que a mamãe morreu no parto. Talvez não devesse me amar
tanto assim, visto que perdeu ela por minha causa, mas é o contrário, acho
que me ama ainda mais.
— Quero só ver, borboletinha.— Amo quando ele me chama assim.
Ganhei esse apelido porque gosto de ficar no jardim da nossa casa, maior
parte das vezes, lendo um livro e tentando decorar as falas.
— Um dia, eu serei uma atriz, igual ao senhor.
— Espero que tenha mais sorte do que eu nisso.
Meu pai veio para Nova Iorque para tentar a vida de ator, e se Deus
quiser, tudo dará certo. Já temos planos para nos mudarmos para uma casa
enooorme e beeem cara.
Suspiro e penso no futuro.
— Pai, eu…— Não tenho tempo para completar a frase, pois um
homem com o rosto coberto vem em nossa direção com algo brilhante na
mão.
— Passa tudo!
Logo no início, não entendo o que está havendo, até ver o meu pai
passar o celular velho para o homem, assim que pega sua carteira e dá todo o
dinheiro que temos, sinto vontade de chorar.
Não compraremos a pizza? Penso.
— A aliança também!— Grita e dou um pulo de susto com o tom
ameaçador de sua voz.
Papai começa a chorar, sei que é a única coisa que sobrou da mamãe,
então ele não pode dar algo com tanto valor sentimental.
— Por favor, tudo menos isso…
O ladrão fica ainda mais agitado e balança a cabeça.
— Passe tudo, ou vai levar uma bala na cabeça, velhote.
Ele não é velho! Sinto vontade de gritar, mas a voz é abafada pelo
meu choro. Não consigo nem sussurrar.
— É da minha falecida esposa, espero que reconsidere.— meu pai
não entrega e vejo que o homem fica ainda mais agitado.
E então, o bandido levanta a arma e vejo o ódio em seu olhar, antes
que ele levante a arma até a altura do peito de meu pai e dispare a sangue frio.
Dou um grito e vejo o sangue espirrar em mim.
Fico imobilizada enquanto o corpo do meu pai desaba no chão e o
bandido puxa o anel de ouro de seu dedo. Vai embora, como se não tivesse
acabado de atentar contra uma vida. Nem consigo focar no ladrão, apenas no
sangue que escorre do corpo do meu querido pai.
— Papai…— Estou chorando tanto que soluço com força.
Sou apenas uma criança, não sei o que devo fazer.
— M-mia…
Isso não pode estar acontecendo. Meu pai vai ficar bem, sei disso.
— Vou procurar alguém que te ajude, papai. O médico vai curar o
senhor.
Os médicos são inteligentes e tenho certeza que tudo pode ficar bem.
Eles conseguem fazer as pessoas doentes voltarem a ficar saudáveis.
— Espere…— O homem forte que sempre conheci, parece estar
com uma dor agonizante, então me remexo para ir embora, procurar por ajuda
— Primeiro, você tem que saber que eu te amo muito.
— Pode me dizer isso depois, papai.
— Querida, espero que tenha uma vida brilhante.— sua voz é tão
baixa que tenho que fazer esforço para ouvir.
Exatamente nessa hora, uma mulher aparece e grita quando vê a
cena.
— Ai meu Deus, alguém ajude!
Posso sentir meu nariz escorrer e o ranho se misturar com as minhas
lágrimas, enquanto começo a pedir a Deus para salvar a vida dele. Os olhos
queimando com a dor dentro do meu peito.
Nada nessa vida é tão difícil quanto ver a pessoa que mais ama
partindo.
A mulher pega seu próprio celular e liga para a emergência, fala
bastante e tenta conversar comigo, mas não escuto uma palavra. Só consigo
focar no corpo ensanguentado no bairro do Brooklyn. Vendo a vida ir
embora, e quero morrer também, pois ele é a única coisa que me resta.
— Querida…— A mulher segura os meus ombros e tento respirar,
mas minhas vias respiratórias estão congestionadas.— A ambulância chegou.
O aperto no meu coração parece aumentar, e isso não deveria
acontecer.
— A pulsação está fraca…— Diz um dos homens fardados e
seguimos para dentro da ambulância.
Respiro fundo e tento chamar o meu pai. Seus olhos quase fechados,
estão na minha direção quando seguro a sua mão, aquela força revigorante
cada vez mais distante.
— Mia, eu te amo demais… você sempre foi especial, a minha
melhor amiga…— sua voz cada vez mais fraca, até que sua mão caia.
— Por favor, moço, faz o meu pai ficar bom, logo.—
provavelmente, o enfermeiro não entendeu uma palavra sequer, nem eu
mesma o fiz.
— Qual o seu nome?
— Mia… Mia Corrigan.
— Sabe o número da sua mãe?
Respiro fundo para que desta vez ele consiga entender as minhas
palavras.
— Não tenho mãe, ela morreu quando eu nasci.
O olhar penoso do homem é algo que jamais poderei esquecer, pois é
como se algo terrível tivesse acabado de acontecer.
E realmente aconteceu, o meu pai já havia morrido, minutos antes
quando a sua mão largou a minha, pouco antes de dizer que me amava. E eu
não consegui dizer que também o amava uma última vez.
Nunca escolhemos quando a pessoa que mais amamos nos deixará. É
evidente que tentaríamos mudar o futuro se soubéssemos dele, e evitar as
tragédias que o desconhecido nos traz.
Muito tempo depois
Um dia eu estarei bem longe daqui e serei feliz.- Mia

Agora eu sei porque as folhas mudam no outono…


Há uma diminuição na clorofila e por causa disso, elas ficam
alaranjadas ou tendem a ficar vermelhas. E como o meu pai uma vez me
disse, as folhas caem como uma forma de proteção contra o frio.
As vezes, me pego lembrando daquele dia fatídico e trágico em que
perdi tudo o que tinha na vida, mas hoje é um dia especial. Fui escalada para
ser a protagonista de uma peça inspirada em “Hamlet”. Sou uma mulher
negra e isso é muito importante, por isso, tenho que dar o meu melhor.
— Você ficaria orgulhoso de mim, papai…
Amanhã é meu aniversário de 23 anos e hoje é o aniversário de
morte do homem mais importante da minha vida(por essa razão eu nunca
comemoro). Me dói saber que ele nunca me verá brilhar nos palcos. O meu
maior desejo é mostrar essa carta para ele, mas é impossível.
A história do meu pai é tão linda e emocionante que talvez desse
uma boa história para um livro. Conheceu a minha mãe aos 16 anos e se
apaixonaram, os dois sempre pensaram que não duraria, mas o tempo foi
passando e o amor apenas cresceu, até que um dia resolveram casar. Logo
que a minha mãe engravidou, papai conseguiu um emprego perto de casa,
não ganhava bem, mas resolveu deixar para trás o sonho de ser um ator
famoso, pois a realidade chegou.
Infelizmente, como uma tragédia digna de Shakespeare, houve
complicações no seu parto e ela nem chegou a me carregar nos braços.
Sempre imagino como a minha vida seria diferente se ela estivesse
aqui comigo. Depois da morte do meu pai, as coisas complicaram para o meu
lado. Fui levada até a minha tia que morava em “Mineola” numa casinha
simples, mas com uma ótima decoração, pois a mulher amava comprar coisas
decorativas para casa(na verdade, eu nem podia tocar, de tanto que ela era
apegada).
Não posso dizer que fui uma criança feliz, pois sempre senti que
minha tia me desprezava, não queria saber das minhas notas, e quando ganhei
uma bolsa para estudar na universidade em Queens, ficou animada por eu ir
para tão longe. Mas tudo bem, ela perdeu um irmão que gostava bastante, e
eu me sinto culpada por tirá-lo de casa naquele dia.
Se eu tivesse ficado na minha…
Infelizmente, não podemos voltar no passado e mudá-lo, temos que
aceitar a vida que temos agora.
Porém, se me perguntar, não tenho raiva da mulher que me criou,
pois se não fosse por ela, eu teria ido para o orfanato, portanto, sou grata por
ter tido um teto e uma escola pública de qualidade.
Foram todos esses caminhos tortuosos que me trouxeram até aqui e a
única coisa que posso fazer, é dar o meu melhor e aproveitar cada segundo
dessa oportunidade.
Queria que estivesse aqui.- Mia

Essa carreira de atriz significa tudo para mim, por isso estou com um
sorriso de orelha a orelha quando chego no teatro estiloso, bem maior dos que
eu costumo atuar. Aquele friozinho na barriga me faz suspirar.
O teto é tão alto e estonteante, com todas aquelas cortinas douradas e
caras. As cadeiras em um tom de vermelho vinho e acolchoadas, reclináveis.
E o palco é alto e tem um jogo incrível de luzes. O cheirinho que traz a minha
memória as coisas antigas é a melhor parte desse teatro.
Assim que fiz o meu teste, nunca imaginei que fosse passar, sabe
como é, né? As coisas são bem mais difíceis para pessoas negras,
principalmente em Nova Iorque.
Vou até uma mulher de terno que já vi antes, e ela parece ser bem
simpática, pois fica animada ao me ver.
— Olá, Mia Corrigan! Seja bem-vinda ao NY theatre.
— Muito obrigada, isso significa muito para mim.
Nos abraçamos e sei que isso não é muito nova-iorquino, mas nada
importa, pois estou dentro e nada pode tirar essa felicidade. Ademais, hoje
estou completando 23 anos.
— Maya vai acompanhá-la até onde estão os outros, para que vocês
se conheçam.
No dia da minha audição não tive tempo para me conectar com
ninguém, pois estava muito concentrada decorando as minhas falas.
Uma mulher magra demais vem até mim, com seus cabelos
cacheados e castanhos, a pele bronzeada, ela é bastante bonita.
— Oi, Mia, me chamo Maya e sempre estarei por aqui para ajudá-la
se precisar.— Maya estende a mão para mim e percebo que é um pouco
tímida.
— Espero que nunca precise chamá-la, porque não gosto de
incomodar ninguém.
Sigo-a até uma sala, onde os outros já estão conversando, mas não
sei se fui a última a chegar, pois não contei a quantidade de atores presentes
no roteiro, além disso, os produtores também podem acrescentar algo.
— Pessoal, essa aqui é Mia Corrigan, a atriz principal da peça “Entre
o amor e a vingança”, e vai atuar com vocês.
Todos acenam para mim e dizem que sou bem-vinda. Sempre
imaginei esse momento, mas há um homem no fundo, mexendo no celular
que não dá a mínima para mim e isso me incomoda. Não porque sou uma
burguesinha metida, mas porque quero me dar bem com todo mundo.
— Parece que a senhorita está bastante feliz.— Um homem se
aproxima, e me dá um copo de água, que aceito prontamente. Não posso
deixar de notar que ele é muito bonito, os cabelos loiros, curtos, como se
estivesse no exército e óculos de grau que combinam bastante com o rosto.
— Sim, nem posso acreditar que isso está mesmo acontecendo… foi
algo que sempre esperei, sabe?
— Me encontro na mesma posição.
— Ai meu Deus, você é quem vai contracenar comigo?
— Irei, mas não sou a sua primeira opção, se é que me entende.
Ok, eu entendi. Essa peça conta a história de Tory, a minha
personagem, que se apaixona por Adam, com quem contracenarei, e ele
descobre que eu sou filha do homem que matou sua mãe e a partir daí,
começa a história da vingança. Não posso contar mais do que isso, senão
seria um spoiler, mas esse homem provavelmente será:
— Robin, certo?
— Acertou na mosca.
Sorrio, pois Robin é um homem romântico e sedutor que gosta de
Tory, tentando roubá-la de Adam, aproveitando a oportunidade da vingança
como um álibi. Tory, pelo visto, não sabe o que está perdendo, porque esse
homem à minha frente é lindo de morrer e parece um mocinho perfeito que
saiu de algum livro.
— Como já fui apresentada por Maya, você já sabe o meu nome,
mas qual é o seu?
— Scott Anderson, ao seu dispor.
Scott segura a minha mão e a beija, então rapidamente gosto dele.
Sei que nos daremos bem e não no sentindo pornográfico, apesar de que
gostaria, mas apesar de ser gato, não faz o meu tipo.
— Obrigada… acho que te conheço de algum lugar.
— Já participei de algumas peças menores.
— Oh, deve ter sido isso, seu rosto não é estranho.
Rapidamente, outras pessoas vêm até mim e começamos a
conversar. Uns quinze minutos depois, Maya vem nos chamar para irmos até
o palco e nos dar as primeiras instruções.
— Bem, como todos sabem, essa peça está sendo bastante cotada,
então temos que esperar uma estreia bastante cheia. Além do mais, temos
atores incríveis.— O fato de nossa diretora ser uma mulher é muito
maravilhoso e ela fala como se sua vida dependesse disso. Me sinto
exatamente dessa forma.
Todos batem palmas, e fico animada com toda essa energia de estar
onde eu gosto de estar. Aqui as cores são mais vibrantes e tudo parece
mágico, e de certa forma, acaba sendo.
— Quero escutar uma salda de palmas para nossos quatro atores
principais… Mia Corrigan, Damon Eastbourne, Scott Anderson e Elis West.
Sinto-me um pouco tímida ao levantar e escutar tudo isso voltado
para mim. Estou bastante orgulhosa da mulher que estou me tornando e de
onde estou chegando.
— Como hoje é o primeiro dia, vou apresentar todo o contexto da
peça que foi inspirada em Hamlet. E se todos já tiverem lido a peça escrita
por Shakespeare, sabem que essa tragédia tem um romance que acaba por
causa de vingança.
Suspiro, pois a pobre Ofélia teve o seu próprio amor destruído por
causa de uma vingança que talvez tenha levado Hamlet à loucura. Quando li a
peça, fiquei indecisa se o homem estava louco ou só fingia isso muito bem.
No entanto, essa peça escrita por Tomy E. Handerson, incluiu uma
vilã na história que é Margot, interpretada pela loirinha bonita um pouco
distante de mim no momento. A mulher não parece nada com uma vilã, mas
ainda não a vi atuando.
— Espero que todos já tenham lido todo o roteiro e já saiba mais ou
menos o que acontece.
Sou apaixonada por atuar e já sinto o coração acelerar para que
chegue logo o dia em que os ensaios comecem a todo o vapor. Desde que li o
roteiro, me peguei como sendo Tory, uma mulher decidida que nunca
acreditou no amor até que ele apareceu, tão belo. Dou uma olhada para o meu
Adam, a diretora o chamou de Damon. O homem nem sequer tentou
socializar comigo como Scott fez, então talvez não seja sociável. Apesar
disso, é tão bonito que dói, sua barba por fazer é chamativa e seu nariz é todo
perfeito, arrebitado, e isso faz com que pareça ainda mais metido. Subindo
um pouco mais, vejo sua sobrancelha grossa e seus olhos… ah, que olhos
lindos.
Se ele não quer falar comigo e continuar sendo um babaca, tudo
bem, uma hora teremos que atuar e ele não poderá ficar com essa cara
amarrada para sempre.
Até lá, eu espero… sou muito paciente.
É bem nesse momento meio stalker, que sou pega no flagra, desvio o
olhar, coço a cabeça e pego o meu celular. É constrangedor, mas posso lidar
com isso.
••
— Skylar, foi incrível!
Esse é um dos raros dias que Sky abre mão de ficar com Luke para
se juntar a mim em uma noite de garotas, mas hoje é meu aniversário, então
tenho um crédito. Estamos assistindo “meninas malvadas” e comendo pipoca
de micro-ondas.
— Estou percebendo como está eufórica… e olhe que eu morei com
você por um bom tempo.
— E o teatro é bem maior, dá vontade de explorar cada lugarzinho
por lá, ou quem sabe, encontrar o amor da minha vida quando estiver
voltando para casa, com os olhinhos brilhando de emoção.
— Não dou um mês para você realmente achar algum homem
estranho e isso acontecer. Sério amiga, não tem nenhuma história que queira
me contar? Estou querendo sorrir um pouco hoje.
— Nunca mais saí com ninguém, infelizmente.
— Claro que não, depois de tantos encontros estranhos, eu também
não iria atrás de ninguém. Falando nisso, não sei como você ficou com aquele
Ollie.
— Eu não sabia que Ollie ficava estrábico quando gozava!
— Ele era estranho sem isso!
Só de imaginar o rostinho bonito dele, com os olhos muito abertos
em minha direção, dou uma gargalhada. Não consegui levar aquilo adiante.
Além do mais, as vezes ele me ignorava completamente nos meus desejos
sexuais.
— Tirando a vez que você realmente ficou com um estrábico. Acho
que tem uma tara nesse tipo de homem.
— O Rick era realmente um bom partido, uma pena que tivesse mais
atração por homens que mulheres.
Preciso confessar que ele me disse isso logo depois que acabamos, e
também preciso confessar que não gozei. Mas não fiquei com raiva, porque
ele foi sincero.
— Ah, amiga, espero que o seu príncipe encantado esteja em uma
esquina entre Williamsburg e o Brooklyn.
— O meu príncipe encantado já existe e vive nos meus sonhos, é
exatamente por isso que ele é encantado… apenas fruto da minha
imaginação.
— Ainda tem sonhos com aquele homem?
— É um homem muito bonito…— Só de pensar naqueles olhos
azuis, sinto vontade de dormir.
— Ok. Ok. Tenho que ser sincera com você. Acho que sonha com
esse homem misterioso, porque tem medo de se apaixonar perdidamente por
alguém.
— Touché.
Não posso negar que tem um quê de verdade nessa situação do meu
príncipe. Quero me apaixonar, mas, ao mesmo tempo, tenho um pouquinho
de medo. Sempre fui muito independente, então entregar o coração não é algo
fácil.
Já conheci o amor de uma maneira bastante impactante e esse é o
problema, primeiramente com o meu pai e logo depois com o meu melhor
amigo. É uma pena que nada dura para sempre… muito menos o amor.
Quando a minha mente está dando reviravoltas no passado, meu
celular começa a tocar, abro um sorriso gigantesco ao olhar para a tela e ver o
nome “Cora”.
— PARABÉNS!
É a primeira coisa que escuto a minha ruivinha gritar. Somos nós
três faz tanto tempo que meus olhos lacrimejam.
— Muito obrigada.
Skylar encosta a cabeça na minha e agora Cora pode ver nós duas.
— Ai meu Deus, Sky, você engordou um pouco, não foi?
— Quem deraaaa.— minha louca favorita grita ao meu lado.
— Tem um buraco negro dentro dela, parece que nunca engorda,
aposto que nem tem estrias!
Sorrio e sinto uns fios do meu cabelo se moverem quando ela
assente.
— Não tenho mesmo, sinto informar.
Estar com essas duas garotas, melhora o meu dia e sei que posso
contar com elas a qualquer instante. São as amizades mais saudáveis do
universo.
— Preciso falar algo para vocês duas.— começo.— Eu tenho as duas
como minhas irmãs e amo tanto que chega a doer, de verdade.
— Como você é fofa, Mia, nós também te amamos! Fico muito mal
de não estar com vocês, assistindo “meninas malvadas”, e essa distância está
me matando.
— Mas é por uma boa razão, Cora.— Sky fala ao meu lado, os olhos
já marejados, o que me faz querer chorar também.
— Sim, mas hoje é o aniversário da minha melhor amiga e eu só
queria dar um abraço bem apertado. Como não posso, é importante ressaltar o
quanto Mia Corrigan é a melhor conselheira do mundo, exceto se o conselho
for para ela.
“E o quanto ela sempre se importa com as nossas dores e se hoje
Luke tem a sorte de estar ao lado de Sky, foi por causa dela. Além disso, é
tão linda e amável que não sei como está solteira.”
— Vocês duas ainda me matam de emoção.— estou chorando tanto,
que tenho soluços involuntários.
— Também é um pouco chatinha, não esqueça de falar isso, Cora.
Dou um tapa em Skylar com a mão livre, mas ela me abraça em
seguida e beija a minha bochecha.
— Sempre seremos nós três contra o mundo.
— E distância nenhuma separa.— Sky e Cora complementam, como
sempre fazemos.
E com isso, mais lágrimas escorrem pelo meu rosto. É assim que sei
que foi o melhor aniversário de todos.
E sempre que você está por perto, o mundo desaparece.-Skylar

— Você existe?— Pergunto como uma boba apaixonada quando ele


me entrega a milésima margarida.
— Quer que eu te belisque?
— Eu adoraria…
Ele vem até mim e me beija, como se eu fosse a mulher mais linda
do mundo, o que é impossível, pois existem bilhões de outras por aí, mas eu
sou quem importa.
— Quero ficar para sempre ao seu lado.
— É só me visitar todos os dias, sempre estarei aqui, Mia.
Até onde posso saber, ele foi feito para mim. Somos almas gêmeas,
por isso sempre penso nele.
— Amo você!
— Eu te amo bem mais, Mia, e sempre amarei.
Nossos olhos se encontram e me sinto da mesma maneira, como se
eu sempre fosse amá-lo. Nos aproximamos e sei que finalmente ficaremos
juntos para sempre. Sinto sua respiração em minha pele, o calor maravilhoso
que emana dele. Seus lábios já estão quase sobre os meus quando…

— Que Droga! Sempre acordo na melhor parte!— resmungo.
Escuto o despertador tocar e sinto-me infeliz por voltar ao mundo
real. Queria ficar um pouco mais com ele, nem que fosse mais um pouco.
Se isso fosse um filme, eu esbarraria com o homem misterioso pela
esquina(mesmo tendo certeza absoluta que isso é impossível), como Skylar
falou.
A própria Skylar resmunga ao meu lado, mas logo está de pé, pois é
apaixonada pelo trabalho. Não consigo ficar animada de manhã, pois sou uma
pessoa que ama dormir.
— Bom dia!— se alonga e sorri para mim.
— Primeiro tenho que tomar café, depois eu posso desejar um bom
dia.
— Café é de fato uma droga.
Tenho que concordar, pois é a melhor coisa do mundo e vicia mais
do que tudo.
— Espero que dê tudo certo hoje com o ensaio geral.
— Eu também. Quem sabe o senhor “Damn[1]” esteja feliz hoje?—
Reclamo enquanto procuro algo para vestir.
— Sr Damn?
— Sim, aquele homem nem sequer dirigiu um olhar para mim.
Aposto que teve uma péssima noite de sexo, e por isso estava chateado.
— E você espera que ele tenha tido uma ótima noite de amor para
ficar de bom humor?
— Geralmente funciona comigo. Deve ser por isso que ando tão
ranzinza ultimamente… eu preciso marcar uns rolês com a Cora e achar umas
bocas para beijar por aí.
— Felizmente, tenho uma boca muito bonita para beijar, então não
posso ir com vocês.
— Sua boca bonita está te ligando.— Vejo a tela do seu celular e ela
sorri, percebo o seu olhar iluminar.
Quem diria que toda aquela confusão do jornal na faculdade
resultasse em um noivado? A minha amiga é extremamente feliz com Luke e
sei que fiz o certo quando marquei aquele dia no teatro.
Desde que os dois voltaram, a minha amiga está feliz, e antes disso,
estava vivendo para o trabalho. Cheguei a pensar em fazer uma intervenção e
capturá-la para passar uma semana em algum lugar distante.
— Nos falamos depois?
— Estarei sempre aqui.
••
O sotaque de Damon, definitivamente é irritante.
E sabe porque me irrita? Porque é muito sexy!
— Pode pegar um copo de água?— pede para Maya e ela sorri,
parecendo tão encantada com a pronúncia dele quanto eu. A forma como a
palavra “água” pode ser sensual é algo que só os britânicos conseguem fazer.
— Claro.
Scott se aproxima e eu abro um sorriso, pois não sou ignorada por
todos por aqui.
— Posso me juntar a você?
É claro que eu deveria estar lendo a meu roteiro e fazendo o máximo
de esforço para não esquecer nada importante, mas antes de Scott chegar eu
não estava fazendo isso, então…
— Claro, Scott, eu estava de bobeira.— dou de ombros.
— Quer ajuda para passar alguma fala?
— Obrigada, mas estou acostumada com isso.— balanço o papel e
baixo a cabeça ao perceber que não temos sobre o que conversar.
— Você já se perguntou se Damon tem algo com Elis?
Assim que sigo o olhar dele, percebo que Elis está sorrindo de algo
que o sr “Damn” fala. Pelo visto, sou a única pessoa que ele não consegue
conversar.
Não me importo.
— Até esse exato minuto eu nem sabia que os dois eram
amiguinhos.
— Ah, eles são amigos desde a adolescência, foi o que eu ouvir
dizer.
Eu o questiono com o olhar, pois quero mais detalhes, por isso ele
continua:
— As cortinas têm ouvidos… você deve saber como as fofocas
correm pelos bastidores.
— Sim… não sabia que eles já eram amigos. Deve ser bem mais
fácil atuar com quem já conhecemos.
— Com certeza, é.
— Vi a Elis ensaiando. Não sei como alguém com um rostinho tão
angelical parece tanto má quando atua.
Scott sorri e cora um pouquinho, os óculos caindo levemente até a
ponta do seu nariz, antes que ele empurre para cima novamente.
— Elis não pode ser má com um rostinho desses, acho que realmente
é uma boa atriz.
— E se ela for uma pessoa ruim?
— Então, eu ficaria devastado… posso contar um segredo?
Não nos conhecemos muito bem, mas já tenho uma certa ideia sobre
qual é esse segredo.
— Pode mandar… preciso confessar que sou um túmulo.
— Ok, túmulo… eu acho a Elis muito atraente, só queria uma
chance com ela.
— Então a chame para sair.
— Talvez depois que a peça acabar, tenho medo de algo dar errado e
tudo ficar confuso nos palcos.
De certa forma, consigo entendê-lo, já me envolvi com homens
enquanto atuava e sempre que eu descobria o quão podres eles podiam ser,
algo mudava na atuação. Por isso, por ética de trabalho, decidi não me
envolver com meus colegas.
— É verdade.
— Achei que fosse o tipo de mulher que me incentivaria a correr
atrás dela.— Scott sorri novamente e fico contente por ele ter gostado de mim
o suficiente para contar sobre isso.
Mesmo que esteja meio na cara.
— Só depois que a peça terminar.— o empurro gentilmente com o
ombro.
— Obrigado.
Logo depois disso, Maya nos chama para passar a peça uma última
vez, antes do primeiro ensaio. A cada dia, o meu sistema nervoso fica ainda
mais agitado.
Peço o número de Scott para que possamos conversar sempre.
Realmente espero fazer grandes amizades com essa peça e que esse ano seja
eternizado para sempre. Até porque, se tudo correr bem, eu me tornarei
conhecida.
Isso é o que sempre sonhei.
Como posso ser a caçadora e a presa ao mesmo tempo, querido?
Você consegue me entender?- Mia

Em certos momentos da minha vida, começo a pensar no passado, e


é em dias como esse que tendo a ficar para baixo, totalmente instável com
meus sentimentos.
Os dias em que sofri com o racismo.
Não costumo dizer isso para as pessoas, mas foi quando eu tinha uns
doze ou treze anos, e nunca soube que meus “amigos” poderiam ser tão ruins.
“Seu cabelo é mais bonito liso, assim ninguém vai te querer quando
crescer” era o que falavam quando o meu pai não sabia pentear direito, ou
“Você nunca será ninguém na vida com essa cor”.
Mas o dia em que mais sofri, foi um dia chuvoso. O meu pai havia
acabado de vender o carro, então tive que ir andando para o colégio, o
guarda-chuva quebrou no meio do caminho, e por isso, cheguei ensopada na
sala de aula. Assim que os olhares vieram na minha direção, baixei os ombros
e o lembro de ter escutado o professor reclamar do meu estado na frente dos
outros.
Todos riram de mim!
Me senti mal e essa nem foi a pior parte, pois assim que sentei ao
lado de uma colega de classe, ela se levantou e falou para que eu pudesse
escutar.
— A Mia está parecendo um macaco molhado, que nojo!
Tive que engolir em seco para segurar as minhas lágrimas, mas não
consegui e baixei a cabeça, chorando baixinho para não atrapalhar a aula.
Quando eu pensei que não havia como piorar a situação, um outro
garoto falou:
— Tenho nojo de pessoas negras, pois a minha mãe disse que eles
são sujos, por dentro e por fora.
Não consegui ficar bem depois disso. Ninguém me defendeu, muito
pelo contrário, as pessoas deram sorrisos sem graça, corroborando com a
discriminação racial que haviam feito comigo.
Por muito tempo, fiquei com essas palavras na minha mente,
baixando a minha autoestima e me levando à depressão. Muitas pessoas
chamam de frescura, sabe? Mas isso é muito grave. Não fui e nem serei a
única que sofre com esse tipo de preconceito.
Olho mais uma vez para o meu reflexo no espelho, passo a mão
pelos meus cabelos negros e cacheados que aprendi a cuidar e amar, cada
curvinha dele me torna quem sou.
Tenho de colocar na minha cabeça que agora me tornarei uma atriz
de sucesso e que ninguém mais me colocará para baixo, ou pelo menos, é
oque deveria.
Olho para o céu e vejo as nuvens carregadas com a provável chuva,
isso me deixa um pouco desanimada, e eu não deveria estar assim nesse dia
de ensaio geral, por esta razão, coloco uma música alegre, mais
especificamente “Shake it off” e balanço a cabeça no refrão.
Espero que esse dia se torne incrível.
••
— Tudo vai ficar bem, meu pai.— Inclino-me sobre o homem que
levou um tiro e os olhos enchem de lágrimas.
A protagonista não faz ideia de que seu pai é um criminoso, pois ele
sempre foi gentil demais, isso me faz pensar em quantas pessoas não são
verdadeiras dentro e fora de casa.
— Se essa cirurgia não der certo, eu amo você.
— Não diga esse tipo de coisa.
Sinto-me na pele de Tory, lembrando-me mais uma vez do meu
próprio pai e nos seus segredos. De como eu o amaria, mesmo que ele fosse
uma pessoa errada(o que não era).
— Perfeito!— Diz a diretora e paramos de encenar.
Limpo meus olhos e nariz, antes de tentar sorrir, sem muito sucesso.
Mesmo depois de tanto tempo, ainda consigo ficar abalada por
pensar no meu pai, pois a vida sem ele foi horrível.
— Atuação impecável, continue sempre assim, Mia.
Faço uma reverência e depois de um tempo vamos para uma cena
romântica, então posso parar com o chororô e focar em minha atuação.
— Não sei como alguém pode ficar mais estonteante a cada dia.—
Diz Damon, interpretando Adam, talvez seja a primeira vez em que ele me
olha nos olhos e olha para meu corpo.
É muito estranho que alguém tão arrogante assim, mude enquanto
finge ser outra pessoa. A pior parte é que parece real demais.
— Já me disse isso inúmeras vezes, sei que está me enrolando. Fale
logo o que deseja, Adam.
O homem se aproxima de mim e sinto os pelos da minha nuca
arrepiarem, um sentimento que eu não sentia faz um tempo. Talvez eu esteja
muito envolvida na personagem, o que é um ponto positivo. Fecho
ligeiramente os olhos.
— Você, eu desejo você!
Damon vem até mim e segura os meus ombros, com nossos olhos
conectados. Seus dedos quentes na minha pele, um contato bom demais.
— De onde você surgiu, Adam?
E então, ele aproxima o rosto do meu e sinto seu hálito na minha
pele, sei que não vamos nos beijar nessa cena, pois o celular de Adam
começa a tocar, mas eu queria que Damon me beijasse, pois sua respiração
tem um cheiro doce, que eu não sei explicar como é possível.
Fito o seu rosto, perto demais, como se ele fosse um incêndio e eu
quisesse me queimar um pouco, maravilhada com as cores das chamas,
atraentes demais.
— Eu sempre estive aqui.
••
Horas depois, finalmente acabamos o ensaio e me sinto feliz por
tudo ter sido um grande sucesso.
Estou um pouco aérea com tudo o que aconteceu naquele palco,
hoje, e talvez um pouquinho abalada. Deve ser por isso, que Scott vem até
mim com a testa franzida.
— Está tudo bem?
— Claro que sim, por que a pergunta?
— Senti que ficou meio triste em uma das cenas.
— Pelo visto, você é muito observador.
— Gostaria de ser menos.
Ele sorri, coloca as mãos nos bolsos e me observa com paciência, sei
que já disse o quanto ele é bonito, mas nunca farei jus.
— É sério, pode falar o que está passando nessa cabecinha linda,
para mim.
Não consigo segurar o sorriso mediante palavras tão bonitas como
essas. E a melhor parte de tudo é que sinto que Scott quer saber, por isso, sou
sincera.
— Quer mesmo saber?
— Sou um ótimo ombro amigo.
Observo o seu rosto e vejo que está sendo completamente sincero
comigo, além disso, é legal fazer um happy hour depois do trampo.
— Já que é assim, vamos para um barzinho perto da minha casa.
Eles fazem um tipo de chopp delicioso. Desse jeito, você pode me escutar e
eu posso afogar as minhas mágoas.
— Achei uma ideia maravilhosa.
••
No meu terceiro copo, já contei maior parte da minha trágica história
para o meu colega de palco. Sou muito tagarela quando tenho álcool em
minhas veias.
— E então, essa tia é tudo o que eu tenho e ela é um pé no saco… ai
meu Deus, estou falando demais?
— Talvez um pouco lento por causa do álcool, mas tá tudo bem.
— Meu Deus, Scott, você é muito maravilhoso!
— Já falou o nome de Deus algumas vezes, e sim, eu sei disso.
Abro um sorriso genuíno e me inclino levemente em sua direção.
— Acho muito injusto não ter uma namorada.
Scott sorri e eu dou mais um gole do meu chopp que fica cada vez
mais gostoso.
— Como sabe se eu não tenho uma?
— Até parece que estaria em um bar com uma garota que mal
conhece, se tivesse uma… estaria transando loucamente com ela!
Não tenho filtro nenhum quando estou ficando bêbada e não sou
muito resistente à álcool, mas acho que já perceberam.
— É impossível não gostar de você, Mia.
— Isso porque ainda não te contei sobre os meus encontros
estranhos. Acho que não é apropriado contar do meu dedo podre logo agora.
Conversamos mais um pouco e, sim, eu relato sobre alguns homens
com quem saí, está sendo uma noite muito divertida e tenho certeza que
amanhã estarei com ressaca, mas valerá a pena.
Até que Scott me observa com aqueles olhos bonitos e diz:
— Acho que você sai com esse tipo de cara, porque tem medo de se
relacionar com alguém que goste de verdade.
Até ele que mal me conhece já percebeu isso. Desde que o meu
primeiro amor ficou meio que inacessível, busquei esquecê-lo com outros e
nunca consegui.
Tenho medo de me apaixonar perdidamente e amar essa pessoa mais
do que já amei ele.
E jamais poderei fazer isso.
É estranho como fazemos do abraço de alguém, a nossa casa.-
Skylar

Chego no teatro com uma dor de cabeça dos infernos, e para piorar
tudo, tenho que me esbarrar com a vilã dos olhinhos bobos, vulgo Elis.
— Parece que há alguém que não olha por onde anda.— ela fala,
exatamente da mesma maneira que a sua personagem, Margot.
Antes que eu possa dar uma resposta afiada, e começar uma briga
logo de manhã, ela muda a expressão e começa a sorrir, como se tudo não
passasse de uma brincadeira.
— Pela sua cara, acho que pensou que eu estava brava de verdade…
— Me desculpe, estou com uma dor de cabeça horrível.
— Não tem problemas, se eu tivesse disposição, também sairia para
beber logo depois dos ensaios.
Consigo dar um sorrisinho, pois, Elis parece ser muito gente boa e
carinhosa, bastante diferente de sua personagem megera.
— Também não costumo, mas ontem foi um dia difícil.
— Urgh, nem me fale… fazendo uma pequena fofoca dos
bastidores, acho que o assistente de palco está caidinho por você.
Mal percebo quando já estamos no camarim e fico feliz por Elis ter
mudado de assunto, fazendo a nossa conversa fluir como uma nascente de
água.
— Continuando a fofoca… acho que ele tem uma perna mais curta
que a outra.
Elis solta uma gargalhada, sem se importar com as pessoas ao redor,
que voltam suas cabeças em nossa direção, e na mesma hora, sei que vamos
nos dar bem, pois ela é uma boa pessoa.
Não sei como isso acontece, mas sempre sinto quando uma pessoa é
verdadeiramente legal e quando não é. É quase como um dom.
— Deve ser por isso que ele pende um pouquinho para o lado.
— Talvez ele tenha dado um tiro no próprio pé[2].— dou de ombros.
A loira abre os olhos para mim, não sabendo se pode rir ou não da
piada.
— Como você chegou nessa conclusão?
— Certa vez, fui para um encontro com um policial, e ele andava
muuuito estranho. Quando perguntei o que havia acontecido, ele me
confessou que a arma estava com problemas, então quando foi recarregá-la,
ela disparou sozinha e acertou vários dedos.
— Nossa, Mia… eu nem sei o que falaria para um homem como
esses, pois odeio pensar em armas.
— Exatamente como eu! Depois que esse homem me falou que a
arma fez os ossos dele parecerem um “s”, eu fingi que estava com sono e dei
um perdido nele.
— Eu faria o mesmo.
A conversa com Elis fluiu rápido demais e passamos mais meia hora
conversando, antes que o assistente viesse nos chamar para o ensaio. É claro
que Elis e eu sorrimos. Nos comunicamos com olhares.

— Vamos para um Happy hour depois daqui?
Scott pergunta repentinamente quando eu e Elis estamos
conversando sobre algumas falas da peça. A melhor coisa em ter amigos é
sair com eles.
— Por mim tudo bem.— Não tenho nada para fazer além de estar
nessa peça. E preciso mesmo de uma distração.
— Vou amar passar um tempo com vocês.— Elis fala e é tão fofo
que tenho vontade de apertá-la. Me lembra bastante a minha melhor amiga,
Cora.
Como minha ruivinha favorita está em outro Estado, só podemos nos
falar por videochamada(e até isso tem se tornado um problema, pois ela é
mais ocupada do que eu).
Fico animada por ter tanta sorte com essas amizades que a vida tem
me proporcionado. E espero que durem para sempre.
Assim que o ensaio acaba, fico muito cansada, mas, ainda assim,
animada para sair com os meus colegas de trabalho. Quero aproveitar cada
segundo dessa peça e espero que esse seja o caminho que me fará brilhar
como uma estrela.
Scott escolhe um lugar chique, chamado “Miss Americana”,
sinceramente, eu sorri quando escutei o nome, mas agora que estamos aqui,
me arrependo. Julguei pela capa, mas acontece.
Miss americana é um lugar bastante chique, mas escondido e não sei
como nunca ouvi falar daqui antes. O lugar é bastante limpo e com luzes que
deixam tudo mais animado.
— Queria ter coragem de dançar sem me importar com as pessoas ao
redor.— confesso meio que sem querer e Elis olha para mim como se sentisse
da mesma forma.
— Nem me fale! Eu já tentei e nunca consegui me soltar. Sou uma
péssima dançarina. Juro que parece que não estou dançando para valer
quando estou.
Scott se aproxima e passa o braço pelo ombro da loira ao meu lado,
sinto seu cheiro másculo e forte inundar o ambiente por alguns segundos.
— Depois de uns drinques, aposto que vocês ficarão soltinhas como
arroz.
Elis o empurra para o lado, mas está com os lábios levemente
repuxados para cima, em um quase sorriso.
— Uma péssima analogia, sinto te informar.
— Não pensei que alguém tão charmoso fosse tão mal educado ao
ouvir a conversa de duas mulheres.
— Pelo visto, a senhorita Corrigan está caidinha por mim, me
chamando de charmoso.
— Vai sonhando, Anderson.— mostro o dedo para ele, mas toda
essa conversa, quebra o gelo antes de nos sentarmos em uma grande mesa
retangular.
Damon também está aqui, e pelo visto, tudo o que aconteceu nos
palcos foi uma graaande encenação, pois ele voltou a me ignorar, olhando
para o seu celular como se sua vida dependesse disso.
Muita falta de consideração.
— Ok, agora que somos amigas, pode me contar porque escolheu
viver a vida nos palcos…
Não costumam me perguntar esse tipo de coisa, primeiramente
porque não sou uma grande atriz nem nada, mas sou sincera ao responder:
— Por causa do meu pai… ele me inspirou.
Scott me lança um olhar, pois já sabe um pouco da história, visto que
ele literalmente foi o meu ombro amigo e eu tagarelei para ele durante toda a
noite.
— Profundo. Ele é ator?
— Era… ele morreu.
— Ok, as coisas ficaram meio sombrias por aqui, vamos falar sobre
você, Elis.— Scott fala antes que Elis possa comentar algo, salvando a minha
pele da pena habitual, e agradeço com um olhar.
— Ah, a minha história é bem sem graça. Meus pais sempre
odiavam a ideia de ter uma filha atriz, então foi bem chato quando eu entrei
na faculdade.
— Nada sobre você é sem graça…— Anderson lança um olhar para
ela e percebo um clima entre os dois, ou talvez seja coisa da minha cabeça.
Fazemos os nossos pedidos e passamos a noite conversando um
monte de besteiras, mas vez ou outra, tenho a sensação de que Damon está
olhando para mim.
Claramente é apenas uma sensação, pois Elis está ao meu lado, então
eu desencano. Mesmo assim, fico tomando o meu coquetel de maneira sexy,
vai que ele olhe para mim de alguma forma?
Sim, eu o acho muito atraente e não ficaria nada mal se ele
resolvesse falar comigo, ou talvez sairmos. Homens misteriosos sempre me
atraem, e ele tem aquele ar de algo muito escondido.
E é por isso, que ao chegar em casa vou fuçar sua rede social.
Estou sentada, na mesma cadeira que estive outras milhares de
vezes, sozinha com um livro velho e úmido em minha mão.
— Está linda hoje, Mia.
Esboço um sorriso, pois já sei o que vem em seguida. É sempre a
mesma coisa.
— O que foi, o gato comeu sua língua? Ou foi um macaco?
Da última vez que eu tinha agradecido, ele havia caçoado de mim,
nem consigo me lembrar de suas palavras, ainda bem.
Já tentei bater minha cabeça na parede para esquecer todas as
coisas que já me falaram nesse ano. Eu queria poder denunciar, mas dessa
forma, eles se voltariam ainda mais contra mim.
E eu não consigo aguentar mais do que isso.
— Ah, agora ela é muda… literalmente uma macaca.
As lágrimas começam a queimar nos meus olhos, enquanto penso
que nunca serei boa para ser amiga de ninguém.
Assim que Trace vai embora, baixo a minha cabeça e começo a
chorar, pois somente assim, posso aliviar um pouco dessa dor no meu peito.
••
Acordo assustada.
Sou uma pessoa que tem muitos sonhos e pesadelos estranhos. Odeio
isso. Mas isso não foi um pesadelo, o que torna tudo pior. Era uma lembrança
dolorosa.
Preciso urgentemente de um café.
Visto-me o mais rápido que consigo, vou atrás do meu fone de
ouvido cor-de-rosa e após colocar um casaco, saio para clarear a minha
mente.
Somente Lana Del Rey consegue me trazer a tranquilidade
necessária, para que a minha ansiedade comece a voltar ao normal. Aos
poucos, vou me acalmando.
Estou tão aérea, que esbarro com força em alguém relativamente
mais alto que eu.
— Desculpe.— olho para cima e imagine a minha surpresa ao
perceber que é Damon Eastbourne que está na minha frente. Tiro os fones do
ouvido e fico sem reação.
Sempre imaginei que ele fosse o tipo de pessoa que morasse na 5º
avenida. Ok, estou fazendo um prejulgamento… não faço ideia se ele mora
aui nesse bairro.
— Ah, é você…
Olho para ele com os olhos semicerrados. Por acaso sou tão
repugnante assim? Dou até uma olhada na minha roupa, mas ela está normal.
— Nossa, parece que não sou a melhor pessoa do mundo para
esbarrar, né?
Os olhos de Damon escurecem, como se sentisse culpado e por um
segundo eu me sinto bem por ter causado esse efeito, até ele abrir a boca:
— Não foi isso que quis dizer… me desculpe.
Sei identificar uma pessoa triste quando vejo uma, e há algo em
Damon que expressa uma agonia, como se descobrisse uma doença terminal
ou algo do tipo. Ou talvez, eu esteja imaginando coisas demais.
— Sem problemas, eu estava distraída demais para notar você.
E por alguns segundos, nós dois não sabemos como agir e é estranho
para caramba. Mexo no fone que está na minha mão e nada me vem na
mente.
— Olha, eu sou beem alto, então você deveria estar mesmo distraída.
— Mora por aqui?— tento puxar assunto, pois quero mesmo
conhecê-lo melhor.
— Não.— seu rosto se fecha e acho que falei algo que não deveria.
Não é da minha conta.
— Então, se não estiver ocupado, quer tomar um café comigo?
Damon abre o esboço de um sorriso, seus ombros relaxam e, quando
penso que vai recusar, assente. Caminhamos lado a lado, e com apenas um
dos lados do fone de ouvido, acabo me sentindo em um clipe indie.
Como já estamos perto da cafeteria, o silêncio estranho entre nós não
se estende por muito tempo. Ele abre a porta do estabelecimento para mim e
meu coração aquece um pouco.
Arrumamos uma mesa e eu resolvo quebrar o gelo:
— Está bastante bonito hoje…— as palavras saem sem querer e eu
fico muito envergonhada por ter dito isso em voz alta, mas ganho a sua
atenção.
Assim como eu, Damon está distraído e tenho quase certeza que tem
algo com ele estar por essas áreas.
— Obrigado, tenho que retribuir o elogio.
O clima entre nós ainda está bastante tenso. Mexo nas próprias
mãos, tentando pensar em algo legal e parece que me tornei uma adolescente
boba novamente.
Peço um café extra forte e ele fica no café com leite.
— Você é de Eastbourne mesmo?
Ele me observa com interesse, e é claro que eu tinha dado um google
no nome dele e vi que era uma linda cidade.
— Tudo bem, porque estamos conversando assim? Como se
fossemos dois adolescentes? Estamos na mesma peça, então vamos
aproveitar essa oportunidade para nos conhecer melhor.
Nunca o vi falar tanto em tão pouco tempo, então começo a sorrir de
sua frase motivadora.
Claro que quero conhecê-lo melhor!
— Ainda não me respondeu a pergunta sobre Eastbourne.
— Desculpe, fiquei empolgado demais, não foi?
— Para falar a verdade, que bom que disse isso, eu também estava
um pouco incomodada. Somos dois adultos, não precisamos agir como
estranhos.— Inclino-me para frente, como se fosse um segredo
compartilhado entre nós dois.
Já tive muitos encontros nessa vida(e vai por mim que foram
muitos), mas nunca me senti tão nervosa assim. É como se Eastbourne
causasse um efeito Benjamin Button em mim.
— A minha mãe sempre gostou de Eastbourne e disse que quando
seu primeiro filho nascesse, teria esse sobrenome. Estranho, né?
— Na verdade, achei fofo… queria ter tido a oportunidade de
conhecer a minha mãe e perguntar porque me chamo Mia.— minha mãe
quem escolheu o meu nome, mas nunca disse ao meu pai o porquê dele.
— É um nome muito bonito, ela morreu cedo?
— Logo depois que eu nasci, mas tudo bem, eu tive um pai incrível.
Beberico um pouco do meu café e o líquido quente desce
deliciosamente em minha garganta. Está tocando alguma música de Colbie
Caillat, pois conheço essa voz doce em qualquer lugar.
— Nunca conheci o meu pai, ele meio que abandonou a minha
mãe…— sinto que Damon me contaria algo a mais, mas, para e bebe um
pouco de sua bebida.
— Alguns homens podem ser cruéis.— digo por experiência própria,
pois desde cedo sofri com eles.
— Sempre morou por aqui? Acho que eu teria lembrado de um rosto
bonito como o seu.
Impossível não corar com o comentário, mas logo lembro que esse é
o pior tipo de homem. Os que eu geralmente atraio. Os que não querem nada
sério.
— E eu teria lembrado desses olhos…— elogiar um homem para
inflar seu ego é a coisa mais eficaz — Mas, não. Na verdade, vivi em vários
lugares, Brooklyn, depois Mineola, depois fui para a faculdade em Queens, e
agora, moro aqui em Williamsburg.
— Estou hospedado aqui perto, então se quiser carona, para não
pegar o trem…
— Obrigada.
Seus dedos se movem sobre a xícara e ele olha fixamente para a
janela, ficando pensativo. Está um belo dia lá fora, mas Damon não parece
estar apreciando a vista, está parecendo imerso em lembranças.
— Sinto saudades da Inglaterra, mas gosto bastante daqui.
Suspiro ao lembrar da minha própria infância, quando o meu pai
estava sempre junto de mim.
— Ao falar de saudades, lembrei do meu pai, ele era o homem mais
incrível que já conheci.
— Todos os pais deveriam ser.
Encaro-o e sinto uma energia magnetizante em seu olhar. Como ele
consegue ser bonito nessa hora da manhã, nunca saberei, pois estou com os
cabelos em pé, a cara sem um pingo de maquiagem e minhas olheiras devem
estar gritando. Ele é tão lindo, que já está pronto para ser um galã de
Hollywood se quiser. Esses olhos tão intensos e em um tom de azul e verde,
me fazem suspirar levemente, até que tento lembrar do que estávamos
falando.
— Exatamente! Mas antes de o meu pai morrer, comecei a sofrer
Bullying na escola e ele me ajudou.
Sempre que falo sobre isso, minha garganta começa a ficar pesada,
mas é apenas um efeito colateral que toda essa história tem sobre mim. Não
costumo me vitimizar, pois o que eu sofri, me tornou quem eu sou.
— Lembro de uma vez que uma garota falou que meu cabelo parecia
uma esponja de lavar prato e tentou cortar um pedaço para enfatizar isso… o
meu pai me abraçou e disse que eram os cabelos mais lindos e cheirosos do
mundo inteiro.
“Logo em seguida, me levou para a cidade vizinha e tomamos
sorvete, na volta para casa, eu já tinha esquecido toda a situação e me sentia
bem melhor.
— Como alguém diz que esse cabelo é feio?
Coro novamente, mas é verdade, hoje em dia sei que meus cabelos
são mesmo muito bonitos. Certa vez o alisei e me odiei por isso. Agora eles
são volumosos e cheios de curvas, no entanto, vez ou outra passo a temida
chapinha.
— Desde quando você mora aqui nos Estados Unidos?
— Faz uns cinco anos, sempre quis me mudar para cá. Assim que
acabei a minha faculdade, aos vinte e cinco anos, vim fazer especialização e
fiquei.
Nossa, isso significa que Damon Eastbourne tem 30 anos! Eu
poderia apostar a minha vida que ele era uns três anos mais novo.
— Bem, a nossa conversa está muito boa, mas tenho que ir, ou vou
me atrasar para o ensaio.— tenho que ser a estraga prazer, pois gosto de ser
pontual.
Damon me dá o seu telefone e pede para que eu digite o meu número
e blá blá blá. Assim ele vai poder me dar uma carona e dessa maneira não nos
atrasaremos.
Fico feliz, pois toda essa situação fez com que nós dois tivéssemos
uma conversa bem bacana. E agora estou tentando não criar muitas
expectativas.
••
Eu havia esquecido completamente que hoje é o dia com uma cena
realmente quente como o sol entre Tory e Adam, consequentemente, entre
mim e Damon.
Durante todo o caminho até o ensaio, vimos discutindo nomes de
bandas e descobri que gostamos de “Evanescence”, fala sério, ficamos
falando sobre isso e nem vimos a hora passar!
Mas, agora me vejo nervosa, pois, agora é pra valer, vamos nos
beijar e tudo o que sinto é uma inquietação no meio de minhas pernas.
Ao nos chamar para começar, o olhar que Damon me lança é
extremamente quente e sensual. Fico molenga e depois de um tempo,
finalmente chega a hora de nos beijarmos.
— Me perdoe, gata.— diz antes de contar sobre a vingança contra o
pai de Tory.
Faço uma expressão de desentendida e respiro fundo antes que ele se
aproxime e toque suavemente em meu pescoço. Meu corpo reage, e fecho os
olhos. A pressão tão conhecida como “tesão” se instala em mim como uma
sanguessuga.
— Não entendo…— e antes que eu possa pensar duas vezes, Damon
aproxima o rosto do meu e me beija.
No mesmo instante que nossos lábios se encontram, sinto todo o
meu corpo vibrar com toda a emoção de um primeiro beijo. Suas mãos estão
no meu rosto e logo em seguida estão baixando até a minha cintura. Os dedos
baixam até a curvatura do meu bumbum e a sensação me deixa louca.
Gemo quando abro espaço para que ele aprofunde o beijo e nem
penso na quantidade de pessoas que está nos assistindo, na verdade, tudo se
torna ainda mais excitante.
— Minha nossa!— Sussurro para que apenas ele possa me escutar.
Passo minha mão por seu rosto antes de puxá-lo para mais perto,
como se nada estivesse bastando, porque não está. Preciso de mais. A textura
da sua língua na minha me deixa molhada.
Respiramos fundo e como ninguém nos interrompe, começamos a
nos beijar mais uma vez e dessa é ainda melhor, pois ele passa a mão na
minha bunda, algo que me deixa ainda mais ligada. Imagino essas mesmas
mãos em lugares mais indecentes…
— Está ótimo!— Escuto a voz da diretora e isso basta para esfriar o
clima entre mim e Damon.
Olho rapidamente para ele e vejo que está se controlando. Aposto
que se estivéssemos sozinhos, isso não pararia por aqui. Só em pensar nisso,
minhas entranhas se retorcem de desejo. Meus lábios estão inchados e
molhados.
— Vocês dois têm uma química inegável!
Fico bastante constrangida com isso, pois é estranho que eu receba
esse tipo de comentário juntamente à Damon Eastbourne. Os outros atores
com quem contracenei não era famosinhos como ele, esse homem já estava
escalado sem nem precisar fazer teste. Fazer parte disso junto dele me faz
pirar de ansiedade e recebo o que acabei de escutar, como um elogio.
— Andei pensando que podemos fazer essa peça explodir se vocês
fingissem estar juntos. A imprensa ama esse tipo de coisa, casais que se
formam nos palcos.
O frio na minha barriga triplica, eu e Damon nos encaramos, ambos
sem ter o que dizer. Isso é a coisa mais clichê de todas, fingir que os atores
estão juntos, mas se ajudará, não posso me abster.
— Sei que é algo para se pensar a respeito, mas acho que são
grandes atores e conseguiriam fazer isso dar certo.
— C-claro.
Mexo nos meus cabelos, desconsertada por ter gaguejado, mas, ao
mesmo tempo, começando a gostar da ideia, se isso significar que haverão
mais beijos como esse.
Na volta para o camarim, tenho certeza de que escuto Damon
sussurrar para mim que sou “gostosa”. As palavras me pegam de surpresa e
fico chateada por ele pensar isso de mim. Não inteligente, e sim gostosa,
assim como todos os outros… e eu que achei que ele fosse diferente.
Sofro com a ansiedade 24 horas por dia, ou seja, até quando estou
dormindo.- Cora

— Você é mesmo muito gostosa!— Skylar protesta, enquanto pega


mais uma colher bem cheia de sorvete de menta que compramos para a noite
de garotas.
Amo essas noites com a minha amiga, pois são muito importantes
para fofocarmos e mantermos os papos em dia.
— Não gosto que falem de mim dessa maneira e você sabe disso!
Deixo um pouco de sorvete cair na minha blusa e me xingo por isso.
— E os outros homens que já falaram coisa bem pior?
Ah, sim, os homens sempre são uns cafajestes com as mulheres, sem
elogiá-las de algo bom, mas faço careta, porque não pensei que Damon fosse
assim.
— Achei que ele fosse diferente.— dou de ombros e pego uma
colherada com muito chocolate direto do pote.
— Ah, amiga, talvez ele não tenha feito por mal.
— Até parece!— Reviro os olhos.— E falando em homens, como
vão os seus Luke’s?
— O meu noivo está muito bem, sempre concentrado. Quanto ao
pug mais fofo do universo, está preguiçoso como sempre.
— Você e o Luke noivo me dão nojinho de tão fofos.
— Que nada! Já arrumou o seu “thank u, next”?[3]
Sorrio com a menção da música e balanço a cabeça.
— Sabe como é, ando muito concentrada nessa peça.
— E seu agente conseguiu algo para depois que essa peça acabar?
Meu agente é incrível e sempre consegue uns papéis legais para
mim, mas quase não nos falamos e não sei se isso é normal, pois nunca tive
outro antes. Queria ter uma relação mais direta com quem me agencia como
atriz.
— Sem respostas, mas estou vivendo loucamente, sem pensar nisso.
Skylar coloca o sorvete de lado e sorri para mim, ela sempre tem
umas ideias malucas para me deixar feliz, acho que é coisa de melhor amiga.
— Sabe o que pode melhorar esse seu mal humor?
— O quê? Um boy magia bater à minha porta com flores e um total
de zero defeitos, dizendo que me ama?
— Ha ha ha, só se Damon fosse aparecer aqui, e como não sabe
onde você mora, acho pouco provável…
— Está insinuando que eu sinto algo por aquele homem? E que ele é
perfeito para mim?
— Você quem está falando… estou dizendo que ele é bonito de
fazer a calcinha molhar.
E realmente já causou esse efeito sobre mim…
— Skylar…
Ela dá um sorriso de menina travessa e pega o celular, e do fundo do
meu frio coração, espero que não chame Luke para fazermos algo indecente.
Claro que eu estou sendo irônica, pois isso nunca aconteceria.
— Por que está me olhando assim?— pergunta e me dou conta de
que estava feito uma doida, babando e tudo enquanto a encarava.
— Nada, me fala de uma vez o que está planejando.
— Estou pedindo uma pizza com muuiito queijo, e vamos assistir
“as dez coisas que eu odeio em você”.
Meus olhos brilham, pois se tem alguém capaz de mudar o meu
humor é Skylar. A mulher sabe exatamente o que eu gosto! Sou apaixonada
por esse filme por motivos óbvios, tem Ledger e foi inspirado na megera
domada, uma das peças que eu mais amo de Shakespeare.
— Eu te amoo.— inclino-me em sua direção e tento beijá-la, mas ela
se esquiva com facilidade e faz uma careta.
— Também amo você, gostosa.
••
Vou para o teatro com o coração bem mais leve depois da noite que
passei com a minha melhor amiga. Como ela é uma dorminhoca, ainda estava
apagada quando saí de casa, e deixei um recado na geladeira que dizia
“Assim que levantar o seu traseiro da cama, deixe de preguiça e quero ver
tudo dobrado e arrumado quando chegar”.
Sim, pareço uma mãe mandona, mas as coisas sempre funcionaram
assim, o tempo que passamos juntas nos tornou irmãs. O que me faz lembrar
de Cora. A minha ruivinha foi para tão longe que sempre imagino como deve
estar se virando.
E todo o meu bom humor se desfaz como fumaça assim que vejo um
par de olhos azuis e brilhantes me encarando.
— Bom dia.— diz, parecendo alegre, e jogo um balde de água fria
ao responder sem graça.
Para a minha sorte, Elis e Scott aparecem com um sorriso enorme.
— Olha só quem chegou, a nossa estrelinha.— Scott fala como se eu
tivesse dez anos e isso meio que me irrita, por isso reviro os olhos.
— Se falar comigo mais uma vez com essa vozinha, juro que não
pode me culpar por minhas ações.
Escuto uma música ressoar dentro do teatro e me animo.
— Hoje vamos nos aquecer com dança.— Elis segura a minha mão e
me puxa até o camarim, para que eu possa deixar as minhas coisas antes de
irmos dar o nosso show.
Estou com uma blusa de ombro a ombro que realça bastante os meus
seios. Não deixo de olhar de soslaio para Damon e fico frustrada quando
percebo que está com o seu celular.
Sei que ele age como um babaca, mas sair com ele naquele dia me
fez perceber que talvez exista algo a mais debaixo dessa capa protetora que
ele insiste em usar.
— Damon, venha participar conosco.— Elis fala com uma voz
manhosa e ele solta(finalmente) o celular para o lado e vem em nossa direção.
Sinto minhas mãos ficarem um pouco trêmulas e frias com a
proximidade. É patética a forma que me sinto quando ele está por perto, mas
a beleza espetacular desse homem ajuda bastante.
— Se solta, gato.
Percebo que Elis e Damon fazem um casal incrível e que ela acabou
de chamá-lo de “gato”, então de fato, são muito próximos. Tenho que parar
de pensar nesse homem de forma sexual, pois não quero me meter em um
triângulo amoroso.
No entanto, Damon fica me encarando, como se houvesse algo
muito interessante no meu rosto.
— Andou beijando por aí, Mia?
A pergunta me pega de surpresa, e é tão hilária que me pego
gargalhando como uma boboca… OLHA SÓ OQUE EU ACABEI DE
PENSAR!
BOBOCA!
Ninguém mais fala esse tipo de coisa.
Os meus pensamentos me fazem rir ainda mais e quando menos
percebo, minha costela tá doendo.
— Que… tipo… de pergunta… é essa?
Não sou a única que está sorrindo, pois Elis e Scott estão me
acompanhando. Damon apenas me fita enquanto me recupero.
— Realmente estou interessado nisso… é que seus lábios estão
muito inchados.
Por instinto, toco no meu lábio inferior e isso faz com que ele fixe o
olhar ali, fazendo o meu corpo esquentar e meu cérebro derreter. Penso nessa
boca sobre a minha, penso em como quero mordiscar depois de nos
beijarmos.
— Isso é gloss.
Mas, agora quero que Damon me beije até meus lábios ficarem
inchados e doloridos. Sei que essa pergunta foi apenas uma provocação e isso
me deixa sem fôlego.
Logo que a graça toda passa e somos chamados para começar o
ensaio é que me dou conta de como Damon está agindo como um babaca
para cima de mim. Primeiro foi o lance de me chamar de “gostosa”, sem nem
me conhecer direito e agora, acha que eu saio beijando várias bocas por aí.
Mesmo que eu estivesse(o que não é da conta dele), meio que está me vendo
como um objeto sexual.
Ou eu estou ficando neurótica. Já não sei no que pensar.
Mas isso acaba afetando o ensaio, fico distante e acho que todo
mundo percebe. As vezes, acho que não sou uma atriz tão boa se as pessoas
conseguem me ler.
É nisso que penso até o ensaio acabar e eu estar cansada e suada
demais.
Pego as minhas coisas e antes de ir embora, passo no banheiro, para
lavar o rosto e resfriar as ideias.
— Quer uma carona?
Me sobressalto com a voz grave que ecoa atrás de mim. Sinto-me
entregue ao sentir meu pulso acelerar.
— Não, tá de boas… pego metrô.
— Por que está me evitando, Mia?
Me finjo de tonta e franzo a testa, pensando em uma desculpa que
posso usar para que ele acredite.
— Apenas gosto de ir de metrô, posso escutar as músicas que eu
gosto.
Ele se aproxima e sinto o seu calor emanando através da roupa. É tão
alto que assim que chega bastante perto, tenho que inclinar a minha cabeça.
— Por que está me evitando?
— Não estou te evitando…— sei que ele percebe o quanto a minha
voz está entrecortada.
— Estou um pouco obcecado com essa boca.
Sinto os pelos da minha nuca arrepiarem, quando ele olha para mim
com tanta devoção, e fixa a atenção nos meus lábios.
Não consigo pensar em mais nada, apenas sigo o movimento de suas
mãos vindo em direção ao meu rosto, os dedos tocam a minha bochecha e
fecho os olhos com o calor bom que traz.
Não tem como eu pensar em mais nada.
— Me beija logo!— meus lábios se movem sozinhos, como se eu
estivesse hipnotizada.
— É isso que você quer?
Como se estivesse apenas atiçando um pouco mais de fogo, Damon
se inclina para perto do meu rosto, os lábios perto dos meus e uma tensão que
me deixa nervosa, o coração disparado.
Assinto e Damon me vira, me prensando contra a parede, suspiro
antes que ele tome a minha boca com a sua. É feroz e brutal a forma como ele
move os seus lábios contra os meus antes de abri-los e explorar ainda mais,
por dentro de mim.
Gemo contra ele e sinto seu corpo pressionar ainda mais o meu.
Puxo seus cabelos e é a minha vez de explorar a sua boca com desejo.
Se ele pensa em mim como um objeto sexual, não faz mal pensar da
mesma maneira. E quando penso estar no controle, sinto sua ereção contra
mim e suspiro, sem forças. Mudança de controle mais uma vez.
— Agora… seus lábios estão inchados de verdade.— Se inclina no
meu ouvido e sussurra— Mas foi eu quem os deixou assim.
Sua declaração me faz sorrir um pouco e ainda estou embasbacada
com o que acabou de acontecer. Eu dei uns amassos com Damon no banheiro
do teatro!
— Tem certeza que não quer carona?— a cada segundo a sua voz
fica ainda mais baixa, grave e consequentemente roucamente sexy.
Depois do que acabou de acontecer? Eu dispenso, pois não tenho
controle de nada quando se trata dos meus desejos.
— Tenho, mas obrigada mesmo assim.— estou sussurrando, pois
não tenho fôlego para falar em tom normal.
— Nos vemos amanhã.
E depois de dar um beijo na minha testa, Damon sai do banheiro e
me deixa sozinha e completamente confusa, com uma energia dentro de mim
que pede mais.
A vida é curta, então não perca seu tempo com um homem babaca.-
Mia

A ligação com um número estranho no meio da madrugada deveria


ser um indicativo de que algo muito ruim acabara de acontecer. Sinto um
arrepio na nuca antes de atender e é claro que não são palavras de consolo
que escuto.
— Você é Mia Corrigan?
— Eu mesma.
— Estou ligando do hospital de Williamsburg, para informar que
Rute Corrigan está aqui na área vermelha.
Acordo instantaneamente, sentindo o meu coração despencar. Isso
não pode estar acontecendo! Deve ser mesmo um pesadelo, pois a minha tia
mora em Mineola, que é um tanto longe daqui.
— Estou chegando!— Minha voz está bastante estranha, uma
mistura de sono e desespero.— Tenho que ver com meus próprios olhos para
acreditar no que estou ouvindo.
Procuro a primeira roupa que vejo em minha frente e prendo o meu
cabelo, pois ele está uma bagunça(não que eu me importe). Nessas horas bate
uma raiva de mim mesma, pois eu deveria comprar um carro e deixar o meu
medo de dirigir de lado.
Sei exatamente porque a minha tia está no hospital. Aquela mulher é
mais teimosa que uma mula quando empanca!
Enquanto espero o “uber”, fico com o coração na mão, me sentindo
péssima, por não ligar para ela e saber sobre sua saúde e como anda a sua
doença… pelo visto, está péssima.
Vinte minutos depois, entro pelas portas do hospital, desacostumada
com o cheiro que paira no ar, e depois de uns minutos, entro no quarto em
que minha tia está.
Vejo seus olhinhos abertos e fico aliviada, solto o ar que estava
prendendo durante todo o caminho.
— Olhe só para você!— é a primeira coisa que falo, num tom
acusatório.— O que a trouxe para Williamsburg?
Minha tia sorri, sem forças e bate com a mão ao lado de seu corpo,
no espaço da cama que sobra.
— Sei que deveria ter avisado sobre a minha estadia por aqui, mas
esse é um dos melhores hospitais da região e eu estou sem circulação nos pés.
O nó na minha garganta se intensifica. Não sei quando começamos a
brigar e como tudo isso começou, mas definitivamente não foi minha culpa.
— E o que vai acontecer agora? Na verdade, me conte o que houve!
Tia Rute baixa a cabeça e me sinto mal de verdade por vê-la nessa
situação e não poder fazer nada.
— Desmaiei várias vezes enquanto tomava banho e depois de uma
hora, chamei a minha vizinha para me trazer aqui. Vou ter que amputar o meu
dedão do pé. Eu já tinha passado mal algumas vezes, por isso, há dois dias a
atrás, viajei para cá.
Respiro fundo e tento me concentrar no que acabei de ouvir. A
minha tia tem diabetes faz um tempão, mas nunca nem procurei saber de que
tipo era. Eu deveria saber…
No entanto, não sabia que tinha piorado tanto até chegar nesse ponto.
Essa doença é muito traiçoeira e horrível.
— Oh, sinto muito.— Luto contra a minha vontade de chorar, até
que se torne insuportável.
— Estou nas últimas, minha querida, não consigo parar de comer as
coisas que sou proibida.
— Você deve parar de comer doces, tia, isso está literalmente te
matando, caramba!— minha voz falha tanto que tenho que clarear a garganta
antes de continuar.— Sei que não somos tão amigas, mas só tenho você.
Nunca a vi chorar e não veria isso agora, mas sei que ela fica abalada
com minhas palavras e quando segura a minha mão, sinto isso, a emoção.
— Fiquei tão assustada, minha querida, achei que fosse morrer antes
de te pedir perdão.
Eu, como uma manteiga derretida, começo a chorar, mesmo
tentando controlar as minhas lágrimas o máximo de tempo. Choro por um
bom tempo antes de falar:
— Eu te perdoo, por tudo…
— Sinto muito, Mia, eu te culpei por muito tempo pela morte do
meu irmão, mas você não teve culpa, pequena, era apenas uma criança que
teve o seu mundo virado do avesso.
As palavras ativam em mim um modo chorão e eu limpo o meu nariz
quando começa a escorrer.
— Te fiz sofrer, mas sempre via o olhar dele em você e isso me
magoou, mas não quero mais viver assim.
— Eu entendo.
— Entende mesmo?
Assinto, pois sou o tipo de pessoa que rapidamente esquece as coisas
ruins que passaram. A pessoa pode ser maldosa comigo, depois nem lembro
disso. Já sofri tanto nessa vida, que algumas coisas horríveis, são apenas
“ruins”.
— Te devo mil perdões e enquanto eu viver, vou pedir para que me
perdoe de coração.
— Já perdoei, sério.
Faz muito sentido que ela tenha me culpado pela morte do papai, eu
mesma fiz isso, então não posso julgá-la.
— Que Deus te abençoe, Mia, você tem um coração de ouro e
realmente espero que seja feliz.
— Ei, você não vai morrer, tia Rute, ainda vai viver bastante e me
irritar como sempre fez.
Se tem algo que eu sei, é que pessoas diabéticas não morrem tão
fácil assim.
— Eis o que vai acontecer… você vai fazer essa cirurgia e vai parar
de comer doces e eu sempre irei visitá-la.
— Soube da peça que está participando, o seu pai ficaria muito feliz
em ver isso.
— Acredito que ele está em algum lugar muito especial, me
observando e torcendo por mim.
Tia Rute aperta a minha mão e faz carinho com os seus dedos nos
meus, tão leve que faz cócegas.
— Vai mesmo me visitar?
— Claro que sim, e vou achar um bom enfermeiro para fazer os
curativos que você precisar. Só quero pedir uma coisa.
— O quê?
— Nunca mais me assuste assim, no meio da noite! Olhe para o meu
cabelo? Parece que é um ninho de passarinho que foi ocupado por ratos
bagunceiros.
— Boa analogia, está péssimo mesmo.
Pela primeira vez na noite/madrugada, dou um sorriso e é genuíno.
Dizem que as doenças ligam as pessoas e é verdade mesmo. Fico feliz em
fazer as “pazes” com a minha tia, pois é a única pessoa da família que tenho.
— Agora, vou te deixar descansar.
— Vá para casa, depois você volta…
— Eu ficarei! Pelo menos até amanhã de manhã, para ter certeza de
que você está bem.
— Eu te amo.
Meu coração aquece diante dessas palavras, mas não quero falar
apenas porque ela falou, e sim quando sentir que é a hora… mas não é agora.
— Durma bem, tia.

Estou pelo corredor, e pego meu celular, finalmente. Mando uma
mensagem para Skylar e Cora, contando sobre o que aconteceu. Sobre como
tudo ficará bem entre mim e a minha tia… assim eu espero.
Acabo esbarrando em uma das paredes e derrubando o celular no
chão, que desliza e corro para não perdê-lo de vista. Assim que consigo de
volta o aparelho, vejo alguém através do vidro e tomo um susto.
É Damon!
Somente a visão dele me faz suspirar, está com uma camiseta branca
de manga longa, sorrindo com uma criança careca no braço. É a coisa mais
linda do mundo.
Engulo em seco, tentando imaginar o que ele está fazendo aqui e
porque está sendo tão fofo. Me pergunto se ele ajuda crianças inocentes que
tem câncer.
Meus pés criam vida própria e assim que estou na porta, sinto seus
olhos recaírem em mim. Damon claramente está tão surpreso quanto eu. Seus
olhos brilham antes de pousarem na minha boca, me causando uma sensação
estranha na boca do estômago.
Abro a porta e as crianças olham para mim, é tão estranho e ao
mesmo tempo, tão certo…
— Oi.
— Crianças, essa aqui é minha amiga, Mia.
Amiga? Eu não parecia uma amiga quando a língua dele estava
dançando na minha boca.
— Oi, Mia.— todas elas falam para mim e fico tão feliz quanto um
pinto no lixo.
— Quer se juntar a mim?— pergunta baixinho e eu assinto.
Por mais de meia hora, ficamos brincando com as crianças. O
hospital disponibiliza alguns jogos de caixa e é realmente muito divertido.
Algumas delas estão muito debilitadas por causa da doença, e eu fico muito
mal por saber que são tão jovens e já carregam consigo algo tão ruim.
É como morrer antes mesmo de viver, literalmente isso.
— A diversão acabou…— diz uma enfermeira e até eu me sinto
triste, pois estava realmente gostando de ficar com esses pequenos.
Saio da sala me sentindo bem melhor do que quando cheguei nesse
hospital, e mesmo estando com muito sono, fico triste por não poder ficar
mais um pouco.
— As vezes as crianças não conseguem dormir por causa da
garganta irritada de tanto vomitar…
Estamos lado a lado e sinto um frio na barriga porque é Damon e
ainda não sei como me sentir quando está por perto. E depois de ver essa
nova face dele, estou instável.
— Não vai me perguntar o que estou fazendo aqui?
Coloco uma mecha que caiu para trás da orelha, abrindo o meu
campo de visão e parando de andar para falar com esse inglês.
— Não gosto de pressionar as pessoas, mas se quiser me contar…—
dou de ombros.
Damon sorri e sinto vontade de beijá-lo, mas logo recobro o meu
juízo, lembro de onde estamos e de como seria inapropriado.
— A minha mãe está em fase terminal de CA.
Posso jurar que o meu coração despenca dentro do meu peito. Vejo a
dor em seu olhar e seus ombros baixam, como se ele fosse uma criança que
acabou de descobrir sobre a morte.
— Sinto muito, Eastbourne, ninguém merece isso.
Tenho a audácia de segurar a sua mão e o calor dela invade a frieza
da minha(desde que cheguei no hospital, estou ansiosa e isso deixa a minha
mão com baixas temperaturas, como se eu estivesse com frio), é tão gostoso
que o puxo para um abraço, querendo mais contato com ele.
— Obrigado… ninguém sabe disso.
— Não deve ser fácil carregar essa barra sozinho, você não deveria
guardar isso para si.— falo com a voz abafada pelo seu peito.
Suas mãos vão até a minha cabeça e ele mexe nos meus cachos, é
relaxante. Gosto de pensar que estamos ambos arrasados por estar nesse
hospital e ter parentes doentes.
— Sei disso.
—E obrigada também, porque eu acabei me distraindo com aquelas
crianças.
Nos afastamos e ele semicerra os olhos em minha direção,
lembrando que estou em um lugar que não deveria.
— Não me diga que estava me seguindo…
— Claro que não, seu egocêntrico! Estou visitando a minha tia.
— Sou todo ouvido, já que contei sobre a minha mãe, podemos
trocar segredos.
Sorrio e respiro fundo antes de contar rapidamente sobre a minha tia,
a pessoa que me criou e que não era assim tão boa comigo, mas agora está
doente e me pediu perdão. Ele escuta tudo, bastante quieto e quando eu
termino, segura a minha mão.
— Já que estamos falando de perdão, me perdoe pelo outro dia.
Fico tão chateada que puxo a minha mão. Não acredito que está me
pedindo perdão pelo beijo delicioso que demos!
— Não deveria ter te chamado de gostosa…
— Ah…
— Você pensou que eu estava pedindo perdão porquê?
Fico calada, pois não quero falar sobre o nosso beijo aqui dentro de
um hospital. Desde que nos beijamos, eu anseio repetir a dose e muito
preferencialmente se estivermos em um quarto fechado.
— Ah, entendi, o beijo.
— Claro que não… e eu aceito as desculpas, realmente é muito
grosseiro dizer que alguém é gostosa!
Viro o rosto e sinto o seu sorriso maroto em minha direção.
— Mas você é muito gostosa, estou pedindo desculpas porque não é
a única coisa que você é.
Respiro fundo e tento não olhar para essa beldade sentada ao meu
lado, pois nesse momento não tenho controle sobre mim mesma.
— Pare com isso, Damon, não é o melhor lugar.
— Tudo bem, só quero dizer que você é muito inteligente, Corrigan
e é muito bonita, mas hoje descobri que além de tudo isso, é bondosa com
crianças… estou maravilhado com tantas qualidades.
— Está falando isso porque nunca me viu acordar, não viu todas as
minhas estrias e celulites… isso e tantos outros defeitos que eu tenho.
— Mesmo que você tivesse todos esses defeitos, eles não superam
suas qualidades. Aceite os elogios.
Me sinto estranha quando recebo algum elogio, como se fosse algum
tipo de brincadeira ou zoação com a minha cara. Isso tudo por causa dos
babacas que zoaram com a minha cabeça. Todos aqueles elogios de mentira
mexeram comigo profundamente.
— Não consigo…
Damon segura o meu queixo e nossos olhos se fixam por alguns
segundos, antes de eu quebrar o contato. Não quero escutar mais nada.
Preciso ir para casa e descansar um pouco antes de mais um dia corrido.
— Acho melhor eu ir embora.
— Quer carona pra casa?
— E você descobrir onde eu moro? Eu passo…
— Ah, foi por isso que não aceitou a minha carona no outro dia?
— Mais ou menos, vou fazer um mistério. Se estivermos em algum
local movimentado, longe da minha casa, eu aceito.— lembro da primeira vez
que aceitei a sua carona.
Claramente não é a resposta certa, mas que se dane, não é mesmo?
Preciso ir embora daqui antes que eu beije esse homem para esquecer um
pouco dos problemas da minha vida. E fazer isso não será muito honesto com
nós dois.
— Tchau, Eastbourne.
Vou rapidamente dar um tchau para a minha tia e sigo para a minha
casa, preciso urgentemente dormir e esquecer que existe um mundo por
enquanto.
Você sempre está nos meus melhores e piores sonhos.- Mia.

Estou na sala de aula e é quando o vejo, o garoto mais lindo de


todos. O loiro dos olhos azuis que é o típico padrão americano. No entanto,
há algo diferente nele.
Vem na minha direção, porém não dirige o olhar para mim. Está
sentado perto de mim, mas não tira os fones do ouvido. E mesmo assim, eu
me apaixono à primeira vista.
É exatamente esse tipo de garoto que me coloca para baixo e ainda
assim, sinto algo de diferente nele.
Vejo Angelina se aproximar de mim, com o intuito de conhecer o
novato, e me lança um olhar de nojo, ela é o padrãozinho americano
também, com sua aura “Angelical” como todos falam, se referindo ao
próprio nome.
Mas vou contar um segredo… ela não é nada angelical, se parece
mais com um anjo caído.
— Qual o seu nome?— pergunta ao loiro, mas ele a ignora
completamente.— Não quer sentar conosco lá na frente?
O tal garoto levanta o olhar para Angelina e dá o sorriso mais falso
do mundo, e quase me sinto mal por ela.
— Não, tô de boa aqui.
— O pior lugar do mundo para estar.
É claro que ela não perderia a oportunidade de me colocar para
baixo na frente do aluno novo, mas isso me magoa, porque eu queria chamar
a atenção dele de maneira positiva.
— Eu realmente tô “de boa” aqui.
— Meu nome é Angelina, então se quiser se juntar a mim no
intervalo…
Até o jeito fingido dessa menina me irrita, pois ela está tratando o
menino assim apenas por causa de sua cor. Aposto que se fosse negro como
eu, Angelina passaria bem longe.
Não há tantas pessoas de cor aqui onde estudo e é por isso que eu
sofro tanto. Na verdade, até pessoas negras me jogam de lado, pois sou um
pouco mais negras do que elas.
Isso se chama “colorismo”, eu fiz um “google” e descobri. Não
sabia que era possível, mas soube na própria pele o que é sofrer preconceito
de pessoas negras por ser mais negra do que elas.
— Mais uma vez… não.
Angelina finalmente deixa o loiro de lado e vai para o seu lugar de
sempre, a boa aluna da primeira fila, que responde tudo o que os professores
perguntam.
Acho que nunca escutaram a minha voz, pois nunca falo, e se eu
faço isso, me olham estranho. Sou chamada de “mudinha”, pois eles me
oprimem e não me dão voz. Me apelidam depois de tudo.
Estão acabando comigo, cara. Literalmente!
As vezes, bato minha cabeça na parede, com força, para tentar
esquecer tudo o que já passei e ando passando. Não sofri perda de memória
como desejava, mas tudo bem. Nada dura para sempre, nem esse sofrimento
todo.
Com certeza, há pessoas passando por algo pior do que eu, então,
não posso reclamar, né?
••
Respiro fundo ao abrir os olhos, pois esse sonho parecia bem mais
real do que o último que tive. Lembrar dessas coisas não está me fazendo
nada bem.
Depois que comecei a ir nas terapias, descobri que meu problema
importava sim, por isso, eu deveria ter contado para alguém sobre o que eu
estava sofrendo naquela época.
Nem consigo lembrar a primeira vez que sofri preconceito, mas os
anos vão passando e você começa a desconfiar de tudo e de todos. Até
mesmo quando as pessoas sorriem perto de você…
Precisei de terapia para poder voltar a confiar nas pessoas, e estou
dando a volta por cima, finalmente.
Coloco meu celular para tocar e meu daily mix começa com “Sober”
de Selena Gomez, que fala sobre alguém não amar quando está sóbrio. Eu
sorrio quando lembro de um cara com quem saí, ficava todo meloso quando
bebia.
— Mia, meu mel, acho que quero muuuito te beijar novamente. Seus
olhos são como o mel da minha vida.
Foi a única vez que saímos, porque fiquei morrendo de vergonha
alheia dele. O cara até tentou me pedir desculpas, mas não consegui sair com
ele novamente.
A minha vida é cheia de altos e baixos, mas nunca mais encontrei
alguém que pudesse me tirar desse limbo de encontros fadados ao fracasso.
Todas as vezes que me relaciono com alguém, tenho baixas
expectativas, pois já sei que algo dará errado.
Meu celular começa a tocar e vejo o rostinho sorridente de Skylar.
Ainda lembro quando nos conhecemos e eu achei que ela fosse uma esnobe.
Até hoje a garota não sai sem maquiagem, mas tem um coração enorme, além
disso, sempre me divirto com suas trapalhadas.
— Bom diaaaaaa.
— Quanta animação logo cedo, Sky.
Sua risada reverbera pela linha e me contagia.
— É que eu vou viajar com o Luke, então estou saltitando de
felicidade.
— Quando vocês dois finalmente vão se casar?
— Também não sei, mas isso não importa, né? Nos amamos e eu
quero ficar com ele para sempre o casamento é só um papel.
Realmente amo essa energia da minha amiga, e sinceramente, nunca
conheci uma pessoa que não sabia se era virgem ou não, até conhecer Skylar.
Fiquei com muito medo de Luke pisar na bola uma outra vez, mas o homem
faz de tudo pela felicidade de sua noiva.
— Tudo bem, princesa do desastre, era só isso que queria me contar?
— Queria convidar você para sair comigo e o meu noivo. Vamos
para uma baladinha, encher a cara e fazer muito sexo na volta para casa.
Solto uma gargalhada, pois somente essa garota para fazer o meu dia
ficar melhor de alguma forma.
— Claro que aceito… pelo menos, a parte da baladinha. Já estou na
seca faz um tempo e preciso loucamente de sexo na volta para casa.
Repentinamente, penso em Damon, pois ele é a única pessoa com
quem quero desesperadamente aliviar toda a minha tensão sexual. Quando
penso naquelas mãos pelo meu corpo, e naquele beijo de tirar o fôlego,
suspiro.
— O que significa esse suspiro, Corrigan? Tem algo acontecendo
nos bastidores daquele teatro, não tem?
— Eu e Damon nos beijamos.— solto de uma vez.
— NÃO ACREDITO!
— Shhhhhh. Não precisa gritar!
— E não precisa me falar para não gritar, gritando de volta.
— Ok, vou resumir bem rápido… ele me beijou no banheiro unissex
e eu sinceramente queria muito um repeat disso.
— Ai meu Deus, eu preciso conhecer esse tal de Damon e dar a
minha aprovação.
— Eu amo você, Skylar!
— Já sou comprometida, mas acho que não rola ciúmes da parte de
Luke se eu falar que te amo também.
Tão típico dela enrolar para falar que me ama… mas ouvir isso de
alguém, que eu considero como uma irmã, deixa a minha cabeça mais leve
depois das merdas com que tenho sonhado.
••
Meu coração começa a acelerar sem motivo algum e eu tenho que
respirar várias vezes antes de me concentrar na fala seguinte. Odeio ficar
ansiosa, pois nem tem um motivo para isso.
— Mia, tá tudo bem?
Elis para o que está fazendo e olha para mim, preocupada. Essa
menina é um anjo.
— Sim, tudo. Só fiquei ansiosa de repente.
— Quer tomar algum calmante? Acho que o mal desse século é a
ansiedade.
Um passo de cada vez é como eu devo enfrentar a ansiedade.
— Obrigada, Elis, mas daqui a pouco passa.
— Se quiser conversar sobre alguma coisa, estou aqui.— ela segura
a minha mão e sinto vontade de chorar de tanta emoção(sim, eu sou uma
besta quando as pessoas são legais comigo).
O teatro hoje está com uma aura mágica, como se as luzes
estivessem mais brilhantes ou algo do tipo. E assim que meus olhos recaem
sobre Damon Eastbourne, os batimentos cardíacos voltam a bater mais forte,
mas agora, a razão é ele.
Me sinto uma falsa com a Elis, pois já ouvi umas fofocas sobre ela
ter um caso com Damon e bla bla bla, e aqui estou eu, sendo consolada por
ela, enquanto penso em beijar Eastbourne.
— Minhas estrelas favoritas…— diz o homem ao se aproximar, com
os olhos azuis em mim e meio que sem querer eu suspiro.
É como se eu tivesse 17 anos outra vez, ninguém entenderia o que
estou sentindo agora.
— Não sei onde está o meu celular… acho que eu morreria se
ficasse um dia inteiro sem ele…— Elis revira os olhos e sai de perto, me
deixando sozinha com o homem dos olhos frios.
É assim que o apelidei internamente, porque são azuis como gelo e
já vi um livro com esse nome em algum lugar por aí.
— E você, ficaria um dia inteiro sem celular?
— Claro que sim, eu leria um livro e tudo ficaria bem.
Damon parece gostar da minha resposta e ergue uma sobrancelha, eu
nem sabia que poderia ficar ainda mais sexy, mas estava profundamente
enganada.
— Qual seria o livro que você escolheria nesse dia sem celular e sem
vida social?
Dou uma gargalhada, mas fico sem graça ao lado dele. Como se
nunca tivéssemos nos beijado loucamente no outro dia.
— Algum da Ágatha Christie…
— Eu estava apostando que seria algum romance mel com açúcar.
— Não sou uma pessoa romântica, mas se eu fosse levar um
romance, seria erótico.
Os olhos de Damon semicerram e quando ele morde o lábio inferior,
sinto meu coração pesar dentro do peito e posso apostar que estou quase
babando por aqui.
— Gostei dessa resposta.
Ele ergue a cabeça, como se soubesse todas as respostas do universo.
— Alguém já te falou que você é muito arrogante?
Seus dedos encostam de leve no meu braço e vão traçando um
caminho até a minha clavícula, seguro a minha respiração, com medo de que
ele pare de me tocar dessa maneira.
Completamente enfeitiçada por ele.
Justo quando seus dedos estão chegando no meu pescoço, Maya nos
interrompe com sua prancheta e nos observa como se tivéssemos sido pegos
no flagra.
— Eu estava procurando vocês dois, já vai começar.
••
Depois do que aconteceu entre mim e Damon, tento evitá-lo o
máximo que posso. Assim que somos liberados, vou correndo para casa e
mando uma mensagem para Scott e Elis, perguntando se querem ir comigo
para a balada. Elis conta que já tinha marcado com uma amiga, mas Scott
manda vários áudios no whats sobre estar animado.
Horas depois, estamos todos em uma baladinha bem animada que
abriram recentemente, e o bom é que é relativamente perto da minha casa.
Vejo Skylar sussurrando alguma coisa no ouvido de Luke e ele sorrindo, é
uma cena bem fofa para ser sincera.
— A melhor amiga do mundo chegou. Um brinde!— Sky me
entrega um copo de plástico e eu franzo a testa. Se eu não conhecesse ela,
diria que já está bêbada, mas ela é exatamente assim mesmo sem beber uma
gota de álcool.
— Realmente uma grande amiga.— Luke complementa.
— Tenho que ligar para o Scott, ele ainda não chegou.
Fico com medo de que tenha furado comigo, mas no segundo toque,
ele atende e diz que já está na pista de dança, se divertindo.
Pouco tempo depois, o vejo vir até nós e faço as apresentações. Falo
sobre como Sky é atrapalhada e por isso, sempre temos que ter cuidado com
ela, ele sorri.
— Ok, eu preciso fazer essa pergunta… vocês preferiam tomar um
banho de água quente no verão ou um banho de água gelada no inverno?—
minha melhor amiga é muito estranha…
Começo a sorrir, porque é uma pergunta realmente aleatória e
realmente ridícula.
— Banho com água quente é bom em qualquer estação.— Luke dá
de ombros e Scott concorda com ele.
— Tudo bem, acho que já foi esquisita o suficiente, Skylar. Vou
levar meu amigo para dançar.
Ela mostra a língua para mim, como uma criancinha mimada, o que
só me faz amá-la ainda mais.
— Então, você sempre vem aqui?— pergunta ele e sorri com a piada
sem graça.
— Gosto de você quando está calado.
Scott coloca o braço sobre meus ombros e puxa o celular para tirar
uma foto nossa. Diz que é para postar nas redes sociais, o que me faz lembrar
da conversa que tive com Damon um pouco mais cedo.
Que droga! Porque estou pensando nele?
Ah, eu sei… estou me sentindo muito atraída por ele.
— Mia, me beija?— o pedido me tira do devaneio e eu arregalo
meus olhos diante desse pedido maluco.
Essa noite está cada vez mais interessantemente aleatória.
—Tá falando sério?
— Estou.
Dou de ombros, porque beijar nunca fez mal a ninguém. E só assim
eu posso tirar Damon da cabeça. Além disso, já beijei outros amigos meus,
não é como se fossemos transar daqui a alguns minutos.
Tomo a liberdade de segurar a cabeça dele e puxá-lo até mim, seus
lábios encostam nos meus e por um momento ficamos assim, sem nos mover,
até que ele me segura contra o seu corpo, então aprofundamos o beijo e sua
língua está na minha boca. É estranho, porque tenho ele como um amigo. O
beijo é bom, mas não parece certo, por isso me afasto.
— O que houve?
— Não sei, é estranho beijar você.
Foi um bom beijo, mas é melhor nos divertirmos de outra maneira.
— Ok, então vamos dançar até você ficar com os pés doendo por
causa desses saltos.
— Estou cem por cento dentro.
É exatamente o que gosto em Scott, ele não fica chateado por causa
da interrupção do beijo e sinceramente, agora que estou parando para refletir,
acho que nós dois tínhamos outras pessoas em mente.
Scott me gira e dançamos por muito tempo, até que meu celular
começa a tocar. Só consigo sentir uma vibração na bolsa e assim que pego o
aparelho, vejo o número da minha tia.
— Ai meu Deus, preciso atender, Scott.
— Fique à vontade, Corrigan.
— Provavelmente, terei que ir embora.— fico um pouco triste por
causa disso, mas se a nossa família precisa de nós, temos que ir.
— Nos vemos depois?
— Claro… estamos presos por alguns meses.
Sigo em direção à Skylar e me despeço rapidamente, ela fica triste
por eu ter que sair, mas entende que minha tia precisa de mim nesse
momento.
Ao ligar de volta, a primeira coisa que escuto é:
— Eu quero morrer, Mia!
Ao sentir que o meu coração começa a acelerar em um ritmo
preocupante, sei de onde tem vindo as minhas ansiedades. Tentei reprimir o
que estava sentindo e isso está voltando para mim.
— Já estou chegando.
••
Odeio hospitais e sempre que fico doente, faço de tudo para dar um
jeito em casa mesmo. Quando fico gripada, tomo chá ou vou na farmácia e
compro algum remédio para gripe que não precisa de receita médica.
Isso porque fiquei traumatizada na primeira vez(que eu lembro) que
estive em um. Quando meu pai foi trazido para o hospital e me deram a
notícia de que ele tinha morrido. Aquele foi o pior dia da minha vida, pois eu
vi o meu pai morrer na minha frente e eu nem sabia o que era morte direito.
E aqui estou eu, enfrentando a minha ansiedade para ficar com a
minha tia, a mesma que me desprezou quando eu mais precisei. Ainda bem
que eu sou uma pessoa que perdoa facilmente.
— Ei.— falo assim que passo pela porta e vejo o rostinho tão
parecido com o do meu pai, só que em uma versão feminina.
— Olá, querida, já estou me sentindo melhor.
—Só estava sendo dramática, ou há algo passando dentro dessa
cabecinha?
Tia Rute olha para meu vestido de festa e para os sapatos de salto na
minha mão(pois não sou obrigada a ficar com esses saltos altos em um
momento como esse).
— Acabei com a diversão?
— Relaxa, a balada sempre vai estar por perto, mas você, pelo visto,
não.— estou sendo irônica, e fica bem explícito na minha voz.
A minha tia começa a sorrir, tão fraca depois de todo esse processo e
eu sento na poltrona ao lado de sua cama.
— É sério, você tem que parar de comer doce!
Conversei um pouco com a médica no outro dia e descobri que o pé
da minha tia estava necrosando, sem circulação, e tudo começou com uma
unha preta. Se ela tivesse sido menos teimosa, tudo teria sido bem mais fácil.
Mas, as coisas foram ficando piores e agora aqui estamos, e
sinceramente, espero que depois dessa cirurgia(de arrancar o dedão do pé),
tudo se resolva.
Sei que o processo será um pouco demorado, pois arrancar membros
costuma ser uma coisa bem difícil, mas espero que Rute aprenda a lição dessa
vez.
— Lembra quando fomos naquela sorveteria italiana e você repetiu
várias vezes o sorvete de menta?
Suspiro, pois é uma das lembranças boas da minha infância.
— Como eu poderia esquecer? Você foi tão legal comigo naquele
dia…
— Isso porque eu estava muito feliz, com todo aquele sorvete e tal.
— É estranho te ouvir falar “e tal”, acho que nunca se abriu comigo.
— Podemos ser melhores amigas agora.
— Claro que sim. Depois de anos e anos… é como dizem, só não há
volta para a morte.
Rute começa a sorrir, e isso me deixa muito animada, saber que eu e
ela estamos começando um novo capítulo de nossas histórias. Me aproximo
dela e passo a mão pelo seu rosto, suas rugas estão mais acentuadas e ela me
observa com os olhos brilhantes.
— Sempre que penso nessa cirurgia, fico mal.
— Vai dar tudo certo. Eu sei que vai.
— Sinto como se eu fosse, de fato, morrer, Mia. É algo que eu
sentirei falta em mim mesma.
— É só um dedo, tia, seria bem mais difícil se fosse todo o seu pé.
Engulo em seco, pois eu também estaria enlouquecendo se
descobrisse que seria retirado uma parte de mim, mas tenho que parecer forte
para ela. A única figura materna que eu sempre tive na minha vida.
— Tá bem, vamos parar de falar sobre isso, ou eu realmente irei
enlouquecer de vez, me conte algo sobre a sua vida…
••
Ficar um tempo com a minha tia, tem me feito muito bem, como se
eu precisasse disso na minha vida.
Olho pelo corredor do hospital, pois preciso de alguém para
conversar e tenho quase certeza de que Damon está por aqui. Procuro na área
infantil, mas não há ninguém lá dentro.
— Procurando por alguém?
Dou um pulinho ridículo diante da voz, pois, sim, estou procurando
alguém e parece que esta mesma pessoa acabou me encontrando.
— Que susto!
Assim que meus olhos fixam no seu rosto, sei que há algo que não
está indo bem. Damon parece desolado e isso me deixa muito mal. Deve ser
horrível viver em uma situação dessas quando está perto de estrear uma peça.
Também estou sofrendo com a minha tia, mas, Damon está com a
sua mãe, que está com câncer, o que torna tudo mil vezes pior. Tia Rute vai
ficar bem e Brenda Eastbourne, não.
— Essa foi a intenção… como você está?
Sempre escutamos essa pergunta e raramente dizemos a verdade, por
isso respondo:
— Vou ficar bem, e você?
— Espero ficar bem também.
— Sinto muito que você esteja passando por tudo isso.— falo e sem
pensar muito nas minhas ações, encosto a mão em seu peito, sentindo todo o
calor que emana do seu corpo.
— Preciso que me beije, Corrigan.
Amo esse sotaque e definitivamente amo quando ele me chama de
Corrigan. Sei que não podemos nos beijar aqui, perto do corredor, onde
várias pessoas passam todos os minutos.
— Não pode pedir para me beijar em lugares assim.
Ele dá um risinho sem graça, e balança a cabeça, como se eu fosse
um caso perdido, acabo sorrindo também, pois, mesmo que ele seja um chato,
é um dos homens mais sensuais que já conheci.
Seguro a sua mão e o levo até a saída do hospital, sei um lugar onde
podemos conversar.
Sei onde podemos nos esconder.
Conduzo Damon até um barzinho praticamente ao lado do hospital,
o lugar é meio decaído, mas é exatamente por isso que o escolho, pois as
pessoas geralmente não gostam de vir até aqui e é sempre vazio.
Nos sentamos e antes que ele possa falar qualquer coisa, eu começo:
— Se isso fosse um filme, eu estaria em casa, com um pote de
sorvete de menta na mão, assistindo algum filme de ação, onde toda a cidade
é destruída e depois aparece reconstruída em um piscar de olhos.
— Do que está falando?
— Quando as coisas estão difíceis, eu sempre começo com “se isso
fosse um filme” e penso em algo legal acontecendo na minha vida. Isso
melhora o meu humor. Sua vez.
Escutar a risada de Damon é a melhor coisa do mundo, e eu
realmente preciso ouvir essa voz, esse sotaque britânico perfeito. Ai meu
Deus, eu poderia passar horas ouvindo esse sotaque.
— Se isso fosse um filme… a minha mãe estaria me esperando todos
os dias em casa, ou me visitando nos ensaios.
— É tão ruim assim?
— Ela teve câncer uns dois anos atrás. Nós pensamos que tudo tinha
se resolvido depois da quimio, mas essa doença maldita voltou com toda
força…— ele para por um momento, a voz embargada e fico triste por isso
— Agora, não resta muito tempo para minha mãe.
— Uau… nós dois precisamos de uma bebida.
Faço o pedido de uísque puro e nós bebemos a primeira rodada. A
bebida desce queimando e meus ombros relaxam.
— Onde você estava?
— Antes do hospital?— espero que ele assinta para continuar —
Estava na balada com a minha melhor amiga, o noivo dela e Scott.
— Isso explica esse vestido curto e provocador.
Se minhas bochechas pudessem adquirir alguma coloração, tenho
certeza de que estariam bem vermelhas agora. Se ele está me achando
provocante, quem sou eu para discutir?
— Se isso fosse um filme, você continuaria o que começou no
teatro.
Damon toma isso como uma proposta e vem para o meu lado. Antes
que possa fazer qualquer coisa, sinto um frio na barriga. No momento em que
seus dedos tocam no meu pescoço, congelo, pois é sempre delicioso quando é
ele.
— Eastbourne, você sabe criar preliminares como ninguém.—
Sussurro, sem força.
— Você ainda não viu nada, meu bem.
Suspiro e me viro, completamente entregue, pronta para o beijo, mas
ele demora para encostar os lábios nos meus. É tão excitante que ele me deixe
assim, como uma adolescente que não sabe beijar…
— Mia, você está bagunçando a minha cabeça.— essa voz grave e
rouca faz os pelos do meu corpo eriçarem.
Já ouvi muitas declarações antes, mas essa é a mais estranha de
todas. Eu até poderia dar uma risada nesse momento, mas estou tão tensa que
nem consigo reagir.
O hálito de Damon esquenta a minha pele e seus lábios roçam nos
meus, criando uma expectativa boa. Escutamos o barulho de carros pela
cidade, mas nada disso parece importar, somente esse momento.
Damon afasta o rosto do meu e beija o meu pescoço. Inclino o meu
rosto para trás, dando mais espaço para que ele possa me explorar. Seus
lábios experientes sugam a pele sensível e reviro os olhos com o prazer que
isso traz.
— Eastbourne…— tenho que dizer a ele para não me provocar
assim quando estamos me público, mas não consigo dizer para que pare.
Está muito bom…
Sua mão vai até o meu rosto e antes de me beijar, ele apoia a testa na
minha. Sei que estou o ajudando a esquecer a doença de sua mãe e ele
também está fazendo o mesmo por mim. Nós podemos ser a droga um do
outro, pois isso é bom demais.
Seu beijo é coisa de outro mundo, seus lábios dançam nos meus
como se os conhecesse há muito tempo. Eu poderia passar horas beijando
Damon, pois realmente parece a coisa certa a fazer. Sua língua me provoca e
explora a minha boca, nossos dentes batem levemente diante do desespero.
Os dedos brincam com meus cabelos e passeiam pelo meu corpo.
Nem sei como estou suportando isso, pois preciso de mais do que beijos
nesse momento.
— Damon… quero mais.
— Tem certeza?
Assinto, pois nunca tive tanta certeza em minha vida inteira.
— Preciso de você.
Sei que ele também precisa de mim, mas não me importo com mais
nada, apenas quero que Damon Eastbourne esteja dentro de mim.
— Ah, Mia, tenho certeza que você nunca mais será a mesma.
O tom brincalhão dele me faz sorrir e dar um tapa de leve em seu
ombro.
— Você é mesmo um egocêntrico!
— Talvez.
Não consigo mais pensar, tudo o que quero é chegar em casa e saber
se é realmente tudo isso, apesar de ter quase certeza absoluta de que esse
homem é (quase) perfeito em tudo o que faz.
Desde aquele dia, tudo mudou.- Luke

Penso no dia anterior e na sequência de fatos que me levaram até


esse momento em que estou enrolada com um ator ao meu lado(roncando,
diga-se de passagem, mas até assim ele é adorável).
Puxo o lençol um pouco mais para cima e encaro o teto. Não sei
como as coisas vão se desenrolar a partir de agora, mas eu realmente quero
que isso se repita.
Damon é incrível na cama!
A maneira como me prensava contra a parede, como amarrou a
minha mão na cama e como me torturou com beijos calientes por todo o
corpo, foi muito satisfatório. Só em pensar nisso, sinto o tesão se apoderar de
mim novamente.
Os beijos desse homem são de outro mundo. Por alguns momentos
eu esqueci que fazia parte de um mundo. Era como se ninguém mais
existisse.
Levanto-me e vou até o banheiro. Graças a Deus, estou na minha
casa, pois seria muito estranho estar na casa(ou sei lá onde ele está morando)
desse britânico.
Como sempre que acordo, o meu cabelo parece uma juba de leão
depois de passar a noite correndo atrás de sua amada leoa, em uma sessão de
acasalamento… eu sei, eu sei, sou a pior com analogias, mas gosto de tentar
fazê-las mesmo assim.
Escovo meus dentes e limpo o meu rosto(sério, estou parecendo a
noiva do chuck com todo esse rímel borrado), será que Damon transou
comigo enquanto eu estava desse jeito?
Meu Deus, que vergonha alheia de mim mesma!
Pego as calcinhas que geralmente deixo enxugando por aqui, pois é
vergonhoso quando há alguém na sua casa e veem esse tipo de coisa(eu tenho
uma preta para ficar em casa que é “G” e fica super folgada em mim, mas
confortável não quer dizer estiloso, não é?).
Sorrio ao pensar que Skylar parece uma vidente as vezes e falou algo
sobre sexo na volta para casa e de uma maneira estranha acabou acontecendo.
Passo uma água nos meus cabelos e tento domá-los o máximo
possível.
— Olhe só quem já acordou.
Dou um pulo e respiro fundo. Não sei se já está acordado faz tempo,
e me pergunto se viu o meu espetáculo contra o tempo para arrumar as coisas
antes que ele acordasse.
— Que susto, Damon! Você tem que parar de fazer isso. Andar
sorrateiramente, quero dizer.
Ele me abraça e todo o calor volta a preencher o meu corpo. Já estou
preparada para uma rodada de sexo matinal. Meu corpo meio que está
pedindo isso. A sua barriga pressionada em mim é tudo de bom e fecho os
olhos para aproveitar essa sensação boa.
— Que bom que limpou o rosto, porque parecia que estava chorando
líquido escuro, igual àquela cantora Billie Lilish.
— É “Eilish”, e eu posso dizer que já não aguentava mais te escutar
roncar. Ainda bem que você acordou.
Damon sorri e enfia o rosto no meu pescoço, me deixando ainda com
mais desejo dele, fecho os olhos enquanto ele me beija delicadamente, me
provocando.
— Já viu a marca que eu deixei aqui?
— O quê? Ah não!
Afasto-me dele e inclino o pescoço no espelho para ver o tamanho
do estrago. QUE MERDA! Vou ter que passar uma boa quantidade de
corretivo para tirar a mancha.
— Gosto dessa marca.
Já eu não sei se é uma boa ideia tê-la em mim.
— E se alguém descobrir?
— Relaxa, Corrigan. Somos adultos e aposto que a diretora vai amar
nos ver juntos, isso meio que acontece o tempo todo.
Dói escutar que isso acontece o tempo todo, pois faz parecer que não
foi tão especial quanto eu pensei. Ok, já falei que não sou uma mulher tão
romântica assim.
— Não me importo com a diretora, ok? Mas realmente não quero
aparecer com um chupão enorme no pescoço.
Como se não tivesse escutado uma única palavra que eu falei,
Damon parte para o outro lado do pescoço e eu fico sem forças para
protestar.
— Hum…
— O que você estava falando, Mia?
Isso é um golpe muito baixo, mas eu prefiro que ele continue, pois
faz maravilhas com esses lábios. Além disso, posso protestar depois.
— Me beija logo, cara!
Ele me obedece e assim que a sua língua está na minha, sinto como
se o mundo não me importasse. Tipo, poderia cair um meteoro na terra e eu
não me importaria.
Suas mãos passeiam por minha coluna e arrepio com o desejo que
corre até o meio da minha perna. Só tive tempo para colocar meu sutiã e uma
calcinha, mas agora sinto vontade de tirar as duas peças.
Lembro dessas mãos na noite anterior me tocando, e esses lábios em
lugares deliciosos de mim. De quando eu o beijei e o toquei e de como ele
gemeu o meu nome.
Ok, já estou muito excitada.
Depois de muitos gemidos e sussurros desesperados, estamos na
cama, e Eastbourne está novamente me beijando como se não houvesse
amanhã.
Ele pode fazer um chupão do outro lado do meu pescoço e eu ficaria
calada.
Nós nos damos muito bem na cama, e sim, sempre me dei muito
bem com meu consolo, mas ter alguém é sempre melhor do que usar a
imaginação e isso me faz sorrir.
— Do que está sorrindo? Fiz algo ridículo?— pergunta com a voz
brincalhona.
— Não pare, seu bobo, me faça gozar.
— Com prazer…
Querido leitor, ele realmente conseguiu.
••
Foi estranho e legal quando eu e Damon fomos para o teatro juntos e
o ensaio correu muito bem, diga-se de passagem. Nas cenas mais quentes,
nós dois atuamos bem(claro que depois, precisávamos repetir isso em casa, se
é que me entende).
E agora, estamos indo para o hospital, escutando músicas antigas
durante todo o caminho.
— Essa música me faz lembrar de quando eu era pequeno e torcia
para meu irmão me visitar.
— Não imaginava que você tinha um irmão.
— Não nos dávamos muito bem, porque ele é filho do meu pai, e
porque ele era um tremendo filho da puta antigamente, mas as coisas
mudaram. A vida adulta chega para todo mundo.
— E onde está o seu irmão filho da puta?
Damon pega o celular quando chega no semáforo e procura por
fotos. Fico me sentindo importante, por ele estar me mostrando esse tipo de
coisa sobre a vida dele.
Na verdade, Damon tem se tornado um amigo, e espero que isso não
estrague com o sexo, o ponto principal é que não podemos nos apaixonar.
Tenho dito isso a mim mesma.
— Olhe aqui, nós dois quando éramos mais novos.
Estou sorrindo, mas assim que pego o celular, meu coração acelera e
eu fico sem ar. Damon não percebe, porque está dirigindo novamente, mas
estou no chão.
— Se passar para o lado, tem fotos mais recentes.
— Seu irmão não é britânico?— não sei como tenho fôlego para
perguntar.
Franzo a testa e tento soar natural, mas realmente desejo uma
resposta para o que estou vendo.
— Ele sempre morou aqui, com a mãe dele.
— Ah…
Respiro fundo e tento me controlar para não chorar.
Ok, preciso explicar que esses mesmos cabelos castanhos e os olhos
de mesma cor, foram um dos motivos de a minha infância ser uma merda.
Lembro as várias vezes em que ele se juntava à Angelina e ria de mim. Os
dois caçoavam bastante dos meus cabelos.
Não consigo acreditar que de tantas pessoas, esse garoto é irmão de
Damon. Não sei como duas pessoas podem ser tão diferentes. De repente, me
pergunto se, por acaso, ele ainda é racista.
— O que foi? Ficou quieta de repente…
— Acho que conheço o seu irmão.— não sei porque digo isso para
Damon, que me olha de relance e parece animado com a ideia de eu conhecer
o seu irmão.
— Sério? Que legal.
Ele está sorrindo, e para a minha sorte, não percebe o quanto estou
me sentindo quebrada por dentro. O quanto essas lembranças do passado
ainda me deixam destruída.
— Trace é uma das pessoas que eu mais admiro. E um pai incrível.
Forço um sorriso quando ele vira para mim. Eu sei que as pessoas
mudam, mas é difícil acreditar que Trace atualmente seja uma boa pessoa,
simplesmente não consigo.
Se isso fosse um filme de drama, Trace voltaria a fazer bullying
comigo e mostraria sua verdadeira face para todo mundo.
— Então, você tem um sobrinho?
— Na verdade, é uma sobrinha, minha pequena Tee. É a garotinha
mais simpática do planeta.
Não consigo evitar o pensamento de Tee ser uma criança que finge
ser boazinha, quando na verdade, é má com seus amiguinhos de escola, mas
logo reprimo isso. Não é porque o pai dela era um escroto que a menina
seguiria os mesmos passos.
— Olhe, já estamos chegando…— Fujo do assunto, pois sou uma
covarde.
Estou tirando o cinto de segurança, quando ele segura a minha mão e
me alisa com seus dedos, de forma carinhosa. Viro o meu rosto para ele, que
me observa com uma expressão fofa, nem sei como agir.
— Quer falar sobre nós?
E justo no pior momento possível, ele quer falar sobre nós dois?
Acho que não…
— Não há nada do que falar, Damon. Foi legal ficar com você, mas
somos colegas de trabalho.
Vejo algo passar por seus olhos, mas não faço a mínima ideia do que
seja.
— Sei disso, mas nós dois estamos passando por um momento difícil
e ninguém mais sabe. Somos adultos e podemos nos divertir, enquanto durar,
certo?
— Certo, agora vamos entrar logo, porque a minha tia já deve estar
impaciente.
Estou evitando o assunto e estou assustada demais para falar alguma
coisa razoável, me chame de fracote, mas eu me considero uma pessoa muito
forte por tudo o que já passei.
Damon se aproxima e passa a mão pelos meus cabelos, antes de me
beijar. Nossos lábios ficam por alguns segundos na mesma posição, é
diferente dos outros que demos e eu acabo gostando disso.
— Me ligue quando estiver com fome, porque eu te levo para jantar.
— Tá bem.— respondo e dessa vez, quando sorrio, é verdadeiro.
Eu não tenho controle das minhas ações quando estou com você. -
Skylar

Mais um dia passa, estou sentada no canto da sala, como sempre,


escrevendo palavras aleatórias para me distrair enquanto a aula não
começa, quando ele vem para perto de mim.
— Você tem dupla para o trabalho de ciências?
Balanço a cabeça em negativo, pois ninguém nunca quer fazer
comigo.
— Aceita fazer comigo?
Fico animada na mesma hora, e até passo a mão nos cabelos, para
que eles reduzam o volume. Assinto vigorosamente, e escuto uma risada do
outro lado da sala.
Viro-me e vejo Angelina revirar os olhos assim que o loiro senta ao
meu lado. Sei que deve estar espumando de raiva por ele ter me escolhido.
— Posso te fazer uma pergunta?
É estranho ter alguém que quer conversar comigo e a felicidade que
estou sentindo dentro de mim é inexplicável.
— P-pode.— nem reconheço a minha própria voz.
— Porque essas pessoas são assim com você?
A voz dele é bonita, calma e reconfortante.
— Por causa da minha pele escura.— falo num sussurro como se
fosse um segredo.
— A cor da pele não deveria importar.
— Maioria das crianças não percebem isso.
Mas não importa, porque se ele quiser ser meu amigo, não vou ligar
para nenhuma delas.
— Você é linda, não se importe com essas pessoas. Foi por isso que
vim falar com você, não gosto de injustiça.
— Obrigada.— estou tão envergonhada que baixo o meu rosto.
As vezes, penso que ser uma pessoa branca deve ser incrível, pois
ninguém te olha estranho por causa de sua cor, mas eu nasci com essa cor,
não deveriam me julgar, pois eu não escolhi isso.
Não temos como escolher a nossa aparência ao nascer.
— Meu nome é Peter Olly.
Peter levanta a mão para mim e eu aperto, sentindo o calor dela na
minha, é estranho pensar nisso, pois a única pessoa que me tratava bem de
verdade era o meu pai.
— O meu é Mia Corrigan.
E assim começou uma grande amizade, que quem sabe, se tornaria
outra coisa depois.
••
Assim que abro meus olhos, estou na mesma poltrona de hospital. A
minha tia ainda está dormindo, os olhos fechados e com uma tranquilidade
fora do normal.
Abraço o meu próprio corpo, para espantar o frio que não passa de
forma alguma. Pego o meu celular e percebo que já está na hora de ir embora.
Ontem à noite, saí com Damon e foi muito divertido, comemos sushi
juntos e conversamos sobre algumas besteiras do dia a dia, como por
exemplo, descobri que Damon é fissurado na cor azul royal, desde que a mãe
dele lhe comprou uma blusa dessa cor quando ele tinha onze anos.
E daí acabei contando que meu dente da frente é de mentira, pois,
certa vez, o meu avô me pediu para fazer uma brincadeira que não deu muito
certo e bati meu rosto com força no chão, ocasionando o acidente.
Quando voltei para o quarto, a minha tia estava assistindo uma
novela brasileira com um nome esquisito e acabei adormecendo enquanto
acompanhava.
Meu celular vibra com uma notificação de uma marcação no
instagram e assim que a curiosidade bate, e abro, meu coração dá um pulo e
meus olhos arregalam.
Damon Eastbourne e Mia Corrigan foram flagrados juntinhos, os
dois formam um casal em uma peça que sairá em menos de três meses. Será
que é marketing ou rolou uma química nos bastidores?
Na foto, eu estou sorrindo com o hashi na mão e Damon está com
uma expressão fofa, como se eu fosse a mulher mais linda do mundo. Nós
dois sabemos que somos apenas amigos(coloridos), mas se isso vai chamar
mais pessoas para a nossa peça, por mim tudo bem.
Além disso, realmente há química entre mim e Damon, mas é apenas
isso, e estou sendo sincera quando falo que não quero nada a mais.
••
Mas é claro que a diretora amou o fato de eu e Damon termos nos
tornado bons amigos(embora não faça ideia de como isso foi acontecer, já
que mal nos falamos por aqui), para nos convencer a fazer ainda mais
marketing em cima da peça. Já faz uma semana desde que aceitamos essa
empreitada.
Nós dois aceitamos, pois isso não vai ser difícil. Damon, na verdade,
amou a ideia, e eu sei bem o porquê.
Não posso negar que amo sexo tanto quanto ele, mas o cara é
insaciável, sempre vem até a minha casa e temos uma sessão bastante quente.
Vamos todos os dias juntos ao hospital, mas ontem fizemos sexo dentro do
carro.
Foi uma aventura e tanto…
E hoje, depois de um dia cansativo, ele está vindo para a minha casa,
para assistirmos algum filme que estiver passando, e disse que vai trazer
sorvete, por isso, estou animada para algo mais casual.
Escuto a campainha tocar e assim que abro a porta, o vejo com uma
blusa azul que cai como uma luva nele. Depois de um tempo, nem me
importo que pareça sempre tão maravilhoso e eu sempre esteja com meu
cabelo bagunçado, porque ele nem liga.
— Pronta para a melhor noite de sua vida?
— Vai ter sexo? Porque é sempre melhor quando tem…
— Se você se comportar bem, quem sabe.— Dá de ombros e assim
que ele entra, fecho a porta.
Já está se tornando um hábito ele estar aqui, sentado no meu sofá,
sorrindo como se eu fosse a melhor coisa que tivesse acontecido a ele. A
nossa amizade tem ficado mais forte a cada dia.
— Qual o sabor do sorvete?
— Pistache, o meu favorito.
— Hum… eu sempre compro de menta, mas quero experimentar
esse aí.
Vou até a cozinha e pego duas colheres, ligo a televisão e está
passando um reality bem chato sobre ex namorados. Olho mais uma vez para
a camiseta de Damon que o abraça e mostra o quanto ele é gostoso(pelo
menos, para mim).
Assim que experimento o sorvete, faço uma careta, pois é o pior
sabor do mundo inteiro.
— Credo, Eastbourne que coisa ruim!
Sua risada reverbera pela sala e eu reviro os olhos. É impossível
alguém gostar de algo assim.
— É muito bom, a minha mãe sempre comprava para mim.
— Preciso pedir uma pizza, pois não tem jeito de isso descer mais
uma vez até o meu estômago.
Damon me puxa para si e beija o meu pescoço, seus lábios gelados
me fazem arrepiar, e é um gesto tão inofensivo que fico espantada.
— Ok, vamos logo colocar algum filme… e pare de me olhar assim,
como se eu fosse o seu lanche favorito, Damon!
— Mas você é!
— Você é nojento.
— E você gosta…
Peço a pizza e tento não prestar muita atenção no homem ao meu
lado, mas é inútil, pois ele é lindo demais da conta. Os olhos que sempre me
olham com carinho, a amizade que me conforta com toda a situação da minha
tia…
A pizza que eu peço é divina e eu acabo esquecendo do gosto do
sorvete de pistache, até que Damon tem a brilhante ideia de colocar um pouco
em cima da pizza, fico enjoada só em pensar no gosto.
— Quando eu penso que não pode ficar pior, você faz isso.
— Até que não ficou tão mal… não quer experimentar?
— Eca, não! Eu queria muito saber porque todos os caras com que
eu saio são estranhos.
Mais uma história para contar a Skylar, um homem que mistura
sorvete com pizza, e ainda por cima é o pior sabor de todos.
— Hum… mas é totalmente normal colocar um pouco de sorvete na
pizza… Mas agora fiquei curioso, tenho certeza que não sou o homem mais
louco com quem já saiu.
— Com certeza, não. Eu já saí com um cara que fez uma tatuagem
que era “Japão” em chinês.
— Japão em chinês?— ele dá uma risada tão gostosa de ouvir que eu
assinto.
— E uma outra vez que eu contracenei com um cara muito estrábico
e ele se apaixonou por mim. Beijei ele uma vez porque não largava do meu
pé, e daí no meio do beijo, abri o olho, e o homem estava me encarando, foi a
coisa mais bizarra da minha vida. Sky diz que eu gosto de caras estrábicos.
Sim, eu tenho uma tendência a ficar com homens estrábicos, e daí?
— Assim?— ele se aproxima do meu rosto com os olhos voltados
para o nariz, imitando toda a situação e eu dou uma risada divertida.
— Não posso ir para o céu se sorrio de coisas assim, não é?
— Com certeza, não.
Depois que todo o clima de descontração vai embora, a vida real
começa a aparecer, então me deito nos braços de Damon e ficamos por
alguns momentos assim. Eu poderia ficar para sempre dessa maneira, mas
preciso confessar o que está me matando por dentro.
— Na próxima semana, minha tia fará a raspagem no dedo, vão
fazer um teste antes de amputar… estou com medo.[4]
— Não precisa ficar nervosa, vai dar tudo certo.— ele beija o topo
da minha cabeça.
Coloco a mão em sua coxa e aliso levemente enquanto penso em
suas palavras.
— Sabe… geralmente eu quem digo esse tipo de coisa. As minhas
amigas dizem que eu daria uma ótima psicóloga. O problema é que sei lidar
com o problema dos outros e nunca dos meus.
Respiro fundo e sinto sua cabeça encostar na minha.
— Se precisar de ajuda para esquecer, estarei aqui, Bumblebee.
Franzo a testa e vejo o sorriso nos seus lábios antes mesmo que eu
pergunte.
— Espere… está me chamando daquele robô do filme?
Minha cabeça se move quando o peito de Damon sobe e desce ao
sorrir.
— Não… bumblebee é uma abelha com um zumbido bem alto, e é
uma das palavras mais bonitas em inglês.
— Vindo do seu sotaque, realmente é muito bonita. Mas porque
você me relaciona com uma abelha?
— Não ouviu o que eu disse sobre ela ter um zumbido alto?
Demoro alguns segundos para processar a informação e lhe dou um
tapa. Sei que faço barulhos bastante indecentes quando estamos juntos, mas
não imaginei que fossem tão altos assim.
— É apenas a verdade, bumblebee…
— Vou arrumar um apelido bem tosco para você também.
Ele se aconchega em mim e mudo o programa, para continuarmos
assistindo qualquer coisa, pois estamos naquela posição confortável que leva
anos até encontrar.
Nada nessa vida é para sempre, nem essa dor que ameaça me cortar
em mil pedaços.- Cora.
Dois meses depois

Os rumores estão a mil!


E agora eu tenho que andar maquiada para todos os lugares, pois
sempre tiram fotos minhas. Sabe como é, as divulgações em cima da peça
estão pesadas.
E no meio de toda essa confusão, é legal ter um amigo que entende
tudo o que estou passado, e sim, esse amigo é Damon Eastbourne.
É legal ter um amigo(colorido).
Enfim, a minha tia fez a raspagem e provavelmente, não vai precisar
amputar o dedo inteiro. Contratamos uma enfermeira que vai todos os dias
checar como ela está, medir sua glicose e fazer o curativo.
Sério, Damon me ajudou bastante com tudo isso, e já até conheceu a
minha tia, foi hilário quando ela ficou elogiando ele o tempo inteiro, parecia
uma stalker.
Todas as vezes que eu fico para baixo, ele me anima, e sempre me
abraça quando estou meio triste.
Não sei o que faria se ele não estivesse aqui.
Mas a mãe dele tem piorado e já o peguei chorando um dia desses,
fiquei ao seu lado o tempo inteiro. Deve ser muito difícil ver a sua mãe ficar
mais fraca a cada dia e não poder fazer nada.
Quando estamos no teatro, as coisas melhoram, pois esquecemos da
vida real por algumas horas, mas logo nos encontramos no hospital e tudo
volta. As vezes, ele vai para a minha casa, e tentamos aliviar o estresse,
contamos piadas.
Só consigo pensar que um dia tudo ficará melhor e essa dor vai
passar, porque nada dura para sempre.
— Que cheiro é esse, Mia?
Começo a sorrir, pois já aconteceu várias vezes. Ontem Damon
trouxe novamente aquele sorvete asqueroso de pistache e eu acabei tomando
junto a ele, o problema é que não caiu muito bem.
— Eu estava com uma dor no peito, pensava até que ia infartar…
— Isso é pum, tenho certeza, o cheiro comprova isso.
Fecho os olhos com a gargalhada e o puxo para mais perto.
— Sua culpa! Quem mandou me dar aquele sorvete estranho? Até a
cor dele é feia.
— E mesmo assim você tomou.
— E agora estou com essa dor estranha no peito toda vez que
respiro.
— Será que se eu beijar, passa?
Olho para ele com um sorriso maroto e já sei oque está pensando,
quando mudo de posição, sento em seu colo e beijo o seu pescoço.
— Talvez, mas você pode tentar.
— Já percebeu o quanto nossas conversas são malucas? Estávamos
conversando sobre gases e agora já estou pensando em sexo.
— Você sempre acaba pensando em sexo.
— Verdade, venha aqui e me diga onde está doendo.
Damon beija o meu seio e eu sinto como se fosse me matar de prazer
e ainda nem começamos direito. Passo a mão nas suas costas e mordo o
lóbulo de sua orelha.
— O que você estava perguntando?
Ele arfa e passa a mão na minha barriga. Os pelos da minha nuca
arrepiam e quando seus dedos sobem até o meio dos meus seios, fico
sensível.
— Não consigo lembrar.— sussurro na sua orelha.
Damon me beija brutalmente, exatamente da maneira que eu gosto e
logo em seguida morde meu pescoço levemente. Parte do meu corpo arrepia,
sinto como se estivesse embriagada desse homem.
— Gosto mais de mim quando estou com você.
Repentinamente, meus olhos marejam com essa declaração tão fofa
que ele faz.
Enlaço-o ele com meus braços e o beijo outra vez, como se minha
vida dependesse disso, passando a mão por seus cabelos perfeitos demais
para ser verdade.
— Também gosto de você, lullaby.
Damon para e me encara com um sorriso no rosto. De fato, esse
apelido é ainda pior do que chamar alguém de “vida”.
— Lullaby?
— Eu disse que ia encontrar um apelido bem tosco e simplesmente
pensei nesse.
— Isso significa que você dorme melhor quando está comigo?
Dou uma gargalhada e o beijo, sem responder. Porque é exatamente
o que ele é na minha vida. Uma canção de ninar que chegou sem que eu
percebesse.
E, simplesmente parece certo.
Nos damos bem juntos e eu quero que essa peça durasse para
sempre, para que eu não precise me distanciar dele.
Sempre tive muito medo de me apaixonar novamente, mas não sei se
posso evitar, se Damon me trata dessa maneira, como se eu fosse a sua cidade
favorita.
Queria poder respirar bem fundo por um segundo e esquecer todas
as coisas ruins. Queria respirar.-Mia.

— Quero conhecer a sua mãe logo.


Damon mexe nos meus cabelos, enquanto estou em seus braços,
estamos ambos olhando para o teto.
— Não vai ficar triste depois que ela for embora?
Ouvir uma pessoa falar isso é muito horrível, mas acho que ele já
está tentando se convencer a não ficar tão triste quando ela partir, e eu queria
muito ter tido essa oportunidade com o meu pai.
— Meu pai costumava me dizer que as melhores coisas da vida
acabam rápido, isso serve para as pessoas também. Isso não impede elas de
ficar no nosso coração para sempre.
— O que eu fiz para merecer você?
Dou uma risadinha e me viro para encostar o queixo no seu peito,
tendo uma vista privilegiada de seu rosto bonito.
— Me deu orgasmos muito bons.
— Essa é minha garota.
Ele me puxa para cima e beija a minha testa, com carinho. Nos
tornamos bons amigos e sempre conversamos sobre diversas coisas, mas
sempre evitamos falar desses assuntos, porque é uma ferida aberta. No
entanto, uma hora, precisamos desabafar ou morreremos sufocados por
sentimentos ruins.
— Sabe, sei que a sua mãe é incrível e que você sempre vai lembrar
dela, por isso quero conhecê-la, assim podemos compartilhar algum momento
bom, juntos.
Damon pensa por um instante e logo volta a me encarar, os olhos
bastante expressivos e amáveis.
— Tudo bem… e como está a sua tia?
— Está melhor e vive perguntando por você.
A minha tia sempre quer dar uma de cupido para mim e Damon, mas
estamos muito bem assim, não precisamos de rótulos e nem nada do tipo.
Aproveitar o momento tem sido muito bom.
— Da próxima vez, vou levar sorvete de pistache diet para ela.
— Por que você tem essa obsessão com o sorvete de pistache?
— É a melhor coisa do mundo para mim, só isso.
Sorrimos e, fico com vontade de saber mais coisas sobre ele, a
minha chance de saber um pouco mais sobre seu passado.
— Como você era no ensino médio?
Na real, quero saber se ele já teve algum tipo de preconceito com
alguém, exatamente da mesma maneira que o irmão dele fez comigo, pois
isso seria o fim da picada.
— Normal, o tipo de garoto que senta no meio da sala e nunca se
destaca, mas também não tão isolado a ponto de não ter nenhum amigo.
— E manteve o contato com o amigo?
— Não, e depois que eu comecei a ficar famoso, as pessoas só
chegavam em mim por interesse… tudo vai se tornar pior depois que essa
peça sair.
— Eu imagino… eu não tinha nenhuma amizade na escola, na
verdade, eu sofria racismo.
Damon se levanta, me levando junto. É a oportunidade de eu contar
sobre o irmão dele, e tudo o que me fez passar naquela época.
— Como assim, Mia? Isso é muito grave!
— As pessoas eram más comigo por causa da minha cor, isso
acontece todos os dias.
— Ei, isso não é normal! Me conte tudo.
E eu contei.
E falo sobre depois que o meu pai morreu, as coisas se tornaram
piores, porque ninguém mais me animava quando eu chegava em casa depois
de todo o dia ruim.
Ninguém me beijava e dizia que tudo ficaria bem.
Ninguém me levava para a cidade vizinha para comer pizza.
E isso poderia ter me tornado uma pessoa amarga e ruim, mas me
fez querer ser melhor e ajudar o dia de uma outra pessoa que passasse pelo
mesmo que eu.
— Sinto muito que tenha passado por tudo isso.
— Já faz um tempo, eu deveria esquecer.
A verdade é que vez ou outra, sinto-me incapaz e não consigo evitar
esses tipos de pensamentos.
— Você é maravilhosa, Mia, e quero que saiba disso.
— Obrigada.— Dou um abraço nele e sinto o seu cheiro forte me
atingir.
Não consigo explicar o que eu sinto por Damon, é algo que foi
crescendo nesses meses sem que eu percebesse. E que todos os dias que ele ia
comigo até o hospital e me fazia uma piada, mesmo estando triste para
caramba por causa de sua mãe, eu me sentia bem melhor por não estar
sozinha nessa.
— Agora, temos que ir embora, e vamos visitar a sua tia antes de
irmos para o teatro.
— Ok, e mais uma vez obrigada, Damon, por tudo.
Ele sorri e me dá um beijo de leve, e é quando percebo que perdi a
oportunidade de falar de Trace. Talvez eu nunca fale e enterre tudo o que
passei com aquele garoto, e talvez ele nem lembre de mim, então, por hora,
não importa.
Me leve para sair e me leve para casa.- Lover

— Confia em mim?
— Você é Aladdin agora?
Passamos a tarde de ontem assistindo alguns filmes de princesas e
lembro o quanto Peter achou fofo o casal do filme de Aladdin, pois os dois
são muito unidos desde o início.
— Posso ser o que você quiser.
— Awn, como é fofo!
Já somos amigos há muito tempo e já estamos no primeiro ano do
ensino médio. Ele sempre foi a pessoa que esteve ao meu lado quando todos
os outros me xingavam.
Peter é o meu porto seguro e eu o dele. A mãe dele não gosta muito
de mim, mas me tolera, a mulher é muito chata e mal suporta o próprio filho,
então não me importo com sua opinião.
— Eu te vejo com os mesmos olhos de quando eu te conheci.
Faz cerca de um mês que ele se declarou para mim e começamos a
sair escondidos e fazer declarações desse tipo. Perder o meu “bv” com Peter
foi a coisa mais estranha e espetacular da minha vida, porque ele é meu
melhor amigo.
Agora, sempre que saímos da escola, ficamos em um parque que é
perto da minha casa. Nossos beijos ficam melhor a cada dia, e temos
praticado bastante.
— Ninguém nunca me falou esse tipo de coisa.
— Isso, porque eu tenho a sorte de te conhecer melhor do que todo
mundo.
Ele segura o meu queixo e me dá um selinho.
— Podemos ficar juntos para sempre?
Todos os dias, quando nos despedimos, sinto como se fosse morrer.
Sei que não vou, e que sou apenas uma adolescente, mas não gosto de ficar
longe dele.
— Se depender de mim, sim.
— Então, estamos combinados.
Peter entrelaça as mãos nas minhas e logo em seguida, deita a
cabeça no meu colo, me observando e tenho certeza absoluta que estou um
horror sendo vista de baixo.
— Depois que terminarmos a faculdade, vamos nos casar e teremos
uma filha e um golden trivier.
Solto uma gargalhada, pois Peter sempre sonhou com um cachorro
e sua mãe nunca permitiu.
— Ok, teremos tudo isso e seremos muito felizes.
— Felizes para sempre e sempre.
Por mim, eu realmente ficaria assim para sempre.

Acordo, sozinha na cama e percebo o quanto me sinto só. As coisas
nunca saem como planejamos. Fecho os olhos e tento sonhar com outra coisa,
mas antes, uma lágrima escorre pelos meus olhos e molha o travesseiro.
Odeio fazer planos.

Não sabia o quanto eu me vestia mal até o dia de hoje. Pelo menos, é
o que esse consultor de moda está me dizendo há meia hora. “ninguém mais
usa blusas que caem em apenas um dos ombros, a moda agora é ombro a
ombro”, e a única coisa que faço é me manter com um sorriso no rosto e
esperar que ele tire as medidas para que tudo fique perfeito no final das
contas.
— Porque não sai um dia desses para fazer umas compras? Não
pode ser fotografada mais de uma vez com a mesma roupa depois que a peça
sair.
Eu já tinha isso em mente, mas agora, sinto como se estivesse me
vestindo como uma mendiga, ou talvez a pessoa mais mal vestida desse
teatro.
Depois que sou dispensada, como quem não quer nada, fico ouvindo
o que esse tal de Jean fala para Elis, que é a próxima da fila do “esquadrão da
moda”.
— Oh, querida, amei o tom da sua blusa, combina com seus olhos.
Assim que escuto isso, faço o máximo para não fazer nenhuma
careta. Então, ele é um baba-ovo de Elis ou o quê?
— Muito obrigada.
Logo no início, pensei que houvesse algo entre Elis e Damon, mas
depois que vi os dois conversarem, ficou claro que só havia amizade.
Fico boba quando Scott entra no nosso camarim e fica olhando para
Elis como se ela fosse uma deusa que o enfeitiçou… para falar a verdade,
talvez tenha sido exatamente isso que aconteceu.
— No entanto, tenho que dar o mesmo conselho que dei para Mia.
Todos devem estar com o guarda-roupa lotado quando a peça sair.
— Claro que sim, vou arrumar um jeito de encher o meu closet.
Nunca fui uma pessoa muito rica, mas ouvir Elis falar de closet me
faz perceber o quão longe é a nossa situação bancária, provavelmente ela
sempre teve tudo nas mãos.
Scott finalmente deixa de encarar a loirinha e senta ao meu lado.
Chega uma mensagem de Damon exatamente no mesmo instante e vejo seus
olhos se moverem curiosamente até o aparelho eletrônico em minha mão.
— Nunca mais conversamos, estou com saudade.
— Também estou, mas o trabalho anda bastante pesado.
— E pelo visto, você e Damon levaram muito a sério o papo de
namorarem por marketing…
Ruborizo, pois esse assunto ainda é estranho para conversar e as
únicas pessoas que sabem o que está acontecendo entre mim e Damon, são
Cora e Skylar.
— Sabe como é, eu levo a minha personagem muito a sério… além
disso, Damon é um ótimo amigo.
Ele aponta com a cabeça para a mensagem que recebi de Eastbourne
e ainda não abri. Forço um sorriso.
Damon e eu vivemos grudados, realmente como se fossemos
melhores amigos. Sempre sorrindo de alguma coisa engraçada ou vendo
algum vídeo no instagram… meio que se tornou um hábito e não podemos
controlar os olhares sempre que alguém passa alguma vergonha perto de nós.
— Preciso confessar uma coisa.
De repente, sinto um frio na barriga, pois, Scott está agindo estranho
e de maneira nenhuma, eu quero que se declare para mim ou algo do tipo.
— P-pode falar…
Congelo a minha expressão me preparando para o pior e não consigo
evitar que o meu coração acelere um pouco.
— Não sei se você tem percebido isso, porque sempre está
conversando com Damon, mas…
Quando ele faz a pausa, meu coração ameaça despencar para fora do
peito, já nem consigo mais deixar o sorriso falso no meu rosto, até que Scott
segura a minha mão e se inclina em minha direção, como se fosse um
segredo.
— Puxa, a sua mão está fria!
Tento dar um sorriso sem graça e ele balança a cabeça, como se
quisesse chegar ao ponto mais rápido.
— Está rolando um lance entre mim e Elis.
Quase dou uma risada e solto o ar que estava prendendo. Depois de
tanto suspense… por sorte, dessa vez escapei. Scott é um ótimo amigo e
desde que nos beijamos, fiquei com medo que ele ficasse querendo algo a
mais comigo. Mesmo assim, não faz sentido ele se declarar justo agora,
meses depois daquilo.
— Sério?
— Sim. Criei coragem pra contar a ela sobre meus sentimentos e
saímos. Gostaria que você soubesse.
— Então, todo aquele lance de falar sobre sair com pessoas do
trabalho foi por água abaixo?
— Infelizmente não controlamos os nossos sentimentos, eles
simplesmente brotam como um feijão no algodão.
Começo a sorrir e percebo quando Elis se vira para nós dois,
enquanto conversa com Jean e escuta seus conselhos. Me pergunto se ela é do
tipo ciumenta ou é uma pessoa muito confiante, e espero que seja a segunda
opção.
— Nem sei o que falar depois disso.
De alguma maneira doida, o que ele falou é verdade, nunca sabemos
quando esse sentimento começa e não conseguimos evitar. Sempre que penso
em Damon, é como se algo surgisse dentro de mim, o que me lembra de sua
mensagem.
— Não fale para Elis, mas eu me iludo muito fácil e já planejo todo
o meu futuro.
— Relaxa e aproveita o momento.
É o que eu tenho dito para mim como um maldito mantra e tem
funcionado, pois pensar no futuro sempre é aterrorizante. Aproveitar o nosso
momento é incrível, pois não criamos expectativas e não nos decepcionamos.
— E agora, me deixa ir embora, porque eu tenho que responder
alguém.
Scott semicerra os olhos na minha direção e eu dou risada. Gosto de
trabalhar com essa equipe, pois meus colegas são incríveis e sentirei falta das
nossas manhãs e tardes conversando sobre trivialidades.
Até uma conversa sobre o tempo se tornava interessante se eles
estivessem presentes.
E é com um sorriso no rosto que eu abro a notificação com o nome
de Damon(ao lado eu coloquei Lullaby, mas é a nossa piadinha interna).
“Um presentinho para você”.
É uma foto dele, sem camisa, na frente do espelho, me falta o ar e
olho para os pelos que eu tanto amo nesse peito. As batidas aceleradas do
meu coração não são do tipo “ruim”, e sim, aquele frio na barriga bom.
“Estava fazendo ioga e tentando relaxar, mas as coisas não estão
muito fáceis dentro da minha cabeça”.
A segunda mensagem me deixa tristonha, porque nesses dias a sua
mãe está cada vez pior e mesmo que eu faça de tudo para colocar um sorriso
naquele rostinho lindo, não adianta, pois ele está passando por um dos piores
momentos de sua vida.
Encosto na parede e coloco o celular no meu peito, sentindo ele
descer e subir conforme a minha respiração, e penso em algo para respondê-
lo.
“Quero muito conhecer a sua mãe e fazer algo por ela”.
Envio e tenho a brilhante ideia de fazer uma surpresa para animá-la,
o tipo de coisa que toda mulher gosta. Provavelmente não poderei levar
flores, pois não sei se é alérgica, mas pensarei em algo.
“Ela vai ficar feliz em conhecer você, já que não sou o tipo de cara
que namora sério, sempre me concentrei muito no trabalho”.
Arregalo os olhos e fico surpresa ao ver que ele menciona um
possível namoro entre nós. Desde sempre, achei que não fosse um lance
sério. Passo um longo tempo lendo e relendo a mensagem. Meu coração
acelera ainda mais.
E isso meio que me assusta.
“Ok, posso fazer isso”
Claro que farei algo por uma mulher que está à beira da morte com
câncer, ela precisa de uma noite legal, conversar com alguém que não seja a
sua enfermeira ou o filho.
E já sei exatamente oque eu preciso fazer.
Acontece que, as vezes, o amor da sua vida não é o amor para a sua
vida.- Elis

Em certos momentos da vida, você se pega comparando pessoas, é


totalmente sem querer, mas você não consegue evitar. E aqui estou eu,
comparando uma pessoa do meu passado/sonho e Damon Eastbourne que
está bastante presente.
Seus olhos me observam com uma intensidade que não consigo
desviar, os segundos passam como uma câmera lenta até que nós dois
estamos frente a frente e damos um selinho.
Peter era muito carinhoso comigo, mas era uma paixão adolescente,
muito diferente do que eu sinto por Damon, entretanto, Peter estava lá
quando eu mais precisei e por isso estou confusa.
Mas calma, pois não posso ficar com Peter de jeito nenhum, então
nem era para comparar os dois, no entanto, amo fazer comparações estúpidas.
Por que eu sou assim?
Percebo que Damon respira profundamente perto do meu cabelo,
então me pergunto se tem algo de errado nele.
— O que fez no seu cabelo?
— Está estranho?
— Não, está muito cheiroso e bonito.
— Sei que isso não é muito interessante de falar, mas é um novo
creme que estou testando, define bem mais os cachos.
— Tudo em você é interessante para mim e eu aprovei esse tal
creme.
Sinto minhas bochechas queimarem, e um sentimento estranho
invadir o meu peito, pois é muito bacana que ele sempre me coloque para
cima.
— Você é fofo demais para o meu gosto.
Ele se aproxima novamente e me dá outro beijo.
— O que é isso na sua mão?
Espero, do fundo do meu coração que a mãe de Damon goste desse
presente que eu fiz, cheio de mensagens motivacionais e frases legais que
achei na internet. A caixinha está abarrotada de papéis que eu escrevi à mão e
coloquei um presente no fundo dela.
— Eu não queria vir de mãos vazias. Espero que eu seja aprovada.
— Quem não aprovaria você?
— Não sei… várias pessoas.
Penso em Trace e fico mal por não ter contado sobre toda a história
que envolve o seu irmão.
— Ela está meio grogue por causa do remédio, mas daqui a pouco
conseguiremos nos falar um pouco mais.
— Agora me fale como você está.
Ele sorri, enquanto olho para baixo e logo em seguida me encara,
com tanto carinho que me pego desconcertada. Sempre achei que fosse um
tipo de analgésico para a sua dor, mas agora não sei mais o que somos um
para o outro.
Só sei que somos mais do que eu penso que somos.
— Estava quase morrendo de tanta saudade… odeio ficar longe de
você, Bumblebee.
Sua voz é mais terna que o normal e rapidamente o abraço para que
ele não veja os meus sentimentos expresso pelos olhos. Quando conheci
Damon, pensei que fosse um viciado em celular e arrogante, e agora sei que
todas as vezes em que ele encarava o aparelho era para saber de sua mãe, e a
“arrogância” era porque ele estava pensando em como a mulher estava.
Sinto as batidas de seu coração e em seguida, suas mãos estão no
meu cabelo, fazendo um cafuné delicioso.
— Também sinto a sua falta quando estamos longe.
— Depois que acabarmos, podemos ir para a sua casa e ensaiarmos
algumas falas da peça?
Assinto, ainda com o queixo encostado em seu peito e sorrio, sem
que ele possa ver a minha felicidade em estar juntinho dele. Amo quando
passamos as falas juntos, e agora que a peça está cada vez mais perto da
estreia, isso está cada vez mais frequente.
Damon ainda me pergunta se estou pronta e só acredita que estou
sendo 100% sincera, quando estamos no quarto e vejo a sua mãe um pouco
chapada por causa dos remédios para dor.
— Olá, senhora Eastbourne.
Ela pisca os olhos lentamente e esboça um sorriso para mim.
Percebo o quanto essa doença acaba com as pessoas. Seus cabelos ralos
nascendo aos poucos. Imaginei que estivesse fraca, mas ver isso é
completamente diferente.
— Trouxe isso, espero que goste.— Entrego a caixinha, mesmo
sabendo que é Damon quem vai ler para ela depois que eu for embora.
— Mãe, essa é a mulher de quem tenho falado para você, a minha
Mia.
Abro o maior sorriso do mundo ao ouvir essas palavras tão doces
dele, e não o leve a mal quando ele fala “minha”, pois não sinto que sou
propriedade de ninguém.
— Tudo… bem?
Sua voz é frágil, exatamente como ela está aparentando, seu queixo
está tremendo por causa do frio do ar-condicionado, tudo nela me faz querer
abraçá-la e amá-la pelo tempo que temos. E é exatamente o que eu e Damon
fazemos.
— Estou bem, agora, se me permite, vou colocar um filme e vamos
todos assistirmos juntos, ok?
Ela assente levemente e assim que estamos prontos, posiciono o
notebook e coloco “dez coisas que eu odeio em você”, nos divertimos
bastante. Sinto-me tão feliz por estar aqui…
Olho para Damon e mesmo com um sorriso no rosto, posso perceber
o quanto está mal por ver sua mãe dessa maneira. Nem preciso confessar que
ela dorme no meio do filme, mas não nos importamos, contanto que ela tenha
se divertido um pouco.
— Obrigado.
— Eu que agradeço por me deixar fazer parte disso.— Refiro-me a
fazer parte de sua linda família.
Logo que estamos fora do quarto, Damon Eastbourne chega perto de
mim e me dá um abraço bem apertado, e através dele sinto muita coisa
envolvida. O carinho que sentimos um pelo outro, a nossa amizade e, por fim,
a gratidão de termos um ao outro nesse momento difícil.
— A visita foi rápida, mas eu estou profundamente tocado, Corrigan.
— Preciso confessar que eu gosto tanto de você, Damon. De
verdade, é você quem faz o meu coraçãoacelerar e eu quero ver sempre um
sorriso no seu rosto.
— E você é a pessoa mais generosa que eu já conheci. Mesmo que
tenha feito péssimas escolhas antes de mim.— Assim que ele me diz isso,
lembro das coisas que o contei e mesmo assim, ele decidiu ficar ao meu lado.
Mal percebo quando as lágrimas estão molhando o meu rosto, não
são de tristeza e sim da mais pura felicidade. Nunca pensei que fosse capaz
de encontrar outra pessoa com quem quisesse compartilhar a vida até Damon
Eastbourne aparecer.
— Vamos sair daqui e ir para um bar de esquina acabar essa noite
com chopp?
— Até parece que você leu os meus pensamentos.
Ele é o motivo de tudo ter dado errado antes.- Mia

As marteladas no apartamento vizinho são infinitas, já até pensei em


ir até lá e perguntar qual é o problema, mas isso seria inútil. As “obras”
começaram faz uns quatro meses e eu sinceramente não sei até quando vou
aguentar isso.
Tomo o meu belo banho e vou para o teatro, assim como todos os
dias, pelo menos é o que eu pensava até ver uma garota na minha cadeira, no
camarim.
— Posso ajudar?— A minha voz é completamente irônica, e pisco
meus olhos com uma gentileza forçada.
— Ah, estou aqui para substituí-la, caso algo dê errado.
Franzo a testa e cruzo meus braços, começando a me estressar, de
fato.
— E onde você estava esse tempo todo? Pois não te vi ensaiar
nenhum dia sequer e a peça está prestes a estrear.
Eu nem sabia que tinha uma substituta, pois nunca vi, além do mais,
o olhar que ela lança para mim, me dá um certo medo. A mulher se levanta e
é um pouco mais alta do que eu, então tenho que erguer o queixo.
— Sou familiar da diretora, então pude ficar ensaiando em casa.
Quase dou uma gargalhada, esperando que isso seja um tipo de
brincadeira ou algo do tipo! Não acredito que ainda existe nepotismo em
pleno século XXI.
— Legal saber disso, mas tenho certeza que não precisarei de uma
substituta, farei o meu trabalho até o fim.
Para começo de conversa, acho estranho que essa mulher esteja aqui,
justo hoje, pois foi a única que não ensaiou conosco, e simplesmente brotou
com uma confiança inabalável.
— Talvez.— Sussurra e sai de perto de mim, me deixando
completamente embasbacada.
Umedeço meus lábios, fecho os olhos e conto carneirinhos para que
a minha paciência volte. Não posso brigar com um familiar da diretora. Até
dou uma risadinha para acalmar a mim mesma, e é quando escuto uma voz.
— Qual é a graça?— Scott interrompe os meus pensamentos, com a
testa franzida.
— Nada, só estava lembrando de algo do passado. Olha, queria
perguntar se você sabe quem é aquela mulher que estava aqui…
Scott passa os braços pelos meus ombros e respira fundo antes de
começar:
— Eu a vi uma única vez, sei que se chama Elen e a vi conversando
com a nossa querida diretora.
— Diz ela que irá me substituir e sinceramente, acho que devemos
ficar de olho.
— Uiii, uma vilã de verdade no set.
Não sei se essa tal de Elen é uma vilã, mas o jeito que falou me
deixou nervosa. Não vou deixar que ninguém tire a minha confiança ao atuar.
Já passei por coisa pior nessa vida e aqui estou eu, plena e maravilhosa, numa
peça prestes a ser lançada, na próxima semana.
— Espero que não.
— Vamos embora, temos que dar o nosso sangue nesses últimos
ensaios.
— Já estou dando o meu sangue faz um bom tempo.— se eu fosse
branca já teria um grande privilégio, mas esses homens conseguem ser ainda
mais favorecidos.
Se eu fosse um homem, seria o homem, já dizia uma música.
Vamos para o palco e é sempre como se fosse a primeira vez, a
energia contagiante de todos, os sorrisos, o coração batendo cada vez mais
rápido. Sou rodopiada por Damon em uma cena em que dançamos juntos e
quando ele me derruba na primeira vez, todos sorriem. A minha bochecha
sempre fica doendo, pois estar nos palcos é o que me faz verdadeiramente
feliz.
— Amanhã você vai acordar toda cheia de manchas pelo corpo.—
Sussurra no meu ouvido quando estamos em um intervalo rápido.
— Vai valer a pena.
Fico de ponta de pé para lhe dar um beijo, o contato de sua pele
macia nos meus lábios é sempre satisfatória. Estou perdidamente apaixonada
por Damon, esse homem é meu melhor amigo e é um ser humano incrível.
Aqui vão alguns de seus defeitos, ele ronca(pra caramba), as vezes
acorda de mal humor(mas, quem nunca?), perdemos a vergonha de soltar
pum um na frente de outro(como eu disse agora pouco, somos muito amigos),
já discutimos quando ele não responde as minhas mensagens na hora(drama
meu, sei disso).
Mas, eu não saberia o que fazer sem que Damon Eastbourne
estivesse ao meu lado, pois ele me diverte e é um cavalheiro(o típico homem
inglês, né?).
— Quer sair comigo hoje?— ele me convida.
Depois que a minha tia saiu do hospital, ficou um pouco mais difícil
para nos encontrarmos, pois ele está sempre indo ver a sua mãe, e eu sempre
dou uma passadinha na casa da minha tia. Então, esses momentos em que
podemos sair, são sempre os melhores.
— No que está pensando?
— É surpresa…
Damon abre um sorriso, morde os lábios e beija a minha testa, antes
de voltarmos a ensaiar.

— Não acredito que me trouxe aqui!
Olho para o centro do salão, muitas pessoas patinando, animadas, e
outras deslizando e caindo no pátio de patinação de gelo. Faz um tempo que
não venho aqui.
— Vi uma foto antiga sua no facebook e o quanto você estava
animada, e aqui estamos.
Puxo-o para um abraço e logo em seguida, dou um beijo nele. Sei o
quanto quer esconder a sua tristeza quando está comigo, e ele está se
empenhando nisso.
— É isso que te faz o homem mais incrível de todos.
Os olhos de Damon brilham de empolgação, e ele segura o meu
rosto com ambas as mãos, beija a minha testa, seguido da minha bochecha, o
canto da boca e finalmente encosta os lábios nos meus.
— Posso te chamar de gostosa agora?
Sorrio entre beijos e o puxo para a área de patinação. Nem lembrava
mais daquele episódio no início das gravações e de como eu fiquei irritada.
Logo no início, pensei que Damon soubesse patinar, mas nem de
perto! Ele segura na barra de proteção na lateral do salão, tentando se
equilibrar.
— Segura em mim.
— Não consigo…
Um homem desse tamanho com medo de soltar a barra de proteção?
Não consigo evitar a gargalhada que dou assim que ele tenta e não consegue.
— Vai, Eastbourne, a única coisa que pode acontecer é você cair!
O barulho de outras pessoas conversando é bastante alto, então
praticamente temos que gritar para ouvir um ao outro.
— Não quero fazer papel de bobo… e se alguém tirar foto e postar?
— Besteira…— Ergo a minha mão mais uma vez, um ar risonho de
menina travessa e ele solta uma das mãos, antes de segurar no meu braço e
me puxar levemente em sua direção, tentando se equilibrar com os patins.
— Acho melhor você patinar sozinha, antes que o tempo acabe…
— Sem chance disso acontecer, larga logo essa barra idiota e se
apoia em mim!
Damon atende a minha deixa e finalmente se apoia em mim, o chão
é bastante escorregadio, por isso, me concentro em não cair quando ele me
puxa para si.
— Isso, agora venha comigo.
Deslizo para trás enquanto as pernas dele tremem, tentando se fixar
no gelo, as minhas bochechas ficam doendo, de tanto que estou sorrindo com
a situação.
Está tocando uma música meio hippie e balanço minha cabeça nas
batidas dela, isso faz o meu namorado ficar com medo que eu o solte.
— Você tem que relaxar, lullaby.
— Essa é a pior hora pra me chamar assim… estou ficando com
vontade de rir e posso cair a qualquer momento.
— Essa é a intenção, meu bem.
O puxo com um pouco mais de força, até que ele desliza pela
primeira vez na noite.
— Mia!
Estou me controlando ao máximo para não sorrir, mas é impossível.
Ao invés disso, o puxo novamente e dessa vez ele fica um pouco mais
confiante, até dá um sorriso nervoso.
— Não é tão difícil quanto parece.
Assim que faço menção de soltá-lo, ele me aperta com um pouco
mais de força, involuntariamente.
— Não me deixe andar sozinho…
— Você consegue!
Assim que largo a sua mão, dou mais duas passadas para trás e em
seguida, tento dar um giro, mas ele sai meio desengonçado, pois faz tempo
que estive no gelo.
— Estou ficando muito nervoso.— Grita, mas, ao mesmo tempo,
tenta dar uma passada. Logo de início não consegue.
Damon está parecendo um pinguim, andando pouco a pouco, quase
caindo e eu tento ficar afastada para que ele adquira confiança.
A única coisa que eu não esperava, era bater em alguém atrás de
mim, me fazendo deslizar para frente, e assim que vejo Damon vir na minha
direção, prevejo a merda que vai dar.
Alguns segundos depois, o efeito dominó vem e Damon bate em
mim com força, me fazendo cair e caindo junto. Tudo se torna ainda pior
quando ele bate o queixo na minha boca.
— Ai.— Gritamos juntos.
— Ai meu Deus, Mia, machuquei você?
Respiro fundo e ele se afasta de mim, olhando para meu rosto e
congelando. Sinto o gosto metálico na minha boca e quando passo a língua
no meu dente, sentindo o vazio deixado por ele.
Instantaneamente coloco a mão na boca.
— Meu dente falso caiu!
Não sei se fico aterrorizada ou sorrio de toda a situação. Tento falar
para mim mesma que tudo dará certo no final.
— Como eu vou sair daqui, Mia?
Damon quer me ajudar, mas não sabe como se levantar e é
exatamente isso que me faz sorrir, mesmo que a minha boca esteja sangrando
e doendo.
Depois que algumas pessoas nos ajudam a levantar e eu me controlo
para não mostrar a janelinha que essa queda me deu, estamos fora da área de
patinação e meu namorado está me levando até a saída.
— Me desculpe.
— Não foi sua culpa, Damon, relaxe.— a voz sai abafada pela minha
mão, ainda sobre a boca.
— Temos que ir ao dentista e espero que dê tudo certo.
— Não se preocupe, ainda tenho metade de um dente para restituir.

Dizer a Damon para não se preocupar causou o efeito contrário. Ele
ficou me perguntando se estava tudo bem, se a minha boca estava doendo, se
já tinha parado de sangrar, até que eu estivesse com o dente no lugar.
Infelizmente, meus lábios que já são carnudos, ficaram bastante inchados
com a pancada.
Estamos voltando para casa e para a minha sorte, o corte que eu
levei não vai precisar de pontos, no entanto, acabo magoando e sangra um
pouco.
— Calma, Eastbourne, até parece que nunca viu sangue…
E é como se uma luz acendesse na minha cabeça, exatamente como
aqueles desenhos animados. É a primeira vez em que passamos numa
situação assim, então não tinha como eu saber que Damon tem medo de ver
sangue.
— Você tem algum trauma ou algo do tipo?— dou uma de
psicóloga, como sempre costumo fazer com meus amigos.
— Não é nada…
— Agora eu quero saber.— inclino-me na direção do banco dele,
sentindo o seu calor de seu corpo emanar para o meu.
E então, quando penso que virá alguma história de sua infância ou
algo do tipo, Damon começa a chorar, afasto-me instantaneamente e fico
esperando falar alguma coisa, mas ele permanece quieto por quase todo o
percurso até em casa. Como quero deixar que ele libere essa dor, fico
quietinha no meu canto, esperando a hora certa de pressioná-lo.
Assim que o carro para, ele fica encarando a direção, como se fosse
receber algum tipo de sinal para começar, e quando ele não vem, apoia as
mãos no volante, como se fosse dirigir. Seus olhos quase não piscam, e sou
bastante paciente para esperá-lo, até que:
— Eu odiava quando a minha mãe sangrava… mas sempre estive ao
seu lado para limpar seu nariz.
Fecho os olhos e sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Sei
como é horrível ver quem você ama sangrando, a caminhando da morte.
— Só queria te fazer uma pergunta, Mia…
Finalmente, ele olha para mim, me encara, desesperado, segura a
minha mão e beija os meus dedos, suas lágrimas me molham. Ao mesmo
tempo, respiro fundo, tentando ser um porto seguro para ele nesse momento
de fragilidade.
— Pode perguntar o que quiser.
— Fica mais fácil… algum dia?
Damon está angustiado e me pergunto por quanto tempo vem
prendendo essa tristeza dentro de si, afogando em suas próprias lágrimas,
sufocando numa areia movediça sem fim e impiedosa. Ele está lutando contra
si mesmo, o que é o pior de tudo.
— Nós nunca estamos preparados para perder alguém, e é algo que
sabemos que um dia acontecerá, porque é a vida real. E, sinto muito te
informar, amor, nunca fica mais fácil… lembrar do meu pai ainda é doloroso,
principalmente da maneira como ele morreu. Entretanto, eu estarei aqui ao
seu lado, sempre que precisar. Escutarei sempre que quiser. Se você chorar,
posso trazer um lenço…
Assim que vejo um sorriso brotar em seu rosto de galã, me animo
mais um pouco, mas quero que ele saiba que tudo o que eu disse é verdade.
Puxo a sua camisa até que estamos próximos demais, a minha pele sente o
seu calor.
— Eu amo você, Mia.
A frase me pega de surpresa, e respiro fundo, pois sei que está frágil
demais para pensar razoavelmente. Falamos o que vem na cabeça e essas
palavras são intensas demais.
Não posso responder, mas, também não posso acabar com esse
nosso momento, e por isso, quebro a distância entre nós e pressiono seus
lábios nos meus. Seguro a sua nuca e seus cabelos recém-cortados espetam as
pontas dos meus dedos. Damon afasta a boca da minha e beija o meu rosto,
os lábios quentes, me provocando, até que suas mãos estejam dentro da
minha blusa em uma velocidade incrível.
Ele empurra o banco de motorista para trás, me dando espaço, é a
minha deixa para montar nele. Assim que estou sobre ele, me forço para
baixo e envolvo o seu pescoço para beijá-lo profundamente. Mais uma vez,
sinto suas mãos embaixo da minha blusa e assim que abre o fecho do sutiã, o
tesão me invade com força.
— Você é gostoso pra cacete, Damon.— sussurro em seu ouvido, e
vejo os pelos de sua nuca arrepiarem.
Logo em seguida, somos apenas respirações entrecortadas e mãos
cheias de desejo. A emoção toma conta de mim e assim que acabamos,
ficamos no lugar, sentindo o que acabou de acontecer.
E é nesse pequeno espaço de tempo em que abrimos os olhos e nos
encaramos, que sinto vontade de dizer “eu também te amo”. Porém, não
quero dizer isso em um momento tão frágil para Damon.
Quando nossas mãos se entrelaçam, e nossos olhos reviram, sinto
uma enorme vontade de chorar, tamanho o sentimento dentro de mim quando
estou em você.- Damon

Eu tinha 16 anos quando tudo aconteceu, e aquele dia volta em


flashes na minha memória, me relembrando de que não sou tão inocente
assim.
Eu poderia ter ficado em casa, na minha, mas resolvi pegar o carro
da minha tia escondido, liguei para Peter e ele aceitou dar uma volta comigo
pela cidade.
— Claro que eu quero passar um tempo com você.
Fiquei nervosa com o que poderia acontecer entre nós dois, mas
nunca pensei que algo realmente aconteceria… com Peter. Assim como tirei
o meu pai de casa no dia de sua morte, repeti o mesmo erro na adolescência.
— Só você para me fazer sair de casa no meio da noite.
— Eu sei, eu sei. Estamos fritos se formos pegos.
— Preciso confessar uma coisa, Mia.
Fiquei animada, principalmente porque pensei que não houvesse
mais nada para confessarmos, mas me enganei.
— Eu amo você demais.
Lembro que meu coração acelerou e eu sorri tanto que doeu, e eu
nem sabia que era possível. Uma declaração de amor era tudo o que eu não
esperava. No entanto, já fazia tempo que nos conhecíamos e tínhamos
passado por tantas coisas juntos, que parecia certo.
— Eu também amo você.
Nós estávamos sorrindo e ouvindo músicas indies aleatórias, até que
um carro desgovernado nos acertou, e para a minha sorte, o impacto foi
apenas do lado direito, onde o meu namorado estava.
Até pensar nele me parece errado, como se eu não merecesse essa
dor que carrego, porque fui a causa da morte das pessoas que mais amei nesse
mundo.
E então, conheci Damon, e tenho medo de fazer alguma besteira que
estrague tudo. Ontem foi mais intenso do que eu pude expressar em palavras,
por isso, o deixei respirar hoje, sair com os seus amigos e coisas do tipo.
E assim que recebo uma mensagem de “lullaby”, meus olhos
marejam, pois sei que não o mereço, mas sou egoísta demais para permitir
que ele saia da minha vida.
“Estou aqui, pensando em você”.
Tem uma foto anexada, Damon está com vários amigos e Scott está
entre eles, o que me deixa animada, pois estão se divertindo juntos.
Olho pela janela, a lua lá no alto, tão bela, iluminando o meu quarto
à meia luz. Deito e respiro fundo, daqui a dois dias é um grande dia, preciso
renovar todas as minhas forças.
Se isso fosse um filme, eu não estaria tão nervosa para a minha
grande estreia.

Acordo sentindo o meu coração bater insuportavelmente no meu
peito, tamanha a agitação para o último ensaio geral antes do grande dia.
O sol está a todo vapor lá fora e por isso, uso um shortinho curto, e
uma blusinha simples, branca. Prendo os meus cabelos que estão mega
volumosos e assim que estou esperando o metrô, penso que está na hora de
me livrar desse pavor de dirigir um carro por causa de algo que aconteceu no
passado.

— Não podemos deixar isso acabar por causa da minha vingança.
Adam que é interpretado por Damon, toca no meu rosto, e eu desvio
de seus dedos, com repulsa. Afasto-me dele, e começo a chorar, assim como
está no roteiro
— A paixão que sinto por você, me faz ser quem eu sou.
— Não deveríamos ser tão ligados um ao outro, Adam. Isso é
doentio, além disso, não sei se posso confiar em você depois de tudo.
Estamos quase acabando a cena, quando eu tropeço em algo e caio
para trás. A pancada quase me faz bater a cabeça e a posição me faz dar um
jeito no braço.
— Ai meu Deus, Mia! Você está bem?
Damon vem ao meu encontro e me ajuda a levantar, reclamo quando
segura o meu braço e sinto uma pontada de dor.
— Estou, mas o que esse fio está fazendo aqui no meio do palco?
Maya aparece com uma mão na cabeça, e sei instantaneamente que
foi por erro dela, mas não a culpo, estamos todos nervosos com a estreia de
“entre o amor e a vingança”.
— Me perdoe, Mia, não vai acontecer novamente.
Damon me puxa até ele e parece não se importar com a nossa plateia
quando passa os dedos pelo meu rosto, me analisando com tanto carinho que
fico emocionada. Seus olhos brilham e sei que são o reflexo dos meus. Estou
completamente apaixonada por Damon.
— Senti sua falta ontem.— sussurra apaixonadamente em meu
ouvido, me fazendo dar risadinhas, como uma adolescente boba.
— Vamos dar uma pausa para a Mia se recuperar e já voltamos.
Vamos para o cantinho atrás das cortinas para podermos conversar.
Durante o trajeto, Damon permanece com a mão nas minhas costas.
— Tem certeza de que tudo está bem?
— Está sim, só preciso passar numa farmácia depois e comprar uma
pomada, porque tá doendo um pouquinho.
Seguro o meu braço e faço uma careta quando a dor volta.
Infelizmente, tenho que dar um jeito nisso até amanhã, além disso, espero que
não fique roxo nem nada do tipo.
— Vou com você, quero passar a noite com a minha namorada.
— Hum… algum plano em mente?
Damon passa a mão pelos meus cabelos e semicerra os olhos para
mim, logo em seguida, toca meu rosto com delicadeza e beija a ponta do meu
nariz.
— Mano, você é definitivamente inglês.
— Porque você fica pensando nisso? Apenas aproveite todo o
carinho que esse inglês quer te dar.
Sorrio e o puxo para trás da cortina, olhando em volta para observar
o movimento e ao perceber que não há ninguém por perto, dou-lhe um abraço
e enfio o meu nariz no seu pescoço delicioso.
— Porque parece que o “para sempre” ainda é pouco quando penso
em nós dois?
Eu queria ficar para sempre com Damon, mesmo sabendo que o
“para sempre” sempre acaba. Estou apaixonada por esse homem e não posso
negar isso para mim mesma. Não queria nada mais do que uma amizade-
colorida, mas tudo mudou.
— Posso contar um segredo?
Sussurra em meu ouvido, um pouco antes de ouvirmos a nossa
diretora chamar todo mundo para voltar. Assinto, um tanto entusiasmada, por
estarmos aqui nesse lugar mágico(mesmo que seja atrás da cortina).
— Eu quero você, Mia Corrigan. Quero ficar com você e envelhecer
ao seu lado, que o nosso “para sempre” dure bastante. E uma última coisa…
todos os dias quero te fazer sentir especial e amada.
Me deixando boquiaberta, ele dá um beijo no topo da minha cabeça
e entrelaço os dedos nos seus antes de voltarmos para o último ensaio.
A última coisa que penso, é que se não ficarmos juntos no final, não
ficarei mal, pois vivemos muitas coisas juntos e sou bastante agradecida por
isso.
Com o cheiro dele grudado em mim, coloco um sorriso no rosto.
Por que os homens são sempre tão bobos? Porque as pessoas os
protegem demais!- Cora

— Calma, sua agoniada, ainda não terminei!—Diz Skylar que


basicamente implorou para me maquiar no dia de hoje.
A minha melhor amiga, já colocou Damon para correr daqui, usando
a desculpa de “você vai atrapalhar o meu processo criativo na Mia” e já que
ele tinha que resolver algumas coisas, foi embora, depois de me dar um beijo
digno de Oscar.
— Você demora muito, Sky, e não estou paciente hoje.
— Vai ficar troncho do lado direito, que saco! Saiba que a culpada
não fui eu.
— Pode deixar que eu isento a senhorita de toda a culpa.
— Shhhhhh!
Começo a sorrir e Sky revira os olhos. Cora já me mandou umas mil
mensagens de que virá me ver e estou muuuuito animada, ansiosa e mais um
misto de emoções. Não sei lidar com tudo isso.
— Amiga, você precisa se acalmar…
— Quero que você esteja perfeita naquele palco, é importante para
mim ter uma amiga famosa.
— Sei…
Não consigo parar de amar essa criatura! Ela é a pessoa mais
desastrada e incrível que eu já poderia ter conhecido, e por obra do destino, já
até dividimos o mesmo teto.
Cerca de quinze minutos depois, ela finalmente acaba a maquiagem
e parece que meu olho está pesando uns dois quilos de tanto reboco que ela
passou.
— Olhe só para você, vai estrear em um espetáculo grande e eu não
poderia estar mais orgulhosa!
Tento conter as lágrimas, por causa da maquiagem, mas meus olhos
marejam do mesmo jeito.
— Eu amo você tanto, Skylar.
— Quer me fazer chorar, Mia?— Ela me abraça e sinto uma lágrima
quente no meu ombro.
— É a verdade! Você é muito especial para mim, saiba disso.
Assim que se afasta, ela enxuga os olhos com as costas da mão e
deixa um rastro preto nas bochechas.
— Borrei toda a minha maquiagem, agora vou ter que refazer. Hoje
o dia tem que ser perfeito. Você sabe bem o quanto eu acho que uma make é
importante.
Sinto o meu celular vibrar no meu bolso e assim que abro a
mensagem, vejo uma foto de Damon no barbeiro, sorrindo e encosto o
aparelho no meu peito.
— Parece que alguém está caidinha por Damon Eastbourne.
— Estou mesmo… ele é incrivelmente romântico e tenho muito
medo que perceba que é areia demais para o meu caminhão.
Skylar me repreende com o olhar como eu já sabia que faria.
— Mia, você tem que parar de falar esse tipo de coisa! Eu não estou
brincando quando digo que você é a mulher mais incrível que eu conheço.
Cara, sou sua maior fã.
— Vou até dar um autógrafo especial depois de me dizer isso. E,
mais uma vez, repito, estou apaixonada por Damon.
— Já disse para ele?
— Ainda não.
— E o que está esperando? Não aprendeu comigo e Luke?
— Não sou uma pessoa que se expressa da melhor maneira, pensei
que soubesse disso.
Por tantas razões, nunca consigo me expressar tão bem quanto eu
deveria, mas e se eu nunca mais visse Damon e ele não soubesse o quanto
gosto dele?
— Mia, olhe bem nos meus olhos e seja sincera sobre algo.
Seguro suas mãos e fixo os meus olhos nos seus por alguns
segundos, não sei como ser sincera quando estou sob pressão e é mais ou
menos assim que me sinto quando estou com Damon Eastbourne, um mix de
sentimentos, não consigo controlar os pensamentos de forma coerente.
— Eu sou ótima dando conselhos, mas péssima os seguindo, não é?
— Sim, mas foram esses ótimos conselhos que sempre me ajudaram,
então, como sua melhor amiga, preciso informar que você será muito feliz se
souber como percorrer o caminho da felicidade.
Franzo a testa, sem saber como reagir depois do que essa loirinha
está falando.
— As vezes, não entendo o que você quer dizer, amiga.— dou risada
e ela me puxa para um abraço.
— Não desperdice a felicidade que o universo está dando nas suas
mãos, Mia! Um inglês inteligente e sexy… a peça dos seus sonhos. Relaxa e
aproveita isso.
Assim que nos afastamos, preciso confessar que estou surpresa com
as palavras dela, pois sempre fui eu a pessoa que fala as verdades.
— Espero não estragar tudo, porque sinto que uma hora ou outra isso
vai acontecer.
— Não vai, eu prometo. Agora, vá terminar de se arrumar e vamos
para aquele teatro, escutando Billie Eilish e cantando o mais desafinado que
conseguirmos.
— Isso parece bastante com um desafio… eu aceito.
É sempre válido descontrair quando se está sobre a pressão de entrar
em cena e dar o melhor de si.
••
Respiro fundo umas mil vezes seguidas, mas nada impede o meu
coração de ficar cada vez mais acelerado.
Minhas mãos tremem e estão geladas, o medo me percorre como um
vírus, fixando em cada parte da minha mente da pior maneira. Duvido de
mim mesma, e sinto-me como a criancinha que já fui um dia.
— Entramos em meia hora.— Maya grita com uma prancheta na
mão, um fone de ouvido que dá todas as comandas e um sorriso no rosto.—
O teatro está lotando.
Lembro-me de quando vi o teatro pela primeira vez, todas aquelas
luzes douradas e as cortinas imensas, o palco, onde a magia acontecia. Foi
incrível quando vi os atores entrarem em cena, e hoje é a minha vez. Eu vou
inspirar pessoas.
Talvez, hoje seja a primeira vez de alguém em um teatro e, para
mim, isso é uma grande responsabilidade.
Exalo lentamente e fecho meus olhos, antes de sentir uma mão
agarrar o meu ombro, nem preciso abrir os olhos, pois o seu cheiro é tão
familiar para mim quanto uma canção de ninar.
— Está tudo bem com a minha estrela?
Abro os olhos e passo os braços por sua cintura fina, me
aconchegando no seu corpo, como já fiz tantas vezes.
— Estou aterrorizada, meu amor.
Seu queixo encosta na minha cabeça e logo em seguida, sinto o calor
de seus lábios, num beijo que instantaneamente me deixa mais tranquila.
— Passamos meses ensaiando para esse dia, vai dar tudo certo.
— Preciso acreditar mais em mim…
Damon me aperta um pouco mais e é tão gostoso que não quero sair
nunca mais desses braços. Levanto a cabeça e encontro seus olhos. É possível
que eu ame tanto alguém assim, ou é coisa da minha cabeça?
— Se você pudesse se enxergar da maneira como eu te vejo, nunca
se sentiria dessa maneira, pois para mim, você é perfeita e está preparada para
tudo… ou não estaria aqui, prestes a realizar o sonho de milhares de pessoas.
— Quinze minutos!— Maya grita mais uma vez e baixo levemente a
minha cabeça, me preparando psicologicamente.
— Me diga uma lembrança boa em relação ao teatro e tente esquecer
esse nervosismo.
Sei que parece bobo esse medo, mas acontece com os melhores
humanos…
— Estou lembrando de uma vez que me perdi no teatro e acabei
subindo uma escada estreita que dava acesso ao palco. Eu nunca deveria ter
estado ali, senti como se fosse me apresentar, mesmo que não fosse.
— Você é a pessoa que mais coleciona histórias incríveis de contar,
Corrigan.
— Mia!— Escuto uma vozinha rouca e animada e me desvencilho
dos braços de Damon para ver uma cabeleira ruiva vindo em minha direção.
— Cora!
Estou tão feliz em ver a minha amiga que até esqueço de tudo por
alguns instantes. Logo atrás dela, vejo Skylar e Luke dog nos seus braços.
— Ai meu Deus, vocês trouxeram o Luke, não acredito!
— Eu tenho 100% de certeza que é proibido trazer animais, mas o
Luke é um integrante da nossa família e não poderia deixar de ver a tia dele
nesse momento tão especial, né Cora?— Skylar está tão animada que nem
consigo falar mais nada, apenas assinto.
— Cora, como você permite que a Sky faça esse tipo de coisa?
— Sabe como é, ela não escuta.
Dou mais um abraço na minha melhor amiga e é nesses momentos,
que eu sinto que o universo está me recompensando por todo o passado
trágico e pelas merdas que me aconteceram.
— Estou tão feliz que vocês estão aqui. Sério, vocês são as melhores
amigas do mundo.
Damos um abraço coletivo e, quando meu namorado se aproxima, o
apresento para Cora, que fica caidinha por ele(quem sou eu para julgar?), seu
rosto fica vermelho como um tomate maduro.
— Dois minutos, fiquem em posição!— Maya grita pela última vez
e sou tomada por uma euforia contagiante.
— Vejo vocês depois?
— Claro.
Skylar segura a patinha de Luke e acena um tchau para mim, dou
uma gargalhada e em poucos minutos, sinto que tudo irá mudar.
••
Enxugo as lágrimas falsas do meu rosto e saio do palco, vou até meu
camarim, pois preciso retocar a maquiagem antes da próxima cena.
Até agora dei o meu melhor e espero ouvir bons elogios da crítica.
Estamos quase no final e mal posso esperar os aplausos, então terei a minha
certeza.
Passo o pó no meu nariz que está ficando oleoso e sorrio para a
minha imagem no espelho, observando se há algo para melhorar antes de
voltar a atuar.
Quando menos espero, escuto a porta ranger e fechar comigo dentro.
Fico uns dois segundos me perguntando o que está acontecendo, antes de
tentar abri-la.
— Ei! Abre a porta.
Nenhuma resposta e nem imagino quem está fazendo essa
brincadeira de mal gosto em um momento tão importante para todos dentro
desse teatro.
— Não tem graça me deixar aqui!
Dou socos na porta, mas não há nada do outro lado. Eu tinha certeza
de que a chave estava aqui dentro antes de a peça começar e agora não está
mais.
— Abre a droga da porta, não estou brincando!
Não sei oque fazer, pois meu celular está com Sky para tirar as
minhas fotos(preciso postar no instagram depois, e atualizar o meu feed) que
as pessoas tanto pedem.
Se isso fosse um filme, tudo isso seria uma grande brincadeira, no
entanto, o tempo vai passando e está cada vez mais perto da hora de eu voltar
para o palco. O tic tac do relógio me deixa a cada instante mais impaciente.
— Meu Deus! Alguém me tira daqui.
Soco mais algumas vezes a porta, mas parece que não há ninguém
por aqui, o que deixa mais aflita, pois sei que deveria ter pessoas trabalhando
nessa área.
Fico com vontade de chorar e meus olhos marejam. Até tento olhar
ao redor, pois seria incrível achar uma saída como acontecem nos filmes de
Hollywood.
— Estou aqui, alguém me ajuda!— Grito pela última vez, perdendo
ainda mais a esperança.
Não sei mais o que fazer e, serei extremamente julgada por causa
disso, como se tivesse sido minha culpa.
Fada madrinha do teatro, por favor me ajude a resolver isso, e serei
muito grata!
O camarim obviamente não tem aquelas saídas de ar-condicionado
em que as pessoas podem se locomover até uma outra entrada e salvar a
mocinha no final, então desisto.
Todos os clichês de cinema esgotados, e lá se vai a minha esperança
de me dar bem nessa peça. Não estou sendo dramática, pois não há uma
segunda chance para uma primeira boa impressão, ouvi essa frase em algum
lugar e agora faz todo sentido.
Sento em posição fetal e uma primeira lágrima rola pelo meu rosto,
meus cílios ficam molhados e é quando escuto uma voz de fundo.
— Ei, estou aqui!— viro-me para a porta e volto a bater nela, na fé
de que alguém escute.— Estou aqui!
— Mia?
É Damon, é Damon! Isso faz o meu coração acelerar. Isso é um
filme? Pois sinto que o meu príncipe encantado veio a minha procura.
— Damon, aqui!
Escuto os passos ficarem cada vez mais perto e enfim, ele está do
outro lado da porta. Tudo o que eu preciso está do outro lado da porta.
— A chave não está aí?— sua voz está abafada e a sua pergunta traz
a inquietação de volta.
— Não, não está aí?
— Ai meu Deus, como vamos te tirar daí a tempo?
Mais passos e escuto as vozes de Maya e da nossa diretora.
— Achou ela?
— Sim, mas ela está presa, a chave não está lá.
— Como isso foi acontecer?— Maya pergunta e eu também quero a
mesma resposta, mas podemos deixar os questionamentos para outra hora,
pois tenho que atuar o mais rápido possível.
— Falta exatamente um minuto para Mia entrar em cena comigo,
precisamos tirar ela daí.— Damon diz, a voz grave e levemente desesperada.
— Alguém deve ter uma chave reserva.
Escuto a diretora murmurar alguma coisa para eles e seus sapatos de
salto fazem um barulho inconfundível.
— Já vamos te tirar daí.
— Damon, falta menos de trinta segundos para voltarmos para o
palco!
Corro até o espelho e vejo se minha lágrima destruiu a maquiagem,
mas não há nada visível, então retoco o pó e quase no mesmo instante escuto
o barulho na fechadura da porta.
— Não estou perdida!— Corro até Damon e me jogo em seus
braços, ele me rodopia, como se estivéssemos de fato em um filme
romântico, baseado em Cinderela ou algo do tipo.
— Já deveríamos estar lá.
E então, corremos para o palco, e ficamos sem fôlego, mas, no final,
dá tudo certo.
Na última cena, quando estou observando o perfil de Damon
Eastbourne, vejo seu nariz bonito, a curva da sua boca, exatamente da mesma
maneira como fiz no primeiro dia. Acho que me apaixonei por ele desde
aquele dia.
Sinto meu coração palpitar, a emoção tomando parte de cada célula
do meu corpo, até que estamos todos de mãos dadas e estamos fazendo uma
mesura elegante para a multidão.
Recebemos muitos aplausos e eu não consigo evitar as lágrimas de
felicidade escorrerem pelo meu rosto.
Eu consegui, papai. Eu consegui mesmo.
••
— E aquela vez que Sky passou vergonha na farmácia?— Cora
revira os olhos e come mais uma fatia de pizza.
Sempre que a ruivinha está por aqui, temos que aproveitar, e sempre
aproveitamos com pizza. Essa pizzaria fica a uns quinze minutos de casa, mas
vale a pena, pois tem molho extra e o local é bastante aconchegante, com
mesas de madeira e lustres rústicos que nos teletransportam para outra época.
— A parte legal dessa vergonha, foi que eu fiz amizade.
— Verdade. Como vai o George?
— Está bem até demais… namorando com um cara que conheceu no
tinder e agora não tem mais tempo para os amigos.— Sky revira os olhos.
— Olhando pelo lado bom, nós nunca vamos te abandonar, não é
Cora?
A ruiva está atenta demais na comida para prestar atenção em nós,
mas ao ouvir o seu nome, apenas balança a cabeça, afirmando.
— Somos as melhores amigas do mundo.
Percebo o quanto Damon está calado ao meu lado, então, tento
encaixá-lo no assunto. Já que Luke teve que ir buscar algo em casa, o meu
namorado tem que se contentar com três mulheres loucas conversando sobre
coisas aleatórias.
— Sabe o que estou pensando? Temos que arrumar um namorado
para Cora…
Cora arregala os olhos, e é claro que Skylar bate as mãos, ansiosa
com a minha sugestão.
— Estou dentro. Tenho quase certeza que Cora nunca nem beijou na
boca.
— Não acredito que vocês estão falando isso na frente de Damon!—
a ruivinha está tão corada que nós sorrimos.
— Eu acho isso fofo, se quer saber.— Damon dá um sorrisinho para
ela, que retribui com o rosto ainda muito vermelho.
— Detesto vocês duas.
— Agora estou realmente curiosa… você já beijou na boca, Cora?—
lembro de uma vez em que estávamos contando sobre nossas primeiras vezes
e ela ficou calada, então presto atenção em seu rostinho bonito.
Minha amiga olha para mim e enrola uma mecha nos dedos, como se
estivesse pensando em algo. Talvez haja mais coisas sobre ela que não
sabemos. Cora sempre foi muito reservada quanto a relacionamentos,
diferente de Skylar que fala pelos cotovelos e sempre conta tudo de sua vida
para mim.
— Estou conhecendo alguém, sabe…
— O quê?— Eu e Skylar gritamos em uníssono.
— Deixem a Cora em paz, ou ela vai ter um colapso nervoso.—
Damon nos interrompe e percebemos que ela está mais vermelha que o
normal.
— Queremos saber todos os detalhes depois…— Skylar dá de
ombros e Cora só falta se esconder sobre a mesa.
Por mais que eu tenha ficado chateada por ela não ter contado isso
antes, fico feliz por estar conhecendo alguém. Quero que as minhas melhores
amigas tenham relacionamentos tão bons quanto o meu.
Por mais que você tente, nunca vai conseguir explicar o que é o
amor.- Mia

Ontem foi um conto de fadas.


Sério, não paro de pensar em cada detalhe, pois até mesmo a pessoa
que me deixou presa no camarim, ajudou a deixar tudo ainda mais especial,
como a bruxa que faz de tudo e não separa o casal no final da história.
— Bom dia, bumblebee.— Damon sorri preguiçosamente e me puxa
para si.
O calor de seu corpo é tão gostoso que me deixo levar. O calor de
seu hálito está em mim sussurrando coisas indecentes nessa hora da manhã.
— Não vai me seduzir enquanto não estiver com o hálito fresco,
sinto muito.— falo brincando com aquele leve tom de verdade, pois sou o
tipo de pessoa que gosta de sentir um hálito mentolado.
— Que droga, eu já estava esperando que você fosse se derreter para
mim quando eu falasse que te amo logo de manhã.
Meus olhos fecham quando escuto essas palavras, pois eu também
quero falar isso, mas as palavras simplesmente não saem.
Mesmo ontem, quando estávamos de mãos dadas, comemorando
junto com as minhas amigas e nossos olhares se cruzavam, não consegui
falar. Queria que estivéssemos sozinhos, mas então, chegamos em casa e…
bem, tudo acabou na cama, e por isso esqueci.
— Com esse bafo de onça, não vai dar certo.
Damon beija a minha testa, deixando um rastro úmido nela. Eu nem
sei como agir quando ele me trata assim, fico sentindo o meu peito querer
explodir de alegria(não sei se isso é normal de pensar).
— Não queria contar, mas parece que há um animal morto na sua
boca também, Mia Corrigan.
Sei que provavelmente é verdade, mas também sei que ele não se
importa, porque baixa a cabeça e encosta os lábios nos meus.
— Temos que descansar bastante, mais tarde tem mais.
Eu já estava com saudade do ritmo eletrizante de estar em uma peça,
mas sei que essas duas semanas serão corridas demais e mal teremos tempo
para respirar.
— Falando nisso, tem alguma ideia de quem te trancou no camarim?
— sinto seu peito subir e descer, me levando junto.
Penso no momento em que fui trancada, mas nada me vem à mente.
— Não, mas agora eu terei mais cuidado. Além disso, prefiro
acreditar que não foi ninguém que trabalha comigo, ninguém faria algo tão
horrível para me prejudicar.
— Para a nossa sorte, tudo deu certo.
— Verdade.
— Agora, sobre a parte de descansar, tem algo que eu quero fazer
por você, bumblebee.
Os dedos de Damon vão até as minhas coxas, e eu enrijeço no lugar,
meus pensamentos fixados nessa mão que está perto de me proporcionar algo
maravilhoso.
— Porque você é deliciosamente sexy e incrível?
— Prefiro acreditar que você só diz essas coisas porque está
apaixonada por mim.— Os dedos sobem perigosamente e encontram o meio
das minhas pernas.— Pelo menos, essa parte de você está.
Eu sinceramente amo quando Damon me provoca desse jeito, amo
essas mãos que ele tem, o contato com a minha pele, e mesmo que eu tenha
gozado com outros caras antes, com ele é diferente, pois estou tão
emocionalmente envolvida que o sexo se torna mil vezes melhor.
— Estou mesmo apaixonada por você, Eastbourne.— Sussurro e não
faço a mínima ideia se ele escutou.
••
Hoje, como todos nós estamos mortos depois da segunda
apresentação, decidimos que não vamos comemorar. E sim, tem sido um
sucesso, dois dias lotados!
Ainda não li as críticas sobre a nossa atuação, pois não tive tempo
suficiente, mas farei isso hoje.
Vou aproveitar que Damon vai ficar com sua mãe e dormir na casa
da minha tia, já faz uns dias desde que fui lá pela última vez. Toco a
campainha e espero alguns segundos do lado de fora, sentindo a brisa fria
deixar a minha pele gelada.
Momentos depois, a porta abre e recebo um sorriso da minha tia,
apoiada nas moletas, ainda parecendo fraca, devido todo o processo que está
passando depois da cirurgia.
— Já estava pensando que você não viria.
O caminho é um tanto longe, além disso, gosto de dirigir tomando
cuidado e escutando as minhas músicas, por isso demoro um pouco mais do
que o normal.
— Não queria perder a oportunidade de contar todos os detalhes
pessoalmente para você.
Entro logo, pois está ficando frio e sou abraçada pelo calor da casa.
Ainda me lembro de todas as vezes que eu voltava tarde da noite, depois de
ficar um tempo com Peter. Entrar em casa, em segurança, sempre foi a
melhor parte para mim.
— E como está o seu coração nesses últimos dias?
— Hum…— Uma ótima pergunta, pois ultimamente só tenho
escutado coisas do tipo “como tem sido a sua atuação”.— Eu tô muito
ansiosa, e no primeiro dia quiseram sacanear comigo, mas deu errado.
E então, contei para ela tudinho, e para a minha felicidade, ela
escutou do início ao fim.
— E o relacionamento com Damon?
Sinto o meu coração encher de alegria. É sempre bom falar do
homem de quem gostamos. Não quero contar para minha tia, mas, às vezes,
fico olhando para ele e sorrindo como uma boba, é ridículo. Espero que
Damon não perceba essa parte “fã” minha.
— Está indo, cada dia eu tenho mais certeza que quero ficar com ele.
Depois de um tempo, nós duas decidimos que é a melhor hora para
vermos as manchetes sobre a peça e ler o que estão comentando da minha
atuação.
Confesso que o meu coração acelera a cada letra que eu digito. Estou
esperançosa, mas nervosa ao mesmo tempo.
E a primeira diz assim “Mia Corrigan e Damon Eastbourne, o novo
casal queridinho dos palcos”, então fico um pouco mais tranquila. É como se
um peso tivesse sido tirado das minhas costas.
— Eu sabia que seria um sucesso! Seu pai está muito orgulhoso de
você, onde quer que ele esteja.
— Obrigada pelas palavras, tia.
Titia reclama de dor na coluna, então vamos para a cama dela, onde
ficamos deitadas, lendo tudo o que podemos sobre as matérias.
— Estão fazendo testes para saber “qual personagem que você
seria”, meu Deus, eu quero tentar.
Eu tiro Margot e a minha tia ficou com Adam, o que não fez muito
sentido, mas nós duas nos divertimos bastante.
— Pensando bem, acho que consigo ver semelhanças entre mim e
Damon…
Estou com um sorriso no rosto, mas logo ele se desfaz quando vejo
um comentário abaixo.
Porque a atriz Elis não foi a mocinha da história? Tinha muito mais
a ver.
— Nossa, parece que nem todos gostaram da minha atuação assim.
— Deixe-me ver… isso parece ser falta do que fazer!
De repente, um único comentário, faz a minha insegurança aumentar
rapidamente e tenho que parar um pouco e respirar fundo para as batidas do
meu coração voltarem ao normal.
“Não acho que escolheram a melhor atriz para esse papel, até
porque nunca imaginei uma Ofélia negra”.
— Ai, esse comentário foi cruel.— viro a tela para o lado e assim
que a minha tia lê, fica horrorizada.
— Acho melhor pararmos de ver esses comentários e assistir alguma
coisa na televisão.
Concordo com ela e deixo o celular de lado, mas, para mim, ou é
tudo ou nada, por isso, assim que a minha tia dorme, pego o aparelho de volta
e começo a fuçar mais comentários.
“Mia é muito linda, mas acho que não foi a melhor escolha para o
papel”.
Nem mesmo o sono me faz parar de ver os comentários maldosos,
mas um em especial me chama atenção.
“As pessoas querem problematizar tudo hoje em dia. É muito
mimimi, e por isso colocaram uma atriz negra como protagonista, quando
está na cara que quem deveria ser era a Elis que parece muito mais que essa
tal de Mia”.
Me sinto como uma flor murchando ainda mais a cada segundo. A
cor da minha pele não deveria importar e sim como eu entreguei o melhor de
mim.
Meus olhos enchem de lágrimas e elas descem silenciosamente pelo
meu rosto, enquanto eu me vejo novamente na infância. Talvez, aquelas
pessoas estejam certas e eu não devesse estar como protagonista de algo tão
importante.
Se isso fosse um filme, essas palavras não ficariam grudadas no meu
subconsciente.
Mas elas ficam.
Quando estamos juntos, sinto um frio na barriga e o sorriso está
sempre aparente, e quando recebo uma mensagem sua, o universo parece
estar onde deveria.- Skylar

Acordo no dia seguinte, com a sensação de que um trator passou por


cima de mim. Não consegui pregar os olhos na noite passada, tamanha a
minha tristeza.
Sobrou até para Damon que me ligou, mas não atendi, pois não
queria que soubesse o quanto chorei.
Não sei como agir depois de ter lido tantas coisas negativas sobre
mim. Sei que houve muitos comentários positivos, mas os negativos me
abalaram.
Mentalizo que sou uma grande atriz e que nada disso deve me deixar
confusa.
— Bom dia.— Minha tia se espreguiça, e seu braço quase bate no
meu rosto.
Abro um sorriso, para que não perceba como estou mal.
— Bom dia. Dormiu bem?
— Sim.
— Tem certeza?
Antes mesmo de eu responder qualquer coisa, vejo o rosto de
Damon aparecer na tela do meu celular.
— Preciso atender.
Seguro o celular e atendo, e sei que minha tia percebe que há algo de
estranho, até porque foi ela que me criou.
— Oi.
— Que “oi” mais sem graça, bumblebee…
Somente Eastbourne consegue mudar o meu humor da água para o
vinho e quando menos percebo, estou sorrindo.
— Acho que não dormi muito bem…
— Tem certeza?
— Sim, pode ficar tranquilo, lullaby.
Escuto uma hesitação do outro lado da linha e espero que ele
continue com o seu bom humor, mas há algo de errado, posso sentir isso.
— Parece que é você quem não está muito bem, o que houve?
— Eu deveria estar feliz, pois vou levar a minha mãe para assistir a
peça hoje, mas estou preocupado…
Damon já havia me dito algo sobre levar a sua mãe, mas não sabia
que seria hoje, quando estou com a minha autoconfiança abalada pelas
críticas.
— Vai dar tudo certo, se ela foi liberada, é porque os médicos sabem
que ela vai aguentar.
— Não tenho tanta certeza assim, talvez tenham liberado ela pra ver
o filho atuar uma última vez.
— Não vamos pensar negativo, meu bem. Quero pensar que tudo já
deu certo, ok?
— Você é sempre tão boa com conselhos, acho que é por isso que
gosto de você…— Seu tom de humor volta e eu sou obrigada a sorrir junto.
De repente, os meus problemas se tornam tão pequenos, e tudo o que
eu quero, é que o dia de hoje seja ainda mais surpreendente, para que a minha
sogra tenha uma experiência incrível.
— Preciso arrumar algumas coisas aqui na casa da minha tia, mas
nos vemos mais tarde?
— Estarei contando os segundos para ver a minha Tory…
Meu coração acelera e eu dou uma risadinha forçada, a insegurança
atacando novamente. A vontade de chorar…
Desligo o celular e minha tia me olha com o olhar semicerrado, mas
em vez de perguntar qualquer coisa, me abraça, sem dizer uma só palavra.
Isso significa o mundo para mim.
Depois que decidimos pular em queda livre no que é o amor, não
tem volta, ou você consegue abrir o paraquedas e sobreviver ou isso pode
acabar te matando.- Mia

Na volta para casa, por incrível que pareça, a pessoa mais animada é
a mãe de Damon. Mesmo fraca, a mulher está reluzente por ver o filho atuar e
é fofo o jeito como o meu namorado se importa com a saúde da mãe.
— Queria ir todos os dias.
— Mas, sabe que não pode, por estar tão frágil.
De instante em instante, ele a observa, com medo de que algo possa
acontecer.
— É um saco estar perto da morte…— A maneira como ela fala,
ironicamente, me faz olhar para Damon, com os olhos arregalados.— O meu
próprio filho fica preocupado comigo.
— Não diga esse tipo de coisa, mãe!
— Ah, mas é a verdade, e eu já aceitei, você deveria fazer o mesmo.
Sinto minhas mãos gelarem, pois a primeira coisa que penso quando
penso em aceitação, é em mim mesma. Eu não estou conseguindo aceitar que
sou boa o suficiente para interpretar Tory.
Estou muito abalada com tudo o que está havendo na minha vida.
São tantas coisas boas e ruins ao mesmo tempo, que até parece que estou
sufocando.
— Você está bem, Mia?
As mãos da senhora Eastbourne seguram nas minhas e é quando
percebo o quanto estou nervosa. A respiração entrecortada diz tudo por mim.
— Por que eu não estaria?
— Porque está hiperventilando e isso nunca é um bom sinal.
— Ai meu Deus, acho que estou apenas pensando na peça…
Damon me observa, e sei que bem no fundo, sabe que estou
mentindo, mas não quer falar nada na frente de sua mãe. E eu não quero falar
sobre o que estou sentindo agora.
— Nem consigo imaginar como é estar na pele de vocês.
Penso em algo aleatório para mudar o rumo dessa conversa.
— Exatamente… e acredita que Damon conseguiu mais seguidores
do que eu?
É incrível como os homens sempre conseguem mais destaques
nesses lugares. É mais difícil para as mulheres, e ainda mais se você for uma
mulher e for negra.
— Sério, mesmo?
— Infelizmente, sim.
— É porque eu sou muito gato, sabe?
Reviro os olhos, mas acabo sorrindo, pois é nesses momentos que
me sinto como uma adolescente novamente. Nunca aproveitei de fato a
minha juventude, então, é sempre bom poder viver um pouco disso nesses
raros momentos infantis que temos.
— É porque você é homem!
— Isso não é verdade.
— É sim! Sempre que algum filme estoura na netflix ou no cinema,
os homens sempre se destacam na frente das mulheres. Veja o Noah Centineo
e a Lara Condor… os dois estão no filme “para todos os garotos que já
amei”, e apenas ele foi chamado para novos filmes.
— Talvez seja porque ele é um galã.
— Um galã feio só se for…
Em minha defesa, eu não o acho feio, mas quero provar o meu
ponto.
— Estou perdida no assunto de vocês, quero uma foto desse menino
que estão falando.
Abro o google e pesquiso o nome do autor e pronto, estamos vendo
fotos dele e da Lana. Os números de seguidores são completamente
diferentes.
— Realmente, a Mia tem razão.
— Não consigo acreditar que até a minha mãe está contra mim…—
Sua voz risonha nos faz sorrir.
— Eu tenho bons argumentos e provas que são fundados na verdade.
— Que droga! A minha mulher é mais inteligente do que eu e por
isso deveria ter mais seguidores…
Por mais que eu não me importe com quantos seguidores eu tenha,
me espanta saber que o gênero faz bastante diferença. Sei que Damon tem
mais chance de ser chamado para algo grandioso depois que essa peça acabar,
enquanto não faço a mínima ideia de que acontecerá comigo.
— Ainda bem que você sabe disso.
E é triste quando chegamos na casa temporária da senhora
Eastbourne, pois a conversa estava realmente divertida, mas, precisamos
descansar.
— É sempre legal estar com vocês.— Ela diz ao se despedir e fico
esperando no carro, enquanto o meu namorado vai levá-la para dentro de casa
e ajudá-la, como bom filho que é.
Abro a minha página do instagram e vejo os novos comentários nas
minhas fotos, alguns são fofos, outros nem tanto, como esse último que
acabei de receber.
Faria um estrago nessa mulher.
Apago esse comentário e ao sentir o meu estômago revirar, desligo o
celular e espero uns dois minutos antes de Damon entrar no carro.
— O que faremos hoje à noite?
— Estou cansada, então nada de pensamentos pecaminosos.
Encosto a cabeça na janela e escuto sua gargalhada ao meu lado.
Damon se aproxima de mim e beija o meu pescoço, mas nem mesmo isso me
anima no momento.
— E se esse pensamento envolver uma massagem nos seus ombros
até você dormir?
— Aí você está falando a minha língua.
Viro-me para ele e encosto os lábios nos seus. É tão estranho que
isso seja o nosso casual, estar sempre sorrindo com a pessoa que faz o seu
coração acelerar.
— No que está pensando?
— Que você é bom demais para mim.
Damon se afasta e acho que minha sinceridade está estampada no
olhar, pois ele balança a cabeça e segura firme a minha mão, logo em seguida
a beijando-a demoradamente.
— Acho que há um pequeno engano aqui… somos igualmente bons
um para o outro, e quero que nunca esqueça disso.
Baixo os ombros e engulo em seco, é exatamente esse tipo de coisa
que o faz ser incrível e exageradamente bom para mim. Eu sinceramente não
sei se mereço isso.
— Promete para mim que esse nosso filme nunca vai acabar?
— Prometo o que você quiser…—beija a minha mão novamente e se
inclina na minha direção.
— Okay, agora você colocou a arma na minha mão. Quero que me
prometa que ficará comigo mesmo quando eu roncar no meio da noite ou
estiver com um bafo matinal insuportável.
— Mia Corrigan, não há nada nesse mundo que me faça desistir de
você.
— Eu vou cobrar isso no futuro.
E com o coração quentinho e os olhos marejados, vamos para a
nossa casa. A minha casa não parece só minha quando ele está lá. Eu e ele.
Nós.
Só eu sei o que é chorar tanto a ponto de quase ver o meu reflexo
pelas lágrimas.- Mia

A noite de ontem foi “UAU” em letras maiúsculas. E acordar nos


braços do homem que você está apaixonada, é a melhor coisa do universo.
Deveria ter um termômetro para medir os nossos sentimentos, pois o
meu estaria estourado.
Mexo nos cabelos do peito de Damon até que ele acorde, se
aconchegue em mim e me beije na testa.
— Bumblebee…
— E isso será a primeira coisa que você vai me chamar pela manhã?
— A última coisa que ouvi na noite passada foram altos zumbidos,
então só pensei em uma palavra nesse momento.
Sei que disse que estava muito cansada, mas Damon é irresistível na
maior parte das vezes, então, já sabe como terminou…
— Por que eu continuo gostando de você?
— Porque eu sou tudo de bom?
Dou um sorrisinho e o beijo antes de me levantar. Sua barba por
fazer o deixa ainda mais lindo.
— Já vai sair da cama?
— Estou morrendo de fome, e quero fazer algo especial para nós
dois.
Damon segura o meu rosto e me beija profundamente. Seus lábios
puxam os meus e inclinamos a cabeça, depois de uns segundos de deliciosos
amassos, paramos para respirar e estou completamente sem fôlego.
— O que foi isso?
— Gosto de te beijar, só isso.
Balanço a cabeça e, o puxo para mim, segurando o seu queixo e
colando os lábios nos seus. Já conheço o seu gosto, mas todas as vezes que
nos beijamos, fica ainda melhor. Suas mãos bagunçam o meu cabelo e depois
passam para as minhas costas, sinto meus pelos arrepiarem e está tudo muito
gostoso… até que a minha barriga ronca.
— Bem, eu acho que devo mesmo ir fazer esse café da manhã…
— Enquanto isso, vou arrumando esse quarto, pois bagunçamos
bastante ontem à noite.— seu olhar malicioso é tão fofo que o beijo
novamente antes de me afastar.
— E quando é que não bagunçamos?
Damon revira os olhos e antes que me puxe para si mais uma vez,
corro do quarto, ou ficaremos o dia inteiro por aqui.
••
Escuto mais uma vez o martelo bater no apartamento vizinho e a
minha dor de cabeça volta com total força.
Já chega, cheguei no meu limite. Até porque, quem tem limite são os
Estados, eu sou uma mera humana que detesta reforma e que está sendo
obrigada a escutar isso. As paredes são muito finas, sabe?
— Para onde está indo?
Estamos revendo algumas observações que a nossa diretora nos
passou. Tudo estava normal, até que as batidas começaram com força total.
— Vou acabar com essa palhaçada…
Damon franze a testa, mas acaba sorrindo.
Queria conseguir fazer o mesmo, mas as marteladas até parecem
estar dentro da minha cabeça.
Visto o meu robe e vou com toda a força da raiva até o apartamento
do lado. Faz meses que essa pessoa mudou para cá e ainda não a conheci.
Não sou aquele tipo de vizinha gentil que leva bolo, até porque nem
sei fazer…
Ao bater a porta de madeira, cruzo os braços e espero pacientemente
a alma “bondosa” aparecer para que eu possa soltar os cachorros em cima.
Escuto o ranger da porta se abrindo e assim que me viro, levo um
susto tão grande que quase caio para trás.
São os mesmos olhos do homem com quem andei sonhando por
anos. São os mesmos cabelos loiros e até fecho os olhos com força, temendo
estar dormindo, em um sonho muito louco.
Ou um pesadelo.
— Pois não?
As palavras fogem de mim, então apenas abro a boca, mas som
nenhum sai dela.
Isso não é nem remotamente possível. E por isso, respiro fundo e
não adianta, não consigo me mover.
— Você está bem?
A voz grave me tira do devaneio e talvez isso seja mesmo a vida real
e não apenas uma alucinação.
— Eu…
— Sei que sou bonito pra caramba, mas as pessoas não costumam
ficar tão nervosas ao verem essa belezura pela primeira vez…— O sorriso
exibido dele me faz cair na real, pois de maneira alguma o homem dos meus
sonhos seria tão arrogante assim.
— Eu vim porque queria perguntar algo.
— Que seria?
Agora que o meu susto passou um pouco, posso perceber que o
homem está sem camisa e que seu braço está apoiado na porta, fazendo os
músculos saltarem de uma forma sexy.
Engulo em seco e tento não focar em nada além do seu rosto.
— Quando essa sua obra vai acabar.
Que droga! Meus olhos não conseguem parar de acompanhar a
contração de seu braço. Acho que estou em um pesadelo.
— Não faço ideia, mas ainda vai demorar bastante.
— É… queria perguntar outra coisa.
O meu vizinho se inclina na minha direção, como se estivesse me
reconhecendo e eu franzo a testa. Não é possível que haja alguém tão
parecido com o meu Peter e isso faz o meu coração ficar apertado. É como
ver um fantasma.
— Tem certeza que está bem? Está pálida.
— Eu vou ficar.
— E qual era a outra pergunta?
Quando ele se afasta, respiro fundo e umedeço os lábios que estão
secos. É como estar em um lugar abafado e conseguir ar puro.
— Você conhece alguém chamado Peter?
Logo depois que Peter morreu, passei anos e anos pensando em
como ele estaria na vida adulta e o meu cérebro idealizou como ele seria.
Esse homem que está na minha frente, é exatamente como o homem dos
meus sonhos e é impossível que não haja nenhuma ligação entre eles.
— Já conheci, mas ele morreu faz um tempo.
Sinto como se tivesse sido acertada por um carro em alta velocidade.
É claro que ele tem algo a ver com o meu namorado morto.
— Ai meu Deus…
E mais uma vez começo a hiperventilar, sem acreditar no que está
havendo aqui.
— Você conhecia ele?
— Eu estava com ele quando ele morreu.
— Você era a namorada? Sabia que te conhecia de algum lugar,
acho que te vi no enterro dele.
Preciso de um tempo para recapitular tudo o que aconteceu nesses
últimos minutos. De repente, quero conhecer esse homem e saber tudo dele.
— Qual é o seu nome?
De alguma maneira, o meu cérebro quer imaginar que esse é Peter e
que ele não morreu, mas eu fui para o enterro, então, a menos que eu esteja
no céu, isso não pode ser verdade.
— Joe Olly, sou apenas um primo distante de Peter, nem consigo
saber como você fez a ligação entre nós dois.
— Vocês se parecem demais, para falar a verdade.
— Se você diz…
Fico um pouco sem jeito depois de toda essa situação, e para piorar,
sinto os olhos de Joe em mim e fico desconsertada. É como se Peter estivesse
me olhando e por alguns segundos, quero beijá-lo e saber se esse lábio tem o
mesmo sabor que o do meu namorado morto.
— Está me olhando de uma forma muito estranha, e eu ainda nem
sei o seu nome…
— É Mia Corrigan.
— Foi um prazer conhecê-la, Mia.— ele estende a mão e assim que
temos o nosso primeiro contato físico, não sinto aquele magnetismo, o que é
um bom sinal, pois estou apaixonada por outro homem e o meu passado
deveria ficar enterrado(literalmente).
— Bem, agora tenho que voltar, espero que essa reforma infinita
tenha um fim, pois estou realmente irritada com você, Joe Olly.
— Talvez eu dê uma festa quando essa “reforma infinita” acabar e te
chamo.
Não sei se respondo com um sim ou não, então faço o que é mais
maduro.
— Nos vemos por aí…
Na volta até o meu apartamento, me questiono em como a minha
manhã pôde mudar drasticamente e em como os meus sentimentos estão
abalados.
Se os comentários negativos me tiraram do chão, ver um primo
distante do Peter, me deixou sem estruturas e não faço a mínima ideia de
como fazer tudo voltar aos trilhos.
Preciso conversar com as minhas amigas, pois somente elas podem
me acordar para a vida real.
Assim que fecho a porta do meu apê, encosto nela e escorrego até o
chão. Damon permanece focado nos papéis e não percebe que estou
literalmente desmoronando.
Obviamente, não posso contar para ele que o vizinho infernal, veio
diretamente do meu passado e que agora não sei o que estou sentindo.
Sei que estou apaixonada por Damon, até porque ele é o homem dos
sonhos de qualquer mulher, mas preciso conversar sobre como isso é bizarro.
— Você voltou, bumblebee? Estava tão concentrado que não te vi.
— Estava te observando. Continue sendo sexy enquanto está
concentrado, Eastbourne.
— Gosto de ouvir esse tipo de coisa, na verdade, estava pensando
em uma maneira fantástica de te transformar na senhora Eastbourne.
Com tanta pressão na cabeça de Damon, sei que não é uma boa hora
para falarmos em casamento. A mãe dele está cada vez pior, então sei o
quanto ele deve estar arrasado por dentro.
Por isso, levo o que ele acabou de falar, como uma brincadeira.
— Interessante, conte-me mais.
— Levante a sua bunda gostosa daí e venha aqui, vou te mostrar em
como pretendo convencê-la a aceitar o meu singelo pedido.
Fecho os olhos e sorrio, esquecendo um pouco de todo o drama e
focando nesse homem gostoso que está a minha disposição. Me sinto livre ao
seu lado, e não tenho medo de mostrar quem eu realmente sou para
Eastbourne.
Sento-me no seu colo e enlaço o seu pescoço. Esse homem é tão
bonito que me falta palavras para descrevê-lo. Beijo gentilmente o seu nariz e
encosto a testa na sua, ficamos assim por um tempo. Sua respiração na minha
e uma paz infinita.
— Você é muito linda.
— Eu estava pensando exatamente o mesmo. É exatamente por isso
que estou caidinha por você.
— Disso eu sei, é impossível alguém estar perto de mim e não se
apaixonar.
Reviro os olhos, mas acabo concordando intimamente, pois, mesmo
que Eastbourne pareça ser arrogante e cheio de si, quando o conheci de
verdade, soube que as aparências enganam.
— Podemos ficar assim para sempre?— sussurra e beija a curva do
meu pescoço, fazendo com que uma leve pressão se instale no meio das
minhas pernas.
— Acho que não seria possível, pois eu sempre estou com fome…
além disso, você teria câimbras por causa do meu peso em cima de você.
— Eu poderia lidar com isso, desde que eu olhasse sempre para
você.
— Aposto que depois de algumas horas, você enjoaria.
— Impossível…
Dou-lhe um abraço e instantaneamente me sinto culpada por querer
beijar outra pessoa pouco tempo atrás. Eu não mereço Damon Eastbourne e
esse é o meu último pensamento antes de o celular tocar, nos tirando do
transe.
— O trabalho nos chama, bumblebee.
Vejo o número da nossa diretora na tela e eu reviro os olhos de uma
forma exagerada.
— Mais um dia normal na vida de atores famosos.
Damon sorri e é como se iluminasse o meu mundo, seus olhos
brilham tanto que é como se tivessem luz própria.
Querido leitor, eu farei de tudo para merecer esse homem.
Olho para o fim do túnel e não encontro uma luz, será que é preciso
estar no fim para poder enxergá-la?- Mia

Uma semana depois, já estou me sentindo esgotada, mas sei que tudo
está valendo a pena. Meu número de seguidores já triplicou, agora estou com
trezentos mil, enquanto que meu namorado está quase com um milhão. Já
falei sobre isso anteriormente, mas não me importo com números.
— Minha bumblebee está muito calada…
Estamos voltando para casa, ainda estou com a mesma maquiagem
pesada no rosto, o começo de uma dor de cabeça, até o telefone de Damon
tocar e eu ver o rosto de Trace na tela, o meu namorado atende e coloca no
viva voz.
— Alô?
— Oi, irmãozinho, queria te fazer uma surpresa…
Como assim? De repente, me vejo prestando ainda mais atenção na
conversa dos dois.
— Você veio mesmo? Achei que estava apenas brincando.
— Ai meu Deus, não acredito!— reclamo baixinho.
— Estou em um restaurante, pois a Tee estava com fome e não
parava de reclamar. Me mande a sua localização, precisamos conversar sobre
a sua péssima atuação.
Damon vira para mim, como se estivesse pedindo permissão para
levar o seu irmão e sua família para a minha casa. O que poderia dar errado,
não é mesmo?
— Claro, já te mando. Eu sei que estava incrível, você é que está
com inveja.
Escuto a risada do outro lado e logo em seguida uma voz de
garotinha. É tão estranho, que nem consigo pensar em nada.
Parece que essas últimas semanas têm sido uma avalanche na minha
vida. Todas essas coisas acontecendo tão rapidamente… um nó se instala na
minha garganta, mas preciso segurar ou Damon perceberá.
— Preciso desligar, nos falamos depois.
Escuto um bip e ao olhar para meu namorado, percebo o quanto está
feliz por saber que o irmão está por aqui. Quase pergunto se ele não quer ir
para a casa de sua mãe ou algo do tipo.
Nessa última semana, senti como se Damon estivesse se preparando
para a morte da mãe, pois geralmente ele ia todos os dias vê-la, mas agora,
vai dia sim e dia não. Não o julgo, pois talvez faria o mesmo. Ver a própria
mãe naquele estado não é a coisa mais fácil do mundo.
Ontem, quando ele chegou na minha casa, estava com os olhos
inchados e tudo o que eu pude fazer, foi abraçá-lo e fazê-lo dormir um pouco
nos meus braços.
Tem sido dias difíceis, mas é a vida e ninguém nunca falou que seria
fácil, né?
— Acho que não se importa de eu levar o meu irmão para a sua casa,
certo?
Demoro uns segundos, antes de concordar com a cabeça, incapaz de
falar qualquer coisa no momento e já ficando um pouco ansiosa.
— Não acredito que ele veio me ver…
De modo algum eu quero tirar esse sorriso bonito do rosto dele, por
isso, apenas fico calada, com a cabeça encostada na janela, pensando em
como fazer a minha vida voltar ao normal. Ou pelo menos, ficar um pouco
mais calma.
É exatamente nesse momento, que vejo o número da minha tia
brilhar na tela. Abro a mensagem e vejo uma foto nossa com o meu pai,
estamos tão sorridentes e isso faz um sorriso brotar no meu rosto, tornando o
meu dia melhor.
— Não é tão mais fácil quando somos tão pequenos que não
entendemos o mundo ao nosso redor?
— Sinto saudades de quando eu era pequeno e o meu maior medo
era que houvesse um monstro embaixo da minha cama.
— Eu tinha pavor de borboletas, mas um certo dia, vi uma amarela
pousando numa flor e fiquei encantada, ela parecia tão serena.
— Quanto a mim, fiz xixi na cama até ser grandinho demais. Eu
realmente era aterrorizado com a ideia de um monstro me agarrar a noite e
meus sonhos eram sempre sobre isso.
— E hoje em dia, com o que você sonha?
Não é estranho como ninguém pergunta com o que sonhamos
quando dormimos? Acho que agora farei essa pergunta para todo mundo.
— Não sou uma pessoa que sonha todas as noites, mas uns meses
atrás eu tive um muito estranho, em que eu estava em uma biblioteca e
alguém me vigiava.
— Acho que foi a pressão da peça.
Olho para o lado e a sua expressão não é a mais animadora, o que
significa que ele realmente ficou assustado… ou há algo nos bastidores que
eu não sei.
— Deve ter sido.
— Sabe com o que estou animada?
— Você está animada na maior parte do tempo…
Reviro os olhos e lhe dou um tapinha, mas é verdade mesmo.
— Saber que na próxima semana, estaremos em um red carpet, no
“American theatre awards”
Fomos convidados para o nosso primeiro tapete vermelho, e eu nem
sei como agir diante disso. Vou usar o meu vestido mais bonito e arrasar
junto de Damon. Vai ser a entrada triunfal e vai ser como um convite para as
pessoas aparecerem na nossa peça.
— Tenho que alugar um smoking, me lembre de fazer isso.
— Claro, vou junto, porque quero escolher com você.
— Sim, senhora.
Enquanto paramos em um sinal, seguro a sua mão e dou um beijo.
Ele olha para mim, e eu o desejo tanto que dói. Cada traço desse rosto, as
rugas sempre que sorri e essa boca linda, os olhos curvados levemente para
baixo.
A melhor parte de tudo é quando ele se inclina em minha direção e
posso sentir o seu cheiro forte, beija o meu pescoço e assim que vejo o sinal
abrir, fico um pouco triste, pois queria mais beijos assim.
••
Chegar em casa numa me pareceu tão aterrorizante, e como Trace
não está tão longe daqui, vai ser apenas uma questão de tempo até que a
campainha soe.
— Está pálida, meu amor…
Me jogo no sofá e afundo, sentindo o acolchoado me abraçar e
tentando fazer com que meu coração pare de bater como um louco.
— Acho que a minha pressão deve ter baixado, não se preocupe.
Mas, é claro que as minhas palavras não valem de nada, porque ele
vem até mim e me abraça. Qualquer ser humano fica com vontade de chorar
quando está sobrecarregado e alguém lhe dá atenção.
— Sempre vou me preocupar com você.
O nó em minha garganta multiplica, mas consigo segurar firme, e
não sei quanto tempo ficamos assim, até que escutamos a campainha e meu
coração dispara.
— Já volto.
Fico parada e observo o meu namorado abrir a porta, a primeira
coisa que eu vejo é uma garotinha morena e feliz abrir os braços para o tio,
seguida de uma mulher negra de cabelos lisos e presos num coque. Por
último, vejo o homem alto entrar no meu apartamento, e é estranho demais
saber que esse mesmo homem me atingiu tanto quando eu era uma criança.
Trace parece o mesmo garotinho, sendo que em uma versão bem
mais velha, o que me faz lembrar o quanto o tempo passou.
— Estou bastante surpreso com a visita de vocês, entrem.
Coloco um sorriso no rosto, pois é como uma anfitriã deve se portar
em situações como essa.
— Ainda não conhecem a minha namorada, Mia Corrigan.— a
família vem até mim com um sorriso no rosto, mas assim que o olhar de
Trace recai sobre mim, ele congela.
Sei que provavelmente lembra do meu nome e da minha aparência,
mas não sei o que está se passando pela sua cabeça.
Me abaixo para conhecer a pequena Tee, a garotinha é tão amável,
que me dá um abraço apertado. O cheirinho de criança é tão presente que até
sinto vontade de ter um filho.
— Pelo visto, você é a famosa Tee…
— Sou! E essa é a minha mamãe Mor, e esse é o meu papai, Trace.
— a criança aponta para os dois, para que eu os conheça, então sou obrigada
a me levantar e agir como uma adulta que sou.
— Olá, espero que sintam-se em casa.— Aperto a mão deles e sei
que Trace está me analisando. Tento parecer normal com ele aqui na minha
frente, apertando amigavelmente a minha mão, mas é bastante difícil.
O que me deixou mais espantada nessa situação, é que Mor é negra!
No entanto, ter um relacionamento inter-racial não é sinônimo de não existir
preconceito.
Preciso dessa noite para deixar um de meus fantasmas irem embora
com o passado. Talvez a vida esteja me dando a coragem para enfrentar todos
os meus monstros embaixo da cama.
— Já nos sentimos, fico feliz pelo meu cunhado, e em saber que os
dois compartilham do mesmo sonho, me enche de felicidade.— Mor é tão
bonita e simpática que quero impressioná-la.
Convido todos a sentarem no sofá, para ficarmos mais confortáveis e
Mor dá um tablet para a Tee, que instantaneamente fica quietinha, com seus
jogos de corrida de carro.
— Então, preciso dar os parabéns pela atuação dos dois.— Mor
começa.— A química entre os dois é inegável.
Trace está muito calado e a mulher deve estar percebendo algo de
estranho, pois segura a sua mão e ele ergue o olhar para nós.
— Verdade, nunca pensei que fosse dizer isso, mas estão de
parabéns.
Sei que ele quis dar um ar mais leve em toda situação, mas a frase
“nunca pensei que fosse dizer isso”, me faz encolher no sofá, ao lado de
Damon.
— Contem as novidades, como está a sua empresa, Trace?
Fico escutando eles debaterem sobre a tal empresa que eu ainda não
tinha conhecimento e tento me concentrar em outra coisa que não o meu
passado aqui bem na minha frente.
Estou pegando toda a energia ruim e dispersando, para que não haja
rancor no meu coração e que não haja nenhuma mágoa do passado e preciso
contar isso para Trace.
Uns bons minutos se passam e eu até consigo sorrir genuinamente
com a Mor e a Tee que é surpreendentemente esperta para a sua idade.
— Eu gosto de jogos e as minhas amigas dizem que é para menino,
mas não tem jogo exclusivamente para menino, né?
— Com certeza, não. Você deve jogar o que gosta.— Tee abre um
sorriso para mim e me chama para competir com ela em uma das corridas,
para ver quem consegue o maior “score”.
Obviamente, eu perco várias vezes, pois nunca havia jogado isso
antes.
— Uma hora você aprende, tá, tia?
Assinto, com o coração quentinho por ela ter me chamado de tia e
ela sorri, me contagiando.
— Não sei com quem essa garota aprendeu a ser assim tão
espontânea.— Mor me fala e sorrio.
— Quem dera eu fosse assim na minha infância. Eu quase nem
falava e nunca tive muitos amigos.
Juro que não joguei nenhuma indireta. Mas senti Trace ficar
desconfortável e remexer as mãos. Meio que me senti mal por ele.
— Entendo, mas sou o tipo de pessoa que acredita que sempre há um
lado bom nas coisas ruins, por mais difíceis que elas pareçam ser.
Paro um pouco para refletir e talvez, eu ter sofrido tanto na infância,
tenha me feito aproveitar mais tempo com o meu pai antes de ele morrer.
— Provavelmente.
— Geralmente sou eu quem tenho bons conselhos, mas você arrasou
nesse.
— Sempre que precisar.— ela faz uma mesura.
E nesse momento, Trace se levanta e penso que vai jogar tudo o que
aconteceu entre nós aqui, na frente de sua filha, mas ele me surpreende.
— Sinto muito atrapalhar vocês duas, mas queria muito falar com
Mia a sós e testá-la para saber se merece o meu irmãozinho.
Sei que Trace está apenas arrumando um pretexto para me tirar da
sala e conversar comigo sobre o passado, e é nesse momento que fico ainda
mais nervosa, pois vou descobrir se ele quer me confrontar ou me pedir
desculpas pelo que fez.
Levanto-me e o conduzo até a cozinha, com medo de que dê para
escutar a nossa conversa e assim que estamos sozinhos, ele me encara, como
se não estivesse acreditando nos próprios olhos, o que não diminui a minha
ansiedade.
— Há quanto tempo, Mia…
— Olha, eu não sabia que Damon era o seu irmão, apenas aconteceu,
então não pense que quero me vingar ou algo do tipo…
— Eu quero muito que saiba o quanto eu lamento pelo que te fiz
passar.
Sinto quase fisicamente o meu coração apertar dentro do peito, um
sentimento nascendo no lugar de toda a angústia e meus lábios tremem antes
que uma lágrima caia pelo meu rosto.
— Fui uma criança horrível, mas…
— Eu perdoo você, Trace, na verdade já perdoei faz tempo.
Enxugo a lágrima com as costas da mão e respiro fundo, nunca
imaginei que algumas palavras pudessem me deixar tão leve.
— Te fiz sofrer tanto, Mia, e você não merecia isso. Acho que no
fundo, sempre tive uma quedinha por você e fazia aquilo para chamar a sua
atenção.
— Até parece…— reviro os olhos e repentinamente, ele me puxa
para um abraço.
Fico imóvel e enquanto ele passa a mão pelos meus cabelos, permito
que uma parte ruim do meu passado vá embora. Não quero mais lembrar das
coisas que me magoaram, e a partir desse momento, sinto que me pai ficaria
orgulhoso de mim.
— Quando eu me apaixonei por Mor, lembrei de você e de como eu
fui um babaca completo. Me arrependi tanto e queria ter uma chance de me
redimir. Parece que a vida foi bondosa e me permitiu ter essa chance.
Nos afastamos e percebo que seu rosto também está úmido.
— Assim que a minha filha nasceu, soube o quanto uma vida é
importante e o quanto eu nunca desejaria que ela sofresse com alguém como
eu.
— A Tee tem sorte de ter você como pai, já deu para perceber o jeito
que ela olha para você; como um herói.
— Eu amo a minha família e ficarei muito feliz em te chamar de
cunhada.
— Obrigada.
Nos abraçamos novamente e quando menos percebemos, vemos
Damon e Mor aparecerem na cozinha. Os dois parecem felizes ao nos ver
bem.
— Se até o meu irmão aprovou a Mia, terá casamento.
Nos afastamos de vez e limpamos o restante das lágrimas. Damon
vem até mim, que estou sem palavras no momento. Preciso contar para ele a
verdade nessa noite e tenho certeza de que vai ficar um pouco chateado por
não ter contado antes.
••
— O quê? Bem que eu percebi algo de estranho no ar.
— Mas tudo isso ficou no passado. Agora somos da mesma família.
— ainda é estranho falar isso, que sou da mesma família que Trace.
Diferentemente do meu vizinho, que continua com a reforma
rolando no apartamento ao lado. Passado não é exatamente onde aquele
homem está.
— A Tee ficou apaixonada por você. Disse que quer vir mais vezes,
para te ensinar como competir de verdade com ela.
Dou uma gargalhada, e me sinto uma boba por ter ficado ansiosa
antes de conhecê-los.
Entrelaço minha mão na dele e agora posso curtir esse tempo a sós
com o meu namorado.
— Ela é uma criança adorável.
— Quando tivermos uma filha, será exatamente assim.
— Já está pensando em filhos?
Damon tem falado bastante sobre casamentos e coisas do tipo, e na
maior parte do tempo, penso que está brincando, mas algumas vezes, parece
que, de fato, quer casar comigo.
Meu pai costumava me falar que quando eu encontrasse a pessoa
mais especial de todas, deveria me casar sem pensar duas vezes e sem me
importar com a opinião de ninguém.
Não nos casamos por amor, mas para amar, repetia para mim.
— Estamos praticamente casados, só tenho que colocar um anel no
seu dedo e te dar o meu sobrenome… depois disso, um filho já deve estar nos
planos.
— Damon Eastbourne…
— Sim?
— Você está falando sério ou brincando dessa vez?
Ele me puxa até si, nossos corpos quentes em contato e dá vários
beijos na minha mão. Ainda está muito cedo para falar em casamento, pelo
menos para mim.
— Sinto como se já te conhecesse a minha vida inteira, então,
porque esperar?
— Hum… achei que estivesse brincando com esse lance de
casamento.
Uma decisão tão importante ser tomada quase como desespero não
pode dar certo no fim das contas, certo?
— Casamento para os ingleses é algo muito importante, Mia, e eu
quero que você seja a minha esposa.
— Olhe, Damon, sei que está fazendo isso por sua mãe e eu toparia
casar com você para que ela tivesse uma última lembrança feliz. Mas um
casamento de verdade poderia esperar um pouco mais.
— Não quero que pense que quero casar com você para ver a minha
mãe feliz e apenas isso.
Fecho os olhos e espero que ele complemente com algo a mais, mas
nada vem e assim que abro os olhos, vejo que está sendo sincero. Acho que
Damon não me pediria em casamento apenas para ver a mãe feliz.
Não acredito que vou mesmo embarcar nessa loucura, mas penso
em algo.
— Eu tive uma ideia. É perfeita, na verdade.
Abro um sorriso, pensando em como matar dois coelhos com uma
cajadada só(no sentido figurativo, é claro, pois os coelhos não têm nada a ver
com isso).
— Me diga, senhora, estou todo ouvido.
— Nós dois, podemos fazer uma cerimônia toda especial lá no
hospital para a sua mãe, só para ela saber que nós vamos casar um dia, mas
que essa lembrança seria somente dela. Nosso noivado.
O meu namorado me observa por uns bons segundos, antes que seus
olhos encham de lágrimas e ele me puxe com força para si, beijando a minha
testa com tanta paixão que me deixa sem fôlego.
Ai caramba que cheiro bom…
— Caramba, Mia, eu não sabia que tinha como ficar ainda mais
apaixonado por você.
— Sei disso, é impossível não se apaixonar por Mia Corrigan.
Ele toca a ponta do meu nariz. Sei que fiz a coisa certa e que Brenda
Eastbourne vai ficar profundamente tocada por isso. Toda mãe deseja ver o
filho se casando.
— De fato, você me faz o homem mais feliz do mundo.
— E você atrapalha o meu sono…
— Como consegue arruinar um momento perfeito?
— Acho que é um dom, sabe?
— Com certeza é um dom, mas eu te perdoo, porque você é linda.
— E…?
— Inteligente…
— E…?
— Eu poderia passar um tempão falando das suas qualidades, sua
chata.
Dou risada e beijo o seu pescoço quente, sua veia pulsa e fica ainda
mais à mostra.
— Como consegue me elogiar e xingar ao mesmo tempo?
— Um dom, acho.
— As vezes você é tão criança, Eastbourne.
Ele se inclina ainda mais para mim, e nossos olhos ficam muito
próximos, eu o desejo tanto que chega a doer ao pensar em nos separarmos.
Sempre pensei que já tivesse me apaixonado na adolescência, mas
aquilo era apenas um teste, eu era muito jovem. Isso aqui é para valer, estou
apaixonada e nunca pensei que fosse acontecer novamente.
— Sei disso, mas se está aqui comigo, nos meus braços, significa
que você gosta de mim, dessa maneira.
Fecho os olhos e me aconchego nesse calor, no corpo que já estou
acostumada a estar.
— Claro que sim.
E em seus braços, com os olhos fechados, espero que o sono me
atinja e que esse dia seja eternizado.
Todos os dias, a maior luta é contra o meu próprio reflexo.-Mia
Uma semana depois

É como estar em videoclipe de Taylor Swift, saio da limusine(nem


acredito que estou mesmo dizendo isso) acenando, como uma grande estrela
de cinema. Meu sorriso está por tanto tempo no rosto que até dói.
Continue a sorrir, continue a sorrir. Digo a mim mesma no melhor
estilo dory.
Eu e Damon tivemos um desentendimento hoje pela manhã. Essa
última semana tem sido estressante para nós dois, com a peça e os
planejamentos para a cerimônia no hospital.
Arrumar um pastor tão em cima da hora não é tão fácil quanto
parece.
E todas essas pequenas coisas se transformaram numa bola de neve e
estamos cansados demais e chateados demais no momento. Já pedi desculpas
para Damon por ter gritado com ele, mas ainda sinto que não fui
completamente perdoada.
No entanto, estamos aqui, unidos e sorridentes na frente das
câmeras. As pessoas nem imaginam que estamos em crise, e essa é a melhor
parte de atuar bem.
— Mia Corrigan, pode nos responder algo?
Há vários microfones virados em minha direção e os flashes me
deixam cega o suficiente para tropeçar em um fio no enorme tapete vermelho.
— Claro…
— Como é namorar falsamente com Damon Eastbourne?
Franzo a minha testa e faço o máximo para continuar sorrindo,
mesmo depois dessa acusação. Damon ao meu lado, parece mais incomodado
do que eu.
— Sabemos por fontes seguras de que você namora com Elis, e
sinceramente, seria um casal bem mais bonito.
Respiro fundo e puxo Damon para continuarmos andando, mas não é
tão fácil manter a pose de boa moça, depois de escutar algo assim.
— Está na moda ser casal inter-racial, por isso estão mantendo a
fachada?— escutamos e aperto a mão de Damon para continuar a me manter
calma.
Não podemos nos apaixonar sem que a cor da pele importe? Já me
deixaram mal por causa de comentários maldosos sobre a minha atuação e
agora isso?
— Você está bem?— ele se inclina no meu ouvido e sussurra.
— O que você acha?— respondo entredentes.
É quase como se eu tivesse arrancado o meu coração fora do peito e
alguém houvesse pisado nele sem dó.
— Essas pessoas podem ser cruéis, mas apenas nós sabemos a
verdade e é isso que importa.
Se o clima já estava estranho entre mim e Damon, essas pessoas
conseguiram piorar tudo. Bufo e assim que chegamos no painel, posamos
para as câmeras e sorrimos.
O meu vestido vermelho tem uma fenda que deixa a minha perna
descoberta, então puxo o tecido para que fique ainda mais aparente antes de
ser bombardeada de fotos. O homem ao meu lado está mais cheiroso do que o
habitual e isso está me enlouquecendo, mas, ao mesmo tempo, me tranquiliza
um pouco saber que é ao meu lado que ele está
Nessas horas, é bom ser atriz e fingir bem.
— A parte engraçada disso tudo, é que eu também achava que você
e Elis estavam juntos.
Coloco mais lenha na fogueira quando continuamos pelo tapete
vermelho. Posso até imaginar o maxilar tensionado de Damon nesse
momento.
— O quê? Que loucura foi essa?
É engraçado ver a cara de Damon quando conto isso, pois entendo
que me expressei mal e é como se estivesse o acusando de estar me traindo.
— Logo que nos conhecemos, você sempre conversava com ela e
me deixava de lado, então achei que as fofocas dos bastidores fossem reais.
— Nunca tivemos nada além da amizade.
Damon fecha a cara e eu meio que acho engraçada a forma que ele
fica quando está com raiva. Até penso em falar isso, mas sei que vai se irritar
ainda mais e não quero cutucar onça com vara curta.
— Agora eu sei disso.
— Mas sei que você já beijou o namorado dela.
Baixo um pouco a cabeça e dou um risinho. Não fazia ideia que ele
sabia dessa informação.
— Foi algo momentâneo e acho que eu estava meio louca nesse dia.
— Não que eu esteja com ciúme, até porque o Scott é meu amigo.
— Okay, vamos mudar de assunto?— ainda estou com um sorriso
nos lábios quando digo isso.
Entramos no evento e ficamos em silêncio; eu, porque estou
vislumbrada demais com a decoração e Damon, porque está levemente
chateado com o que estávamos conversando.
Os lustres são tão impecáveis que me pergunto o valor. Tudo ao
redor tem tantas flores que nem imagino o quanto foi desmatado e o quanto
foi gasto para que essa festa pudesse acontecer.
A música do ambiente é “More than words” e fico completamente
imersa nessa energia tão gostosa que emana do lugar.
— Nem acredito que estou em uma festa dessas.
Novamente, penso que não me adéquo nesse ambiente e a minha
mente tenta me sabotar.
— É a primeira de muitas.
Quero dizer a ele que está errado e que nunca mais virei para um
evento como esse, pois a minha carreira não vai decolar como eu achei que
iria, mas tento reprimir essa negatividade.
— Está um pouco estranha… é por causa da nossa discussão?
— Nós discutimos?— Debocho levemente dele e dou um sorriso.
Porque até brigar com Damon é divertido.
— Não tem graça.
Somos conduzidos até uma mesa, onde há outras celebridades, e tem
champanhe a nossa disposição. Eventos como esse esbanjam bastante.
— Sobre a nossa briguinha de manhã, me desculpe novamente, ando
muito estressada… e sobre essas pessoas, elas não nos conhecem.
Passo a mão pelos seus ombros e percebo o quanto ele relaxa. Não
gosto dessa tensão entre nós. Sei que somos seres humanos, o que
consequentemente traz a complexidade e que eventualmente iremos brigar,
mas espero que sempre haja uma conciliação.
— Passei o dia mal por isso, não gosto quando brigamos.
— Eu também não. Agora vamos aproveitar essa festa.
— Então…
Olho para o outro lado da festa e vejo um corpo lindo de morrer.
Arregalo os olhos, sem acreditar no que estou vendo. É uma paisagem, só
pode!
— É o Hian Foley?
— O que esse homem tem que todos caem em cima?
— É simplesmente perfeito, olhe esse rosto perfeito e abençoado.
Abano-me com as mãos e quase babo na mesa, ele é ainda mais
bonito do que nas fotos, se isso for possível.
— Sou seu marido, lembra? Então sou dez vezes mais bonito do que
esse Hian.
Escutá-lo dizer que é o meu marido me faz sorrir, seu rosto está
levemente corado e coloco a mão no seu queixo, tendo uma visão ainda mais
próxima.
— Claro que é, em breve eu serei a senhora Eastbourne, por isso,
não deve se preocupar se eu acho aquele homem extremamente atraente…
E mais uma vez, estou brincando com Damon, mas dessa vez, ele
acaba sorrindo também.
— Você fica fofo quando está bravo.
Damon semicerra os olhos em minha direção, e segura o meu
queixo, inclinando a minha cabeça levemente para cima e colando os lábios
nos meus.
— E você está incrivelmente irritante hoje. Só te perdoo porque te
amo.
Todas as vezes que o escuto dizer isso, é estranho saber que alguém
realmente gosta de mim pelo que sou.
— Me deixa perguntar algo, Damon?
— Estou sentindo que algo de ruim vem por aí…
Suspiro, pois essa é uma pergunta que sempre tive curiosidade de
fazer, desde que começamos a sair.
— Você não se importa com as manchas no meu rosto quando estou
sem maquiagem?
Sei que fui longe demais quando vejo o olhar chateado de Damon, e
dessa vez não é engraçado, pois maior parte das vezes nem eu mesma me
aceito.
— Corrigan, não acredito que está me perguntando isso!
— A pele negra tem suas dificuldades…
Ele para e me encara com um brilho no olhar que eu só consigo
entender como apaixonado.
— Mia, vou falar isso quantas vezes for necessário, mas você é linda
demais, a sua beleza me encantou desde o primeiro dia. Com ou sem
maquiagem, você é a mulher que eu amo. E não sei como não percebe isso,
mas além dessa beleza estonteante, tem um dos corações mais lindos do
universo.
— Não falei isso para que você me elogiasse, é apenas uma dúvida
que eu tinha.
— Se continuar pensando esse tipo de coisa, ficarei realmente
chateado com você.
— Ok, vou tentar controlar esses pensamentos negativos sobre mim
mesma.
O lado ruim, é que as vezes, fico me encarando no espelho,
procurando defeitos em mim mesma, e é um vício que não consigo me
desfazer. Olho a quantidade de estrias, e minhas celulites que são bastante
aparentes.
Como Damon pode amar o meu corpo, se maior parte das vezes nem
eu amo?
Não faz mal amar alguém de forma arrebatadora em pouco tempo
juntos, o que faz mal é não amar.- Damon

Se você tem cabelo cacheado e já tentou penteá-lo a seco, você é


uma pessoa corajosa, porque é a coisa mais difícil do mundo e fica um horror
no final. Como estou sem paciência para lavá-lo logo de manhã, decido que
farei tranças boxeadoras e espero que me sinta bonita assim.
Estou terminando a primeira quando escuto a campainha soar. Sei
que não é Damon, pois ele está organizando alguns detalhes da nossa
cerimônia, então, seja lá quem for, vai ter que se contentar em me ver no meu
pior estado.
Nem tento disfarçar meu cabelo leonino quando abro a porta, mas o
que deixa os meus cabelos em pé, é ver Joe parado, com um bolo na mão.
E é como se uma descarga de adrenalina me atingisse em cheio.
Ainda é tão estranho ver a pessoa que você idealizou bem na sua frente.
É literalmente ver um sonho se tornar realidade.
— Oi, vizinha, sei que passou do tempo, mas vim trazer um bolo.
— Eu quem deveria te levar um bolo, sabia? Não o contrário.
— Bem, já que você não foi cortês, eu decidi ser e talvez te conhecer
um pouco melhor, já que praticamente foi da minha família um dia.
— Exatamente, já fui… passado.
Sei que não estou sendo um exemplo de pessoa nesse momento, mas
estou atrasada para encontrar a minha melhor amiga. Vamos procurar o
vestido perfeito. O meu “casamento” será simples, mas eu tenho que estar
arrumada.
— Gostei do penteado.
— Pois é, eu estava arrumando o meu cabelo quando você chegou.
Joe me entrega o bolo e sei que está esperando que eu seja um pouco
gentil e o ofereça para entrar, e por alguma razão, é exatamente o que eu faço.
— Quer entrar? Daqui a pouco eu vou sair, mas pode entrar se
quiser.
Fico tentada a me justificar cada vez mais para ele, mas controlo a
minha língua e tento me lembrar que ele não tem nada a ver com a minha
vida.
Nunca teve.
— Claro que eu aceito, madame.
Ele faz uma mesura e eu sorrio. Assim que está sentado no meu sofá,
não sei exatamente como agir, então falo qualquer coisa.
— Quer que eu ligue a televisão ou coisa parecida?
— Tenho televisão na minha casa, só queria conversar com você.—
a voz dele é cheia de sinceridade, o que me pega desprevenida.
Olho para a hora em meu celular e vejo que só faltam vinte minutos
para que eu possa chegar na hora certa e sei como Sky detesta atrasos.
— Sei que tem… me deixe terminar de arrumar o cabelo e eu já
volto.
E em tempo recorde, eu faço a segunda trança, e quando volto, Joe
está todo relaxado no meu sofá, com o celular na mão. Ele tem uma cara de
menino, mesmo tendo porte de homem, eu meio que gosto disso.
— Agora não estou parecendo uma maluca.
— Esse penteado ficou bonito em você.
Passo a mão pelas tranças, meio sem jeito e ele sorri. Uma droga de
sorriso que me lembra bastante Peter. Uma avalanche de sensações me
transborda e fecho os olhos, tentando me controlar.
— Obrigada.— Assim que o encaro novamente, ele está me
observando e eu desvio.— Olha, podemos nos falar depois? Agora estou
meio ocupada com as coisas do meu casamento.— clareio a minha garganta.
E aqui estou eu, dando a desculpa do casamento para me livrar de
alguém.
— Casamento? Nunca imaginei que fosse noiva… não vi nenhuma
aliança…
Droga! É claro que ele não viu nenhuma aliança, pois ainda não
estou oficialmente noiva de Damon Eastbourne e nem consigo imaginar a
loucura que será da minha vida quando isso acontecer.
— É uma longa história.
Remexo os meus dedos e é exatamente nesse momento que a
salvadora da pátria, também chamada como “Skylar”, me liga e eu uso essa
desculpa para fugir desse momento estranho com Joe Olly.
— Tenho mesmo que ir.
E para tornar tudo ainda mais constrangedor, ele vem até mim e
segura a minha mão, beijando-a em seguida, o que é completamente diferente
do arrogante que ele tem se mostrado.
— Espero que tenha um ótimo dia.
Tudo o que consigo fazer depois disso é assentir.
••
— E ele beijou a sua mão?
— Sim, foi muito estranho.
— Você sentiu algo?
— O quê? Claro que não! Estou apaixonada por Damon, ninguém
me enche os olhos.
Já contei para Skylar quando me senti quando vi Joe pela primeira
vez. Tudo o que acontece na nossa vida contamos uma para a outra.
E é claro que eu me senti desconfortável quando ele beijou a minha
mão, mas nada além disso.
— Mas ele é o homem dos seus sonhos, Mia.
— Na verdade, Damon é, como aqueles mocinhos dos livros e
mesmo que seja um pé no saco em alguns momentos, sei que é pra valer.
— Oh, você está muito apaixonada por ele.
— E cada vez tenho mais certeza disso.
— Então, tome bastante cuidado com esse tal de Peter…
— Peter é o meu ex namorado, Skylar! Estamos falando de Joe.
— Ah, é que eu confundi. Que seja!— ela franze a testa, claramente
confusa com a minha história, o que me faz sorrir.
— Olhe esse vestido!
Nunca quis aquele tipo de vestido bufante e sim um que se ajustasse
nas minhas curvas, e como ficarei noiva em um hospital, tenho que usar algo
confortável e fácil.
O vestido é branco(obviamente), e bem justo, com rendas no decote
de uma forma comportada e angelical.
— Nem acredito que você vai noivar também, Mia.
Skylar passa o braço pelos meus ombros e encosta a cabeça em mim.
— Nem eu mesma estou acreditando, acho que vou cair na real
quando tiver um anel no meu dedo.
— Estou ansiosa para essa cerimônia e pelo anel que Damon vai te
dar.
— Como você é a minha melhor amiga, tem que me dizer se acha
isso uma loucura.
Até parece que Skylar tem a resposta na ponta da língua, pois fala:
— Como sua melhor amiga, digo para você seguir os seus sonhos…
e não estou falando de Joe, ou seja lá qual é o nome daquele vizinho. Acho
que nunca vi seus olhos brilharem tanto, nem mesmo para pizza.
Dou um abraço nela e fico assim por alguns segundos, até que ela
beija meu ombro e diz:
— Acho que deveria ficar com esse vestido… quem dera eu ter o seu
corpo.
Muitas vezes não gosto de me olhar sem roupa na frente do espelho,
e já até tentei fazer umas dietas loucas pra emagrecer, mas Skylar e Cora
sempre elogiaram as minhas curvas, então, talvez eu deva me olhar de forma
mais carinhosa.
— Obrigada por me apoiar em tudo o que eu faço.
— É isso o que as irmãs fazem.
Viro-me para dar mais uma olhada no vestido e sorrio ao me
imaginar dentro dele. Preciso mesmo experimentá-lo.
— Mal posso esperar para sermos a madrinha uma da outra. Isso
tudo é tão emocionante!
Skylar está ainda mais animada do que eu. Ela e Damon se dão super
bem, assim como eu e Luke e isso me deixa muito feliz.
— Acho que o luke dog poderia levar a minha aliança quando for no
dia do casamento real.
— Ah, com certeza ele vai… tenho que começar a adestrá-lo para
isso. Aquele cachorro é o mais preguiçoso do mundo.
— A culpa é sua, Sky! Já te vi dando pizza para ele.
— É que ele fica com aqueles olhinhos pidões.
— Sei…
Nós duas sorrimos e eu vou experimentar o vestido, e ao ver o meu
reflexo no espelho, dessa vez, gosto um pouco mais de mim. Sou uma mulher
forte e inteligente que se levantou. Mesmo que o meu eu exterior seja lindo,
sou ainda mais incrível por dentro.
Isso muda tudo.
Os caminhos mais difíceis de trilhar, são os que levam a lugares
mais incríveis.- Mia

Parece que tem milhares de pequenos seres martelando no meu juízo


e a minha cabeça está prestes a explodir. Respiro fundo e sorrio para mim
mesma com o reflexo do espelho.
— Preciso mesmo tomar um remédio, ou vou morrer a caminho do
hospital.— resmungo para mim mesma.
O enjoo da enxaqueca me faz suar frio e sinto meu cabelo começar a
grudar na testa, detesto quando fico assim em ocasiões especiais, quando não
posso simplesmente passar o dia na cama, sem fazer nada.
Bem nessa hora o meu celular toca.
É Skylar.
— Sei que estou atrasada, mas é que luke teve uma dor de barriga e
fez cocô na casa inteira!
Sua voz está mais alterada que o normal e sei o quanto deve estar
mal.
— Não se preocupe tanto, amiga, vai dar tudo certo.
— Mia, você sabe o quanto eu detesto atrasos…
— Fica tranquila, arrume as coisas com calma, vai dar tempo!
Sky resmunga alguma coisa e sei que provavelmente está quase
chorando de raiva por não estar pontualmente aqui.
— Tenho que fazer a maquiagem mais perfeita do mundo em você!
— Confio nisso, agora vai arrumar o cocô do luke antes que o Luke
humano chegue e você se atrase ainda mais.
Posso até imaginar o rosto de Skylar ganhando cor, e não pense que
estou brincando quando digo que ele faz a pessoa mais pontual do universo se
atrasar para seus compromissos.
— luke, larga isso!— ela afasta o telefone do ouvido, mas ainda é
alto o suficiente para que eu comece a sorrir— Preciso desligar, em meia hora
eu chego.
Desligo a chamada e vou tomar o remédio antes de me deitar por
alguns minutos e orar para que essa dor de cabeça passe rapidamente.
Vou ficar noiva e essa maldita dor de cabeça não pode me deixar
desanimada.
Damon e eu aproveitamos esse domingo, pois é o único dia livre do
teatro, além disso, tivemos que acelerar as coisas, pois Brenda está cada vez
pior e não sabem até quando ela estará viva.
Só levanto quando escuto a campainha tocar, então sei que a minha
amiga chegou. Assim que levanto, a cabeça volta a doer com intensidade.
Abro a porta e vejo que seu sorriso esmorece assim que me vê.
— Ainda não arrumou o cabelo?
— Na verdade, estou morrendo de dor de cabeça, então estava
deitada, enquanto te esperava chegar.
— Hum, então você vai ficar bem quieta enquanto faço sua
maquiagem.
Skylar entra e me dá um abraço antes de me puxar até o quarto e
colocar a sua tão sonhada maleta de maquiagem na cama.
— Já tomou remédio?
— Já, mas é uma daquelas enxaquecas chatas…
— Entendo bem, mas estamos indo para um hospital, então você está
protegida em caso de dor extrema.
Dou um sorriso e tento não me mexer muito enquanto ela vai
fazendo o seu trabalho e tirando todas as imperfeições do meu rosto com
produtos.
— Posso fazer uma pergunta, Sky?
— Você vai fazer de todo jeito, então pode mandar.
— Poderia me indicar algum produto que diminuísse as manchas na
minha pele?
Skylar para por um momento de passar o pincel no meu rosto e sua
expressão muda, ela me encara por alguns segundos, antes de falar:
— Não acredito que estou ouvindo isso, Mia! O seu rosto é lindo de
qualquer jeito, e se alguém está falando algo…
— Não é isso, ninguém disse nada.
Já contei uma vez para ela que detestava as manchas no meu rosto,
mas isso já faz um tempo e eu queria muito aceitar o meu rosto do jeitinho
que ele é, mas é tão difícil.
— E mesmo assim você continua pensando nessas manchas… não
são tantas, sabe?
— No entanto, elas me incomodam demais e eu queria algum
produto para deixar a minha pele uniformizada.
Sei que estou exagerando, pois o meu rosto nem tem tantas manchas,
mas a pele negra, por ter mais melanina é mais fácil de manchar e todo o
cuidado é pouco.
— Amiga, olhe para você mesma no espelho e veja o como você é
linda!
Sei que Skylar está passando um reboco em mim, mas, sem as
manchas e apenas com a base(que foi bastante difícil de achar), meu rosto se
ilumina e posso ver o quanto sou bonita.
— Agora é fácil falar, estou de maquiagem.
— Vou dar em você se continuar com essa conversa fiada. Desde a
primeira vez que te vi, fiquei impressionada com a sua beleza, você faz
qualquer homem ficar aos seus pés, apenas aceite.
Viro-me para encarar o meu reflexo mais uma vez e sorrio,
mostrando meus dentes brancos e sempre soube o quanto sou bonita, mas as
vezes é difícil aceitar.
— A maquiagem só realça a sua beleza, tá?— ela continua e eu
tenho que virar para abraçá-la, pois Sky é mesmo um amor de pessoa.
— Eu amo tanto você, Sky.
— Também amo você, sua chata, agora deixe eu terminar de te
maquiar e arrumar esse cabelo ou nos atrasaremos.
Meus olhos ficam marejados e me esforço ao máximo para não
chorar agora que a maquiagem já está em andamento.
— Falou com a Cora?
— Sim, ela não vai poder vir, foi muito em cima da hora.
— Não tem problema, você representa ela.
Skylar me dá um beijo no topo da cabeça e depois de um tempo
trabalhando no meu rosto, pede mais uma vez que eu encare o meu reflexo.
— A noiva mais linda de todas, e não estou falando de mim.
Olho para ela através do espelho e sinto um amor tão grande por essa
mulher que ela é, não sei como farei se um dia nos separarmos, pois a tenho
como a minha irmã.
Amizades também podem ser almas gêmeas.
••
No caminho do hospital, vejo uma cena que enche o meu coração de
alegria, um senhor estava atravessando a rua e um jovem foi ajudá-lo, pois o
sinal já estava quase abrindo.
— É por pessoas assim que eu acredito em um futuro melhor.
Skylar, no entanto, olha para mim e sorri.
— Está ansiosa?
— Por incrível que pareça, não tanto, sei que é isso que eu realmente
quero.
— E eu estou louca para ver o seu discurso…
— Tenho certeza que está.
Apoio a minha cabeça na janela e não demora muito até que vemos a
entrada do hospital, onde já passei tantas noites e onde tudo começou.
Skylar me comprou um buquê de rosas e eu agradeci(mesmo que eu
não possa entrar no quarto com ele) antes de entrarmos e passarmos pelo
corredor. Percebo os olhares em minha direção e sinto um friozinho na
barriga.
— Pronta, senhorita Corrigan?— Um médico alto me pergunta e eu
dou um pulinho de susto com o tom grave de sua voz.
— Já está tudo pronto?
— Sim, mesmo que você tenha chegado mais cedo do que
imaginamos.
Com uma amiga como Skylar, nenhuma noiva se atrasaria.
Sei que essa não é uma cerimônia de casamento de verdade, mas é o
meu noivado e estou muito ansiosa por tudo o que virá depois.
— Você está pronta?— minha amiga sussurra ao meu lado e é
quando percebo que estou de olhos fechados e parada como uma mula
quando empanca.
— Acho que estou.
E então, tudo acontece, as portas se abrem e, como o quarto é
pequeno, improvisamos um toque de marcha nupcial no celular, e eu dou
risada quando o escuto soar. Como a minha tia ainda está muito frágil, não
pôde estar aqui, mas faremos uma live no instagram para que ela possa me
acompanhar.
Sorrio tanto que minhas bochechas doem e é quando o vejo, ao lado
de sua mãe, sorrindo para mim, de smoking. Damon está tão lindo que mal
consigo respirar e quando ele sorri… é como se borboletas se agitassem no
meu estômago.
Sorrimos um para o outro e sinto os olhos marejarem, ainda não
acredito que esse homem será meu marido!
Não demora muito para que Skylar entregue a minha mão para
Damon Eastbourne e ao sentir que seus dedos estão mais frios do que o
habitual, sei que ele está tão nervoso quanto eu.
— Estamos aqui para celebrar a união entre Mia Corrigan e Damon
Eastbourne.— começa o pastor e não consigo evitar que uma lágrima
solitária escorra pelo meu rosto.
Olhamos para Brenda e percebo o quão fraca está, mas o seu rosto
está transbordando felicidade, isso me contagia.
Volto o meu olhar para Damon e nem consigo escutar o que o pastor
está dizendo, pois esse olhar apaixonado é direcionado a mim e me sinto
muito maravilhada por isso.
— Agora, vou passar a palavra para os noivos.
E então, estamos frente a frente, com as mãos unidas e sinto-me uma
boba por já estar com vontade de chorar de tanta emoção.
— Bem, eu queria começar, dizendo como sou grato por ter
conhecido Mia.— ele fala para as outras pessoas e logo em seguida, dirige o
olhar para mim.— Nunca contei isso, mas assim que te vi na audição para
“Tory”, soube que não poderia ser outra pessoa. Sim, eu estava lá, mas você
estava tão imersa na personagem que talvez não tenha percebido…
A minha vontade de beijá-lo triplica e vejo uma lágrima escorrer por
seu rosto. Uma das coisas que mais amo em Damon é que ele não tem medo
de chorar na minha frente, o que o torna muito mais humano.
Por que em geral, homens têm tanto medo de chorar? Isso não é
fraqueza!
— Quando os ensaios começaram, a minha mãe estava muito
doente.— ele pausa e olha para Brenda, que dá um sorrisinho cansado— Eu
estava mal, mas estava tentando disfarçar isso. E então, Mia esbarrou em
mim e tudo mudou, ela coloriu a minha vida e me mostrou o quanto é bom ter
um porto seguro em situações extremas… não quero dizer “até que a morte
nos separe”, pois não sei como pensar que a morte pode nos separar um dia.
Já estou com o rosto cheio de lágrimas e nunca imaginei que alguém
pudesse gostar tanto de mim a esse ponto. Sempre fui o tipo de mulher que
aproveita o momento, mas esse homem me faz querer voltar a fazer planos
para o futuro, mesmo que isso me deixe assustada para caramba.
— Uau, Damon, você me deixou sem palavras.
Logo em seguida, para me deixar ainda mais embasbacada, ele se
ajoelha e tira do seu bolso uma caixinha vermelha aveludada e abre para
mim.
— Mia Alicia Corrigan, você me dá a honra de ser minha esposa?
Mesmo estando bastante emocionada, não consigo evitar o sorriso
que estampa o meu rosto.
— Como você descobriu o meu nome do meio?
— A sua tia me ama.—Vira-se para a câmera, onde está acontecendo
a live e manda um beijo para Rute.— Mas não fuja do assunto e responda
esse pobre homem apaixonado.
Assinto fervorosamente e choro ainda mais depois que ele levanta e
me beija. Os seus lábios tão únicos e macios sobre os meus, fazem tudo
parecer um sonho do qual não quero acordar.
— Agora queremos o discurso da Mia, hein?!— Skylar tinha que
abrir a boca grande e faço questão de me virar para ela e mandar um olhar
mortal.
— Estou ansioso por isso.
— Bem, antes de começar a peça e toda essa loucura acontecer… —
Aponto ao meu redor para enfatizar bem— Eu estava conversando com
Skylar e ela me disse que eu poderia esbarrar no amor da minha vida em
alguma esquina, e acho que essa garota é vidente, pois isso de fato aconteceu!
— Eu nem lembrava mais disso.— Sky tenta sussurrar, mas acho
que todos ouvem.
— Meu mundo estava desabando quando encontrei Damon, a minha
tia também estava doente e precisei passar um tempo aqui no hospital e foi
exatamente por isso que nos aproximamos.
“Sempre preferi aproveitar o momento, mas, você, Damon, é inglês
e consequentemente, um romântico nato. Preciso confessar que eu sou a mais
estressada e as vezes desconto em você, mas sei que sempre vai me perdoar,
pois esse é o meu jeito.”
Preciso segurar a emoção, mas Damon está me encarando com um
brilho nos olhos e vejo seus lábios tremularem, antes de se inclinar um pouco
em minha direção.
— Amo você, Mia Corrigan.
— Não sei em que momento isso aconteceu, mas, amo você
também, Damon Eastbourne.
— Abençoados sejam os noivos e que tenham uma vida feliz.
Assim que ele permite o nosso beijo, fico de ponta de pé e me
inclino na direção do meu noivo, ele coloca a aliança no meu dedo e eu surto
internamente, pois é um belo diamante e agora eu sou NOIVA.
Ainda acho que isso é uma loucura, mas prefiro me arrepender do
que não ter vivido isso.
Temos que fazer o quisermos com a nossa vida e ficar com esse
inglês é tudo o que eu quero no momento.
— Fico tão feliz por ver os dois alegres dessa maneira!— Brenda
sussurra e temos que nos inclinar para ouvir bem.
Skylar, metida como sempre, tem que vir até nós e passa a mão pelos
cabelos de Brenda, conquistando-a prontamente.
— Agora eu sei de onde vem a beleza de Damon…
— Obrigada, querida.
Damon segura a minha mão e beija o meu rosto, depois passa a mão
por minha cintura.
— Ainda não acredito no que acabou de acontecer.
— Nem eu.
— Desejaria poder viver mais…
Assim que escuto Brenda falar dessa maneira, de alguma forma,
sinto que ela sabe que está perto de ir embora, isso me faz chorar.
— Oh, querida, não chore, eu já aceitei.
— É que… você é tão nova e…— Com os olhos marejados, ela
segura a minha mão.
Posso sentir que Damon está comovido com a cena, pois aperta um
pouco mais a minha cintura.
— Não sou tão nova assim…
— A vida não é justa.
— Aproveitem bastante enquanto podem, nunca se sabe quando uma
doença dessas pode aparecer.
A minha pressão começa a baixar e a vista começa a escurecer, a
maldita dor de cabeça está voltando com toda força. Apoio-me em Damon
para não cair.
— O que houve?
— Enxaqueca das fortes.
— Acho melhor descansar, querida, até eu já estou ficando com sono
por causa do remédio.— diz Brenda e seus olhos já estão fechando antes
mesmo que eu me afaste.
— Acho melhor você sentar um pouco.
Assinto e Skylar vai buscar um copo de água, enquanto o meu noivo
fica abaixado, me observando com uma expressão preocupada.
— Fique calmo, é só um mal estar passageiro.
— Não quero te deixar ainda mais assustada, mas, a sua menstruação
desceu esse mês?— O tom de Damon é brincalhão, mas sinto um calafrio ao
lembrar que ainda não tive a visita da minha amiga mensal.
— Ainda não.
Cubro a boca com a mão livre e fico contando a quantos dias eu
deveria ter menstruado, e felizmente não foram tantos assim, porém, isso não
faz o meu pânico diminuir.
Skylar volta e me entrega o copo de água, mas franze a testa ao me
ver.
— O que houve?
— A minha menstruação ainda não desceu, Sky! E eu tô enjoada… e
se eu estiver grávida?
Damon está calado e isso me deixa ainda mais nervosa, fazendo com
que minha cabeça doa ainda mais.
— Calma, Mia, a sua menstruação vive atrasando, não é nada.
Consigo lembrar a quantidade de vezes que eu surtei com as minhas
amigas sobre menstruação atrasada(não foram poucas).
— Não estou me sentindo muito bem.
Toda essa conversa sobre menstruação e gravidez me fazem querer
vomitar.
— Mia? Você está ficando verde! Acho melhor chamar um médico
pra te examinar.— Damon sai do quarto.
Tenho certeza que estou ficando verde, pois estou com muito medo.
Sempre me protegi bastante, justamente para essa situação não acontecer.
— Não posso ficar noiva e grávida no mesmo dia, Sky!
Tento sussurrar, pois sei que Brenda está quase dormindo e não
quero preocupá-la, já fiquei enjoada na hora mais inadequada.
Não demora muito até que Damon volte com um médico, que me faz
algumas perguntas e o medo vai se instalando cada vez mais. Até tiro sangue
e fico numa salinha, no aguardo por resultados.
Eu deveria ficar um pouco com a minha sogrinha e não estar em uma
sala de exames.
— Durma, meu amor, mais tarde vemos o que você tem.— São as
últimas palavras que escuto de Damon antes de apagar.
••
Abro os olhos e tento me acostumar com a claridade do ambiente,
Damon está dormindo, sentado no chão, ao meu lado. Os acontecimentos das
últimas horas vão recaindo sobre mim e me espreguiço.
— Damon…
Mexo nele até que abra os olhos também e sorria para mim, e não sei
se isso pode ser um bom sinal.
— Por que está sorrindo?
— Porque você é a noiva mais linda.
— O médico já trouxe o resultado do que eu tenho?
O olhar de Damon faz o meu estômago se remexer mais uma vez.
— Ah meu Deus, não me diga que estou mesmo grávida!
— Está.
— Só pode ser um pesadelo… como eu fui de um sonho para
pesadelo tão rápido?— sussurro para mim mesma, e me levanto, para pensar
melhor.
— O que está fazendo, Mia?— Damon está sorrindo agora.
SORRINDO!
Sou eu quem vai carregar uma criança na barriga por mais de oito
meses e sofrer com o parto, não ele.
Respiro fundo, várias e várias vezes, mas não adianta.
— Mia!
— O que foi?
Meu noivo vem até mim e me abraça.
— Dá para parar de sussurrar coisas inteligíveis? Eu estava
brincando!
Paro por uns dez segundos e dou um tapa no ombro de Damon. Ele
não imagina o quanto fiquei assustada com isso.
— Vou matar você!
O safado sorri como se fosse a coisa mais engraçada do mundo e
isso me dá ainda mais raiva.
— Se eu não te amasse tanto assim, você estaria frito, Eastbourne.
Sorte sua que eu quero aproveitar bastante o nosso noivado antes de ver
enterrado.
— Você me ama mesmo, né?
— Nunca mais diga que estou grávida e esse amor será conservado.
— Não quer ter filhos comigo?
— Não agora, seu louco.
Damon vem me abraçar e, no início eu recuo, mas logo me vejo
envolvida por seus braços quentinhos. Ah, como o amor é mesmo uma droga!
— Nos protegemos muito bem, então relaxe.
— Agora está na hora de me dizer o diagnóstico de verdade.
— Parece que você está precisando se alimentar melhor, e vou
supervisionar se você está comendo direito.
Vejo o seu olhar malicioso e mordo o lábio. Ele é lindo além da
conta.
— No que está pensando?
— Que quero logo me despedir de todo mundo e ir para casa com
você. Te mimar bastante.
— Ai meu Deus, eu aceito.
E depois de me dar um beijo no pescoço, acabo perdoando-o pelo
mini susto que me deu. Somente o jeito que ele me olha já me faz ansiar para
chegar logo em casa.
Nossa casa.
Consigo pensar em uma lista de coisas que amo nessa vida.
O céu.
As mudanças de estação.
Livros de suspense.
Rir até doer a barriga.
Ficar observando o mar.
Pizza.
Viajar ouvindo música.
Ganhar presente.
Assistir séries.
Caminhar vendo alguma paisagem.
Comer a massa do bolo antes de assá-lo.
Brincar com cachorros.
E agora, percebo que amo a sensação de ter alguém ao meu lado. É
pra valer dessa vez e eu nunca me senti tão feliz na vida. Eu costumava sair
com caras aleatórios, mas sempre sentia que no outro dia me faltava algo.
Aconchego-me ainda mais no corpo quente do meu noivo e sinto o
coração aquecer por saber que o que temos não é temporário. Me permitir
viver novamente depois de tanto tempo com o coração fechado é libertador e
não posso deixar isso acabar.
— Bom dia, noivo.
— Parece que a minha abelha favorita está de bom humor.
Como não poderia estar, se ele está ao meu lado?
Sorrio ao ver esse rosto bonito me olhando com uma expressão
carinhosa.
— Já está falando que eu sou “sua”, logo de manhã? É agora que
você me conta sobre ser um machista possessivo?— meu tom debochado o
faz gargalhar, e é a risada mais gostosa que já ouvi.
— Com certeza! Essa é a hora que você me diz que é feminista
extremista?
— Claro que sou, e essa é a parte que brigamos e nunca mais
voltamos a nos entender, porque de jeito nenhum eu vou me casar com um
machista.
Damon sorri e encaixa o rosto no meu pescoço. Sua barba por fazer
me faz cócegas e logo estou sorrindo, tentando me afastar.
— Quer algo específico para o café da manhã?
Penso por um instante e agora que ele diz isso, me bate um desejo.
— Já que falou, estava pensando em waffle belga com mel e
morangos.
— É realmente bastante específico…
Viro-me para ele e lhe beijo várias vezes no rosto.
— É isso que dá fazer esse tipo de pergunta para a sua noiva.
— Bom saber, já vou anotar na minha lista de “não pergunte”. É
bom se acostumar, pois em breve estaremos casados e não posso me deixar
ser governado pela esposa… não pega bem, sabe?
Dou risada e o puxo para mim, entrelaço a mão na sua e o encaro por
alguns segundos, é tão gostoso ficar com ele assim. A parte mais triste é que
não podemos passar o dia inteiro assim, por motivos de “é a última noite de
peça”.
— Já pensou no que vai acontecer quando descobrirem que ficamos
noivos?
Damon reflete por alguns segundo e beija a minha mão, antes de
responder.
— Não faço ideia, mas isso não importa, pois é a nossa vida, não
devemos nada a ninguém.
— Ok.
Ele me puxa e beija o topo da minha cabeça, logo em seguida,
levanta e começa a se vestir, sinto a frieza deixada pela distância entre nós.
— Não se esqueça dos morangos!
— Tudo o que a minha noiva pedir.
Depois que ele calça o chinelo, vem até mim e me beija novamente,
é sempre tão cheiroso que mordo o lábio e digo a mim mesma que ele deve
sair logo ou o café da manhã será adiado.
— Quer assistir a um filme quando eu voltar?
— Que tal “uma noite do crime”?
— Essa é uma das coisas que mais gosto em você, sabia?
— A minha obsessão por filmes de suspense?
— Exatamente.
Quando a minha barriga ronca, nós dois sorrimos e ele é obrigado a
ir embora.
Cerca de cinco minutos depois, escuto a campainha soar, então, sei
que provavelmente Damon esqueceu algo e voltou para buscar.
— Só não esquece a cabeça porque não tem como!
Imagine a minha surpresa ao ver que não é Damon que me espera
atrás da porta e sim, Joe. Sinceramente, não aguento mais ver esse rosto, pois
é bastante doloroso e o homem é insistente.
— Posso ajudar em algo?
Joe me observa e por alguns segundos não fala nada, o que me deixa
assustada.
— Posso falar com você um momento?
— Olha, não sei se…
— Por favor.
Sabendo que Damon pode chegar a qualquer momento, olho para o
corredor e o mando entrar. Estou sentindo algo de estranho nessa atitude de
Joe. Da última vez que veio aqui, ficou surpreso pelo meu casamento, e agora
aparece de surpresa.
— Não tenho o dia todo.— tento ao máximo não ser grossa, mas o
meu tom de voz não é tão gentil quanto eu desejei.
Cruzo os braços e o encaro, mas ele se aproxima, o que me faz
recuar um passo.
— Só queria falar que senti que rolou algo entre nós, e quando você
falou sobre casamento, fiquei surpreso, não acreditei que fosse fruto da minha
imaginação.
Umedeço os meus lábios por instinto, mas ganho a atenção de Joe
para eles quando faço isso.
— Olhe, acho que você entendeu algo errado, não rolou nada entre
nós.
E mais uma vez, ele dá outro passo. Recuo novamente.
— Da primeira vez que nos vimos, percebi o jeito que você me
olhou, é impossível não ter sido nada.
— Bem, eu achava que você era o meu ex namorado, apenas fiquei
surpresa.
Joe passa a mão pelos cabelos e vejo os seus músculos flexionarem
através da regata.
— Só queria que você soubesse que eu senti algo quando nos vimos,
além de excitação.
Faço uma careta e quase posso sentir o meu coração despencar
dentro do peito, tamanho o nojo desse homem. Não posso acreditar no que
estou ouvindo.
— Veja bem, Joe, não quero nada com você, como eu disse
anteriormente, vou casar e Eastbourne é o único homem que me interessa.—
dou bastante ênfase em seu nome, para que ele me escute bem.
— Só queria te falar isso, pois ninguém é de ninguém até casar.
Franzo a testa, pensando ter escutado errado.
— Me desculpe?
Ainda não estou acreditando nas coisas que estou ouvindo, até
parece que estão despejando esgoto na minha audição. A raiva vai tomando
posse de mim.
— Um namoro ou noivado podem acabar mais facilmente, quero
dizer.
Estou me segurando para não dar um tapa nesse homem.
— Não importa se é um namoro, noivado ou casamento, são
relacionamentos e eu preciso mesmo dizer que não serei de ninguém mesmo
depois de casar. Não sou um maldito objeto, seu babaca.
Quando lembro que esse homem é primo de Peter, sinto vontade de
vomitar, pois não é possível que alguém tão asqueroso seja parte da família
de alguém tão bondoso quanto meu ex namorado era.
— É modo de dizer.
— O seu modo de dizer é machista para caralho!
A minha voz sobe alguns decibéis e antes que eu possa perceber o
que está acontecendo, ele vem na minha direção como um furacão e segura o
meu rosto com sua mão.
Não tenho nenhuma reação por alguns segundos, e por instinto fecho
os olhos antes de empurrá-lo, mas ao abrir os olhos, vejo alguém parado atrás
da porta.
— Que Porra está acontecendo aqui?
Arregalo os meus olhos e fico sem ter o que dizer. Engulo em seco e
tento abrir a boca, mas não sai som algum.
— Não é o que está pensando.— começa Joe e dá um sorrisinho,
sabendo que é exatamente esse tipo de coisa que alguém culpado falaria.
Crio coragem de encarar Damon e tudo o que vejo é repúdio, nada
daquele homem doce que estava comigo há horas atrás. De repente, sinto o
rosto queimar com as lágrimas que caem.
— Damon…— Sussurro, mas ele joga a sacola com as compras no
chão e parte para cima de Joe. O soco é tão forte que o meu vizinho é jogado
para trás.
— Damon…— tento mais uma vez.
— O que é que você tem a me dizer? Eu estava demorando muito e
por isso você foi atrás desse aí?!
O tom acusatório de sua voz me faz recuar e tento me recompor para
conversar com ele.
— Por favor, me escuta.
A pior parte é que vejo a dor em seu olhar. Sabia que algo tiraria
aquela felicidade de mim.
Damon se vira para Joe e bufa antes de falar mais alto do que o
normal:
— Sai daqui ou eu não responderei por mim.
Lanço um olhar para Joe, que sorri, limpa o sangue do canto da boca
e sai do meu apartamento, batendo a porta com força.
— Primeiro, eu quero que você se acalme, Damon!
— Me acalmar? Que merda foi essa que aconteceu?
— Posso começar?
Ele cruza os braços e tento arrumar a confusão dos meus
pensamentos antes de começar.
— Lembra quando eu fui reclamar do barulho da reforma que ele
estava fazendo?
A pior parte da história é que Damon não parece muito tentado a
escutar, sem zombar.
— Vocês se apaixonaram e começaram a ter um caso? Essa parte eu
já comecei a entender…
— Apenas me escute…— Tento tocá-lo, mas ele se afasta e isso
quebra o meu coração um pouco mais— Assim que o vi, pensei que fosse
uma visão, porque Joe tem a mesma aparência que o primo dele… Peter.
— Onde você quer chegar?
— Peter era o meu namorado na adolescência.
Nesse momento, Damon me olha com tanto desprezo que fico sem
reação, até parece que está esmagando o meu coração.
— Quer dizer que vocês já se conheciam? Talvez ele tenha vindo
para cá atrás de você.
Estou tão tensa, que só percebo quando tento relaxar os meus
ombros e eles baixam.
— Não foi nada disso, Damon, eu apenas fiquei surpresa, mas não
senti nada, pois estou apaixonada por você e para mim, lealdade é coisa séria.
Me dói quando Damon não fala nada e me encara por alguns
segundos, sua expressão indecifrável me faz chorar ainda mais.
Não deveria ter deixá-lo entrar!
— Sinto muito, Mia, mas deveria ter pensado em lealdade antes de
beijá-lo. Talvez você só tenha recuado por ter me ouvido chegar.
— Acredite em mim, lullaby.
— Não adianta me chamar assim.
— Você disse que nada nesse mundo te faria desistir de mim.
— Sou um bom ator.
Ai, isso doeu.
Como se não pudesse ficar pior, Damon tira a aliança de prata que
ontem coloquei em seu dedo e guarda no bolso, silenciosamente colocando
um final na nossa história.
— Dizem que quanto mais rápido uma coisa começa, mais rápido
ela termina. Infelizmente vamos nos ver mais tarde, mas você é uma boa atriz
em fingir, vai ser fácil me encarar.
Caio de joelhos assim que o vejo partir, deixando o meu apartamento
com raiva. Choro por tanto tempo que começo a soluçar e não sei ao certo
quando paro.
Parece que finais felizes não existem.
Se eu te amasse novamente, te amaria da maneira correta.- Back to
december

Me dou por vencida, e é exatamente por isso que chamo a minha


melhor amiga para ficar comigo, para comer até passar mal e assistir qualquer
coisa na televisão, para esquecer de como esse dia foi horrível.
— Sabe o que eu não entendo? Como as coisas podem estar tão boas
e de repente despencarem!
— Eu entendo bem, até porque já aconteceu comigo, lembra? E foi
você que me ajudou. Quer que eu fale com Damon?
— Não! Seria humilhante demais.
— Ok, sei que não sou a melhor pessoa para dar conselhos, mas
acho que você deveria ter ido hoje, foi o último dia da peça em cartaz.
Liguei mais cedo para a diretora, pois simplesmente não conseguiria
dar o melhor de mim, então, disse que estava passando mal a ponto de não
sair da cama.
— Foi o melhor a fazer, não sei se conseguiria.
Levanto o meu dedo e vejo o anel brilhar.
— Eu estava tão feliz…— começo a chorar novamente e Sky me
puxa para si, ela não se importa por eu ter molhado toda a sua roupa com
minhas lágrimas.
— Ainda bem que você não é o tipo de pessoa que fica maquiada,
sabe? Ou a minha roupa estaria ferrada.
Dou uma risadinha entre os soluços e logo a minha melhor amiga
passa a mão por meus cabelos.
— Queria que Cora estivesse aqui, estou morrendo de saudades.
— Eu também sinto a falta dela. Aposto que Cora nos faria algo para
comer.
— Aquela ruiva ama cozinhar quando estamos tristes.— enxugo o
meu rosto e fungo mais uma vez.
— Não gosto de te ver assim.
Skylar é a única pessoa capaz de me fazer sorrir em tempos de crise,
logo que vai me buscar uma água, acaba deixando o copo cair e o líquido
escorrer por todo o meu tapete.
— Pelo menos caiu no tapete e o copo não quebrou.
— Deixe que eu mesma pegue essa água, antes que você destrua a
minha cozinha.
A loira sorri e revira os olhos, quando passo por ela, paro por um
momento.
— Sabe o que deixa feliz?
— Hum?
— Saber que sempre terei as minhas memórias para lembrar que foi
real, que eu consegui me apaixonar novamente, é como ter vencido uma parte
de mim mesma.
— Queria tanto te guardar em um potinho e não deixar nada de ruim
acontecer na sua vida…
— Contanto que você não colocasse esse potinho no quarto, tudo
bem?
Skylar que estava com uma expressão séria, começa a sorrir.
— Ué, por que?
— Porque aí eu não teria que te ver com Luke todas as noites.
— Ok, sabichona, nada de colocar esse potinho no quarto.
Skylar pisca para mim e pela primeira vez depois de toda essa
confusão, me sinto verdadeiramente feliz, pois sei que tenho com quem
contar mesmo que a minha vida esteja um inferno por dentro.
Por fora a pessoa mais alegre do universo, por dentro, estou tão
vazia como um buraco negro.-Mia

Os dias vão passando e semanas viram meses.


Faz exatamente cinquenta e nove dias que Damon me deixou, e eu
sei disso, pois tenho contado os segundos desde que ele partiu. Sempre fui
feliz sozinha, sou autossuficiente, mas sempre sinto falta de seu perfume e da
sua companhia.
Várias coisas aconteceram desde que a peça saiu de cartaz, como por
exemplo, o agente de Damon Eastbourne falou comigo e disse que queria me
agenciar, pedi um tempo para pensar, mas não sei se quero ficar relacionada
com ele de alguma forma.
Pensei que nós fossemos dar um jeito, mas o tempo foi passando e
nada se consertou, e é por isso que dói sempre que escuto o seu nome, porque
queria que ele estivesse aqui.
O tempo não conserta tudo.
Nesse tempo em que ele me deixou, cortei o meu cabelo bem
curtinho e isso fez o meu corto aparecer um pouco mais, e isso fez com que
eu me amasse um pouco mais.
Sabe como é, né? Aprendemos a nos amar um pouco mais a cada
dia.
Está um dia insuportavelmente quente e já nem tenho mais ideias de
como me refrescar, quando penso em como será a minha noite.
Hoje haverá a “revelation” uma premiação importante, e Damon foi
premiado como o melhor ator, merecidamente. Quanto a mim, fui elogiada
pelo desempenho, mas não fui indicada, mas tudo bem, pois coisas assim
demoram mais tempo para mulheres negras(sem querer me vitimizar, mas só
sabe quem sente na pele).
Elen, ficou no meu lugar naquele último dia, e segundo os críticos,
foi impecável, algumas pessoas até chegaram a dizer que ela foi bem melhor
do que eu e que eu deveria ter faltado antes. Sinceramente, esse tipo de coisa
dói, mas já ouvi tantas vezes que passou a doer menos.
“Ela combina mais com a personagem que eu tinha em mente”
“Eles formam um casal bem mais bonito”
Até desativei os comentários do meu instagram, pois estava ficando
insuportável ler algumas coisas racistas por lá.
E ainda tem gente que diz que o racismo acabou.
Mal sabem essas pessoas, que posso processá-las, mas não quero
perder meu precioso tempo com isso. Um processo judicial não vai mudar
que esses preconceituosos são.
Abro o meu guarda-roupa e procuro algo para ficar estonteante,
quero deixar todos de queixo caído, bem nessa hora, acabo vendo um vestido
branco com alças, de seda, que me faz lembrar de algo.
Passo os dedos nele e lembro do exato momento em que Damon me
colocou na bancada do banheiro e me beijou, lembro de passar a mão ao
redor de seu pescoço.
— Sei que vai parecer aleatório, mas o que você gostava de fazer na
infância?
Damon olhou bem nos meus olhos, sua testa franziu um pouco
diante da minha pergunta e o canto de seus lábios se repuxou para cima,
claramente lembrando de algo bom.
— Isso vai parecer estranho, mas eu gostava de escrever em
guardanapos.
— Que criança culta!
Escutei a sua risada e colei minha testa na dele, escutando o som da
sua respiração e o calor dela em mim.
— E quando eu ficava com muita raiva de alguém, mandar algo me
ajudava.
— Tipo catarse?
— Meio que isso.
Sorrio e beijo a sua testa. Amo quando conta sobre a infância e por
isso trago esses assuntos a tona, pois ele fica com um ar sonhador e juvenil e
sei exatamente como é difícil o que está passando.
— Quando todo esse tumulto da peça passar, podemos viajar para
algum lugar.
— E eu posso decidir?
— Tem algum lugar que sempre quis viajar?
— Itália. Tirar fotos naquelas praias…
— Então iremos para lá.
Damon beijou o meu queixo e eu soube que casa é onde o coração
está, portanto, desde que ele fosse, eu estaria feliz.
Penso em ir com o vestido, mas é muito simples para a ocasião, por
isso, pego um dourado tomara que caia, não é tão justo, mas deixa um ar
chique e sexy quando visto.
— Você consegue, garota.— digo para mim mesma pela milésima
vez.
Dessa vez, sei que realmente consigo passar por qualquer coisa.
••
Não é assim tão fácil quando estou no mesmo ambiente que o meu
ex noivo, o homem que ainda amo. Vez ou outra, vejo o seu olhar na minha
direção e o meu coração acelera.
— Querida, você está bem?
Estou na mesa com uma senhora com quem logo fiz amizade, ela
tem os cabelos brancos e tem aquele ar de sofisticação, parece que fez um
curta sobre faroeste(não entendi muito bem).
— Estou sim, só preciso de mais um pouco de água.— pego o meu
copo e bebo todo de uma vez.
— Ah, me poupe, senhorita Mia, já estou nesse ramo faz tempo e sei
quando há algo incomodando.
— O meu par romântico…
— Sempre é, o que ele tem? É casado ou algo do gênero?
— Não, nunca ficaria com o marido de ninguém.
É muito estranho contracenar com homens que são casados e a
medida que você fica mais velha, mais isso acontece.
— Esses são os piores, dizem que estão se divorciando e você acaba
caindo na conversa.
Já ouvi bastante coisa parecida, mas a marca da aliança sempre é
mais convincente.
— O homem que eu gosto não é casado!
— Tudo bem, mas se quiser falar, estou aqui.
E mais uma vez, sinto a minha pele queimar e viro-me para encará-
lo, mas assim que faço isso, ele desvia o olhar.
— Se ele não para de me encarar, por que não vem falar comigo?
— Os homens geralmente são orgulhosos.
— O pior é que não tive culpa… eu estava na minha, mas o vizinho
me beijou e tudo acabou uma confusão.
Só em pensar em Joe, sinto vontade de vomitar, ele passou umas
duas semanas me procurando, e tive que ameaçar ligar para polícia para que
parasse de me infernizar.
— Acabaram por causa de um beijo?
— Não foi tão simples. Damon achou que eu já estivesse tendo um
caso.
— Parece coisa de filme.
Suspiro, derrotada.
— Mas se fosse um filme, daria certo no final.
A senhora coça a nuca e me encara com afeto, o seu sorriso é tão
gentil que meus lábios se inclinam para cima também.
— Se ele está te encarando desde que chegou, talvez não tenha
chegado no final, ainda.
— Talvez sim, talvez não. Dizem que o tempo faz tudo passar, mas
não está parecendo ser verdade.
— O problema com esse século é querer que tudo aconteça
imediatamente, mas certas coisas levam tempo e curar um coração magoado
não é tão simples assim.
Engulo em seco ao ouvir isso, pois, mais uma vez, ela tem razão.
— O que me deixa com mais raiva de Damon, é que tudo poderia se
resolver com apenas uma conversa, mas ele não me procurou depois. Ainda
há coisas dele que nunca devolvi.
Confesso que visto as blusas em dias que sinto muito a sua falta e o
cheiro delas já acabou, então só guardo tudo na minha memória.
— Uma hora, tudo se resolve… nem que para isso, você esqueça
essa história e encontre um novo amor.
Não tenho tempo para responder, pois o meu telefone começa a
vibrar e sei que alguém está ligando para mim, quando não atendo na
primeira chamada, uma outra logo se inicia.
Olho a tela e vejo que é Skylar, mas não faço ideia do que ela quer
comigo, até que uma mensagem chega.
“Me atende, é urgente”.
Pelo canto de olho, vejo que Damon se remexe de onde está e franzo
a testa, antes de mesmo de receber uma outra mensagem.
“É urgente, Mia!”.
E finalmente, quando recebo outra ligação, atendo e a sua voz está
sem fôlego, como se estivesse correndo.
— O que houve para tanto estresse?
— A mãe de Damon morreu.
Arregalo os olhos e sinto como se todo o sangue tivesse evaporado
do meu corpo, me afasto da senhora com quem estava conversando e encosto
o celular ainda mais na minha orelha.
— E como você sabe disso?
Faço o possível para não falar alto demais e as pessoas fixarem a
atenção em mim. Viro-me e percebo que Damon sumiu do meu campo de
visão, então a notícia é verdadeira.
— Está passando em todos os jornais, parece que um paparazzi
descobriu e jogou a merda no ventilador.
Droga!
Fico irritada, pois ao pensar que Damon recebeu a notícia dessa
forma, me bate uma angústia e impaciência.
Damon nunca quis que isso se espalhasse, justamente para que isso
não acontecesse. Sempre foi bastante reservado para que ninguém soubesse
sobre sua vida pessoal.
— O que você vai fazer?— pergunta quando eu não respondo.
— Tenho que ir até lá…
— Não, Mia! Deixe Damon ficar com a mãe dele um pouco, vá
apenas para o enterro.
— Mas…
— Não tem “mas”.
— Sky, e se eu não aparecer e ele ficar ainda mais chateado?
— Você não está pensando muito bem, Mia, lá no hospital deve
estar cheio de gente querendo falar com Damon nesse exato momento e isso
vai fazer ele ficar ainda mais agitado.
Penso em Damon e se ele me desejaria por perto, mas talvez Sky
esteja sendo a pessoa mais sensata nesse momento. Procuro a saída mais
próxima e saio pelas portas, para tomar um ar fresco.
— Eu gostava tanto de Brenda…
Meus olhos começam a marejar, pois depois do choque inicial,
penso que nunca mais a verei e isso parte o meu coração.
— Acho que foi o melhor para ela, já estava sofrendo demais, Mia.
— Verdade, mas só de pensar que nunca mais ouvirei a sua voz,
sinto um aperto no coração.
Depois de alguns segundos, escuto um fungado do outro lado da
linha.
— Está me fazendo chorar, sabia?
E então, a primeira lágrima cai e quando isso acontece, não consigo
mais parar.
— E pensar que a última lembrança que ela teve comigo foi no
noivado/casamento.
— Vocês fizeram aquele noivado por ela, então Brenda pôde ver o
filho se comprometer antes de partir, isso deu a ela esperança por um futuro
incrível entre vocês dois.
Essas palavras, acionam a torneira em mim e logo estou aos prantos
mais uma vez.
— Foi uma falsa esperança e agora, Brenda morreu sem saber que
nos separamos, isso é horrível.
— Não, Mia, ela morreu sabendo que o filho estava em boas mãos,
nas suas.
— Espero que ela descanse em paz.
Apoio-me na pilastra e fecho os olhos, escutando a respiração da
minha amiga do outro lado da ligação. A orquestra continua tocando do lado
de dentro do lounge e há um misto de sensações dentro de mim.
— Será que ele vai me convidar para o enterro?
— Se não te chamar, vou até onde quer que ele esteja e o forço a
isso.
Sei que a intenção da minha amiga foi me fazer sorrir, mas no
momento, não consigo, não estou no clima para nada de bom.
— Vou embora, já deu para mim por hoje.
— Aproveita mais um pouco…
— Não consigo.
— Eu entendo, mas volte em segurança e não faça nenhuma bobeira,
tipo ligar para Damon ou algo parecido.
Nesse meio tempo em que Damon acabou o noivado comigo, Sky
teve que tirar o celular de mim, várias e várias vezes, pois eu sempre tinha
alguma recaída e queria ligar para Eastbourne.
Nunca quis tanto ligar para alguém como quero ligar para ele nesse
momento, mas sei o quanto deve estar irritado com os repórteres e com tudo
o que tem que resolver.
É melhor eu ficar um pouco na minha, para variar.
Dê tempo ao tempo.
Olho para o céu e o vejo cheio de estrelas, começo a andar pelas
ruas, tentando endireitar os pensamentos e o meu único pedido é que Brenda
descanse em paz.
Ainda bem que te conheci e obrigada por isso, Brenda, nos ilumine
aí de cima.
Não sei como agir quando estou perto da pessoa que eu amo, quero
apenas encará-la todos os segundos que puder.- Luke

Chego com uma rosa na mão, entrando aos poucos, tentando


aquietar o meu coração para esse momento. Eu sabia que chegaria e que
inevitavelmente eu estaria no enterro de Brenda Eastbourne, mas viver esse
momento é outra história.
Agora, nunca mais verei aquele sorriso, nem ouvirei aquela voz que
transmite paz, no entanto, sou grata por tê-la conhecido e compartilhado
momentos tão incríveis com ela.
Do lado de fora, há várias pessoas que tentaram entrar, e sei o quanto
esse momento é pessoal e o tanto que Damon desejaria vivê-lo com paz. A
mídia tirou isso dele.
E então, o vejo, observo o modo como seus ombros estão
rebaixados, e suas olheiras aparentes, o modo como o seu cabelo está
despenteado e, por último, a mão nos cabelos de sua mãe.
Aproximo-me e ele só percebe quando estou ao seu lado, levanta a
cabeça e me observa por alguns segundos, antes de chorar novamente.
— Sinto muito pela sua perda.
Não sei se Damon ainda está com raiva, ou só não quer ouvir o som
da própria voz e desabar ainda mais, mas não me responde, então ficamos os
dois parados, olhando para a mulher com olhos fechados.
— O que me deixa mais triste, é saber que nunca soube como ela era
quando não tinha a doença.
Lembro-me de uma vez, em que Damon falou o quanto Brenda foi
uma mulher feliz e cheia de energia, tão diferente do que era quando a
conheci.
Respeito o silêncio de Damon, pois é importante que ele passe pelo
luto, mas a minha mão, involuntariamente vai até o seu cabelo e tenta penteá-
lo, mesmo que seja inútil.
— Desculpe-me por qualquer coisa, queria que soubesse que sinto
muito mesmo.
Nem reconheço o som da minha própria voz, que está abafada, como
se eu não tivesse forças para dizer nada, e talvez eu não tenha mesmo.
Afasto-me um pouco dele e quando dou as costas, Damon segura o
meu pulso e sinto o meu coração acelerar, talvez seja cedo demais para ter
esperança, mas ele fala baixinho:
— Espere, fique mais um pouco…
Franzo a testa e me viro mais uma vez para ele, talvez tenha sido a
pior ideia, mas assim que nossos olhos se encontram, vejo tantas palavras não
ditas.
Vasculho o seu rosto, em busca de esperança para nós dois, mas não
sei se eu mesmo o perdoo por ter ido embora e nunca mais ter voltado.
No entanto, sou grata por ter tido um amigo. Sempre gostei de
aproveitar o momento, e foi isso que fizemos. A peça “Entre o amor e a
vingança” mudou a minha vida, e acabou no momento ideal. Sou grata por
Damon ter me ajudado com a recuperação da minha tia e por tê-lo ajudado
com a sua mãe.
Mas, olhando para ele, queria muito que houvesse uma nova chance
para “nós”.
Nunca gostei de despedidas, porém, esse olhar, está parecendo com
uma, o que parte o meu coração em milhares de pedaços e enterra o “nós” a
sete palmos do chão.
Não sei se quero seguir em frente tão cedo, talvez eu apenas
aproveite a minha dor e evolua com ela.
Solto o ar que estava prendendo e toda a conexão vai embora, ele
solta o meu pulso e segura a minha mão, o calor dela queima na minha pele.
Como senti saudades de você, penso, silenciosamente e engulo em
seco.
Esse calor todo que emana de você é tão bom, e finalmente, o seu
cheiro…
— Como você está se sentindo?— pergunto, com a voz baixinha.
— Um lixo humano.
Penso duas vezes se abraçá-lo será bom, e por impulso, faço isso.
Demora um pouquinho até ele retribuir e sinto seu queixo encostar na minha
cabeça.
Olhando de fora, tenho certeza que pareço uma namorada
consolando a pessoa que ama.
— Posso fazer algo por você?
Damon exala com força e fica quieto, então tenho a minha resposta.
Estou cansada demais de tudo isso, então me afasto e fico de ponta de pé para
beijá-lo.
No início, sei que ele não esperava que eu fosse fazer isso, mas logo
em seguida, retribui o beijo e seus lábios colam nos meus, um misto de
emoções me percorre e quero falar tudo o que a minha voz não consegue.
Inclino a minha cabeça e o beijo mais uma vez, sinto lágrimas
descerem pelo meu rosto, sinto o seu nariz no meu e sua barba por fazer
arranhar minha pele, mas só paramos quando estamos sem fôlego, no entanto,
não foi um beijo selvagem. Foi a nossa despedida.
Nunca tínhamos dado um beijo de despedida e agora vou lembrar
do nosso último beijo para sempre.
— Vim dar o meu último presente para Brenda.— lembro da rosa
em minha mão e coloco no caixão, onde vejo a mulher que ainda tinha vida,
sem nem mais um pingo dela.
Vejo o rosto pálido e com maquiagem que foi feita por alguém para
esse momento, o vestido bonito em que a vestiram e tudo se torna muito
mórbido.
— Ela amaria.
— Olha…— começo sem ter o que dizer, porém sou interrompida.
— Não contei a ela sobre o que aconteceu.
— Tudo bem por mim.
Quando estou me virando para ir embora, Damon tira algo de seu
bolso e entrega para mim um guardanapo, é tanta coisa para absorver que fico
parada enquanto ele vai embora.
— Mia!— ouço alguém me chamar, e por isso não tenho tempo para
abrir o papel que Damon me entregou.
Vejo Elen se aproximar e não sabia que ela e Damon tinham se
tornado tão próximos a ponto de ela ser convidada para o enterro da mãe
dele.
— Pois não?— tento ser o mais simpática possível, mas acho que
algo na minha voz denúncia que não fui tão boa assim.
— Queria me desculpar com você.
Franzo a minha testa tanto que tenho certeza que faço uma careta
asquerosa.
— Posso saber o porquê?
— Fui eu quem te trancou no primeiro dia da peça, eu poderia ter me
desculpado por SMS, mas gosto de enfrentar a verdade face a face.
Não falo nada por um minuto inteiro. Não consigo acreditar no que
Elen está dizendo, foi muito egoísmo de sua parte.
— Não vai me dizer nada?
— O que eu posso dizer? Já foi… eu consegui me apresentar, é
muito tarde para desculpas.
É muito tarde para desculpas.
— Bem, eu quis fazer a minha parte…
— E está desculpada, agora se me der licença, preciso sair daqui.—
vejo Trace acenar para mim, mas não me importo.
Meus passos são firmes e não olho para ninguém até estar na saída.
A vida fica mais leve quando você não carrega mágoas
Se isso fosse um filme, você, Damon, estaria aqui agora.
Mas não é.
Por isso, abro o guardanapo, cuidadosamente para não rasgar e vejo
a letra torta e quase não consigo ler, mas depois de um tempo, decifro.
Deveria aceitar Mike como seu agente.
Foram poucas palavras, mas esse guardanapo significa que ele não
está mais chateado comigo, quem sabe, tenha percebido que fez uma
tempestade em um copo de água e se excedeu?
Ele se enganou tanto comigo!
Mas, tudo bem, todo mundo erra.

Volto para casa com um único pensamento, se sou boa o suficiente
para que alguém como Mike Lp queira me agenciar como atriz, sou foda no
que faço.
Penso em todos os comentários negativos que fizeram para mim e
fico com muita raiva, por ter pensado coisas ruins de mim mesma por causa
de pessoas que se importam demais com a cor da minha pele.
Abro a página do meu instagram e vejo que já tenho pouco mais de
quatrocentos mil seguidores, o bastante para que eu seja a diferença na vida
de alguém, então, tiro uma foto minha, na frente do espelho, valorizando as
minhas curvas em uma pose sensualizada.
Edito rapidamente, para que eu não esqueça tudo o que eu quero
dizer e começo a digitar.
“Algumas coisas simplesmente não podem ser varridas para debaixo
do tapete, e o racismo é uma delas. É incrível o que as pessoas falam quando
acham que estão usando uma ‘capa de invisibilidade’ no mundo virtual,
coisas sujas e que magoam… me magoaram. Desde que comecei a crescer no
mundo artístico, vejo comparações com outras mulheres(nada bacanas,
inclusive), quando, na verdade, todas nós temos o nosso lugar, não precisa
haver uma competição.”
Não há caracteres suficientes para que eu continue, então, posto a
foto como [1/3] no meu feed e tiro duas selfies para continuar os meus textos.
Respiro fundo e mentalizo que vou conseguir colocar tudo para fora,
como um tipo de catarse.
“Todas nós somos rainhas, mas algumas de nós tem cores diferentes,
como eu, e não devo ser colocada para baixo por causa disso. A cor da pele
não deveria importar, e é ridículo o fato dessa discriminação ainda existir em
pleno século XXI. Me objetificaram, falaram do meu cabelo e de como eu
deveria ser substituída, mas nunca falaram em como eu cheguei até aqui com
o fruto do meu trabalho.”
Em cima coloco [2/3] e parto para a última parte.
“Há uma divisão de privilégios entre homens e mulheres, e uma
divisão ainda mais específica entre mulheres negras, brancas, trans, lésbicas.
A internet se tornou um prato cheio para todo tipo de preconceito e isso me
assusta. Eu mereci estar aqui, e não por causa do meu corpo(que mostrei na
primeira foto), mas porque eu batalhei por isso, tenho talento. Vou postar nos
meus stories alguns comentários bastante pesados que devem ser expostos e
sinceramente, espero que essas pessoas pensem bastante antes de comentar
algo assim novamente.”
Não tinha planejado essa parte dos comentários, mas não preciso de
muito esforço para encontrá-los, não quero me vingar nem algo do tipo, mas
esse tipo de coisa não deve ficar impune.
E essa sou eu, Mia Corrigan, uma mulher negra com cabelos
cacheados e um corpo que não é exatamente o padrão, mas, depois de colocar
tudo isso para fora, sinto-me renovada, essas palavras precisavam sair.
Não demora muito para que as fotos sejam repostadas e eu veja
muitos comentários positivos(ainda bem).
“Rainha emponderada faz assim.”
“Também sou negra e com essas fotos, me senti inspirada por você
para me amar mais”.
“A cor da nossa pele é linda, mas já desejei ser branca para não
sofrer preconceito no colégio”.
Engulo em seco quando vejo esse último e lembro de tudo o que
passei por ser negra, mas nunca mais passarei por isso.
Sou perfeita.
Eu sempre espero que você esteja lá embaixo- Cruel summer

Sabe quando tomamos um banho gelado no meio do verão e ficamos


de toalha, sem fazer mais nada da vida, apenas relaxando? Bem, é exatamente
o que estou fazendo, até alguém bater com forças na minha porta. Não
preciso perguntar quem é, pois a única pessoa que tem mania de fazer isso
é…
— Sky!
Mal tenho tempo de abrir espaço para ela passar, pois Sky já entra de
vez no meu apartamento, como um furacão. Tropeça levemente e não cai por
um milagre.
— Cuidado, Skylar!
Franzo a testa e quando ela se vira para mim, seu rosto está tão
pálido que fico assustada.
— O que houve? Diga alguma coisa!
— Temos que ir ao hospital…— diz sem fôlego e senta no meu sofá.
Tento relaxar, mas fico tensa na mesma hora, a minha melhor amiga
não viria aqui se não fosse algo importante.
— Aconteceu algo com a minha tia?
— Calma, você não me deixa falar!
— Você é quem não está falando, sua maluca.
Skylar faz careta para mim e respira fundo antes de abrir a boca.
— Ele estava andando na rua, e era por uma boa razão, eu juro, mas
alguém chegou tão rápido e deu uma facada nele, não pude acompanhá-lo
quando a ambulância chegou.
Olho para o teto como se eu estivesse pedindo orientação aos céus,
pois não entendi nada do que ela está tentando dizer.
— Sky, sei que você está assustada, mas o que aconteceu com Luke?
Você disse facada? Quem faria isso?
Se ela estava andando com ele na rua, porque não foi com ele na
ambulância? Isso não faz sentido.
— Não é de Luke que estou falando, bobinha.
Passo as mãos pelo cabelo, como se estivesse tentando decifrar o
quebra-cabeça que Skylar está tentando montar para mim.
— Respira fundo e tenta me contar o que está acontecendo, pelo
amor de Deus!
Sento ao seu lado no sofá e ela tenta pegar o celular, mas suas mãos
tremem mais do que o normal.
— Era com Damon que eu estava!
E, se eu queria relaxar, nesse exato momento, consigo o efeito
contrário, milhares de questionamentos estão na minha cabeça. Respiro fundo
algumas vezes enquanto ela me olha com uma expressão de cachorrinho
triste.
— O quê?— é tudo o que consigo falar.
— Não fique brava comigo, mas eu fui atrás dele.
E pela primeira vez no dia, começo a ficar brava. Como assim ela foi
atrás dele?
— É que você estava devastada desde que Brenda morreu, então
achei que fosse a melhor hora para os dois conversarem.
Fecho os olhos e mais uma vez respiro fundo, ou senão, vou esganar
a minha melhor amiga e não quero ser presa nesse momento, acho que não
seria nada bom para a minha carreira.
Já faz duas semanas desde o enterro e nada de mensagens ou coisas
do gênero.
— Nós tivemos a oportunidade para conversar no dia do enterro e
ele não disse nada.
— Não importa, tá? Eu só queria fazer algo de bom pela minha
melhor amiga.
Olho para ela, e a cor do seu rosto está voltando ao normal, então me
aproximo e dou-lhe um abraço, sei que a sua intenção foi a melhor.
— Não precisava ter feito nada.
— Não fiz nada demais, apenas conversei com ele, que me
confessou algumas coisas.
Afasto-me bruscamente dela e semicerro os olhos, para que comece
a me contar o que está escondendo.
— Essa história está muito mal contada!
— Mas isso não importa agora, vá trocar de roupa e vamos até o
hospital.
— Então é verdade mesmo?
— Claro que é! Ele levou uma facada enquanto estávamos
caminhando.
Skylar não está me contando toda a verdade, já não sei se posso
acreditar nessa versão, até confrontar Damon e pressioná-lo.
— Meu Deus, temos que ir o mais rápido possível.
Visto a primeira coisa que vejo na frente e pegamos um táxi até o
hospital.
— Esse, definitivamente não é um lugar que eu gosto de estar.
Depois de tudo o que aconteceu por aqui nos últimos meses, espero
que seja a última vez que eu pise nesse ambiente.
Digo que sou casada com Damon Eastbourne e a mulher nem me
pede nada que confirme isso(talvez porque já tenha nos visto várias vezes
juntos), então não demora até que eu e Skylar estejamos no quarto onde ele
está.
— Damon!— falo um pouco alto demais assim que o vejo com
curativo por todo o seu abdome.
— Mia!
— O que houve? Skylar não disse nada com nada…
Skylar mostra o dedo do meio e nós dois sorrimos.
— Eu só queria te fazer uma surpresa legal, mas deu tudo muito
errado.
Surpresa?
— Me conte tudo do início, Damon. Você e Sky estão me irritando!
Os dois se entreolham e segundos depois, Damon vira para mim, não
está parecendo tão fraco e isso me faz ficar mais tranquila, pois do modo
como Skylar chegou na minha casa, imaginei que ele estivesse à beira da
morte.
— Bem, agora que vi o seu estado e você está bem, vou deixar os
dois conversarem.
Percebo o olhar que Sky lança para ele, como se quisesse mandar
forças e isso me deixa ainda mais nervosa, pois não sei o que estão tramando.
— Vi sua postagem no instagram…
— Viu mesmo?
Sinto o rosto queimar, pois se ele está comentando isso, deve ter
gostado bastante.
— E me perguntei porque estava te deixando escapar.
Engulo em seco, sem ter como reagir diante desse olhar, até percebo
que ele encara o meu decote e dá um sorriso malicioso antes de continuar.
— Inspirou muitas pessoas, Mia, essa é uma das coisas que eu amo
em você, e foi quando percebi o quanto estava sendo imaturo, me diz que
mesmo depois de tanto tempo, você não seguiu em frente…
— Acho que Joe poderia explicar melhor por mim.— digo
ironicamente e ele desvia o olhar do meu.
— Essas últimas semanas foram um inferno para mim… depois que
a minha mãe morreu, as coisas ficaram mais difíceis, e então eu conversei
com Luke…
Ainda estou tão atordoada que não consigo formular nada direito.
— O noivo de Sky?
— Claro, quem mais seria?
Penso no cachorro de Skylar que também se chama Luke e então
dou um sorrisinho antes de balançar a cabeça negativamente.
— Ninguém, pode continuar.
— E ele me disse o como você o ajudou a fazer a surpresa perfeita
para Skylar.
— Uma péssima ideia, Damon.
Ele franze a testa e ao se mover um pouco, faz uma careta de dor,
então, me aproximo para que ele não precise se esforçar tanto.
— Por que?
— Repetir a minha ideia comigo… achei que você seria mais
original. Por ser um inglês e tal…
— Foi por isso que pedi a Skylar emprestada.
E aquela malandra disse que foi atrás dele!
— O que vocês dois estavam planejando, então?
— Não posso contar, ou não será mais um plano.
— Skylar não mantém as coisas em segredo por muito tempo, sabe?
Ele me observa por alguns segundos, talvez se perguntando se seria
uma boa ideia me contar.
— Queria que tivesse funcionado, mas olhe onde parei.
— O que houve?
Damon descansa a cabeça no travesseiro, resmungando de dor antes
de continuar.
— Estávamos em uma rua onde Sky queria me mostrar algo que
você gostaria, quando um louco veio na minha direção e me esfaqueou. Para
a minha sorte, foi apenas de raspão.
— O homem fugiu?
— Não, Skylar gritou bastante alto para alguém segurar o
“desgraçado que esfaqueou uma celebridade” que uma policial que estava à
paisana conseguiu capturá-lo.
Fecho os olhos, agradecendo silenciosamente aos céus por ele estar
bem.
— Nunca mais me assuste desse jeito.
— Só se você prometer que vai me perdoar por tudo.
Engulo em seco e me inclino em sua direção, ele pisou feio na
bola(esses meses foram um saco), mas eu gosto dele pra caramba e todo
mundo merece uma segunda chance.
— Se isso fosse um filme eu te perdoaria, Damon.
Essa frase causa o que eu queria e vejo o seu olhar triste antes que eu
abra um sorriso e continue:
— Mas podemos fazer com que seja o melhor filme de todos.
Damon segura a minha mão e a beija várias e várias vezes, até que
eu sinta a umidade de sua saliva se misturar com o calor de seus lábios.
— No entanto, preciso de uma explicação, sei que deve ter percebido
que eu não estava envolvida com Joe em nenhum momento, então por que
não me procurou depois?
— Primeiramente, peço desculpas, eu deveria ter acreditado em
você, e assim que fui esfaqueado, pensei que nunca tivesse a chance de
acertar as coisas.
— Está tendo agora.— inclino-me e beijo o seu nariz, a proximidade
faz com que feche os olhos e os abra novamente assim que me afasto.
— O problema é que fui orgulhoso demais e não quis dar o braço a
torcer quando vi que você estava sendo sincera. Não confiei em você e não
quis me desculpar, mas agora estou engolindo todo o meu orgulho, estando
na sua frente e pedindo desculpas por aquele dia.
— Você foi um babaca.
— Fui um babaca, assumi o risco de te perder, mas a vida é curta
demais para ter orgulho, por isso, peço que reconsidere e que possamos
continuar do mesmo ponto.
— Não quero continuar do mesmo ponto.
— Não?
— Quero recomeçar, Damon e quero que confie em mim assim
como vou confiar em você.
Vou perdoá-lo, pois sempre iremos magoar as pessoas que amamos,
não somos perfeitos, no entanto, se estamos felizes, é a parte que importa.
— É exatamente por isso que vou compensar o tempo perdido, te
fazer a mulher mais feliz do mundo e vamos nos casar e viajar por aí, que tal?
— Isso é loucura!
— Me ouviu quando eu disse que a vida é curta?
— Não podemos apenas viajar? Quero ir devagar dessa vez.
— Mia Corrigan, eu desejo desesperadamente casar com você e
poder te chamar de senhora Eastbourne.
— Vou pensar no seu caso, senhor “damn”.
— Senhor Damn?
— É uma longa história.
Damon sorri e enlaça a minha cintura, me puxando para mais perto,
tenho que ter cuidado, pois ele acabou de ser esfaqueado. Só de pensar nisso,
sinto um calafrio.
— O que você fez para levar uma facada, Eastbourne?
— Parece que o cara era um fã meu, no maior estilo “fã que matou
Lennon”.
— Por que nada sobre você é simples?
— Não sei, mas me esquente com o seu calor e eu descubro mais
tarde.
— Não vou deitar com você, na verdade, vou chamar o médico para
te sedar, aposto que deve estar doendo!
Faço a menção de me levantar e ele segura o meu pulso, me derreto
toda e até faço biquinho, mas ele diz que está bem e que foi apenas de raspão.
— Venha, por favor.— Ele se afasta e pede para que eu me deite ao
seu lado, então, fico bem na pontinha, para que tenha espaço e eu não
prejudique o seu ferimento.
— Eis o que vamos fazer, sei que você é um inglês romântico, mas
eu não quero me casar tão rápido assim, então vamos apenas viajar. Esse é o
meu desejo.
— Sou um cara paciente, Corrigan, posso te esperar por anos.
— Vai esperar um pouco. Mas preciso confessar, que mesmo depois
de tanto tempo, ainda te amo, lullaby.
Agora sou eu quem engulo o meu orgulho para poder dizer isso, pois
o que tivemos ainda queima dentro do meu peito como uma fornalha ardente.
Ok, preciso melhorar com analogias apaixonadas, sei disso, mas não me
julgue.
— Te amo mais, Mia Corrigan.
Sempre acreditei que falar sobre amor fosse a coisa mais complexa
do mundo, mas se você está disposta a fazer qualquer coisa por ele, é a mais
simples, é o sentimento mais puro e lindo.
Quando o vejo fechar os olhos, não demora tanto para que a sua
respiração fique mais densa e eu perceba que dormiu. Fico com medo de me
levantar e acordá-lo, por isso fico quietinha, apenas observando-o.
— Isso é o nosso filme, Eastbourne.
Sei que nunca seremos seres humanos perfeitos, mas com toda a
nossa imperfeição, somos perfeitos um para o outro.
Um ano depois

Lá fora está caindo o maior temporal, mas a parte mais engraçada é


que estou nos braços de Damon. Estou tentando ser romântica e estamos
“dançando” sob a luz da lareira. Só poderia melhorar se eu soubesse dançar,
mas piso em seu pé várias vezes.
— Eu não me importo de passar todos os dias, do lado de fora, na
sua esquina, na chuva torrencial, procure a garota com o sorriso partido,
pergunte a ela se ela quer ficar por um tempo
E ela será amada…— a cada trecho de “she will be loved” o meu sorriso
aumenta e minhas bochechas doem.
Percebo pela forma que está cantando que é de brincadeira, nada
afinado, por isso, fico de ponta de pé e encaixo o meu rosto no seu pescoço, é
tão cheiroso que o beijo onde sei que gosta.
— Eu sou tão graça perto de você…
— Pare com isso, Damon.
Estamos aproveitando o nosso tempo antes de entramos em uma
série original netflix. Acredita que gostaram tanto das nossas postagens de
viagens(sim, foram muitas), que nos convidaram para uma comédia
romântica? O nosso agente nos conseguiu isso.
— Você é a mulher mais linda do universo, só isso.
Tenho me amado um pouquinho mais todos os dias e já sou uma Mia
completamente diferente do que eu era no ano passado. Ainda tenho as
minhas manchas, celulites e estrias, mas estou aprendendo a amar cada parte
que me torna “eu”.
— E você é o padrãozinho inglês, sei disso, mas eu te amo, Damn.
— E ela será amada…— Ele continua a música, o que faz sorrir
ainda mais e se inclina para mim, me beijando loucamente. Nossos dentes
batem e eu pulo na sua cintura, para ficar ainda mais próxima dele.
— Meu coração está cheio e minha porta sempre aberta
Você pode vir qualquer hora que você quiser.
— Você canta muito bem, nunca pensou em se inscrever para o The
Voice?
— Não, só você tem o privilégio de ouvir a minha voz.
Reviro os olhos e ante que eu possa responder, ele continua.
— Eu sei onde você se esconde, sozinha no seu carro, sei todas as
coisas que fazem você ser quem é, eu sei que adeus não significa nada, ela
volta e me pede para que eu a segure todas as vezes que ela cair.
Sem que haja previsão para que Damon pare de cantar, resolvo calá-
lo com um beijo.
— Sei o que está fazendo bumblebee…
Reviro os olhos e sorrio.
— Está com calor? Porque eu estou.— tiro uma peça de roupa e vejo
o modo como me observa, é sempre tão intenso, que a lareira parece fraca
diante desse olhar.
— Está esquentando bastante…
— E nesse calor todo, quero te fazer um pedido, Damon Eastbourne.
Damon me olha com os olhos semicerrados, como se já desconfiasse
de algo. E bem ali, na minha lingerie está escondido algo que mudará as
nossas vidas.
E não, não é um teste de gravidez.
Brincadeiras a parte, pego a aliança e vejo a surpresa estampada em
cada poro do rosto de Damon quando me ajoelho e mostro os dois anéis para
ele.
— Está brincando comigo?
— Damon, aceita se casar comigo?
Quis mudar um pouco a ordem das coisas e surpreendê-lo, me
parece que consegui. Nunca vi esses olhos claros brilharem tanto quanto
nesse momento.
— Mia Corrigan, eu poderia me casar agora mesmo, tamanho o meu
amor por você!
Levanto-me e ele me ergue e me gira, logo em seguida, me beija e é
o melhor beijo de todos, tão cheio de emoção que suspiro apaixonada no
meio dele.
— Sua espertinha, me evitando todo esse tempo para me surpreender
dessa maneira.
— Essa é a parte mais divertida, você nem imaginava.
No início, pensei que ele fosse detestar o pedido, mas pelo contrário,
está bastante animado, e só confirma que estou perto de me casar com o
homem imperfeitamente perfeito para mim.
— Vamos abrir um vinho e comemorar, temos a noite inteira pela
frente.
Ergo a sobrancelha e ele enlaça a minha cintura, dando um último
beijo antes de ir até a geladeira para pegar a bebida.
— Vou me casar com Mia Corrigan!— grita e lhe dou um tapa para
que não faça esse tipo de coisa.
Reviro os olhos e sei que estou exatamente onde eu deveria estar.
Como uma mulher um pouquinho orgulhosa, já perdi algumas
pessoas na minha vida, mas devo agradecer porque isso me inspirou a criar o
Damon, meu orgulhoso favorito.
Agradeço às pessoas que leram de antemão esse livro e foram
sinceras comigo, obrigada por tanto.
Antes de começar esse livro eu tinha um cabelo enorme, e então,
mudei, me tornei mais eu, sabe? Então sou grata por Mia me ajudar nesse
processo.
Obrigada a Deus por me inspirar tanto.
E por último, mas não menos importante, à minha família, vou até o
fim por vocês.

[1]
Damn significa droga/porcaria e coisas do tipo em inglês.
[2]
Fofoca da vida real… isso de fato aconteceu com alguém que conheci.
[3]
Obrigada, próximo.
[4]
A raspagem é um procedimento para retirar a carne morta(fica horrível).

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