Hands That Heal - Lara Smithe PDF
Hands That Heal - Lara Smithe PDF
Hands That Heal - Lara Smithe PDF
Lara Smithe
Hands
that Heal
Primeira edição
Salvador
Brasil
2017
Capa: Joice S. Dias
Revisão: Lucilene Vieira e Ludmila Fukunaga
Diagramação: Lara Smithe
Obrigada Deus! Tu és o meu alicerce, a força do meu amanhecer e o sopro das minhas
inspirações.
Obrigada, minhas amigas leitoras por serem pacientes e por ficarem me cobrando e perguntando
quando sairia o ebook de Hands That Heal.
Obrigada família, por entenderem que, às vezes, eu precisei dormir tarde, ausentar-me dos
passeios dos finais de semanas para me dedicar a escrever esta maravilhosa história de amor.
Obrigada, Patrícia, Nilza, Vera, vocês me ajudaram muito com as opiniões e os conselhos de
leitoras, e por sempre estarem a minha disposição.
Nilza, aqui está o seu Allan. Babe, curta, encante-se, apaixone-se, delire no seu príncipe, ele é
todo seu.
Mensagem
“O amor é a poesia dos sentidos. Ou é sublime, ou não existe. Quando existe, existe para sempre e vai crescendo dia a dia.”
Hanoré de Balzac.
Playlist
Jar of Hearts – Christina Perri
A Team – Faienne Bergmans
All of the above
Gabriella – Coldplay – The Scientist (Cover)
Ed Sheeran – Photograph
Sinopse
Quem sou eu? Como vim parar nesse lugar? Não me lembro de nada.
Nada do que fui ou me aconteceu vem em meus pensamentos. A única coisa que me recordo é
de abrir os olhos e ter a visão de um anjo ao meu lado, no chão, adormecida.
Mesmo adormecida, seu rosto mostra dor. Não sei o motivo, mas quero afastar todos os seus
sentimentos ruins, pois sua presença é como um farol que me guia pelo único caminho que devo
seguir.
Meu corpo dói, mas minha alma está em paz e feliz, sua proximidade é um bálsamo para mim.
Ela emite sons de desespero, e a abraço apertado. Quero tirar a dor e o medo que vejo e o
tremor em seu corpo. Ela me sente, e agora posso ver os olhos mais lindos e luminosos dirigidos a
mim com admiração, incrédulos, e ainda não posso entender.
Mas o sorriso que vem a seguir, em sua face, me faz sentir aquecido, como se o sol brilhasse e
iluminasse minha vida; sinto alegria e esperança.
Ela fala como me encontrou, dos meus ferimentos, mas não sabe dizer o que aconteceu depois
de me tocar. Não sabe quem me socorreu, pois não há mais ninguém aqui além de nós.
Sinto que meu destino está ligado ao dela. Mesmo sem entender nada, sinto que existe um
propósito em tudo isso.
Ela me diz seu nome: Jasmine. E, sim, o cheiro de jasmim está em minha pele, no ar. Nunca vou
esquecer, mas não posso contar a ela meu nome.
Se é que tenho um de verdade. Então, ela cria um nome para mim: me chama de Black.
Já é um começo. Vamos descobrir juntos e seguir o mesmo caminho em busca de nossas
verdades e, assim, decidirmos nosso rumo. O motivo para esse encontro, só o tempo nos dirá.
Que assim seja.
Início
Tessa O’Saill
Eu sou Tessa, herdeira de um grande poder. As pessoas me procuram para aliviar as dores
do corpo e da alma. Para aqueles que creem, eu sou a cura. Ainda muita pequena, fui preparada
para receber esse dom de minha antecessora.
Sou da aldeia Petra, nascida nas terras frias e inóspitas do norte da Irlanda. Meu caminho foi
sempre difícil, pois os que se denominam doutores dos Reis me perseguem, pois faço exatamente
aquilo que não conseguem: curar.
Não uso ervas ou qualquer outro tipo de medicamentos, uso apenas minhas mãos e deixo a
energia curativa se expandir sobre o doente, e o milagre simplesmente acontece.
Flui naturalmente de meu corpo e se canaliza em minhas mãos, deixando sair uma luz curativa
lilás. O calor e o cheiro inconfundível do jasmim se espalha por todos os cantos de minha aldeia, no
condado de Vennicnii.
Sou considerada uma feiticeira branca, uso meus poderes apenas para o bem, e graças
àqueles que carinhosamente chamo de guias, em nenhum momento me desviei do caminho. Como
não poderia deixar de ser, me tornei conhecida nos quatro cantos da Irlanda, através das histórias
contadas por aqueles que receberam a graça da cura.
E, certo dia, o líder do maior clã, o Cémel Loairn, de nossa região, veio até a nossa aldeia,
pedindo para que eu o acompanhasse até sua casa, na aldeia de Nevan, pois o seu filho
primogênito, Yke, contraiu uma doença e seu estado estava piorando a cada dia. Mesmo tendo a
assistência dos melhores feiticeiros e médicos da região, ele corria risco de morte.
Nunca me neguei a ajudar qualquer um que fosse. Assim sendo, fui com o líder até sua casa, e
lá encontrei entrevado em sua cama um lindo garotinho em seus 7 anos. E sem esperar por ordens,
me aproximei imediatamente do menino. Aos poucos, o vi retornar à vida, suas bochechas
ganharam um tom rosado e saudável. Fiquei hospedada na casa do grande líder por quase dois
meses, a pedido do rei, ele queria se certificar que a doença do filho não regressaria. Assim
sendo, eu fiquei, permaneci até a certeza do seu total restabelecimento.
Como era de se esperar, eu fiz amigos na aldeia ‒ e muitos ‒ mas todos os dias podia sentir
o ódio e o rancor do arrogante feiticeiro Gaar. Ele não aceitou bem a minha interferência e por
ter curado o primogênito do rei do clã.
Em muitos momentos, senti sua presença nas sombras, uma energia negativa que emanava
dele. Ela me fazia ter a certeza de que sua ira seria jogada em meus ombros, e ele me
perseguiria até os confins da terra, através de seu clã de bruxos. Contudo, eu tenho que cumprir
meu destino e seguir em frente.
O líder Rurick me agraciou com um cordão de ouro maciço, dele pende uma pedra lilás, a cor
da cura, em forma de gota, que simboliza nossa amizade e a promessa de que cuidará de minha
aldeia e a protegerá, e assim o fará seu filho Yke e os filhos de seus filhos.
Em nossa despedida, é formada uma comissão designada a me levar em segurança à minha
aldeia. Despeço-me do pequeno Yke e do grande líder de Nevan. O último a se despedir de mim
me causou mal-estar. Gaar está em frente aos portões, e me observa deixando seu ódio fluir. Ele
garante que nos veremos e que não vai permitir que o esqueça, e confessa que meus atos o
colocaram fora de seu espaço.
Afirma que seu posto perdido significa minha perseguição e morte.
Mantenho-me sem alterar minha expressão, mesmo que, internamente, vacilo, sentindo o frio de
suas palavras me envolverem e me dando a certeza de que meu fim está em suas mãos.
Seguimos por horas em silêncio. O véu da noite cai sobre nós e os cavalos se agitam. Sei que
não chegarei à aldeia.
Viro-me para o soldado ao meu lado e entrego a ele o colar que Rurick me deu, pedindo-lhe
que o leve à minha aldeia e o entregue ao meu líder. O colar deverá ser dado à próxima
feiticeira branca que nascerá entre meu povo. Peço que preste muita atenção em minhas palavras,
pois não poderá esquecer nenhum detalhe:
Levará tempo até que a última menina iluminada nascerá de meu povo, acontecerá em noite de
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lua cheia no solstício de verão, os planetas estarão alinhados e o aroma de jasmim se fará sentir por
toda Vennicnii.
Ela vai correr grande perigo, pois será perseguida pelo clã dos bruxos negros para que o poder
da luz curativa seja extinto.
Por um longo tempo, se perderá de seu povo sem saber da dádiva que carrega. O destino a
levará aos braços do seu prometido, filho primogênito de um grande líder. Será o amor dos dois que
acabará com o ódio entre os clãs mais poderosos de Vennucnii.
No entanto, eu aviso: a menina iluminada precisará ser iniciada logo cedo para aprender a usar
os seus poderes, pois ela não terá só o dom da cura, ela será a mais poderosa de todas as bruxas
brancas, contudo, vai precisar de uma iniciação, que começará na infância até os seus dezessete anos.
Se isso não acontecer, os poderes dela a matarão.
Assim ele se vai, e fico para enfrentar meu destino. Logo estou cercada pelo ódio, apenas
faço minhas orações e agradeço a Deus pelo dom que me foi dado e o entrego de volta ao
universo para que seja guardado para o momento certo, para a próxima escolhida.
Despeço-me da vida, deixando fluir através de meu corpo, o cheiro de jasmim que tanto amo
e que se expande por toda Vennicnii. Vejo a espada ser erguida, sua lâmina brilhando sob a luz
da lua cheia, como também vejo o ódio flamejar nos olhos do meu algoz. Gaar.
Gaar O’Bruks
Desde menino, sempre fui inteligente. Enquanto crescia, sentia a necessidade de disputar e
sempre sair vitorioso. Se não ganhava por bem, ganhava por mal. Filho mais novo de um
comerciante de pedras preciosas, sempre desejei encontrar a gema mais valiosa e tirar do meu
irmão, que era o primeiro na linha dos negócios do meu pai, o poder. Por mais que tentasse, meu
irmão Rokan sempre me superava, mas um dia minha vez chegaria, sempre soube disso.
Juntos fomos escavar em uma montanha, e para minha sorte e azar do meu irmão,
encontramos um novo veio de gemas preciosas.
Como sempre, retiramos as pedras brutas e meu irmão encontrou a maior rocha, e ao quebrar
o invólucro externo, o que vimos nos deixou maravilhados. Em seu interior, lado a lado, havia duas
grandes pedras unidas, a metade era lilás e a outra parte negra como a noite sem luar.
Rokan comemorava, pois com essas pedras os negócios decolariam, nos tornando muito mais
ricos, no entanto, não era isso o que eu planejava, pois eu queria o poder só para mim. Meu corpo
foi tomado pelo ódio, e ao tocar na gema negra, senti-o estremecer e uma energia poderosa e
sombria tomou conta do meu ser. A pedra lilás, ao contrário, me fazia fraco como se sugasse minha
força. Desejei a morte de meu irmão, e enquanto cerrava os punhos vi Rokan asfixiando-se, mesmo
não o tocando. Senti o poder me dominar e deixei meu irmão morrer, pois jamais seria provada a
minha culpa. Peguei as pedras, e antes de ir, causei o desmoronamento da mina. Voltei para casa
mantendo oculta a pedra negra que me conferia poder, entregando ao meu pai a grande pedra
lilás para ser lapidada.
Meu pai não se conformou com a história contada por mim e enviou peritos para saber a
verdade. Assim, ao encontrarem o corpo de Rokan, perceberam sinais de estrangulamento, embora
não houvesse marcas de mãos ou de qualquer outro tipo de material. Nada ficou esclarecido, mas
as suspeitas existiam, e foi assim que fui banido de meu clã e condenado a vagar pelo deserto sem
nenhum bem.
No entanto, não me importei, pois levei comigo a gema negra. Cada dia que se passava, o
poder ficava mais forte em torno de mim. Passados alguns anos, retornei para destruir meu pai,
tomar para mim os bens e recrutar meus seguidores, formando assim o clã dos bruxos negros.
Vivi, durante muitos anos, aprendendo a usar a força da pedra negra, e por onde eu
passava, levava a destruição e o medo, mas também dizia ser um curandeiro, e assim vários reinos
me contratavam para ser o médico da corte.
Diferente dos costumes dos clãs, no meu me era dado o direito de ter várias mulheres, ou
simplesmente as tomava para depois acabar com suas vidas. Mas duas delas conceberam meus
filhos, e assim foram poupadas para cuidar deles até que tivessem idade para aprender as artes
negras.
Johane Walsh deu à luz a Theo Walsh, descendente de Garvey O’Walsh. Este se casará com
Beth Finn e serão os pais de Kyran O’Walsh.
A outra mulher, Tara Rhitz, deu à luz a Wil Rhitz, descendente de Ted Rhitz. Ele se casará com
Lory Krull e serão os pais de Ben Krull.
Meus filhos foram mantidos ocultos e tiveram todos os ensinamentos do clã negro, e foram
preparados para agirem quando o momento certo chegasse.
Antes de gerar meus filhos, conheci o rei do clã mais antigo do mundo: O Clã Cemel Loairn. O
próprio nome emanava poder, de todos os clãs, este era o único que eu queria dominar. Com os
meus poderes persuasivos, consegui a posição de curandeiro real, sendo assim, tornei-me o braço
direito do rei Rurick.
Tudo corria bem dentro do Clã Cémel Loairn. Era influente e respeitado por minha magia, pois
era capaz de curar algumas enfermidades e estava muito perto do poder absoluto, pois o filho do
rei contraiu uma desconhecida enfermidade. Fiz de tudo para curar o menino, usei todo o poder e
conhecimento de bruxo, no entanto, o destino brincou comigo e colocou em minha frente Tessa, uma
bruxa branca, e foi ela quem restabeleceu a saúde de Yke. Tessa era da aldeia Petra e curava
qualquer enfermidade, uma mulher linda e muito generosa.
Assim que Tessa chegou, senti a mesma energia que senti quando toquei na pedra lilás, que
encontrei junto com meu irmão Rokan, nas montanhas. Precisei me afastar dela, pois a força da
bruxa era imensa e tinha o poder de anular totalmente o meu poder. Então, eu soube que a partir
desse momento, eu tinha uma inimiga poderosa e teria que ter a paciência de aguardar o momento
certo e me livrar dela, pois seria meu fim se ela continuasse viva.
E foi o que aconteceu quando Tessa curou Yke. Fui desmoralizado perante o rei e o meu povo,
perdi tudo: o trabalho, a fama e o respeito; a desgraçada me arruinou completamente.
Rurick começou a tratá-la como a uma princesa, passando a me odiar por minha
incompetência perante o caso. Isso fez com que meu posto fosse retirado, impossibilitando os planos
de nosso clã de destituir o senhor de Cemel Loairn e tomar posse de Nevan.
Jurei por toda a escuridão e suas criaturas malévolas que ela pagaria com a vida, mesmo
sabendo que seríamos banidos se descobrissem que fui o autor de sua morte.
Arquitetei um sórdido plano para matá-la e o pus em prática.
Os meses se passaram, e finalmente chegou o dia da bruxa branca partir. Antes de Tessa ir
de encontro ao seu povo, o rei Rurick a presenteou com um cordão de ouro maciço, com uma pedra
lilás em forma de gota. Este cordão seria o símbolo da amizade entre os clãs, e a promessa que as
próximas gerações do clã Cemel Loairn defenderia e protegeria a aldeia Petra.
Ela foi escoltada por alguns homens, mas os meus poderes de bruxo fizeram uma neblina
escura surgir, e então, me aproximei para atacar a pequena bruxa branca, no entanto, não fui
muito rápido, pois ela entregou o cordão com a pedra lilás a um dos soldados e o orientou a levá-
lo para sua aldeia e entregá-lo ao seu rei. Escutei perfeitamente as suas palavras.
“Nascerá a última menina iluminada entre o meu povo, e ela será a última bruxa branca e o
destino a levará aos braços do filho primogênito do grande líder do Clã Cemel Loairn. Será o amor
dos dois que acabará com o ódio entre os clãs mais poderosos de Vennucnii. ”
Meus planos de tomar o poder de Rurick não se concretizaram, fui banido definitivamente do
clã, no entanto, o meu ódio por Rurick dominou a minha alma, e a minha vontade de exterminar a
última bruxa branca também.
O meu ódio passaria por geração em geração de bruxos negros, assim como o dever de
eliminar a menina iluminada, como também de tomar o poder do Clã Cemel Loairn.
Capítulo 1
Jasmine
Não sei se é um sonho, ou se estou realmente vivendo isso. Será que de fato sou eu? Ou
alguém parecida comigo? Tudo parece tão confuso, tão abstrato. Os latidos dos cães, o barulho do
vento soprando plásticos e papelões no asfalto esburacado daquele local tão ermo, os becos
escuros fétidos e sujos. Acho que os únicos que se aventuram a pisar ali são os usuários de drogas
e os bichos noturnos. Deus! Parece uma cena de filme de terror.
O que estou fazendo aqui? Acordem-me, por favor!
É uma noite assustadora, estou vagando cambaleante neste lugar horroroso. Acho que nem a
própria polícia se aventura a patrulhá-lo.
Meus cabelos loiros esvoaçam ao vento, minha pele alva é nitidamente vista através da
escuridão. Estou vestida com uma longa camisola branca de algodão, e quem vê a cena, irá me
comparar com um fantasma, pois eu sou o contraste do local.
Minhas pernas vacilam a cada passo, minhas mãos flutuam à frente do meu corpo. Parecem
ser movimentadas por cordas, feito as mãos de uma marionete. Gesticulo nervosamente como se
estivesse dialogando com alguém. A uma certa altura tropeço, caindo no chão. Deus! Sinto dor em
meus joelhos.
Sentada, atordoada, não consigo manter o equilíbrio, deliro...
— Preciso de mais... onde vou encontrar? Eu preciso muito, muito mesmo... minha boca está tão
seca... minhas mãos... — olho para as minhas mãos trêmulas — Elas... elas, não param de tremer...
— De repente, olho fixamente para um ponto qualquer — ... eu vi, eu vi... Ali! Ali! Um homem de um
olho só, ele corre atrás de mim, ele quer me pegar, preciso correr. — Após alguns tombos, consigo
ficar de pé, delirante. Apresso o passo, sempre olhando para trás — Não, não, ele está escondido
atrás daquelas madeiras — aponto para onde não há nada — Não, ele está naquelas árvores —
Não há nada nas árvores, meu delírio está me deixando louca — Não, ele sumiu... para onde ele
foi? Ei... ei...!
Dois homens, de aparência não muito boa, se aproximam de mim. Eles me observam com certa
curiosidade. Fico um tanto receosa. Eles estão sujos e maltrapilhos. Apavorada, começo a gritar.
— Moça, moça, pare de gritar! Hei, moça... Véio, ela tá muito doidona. Hei, moça!
— Não me toque, você está com o homem de um olho só, sai, sai... — Um dos homens tenta me
tocar, as unhas dele são enormes, assustadoras.
A confusão se estabelece na minha cabeça. Alucinada, tento afastá-lo com as minhas mãos.
O outro homem começa a gargalhar quando eu empurro seu amigo.
— Sam, olha. Ela pensa que você tem um olho só. Cara, você é tão feio que até uma drogada
enxerga isso.
— Ah, tá! Idiota, você não é mais besta porque é um só, senhor lindão...! Tato, agora é sério, a
moça precisa de ajuda, ela está sangrando, véio.
O tal Sam se aproxima de mim e me avalia com olhos curiosos.
— Coitada. Tato, a pobre está machucada, precisamos ajudá-la. Vem, cara, me ajuda aqui!
— Ele me toca e me bate um medo. Nunca deixo ninguém me tocar, então não sei onde encontro
forças e reajo. Mesmo delirando, eu o empurro com fúria.
O outro homem, ao perceber o meu desespero, chega mais perto de mim.
— Shh, é mesmo. O nariz dela está sangrando, caralho! “Vamo” se “manda”, essa aí tem cara
de encrenca. — Apavorado, Tato segura o braço de Sam, tentando convencê-lo a sair dali o mais
rápido possível.
Estou em um mundo alucinado, vejo monstros, escuto murmúrios. Algumas vezes, sei quem sou,
mas, em outras, penso não existir. Aquelas vozes e os homens estão tão nítidos diante dos meus
olhos, mas como em um passe de mágica, eles se transformam em monstros deformados, prontos
para me atacar.
Escuto o apelo de um dos homens. Posso perceber que ele está com medo de mim, mas o outro
não quer ir embora, ele tenta convencer o amigo a me ajudar.
2
— Tato, nós não pode “dexá” a moça assim. Você tem um “tapa” aí? Dá “pra” ela, ela tá na
falta, véio. Dá “pra” ela, Tato.
Eles falam apressadamente, mal consigo entender o que eles dizem.
— Ficou doido, Sam? É o nosso último “tapa”. Essa cocaína custou o nosso almoço, se esqueceu
disso?
— Dá “pra” ela, Tato.
— Você é um molenga mesmo, Sam. Tá bom, tá bom — Ele coloca a mão suja no bolso da
calça e puxa um saquinho plástico com um pó branco — Hei, moça, moça, toma aqui. Eu acho que
isso vai fazer você se sentir melhor.
Pego o embrulho rapidamente das mãos dele. Despejo seu conteúdo no dorso da mão e
aspiro o pó através do nariz.
— Caralho! Eu não te disse, ela só precisava cheirar um pozinho. Agora, “vamo simbora”, ela
vai fazer a maior viagem.
Sinto-me leve, começo a ver luzes piscando através dos meus olhos, estou flutuando. Não! São
as coisas que flutuam à minha volta. Ou não? Não sei. Só sei que o meu corpo não me pertence
mais, estou livre. Livre como um pássaro, mas, de repente, sinto uma dor aguda nas têmporas, um
zumbido em meus ouvidos. Gritos ecoam à minha volta, uma mulher chama pelo meu nome.
Jasmine!
Então escuto alguém dizer “Peguem a menina, depois matem todos, ninguém pode ficar vivo
nesta aldeia, ninguém. Entenderam? ”
A voz é muito grave e eu a conheço, só não consigo me lembrar de onde, mas eu sei que
aquela voz quer me fazer mal, eu sei. A dor na minha cabeça piora, e eu grito alto, muito alto.
Depois disso, não vejo mais nada.
Não sei que horas são, só sinto um gosto ruim na boca. Estou deitada no chão sujo, em um
lugar deserto, onde só se pode escutar os latidos dos cães ao longe.
Jasmine você andou dormindo outra vez!
Levanto a cabeça e rapidamente levo minhas mãos até ela. Meus dedos apertam minhas
têmporas, passo o dorso da mão no meu nariz.
— Caralho, está doendo essa porra! — Resmungo, reclamando do ardor. Ainda me sinto muito
atordoada. Olho para todos os lados para tentar me situar.
Pisco os cílios por diversas vezes. Não consigo enxergar muita coisa, pois a escuridão tomou
conta do lugar. Tento a todo custo me localizar, ou entender como vim parar em um lugar tão
deserto.
— Acho que fui atropelada por um caminhão. Cacete, minha cabeça “tá” na maior dor. Mas
que porra aconteceu, onde eu estou? — Olho à minha volta. — Merda! Isso aqui só cheira a mijo.
— Pisco os meus olhos várias vezes, tentando assimilar o que está acontecendo e onde estou. —
Porra! Como vim parar aqui?
Só há uma explicação. Andei dormindo, só pode ser.
Começo a olhar com mais atenção onde estou. Vários galpões abandonados e uma área
desértica. Escuto cachorros latindo e sinto um fedor repugnante de fezes misturadas à urina. O frio
arrepia a minha pele, abraço meu corpo, envolvendo-o com os braços. Para piorar, começa a
chover. Levanto-me cambaleando, corro e procuro abrigo em algum lugar que me proteja da
chuva fina e gelada.
Há outra possibilidade para que eu esteja em um lugar como este. Não quero admitir, mas
olho o local com mais atenção. Logo percebo o motivo de estar aqui. Drogas.
Acho que tive outro surto de abstinência, só pode ser, mas não quero acreditar nessa
possibilidade. Eu parei.
Não, Jasmine, você teve outro pesadelo e andou dormindo. Deus! Quando esses pesadelos vão
me deixar em paz?!
Graças a Deus, a chuva para. Não sei que horas são, mas ainda está escuro e o local não
tem iluminação. Começo a caminhar apressadamente. Vejo luzes um pouco distantes e começo a
correr na direção do local, quando escuto o som de pneus cortando o asfalto, acompanhado do
barulho de um motor que sai em disparada.
O medo domina o meu corpo, minhas pernas começam a tremer. Há lugares em São Francisco
escolhidos pelos bandidos para servirem de desova. É tudo que preciso neste momento da minha
vida, também ser perseguida por bandidos.
Paro, assustada. Tiros... Sim, escuto tiros e logo em seguida, ouço batidas semelhantes ao som
de madeiras sendo quebradas contra algum outro objeto, quando escuto alguém dizer:
— Esse já era, nosso chefe ficará feliz, resolvemos o problema dele. Vamos embora.
Fico quieta, não posso fazer barulho. Prendo minha respiração para evitar que algum dos
homens perceba que há uma testemunha. Escuto passos, seguidos do som de um carro cantando
pneus.
O ar volta a entrar nos meus pulmões. Fico imóvel, não sei se os bandidos ainda estão por
perto, não quero ser vista. Após longos minutos, começo a correr freneticamente, mas acabo
tropeçando em algo. Em uma impossível tentativa de me manter em pé, desabo, me esborracho de
cara no chão.
O susto é tão grande que nem penso direito, solto o maior palavrão.
— Tronco filha da puta! — Sento, gemendo de dor. Tento encolher as pernas, mas o meu
joelho está doendo muito. Passo a mão e sinto algo molhado, mas não é possível ver direito. Pelo
tamanho da dor, tenho a certeza que ele está esfolado. — Caralho dos infernos!
Levanto-me e vou procurar meu chinelo, na queda eu o perdi. Percebo que o tronco não é de
fato um tronco, mas sim, um homem. Chego mais perto. Putz! Ele parece estar morto. Mexo nele com
a ponta do pé.
— Moço! – Eu o chamo, mas o homem não responde, então me aproximo. Agora consigo vê-lo
melhor. Caralho! O homem está completamente nu.
Chego mais perto e, por instinto, aproximo meu rosto do dele. Ele respira bem fraquinho, mas
respira.
O que você vai fazer, Jasmine? Chamar a polícia? Caralho! Eu não posso chamar a polícia. E
agora?
Olho para aquele homem enorme. Então, percebo que sua cabeça sangra e o seu peito
também. Deus! E agora, o que eu faço? Eu não posso deixá-lo abandonado em uma rua deserta e
perigosa, ele certamente morrerá.
Instintivamente, me inclino sobre ele, tento de alguma forma levantá-lo.
Cacete! O homem tem o dobro da minha altura e do meu peso. Jasmine, será que você não
está vendo? Não conseguirá levá-lo até sua casa. Tento levantá-lo outra vez. Ele geme baixo.
— Moço! — Eu chamo. — Moço, eu preciso que me ajude, sozinha não vou conseguir levantá-
lo. Por favor, faça uma força.
Não sei como, mas ele me entende. Consigo fazê-lo se sentar. Com uma força sobre-humana,
eu o ajudo. Tento não tocar nos seus ferimentos, ele está uma bagunça. O coitado grita de dor.
— Moço, no três. É só impulsionar o corpo e tentar ficar de pé. 1,2,3, agora! — Quem grita
sou eu, preciso ficar de joelhos para impulsionar a subida, e, com isso, meus joelhos esfolados
ardem mais do que queimaduras.
Na quarta tentativa, conseguimos. Passo seu braço em volta do meu pescoço e seguimos,
cambaleantes. Logo à frente, consigo identificar o local onde eu estava há pouco. Eu certamente
estava mesmo dormindo quando saí do meu esconderijo, mas graças a Deus já estou perto de casa.
Aquele homem é pesado, estou praticamente carregando-o sozinha. O ar já está em falta nos
meus pulmões quando chego ao prédio abandonado onde moro. O pior é subir as escadas, com
este homem enorme pendurado no meu pescoço. Ao chegar no penúltimo degrau, nós dois caímos
no chão. Ele está desacordado e eu estou arrebentada.
Não tenho alternativa, eu o arrasto para dentro, puxando-o pelos braços. Não sei onde
encontro forças para puxá-lo, mas consigo. Agora é a parte mais difícil: colocá-lo na cama. Vou de
um lado para o outro, mas, enfim, consigo. Após o susto e todo o esforço, começo a observar o
homem. Putz! Ele é todo grande, o pênis dele parece estar rígido de tão grande que é. Minha
nossa! Ele é bonito, e mesmo todo ensanguentado, é muito bonito.
Pele morena, cabelos negros, braços fortes, pernas musculosas, peitoral que dá vontade de
deitar em cima e um abdômen bem definido. Olho para a parte que está entre as suas pernas,
sequer consigo imaginar quando aquilo estiver ereto. Sinto o meu corpo arrepiar só com a ideia.
Espanto os meus pensamentos e vou até o que eu chamo de cozinha. Meu esconderijo é
arrumadinho. Moro em um prédio abandonado, um local esquecido por Deus. Selecionei por muito
tempo todos os meus móveis. É incrível como as pessoas jogam uma porção de coisas fora, e, na
maioria das vezes, são coisas que estão quase novas. Cama, colchão, sofá, fogão, armário de
roupas, de cozinha e até minha geladeira, eu consegui no lixo. Montei minha casa todinha apenas
com coisas descartadas por outras pessoas, mas as panelas, pratos, copos, talheres e roupas, eu
consegui nas associações de moradores de rua. Lá, eles nos dão tudo que precisamos, e toda vez
que preciso de algo, vou até eles e pego pacotes fechados de roupa de cama, banho e roupas,
inclusive roupa íntima. Essas são novas, vêm de uma fábrica que cede as roupas que saem com
defeito. A associação as distribui para nós.
Pego uma bacia com água e uma toalha. Começo a limpar o desconhecido. Tanto o ferimento
da cabeça quanto o do peito parecem feios. O sangue escorre fluidamente, me fazendo entrar em
desespero. O homem vai morrer na minha cama. Procuro limpar com mais precisão. Corro até o
meu armário e pego uma caixa de primeiros socorros que ganhei na associação.
Procuro algo que possa me ajudar. Tesoura, gazes, ataduras, mercúrio, pomadas, água
oxigenada. Bem, eu não tenho ideia do que fazer com aquilo tudo. Olho para ele, e sua testa
apresenta gotas de suor. Toco nela.
Está febril e começa a delirar.
Jesus, me ajude! Suplico. Começo a apalpá-lo no peito e encontro algo duro. É a bala, será
que eu tenho que retirá-la? Não espero minha voz interior responder.
Vou até a cozinha e esterilizo uma faca no fogo. Pego o álcool e volto para o quarto. O
corpo todo do homem treme. Sento de joelhos no colchão e jogo o álcool em seu peito. Sem dó,
insiro a faca no ferimento. Começo a cutucar o buraco e logo sinto a ponta da faça encontrar
algo. Eu a empurro, empunhando-a com alguma força para cima. O projétil sai e, junto com ele,
muito sangue.
Deus, me ajude!
Sua cabeça também começa a sangrar. Levanto-me desesperada e fico de pé diante da
cama, congelando de medo. Ele vai morrer! A respiração do homem acelera, seu corpo sacode por
conta dos espasmos. Acho que entrou em choque.
Ajoelho-me novamente no colchão, tentando segurá-lo, mas não adianta, ele desmaia e sua
respiração para. Meu Deus! Ele morreu! Pego o seu pulso e tento encontrá-lo. Ele está vivo, graças
a Deus!
Começo a chorar, não sei o que fazer. Provavelmente, ele vai morrer se não tiver atendimento
médico o mais rápido possível. Mesmo que eu possa fazer isso, não conseguirei chamar um médico
até aqui, o hospital mais próximo fica a quilômetros de distância e eu não tenho telefone.
Baixo os meus olhos já em lágrimas e faço uma oração. Não sei por que, mas ergo minhas
mãos sobre o seu corpo, sem tocá-lo. Acho que, de alguma forma, estou sonhando, pois vejo uma
luz azul sair através delas, iluminando todo o corpo do homem. A luz azul passa a ser lilás, mas já
não vejo nada, meus olhos se fecham e sinto que estou flutuando...
Capítulo 2
Dia dois
Acordo com uma confusão latente em minha cabeça. Minhas pálpebras se abrem, quando
desperto para uma completa e extrema situação que eu não tenho ideia de como me meti. Minha
respiração escapa em profundos ofegos, enquanto a agonia esmaga o meu corpo. Fico tenso, e os
meus dedos se enroscam nos lençóis emaranhados ao meu redor.
Sento-me na cama, e minha cabeça gira feito um cata-vento em uma tempestade. Sinto uma
dor no peito e ponho a mão no local, que está muito dolorido. Olho com cuidado, e lá há uma
ferida quase cicatrizada. O que aconteceu? Atordoado, olho o ambiente à minha volta.
Não consigo lembrar de nada. Percebo que já é dia e chove muito. O lugar onde estou é
estranho, não me recordo desta casa nem dos móveis. Aliás, eu não lembro nem do meu nome.
Tento me levantar, mas minha cabeça gira. Levo minha mão até ela e encontro algo duro, como se
fosse um hematoma. Meu peito começa a doer. Baixo os meus olhos até o local e novamente vem a
pergunta: mas o que será que aconteceu comigo, onde estou, quem sou eu?
Com esforço, consigo me levantar, então tropeço em algo... não; tropeço em alguém. Meus
olhos ficam completamente hipnotizados. É a moça mais linda que já vi... quer dizer, eu não consigo
lembrar de outras, mas, com certeza, essa é a mais bela.
Ela está desacordada, caída ao lado da cama. Sinto um desespero em ondas negras e
sufocantes. Quem é a moça estirada ao chão? Fecho meus olhos, respirando fundo.
É um pesadelo, vou acordar.
Abro-os outra vez, e meus olhos voltam para a mesma direção, ao chão. A moça continua lá,
estirada, sem se mover.
Caminho cambaleante. Cutuco o corpo da moça com o dedo do pé; ela não responde ao
toque. Agacho-me e, com cuidado, a chamo.
— Ei, ei moça! Acorde! Moça. – Deus do céu, ela está tão quente. — Ei, moça, pelo amor de
Deus, acorde!
Com pressa, me inclino sobre ela e a ergo em meus braços, colocando-a na cama. É então
que percebo que estou nu. Não seria nada agradável se a moça acordasse e desse de cara com
um homem nu à sua frente. Deixo-a deitada e vou à procura de algo para vestir. Verifico seu
armário e encontro um pacote com várias roupas. Por sorte, acho um moletom masculino bem
grande e o visto.
Pronto, estou apresentável. Volto à moça. Ela está febril e com a respiração irregular. Não sei
como, mas sei o que fazer. Vou à procura de gelo e toalhas, quando encontro, faço compressas e
as coloco em sua testa, axilas, virilha e pés. Ergo sua cabeça um pouco mais alto, com dois
travesseiros, e começo a massagear os seus pulsos. Aos poucos, a respiração dela volta ao normal.
Agora, só preciso me preocupar com sua temperatura. Passo horas fazendo-lhe compressas
geladas.
Ela treme e, intuitivamente, eu sei que a única forma de a aquecer é abraçando o seu corpo
com o meu, então me deito ao seu lado e a abraço. O calor do meu corpo faz com que os seus
tremores passem e ela se acalme. Adormeço junto com ela.
— Não, não... Por favor, solte-me. Não! Deixe-me ir, me solte... Solte-me, não, não me machuque,
por favor, eu não quero fazer isso, não... não!”
— Hei! Moça, acorde, você está tendo um pesadelo, acorde!
— Ah! O que aconteceu... você...
Ela me olha com certo espanto, seus olhos percorrem o meu rosto e eles seguem direto para
minha cabeça. Logo sua pequena mão acompanha seu olhar e sinto o seu toque. Em seguida, seus
olhos seguem em direção ao meu peito, sua mão também acompanhando o trajeto. Seus dedos em
minha pele são tão quentes, os toques tão gostosos que fico hipnotizado. Ela volta a olhar meu
rosto, e os seus olhos sorriem para mim. Em um sussurro, ela me pergunta:
— Como você fez isso?
— Isso o quê?
— Cicatrizar suas feridas tão rápido.
Fico sem saber o que responder, pois o que eu quero mesmo é saber o que aconteceu comigo.
— Eu pensei que você pudesse me explicar o que aconteceu, pois quando acordei já estava
assim.
A pequena moça se aproxima mais de mim, senta-se na cama e me olha com espanto.
— Você não se lembra de nada?
— Não. — Respondo prontamente. — Não me lembro de nada. — Fico tenso, respiro fundo.
— Não lembro nem do meu nome.
— Ai, Jesus! — Ela levanta apressadamente. — Tem certeza? — Assinto com a cabeça.
Então, ela me conta tudo, desde a hora em que me encontrou até quando me trouxe para cá.
Não lembro realmente de nada. Minha cabeça dá um nó. Ela começa a latejar quando faço força
para lembrar de qualquer coisa, mas não consigo, ela simplesmente está completamente vazia.
Levo minhas mãos até ela e a aperto, a dor lancinante ao meu próprio toque me faz gritar com
força e alto.
— Hei, calma! Tudo vai ficar bem, você vai se lembrar de tudo, não se desespere. Enquanto
isso, você pode ficar aqui. A propósito, meu nome é Jasmine.
Engraçado, quando ela me diz o seu nome, imediatamente lembro de uma flor. Tento
identificar o cheiro, então eu inspiro o ar profundamente e reconheço o aroma que vem dela.
Interessante, não lembrava o nome da flor, mas junto o seu nome ao cheiro e eu me lembro. Sorrio,
arqueando uma sobrancelha.
— Posso saber o motivo do riso, disse algo engraçado? — Ela me encara com uma expressão
irritada.
— Você tem cheiro de jasmim, eu não me lembrava do nome da flor, mas depois que você me
disse o seu nome, associei. Perfume bom, o seu.
— Engraçadinho, eu não uso perfume, seu bobo.
— É mesmo? Então, é algo que usa.
— Eu não uso nada.
— Sortuda, o seu cheiro natural é de jasmim. — Ela fica sem graça, e eu, confuso.
Ela sorri e fica muito mais linda. Vai até a cozinha e começa a fazer algo.
— Você precisa comer. Bem, eu só tenho ovos, pão e um pouco de café. Mais tarde irei até a
associação e pego mais comida.
Gosto do café da manhã, está delicioso. Após saciar minha fome, ela vem até mim e começa a
avaliar minha cabeça e o meu peito. Estica o braço até uma caixa perto da cama e me mostra o
que tirou de lá: um projétil.
— Tirei do seu peito. — Ela me diz. — Você sangrava muito, eu pensei que ia morrer, por isso
fiquei abismada com sua recuperação e cicatrização.
— Eu não sei o que aconteceu, Jasmine. Não sei mesmo.
— Precisamos lhe dar um nome, pelo menos até você lembrar o seu. — Ela coloca a mão no
queixo e fecha os olhos.
Nesse momento, fico com vontade de beijá-la. Por que pensei nisso?
— Hum, que tal... Moço Bonito? — Solto uma sonora gargalhada.
— Moço Bonito! Sério, você conhece alguém que se chama “Moço Bonito”? — Pergunto, ainda
rindo.
— Não, você seria o primeiro. Não gostou do nome? Então, escolhe você.
— Não precisa ficar zangada, Jasmine. Se isso te faz feliz, eu me chamarei Moço Bonito.
— Agora não vale! Escolha o seu nome, no entanto, eu o chamarei de Moço Bonito.
— Ok! Aceito sugestões. — Digo.
— Pode ser Black. Eu te encontrei em um lugar escuro, esfolei o meu joelho por isso. — Ela
suspende a camisola branca, e meus olhos vão direto para os seus joelhos. Puts, eles estão muito
infeccionados.
— Certo, Jasmine, eu me chamo Black. Agora vem cá, precisamos limpar isso aí. — Aponto
para o seu joelho.
Ela aceita minha mão, então a puxo para sentar na cama.
— Você tem algo com que eu possa limpar esse machucado? — Jasmine olha para o lado
esquerdo do colchão e aponta para um estojo de primeiros socorros que está quase caindo no
chão. Estico o braço e o pego.
Limpo todo o ferimento, e a cada toque da gaze no machucado, ela geme de dor. —
Desculpe, mas tenho que limpar tudo, já está muito infeccionado, aguente firme. — Jasmine até que
tenta, mas logo começa a chorar.
— Doí muito, Moço Bonito. — Fala, choramingando.
— Eu sei, anjinho, mas preciso fazer isso. — Não sei explicar, mas eu sei o que estou fazendo.
Ela é forte. Consigo limpar todo o ferimento, passo a pomada anti-inflamatória e faço um
curativo. Porém, quando ergo minha cabeça e vejo os seus olhos marejados, não resisto e a abraço
com carinho.
Puxo o seu corpo para os travesseiros e me deito com ela em meus braços. Ela esconde o
rosto em meu peito, respirando devagar. Eu fico ali, só sentindo sua respiração, só um tempo depois
é que percebo que ela adormeceu.
Enquanto a mantenho adormecida em meus braços, tão quieta e respirando suavemente,
procuro capturar fragmentos sobre quem sou eu em minha mente. E no silêncio daquele ambiente,
escutando apenas o barulho da chuva batendo em algo lá fora, tento, a qualquer custo, fazer
minhas lembranças surgirem. Sinto uma vontade de gritar quando percebo que todo o meu esforço
está apenas me frustrando, e no lugar das recordações somente vêm vergonha e desespero.
E se você for perigoso? Um bandido! Olho para aquela pequena moça em meus braços.
Aquele pensamento idiota não me ajuda muito, pois se eu for um inescrupuloso homem, ela está em
perigo, mas como posso saber se sou uma pessoa boa ou má?
Lágrimas queimam minhas pálpebras, eu as deixo escorrerem silenciosas em meu rosto,
enquanto sofro em silêncio. Estou desmoronando sob o peso do desespero, não posso permanecer
assim, preciso de ajuda, alguém em algum lugar há de me conhecer.
Não posso ficar parado. Não posso permanecer neste silêncio contido. Apesar do risco em
procurar saber sobre mim, não posso virar as costas para a minha situação. Estou sem memória, e
não sei se é uma perda passageira. Respiro profundamente. Estou com medo, e apesar de parecer
determinado, sinto um perigo no ar. E se as pessoas que atiraram em mim descobrirem que não
morri?
Pelo o que a Jasmine me contou, a intenção era essa, me matar!
Fecho meus olhos enquanto passo a mão pelos meus cabelos. Se realmente eles me querem
morto, então não posso procurar ajuda, não enquanto estiver sem memória. Preciso descobrir
primeiro quem eu sou e o que fiz.
Olho outra vez para a linda moça em meus braços.
Meu instinto diz para fugir, pois se realmente alguém me quer morto, não devo ter sido uma
boa pessoa. E se eles descobrirem que não morri? Olho outra vez para ela. Provavelmente, ela
estará em perigo, não posso deixá-la vulnerável, preciso protegê-la... mesmo que seja de mim.
Ela se mexe em meus braços. Passa uma perna sobre as minhas e se aninha em meu peito. Sua
pequena mão alisa meu peitoral, lentamente seus dedos deslizam sobre minha pele até encontrar o
ferimento da bala, onde repousa.
Sinto um calor no local assim que sua mão se espalma, uma sensação de queimação, e, por
alguns minutos, sinto uma dor. Solto um grunhindo, arqueando o corpo. A primeira reação é retirar
a sua pequena mão do meu peito, mas, não sei como, fico paralisado, não consigo me mover. Ponho
a mão na cabeça, eu sei que algo está diferente, mas a minha batalha está perdida. Minha visão
fica turva, minha língua fica grossa, meus membros endurecidos. Estou completamente... fodido.
Acordo sentindo falta de alguma coisa. Então olho para o lado e percebo que a Jasmine não
está ao meu lado. Sento-me na cama e faço uma análise rápida de todo o apartamento, ele não é
tão grande. Uma grande sala que serve de quarto, uma cozinha americana e um banheiro. Olho
cada detalhe do pequeno cômodo, não a encontro. Percebo que já é noite, só não sei a hora
exata. Meus olhos se direcionam para a porta, que está escancarada. Bate um desespero, sinto
uma pressão no peito e um nó na garganta.
Chove muito, dá para escutar os trovões e ver os clarões dos relâmpagos. Não espero meu
corpo parar de tremer, corro em direção à saída. Desço as escadas, nem me lembro que, há
poucas horas, levei um tiro e uma paulada na cabeça. Só consigo escutar minha consciência gritar.
No meu íntimo, eu sei que a Jasmine não está bem.
O portão que dá acesso ao prédio está aberto, isso só aumenta minha preocupação. Onde
você se meteu, menina? A chuva cai pesadamente, mesmo assim, saio pela rua à procura do meu
pequeno anjo salvador.
— Jasmine! — O eco do meu grito ecoa por todo quarteirão. — Jasmine! — Grito outra vez,
sem obter resposta. Examino cautelosamente os arredores de onde estou. Parece um bairro
abandonado, com vários prédios em ruínas, lojas depredadas e sucatas de automóveis no meio da
rua. Não tenho dúvidas, este lugar é perigoso para uma garota do tipo de Jasmine, ela será uma
presa fácil para maníacos perseguidores.
— Jasmine! Jasmine! — Nada de resposta.
Corro olhando para todos os lados e becos. Onde você está? Vou mais rápido, pois a chuva,
antes grossa, vira um temporal e as ruas começam a alagar.
Cansado, sem fôlego, dolorido e com uma dor de cabeça insuportável, continuo a minha
procura. Paro um pouco para obter um pouco de fôlego. Os trovões param, então posso escutar
um gemido. Sigo em direção a ele, então eu a vejo.
Ela está sentada em um canto, completamente imóvel, cobrindo o rosto com as mãos. Seu corpo
trêmulo e molhado pode ser visto a distância. Corro até ela, e quando me aproximo, a escuto
sussurrar algo.
— Por favor, não me machuque, não me machuque, eu faço o que quiserem, só não me
machuque... — Sussurra, delirando. Ela está sofrendo, chora soluçando, a impressão que passa é
que está vivendo toda aquela dor.
— Não me bata, não. Por favor, eu faço, eu faço... não... não... não me coloque no buraco... no
buraco não... Eu faço, eu faço...
Não, eu não posso deixá-la sofrendo, ela precisa saber que estou ali. Aproximo-me mais e a
chamo.
— Jasmine — chamo o seu nome, baixinho. — Jasmine, eu estou aqui, não chore — Ela
continua sussurrando as mesmas coisas, parece que não me escuta. — Jasmine, ei... — Agacho-me
e retiro suas mãos do seu rosto. Ela olha para o vazio, seus olhos sem expressão, presos em algum
lugar. Ela não está comigo, ela está dormindo.
Jasmine, você é sonâmbula!
Intuitivamente, eu sei que não posso acordá-la, não porque fosse fazer algum mal à saúde
dela, mas, se fizer isso, ela pode acordar meia confusa, sem entender direito o que está
acontecendo naquele momento, como também pode despertar agressiva. O melhor que eu tenho a
fazer é levá-la de volta para casa, com cuidado. Preciso ter muito cuidado ao movê-la deste lugar
sujo e fétido.
A pego com cuidado em meus braços, tentando ao máximo protegê-la da chuva, muito
embora ela já esteja completamente encharcada. A envolvo com o meu corpo.
— Você vai me machucar? — Ela pergunta, com a voz trêmula — Serei boazinha, eu juro.
Um sentimento de ódio e raiva dispara incessantemente em meu cérebro. Não sei quem a
machucou, não sei qual foi o infeliz que teve a coragem de machucar um anjo como ela, só sinto,
nesse exato momento, uma vontade de protegê-la, só isso.
Ela é tão leve que nem sinto cansaço ao levá-la de volta para casa. A chuva engrossa,
trovões e relâmpagos são as nossas únicas companhias, não há ninguém naquelas ruas e vielas, só
eu e ela. Sinto uma mistura de alívio e temor. Alívio porque não há perigo iminente, e pavor porque
eu não sei até quando aquela paz perduraria.
Entro no pequeno cômodo e a coloco na cama.
Jasmine treme até os ossos. Vou até a cozinha, encho uma panela com água ‒ o suficiente
para lhe dar um banho ‒ ligo o fogo para aquecer. Enquanto a água aquece, dispo as suas
roupas. Vê-la nua é uma tentação, tão linda em suas formas cheias de curvas. Não é certo ficar
admirando-a, ela está dormindo pesadamente e indefesa. É até um sacrilégio desejar aquele anjo,
mas não consigo domar o meu ser animal.
Seus seios redondos, bicudos e rosados, cabem em minhas mãos e ainda sobra carne. A
cintura fina, em conjunto com os quadris arredondados, é como um violão pronto para ser tocado.
Sua vulva rechonchuda, coberta por cachos dourados, deixa-me com coceira nos dedos para sentir
a maciez dos pelos entrelaçados entre eles. Essa menina-mulher é uma tentação, e para o bem
dela, preciso ficar com minhas mãos bem longe do seu corpo.
A banho com cuidado, não me demoro muito, a intenção é só aquecer o seu corpo frio. A visto
com um pijama felpudo e a embrulho em um cobertor grosso. Ela treme, batendo os dentes. Troco
rapidamente as minhas roupas. Na sacola onde encontrei o agasalho masculino há mais três mudas.
Fico pensando de quem são aquelas roupas, será que são de algum namorado? Bem, não é hora
para pensar sobre isso.
Deito-me ao seu lado, puxa-a para perto do meu corpo e a abraço com força, embrulhando
o cobertor sobre nós dois. Ela dorme, no entanto, lágrimas deslizam pelo seu rosto, soltando leves
soluços devido ao seu sofrimento interior. Algo está a fazendo sofrer muito. Sinto-me tão impotente
por não poder fazer nada para aliviar o que ela sente.
— Shh! Você não está sozinha. Eu estou aqui. Shh, menina linda. — Escovo seus cabelos com os
dedos enquanto murmuro palavras doces para ela.
Acho que ela me escutou, pois os seus soluços e tremores vão se acalmando, seu rosto se
esfrega em meu peito outra vez e ela sussurra:
— Proteja-me deles, você me protege?
Ela fica quieta, sua respiração desacelera. Esfrega o rosto novamente em meu peito e respira
profundamente.
— Protegerei você. Sim, anjinho, protegerei.
Não sei qual sentimento invade o meu coração naquele momento, só sei que minha
necessidade de cuidar dela é maior que qualquer outra necessidade. Adormecemos um nos braços
do outro.
Capítulo 3
Dia três
Não consigo dormir direito, pois a cada movimento do corpo de Jasmine desperto, assustado.
Tenho medo de que ela se levante dormindo e saia para a rua. Verifiquei que as portas não têm
trancas. Um pânico cresce em minha mente, congelando a minha alma, por saber que o meu anjo
salvador ficará em perigo. Não sei explicar, mas um sentimento protetor cresce dentro de mim, é
como se eu tivesse nascido para protegê-la, como se fôssemos um do outro.
Você está com sérios problemas, “senhor ninguém”, acho que acabaram com sua sanidade.
Que bobagem é essa que acabou de pensar?
“Fôssemos um do outro”! Sério, isso?
Olho para ela, agarrada ao meu corpo. Sorrio com o meu pensamento. Bem, minha vontade é
de puxá-la para mais perto e beijá-la... Lá vem você outra vez! Essa moça está fora do seu alcance,
seu idiota. Percorro seu rosto lindo com os meus olhos, relaxado em seu sono sereno.
Será que alguém da minha família ‒ se tiver uma ‒ virá atrás de mim?
Coloco Jasmine com cuidado sobre o seu travesseiro e levanto-me da cama com calma.
—Vamos ver o que temos para o café — digo, enquanto caminho descalço para o pequeno
banheiro. Olho-me no espelho. — Quem é você, estranho? Por que alguém queria o matar? —
Acho que nunca me senti tão sozinho. Olho em direção à cama. Seu idiota, você não está sozinho.
Lavo o rosto, faço um gargarejo, penteio os cabelos e vou para a cozinha.
Não há muita opção para o café da manhã. Apenas pó de café, um pouco de leite, biscoitos
e só. Não sei como, mas sei fazer café. Será que fui um cozinheiro? Escuto um barulho vindo do
quarto, meus olhos seguem para a direção dele.
— Bom dia! — Ela está parada diante da porta, com uma carinha de sono linda, coçando a
cabeça e bocejando.
— Desculpa, tentei não fazer barulho para não a acordar. Como se sente? — Ela me fita com
os olhos semicerrados.
— Estive doente? — Sorri, envergonhada.
Levanto a cabeça, fitando-a desafiadoramente.
— Não, mas por pouco não ficou. — Vou até a mesa e coloco dois copos, os biscoitos e o bule
com o café. Volto meu rosto para sua direção, e ela me encara sem entender nada do que estou
falando. — Por que você não me contou que é sonâmbula?
Seus braços caem ao lado do corpo, seu rosto mostra uma expressão descontente.
— Desculpe, Moço Bonito, mas não há como dizer a uma pessoa que acabamos de conhecer:
“Hei, seu moço, prazer! Meu nome é Jasmine e eu sou sonâmbula”. Soaria um pouco estranho isso,
não acha?
— Não precisa ser sarcástica. Eu fiquei louco de preocupação quando acordei e não a
encontrei na cama, saí feito um doido varrido atrás de você. Bem... — fui até ela e a peguei pela
mão, puxando-a até a cadeira. — Hoje mesmo vou arrumar uma tranca para a porta, pelo menos,
se eu não ficar por aqui, você ficará mais segura.
Jasmine me olha com um olhar triste.
— Você vai embora, lembrou de alguma coisa?
— Não lembrei de nada, e esse é meu medo... — sento-me e sirvo o seu café. — Jasmine, e
se eu for um criminoso, ou pior, se as pessoas que tentaram me matar descobrirem que estou vivo e
vierem atrás de mim?
Jasmine fica quieta. Sua cabeça levanta lentamente e ela me olha com certa tristeza. Por que
ela fica triste?
Fico a observando. Fui franco. Apesar de não saber quem eu sou ou o que fiz, no fundo, eu
sei que preciso protegê-la, mesmo que seja de mim mesmo.
Ela pisca e uma lágrima escorre, preguiçosa, por seu lindo rosto.
— Não, não, não! Não faz isso comigo, pequeno anjo. Não chora, isso não. — Meus músculos
ficam tensos, não estava preparado para sua reação. Levanto-me rapidamente da cadeira, o
movimento brusco fazendo-a arrastar os pés, fazendo um barulho de arranhadura no piso. — Ei!
Não fica assim, não quero que sofra. — Ela baixa os cílios, respira fundo e suas narinas dilatam.
— Moço Bonito, não quero que vá — Jasmine diz, olhando-me com uma carinha de cortar o
coração de qualquer ser vivente na terra. — Não sei explicar o que sinto, mas desde que o
encontrei...
Respira fundo outra vez e encosta a testa na minha. Fecho meus olhos para não fazer uma
besteira, como beijá-la. Ela continua:
— Não... não me sinto mais tão só. Nunca precisei de ninguém, sempre fui sozinha, desde que
fugi de casa, e olha que faz muito tempo. No entanto, só de pensar que você vai embora, sinto um
vazio aqui dentro — ela coloca a mão no peito. — Chega a doer. Não vá embora, podemos
cuidar um do outro, até você lembrar quem é. Pode ser?
Se abrir os meus olhos, com certeza eu a beijarei, então os mantenho fechados até minha
testa se afastar da dela e manter uma distância segura para ela.
Controle-se, homem, agora você pode abrir os olhos.
— Pequeno anjo, não me peça isso, tenho medo de machucá-la. E se eu for um bandido
perigoso?
— Jesus! — Ela brada — Enlouqueceu? Você pode ser qualquer coisa, menos um bandido
perigoso, eu saberia na hora.
As mãos dela tocam as minhas, sua carícia branda mexe com os meus instintos selvagens.
— Agora a senhorita é sensitiva? — Brinco. Aproveito que ela ri e afasto minhas mãos das
suas. Aquela carícia está começando a me deixar excitado.
— Não, não sou bruxa, mas eu sei quando uma pessoa é boa ou má, sempre soube, desde
adolescente. Quando olho para uma pessoa, eu sinto o mal vindo através dela. Não me pergunte
como eu sei disso, mas já escapei de muita enrascada, inclusive dos homens ruins que querem me
pegar...
Um arrepio se move feito um raio por meu corpo. Só consigo associar suas últimas palavras.
Como assim? Quem está tentando pegá-la, e por quê?
— Como?! Jasmine, quem está tentando machucá-la? — Ela olha para mim e dá de ombros.
— Eu não sei direito, desconfio que seja o meu tio, não lembro direito do meu passado. —
Murmura e baixa os cílios outra vez — Só sei que esses homens me perseguem desde que eu fugi
de casa, deve ser a mando dele.
Jasmine me fita com um olhar distante, talvez esteja querendo encontrar lembranças perdidas.
Algo me diz que eu preciso arrancá-la do lugar de onde sua mente tenta levá-la.
— Ei... — Vou até ela. Toco o seu queixo com a curva da minha mão, nossos olhares se
cruzam. — Por que você fugiu de casa? E os seus pais, você sabe onde eles estão?
Ela pisca várias vezes. Sorri e articula:
— Não quero falar sobre isso, certas lembranças são muito dolorosas, Moço Bonito, e mesmo
que eu quisesse, não me lembro de muitas coisas, e o que lembro não quero reviver. Às vezes, é
bom perder a memória, sabia?
Esse pensamento me toca. Talvez ela tenha razão; às vezes, o bom é não lembrar de certas
coisas que possam magoar o nosso coração.
Não sei por que, mas de repente, me bate uma tristeza, vem um aperto no coração, uma
saudade repentina. De quem? Será que, em algum lugar, existe alguém esperando por mim? Mas
se isso for possível, por que sinto certas coisas pela Jasmine? Será que é só gratidão, por ela ter
salvado a minha vida? Não, não é gratidão, tenho certeza que gratidão não faz o pau de um
homem ficar tão duro a ponto de querer sair das calças. E se existe alguém importante em minha
vida, esperando por mim em algum canto do planeta, meu coração não permitiria trair tal
sentimento. Não existe ninguém à minha espera, eu tenho certeza. Não sei como sei, mas não tem.
Meus pensamentos são dissipados por uma linda e suave voz.
— Moço Bonito, preciso trabalhar, esse café sai ou não sai?
— Trabalhar! Quer dizer que minha salvadora tem um emprego?
— Claro que tenho! — Ela ri, depois bebe um gole de café — Ou você pensa que a
associação nos dá tudo que precisamos? Ela nos ajuda, o resto é com a gente. Alguns catam
papelão, latinhas, trabalham em troca de um salário mixuruca, no entanto, é melhor do que roubar.
Meu trabalho não é bom, mas foi o único que aceitou empregar uma garota sem documentos.
Olho surpreso para ela.
— Como assim, sem documentos?
— Acabei de lhe contar que fugi de casa, quando ainda era uma adolescente. Fugi,
entendeu? E nem sei se tenho algum documento, pois o pouco que sei sobre mim é que me chamo
Jasmine e os meus pais morreram quando ainda era muito pequena, só isso. Nem sei mesmo se esse
é o meu nome de verdade, mas de uma coisa eu tenho certeza, não quero voltar para o lugar de
onde fugi. Eu sei que lá só encontrarei dor e sofrimento, não vou voltar. Eles nunca vão me
encontrar, mesmo que eu tenha que viver me escondendo pelo resto da minha vida.
Jasmine come um biscoito, pisca um olho e some pela porta do banheiro. O pensamento dela
vem direto para mim, e um nó se forma em minha garganta. Estou na mesma situação. E assim,
como ela, não posso ir até a polícia pedir ajuda. Contudo, não posso depender dela, e se pretendo
ficar dividindo a casa com ela, há necessidade de procurar algo para me ocupar, mas o que sei
fazer? Eis a pergunta que não quer calar.
— Jasmine — Ela está no banho, escuto a água cair forte no piso do banheiro — Será que
consigo um trabalho também?
Ela põe a cabeça para fora através da cortina de pano, que faz a vez de porta do
banheiro, com as sobrancelhas arqueadas e me encara.
— Você sabe fazer o quê? — Seu olhar curioso me avalia. — Bem, você tem mãos bonitas e
bem cuidadas, “tá” na cara que nunca deu duro, portanto, eu acho que nunca fez trabalho braçal.
Mas você é forte, e na necessidade, a gente aprende rápido. Vou perguntar na lanchonete, sempre
aparece um idiota metido a besta querendo me impressionar, louco para enfiar o pau em mim,
então eles adoram dizer que são chefes de alguma coisa.
Quase engasgo de surpresa com o palavreado de Jasmine. Acho que a surpresa não foi pela
maneira que ela disse as tais palavras, mas o fato de saber que tem alguém querendo enfiar o
pau nela ‒ além de mim, é claro.
Caralho! Acho que vou deixar corpos estendidos por onde eu passar.
— Ok, mas não precisa dar muita conversa... — calo a boca imediatamente. Mesmo que eu
queira, não posso dizer uma só palavra.
Jasmine deixa a toalha cair aos seus pés e fica nua em pelo à minha frente. Claro que eu já
vi o seu corpo nu, mas ela não precisa saber. Fico mudo e paralisado diante de tanta beleza. Ela
nem se importa com sua nudez e com minha cara de lobo faminto, olhando-a como se quisesse
devorá-la. Veste calmamente a roupa, como se estivesse sozinha: uma calça jeans, uma camisa de
malha com mangas, prende os cabelos no alto da cabeça sem penteá-los, calça um tênis surrado e
me olha inocentemente.
— Estou indo, quando eu voltar trago a janta, tem macarrão instantâneo naquele armário ali
— aponta para um armário, com a porta arriada, que fica acima da pia. — Tchau!
Vira as costas e se afasta. Jasmine já está quase perto da porta de saída, quando a chamo.
— Espere, vou levá-la, assim conheço as redondezas e quem sabe arrumo um trabalho hoje
mesmo. — Depois do que escutei, sobre alguém sempre querer enfiar o pau nela, meu instinto
protetor cresceu dentro de mim. Nem a pau a deixarei à mercê de algum predador fodido.
— Caralho! Agora ganhei um segurança lindão. Quando as feiosas da lanchonete virem você,
vão morrer de inveja. Vou logo dizendo que te vi primeiro, portanto a prioridade é minha,
entendeu?
Ela sorri lindamente, e o seu riso só aumenta minha vontade de beijá-la. Acaricia meu braço, e
seus dedos entrelaçam nos meus.
Sorrindo, ela me puxa, não sei se o gesto é inocente, mas ela beija o meu rosto. Fico assustado
com a sensação que o beijo provoca e percorre o meu corpo, mas minha vontade é encostar o seu
corpo na parede e me esfregar torridamente nele, até provocar gemidos febris e roucos, tanto em
mim, como nela.
Pequeno anjinho, acho melhor não me provocar, porque eu não sei até quando vou conseguir
resistir a você.
Ela não me conhece ‒ nem eu me conheço ‒ mas não posso negar, meus sentimentos estão uma
bagunça, vai chegar um momento que não vou conseguir negar. Essa menina-mulher está me
jogando de joelhos. O que está prestes a acontecer entre nós dois é perigoso, mas cedo ou mais
tarde a bomba vai estourar, pois já não estou conseguindo segurar o meu desejo.
Quando foi que isso aconteceu? Três dias, apenas, e eu já estou cambaleando feito um
bêbado sem o rumo de casa. Ela mexe comigo, mexe com o meu coração, e o pior, mexe com o meu
pau, e esse é o mais difícil de domar.
Será que ela sente o mesmo por mim? Essa é a minha dúvida, portanto, é melhor ir devagar.
Vai que amanhã eu acordo me lembrando de toda a minha vida e descubra que nela não há lugar
para a Jasmine.
Capítulo 4
Seus dedos se fundem plenamente aos meus, sinto o seu aperto, ela provoca sensações
poderosas em mim, pois a vontade de agarrá-la e possuí-la move montanhas dentro do meu corpo.
Fomos caminhando por todo caminho como dois namorados, nossa ligação é tão forte que,
posso jurar, estou sentindo o pulsar do seu pulso. É um custo conter aquela força que cresce em meu
peito, aquela vontade de dizer-lhe “porra, mulher, eu a quero embaixo de mim, gemendo e delirando,
pedindo para que a foda com mais força”. Só que não tenho coragem de dizer-lhe tais palavras,
por mais que queira isso, e quero com toda a força do meu pau.
Andamos bastante, até que chegamos a uma rua não muito movimentada, mas que há pessoas
circulando e alguns carros, não muito novos, estão estacionados.
Ela para e vira de frente para mim.
— Chegamos. — Diz, procurando algo na pequena bolsa de pano com um girassol enorme
na frente.
Olho para todos os lados e procuro uma lanchonete, mas só encontro oficinas de carros e
lojas de peças usadas, e alguns bares com aparência duvidosa. A duas quadras vi uma placa
escrita “Motel, A hora é essa”. Olho perplexo para ela.
— Onde está a lanchonete? — Minha pergunta não é tranquila, pois começo a imaginar os
homens que querem enfiar o pau nela, e aqueles pensamentos não são nada saudáveis.
— Ali — aponta em direção a um trailer velho com um senhor barbudo limpando a bancada,
com um pano mais sujo do que o balcão ao qual ele passa a mão, nos fitando com desconfiança.
— A lanchonete é aquela lá, venha, vou te apresentar à Lady e à Vivi. Elas vão dar em cima de
você, não as deixe te tocarem.
Sou puxado com força pela mão. Nem chego próximo ao trailer e já sinto o fedor de algo
podre vindo de lá de dentro. Meu estômago vem à boca.
— Vivi, Lady, venham conhecer o meu novo amigo, corram! — Faz um gesto com a mão,
enquanto estica o pescoço para dentro do trailer. — Apressem-se, suas vadias, mas vou logo
dizendo, ele não está ao alcance das bocetas de vocês, entenderam?
Duas moças saem do trailer, afobadas, uma empurrando a outra. Usam aventais que mais
parecem ser suas únicas peças de roupa.
— Black, essa é a Vivi — Sou apresentado à moça mais baixinha, com olhos negros e cabelos
vermelhos curtinhos, ela tem uma enorme argola no nariz e um parafuso ‒ não sei como se chama
aquilo ‒ enfiado na sobrancelha esquerda. Seus braços e pernas são cobertos por tatuagens
coloridas. Ela sorri, e eu vejo outro parafuso na língua dela. Vivi aperta minha mão e diz um
sonoro “Uau”.
— Nada de gracinha, sua vadia assanhada — Jasmine a empurra com o ombro — Black,
essa é a Lady. — Essa é tímida, mais alta do que a Jasmine, um pouco cheinha em suas formas, em
seu braço direito está tatuado um “Vá se Foder” bem grande. Tem cabelos castanhos cacheados e
olhos pretos, e no rosto uma pequena cicatriz, próximo à sua orelha direita. Ela sorri e aperta a
minha mão, baixando os olhos imediatamente quando os meus fitam os dela. Jasmine olha para
dentro do trailer, pigarreia e diz: — Aquele ali é o senhor C4, nosso chefe. Diga “oi” para ele.
Eu disse oi, acenando com a mão. Demora um longo tempo até que o homem alto e corpulento
se aproxime de nós quatro, ele me olha com certa desconfiança. Põe o pano sujo no ombro, e
quando chega perto de mim, afasta a Jasmine, ficando em sua frente.
— Quem é você? De onde você veio? O que quer com a menina Jasmine? Fique sabendo que
ninguém, em sã consciência, tenta machucá-la. O último que tentou isso saiu daqui carregado por
dois amigos. Portanto, fique esperto, porque eu te quebro no meio se machucar essa menina aqui.
— Ele aponta para trás, com sua mão grande.
Começo a gostar do homem, pelo menos eu sei que, quando eu não estiver próximo a Jasmine,
ela não correrá perigo.
Sorrio, estico o pescoço e tento encontrar o pequeno anjinho que está escondido atrás de uma
montanha de carne.
— Não se preocupe, eu sou um amigo que a preza muito. Ela é meu anjinho salvador, e fico
feliz por saber que há alguém que poderá protegê-la quando eu não estiver presente. — Ele
continua me olhando, desconfiado — Meu nome é Black. — Estendo-lhe a mão. Ele aceita, mas
continua me olhando com os olhos semicerrados.
C4 se afasta, se esconde dentro do trailer, mas eu sinto o seu olhar sobre mim.
— Gostoso, seu amigo. Ele já transou com você, é bom de trepada? — Vivi sussurra ao ouvido
de Jasmine. Fico com vontade de lhe dizer que “não vejo a hora de fodê-la até ela gritar o meu
nome”, mas fico quieto e engulo o riso.
— Eu não sou uma vaca igual a você. Ele é meu amigo, sua idiota. — Jasmine a empurra, a
moça quase perde o equilíbrio.
Finjo observar a rua. Jasmine me puxa pela mão e nos afastamos.
— Black, eu preciso trabalhar. Não se preocupe, eu ficarei bem, pode ir embora.
— A que horas venho pegá-la? — Fixo meus olhos nos dela.
Ela não responde prontamente, primeiro avalia o meu rosto.
— Saio às cinco da tarde, agora vá. — Sua mão empurra o meu peito. Sorrio e me afasto,
ando de costas, aceno com a mão e vou embora.
Deixar a Jasmine naquele lugar não é nada fácil, aquele trailer caindo aos pedaços é, de
longe, um lugar seguro para meu pequeno anjinho. E quem serão os seus clientes? Quem, em sã
consciência, se senta naquelas cadeiras e mesas enferrujadas e come a porcaria de comida que o
C4 serve? Não, não vou permitir isso.
Passo a manhã e uma parte da tarde procurando emprego. Encontro muitos, mas todos
precisam dos meus documentos, pelo menos minha RG. Já estou quase desistindo, quando escuto
barulhos de caminhões e britadeiras. Ando mais alguns metros e encontro um grande canteiro de
obras e uma placa enorme: “Temos Vagas”. Não penso duas vezes, vou à procura do responsável.
Mandam-me procurar o empreiteiro. O encontro sentado em uma sala improvisada, está ao
telefone, e quando me vê aponta para uma cadeira. Eu me sento e o aguardo terminar a ligação.
Assim que ele termina, começo a lhe explicar a minha situação. Ele me escuta calmamente, quando
eu termino, ele apenas me pergunta:
— Sabe manejar guindaste?
— Não sei, mas posso tentar saber agora e posso aprender se não souber.
Lembro dos dizeres de Jasmine. “Na necessidade, a gente aprende fácil”.
O empreiteiro se levanta.
— Venha comigo. — Vamos direto para o meio das máquinas. — Raimundo! — o empreiteiro
chama um senhor barbudo, e o homem nos fita de longe — Ensine-o a manejar o guindaste, vamos
ver se ele leva jeito.
O tal Raimundo me chama acenando com a mão. Vou até ele, e em dez minutos já sei até
correr com aquele troço, se fosse possível. Passo no teste, e Raimundo me manda procurar o
empreiteiro.
Bato na porta e ele me manda entrar.
— Você começa amanhã, às oito da manhã. O trabalho é puxado, não há moleza aqui e o
salário é baixo, mas tem suas vantagens, você tem café, almoço e jantar. Os trabalhos se encerram
às dezoito horas e logo depois tem a janta. O pagamento é quinzenal, e temos um médico de
plantão. Você pode passar na rouparia e pegar seu uniforme. Seja bem-vindo, meu nome é Valter.
Ele é direto, sem enrolação. Pronto, estou empregado. Bate uma sensação de alívio e alegria,
agora eu estou me sentindo um homem de verdade e não vejo a hora de contar a novidade para
Jasmine.
Saio da obra correndo, pois faltam dez minutos para as cinco da tarde. Quando chego a uma
certa distância, escuto vozes alteradas, e uma delas é a de Jasmine.
— Seu filho de uma cadela, venha, venha! Eu não tenho medo de você, eu sou pequena, mas
não sou aleijada. Você pode até me foder com esse seu pau pequeno e bichado, mas eu lhe
garanto que nunca mais vai foder outra boceta, porque eu arranco essa coisa fedida com as
unhas.
— Sua putinha, vou te dar uma lição! Vou foder você, e quem se meter a besta a vir me tirar
de cima de você....
Escuto o som de algo muito pesado se espatifar no chão. Um arrepio toma conta de mim,
minha mente começa a trabalhar rápido, já vejo um brutamontes por cima de Jasmine, a
estuprando. Corro o mais rápido que posso.
Quando chego onde o trailer está, vejo a cena mais aterrorizante. Um cara enorme está por
cima de Jasmine e tenta arrancar-lhe a calça. As duas moças estão caídas no chão e não há nem
sinal de C4. Parto furioso para cima do idiota que ousa encostar o dedo em meu anjinho.
— Seu porco imundo, vou mostrar como se deve tratar uma mulher! — Arranco o monte de
banha de cima de Jasmine e o jogo longe. — Nunca mais encoste um dedo nela, entendeu, seu
idiota.
A cada palavra eu lhe dou um soco na cara, cego pela raiva. Nem escuto os gritos de
Jasmine, é preciso sentir o seu corpo por cima do meu, quando ela monta em minhas costas, para
eu perceber que o cara já está desacordado, com a cara toda ensanguentada. A prendo com
força e me levanto. A viro rapidamente para mim e avalio todo o seu corpo.
— Você está bem? Ele a machucou? — Ela me olha, atordoada — Jasmine, anjinho... — Ela
me abraça e começa a chorar. Isso acaba comigo. Pronto, agora eu vou terminar de matar um
porco. Olho para o homem estendido no chão. — Jasmine, você está bem?
Seu olhar nublado pelas lágrimas encontra com o meu.
— Você está bem? — Pergunta-me, gaguejando. — Deixe-me ver suas mãos. — Ela as puxa
para si e começa a beijá-las, é um ato repentino o qual me deixa completamente tonto.
— Eu estou, e você? — Seus olhos assustados varrem meu rosto, o toque das suas mãos sobre
as minhas fazem-me perceber que ela treme. A puxo com força para o meu corpo. — Estou aqui,
anjinho, estou aqui. — Beijo o alto da sua cabeça, para logo depois meus lábios escorregar por
seu rosto, espalhando beijos por todos os cantos.
Sinto sua respiração apressada, e pouco depois seu rosto se esconde em meu peito.
— Me leve para casa, eu quero ir para casa. — Soluça e limpa o nariz em minha camisa.
Ela se afasta e vai até as amigas. As duas já estão de pé e chutam o corpo do homem, xinga-
o de todos os nomes feios possíveis. Minutos depois, C4 chega, e quando sabe o que aconteceu,
pega o celular e liga para alguém. Depois me diz para não me preocupar, já está tudo resolvido.
Pede desculpas para Jasmine, por não a ter ajudado. C4 é um bom homem e está na cara
que ele se preocupa com a Jasmine e as outras meninas.
Jasmine entra no trailer e sai de lá com sua bolsa e dois embrulhos. Os pego da sua mão e
vamos embora, ela pendurada em meu braço.
Capítulo 5
Alguns longos minutos depois, estamos na sala do pequeno apartamento de Jasmine. Ela está
calada, e não gosto nada disso, geralmente Jasmine fala pelos cotovelos. Por que será que ela está
tão quieta?
— O que são esses pacotes? — Pergunto, enquanto os coloco sobre a pequena mesa. Preciso
quebrar a barreira do silêncio. Ela vai até a cama e senta-se nela, aparentando estar visivelmente
chateada, só não sei com o quê.
— O menor é a nossa janta e o outro são roupas para você — Levanta-se e vem até mim,
ficamos cara-a-cara — Você sabia que eu posso me defender sozinha? Nunca precisei da ajuda
de ninguém, e não é agora que vou precisar, ok?
Engulo em seco. Mas que porra foi essa?! Ela está tentando brigar comigo porque eu a
defendi de um tarado estuprador? Seguro-a pelos ombros com o intuito de repreendê-la.
— Sei, eu vi como você pode se defender. Se eu não tivesse chegado a tempo, aquele filho
da mãe a teria estuprado ou talvez coisa pior. É assim que me agradece? — Ela tenta fugir das
minhas mãos. Seguro firme os seus ombros e a forço a olhar para mim. — Por que isso agora, por
que está tão zangada? — Agito os seus ombros, este gesto faz com que fiquemos mais próximos.
O fato de tocá-la prova imediatamente o quanto ela mexe comigo. O calor da sua pele sob
minhas mãos aquece o meu sangue. O jeito como o seu rosto lindo se levanta em direção ao meu, e
aquela boca tão bem desenhada, tiram o meu ar. Estou muito fodido, perdi completamente o controle
dos meus desejos.
— Eu me safaria, sempre me safo! — Sua voz sai embargada, algo está errado.
— Não hoje. Se eu não tivesse chegado naquela hora, ele teria a machucado feio. — Seguro
o seu queixo com as pontas dos dedos e o ergo, nossos olhos se encontram. — Jasmine, o que está
te incomodando?
A vejo engolir um soluço, mas, ainda assim, uma lágrima desce por sua face. Jasmine empurra
o meu peito com força, fazendo-me perder o equilíbrio, só assim ela consegue se afastar de mim.
Vai para perto da cama e me fita com seus olhos marejados.
— Sim, e daí, Black? E quando você for embora, como será minha vida? Eu sempre fui
sozinha, nunca precisei de ninguém, não quero ficar mal-acostumada, não posso depender de você,
não posso! Eu quero, mas sei que não posso.
Sua pergunta está cheia de medo e perplexidade. Posso sentir o tremor da sua voz em cada
palavra dita, e o breve intervalo entre uma pergunta e outra destroça o meu coração. Demora um
longo tempo antes que eu seja capaz de responder. Algo em minha mente esquecida quer
acreditar que aconteça o que acontecer, eu nunca a deixarei, pois ela se tornou uma parte de mim.
Vou até ela e seguro suas mãos trêmulas. Escorrego meu polegar suavemente na pele macia, isso é
o suficiente para que minhas terminações nervosas acendam um calor através do meu corpo.
Contenho minha vontade de puxá-la para mais perto.
— Jasmine, eu não pretendo ir embora, e enquanto estiver aqui, cuidarei de você, protegerei
você, se for preciso farei isso com minha própria vida...
— E se sua memória voltar? — Ela me interrompe. — Se você for rico, casado, cheio de filhos,
o que será de mim? Não quero que me proteja, não quero. Mas que merda, que caralho!
Sou empurrado com força novamente, ela está muito zangada. E muito mais linda.
— Vem cá — Não resisto, não consigo manter a distância, a luta que eu travo há três dias
para ficar longe dessa moleca boca suja e terrivelmente linda está chegando ao fim.
Puxo-a para mim e a abraço apertado. Seguro o seu rosto com minhas duas mãos, meus olhos
dançam sobre ele. Está na hora de contar o que estou sentindo, não tenho mais como esconder tudo
isso.
— Se a minha memória voltar será até bom, pois acabará de vez minhas dúvidas. Se eu for
rico, ótimo, poderei dar a você uma vida melhor e a manterei segura. Quanto a ser casado e
possuir uma porção de filhos, acho difícil. Se fosse casado, meu coração não estaria batendo tão
forte assim, principalmente quando você está perto de mim.
— Não faça isso comigo, não faça promessas as quais você não poderá cumprir.
Há medo em suas palavras. Ela está lutando contra o mesmo sentimento que inunda o meu
coração. Eu sei que se nós dois nos entregarmos a tamanha emoção, poderá ser a nossa
destruição, mas eu não me importo, só quero me agarrar desesperadamente a essa força que
insiste em nos unir.
— Jasmine — murmuro, bem perto a sua orelha. — Eu não quero lutar contra o que estou
sentindo, é forte demais, mesmo para mim.
Ela se afasta e avalia meu rosto.
— Black, não queira confundir a minha cabeça, não posso me dar ao luxo de me iludir. Sou
uma moradora de rua desde os meus dezesseis anos de idade, eu me criei sozinha, você nem
imagina as coisas que já precisei fazer para poder comer... — ela engasga na última frase e
baixa os cílios. — Portanto, não sou burra, vamos continuar assim como estamos. Você mantém suas
mãos longe de mim, e eu mantenho as minhas longe de você.
Tento retrucar, mas ela põe dois dedos em meus lábios.
— Não, não diga nada. Vamos deixar as coisas acontecerem sozinhas. Vamos deixar o tempo
seguir o seu curso, sem pressa, sem precipitação.
Ela se afasta, limpa o rosto molhado pelas lágrimas, tira os tênis e os joga em um canto
qualquer.
— Jasmine...
— Vamos comer, estou com fome, você não está? — Me encara e sorri — Me conte sobre o
seu dia. O que fez hoje?
Ela está fugindo de mim. Talvez esteja certa, é melhor mesmo só ficarmos amigos. Afinal, o que
eu tenho para oferecer para ela? Estou tão mais quebrado e tão mais fodido. Pelo menos ela sabe
quem é e de quem está fugindo. Já eu, nem meu nome verdadeiro eu sei, quem sou ou o que fiz
para me quererem morto. Acho melhor seguir o seu conselho. Só não sei até quando conseguirei
ficar com minhas mãos longe dela.
— Arrumei um emprego, começo amanhã.
Ela me olha por cima do ombro. Vira o corpo e sorri.
— Jura? Onde? Vai fazer o quê? Precisamos brindar. — Vai até a pia e enche dois copos
com água. Sorrindo, ela se aproxima. — Estou muito feliz por você — me entrega o copo — Um
brinde à sua conquista! — Jasmine diz, com a voz trêmula.
Franzo a testa e a encaro. Ela tenta disfarçar a emoção.
— Ei, vou continuar morando aqui... isso é, se você quiser a minha companhia, é claro.
Jasmine levanta a cabeça e estica os braços para cima e, em seguida, os cruza em meu
pescoço.
“Droga, por que você fez isso, anjinho, agora eu quero beijar você”.
— Eu quero, quero muito que fique aqui.
Ela me fita enquanto responde. Uso de todas as minhas forças para manter uma distância
entre nós, mesmo assim, aquela vontade louca de puxá-la para mim e beijar aquela boca pulsa
ferozmente na minha cabeça e em meu pau.
— Que bom, porque não tenho para onde ir — lhe ofereço um meio sorriso. — Respondendo
às outras perguntas, vou trabalhar como operador de guindaste, em uma obra na rua principal. —
Ela levanta o copo.
— Que a sorte não nos abandone, tintim... — brindamos e bebemos a água.
Depois disso, ficamos em silêncio. Jantamos, e eu a ajudo a limpar os pratos. O nosso silêncio
só é quebrado quando ela me mostra o pacote com roupas para mim.
— Acho que estava adivinhando, quando fui buscar roupas para você na associação.
Ela abre o pacote. Dentro há três calças, cinco camisas de mangas compridas, cinco blusas de
malha e dois agasalhos. Um pacote com oito cuecas e três pares de meias e um par de tênis. Há
também um embrulho escrito “material de higiene pessoal”. O pego e o abro. Dentro tem três
sabonetes, dois desodorantes, cinco aparelhos de barbear e dez pacotes de preservativos.
Não consigo desviar os meus olhos dos dela quando pego os últimos itens. Jasmine me fita por
alguns segundos, suas bochechas ficam rubras. E o meu pau pulsa em minha calça. A pergunta é:
Quando usaria isso?
— Espero que goste, eu não sabia os seus números, mas eu disse para a assistente social o
seu tamanho e a largura, e ela parece que adivinhou. — Fecha o embrulho, escondendo os
preservativos. — Bem, eu vou dormir, estou muito cansada. Boa noite, Black.
— Boa noite, Jasmine, até amanhã. — Ela gira os calcanhares e vai para cama.
Continuo a seguindo com os olhos. Não devia ter feito isso. Jasmine arranca as roupas tão
depressa que nem tenho tempo de protestar. Ela fica nua em pelo bem na minha frente, seu corpo
perfeito ao meu vislumbre. Sua bunda redonda e empinada chamando-me para tocá-la. Salivo
igual um cachorro louco.
Ela inclina o corpo. Aquela posição deixa à mostra a abertura das suas dobras e as pregas
rosadas do seu ânus. Só tenho duas opções: ou corro para cima dela e a domino, ou viro as minhas
costas, fingindo que não vi toda aquela tentação. Prefiro a segunda opção; viro as costas e vou
para o pequeno sofá. Seguro o meu pau e o massageio. Está tão duro, tão duro, que se eu
encontrar uma boceta para enfiá-lo, gozo na primeira investida.
— Boa noite, Black. — Escuto sua voz doce. Tento não olhar em direção à cama, mas não
consigo resistir.
Graças a Deus, ela já está vestida com uma longa camisola de algodão branca. Respiro,
aliviado.
— Boa noite, Jasmine. — Ela apaga a vela. Só fica uma vela acesa, a que está próximo ao
sofá.
O sofá não ajuda, e a visão do corpo nu de Jasmine só faz meu sono desaparecer. Estou
excitado demais para dormir, eu preciso de alívio. Levanto-me, pego um balde com água e vou
para o banheiro. Meu membro pulsa quando o pego com minha mão e começo a massageá-lo.
Caralho! Fecho meus olhos e imagino a boquinha perfeita de Jasmine envolvê-lo e aos poucos ele
sendo devorado, sugado, mordido. Sinto os cabelos da Jasmine em minha virilha fazendo cócegas,
depois meus dedos se entrelaçando neles e os puxando, forçando sua cabeça para baixo,
fazendo-a engolir todo o meu comprimento. Juro que eu sinto a respiração dela em minha pele,
juro que eu sinto o toque das suas mãos, mesmo sem ela me tocar. Aperto os lábios com força
quando o meu prazer vem forte e o meu corpo estremece em espasmos fortes. O jato quente do
meu gozo enche a palma da minha mão. Espero minha satisfação ser domada por completa, tomo
um banho, e só assim consigo dormir.
Acordo com uma rajada de vento forte. Abro os olhos, mas não consigo enxergar nada, está
tudo um breu. Merda, eu tenho certeza que fechei a porta. Levanto-me e vou tateando no escuro,
procuro o fósforo e a vela que estão na mesa. Acendo a vela, olho para a porta e sinto um
arrepio na espinha: ela está completamente escancarada. Antes de olhar para a cama, peço com
toda força do meu coração para que a Jasmine esteja dormindo lá. Viro meu rosto, o coração aos
saltos.
Não há ninguém lá. Só os chinelos dela sobre o pequeno tapete surrado.
Capítulo 6
O desespero corre solto em cada partícula do meu corpo. Para onde você foi, pequeno
anjinho? Como fui me descuidar tanto assim, devia ter providenciado as trancas da porta. E agora?
Calço meus pés e corro como um desesperado. Por sorte não está chovendo como da última
vez, no entanto, a rua está completamente escura, nem os cachorros que costumam latir por ali
estão pelos arredores. Saio à procura de Jasmine, meu coração na boca. Para onde olho, um
arrepio cobre meu corpo, pois só avisto destroços, prédios abandonados, lixo...
A cada passo minha respiração acelera, a agonia esmaga a minha mente, a tensão em cada
músculo faz meu corpo travar por alguns segundos.
— Jasmine! — Grito o mais alto que eu posso. Como se ela pudesse me ouvir. Ela está
dormindo, seu idiota!
Já andei bastante, nem eu mesmo sei onde estou, pois nunca passei por aqui antes.
Deus, não deixe que nada ruim aconteça àquele anjinho.
Grito por seu nome novamente, e em resposta, só o eco da minha voz. Sinto o desespero em
ondas negras e sufocantes dominar o meu coração. Jasmine, onde você se meteu? Não tenho ideia
das horas, deve ser tarde, pois estava muito cansado e caí em um sono profundo, por isso não
acordei quando ela arrastou a cadeira que coloquei atrás da porta, só pode ser altas horas da
madrugada.
Viro em uma esquina. Avisto, ao longe, fogo. Os moradores de rua acendem fogueiras para
se esquentarem durante a noite. Vou me aproximando, vejo dois homens e uma mulher estão
deitados sobre alguns papelões. Paro perto de um senhor, ele está sentado, fumando um resto de
cigarro.
— Moço, por favor, o senhor viu uma mocinha loirinha, vestida com um vestido branco
comprido?
O homem puxa o ar pela boca, e a brasa do cigarro ganha vida. Ele o afasta dos lábios e,
sem olhar para mim, solta a fumaça pela boca e pelo nariz.
— O senhor viu a moça? — Pergunto, outra vez.
Ele me olha com indiferença e cospe próximo aos meus pés.
— Não, não vi moça nenhuma.
Olho para os outros que estão me olhando com curiosidade e faço a mesma pergunta; eles
negam com a cabeça. Agradeço e continuo minha procura. Viro em um beco estreito e fedido.
Alguns cachorros viram o lixo, latem para mim, porém não me importo com os seus rugidos. Viro em
outro beco e saio em outra rua, onde há alguns prédios com luzes de velas acesas. Escuto vozes
vindo de alguns deles, e mais adiante há vários galpões cercados por cercas de arame. Alguns
moleques correm quando me veem. Escuto o som de um motor vindo em minha direção, passo para
a calçada e o carro passa por mim em alta velocidade.
Merda! Onde será que estou, que lugar é este?
Resolvo ir até os galpões, talvez ela esteja por ali. Entro em um, percebo que o lugar serve de
moradia para vários moradores de rua. Eles estão divididos em papelões, muitos dormem, e outros
estão tão drogados que nem notam a minha presença. Atravesso um beco e vou para o outro
balcão.
— Jasmine! — Eu sei que não adianta chamar por seu nome, se ela está dormindo não vai me
escutar, mesmo assim continuo a chamando. — Jasmine! — Lágrimas já queimam meus olhos, estou
entrando em pânico, já se passaram horas e nada de encontrá-la. — Jasmine! — Grito,
desesperado, caindo ao chão de joelhos. Minha voz ecoa em todo galpão.
— Quem é você!? — Escuto uma voz vinda bem atrás de mim. Levanto o mais depressa que o
meu corpo consente, procurando o dono da voz em meio ao ambiente escuro.
— Meu nome é Black, e o seu? — Já não tenho mais forças nas pernas, o medo está tomando
o meu corpo, medo que alguma coisa muito ruim tenha acontecido com ela, o meu anjinho. O homem
sai das sombras e finalmente eu posso vê-lo.
— Por quem o senhor está chamando? — É um senhor de cabelos e barba brancos, ele
segura uma espécie de bengala, a qual o equilibra quando anda. Olha-me com desconfiança.
— Estou procurando uma mocinha loirinha, ela está vestida com uma roupa branca, o nome
dela é Jasmine, o senhor a viu?
O homem é alto, ele fica bem em minha frente, olhando-me com um olhar intrigado.
— O que quer com ela? De onde a conhece? O que fez com ela?
Sinto a ponta da bengala em meu peito, seu olhar inquisidor avalia a expressão do meu rosto.
Algo me diz que posso confiar nele, apesar da sua aparência assustadora.
— Somos amigos... — baixo a guarda, meus braços caem ao longo do meu corpo, e deixo a
preocupação transparecer — Ela sumiu, acordei e ela não estava na cama, estou apavorado, pois
descobri que ela é sonâmbula. — Suplico ajuda com o olhar — O senhor a conhece, a viu? Ajude-
me a encontrá-la, por favor.
Não consigo esconder a dor que aterroriza o meu coração. Apesar do risco terrível em que
posso estar colocando Jasmine, afinal, eu não conheço este homem. E se ele for um dos seus
perseguidores? Arrependo-me na hora de ter lhe pedido ajuda, mas já é tarde demais. Respiro
fundo e o encaro com um olhar furtivo.
O homem recua dois passos e me fita dos pés à cabeça.
— Sabe há quantas horas ela sumiu? — Diz, enquanto se vira e caminha para fora do
galpão. Eu o sigo.
— Há umas duas horas, mais ou menos. O senhor a conhece?
— A menina Jasmine, claro que a conheço. Sempre que posso, faço a patrulha nos lados em
que ela mora, mas esses dias andei adoentado.
Continua a andar e parece que sabe para onde vai. Preciso apressar os passos para o
acompanhar. Mesmo mancando, o homem é ligeiro em seus passos.
— O senhor sabe para onde ela foi? Estou quase enlouquecendo de preocupação.
Ele para, vira-se e me fita com aqueles olhos negros.
— O senhor gosta dela, não é? Não minta, tenho idade para ser seu pai, e já vivi o bastante
para distinguir amizade de outro sentimento mais forte.
Seus olhos varrem o meu rosto, esperando a resposta.
— Senhor, o que importa isso agora, precisamos encontrá-la. — Tento fugir da pergunta.
— Importa, e muito. Aquela menina é o xodó de todo mundo aqui, e se o senhor gosta dela
fica mais fácil eles o aceitarem. — Ele aponta com os olhos em direção aos galpões.
— Sim, sim, eu gosto dela. Agora, por favor, podemos ir procurá-la?
O homem se vira outra vez e volta a andar apressadamente.
— A menina Jasmine tem alguns problemas, e um deles é andar dormindo, e isso não é nada
bom. Quando isso acontece, ela vai à procura de coisas que podem lhe fazer muito mal. Isso só
acontece quando ela está com medo ou tem aqueles pesadelos horríveis. Ela anda tomando o chá
de ervas que eu dei para ela?
Ele se vira mais uma vez, quase esbarro nele.
— Não sei, não vi ervas nenhuma lá.
— Com certeza já acabou, por isso as crises voltaram, essa minha bendita perna tinha que
piorar. Merda! — Ele diz, irritado.
Entramos em um beco, andamos uns cinco metros até sairmos em outra rua, onde há alguns
moleques deitados na calçada, outros sentados cheirando algumas latas, alguns parecem
alucinados. Só então eu caio em mim. Eles estão drogados, ali é um ponto de droga.
Apresso meus passos e alcanço o homem. Puxo-o pelo braço, parando os seus passos.
— A Jasmine não está aqui, ela não está aqui. Por favor, me diga que ela não está aqui. —
Peço, quase suplicando.
Ele me olha com tristeza.
— Ela está, meu filho, a nossa menina está aqui, só nos resta rezar para que nada de ruim
tenha acontecido com ela. — Ele segura em meu ombro. — Filho, meu nome é Manolo, e o seu?
— Black. O senhor sabe onde encontrá-la?
— Sei, vamos, precisamos nos apressar.
Entramos e saímos de becos, até chegarmos em uma rua sem saída. Uma voz masculina nos
alcança, ela grita com alguém.
— Sua vadia, você “tá” doidona! Acorde, porra, eu não fodo mulher dormindo. Vamos, vadia,
eu preciso da sua boca no meu pau, eu lhe disse que só lhe dava a parada em troca de um
boquete e uma gozada no seu rabinho. Anda, vadia, ou você me fode com sua boca ou eu quebro
os seus dentes!
O homem grita. Eu sei que o cara está falando com a Jasmine. Não posso ficar mais parado,
não posso permanecer ali em silêncio, então corro em direção ao movimento que vem do fundo de
um beco escuro. Respiro profundamente e parto, determinado a matar o homem com minhas
próprias mãos.
Quando os meus olhos enxergam o homem segurando os cabelos de Jasmine, não penso duas
vezes: voo para cima dele e acerto um murro em sua cabeça. Ele cambaleia, caindo ao chão. Não
o espero se levantar, ele pode estar armado, e se atirasse poderia atingir a Jasmine. Sento-me por
cima dele e começo a socá-lo no rosto. Não sei o que me deu, mas sinto tanto ódio que fico cego.
Só paro porque uma mão segura o meu punho no alto.
— Chega, esse aí não se levanta tão cedo.
O odor é pungente, o cheiro de sangue, sujeira e suor entram em minhas narinas. Prendo a
respiração e saio de cima do homem. Verifico as minhas mãos, elas estão machucadas.
Olho para trás e vejo o Manolo cuidando de Jasmine, que está desacordada. Olho para o
homem inconsciente, e outra vez a raiva volta a crescer dentro de mim. Minha vontade é quebrá-lo
ao meio, meu instinto protetor aflora, violento. Manolo suspende a cabeça de Jasmine e a coloca
em seu colo.
— Ajude-me, precisamos sair daqui o mais rápido possível, os amigos dele logo virão
procurá-lo.
Vou até Jasmine e a coloco nos braços, abraçando o seu corpo com força. Ela mal respira, o
medo se aloja em minha garganta.
— Anjinho, aguente firme, vou cuidar de você.
Ao longe, escuto gritos, palavrões e passos apressados. Procuro o Manolo, mas não o vejo.
Será que o velho fugiu e me deixou aqui?
— Black, por aqui! — Escuto o sussurro.
Olho para trás e o vejo segurando umas tábuas. É uma passagem para o outro lado do beco.
Com a ajuda dele, consigo atravessar a abertura estreita com a Jasmine em meus braços.
Saímos correndo, sem olhar para trás. Não sei onde encontro forças para manter a Jasmine
em meus braços até chegarmos em casa.
Capítulo 7
Manolo me ajuda a colocar Jasmine na cama. A camisola branca está suja de lama e
rasgada na barra da saia, o rosto dela está vermelho e suas unhas estão com algo preto ao redor
delas. Meu anjinho está uma tremenda bagunça. Fico por alguns segundos a avaliando, até que
sinto uma mão tocar em meu ombro.
— Filho, você precisa dar-lhe um banho, enquanto você faz isso, vou até minha casa — ele
chama de casa o galpão que divide com outros moradores de rua — Ela vai precisar das ervas.
Cuide dela e a mantenha aquecida, voltarei logo.
Ele nem me deixa abrir a boca para articular qualquer palavra, quando dou por mim, Manolo
some pela porta de saída.
Olho para o pequeno anjo loiro que respira suavemente sobre o travesseiro. Uma força
poderosa toma o meu coração, aquela vontade crescente de abraçá-la, beijá-la, domina todo o
meu ser racional. Não consigo resistir.
Inclino-me sobre o seu corpo e junto os meus lábios aos dela. É um beijo leve, a princípio, mas
quando eu sinto o calor da sua respiração e a maciez da sua pele em minha boca, não dá para
manter a suavidade. Aperto meus lábios e forço minha língua entre eles. É a porra do primeiro
contato entre nós, mais explosivo que eu pude imaginar.
A força que me puxa para ela é poderosa, e por mais que o meu eu racional diga que não
devo ir além daquele beijo, o meu outro eu, possessivo, dominador, grita enlouquecidamente que
ela é minha, que devo tomar posse do que é meu. Resolvo escutar o meu lado irracional e a beijo
com paixão avassaladora. Minha língua domina a sua boca e minhas mãos circulam os seus seios.
Cacete! Sinto aquelas duas preciosidades, é a coisa mais gostosa e dominante da minha vida.
Mesmo através do tecido da camisola, eles estão quentes e rijos. Esmago-os, enquanto minha boca
se farta da sua.
Inconscientemente, uma das minhas mãos escorrega por seu ventre, fazendo um caminho lento
até chegar em suas coxas. Meus dedos puxam lentamente o tecido da camisola para cima, até eles
só sentirem a pele macia e quente entre suas coxas. — Jasmine... — murmuro em sua boca. Meus
dedos encontram o calor da sua vulva, e eles dedilham nela através do tecido da calcinha. Estou
no céu, e já, já vou para o inferno, pois estou ficando louco. Abro os olhos e a fito.
Ela dorme. Jasmine não tem noção do que está acontecendo, ou pior, o que estou pretendendo
fazer. Sinto-me envergonhado, sujo, um mau-caráter.
Respiro fundo, depois a beijo levemente nos lábios, afastando minhas mãos do seu corpo.
— Desculpe-me, anjinho. Eu sou um idiota, um tremendo idiota.
Deixo-a na cama e vou esquentar um pouco de água para banhá-la. Enquanto a água
esquenta, volto para a cama e a dispo. Passo pelo inferno e dou tchau para o capeta, pois vê-la
nua, depois de tudo que eu acabo de fazer, é pior do que uma tortura. Se estava intensamente
excitado, agora meu pênis lateja de tesão.
É, Black, se “tá” na chuva, vai ter que se molhar, seja o que Deus quiser.
Dou um banho rápido nela, pois do jeito que eu estou, não posso me demorar muito com seu
corpo nu em meus braços. Eu a seco, e a visto o mais rápido possível. Faço algumas compressas de
água morna e coloco em sua virilha, tornozelos, pulsos, testa e pescoço. Não sei o que estou
fazendo, mas algo me diz que eu preciso fazer isso, pois a Jasmine está gelada e os seus lábios já
estão ficando arroxeados. Fico mudando as compressas até o Manolo chegar.
Graças a Deus, a temperatura do meu pequeno anjinho aumentou e ela já respira com mais
regularidade. Sua pulsação também já está boa. Não sei como sei sobre tudo isso, mas eu sei. Só
estou preocupado porque ela não acorda.
Manolo chega com uma porção de mato nas mãos. Vem até mim e só pergunta se ela está
bem. Assinto com a cabeça, e ele me pede para continuar ao lado dela. Manolo volta para a
cozinha, de onde só consigo escutar o som de panelas sendo batidas na pia. Minutos depois, ele
vem com um copo, com um líquido verde fumegante dentro, e o entrega a mim em seguida.
— Faça com que ela beba, vá soprando, pois está quente.
Olho para o copo, não muito animado, a coisa dentro dele não tem um cheiro agradável.
— Desculpe-me, Manolo, mas que gororoba é essa? Isso não vai matá-la, vai?
Ele ri, olha para o copo nas minhas mãos, depois para o meu rosto. Já estou a ponto de jogar
aquela coisa verde fora.
— Se acalme, filho. Isso é um chá de ervas, não é nenhum veneno. A ervas que estão aí
dentro — aponta para o copo — vão fazer bem para o organismo dela, ela vai expulsar toda a
substância nociva a qual ingeriu e assim vai ter uma melhora imediata. — Ele ri, balançando a
cabeça — São ervas medicinais, eu as planto lá na comunidade.
Olho para ele, depois para o copo, não estou muito convencido.
— Você tem certeza que fará bem?
— Filho, olhe para mim, eu tenho cara de que quero fazer algum mal para ela? A menina
Jasmine é nossa protegida, eu morreria por ela. — Arqueia a sobrancelha, me encarando —
Ande, faça ela beber, enquanto isso vou fazer outra infusão, só que agora vamos usá-la como
compressas. Já volto.
Manolo não se parece com um morador de rua, apesar da aparência descuidada, ele é muito
educado e fala o português perfeitamente, e a maioria das palavras ditas por ele detona que é
de uma pessoa muito culta, uma pessoa estudada e com ricos conhecimentos. Ele esconde alguma
coisa. Fico pensando em várias possibilidades, sobre quem é Manolo. Um médico, um químico... Não
sei. O que leva uma pessoa tão culta se transformar em um mendigo?
Olho para Jasmine, mantendo os meus olhos em seu lindo rosto. Ela parece tão tranquila.
Não sei se essa porcaria vai fazer bem para você, mas algo me diz que devo confiar nesse
velho.
Manolo surge com uma bacia nas mãos e senta ao meu lado. A água verde até tem um cheiro
agradável, quando se acostuma com ele.
— É eucalipto — diz Manolo, enquanto mergulha as mãos na bacia e torce uma toalha. —
junto com outras ervas. Coloque essas compressas nela, ela vai suar muito e toda a substância
tóxica vai sair do seu organismo através do suor. Amanhã, ela vai acordar novinha em folha, nem
vai lembrar que passou por tudo isso — ele me fita, seu olhar fixa no meu. — Me prometa que
não vai contar, ela não precisa saber sobre isso, certo?
— Por quê? Eu acho que não devemos esconder algo tão sério como isso, a Jasmine precisa
de cuidados médicos, afinal não tem como curar um vício só com mato, ela tem que ser avaliada
e....
— E o quê? Drogarem ela com substâncias viciantes? É isso? Não se iluda, Black, eles vão
trocar seis por meia dúzia, só vão mudar a maneira de viciá-la. A diferença é que ela terá a
receita com permissão para uso. Eu lhe garanto que o meu método é mais eficaz e sem nenhuma
contraindicação.
— Eu tenho a impressão, Manolo, que você já fez isso outras vezes, não fez?
Ele fica olhando fixamente para Jasmine.
— Muitas vezes, você nem imagina quantas.
Começamos a colocar as compressas em Jasmine.
— Como você a conheceu? Faz muito tempo? — Vê-lo tão preocupado, tão cuidadoso com
ela, só aumenta a minha curiosidade por esse homem misterioso. Ele continua a molhar as toalhas
na água da bacia e colocá-las em Jasmine. Sem olhar para mim, ele começa a expor a sua história
com ela.
— Conheci essa menina há uns dois anos, fui eu quem a encontrou. Ela estava jogada em um
beco, lá para os lados da antiga fábrica de chocolate — ele fica pensativo, como se estivesse
vivendo o que me conta — Ela estava toda suja, com a roupa rasgada e muito drogada. Algo me
dizia que eu tinha que protegê-la — Manolo olha para mim e seus olhos brilham emocionados —
Então, eu a levei para o galpão. Quando os meus irmãos me viram com ela nos braços, correram
para me ajudar, todo mundo ficou fascinado por ela.
— Ela estava ferida? Falava alguma coisa? Por que você não a levou a um hospital?
Ele me olha outra vez, e desta vez seu olhar é distante.
— Black, eu sou um morador de rua, já pensou se apareço em um hospital com uma jovem
drogada e desmaiada? Cadeia na hora. Por isso a levei para o galpão. Cuidamos dela, as
mulheres a banharam, vestiram-na, e eu cuidei dos seus machucados e minhas ervas curaram o seu
corpo e mente. Foram duas semanas, ela ficou desacordada por duas semanas.
— E, nesse ínterim, vocês não procuraram saber quem era ela, ou cogitaram a ideia de levá-
la a um hospital?
— Não, eu sabia o que tinha que fazer, minha ajuda seria muito melhor do que se ela fosse
ao hospital. E foi até melhor, pois quando ela acordou, não lembrava de nada. A única coisa que
lembrou foi do seu nome e que estava fugindo dos homens que a perseguiam, daí por diante, ela
não lembrava de mais nada.
Fico puto com o que escuto. Não era possível que ninguém a levou a um médico, a moça
estava confusa e com problemas de lapso de memória, eles tinham que tê-la levado a um hospital.
— Manolo, não é possível que vocês não fizeram nada, a Jasmine precisava da ajuda de um
especialista. Meu Deus!
— Ela precisava era de acolhimento, não de um monte de idiota cutucando a cabeça dela...
— Não! — o interrompo — Não, Manolo, eles iam fazer exames nela, avaliar o seu quadro
psicológico, ver o grau de bloqueio e fazer um tratamento para ela largar o vício.
— Black, como você sabe que eles fariam isso, por acaso você é médico? — Manolo se cala e
avalia o meu rosto com um olhar desconfiado.
— Acho que não, se fosse um, não estaria aqui. Minha história é um pouco complicada, depois
eu te conto. Agora, eu preciso saber sobre a Jasmine, mas tenho certeza que, se vocês tivessem a
levado a um hospital, hoje ela estaria muito melhor do que está agora.
— Eu tenho certeza que não, confie em mim, ela não estaria. Mas já foi, e ela se saiu muito
bem depois que contamos o que aconteceu. Ficou muito assustada no começo, chorou muito, mas,
com o passar dos dias, foi melhorando e aceitou o nosso convite para ficar conosco. Jasmine
interagiu muito bem com todos, passou a trabalhar nas ruas, catando papelão e latinhas para
vender, e o dinheiro que arrecadava ela dividia com a gente...
De repente, ele muda as feições, fica triste, as lembranças que passam em sua mente não são
boas, e isso me deixa receoso.
— O que aconteceu à Jasmine, Manolo, diga-me.
— Uma noite choveu muito e ela teve o primeiro pesadelo assustador. Ela gritava pedindo
para não a jogar dentro do buraco, tremia tanto, chorava, parecia que estava vivenciando tudo
aquilo, foi aterrorizante. — Ele faz uma pausa, engole em seco, vejo o bolo descer por sua
garganta. — Até então, nós não sabíamos que ela era sonâmbula. Quando estávamos dormindo,
ela se levantou e foi à procura de drogas. Por várias noites isso aconteceu, e todas as vezes, a
encontrávamos pior do que a noite anterior.
Não aguento escutar tudo isso. Levanto-me e começo a andar de um lado para o outro. Fito-o,
furioso.
— E vocês não tomaram nenhuma providência? Porra! Manolo, ela precisava de ajuda, por
que, homem de Deus, você não a levou para um hospital, por quê? — Insisto nessa hipótese, afinal
era o correto a se fazer. As drogas não só acabam com a saúde de uma pessoa, mas destrói o
indivíduo de dentro para fora.
— Hospital! — Manolo se exalta — Já viu algum hospital dar assistência a mendigos? Não
seja tolo, Black, desde que comecei a lhe contar a história da Jasmine que você vem com essa
conversa de hospital. Não existe hospital para mendigos e drogados, ela certamente iria morrer,
isso sim!
Volto a sentar-me na cama e começo a trocar as compressas. Manolo vai trocar a água por
outra mais quente.
— Alguém ajudaria vocês, o mundo não é feito só de pessoas más, existem pessoas boas que
se propõem a ajudar.
— Certamente que sim, mas não aqui. E... e eu também não podia arriscar, a Jasmine nos
disse que existia homens maus atrás dela, não podia pôr a vida dela em perigo, por isso eu mesmo
cuidei da minha menina. Ela própria me pediu ajuda e começou a fazer o tratamento com minhas
ervas. Não me olhe assim, eu não sou um bruxo e nem sempre fui um mendigo, só me desgostei da
vida e resolvi largar tudo o que tinha e sair pelo mundo, mas não se engane, eu sei o que estou
fazendo.
Meu coração suaviza com a seriedade em seus olhos e o discurso de um homem bem-
intencionado.
— Já desconfiava disso, só em olhar para o jeito de se portar, nota-se que o senhor não é um
qualquer.
— É, Black, eu também tenho os meus segredos. — Ele ri, um riso sem alegria. — Então, como
eu ia dizendo, aumentei a dose das ervas e todo mundo ficou de olho nela, até que, graças a
Deus, ela melhorou, os pesadelos se foram e junto com eles, o vício de se drogar, mas, com o tempo,
outros acontecimentos surgiram e ela resolveu sair do galpão. Fui eu quem encontrei esse lugar
para ela — ele olhou em volta do pequeno cômodo — Eu e o meu pessoal o arrumamos, catamos
os móveis e trouxemos para cá. No início, ficava sempre alguém de vigia, até ela descobrir e ficar
muito puta comigo, e me ameaçou de nunca mais olhar na minha cara se continuasse vigiando-a,
então resolvi dar um voto de confiança e só eu venho aqui para saber se está tudo bem.
— Por que ela resolveu sair do galpão?
— Porque as crianças ficavam olhando esquisito para ela e alguns homens se benziam
quando ela passava. Sabe, Black, tem certas coisas que não têm explicação, elas simplesmente
acontecem, e algumas dessas coisas acontecem com essa menina. — Manolo olha com admiração
para ela, sua mão vai direto para o seu rosto e começa a acariciá-lo.
— Que coisas? Do que você está falando? O que aconteceu com a Jasmine, além do
sonambulismo e os pesadelos? — Bate a curiosidade, Manolo parece assustado e admirado ao
mesmo tempo.
— Sinto muito, mas não posso lhe contar, você vai ter que ver com os próprios olhos. Se lhe
contar não vai acreditar, só posso te dizer que isso que acontece com ela é a razão pela qual
aqueles homens estão atrás dela. Além de ser muito perigoso para sua saúde, é fatal para a sua
vida. E se aqueles homens a pegarem, ela nunca mais será libertada, será o fim da nossa menina,
por isso, eu temo que desenvolva isso que ela carrega, porque não considero um dom, eu considero
uma maldição. É só o que eu posso lhe dizer.
Agora, eu fico assustado. Escutar tudo aquilo me deixa tonto de curiosidade. Do que o Manolo
tem tanto medo, que porra de dom ‒ ou maldição ‒ ele está falando?
— Manolo, pelo amor de Deus, você está me assustando! Que “dom”, o que a Jasmine faz de
tão extraordinário que pode levá-la à morte? Acho que preciso saber, se for para protegê-la eu
preciso saber, não acha?
— Você vai saber, se ficar muito tempo com ela, vai saber o que é, e vai me dar razão. E se
você a ama, não vai permitir que ela use isso, nunca...
— Merda, Manolo, agora fiquei aflito, parece algo muito perigoso. Ela sabe disso?
— Não, por Deus, Black, ela não deve saber que tivemos esta conversa, a menina Jasmine
não lembra de nada quando faz aquelas coisas, e nunca deverá saber. Prometa-me que vai
manter segredo.
— Ok, prometo. — Fico o observando.
Manolo mantém a cabeça baixa enquanto troca as últimas compressas, ele não quer que eu
perceba, mas os seus olhos estão marejados.
— Black, você vai fazer alguma coisa pela manhã? — Manolo limpa a garganta antes de me
perguntar.
— Vou, começo a trabalhar amanhã em uma construção.
— Que maravilha! Então, meu filho, vá dormir, eu cuido dela. Não se preocupe, amanhã ela
vai acordar boazinha e não vai lembrar de nada disso, vá dormir. Se quando acordar, não me vir
por aqui, fique sabendo que estou feliz por saber que minha menina tem um homem para cuidar
dela. Não vou deixar nenhum vestígio meu nessa casa, ela não pode sonhar que eu passei a noite
aqui, ok? Se ela souber, vai perceber que algo ruim aconteceu com ela.
— Como você quiser, Manolo. Vou dormir ali no sofá, se precisar de ajuda é só me chamar,
apesar de que, eu sei que não vou conseguir pregar o olho.
— Vá dormir, amanhã será um outro dia e bem melhor do que este, durma pensando nisso.
Boa noite, filho.
— Boa noite, Manolo.
Beijo a testa de Jasmine, aliso os seus cabelos e os deixo. Deito no pequeno sofá, onde as
minhas pernas ficam completamente para fora dele, e tento dormir. No entanto, nem fechar os olhos
eu consigo, pois não paro de pensar no que o Manolo acabou de me contar. Afinal, qual é esse
problema tão perigoso que a Jasmine possui? Ele disse que pode levá-la à morte...
Capítulo 8
Há dezesseis anos.
Como eu gostaria de ser uma formiguinha. Sim, uma formiguinha, elas são tão pequenas e
podem passar por qualquer buraquinho, e o mais importante: elas podem se esconder.
— Jasmine, pare de brincar com insetos e saia de perto desta janela. Se os homens do seu
protetor a vir bisbilhotando pelas brechas, você sabe perfeitamente o que irá lhe acontecer! Ande,
menina, venha para cá, brinque com suas bonecas.
— Não quero, não quero brincar de bonecas. Nina, quando poderei ir lá fora, quando poderei
brincar nas árvores?
— Eu não sei, não me faça perguntas as quais não sei a resposta, vem para cá, criança.
Ela sempre me responde isso. “Não me faça perguntas as quais eu não sei as respostas”. Suspiro,
viro para a janela, coloco o olho na pequena brecha que fica entre as tábuas soltas. Fiz uma
varredura no ambiente, onde o meu olho alcança. É como olhar em um espaço de uma paisagem só:
duas árvores bem na frente de uma cerca branca e logo depois um rio; é só isso que consigo ver.
— Menina teimosa do cão... — Sou tomada por um susto repentino quando Nina me puxa pelo
braço, afastando-me da janela. — Você quer ser castigada outra vez? Parece que gosta de ficar no
buraco escuro. Aqui! — Ela chuta minhas várias bonecas espalhadas no chão. — Brinque com elas,
essas bonecas são suas únicas amigas e diversão. Mantenha-se ocupada, pois daqui a pouco
começará sua aula de português e matemática.
Escolho uma boneca de cabelos negros, perto de outra sem cabelo algum. Começo a pentear o
cabelo dela com um completo desânimo. Imagino ser a minha mãe, e a boneca, eu. “Jasmine, você
quer brincar lá fora? Feche os olhos e venha com a mamãe”.
Mesmo sem ter conhecido a minha mãe, sinto a sua falta. Nos livros em que leio, as mães são
sempre amorosas, cuidadosas e fazem de tudo para verem os seus filhos felizes. Sempre imagino a
minha assim, parecida comigo e muito meiga, sorridente e amorosa, e o meu pai um homem alto,
bonito e muito valente. Nina me disse que eles morreram quando eu nasci, e desde então, o meu
guardião passou a ser o meu tio Garvey, irmão do meu pai, o único sobrevivente da minha família. Por
isso, eu devo obedecê-lo e fazer todas as suas vontades, pois ele arriscou tudo, até a própria vida,
para me salvar.
Não gosto do meu tio Garvey e nem do filho dele, o Kyran. O meu tio é mau, sempre soube
disso. Quando ele me toca minha pele arrepia, sinto muito frio, como se toda a minha energia fosse
sugada através das suas mãos frias. O Kyran não é tão mau, mas às vezes, ele me maltrata, só não
sinto tanta maldade nele como sinto em meu tio. Não gosto deles, e não gosto do que eles me mandam
fazer. Não lembro o que acontece quando eles me levam à força daqui, mas sei que não é coisa boa.
— Venha, Jasmine, está na hora da lição. — Passo um tempão estudando com a Nina, quando
termino, já é hora de jantar e dormir.
Ela fez minha cama. Minha cabeça doí, mas me sinto um pouco melhor ao deitar sobre o meu
cobertor de rosas amarelas, o cheirinho de flor que ele tem me acalma. Bocejo, me espreguiço e
abraço o meu pequeno travesseiro. Meus olhos se fecham automaticamente.
Alguém me põe nos braços, e tento me soltar do seu aperto.
— Quieta, durma, será melhor para você se dormir. — Tento abrir meus olhos, mas estou tão
sonolenta, só percebo uma sombra alta. Tento sair da força dos seus braços, e meu esforço dá
resultado.
Cambaleando, corro para um canto do pequeno cômodo que vivo.
— Maldita bruxa, se eu te pegar vai se arrepender!
— Nina! — Grito por socorro — Não deixe ele me pegar, Nina, ajude-me, por favor.
— Não resista, menina. Será melhor, vá com eles sem resistir.
De onde eu estou, não consigo vê-la, mas eu sei que ela me escuta.
— Peguei você, bruxinha maldita! Venha, o seu tio Garvey precisa dos seus poderes.
O mordo na mão quando ele tenta me alcançar. Recebo um tapa no rosto, que corta o meu lábio.
Gemo de dor, sinto o gosto de sangue na boca.
— Tenham cuidado, ela só tem dez anos, é só uma criança...
As súplicas de Nina não são atendidas; os homens do meu guardião não se apiedam de mim, eles
me batem, me ferem, sem nenhum dó.
— Maldita desgraçada, bruxa do inferno, só não a mato porque seria morto sem piedade.
Sou puxada pelos cabelos, colocam um saco em minha cabeça e sou levada à força. Quando isso
acontece, fico com tanto medo que termino desmaiando.
Sou jogada em algo duro. Logo escuto o ronco estranho e sinto que estamos em movimento.
Estou tão cansada, tão dolorida. Meus olhos se fecham, pois de nada adianta mantê-los abertos, o
saco escuro que está sobre minha cabeça não me deixa enxergar nada. Por um segundo, sinto-me,
como se estivesse flutuando. Assustada, tento manter os meus olhos abertos, mas o ar me falta em
meus pulmões e segundos depois, não escuto mais nada.
Acordo em um quarto muito gelado. Viro-me de lado, abro os olhos um pouco mais. As paredes
pintadas de azul escuro e uma cama enorme me fazem recordar que já estive aqui. Sim, várias vezes,
por muitas vezes. A mesma música está tocando, não sei que música é, só sei que é muito triste, então
eu escuto o rugir de uma porta se abrindo.
— Levantem-na e tragam-na aqui. — Conheço aquela voz, sim, eu a conheço, é do homem que
se nomeia o meu guardião.
Tento escapar das mãos dos seus homens grotescos, mas eles são fortes demais para uma menina
miúda como eu.
O medo me cerca como um laço, me asfixiando. Perco o chão e o ar que eu respiro.
Sou jogada ao lado de outra cama, e lá está deitado um homem, pálido, magro. Posso dizer que
ele está morto, só não afirmo porque o peito dele oscila em um ritmo lento.
— Jasmine — meu tio brada —, toque-o nos pulmões. Esse desgraçado não merece viver, mas a
família dele me pagou muito dinheiro para curá-lo. Vamos, toque-o nos pulmões.
Tremo quando ponho as mãos em seu braço, meu corpo inteiro arrepia. Aquele homem é mau, ele
é muito mau. Olho desesperada para o meu guardião, mas aqueles olhos negros não expressam
nenhuma piedade.
Então, os seus homens pegam as minhas mãos à força e põem sobre o corpo moribundo do
homem. Não sei como, mas quando eu o toco, sinto-me muito mal, uma luz lilás começa a sair através
delas e um cheiro de flor toma conta do ar. Minhas mãos esquentam e o homem começa a gritar. Por
mais que eu tente me afastar, não consigo, é como se o seu corpo puxasse as minhas mãos. A luz vai
ficando mais lilás e o meu corpo vai perdendo a força. Tento fugir, mas não consigo, sinto uma dor tão
forte, uma agonia de morte, não consigo respirar, minhas pernas dobram.
— Socorro, socorro, ajudem-me, tirem-me daqui, tirem-me daqui!
Não vejo mais nada, só um vazio e um frio...
Espero Black sair, ergo os olhos em direção à porta que acaba de ser fechada e aguço os
ouvidos para ter a certeza de que o portão da frente do prédio em ruínas se fechou. Levanto-me
da cama às pressas, percebendo, tarde demais, que não devia ter feito isso tão depressa, pois me
sinto tonta.
— Droga, vai ver o Black tenha razão e devo mesmo ficar na cama, descansando.
Corro para a cozinha. Pego um balde de água da torneira improvisada — um cano de água
quebrado, com uma rolha de cortiça fazendo a vez de tampão. Por sorte, a empresa de água
esqueceu de fazer o desligamento. Levo o balde para o banheiro e tomo um banho. Visto qualquer
roupa, e antes de sair, olho rapidamente para a rua; Black não está por perto.
Chego ao trailer vinte minutos depois.
— Você está melhor? O que faz aqui? — Lady pergunta, ansiosa, enquanto caminha em
minha direção. Sua mão encosta em minha testa, um movimento rápido que nem dá tempo de
desviar. — Está sem febre — diz, em voz baixa. — Fiquei tão preocupada! O Black passou aqui
nesse instante, ele nos disse que você não passou bem a noite toda, ardeu de febre, por isso achou
melhor você não vir trabalhar hoje.
— Black exagerou. — Desvio meus olhos do rosto dela.
— Sei não, ele parecia muito preocupado, tanto que eu e a Vivi íamos passar em sua casa na
hora do almoço.
— Cadê a Vivi? E o C4? — Vou até o trailer e espio por dentro.
— Jasmine, você não me parece bem, devia voltar para casa, o Black está mesmo muito
preocupado com você. Mulher sortuda da porra, tem um homem aos pés e fica esnobando. Cai
“pra dentro”, besta, pois além de lindo e gostoso, o homem está caidinho por você.
Viro em direção a Lady. Não gosto que ninguém se meta em minha vida.
— Odeio quando se metem em minha vida, você sabe disso, e não gosto que me deem
ordens. O Black acha que pode mandar em mim, mas vou mostrar a ele quem manda em quem —
digo, ferozmente.
Pego meu avental e o coloco no corpo.
— Você é idiota. Eu, no seu lugar, ficaria em casa, ficaria bem manhosa e deixaria aquele
pedaço de bom caminho cuidar de mim, mas se quer bancar a Isaura, vai fundo, tem uma
montanha de pratos para lavar na pia. Estou sozinha e não vou mandá-la embora.
Trabalho até as onze horas, e quando o sol fica forte, começo a perceber que o Black tinha
mesmo razão, eu preciso de descanso. As lágrimas queimam as minhas pálpebras. Engulo em seco,
determinada a me manter forte e não permitir que a Lady me veja nesse estado. Continuo
trabalhando.
Quase perto do meio-dia, minhas pernas já não estão tão firmes, e eu sei que o movimento
dos homens que viriam almoçar logo vai aumentar. Minha visão escurece, preciso me sentar
rapidamente.
— Jasmine, você está bem? — Escuto uma voz ao longe. — Jasmine, amiga, o que você tem?
Tento me levantar, mas acabo desabando por cima da mesa.
— Lady... Lady, não me sinto bem... — Tento a todo custo manter os olhos abertos, mas minhas
pálpebras estão pesadas demais.
— Droga, Jasmine, porra! Por que você tem que ser tão teimosa? E agora? O que eu faço?
Não tem nem lugar para você se deitar.
— Só me dá um tempo. Já, já vou melhorar. — Lady fica me olhando por um longo tempo.
Odeio isso nela, mania besta de ficar analisando as pessoas.
— Jasmine, quer que eu mande chamar o Black?
— Endoidou? É o primeiro dia de trabalho dele. Não, já estou melhorando.
Minto descaradamente. Vinte minutos depois, percebo que não melhorei em nada, então encho
o pulmão de ar, crio coragem e me levanto.
— Lady, vou embora, de nada vai adiantar eu ficar aqui, só vou atrapalhar, amanhã eu volto.
Giro nos calcanhares e saio às pressas, não dando tempo para questionamentos.
Do trailer para minha casa é um pouco distante, leva em média uns vinte minutos, mas,
passando mal como estou, acho que vou levar mais ou menos umas duas horas para chegar em
casa. Em dado momento preciso me sentar. Procuro uma sombra, mas não encontro, nem uma pedra
ou um tronco de árvore. Então, me sento no meio-fio mesmo. Baixo a cabeça entre os meus joelhos
e respiro fundo.
Caralho! Você não tinha nada que ter saído de casa, Jasmine, e agora? Vai rastejar até em
casa?
Continuo com a cabeça baixa, respirando cada vez mais profundo.
Deus! Acho que vou morrer aqui.
Começo a ficar desesperada, pois meu corpo começa a tremer.
Levante-se, Jasmine, você consegue.
Com muito esforço, consigo ficar de pé. Começo a caminhar lentamente, minhas pernas
cambaleiam, percebo que vou desabar de cara no chão. Olho para trás, pois tenho a impressão
de escutar alguém chamando o meu nome, mas não há ninguém atrás de mim. Olho para frente,
mas minha visão fica turva.
Meu corpo se inclina para frente. Sinto um braço circular a minha cintura, e o meu corpo é
amparado por uma parede de músculos duros.
— Onde você estava? Porra! Tem ideia do quanto eu fiquei louco de preocupação, cacete!
Jasmine, você prometeu ficar em casa.
Reconheço a voz brava de Black, ele está furioso comigo.
— Pode parar, pare de gritar comigo, você não é meu dono, você não manda em mim. —
Tento empurrá-lo, tento ficar de pé com as minhas próprias pernas, mas elas falham e os meus
joelhos cedem. Sou pega por braços fortes.
— Não, eu não sou o seu dono, mas quando lhe der uma ordem obedeça, pois essa ordem é
para o seu bem.
Empurro o seu corpo outra vez.
— Eu odeio quando você banca o senhor da razão — digo, furiosa — Eu sei cuidar de mim
mesma, não preciso de você. Vá se foder, Black!
Sou pega pelos cabelos, e a minha testa é pressionada na dele. As narinas de Black inflam.
— Pois fique sabendo que você precisa de mim, e não me provoque, Jasmine, porque já estou
de saco cheio dessa sua teimosia de merda! Vou cuidar de você, quer queira, quer não.
Ele me põe nos braços. Bato em seu peito, mordo o seu ombro, ele suporta a mordida.
— Solte-me, seu idiota, eu posso andar com as minhas próprias pernas. Black, juro que vou
mordê-lo com toda a força se você não me soltar. — Ele continua andando.
Junto meus dentes em seu ombro e mordo com mais força. Ele grita, mas não me solta.
— Prometo a você que essa mordida vai lhe custar caro, Jasmine, assim que chegarmos em
casa, vou cobrar com juros.
Black me aperta de encontro ao peito, e o seu cheiro inunda minhas narinas, quase mergulho o
meu nariz em seu pescoço e aspiro fortemente aquele cheiro másculo. Porra! Esse homem vai me
enlouquecer.
A passos apressados, sou levada silenciosamente nos braços de um homem lindo e
perigosamente enfurecido.
Chegamos em casa. Sinto-me vulnerável diante do tamanho daquele homem que me mantém
presa em seus braços. Ele examina cada detalhe do meu rosto, seus olhos penetram a minha alma.
Sou colocada na cama com extremo cuidado. Black fica de pé e continua me avaliando com o
olhar. Sinto o seu toque, mesmo sem ele me tocar.
Fecho meus olhos, respiro fundo, ofego quando imagino seus longos espessos dedos
deslizarem em minha pele. Quando os abro novamente, ele está com aquele olhar. Olhar de
predador, perigoso e faminto.
— Você vai ficar aí, quietinha, até eu voltar à noite. Eu juro, Jasmine, que se você sair por
aquela porta quando eu virar a esquina, você será barbaramente castigada, não me tente.
Ele vai até a mesa e traz dela um embrulho. Senta na cama, e assim que o abre, o cheiro
invade minhas narinas, e assim que o sinto meu estômago ronca. É uma marmita térmica, dentro
dela há macarrão, frango, feijão e salada.
— Um banquete, você trouxe um banquete para mim.
— Sim, e você vai comer tudo. — A marmita é entregue a mim, depois Black se levanta —
Jasmine, não me desobedeça, não saia dessa cama, e quando eu voltar, conversaremos sobre essa
mordida aqui.
Meu corpo estremece quando ele me olha. Seus olhos verdes mudam de cor, ficam mais
escuros, meus pelos se eriçam e minha calcinha molha de excitação. É o olhar mais quente que um
homem já dirigiu para mim. Porra, o que será que ele quis dizer em conversar? Engulo em seco e
baixo os cílios.
— Até a noite e comporte-se. — Black sai silenciosamente e bate a porta atrás de si,
deixando-me de calcinha molhada e corpo trêmulo.
Não sei o que me reserva logo mais à noite, talvez leve uma bronca maior, ou quem sabe, a
promessa que se vacilar outra vez ele irá embora. Esse é o meu medo. Já estou acostumada com
ele, não sei se suportaria ficar sozinha novamente. Juro, faço qualquer coisa para ele ficar ao meu
lado.
Capítulo 10
Ao sair da obra, preciso ir até o trailer de C4, quero me certificar que a Jasmine não ousou
a me desobedecer outra vez. Olho as ruas que se estendem além da minha visão, cuidadosamente
procurando rastro de cabelos loiros se escondendo de mim. Não há ninguém nas ruas desertas.
Encontro C4 limpando as mesas e as guardando. Pergunto se a Jasmine apareceu no período
da tarde, ele balança a cabeça e nega. C4 ainda não confia plenamente em mim, o que me deixa
tranquilo, pois isso só confirma os cuidados que ele tem com Jasmine. Agradeço e tomo o caminho
de volta para casa.
Ando alguns quarteirões e logo avisto o portão de ferro torto — ele está aberto. Lembro-me
que o tranquei, então, ou alguém entrou ou alguém saiu. Apresso os meus passos e subo as escadas
de dois em dois degraus.
— Jasmine — chamo-a. Ela não responde, e nem preciso entrar no pequeno cômodo para
saber que não há ninguém por lá.
Você me paga, moça teimosa.
Apressadamente desço as escadas. Já está escurecendo, e isso só me deixa mais temeroso.
Droga! Jasmine, por que você tem que ser tão teimosa?
Já estou quase chegando à esquina quando a avisto. Felizmente, ela não me vê. Volto para
casa e a aguardo, escondido atrás da porta. Ela vai ser pega de surpresa.
Assim que ela põe os pés na entrada da porta, eu a intercepto.
— Onde você estava? — Com um só golpe a detenho contra a parede. Estou furioso, meus
olhos fixos nos dela, e minha respiração acelerada.
Jasmine me olha com perplexidade. Aquela boca carnuda entreaberta me chama para beijá-
la.
— Mas o que há com você, Black?! — Seus olhos finalmente conseguem piscar, ela tenta me
afastar do seu corpo. — Quer me soltar? Vo-você, está me sufocando. Solte-me, Black.
Ela fica nervosa, mas não mais do que eu. Ao invés de me afastar, movo o meu corpo,
apertando-a um pouco mais. Quero exigir saber onde diabos ela tinha se metido, quero saber se
ela foi à procura de algum filho da puta para saciar sua vontade de se drogar. Embora Manolo
tenha dito que ela não é uma viciada, pois só procura a droga quando está adormecida, perdida
em seus pesadelos.
— Não a soltarei até que me diga onde você foi, desobedecendo uma ordem minha —
Aperto o seu corpo com mais força na parede, nossos olhares presos um no outro. — Vamos, diga-
me, onde você se meteu? — Brado.
Os olhos de Jasmine se arregalam. Ela parece incerta, e, por alguns segundos, congela, nem
um único tremor passa por seu corpo. Seus olhos varrem o meu rosto, tenta descobrir o que se
passa em minha mente. Se ela souber o que se passa em minha cabeça libertina, certamente daria
um soco em meu estômago.
— Solte-me, seu troglodita. Já lhe disse que você não manda em mim, solte-me, seu filho da
puta!
Recebo um chute na perna. É uma dor fina, mas suporto. Prendo os seus dois braços acima da
cabeça com uma das minhas mãos. Porra! A vontade de beijá-la se torna devoradora. Aqueles
olhos azuis, me fitando com a mesma força das batidas do seu coração.
— Não me tente, Jasmine. Você já me deve uma mordida no ombro, agora quer juntar a ela
um xingamento, quer? Moça, não queira descobrir o que estou sentindo nesse momento, a vontade
que eu tenho de fazer com você.
— Eu não tenho medo de você, seu idiota. Já enfrentei homens maiores do que você. Solte-me,
Black, não sou um brinquedo, não sou sua, solte-me!
Ela tenta a todo custo se desvencilhar do meu aperto, mas não tem escapatória. Seus braços
estão presos acima da sua cabeça por minha mão, e o seu corpo imobilizado pelo meu.
A palma da minha mão espalma por baixo do seu queixo. O seguro firme, faço com que ela
me olhe nos olhos. Ela não está com medo. Apesar do seu coração estar batendo tão acelerado e
sua respiração ofegante, o brilho dos olhos dela não é de medo. É de tesão.
Não resisto. Há dias que eu luto contra a força esmagadora que incendeia o meu corpo, que
me faz ansiar de desejo por ela, por seu corpo, por sua boca, suas mãos. E vê-la assim, tão
próximo, tão desafiadora, é demais. Eu a quero como mulher, e ao sentir o seu hálito quente em
minha pele, sei imediatamente que ela quer o mesmo.
— Jasmine, você deveria sentir medo de mim. Deveria sim, porque quando eu começar com
você só vou parar quando o ar faltar em seus pulmões.
Ela me olha fixamente, enquanto o meu corpo se esfrega ao seu. Meus quadris friccionam nos
dela, esquentando os nossos corpos através do tecido das nossas roupas.
— Black... — ela suspira profundamente quando diz o meu nome.
Seus olhos se fecham e sua cabeça vai para trás. Minha boca é guiada para lá. A mão que
está em seu queixo vai para sua nuca, meus dedos entrelaçam os fios dos seus cabelos e o puxo
com força. Finalmente, minha língua sente o sabor da sua pele, e eu a lambo com vontade, até
encontrar o calor dos seus lábios carnudos.
É um beijo avassalador, nada carinhoso, pois minha fome por ela já ultrapassa o meu ser
racional; é um animal feroz e faminto que domina sua boca. É um animal enjaulado que é liberto
quando sente o doce sabor da sua língua. Não sou nada gentil, eu a beijo com raiva, com
violência, domino aquela boca com aspereza.
— Black... deixe-me tocá-lo — com dificuldade ela suplica para que a solte.
Solto suas mãos. Imediatamente, sinto minha carne ser arranhada por unhas afiadas. Meus
cabelos são puxados com violência. Jasmine está tão faminta quanto eu. Ela se esfrega em meu
corpo com a mesma rapidez com a qual eu me esfrego no dela. Sua boca percorre toda parte do
meu rosto, pescoço, arranhando minha pele com os seus dentes.
Ela quer tudo, e eu também. Mãos deliberam a nos despir. Em minutos, ficamos nus. Cada
toque desperta o desejo absoluto, o desejo que ficou enclausurado por dias, e agora ele será
liberto. Agora, ela será minha.
Apesar de toda a bagunça, de toda a minha preocupação, agora eu só penso em uma coisa:
nela. Seu corpo lindo está em meus braços, e vou saciar minha fome, minha sede, vou aproveitar
tudo isso, que de hoje por diante será meu, estará aos meus cuidados, sob minha proteção.
Ela me convenceu a ficar, eu fiquei; ela me olhou com esses olhos de anjo, eu me rendi; ela me
tocou com suas mãos quentes. Eu me apaixonei.
Tudo isso em apenas quatro dias, quatro benditos dias. Sim, eu sei que há tanta coisa que nós
dois temos que saber a respeito um do outro, coisas essas que sequer sou capaz de imaginar, mas
tudo isso, com certeza, vai vir com o tempo, com o nosso dia a dia. Não tenho pressa de conhecê-
la, minha pressa é de tê-la em meus braços, de fazê-la minha. E eu também não vou a lugar
algum.
— Jasmine, quero você e quero agora, não me negue isso. — Sussurro, sem afastar minha
boca da dela.
Deliberadamente me afasto do seu corpo, mas só o suficiente para a colocar em meus braços.
Caminho com passos certeiros até a cama. Jasmine geme em minha boca, toca-me com perfeição,
parece que suas mãos já sabem onde tocar. Enlouqueço com os seus uivos baixos, meu pau pulsa
em contato com sua carne. Subo sobre ela, tocando em seu corpo de todas as maneiras possíveis,
mãos, boca, pau, língua, dedos. Toco em cada parte do seu corpo, com tamanha ousadia e
precisão, que parece uma tortura não estar dentro dela.
— Olhe para mim, Jasmine — exijo, quase sem fôlego. — Quero que me olhe nos olhos
quando estiver completamente dentro de você. Eu preciso que veja o que fará comigo, preciso que
tenha certeza que, a partir de hoje, pertenceremos um ao outro. Não quero dúvidas quanto isso,
quando acordarmos, no dia seguinte, você será minha, e vou cuidar de você como um homem deve
cuidar da sua mulher, entendeu? Você entendeu, Jasmine?
Não sei se ela entende o que estou dizendo, mas os seus olhos brilham quando eu digo a
palavra minha. Ela me beija uma vez, e depois várias vezes seguidas.
— Eu quero você, não me importo se será só hoje ou para o resto da minha vida, eu só quero
você. — Ela segura meu rosto com as duas mãos, e enquanto me diz essas palavras, beija minha
boca pausadamente.
— Eu sinto muito, Jasmine, mas do jeito que estou aqui, não vamos ter preliminares. Foram
noites e manhãs me masturbando pensando em você, estou quase jorrando o meu prazer em suas
coxas. Teremos tempo para as preliminares na segunda vez, agora só quero entrar em você com
toda força do meu desejo.
Com uma das mãos seguro por seu cabelo, entrelaço os fios dourados com meus dedos e o
puxo, dosando a força para não a machucar. Seu olhar ardente me queima a alma. Jasmine tem a
mesma necessidade que eu, ela me encara e entreabre os lábios, soltando um gemido.
— Vamos fazer isso juntos, olhando um para o outro — rosno, metendo com força o meu pau
em sua vagina. Ela está tão molhada, mas, mesmo assim, sinto dificuldade de penetrá-la. —
Jasmine, você é virgem?
— Não — Sinto um pouco de tristeza em sua negação. —, mas já faz alguns anos que não
tenho relações sexuais...
Beijo-a, não a deixo terminar, não quero lembranças tristes no nosso momento de amor. Meu
beijo é possessivo, quero mostrar para ela que será protegida por mim e nunca mais ficará só.
Vou mais fundo, e ela geme, prendendo-se a mim.
— Jasmine, olhe para mim — Seu olhar encontra o meu outra vez.
Empurro mais fundo até encontrar o seu ponto mais sensível. Ela geme baixinho e ronrona.
Sinto a pressão das suas paredes íntimas, sua vagina aperta meu pau como um torno. Jasmine
me domina, ela é tudo que eu preciso. Não quero lembrar do meu passado, não me interessa quem
eu sou, o que me importa agora é quem eu serei para ela.
— Está machucando? — Olho para ela, preocupado, enquanto entro e saio do seu corpo.
Estoco lentamente, aquilo está me matando, pois a minha vontade é de ir mais fundo. — Se estiver
doendo, me avise e irei mais devagar. — O que é impossível, já estou lento demais. Seu corpo é
tão quente, seu cheiro é tão bom, sua vagina tão apertada, seu coração tão acelerado, seus
gemidos tão meus. — Minha, você é minha. Minha para cuidar, amar e proteger. Só minha,
pequeno anjinho.
Aumento o ritmo das estocadas e deixo–me ser levado para o mais puro e perfeito êxtase.
Nossos corpos se encaixam perfeitamente, é como se um já pertencesse ao outro. Jasmine começa a
se mover junto com o meu corpo, minhas costas são marcadas por suas unhas mais uma vez, meu
queixo e ombro são mordidos, e seus pés batem em minha bunda. Ela vira uma felina cheia de
fogo, fogo por mim. Seus quadris se arqueiam para que eu possa a penetrar com mais
profundidade.
— Black eu... eu... não aguento mais... estou gozando...
O orgasmo se constrói com uma força avassaladora. Jasmine solta um grito, e os seus lindos
olhos azuis se fixam aos meus.
A beijo enquanto ela goza, os tremores do seu corpo me assustam por um segundo, pois penso
que está passando mal, mas logo me tranquilizo quando ela sorri para mim. Ela goza, sorrindo, e
me beija com luxúria.
Estoco mais duas vezes, e logo depois meu orgasmo vem. Retiro meu membro de dentro dela e
jorro o meu prazer sobre o seu corpo, suado e trêmulo. Meu corpo se enrijece, e logo depois os
espasmos vêm, seguido de um rosnado feroz. Esfrego o meu membro com a mão, soltando um som
gutural de prazer.
Desabo por cima dela, mas mantendo o peso do meu corpo longe do seu corpo. A beijo
várias vezes enquanto aliso os seus cabelos molhados de suor.
— Hoje e sempre, ok? — Digo, sem fôlego.
— O quê? — Inquire, enquanto me beija a boca.
— Você agora é minha e eu sou seu, hoje e sempre.
Ela fica me olhando por um bom tempo, tempo esse que parece uma eternidade.
— Hoje, eu sou sua e você é meu, sem promessas do amanhã, ok?
Sinto uma ponta de tristeza em suas palavras. Não quero discutir, não depois que fizemos
amor. Eu só quero colocá-la em meus braços e mostrar para ela que não estou brincando. A quero
para sempre.
Inclino-me e a beijo com paixão. Ela segura o meu rosto com as suas duas mãos quentes e
avalia o meu rosto com tanto carinho que quase choro.
— Moço Bonito, se eu não tivesse tão assustada com tudo isso que acabou de acontecer aqui,
eu poderia lhe dizer que eu... — Cala-se por alguns segundos, fecha os olhos, engole em seco, e
move os lábios para completar a frase, mas só sorri. — Não, não é o momento, outro dia, quem
sabe. — Nossos lábios se encontram outra vez, e o beijo sela a nossa primeira noite de amor.
Após o nosso banho, jantamos. Trouxe comida da obra. Conversamos um pouco, fizemos amor
novamente e dormimos agarradinhos. Agora seria sempre assim, ela não sairia do meu abraço nem
sob tortura.
Capítulo 11
Jasmine
Há onze anos
Dizem que, quando se prende um pássaro por muito tempo em uma gaiola, e quando eles veem
a porta da prisão aberta, não querem fugir, e se fogem, horas depois regressam para o seu cativeiro.
Se abrissem a porta da minha gaiola, com certeza eu vou embora e nunca mais volto para cá. Sou um
pássaro que não aceita grades ao meu redor, fujo sem olhar para trás.
Outro dia, a Nina me deu um livro muito grosso. Não nego, eu tenho preguiça de lê-lo, mas
gosto de algumas partes, principalmente as que descrevem sobre o criador de todos nós, um tal de
Deus. Esse homem é muito poderoso e inteligente, ele fez um planeta em sete dias e só descansou em
um dia. Segundo esse livro, ele tem o poder sobre nós e é o nosso pai, já que nos criou, e basta
termos fé e pedir com o coração, ele nos favorecerá. Desde que descobri isso, vivo pedindo sua ajuda
para fugir daqui. Quem sabe um dia, ele resolva me escutar e atenda ao meu pedido, não deve ser
muito fácil para ele, já que é um homem só para atender a tantos pedidos, por isso tenho paciência e
espero um dia ir embora daqui.
— Jasmine... Jasmine, menina! — Eu sei que a Nina me chama, no entanto, estou fingindo não
ouvir, pois não quero voltar para minha realidade. Minha vida não está sendo nada fácil nos últimos
dois anos.
Desde que o meu tio Garvey morreu — espero que ele sofra com os vermes comendo suas
carnes — e o meu primo Kyran assumiu o seu lugar, não tenho uma noite de sono tranquila. Kyran até
me surpreendeu, pois pensei que ele seria pior do que o meu tio. No entanto, não é. Ele só é
assustador, vive dizendo que eu sou sua futura rainha, e esse seu interesse por mim é desconcertante e
me deixa apavorada, por isso a minha vontade de fugir daqui está a cada dia maior. Ele me olha de
uma maneira como se quisesse me comer viva, às vezes, tenho a impressão que ele quer me tocar. Fica
repetindo que um dia serei dele, que um dia minha alma pertencerá só a ele, e quando isso acontecer,
ele será o homem mais poderoso do mundo.
Espero que, antes desse dia chegar, eu esteja bem longe daqui, mas pelo menos, não sou mais
obrigada a fazer coisas que me deixam muito doente, coisas as quais não sei bem o que é. O pouco
que me recordo é que sempre que o meu tio mandava me buscar, eles me levavam para um quarto
muito frio, geralmente tinha várias pessoas muito doentes, gritando de dor. Lembro-me que me sentia
muito mal e, às vezes, passava tão mal que me recusava a tocar nelas, por isso sempre era castigada
e o meu tio me jogava em um buraco escuro, até que eu aceitasse fazer tudo o que ele me obrigava.
Contudo, não lembro do que acontecia, só sei que depois disso, eu ficava dias de cama, não conseguia
nem abrir os meus olhos, quanto mais me sentar.
A última vez que fui obrigada fazer coisas que me deixam doente foi quando eu tinha quatorze
anos. Fui levada novamente para o mesmo local e me deixaram trancada no quarto por um longo
tempo, então eu escutei uma discussão entre o meu tio e o meu primo Kyran. Ele estava muito bravo
com o pai. Lembro-me de algumas coisas que os dois conversavam.
— Kyran, esse homem já foi examinado por todos os médicos, os melhores do mundo, e já
disseram que não há tratamento para ele, não há mais nada que possa ser feito, ele está condenado à
morte, deram a ele uma semana de vida.
— Foda-se! Que morra, ele é um merda mesmo. O cara é um assassino, não merece piedade,
pai.
— Não sou Deus para julgá-lo, ele está nos pagando uma fortuna para salvar a vida dele, e nós
podemos e farei isso.
— Pai! Pelo amor que o senhor tem a si mesmo, o senhor sabe o que significa isso, não sabe?
Podemos perdê-la.
— Eu não dou a mínima para o que possa acontecer. É muito dinheiro, e não vou ficar me
lamentando por causa de alguém que destruiu o meu povo. Já está decidido, ele será curado.
Obedeça-me sem me questionar, eu sou o seu rei, e o que eu mando fazer deve ser obedecido.
— O senhor está passando dos limites, pai...
— Obedeça-me, Kyran, ou se arrependerá! Você acha que eu não posso dá-la para outro
homem? Hein! Quer pagar para ver? Se você soubesse a quantidade de vermes que adorariam pôr o
pau no meio das pernas dela, não discutiria. E eu seria muito cruel, Kyran, faço você assistir tudo.
Então, faça o que estou ordenando.
— Eu farei, sim, senhor meu pai, mas fique avisado: não mexa com a minha ira. Se algo de ruim
acontecer, não responderei pelos meus atos.
Minutos depois, Kyran entrou no quarto em que eu estava. Fui levada para um outro quarto, e
assim que entrei, me senti mal, fiquei enjoada e tonta, escutava múrmuros e lamentos. Pedi para o meu
primo me levar dali, mas ele nem me olhava, só me guiava segurando por meu cotovelo. Tive a
impressão que ele estava chorando, não quis o encarar, pois ele me dava medo. Kyran parou em
frente a uma grande cama, e nela estava um homem muito magro, coberto de fios e tubos. No quarto,
só estavam eu, meu tio, Kyran e o homem.
—Toque-o, Jasmine. — Meu tio ordenou. Dei dois passos para trás, mas fui empurrada de volta
por meu tio. — Se não fizer o que mando, passará uma semana no buraco escuro, a pão e água.
Ponha suas mãos sobre ele, agora! — Ele esbravejou.
Depois do seu grito, não recordo mais de nada. Tinha a impressão de estar sonhando, de estar
em algum lugar. Lembro-me de Kyran ao meu lado, o escutei dizer que estava livre de todo aquele
sofrimento. Acho que devo ter sonhando com isso. Quando acordei, o meu tio havia morrido e Kyran
era o meu único guardião.
— Jasmine, acorde, menina. Ultimamente você anda sonhando acordada, vamos. Ânimo, seu
primo quer ver você.
Pronto, é pensar no infeliz que ele aparece, acabou minha paz. A cada dia que passa, meu primo
fica mais obcecado por mim. Os olhos dele brilham ao me ver. Principalmente agora, que completei
dezesseis anos e deixei de usar tranças e passei a vestir vestidos de mulher. Não quero usá-los, mas
sou obrigada, a Nina diz que não sou mais uma criança, agora sou uma mulher. Não me sinto mulher,
sinto-me criança.
— Ande, venha se vestir — Nina me leva para o quarto. Escolhe um vestido azul, bem curtinho e
justo em meu corpo, penteia os meus cabelos e me avalia de cima a baixo.
Sinto-me uma mercadoria barata, daquelas em que os mercadores dos meus livros de história
ficam avaliando para ver se compram ou não.
Nina vive dizendo que, apesar dos meus dezesseis anos, já tenho um corpo de uma moça. Meus
seios já despontaram, meus quadris já arredondaram, minhas curvas são perfeitas, tenho pernas
grossas e uma boca que deixará qualquer homem louco para a possuir, e o principal, já menstruo,
posso perfeitamente gerar outra vida. Já li sobre sexualidade e sei como se faz os bebês, mas não
pretendo ser mãe. Segundo a ciência, eu ainda sou uma criança, apesar de não parecer, mas eu sou, e
pelo o que li, um homem que tentar fazer sexo com uma menina da minha idade estará infringindo a
lei e poderá ser preso por isso.
— Pronto, você está linda, Kyran vai adorar vê-la assim — não gosto do modo como ela me
olha, e muito menos do que ela me diz. — Jasmine, seja gentil com o seu primo, ele gosta de você, e
se ele tentar algo mais íntimo, não recue, deixe-o ir adiante. Eu sei que a princípio será assustador, mas
todas nós passamos por isso, e vá por mim, é muito menos dolorido quando consentimos. Os homens
costumam ser muito carinhosos quando são bem-aceitos. Portanto, não seja arredia, aceite o seu
destino, talvez assim, quem sabe, Kyran a liberte desta prisão.
Por que eu fui escutar a Nina?
Escuto batidas na porta, e logo em seguida, os homens de Kyran entram. Cobrem minha cabeça
com uma touca preta e me levam. Não vejo e nem escuto nada, só sinto o sacolejo do carro. Tempo
depois, sou deixada no mesmo quarto onde sempre fico, quando sou arrastada para Kyran. A mesma
música e o frio cortante do quarto, com cortinas escuras e grossas. Paredes forradas com estampas de
flores roxas, da mesma cor da cortina. Os móveis são pesados e enormes, a cama cabe cinco de mim.
Um arrepio corre o meu corpo quando a porta se abre. Kyran surge em minha frente, imponente, com
uma cara faminta e completamente nu.
Apesar da sua maldade, ele é um homem bonito. Pele morena, olhos acinzentados, alto, forte,
musculoso, um corpo bonito de apreciar e tem um sorriso encantador, quem não o conhece, como eu
conheço, dirá que ele é um homem muito agradável e muitas mulheres vão querer se casar com ele,
como nos meus livros de contos de fadas. No entanto, Kyran tem uma natureza cruel.
Fico tão assustada com o que vejo que cubro os meus olhos com as duas mãos. Eu já vi homens
nus em meus livros de biologia e ciências, mas ver um homem tipo o Kyran, nem em sonho isso passou
por minha cabeça. O seu órgão genital está ereto, é tão duro que nem balança quando ele anda, os
seus músculos peitorais tremem, e a sua barriga é assustadora, parecem vários degraus dividindo o
seu abdômen. Ele brilha, em seu corpo há gotas de água, acho que acabou de sair do banho.
— Minha linda Jasmine, hoje será um grande dia. — Aqueles olhos cinzas me avaliam, e o medo
me toma, eu já sei o que ele quer dizer. — Hoje você será minha, e essa união ninguém poderá
separar. Uma bruxa e um bruxo, já pensou como seremos poderosos?
Não tenho ideia do que ele está falando. Sim, eu sempre fui xingada de bruxa, desde que me
entendo por gente, mas para mim é só um xingamento, pois eu sei que bruxas e feiticeiros não
existem. Chego à conclusão que ele está delirando.
— Jasmine, hoje você se unirá a mim, serei o seu primeiro e único homem, serei o seu dono, eu
sei que você está entendendo o que acontecerá aqui, portanto não banque a garota assustada, será
melhor para você se me deixar fazer o que eu quiser. Você não se machucará e ainda sentirá prazer.
Ok?
Fico com vontade de chorar, gritar, correr, me esconder. No entanto, eu não tenho opções, estou
trancada em um quarto, à mercê de um homem enorme e perigoso, o que eu posso fazer? Nada.
Resolvo aceitar o meu destino, então lembro do que a Nina me disse antes de vir para cá. “É muito
menos dolorido quando consentimos, os homens costumam ser muito carinhosos quando são bem-
aceitos”.
— Venha cá, Jasmine, e me toque. Quero suas mãos e sua boca em todo o meu corpo. Venha,
não tenha medo, garanto que vai gostar, todas as mulheres gostam disso.
Só que ele esqueceu que eu não sou uma mulher, sou uma criança. Fico olhando para aquele
homem gigante e nu. Tudo nele dá medo, até o seu sexo.
— Kyran, eu não sei fazer isso — minha voz soa arrastada, medrosa, estou travando uma
batalha para não chorar.
— Ok, eu me esqueci que você é inocente, nunca viu um homem nu na sua frente, quanto mais
tocar em um. — Suas feições suavizam-se. Por um instante, relaxo.
Ele anda em direção à porta, abre-a e chama alguém. Uma mulher muito bonita entra no quarto,
e ele a manda se despir. A moça fica completamente nua.
— Jasmine, preste atenção em tudo que vamos fazer, pois faremos o mesmo depois.
A mulher começa a tocá-lo com as mãos e a boca. Todo o corpo dele é manipulado. Kyran delira,
e fica pior quando ela coloca a genitália dele na boca. Quase fecho os olhos, mas o Kyran me manda
prestar atenção. Eu não vou conseguir fazer aquilo, minha boca é pequena demais para o tamanho
dele. A moça engole todo o seu sexo e o chupa como se aquilo fosse a coisa mais saborosa do
mundo. Não demora, e ele solta um grunhindo animalesco, treme o corpo todo e empurra o seu
quadril para a boca da moça, ela arregala os olhos e as lágrimas descem.
Vou sufocar se ele fizer isso comigo.
Depois, ele fez o mesmo com a moça. Kyran a deita na cama e percorre o corpo dela com a
boca e a língua, chupa a sua vagina. Aquilo tudo me assusta, a cada descoberta fico mais apavorada.
Logo depois, ele monta nela e a sua genitália entra em sua vagina. Os dois parecem dois animais
gemendo, uivando, assobiando. A cama começa a sacudir, ele não é nada amável, a impressão que eu
tenho é que aquilo é muito doloroso. Quando eu penso que acabou, ele a vira de barriga para baixo
e o ânus da moça é violado. Solto um grito quando vejo aquilo, no entanto, a mulher parece que está
gostando, pois fica de quatro e deixa o Kyran empurrar o seu sexo com força nela.
Meu coração já está saindo pela boca. Se eu tenho que passar por aquilo, terei que ser muito
forte, será que vou conseguir?
Quando dou por mim, os dois já estão gritando novamente, parecem dois bichos ferozes. A moça
se levanta, se veste e sai do quarto. Ela não parece triste ou dolorida, ao contrário, parece feliz. Não
sei como uma pessoa, em sã consciência, pode se sentir feliz depois de tudo aquilo que acabo de
presenciar. Eu duvido que vou me sentir feliz com isso.
— Jasmine, vou tomar um banho, volto em poucos minutos, espero que você tenha aprendido o
dever de classe, pois se por acaso você resistir, não serei gentil e irei deflorá-la de qualquer jeito.
Kyran desaparece por uma porta, onde provavelmente é a do banheiro. Minutos depois, ele volta,
nu e coberto de gotículas de água espalhadas por todo o seu corpo. Continuo sentada na cama e
continuo assustada.
— Levante-se, Jasmine, e venha até mim. — Tal ordem quase me coloca para dormir, escutar tais
palavras só demonstram o que viria em seguida. — Você vem ou eu preciso ir buscá-la?
Eu sei o que isso significa, então arrasto-me sobre o colchão e ponho os meus pés no chão.
Caminho até ele.
— Jasmine, eu não sou um monstro, mesmo que você pense que eu sou. O que vamos fazer aqui
hoje é necessário, eu preciso marcar você como minha, é a tradição.
— Desculpe, Kyran, mas eu não entendo o que quer dizer, eu só sou uma criança, tenho apenas
dezesseis anos, isso não é normal. — Encolho o corpo de medo, penso que receberei um tapa em
represália ao que eu disse.
Contudo, ele me estende a mão e me chama. Reticente, aceito a mão e deixo que me guie. Fomos
para frente de um grande espelho, ele fica atrás de mim. Sinto sua genitália cutucar as minhas costas,
e dou um pulo para frente, assustada. Ele sorri, mas não me repreende.
— Jasmine, olhe para você — suas mãos grandes alisam os meus ombros — Você está vendo
alguma criança nessa imagem, hein? Tire a roupa. — Fico estática quando ele termina a frase. Se eu
já estou assustada com a sua nudez e o seu tamanho, em todos os sentidos, piora quando ele quer que
me dispa. — Quer ajuda?
Eu o conheço, sei o quanto pode ser cruel, então resolvo eu mesma retirar minha roupa. Retiro o
vestido, fico só de calcinha e sutiã.
— A roupa toda, Jasmine — ele me fita seriamente através do espelho.
Não tenho para onde correr. Retiro meu sutiã e, por último, minha calcinha. Minhas mãos vão
imediatamente para os meus seios e minha vulva. Ele as retira e fica me observando, admirando-me
por longos e intermináveis minutos.
— Olhe para você, Jasmine, por acaso é uma criança que está diante deste espelho? Vou
mostrar a você uma menina de dezesseis anos, e você vai poder fazer a comparação. — Kyran fica
ao meu lado e começa a se tocar. Minhas bochechas ficam tão rubras que queimam. — Você me daria
quantos anos, Jasmine? — Ele me olha de soslaio. — Eu tenho vinte e seis anos, quando tinha doze já
estava pronto para fazer sexo, já era bem-dotado em todos os sentidos.
— Kyran, mas eu não estou pronta, e você me assusta se expondo assim. Eu quero ir embora,
por favor, me leve embora.
Kyran fica de frente para mim. Ele é enorme, me sinto uma anã ao lado dele. Seus olhos cinzas
me fitam.
— Jasmine, eu e você somos pessoas diferentes. Você é uma moça diferente de todas as outras,
eu sou um homem diferente de todos os outros. Somos especiais e você é muito mais especial. Você é
única, Jasmine, a última da sua espécie. Imagine nós dois juntos, vamos dominar o mundo, faremos as
pessoas se dobrarem diante de nós.
Não consigo entender nada do que ele diz. Ele está louco, os olhos dele brilham, as pupilas
dilatam, parece em êxtase.
— Em que eu sou tão especial? Não entendo, sou uma pessoa normal, por que insiste em me
dizer isso? — Afasto-me das mãos dele. Se eu pudesse fugir, ao menos me esconder ou quem sabe
cobrir minha nudez, eu o faria.
— Você saberá, ainda não chegou a hora de saber a verdade, mas muito em breve tudo será
revelado. Infelizmente, meu pai não fez a coisa certa, você tinha que ser iniciada desde os cinco anos,
mas o senhor Garvey não se conteve e passou por cima da tradição. Entretanto, estou aqui para fazer
do jeito certo, só espero que não seja tarde demais, por isso preciso marcá-la. Jasmine, querendo ou
não, você será minha.
Sou tomada por seus braços. Tento escapar, mas Kyran é muito mais forte.
— Não resista, Jasmine. Não faça o homem enfurecido ressurgir, eu quero ser carinhoso com
você, afinal estou diante da minha rainha, e se cooperar será bem prazeroso, tanto para mim, como
para você...
— Kyran — o interrompo, já aos prantos —, por favor, não me machuque, você é tão grande,
suas partes... são enormes — refiro-me à sua genitália — Eu sou tão pequena, mesmo que não
queira, vai me machucar, estou com medo...
— Shh! — Ele encosta seus lábios nos meus, sinto um frio na espinha quando ele faz isso — Já
disse, não sou o monstro que pensa, jamais machucaria a minha rainha.
— Não... não vou conseguir fazer tudo aquilo com você. — Murmuro, as lágrimas tomam todo o
meu rosto, meu corpo treme de pavor.
— Jasmine, não tenha medo. Hoje, não faremos tudo aquilo, o seu corpo não suportaria tamanho
furor, só quis que visse o que acontece entre um homem e uma mulher na intimidade. Você precisava
saber, nós faremos, sim, tudo aquilo, mas não agora, hoje será só a sua iniciação. Não se preocupe,
serei cuidadoso, carinhoso... isso se você quiser que eu seja, só depende de você. Saiba que eu nunca
fui carinhoso ou cuidadoso com qualquer mulher, eu sou um homem cru, não tenho sentimentos, no
entanto, por você serei o que quiser, só depende do seu comportamento.
Sou colocada sobre os travesseiros. Ele acaricia o meu rosto, fita-me com carinho, posso até dizer
que com desvairado fascínio. Seus lábios juntam-se aos meus e sua língua circula todo ao redor. Não
sei o que fazer, pareço uma pedra de tão dura, meus olhos nem piscam, penso até que vou morrer,
pois o meu coração bate acelerado demais.
— Jasmine, relaxe — Kyran sussurra, sua boca colada à minha, saboreando os meus lábios —
Beije-me, toque-me.
— Eu... eu não sei fazer isso, nunca beijei ninguém. — Gaguejo. Tento respirar, tento me mexer,
mas estou completamente paralisada.
— É só fazer o mesmo o que estou fazendo com a minha boca e com as minhas mãos.
Ele me lambe, e suas mãos passeiam por meu corpo, apertam os meus seios, minha vulva... Estou
com tanto medo, que nem consigo sentir nada, só pavor. Kyran pega minha mão e me força a
acariciá-lo. Enquanto ela estava em seu rosto e corpo tudo bem, mas quando ele a coloca em sua
genitália, sufoco e começo a soluçar e chorar desesperadamente.
Kyran ergue o corpo e fica me fitando. Aqueles olhos cinzas avaliam o meu rosto com extremo
cuidado. Apesar de tudo, não vejo feiura nele. Se ele fosse um homem feio, horrendo, seria até mais
fácil, mas... mas ele é lindo, e o seu olhar preocupado não contribui em nada.
— Respire, Jasmine — Seu hálito sopra em meu rosto — Respire. Diabo, você é tão inocente que
dói a minha alma, se eu tivesse uma. — Ele ri. — Relaxe, pegue o meu membro, envolva os dedos em
torno dele — Kyran aperta minha mão em sua genitália — Agora, alise-o — sua mão comanda a
minha. — Jasmine, sua mão é muito quente, o seu toque enlouqueceria qualquer homem, o calor das
suas mãos me faz sentir tão vivo. Eu posso me apaixonar por você só com o toque das suas mãos. —
Sua boca toma a minha — Agora beije-me, minha rainha.
Repito o que ele faz em minha boca. Ele espalha minhas pernas, e eu sinto o seu tamanho.
Começo a imaginar aquilo tudo tentando me violar, minha vagina é tão pequena, e a genitália dele tão
grande. O pavor toma conta do meu corpo, mas eu sei que não posso resistir, até aquele momento, ele
estava me tratando com carinho, com ternura. Entretanto, o que vou fazer com o pavor crescente
dentro de mim? Como vou me comportar quando o seu sexo estiver invadindo o meu corpo? Sem
saída, perdida em meus pensamentos e com um homem enorme em cima de mim, fecho meus olhos,
respiro fundo e começo a falar com o tal Deus que eu conheci no tal livro grande.
“Deus, se estiver me escutando, adormeça o meu corpo, não me faça sentir dor. Se tiver que sentir,
que eu perca os meus sentidos e só acorde quando tudo terminar. Por favor, só me ajude hoje, eu não
quero gritar, não quero chorar e não quero fugir, porque corro o risco de apanhar. Se o Senhor
estiver escutando e se existir mesmo, ajude-me.”
— Jasmine — penso ter escutado Deus, mas é o Kyran. — Relaxe as pernas, se continuar tensa,
mesmo que não queira, eu irei machucá-la. Prometo não forçar o meu membro em sua boceta, eu sei
que sou muito grande e leva tempo para se acostumar ao meu tamanho, só forçarei o suficiente para
deflorá-la, tirar a sua virgindade e torná-la minha.
Sinto o seu enorme e espesso sexo na entrada da minha vagina, e é uma sensação assustadora.
Como ele pode me pedir para relaxar, sou apenas uma menina que ainda brinca de bonecas. Nunca
pensei em beijos, quanto mais em homens no meio das minhas pernas. Ele só pode estar brincando
comigo, não tem como relaxar, não tem como não me sentir tensa. O medo está me consumindo, o
pavor dominando o meu corpo.
— Jasmine, por favor. Não faça isso, não tente fechar as pernas, será pior se fizer isso, a dor
será maior. Estou tentando ser cuidadoso, mas você precisa me ajudar...
Sou beijada na testa, em minhas bochechas, meus seios são cercados por suas grandes mãos, um
a um são acariciados. Ele força a minha entrada.
Fecho meus olhos e os aperto. Ele empurra novamente. A dor chega em meu cérebro, e o meu
corpo congela; solto um grito pavoroso e me prendo em seu corpo. Não sinto, nem vejo mais nada,
perco os sentidos. Só vejo a escuridão me tomando aos poucos. Já não sinto mais dor, já não sinto o
meu corpo, já não sinto o peso dele por cima de mim. Estou livre, estou em outro lugar, e, se pudesse,
não mais voltaria de lá...
Capítulo 12
Kyran
Jasmine solta um grito tão violento, quase a penetro profundamente devido ao susto que tomo.
Preciso reunir todas as minhas forças para não socar o meu membro dentro da sua vagina apertada.
Fico muito preocupado ao vê-la desabar do meu corpo logo após ter se agarrado com tanta força em
mim. Entro em desespero, não sei o que fazer, nunca passei por tal situação. Já deflorei tantas
mulheres, mas nunca me preocupei com suas dores ou incômodos, só com o meu prazer.
Ela está sem cor, fria e mal respira. Não consigo me mover mais. Saio de dentro do seu corpo,
olho para o meu membro, ele está coberto por seu sangue. Jasmine foi marcada por mim, agora ela é
minha, e ninguém poderá pôr as mãos nela, quem ousar fazer isso será um homem morto. Seguro o
seu corpo lânguido em meus braços e a beijo com carinho.
— Minha menina, não faça isso comigo, não me assuste assim. Jasmine... Jasmine, acorde! —
Agito o seu corpo com cuidado, beijo os seus cabelos, seu rosto, sua boca. — Minha rainha, abra os
seus lindos olhos azuis, por favor, acorde, minha rainha.
Ela não se mexe, sua respiração está tão lenta e o seu corpo tão frio.
Diabo! Ela precisa acordar, eu não fui tão duro assim, fui lento e carinhoso, meu membro nem
entrou todo.
O medo me domina. Não posso perdê-la, não agora.
Sim, estou apaixonado por ela. Mesmo não querendo, me apaixonei. Tentava e tento esconder
esse amor que devora o meu coração. Hoje foi o ápice dessa força avassaladora. Saber que a teria
em meus braços, que a transformaria em minha mulher, foi dominante demais. Quando o bruxo mais
velho do clã me disse que eu deveria reivindicá-la hoje, exatamente hoje, pois a lua apareceria
durante o dia, e com isso acalmaria as forças da natureza e na próxima manifestação de cura,
Jasmine não sofreria tanto impacto e não passaria tantos dias desacordada, fiquei mais que feliz. Sou
um homem impiedoso, aprendi a ser cruel como o meu pai, mas quando se trata da Jasmine, não sei
explicar, meu coração amolece, principalmente quando ela me toca.
Muitas vezes fui cruel com ela, eu precisava ser, pois não queria sentir essa fraqueza, esse
sentimento que me torna terno. Fiz coisas terríveis com ela, amedrontava-a com coisas que ela não
gostava, uma delas era mantê-la dentro do fosso escuro. Meu pai o usava para forçá-la a usar o dom
da cura. Continuei usando, só para mantê-la afastada de mim, só para não deixar que ela me
transformasse em um humano inútil. Infelizmente, não consegui mantê-la longe e sucumbi ao meu
desejo de tê-la em meus braços.
Sou um príncipe, fui criado para que todos me sirvam, joguem-se aos meus pés, principalmente as
mulheres, e quando eu desejo uma é só apontar o dedo, que na mesma noite, ela está em minha cama.
Entretanto, quando fui apresentado à pequena princesa bruxa branca, aquela menininha loirinha de
belos olhos azuis, eu soube na hora que ela seria minha perdição.
Tinha dezoito anos quando o meu pai me levou para conhecer a minha prometida. Jasmine tinha
apenas sete anos. Eu já sabia da sua existência desde que o meu pai a sequestrou, ela era só um bebê
de apenas três anos de idade, mas só fui autorizado a acompanhar a minha futura rainha quando
completei dezoito anos. Fui colocado a par de tudo, sempre soube dos poderes curativos da Jasmine,
ela é uma mina de ouro para o nosso povo desacreditado, por culpa do povo de Petra.
Soube também que o meu pai foi obrigado a destruir sua aldeia, para poder fazer cumprir a
profecia, se ele não tivesse feito isso, o rei de Petra não concordaria com o nosso casamento, já que
eles odiavam os descendentes de Gaar. Juraram que a profecia jamais se cumpriria se dependesse
dele, e os bruxos negros ficariam desacreditados para todo o sempre. Acompanhei o seu crescimento
e vi a menina se tornar uma linda jovem mulher. Dia a dia, a Jasmine ficava mais linda, e o meu desejo
por ela aumentava.
No nosso clã, as mulheres são preparadas desde sua primeira menstruação para receber um
homem, a cada moça é oferecido um homem, cabe a ele escolher o melhor momento para tomá-la
como sua. As que viram mulheres logo cedo seus donos as levam, e cabe a ele cuidar do que é seu, a
partir dali ela não tem mais pai, nem mãe, e nem irmãos; seu dono será a sua única família.
Meu pai sempre foi um homem cruel, ele tinha muita raiva do povo da Jasmine, desde pequeno
escutava dos anciões que a ancestral da Jasmine foi a culpada pela destruição do nosso povo. Tessa,
a penúltima bruxa branca da aldeia Petra, fez o nosso ancestral Gaar ser desmoralizado diante de
todo o povo, e por isso ele foi banido, ele e todo nosso povo. A partir daí, o ódio e a perseguição à
próxima bruxa branca passam de geração em geração, e o que o consolava era a profecia da união
do primogênito do grande líder do clã dos bruxos negros com a última bruxa branca, só assim nosso
clã iria voltar à glória e ao poder. Quando Jasmine alcançou a idade de dez anos, seus poderes já
estavam na cor lilás, e assim passou a ser curativo, e ele a obrigou a curar as pessoas ricas em troca
de gorda quantia.
Jasmine se tornou o nosso pote de ouro. Só que ela não foi iniciada, e os seus poderes a deixam
fraca. Dependendo do estado avançado do doente, a cura poderia levá-la à morte. Toda bruxa
branca precisa passar por uma penosa iniciação, uma espécie de treinamento, para equilibrar os seus
chacras, no entanto, meu pai não quis e nem se importou com isso. Contudo eu me importo, não quero
perder minha rainha, e estou tentando fazer a coisa certa agora.
Graças a Jasmine temos mais dinheiro do que muitos clãs das redondezas da Irlanda. Temos
conexões além da imaginação de qualquer ser humano. Vivemos uma vida boa e confortável, o poder
nos cerca, a riqueza impera, apesar de sermos seres sombrios, imersos em cinzas, tão cinza quanto a
cor dos meus olhos.
Agora, eu preciso mantê-la a salvo. Juntos, eu e ela seremos indestrutíveis. Ela com o dom da
cura, e eu com o controle de tudo e de todos. Enquanto ela não souber sobre o seu dom, eu a terei a
salvo, cuidarei dela, não a deixarei sofrer nenhum dano, para isso serei cuidadoso e a iniciarei com os
melhores bruxos conhecedores da origem das bruxas brancas.
Minha rainha, minha linda menina mulher.
Ela continua quieta e fria. Se ela não acordar, precisarei chamar um dos médicos da aldeia.
— Jasmine, acorde. — Sinto a sua respiração inflar o seu peito. Ela abre os olhos, estão
assustados, medrosos.
— Por.… por favor, não me machuque mais, não faça mais aquilo. — Acho que sinto raiva de
mim, pois os olhos dela derramam lágrimas de medo... medo de mim.
Minha intenção não foi machucá-la, eu quero muito que ela goste de mim. Eu sei que não
colaborei para que isso acontecesse, entretanto, eu preciso que ela me ame.
— Shh! Não quis machucar você, espero que entenda que havia necessidade de fazer isso. Você
é minha, Jasmine, e agora que já foi feito o que manda a tradição da nossa família. Em breve nos
casaremos e tudo caminhará para o bem maior, o bem do nosso povo.
— Eu... eu não quero ser sua rainha, eu não quero me casar com você. Por favor, deixe-me
voltar para o meu cativeiro, eu não gosto de você.
As mãos de Jasmine me afastam do seu corpo, ela se debate, grita. Não é isso que eu espero,
mas o que eu esperava? Amor?
Jasmine não me amará, eu não passo do seu carrasco, agora sei disso. Ela prefere ficar
aprisionada do que viver ao meu lado.
— Não... não, você não vai voltar para o cativeiro, ficará aqui até se acostumar comigo, viverá
ao meu lado, quer você queira ou não. Não me obrigue a ser cruel.
Levanto-me da cama e a puxo para os meus braços. Jasmine se esperneia, luta contra o meu
aperto. A levo para o banho, limpo o sangue entre suas pernas, depois a levo de volta para a cama.
Vou até o armário de roupas e trago comigo uma linda camisola de seda, e a visto com ela.
— Esse é o nosso quarto, e de hoje por diante, você dormirá ao meu lado. Comporte-se e
agrade-me, assim não sofrerá as consequências. Um serviçal, todas as manhãs, virá para lhe
acompanhar nas caminhadas matinais, depois você voltará para dentro da casa. Não pense em fugir,
pois será impossível.
Jasmine soluça, cobre o rosto com as mãos, suas lágrimas escorrem por seu queixo.
— Cale-se, não vejo motivos para choro. Cale-se ou eu mesmo a calarei.
Seu choro é silenciado imediatamente.
Nesta noite, não durmo ao seu lado. Estou furioso, não com ela, mas comigo. Fui um tolo quando
pensei que Jasmine se apaixonaria por mim. Eu a quero tanto, preciso tanto do seu amor, mas ela me
odeia e vai demorar bastante tempo para que ela pelo menos me olhe com um pouco de carinho.
Durante os sete meses que Jasmine ficou morando comigo, foi praticamente impossível ficar ao
seu lado sem poder tocá-la. Dormíamos na mesma cama todas as noites, o desejo correndo solto em
meu corpo, fazendo-me a querer mais a cada dia, a cada noite. Recorri ao sexo com outras mulheres,
mas não tive sucesso, pois o único rosto que eu via era o da minha menina rainha.
Respeitei os medos dela, eu me sentia culpado por ele, afinal, praticamente a violentei, mesmo
que queira não acreditar nisso, no entanto, já não suporto mais a sua indiferença, ela precisa me
aceitar, e isso não vai acontecer se ela continuar mantendo essa distância. Eu preciso fazer algo, então
recorro à medicina, não farei nada com a Jasmine se não tiver a certeza que ela está bem.
Os médicos a examinam e me dizem que o corpo de Jasmine está pronto para me receber. Que
eu não devo me preocupar, Jasmine já é uma mulher com o corpo completamente formado, apesar da
idade. É a vantagem de ser uma humana especial. Fico animado, já tenho autorização médica, no
entanto, no fundo do meu coração, eu quero a autorização dela, não quero ser rejeitado, preciso
muito ser recebido de braços abertos e sorriso nos lábios. Passo o dia inteiro pensando em quando a
encontrar à noite, em nosso quarto. Meu membro fica duro todas as vezes que esses pensamentos vêm
em minha cabeça.
A noite chega. Quando entro no quarto, ela já está dormindo, ou finge que dorme, às vezes, eu
acho que sim. Deito-me ao seu lado, o cheiro delicioso dela inebria os meus sentidos.
Viro-me de frente para o seu corpo, minhas mãos vão para os seus longos cabelos loiros.
Aproximo-me dela. Toco em seu rosto com as pontas dos dedos, corro-os carinhosamente por todo ele,
desenho seus lábios. Após essa tortura gostosa, meus dedos descem por seu pescoço, ombros e pela
junção dos seus seios. Desço a fina alça da sua camisola, deixo os seus seios nus.
Jasmine não se mexe, não transmite sequer um som. Baixo minha cabeça em direção aos seus
seios e os provo. Eles são tão quentes, tão macios. Estou tentando ir devagar, eu a desejo tanto, tenho
medo de ser afoito e a assustar. Solto os seus seios e fico desenhando o seu contorno com os meus
dedos, eles são tão bonitos. Fico de joelhos na cama e a viro de barriga para cima. Ela continua inerte,
não abre os olhos e não se move. Retiro sua camisola, sua calcinha, deixo-a nua.
Seu corpo é pura tentação, salivo quando vejo tudo aquilo. Ela é minha, sou o seu dono, e a amo
tanto, por que não posso possuí-la?
Minha língua saboreia cada pedacinho da sua pele macia. Ela nada faz, estou fazendo carinho
em uma linda boneca inanimada. Aquilo me perturba, sinto raiva, fico arrasado. Nunca, em toda minha
vida, uma mulher me rejeitou. Mesmo as que eu tomava à força, elas sempre correspondiam depois de
muita luta, sempre se entregavam, no entanto, a minha mulher me ignora por completo. Engulo o meu
orgulho, dispo a minha roupa e me deito sobre ela. Roço-me em seu corpo, eu estou tão duro que o
meu membro dói. Procuro os seus lábios e os junto aos meus. Ela não reage, preciso forçar minha
língua para que entreabra a sua boca. É um beijo frio, sem emoção.
Abro suas pernas com os meus joelhos, e o meu corpo fica entre elas. Meu membro roça a sua
boceta. Então, enfim o corpo dela estremece. Jasmine se encolhe, choramingando baixinho.
— Por favor, não me machuque... — olho para ela, atordoado.
— Minha menina, olhe para mim. Eu não vou machucar você, só quero senti-la novamente. Olhe
para mim, Jasmine.
Seu corpo está tão tenso, que até os seus tremores são quase imperceptíveis.
Encosto meu membro na entrada da sua boceta. Não tenho a intenção de penetrá-la, só quero
sentir o seu calor, só quero que ela sinta prazer quando começar a roçar-me nela, quem sabe assim
ela me deixe, pelo menos, colocar só a cabeça em sua entrada. Já ficarei satisfeito só com isso, será
um grande passo para sua aceitação a mim.
Finalmente, ela abre os olhos e me encara. Mas o que vejo através deles não é nada agradável.
Eu vejo medo, muito medo.
— Seja rápido, se você vai me possuir, seja rápido, quem sabe eu tenho a sorte de desmaiar
outra vez.
Foi como se tivessem jogado um balde de água fria em minha cabeça. Meu membro perde a
ereção instantaneamente. Saio de cima dela imediatamente e corro para o banheiro. Desabo, as
lágrimas escorrem por minha face, os soluços apertam a minha garganta. Nesse momento, o céu
desaba também, uma tempestade cai sobre o vilarejo, raios, trovões e relâmpagos fazem festa no céu.
Limpo minhas lágrimas e saio do banheiro.
— Troque-se, você voltará para o cativeiro agora, não ficará nem mais um minuto aqui.
Visto minhas roupas e vou à procura de alguns homens para levá-la embora. Ela não pode ficar
mais ao meu lado, corro o risco de fazer alguma besteira, ou pior, irei estuprar a minha própria
mulher.
Naquela mesma noite, Jasmine vai embora. Não volto mais para o meu quarto, não a vejo partir,
tranco-me em meu gabinete e bebo até cair.
Jasmine
A chuva cai forte, os trovões são assustadores. Estou com tanto medo, só escuto o uivo do vento.
Demora mais do que o normal para o carro chegar ao seu destino final, meu cativeiro. Desta vez, meu
rosto não foi coberto e eu posso ver tudo ao meu redor. Mesmo com a escuridão da noite dá para ver
as árvores, a casa e o rio logo à frente. Ele está escuro e suas águas estão quase transbordando a
margem. Um dos homens segura por meu braço e me ajuda a descer do carro. Um deles buzina, e
logo a luz da casa é acesa. Quando Nina abre a porta, sou empurrada com força, quase escorrego
na lama.
— Anda logo, sua bruxa maldita, espero que tenha aproveitado as mordomias da casa grande,
pois voltou para a miséria outra vez.
O homem bigodudo fala, com desdém, e sorri com escárnio.
— Venha, menina. O senhor Kyran acabou de ligar, ele queria saber se você chegou bem. — Ela
encara os dois homens — O senhor Kyran ficará sabendo de cada palavra que os senhores acabaram
de falar.
Eles me levam até a porta, mas não dizem mais nada, dão meia-volta e vão embora. Entramos
em casa, e eu me sinto aliviada. Pela primeira vez, me sinto feliz por estar em meu cativeiro.
Nina me banha, me veste com uma roupa quente e me põe na cama. Os raios e relâmpagos
iluminam o meu quarto, e o som dos trovões, minutos após os clarões, são assustadores. Eu li no livro
grande que o tal Deus mandou um temporal à Terra, para mudar o destino dos seus habitantes, pois o
povo não estava sendo merecedor daquela terra, então ele mandou um dos seus seguidores construir
uma enorme arca e separar um casal de cada espécie de animal, juntou os seus familiares e entraram
no grande barco. A terra seria lavada com aquela chuva e tudo iria recomeçar após a tempestade.
Quem sabe a minha vida terá um novo recomeço após essa tempestade. Termino adormecendo com
esses pensamentos.
Acordo com um enorme estalo. Quando abro os meus olhos, estou cercada por água, a
correnteza do rio derrubou a parede. Chamo pela Nina, mas ela não responde. Em poucos minutos, a
água já está em minha cintura, ela entra tão rápido que, em um piscar de olhos, meus pés já não
alcançam o chão. Entro em desespero, eu não sei nadar.
Um enorme tronco de árvore passa em minha frente, me apoio nele e me deixo ser levada. Vejo
o corpo de Nina boiando entre os destroços da casa. Fecho os meus olhos e sou levada pela
correnteza. Em certa altura, meus braços escorregam do tronco e mergulho nas águas profundas e
sujas. Começo a me afogar, tento a todo custo segurar em alguma coisa, mas não encontro nada.
Deus, será que vou morrer?
Começo a bater as mãos e os pés com desespero. Eu vou morrer... eu vou morrer...
Capítulo 13
Estou preparando o café, quando escuto um grito. Largo tudo sobre a pia e corro em
direção à cama. Jasmine se move entre os lençóis, parece que sente muita dor. Debate-se, seus pés
e mãos se movem no ar com desespero, ela grita e chora ao mesmo tempo. Fico parado sem saber
o que fazer. Então, jogo-me na cama e a abraço.
— Socorro... Socorro! Ajude-me... ajude-me...! — Ela está além dos parâmetros da dor, não
tem consciência do que está acontecendo ao seu redor — Estou morrendo, minha cabeça está
sangrando, estou sufocando, su...fo...cando — Jasmine começa a tossir sem intervalos. Eu tento
acordá-la, mas ela está presa naquele maldito pesadelo. — Estou morrendo... morrendo... — gotas
de suor rolam em sua testa, sua dor é verdadeira, não é simplesmente um sonho.
Preciso tirá-la daquela agonia, ou ela não suportará aquela dor por tanto tempo.
— Jasmine, acorde. Acorde, pequeno anjo. Meu amor, acorde. — Aquele intenso sofrimento
continua, Jasmine se debate em meus braços.
— Preciso sair daqui, preciso encontrar terra, alguém tem que me ajudar...
Por um breve momento, ela para de respirar, e o horror toma conta de mim. Morto de medo,
começo a chacoalhar o seu corpo com força. Ela parece uma boneca de pano, não se move e nem
respira.
— Jasmine... Jasmine! — Grito o seu nome enquanto a sacudo.
São alguns minutos de pleno pavor vividos por mim, até que finalmente ela grita
desesperadamente.
— SOCORRO! — Seus olhos se abrem e finalmente, eles encontram os meus.
Envolvo-a em meus braços, finalmente ela saiu daquele inferno. Ela repousa a cabeça em meu
peito, respirando pausadamente, seu corpo ainda convulsiona devido aos soluços. Quando ela se
livrará dessas dores profundas? Ou melhor, o que aconteceu no seu passado para levá-la a este
trauma implacável? Talvez um dia ela me conte, nem sei ao certo se ela lembra o seu pavoroso
passado.
O cansaço faz com que ela respire profundamente. Acaricio os seus cabelos e as suas costas.
Beijo sua testa suada, apertando o seu corpo de encontro ao meu.
— Eu estou aqui, meu amor. — Afasto-me um pouco e seguro o seu rosto com minhas duas
mãos.
Ela sorri levemente e fecha os olhos, tentando recuperar as suas forças. O que quer que
tenha acontecido naquele pesadelo, a deixou completamente esgotada.
— Você promete que nunca irá me abandonar, promete?
Ela sussurra. Sinto um pouco de medo em sua súplica, se pudesse, a agarraria e a envolveria
para sempre em meus braços. No entanto, o meu medo é sobre mim mesmo. Como posso fazer tal
promessa se, assim como ela, não sei o que me reserva o futuro? Tudo é tão incerto, contudo, eu
não posso deixá-la na dúvida, nesse momento, eu posso protegê-la de tudo e de todos.
— Ninguém, em sã consciência, vai machucá-la, meu anjo. Protegerei você, nem que seja com
a minha própria vida.
— Sinto-me protegida ao seu lado, Moço Bonito. — Arqueio uma sobrancelha e sorrio,
beijando-a levemente nos lábios.
— Durma mais um pouco, você precisa descansar. — Meus lábios ainda estão colados aos
dela quando digo isso.
— Você deita comigo? — Ela pede.
Enquanto a coloco sobre o travesseiro, deito-me ao seu lado, abraçando o seu corpo. Fecho
meus olhos, e em pensamento eu peço, com toda a força do meu coração, que nunca mais o meu
pequeno anjo tenha esses pesadelos.
Jasmine dorme tranquilamente. Deixo-a encolhida entre os lençóis e abraçada ao meu
travesseiro. Volto para a cozinha, olho à minha volta e desejo ardentemente que este minúsculo
cubículo tivesse janelas, que eu as pudesse abrir e assim, o ar fresco da manhã pudesse entrar
através delas, mas infelizmente não dá. Há janelas, sim, no entanto, algumas estão fechadas por
tapumes, e a única que está livre de vidros e tábuas não dá visão para nada, só a pedras e
ferros retorcidos. Agora que estou trabalhando e não ganho tão mal assim, posso começar a
procurar um outro local para a Jasmine. Sim, vou começar a sondar pelas redondezas da obra,
quem sabe tenha sorte.
Faço o café e esquento o leite. Flashes de imagens distorcidas surgem em minha mente quando
coloco os copos e a cesta de pão na pequena mesa improvisada – dois cavaletes e uma porta de
madeira. Vejo uma mesa muito bem-posta, taças, xícaras de porcelanas e vozes.
De repente, me sinto mal, vem uma forte dor de cabeça. Apoio minhas mãos sobre a madeira
da mesa, respiro fundo, conto até três. Aos poucos, vou voltando ao normal, meus ombros relaxam
e a dor desaparece.
Tento ficar calmo, não posso deixar que esses flashes perturbem os meus pensamentos. Respiro
fundo outra vez.
— Black! Black! — A voz preocupada da Jasmine me traz de volta. Olho para ela — Você
está bem? Está tão pálido.
— Estou bem — respondo imediatamente, não quero que ela se preocupe. — E você, sente-se
bem? — Vou até ela e a abraço, envolvo sua cintura com os meus braços. Puxo-a para mais perto,
beijando os seus lábios. — Já ia chamá-la para o café da manhã.
Jasmine olha para a nossa mesa posta, admirada, analisando cada detalhe. Depois vira
aqueles olhos lindos para o meu rosto, sorrindo.
— Moço Bonito, desse jeito o senhor vai me deixar mal-acostumada, vou ficar preguiçosa. —
Beija meu rosto e corre para se sentar. — Estou esfomeada, acho que não como há séculos. —
Corta um pão com as mãos e o leva à boca. Respira fundo e se abana — Nossa! Hoje está
abafado, mal consigo respirar — ela olha em direção à janela da cozinha. — É impressão minha
ou a parede do outro lado andou mais um pouquinho para cá?
Só então que percebo, que a parede do outro escombro está inclinada em direção ao prédio
que moramos. Aquilo significa que, a qualquer momento, aquela parede cairá sobre nós.
— Puta merda! Essa porra vai desabar a qualquer momento. — Vou até a janela e observo
com mais detalhe — Jasmine, você nunca pensou em sair daqui?
— Para onde!? Esse local foi um dos quais mais me demorei, sempre mudava de local em
curtos períodos de tempos, ficar muito tempo em um só lugar não é seguro e me deixa nervosa.
Não quero que os que me perseguem tenham alguma vantagem sobre mim.
Ela fica nervosa ao dizer a última frase, seu peito sobe e desce rapidamente. Já está na hora
de tirá-la deste lugar. Se é para protegê-la, preciso fazer a coisa direito.
Volto para perto dela, me inclino sobre ela e beijo a sua testa.
— Vou tirá-la daqui ainda esse mês, vou começar a procurar outro lugar hoje mesmo.
Recebo uma golfada de café no rosto.
— Desculpa, Moço Bonito, mas me engasguei com o que me disse. Como você vai fazer isso,
por acaso o senhor ganhou na loteria?
Ergo o corpo e vou até a pia. Enquanto me limpo, respondo à sua pergunta.
— Não, mas tenho um trabalho, e para o seu governo, não ganho tão mal assim, dá muito
bem para pagar um aluguel em um local mais decente do que esse, e o principal, muito mais
seguro.
— Nossa! Já começou a esnobação. Daqui a pouco vai querer comprar um carro. — Sua
ironia é até engraçada, mas estou falando sério, hoje mesmo começo a procurar um outro local
para morarmos.
— Um carro já é exagero, mas posso comprar outras coisas, e não duvide disso, senhorita
Irônica. Agora venha cá, — puxo-a para o meu colo. — Você, querendo ou não, precisa entender
que agora sou o seu homem, e é meu dever cuidar de você em todos os sentidos, não abrirei mão
disso em hipótese alguma. Vá se acostumando a isso, minha linda, adorável e teimosa mulher.
— Sim, senhor! — Jasmine bate continência — Só não queira me amarrar à cama e me
manter a pão e água quando aprontar da minhas, porque, senhor Moço Bonito, eu irei aprontar.
— Bem, a pão e água não a deixarei, mas amarrá-la à cama não é uma má ideia —
arqueio uma sobrancelha e sorrio com malícia. — Passou umas cenas em minha cabeça com o que
posso fazer com a senhorita amarrada à cama, fiquei cheio de tesão, só não ponho em prática
agora porque preciso trabalhar.
Jasmine desce do meu colo rapidamente.
— Moço Bonito, às vezes o senhor me assusta — recebo um beijo bem ousado — Vou com
você, não posso me dar ao luxo de perder esse trabalho, já que o meu homem quer alugar um
imóvel para morar.
— Sobre isso conversaremos depois, e que fique bem claro: quem sustenta você sou eu, quem
paga as contas sou eu, o seu dinheiro é seu, o meu dinheiro é nosso. Agora vamos.
Jasmine franze a testa enquanto se vira para ir ao banheiro.
— Você é muito mandão, Moço Bonito, será que vai me proibir de trabalhar? — Coloca a
cabeça para fora através da cortina de pano.
Suspiro.
— Por enquanto não, mas estou pensando seriamente nisso, e antes que comece a brigar,
quero ressaltar que estou pensando em sua própria segurança, já que pessoas perigosas estão à
sua procura, portanto, é melhor se manter segura em casa.
— Black, não precisa me proteger, já lhe disse que sei me defender sozinha, passei a maior
parte da vida nas ruas por minha conta, não quero depender de você, entendeu?
— Sozinha não mais, agora você tem a mim, e acabou essa conversa. Quem manda nessa
porra sou eu e pronto! Passe, se quiser ir trabalhar.
Deixo Jasmine aos cuidados do C4. Sinto um pouco de tristeza nos olhos do meu pequeno anjo
sempre que eu me afasto dela, noto essa tristeza em seus olhos. Beijo-a com paixão e a faço
prometer me esperar, pois ela vai voltar comigo para casa.
Capítulo 14
Estou servindo o almoço para alguns clientes do C4, quando Black chega, todo eufórico. Não
entendo a sua pressa, praticamente sou arrastada do meu trabalho. Tento argumentar com ele, mas
não obtenho nenhuma explicação. Há dias que o Black anda misterioso, taciturno, às vezes fico até
com medo, pois penso que ele recobrou a memória e me esconde isso.
— Black, não darei mais um passo se você não me explicar o que está acontecendo. —
Empaco no lugar e puxo meu pulso da sua mão. Ele me olha com as sobrancelhas arqueadas.
Ele passa a mão sobre o cabelo e fita-me com impaciência. Esses últimos dias não foram muito
legais, pois com o suspense do senhor misterioso fico com os nervos à flor da pele, sempre imagino
que ele vai embora a qualquer momento.
— Black, por favor, me conte logo, não suporto mais esse mistério.
— Não, você vai ter que confiar em mim. — Ele responde, categórico. Engulo em seco. Isso me
irrita no Black, com ele não tem conversa quando toma uma decisão, não há quem lhe faça voltar
atrás.
— Podemos continuar andando, ou terei que levá-la nas costas?
— Você é insuportável, odeio você! — Passo à frente dele, batendo os pés no chão sem
asfalto, a poeira sobe a cada passo que dou.
Estou nervosa, sei que ele está aprontando. Não gosto de surpresas nunca gostei. Black me
alcança em dois passos. Andamos alguns quarteirões até que chegamos à rua principal, onde há
muitos carros, algumas lojas e uma variedade de comércio.
— Black, o que estamos fazendo aqui? — Pergunto.
— Saberá em breve. Agora, não solte a minha mão, essa rua é muito movimentada, há carros
por todos os lados e não há sinalização de trânsito.
Caminhamos mais uns cinco minutos, até que ele para.
— Gostou daqui? — Black mostra o local com a mão, ficando às minhas costas para eu
observar o ambiente que ele aponta.
Paramos em frente a uma pracinha arborizada, há alguns brinquedos espalhados em pontos
estratégicos e algumas crianças brincam. Pego os meus cabelos com as mãos e o retorço, trazendo-
os por sobre os meus ombros. Começo a alisá-los, estou nervosa, pois não tenho ideia do que estou
fazendo ali, naquela parte desconhecida da cidade. Nunca me aventurei por essas bandas.
Olho para ele e assinto com a cabeça, no entanto, continuo passando a mão nervosamente
sobre o meu cabelo. De repente, duas mãos cobrem os meus olhos.
— Quieta, fique calma, é uma surpresa. Só confie em mim — diz ele calmamente.
Sou guiada por Black. Passos incertos, pois não sei onde estou pisando. Escuto um tilintar de
algo, depois um clique, em seguida um ranger, parece um portão de ferro.
— Vamos subir alguns degraus, não se preocupe, estou a segurando.
Subimos quinze degraus ao todo, até pararmos. Escuto o tilintar outra vez e outro clique, e sou
guiada novamente.
— Vou retirar as mãos dos seus olhos, mas só os abra quando eu mandar, ok? — Assinto com
a cabeça, estou nervosa demais para falar alguma coisa.
Black afasta as mãos do meu rosto, mas permaneço com os olhos fechados. Não nego, estou
doida de vontade para abri-los e acabar de vez com a minha curiosidade.
— Pode abrir os olhos.
Meus olhos ficam de frente a paredes azuis. Uma sala com um piso de cerâmica branco, uma
grande janela com vista para a praça. Perto da janela há um sofá de três lugares e uma pequena
mesinha de centro, logo depois uma pequena mesa redonda de tampo de vidro, com quatro
cadeiras. Olho para todo o lugar com admiração, Black permanece calado, só me observando.
Ando alguns passos e vejo a entrada da cozinha, nela há uma pia de inox, com fogão, dois
armários de aço e uma geladeira. Um pouco mais à frente é a área de serviço, com uma
lavanderia e uma bancada em cimento.
Fico sem palavras, não sei direito o que significa tudo aquilo, mas continuo examinando todo o
local. Saio da cozinha, volto para a sala e sigo por um corredor. Há duas portas; abro uma. É o
banheiro, todo branquinho, até a louça sanitária é branca, e o que mais me encanta é o chuveiro
elétrico. Fecho a porta e abro a outra. É o quarto, já com uma confortável cama de casal e um
guarda-roupas. As paredes estão pintadas de lilás, combinando com as cortinas brancas que
cobrem a grande janela de vidro.
Olho por cima do meu ombro direito. Black está bem atrás de mim, com aquela sobrancelha
arqueada. Ele tem essa mania, quando quer me perguntar algo ou me surpreender.
— Gostou? Porque se não gostou podemos mudar tudo, posso pintar da cor que você quiser...
— Black — o interrompo — o que significa isso? Não é o que estou pensando, é? — Ele
assente com a cabeça, sorrindo — Ficou doido, não podemos pagar por isso, caralho! Isso deve
custar uma fortuna! Cacete, Black!
— Deixe que com isso eu me preocupo, só quero saber se você gostou, porque se não quiser
mudar nada, podemos mudar para cá hoje mesmo, já fechei o contrato com o proprietário.
Meu coração acelera, quase tenho uma síncope.
— Caralho, seu filho da puta, você só pode “tá” de sacanagem comigo!
Ele sorri, arqueando a sobrancelha. Não, não, ele não está brincando, Black fala sério, acabo
de ganhar uma casa nova.
Black me olha interrogativamente. Dá um passo em minha direção, e olho fixamente para ele.
— Anjinho — Depois de alguns minutos analisando o meu rosto, ele completa: — Já não
conseguia dormir nem trabalhar direito, morto de preocupação com a sua segurança, tinha a
impressão que, a qualquer hora, aquela porra de parede despencaria sobre nós.
Meu rosto suaviza, e eu fico feliz, contudo, ainda continuo nervosa, pois minha mente não para
de pensar em como vamos pagar tudo aquilo. Olho para ele, estreitando os olhos.
— Acho que devemos conversar antes de mudarmos para cá — Digo, com uma voz séria.
Os olhos de Black arregalam, mas continuo com o olhar estreito, não me intimido.
— Conversarmos sobre o quê? — A expressão de Black não altera. — Já disse e repito, se
preocupe só em separar as coisas que trará para cá.
— Não é justo, Black. Eu não posso ajudá-lo com as despesas, o que ganho é tão pouco, não
quero que gaste todo o seu dinheiro comigo.
Recebo um carinho no rosto, e assim que sua mão me toca, minha pele aquece. Fecho meus
olhos, deixando-me ser guiada por aquele turbilhão de sentimentos que um simples toque ‒ o toque
dele ‒ faz em meu corpo, que ganha vida. Sou levada até a cama, ele faz com que me sente, em
seguida se agacha, fixando os olhos em meu rosto.
Torço minhas mãos nervosamente, eu o conheço, certamente ele me dirá algo, e este algo me
convencerá em questão de segundos.
— Pequeno anjinho, não se preocupe com o aluguel. Valter, o meu patrão, não o cobrará. Esse
imóvel é dele e estava vago. Ele tem outros imóveis pelos arredores da construção, são oferecidos
aos encarregados que precisam ficar mais próximos à obra, portanto, ele está à minha disposição.
— Sua mão circula o meu queixo, recebo um lindo sorriso — Mais tranquila agora?
— Estou — digo firmemente, encontrando seu olhar e devolvendo o sorriso.
— Só ganho um riso amarelo, não mereço nem um beijo, talvez um abraço? — Ele arqueia a
sobrancelha e sorri.
Pulo em seu pescoço e o encho de beijos, quase o mato sufocado.
— Calma, calma! A surpresa não acabou por aqui.
— Como assim?! — O empurro e corro para a janela do quarto. Black fica me olhando sem
entender o meu rompante, viro a cabeça para onde ele está — Onde você estacionou o carro?
Black solta uma gargalhada sonora.
— Pequeno anjinho, ainda não enriquei. Vá até o guarda-roupas e abra-o.
Corro até lá e o abro. Lá dentro há uma sacola plástica. Pego-a e vasculho com a mão o seu
conteúdo, em seguida o retiro com cuidado.
— Meu Deus! É lindo, Black, é o vestido mais lindo que já vi em minha vida.
Black vem até mim e circula os braços em volta da minha cintura. Recebo um beijo leve nos
lábios. Sua testa encosta na minha e os seus lindos olhos verdes encontram os meus.
— Quero que o vista hoje à noite, levarei você para jantar fora. E antes que comece a saltar
feito uma pulga alegando que não podemos fazer isso, não é um jantar cinco estrelas, vamos a
uma pizzaria bem mixuruca, mas é a única que eu posso pagar.
Eu o puxo para mais perto, e nossas bocas se encontram em um beijo voraz, carregado de
desejo. Minhas mãos passeiam por seu peito, vão descendo por seu abdômen duro até chegarem à
frente da sua calça jeans. Ele já está muito excitado, pronto para mim. Meus cabelos são
entrelaçados por seus dedos e puxados com força, minha cabeça vai para trás, e aquela boca
linda cerca o meu queixo, mordendo-o sem nenhum carinho. Black não é nada amável quando me
quer; ele é cru, animal, faminto, devorador.
Sua outra mão abre o botão da minha calça, depois desce meu zíper. Eu o ajudo a me livrar
dela, fico nua rapidamente e ele também.
Meus pés ficam suspensos, em segundos minhas costas encontram-se com a parede lilás do
nosso futuro quarto. Monto na cintura de Black e sou preenchida por seu imenso membro. Minha
vagina está faminta, molhada e ela é muito gulosa, não fica satisfeita com pouca coisa, ela quer
tudo dele.
— Foda-me com força, Black. — Meu olhar não nega o que eu quero dele, quero o lado
animal que ele guarda só para mim.
— Assim — Estoca com força, minhas costas batem na parede — Quer mais forte? — Ele
pergunta, ofegante.
— Muito lento, mais duro, foda-me mais forte...
Sua boca cobre a minha, minha língua é mordida e sugada. O beijo é devasso.
— Você gosta de ser fodida assim, já percebi isso — enquanto fala, soca com força, beija-me
com força, aperta-me com força. — Você me enlouquece, pequena diabinha, sou louco por você,
doido varrido por você...
Prendo minhas pernas com força em sua cintura e o puxo para mim. A luxúria cresce,
dilacerando nossos desejos. Black se afunda em minha vagina com vontade, estoca o meu corpo
olhando no fundo dos meus olhos. Eu gosto disso, gosto de ver o prazer que dou a ele.
— Linda! Você é tão linda que tenho até medo de estar sonhando quando fico tão próximo a
você.
Seguro o seu rosto com as duas mãos e o beijo com devassidão.
— Quente, suas mãos me queimam de tesão — sua boca se separa da minha, não por muito
tempo, pois logo ela está me devorando.
Black começa a entrar e sair com rapidez, seu membro me deixando zonza, suas mãos
apertando minha bunda. Ele estoca com força, o barulho da batida dos nossos corpos ecoando no
quarto. Não suporto o fogo que me queima de dentro para fora, me agarro ao seu corpo, grito
com força, apertando-me a ele, o orgasmo dando vida ao meu corpo em espasmos ferozes.
Segundos depois, Black suspende o meu corpo, retirando o seu membro da minha vagina. Seu
prazer é liberado em minha vulva, deixando-a branca com seu líquido leitoso.
— Você me enlouquece, sabia? — Recebo vários beijos enquanto continuo colada ao seu
corpo. Vamos para o nosso chuveiro inaugurá-lo, tomamos um delicioso banho quente.
— Preciso voltar para a obra, mas antes vou deixá-la em casa, quero que separe as coisas
que quer trazer para cá, e às dezenove horas vou buscá-la para jantarmos, ok?
Assinto com a cabeça. Felicidade é o meu sobrenome, já que não tenho um. Começo a pensar
que, enfim, encontrei a minha razão de viver. Ele, o meu Black. Meu homem.
Às dezenove horas, já estou vestida em meu lindo vestido azul, com decote canoa, justo na
cintura e soltinho nos quadris. Ele tem detalhes em renda no barrado da saia. Prendo meus cabelos
em um rabo de cavalo e aperto as bochechas para que elas fiquem mais coradas. Olho para os
meus pés. Eles não entrariam em lindos sapatos ou sandálias altas, teriam que se conformar com a
sandália rasteira.
— Nossa mãe! Você está linda. — Black está bem atrás de mim, estou tão distraída que nem
o vi entrar. — Bem, depois de vê-la assim nem vou esperar chegar à pizzaria, já vou dar o meu
outro presente.
Quase voo em sua direção. Black está perdendo o senso do controle financeiro. Ele estende as
mãos, e nelas está um pacote retangular.
— Antes que me xingue ou jogue o presente em minha cara, quero esclarecer que este
presente é tão necessário quanto a nossa nova casa. Um amigo da obra vende produtos
importados e facilitou o pagamento, ele dividiu em três vezes. Pegue-o.
A contragosto, pego o embrulho e o desembrulho.
— Caralho! Você ficou doido completamente, só pode! Black, isso é exagero.
— Não, não é, eu fico louco sem ter notícias suas quando estou trabalhando, e ele vai
sossegar o meu coração. Comprei esse para você e um mais simples para mim.
Meus olhos nem piscam, bem diante deles está um celular lindo de viver. Quando, em minha
vida, que eu ia imaginar possuir um aparelho desse?
— O seu tem câmera, comprei um cartão de memória com bastante gigas, você pode tirar
quantas fotos quiser e armazenar nele. Você sabe usar isso, não sabe?
Ele me olha com aquela sobrancelha arqueada.
— Claro que sei. A Vivi tem um, ela me ensinou a usar. Ele é lindo, Black! Vem, vamos tirar uma
foto agora.
Posiciono o celular em modo self. Junto minha boca a dele e tiro a foto. Acho que devo ter
tirado umas vinte fotos, só do caminho de casa até chegar à pizzaria.
A pizzaria é simples e não está cheia, só há três pessoas em duas mesas. Nos sentamos em
uma mesa bem no fundo. Meu coração está acelerado, nunca entrei em uma pizzaria, o mais perto
que cheguei a um restaurante foi nos fundos, para ser mais exata, nas suas respectivas lixeiras,
para procurar restos de comida, e bem no início da madrugada.
Olho fascinada para o lugar, as mesas cobertas por suas toalhas de plástico vermelhas, as
cadeiras plásticas cobertas por uma lona também vermelha, o longo balcão de madeira, onde fica
provavelmente o dono, e ao redor do salão dois atendentes.
Meus dedos não param de dedilhar em cima da mesa.
— Nervosa? — Ele segura minha mão nervosa e me dá um olhar de compreensão.
— Sim. É tão óbvio assim? — Digo, com um leve sorriso nos lábios. Black toca em meu rosto
com as pontas dos dedos, depois puxa minha mão para os seus lábios e a beija.
Uma moça entrega o cardápio para o Black. Ele fez o pedido.
Pizza à portuguesa, uma cerveja para ele e um suco de laranja para mim.
Estou me sentindo nas nuvens, uma verdadeira princesa, e o meu príncipe está ali, segurando
a minha mão e a acariciando, olhando-me com aqueles olhos verdes lindos, que derretem o meu
corpo. Não, eu não quero que aquilo acabe, não quero que o Black recupere a memória, pois
morro de medo de ele me esquecer.
Agora eu tenho certeza, não conseguirei viver sem o meu moço bonito, ele é para mim o
mesmo que a água é para o planeta terra ‒ necessária. Se o perder, perderei minha razão de
viver, não suportarei ficar sem minha essência. Após tantos anos de sofrimento e solidão, estou
conhecendo o sabor do amor, do companheirismo. Agora eu sei como é ser cuidada e protegida.
Não, não posso perdê-lo.
— Black — o chamo, e imediatamente nossos olhares se fixam. — Amo você, amo muito você.
Black fica perplexo, completamente paralisado. Como sou idiota. Agora ele vai sair correndo
sem precisar recuperar a memória. Ele vai se mandar depois de escutar a mais ridícula declaração
de amor.
Realmente, ele vai embora. Black solta a minha mão e levanta. Faço uma força enorme para
não entrar em desespero e correr atrás dele. Fecho meus olhos e os aperto forte, para não o ver
indo embora.
— Levante-se, Jasmine. — Escuto o som grave da voz de Black. Abro os meus olhos, ele está
parado diante da minha cadeira.
Eu me levanto. Ficamos frente a frente. Black não se move, seus olhos procuram o meu rosto.
Seu corpo se inclina em minha direção, minha mão vai automaticamente para o seu peitoral coberto
pela camisa polo preta e se aperta em seu peito. Black ergue a mão e segura o meu rosto, então
se aproxima até que o seu rosto cobre a minha visão. Solto um pequeno suspiro quando os seus
lábios cobrem os meus. É um beijo lento, mas muito gostoso, muito diferente do que ele tem me
dado; é um beijo com sabor de promessas. De repente, sua boca se separa da minha. Abro os
meus olhos, os dele estão fixados em meu rosto, varrendo-o com esplêndida ternura.
— Jasmine, eu a amo mais do que você possa imaginar. Quero me casar com você, e foi por
isso que a trouxe aqui, hoje. Meu chefe Valter conhece umas pessoas que podem nos dar
documentos, já pedi para que ele providenciasse, e daqui a alguns meses, você e eu teremos
sobrenomes e vamos poder nos casar e planejar uma família.
Sou beijada outra vez com a mesma ternura, em seguida, ele fica de joelhos, segurando minha
mão direita.
— Jasmine, você quer se casar comigo? Não quero saber quem eu fui, só quero saber o que
serei ao seu lado de hoje por diante. Aceita se casar comigo, dentro de alguns meses?
O que responder, depois de tantas dúvidas e medos?
— Sim, eu quero.
Black retira do bolso da camisa uma pequena sacolinha, dentro dela há um anel. Ele o coloca
em meu dedo.
— Não é de ouro, é banhado, mas eu prometo que a nossa aliança de casamento será de
ouro.
Ele se levanta e me puxa para os seus braços. Instantaneamente, meus lábios são
pressionados firmemente pelos seus. Agora o beijo tem a marca de Black: possessivo, dominante,
devorador.
— Acho que devemos ir embora agora, ou não respondo pelos meus atos.
Black paga a conta e sai, me puxando pela mão. Ele tem pressa, e eu também. Queremos
fazer amor. Sim, pela primeira vez, fazer amor.
Capítulo 15
Faço uma careta enquanto luto contra a minha vontade de jogar com toda a violência o
celular, o mais longe possível de mim. Estou cercado de incompetentes.
— Você tem que ter a certeza de que era ela, imbecil! — Lato a ordem antes que o
incompetente tenha a chance de dizer algo.
— Na verdade parece que era, andei sondando em um trailer onde servem um almoço
vagabundo. Segundo alguns clientes, há uma moça trabalhando lá com o mesmo nome dela, no
entanto, o dono negou, disse que as únicas moças que trabalham com ele é sua filha e a amiga
dela. Ele nos mostrou as moças, não se parecem com uma princesa, elas são muito diferentes das
características que o senhor descreveu de sua noiva, meu senhor.
Meus ombros ficam mais tensos após essa descoberta. Praguejo umas quatro vezes, minha
impaciência rosna e morde-me sobre o caos da minha vida torturada.
— Senhor, vamos dar uma pausa, estamos cansados. A pista é boa, eu sei que ela está nos
arredores, só precisamos dormir e comer um pouco...
— Procure-a, eu não dou a mínima se vocês estão cansados ou com fome — rosno,
interrompendo-o — Ache-a e tragam-na para mim, já fiquei tempo demais sem a minha rainha. —
Há uma longa pausa em nossa conversa, não gosto disso.
— Senhor, eu acho que nós a espantamos.
Eu sei que algo de ruim aconteceu, meu instinto aperta e a minha raiva domina todo o meu
corpo. Se aqueles idiotas estivessem em minha frente, eu mesmo os aniquilaria.
— O que aconteceu? Onde ela foi parar? Vamos, não fiquem mudos, eu juro que vou até o
Brasil e os mato com minhas próprias mãos.
Escuto uma respiração profunda.
— Ela desapareceu, não sabemos mais onde procurá-la. Sinto muito, senhor.
Retiro o celular de perto do ouvido e aperto-o entre os dedos. A saliva sai dos meus lábios
enquanto amaldiçoo meus incompetentes funcionários.
— Sumiu? Seus merdas, vocês são uns vermes rastejantes! Como deixaram isso acontecer,
como uma moça tão delicada escapa de homens altamente treinados?
— Sinto muito, senhor, mas vamos continuar à procura. Não se preocupe, só retornaremos
para a Irlanda com a sua noiva.
— Acho bom, caso contrário, é melhor vocês desaparecerem da terra, se enterrarem em
algum canto, pois se a missão de vocês falhar, declarem-se homens mortos e a família de vocês
extinta por completo.
Encerro a ligação antes mesmo de eles falarem qualquer coisa. Seguro o celular por um bom
tempo, e não resisto: o jogo com força na parede. O aparelho se parte em vários pedaços.
Procuro por Jasmine há onze anos, longos onzes anos. Se eu não tivesse sido um covarde, não
a tivesse mandado embora naquela noite tempestuosa, ela não teria sido levada pelas águas do
rio Shonay, em nossa província. A princípio, eu pensei que ela havia se afogado, o Shonay é um
dos rios mais perigosos da nossa região, suas correntezas são traiçoeiras, mas, dias depois, alguns
homens que foram contratados para encontrar o corpo de Jasmine, descobriram que ela não havia
morrido, pessoas que moravam no alto das montanhas disseram que uma menina, muito machucada,
foi encontrada por uma família muito humilde e eles estavam cuidando dela.
Assim que descobri, mandei vários homens irem à procura desta família, mas, quando
chegaram lá, a família havia sido despejada da pequena cabana de madeira e ninguém sabia
para onde eles foram. Não desisti da minha busca, só o fato de saber que o amor da minha vida
estava vivo, já era o suficiente para continuar minha busca.
Durante esse tempo, Jasmine passou de cidade em cidade, viveu com algumas famílias, mas
sempre que eu chegava perto o bastante para sentir o seu cheiro, ela escapava. Por causa dela,
deixei um rastro de sangue atrás de mim. Meus investigadores descobriram que alguns homens
abusaram dela sexualmente, e para cada um deles, eu mesmo fiz questão de olhar em seus olhos e
ver suas vidas se esvaindo dos seus corpos imundos. Alguns, deixei sangrar até a morte.
Com o passar dos anos, ela se tornou mais esperta, e sabia se esconder perfeitamente bem,
tornando mais difícil a nossa busca, mas eu sempre chegava perto e no entanto, ela sempre
escapava.
Três anos depois, Jasmine foi parar em uma colônia de brasileiros ao sul da Irlanda. Isso foi
ruim, pois Jasmine ficou sob a proteção do dono da colônia e ninguém conseguia chegar perto
dela. Um ano depois, ela foi enviada para a Espanha, foi viver em uma casa de acompanhante.
Fiquei muito puto quando descobri, minha doce menina inocente não era mais pura, foi
contaminada por mãos selvagens e bestas selvagens. Ela queria tanto fugir de mim, achava que
era minha prisioneira, no entanto, eu só queria transformá-la em minha rainha, minha mulher, e ela
transformou-se em uma escrava sexual branca, para homens podres de rico. Não sosseguei até
que consegui chegar a essa fortaleza, mas quando entrei lá, Jasmine fugiu.
Há dois meses, meus investigadores, depois de vasculharem todos os países próximos à
Espanha, descobriram que Jasmine está vivendo no Brasil há seis anos. Um ano ela passou de país
em país, até chegar ao Brasil. Sabemos que ela está vivendo nesta cidade, São Francisco, na
região sul do país.
A esperança agora toma conta do meu coração, aliviando o meu tormento e a minha culpa.
Finalmente, vou resgatá-la, minha rainha estará de volta aos meus braços. Esses anos me fizeram
amadurecer, consegui enxergar que, para se chegar ao coração de uma mulher, há a necessidade
de leveza e de parcimônia, e a ternura tem que ser a essência da conquista. Fui um tolo seguindo
a tradição do meu povo, a assustei como um animal assusta uma presa, agora há necessidade de
tranquilidade. Jasmine precisa saber que a amo, que a procurei por esse tempo não por seus
poderes curativos, mas porque a quero ao meu lado, quero dar-lhe o meu melhor, quero só amá-la.
Ela precisa saber, e entender, que não sou mais aquele homem rude, aquele animal que a
deflorou institivamente.
Nossa casa está pronta. A espera há dois anos, foi construída para o seu conforto. Quando
minha linda noiva estiver sob minha proteção, sob os meus cuidados, marcaremos o nosso
casamento e seguiremos o ritual para o aprimoramento do seu dom. Não deixarei que nada nesse
mundo a machuque, mesmo que seja um dom poderoso como o da cura.
— Estou à sua espera, minha rainha, e vou provar para você que o meu amor é verdadeiro.
Farei de você a mulher mais feliz e amada do mundo.
Capítulo 16
Ela circula o pequeno sofá e corre para o quarto. Vou atrás dela com passadas largas.
Adoro esses joguinhos de gato e rata. Antes mesmo que ela consiga alcançar a maçaneta da
porta, eu a agarro pelo pulso, seu corpo gira e a puxo para mim. Com força, meu corpo pressiona
o dela contra a parede, sinto o seu coração disparado. Nossos olhos presos um no outro, me inclino
até seus lábios, porém só encosto neles.
— E agora, pequena diabinha, o que faço com você, diga-me?
Minhas mãos percorrem os seus braços e meus lábios encostam em seu pescoço, subindo
lentamente, até que a minha boca envolve em torno da sua orelha. Jasmine respira fundo, soltando
o ar quente em meu ombro.
— Foda-me, é o que você precisa fazer.
— Pequena diabinha, você tem uma boca muito suja para uma moça tão linda e uma futura
senhora casada. — Meus dentes cerram a carne macia do lóbulo da delicada orelha.
Com firmeza, aperto a parte de trás da sua cabeça, inclinando-a para o lado para que eu
possa beijar e mordiscar o seu pescoço. Minha outra mão passa por sua cintura até alcançar a sua
bunda. Puxo seus quadris contra os meus, então roço meu pau contra o seu corpo. Ela ofega
enquanto morde com força o meu ombro.
— Filho da mãe, me fode logo...
— Pequena diabinha, não estou com nenhuma pressa. — Adoro vê-la implorar por meu pau.
Levanto sua pequena saia rodada e deslizo a mão firme até sua calcinha.
— Puta merda! Isso aqui não é uma calcinha, isso é uma indecência. — Puxo a pequena peça
de vez, e ela se parte em duas com a força que puxo.
Ela desafivela o cinto da minha calça e, em segundos, minha ereção já está em suas mãos
ágeis.
— Gosta disso, senhor Black? Gosta das minhas mãos em torno dele? — Ela me dá o seu
sorriso mais sexy. Porra, minha pequena diabinha sabe acordar a fera que habita em mim.
— Suas mãos quentes acordam até defuntos, e quando estão envolvendo o meu pau, elas o
fazem ficar malditamente perigoso.
— Então, o que vamos fazer quanto a isso? — Puta merda! Ela não faz ideia do que eu
pretendo fazer.
— Você não vai fazer nada, pequena diabinha — digo, cerrando os dentes — Eu, sim —
suspendo o seu corpo com um braço e a levo para a cama — vou fodê-la, em todos os sentidos
da palavra — jogo-a na cama sem nenhuma delicadeza, fazendo-a soltar um grito de susto —
Quando eu terminar com você, suas pernas estarão tão moles como espaguetes.
Termino de me despir, ela também. Jasmine faz isso comigo, me joga literalmente no chão, fico
completamente de quatro. Meu tesão não é só de pele, nem de cheiro, meu tesão por ela é de
alma, acho que nasci para fodê-la com prazer absoluto.
— Está esperando o quê? Estou aqui, completamente à sua mercê, louca para ser fodida
duramente por seu pau enorme e muito gostoso — ela ri com malícia. Adoro esse riso safado.
Jogo-me sobre ela, em seguida, minha boca cobre a sua. Tudo nela é quente, principalmente
sua língua safada. Nosso beijo não é amável, é tórrido, possessivo, devorador. Quando minha
língua encontra a sua, é uma guerra de luxúria; chupões e mordidas não faltam. A eletricidade
que corre por nossos corpos faz com que o tesão nos domine completamente.
Nossos beijos são as nossas preliminares. Não sei explicar, mas o simples roçar dos seus lábios
nos meus já é o suficiente para incendiar uma cidade inteira.
Minha mão desliza entre suas coxas até encontrar sua boceta rechonchuda. Meu dedo
rapidamente encontra o seu clitóris, e deslizo-o para cima e para baixo, circulando-o em sua
pequena abertura vaginal. Ela envolve os braços em meu pescoço, acariciando levemente seus
delicados dedos no local.
Aquelas mãozinhas quentes sabem o que estão fazendo. Sem pestanejar, enfio dois dedos
dentro dela. Ela ofega com tanto desespero que quase gozo.
— Black, foda-me logo. — Ela murmura.
Soco meus dedos para dentro e fora, sua excitação escorre por eles, adoro a resposta do seu
corpo ao meu toque. Esfrego seu clitóris outra vez, com mais dureza, até que ela implora.
— Black, se não me foder, vou gozar nos seus dedos.
— Não mesmo. Sem pressa, lembra? — Arqueio as sobrancelhas e rio lubricamente. Ela sabe
que falo sério.
Continuo fodendo-a com meus dedos e minha boca faz um caminho para baixo do seu corpo.
Minha língua circula um mamilo, depois o outro, lambe seu abdômen, penetra seu umbigo... até que
encontra sua boceta.
Baixo minha cabeça entre suas pernas. Jasmine move as mãos em meus ombros e suas unhas
raspam a minha pele enquanto eu a devoro. Minha língua saboreia seu brotinho duro, ela tem
sabor de vida. Sinto seu corpo tremer ao meu toque, combinado com minha respiração quente
entre suas dobras, e meus ombros ardem quando ela finca as unhas neles. Cada lambida em seu
sexo me faz querer mais dela. Seguro suas coxas e as pressiono para baixo, em seguida, chupo os
líquidos liberados pela excitação do seu corpo. Jasmine solta um grito de êxtase e arqueia seus
quadris, forçando minha cabeça em sua boceta. Sorvo tudo dela, e assim que sua respiração volta
ao normal, nossos olhos se encontram. Ela sorri e o meu mundo se ilumina. Lambo meus lábios com
minha língua, sentindo o gosto dela. Ergo meu corpo, ficando de joelhos na cama.
— Deite-se de bruços.
Ela faz o que mando. O peso do meu corpo faz o colchão abaixar, afasto suas pernas e fico
entre elas. Nossas peles se roçam, e aquilo faz com que os nossos pelos se arrepiem. Esfrego meu
pau contra o vinco da sua bunda. Jasmine solta um gemido gostoso de se ouvir, ela faz barulhos
deliciosos.
— Essa sua bunda me faz sentir coisas, pequena diabinha. — Dou duas palmadas, e logo os
meus dedos ficam desenhados nela.
Em seguida, cutuco um dedo em sua abertura enrugada. Ela contrai a bunda, prendendo meu
dedo no local.
— Não me dê ideias, Jasmine, posso querer prová-lo. — Ela esconde o rosto entre os lençóis.
— Hoje não, pequena diabinha, hoje não. — Ela relaxa.
Inclino meu corpo um pouco, minha mão desliza para baixo dos seus seios, em seguida levanto
os seus quadris com delicadeza e deslizo a cabeça do meu pênis em sua boceta, molhando-o com
sua lubrificação natural até o meu pau encontrar a sua entrada vaginal.
— Humm! — Gemo, sexy.
Enterro meu pênis dentro da sua boceta quente, e ela grita gostoso. Deslizo para fora e para
dentro de novo, ela geme e começa a se contorcer. Retiro-o de dentro dela e o roço em seu buraco
enrugado. Jasmine solta um gemido de prazer, e isso me diz que, se quiser, eu a tomo ali, mas não
é o momento certo. Volto com o meu pau para sua boceta e ela prende a respiração.
— Minha — rosno — Completamente minha.
O homem das cavernas dominante ressurge, ele sempre volta quando estou socando o meu
pau dentro da sua boceta. Fico completamente possessivo.
— Sua — ela afirma — Completamente sua, meu amor.
Enfio tudo de vez, preenchendo-a completamente. Ela arfa quando soco com força outra vez.
— Com mais força, Black. Quero você todo dentro de mim.
— Você me terá, pequena diabinha. Quero me perder dentro do seu corpo.
Empurro tudo, usando sua umidade para deslizar meu pau dentro dela. Seguro-a por baixo,
levantando seu quadril para cima, e me inclino um pouco para frente. Essa posição faz com que eu
penetre com mais vigor. O atrito entre nossos corpos nos deixa em chamas e à beira do êxtase.
Minha boca devora o seu pescoço e minhas mãos massageiam os seus magníficos seios. Me movo
rapidamente, e ofego no ouvido dela.
— Porra! Eu vou gozar, caralho! Meu corpo queima, Jasmine, queima por você. — Ela move os
quadris de encontro aos meus, e eu empurro para frente com força.
Ela solta um grito de prazer, o corpo estremecendo com força. Rosno palavrões e solto um
rugido gutural, contraindo o meu corpo ao seu com espasmos ferozes; gozamos juntos.
Ficamos acoplados um ao outro por alguns minutos, logo em seguida, me deito e a puxo para
o meu peito. Estamos sem fôlego, completamente esgotados.
— Amo você, pequena diabinha, amo tanto você. — Digo, enquanto aliso os seus cabelos
entre os meus dedos.
Ela beija meu peito e passa os dedos sobre ele.
— Sou a mulher mais feliz do mundo. Sou tão feliz que tenho medo dessa felicidade.
Percebo uma ponta de tristeza em suas palavras. Empurro o seu corpo um pouco para frente
e a faço olhar para mim.
— Jasmine, nada nesse mundo vai me separar de você. Aconteça o que acontecer, voltarei
para você, nunca duvide disso.
Ela respira fundo e volta a se deitar em meu peito, seus dedos voltam a alisá-lo. Não quero
prolongar esse assunto, pois ela sempre termina chorando. Não entendo aquele medo que ela
sente, todos os dias que vou trabalhar é a mesma coisa, ela me olha com olhar triste, como se
estivesse se despedindo de mim.
— C4 deu alguma notícia sobre os homens que andam fazendo perguntas sobre você, nos
arredores do trailer?
Há alguns dias, C4 me ligou apavorado, avisando que uns homens com sotaque estranho
fizeram muitas perguntas sobre a Jasmine, quase o obrigaram a confessar que a conhecia. É claro
que ele negou, mas continuaram com as perguntas aos seus clientes e às amigas de Jasmine. Por
causa disso, ela não vai mais trabalhar, fica o tempo todo dentro do nosso apartamento. Mandei
chamar o Manolo e pedi ajuda. Ele espalhou os seus homens por todos os lugares e colocou alguns
próximos ao prédio onde moramos. Só assim me sinto seguro quando vou trabalhar.
Ainda bem que daqui a um mês vamos nos mudar. Valter nos deu, como presente de
casamento, uma das casas que a construtora está construindo para os seus engenheiros. Mesmo
sendo apenas um simples funcionário, ele nos regalou com uma delas. É um condomínio fechado
com oito casas, simples, mas são maiores do que esse apartamento: são dois quartos, dois
banheiros, uma sala grande, a cozinha é muito espaçosa, teremos um quintal, e na frente da casa,
dá para fazer um lindo jardim. Manolo já se comprometeu a construí-lo, já que ele é o padrinho de
casamento de Jasmine, e o Valter é o meu.
Nesses últimos oito meses fiz amizades sinceras e me tornei o braço direito do Valter na obra.
Quando ele não está, fico encarregado de tudo. Já era para termos nos casado, porém,
infelizmente houve um problema com a documentação, mas o Valter garantiu que, no início do
próximo mês, tudo será resolvido, e assim finalmente, poderei fazer da Jasmine minha esposa.
— Hei! C4 deu notícia? Ele ficou de me ligar ontem, mas não me ligou, e eu não tive tempo de
ligar para ele.
— Ele me ligou ontem à tarde, disse que nem sinal dos homens.
— Não vejo a hora de nos mudarmos para o condomínio, lá tem uma guarita com seguranças,
as pessoas só entram se forem anunciadas. Poderei ficar mais despreocupado.
— Eu também. — Jasmine até hoje não me contou direito sobre o que aconteceu com ela no
passado, só sei que o seu tio é um homem muito poderoso e a maltratava.
Toda vez que toco no assunto, ela se fecha em concha e cai em uma tristeza que chego a
ficar com medo que fique doente. Por isso não forço a barra, só não quero que ninguém a
machuque.
— Bem, amor, eu preciso ir trabalhar. Valter chega hoje de São Paulo, e já sabe como aquela
obra fica quando ele volta de viagem.
Tomamos banhos juntos. Meu café da manhã é corrido, estou atrasado, aliás, pelas manhãs, eu
sempre estou atrasado, Jasmine me toma horas com o seu corpo gostoso. Já estou com a mão na
maçaneta do portão de saída, quando ela me chama do alto.
— Black! Nunca se esqueça, eu amo muito você.
Sorrio para ela e mando-lhe um beijo.
— Jamais esquecerei o seu amor, pois a amo muito mais.
Estou sentada em uma grande mesa improvisada, ladeada de crianças entre cinco e dez
anos de idade, os meus futuros alunos, quando, de repente, sou tomada por uma dor inimaginável.
Meu corpo inteiro fica rígido, minha visão fica turva e minha boca fica seca. Black!
Mal consigo raciocinar. As crianças me olham assombradas, duas pequenas começam a chorar.
Uma onda súbita de angústia me toma, meu corpo começa a queimar.
Black, não... não... por Deus!
Meu corpo vai todo para frente, caio de rosto no tampo da mesa, então meu sangue gela. O
calor passa e vem o frio. Black!
— Tio Manolo, tio Manolo, corre, corre. Ajuda a professora, ela está passando mal!
Um menino sai correndo gritando por Manolo. Estou paralisada, mal consigo mover minhas
pálpebras. Em questão de minutos, Manolo vem até mim com o rosto carregado de preocupação.
— Jasmine, filha, eu estou aqui. O que aconteceu, meu anjo?
Seus braços cercam os meus ombros, sou puxada para um abraço terno. Por alguns minutos,
me sinto em paz, mas logo sinto as lágrimas banharem o meu rosto. Uma onda de desespero me
abate, um nó forma-se em minha garganta, estou sufocando. Agarro-me a Manolo com força,
gritando:
— BLACK!
Manolo afasta o meu corpo do dele e força-me a fitá-lo. Estou sem fôlego, com medo, meu
rosto banhado pelas lágrimas.
— Filha, respire, respire fundo. — Juro que eu tento, mas minha mente está tomada pelo
pavor.
Vejo o Black com outro homem, ele dorme, está sendo levado para algum lugar. Black está
atordoado, sua mente não funciona bem, sinto tudo o que ele está sentindo. Ele está com medo.
— Manolo, o Black... aconteceu alguma coisa com ele. Eu preciso vê-lo, preciso falar com ele...
Onde está o meu celular, cadê o meu celular!?
— Aqui, meu anjo, se acalme, Jasmine.
Puxo o celular das mãos de Manolo com força e disco o número de Black. Tento três vezes.
— Está desligado, está desligado! Eu preciso ir até a obra, preciso saber o que aconteceu.
Tento me levantar, mas minhas pernas não me obedecem. Meu corpo treme completamente, o
ar me falta nos pulmões.
— Jasmine, se acalme. Ele deve estar em reunião com o Valter...
— Você não entende, Manolo. Black nunca desliga o celular, nunca! O interrompo — É
prioridade na vida dele manter o celular sempre carregado, ligado e perto dele. — Olho com
desespero para Manolo — Aconteceu alguma coisa com ele, eu sei disso, eu sinto isso, preciso ir lá!
— Ok, certo, certo. — Manolo se levanta e vai até a porta do galpão, chama alguém e um
rapaz vem até ele. Manolo sussurra algo e o rapaz se vai. — Jasmine, mandei o Jerome ir até a
obra, enquanto isso vamos para sua casa, provavelmente o Black ficará preocupado, então mandei
avisar que você já está em casa.
Manolo me ajuda a levantar. Saio cambaleando, se não fosse o braço do meu bondoso amigo
a me segurar, nem sairia do lugar. A tristeza que domina o meu corpo é paralisante, eu tenho
certeza que a minha vida acabou.
Chegamos em meu apartamento. Sou levada para a cama, dobro minhas pernas, curvando-se
sobre mim mesma, e escondo meu rosto entre os meus joelhos. Meu coração parece que vai sair
pela boca, e minha mente só pensa nele. Black.
Não sei por quanto tempo me mantenho encolhida daquele jeito, só sei que escuto passos
subindo as escadas apressadamente.
— É ele... é o Black. — Levanto-me da cama apressadamente e corro em direção à porta.
Não sei como consigo encontrar forças para me manter de pé. Abro a porta, e fico decepcionada.
Não é o Black, é o Valter. E com uma fisionomia nada animadora. Desmorono no chão.
Escondo meu rosto entre as mãos e me entrego ao desespero.
Sou amparada pelas mãos de Manolo, erguida e levada de volta à cama.
— Onde está o Black, cadê o meu moço bonito? — Pergunto, entre lágrimas e soluços. Olho
com desespero para o Valter.
— Jasmine, se acalme, não vai adiantar ficar assim...
— CADÊ O BLACK? — Com desespero, eu grito. Valter vem até mim, segura minhas mãos e
fita o meu rosto.
— Jasmine, o Black sofreu um acidente...
— O quê?! Como? Onde ele está, eu quero vê-lo agora! — Tento me levantar, mas sou
impedida pelas mãos de Valter.
— Jasmine, ele está bem... — Ele engole em seco, avalia o meu rosto por alguns segundos, no
fundo eu já sei o que vem a seguir. — Jasmine, o Black recuperou a memória. Ele caiu de uma
escada e recebeu uma pancada forte na cabeça, perdeu os sentidos, e quando acordou já não
era mais o Black.
— Ele... ele não se lembra mais de mim, não é? — Pergunto, torcendo internamente, com toda
força do meu coração, para que o Valter diga que ele lembra.
— Ele não se lembra de ninguém, nem de nada, só lembra do seu eu verdadeiro. Ele acordou
com a memória do ano passado, só lembra do dia em que ia pegar um avião para voltar para
casa.
— Valter, eu preciso vê-lo. Tenho certeza que, se ele me ver, vai lembrar de nós dois, vai
lembrar do nosso amor. Por favor, me leve até ele!
— Jasmine...
— Eu quero vê-lo. — Insisto.
— Jasmine, o Black... — Valter é mais uma vez interrompido por mim.
— Eu quero vê-lo, Valter, quero agora!
— Ele foi embora, Jasmine. Black se foi, voltou para a Irlanda.
Minhas emoções caem por terra, e por um momento, me sinto esvaziada. Sinto um vazio, um
completo vazio. Eu o perdi. Eu sabia que cedo ou tarde isso iria acontecer. Fico completamente
paralisada, não consigo me mover.
— Jasmine, quando o Black acordou, ele só queria falar com o pai, ligou para ele
imediatamente. O pai dele estava no Brasil, à procura dele. Em questão de quarenta minutos, o
helicóptero pousou no pátio da obra. O Black sofreu um desmaio antes que pudéssemos contar a
ele sobre você. Jasmine, não se preocupe, ele vai voltar.
Valter sacode os meus ombros, tenta fazer o meu corpo reagir, no entanto, minha vontade é
de gritar a mais crua verdade. “Não, ele nunca mais vai voltar, acabou, eu o perdi para sempre! ”
Mas não consigo, o torpor domina o meu cérebro.
— Jasmine, o Black vai voltar. Ele precisará saber o que aconteceu com ele, e para isso
precisa voltar aqui para conhecer o que viveu nesses últimos oito meses. Não se preocupe, deixei o
meu cartão de visitas no bolso do macacão dele, ele vai voltar.
Estou completamente imóvel, minha mente já está cansada, tenho medo até de me mover, medo
de tudo, medo até de respirar. Uma sensação de demência sacode minha alma, e não quero lutar
contra isso. Incapaz de resistir, deixo-me ser levada; meu corpo começa a tremer, calafrios correm
por toda a minha pele. Fecho os meus olhos e respiro fundo.
“Leve-me, leve-me daqui, sem ele a minha vida não terá mais sentido.”
Deixo aquela sensação de paz tomar conta do meu corpo e mente, então não vejo nada além
de uma luz branca e cristalina.
Capítulo 18
Ninguém sabe a verdade que carrego comigo. Muitas vezes me sinto fora do mundo,
solitário e perdido.
O que diriam se soubessem de minha verdadeira origem!
Sou na realidade irlandês do condado de Vennicnii, no extremo norte do país, um lugar tão
inóspito e gelado quanto os costumes e as almas de seus habitantes. Filho de um dos homens mais
poderosos da região, somos os maiores produtores de carne bovina, ovinos e suínos, como também
temos várias indústrias têxteis e duas grandes fábricas náuticas ‒ os nossos concorrentes, se
pudessem, nos riscariam do mapa.
Até os meus 17 anos, morei em uma cidade fundada por meu pai, Máximus, chamada Nevan,
na qual ele é o soberano supremo, ou seja, quem mora lá obedece às suas leis e tradições
milenares. Nossa cidade tem leis próprias e não é obrigada a seguir as leis do país. Não quero
dizer com isso que não as respeitamos, claro que sim, pagamos todos os impostos necessários, e
quando estamos fora do nosso território as cumprimos.
Sou o primogênito e, por isso, sou o seu sucessor. Devo assumir o seu lugar quando completar
37 anos. E minha obrigação é casar com a mulher que foi escolhida para mim desde que nasceu.
Tanto eu como ela, não temos direitos de dizer não, só aceitar e seguir a tradição. Minha
“noiva”, ainda pequena, junto com seus familiares, mudaram-se para a nossa cidade, uma
exigência do líder da aldeia. Ele acha necessária essa convivência, para que assim possamos nos
acostumar um ao outro. Ela é tratada como uma princesa desde que foi escolhida, cresceu
brincando comigo, nos tornamos amigos, grandes amigos, a considero como uma irmã, só isso. Eu
tenho certeza que os meus sentimentos são recíprocos, pois não vejo nos olhos dela o brilho do
desejo, quanto mais amor. Eu sei que ela se sente feliz só pelo fato de que será a esposa do futuro
líder do clã Cémel Loairn.
Pertenço a esse clã, onde o seu radicalismo, seus costumes e tradições não são compatíveis
com os dias de hoje. Cheio de lendas e superstições das quais não compartilho e não acredito, lá
simplesmente recebemos as ordens sem questionar e as cumprimos, e um dos costumes do clã
determina que as meninas, assim que nascem, sejam destinadas ao primogênito de outra família.
Quando ela completa 10 anos, passa a viver perto do seu prometido, para que um se acostume ao
outro e seja vigiada e protegida por ele. Nem o rapaz e nem a moça têm direito a questionar, mas
comigo foi diferente; jamais permitiria que alguém determinasse meu destino e me afastasse de
meus sonhos.
Por não concordar com as exigências e tradições do meu pai, ao completar 17 anos ‒
maioridade masculina na cidade ‒ resolvi ir embora. Meu pai é um líder severo, mas não pode
obrigar ninguém a viver em sua cidade, se não quiser. É claro que viver em Nevam tem suas
vantagens, principalmente para quem acredita em todas as tradições seculares. Ninguém passa
nenhum tipo de necessidade, sejam elas financeiras, culturais, de saúde ou espirituais. As pessoas
vivem bem e felizes, e se alguém não concordar, tem livre escolha para ir quando quiser. Foram
poucas as pessoas que resolveram partir, e uma delas, fui eu.
Desde criança, meu sonho sempre foi ser médico. E quando o meu pai tentava me convencer
que o meu destino era ser o seu sucessor, simplesmente me calava e deixava-o pensar que assim
seria. Quando decidi ir embora, ele não pôde me impedir, e como tenho os meus direitos, ele foi
obrigado a custear os meus estudos na universidade.
Os rapazes podem estudar fora, seja na Irlanda ou em outro país. As mulheres têm os mesmos
direitos, desde que sejam acompanhadas por um tutor, principalmente as que estão prometidas.
Sempre fui um excelente aluno, e por sonhar tão alto, minhas notas sempre foram as melhores.
Escolhi Trinity College Dublin, a melhor universidade de medicina da Irlanda. Confesso que o nome
do meu pai pesou para ser escolhido, mas os meus esforços também contaram para minha
admissão. Formei-me com honras.
Durante dois anos, trabalhei no Hospital Universitário de St. Vincent. Só decidi sair de lá
porque um grande médico amigo e meu orientador conseguiu um cargo para mim como cirurgião
geral, especialidade que eu tanto amo, no mais novo hospital da cidade, Conary, e foi esta cidade
que adotei como lar. Comprei uma bela casa na parte mais alta da cidade, cercada pela floresta,
isolada e confortável, e lá consegui ter paz. Fiquei longe do barulho da cidade e dos curiosos, pois
ser filho do poderoso Máximus é bastante incômodo e muitas vezes, atrapalha meu trabalho.
Alguns diretores do hospital querem me tratar com regalias, pelo nome que carrego.
Não me afastei da família. Conary fica próximo à Nevan, um pouco mais ao norte, na parte
montanhosa e protegida pela vasta vegetação. Posso dizer que é o quintal das terras do meu pai.
Meu irmão, Ryan, diz que não consigo cortar os laços e o cordão umbilical. De certa forma, ele tem
razão. Mesmo não concordando com as tradições dos Cémel, eles são minha família, e não
concordar com a maneira como o meu pai conduz o seu povo não arranca do meu peito o amor e
o respeito que tenho por ele. Não quero ser o seu sucessor, e ele sabe disso. Já lhe disse para
colocar o meu irmão Ryan em meu lugar, com direito a noiva e tudo, pois eu tenho certeza que ele
será um grande líder para o nosso povo, muito melhor do que eu. Ryan abraça os princípios e as
regras seculares, ele acredita em nossas tradições.
Contudo, meu pai sequer especulou voltar atrás da palavra dada e tampouco desistir de
convencer-me a ser o futuro líder do clã. Embora saiba que minha decisão é irrevogável, ele ainda
insiste. Eu não pretendo e não quero voltar a viver em sua cidade.
Pensei que, com o tempo, ele se convenceria, mas quando completei 35 anos, meu pai voltou a
me cercar. Fazia minha mãe e minha irmã Hannah irem me visitar junto com Muriel, minha
“prometida.” Chegava a ser hilário, se não fosse triste e trágico. Minha mãe e Muriel passavam os
finais de semana, alojadas em minha casa, Hannah não tinha permissão do marido para isso.
Minha irmã, por ser filha do líder do clã, não foi arrastada de casa ainda pequena e teve a
sorte de amar o homem para quem foi destinada.
Meu irmão também se juntou a elas e começou a tentar me manipular a participar dos festejos
e reuniões espirituais da cidade. Até o meu próprio pai passou a frequentar minha casa, e por
muitas vezes, ia me visitar no hospital, com a desculpa de me convidar para almoçar, ou jantar, ou
mesmo para as reuniões com os acionistas do hospital. Ele é um dos colaboradores da fundação do
hospital.
Enquanto ele só ficava me cercando, sem tentar impor nada a mim, estava tudo bem.
Entretanto, quando resolveu construir um hospital na sua cidade e descobri que seria transferido
para a administração do mesmo, entendi sua intenção e resolvi dar um basta. Confrontei-o e disse-
lhe para procurar outro médico para cumprir tal função, pois estava sendo emprestado para um
hospital no Brasil, eles precisavam de um médico especialista em todas as áreas, inclusive cirurgia
geral, e não sabia por quanto tempo ficaria fora.
Ele simplesmente se negou a acreditar. Mostrei a documentação de transferência e a
papelada do Revalida pronta. Estava apto para exercer a medicina em qualquer parte do mundo.
O que ele não sabia é que há meses eu já planejava isso, desde que percebi o seu cerco em torno
de mim. Minha intenção era ir para os Estados Unidos, mas lá ia demorar mais tempo para validar
o meu diploma médico, no Brasil é mais simples, principalmente se você for a pessoa certa. Como
aprendi a falar o português, pois meu pai abrigou por muitos anos um casal brasileiro, que para
pagar a estadia dava aula de português nas duas escolas da nossa cidade, não havia empecilho
para a questão do idioma. Não me arrependi de ter escolhido o Brasil, fui muito bem recebido ali.
Neste dia, a briga foi feia e quase partimos para a agressão física. Mamãe chorava,
agarrada à minha irmã, e o meu irmão tentava manter o controle sobre nós dois. Tive certeza que,
a partir deste dia, meu pai tomou a consciência de que eu não seria seu sucessor. Saí de lá triste e
desorientado, pois eu tinha a certeza que nunca mais meu pai falaria comigo.
E foi assim que fui parar em Florence, no Brasil. Não posso dizer que saí fugido da Irlanda,
pois minha família sabe onde estou, mas posso dizer que os laços familiares foram rompidos, e se
não foram, falta pouco para isso acontecer, pois não pretendo retornar para a Irlanda.
Em Florence, fiz muitos amigos, e conheci um anjo encantador – Angeline. Nunca me envolvi
afetivamente com nenhuma mulher. Meus romances duravam no máximo dois meses, isso até as
mulheres irlandesas descobrirem de quem sou filho, pois quando descobriam, o brilho da ambição
refletia feito faróis de milha nos olhos delas. Por isso nunca quis nada sério. Os meus últimos
envolvimentos foram com duas médicas e umas três enfermeiras do hospital de Conary. E quando
cheguei ao Brasil, já vim decidido a não me envolver com nenhuma mulher, faria o meu trabalho e
nada mais, relações, só a sexual. Gosto de sexo, e era só nisso que pensaria, nada de romance e
nem dormir juntos; acabou a foda, cada um para sua casa, puramente casual. No entanto, quando
a Angeline entrou em meu consultório, meu queixo caiu e minhas muralhas foram abaixo.
Por um tempo, tentei conquistá-la, até que descobri que ela estava apaixonada por outro
homem, então percebi que as minhas chances em ficar com a Angeline eram nulas. Lutei para
esquecê-la, e ao perceber que a paixão que estava sentindo, começou a atrapalhar a mim e a
ela, resolvi voltar para a Irlanda. Não era justo nem certo lutar por uma mulher que nunca seria
minha, e antes que a paixão virasse amor, era melhor dar um basta. Já fazia algum tempo que
andava saudoso de casa, da minha terra e da minha família. Era hora de voltar, hora de
recuperar o que foi perdido.
Não tinha mudado de ideia quanto ao casamento e assumir o trono do meu pai, mas não
estava suportando mais as brigas e essa distância do homem que admiro e amo. Sim, estava na
hora de refazer os laços, só espero que tudo tenha dado certo e, nessas alturas, o meu irmão já
tenha convencido o meu pai a assumir o meu lugar no poder e esteja feliz, pois sempre foi o sonho
dele.
A despedida não foi fácil, pois o que eu sentia por Angeline era muito forte, mas não tinha
como convencê-la a desistir do seu verdadeiro amor. Engoli o orgulho e lhe disse adeus.
Dois dias antes do meu retorno para casa, liguei para o meu pai e lhe contei que pretendia
voltar para a Irlanda. Pedi para que ele fosse me buscar no aeroporto, pois precisamos ter uma
conversa definitiva. Ele ficou imensamente feliz, enfim, faríamos as pazes.
Dois dias depois, estava a caminho do aeroporto, com destino à Irlanda. Essas são as minhas
únicas lembranças.
Capítulo 19
Oito meses depois, estou de volta à Irlanda, com a cabeça atordoada. A última imagem que
tenho na memória é quando desci do táxi, em Florence, empurrando minhas malas, seguindo em
direção ao aeroporto. Não me lembro mais de nada, não faço ideia do que aconteceu comigo.
Meu pai também não sabe, ele só me contou que eu simplesmente desapareci. Saber que
fiquei em um lugar por oito meses e não lembrar de nada é aterrorizador. Naquele dia, quando
abri os meus olhos e me vi cercado por pessoas estranhas, chamando-me por um nome que não é
meu, vestido com roupas que não são minhas, em uma cidade que nunca ouvi falar, São Francisco,
me senti perdido, atordoado. Em que região do Brasil fica esse lugar, como fui parar lá?
Liguei para Angeline, talvez ela pudesse me contar algo que fizesse minha mente clarear, no
entanto, ela também não sabia de nada. Angeline só soube que eu havia desaparecido porque
dois investigadores a procuraram, pois pensavam que ela e o Kael pudessem ajudar ou soubessem
de algo que levasse a alguma pista sobre o meu paradeiro. Papai já contratou novos
investigadores para descobrir o que aconteceu comigo, assim que receber alta médica, eles virão
falar comigo, mas o que eu posso lhes dizer? Não lembro de nada, é como se uma parte da minha
vida tivesse sido deletada da minha memória.
Já estou no hospital há cinco dias. Minha cabeça já passou por todos os exames que a ciência
médica já criou, e adivinhem? Não encontraram nada de errado com ela. Fui avaliado por um
neuropsicólogo, e este também não encontrou nada que pudesse explicar as minhas duas perdas
de memória. Bem, a explicação mais plausível é que a primeira perda de memória foi causada por
um trauma forte no córtex cerebral, a pancada deu um blackout total nos lobos temporais, e
quando eu sofri outro trauma na cabeça, ele trouxe de volta a minha memória antiga, apagando
por completo a que eu vivi nos últimos oito meses.
É louco descobrir tudo isso, tudo que eu vivi durante esse tempo foi completamente deletado,
não restou um fio de lembrança, mas desde que cheguei aqui, tenho tido sonhos.
Sonhos com uma moça chamando por mim. A bem da verdade, ela não chama pelo o meu
verdadeiro nome, ela grita por Black, o nome que me deram em São Francisco. Em meu sonho, a
moça está muito triste, chora gritando o meu nome, pedindo para ir buscá-la. É desesperador, pois
quando eu acordo sinto-me angustiado, triste, é como se estivesse sentindo toda a sua dor e o seu
sofrimento. Eu sei que já escutei essa voz, eu sei que a conheço, mas não consigo me lembrar. Por
isso tomei uma decisão: vou voltar para o Brasil, não sei como, mas vou descobrir o que aconteceu
comigo. Não vou esperar o meu pai enviar investigadores, eu preciso saber se essa moça existe.
— Allan. — Essa voz eu conheço. Olho em direção à porta e o vejo com um sorriso aberto.
Meu irmão, Ryan. Tento erguer a cabeça, no entanto, tenho uma vertigem. — Hei, cara, fique
quieto. — Em dois passos, o Ryan está ao meu lado.
— Saudade de você, meu irmão — não consigo ficar quieto e o puxo para um abraço
apertado. As lágrimas brotam e descem por minha face. — Cara, que confusão está a minha
cabeça, estou uma bagunça.
Ele continua com os braços ao redor dos meus ombros, sinto o seu amor e a sua proteção.
— Eu pensei que tinha perdido você, velho, eu chorei muito. — Ryan se afasta um pouco para
olhar o meu rosto, seus olhos estão marejados. — Foram meses de aflição, não sabíamos mais o
que fazer. Desculpe-me não ter vindo antes, mas os médicos acharam melhor você não receber
visitas.
— Papai me contou — A tristeza bate em cheio em meu coração. — Já contaram para
mamãe que eu voltei?
— Foi a primeira coisa que o papai fez quando chegou em casa — Ryan baixa os cílios —
Ela não reagiu, continua no mesmo estado letárgico.
— Então, o AVC foi grau máximo, ela está em estado vegetativo...? — Fito-o, espero-o dizer
algo — Ryan, pior do que já estou não vou ficar, papai está tentando me poupar, mas eu preciso
saber. O estado da mamãe é grave?
Seus olhos encontram os meus. Uma lágrima desce por seu rosto.
— É. Dois meses depois do seu desaparecimento, nossa mãe não suportou, foi duro demais
não saber onde o filho estava. Os médicos disseram que só um milagre para fazê-la acordar e,
mesmo assim, eles garantiram que ela nunca mais seria a mesma.
Quando o meu pai me contou sobre a mamãe, eu soube de imediato que ele não estava me
contando toda a verdade. Só disse que, assim que a mamãe soubesse da minha volta, ela abriria
os olhos e voltaria a sorrir.
— Eu preciso vê-la, não posso continuar aqui nesta cama de hospital, talvez se ela escutar a
minha voz reaja.
Essa era a minha esperança.
— Eu duvido, Allan. Não sou médico, mas sei que isso é quase impossível de acontecer. — Sua
mão aperta o meu ombro. — Não se preocupe, o importante é que você voltou, as demais coisas
vão vir no seu tempo. — Ele põe as mãos nos bolsos da calça e me encara — Você não lembra de
nada mesmo? Nem uma pequena lembrança...?
— Sobre o que aconteceu comigo há oito meses, não. — Deito minha cabeça no travesseiro e
aperto os olhos com força. — Hoje, eu acordei sobressaltado, escutei alguém me chamando, só que
não era o meu nome, mas chamavam a mim...
— Fragmentos de memória ou um pesadelo? Qual era o nome que lhe chamavam? Você sabe
de quem era a voz?
Abro os meus olhos, olho para um ponto fixo.
— Não sei se são fragmentos ou um pesadelo maldito, mas me chamavam pelo mesmo nome,
Black, e a voz era feminina. Eu vi o rosto da moça em meu sonho, mas quando acordei não
lembrava mais. Ela... ela chorava muito, parecia estar sofrendo, foi aterrorizador sentir a dor dela.
Estou sonhando com essa moça há dias.
— Será alguém que você conheceu, afinal foram oito meses. — Ryan fica pensativo, depois
pisca os olhos e sorri para mim. — Mas não pense nisso agora, papai já fez a seleção dos
investigadores, eles vão voltar para São Francisco, descobrirão tudo o que aconteceu com você.
— Não vejo a hora, Ryan. Você não sabe o quão ruim é não lembrar o que comeu no dia
anterior. É o inferno.
— Deve ser mesmo, e pelas roupas que vestia, não devia comer coisa boa, não, acho até
melhor não lembrar mesmo.
Ryan solta uma gargalhada. Eu fecho o punho e empurro seu braço.
— Isso não tem graça! — Fico pensativo por um instante. — Onde estão as roupas com que
estava vestido?
— Devem estar no armário, por quê? — Ryan aponta para um armário branco, ao lado
esquerdo da cama.
— Pegue-as para mim, veja nos bolsos. Eu não sei explicar, mas me bateu isso na cabeça
agora. — Ryan vai até o armário, pega minhas roupas e começa a mexer nos bolsos. Minutos
depois, ele me traz um cartão. — Valter Aguiar... Eu me lembro desse nome, só não consigo juntar o
nome à pessoa.
No cartão está escrito o nome, a profissão e o número dos telefones.
— Acho melhor entregar isso para o papai, certamente já é um grande começo. — Ele estica
a mão para pegar o cartão.
— Não, deixe-o comigo, depois eu entrego ao papai. Você trouxe roupas limpas para mim?
— Você não recebeu alta, ainda. — Ele me olha, desconfiado — Não está pensando em ir
embora? — Fito-o com a sobrancelha arqueada. — Ficou doido, Allan, o papai vai enlouquecer se
você fizer isso! — Ryan sabe que ninguém vai conseguir me manter preso nesse quarto. Sento-me,
respiro fundo e fico de pé — Allan, cara! Não! Você precisa ficar no hospital, são ordens médicas.
— Eu sou médico, e estou me dando alta. — Passo por ele, vou até o armário e pego as
roupas que são minhas e não são.
Saio do banheiro vestido com as roupas de um estranho, mas no momento não me importo, eu
só quero sair dali.
— Allan! — Escuto o berro de Ryan no corredor.
— Preciso ver minha mãe, você me leva ou vou precisar ir de Uber.
Chegamos em Nevan uma hora depois. Lembro-me de todos os detalhes da cidade, as lojas,
os supermercados, os três enormes shoppings, cada detalhe da cidade do meu pai. Só não consigo
lembrar dos oitos meses que passei desaparecido.
A casa da nossa família fica no alto da montanha, cercada pela floresta de Nevan, uma
vegetação rica em árvores frutíferas, flores silvestres e o rio Vennucnii, onde costumava nadar
quando criança.
Nosso pai não está em casa, acho até melhor assim, pois se ele estivesse, com certeza
terminaríamos discutindo. Assim que entro em casa, a saudade bate forte em meu peito. Nada
mudou na grande mansão do senhor do Clã Cémel Loairn, continua majestosa. Fui muito feliz aqui,
pelo menos até os meus 16 anos.
Entramos no quarto onde minha está, e assim que piso os pés no carpete felpudo, sinto o
cheiro da minha mãe. Mamãe está deitada na cama, cercada por fios e aparelhos, dormindo
serenamente. Aproximo-me lentamente, Ryan não me segue, ele fica na antessala. Uma enfermeira
está sentada em uma poltrona próximo à cama. Assim que ela me vê, se assusta. Peço silêncio com
o dedo nos lábios. Sento-me na cama e envolvo a mão macia da minha mãe com as minhas.
— Mamãe — sussurro —, sou eu... sou eu, o seu filho Allan, mamãe... — não consigo conter a
emoção, e as lágrimas descem por meus olhos. — Eu sinto tanto, mamãe. Sinto por ter sido o
culpado por isso. Juro, mamãe, se eu pudesse voltaria ao passado só para não a ver assim.
Perdoe-me, perdoe-me, mamãe.
Levo sua mão aos lábios e a beijo com carinho. Meu coração está tão acelerado que chego a
me sentir mal. Ela não se move, sequer os seus batimentos se alteram, não há reação à minha
chegada, minha mãe não sabe que estou aqui, nem está sentindo os meus carinhos.
Saio desolado do quarto, com um nó na garganta.
— Ela vai melhorar — Ryan diz, parado diante da porta do quarto.
— A esperança é a última que morre, não é mesmo? — Digo, de modo arrastado.
Saio à frente de Ryan, em direção à porta da rua.
— Aonde pensa que vai? — Ryan segura o meu braço, impedindo os meus passos. Franzo a
testa ao olhar para ele.
— Estou indo para minha casa, ou você pensou que ficaria aqui? — Pelo jeito que me encara,
ele pensou isso mesmo. — Ryan, não posso ficar aqui. Estou confuso, perdido, preciso de um tempo
sozinho, e a minha casa é o meu melhor refúgio.
— Você não vai nem ao menos ver a Muriel? Ela está ansiosa para vê-lo, tem noção do que a
sua noiva passou esses últimos meses?
É o que eu temia. O assunto “noiva” não demorou a surgir.
— Vocês ainda insistem nesse assunto? Quantas vezes eu preciso dizer que não tenho noiva...
— Cale-se, Allan! — Ele me interrompe. — Você tem uma noiva e em breve vai se casar e
assumir o seu compromisso com o nosso povo, quer você queira ou não! Acho que já está na hora
de você aceitar isso.
Ryan quando quer ser insuportável, ele é. Sempre achei e continuo achando que é ele quem
deve ser o futuro rei de Nevan, como também deve se casar com a Muriel.
— Ryan, não quero discutir sobre isso, minha decisão foi tomada há muito tempo. — Viro as
costas e, sem olhar para trás, digo: — Vou pegar o seu carro, depois mande alguém buscá-lo.
Ele diz algo que eu não entendo. O que eu mais quero nesse momento é chegar em casa e
reviver minhas lembranças esquecidas.
Capítulo 20
Posso fechar os meus olhos tranquilamente, que não corro o risco de sair desta estrada com
o carro. Conheço cada curva da rodovia que me leva para casa, cada curva e cada desvio.
Acelero o ritmo pisando no acelerador, estou ansioso para chegar em casa. Respiro
profundamente o ar fresco, e assim que relaxo os ombros, meus olhos avistam o enorme portão de
ferro preto. Minha casa, finalmente estou de volta.
Paro o carro e abro o vidro da janela, para que assim o segurança me veja. O portão é
aberto.
Minha casa fica no alto da montanha, encoberta por uma extensa vegetação, tendo à frente
árvores frondosas de cerejeiras e um lindo jardim multicolorido, e nos lados e fundo a mata, com
seus pássaros e animais silvestres. Minha casa foi planejada para aproveitar a luz natural, tanto
do dia como da noite, é toda ladeada de paredes de vidros, só os quartos e os banheiros são de
tijolos.
Desço do carro e respiro fundo outra vez, sentindo o cheiro maravilhoso do mato.
Estou em casa, em meu refúgio.
Mal entro em casa e sou tomado por um grito de surpresa.
— Meu príncipe! —Virou-me para a voz de Marita.
Marita é minha governanta, na verdade, ela é uma espécie de segunda mãe, ela me viu
crescer. Minha mãe me convenceu a empregá-la quando comprei esta casa. Na verdade, ela é os
olhos da dona Rhanya, minha mãe. Concordei com a vinda de Marita para cá só para deixá-la
mais tranquila.
— Marita — Vou ao seu encontro e a abraço. Ela ainda não se acostumou com essa
aproximação, vive aqui comigo há anos e ainda não se habituou a isto.
— Meu príncipe, o senhor Máximus acabou de ligar, ele está furioso com o senhor. Como o
senhor foi fazer uma coisa dessas? — Olha-me com repreensão. — Fugir do hospital, onde já se
viu isso? E o pior, o príncipe Ryan o acobertou...
— Vamos parar! — A interrompo. — Em primeiro lugar, pare de me chamar de “meu
príncipe”. Em segundo lugar, já sou bem grandinho para tomar as minhas próprias decisões.
Passo por ela e vou direto para o quarto. Ela vem atrás de mim, tagarelando.
— Sim, o senhor é um adulto, mas deve obediência ao senhor Máximus, pois além de ser o seu
pai, ele é o seu rei, e como o seu sucessor, deve dar exemplos...
— Chega! — Grito, nervoso. — Não me faça me arrepender de ter voltado para casa —
Vou até o closet e volto com uma bolsa de mão. Começo a colocar algumas roupas dentro dela.
— O que o senhor está fazendo? — Marita vem até mim e tenta me ajudar. — Vai ficar em
Nevan? Ai meu Deus! Minhas preces foram ouvidas, finalmente o senhor resolveu aceitar o seu
destino!
Coloco a última peça de roupa na bolsa, vou até o meu banheiro e junto o que ainda tenho
de produtos de higiene.
— Marita, — fecho a bolsa e vou até ela — eu não estou voltando para Nevan, e perca as
suas esperanças, pois não mudei a minha decisão, não haverá casamento e tampouco serei o futuro
rei de Nevan. Acho que o seu Deus estava ocupado quando você fez as suas preces.
Deixo-a boquiaberta e sigo para o meu escritório. Não demora muito e ela vem atrás de mim.
— Meu príncipe... quer dizer, senhor Allan, não deboche da minha fé, pois quando todos
pensavam que o senhor estava morto, eu me agarrei ao meu Deus e pedi por sua vida e saúde, e
ele, todos os dias, me dizia que o senhor estava vivo.
Fecho o cofre, onde pego a segunda via de todos os meus documentos, e viro-me para ela.
Seguro em seus ombros e a fito.
— Pois então peça ao seu Deus para que eu possa encontrar as respostas que eu procuro. —
Beijo sua testa. — Avise ao meu pai e a quem perguntar que eu voltei para o Brasil, só retorno
quando encontrar o que eu procuro. — Saio apressado em direção à garagem.
Não espero a resposta, pego o meu carro e sigo para o aeroporto.
Foram quinze horas dentro de um avião, entre Dublin, Paris, São Paulo e Florence, e mais
algumas horas de carro até São Francisco. Quando chego na obra onde todos dizem que eu
trabalhava, já estava no meio da manhã, precisamente às dez horas.
Entro pelo grande portão de ferro e caminho devagar pelo grande canteiro. Só escuto sons
de britadeiras, máquinas, tábuas, ferros e uma gritaria de homens.
— Black! — Escuto alguém gritar ao longe. O sol está forte, preciso colocar uma das minhas
mãos sobre o meu rosto para poder enxergar a pessoa. — Black, é você mesmo? — Um homem
alto e forte caminha em minha direção, com os braços abertos. — Cara, olha só você! Porra, “véio”,
como você está diferente!
Ele me segura pelos ombros, observando-me atentamente, depois de certo tempo sou
puxando com força de encontro ao seu corpo e recebo um forte abraço. Fico sem reação, pois eu
não tenho noção de quem possa ser esse homem. Tento me lembrar, mas o esforço é em vão. Ele se
afasta, e ficamos nos encarando por alguns minutos.
— Desculpe-me, senhor, mas eu não me lembro quem é...
Ele fica desconcertado, e não é para menos, pois o jeito com que me abraçou, parecíamos
bem próximos, talvez amigos.
— Tudo bem, Black. Agora que eu me lembrei que o seu nome verdadeiro é Allan... doutor
Allan, não é isso? — Assinto com a cabeça, enquanto aperto a mão que me foi estendida. — Sou o
Antônio, fomos amigos de trabalho quando você era o Black.
— Fomos?! — Sorrio para ele. — Acho que podemos ser amigos, agora que sou o Allan, ou
não? — Ele puxa meu braço e me abraça outra vez.
— Claro que podemos.
— O Valter está? Eu preciso muito conversar com ele. — Antônio me encara, curioso.
— Você lembrou da Jasmine, não foi? Cara, ela está de dar pena, o senhor Valter e o senhor
Manolo não sabem mais o que fazer, pois desde que você foi embora que sua noiva só dorme. Se
você demorasse mais um pouco, acho que não a encontraria viva.
— Noiva! Como assim? — Agora a merda está espalhada por toda a minha mente. Quer
dizer que a moça dos meus sonhos existe, e o pior, ela é minha noiva?
— Eita, porra! Acho que falei demais. Você não lembrou de nada, nadinha? — Seu olhar
parece aflito.
— Não, Antônio. Eu não me lembro de nada, nada do que vivi aqui nos últimos oito meses da
minha vida.
— Então, seu Allan, é melhor o senhor voltar para sua terra, porque se a sua noiva descobrir
que o senhor não lembra dela, é bem capaz de ela partir dessa para a outra vida. — Franzo a
testa ao olhar de volta para ele — É verdade o que estou dizendo, a sua noiva está muito mal. —
Ele completa.
— Posso falar com o Valter? — Exijo fortemente. Eu ainda estou nas garras da incerteza que
me consome.
Antônio me encara. Sem me responder, ele me guia até uma casa feita de tapumes e telhas de
fibrocimento. Ele bate na porta, logo escuto uma voz grave mandando-o entrar. Um homem alto,
moreno, com cabelos castanhos claros e aparentando uns quarenta e cinco anos, nos olha por cima
dos óculos.
— Eu não acredito, não pode ser... — Ele se levanta rapidamente, deixando cair alguns
papeis no chão, mas não se importa. Com uma alegria estampada no rosto ele vem em minha
direção — Meu amigo, meu amigo Black... quer dizer, Allan.
Sou puxado para um abraço. Fico completamente imóvel, eu não sei como reagir à emoção
daquele homem estranho. Valter percebe.
— Você não lembra de mim? Nem do Antônio? Allan, quando você acordou, nós dois
estávamos bem à sua frente, não lembra de nós?
De repente, me sinto um pouco tonto. Sacudo a cabeça para espantar meus pensamentos
atordoados, procuro a primeira cadeira que vejo à minha frente e me sento. Respiro fundo e logo
depois, fecho os meus olhos, e volto a cinco dias atrás. Imagens borradas surgem em minha frente,
vozes assustadas sussurram aos meus ouvidos... Abro os meus olhos e os encaro, então as imagens
distorcidas e nubladas tornam-se nítidas. Valter e Antônio estavam ao meu lado, há cinco dias.
— Agora eu me lembro de vocês. Desculpe-me, mas está tudo tão confuso, estou procurando
resposta para o que me aconteceu, por isso voltei, eu preciso da ajuda de vocês... — Incapaz de
resistir ao meu desespero, meus olhos marejam.
— Ele não se lembra de nada, patrão, nem da noiva.
Valter fecha os olhos, passa a mão pelos cabelos e respira fundo.
— Santo Deus! Isso é verdade, Allan? — Ele volta a me encarar. Desta vez não faço um único
som, só balanço a cabeça afirmando. — Allan, a sua noiva está muito debilitada. Desde que soube
que você foi embora e esqueceu completamente dela, ela não consegue nem se levantar da cama.
Quando está acordada, só faz chorar e chamar por você, eu e o Manolo que estamos cuidando
dela.
Quando ele termina de falar, meu coração acelera. Não lembro de ter uma noiva, mas a dor
em meu peito e aquela sensação sufocante, só por saber que essa moça está sofrendo por minha
causa, me deixa na lona.
— Eu a amava? Jasmine é o nome dela, não é? — Valter me fita com olhos surpresos.
— Você lembrou o nome dela, já é meio caminho andado...
— Não, foi o Antônio quem falou. — Preciso interrompê-lo, pois ele já está pensando que me
lembrei da minha suposta noiva.
Valter se cala por alguns minutos. Seu olhar percorre o meu rosto, talvez ele procure por
algum sinal, ou quem sabe tente adivinhar os meus pensamentos naquele momento.
— Sim, vocês se amam muito... pelo menos ela ainda o ama, mas você era louco por ela,
praticamente vivia por ela. Estavam de casamento marcado para o próximo mês, eu e o Manolo
seríamos os padrinhos.
Fico sem palavras, enquanto lentamente tento repor minhas ideias no lugar, o suficiente para
recomeçar com outras perguntas.
— Maldição! — Murmuro. — Como assim, me casar? Pelo que sei até agora, não tinha
documentos, não podia me casar, isso é loucura!
— Nem você nem a Jasmine, ela também não tinha documentos. A Jasmine é uma moradora
de rua, mas eu conheço pessoas muito importantes que me deviam favores, com um pouco de
dinheiro, consegui documentos para você e para ela.
— Moradora de rua!? — Minhas descobertas estão ficando cada vez mais interessantes. —
Ela é... — Hesito um pouco, em seguido digo: — Ela é uma indigente?
— Não, não do jeito que você está imaginando. — Valter vem em minha direção — Ela é a
moça mais linda que eu já vi. — Segura meus ombros, me avaliando. — E quando ela o vir assim,
de terno, vai tomar o maior susto.
Ele ri e esfrega os meus ombros com as mãos.
— Eu quero vê-la, preciso que me levem até ela, quem sabe assim lembre de algo, ou talvez
de tudo o que me aconteceu nesses últimos oitos meses.
— Allan, a Jasmine está muito abalada. Você não pode dizer para ela que não lembra de
nada, pelo menos não pode dizer que não se lembra dela, creio que ela não vá suportar.
Eu sei que o Valter tem razão. Como médico, eu sei o quão perigoso esse choque pode causar
a um paciente. Não vou discutir esse assunto com ele, o que precisar fazer para manter a saúde
mental da moça eu farei, mesmo que eu precise mentir para ela.
— Não se preocupe, Valter. Não direi a Jasmine que não me lembro dela, só me atualize com
o que você sabe sobre nós dois.
— Farei melhor. Enquanto conversamos, o Antônio irá buscar o Manolo, ele conhece a Jasmine
há mais tempo que eu.
Antônio vai em busca do tal Manolo. Valter me põe a par de tudo o que sabe sobre eu e a
Jasmine. Fico sabendo que foi a Jasmine quem salvou a minha vida, ela me encontrou em um lugar
ermo, deixado para morrer, completamente nu e muito ferido. Foi ela quem retirou a bala do meu
peito e cuidou dos meus machucados. Ao saber disso, sinto uma pressão em meu peito no local
onde ele aponta, é como se estivesse sentindo o choque da bala em minha carne. Cada descoberta
é como um tormento dilacerando a minha mente. Mesmo sabendo disso tudo, não consigo me
lembrar de nada.
Alguns minutos depois, Antônio entra na sala de Valter, acompanhado por um senhor alto de
cabelos grisalhos e uma barba branca, sustentando o corpo com uma bengala e me olhando com
curiosidade.
— Então é verdade, a sua mente voltou ao tempo de antes, você sofreu um trauma retrógado.
Isso acontece quando sofremos um trauma após o outro.
Olho abismado para aquele senhor à minha frente. Fico de pé e caminho para próximo dele.
— Nem pensei nessa hipótese, como o senhor sabe disso? Por acaso o senhor também é um
médico?
— O que eu sou ou deixei de ser não interessa, meu rapaz. Eu só preciso saber se você se
lembra de algo, qualquer coisa que possa ser puxado por sua memória e o levar para oito meses
atrás.
Fico curioso com o homem malvestido, mas com uma sabedoria que dá inveja.
— Não, eu não me lembro de nada. — Ele enche o peito de ar, em um suspiro cheio de
desalento.
— Que pena. Tudo indica que o senhor não se lembrará de nada, a sua vida começou de
onde parou, ou seja, há oito meses, antes de o senhor chegar aqui em São Francisco. Não vai
adiantar nada contarmos o que lhe aconteceu, pois não se lembrará, para o senhor, não passará
de simples fatos, só isso.
A decepção chega como uma bomba em minha cabeça. Segundo este senhor, eu nunca vou
me lembrar de nada, aconteça o que acontecer, mas mesmo assim, preciso saber o que aconteceu
comigo, e o mais importante, preciso saber quem é a moça por quem eu me apaixonei, a ponto de
pedi-la em casamento.
— Se eu não posso ajudar a mim mesmo, posso ao menos ajudar a moça, a Jasmine.
O velho senhor se senta, eu também.
— Decerto que sim. — Ele baixa os olhos tristemente — A Jasmine precisa de você mais do
que imagina. Só você poderá ajudá-la nesse momento, a vida dela depende da sua proteção.
Manolo ergue a cabeça, e os seus olhos tristonhos se fixam nos meus.
Ele começa a me contar sobre tudo. E a cada palavra dita, o medo corre em minhas veias.
Fico sabendo que a Jasmine é perseguida por homens perigosos desde que ela fugiu do seu tio,
quando ainda era uma adolescente. Manolo não foi muito claro quanto aos motivos, mas me disse
que não podia me contar, pois eu não acreditaria se ele dissesse a verdade, no entanto, cedo ou
tarde, eu ficarei sabendo e assim, conhecerei o porquê de a Jasmine ser tão valiosa para esses
homens.
— Você prometeu protegê-la, você jurou que ninguém faria nenhum mal a ela. Você a amava,
de tal forma que daria a sua própria vida por ela. Essa moça derrubou todas as muralhas que ela
havia construído para sua própria segurança por sua causa. Ela se entregou a você, e agora você
deve isso a ela, porque do jeito que Jasmine está, ela será pega logo, logo. Os homens que a
perseguem estão perto demais, eles andaram fazendo perguntas sobre ela a muita gente, e eu
não posso protegê-la por muito tempo. Você precisa levá-la daqui o mais rápido possível.
Foi muita informação ao mesmo tempo. Em questão de minutos, eu descubro que fui
loucamente apaixonado por uma mulher que nem me lembro do rosto, descubro que fiz muitas
promessas nas quais nem me recordo e, o mais sério, bandidos estão à procura da moça a qual eu
jurei proteger.
— Esses tais homem perigosos estão pelas redondezas, o senhor sabe quem são? — Manolo
assente com a cabeça. — Então por que o senhor não vai até a polícia?
— Porque eles podem ser a polícia, e desde quando a polícia vai se importar com moradores
de rua? Se você voltou, mesmo sem saber quem é a Jasmine, é porque Deus assim quis, então
cumpra o que prometeu, proteja-a.
Ele tem razão. Eu prometi, e uma coisa que eu costumo fazer é cumprir com as minhas
promessas. Mesmo não me lembrando da Jasmine, ela será protegida.
— Levem-me até a Jasmine — Viro minha cabeça em direção ao Valter — Vou precisar dos
documentos que conseguiu para ela — peço um papel e uma caneta, anoto um número e um nome.
— Digitalize tudo e envie para esse endereço de e-mail, depois ligue para esse número e fale com
essa pessoa, peça para ele providenciar as passagens para amanhã ou o mais rápido possível
para a Irlanda. — Levanto-me — Vamos, Manolo, eu quero vê-la agora.
Capítulo 21
Valter pede alguns minutos para repassar algumas ordens para o Antônio. Eu e o Manolo
seguimos para o carro que eu aluguei no aeroporto.
— Foi fácil encontrar a cidade? — Manolo pergunta, curioso, apontando com a cabeça em
direção ao veículo preto, estacionando ao lado do canteiro de obras.
— Não, foi só colocar o nome da cidade e o endereço que constava no cartão de visitas no
GPS do carro, ele me trouxe direto para cá.
— Esses veículos de hoje em dia só faltam falar e andar sozinhos.
Ele chega bem perto do carro e começa a avaliá-lo.
— Alguns já falam, Manolo. — Ele me olha, incrédulo.
Valter e Manolo entram no carro e me orientam como chegar até o endereço de Jasmine.
É uma casa de dois pavimentos. Bem simples, o andar inferior é um depósito de bebidas, o
acesso para a casa da Jasmine fica do lado direito, um estreito portão de ferro é a entrada.
Manolo abre o cadeado, e assim que é aberto, avisto um corredor escuro, três passos depois dou
de cara com uma escada estreita, e logo acima, no final do último degrau, uma porta branca.
Manolo enfia a chave na fechadura e a abre.
Nada naquela casa é familiar. Nem o cheiro de flor que vem de algum canto da casa. A sala
é pequena, só há um conjunto de sofá, uma mesa, e a alguns passos posso ver a cozinha.
— Não lembra deste lugar, Black... desculpe-me, Allan? — Valter pergunta, com um olhar
avaliador.
— Não, não me lembro de nada. — Percebo o semblante de decepção dos dois homens que
estão me encarando com preocupação. — Onde ela está? Quero acabar com isso logo.
Percebe-se, pelo tom da minha voz, que estou nervoso. Nunca me senti tão nervoso em minha
vida, nem quando fui fazer a minha primeira aula cirúrgica.
— Ela está no quarto, no final do corredor. — Valter aponta com a cabeça. — Não acha
melhor irmos na frente e preparar o terreno?
— Não, eu sei o que fazer, não se preocupem, ela ficará bem.
Respiro fundo. Hesito um pouco, mas algo me empurra para dar um passo à frente, é o que eu
preciso para criar coragem e seguir em direção ao quarto. Abro a porta. A janela está fechada e
coberta por cortinas, impedindo a claridade de entrar. Só há um pequeno abajur aceso em uma
cômoda, um pouco distante da cama.
Fecho a porta. Paro por alguns segundos, observando à minha volta. Certamente, eu dormia
nesse quarto e naquela cama. Quantas noites nos amamos ali, e por que não consigo me lembrar?
Algo se movimenta na cama, e escuto um gemido, para logo em seguida escutar um sussurro.
— Black? — Uma voz doce e sofrida ecoa num murmuro.
Aproximo-me da cama e me sento ao lado de uma pessoa embrulhada em um edredom
florido. Mal consigo ver quem se esconde debaixo das cobertas.
— Jasmine. — a chamo suavemente. — Jasmine, sou eu, o Allan... quer dizer o Black. — Ela
se mexe entre as cobertas.
Inclina a cabeça para trás e olha para a escuridão. Como não vê nada, tange as cobertas
para longe e se vira em minha direção, então eu pude contemplá-la. Meu Deus! Como ela é linda!
Só então, eu lembro que o rosto dela é o mesmo da moça dos meus sonhos.
— Black! — Sua voz embarga — Black, é você...? — Atordoada e muito fraca, ela se senta.
— É você?
Suas mãos quentes cercam o meu rosto e ele é acariciado. Meu corpo inteiro se arrepia com o
toque. Não, eu não lembro dela, mas suas mãos quentes em minha pele despertam sentimentos que
nunca havia sentindo.
— Você lembrou de mim? Você veio me buscar? Meu amor... meu amor, que saudade de você!
— Lágrimas escorrem dos seus olhos azuis, e os meus marejam. Não sei explicar, mas minha
vontade é de beijá-la.
Ela se joga em meus braços. Ao sentir o seu calor, meu corpo ganha vida, aquelas mãos
quentes me tocando aquecem o meu coração, a minha alma.
— Você lembrou de mim. Lembrou, meu amor... — Ela se afasta do meu corpo, e eu sinto um
vazio quando ela fez isso. Seus olhos me avaliam. — Você está tão diferente, essas roupas, o seu
cabelo... — Jasmine baixa os cílios, respirando com dificuldade, e segundos depois me fita
novamente. — Você ainda me ama, ainda me quer?
Ela mal consegue respirar. Está muito pálida, com olheiras arroxeadas e profundas, a pele
está opaca e os lábios com rachaduras, muito, mas muito ressecados. Suas mãos que estão em meu
rosto caem repentinamente, e se não sou rápido, ela desmaiaria sobre os travesseiros.
— Jasmine. — Até o momento, não consegui expressar uma palavra, mas vê-la tão inerte em
meus braços é dilacerante. — Jasmine, eu voltei para cuidar de você, eu prometi, não prometi?
Então estou aqui, vim buscá-la.
Inclinado sobre o seu corpo, olhando aquele rosto lindo, não consigo resistir e uno os meus
lábios aos dela, com leveza. O beijo é delicado e quase intocável, só um roçar bem leve, mas é o
suficiente para acender o sinal de alerta em mim.
Allan, você não deve se aproveitar dessa moça, ela o ama. Se você quer ajudá-la, é melhor
manter distância, ou ela vai terminar sofrendo.
Assim que escuto a minha consciência, me afasto. Examino o seu rosto e o toco com as mãos.
Ela está molhada de suor, e a sua pele está vermelha.
— Merda! Você está ardendo em febre. — Levanto-me rapidamente e corro em direção à
sala. — Eu preciso desses medicamentos o mais depressa possível. — Pego um caderno que está
na mesa e peço uma caneta ao Valter. — Depressa, Valter, providencie tudo isso o mais rápido
possível. Vai precisar de dinheiro?
Valter me olha com uma cara de zanga e sai logo em seguida.
— Manolo, eu preciso que você dê um banho na Jasmine...
— Você fará isso — ele me interrompe — Vou até os galpões providenciar algumas ervas
para fazer um chá...
— Eu não posso fazer isso — agora sou eu quem o interrompe — O que ela vai pensar de
mim, se acordar nua em meus braços?
— Esqueceu que eram marido e mulher? Ela vai estranhar se acordar nua em meus braços,
enquanto você está na sala. Se quer que ela acredite que se lembra dela, terá que agir
naturalmente, portanto, vá dar banho em sua mulher.
Ele se vira e sai, sem esperar minha argumentação.
Acelero o passo, quase correndo, até o quarto onde está Jasmine. Não quero vê-la nua, pois
eu sei o que isso fará comigo, mesmo porque não parece que ajo de forma correta. Mas eu tenho
que fazer isso, sou um médico e devo pensar como tal.
Ela ainda está de olhos fechados e a sua respiração lenta demais. Toco em sua testa, e ela
queima. Se não agir rápido, ela terá uma convulsão. Dispo-a de sua camisola, e o que os meus
olhos veem é o corpo mais lindo e perfeito que já apreciei em toda minha vida. Tento pensar como
médico, agir como médico, mas a cada toque dos meus dedos em sua pele torna-se mais e mais
difícil racionar como um médico e não como homem. Expulso os meus pensamentos de homem das
cavernas para bem longe e dispo-me das minhas roupas, fico só de cueca.
Nua e febril, a coloco em meus braços e a levo para o chuveiro. Água fria, para um corpo
ardendo de febre. Quando a coloco debaixo d’agua, ela acorda e começa a se debater.
— Frio... frio... por favor, Black, está muito frio.
— Eu sei, mas é para o seu bem, só aguente só um pouquinho mais.
Ela se debate e treme.
Cinco minutos depois, a levo de volta para a cama. A cubro com o edredom, e enquanto ela
se aquece, dispo minha cueca molhada. Eu sei que ali foi a minha casa, então vou à procura de
outra cueca. Encontro uma gaveta com peças íntimas, provavelmente minhas e dela. Pego uma
cueca preta e uma calcinha. Em outra gaveta há roupas de dormir, pego um pijama para ela.
Visto minhas roupas. Ela treme por debaixo das cobertas. Vou até ela e começo a vesti-la. A
pele macia sob o toque dos meus dedos me excita, provoca a minha libido. Ver os seios duros com
aréolas rosadas e bicos pontudos deixa-me com água na boca. Mal consigo desviar os meus olhos
dos seus dois melões redondos. Apressadamente, visto o seu corpo com a blusa do pijama, mas
logo lembro que a parte inferior está nua.
Sacanagem, sua vulva está coberta por ralos pelos loiros, uma penugem delicada que mal
cobre a abertura que divide os seus grandes lábios vaginais.
É muita tentação para um pobre homem.
Fecho os olhos com força e visto sua calcinha, em seguida, a calça do pijama. Meu membro
pulsa, e eu me sinto desconfortável com essa situação. Como posso desejar tanto essa moça, eu não
me lembro dela.
Deslizo os dedos entre os fios dourados dos seus cabelos e o enxugo com a toalha. A febre
baixa um pouco, e isso me dá um pouco de alívio, mas a respiração ainda está ofegante.
— Black — Escuto a voz do Valter, ele acaba de chegar. Cubro a Jasmine com um lençol fino
e vou ao seu encontro.
— Comprou tudo o que prescrevi? — Ele me entrega uma sacola com os medicamentos.
Começo a preparar as medicações.
— Ela está ruim assim? — Valter observa cada gesto meu.
— Está, a febre está muito alta, a respiração muito ofegante, mas essa medicação vai ajudar.
Não se preocupe, ela vai melhorar.
Fomos para o quarto. Administro a medicação intravenosa e preparo a nebulização. Uma
hora depois, preciso mudar a roupa da Jasmine, a febre cedeu rapidamente e ela já respira
normalmente. E o seu sono não é mais agitado, dorme tranquilamente.
Manolo chega algumas horas depois, trazendo um chá em uma garrafa, e junto com ele vêm
duas moças e um homem corpulento.
— Allan, este é o C4 e estas são a Vivi e a Lady, amigas da Jasmine.
As duas moças me olham com admiração, e o homem corpulento com desconfiança.
— Você não lembra de mim, ou lembra? — Ele pergunta.
— Não lembro de nenhum de vocês, desculpem-me.
— Caralho! Você está muito mais gostoso. Jasmine é uma sortuda filha da mãe. — A moça
chamada Vivi aproxima-se e se move em torno de mim.
— Vivi, olha o respeito com o homem da outra, a coitada “tá” de cama e você cobiçando o
homem dela! Cadê a solidari... Como é mesmo que chama?
— Solidariedade, sua tapada, e eu não estou cobiçando ninguém. O Black é um gostoso, e
não se faça de santa, você também acha o mesmo.
Vivi olha para Lady com censura, junta as sobrancelhas e faz uma careta para ela.
— Vamos parar as duas, calem-se agora. — C4 olha para as duas garotas e fala com
autoridade: — Vão ver se a menina Jasmine está bem e fiquem por lá, enquanto eu vou ter uma
conversinha com o Black.
Ele me encara com as sobrancelhas arqueadas e um olhar nada amigável.
As moças nem discutem as ordens, imediatamente elas se trancam no quarto de Jasmine.
— Quer dizer que você não lembra de nós e provavelmente não lembra da menina Jasmine
— ele aponta o dedo em meu peito — Então, o que o senhor “dôtor” pretende fazer com a nossa
menina? Por acaso já sabe que homens maus a estão cercando por todos os lados? Hein! Sabe?
— Calma, C4 — Manolo o afasta de mim. — O Allan já está a par de tudo, ele veio para
buscá-la, vai protegê-la. Calma, homem.
— Se o senhor está dizendo, então está tudo bem. — Ele se afasta de mim, esfrega nariz com
os dedos e faz um barulho com a garganta, mesmo assim, ele continua me olhando com uma cara
de poucos amigos. — E quando pretende levá-la? — Pergunta, me encarando com ar desafiador.
Solto o ar que está preso em meus pulmões, pois eu penso que serei socado bem no meio da
cara.
— Amanhã mesmo, é só o tempo de comprar as passagens de avião. Não se preocupem, na
Irlanda ela estará bem protegida.
— Quero que saiba que aquela moça mora em meu coração, por isso é bom cuidar bem dela.
— Tenho a impressão que não fui convincente, pois ele continua a me olhar enviesado.
C4 vai até o quarto e avalia Jasmine com atenção. Fico com receio quando ele se inclina
sobre a cama para beijá-la na testa, algo dentro de mim diz para afastá-lo dela, não sei se são
cuidados médicos, pois o homem não está muito limpo, ou se é o meu instinto protetor.
As amigas de Jasmine suplicam para mim que, assim que chegássemos à Irlanda, ligássemos
para elas. Eu precisei prometer. C4, as moças e o Valter vão embora no final da tarde.
Manolo fica um pouco mais. Tento descobrir um pouco mais sobre a Jasmine, desconfio que ele
sabe o motivo pelo qual os tais homens estão atrás dela.
— Você sabe o que esses homens querem da Jasmine, não sabe, Manolo? — Ele fica calado,
e sua passividade começa a me incomodar. — Será que não percebe, Manolo, que se eu souber os
motivos, será mais fácil protegê-la?
Ele está sentado em uma cadeira da mesa, bem de frente a mim. Com impaciência se levanta
e vai até a janela.
— Um dia, eu te disse que tem certas coisas que só acreditamos vendo. Se eu te contar essas
coisas você não vai acreditar, portando se acalme, não está longe esse dia em que você conhecerá
algo extraordinário e — ele se vira, encara-me e completa: — esse dia será o mais importante da
sua vida, ele mudará toda a sua crença. Por enquanto, eu só te peço, proteja essa moça com a sua
vida. Se ela cair em mãos erradas, a morte será lenta e dolorosa para ela.
As últimas palavras de Manolo vêm como uma flecha certeira em meu coração. Não sei
explicar, mas só o pensando de que algo ruim poderá acontecer a Jasmine faz meu corpo
estremecer.
— Só acho que eu preciso saber algo mais, não acha? — Levanto-me e sigo até ele, seguro
os seus ombros com as mãos e o faço me encarar.
— Essa moça carrega com ela um dom. Para mim é uma maldição, mas, para outros, é um
dom de Deus. — Ele se livra das minhas mãos e me puxa para um abraço — Quando eu descobri
que você é irlandês, fiquei feliz, muito feliz. Lá, ela ficará mais protegida, é só isso que eu posso
dizer. Agora, eu preciso ir, amanhã virei logo cedo para me despedir.
Manolo está muito emocionado, e eu sei que esse senhor misterioso esconde algo, algo sobre a
Jasmine e sobre ele.
Fico sozinho. Jasmine dorme um sono tranquilo, e eu procuro respostas dentro do minúsculo
apartamento.
Analiso cada objeto, cada canto do lugar, mas nada é familiar, nada que olho ou toco me traz
lembranças. Vejo nossas fotos, nossos sorrisos. Bem, eu não posso negar, nessas fotos parecíamos
apaixonados e muito felizes.
— Black!
Assusto-me com o grito de Jasmine. Largo um dos porta-retratos e corro em direção ao
quarto. Jasmine está se debatendo, alheia a qualquer coisa. Sento-me ao seu lado e tento protegê-
la da violência dos seus braços. Ela puxa os cabelos, suas unhas rasgam a pele do seu braço, e
antes que tente marcar o seu lindo rosto, detenho suas mãos com as minhas.
— Jasmine, Jasmine, eu estou aqui... Abra os olhos, veja-me...
— Eles estão aqui, estão aqui... vieram me buscar... não os deixem me tocar... Por favor, por
favor, afaste-os de mim, Black. Eles vão me forçar a fazer coisas terríveis... terríveis...
Ela se agarra à minha camisa, e os seus olhos aterrorizados fixam-se aos meus, eu vejo pavor
neles. Seu corpo treme de medo. Fica completamente imóvel, só os seus olhos arregalados se
movem de um lado a outro. Tento sacudir o seu corpo, mas ela está presa ao pavor, então eu a
agito com toda força. Ela subitamente me fita. Incapaz de emitir qualquer som, me olha com
perplexidade, posso sentir o tremor do seu corpo. O horror dos seus olhos me destroça, aquele
sonho bizarro está a matando de medo.
— Eles estão próximos, Black. Eles vão me levar com eles, por favor... por favor... — Ela fica
tão imóvel, que até mesmo a sua respiração soa como um grito de morte. Eu não posso deixá-la
desse jeito.
— Meu anjo, ninguém vai tocá-la. Ninguém nesse mundo em sã consciência irá tocar em um só
fio dos seus lindos cabelos loiros, eu prometo. Agora se acalme, volte a dormir. Você está a salvo,
eu estou aqui com você. Shh! Feche esses lindos olhos e durma, amanhã teremos um longo dia.
Seu rosto está úmido pelas lágrimas. Alguns fios loiros dos seus cabelos estão molhados e
grudados em seu rosto aterrorizado.
Eu a deito nos travesseiros, e ela me leva junto com ela. Sou forçado a me deitar ao seu lado
e colocá-la em meu peito. Jasmine se agarra a mim como se eu fosse sua tábua de salvação –
talvez eu seja. Segundos depois de ela adormecer, o quarto é tomado por um cheiro delicioso de
flor, então eu reconheço o odor: jasmim. No entanto, o cheiro é exalado de um lugar... é onde ela
está. Ela cheira a jasmim, então eu lembro que não usei nenhum tipo de sabonete ou perfume
quando a banhei, talvez as suas amigas, quando estiveram com ela, puseram perfume em seu
corpo, é a única explicação para este cheiro inesperado. Puxo o ar para os meus pulmões,
aspirando aquele cheiro delicioso.
Jasmine respira profundamente.
— Eu estou aqui — sussurro, minha boca encostada em sua cabeça —Não sei explicar, talvez
nem tenha explicação para o que estou sentindo, mas posso afirmar que ninguém vai tirá-la de
mim, não enquanto eu estiver respirando.
Uma mão toca o meu peito e ele é acariciado. Jasmine inclina a cabeça, seu olhar terno
acende labaredas em meu corpo. O simples toque dos seus dedos na altura do meu coração me
deixa inebriado de prazer. Ficamos hipnotizados com o nosso olhar, e como um imã, inclino minha
cabeça em direção ao seu rosto.
Isso é loucura, estou ficando louco.
Minha boca toca a sua suavemente. Seus lábios se entreabrem, e nos beijamos com doçura
cálida. Um calor percorre o meu corpo como uma corrente elétrica.
Não pode fazer isso, Allan, pare enquanto é tempo.
Não consigo escutar a voz da razão, a paixão me toma. Minha boca escorrega por seu
pescoço, soltando beijos, saboreando o gosto da sua pele. Escuto um gemido suave que ela deixa
escapar.
Allan, pare! Essa moça a ama, mas você não tem sentimentos por ela, nem sequer se lembra dela.
Pare.
— Jasmine, você precisa descansar. Está doente, fraca, e amanhã será um longo dia. — Luto
intimamente para afastar minha boca da sua pele.
Ela sorri e deita a cabeça em meu peito, seus dedos se movem sobre o tecido da minha
camisa, até que eles param. Ela adormece.
Fecho meus olhos, determinado a descansar. Eu sei que os meus próximos dias serão
carregados de fortes emoções.
Capítulo 22
Quem é você? O que me esconde? Por que finge ser uma pessoa que não é? Onde o
escondeu?
Tantas perguntas que não terei respostas, pelo menos por algum tempo. Eu não o reconheço.
Mesmo sabendo que este é o meu Black, sinto que não é ele. Sei que o seu nome é outro, sei que vive
outra vida completamente diferente da que vivíamos em São Francisco, mas... eu nem sei explicar, não
reconheço este homem que está ao meu lado, dirigindo um carro luxuoso, vestido em um terno muito
elegante e me levando para outro país que, ao escutar o nome, sinto arrepios.
Olho de soslaio para ele. Está tão distraído, prestando atenção na estrada, que mal fala comigo
desde que saímos de São Francisco, meu consolo é a paisagem linda que os meus olhos admiram.
Montanhas cobertas de verde, e algumas vezes, consigo ver flores nas copas das árvores, algumas
vermelhas, outras amarelas ou puxadas para o laranja.
— Está com sede, com fome? — A voz de Black quebra o silêncio entre nós. Viro o meu rosto
em sua direção. Ele continua com os olhos na estrada.
— Não. — Volto a olhar através da janela do carro. — Falta muito para chegarmos? — Falo,
mostrando na voz a indiferença.
— Não, olhe à sua frente — ele sequer me olha, mas com um gesto com a cabeça aponta para
frente. — Já estamos na estrada da cidade, agora é questão de minutos.
Black se cala, e o seu silêncio se estende até a chegada ao aeroporto.
Assim que desço do carro, me sinto mal. Tento dominar o mal-estar enquanto caminhamos pelo
saguão do aeroporto, mas tenho uma vertigem, meu sangue parece estar furando todo o meu corpo, e
sinto calafrios. Black percebe, larga as malas que estão em suas mãos e corre em minha direção.
— Jasmine. — Seus fortes braços cercam o meu corpo e sou amparada com cuidado. — Por
que não me disse que se sentia mal? — Sou levada até uma poltrona, e com cuidado ele me ajuda a
sentar.
— Desculpe-me, eu estava bem até descer do carro.
Mal consigo falar, pois estou me sentindo muito cansada. Ele senta ao meu lado, segura uma das
minhas mãos, seu polegar fazendo uma carícia em seu dorso. Meu corpo arrepia com aquele carinho
tão peculiar.
— Será que você consegue ficar aqui sozinha, eu preciso despachar nossa bagagem. — Black
me olha com tanta preocupação. Nesta hora, eu o reconheço, sei que é o meu Black.
— Vá, ficarei bem. Não se preocupe, foi só um mal-estar, já está passando.
Ele levanta. Fica de pé bem em frente a mim. Seu terno escuro e perfeitamente ajustado ao seu
corpo, sua pele lisa encoberta pela barba muito bem aparada, o brilho dos seus olhos verdes, formam
o conjunto perfeito do homem mais lindo que os meus olhos já viram. Ele é lindo, e isso me deixa
insegura.
Seu olhar desliza por todo o meu rosto, examinando cada centímetro dele.
— Se por acaso se sentir mal, erga a cabeça, descanse-a no encosto da poltrona e respire
fundo, soltando o ar lentamente em seguida. Faça isso até eu voltar, entendeu?
Seus olhos se fixam sobre os meus novamente, e vejo uma ruga de preocupação em sua testa.
— Já estou bem melhor, consigo até sorrir sem ofegar, está vendo? — Ofereço um sorriso tímido
para ele.
Ele retribui com um meio sorriso em seus lábios. E que lábios lindos.
— Por que será que eu não acredito em você? — Sua voz inflexível, e ao mesmo tempo tão
carinhosa, me deixa com uma vontade louca de me jogar em seus braços.
Respiro fundo, em seguida, limpo a garganta.
— Estou bem, pode acreditar. — Eu sei que ele não acredita em mim, mas se vira e vai em
direção a uma fila. De onde ele está pode me ver, então, de minuto a minuto, sou observada com
atenção.
Alguns minutos depois, ele volta. Toca em minha testa e verifica minha pulsação.
— Já volto, fique bem quietinha.
Black desaparece da minha visão. Demora uma porção de tempo para retornar, já estou
começando a me apavorar, meu sangue começa a ferver e o meu coração dispara de pavor. Já estou
pronta para me levantar e começar a gritar por seu nome, quando o vejo. Ele carrega nas mãos um
embrulho. Assim que chega mais perto, leio o nome de uma loja de fast food famosa.
Black senta ao meu lado e me entrega um copo com suco de laranja, e em seguida, abre o
embrulho do lanche. Ele começa a cortar o pão com a mão e colocar em minha boca. Tento recusar,
mas ele me olha com repreensão.
— Coma e beba o suco, eu preciso que tenha algo no estômago para poder tomar o remédio
que eu comprei na farmácia. Vamos, Jasmine, pare de teimosia e coma logo.
Ele faz uma pausa quando vê meus olhos estreitarem, talvez ele tenha esquecido que eu não
obedeço a ordens tão facilmente. No entanto, eu resolvo obedecer.
Seu olhar suaviza quando eu começo a mastigar o pedaço do sanduíche que ele pôs em minha
boca, entretanto, não consigo comer muito, logo vem um mal-estar e uma dor forte em minha cabeça.
Faço uma careta e tento esconder o meu desconforto.
— Você está pálida — Ele espalma a mão em minha testa. — Droga, Jasmine, o que você está
sentindo? — Seu olhar preocupado atinge em cheio o meu coração. — Olha para mim, Jasmine, não
esconda nada, diga o que sente. Vamos, eu preciso saber.
— Minhas mãos estão formigando, acho que vou desmaiar. — Puxo o ar rapidamente para os
meus pulmões. — Já está passando. — Assim que repito o movimento de respirar, sinto-me melhor.
Black me dá um comprimido, em seguida, uma garrafinha de água. Quando termino de engolir,
escuto alguém anunciar um voo para São Paulo.
— Vamos, é o nosso. — Ele me ajuda a levantar, e vamos em direção ao portão de embarque.
Em São Paulo pegamos um voo para Paris, e ao chegarmos lá, meia hora depois, pegamos outro
voo para Dublin.
Estou exausta, meu corpo já não me obedece. Black pouco conversa comigo, só o essencial, para
me explicar algumas coisas sobre onde estamos.
Daí por diante já faço tudo por obrigação, só para não o aborrecer, como e bebo o que ele me
manda. Assim que o segundo avião decola, meus ouvidos começam a doer, uma dor muito chata, e
esse é motivo para minha dor de cabeça piorar. Fecho os olhos e tento dormir, ou finjo estar dormindo.
Chegamos em Dublin de madrugada, o cansaço é tão intenso que mal consigo andar, é preciso
Black me abraçar para que eu possa andar. Um senhor se oferece para levar as bagagens até onde o
seu carro está. E que carro! Imponente, igual ao dono. Black retribui a ajuda do senhor barbudo com
algumas cédulas em dinheiro.
O meu homem é podre de rico.
Em seguida, ele me ajuda a colocar o cinto de segurança, seus olhos avaliam se tudo está bem e
logo depois, dá a partida no carro.
Enquanto o automóvel circula pela cidade, consigo ver os detalhes iluminados dela, mas chega um
dado momento que os meus olhos não enxergam mais nada, só a claridade dos faróis do carro
iluminando o asfalto. Black permanece em silêncio, como se estivesse em uma batalha íntima, lutando
contra os seus fantasmas. Naquele momento, somos dois estranhos. E eu não estou gostando nada
disso, meu eu interior grita pelo meu homem, grita desesperadamente por Black.
— BLACK! — O grito preso em minha garganta é jogado para fora com força. Ele se assusta e
para o carro bruscamente.
— Ficou louca? Quer nos matar? O que deu em você? Por que gritou desse jeito? — A luz
interna do veículo se acende, o rosto de Black está indecifrável.
— Quem é você? — Pergunto, com desespero. Solto o cinto e vou de encontro ao seu corpo,
batendo com os meus punhos em seu peito. — Eu quero o meu Black de volta, devolva-o para mim!
Quem é você, diga-me, quem é você?
Ele segura os meus pulsos. Há um brilho estranho em seus olhos, e eles me avaliam
demoradamente. Ele me solta, depois libera o seu cinto e as suas mãos se espalmam em meus ombros.
Seu rosto fica bem rente ao meu, chego a sentir o calor do seu hálito em minha face. Sacudindo-me e
com um olhar gelado, ele diz:
— Esse não é o meu nome, meu nome é Allan. Eu não sou mais aquele homem pelo qual você se
apaixonou, sou outra pessoa, então acho melhor você começar a me ver com outros olhos. E tente não
me chamar de Black, porque já estou começando a odiar esse nome. Agora, deite-se no banco e tente
dormir. Amanhã é um novo dia, e você precisa encará-lo de maneira diferente.
Estamos tão próximos, que o meu peito está pressionado contra o seu. Eu mal consigo respirar, ele
foi tão duro em suas palavras. Definitivamente, ele não é o Black e provavelmente nunca será. Bate
uma vontade de chorar, mas, ao invés disso, eu abro a porta do carro e saio correndo.
Assim que saio do carro, recebo uma rajada de vento gelado no rosto. Mesmo com o casaco
grosso de couro e forrado com uma lã grossa, que ele comprou em uma loja do aeroporto, eu sinto o
frio endurecer os meus ossos, mas isso não me impede de sair correndo o mais depressa que eu posso.
Não sei onde encontro forças, pois estava me sentindo muito fraca acerca de algumas horas. Corro, só
não sei para que direção, pois os meus olhos não enxergam nada, a não ser a névoa esbranquiçada e
gelada. Escuto o grito de Black me chamando.
Não olho para trás, eu só quero ficar bem longe daquele homem estranho.
As lágrimas nublam os meus olhos, o que piora minha visão. O frio congela os meus ossos e as
minhas pernas cambaleiam no terreno irregular. Escuto outro grito de Black, dessa vez, sua voz está
mais próxima, então encho o pulmão do ar gelado e corro mais rápido. Estou cansada até os ossos e
a dor bate incansavelmente em minha cabeça.
Sem enxergar nada e já completamente confusa, perco o rumo, já não sei para onde ir, minhas
pernas não querem me obedecer. O chão irregular e a neblina me jogam no chão. Solto um grito de
medo, e o choro preso na garganta sai, cortando o silêncio da madrugada.
Sinto dois braços me agarrarem e uma voz desesperada e assustada sussurra em meu ouvido:
— Você está segura, você está segura... por Deus... você está segura... — É ele, é o meu Black,
essa doçura e força da sua voz me acalma, me acalanta. — Estou aqui, não vou deixar nenhum mal
lhe acontecer, shh...
Ele me segura com tanta força em seus braços, que mal consigo respirar. Não sei como ele
conseguiu se erguer do chão comigo nos braços.
— Pronto, você ficará bem aquecida, o carro não está longe. — Seus lábios juntam-se aos meus
— Pequena, você vai congelar se eu não for rápido — Ele corre. Minutos depois, meu corpo está
esticado na confortável poltrona de couro do seu carro. — Deixe-me ligar o aquecedor e pegar um
cobertor na mala do carro. — Fecho os olhos e tento controlar o bater dos meus dentes. O frio é
cortante, tanto eu como ele estamos trêmulos.
Meu corpo é coberto por um felpudo cobertor, e os meus lábios são suavemente beijados.
— A-Allan — gaguejo, tremendo incontrolavelmente — pe-perdoe-me.
— Shh, agora não. Guarde as suas forças. Tente dormir, outra hora vamos conversar, não agora.
Ele me olha com tanta ternura, com tanto amor, que a minha única vontade é de me jogar em
seus braços e ficar lá, bem quieta.
— Amo tanto você, moço bonito, tanto...
Ele prende os olhos nos meus.
— Do que você me chamou?
— Moço bonito... — Repito.
Ele sorri, e é o riso mais lindo do mundo. Depois, minha boca é tomada pela sua. Deus! O beijo
me aquece de dentro para fora. Só que não dura muito, logo sua boca se afasta da minha.
— Está mais aquecida? — Assinto com a cabeça. — Tente dormir, já estamos quase em casa. —
Seus lábios roçam os meus outra vez, depois ele se afasta e fecha a porta do carro, para logo em
seguida assumir o banco do motorista. — Vamos? — Sorrio para ele. — Só não fuja mais, ok?
Minhas bochechas esquentam, provavelmente ficam rubras. Rubras de vergonha. O carro volta
para a estrada e eu fecho os meus olhos.
Capítulo 24
Quando a Jasmine abriu a porta do carro e correu em direção ao frio gelado do campo,
quase entrei em desespero. Meu coração foi à boca quando a procurei e os meus olhos não a
encontram. A neblina está tão densa que mal consegui enxergar um palmo diante de mim. Se eu,
que estou acostumado a esse tempo frio, não o suporto, fico imaginando como ela está se sentindo.
Apesar de não lembrar do nosso passado, do nosso amor, sinto-me muito ligado a ela. Só em
pensar que algo ruim possa lhe acontecer, entro em pânico. E quando a trago de volta para o
carro, em meus braços, posso perceber o quanto essa ligação é forte, pois a minha vontade é de
beijá-la ardentemente e sussurrar ao seu ouvido palavras de amor, que talvez nunca antes tenha
dito.
E agora, vendo-a deitada no banco do carro, sã e salva, enrolada feito uma bola, pernas
encolhidas e os braços ao redor delas, faz com que meu coração bata no ritmo normal. A cubro
com o cobertor grosso e dirijo com extremo cuidado, para que o carro não sacuda muito.
Mesmo assim, com todos os meus cuidados, o seu sono não é um dos mais tranquilos, pois ela
agita a cabeça e murmura algo.
— Não, não me toque... não... não quero fazer isso... — Seus múrmuros chegam aos meus
ouvidos — Se afaste, deixe-me em paz... — começa uma batalha mental, um delírio repentino.
Suas mãos se agitam, como se estivesse tentando manter alguém longe do seu corpo.
— Jasmine — chamo-a com carinho —, meu anjo, está tudo bem, eu estou aqui — estendo
meu braço em sua direção e passo a mão suavemente em seu ombro. — Você está sonhando,
acalme-se. — mesmo com a atenção na estrada, consigo acalmá-la.
Jasmine volta a dormir tranquilamente, e eu volto minha total atenção para a estrada.
Já são mais de três da manhã quando chegamos em minha casa. Há alguém na guarita da
entrada. Não lembro de ter contratado um outro segurança. Paro o carro, pois o homem me aponta
uma arma. Enfurecido, abro a janela do carro.
— Quem é você? Que palhaçada é essa?
O homem alto e com cara de poucos amigos se aproxima. Fita-me com desconfiança, depois
relaxa os ombros tensos.
— Desculpe-me, príncipe Allan.
Ele nem me deixa responder, se afasta rapidamente e abre o portão de ferro. Não quero
questioná-lo, essa ideia de segurança só pode ter vindo do meu pai, depois resolverei isso.
Marita deve estar dormindo, acho até melhor mesmo, pois estou cansado demais para
explicações. Desço do carro, dou a volta e pego Jasmine nos braços. O cansaço do seu corpo e
mente não a despertam totalmente, ela só balbucia algumas palavras.
— Black... já chegamos?
— Shh, feche os olhos, meu anjo, volte a dormir.
Entro em casa e a levo direto para o meu quarto. Não sei como agir com essa situação, ela
ainda está muito frágil para saber que eu não lembro dela, então acho melhor agir naturalmente,
e a maneira mais correta é sermos como erámos antes – se bem que não lembro como eu era
antes.
A coloco em minha cama, retiro os seus sapatos e a cubro com o cobertor.
— Príncipe Allan, quem é essa mulher? O senhor ficou louco? — Assustado com o rompante de
Marita, viro-me para ela instantaneamente.
— Shh! Fale baixo, Marita. — E antes que ela altere a voz outra vez, a puxo para fora do
quarto.
— Meu príncipe, o que pensa que está fazendo? O senhor sabe que não é permitido trazer
mulheres para dentro de casa, se o senhor Máximus souber desta barbaridade, nem sei o que ele
poderá fazer. Leve-a daqui, vou chamar o segurança para ajudá-lo.
— Cale-se, Marita, cale-se! — Ela fica estagnada com o tom da minha voz — Em primeiro
lugar, sou um homem independente e maior de idade, não devo satisfação da minha vida ao meu
pai. Em segundo lugar, há tempos que eu não sigo as leis do clã, e em terceiro lugar, essa moça é
minha mulher.
Marita quase cai de joelhos, sou rápido e a seguro em meus braços. A levo para o sofá da
sala. Ela está pálida, e os seus olhos me olham, abismados.
— O... o senhor disse mulher... como assim? Eu não estou entendendo! O senhor sabe que não
pode se comprometer, pois já está comprometido.
Marita está completamente confusa, gagueja a cada frase. Não tiro sua razão, desde os meus
dezesseis anos que carrego essa cruz de compromisso em minhas costas, noivo de uma mulher que
não amo.
— Sim, Marita, essa moça é minha mulher, foi com ela que convivi nestes últimos oito meses. —
Vou até a cozinha buscar um copo com água, pois a Marita começa a tremer.
— Meu príncipe, isso não será possível, e o senhor sabe disso. O senhor vai se casar dentro
de alguns meses... Deus seja louvado! O senhor Máximus vai colocar essa moça para correr em
dois tempos, o senhor sabe disso, não sabe?
Já estou de saco cheio dessa situação. Independente de Jasmine ser ou não a minha mulher,
eu não me casarei com a Muriel, e o meu pai sabe disso, como também sabe que eu não assumirei
o seu reinado. O fato de ter sofrido um atentado, de ter sido dado como morto, de ter perdido a
memória por oito meses, não muda em nada a minha decisão. Eu não me casarei e não serei rei de
clã algum.
Entrego a água para ela e sento ao seu lado. Seguro em sua mão, fito o seu rosto com todo
carinho, e com toda a paciência que ainda me resta lhe digo:
— Marita, mesmo que eu não tivesse sofrido o acidente que me afastou dos meus pais, minha
decisão é definitiva: sem casamento e sem reinado. — Ela tenta falar, porém não permito —
Escute-me, preste atenção no que eu vou lhe contar...
— Meu príncipe, mas não é a mim que o senhor tem de convencer, é ao seu pai, o nosso rei.
— Escute o que eu tenho a dizer, Marita, por favor, pois vou precisar de você. — Ela se cala
— Foi aquela moça — aponto em direção ao quarto — quem salvou a minha vida. Foi ela quem
me encontrou quase morto, retirou a bala do meu peito e curou os meus ferimentos. Foi ela quem
me deu guarita, quem me alimentou durante todo esse tempo. Vivemos juntos e nos apaixonamos.
Mesmo que não me lembre de nada, tenho provas de que isso tudo é verídico, eu fui muito
apaixonado por ela, a amei mais que qualquer coisa nesse mundo, segundo as pessoas que
conviviam com a gente. Éramos felizes e nos casaríamos no próximo mês, no entanto, quando eu
recuperei a memória e vim embora, tudo isso acabou e ela quase morreu de tristeza, pois pensava
que eu havia me esquecido dela, o que não deixa de ser verdade.
Paro um pouco para respirar, pois trazer toda aquela descoberta à tona novamente é muito
deprimente. Saber que fui completamente apaixonado e não me lembro de nada é muito
frustrante.
Marita me olha, incrédula.
— E agora, o que o senhor vai fazer?
— Ainda não acabei, Marita. — Respiro fundo. Marita vira o copo de vez e bebe toda a
água. — Eu não me lembro dela realmente, não lembro de nada do que aconteceu entre nós dois.
Isso está fodendo com toda a minha cabeça...
— Graças a Deus! — Mal abro a boca e Marita me interrompe. — Assim é melhor, a moça
não vai sofrer tanto. Eu tenho certeza que o senhor Máximus vai arrumar uma solução para...
— Chega, Marita!
As palavras que deslizam através da sua boca estão carregadas com pesar, mas são ditas
com naturalidade. Respiro profundamente e tento acalmar meus pensamentos.
— Essa moça é minha mulher, e o fato de não me lembrar dela não muda nada, pois eu sinto
uma força me puxando para ela, é como se ela fizesse parte de mim. — Marita continua me
olhando com espanto — Fiz uma promessa de que vou protegê-la, e vou. E tem mais, ela não sabe
que eu não me lembro dela, não sabe que eu sou um príncipe e tampouco sabe desse meu noivado
imposto, e o único que vai lhe contar toda verdade serei eu, entendeu? Só quero que a trate bem,
trate-a como uma princesa, a minha princesa. Estamos entendidos, Marita?
Ela só assente com a cabeça. Eu sei que deve ser complicado para a Marita aceitar essa
situação, pois as leis do clã são rigorosas. Um homem comprometido pode se envolver com outra
mulher fora do clã, mas somente até aprender a arte de fazer amor, a arte de seduzir e satisfazer
sexualmente uma mulher. Esse tempo é dos dezessete anos até um ano antes do casamento, e isso
tem que ser feito em absoluto segredo, a sua noiva não pode nem sonhar ou imaginar quem seja a
mulher escolhida para a satisfação do seu noivo.
Traição afetiva no clã é um crime, um homem não pode e não deve fazer sua mulher chorar,
só se for de alegria. As mulheres são seres sagrados no clã, cresci escutando isso, por isso os pais
escolhem os maridos e esposas para os filhos, e assim são preparados para que o casamento seja
eterno e formulado no respeito e na fidelidade. Só que para mim, isso não funciona muito bem,
jamais me casarei com alguém que me seja imposto, meu pai sabe disso.
Eu nunca segui as leis do clã, pois nunca me senti comprometido com a Muriel. Tinha os meus
romances, saía com muitas mulheres publicamente, no entanto, nunca trouxe mulher alguma para
dentro da minha casa, não por causa das leis do clã, mas porque nunca levei a sério nenhum dos
meus envolvimentos. Sequer eu dormia com as minhas amantes, quanto mais trazê-las para minha
casa. A Jasmine é a primeira mulher que se deita em minha cama.
— Meu príncipe, o senhor sabe a briga que vai comprar com o seu pai, não sabe? — Marita
indaga, enquanto se levanta.
— Ele já sabia que isso ia acontecer, mas não se preocupe, deixe que eu me preocupo com
isso. Só exijo uma coisa de você: não me chame de príncipe na frente da Jasmine, nem comente
sobre essa merda de noivado, ok?
— Sim, senhor. — Marita vira em direção à cozinha, e antes de dar o segundo passo,
pergunta: — Quer comer algo?
— Não, estou tão cansado que a única coisa que eu quero agora é dormir. — Me levanto. —
Boa noite, Marita, até daqui a pouco.
Deixo Marita com as suas suposições e completamente perturbada pelos últimos
acontecimentos. Com certeza, os dias que virão não serão só atribulados para mim.
Entro em meu quarto, e a minha primeira visão é um emaranhado de cabelos loiros em meu
travesseiro. Então todo o meu inferno se quebra. Sim, será difícil juntar os pedaços dos meus últimos
dias. Uma explosão de sentimentos bate em meu peito quando a vejo deitada em minha cama,
embrulhada em meus lençóis. Meu corpo entra em chamas e a minha alma grita para se libertar.
Mesmo sem lembrar da linda loirinha que me chama de moço bonito, ela agita o meu peito com
desespero febril.
A alegria me domina. A emoção forma um nó em minha garganta. Manterei minha palavra, eu
a protegerei de tudo e de todos. Ela é minha mulher, e vou fazer com que ela esqueça o Black e
aprenda a amar o Allan, pois eu sei que o Allan já está rendido aos seus encantos, não importa o
quanto isso me custe.
Deixo-a entre os meus lençóis e vou tomar um banho, pois olhar para ela me faz imaginar
coisas e sentir um pulsar na frente da minha calça, estou começando a ficar excitado.
Meu banho é rápido. Visto um pijama confortável, puxo os lençóis, e assim que os meus olhos
pairam sobre o seu corpo, percebo que a Jasmine veste roupas demais, ela está com a roupa que
compramos em Paris. Por mais que esteja evitando tocá-la, não posso deixá-la dormir tão
desconfortável assim.
Deixe de ser medroso, Allan. Finja que ela é sua paciente e pronto.
Vou até o carro e trago as nossas malas.
Escolho uma camisola branca e delicada. Assim que a visto, percebo que ela pouco esconde
do seu corpo esguio. Meus batimentos cardíacos aceleram e se transformam em palpitação. Merda!
Observo os seus seios, eles não são muito grandes, mas o formato é perfeito, redondos e firmes,
com mamilos rosados. Já o vi antes, em São Francisco, mas estava tão nervoso que não os observei
como agora. Sua cintura é fina e delicada, e acentua a curva dos seus quadris.
À medida que os meus olhos avaliam de cima abaixo a extensão do seu belo corpo e das
suas pernas roliças, minhas mãos umedecem e coçam para tocá-la. Sinto uma vontade de envolver
meus braços ao redor do seu corpo, e nesta súbita ânsia de paixão, meu olhar para na elevação
de formato em V, coberta por sua calcinha delicada em renda. Estremeço, e o meu coração volta a
palpitar com força.
É, doutor Allan, hoje o senhor não conseguirá dormir. Acho melhor respirar fundo e fingir que
não há uma linda mulher ao seu lado...
Capítulo 25
A luz solar matinal penetra pelas arestas das persianas, dando um pouco de luminosidade
ao quarto. O frio ainda incomoda um pouco, apesar de estar coberto por grossos cobertores.
Mexo o meu corpo um pouco e me viro para o lado. Jasmine dorme tranquilamente encolhida entre
as cobertas pesadas, seus cabelos loiros cobrindo seu lindo rosto angelical, e o cheiro de jasmim
que vem dela se espalha por todo o quarto.
A necessidade de beijá-la vem com força, posso dizer que toma cada partícula do meu corpo.
Posso jurar que se a beijar agora eu a mato sufocada, tamanho é o meu desejo por ela. Como
explicar essa força devoradora, como posso me sentir tão atraído por uma mulher tão de repente?
Que força é essa que domina a minha mente e o meu coração? Não me lembro dela, nem sei qual
é a sensação de fazer amor com ela, no entanto, eu a quero, necessito, preciso dos seus gemidos e
da força do seu amor. Meus olhos mal piscam observando cada detalhe do seu rosto, meu corpo
formiga de desejo.
Antes que faça uma besteira, me levanto da cama. Ainda inebriado pela emoção de estar tão
próximo a ela, quase derrubo a pequena poltrona que fica ao lado da porta do banheiro, que
chega a ranger os pés no piso de porcelanato ao ser levemente arrastada quando tropeço nela.
Um suave gemido vem da cama, e antes que eu possa me esconder no banheiro, ela me
chama.
— Black!
Maldito nome! Estou a ponto de gritar com ela, exigir que pare de me chamar por esse nome.
Respiro fundo e viro o corpo em direção à cama. Ela sustenta o corpo sobre os cotovelos, os
cabelos emaranhados, uma grande parte deles cobrindo o seu rosto. Ela tenta retirá-los jogando a
cabeça para trás, mas não é muito eficiente.
— Black! — Lá vem o maldito nome outra vez.
Paciência, Allan... paciência!
Sou um homem muito paciente, no entanto, estou motivado a não deixar que a minha futura
mulher fique me chamando por um nome que não é o meu. Demoro um instante para soltar o ar
que está preso em meus pulmões, afinal, a pessoa que me chama não tem culpa se não me lembro
dos últimos oito meses da minha vida, e a bem da verdade, aquela voz faz um calor inundar as
minhas veias.
— Aonde você vai? Que horas são? — Desta vez ela sussurra, com uma voz meiga e
aveludada, mas indiferente para os meus ouvidos, apenas uma vaga lembrança vinda dos meus
sonhos quando estava no hospital.
— Volte a dormir, é cedo, só vou beber um pouco d’água. — Respondo. Ela enruga a testa,
me observando, com certeza está processando o que acontece à sua volta.
Desisto de ir ao banheiro. Volto rapidamente e me sento na cama ao seu lado. Jasmine se
deita e fica avaliando o meu rosto, com aqueles olhos azuis lindos. Não resisto: minha mão acaricia
suavemente sua bochecha e afasta cuidadosamente os cabelos que estão sobre o seu rosto,
colocando-os atrás de sua orelha. Ela fecha os olhos quando sente o toque dos meus dedos sobre
sua bochecha. Sua pele é como uma seda ao toque, suave e quente.
Ao senti-la, tenho que lutar contra a minha vontade de me atirar sobre ela. Vê-la tão
entregue ao meu toque, tão quente e macia, é uma tentação. Meus olhos se mexem sobre aquele
rosto lindo, o nariz pequeno e arrebitado, a boca tentadora em formato de coração. E os olhos,
nossa! Eles são maravilhosos, tão azuis que parecem selvagens, emoldurados por longos cílios loiros
sob sobrancelhas levemente arqueadas, o queixo ligeiramente arrebitado formando o conjunto
perfeito.
Ela fecha os olhos e morde o lábio inferior, soltando um gemido quando o meu polegar circula
o seu queixo. Merda! Isso não é justo.
Não resisto e me inclino sobre o seu rosto, e os nossos lábios se tocam. Roço-os sobre os dela,
minha língua faminta desliza sobre eles, marcando seu território. Ela solta um leve gemido, e isso é
demais para mim. Esmago minha boca sobre a sua, uma das minhas mãos cerca a sua nuca,
puxando-a para mim.
Ofegante, ela segura a gola da camisa do meu pijama, apertando-a entre os punhos
cerrados. Deito-me sobre o seu corpo, minha outra mão percorre a curva do seu seio,
escorregando por seu ventre até chegar à sua calcinha. Meus dedos embrenham-se nos ralos
pelos, escorregando entre os grandes lábios vaginais até encontrar o seu clitóris. Deslizo
exatamente para o ponto do seu prazer e o empurro para dentro dela. Curvo meus dedos,
massageando até que encontro o seu ponto G, e ela profere um longo gemido, soltando a minha
boca por alguns segundos.
— Jasmine... Jasmine, como eu quero você. — Avalio aquele rosto lindo, corado. É tão
prazeroso vê-la tão entregue, tão minha.
Meu polegar massageia seu clitóris e o meu dedo médio acaricia o seu ponto G. Ela morde o
meu lábio em seu arrebatamento orgástico. Seu corpo se contorce e uma mão procura a frente da
calça do meu pijama. Já estou tão excitado que gozaria com o toque da mão dela.
Fico entre as suas pernas e a ajudo a se livrar da minha calça. Fico só de cueca, mas por
pouco tempo. Meu membro é tomado por uma mão macia e quente e é conduzido para o calor da
sua vagina. Afasto sua calcinha para o lado, e ela acomoda meu pênis entre seus grandes lábios
vaginais. O choque do calor das nossas carnes faz meu pênis pulsar, e um arrepio corre por todo o
meu corpo. Ela fecha as coxas sobre o meu membro, e eu enlouqueço e começo a me roçar entre
suas dobras.
Nossas bocas coladas uma na outra, nossas mãos acariciando os nossos corpos, sentindo cada
centímetro um do outro, trêmulos de desejo, é tão sedutor. Ela se arqueia e geme a cada aperto
dos meus dedos em sua carne, e eu solto grunhidos de desejos em sua boca.
Jasmine escorrega a boca até o meu queixo e o morde; eu beijo sua testa enquanto me roço
em sua vagina. Meu pescoço é chupado, e o seu mamilo é pressionado entre os meus dedos.
Jasmine espalha as pernas, e a cabeça do meu pênis encontra a sua entrada. Já não suporto
mais, não posso mais manter o meu controle, eu a quero, mesmo sem lembrar dela, eu a quero.
Tanto que, se não a tiver agora, enlouqueço.
Aos poucos, meu pênis vai encontrando o seu caminho. Não tenho pressa, agora não mais. Ela
já é minha, mesmo com toda a minha reticência, não posso mais negar que algo dentro de mim
grita por ela, que a quer desesperadamente.
Movo meu corpo com mais força e a glande a penetra. Sinto-me no céu quando o seu calor
percorre todo o meu sexo.
— Por favor...
— Calma, eu quero saborear esse momento lentamente. — Murmuro contra os seus lábios.
Empurro um pouco mais, e ela arqueia o quadril, me forçando a penetrá-la com mais força.
Seguro o seu corpo e o empurro de volta ao colchão, beijando seu pescoço, soltando leves
mordidas.
— Black... Black, foda-me logo, estou quase gozando...
Fixo os meus olhos no rosto dela, contrariado, quando me afasto, ergo meu corpo e desço da
cama.
— O que você está fazendo, o que foi? — Ela me pergunta, incrédula.
A ignoro, visto meu pijama e depois minha camisa, enquanto caminho em direção ao banheiro.
— Black! — Ela se senta na beira da cama e grita. — Que porra é essa, o que foi dessa
vez?
Chego à porta do banheiro e me viro.
— Black! — Esbravejo — Você está vendo algum Black aqui? Olhe para mim, Jasmine. — Em
dois passos estou em frente à cama, segurando o seu queixo entre os meus dedos. — Sabe como
me sinto quando você me chama de Black? — Aperto seu maxilar com força — O outro! É como
me sinto, como um amante.
Ela solta o maxilar do meu aperto e empurra o meu peito com a palma da sua mão. Dou um
passo para trás. Jasmine se levanta e vem ao meu encontro.
— Idiota! Seu idiota, você está com ciúmes de você mesmo? Que porra é essa? O outro?!
Onde você foi encontrar essa porra? — Suas mãos batem em meu peito, me empurrando para
trás. — Babaca, que porra de conversa é essa?
— Babaca?
— É, babaca, seu idiota, como ousa a pensar que é o outro?
— Olhe para mim, Jasmine! — Grito com ela — Olha, porra! — Jasmine me olha, estagnada.
— Está vendo o Black aqui? Você mesma, há algumas horas, lá na estrada, me pediu para
devolver o seu Black, lembra? Só que, sinto lhe dizer, o Black se foi, ele não existe mais, acabou!
Entendeu? A porra do homem que viveu com você durante oito meses, morreu! — Vocifero. — Esse
aqui... — bato em meu peito e avanço em sua direção, enquanto ela anda para trás — Esse aqui
é o Allan, Allan Eirc, médico cirurgião, irlandês, 37 anos. Esse sou eu, não tem nenhum Black. Se
acostume e aprenda a amar o Allan, pois só vou tocar em você outra vez quando me enxergar
como Allan.
Ela já não tem mais para onde ir, então cai sentada na cama. Boquiaberta e com os olhos
marejados, me fita, embasbacada.
— Você me entendeu? Sem Black! Eu nunca mais quero escutar a porra desse nome. — Me
viro para ir em direção ao banheiro. Já estou com a mão na maçaneta, quando ela vem com tudo
para cima de mim.
— Seu fingido de merda! Filho da mãe, desgraçado! — Ela começa a bater nas minhas costas
com os punhos cerrados.
Preciso segurá-la com cuidado para não a machucar, ela luta feito um bicho indomado.
— Se acalme, Jasmine, assim você vai se machucar.
— Idiota! Fingido... — Eu a prendo de encontro ao meu corpo, nosso olhar se fixa. — Eu sei
que você não lembra de mim, percebi isso assim que os meus olhos encontraram os seus, lá em
nossa casa. Você não conseguia me olhar, desviava os olhos para não me ver nua, ficou com receio
de me beijar. Foi tão óbvio!
— Por que não me disse que já sabia, por que me deixou pensar... Mas que droga, Jasmine!
— Porque não me importo se você não se lembra do que aconteceu entre nós dois há oito
meses. Eu sei que você me quer. O seu olhar, a sua boca, o seu corpo, as suas mãos e o seu
coração reagem do mesmo jeito. Não me interessa se você é o Black ou o Allan, eu só quero você
me amando e me desejando dessa maneira que me amou alguns minutos atrás. É esse homem que
eu quero.
Eu a solto, mas não nos separamos, nossos corpos permanecem juntos. Suas mãos se erguem e
se espalmam em meu rosto, uma de cada lado. Jasmine olha em meus olhos, e o seu dedo desliza
lentamente em minha boca, e ela sorri. Meu coração bate forte quando sua boca encosta na minha.
Ela me dá um beijo suave, em seguida, traça meus lábios por toda a extensão do meu pescoço
até chegar ao meu ombro. Meus dedos se entrelaçam nos fios macios dos seus cabelos, impedindo
seus movimentos, e trago seu rosto de encontro ao meu.
— Vou amar você como se fosse a nossa primeira vez. As coisas não são mais como eram há
oito meses, eu não sou mais o mesmo, então hoje será o nosso primeiro dia. No entanto, eu quero
que saiba que você tem tudo o que espero e preciso em uma mulher.
Minhas mãos deslizam por suas curvas, puxando para cima sua camisola. Deixo-a só de
calcinha, e meus dedos brincam com a borda dela, provocando-a. Jasmine inclina a cabeça para
trás, me oferecendo o seu lindo e esguio pescoço. Mordo-o, fazendo-a soltar um gemido de tesão.
Minhas mãos agarram a parte de trás da sua calcinha e a rasgo em um puxão, jogando-a fora.
Ela baixa a calça do meu pijama, logo depois minha cueca. Minha ereção salta e encontra o
calor da sua mão. Suavemente, ela me masturba, envolvendo os dedos e os girando em torno do
meu pênis.
Jasmine deixa escapar um gemido agudo quando eu a seguro pela cintura e faço com que
monte em mim. Meu pênis encosta em sua vagina e cutuca a sua entrada.
— Nossa, Moço Bonito, o senhor está muito duro. — Ela brinca, pisca o olho e me beija de
leve nos lábios — De Moço Bonito, eu posso chamá-lo? Moço bonito do pau muito duro...
Sorrio em sua boca ousada.
— Duro e louco por você. — Eu a levo direto para cama, pois já não me aguento mais de
tanto tesão.
Desejoso do seu corpo, eu a jogo na cama e fico com o corpo entre suas pernas. Empurro tudo
dentro dela, e ela ofega de surpresa e engole em seco, quando me sente pulsando em seu núcleo
molhado e quente. Me movo com cautela, em uma combinação perfeita de movimentos. Enquanto eu
vou, ela vem, me levando mais profundamente para dentro dela. Desesperados por prazer, nossos
corpos se chocam, em um ritmo cada vez mais alucinante.
Ela deitada e eu por cima dela, segurando em seus cabelos por trás da sua cabeça, fazendo
pressão, e o meu corpo batendo contra o seu, com força, saciando a minha vontade e a dela.
— Acho que de agora em diante, você sempre vai me deixar louco — sussurro contra o seu
ouvido.
— Sim, muito louco por mim. — Ela diz, agarrando os meus cabelos e me puxando para
tomar a sua boca.
— Sempre, louco de desejo e de amor — murmuro em sua boca — Eu sei que esse amor está
esperando só uma oportunidade para sair gritando por você, e não duvide que isso não aconteça
agora.
Ela inclina a cabeça para trás e me olha nos olhos. O meu sorriso atrai nos lábios dela um
lindo sorriso que ilumina seu rosto.
— Amo você, Moço Bonito, amo com toda a força do meu coração.
— Eu sei... eu sei, moça bonita. — Estoco com força, uma vez, depois outra e outra. Ela geme,
se contorce, e estou no céu com tamanho prazer que sinto.
— Mais forte, me fode com mais força! — Ela diz, agarrando os meus quadris e forçando as
estocadas. — Forte, meu amor, quero você todo dentro de mim.
Afasto meu peso para longe do seu corpo, me equilibro sob meus braços e meto forte,
saboreando a fricção deliciosa dos nossos corpos. A forma como os nossos corpos colidem. O
barulho que eles produzem e como o meu pênis a preenche e estica sua vagina quente, me deixam
atordoado de prazer.
— Allan... Allan, eu... vou... gozar.
— Repete. — Me coloco todo dentro dela, sentindo o pulsar da sua vagina em torno do meu
pênis, mas a minha necessidade de escutar o meu nome é maior do que o meu tesão — Repete o
que disse.
— Eu... eu vou gozar, mais rápido, por favor — Ela me implora.
— Não, diga o meu nome. — Ela sorri, entendendo a emoção dos meus olhos marejados. —
Eu preciso que diga a porra do meu nome.
— Allan, me fode com mais força — ela sussurra.
Minha boca cobre a sua, e nossas línguas se encontram. Chupo-a com força enquanto estoco
meu pênis dentro da sua vagina. Jasmine se contorce, arranha a pele das minhas costas com as
unhas, me agarra com força. Suas pernas cruzam em minha bunda e o seu corpo se prende ao
meu.
— Porra, Allan, eu não posso esperar você, você é muito bom nisso.... Caralho! Que porra de
foda do cacete é essa...
Ela grita, em seu orgasmo furioso. Não dou nem tempo para que ela se recupere, ergo meu
corpo e estoco com força. Ela grita, estoco outra vez, e ela se prende a mim, devora a minha boca.
A pele dela contra a minha me deixa louco, então eu desabo em um orgasmo louco, frenético e
demorado, jorrando meu prazer dentro dela, quente e espesso. Meu corpo inteiro convulsiona com
a intensidade do prazer sentido.
Nosso olhar se encontra, e o nosso beijo sela o orgasmo mais prazeroso de toda a minha
vida.
Capítulo 26
A porta do meu escritório está aberta, quando escuto a voz do meu irmão Ryan,
perguntando por mim para Marita. Eu estou falando com o diretor do hospital onde trabalho,
refazendo a minha agenda de atendimento com os meus antigos e novos pacientes.
Ryan chega em frente à porta e acena para mim. Sinalizo com o dedo, pedindo um minuto. Ele
sorri, em seguida vai em direção à piscina.
Dois minutos depois, escuto passos apressados em minha direção, e um Ryan muito alterado
entra em meu escritório, trancando a porta atrás de si.
— Tem uma mulher nadando em sua piscina — Exasperado, ele grita: — Você só pode estar
de sacanagem, Allan! Porra, cara, você adora ir contra as nossas leis, que merda! Você sabe que
não pode trazer mulheres à sua casa.
Ainda estou com o diretor do hospital ao telefone. Peço desculpas e o desligo imediatamente.
Levanto-me tão depressa que a cadeira se enrosca em minhas pernas e eu quase caio.
— Você olhou para ela? — O seguro pelo colarinho da camisa. — Responda-me, você olhou
para ela? — O sacudo impetuosamente. Ryan segura em minhas mãos e tenta se desvencilhar
delas.
— É claro que olhei, ela está de roupas íntimas em sua piscina, nadando de um lado ao outro.
— Porra! Vou matar a Jasmine! — Empurro o Ryan e sigo em direção à porta — Você fica aí,
nem pense em vir atrás de mim. — Aponto para ele com o olhar furioso.
— Allan, você não vai me dizer quem é a mulher?
— Depois, agora fique aqui, já volto.
Deixo o Ryan cheio de perguntas, mas estas, eu só respondo depois que der uma bronca em
uma certa mocinha.
Quando chego à beira da piscina, tenho a visão mais linda que os meus olhos já viram nos
meus 36 anos e meio. Jasmine parece uma sereia, nadando na água azul e morna. Apesar de toda
a beleza, eu não posso deixar de esquecer que meu irmão a viu seminua, e o ciúme toma conta da
minha mente.
— Jasmine — Ela está bem próxima da beirada. — Jasmine — Ela para as braçadas e fica
boiando, me olhando com aqueles olhos azuis lindos.
— A água está quentinha. Vem nadar comigo, moço bonito. — Seu riso suave quase me joga
na água.
Se eu soubesse que ela ia se jogar na piscina quase nua, eu a teria trancado no quarto.
Ficamos algumas horas fazendo amor, acho que o meu corpo está com saudade do dela.
Ainda não lembro de nada do que aconteceu comigo nos últimos oito meses da minha vida, no
entanto, não consigo manter minha boca, meus dedos, minha língua e meu pênis longe dela. Ela
ficou exausta, então não quis acordá-la, mesmo porque a Jasmine não recuperou a saúde, ela
ainda estava febril quando a deixei na cama.
Como eu ia adivinhar que minha noiva se jogaria na piscina em trajes tão íntimos e que o meu
irmão chegaria de surpresa e a veria?
— Não é hora para gracinhas, Jasmine, saia desta piscina agora! — Ela faz um bico de
reprovação — Vamos, será que não percebe que não está com trajes apropriados para um banho
de piscina? Venha, saia logo daí.
Ela dá duas braçadas de costas, afasta-se da borda da piscina, oferecendo-me um riso
debochado.
— Eu estaria vestida em um se eu o tivesse, mas onde eu vivia, nunca precisei de trajes de
banho, portanto, o meu sutiã e a minha calcinha são os únicos trajes mais adequados. — Estreita os
olhos e sorri, presunçosa. — Se está ruim, eu posso ficar nua. — Assim que ela fecha a boca, suas
mãos são rápidas ao retirar o pequeno sutiã de algodão.
Quase enlouqueço ao ver isto.
— Jasmine, vista logo isso, não me teste. Porra, vista-se agora! — Ela realmente quer me
testar, pois retira a calcinha logo em seguida, jogando as duas peças em minha direção. —
Jasmine! — me exalto.
— Venha você me vestir. Sabe, eu gosto de vê-lo vestido elegantemente, mas prefiro você nu.
Venha, moço bonito, venha me vestir.
Olho para trás, em direção à porta do meu escritório, e vejo Ryan vindo em nossa direção. O
desespero bate em cada partícula do meu corpo.
Mesmo não concordando com as leis do clã, fui criado sob elas. E uma delas é: nenhum outro
homem poderá ver sua mulher seminua, quanto mais nua. O corpo da mulher é um templo sagrado,
onde só o seu escolhido poderá vê-lo e tocá-lo. Cresci escutando essas máximas, e a minha
escolhida não seria vista por nenhum outro homem, mesmo que este homem seja o meu irmão.
— Parado aí, Ryan. Nem mais um passo. — Estendo a mão à frente do corpo, fazendo um
sinal para o Ryan. Ele imediatamente para. — Marita! — Grito. — Traga um roupão, agora!
Quando a Marita chega à porta da varanda que dá acesso à piscina, percebe o porquê do
meu grito. Ela se vira rapidamente, mas antes de desaparecer, olha para o Ryan e lhe diz, nervosa:
— Vire-se, se não quiser voltar para casa com um olho roxo.
Ryan vira-se de costas para a piscina.
Marita volta com uma toalha e um roupão, entrega-os para mim e saí resmungando.
— Jasmine, saia agora dessa piscina. Não me provoque, você ainda não me viu irritado —
Ela continua me ignorando e dá mais duas braçadas para trás. — Jasmine, pelo amor de Deus,
meu irmão está a uns dez passos daqui.
— Seu irmão! — Ela se assusta e seu corpo submerge, quase pulo na água por isso. — Por
que você não me disse que o seu irmão está aqui?
— Porque não queria assustá-la. Agora venha, suba os degraus em minha direção, o roupão
vai protegê-la.
Ela vem. A embrulho no roupão felpudo, e enquanto a seco, ela estica a cabeça por cima do
meu ombro.
— Seu irmão é aquele que está de costas para cá? — Ela mal consegue falar, pois o choque
do seu corpo quente com o ar frio da manhã faz com que fique trêmula.
— Sim — A coloco nos braços e a levo para longe do meu irmão. — Você merece um bom
castigo por tentar testar a minha paciência. Nunca mais ouse tomar banho nua sem a minha
autorização, entendeu?
Ela me olha com um olhar enviesado.
— Depois você não quer que eu o chame de Black, você falou igualzinho a ele, todo mandão
e cheio de si.
— Vai ver que ele tinha os motivos dele para falar dessa forma com você.
A coloco na cama e procuro uma roupa quente para ela vestir. Não encontro uma que sirva
para a temperatura irlandesa. Vou até o meu armário, pego um conjunto de lã que ficará enorme
nela, mas é o mais adequado para vesti-la.
— Isso não vai caber em mim. — Assim que ela vê as roupas, protesta — Vou ficar parecida
com uma palhaça. — Ela tenta empurrar as roupas para longe enquanto eu tento vesti-la.
— É o que tem para agora. Não se preocupe, assim que eu despachar o meu irmão nós dois
vamos às compras, você precisa de roupas apropriadas para o inverno irlandês.
A visto. Fico com uma vontade enorme de gargalhar quando a vejo vestida em minhas roupas,
ela fica parecendo com uma palhacinha, toda desajeitada. Jasmine percebe meu riso preso.
— Se você rir, eu juro que lhe quebro um dente com um soco. Não ouse, engula o riso, senhor
doutor Allan. — Ela me fita com tanto desespero que eu não consigo segurar o riso.
Solto a maior gargalhada de toda a minha vida. Jasmine voa em meu corpo e começa a me
socar no peito. Eu não sei se rio ou se tento protegê-la de si mesma.
— Se acalme, meu anjinho... — Ela para os punhos. E os seus olhos lacrimejam. — O que foi?
— A levo rapidamente para a cama e me sento com ela em meu colo. — Machuquei você? Onde?
— As lágrimas descem por seu rosto, e vê-la chorar em silêncio é como me apunhalar no peito. —
Jasmine, o que eu fiz? Por que está chorando assim? — Ela não responde, só soluça e chora.
Seguro o seu rosto com as duas mãos. — Anjo, não faz assim, só me diz onde eu te machuquei.
Ela toca os meus lábios com os dela e deposita um beijo suave neles, regado a lágrimas,
depois se afasta e avalia o meu rosto com carinho. Quase paro de respirar quando nosso olhar se
fixa.
— Você me chamou de anjinho, foi como reviver todos os momentos que vivemos juntos em
São Francisco. Foi como se eu tivesse voltado ao passado.
Ela se joga em meu peito, e o seu choro silencioso passa a ser sonoro.
— Jasmine — acaricio os seus cabelos molhados com os dedos — Anjinho, eu sei que a fiz
feliz quando era o outro e sei que está com medo, pois eu também estou. Posso não lembrar do
que aconteceu entre nós dois no passado, no entanto, posso garantir que a farei muito feliz agora.
Ela me abraça outra vez, funga em meu pescoço e, sem se afastar, diz:
— Eu o amo tanto, Moço Bonito, e se um dia você deixar de me amar, deixarei de existir.
Bate uma aflição em meu peito quando escuto essas palavras. Meu medo são os meus
segredos. Como a Jasmine encarará minhas verdades, como ela aceitará o meu noivado, o meu
reinado.
Eu preciso resolver isso o quanto antes.
— Hei! Acabei de descobrir que tenho a mulher mais linda da face da terra e que a pedi em
casamento. Você acha mesmo que vou desistir de você? — a afasto, beijo seus lábios levemente,
seguro o seu rosto com minhas mãos e digo-lhe carinhosamente: — Se o que estou sentindo por
você não for amor, não sei qual nome que posso dar para esse sentimento que arde em meu peito.
Pare de pensar besteiras e vamos juntos caminhar nessa nova aventura. Eu sei que é assustador,
mas temos um ao outro, e isso é o bastante, certo?
Ela assente com a cabeça.
— Ainda está zangado comigo? — Sorrio polidamente com sua pergunta.
— Um pouquinho — Faço um gesto com os dedos, medindo o tamanho da minha zanga. —
Agora, você vai me prometer que ficará aqui, quietinha, enquanto eu vou conversar com o meu
irmão. Marita vai trazer o seu café da manhã.
Beijo sua testa, depois sua boca, e dessa vez o beijo é mais intenso.
Já estou na porta, quando ela me chama.
— Você não vai me apresentar ao seu irmão?
Sou pego de surpresa. Abro a porta e dou um passo à frente. Viro-me para ela e respondo:
— Hoje não, preciso conversar com minha família sobre você primeiro. Depois eu te explico,
há muitas coisas em minha vida que você precisará saber. Mas hoje não, hoje eu só quero mimar
você.
Tranco a porta e deixo-a sozinha, sem conseguir encará-la.
Antes de ir até o meu irmão, passo na cozinha e peço para Marita providenciar o café da
manhã de Jasmine e separar umas roupas para ela vestir, roupas que não a deixem com frio.
Dois minutos depois, entro em meu escritório. Ryan está sentado na poltrona, balançando com
impaciência a perna cruzada. Assim que cruzo a porta, ele me olha e me avalia de cima a baixo.
Contraio a mandíbula, tentando esconder minha fúria por ele ter visto a Jasmine quase nua.
Ryan me observa, ele tem essa perspicácia, isso é um dom de um verdadeiro líder. Ele sabe
exatamente quando pode, ou não, dar o primeiro passo. Depois de um momento, Ryan fica de pé,
dá um passo à frente e para em meio ao movimento, seu olhar fechado sobre mim.
Meus olhos se estreitam em alarme e, em seguida, um sorriso morno rola sobre os meus lábios.
Ryan não sorri de volta.
— Quem é a moça? Deu para perceber que ela não é uma prostituta ou uma de suas
amantes do hospital. Quem é ela?
— Esse assunto vou resolver com o nosso pai, não é problema seu. — Sou ríspido. Espero que
o Ryan ainda respeite minha posição de irmão mais velho.
Ele caminha para frente, sua expressão propositalmente branda por um momento me deixa
aliviado.
— Você espera mesmo que aceite tudo isso sem mesmo questionar? Qual é, Allan? Você sai do
hospital para logo em seguida pegar o primeiro voo para o Brasil, sem ao menos nos dar uma
explicação, e quando volta, eu o pego com uma mulher em sua casa. — Conheço o meu irmão, e
sei que ele não me deixará em paz enquanto não lhe der uma explicação plausível — Então,
encontrou as respostas que você queria no Brasil? Elas foram tão boas assim que mereceu uma
comemoração? Quais foram as suas descobertas?
Avanço em sua direção, e ficamos frente a frente.
— Sim, encontrei, ela está em meu quarto nesse momento.
Ryan dá um passo atrás.
— Como assim? Você quer explicar isso direito, Allan? — Ryan fica pálido, ele já sabe qual
será os meus argumentos.
— A moça que você viu na piscina é minha mulher, ela é a minha resposta para todas as
minhas perguntas. Foi ela quem salvou a minha vida, foi ela quem cuidou de mim, e foi por ela que
eu me apaixonei. Mesmo não lembrando dela, eu sei que a amo...
— Espera um momento — Ele me interrompe — Como você sabe que ela é sua mulher? Por
acaso foi ela quem disse isso? Ela disse isso depois que você revelou ser um príncipe e podre de
rico...
Não o deixo terminar o seu pensamento: agarro-o pelo colarinho da camisa. Não permitirei
que ninguém pense mal da mulher que eu amo, nem mesmo o meu irmão.
— É melhor medir suar palavras, não vou permitir que ofenda minha mulher em minha casa.
— Ele me empurra com força.
— Allan, você não lembra de nada, está na cara que essa mulher quer se aproveitar da
situação.
Cerro meu punho e travo minha mandíbula com fúria. Estou pronto para esmurrar o meu
irmão. Respiro fundo. Já devia prever isso, todos irão pensar assim.
— Ela não sabe sobre mim, só sabe o que contei, e até chegarmos aqui ela pensava que eu
me lembrava dela, portanto, não precisa se preocupar. A Jasmine não é uma caça-fortuna, mesmo
porque o dinheiro não é meu, como também o trono, já disse que não o quero.
— Então, ela não sabe que você está comprometido e vai se casar dentro de alguns meses? E
aí, o que vai fazer? Vai transformá-la em sua amante? Só quero lembrá-lo que isso é contra as
nossas leis, a fidelidade está acima de qualquer desejo. Ou não se lembra mais das nossas leis?
Ofereço um sorriso cheio de dentes, mostrando a minha irritação.
— Quantas vezes terei que dizer que não haverá casamento, será que preciso ser repetitivo?
Eu não vou me casar com a Muriel, não vou assumir o lugar do papai, isto já está resolvido desde
o dia que fui embora de casa.
— Você deve me achar um tolo, não é mesmo? — Ryan sibila, seus olhos estão com um brilho
furioso. — Você não pode desistir desse casamento, a palavra foi dada há muito tempo. Se você
não se casar com a Muriel, ela nunca mais se casará com outro homem. Será que não entende, ela
será rejeitada por todos os homens. Ela não merece isso, porra! Allan, ela se guardou para você
todos esses anos, se o príncipe herdeiro a rejeitar, ela ficará marcada para sempre.
— Case-se você com ela. Eu sei que a ama, não negue isso, afinal será você o futuro rei do
clã, porque eu não serei.
— Você zomba das nossas leis, faz pouco caso das nossas tradições, cara! — Ele vem até
mim, suas mãos se espalmam em meus ombros — A Muriel é sua noiva, não minha...
Ele se cala e se afasta. Sinto a emoção no travamento da sua garganta. Eu já sei, há muito
tempo, que Ryan é apaixonado pela Muriel, e não duvido que ele seja correspondido, pois a Muriel
e o Ryan são muito próximos. Ele se tornou o protetor dela, sempre observei os olhares longos que
Muriel dava em direção a ele sempre que o papai anunciava que já estava mais do que na hora
do Ryan escolher uma noiva. Ele sempre dizia que quando eu me casasse, escolheria uma moça
para ser sua companheira. No entanto, eu sei os motivos de ele não escolher uma moça, o Ryan só
quer uma mulher: Muriel.
— Não, meu irmão, eu só não aceito que façam escolhas por mim, e você deveria fazer o
mesmo. Peça a Muriel em casamento, eu sei que ela o ama tanto quanto você a ama. A nossa
felicidade está acima de qualquer lei. Se eu sou o impedimento para vocês serem felizes, eu lhes
dou a minha benção.
— Não diga tolices, Allan, Muriel é sua prometida. — Ele se afasta e vai até o estofado e
senta, ficando por alguns segundos de cabeça baixa, depois me encara — Você precisa arrumar
um jeito de se livrar dessa moça, pois se não fizer isso o papai o fará.
Eu sei que o Ryan está certo ao dizer isso. O senhor todo poderoso Máximus jamais aceitará
que um dos seus filhos seja contra os seus preceitos. No fundo do meu coração, eu sempre soube
que meu pai nunca levou a sério as minhas escolhas, ele confia demais em sua autoridade
monárquica. E está chegando a hora de lhe mostrar que eu não estou brincando quando digo que
jamais me casarei com uma mulher que não amasse, como também não assumirei o seu lugar no
trono do clã. Chegou a hora de encarar o rei do clã, chegou a hora da minha palavra final.
Respiro fundo e encaro o meu irmão com determinação.
— A minha mulher está lá — aponto com o olhar para a porta. — É com ela que vou me
casar, é com ela que irei construir uma família, com ou sem a permissão do nosso pai. Já está
resolvido, portanto, comece a preparar o seu casamento com a Muriel. Eu não a quero, nunca a
quis, para mim, ela sempre foi como uma irmã.
Assim que fecho a boca, escuto batidas na porta; é Marita. Mando-a entrar.
— Meu príncipe, a moça está pronta.
— A moça é minha mulher e tem nome, Marita, ela se chama Jasmine.
— Desculpe-me, meu senhor. A senhorita Jasmine está pronta e não para de perguntar pelo
senhor. Não sei por quanto tempo a manterei longe. Ela é fogo, nunca vi uma moça reclamar tanto
e falar pelos cotovelos.
Não consigo esconder meu riso. Marita está acostumada com as moças do clã, sempre
cordatas e obedientes. A Jasmine é o inverso de todas elas.
— Diga-lhe que já estou indo, a minha conversa com Ryan terminou. — Fito-o com seriedade.
Ele se levanta, e a Marita nos deixa sozinhos.
— Quando você irá conversar com o papai sobre essa moça... quer dizer, sobre a Jasmine?
— Ele se corrige.
— Amanhã. E também vou conversar com a Muriel, ela merece uma explicação, mesmo eu
achando que ela já sabia que o nosso casamento jamais aconteceria.
Ryan me lança um olhar aflito.
— Você sabe o que a sua decisão e a sua nova mulher vão provocar no clã. Teremos grandes
problemas, e o papai não vai aceitar o seu veredito com tanta facilidade.
Eu sei o que me aguarda, meu pai não é um homem fácil, ele não aceita que tomem decisões
contrárias às suas.
— Eu sei, meu irmão, mas nosso pai já sabia que, cedo ou tarde, isso ia acontecer. No entanto,
encare como uma coisa boa, afinal você será o novo rei e se casará com a mulher que ama, e a
Muriel se casará com o homem que ama.
Eu o abraço, dou dois tapas em suas costas, depois o beijo nos dois lados do seu rosto, e ele
faz o mesmo.
— Não sei não, Allan, nosso pai é osso duro.
— A luta dele já foi vencida, Ryan. Eu já tomei minha decisão.
— Que seja feita a vontade do Deus maior... — Ele sorri e me abraça outra vez. — Então,
você vai ou não vai me apresentar à sua princesa?
— Claro que vou, desde que você não me chame de príncipe. — Saímos do escritório e
vamos para sala. — Vou buscá-la, já volto. — Eu sei que eu disse a Jasmine que hoje eu não a
apresentaria para o Ryan, no entanto, não posso perder essa oportunidade.
Deixo-o se servindo de uma bebida. Não tenho ideia de como será esse encontro, só espero
que Jasmine goste do meu irmão e que o Ryan goste da Jasmine.
Capítulo 27
O tempo pode ser o nosso amigo, como também o nosso inimigo. Não lembro de muitas
coisas sobre o meu passado, não sei se bloqueei as lembranças ou se simplesmente as escondi em
um canto escuro da minha mente. Talvez tenha feito isso mesmo.
Mas eu lembro de como ele era há oito meses. De como me fazia rir ou ficar louca de raiva
com as preocupações e os seus ciúmes tolos. Sim, eu lembro tudo sobre o meu Black.
Entretanto, hoje, agora, ele não lembra de mim. Tudo o que aconteceu entre nós dois foi
esquecido por ele, igualzinho como aconteceu comigo. Só me resta saber se ele me esqueceu por
um trauma ou simplesmente, ele colocou nossas lembranças em um canto escuro da sua mente.
E isso importa, Jasmine? A incomoda? Afinal, ele foi procurar respostas e foi até você e a trouxe
com ele. O que quer mais? Será que o brilho nos olhos dele, quando olha para você, não é o
suficiente? É amor, sim, é.
Nada no mundo é mais importante do que sentir o bater descompassado do coração de Allan
quando sou abraçada por ele.
O tempo vai fazer com que eu me acostume ao meu novo homem. Um lindo engravatado e
sério médico. No entanto, eu sei que existe dentro dele um lado escuro onde ele guarda o meu
Black. Mesmo que ele nunca mais volte, vai sempre estar dentro de Allan.
— Jasmine, amor. — A voz grave do meu amor me traz de volta à realidade. Estou na
varanda do quarto, admirando a linda vista florestal.
Vou em direção à sua voz, com um riso nos lábios e o coração palpitante de amor por ele.
Assim que ele me vê sorrir, seu olhar ganha um brilho mágico.
Entretanto, assim que meus olhos encontram os seus, percebo que ele esconde algo de mim. Eu
já o conheço o suficiente para perceber os seus desconfortos. Allan fecha a porta atrás de si e
vem até mim. Mexe em meus cabelos, escorregando os dedos entre eles.
— Está pronta? — Olho para ele e sorrio outra vez, acenando em concordância. — Então
vamos, mas... — faz uma careta, passando a mão pelos cabelos. — Mas antes, quero te
apresentar ao meu irmão, tudo bem para você? Eu sei que eu disse que só faria isso depois, porém
ele já está aqui mesmo, não é?
Assinto. Aproximo o meu corpo ao dele, e nos olhamos fixamente.
— Por mim tudo bem, Moço Bonito. — Ele sorri, logo depois me beija levemente nos lábios. —
Vamos antes que ele pense que estou assustada, o que não deixa de ser uma verdade.
Allan me mostra o caminho com a mão, abre a porta e saímos. Chegamos à sala e posso ver o
homem alto e de pele morena de costas para nós. Quando ele nos percebe, vira-se. Seus lábios se
esticam em um largo sorriso, e fico momentaneamente sem palavras. Ele me avalia de cima a baixo,
seus olhos correm por todo o meu corpo e param em meu rosto.
— Oi, meu nome é Ryan Eirc — ele fala português, graças a Deus — É um imenso prazer
conhecer a noiva do meu irmão mais velho. — Ele se apressa a dizer, por certo percebe o meu
nervosismo. — Allan, tenho sua permissão de apertar a mão da sua noiva?
Como assim? É preciso permissão para o rapaz apertar a minha mão? Não entendo a pergunta
absurda. Vou na direção dele, já estou pronta para abraçá-lo, quando Allan vem ao meu encontro
e me puxa pela mão.
— Só um minuto, meu amor. — Olho para ele, tentando manter minha vontade intempestiva de
abraçar o rapaz e o controle em exigir o que diabos está acontecendo, para que tanta
formalidade. — Ryan, a Jasmine não conhece os hábitos do nosso povo, deixe-a abraçá-lo.
Ele se contém um pouco, mas logo em seguida, abre os braços e sou abraçada, entretanto, o
abraço é um pouco distante.
— Desculpe-me — diz, enquanto se afasta rapidamente, com uma voz muito suave. — As leis
do meu povo são muito rígidas, os homens só chegam perto das mulheres comprometidas se os seus
companheiros permitirem tal aproximação, mesmo assim, é necessário manter uma certa distância.
Fico curiosa. Será que eles são ciganos? Olho para o Ryan, ele se parece com um, com seus
cabelos longos, a pele morena e os olhos claros.
— O seu povo tem leis próprias? Não segue as leis do país?
Ryan olha para Allan e franze a testa.
— Só seguimos as leis da Irlanda quando estamos fora da nossa cidade, mas dentro do nosso
domínio devemos respeitar as nossas tradições.
— Nossa! Cite uma das suas leis... — A tensão entre Allan e Ryan aguça minha curiosidade.
— Jasmine, não vamos aborrecer o Ryan com essa conversa.
— Por favor, eu quero saber. Só uma, por favor, Ryan. — suplico.
— Está tudo bem, Allan, não vai me aborrecer — Os dois se entreolham, Allan fica nervoso.
— Uma das principais leis é que o primogênito do líder se case com uma moça escolhida por ele
antes de completar 37 anos.
Suas palavras são vacilantes, como se estivesse arrependido de tê-las pronunciado.
— Chega, Ryan. Vamos mudar de assunto, ou ficaremos aqui explicando essas leis absurdas
para ela. — Allan fica nitidamente nervoso, então resolvo eu mesma mudar de assunto.
Agarro a mão de Ryan, fitando o seu rosto.
— Sou a Jasmine — sorrio, na verdade é um riso nervoso — Você já sabe disso, não é
mesmo?
Ele engole em seco, e depois de alguns segundos sorri de volta. Logo, solta a minha mão
rapidamente.
— Sim, já sei, seu nome é bastante incomum para um nome brasileiro, mas é muito bonito.
Allan me puxa para o seu corpo.
— Vamos nos sentar, estamos parecendo três dementes de pé, um na frente do outro. —
Finalmente, Allan se manifesta, quebrando o gelo existente entre nós.
Ryan e o Allan soltam uma gargalhada. Eu me sento, mas Ryan permanece de pé, me
avaliando. Já me sinto incomodada com o seu olhar.
Então, eu o encaro também. Ele é tão bonito quanto o Allan: fartos cabelos castanhos
emolduram o seu rosto, descendo até a altura do pescoço, uma pequena mecha pende sobre sua
testa. O nariz afilado e longo, o rosto magro e elegante está coberto por uma barba bem
aparada e farta, e a boca é bem desenhada com lábios grossos. Certamente esse rosto e corpo
fazem muitas moças suspirarem, mas são os olhos que mais chamam a minha atenção. São muito
parecidos aos de Allan, num tom de verde claro com nuances douradas. Cílios longos castanhos
claros e sobrancelhas fartas levemente arqueadas. Sem dúvida alguma, os pais desses dois devem
ser de extraordinária beleza para fazer filhos tão lindos assim.
— Jasmine... Jasmine... — Allan me chama, sacudindo o meu ombro.
— Oi, desculpe-me, estava comparando a beleza do seu irmão à sua, meu amor. — Olho
para ele, sentindo minhas bochechas arderem. — Vocês são muito parecidos fisicamente. Há mais
algum outro irmão?
— Sim, há... — nesse momento, o celular de Allan toca — Eu tenho que atender, é do hospital.
Já volto, amor. — Ele beija minha testa e se afasta, deixando-me sob os olhos observadores do
seu irmão.
Ryan pigarreia.
— Respondendo à sua pergunta, nós temos mais uma irmã, chamada Hannah, ela é casada
com Ben Krull. Ele não pertence ao nosso povo, no entanto, eu o conheço, somos amigos desde a
faculdade, por isso nosso pai não se opôs ao casamento, já que nossa irmã se apaixonou por ele.
— Já estou ficando tonta com tanta informação, ainda bem que ele para de falar — Não se
preocupe, em breve você conhecerá nossa história, como também irá conhecer os nossos pais,
Máximus e Rhanya, o Allan já deve ter lhe falado sobre eles.
— Não, não tivemos tempo para falarmos sobre o assunto família, eu só sei que ele se chama
Allan e é médico. Até pouco tempo atrás, eu o chamava de Black...
— É verdade — Ele me interrompe e senta de frente a mim. — O Allan me disse que foi você
quem o salvou da morte. Como foi isso?
E agora, o que eu faço?
O olhar dele se estreita. Allan se trancou no escritório, e eu não sei como sair dessa sinuca de
bico, o melhor a fazer é contar a história toda.
— Foi sim. — Ajeito-me na poltrona. — Encontrei o Allan em um lugar bem ermo e afastado
da cidade, se eu não o tivesse encontrado certamente, ele estaria morto agora.
— Pelo todo poderoso! Graças a você isso não aconteceu! — Ryan se levanta rapidamente,
passando a mão pelos cabelos longos, jogando-os para trás.
— Sim, eu o encontrei quase sem vida, coberto de sangue, com uma rachadura na cabeça e
uma bala no peito. Não me pergunte como eu retirei a bala, porque eu não sei responder, só sei
que depois que o limpei, eu desmaiei, e quando acordei foi o Black quem estava cuidando de mim.
Não culpo o olhar de absoluto espanto de Ryan, nem eu mesmo acredito que fui capaz de
extrair uma bala do peito do Allan e não o matar.
— Dgizus! — olho para ele com espanto, acho que ele acaba de me xingar. — Desculpe-me,
eu disse Jesus! — Ri, sem jeito — Só gostaria de saber o que uma moça, tão delicada como você,
estava fazendo em um lugar tão perigoso como aquele?
— Ela é sonâmbula, Ryan — Allan surge atrás de mim. Fico aliviada, pois não sei como
explicar essa parte para o Ryan. — A Jasmine tem crises de sonambulismo, soube disso quando
questionei a mesma coisa para o Manolo, um dos nossos amigos no Brasil.
Allan espalma as mãos em meus ombros. Quando percebe a tensão em meus músculos, ele faz
uma leve massagem, inclina-se e beija o alto da minha cabeça.
— E como surgiu o nome “Black”? — Ryan nota o quanto fico tensa, então muda de assunto.
— É um nome bem diferente.
— Na verdade, ela queria me chamar de Moço Bonito, mas não achei adequado. — Allan, e
Ryan soltam uma suave gargalhada.
Então, eu me defendo.
— Eu achei. — ergo a cabeça em direção a Allan — E é muito adequado, sim, só que ele
rejeitou o nome — olho de volta para Ryan — Então, coloquei Black, já que o encontrei em um
local totalmente escuro.
— Esse sim é bem adequado — Ryan arqueia a sobrancelha, até nisso eles são parecidos.
— Acabou o interrogatório? — Allan inquire o irmão.
— Assim você me deixa sem graça, irmão. — Ryan responde gentilmente. — Não é um
interrogatório, só curiosidade, e estou satisfeito. Sua noiva é uma moça muito linda, você soube
escolher muito bem.
— Foi ela quem me escolheu, irmão. Certa vez, uma amiga me disse que a mulher da minha
vida iria me encontrar. — Allan segura meu braço e me ajuda a levantar, fico de frente para ele.
— E ela estava certa, a Jasmine me encontrou, cuidou de mim e me escolheu. Mesmo não me
lembrando de nada sobre o nosso passado, eu a amo, e creio que hoje eu a amo muito mais.
Após um longo momento nos olhando, ele desliza os dedos em meus braços e uma sensação
elétrica serpenteia em meu corpo. Seu toque é um choque gostoso de sentir. Assim que suas mãos
alcançam as minhas, meus pelos se eriçam e o meu desejo pode ser visto em meus olhos. Allan
percebe, sorri e pisca o olho. Inclina o rosto até o meu, beija-o calorosamente, e antes de se
afastar, sussurra ao meu ouvido:
— A quero tanto quanto você me quer.
Que loucura é essa, meu Deus! Esse homem me deixa fora do prumo.
— Acho melhor eu ir — Já tinha me esquecido do Ryan. Ele limpa a garganta e nos dá um
leve sorriso. — Quando você vai conversar com o nosso pai?
Allan vira rapidamente para o irmão. E o olha com um olhar de súplica. Mas por que ele fita
o Ryan assim? Será por minha causa? Será que o Ryan sabe algo que eu não devo saber? Logo
mais eu saberei, pois não deixarei esses questionamentos ficarem sem respostas.
— Diga ao papai que o verei amanhã.
— Ok — É uma simples aceitação, no entanto, os olhos de Ryan pairam sobre o rosto de
Allan. — Estaremos o aguardando. Todos nós.
Aquele “todos nós” me incomodou. Fito o Allan, e os olhos dele se arregalam, ele parece
incerto. O que está acontecendo, por que Allan fica tão inseguro?
— É melhor irmos, meu amor. Depois de nossas compras, vou precisar ir até o hospital.
Allan circula o braço em volta dos meus ombros. Ryan vai na frente. Ainda não vi a casa de
Allan pelo lado de fora. Ela é linda e rodeada de flores e árvores. Não consigo admirá-la
totalmente, pois sou colocada dentro do carro. Ryan acena para mim, em seguida, os dois se
abraçam e se beijam no rosto. Allan espera o carro de Ryan sair na frente, e logo depois o
seguimos. A uma certa altura, tomamos caminhos diferentes, e alguns minutos depois, avisto o
shopping.
Nunca entrei em um shopping. Já vi alguns, mas nunca ousei desafiar os seguranças que os
guardava. Mendigos não são bem-vindos em lugares luxuosos como esses. Quem diria que hoje, eu,
além de entrar em um, farei compras em suas lojas. A bem da verdade, não eu, mas Allan, porém
as compras serão para mim.
Aquele mundo desconhecido me encanta completamente.
São tantas lojas que chego a ficar tonta de tanto os meus olhos girarem para observar todos
os detalhes. Preciso parar em meio à multidão para observar à minha volta. Allan me puxa pela
mão.
— Vamos, meu amor, já sei em que loja iremos. Não sou muito fã de shopping, odeio multidão.
Entramos em uma loja de roupa íntima. Allan se afasta e me deixa com as vendedoras para
escolher as peças. Percebo que as moças não tiram os olhos dele. Será que elas não percebem
que ele está comigo? Eu sei que o anel que eu carrego no dedo não é uma joia, mas ele está lá,
indicando que somos comprometidos.
Umas das moças pergunta quantas peças vou levar. Não entendo o que ela fala, pois não
falo inglês. Allan responde.
— Peças suficientes para encher uma gaveta até a borda.
Ele continua na porta da loja.
Um rapaz entra na loja, e assim que me vê, encosta no balcão de atendimento, bem próximo
a mim. Fala algo em inglês para uma das atendentes, e a vendedora pega uma peça de calcinha
e sutiã pretos em renda transparente e mostra para ele. O rapaz pega a peça.
— Você gostou? — Ele pergunta em inglês, o que não entendo nada.
Allan entra na loja e vem até o balcão. Ele começa a conversar com o rapaz, e eu só entendo
quando ele diz o seu nome, Allan Eirc. O rapaz gesticula com a cabeça e sai da loja
imediatamente.
Quando saímos, pergunto a Allan o que ele disse para o rapaz que o deixou tão nervoso e
fez com que saísse da loja com tanta rapidez.
Ele me responde com uma sobrancelha erguida e um sorriso nada modesto:
— Eu disse que, se ele não tirasse aquele riso de conquistador barato dos lábios e não desse
no pé o mais rápido que pudesse dali eu mesmo o poria para fora da loja com um pontapé, pois
você não só é minha noiva, como também a moça mais preciosa para o senhor Allan Eirc.
Só sei que, a partir daí, até as moças começaram a me tratar de uma forma diferente. Elas
me mostraram todas as novidades, saímos da loja com duas sacolas cheias de calcinhas, sutiãs,
meias, cintas-ligas ‒ essas eu nunca as tinha usado. Entretanto, as vendedoras mostraram catálogos
com vários modelos as usando, e eu entendi o sorriso safado das moças. Senti-me uma verdadeira
princesa.
— Amor, estou com sede. — Realmente estou sedenta.
— Dá para esperar só um pouquinho? — Nem tenho tempo de responder, pois entramos em
uma joalheria. Quase engasgo quando percebo o luxo do lugar.
Allan conversa em inglês com uma moça linda. Olhando para ela, eu me sinto uma mendiga de
verdade, apesar de estar vestida em roupas decentes. Estou vestindo as roupas que o Allan
comprou para mim, em uma loja do aeroporto de Paris. Porém, a moça ruiva está deslumbrante em
seu vestido justo, meias pretas e sapatos de saltos altíssimos. Eu nunca me equilibraria em uma coisa
daquelas.
A moça nos deixa sozinhos por alguns minutos. O Allan nem olha para mim, ele parece
nervoso. Seus dedos tamborilam na mesa de vidro. Já ia perguntar por que ele está tão nervoso,
mas sou coibida quando a ruiva volta a se sentar em nossa frente, com uma caixa quadrada um
pouco maior do que uma caixa de sapatos e mais baixa, forrada em veludo azul. Ela a abre, e os
meus olhos são ofuscados quando vejo a quantidade de anéis, um mais lindo que o outro. Fico
embasbacada.
— Esse anel que você carrega no dedo não é digno de você, minha noiva merece uma pedra
preciosa. Escolha a sua.
Eu sei que, para uma moça igual a mim, qualquer anel com uma pedra de vidro seria de
grande valor. Naquele momento, eu não tenho noção do que escolher, pois para onde os meus
olhos olham tudo é perfeitamente lindo.
Então escolho o que mais me chamou atenção. Um anel com uma pedra oval roxa, rodeada
de pequenas pedras transparentes, elas brilham feito estrelas no céu.
— Este aqui. — Aponto para o escolhido. A ruiva sorri, retira o anel do pequeno quadrado,
fala algo para o Allan e o entrega para ele.
— A Yanne disse que você tem bom gosto, escolheu o anel pela beleza. Ametista com
diamantes.
Fito a moça ruiva e o anel que o Allan segura entre os dedos.
— Nossa! — Falo, com espanto — Isso é muito caro, eu escolho outro, é só me apontar o mais
barato... o que eu duvido muito que tenha algum anel barato nessa loja. Podemos ir em outra...
— Hei! Eu posso pagar o seu anel de noivado. — Ele pega minha mão direita.
Allan retira o anel que está em meu dedo e o substitui pelo anel que eu acabo de escolher.
Sinto a diferença do peso imediatamente.
— Um anel digno de uma princesa, minha princesa. — Ele beija o anel, depois se inclina, e
seus lábios tocam os meus em um beijo suave. — Amo você, anjinho.
Desabo no choro. As lágrimas descem como cascatas dos meus olhos. Allan precisa me
abraçar para acalmar os meus soluços.
— Mais calma? — Ele acaricia os meus cabelos — Pronta para a próxima surpresa?
— Ainda tem mais? — Escondo o rosto em seu pescoço.
Allan conversa em inglês com a recepcionista. Ela dá sinal para um rapaz e ele traz outra
caixa. Ao abri-la, tomo outro susto.
— Nosso casamento seria no próximo mês no Brasil, o que não impede que seja realizado
aqui, na Irlanda. Só preciso dar entrada na documentação e providenciar as passagens e
passaportes dos nossos amigos brasileiros. O que acha?
Isso sim que é surpresa, não esperava por isso. Nunca pensei que o Allan, depois de tudo o
que lhe aconteceu, mesmo sem lembrar do nosso passado, se propusesse a se casar comigo. Na
verdade, eu pensei que viveríamos juntos, sem precisar firmar nenhum compromisso, o que para
mim já é o bastante. Mas nos casar de verdade, isso eu já tinha descartado.
— Você está falando sério? Jura? — Ele assente, depois me beija. — Estou sonhando, diz que
estou, se estou não quero acordar.
— Deixa de ser boba, eu a amo, não há dúvida quanto a isso, e para mim é o suficiente.
Agora escolha nossas alianças.
Escolho a mais larga de todas. Depois de ter visto as mulheres olhando para ele, percebo o
quanto esse negócio de compromisso é sério, é melhor marcar o meu território com algo bem
grande.
Alianças quadradas de ouro, a minha é cercada de pequenos brilhantes nos dois lados.
Depois desta surpresa, o Allan me leva para fazer um lanche.
— Amor, por que você disse ao seu irmão que eu não estou acostumada aos costumes do seu
povo? O que você quis dizer com isso?
Estou guardando essa pergunta para uma ocasião adequada, e a hora é agora.
Allan está com um sanduíche natural nas mãos, o levava à boca quando faço a pergunta. Ele
me fita com as sobrancelhas arqueadas e devolve o sanduíche ao prato.
— Eu acho que esse não é o lugar para termos essa conversa, mas vou explicar por alto o
que eu quis dizer. Pertenço a um dos clãs mais antigos da Irlanda, e todos os clãs têm suas leis e
tradições, e uma delas é o respeito à mulher e ao homem do próximo.
— Clã! O que é um Clã? — A pergunta é feita rapidamente, apesar de já ter escutado essa
palavra em algum lugar, só não lembro onde, entretanto, me sinto desconfortável com ela.
Allan me olha com carinho, seus lábios se esticam em um sorriso.
— Um clã constitui-se num grupo de pessoas unidas por parentesco e linhagem e que é
definido pela descendência de um ancestral comum. No caso da minha família, nosso ancestral é o
rei Rurick e pertencemos ao Clã Cémel Loairn, e o meu pai é o rei...
— Como!? — Derrubo o meu suco na mesa, o susto é tamanho que solto um grito. — Rei... seu
pai é um rei? Então, você é um... meu Deus! Eu devo estar sonhando... você é um príncipe... é isso?
Então, o líder do seu povo é o seu pai?
— Sim, é, e em minha cidade, eu sou um príncipe. Jasmine, você está bem?
Enquanto ele esclarece as minhas perguntas, minha cabeça dá um giro de 360°, minha ficha
cai.
Se o Allan é o irmão mais velho e ele é o filho do rei, então...
— Jasmine... meu amor...
— A-Allan, o... o seu irmão... — começo a gaguejar. A conversa com Ryan vem à tona, algo
me diz que eu não vou gostar do que vem pela frente — ele disse que o primogênito se casa com
uma moça escolhida pelo rei... A-Allan, você tem uma noiva em sua cidade?
Penso em toda uma série de coisas malucas. Coisas que possam me fazer pensar que o meu
noivo não está comprometido com outra mulher.
Ele me olha, apavorado, e o seu olhar afasta qualquer desculpa que ele possa me dar. Sem
perspectiva de salvação, eu caio no choro. As lágrimas banham o meu rosto, e o meu corpo se
retrai ao seu toque.
— Jasmine, se acalme. — Ele consegue segurar o meu pulso. — Eu posso explicar, mas não
aqui, não em uma praça de alimentação. Em casa, eu explico tudo.
— Ex-explicar o quê! — Consigo falar, mas entre soluços. — O que vai me dizer, que não vai
se casar com ela? — Tento puxar o meu pulso, mas ele o segura com mais força.
Baixo meus olhos e tento manter o controle das minhas emoções. Meu corpo inteiro treme, meu
coração palpita, sinto uma dor tão grande que minha vontade é gritar.
— Meu amor, olhe para mim. — Allan tenta erguer o meu queixo, mas viro o meu rosto para o
lado — Jasmine, nunca pretendi me casar com essa moça. Acredite em mim, eu nunca a amei.
Ele relaxa a força da sua mão em meu punho, e eu aproveito e me livro do seu aperto.
Levanto-me o mais depressa que posso e corro. Escuto Allan me chamar, mas nem olho para trás,
eu só quero fugir dali, fugir dele.
Perdida em meio à multidão, não sei qual o caminho a seguir, para onde olho só vejo lojas e
gente andando de um lado ao outro. Rostos desconhecidos, vozes que não conheço em uma
linguagem completamente diferente da minha.
O que vai fazer, Jasmine? Para onde vai agora?
Paro, atordoada, e giro o meu corpo em volta de mim mesma, procurando uma saída. Pense,
Jasmine, pense...
Ao longe, escuto a voz do Allan me chamando. Mesmo querendo correr ao seu encontro, algo
me empurra para longe dele, então corro para o lado contrário. As pessoas me olham
preocupadas. Devem estar pensando que sou uma louca ou talvez, quem sabe, uma fugitiva.
Minhas forças exaurem, já não consigo dar mais um passo. Sento-me em um banco para me
recompor. Meu sangue, que fervia, agora gela, pois caio em mim. O que fiz?! Sua tonta, você não
conhece nada, nem ninguém.
Bate o desespero, pois não faço ideia de onde estou. Na minha fúria cega de fugir do Allan,
terminei saindo do shopping sem perceber, agora estou em uma praça, não muito movimentada.
Como pedir ajuda, se os meus documentos estão com Allan? Não sei nem o endereço de onde ele
mora.
Levo as mãos ao rosto e choro. Em pensamento, peço ajuda a Deus.
Alguém senta ao meu lado e me diz algo, só que eu não entendo. Afasto minhas mãos do meu
rosto e ergo meu rosto em direção à pessoa.
É um homem muito bem-vestido, cabelos pretos, olhos verdes, pele morena. Ele me observa
com muita atenção, parece preocupado. Fala algo outra vez, mas eu não entendo.
— Desculpe, mas eu não falo a sua língua. — Digo, entre soluços.
Ele sorri, depois respira fundo.
— Eu perguntei se você está bem e se precisa de ajuda.
Ele fala português, e perfeitamente bem. Sinto-me aliviada, pois talvez agora possa ter a
ajuda que eu preciso.
— Eu me perdi do meu noivo, estávamos no shopping e eu não sei como voltar. Não faço ideia
de onde estou e o que fazer, o senhor pode me ajudar?
— Claro que posso, mas primeiro preciso saber o seu nome e o nome do seu noivo.
Em nenhum momento, ele tenta me tocar. Só me olha com extrema preocupação. Ainda soluço,
e as lágrimas descem por meu rosto.
— Meu noivo se chama Allan, ele é médico.
— Tome — Ele me entrega um lenço, e eu aceito. — Você sabe o sobrenome dele? E o seu
nome, qual é?
Limpo o nariz e o meu rosto. Olhando fixamente para os olhos dele, eu tenho a ligeira
impressão de já o conhecer, mas de onde?
Esqueça isso, Jasmine, você não conhece esse homem.
— Allan Eirc, e o meu nome é Jasmine.
De repente, o homem fica pálido, seus olhos ganham uma tonalidade diferente.
— O que disse? — Eu mal consigo escutar a sua voz.
— O nome do meu noivo é Allan Eirc.
— Não, o seu nome, qual é o seu nome?
— Jasmine, meu nome é Jasmine. — Desabo no choro outra vez.
— Jasmine, você morava no Brasil? — Ele parece confuso, seus olhos avaliam todo o meu
rosto.
— Sim, eu vim do Brasil, cheguei há pouco tempo, por quê?
O homem ganha cor no rosto novamente e ele abre um sorriso largo.
— Por nada, é porque eu também cheguei há pouco tempo do Brasil — Ele se levanta. —
Venha, vou levá-la até o shopping, vamos encontrar o seu noi... o sr. Allan Eirc.
Desta vez, ele me segura pelo cotovelo e me guia até a entrada do shopping. Sinto uma
sensação de paz quando seus dedos tocam minha pele.
— Fique aqui, vou falar com o segurança.
Sento em uma cadeira muito confortável, que fica ao lado do balcão de informação. O
homem fala algo para o segurança, e logo em seguida, ele vai até um microfone. Só entendo o
nome de Allan.
— Pronto, o senhor Eirc logo estará aqui. Não saia desta cadeira, certo?
— O senhor não vai esperar o meu noivo chegar?
— Não posso, eu tenho uma reunião em alguns minutos, mas você ficará bem. Dei ordens para
chamaram o seu noivo de dois em dois minutos, ele virá logo — Ele alisa os meus cabelos e sorri.
Eu gosto do seu sorriso.
— Obrigada! — Estendo a mão, ele aceita e a leva até os lábios, beijando o dorso dela
carinhosamente.
— Hei! — Ele já está se virando quando o chamo — Tome, e obrigada outra vez. — Devolvo
o lenço. Ele o coloca no bolso do terno, dá um aceno para mim e desaparece no meio da multidão.
Só depois que ele some que eu percebo que nem perguntei o seu nome.
— Jasmine, Jasmine! — Escuto a voz desesperada de Allan. Eu me levanto e corro em direção
ao homem que eu amo.
— Allan...
Ele me toma nos braços, me beija todo o rosto e, por último, minha boca. Aperta-me com força,
e quase fico sem ar.
— Meu amor, quase enlouqueço. Já não sabia a quem recorrer, estava a caminho da
delegacia de polícia. Nunca mais faça isso, eu pensei que tinha perdido você.
Entro em pânico. Allan chora, seu corpo treme e a sua voz está carregada de emoção.
— Perdoe-me, eu fiquei tão furiosa com tudo o que eu descobri, que nem pensei nas
consequências. Eu o amo tanto... tanto que só de pensar que outra mulher pode ocupar o meu
lugar... — me calo, pois não quero mais pensar sobre isto.
— Aingeal... Anjinho, nenhuma mulher vai roubar o seu lugar. Eu a amo mais que tudo nessa
vida, e se antes eu já não me importava com as leis do meu pai, agora é que eu não ligo mesmo.
Ele, querendo ou não, você é a minha mulher e ponto final. Agora vamos terminar as nossas
compras, pois ainda preciso passar rapidamente no hospital.
Eu sei que fui uma tola em ter fugido daquele jeito, mas para uma coisa minha fuga serviu:
agora eu tenho a certeza que o meu Allan me ama, acho que muito mais do que o Black.
Capítulo 28
Kyran
Quando eu ia imaginar que a mulher da minha vida estaria aqui, na Irlanda, e tão perto de
mim? Encontrar a Jasmine foi como receber um sopro de vida.
Por todos os bruxos negros!
Ela está muito mais linda do que eu pude imaginar. Seus lindos olhos azuis estão ainda mais
vivos, se parecem o oceano, e os cabelos loiros... nossa! Parecem uma seda em forma de manto. Os
lábios estão mais carnudos, as bochechas mais rosadas.
Eu a imaginei de uma outra forma, talvez porque ainda tenha em minha mente a menina
delicada e com olhos amedrontados, no entanto, agora ela se parece confiante, uma mulher
magnífica. Contudo, ela não lembra de mim. A bem da verdade, eu mudei muito, tanto fisicamente
como mentalmente, embora eu prefira que ela tenha esquecido alguns detalhes sobre o nosso
passado.
Todavia, o que mais me aflige é saber sobre o seu envolvimento com um Eirc, inimigo do meu
povo. Como isso foi acontecer? Ela não pode amar outro homem, ela não pode pertencer a outro
homem. Eu sou o príncipe dela, eu sou o escolhido, não ele, ela não pode fazer isso comigo.
Se ela soubesse o quanto eu sofri em todos esses anos, enquanto a procurava, se ela tivesse
só um pouco da maldita ideia do que eu precisei fazer para protegê-la, ela não teria se jogado
nos braços de outro homem e se denominado “noiva”.
Fiz coisas terríveis em nome desse amor, fui capaz até de matar o meu próprio pai para que
ele nunca mais a machucasse.
Ainda me lembro deste dia, ainda sinto o peso da faca em minhas mãos e o sangue
escorrendo entre os meus dedos – o sangue do meu pai...
— Eu o avisei, disse-lhe que não o deixaria machucá-la mais.
— E o que vai fazer? Resolveu se revoltar contra o seu senhor, o seu rei? Se eu fosse você
ficaria quieto, pois posso dá-la para um dos meus seguranças, ou quem sabe todos eles. Eles vão
adorar desvirginá-la, há buracos para muitos homens gozarem em uma mulher.
— O senhor não teria coragem de fazer isso! Ela é minha prometida, ela será nossa rainha. Pai,
como ousa falar assim da noiva do seu filho?
— Não seja tolo, Kyran. Eu não sou apegado às tradições, nunca fui. Essa moça só significa uma
coisa para mim: dinheiro e poder. E enquanto ela for útil será tratada com algum respeito, por
enquanto ela está servindo aos meus propósitos, somente por enquanto. Entendeu?
O que meu pai não sabia, é que eu já tinha tudo planejado. Naquela noite, dei ordens para
os seguranças dele partirem para uma missão em outro condado. Contratei dois homens para os
substituir.
— Pai, o senhor sabe que se a Jasmine continuar curando, sem a iniciação, ela morrerá, pois, a
sua energia vital está sendo sugada pela pessoa que ela cura. Temos que iniciá-la.
— Não estou nem um pouco preocupado com isso. Quer saber, já estou cansado dessa moça, já
tenho dinheiro suficiente, se ela morrer na próxima cura será até um alívio, pois não tenho que olhar
para a cara dela nunca mais.
— Pai! Ela é minha noiva.
— Noiva! Você acha mesmo que vou deixar aquela cadela se sentar ao lado do meu filho e
comandar o meu povo? Acorde, Kyran! Eu quero que as tradições seculares vão à merda. Já
providenciei outra noiva para você, acho melhor o senhor deflorá-la o mais rápido possível, pois vou
levá-la para uma última sessão de cura. São cinco moribundos em fase terminal, e eles estão nos
pagando uma fortuna para ficarem curados. Assim que ela acordar do sono de recuperação, a levarei
para os Estados Unidos e...
Fui ao encontro do meu pai e dei o primeiro golpe de faca em sua barriga. Ele caiu no chão com
os olhos vidrados em meu rosto.
— Maldito! Vou acabar com você! — Disse, cuspindo a minha fúria, um calor devorador
tomando todo o meu corpo — O senhor nunca mais vai machucá-la.
Fiquei de joelhos diante do seu corpo enquanto me esforçava para repetir os golpes mortais, mais
uma vez. Estava com sede de vingança, minha boca estava seca, e a cada punhalada que dava, minha
sede era saciada.
— Nunca mais... seu infeliz... vai feri-la... usá-la... nunca mais... — Cego de raiva, não sei por
quanto tempo desferi as punhaladas ritmadas.
Só parei quando meus braços não me obedeceram mais. Sentei-me ao lado do corpo
ensanguentado e cheio de buracos do meu pai. Fitei-o sem remorsos; ao contrário, senti-me aliviado,
foi como ter tirado um fardo das minhas costas.
— Que o inferno o receba e que o diabo o queime por toda a eternidade — Cuspi em seu rosto
e levantei-me rapidamente, precisava agir com perspicácia.
Preparei duas armas, calcei a minha mão esquerda com uma luva e com ela, eu atirei duas vezes
no peito do meu pai, a outra mão eu apontei para a porta. Os dois homens que eu contratei entraram
no quarto e eles nem tiveram tempo de se defender.
Sou um exímio atirador.
Atirei nos dois homens, tiros certeiros entre os olhos, levei-os para próximo do meu pai e os sujei
com o sangue dele. Apressadamente limpei minhas digitais do cabo da faca e coloquei na mão de um
dos homens, e na mão do outro homem a arma. Logo depois dei outro tiro, só que desta vez em meu
braço. Joguei-me por cima do corpo do meu pai, fingindo desespero, gritando por socorro.
Minutos depois, o quarto estava repleto de empregados armados. Fui levado para os meus
aposentos e socorrido por um médico do clã.
Não me arrependo por tê-lo matado, meu arrependimento foi de não ter feito isso antes. E
não foi só o meu pai que eu matei por ela. Dei fim a todos os miseráveis que ousaram tocá-la. Um
deles foi o que a apresentou à cocaína e a violentava em troca dela.
Quando eu descobri que a Jasmine estava viva, logo após a enchente, comecei a minha busca
incessante em todos os condados, em todos os clãs. Contratei vários caçadores, experientes em
caçar gente, e juntos fomos seguindo os passos dela. Foi assim que eu descobri sobre o Lincan, e
quando eu o encontrei, eu o fiz se arrepender. Ele foi o segundo cão miserável que eu matei.
O levamos para um galpão abandonado, que já estava preparado para recebe-lo. Meus
homens arrancaram suas roupas e o amarraram a uma maca, preparam tudo o que eu ia precisar
para usar. Assim que eu entrei no balcão, os olhos de Lincan faiscaram de ódio, mas ele não podia
fazer nada, nem ao menos dizer uma só palavra, pois sua boca estava amordaçada.
— Eu sei, você deve estar se perguntando quem sou eu e por que está nesta situação. — Disse-
lhe, enquanto pegava algo que estava enrolado dentro de uma caixa ao lado da maca. — Logo você
saberá, não vai demorar muito para entender o que se passa.
Ele tentou resmungar uma resposta, que foi ignorada por mim. Peguei uma lâmina, tipo um
bisturi, e mostrei para ele, e os seus olhos brilharam de horror, seu corpo sacolejou energicamente.
— Não adianta se sacodir, não vai escapar de mim.
Admirei-me da minha bonança. Estava em paz, leve com minha consciência, pois eu sabia o que
ele fez com ela. E eu queria que ele sentisse o tamanho da minha raiva.
— Você tocou com isso — Apontei o bisturi para seu pênis murcho — na única pessoa que não
podia tocar. Você a viciou para obrigá-la a transar com você.
Meus olhos se fixaram nos dele, e sem dó, eu risquei o bisturi em sua virilha. Vi o terror da dor
em seus olhos, o suor descendo em sua testa. Aquilo foi prazeroso para mim. Repeti os cortes umas
três vezes. Não foram profundos, só o suficiente para expô-lo a uma dor profunda.
— Desamarre-o e vire-o de bruços, retire a mordaça da sua boca, ninguém vai escutá-lo mesmo.
Em menos de cinco minutos, ele estava de bruços. Assim que a mordaça foi retirada, uma chuva
de palavrões veio em minha direção. Sorri com satisfação.
Ele estava assustado.
— Filho de um corno, vou matar você! — Ele cuspiu sua fúria. Pobre infeliz, nem sabia o que
estava por vir.
— Valente, você. — Disse. O segurei pelos cabelos e os puxei para trás. — Quero ver onde
ficará sua valentia quando receber a primeira estocada.
Peguei o porrete, que foi preparado justamente para usar no rabo do cretino. O sodomizei sem
piedade, cada estocada é uma mais forte do que a outra. Ele gritou ferozmente.
— Para um macho que gosta de abusar de moças indefesas, você grita feito uma vadia. — Os
golpes se tornaram mais fortes, e o sangue salpicou em minhas mãos. Ele desmaiou com a dor da
tortura sofrida. — Acordem-no e o virem — meus homens o viraram e jogaram água sobre ele, até
Lincan acordar. — Sabe a mocinha loirinha, que você costumava abusar sexualmente? — Ele me olhou
quase sem vida, seus olhos já sem brilho. — Ela é minha noiva, o amor da minha vida, e hoje vou
garantir que você nunca mais abuse dela, nem de qualquer outra moça.
Segurei sua genitália com as mãos, o pacote completo. Pênis e o saco escrotal. Segurei-os com
firmeza e passei o bisturi. O grito que Lincan soltou foi música para os meus ouvidos. Ele me olhou
fixamente, enquanto os seus olhos iam se fechando lentamente, o sangue escorrendo por entre suas
coxas. Ver a cena me deixou extremamente satisfeito. Coloquei os restos das suas partes reprodutivas
por cima da sua barriga.
— Pronto, já acabei com você, espero que você morra lentamente.
O amordacei outra vez. Certifiquei-me que ele estava bem amarrado e o deixei lá para morrer.
Depois de Lincan, matei cada homem que ousou tocar em Jasmine. Se tivesse que fazer tudo
novamente eu faria, pois cada um deles mereceu morrer. Foram onze anos seguindo os passos da
Jasmine, e os homens ruins que eu não pude matar, meus homens fizeram por mim.
Sem arrependimentos, Kyran. Fiz por ela, e farei novamente se for preciso.
Olho-me através do grande espelho do meu escritório. Retiro o meu paletó e o penduro no
gancho dourado preso à parede. A sofisticação neste local reina, como eu. Após a morte do meu
pai fiz investimentos, não podia mais contar com os poderes curativos de Jasmine, pois enquanto
ela não fosse inicializada, não a poria em perigo. Em seis meses ganhei o triplo do que investi, e
está sendo assim até hoje. Tenho uma fortuna incalculável, mas não foi só isso que fiz.
Eu libertei o meu povo das tradições descabidas, hoje não há casamentos forçados, e ter
relações sexuais com moças menores de dezoitos anos é crime, em meu clã, a pena é a morte.
Os anciões sempre me dizem: Nunca é tarde para aprender novas condutas.
Eles estão certos. Eu quero que a Jasmine se orgulhe de mim quando regressar para a nossa
cidade. O que não demorará muito, só preciso de um tempo para afastar Eirc do lado dela, então
eu tomo de volta o que é meu.
Eu sei que ela não me aceitará assim que nos encontrarmos, não a tiro da sua razão, afinal,
eu me portei como um animal. Ela só tinha dezesseis anos quando a tornei minha. Sinto vergonha do
meu ato, no entanto, eu me apego ao fato que tudo o que fiz foi para protegê-la, e fiz por amor,
mas não faria isso outra vez, nunca mais a forçarei a se deitar comigo.
Jasmine vai se apaixonar por mim, farei o seu coração me amar. Sim, ela vai me amar, pode
até demorar, mas eu terei a minha rainha ao meu lado, governando o nosso povo. E teremos filhos
lindos, quantos ela quiser, pois eu não me importo se um filho destruir o seu poder de cura. Eu a
quero, não ao seu poder.
E assim que eu tiver uma oportunidade, a trarei de volta para os meus braços. E só uma
questão de tempo e paciência.
Capítulo 29
Antes de chegarmos ao meu carro, meu celular começa a vibrar no bolso do meu paletó. Eu
não quero atendê-lo, sei que não é do hospital, pois estão a par de que estou a caminho.
Resolvo verificar quem está me ligando. É o meu pai. A minha empáfia diz para não atender,
mas o meu bom senso fala mais alto.
— Alô!
— Quando o senhor ia me ligar? Você se dá alta médica e depois desaparece por dias, e
quando retorna não tem a consideração de me ligar para pelo menos...
— Eu estou bem — o interrompo, se o deixasse falar, ele não pararia tão cedo. — Não se
preocupe, se eu tivesse dito que voltaria ao Brasil, certamente teria me impedido, por isso não disse
nada...
— Só isso o que tem a me dizer? — Não tenho tempo de completar a frase. Esse é o senhor
Máximus. — Acho que está se esquecendo de me avisar que trouxe na bagagem uma mulher que o
senhor denomina noiva...
— Cale-se, pai! — Jasmine me olha desconfiada, na certa ela percebe a minha tempestiva
mudança de humor. — Ryan não o avisou que estou indo conversar amanhã com o senhor?
Ele solta um palavrão em nosso dialeto.
— Não tente, Allan. Não tente fugir das suas responsabilidades, estou o esperando agora.
Não queira que eu vá ao seu encontro.
O celular fica mudo. Jasmine continua parada, me aguardando, fitando-me com um olhar
interrogativo.
Enfio o celular no bolso do paletó e caminho até ela.
— Mudança de planos. — Chegamos ao carro — Vamos para Nevan.
Abro a porta do carro e a ajudo a entrar. Assim que ela se acomoda no banco do carona,
dou a volta e assumo a direção. Antes de ligar o carro, fito-a. Eu não sei como ela aceitará isso,
mas eu espero que ela não recue. Fui um tolo por ter escondido minha atual situação, tentei
protegê-la da bagunça da minha vida, agora a desordem está cobrando uma arrumação
imediata.
— Jasmine, eu sei que despejei um monte de merda no ventilador, e você está confusa com
todas essas descobertas, mas tudo o que disse para você é verdade. — Espero que ela acredite
em cada vírgula que eu disser, pois se ela fugir de mim outra vez, enlouqueço. — Amo você, amo
como o Allan, não como o Black, quero que esteja ciente disso. Não lembro de nada do que
aconteceu entre nós dois no Brasil, no entanto, eu sei o que sinto por você, e estou indo agora dizer
isso para o meu pai. Ele querendo ou não aceitar o nosso casamento, seremos nós dois, eu e você.
Entendeu?
Ela se atira em meu corpo e me beija lentamente, e antes que eu possa completar os meus
pensamentos, um calor se espalha por mim. Por todo o meu ser. Não consigo descrever a sensação
de paz deslizando tão profundamente em meu coração, em minha alma. Quando vou afastá-la
para continuar com minha explanação, sinto o calor da sua língua tocar a minha.
E então suas mãos em minha nuca tornam-me consciente do poder do seu toque. Suas mãos
são mágicas. Meus pelos se eriçam – não só os pelos – meu pênis pulsa com a sua ousadia. O
roçar da ponta dos dedos em meu pescoço, envolvendo-o...
Merda! Isso não é justo.
Envolvo meus braços em volta do seu corpo. Ela geme suavemente. Torno-me mais ousado;
minha mão cerca um seio e o apalpa.
— Allan. — Ela sussurra meu nome entre os meus beijos.
Imediatamente sou atacado pelo seu cheiro invadindo minhas narinas. A sensação de fazer
amor com ela neste carro vem forte, penetrante, fazendo-me fechar os olhos e me imaginar dentro
dela, bombeando meu sexo dentro do seu corpo, com força e paixão.
— Jasmine... — Estou lutando comigo mesmo para não a puxar para o meu colo e fazer amor
com ela aqui mesmo.
Ela está tão quente em meus braços, tremendo pela sensação de prazer dos nossos beijos
ousados e famintos.
Allan, você será preso, se continuar a beijando e a apalpando desse jeito.
A sua pequena e delicada mão pousa na frente da minha calça. Merda!
Ela esfrega sua mãozinha com precisão, fazendo uma fricção enlouquecedora, provocando o
lobo faminto existente em mim.
— Allan... — nosso olhar se fixa. Ela está ofegante, a boca entreaberta, o beijo muito
presente no brilho dos seus lábios inchados e úmidos.
— Não podemos fazer isso aqui, seremos presos — digo, tentando acalmar a tempestiva
vontade de arrancar suas roupas. Ela está tão entregue, tão minha.
— Eu sei — O que faço com isso que estou sentindo, porra! Ela me derrota só com um simples
olhar. — Amo você, Moço Bonito.
Sou dominado por um sorriso lindo. Beijo seus lábios, depois sua testa. Ainda impactado pelo
poder do desejo, mas sabedor de que no carro não é lugar para amar a minha futura esposa, não
no local que estamos e em pleno dia. Afasto-me.
— Então — digo suavemente —, você está pronta para enfrentar a fera? Não se preocupe,
o máximo que o senhor Máximus pode fazer é expulsá-la da sua casa, e se ele fizer isso, você não
sairá de lá sozinha, estará de mãos dadas comigo, certo?
— Com você não tenho medo de nada, enfrento todas as feras, até o seu pai. — Sua voz sai
mais do que um sussurro.
Meu peito quase cede com a sua fragilidade. Só uma vez, eu senti essa necessidade de
proteção, foi com Angeline, quando pensei estar apaixonado por ela. Entretanto, diante do que
estou sentindo nesse momento, sei que o que senti por ela não chega nem dois por cento do que eu
sinto por esse pequeno anjo loiro.
— Não sairei do seu lado, nem sob tortura. — Prometo — Vamos, a fera nos espera.
Sorrimos. Ligo o carro e partimos a caminho de Nevan.
A Cidade de Nevan fica entre duas montanhas e é cercada por uma densa floresta, cortada
por um rio, que quando chove costuma transbordar. Tem mais ou menos uns 4 mil habitantes, todos
súditos do grande rei Máximus, vivendo sob as rígidas leis e tradições do clã Cémel Loairn.
— Nossa! Sua cidade é linda, tão limpa, sofisticada. Eu pensei que o seu povo vivia de uma
maneira diferente.
— Você pensou que fôssemos homens primitivos, todos vivendo em cavernas. — Não consigo
conter a gargalhada.
— Não, seu bobo. Eu pensei que o povo e a cidade viviam humildemente, mas o que vejo aqui
é beleza e sofisticação. O seu povo não parece triste, nem desconfortável.
— Eu sei. — Olho para ela ligeiramente — apesar das leis rígidas, as pessoas que
permanecem sob a monarquia do meu pai são felizes, como você mesma pode ver. Essa vida
monárquica só não serve para mim, por isso fui embora quando tinha dezessete anos. Entretanto, o
meu pai não aceita que eu não quero fazer parte das suas tradições e do seu reinado, só que hoje
ele terá que aceitar. Chegamos — Paro o carro em frente a um grande portão de madeira, onde
está escrito, bem no centro dele, em um brasão talhado a ferro, “Cémel Loairn, Eirc.”
O portão se abre e o carro passa por ele.
— Uau! Isso que é um castelo moderno. — Seu olhar encontra o meu, e me divirto com o seu
comentário.
— Pensou que os meus pais viviam em um castelo?
— Ele é um rei, não é? Então, reis vivem em castelos. — Saio do carro e vou até a porta do
carona, abro e a ajudo a sair.
A mansão Eirc é majestosa: três andares ladeados por uma extensa varanda, pintada em
branco com janelas talhadas em madeira de pinho negro. O jardim variado de flores, de todas as
espécies, é o orgulho da minha mãe. Há uma enorme piscina com água aquecida no interior do
jardim, que só dá para ser vista quando se dá a volta nos arbustos que cercam a casa.
— Esta casa não deixa de ser um. — Abraço-a e beijo o alto da sua cabeça. — Atrás da
casa há uma cachoeira, é um lugar sagrado para a família, e ali — aponto para a parte mais
acima do lado esquerdo. — Estão as residências oficiais das pessoas que trabalham ao lado do
meu pai, incluindo meu irmão, minha irmã e o marido, e Muriel com a família.
— Muriel é a sua noiva... — Jasmine fala, tristemente.
— Muriel é minha amiga, sempre a vi como uma irmã, e em breve, ela será a minha cunhada,
pois o meu irmão é apaixonado por ela e ela por ele.
Jasmine vira de frente para mim, olhando-me com espanto.
— Eu sempre soube que os dois se amavam, mas o meu irmão leva as tradições e as leis do
clã muito a sério. Ele jamais se declararia para a Muriel, tampouco ela. — Olhando para ela,
pergunto: — Pronta? — Dou-lhe um sorriso fraco e pisco um olho. Ela assente com a cabeça.
Coloco uma mão em seu ombro e olho diretamente em seus olhos. — Meu pai é só um homem, ele
não vai morder você.
— Então, não saia de perto de mim. — Diz apressadamente, fecha os olhos e respira fundo.
Enfio os dedos debaixo de seu queixo e o ergo.
— Jasmine, faremos isso juntos. Não deixarei o meu pai intimidá-la, confie em mim.
Seguro sua mão, e os nossos dedos se entrelaçam. Subo as escadas que leva em direção à
grande e majestosa porta de madeira.
Paro por um momento e olho para ela. Ela parece assustada e nervosa, mas não tiro sua
razão. No entanto, eu faria qualquer coisa para afastar todos os seus medos. Jasmine me encara e
sorri, e o seu sorriso me dá confiança. Aperto sua mão na minha e entramos.
Dentro da casa, já está à nossa espera uma das empregadas de mamãe, Miúcha.
— Príncipe Allan, seja bem-vindo! — Ela diz polidamente, e olha para Jasmine com
indiferença. — Senhorita. — Faz um aceno com a cabeça, segundos depois, seu olhar volta para o
meu rosto. — Meu príncipe, o senhor Máximus pediu para que o aguardasse no gabinete, ele
precisou resolver um pequeno problema, mas não demorará. Enquanto o senhor aguarda o nosso
rei, levarei a moça para o jardim de inverno e a servirei um chá. Acompanhe-me, por favor. —
Miúcha não sorri, olha para Jasmine e lhe indica o caminho.
Jasmine me olha, fazendo uma careta leve com a boca, e mexe a mão sobre a minha,
puxando-a.
— Miúcha — Ela vira em minha direção. — Eu sei que você sabe os motivos que me fizeram
ir embora do clã quando completei a maioridade, portanto, não precisa agir de forma fria diante
da minha noiva.
Mostro a mão direita de Jasmine, indicando-lhe o lindo anel que brilha em seu dedo. Miúcha
tenta manter o ar sóbrio. Limpa a garganta e, em voz baixa, diz:
— Desculpe-me, senhor, mas as tradições e as leis de uma nação não podem simplesmente
serem apagadas com uma borracha. Um homem não pode fugir do seu destino, e o seu é ser o
soberano deste clã e se casar com a moça que foi escolhida para ser a sua e a nossa rainha, e
vossa noiva chama-se Muriel...
— Allan... — Jasmine aperta meus dedos e me olha, apreensiva. Ela tenta se mover em
direção à porta, mas a mantenho no lugar.
— Miúcha, você disse bem, a Muriel foi escolhida para ser minha noiva, por meu pai, e não
por mim, portanto, ela nunca foi ou será minha noiva, e hoje, eu vim aqui apresentar ao meu pai a
mulher que eu escolhi para reinar a minha vida, e não me importo se o rei e o povo vão ou não a
aceitar. Agora você pode ir, eu e minha noiva ficaremos bem. Vá!
Puxo Jasmine para o meu corpo e beijo o alto da sua cabeça. Miúcha gira sobre os
calcanhares e desaparece das nossas vistas.
Jasmine puxa o ar profundamente.
— Onde a sua mãe está? Posso conhecê-la? — Jasmine lê os meus pensamentos, já ia levá-la
para conhecer a minha mãe.
— É por aqui. — Passo à sua frente, mas sem soltar a sua mão. Jasmine olha para a parte
superior da casa. — Depois do AVC, meu pai achou melhor colocá-la próximo ao jardim. Ele
mandou reformar a biblioteca, agora é o quarto dela.
Andamos alguns metros e chegamos a uma imensa porta de vidros coloridos. Eu a abro com
cuidado.
O quarto é decorado com extrema delicadeza, as paredes em dois tons de lilás, um mais
claro nas paredes que ficam do lado direito e esquerdo, e um outro mais escuro na parede detrás
da cama hospitalar. A cama fica em frente a uma grande porta de vidro, e do outro lado dela
está o jardim. Há diversos quadros pendurados com paisagens de florestas e flores coloridas. Ao
lado da cama da minha mãe há outra cama, é a do meu pai, ele não se separa dela, mamãe é a
razão do viver dele. Uma música ambiente está tornando o ambiente mais acolhedor, reconheço
imediatamente a melodia de Beethoven, Sonata ao luar. Mamãe adorava tocar para o papai.
Aproximo-me da cama. Abraçado a Jasmine, seguro a mão de mamãe.
— Mãe. — Tento manter o tom da minha voz baixa e encobrir a emoção que queima o meu
peito. — Mãe, eu trouxe alguém para te apresentar — viro o rosto em direção a Jasmine, que me
observa com os olhos marejados. — Eu sei que você e o papai escolheram uma noiva para mim,
mas eu quero que conheça a moça que eu escolhi para ser minha mulher. Na verdade, foi ela quem
me escolheu — sorri para a Jasmine — Ela é a mulher mais linda que existe no mundo, o nome
dela é Jasmine...
— Como ousa...! — Estou com os lábios sobre a mão da minha mãe, quando escuto o tom
altivo da voz do meu pai — Como ousa trazer até à sua mãe uma estranha?
Jasmine tenta se afastar de mim. Viro-me para ela.
— Fique aqui. — Beijo-a levemente nos lábios e caminho em direção ao meu pai.
— Quer falar baixo? — Enquanto falo, gesticulo com as mãos à frente do corpo, fazendo-o
entender que deve manter o tom da voz mais baixo — O fato de mamãe estar em coma, não o dá
direito de alterar a voz desse jeito.
— Seu moleque pretencioso, quer me mandar calar em minha própria casa? Você não tem o
direito de trazer sua amante... — Papai olha em direção à Jasmine, e seus olhos arregalam de
pavor — MOÇA! — Ele solta um grito — O que pensa que está fazendo?
Olho apressadamente para a mesma direção, e o que vejo me deixa incrédulo.
Jasmine está bem próximo à minha mãe, com as mãos sobre a sua cabeça, e através delas
saem raios de luzes azuis.
— JASMINE! — Grito, mas ela não se mexe. — JASMINE! — Grito outra vez, e ela continua
sem se mover.
As luzes mudam de cor, passam a ser lilás, e o quarto é tomado por um calor intenso e um
aroma forte de jasmim. Tento ir até ela, mas o meu pai me segura pelo braço.
— Não. — Olho para ele, mas ele não tira os olhos de Jasmine. — Você não pode tocá-la.
— O empurro e dou dois passos, no entanto, ele me puxa com força, gritando desesperado —
NÃO! — Ele me encara, seus olhos estão saltados e as lágrimas teimam em sair deles.
— O que está acontecendo aqui? Escutei os... — Ryan e Miúcha entram no quarto. — Os
gritos do senhor... — Seu olhar vai direto para Jasmine — O que a Jasmine está fazendo? Que
luzes são aquelas? — Ele questiona, abismado.
— É a... a menina iluminada! Pelo todo poderoso, ela... ela está viva! Mais uma vez, Deus nos
mostrou que não se pode fugir do destino. — Miúcha sussurra, em seguida, se ajoelha e começa a
fazer orações em nosso dialeto.
— Ryan, vá buscar os anciões! — O tom desesperado da voz do meu pai ecoa no quarto.
O que é isso, o que a Jasmine está fazendo?
Fito o Ryan, sem saber o que dizer.
— Não saio daqui sem antes ter uma explicação. — Ryan não afasta os olhos de Jasmine, ele
está mais confuso do que eu.
— Agora, Ryan, depois eu explico. Vá buscar os anciões, já! — Ryan sai correndo do quarto.
Meu pai olha para mim com o rosto banhado em lágrimas. — Filho... — Ele me puxa para um
abraço. — Você a encontrou, vocês se encontraram.
— Como? Do que o senhor está falando? — Pergunto, mas sem desviar os olhos de Jasmine.
Ela continua impondo as mãos sobre a fronte da minha mãe.
— Essa moça... a moça, é a sua prometida, meu filho.
Trocamos olhares. Ele deu uma explicação curta, mas a esperança subjacente e a emoção em
sua voz estão altas e claras.
Meu torpor é varrido para longe quando escuto um gemido alto da Jasmine e da minha mãe.
As duas começam a tremer.
— Solte-me, pai. Solte-me, eu preciso ajudá-las!
O quarto está muito quente, e o cheiro de jasmim está cada vez mais forte. As luzes lilás que
saem das mãos de Jasmine iluminam todo o ambiente, e ela começa a gritar como se estivesse
sentindo muita dor. Tento me libertar das mãos do meu pai, mas ele me puxa para ele com força.
— Não, filho. Você não pode interferir, ou elas morrerão.
De repente, as luzes lilás se apagam e minha Jasmine cai ao chão feito uma boneca de pano.
Empurro o meu pai com força, fazendo-o perder o equilíbrio. Livro-me da sua sujeição e corro em
direção a ela.
— Não... não... não, meu amor, acorde... acorde, meu amor. — Agacho-me e seguro o seu
corpo esmorecido em meus braços — Meu amor, fale comigo. — Olho para meu pai em desespero.
— Ela está queimando, alguém me ajude aqui, eu preciso levá-la para o hospital!
Meu pai vem até mim, ele se agacha e toca nela.
— Filho, se acalme, desespero não vai ajudar em nada.
— Pai, ela mal respira, seu corpo está pegando fogo, em tantos anos de medicina, eu nunca vi
algo assim! Eu preciso levá-la ao hospital.
— Filho, eu e os anciões cuidaremos dela.
Uma voz bastante conhecida fala, bem acima da minha cabeça. Meu pai ergue o rosto e sorri,
e faço o mesmo. Minha mãe está de pé, com um sorriso lindo nos lábios, e tão linda! Nem parece
aquela moribunda que estava prostrada na cama.
— Rhanya! — Meu pai se levanta e abraça minha mãe com carinho. — Meu amor, como se
sente? Você precisa descansar.
— Estou bem, meu amor, e já descansei por muito tempo. Agora preciso cuidar da minha
salvadora, ela tem pouco tempo. — Minha mãe olha em direção à porta. — Venham, andem,
coloquem-na na cama e preparem as ervas e o banho.
Os anciões chegam, mas saem imediatamente depois das ordens da minha mãe.
— Ninguém vai tocar nela. — Grito, desesperado. — Ela vai para o hospital, seus banhos e
chás servem para os seus súditos. Minha noiva será cuidada por minha medicina, não toquem nela!
Mamãe acena para dois seguranças, que vieram correndo ao ouvir o barulho de vozes
alteradas, e eles me tiram de perto de Jasmine. Meu pai a pega e a coloca na cama onde antes
minha mãe estava. Desesperado, tento me soltar das garras dos seguranças.
— Meu filho, será que mesmo depois de assistir a tudo isso, ainda continua tão cético? Por
favor, meu amor, deixe-me cuidar da sua mulher, eu prometo que depois que a deixarmos melhor,
você poderá levá-la para o hospital, certo? — Ela olha para os seguranças e diz: — Levem-no
daqui ela precisa da nossa total concentração.
Sou levado à força para o gabinete do meu pai, Ryan e o meu pai nos seguem. Assim que
entramos, a porta é trancada por fora.
— Que merda é essa, papai? Como ousam me afastar dela?! — Avanço, e se não fosse o
Ryan, eu o teria esmurrado no rosto.
— Você quer se acalmar, Allan! — Ryan me afasta do meu pai. — Eu também quero saber o
que está acontecendo aqui. — Seu olhar segue direto para o nosso pai. — Então, o senhor vai nos
explicar o que foi tudo aquilo, e como a mamãe se levantou da cama sem nenhuma sequela, após
seis meses em coma?
Meu pai nos observa atentamente, joga os braços ao longo do corpo e respira fundo. Acena
para mim com a cabeça e sorri, morno.
— Allan, você lembra da história que o seu avô, Loah, contava sobre a menina iluminada?
— Sim, ele contava para mim e para o Ryan. Você lembra, irmão?
— Não, eu era um pirralho, Allan. Só queria brincar na cachoeira, nem prestava atenção nas
histórias do vô Loah. Mas o que isso tem a ver com a Jasmine?
Boa pergunta, eu também quero saber, senhor Máximus.
Fito-o seriamente, esperando sua resposta.
— Há séculos, houve entre o nosso povo um clã de feiticeiras brancas. Elas tinham o dom de
curar com as mãos, e viviam na aldeia de Petra. O filho do nosso ancestral, Rurick o Yke, ficou
muito doente. Como o poder do bruxo do reino não conseguiu curá-lo, o rei Rurick mandou buscar
a bruxa branca de nome Tessa. Ela conseguiu curar o primogênito do rei, mas o seu dom provocou
a ira do bruxo Gaar, e com isso a sua morte.
Depois de uma pausa, Máximus continua:
— No entanto, antes de morrer, Tessa pediu a um dos guardas que entregasse o presente que
o rei Rurick havia lhe dado: um colar com uma pedra lilás em forma de gota, e esse colar seria
entregue à próxima bruxa branca, e assim que a menina iluminada nascesse, seria criada uma
aliança entre o povo de Petra e o nosso clã. A menina iluminada seria prometida ao primogênito
do atual rei. Essa aliança foi um segredo guardado só entre os reis das duas aldeias e os anciões.
— Passaram-se os tempos, e há alguns anos, Vennicnii inteira sentiu o cheiro de jasmim no
solstício de verão. Era noite de lua cheia, e quando soubemos que os planetas estavam alinhados,
tivemos a certeza de que a menina havia nascido. Meses depois, recebi um comunicado, avisando-
me que a menina de fato nasceu. Pediram para que fosse até a aldeia e levasse o meu
primogênito, pois só saberíamos o nome dela quando ela fosse apresentada ao seu futuro noivo. Eu
fui juntamente com os anciões, mas não o levei, na época, você estava muito doente, foi acometido
por uma febre repentina.
— Quando chegamos à aldeia, ela havia sido massacrada, estava completamente destruída
pelo fogo, não havia sobrado ninguém, e assim a vingança dos descendentes de Gaar foi
cumprida. Ainda tentei provar que foram eles, mas não havia provas suficientes para incriminá-los,
pois a aldeia foi construída entre duas florestas e era época de seca, sendo normais incêndios na
região, sem contar que o povo de Petra plantava muitas ervas, e entre elas havia algumas que, se
as pessoas inalassem a fumaça, dormiam profundamente, e foi essa a explicação do boletim de
ocorrência.
— Com a morte da sua noiva prometida, fez-se necessário encontrar outra noiva para você,
pois é a nossa tradição. Após muito estudo, encontramos a Muriel.
Fico sem conseguir respirar por um bom tempo, só volto à realidade quando o Ryan me
sacode fortemente pelos ombros.
— Allan... Allan... — Estou atônito, — Pai, ele está pálido. Allan! Irmão!
Meu pai me dá uma bofetada, só assim consigo encará-los.
— Por que o senhor nunca me contou sobre isso? — Consigo finalmente articular algumas
palavras.
— Porque a sua história não ia mudar em nada. A noiva prometida havia morrido, a menina
iluminada deixou de existir. Tínhamos que seguir em frente.
— E agora, pai? A Muriel, o que faremos com ela, já que a prometida do Allan voltou, como a
Muriel ficará nessa história? — Meu irmão interpela, nervoso.
Ryan tem razão, porém, eu não posso pensar em ninguém nesse momento, só quero saber o
que está acontecendo com a Jasmine.
— Eu tenho a solução, mas só falo depois que eu souber o que aconteceu com a Jasmine. Por
que eles estão demorando tanto?
— Se acalme, Allan, quando eles terminarem, abrirão esta porta. — Aponta para a porta em
minhas costas. — Qual é a solução que você tem, porque eu só tenho uma: desmanchar esse
noivado contando toda a verdade.
Levanto-me e olho para a porta. Passo a mão nervosamente pelos cabelos e, sem desviar os
meus olhos de lá, articulo:
— De qualquer forma, eu não ia me casar com a Muriel, tampouco assumir o seu lugar no clã,
e o senhor sabe disso, só não quer aceitar — encaro o Ryan — Se o senhor não sabe, deve
desconfiar que o Ryan e a Muriel estão apaixonados...
— Allan, pare. — Ryan vem ao meu encontro, com os olhos suplicantes.
— Pare você, Ryan! Não negue o seu amor, isso não é uma atitude de um futuro rei. Você a
ama e ela a você, é justo os dois ficarem juntos — Meu pai já está sentado em sua cadeira, atrás
da grande mesa de madeira de mogno. Ele nos fita com uma expressão pensativa. Vou até a mesa
e fico de frente a ele. Nos entreolhamos — Como também chegou a hora de o senhor admitir que
o Ryan será um rei muito melhor do que eu, pois ele ama essa cidade e trabalha ao seu lado
desde que voltou da faculdade. É ele o seu substituto, ou o Ben, pois a Hannah não pode assumir o
seu lugar. Só não serei eu.
Ele se levanta, já se preparando para argumentar, quando a porta é aberta.
Mamãe entra, e junto com ela os anciões. A passos largos, eu avanço até ela.
— Como a Jasmine está, ela acordou?
Mamãe me abraça, beija meu rosto, depois abre um lindo sorriso. Quase caio de joelhos. Meu
pai e o Ryan também se aproximam.
— Ela está bem. Um pouco cansada, mas está bem, e não para de perguntar por você. — Já
estou dando o primeiro passo em direção a porta, quando mamãe me segura pelo braço. — Só
um minuto, filho, o senhor Othon quer conversar com você.
Othon é um conselheiro do meu pai, ele é tido como um homem de profundo conhecimento, os
seus ancestrais foram homens que sabiam tudo sobre a medicina natural. Mamãe se afasta, vai
para o lado de papai e de Ryan.
— Meu príncipe, a sua noiva ficará bem, desde que ela nunca mais use os poderes curativos.
Infelizmente, ela não sabe que tem esse dom e isso indica que ela não foi iniciada. Se não fossem
as nossas ervas sagradas, ela não estaria acordada, dormiria para sempre. Toda criança
curandeira precisa ter sua iniciação quando completa dez anos, assim ela pode ter o conhecimento
de separar a energia boa da energia ruim, pois a cura é a mistura de partículas dos dois seres, o
doente e o curandeiro. Se o curandeiro não souber como agir, há uma fusão de partículas e o
doador da energia acaba guardando para si toda energia doente do paciente. Você entendeu? A
Jasmine não foi iniciada, ela poderia ser até a fase da adolescência, no entanto, agora não pode
mais, principalmente no estado em que ela se encontra.
Olho para ele espantado.
— Que estado? Vocês não acabaram de dizer que ela está bem?
Fico confuso, e o medo domina o meu espírito. Minha mãe percebe meu nervosismo e vem até
mim, circulando os braços em volta dos meus ombros, abraçando-me.
— Se acalme, filho, a notícia é boa. Ela ainda não está sentindo os sintomas, pois ainda é
muito cedo, mas eu sei e o Othon também sabe.
— Sabe o que, mamãe? Pare de suspense. — Se ela soubesse que estou a ponto de
enlouquecer, pararia com esses arrodeios.
— Sua mulher está grávida, filho. Você será pai, nós seremos avós — ela aponta para ela e
o meu pai — E o seu irmão e irmã serão tios. Não é uma notícia maravilhosa? Mas ela não sabe...
ainda.
Não a espero terminar; corro ao encontro de Jasmine. Eu a levarei para o hospital agora, e
lá fará todos os exames necessários, inclusive o teste de gravidez.
Capítulo 30
Abro os olhos e pisco para uma confusão de rostos estranhos, que me observam com
extrema preocupação. Dois senhores sorridentes estão ao lado da cama.
Cama! Estou em uma cama, como assim? Quando isso aconteceu e por quê?
Tento me sentar, mas logo percebo que não é uma boa ideia ao sentir o quarto girar. Levo as
mãos imediatamente à cabeça e deito-me novamente. Lembro-me do Brasil e do meu querido
amigo Manolo. Todas as vezes que me sentia assim, lá estava ele ao meu lado com um copo de
uma água verde com um gosto horrível, mas assim que a bebia me sentia bem outra vez.
Será que adormeci e saí andando? Não, não pode ser, lembro-me de estar ao lado do Allan, ele
estava conversando com a mãe dele... ela estava deitada nesta cama, toda envolvida em fios...
Confusa com os meus pensamentos, tento me levantar outra vez, mas a vertigem volta com
mais aspereza do que antes. Um braço circula os meus ombros.
— Hei, não precisa se apressar, meu anjo. — A voz calma e reconfortante é estranha para os
meus ouvidos, então giro o rosto em direção a ela. — Oi, sou a Rhanya, mãe de Allan — ela sorri
enquanto segura uma das minhas mãos. — Sente mais alguma coisa, além da tontura?
Agora fodeu tudo! Encaro a mulher com assombro, pois a última vez que a vi, ela estava
deitada em uma cama, com o corpo coberto de fios. Minha testa franze e aperto os olhos, tento
colocar meu ambiente em foco.
Allan, onde ele está?
— Cadê o Allan? Quem são esses homens? O que aconteceu? — Sou recolocada de volta nos
travesseiros. Avalio a senhora de rosto bonito e sorriso singelo.
— Se acalme, Allan está lá fora, ele já vem vê-la. — Rhanya senta-se ao meu lado, sua mão
continua presa à minha. — Esses senhores são Othon e Lupércio, eles são amigos, não precisa ter
medo deles. Você se sentiu mal e desmaiou, Allan ficou muito nervoso, por isso tivemos que retirá-lo
do quarto, ele só atrapalhava.
— A senhora pode chamá-lo? Eu preciso dele ao meu lado, por favor, vá buscá-lo, ou eu
mesma vou atrás dele. — Sem me importar com o meu mal súbito, sento rapidamente na cama,
meus pés prontos para tocar o chão.
Os dois senhores veem rapidamente ao meu encontro, e quando percebo que vão me tocar,
me encolho no corpo de Rhanya e escondo o rosto em seu peito. Os homens rapidamente recuam. A
mãe de Allan me abraça, e sinto uma paz naquele abraço. Posso confiar nela, eu sei que posso.
— Está bem, nós vamos buscá-lo, mas só se prometer que ficará deitadinha e quietinha aqui,
certo?
Faria qualquer negócio para me livrar daqueles olhares curiosos e avaliadores. Nunca gostei
que me observassem, fujo de olhares iguais aos que eles estão me atirando.
Assinto com a cabeça.
Rhanya beija o alto da minha cabeça, sorri para mim, depois sai do quarto acompanhada dos
dois senhores.
No entanto, não fico sozinha, assim que ela, sai uma moça de cabelos castanhos e olhos
acinzentados entra no quarto. Ela se parece com a Rhanya. Tem mais ou menos a minha altura, é
magra e tem um sorriso meigo.
— Olá, como está se sentindo? Meu nome é Hannah, sou a irmã do Allan.
A moça para a alguns centímetros depois da porta. Seus lindos olhos sorriem para mim. Ela é
bastante tímida, posso dizer que ganha de mim nessa modalidade. Devolvo um riso morno para
ela.
— Estou só um pouco enjoada e minha cabeça está um pouco zonza, também sinto um gosto
amargo na boca, mas é só isso. — Respondo, enquanto afasto meus cabelos para atrás da orelha.
Ela pega uma cadeira e traz para perto da cama, sentando-se nela. Não sei o que falar, e
acho que ela também não tem muito a dizer. O silêncio fica em torno de nós.
— Allan é um homem de sorte, você é muito bonita.
Ela tenta quebrar o gelo, puxando assunto.
— Sou mais bonita do que a outra noiva? — Ela ruboriza e limpa a garganta para disfarçar
o ofego de surpresa pela minha pergunta.
— Muriel é muito bonita, mas para o Allan, ela nunca foi a noiva dele. Desde que o papai
oficializou o noivado, o Allan nega esse compromisso, e esse foi o motivo do meu irmão ter ido
embora da nossa cidade. Mesmo que você não existisse, esse casamento não aconteceria, portanto,
a Muriel não é uma ameaça, ela sabe que Allan não pretendia se casar, não se preocupe.
Eu podia dormir sem essa resposta, devia ter ficado calada.
— Desculpe-me, não quis parecer ciumenta e insegura, releve minha pergunta. Até pouco
tempo atrás, eu não sabia nada sobre a vida de Allan, e de repente, descubro que ele é noivo e
um príncipe. Até agora não me acostumei a tanta informação.
— Não precisa se desculpar, eu imagino como sua cabeça deve estar, mas eu lhe asseguro
que o meu irmão a ama, e muito.
Assim que Hannah se cala, a porta é aberta e um Allan com uma fisionomia muito preocupada
entra no quarto. Ele nem fala com a irmã, ela precisa se levantar para dar espaço para ele
passar e sentar perto de mim.
Sua boca cola na minha, em um beijo terno. Suas duas mãos moldam os lados do meu rosto e
seu polegar acaricia as minhas bochechas enquanto me beija. Ficamos assim, nossas bocas coladas
uma na outra, por alguns segundos, até que percebemos que existe um universo além de nós.
Seu olhar percorre todo meu rosto.
— Como você está se sentindo? — Ele me pergunta.
Sua boca se separa da minha só um pouco, sinto sua respiração sibilante em minha face.
— Só me sinto enjoada e com dor de cabeça. — Sua testa encosta na minha, e ele sorri —
Allan, como sua mãe melhorou tão rapidamente? E por que eu não lembro de nada? — Murmuro.
O meu olhar segue por cima do ombro de Allan, de onde eu posso ver os demais, que nos
observam com olhares perspicazes.
Allan fica sério, seu olhar encontra o da sua mãe, e ela sorri para ele.
— Não sei, meu amor, é por isso que vou levar as duas para o hospital, preciso examiná-las.
Consegue andar? Preciso levá-la o quanto antes.
Fito a mãe dele, e ela sorri outra vez, parecendo preocupada. Mexo-me e tento me sentar
novamente. Allan me ajuda, coloca a mão em minha cintura, assegurando-se que me manterei de
pé sem dobrar os joelhos.
— Os carros estão prontos — Senhor Máximus entra no quarto e me olha, preocupado —
Como se sente, minha querida? — Pergunta-me — Precisa de ajuda, Allan? — Aproxima-se de
Allan, mas antes mesmo de sua tentativa de me tocar, Allan o impede.
— Não, pai. Ela é minha responsabilidade, eu posso fazer isso sozinho. Leve a mamãe.
Máximus vira rapidamente em direção à sua esposa e a segura pela mão.
— Vamos, querida, nosso filho nos seguirá, nos encontraremos com eles no hospital.
— Ryan vai conosco? — Rhanya pergunta para o marido.
— Não, ele vai conversar com Muriel, acho melhor assim. — Máximus responde. Ele olha para
Allan, depois para mim. — O Ryan quer ter a certeza de que a Muriel realmente o ama, ele não
quer que ela o aceite apenas por imposição dos pais e minha.
Eu sei o que isso significa. O final do noivado de Allan e o início do compromisso entre Ryan e
Muriel. É um pouco louco tudo isso, embora eu saiba que nunca houve nada entre Allan e a Muriel,
mas é estranho essa troca de noivo.
— Meu irmão está agindo com o coração, pelo menos ele conseguiu aprender algo com essa
loucura toda. — Allan me ergue nos braços. Tento ir contra a sua atitude, mas ele me manda ficar
quieta. — Você não está bem, e quem manda aqui sou eu.
Chegamos ao hospital algumas horas depois. Allan deixa os pais e a irmã no segundo andar
e vamos para o andar superior.
Já estamos a caminho do laboratório, quando somos abordados por uma mulher.
— Doutor Allan! — Paramos — Não lembra de mim? Myrla, a irmã do Lucca, o seu paciente
da oncologia. — Allan abre um sorriso e a abraça.
— Myrla, há quanto tempo! Agora eu me lembro — Saímos do corredor e paramos na
antessala — Como está o Lucca?
A moça muda as feições, seu rosto entristece e lágrimas inundam os seus olhos. Assim que seus
cílios, abaixam elas descem por seu rosto.
— Ele... ele está em seus últimos dias. O médico disse que ele só tem, no máximo, até amanhã.
— Oh, sinto tanto, Myrla. Mas por um lado é até bom, pois ele vai parar de sofrer. Os últimos
meses são os piores, mesmo com todas as medicações, as dores são terríveis. Eu avalio como está
sendo difícil para você, presenciar o sofrimento do seu irmão.
Eu não tenho ideia do que o Allan está falando, mas ao escutar a palavra dor e sofrimento,
um leque de barulhos inunda os meus ouvidos. Foi como se ele tivesse dito a palavra mágica.
Começo a escutar múrmuros, gemidos, pedidos de socorros, gritos. Meu corpo inteiro se arrepia,
sinto uma vertigem, e para não cair, seguro no braço da moça.
Ao tocá-la sinto a sua dor, o seu desespero. Através do toque, eu vejo um homem deitado em
uma cama, com um tubo na boca, fios por todo o seu corpo. Ele não está morto, mas está a um fio
de ir embora. Ajude-me... Escuto a sua súplica.
— Você está bem? — A moça me fita, preocupada.
— Amor, o que está sentindo? — Allan me puxa para perto dele, minha mão se afasta do
braço da moça, e imediatamente o mal-estar passa.
— Não foi nada, deve ser o cheiro de hospital, não gosto desse cheiro, lembra-me a morte.
Já estou melhor.
Ajude-me, por favor, não me deixe morrer.
A súplica fica mais sonora.
— Acho melhor irmos fazer os seus exames. — Allan me olha com preocupação, segurando-
me com cuidado, circulando o braço em torno da minha cintura. — Venha, vamos — Ele ergue a
cabeça em direção à moça. —Myrla, desculpe-me, mas eu preciso levá-la para fazer alguns
exames.
— Tudo bem, doutor Allan. Não vou tomar o seu tempo, mas se o senhor depois puder ir se
despedir de Lucca, ficarei agradecida. Ele gostava muito do senhor, eu sei que ele não reconhece
ninguém, mas tenho certeza que ele nos escuta.
— Vou sim, Myrla, antes de ir embora eu passo no quarto.
— É o quarto 305. Todos os familiares já vieram se despedir, parece que ele só estava
esperando o senhor.
Allan aperta a mão dela, despedindo-se. Rezo para que ela não me toque, pois não gostei do
que eu senti com o seu toque, aquela sensação foi muito angustiante. Ela não me toca, só acena e
vai embora.
Assim que chegamos à sala de coleta, o turbilhão de sensações esquisitas desaparece, meu
coração volta ao normal. O próprio Allan colhe o meu sangue.
— Pronto, não precisamos esperar o resultado, pedi a enfermeira que assim que sair, ela me
passe por e-mail. — Ele beija o local onde recebi a furada. — Pronta para ir para casa? —
Assinto com a cabeça, depois o beijo levemente nos lábios.
— Você se importa se eu passar rapidamente no quarto de Lucca? Prometo que será rápido.
Claro que não me importo, acho bonita a preocupação de Allan com os seus pacientes.
Vamos em direção ao quarto 305 e entramos.
O quarto está frio e sombrio. Não conheço o cheiro da morte, mas posso jurar que o cheiro
que estou sentindo é igualzinho.
— Fique aqui, só vou conversar com ele por alguns segundos. — Allan me deixa afastada da
cama e vai ao encontro do paciente.
O homem está cercado por fios e respira por meio de um tubo, que faz um barulho
angustiante, e o som de um aparelho que mede as batidas do seu coração me assusta. Começo a
me sentir enjoada e zonza.
Allan inclina o corpo até a orelha do homem e fala algo que eu não consigo entender, então
eu sinto tudo rodar.
— Allan... Allan — murmuro, tentando me manter de pé.
Allan vira o rosto em minha direção e corre ao meu encontro. Ele me senta em uma poltrona.
— Fique aqui, vou pegar uma toalha umedecida. — Ele vai até o banheiro.
Respiro fundo e solto o ar lentamente, e uma força toma conta do meu corpo. Sinto-me quente,
não sei explicar, mas é como se eu não tivesse domínio sobre o meu próprio corpo.
Levanto-me e vou de encontro ao homem que está quase morto na cama. Ali há pouca vida,
só tristeza.
Entendo a mão sobre o corpo dele, e uma luz na cor azul se acende nas palmas das minhas
mãos. O ar se torna leve e aromático, meu corpo fica leve, sinto-me flutuar. Fecho os meus olhos,
aos poucos vou bloqueando tudo ao meu redor. Os ruídos vão sumindo, sinto-me ir me isolando de
tudo. Ainda consigo escutar a voz de Allan me chamando, mas eu não consigo voltar. Algo me puxa
para longe e não sinto mais nada, só uma imensa paz em torno de mim.
Ao sair do banheiro com uma toalha úmida nas mãos, levo o maior susto da minha vida.
Jasmine está com as mãos sobre o corpo de Lucca.
— Jasmine, não! Jasmine!
Tarde demais. O quarto é tomado pelo cheiro de jasmim, uma luz azul ilumina tudo, e
rapidamente o calor chega até mim. As lágrimas de desespero banham o meu rosto, pois agora eu
sei o que vai acontecer com a Jasmine, os anciões foram bastante categóricos.
Ela não pode usar os poderes curativos, se isto acontecer ela não voltará mais.
Desesperado, continuo gritando:
— Jasmine, afaste-se dele!
Ela não escuta. E as luzes que são azuis se transformam em lilás, o corpo de Lucca começa a
se mexer, e ele solta gemidos de dor.
A porta do quarto é aberta e uma enfermeira entra às pressas, ela provavelmente escutou os
meus gritos.
— Meu Deus! O que está acontecendo aqui, doutor Allan? Que cheiro de perfume é esse? O
que essa moça está fazendo? Precisamos impedi-la!
Ela tenta ir até Jasmine, mas eu a impeço.
— Não. — Puxo-a pelo pulso. — Não pode tocar neles, agora é tarde demais. A culpa é
minha, eu não devia tê-la trazido aqui. Eu esqueci completamente quem ela é.
— Doutor Allan, temos que parar isso, eles estão sofrendo, precisamos parar isso!
Ela tenta se livrar do meu aperto, mas eu sou mais forte, e sei que não posso deixá-la chegar
perto de Jasmine.
Aos poucos, os gritos e os sacolejos vão diminuindo, e a luz lilás vai enfraquecendo, até que se
apaga completamente das mãos de Jasmine. Então, eu sei o que vai acontecer, e antes que ela
despenque no chão, corro e a seguro em meus braços.
Jasmine está pálida, fria, quase sem vida.
Meu grito ecoa, chamando o nome dela.
— Jasmine, por favor, não faz isso comigo. Acorde, meu amor, acorde.
Ela não se mexe. Minhas lágrimas molham o seu rosto.
— Doutor Allan, o que o senhor faz aqui, quem é esta moça?
Ergo meu rosto em direção à cama. O Lucca está sentado nela, confuso e assustado.
Rapidamente ele se levanta, e a enfermeira que já ia em sua direção fica atônita, completamente
estagnada. Lucca olha para ela e diz:
— Enfermeira, mexa-se. Não está vendo que o médico está precisando da sua ajuda? Mas
que merda, mulher, faça alguma coisa!
No entanto, ela não sai do lugar. Lucca sai à procura de ajuda.
Não espero por ninguém. Eu me levando com a Jasmine nos braços e vou direto para a
Unidade de Tratamento Intensivo, pois eu sei que só lá eu encontrarei alguma ajuda para minha
Jasmine.
Lucca se encontra comigo no corredor, outro médico vem com ele.
— O que aconteceu, Allan? — Doutor Vermont pergunta.
— Se eu explicar agora você não vai acreditar, então vamos deixar para outra hora, por
enquanto só quero salvar a minha noiva. Ela está com os batimentos cardíacos baixo, e a sua
oxigenação está pior ainda, portando, meu amigo, eu preciso de toda ajuda possível.
Outros dois médicos conseguem segurar Lucca e ficam boquiabertos com a força do homem.
Eu não sei há quanto tempo ele estava preso nos aparelhos, só sei que ele lutava contra um câncer
há mais de cinco anos, pois só eu fiz três cirurgias nele, e estou fora da Irlanda há quase dois anos.
Os médicos vão querer estudá-lo, só espero que a enfermeira fique de boca fechada.
Jasmine é colocada no oxigênio. Não permitem que eu fique no quarto, porém não tiro a
razão dos meus colegas. Estou uma pilha de nervos, e desse jeito eu só vou atrapalhar. Vou para a
sala de espera, aproveito e ligo para o meu pai. Conto o que aconteceu, e em menos de cinco
minutos, os meus pais estão ao meu lado, e o restante da família está a caminho.
Capítulo 31
Ryan
Do outro lado daquela porta está o meu destino. Ele será iluminado ou sombrio, só depende
dela. Meu primeiro e único amor. Foi amor à primeira vista, desses que chega e nos joga de
quatro, para sempre.
Desde que pus os meus olhos nela, não os desviei para nenhuma outra mulher. Ela é minha
melhor amiga, o meu tudo. É a menina que amei e amo desde que eu soube o significado da
palavra minha.
Disseram-me que sonhos são os desejos do coração. Os meus têm um nome: Muriel, a noiva do
meu irmão – agora ex. Ela é a mulher mais linda do mundo, para mim. Seus cabelos loiros escuros,
cacheados, longos e brilhantes. E aqueles olhos azuis lindos, tão expressivos, misteriosos, pele de
porcelana, nariz pequeno, rosto arredondado, lábios bem delineados. É pequena, do jeito que eu
gosto, boa para se pôr nos braços e mantê-la presa em minha proteção. Doce, meiga e tímida. Foi
minha companheira de conversas e minha protegida até a data de hoje.
O nome dela é como um título de uma música de amor. Ela cresceu ao meu redor e esteve
presente em minha vida desde sempre. Brincávamos juntos, eu sempre fazia as suas vontades, até
se ela quisesse brincar de bonecas, eu brincava. Quando o papai anunciou o noivado entre ela e o
Allan, fiquei com ciúmes, com raiva do meu irmão, quis bater nele, encará-lo com algumas
verdades, como ele pôde nunca ter se importado com ela, nunca ter dado a mesma atenção que
eu dava.
Entretanto, fui chamado à razão. Eu sabia que Allan era o sucessor do meu pai, e como tal,
era o correto ter uma noiva quando completasse dezessete anos. Em minha cabeça, aquela história
de prometida era pura história dos nossos antepassados, e não se concretizaria. Levava o assunto
“futura noiva” na brincadeira, só que não era.
E foi então que eu percebi que a perdi. O amor da minha vida se casaria de verdade com o
meu irmão, e a minha dor maior era saber que Allan não se importava com a Muriel. Ele vivia
gritando para quem quisesse escutar que não tinha noiva. Isso me magoava, pois eu sabia que a
Muriel sofria com a indiferença dele. Engoli o meu amor e coloquei à frente dele uma amizade.
Tornei-me companheiro e protetor da minha menina.
Mulher alguma conseguiu despertar em mim sentimentos de proteção, dedicação e luxúria. Só
ela. Minha primeira masturbação foi em sua intenção. Eu tinha apenas quatorze anos; ela treze.
Quando comecei a sentir desejos por ela, ficou difícil ficar próximo. Todas as vezes que a vontade
vinha, eu tinha que sair correndo para casa e me trancar no banheiro. Era eu e os meus cinco
dedos. Porra! E tem sido assim até hoje, só que agora, eu corro para os braços das mulheres que
estão disponíveis para uma noite de prazer.
Para ser franco, estou impressionado com a minha rapidez em ocultar os meus sentimentos
desde que descobri esse amor. Na verdade, fiquei preocupado mesmo era que ela descobrisse o
que eu sentia e me odiasse. Não ligava para os outros, eu só me importava com ela.
Hoje eu só quero descobrir se Allan tem razão.
Ele afirmou que a Muriel me ama. Se é mesmo verdade, ela sabe disfarçar melhor do que eu,
pois nunca desconfiei de nada.
Sim, ela nunca me encara. Sempre olha para baixo quando estamos conversando e
permanece assim por muito tempo, se a conversa for longa. Eu sempre posso sentir a timidez dela.
Demonstrava, sim, vergonha, nervosismo, mas esse comportamento é normal. Ela é uma moça
comprometida e não pode, nem deve olhar fixamente para outro homem.
Contudo, hoje, vou tirar a prova dos nove.
Respiro fundo. Olho para a porta que está logo acima das dez escadas que lhe dão acesso.
Subo-as rapidamente.
Existe uma regra em nossas leis.
Uma mulher comprometida não pode ficar sozinha com outro homem sem a autorização dos pais
da noiva ou do noivo.
Por isso, pedi autorização ao meu pai e aos pais de Muriel antes de vir para cá. Ela está
sozinha em casa, seus pais só retornarão quando eu os avisar que já terminei a conversa.
Respiro profundamente outra vez e bato na porta. Demora alguns minutos para que ela se
abra. E a linda figura feminina de Muriel surge diante dos meus olhos.
— Ryan — Ela segura a porta com a mão, enquanto estica o pescoço para fora e olha os
arredores. — O que foi, algum problema com sua mãe?
Muriel se assustou com a minha presença, ela sempre fica assustada comigo.
— Boa tarde, Muriel. Posso entrar? Preciso conversar com você.
Muriel baixa os cílios, nervosa, depois morde o lábio inferior e ensaia um sorriso. Ela sempre
faz isso quando fica muito nervosa. Eu a conheço muito bem, conheço sua linguagem corporal.
— Eu não posso deixá-lo entrar, meus pais não estão em casa.
— Eu sei, tenho permissão para estar aqui. — Não espero sua autorização para entrar,
empurro a porta e passo por ela.
Ela fecha a porta atrás de si, no entanto, não sai do lugar. Para disfarçar o nervosismo, suas
mãos cruzam na frente da saia do vestido e começa a apertar o tecido entre os dedos.
Há um longo silêncio, durante o qual ela se recusa a fitar-me, embora ela saiba que eu estou
a observá-la.
— Podemos subir para o seu quarto? O que eu tenho a dizer requer privacidade absoluta, e
aqui não a teremos, os empregados são escutadores ferozes.
Muriel me encara rapidamente. Sua respiração, que está tranquila até agora, torna-se
rápida.
— O que tem a me dizer é sobre a moça loira que o Allan trouxe, no início da tarde? Eu sei
que ela está em sua casa... é isso?
Tento não a assustar, mas me aproximo um pouco. Minha vontade é tomá-la em meus braços e
beijar sua boca sem nenhum controle.
— O que tenho a dizer vai mudar os nossos destinos, só depende de você.
Ela me fita com olhos curiosos, mas permanece exatamente no mesmo lugar.
— A moça é amante dele, não é? Ele veio afrontar o senhor Máximus. O Allan não quer se
casar comigo, eu sei disso, sempre soube.
A raiva me toma o juízo, e sem lhe dar qualquer chance de recusar meu toque, pego-a pela
mão e a puxo escada acima.
— Qual desses é o seu quarto? — Ergo uma das sobrancelhas e pergunto.
Surpresa, ela aponta para a segunda porta do meu lado esquerdo.
Observo o quarto com paredes pintadas na cor marfim. Uma cama alta e ampla, coberta por
um edredom grosso na cor verde musgo, várias almofadas em tons de vinho, chocolate, marrom e
vermelho, colocadas com cuidado por cima de quatro travesseiros com fronhas brancas,
divinamente bordadas. Há também uma poltrona de dois lugares, perto de uma mesa com um
notebook aberto em cima dela. O quarto é bem confortável, mas não se parece com ela. Imaginei
algo mais delicado para uma moça tão tímida e meiga.
— Posso me sentar aqui? — Aponto para a cama. Ela encolhe os ombros. Sento-me e a puxo
para se sentar ao meu lado.
Muriel me olha com curiosidade. Nesse momento, desejo possuir o dom da adivinhação, daria
o meu dedo mindinho para saber o que se passa na cabecinha dela.
Bem, minha linda menina, a deixarei mais curiosa. Ficarei mudo até que me pergunte o que está
havendo.
Continuo calado.
— Você quer conversar sobre o Allan e a moça loira? — Muriel mantém a cabeça e a voz
baixas.
— A moça loira se chama Jasmine. — Fito-a, contudo ela continua com os cílios abaixados. —
Está com ciúmes? — Seu olhar desconcertado encontra o meu. Ela gira os olhos ligeiramente, depois
os desvia dos meus. — Posso fazer uma pergunta?
Ela passa as mãos nas coxas, os dedos começam a amassar o tecido da saia. Eu sei que ela
não está acostumada a perguntas, pois geralmente conversamos sobre filmes ou sobre o nosso dia
a dia.
— Se eu puder responder, pode sim. — Contrapôs rapidamente.
— Você ama o Allan? — Ela me encara, bastante séria.
— Ryan, que pergunta descabida! O seu irmão é o meu noivo, não pode me perguntar isso.
Muriel levanta tão rápido que nem tenho tempo de impedi-la. Vai até a janela e fica
observando através dela. Uma leve rajada de vento sopra os seus cabelos, fazendo-os flutuar por
alguns segundos.
Vou até ela, seguro-a por seus ombros e a viro. Ficamos frente a frente. Meu olhar varre o
seu rosto, e a vontade de beijá-la aumenta, o desejo pulsa na frente da minha calça.
— Está bem, vou reformular a minha pergunta. Muriel, o que é o amor para você?
Muriel se afasta de mim e anda até a porta, penso até que ela sairá correndo por ela. No
entanto, ela para e dedilha os dedos na porta por alguns segundos. Sem virar o corpo, ela inquire:
— Amor na essência da palavra ou o termo amar outra pessoa?
— Amar alguém. — Respondo.
Sinto sua respiração pesada saindo dos seus pulmões, e deixa cair os braços ao longo do
corpo. Ainda de costas, ela contrapõe:
— Para mim, amar é querer estar perto da pessoa, mesmo sabendo ser impossível isso
acontecer. É gostar das coisas que nunca gostou, só porque o outro gosta. É reconhecer o cheiro do
outro, mesmo que ele não esteja no seu campo de visão. É sentir saudade da sua voz, do seu
sorriso e, acima de tudo, querer ver o outro feliz, mesmo que isso signifique ficar longe dele.
— É assim que se sente em relação ao meu irmão? É isso o que sente por ele? — Pergunto, em
tom de desafio, embora já quase saiba a resposta.
Ela se vira.
— Como assim? O que quer dizer com isso? — Muriel abre um sorriso frio. — Não sou
obrigada a lhe responder tais perguntas.
Fica parada me observando, decerto está esperando um pedido de desculpas. Segundos
depois, baixa o olhar, e percebo que suas mãos tremem. Contudo, eu a encaro e exijo o seu olhar.
— Muriel, olhe para mim. — Mesmo reticente, ela me encara. — Farei uma pergunta, e a sua
resposta pode mudar as nossas vidas radicalmente. — Faço uma pausa para observá-la melhor,
noto seu nervosismo exacerbado. — Muriel, sente-se aqui perto de mim.
Se ela continuar de pé vai terminar caindo de joelhos. Ela vem até mim e se senta na beira da
cama, segurando a barra do vestido nas mãos.
— Ryan, você está me deixando nervosa. O que quer me perguntar, é sobre o Allan e a moça
loira? É algo sobre o meu casamento ou... — sussurra, e com a mão insegura, acaricia suavemente
as mechas do cabelo. Sua mão treme perceptivelmente.
— Quieta, Muriel. — Interrompo-a — Olhe para mim e me responda: você me ama?
— Se eu o amo? — Repete, olhando-me dentro dos olhos, sem pestanejar. — Ficou louco, eu
sou a noiva do seu irmão! Seria leviano da minha parte sentir...
— Você quer se casar comigo no lugar do meu irmão? — Interrompo mais uma vez.
Durante alguns segundos, Muriel fica estupefata, me olhando. Depois levanta com ímpeto e sai
em disparada em direção à porta. Levanto-me e vou até ela, segurando-lhe pela mão, e a viro de
frente para mim. Aturdida e com as bochechas ruborizadas, tenta livrar-se da minha mão.
— Endoidou, Ryan? — Ela consegue enfim cuspir algumas palavras. — Como pode me propor
isso?
Ela tenta a todo custo se livrar do meu aperto, mas não consegue. Para de lutar e olha para
mim, confusa. Consigo levá-la de volta para a cama e nos sentamos outra vez. Pego suas mãos e
as retenho em meu próprio colo, para obrigá-la a me olhar. Estou tão nervoso quanto ela, mas
estou decidido. Muriel treme, de tal forma que até consigo sentir o seu pulso, ela mal consegue
respirar.
— Eu sei que não sou o Allan — articulo tristemente — e tenho consciência de que nunca o
serei. Ele é meu irmão, no entanto, eu sei que ele não a ama e não quer esse casamento, então vou
perguntar outra vez. Você me ama, Muriel?
Ela ergue o queixo trêmulo.
— Sim... — baixa a cabeça e começa a chorar. — Perdoe-me, Ryan, eu sei que estou sendo
uma infiel, sei que estou traindo a confiança de Allan, mas... — Ela cobre o rosto com as duas mãos
e desaba, aos prantos. — Eu o amo, amo muito, amo mais do que eu deveria amar...
Não dá mais para me manter afastado. Todo o meu maldito controle vai à lona. A puxo para
o meu corpo, meus braços enlaçam o seu, e minha boca espalha beijos por todo o seu rosto, úmido
pelas lágrimas.
— Solte-me, Ryan. Você não pode fazer isso. — Muriel grita, tentando desesperadamente
escapar dos meus braços.
— Escute-me, Muriel — afasto-me um pouco e a seguro pelos ombros, exigindo o seu olhar —
Amo você desde que a vi pela primeira vez, guardo esse amor dentro do peito há tanto tempo
que já estava me sufocando. Há algum tempo venho tomando coragem de confessar esse amor e
propor a você que fujamos, eu só queria ter um pouco de esperança que, ao menos, gostasse um
pouco de mim para aceitar tal proposta.
Muriel fica me olhando, embasbacada, a testa franzida. Seus olhos lindos varrem o meu rosto,
enquanto as lágrimas banham a sua face. Por certo, a peguei desprevenida. De repente, ela se
joga em meus braços e esconde o rosto em meu peito.
— Não sei o que dizer, tenho até medo de pensar... Nunca imaginei que me amasse, nunca...
— Que tal se você me contar sobre quando você descobriu que me amava? — Acariciei os
seus braços com minhas mãos, enquanto tento acalmar o seu coração – o dela e o meu.
Sinto uma mão acariciar minhas costas e uma respiração profunda. Ela se afasta, fita-me com
um olhar brilhante, e me oferece um lindo sorriso.
— Ryan, você vale dez vezes mais do que o seu irmão. Sempre me colocou acima de tudo,
mas você precisa entender que toda menina sonha em ser uma princesa. Quando os meus pais me
contaram que eu seria a noiva do filho primogênito do nosso rei, eu fiquei tão vaidosa... Mas eu
era só uma criança e não entendia nada disso.
Permaneço em silêncio, esperando que ela revele seus sentimentos.
— Cresci ao lado de vocês dois, e mesmo sabendo que eu fui a escolhida para casar com o
Allan, eu não sabia o significado disso, eu só estava feliz por ser uma princesa, só isso, mas quando
Allan alcançou a maioridade e o nosso noivado foi oficializado, a ficha caiu. Eu vi o olhar raivoso
de Allan, senti a rejeição dele, e ficou pior. Quando comecei a ler os romances adultos, mostrando o
que os homens fazem com as mulheres quando se casam, entendi que eu não podia fazer aquelas
coisas com um homem que não me amasse.
Depois de um suspiro trêmulo, Muriel continua:
— Então, eu perguntei à mamãe como eu faria aquelas coisas, se o Allan não me amava. Ela
respondeu que o amor viria com o tempo, mas isso não impediria que eu cumprisse o meu dever de
mulher. Imagine a bagunça na minha cabeça, pois os livros mostram que o sexo é para ser feito
por amor, e minha mãe estava me dizendo que era obrigação.
Com um sorriso meigo voltado para mim, ela fala, acelerando meu coração:
— Você... você me mostrou o amor. A frieza de Allan fez com que eu percebesse a sua
brandura, o seu carinho, a sua atenção. Eu só entendi que eu o amava quando você foi para a
faculdade, pois ficar longe de você quase me matou de saudade. Daí por diante, eu não me
importava mais com a indiferença de Allan, ao contrário; eu até gostava, pois isso significava ficar
mais perto de você, e quando o Allan voltou, a minha vida acabou, pois significava que eu teria
que me casar com ele... e me afastar definitivamente de você.
— Não vai precisar mais se afastar de mim. Eu a amo, eu a quero, sempre quis. — Digo-lhe,
enquanto seguro o seu queixo, olhando os seus olhos lindos.
Sustento o meu olhar no dela, contemplando o seu rosto lindo com tanto amor, que sou capaz
de me jogar aos seus pés e implorar-lhe que se case comigo, custe o que custar. Seu olhar umedece
e as lágrimas começam a sombrear os seus olhos. A puxo rapidamente e a abrigo entre os meus
braços. Sinto-a suspirar e engolir um soluço. Por alguns segundos, ela fica acolhida em meu abraço.
Minutos depois, se afasta e os seus olhos encontram os meus.
— Você está disposto mesmo a deixar tudo para trás por minha causa? Eu sei que você ama
essa cidade e o povo, assim como ama os seus pais.
— Sim, eu estava disposto. — Ela franze o cenho quanto digo “estava”.
— Estava? Não está mais? — Inquire, com a voz mais baixa do que antes.
— Não será preciso fugir. Lembra que eu disse que nossa conversa mudaria o nosso destino?
Pois é, vamos nos casar com o consentimento dos meus pais e dos seus. Eu só precisava ter a
certeza de que você queria o mesmo, pois se não quisesse, eu teria que convencê-la do quanto a
amo.
A confusão está escrita em seu olhar.
— E o Allan? O que aconteceu para essa mudança brusca? — Ela me pergunta, com
determinação no olhar.
— Sabe a moça loira? O Allan a trouxe hoje, para apresentá-la ao papai. Eles se
conheceram no Brasil e estão de casamento marcado, só que aconteceu algo extraordinário. —
Arqueio uma sobrancelha e a fito com expressividade. Muriel nem pisca os olhos, aguarda curiosa
a minha explicação. — Lembra da história da menina iluminada, a bruxa que nasceria com o dom
da cura entre o nosso povo e que era a prometida do filho do grande rei de Nevan?
— Claro que eu lembro, faz parte da nossa história, nossos professores contam na sala de
aula. Muitas meninas fingiam ser a tal menina, era o sonho de muitas de nós.
— Então... A Jasmine é a tal bruxa, ela curou a mamãe. Ela e o Allan estão predestinados, só
que ela não sabe, nem sobre ser a escolhida de Allan, nem sobre o dom. Nós ainda não sabemos
como ela escapou do incêndio da sua vila. Então, depois de todas as descobertas, o Allan sugeriu
ao papai o nosso noivado, e aqui estamos nós. Ele sempre soube do meu amor por você.
Olho para o seu rosto lindo, e o desejo bate forte. Quanto tempo sonhando com esse
momento, quanto tempo imaginando os seus beijos, o calor do seu corpo. Quantas vezes me vi
sozinho no quarto, deixando o meu prazer fluir entre os meus dedos, só pensando nela e
imaginando suas mãos acariciando o meu corpo, me masturbando, dando-me prazer. Por quanto
tempo eu fiz sexo oral em muitas mulheres pensando ser ela; possuí corpos, deixei minha
imaginação correr solta, fechando os meus olhos e me iludindo no desvairado calor do sexo fútil,
queimando o meu desejo em mulheres que não amava, sequer desejava. Era pura satisfação de
momento, e quando abria os meus olhos, não era ela, não era a minha Muriel.
— Muriel!
Minha voz profunda a atinge, e ela volta a olhar-me com as bochechas rubras e olhos
brilhantes. Decerto, ela tem uma vaga menção do que pretendo fazer. Posso garantir que minhas
intenções, agora, não são nada inocentes.
— Você tem um pouco de noção do quanto eu a quero, uma mínima maldita noção? —
Indago, com voz rouca.
— Não, não faço ideia. — Ela sussurra, enquanto tenta nervosamente baixar os cílios,
desviando os seus olhos dos meus.
Ela é inacreditavelmente linda, e a sua timidez deixa-me à beira do precipício. Suspiro
profundamente, e tenho certeza de que os meus olhos escurecem quando encaro um par de olhos
lindos, brilhando com o mesmo desejo que estou sentindo. Então não espero ela fugir; rodeio sua
cintura com um braço e a puxo para meu corpo. Minha boca busca a dela, e ela não se afasta,
não dá um respingo de rejeição, não fez nada que possa demonstrar que não queira o mesmo que
eu quero nesse momento: sentir o seu sabor, a maciez e o calor do seu corpo.
E seguimos assim, como o calor que derrete um gelo, enquanto o prazer ia sobrepondo-se ao
medo do desconhecido. Timidamente, Muriel levanta uma mão para roçar a pele do meu braço,
depois o meu ombro, devagar, provando-me com as pontas dos dedos, deixando-me, a cada
segundo, zonzo de desejo. Ela explora minha pele, e só se detém quando chega ao meu pescoço.
Levanto a cabeça, mas só o necessário para a olhar nos olhos.
— Eu te amo, Muriel — murmuro — A amo tanto que estou a ponto de gritar para que todos
possam escutar o furor do meu amor. Só preciso escutar de você que sente o mesmo, olhando em
meus olhos.
Sim, eu a amo com tanta força que sou capaz de ir buscar estrelas para enfeitar os seus
lindos cabelos.
Contemplo aqueles olhos, que se tornaram tão escuros como os meus. Sinto a imperiosa
necessidade de mergulhar neles. Eu sei que ela sente o mesmo por mim, pois sinto o bater do seu
coração junto ao meu peito; via o arder na escuridão de seus olhos.
Eu a amo e a desejo com tanta força, e as minhas próprias emoções reagem, lançando uma
espécie de fogo líquido por minhas veias. Só preciso da autorização dela e escutar da sua boca, o
mesmo fogo que me queima a alma. Diga, diga que me ama e me quer, minha menina.
Suplico com o olhar.
— Sim, eu o amo e o quero com toda a força da alma, Ryan. — Ela diz, com suavidade.
Escutar isso faz-me querer voltar a sentir seus lábios, o estremecimento da paixão abrasadora. —
Sou sua, Ryan, para sempre.
Não lhe dou tempo para pensar. Roubo sua boca, e ela não resiste, ao contrário, segue
deslizando as palmas das mãos por meus músculos e suspira em sinal de rendição.
Muriel me deseja, e para mim não tem afrodisíaco mais potente do que saber que sou
desejado pela mulher que mais amo no mundo.
A deito na cama e acaricio a pele firme do seu estômago, suas coxas, até atingir a barra da
sua saia. Com paciência, a dispo e, por um momento, meus olhos observam a sua nudez. A mulher
mais bela que já tive em meus braços, só que desta vez, esta é a minha mulher, unicamente minha.
Dispo-me com rapidez, mostrando-me para ela. Por um momento, minha menina fica
boquiaberta, observando o meu corpo com curiosidade, avaliando cada detalhe da estrutura da
minha masculinidade. Seu olhar segue do meu membro para cima, até alcançar o meu rosto.
Desta vez, ela não desvia os olhos dos meus, mesmo quando os meus avaliam a sua nudez.
Seus seios estão me chamando para saboreá-los. Começo a acariciá-la outra vez, e enquanto ela
se perde em meus carinhos, seu mamilo desaparece entre os meus lábios. Muriel solta um gemido
enquanto o seu corpo se arqueia em pleno prazer. Exploro seu corpo como ninguém o fez antes,
com os lábios, a língua, os dedos, satisfazendo a necessidade crescente em meu interior. Até que
ela não suporta e solta um ofego trêmulo, e um gemido sôfrego escapa da sua garganta,
acompanhado pelo gesto suplicante de suas mãos em meu pescoço. Volto a beijá-la na boca, com
uma sede que a deixa sem respiração.
— Ryan — sussurra, com desespero.
— Oi, meu amor — respondo, já sabendo qual é a sua insegurança. — Eu sei, minha menina.
Não se preocupe, você já nasceu minha, não tenha medo.
Volto a acariciá-la com mais intensidade, mais seguro em fazê-la compreender que posso
levá-la ao limite de um amor incontrolável. Então, quando sinto o seu gemido e o mover do seu
corpo inquieto junto ao meu, coloco-me entre suas coxas. Sentindo-se incapaz de renunciar o que
está sentindo, ela desliza as palmas sobre o meu peito. Aquelas sensações são deliciosas para mim,
mas ao mesmo tempo, experimento um instante de medo ao sentir a evidência do desejo
arrebatador, pela primeira vez. Hoje, eu a farei minha.
Meu membro encontra a sua entrada quente e completamente molhada. A penetro com
suavidade. Ela é apertada, sinto um pouco de dificuldade. Forço um pouco mais. Estamos
ofegantes, suados e trêmulos, eu... porra! Estou com medo do caralho de machucá-la, mesmo assim,
continuo forçando a sua entrada com delicadeza. Meu membro ultrapassa o seu limite, e entro em
um arroubo delirante ao sentir sua vagina apertar-me. Muriel se agarra em meus ombros, fincando
as unhas em meus músculos. Ela se prende ao meu corpo, soltando um grito abafado.
— Minha! — O homem possessivo vem à tona, quando me sinto dentro do seu corpo.
— Por Deus, Ryan, isso não é nada parecido com os livros... dói... muito... — Com os olhos
fechados, Muriel admite.
— Eu imagino. Fique calma, já vai passar. Abra os olhos, meu amor.
Ela os abre, e encontro neles uma expressão de profundo deslumbramento. Não me contenho,
solto um grunhindo desesperado. Movo-me devagar, com total cuidado, tentando manter o meu
controle, o meu desejo, pois sei que, se eu for mais rápido, vou assustá-la.
— Ryan — sussurra —, eu o quero, faça-me completamente sua. — Sorrio para ela e começo
a me mover com mais rapidez. Ela me fita com tanta ternura, que os meus olhos se enchem de
lágrimas.
— Meu amor, minha princesa... — murmuro — Agora, definitivamente, você me pertence.
A beijo e a penetro completamente. Ainda sinto o seu corpo se contrair, mas só por pouco
tempo, logo ela se acostuma ao meu tamanho, e o calor abrasador do prazer vem depois, com
força abrupta. Beijo sua boca com ousadia e força, e ela se deixa levar pelo meu amor, abrindo
as coxas, deixando-me sentir todo o seu poder. Suas pernas rodeiam a minha cintura, puxando-me
para mais perto.
Nossos corpos unidos, bocas e mentes, o ritmo selvagem. Jamais imaginaria que seria tão bom
fazer amor com a minha menina. Ela é tudo que eu preciso para toda a minha vida. Seus gemidos
tímidos, suas mãos em meu corpo, seu rebolado inocente, me excitam de uma forma que nenhuma
mulher, mesmo a mais experiente, pôde fazer comigo. Então, não posso controlar o meu desejo, e
me movo com mais rapidez, grunhindo em sua boca. Até que, de repente, uma violenta
chacoalhada atinge o seu corpo em um prazer delirante. Ela me fita com fogo no olhar, e a mulher
que está escondida dentro dela floresce.
— Rápido, com mais força, Ryan, preciso de você com mais força...
Meto com mais força. Só escutamos os nossos gemidos e o bater dos nossos corpos
freneticamente, e o prazer convulsiona os nossos corpos, fazendo-nos soltar um grito de êxtase.
Ficamos assim por alguns minutos, numa confusão de pernas e braços, banhados de suor, até
que resolvo quebrar o silêncio.
— Isso foi bom “pra caralho”...! Fazer amor com você é a sétima maravilha do mundo. Minha
princesa, não sei se conseguirei esperar até o nosso casamento para tê-la outra vez, está me
escutando? — Viro o corpo, fitando-a, ela está de olhos fechados — Muriel, você está bem? A
machuquei? Meu amor, fale comigo!
— Calma, estou recuperando o fôlego. — Ela abre os olhos e me encara, sorrindo. — Trate
de arrumar um jeito para ficarmos juntos, pois eu também não vou aguentar esperar até o nosso
casamento.
Puxo-a para cima do meu corpo. Já estou com a boca em seu mamilo, quando escuto o toque
do meu celular. Minha boca solta o seu seio e minha mão se afasta da sua bunda. Já estou pronto
para o segundo tempo, mas preciso ver quem me liga.
— Eu preciso atender, ou já sabe o que pode acontecer, seus pais veem atrás de nós dois.
Coloco-a sobre o travesseiro. Levanto-me e vou à procura do celular.
— Sim... oi, pai... sim, ainda estou conversando com a Muriel... O quê! Em coma? — Começo a
me vestir, jogo as roupas da Muriel na cama, e ela entende o gesto desesperado das minhas mãos,
e começa a se vestir também. — Ok, não se preocupe, vou levar os anciões comigo, não se
preocupe. E a mamãe, ela está bem? E o Allan...? Eu imagino, pai... ok... Já estou a caminho.
Desligo o celular. Ajeito minha camisa por dentro da calça, calço os sapatos e puxo a Muriel
pela mão.
— O que houve? O que aconteceu? Quem está em coma? É sua mãe? — Ela pergunta,
curiosa, enquanto descemos as escadas.
— A Jasmine, ela entrou em coma. — Respondo seus questionamentos enquanto ligo para os
pais dela. Eles atendem — Senhor Gohan, já terminei minha conversa com a Muriel, podem vir. —
Desligo o celular e a puxo para mais um beijo enquanto os espero. Dois minutos depois, eles entram
na sala.
— Senhor Gohan, o senhor já sabe por que eu vim conversar particularmente com a Muriel. Eu
pedi ao meu pai para fazer isso antes de oficializar o nosso noivado, eu só queria ter a certeza
que ela me ama, tanto quanto eu a amo. Sendo assim, a partir de hoje, Muriel é minha noiva e
quero me casar com ela o mais rápido possível. Só precisamos esperar um pouco, pois acabo de
ficar sabendo que a Jasmine entrou em coma. Eu sei que meu pai explicou a situação para o
senhor, e o senhor sabe quem é a Jasmine.
— Sabemos, sim — Ele olha para a esposa, a senhora Andrya, e ela confirma o que o marido
diz. — Nosso rei, Máximus, me pôs a parte de tudo por telefone, já sabemos sobre a menina
iluminada, a bruxa branca. Inclusive, já sabemos o que aconteceu no hospital, seu pai pediu para
que eu juntasse os anciões. Eles estão lá fora, o esperando.
— Obrigada, Gohan. Peço desculpa por sair daqui tão apressado, mas antes de ir, quero
afirmar que seguirei à risca o meu noivado com Muriel. Assim que puder virei vê-la, para que
possamos sair para passear, e não aceitarei vigias. Eu sou o futuro rei do clã, não admitirei
desconfianças em relação à minha hombridade.
Meu futuro sogro encara a esposa por alguns segundos, em seguida me fita, baixando o
olhar imediatamente.
— Jamais, meu príncipe, desconfiarei da sua honradez, eu confio na sua palavra. Pode vir ver
e sair com a Muriel quando o senhor quiser.
Viro-me para Muriel.
— Venha comigo até o carro. — Nem espero que ela concorde, pego sua mão e a puxo. Os
pais dela nada dizem.
Saímos de mãos dadas, sendo observados pelos olhos curiosos dos empregados da
propriedade. Eles ainda não sabem sobre o meu noivado com Muriel. Eu também não me importo
com isso, logo todos saberão da novidade.
Os anciões já me aguardam próximo ao carro. Mando-os entrar.
— Fique mais linda do que já é, assim que eu voltar do hospital vou vê-la. Já estou morrendo
de saudades de você, e muito excitado, tão excitado que estou de pau duro só de pensar nas
coisas que farei com você quando puser minhas mãos em seu corpo.
Puxo-a para o meu corpo e roubo sua boca, com um beijo devorador. Assim que o meu rosto
se afasta, percebo os olhares em nossa direção e o rosto ruborizado da minha linda noiva.
— Você é minha, não ligo para os olhares curiosos. Acostume-se aos meus beijos famintos, pois
a cada dia eles se tornarão mais famintos.
Beijei-a outra vez. Chamo um dos seguranças.
— Leve-a até em casa. — Ordeno. Espero-a ir e desparecer totalmente da minha visão, só
então entro no carro.
Capítulo 32
— Allan.
A voz calma da minha mãe acaba com o meu pânico. Olho para cima assim que escuto o meu
nome, levanto-me e corro para os seus braços. Eles me apertam, transmitindo-me paz e aconchego.
— Filho, tenha fé, as coisas não são tão ruins quanto parecem. Às vezes, precisamos de um
susto para nos preparar para algo que talvez seja um pouco pior.
Fito-a confuso. O que ela quer dizer com isso?
— Mãe, o que pode ser pior do que ver a minha mulher em coma? Diga-me? Quer me deixar
mais apavorado do que já estou?
— Não, Allan. O que a sua mãe quer dizer, é que a vida é feita de circunstâncias, e o que
parece ruim não é. Somos postos à prova todos os dias, por isso temos momentos bons e ruins.
Como podemos saber o que é bom, se não conhecermos o ruim? Entendeu? — Meu pai, e suas
explicações.
Eles não podiam ter dito só o final da frase?
— Já passamos na sala do diretor do hospital, e o seu pai conversou com ele. Foi dada a
autorização para os anciões terem livre acesso à Jasmine. Não se preocupe, tudo vai se resolver.
Por mais que minha mãe tente me acalmar, meu eu protetor grita de medo, os meus piores
pesadelos estão acontecendo agora.
Sempre salvei vidas, minha paixão pela medicina sempre foi essa, salvar vidas. Só que agora,
eu nada posso fazer, e o pior, a vida da mulher que eu amo está nas mãos de pessoas que eu
nunca sequer confiei. Para mim, eles não passam de curandeiros charlatões. Sempre fui avesso às
crenças do meu pai e às suas tradições milenares, mas como virar as costas a tudo isso? Como não
aceitar ao que eu presenciei? Ninguém me contou, eu vi, eu toquei... fui tocado.
Estou muito confuso com tudo isso.
Sinto os braços dos meus pais em torno dos meus ombros. Ficamos por um tempo assim,
abraçados. Eu sei que esse abraço é só uma maneira de eles me cercarem com suas orações, pois
escuto o sussurrar de ambos. Não me importo, já nem sei em quem ou em o que acreditar. Depois
de tudo o que eu vi, talvez realmente exista um Deus que opere milagres, ou quem sabe envie
alguém para fazê-los, e no caso, ele escolheu logo a minha mulher. É muita sacanagem, com tantas
pessoas no mundo, ele escolhe logo a mulher de um cético feito eu.
É, Senhor mandachuva, você me sacaneou. O que quer provar com isso, que é o senhor da vida
e da morte? Então, por que não leva a mim, ao invés dela?
Devo estar ficando louco, ou começo a aceitar realmente que existe um Deus absoluto.
Afasto-me dos meus pais e vou para a sala de espera. Não adianta ficar na frente da UTI,
eu sei que só pioraria meu estado de nervos. Meus pais me seguem.
Minha mãe senta ao meu lado, abraçando-me. Meu pai senta de frente a mim.
— A senhora fez todos os exames? — Quebro o nosso silêncio. Ela assente. — Já saiu os
resultados? — Com essa confusão, esqueci por completo que a minha mãe estivera em coma por
seis meses.
— Estou bem, meu filho, não se preocupe. — Recebo um beijo carinhoso no rosto.
— Alguns exames. Os resultados saíram na hora, e realmente a sua mãe está bem. Os de
sangue só a partir de amanhã, mas nós sabemos que ela está bem. E os médicos estão
boquiabertos com tudo isso. Duas pessoas saem do coma, como se tivessem acabado de acordar, e
um estava à beira da morte. Os seus colegas médicos vão quebrar a cabeça para tentar explicar
e entender tudo isso. — O semblante do meu pai está divertido, ele está gostando de ir a favor ao
que eu sempre duvidei: milagres.
Fito-o, relaxo os ombros e respiro fundo. Mamãe percebe o meu desconforto e se afasta um
pouco, dando-me um pouco de espaço. Aproveito e encosto a cabeça no alto do sofá.
— Pai — Ele me olha, sério —, eu nunca acreditei em milagres, até então sempre acreditei
naquilo que a ciência pode provar. Mas depois do que vi a Jasmine fazer, não posso virar as
minhas costas. — Minha mão vai ao peito, onde levei o tiro. — Agora eu sei por que não fiquei
com cicatriz e como não morri. Ela me curou...
Meu coração bate tão forte, quando imagino o que ela passou ao ver um homem do meu
tamanho, com um ferimento a bala no peito e sangrando.
— Vocês imaginam o desespero que ela passou, sem saber o que fazer, por onde começar? A
minha vida estava nas mãos dela. Se não fosse esse dom, certamente eu teria morrido... — fecho
os olhos e levo as mãos ao rosto.
As lágrimas descem através dos meus dedos. Eu precisei dela, e ela me salvou. Ela assumiu a
minha dor, sem imaginar o perigo que corria.
— Ela podia ter morrido... — Só em pensar que eu poderia ter causado a sua morte, sinto
raiva de mim mesmo.
— Mas ela não morreu, filho. Ao contrário, ela o curou, pois iria precisar de você no futuro.
Entende o que isso significa?
Meu colega, que está cuidando da Jasmine, entra na sala. Levanto-me imediatamente.
— Allan. — Ele me olha nos olhos. — Todos os exames que foram feitos em sua noiva estão
normais, o que nos deixa muito curiosos, então posso dizer, com toda a certeza, que ela não está
em coma, está dormindo. No entanto, fizemos todos os estímulos para acordá-la e não resultou em
nada. Não sabemos mais o que fazer, só nos resta esperar ela despertar deste sono profundo. A
propósito, apesar de tudo o que está acontecendo, tenho uma ótima notícia! Sua noiva está
grávida, a gestação é muito recente, acredito que esteja na primeira semana, vamos precisar fazer
um exame mais preciso para sabermos o tempo exato. Meus parabéns!
Recebo a notícia, boquiaberto. Meu colega me abraça, mas não reajo, continuo em choque.
Um filho... Serei pai. Como? Quando isso aconteceu?
Idiota, vocês fizeram amor sem proteção, essas coisas acontecem. Lembre-se, vocês viviam juntos.
Meu colega se afasta.
— Bem, amanhã à tarde volto a fazer uma nova avaliação, qualquer dúvida, você sabe onde
me encontrar. — Ele vai embora. E eu continuo em choque.
— Bem que eu te avisei, filho. — Mamãe me abraça. Então volto a mim, e consigo sorrir —
Obrigada, meu filho, por nos fazer tão felizes. Seremos avós, não há bênção maior que essa.
— Pai — Olho para ele com os olhos marejados —, eu... eu serei pai... — são as únicas
palavras que eu consigo dizer. De repente, sinto uma vontade louca de gritar. Como eu quero
compartilhar essa alegria com ela. — Dá para acreditar? Serei pai. — Repito, em êxtase.
— E eu, avô. — Sou abraçado com força. Ele se afasta e me encara, emocionado. — Acho
melhor mantermos isso em segredo, por enquanto. A Jasmine vai precisar de toda a nossa a
atenção, de toda a nossa energia pura, os nossos chacras precisam estar em sintonia. Se todos
souberem da gravidez, haverá uma grande preocupação em torno do bebê, e vá por mim, essa
criança não precisará da nossa ajuda, ela irá nos ajudar... acredite.
A essa altura, eu acredito até em saci-pererê.
Escutamos vozes vindas do corredor. Limpo os meus olhos, pois as reconheço.
Agora a família está completa, com exceção do marido de Hannah, o Ben. Esse eu não
considero família, nunca gostei dele, principalmente depois que eu o vi em um bar com uma mulher.
Posso dizer que pareciam íntimos demais para serem primos, como ele a apresentou. Claro que eu
não acreditei. Tenho certeza que ele anda pulando a cerca. Só espero que o meu pai descubra,
pois no clã, a pena para traição é a expulsão e a separação legal de corpos sem direito a nada.
O acusado sai do clã só com a roupa do corpo e nada mais.
— Pai, os anciões estão fazendo a higienização. — Ryan vai até o meu pai e o beija no rosto,
depois vem até mim e faz o mesmo — E aí, alguma novidade, como a Jasmine está? — Ele me
pergunta.
— Ela está em um sono profundo, mas está bem. — Olho em direção à minha irmã, ela sorri
para mim. — Então, já se declarou para a Muriel? — Ryan sorri, vitorioso. — Muito bem, esse é o
meu irmão, agora é só casar!
Ryan me puxa para um canto mais reservado.
— Sim, mas só me caso depois que a Jasmine estiver bem. Andei pensando sobre isso — Ele
me segura pelos ombros. — Podemos fazer um só casamento, eu e a Muriel, você e a Jasmine. O
que acha?
— Gostei da ideia, será divertido ver a cara dos cidadãos de Nevan. — Rimos juntos. —
Você com a Muriel e eu com a Jasmine.
— Será mesmo? Principalmente quando descobrirem que eu serei o novo rei. Papai está
mudado, nunca esperei que ele aceitasse tal mudança.
Olhamos para ele, depois nos fitamos e rimos.
— Allan, Ryan, venham até aqui. — Nosso pai nos chama. Vamos até ele e nos juntamos aos
restantes. — Precisamos conversar. O Ryan já sabe o que vou revelar, mas você, Hannah e Ben não
sabem ainda. Sentem-se, por favor.
— A Hannah me contou, senhor Máximos, é sobre a namorada do Allan, não é? Quero que
saiba que o senhor pode contar com o meu apoio no que decidir.
Avanço um passo, pronto para lhe dizer uns desaforos, no entanto, meu pai me para com a
mão em meu peito.
— Obrigado, Ben! Fico satisfeito por saber que terei o seu total apoio. Bem, é o seguinte... —
Todos ficam quietos. — Com exceção dos meus filhos e da minha esposa, você, Ben, aprendeu
sobre a história do clã Cémel Loaim?
— Sim, antes de me casar com a Hannah, eu estudei sobre a história do clã.
— Então não vou precisar fazer uma retrospectiva. Todos aqui conhecem sobre Tessa, a bruxa
branca que curava com as mãos. — Assentimos — E sabem que ela foi morta pelo rei do clã dos
bruxos negros, e que antes de morrer, ela mandou avisar que nasceria, entre o povo dela, a última
bruxa branca e que ela seria a prometida do filho primogênito do atual rei do clã Cémel.
— Sim, eu sei. Mas a tal bruxa nunca nasceu, certo? — O idiota do Ben interrompe o meu pai.
Meu pai olha para ele repreensivamente, como se dissesse: “se você me interromper outra
vez, sofrerá consequências. ”
— O que vocês não sabem, é que ela nasceu alguns anos atrás. Só eu, a Rhanya e os anciões
sabiam. A moça iluminada está lá, naquela sala — ele aponta em direção à UTI. — Quando eu fui
conhecer a menina e firmar o compromisso entre Nevan e Petra, e assim oficializar o noivado de
Allan com a menina bruxa, a aldeia de Petra tinha sido dizimada pelo fogo e todos morreram, por
isso não contei a ninguém, e até hoje o povo de Vennucnii espera pelo nascimento da última bruxa
branca. Entretanto, não se pode fugir do seu destino. Allan, quando sofreu o atentado no Brasil, foi
salvo por sua prometida. Eles sequer sabiam que um era o prometido do outro. O que está escrito,
o homem não pode apagar. Allan se apaixonou por ela e ela por ele, e mesmo quando recobrou a
memória, esse amor não foi esquecido. Ele foi à procura da sua prometida e a trouxe de volta à
sua origem, a trouxe para nós. A Jasmine é a última bruxa branca, é o presente que Deus nos deu.
— No entanto, ela não poderá usar o seu dom, não mais, pois não foi iniciada devidamente.
Se usá-lo, corre o risco de nunca mais acordar, por isso ela está adormecida, pois usou os seus
poderes para curar a Rhanya e um paciente do hospital em estágio terminal. Agora, ela precisa da
nossa ajuda. Vamos no reunir em Nevan, em nosso santuário, e unir as nossas energias para que os
nossos anciões possam trazê-la de volta o mais depressa possível.
Ele faz uma pausa. Encara Hannah e depois o Ben, respira fundo e continua:
— Então, quando a Jasmine acordar, o Allan assume o compromisso de se casar com ela, já
que estão apaixonados, e o Ryan se casará com Muriel, pois também os dois estão apaixonados,
como também ele assumirá o meu lugar quando completar trinta e sete anos. O Allan renunciou ao
seu direito de primogênito. É isso que eu tinha para contar para vocês.
Olhamos um para outro. Hannah parece surpresa, mas sorri para mim e para o Ryan. Pisca um
olho.
— Senhor Máximus, posso fazer uma pergunta? É só uma curiosidade. — Ben questiona,
levantando. Percebo que está um pouco inquieto, tenho a impressão que as notícias sobre Jasmine e
a mudança de sucessor não o agradou.
— Quantas você quiser, Ben. — Meu pai responde.
— É verdade que a bruxa branca, além de curar, ela tem o poder de saber quem é bom ou
ruim? Ou seja, ela pode sentir a maldade das pessoas, até descobrir o mal que elas fizeram?
— Está com medo que a minha mulher descubra os seus podres, Ben? — Sou sarcástico, eu sei
bem que o que ele quer esconder são traições que anda praticando.
Ele me lança um olhar furioso. Há tempos que quero lhe dizer umas verdades, mas o meu pai
toma a frente.
Sentindo a tensão entre mim e o Ben, meu pai limpa a garganta e responde o questionamento:
— Sim, ela pode, sim, pressentir o mal das pessoas. Às vezes, pode descobrir o mal que o
outro fez a uma curta distância, e se tocar a pessoa, consegue ver tudo de ruim que essa pessoa
fez. Depende muito do estado do seu coração. Mais alguma pergunta? Pois eu, o Allan e a Rhanya
precisamos levar os anciões até a UTI.
— Não, era só curiosidade. Obrigada por esclarecer, senhor Máximus. — Ele vira para
Hannah. — Vamos, vou deixá-la em casa, tenho um assunto urgente para resolver ainda hoje,
despeça-se dos seus pais e dos seus irmãos.
Hannah vem até mim, recebo um beijo e um abraço. Ela faz o mesmo com Ryan e nossos pais,
sem nada dizer. Às vezes, eu tenho a impressão de que a minha irmã vive aprisionada dentro de si
mesma. Ela sempre foi muito sorridente, a vida sorria através dos seus olhos, hoje eles estão sem
brilho, ela ficou assim após o casamento.
Eles foram embora. E eu fico com uma pulga atrás da orelha. Eu sei que o Ben vai aprontar
alguma.
Eu já sei qual é o assunto urgente que ele tem a resolver: mulheres.
O Ryan vai embora em seguida, disse que, antes de ir para casa, passaria na casa de Muriel,
pois prometeu vê-la à noite.
Eu, meus pais e os anciões fomos para a UTI. Deixamos os anciãos lá, eles ficariam até a
meia-noite, depois se juntariam aos meus pais no santuário em Nevan, só regressariam na manhã
seguinte.
Capítulo 33
Kyran
Corro em direção ao nada. Há uma neblina densa, quase não enxergo, meus pés queimam
ao tocar na grama gélida, mas eu não me importo.
— Hei! — Grito, desesperado — Moça! Onde você está? Venha, não vou machucá-la —
Meus olhos piscam, rápidos, e os meus ossos congelam no frio. Eu corro, corro até a exaustão total.
— Moça!
Grito outra vez. Meu corpo sucumbe e caio de joelhos na grama congelada, enquanto respiro
pesadamente. Tento controlar a batida descontrolada do meu coração.
— Moça! — Ofegante, ainda tento enviar o meu último apelo, porém não vejo nada, mas
escuto um choro desesperado.
— O senhor vai me machucar, eu sei que vai... deixe-me... deixe-me...
Então, escuto alguém me chamando.
— Meu rei... meu rei...
Escuto batidas pesadas ao longe.
Sinto-me sufocado, meus pulmões ardem e minha garganta queima. Uma dor agonizante
invade o meu peito, me acordando.
Abro os olhos, e a nebulosidade me cega. Tento me levantar, mas sinto-me puxado de volta
para a cama, como se mãos negras com unhas pontudas me agarrassem. Faço uma nova tentativa,
mas algo me detém naquela neblina densa.
— Solte-me! — Grito. — Solte-me, maldito, não serei mais seu escravo!
Escuto outra vez alguém gritar o meu nome.
— Senhor Kyran... meu rei, acorde.
Sou sacudido energicamente e finalmente, me liberto das garras do anjo da morte. Suado e
com o coração quase na boca, abro os meus olhos. E a luz finalmente surge diante de mim.
Estou em casa, e a salvo.
Olho para a minha serviçal, Selena. Ela me fita com um olhar preocupado.
— Estou bem, Selena. Foi só aquele maldito pesadelo novamente, pode ir.
Ela continua me avaliando, com os seus olhos puxados.
— Vá, já acordei. — Digo-lhe, enquanto me levanto e sigo em direção à porta da varanda,
preciso respirar ar puro.
— Meu rei, o senhor tem visitas.
Viro-me para ela, com um olhar curioso.
— Quem é? Só pode ser muito urgente para vir até mim a esta hora. — Olho para o relógio
do meu pulso: são mais de vinte e uma horas.
— É o seu primo, Ben Krull, ele insiste em vê-lo. Diz ser urgente e do interesse do senhor.
— Como ele ousa pisar em minhas terras?! O que esse infeliz quer, é muita ousadia me
procurar!
Se já estava irritado, agora fico furioso.
Ben é meu primo, um idiota, filho do meu tio que tentou dar o golpe em meu pai, após perder
quase toda a sua herança. Ele me odeia, e eu sei que, se ele tiver uma oportunidade de acabar
com a minha vida, não pensará duas vezes. O pai dele tentou matar o meu e não foi bem-
sucedido, pois quem terminou mal foi ele mesmo.
— O senhor vai recebê-lo?
Meu sangue ferve, igualmente como a dor latente da minha cabeça. É melhor saber o que o
verme tem a dizer, não gosto de virar as costas para o inimigo.
— Deixo-o na sala de estar até eu chegar no gabinete, mas fique de olho nele. Espere dez
minutos e mande-o entrar. — Digo, virando-lhe as costas e sumindo no closet.
Já acomodado no meu gabinete, vejo quando a cabeça de Ben aparece na porta, e meus
olhos vão em sua direção. Continuo sentado em minha cadeira, atrás de minha grande mesa. Meus
olhos voltam-se para o cigarro que coloco na boca, para acendê-lo.
— Desculpe, Kyran. — Ele entra e fecha a porta atrás de si. — Eu sei que já é tarde, mas o
assunto é sério demais para deixar para depois.
Trago o cigarro e observo a fumaça se espalhando pelo ar. Fito-o com total desdém.
— “Sério” para você, é o que quer dizer, não é? — Meu olhar frio é direcionado para o seu
rosto. — Diga logo para que veio, meu tempo é curto.
Minhas palavras transmitem repulsa, e o desgosto está estampado na cara dele. Ele sabe
quem eu sou, conhece-me perfeitamente, não preciso lembrá-lo que não brinco em serviço,
principalmente em se tratando de vermes como ele.
— Você sabe que eu me casei com a filha do Máximus Eirc, não sabe?
Por essa eu não esperava. Essa novidade consegue atiçar o meu temperamento a uma corrida
de 10 a 100. Realmente eu não sabia, pois, o meu tempo é dividido entre os meus negócios e
encontrar a Jasmine.
Ele ri, zombeteiro. Encaro-o friamente, e logo ele esconde os dentes, engolindo o riso cínico.
— Como conseguiu esconder do Máximus a sua origem? — Pergunto, curioso. Ben, assim como
eu, é descendente do bruxo negro Gaar, inimigo mortal do Clã Cémel.
— Esqueceu que uso o sobrenome materno? Eles nunca vão saber, quer dizer, por enquanto.
— Bem, não me interessa o que pretende se unindo ao Máximus, diga logo o que quer.
Dinheiro? — Sou frio e direto, pois sei que isso é a única coisa que o faria me procurar. Na certa,
está devendo para algum cassino.
— Você e sua prepotência de merda! — Rosna. — Não preciso do seu dinheiro, mas você
não vai gostar de saber o que tenho para lhe contar.
— Desembucha logo, já disse que o meu tempo é curto. — Falo, furioso.
Ele me encara com um olhar estupefato e limpa a garganta enquanto dá um passo à frente.
— Nossos pais falharam ao tentar se livrar da menina bruxa, aquela que cura com as mãos,
você deve lembrar. Ela pertencia à aldeia de Petra — Um nó forma-se em minha garganta. Fico
atento, pois eu sei exatamente do que ele está falando. — A menina não morreu, está muito viva e
bem próxima. Precisamos terminar o que os nossos pais começaram, ou tudo será descoberto, e os
meus planos de assumir o clã Cémel vai pôr ladeira abaixo, e ainda corro o risco de ir para a
cadeia, pois fui eu quem orquestrou o sequestro de Allan, mas o infeliz não morreu e foi salvo pela
bruxinha...
— Devagar, Ben, uma coisa de cada vez! — O interrompo. — Você fez o quê? Eu entendi
bem, você mandou matar o filho mais velho de Máximus!?
— Mandei, e pensei que tinha dado certo, até que ele voltou. Eu só não sabia que ele foi
salvo pela bruxa maldita.
— Ficou louco, Ben? O que tem nessa sua cabeça sinistra, quer provocar uma guerra entre os
clãs? Idiota! Maldito idiota!
Saio da minha zona de conforto, fico de pé e vou em sua direção. O pego pelo colarinho da
camisa, e só não acerto um murro em sua cara porque ele consegue se desvencilhar das minhas
mãos.
— Não haverá guerra alguma se eu conseguir o que quero. Vou eliminar um por um: primeiro
o Allan, depois o Ryan... Então, serei eu o rei, já que Hannah não pode ser rainha do clã, e quando
eu tiver o poder nas mãos, eu me livro do velho, da velha e da minha nojenta esposa. Assumirei o
clã e você será beneficiado com isso, pois eu te darei as terras que fazem divisa com a sua
cidade. No entanto, para isso acontecer, eu preciso me livrar da bruxinha. Ela pode pôr todos os
planos a perder, por isso preciso da sua ajuda. Mas, se não quiser me ajudar, eu faço do meu jeito
e você levará toda culpa, já que é o rei do clã dos bruxos negros.
— O quê?
Ele leva um murro bem no nariz, e o sangue desce por sua boca imediatamente.
— Ficou louco, Kyran? — Ele limpa o rosto com o dorso da mão. — Não vim aqui para
apanhar. Se não quer me ajudar, eu mesmo me livro da bruxa.
Ele vira as costas e caminha em direção à porta.
Pense rápido, Kyran, esse louco vai machucar a Jasmine.
— Espere! — Brado. — Vou ajudá-lo, mas será do meu jeito. Você não saberá como vai
acontecer, só aguarde as minhas instruções.
Ele gira o corpo e me encara.
— Mas tem de ser rápido, ela está na UTI do hospital Conary, e logo eles a levarão para a
mansão do Máximus, aí ficará impossível chegar perto dela.
Quase ponho tudo a perder e faço o Ben descobrir que eu já conheço a Jasmine. Ao saber
que minha rainha está em uma UTI, meu coração vai à boca, quase saio desesperado ao encontro
dela.
— O que a moça tem? — Tento manter a calma.
— Ela está desacordada. Segundo Máximus, ela curou duas pessoas e não resistiu. Ele disse
que a bruxa não pode usar o dom, pois não foi iniciada. Mas isso não nos interessa, o que
precisamos fazer é tirá-la do hospital o mais rápido possível, depois resolvemos se a matamos ou a
usamos para ganhar algum dinheiro. Você já pensou quantos ricaços, que estão à beira da morte,
pagariam para restabelecer a saúde? Ficaríamos milionários!
Não gosto do pensamento dele. Eu conheço a ganância do Ben e sei o que ele é capaz de
fazer por dinheiro. Isso significa que eu preciso sumir com a Jasmine daquele hospital o mais
rápido possível, pois o brilho dos olhos do meu primo me alerta que ele já tem outros planos para
ela.
— Deixe comigo, eu sei muito bem como me livrar da moça bruxa. Só te peço que não me
procure, quando encontrar um lugar seguro e distante para colocá-la, entro em contato com você.
Me passe o número do seu celular.
— Certo, mas não demore. Os anciões estão fazendo as bruxarias deles para acordar a
maldita, e eu não duvido que eles consigam. — Ele me passa o número.
— Não se preocupe, você logo saberá o que aconteceu com ela, mas não me ligue, espere a
minha ligação, ok? — Ele concorda, e eu o acompanho até a porta.
Fecho a porta do meu gabinete e volto para minha mesa. Pego o meu celular. Eu já sei para
quem ligar. Tudo é questão de dinheiro, se você tiver a quantia certa, compra qualquer um. Disco o
número.
— Alô! Sou eu, o Kyran, preciso de um favor para ontem — a pessoa pergunta o que eu
preciso. — A moça que está na UTI, por nome Jasmine, eu preciso tirá-la do hospital ainda hoje, é
só me dizer o seu preço, eu pago.
A ganância humana não é uma experiência linear. Muitos se vendem por tão pouco, outros por
uma gorda quantia. Não importa, só sei que algumas pessoas fazem coisas horríveis para sucumbir
aos seus desejos gananciosos.
Eu entendo que o dinheiro move o mundo, e sempre quem tem mais dá as cartas, no entanto,
não consigo deixar de sentir aversão pelos vermes bestiais que se vendem por tão pouco. Já vi
homens me entregarem seus irmãos em troca de um mísero valor. Alguns até me assistiam retirando
as suas vidas. É lastimável assistir à perversão humana. Esses tolos para mim não passam de peças
de xadrez desgastada.
Não posso dizer que o valor a ser pago ao doutor Vermont foi baixo, para dar acesso aos
meus homens à UTI e assim resgatar Jasmine. Ele vai poder viver confortavelmente até a sua morte.
Vermont soube perfeitamente manter as mãos longe do sequestro, não era nem seu plantão,
ele só ensinou como chegar até lá no momento exato – há um horário em que o médico e as
enfermeiras da UTI descansam, só fica uma enfermeira no posto de enfermagem, e foi assim que
os meus homens conseguiram retirar a Jasmine sem levantar suspeitas. Um dos meus homens,
disfarçado de enfermeiro, tirou a atenção da enfermeira, enquanto mais três homens substituíram o
corpo de Jasmine por outra paciente, com as mesmas características. Vai demorar para
descobrirem que houve uma troca, pois a Jasmine está com uma máscara de oxigênio.
Do hospital, eles foram direto para um heliporto, onde o dono me deve muitos favores. Foi
fácil demais. Vinte minutos depois, minha futura rainha já está na suíte real.
Quanto a mim, estou me preparando para trazê-la de volta ao mundo dos vivos.
— Meu senhor, o que está prestes a fazer é perigoso, pode causar sérios danos à sua saúde.
A união da pedra negra com a pedra da cura em seu corpo é mais que perigosa. — Conain, um
dos anciões mais antigos do clã, fala em intervalos, lentos e sucintos.
— Eu sei disso, Conain, sei sobre os riscos, mas nada nesse mundo é mais importante do que
ela. Não se preocupe, fui bem treinado e aprendi tudo o que sei com meu pai e com você.
— A princesa está pronta, meu senhor. — Selena anuncia.
— Vamos — digo.
Entro na suíte. E quando os meus olhos pousam na figura adormecida, entre os lençóis de seda
branca da cama, eles lacrimejam. Sinto a necessidade de correr ao seu encontro. Minha Jasmine, a
mulher que amo desde que era ainda um adolescente. Contenho o meu ímpeto.
Dispo-me do roupão de seda negra. Estou nu, ela também, coberta apenas por uma seda fina
e transparente, no entanto, eu consigo ver através dela, os contornos do seu corpo. Os seios
arredondados, os mamilos retesados, tão rosados, seu ventre chapado, a fina penugem da sua
vulva, suas coxas vultosas.
É a mulher mais linda que os meus olhos já puderam ver. Talvez existam outras belezas raras,
mas esta é minha, a minha escolhida.
Concentro-me. Eu tenho esse poder de afastar da minha mente e do meu corpo qualquer
pensamento que possa atrapalhar minha concentração. Conain me entrega o colar com a pedra
negra, em minha outra mão está o outro colar com a pedra lilás. Uno as duas pedras e
rapidamente elas se acoplam, tornando-se uma só. Eu sinto a energia devoradora vindo através
dela. Minhas mãos começam a queimar, meus olhos ardem, as veias do meu corpo tornam-se
visíveis, o sangue arroxeado esporeia a minha pele. Vejo-me através do grande espelho, na
parede lateral do quarto, que fica ao lado da cama.
Minha aparência é assustadora. Meus olhos mudam de cor, ficam vermelhos, minha pele
escurece. Sinto dor, medo, é como se um outro ser expulsasse minha alma do meu corpo e ocupasse
o lugar dela. Uma força devastadora me domina.
— Meu senhor, está na hora, coloque o colar no pescoço. — Escuto a voz amedrontada de
Conain.
Coloco o colar em meu pescoço, e assim que a grande pedra toca o meu coração, sinto um
imenso poder dentro de mim. Nesse momento, não sou mais eu, a única coisa que ainda me torna
humano é o amor que sinto por ela, e é por ela que faço isso; é por ela que permito que aquela
força maligna se aposse do meu corpo.
— Retirem o lençol do corpo dela... — Minha voz ressoa com um tom cru, forte. Selena puxa o
tecido fino de cima do corpo de Jasmine.
Vou até a cama, subo no colchão e fico de joelhos entre as suas coxas. Pego-a em meus
braços e uno os nossos corpos. A pedra fica entre nós dois, e assim que nos toca, ascende uma luz
negra. Aperto o corpo de Jasmine ao meu, soltando um grito sonoro de dor.
Todo o meu corpo entra em convulsão. A dor é insuportável, sinto como se a pedra penetrasse
o meu peito, rasgando-me. A luz, aos poucos, vai mudando de cor, passa a iluminar o rosto da
Jasmine. Grito, meu nariz sangra, meus olhos também. Mas eu preciso ser forte, por ela, só assim
conseguirei trazê-la de volta. A luz ganha uma cor azul, e a dor é cortante. É impossível resistir a
isso, o calor queima minha pele, estou fervendo por dentro. Então, fecho os meus olhos e penso
nela, penso no amor que eu sinto por ela... e o alívio vem.
Abro os olhos, e a luz se torna lilás. As pedras se separam, agora só a pedra lilás brilha.
Estou sem forças, quase sem vida.
Jasmine volta a respirar suavemente e a sua cor pálida desaparece.
— Ajudem-me, segurem-na. — Grito, desesperado. Selena a segura, colocando-a sobre os
travesseiros.
Se não fosse os braços de Conain a me sustentar, teria caído sobre ela. Sou coberto, ela
também. Dois homens entram no quarto e ajuda Conain a me levar para os meus aposentos. Não
consigo caminhar, sou praticamente arrastado.
Sinto um leve frescor em meu rosto, e quando abro os olhos, percebo que as portas da
varanda do quarto estão abertas. Abruptamente levanto-me. Não foi uma boa ideia, pois logo
percebo que o meu corpo está dolorido. Movo-me devagar, até conseguir ficar de pé.
Cambaleando, sigo até uma poltrona, ainda me sentindo zonzo. Apoio-me no encosto da poltrona.
— Meu senhor... — Conain entra nesse instante, ele me sustenta pelo cotovelo. — Devia ter me
chamado, o senhor ainda está debilitado.
Respiro fundo, puxando o ar fortemente para os meus pulmões – esse simples gesto faz com
que sinta uma dor forte em meu peito. Solto um gemido.
— Nossa! Não sei qual é a sensação de ser atropelado por uma carreta, mas deve ser a
mesma sensação que estou sentindo agora. — Conain sorri enquanto me ajuda a sentar. — Quanto
tempo eu dormi? — Pergunto.
— Menos de uma hora, devia ter dormido mais algumas horas. — Conain vai até a varanda
e fecha as portas. — Quer comer algo? Posso pedir a Selena para preparar.
— Não. — Sinto-me cansado, meu peito dói até quando respiro. — Como ela está? Eu preciso
vê-la, ajude-me aqui. — Apoio as mãos nos braços da poltrona, impulsionando o meu corpo para
cima.
Conain vem ao meu socorro.
— Meu senhor, precisa de mais descanso. A princesa Jasmine está bem, ela dorme, não corre
mais perigo.
— Não, já descansei demais, eu quero estar ao lado dela quando acordar. — Conain sabe
que não adianta tentar me convencer o contrário. Mesmo a contragosto, ele me ajuda a trocar a
roupa.
Entro no quarto onde Jasmine está. As cortinas se agitam ligeiramente com a brisa que entra
através das portas semiabertas, o aroma de jasmim invade minhas narinas. Há pouca iluminação,
justamente para dar maior conforto para ela. Puxo uma poltrona para o lado da cama, para que
eu possa ficar o mais perto possível dela.
Tão linda, minha princesa. Lábios rosados, pele de pêssego, tão delicada e serena. Dorme
tranquilamente. Sentimentos de anos atrás batem duro em minha mente, quase me levando às
lágrimas pela intensidade. Assim que as emoções se formam, meu peito dói, como se estivesse
sendo rasgado de dentro para fora. A impotência chega forte ante o ataque traiçoeiro de
lembranças que ousam assustar a minha mente. Lembro-me do que eu fiz para torná-la minha, fui
capaz de possuí-la à força. Fui um tolo, um imbecil, e mesmo a amando com eu amo, o que fiz é
imperdoável. Agora, finalmente, eu posso recomeçar, posso mostrar-lhe o quanto a amo, e serei
paciente. A conquistarei, darei a ela o meu melhor.
Jasmine solta um gemido abafado, e o seu corpo se mexe sob as cobertas macias. Inclino-me
para observá-la.
Lentamente seus olhos se abrem e encaram os meus.
— Quem é você? — Pergunta, me encarando. Eu sei que ela nada até a sua consciência, à
procura de respostas. — Onde estou? — Ela pisca os olhos rapidamente e tenta erguer a cabeça.
Posso perceber sua mente confusa, os pensamentos cheios de pânico. — Onde está o Allan? Onde
está o meu noivo? Allan! Allan! — Grita, assustada.
Levanto-me abruptamente, e ao fazer isso sinto uma dor profunda no peito.
— Porra! — Praguejo. Respiro, retendo o ar por alguns segundo nos pulmões, depois sento
na cama.
— Acalme-se, Jasmine, está tudo bem. — Seguro-a pelos ombros e tento mantê-la deitada. —
Você está segura, tudo será explicado, mas, por ora, tente descansar.
— Não! — Ela protesta e luta para se levantar. — Eu quero o Allan, onde ele está? Quem é
você? Solte-me... solte-me!
— Shh, Jasmine, Allan não está aqui, mas eu estou. Estou com você agora, se acalme, meu
amor. — Tento manter a voz calma, embora eu anseie gritar e dizer-lhe que o Allan é um assunto
encerrado em sua vida.
Seus olhos encaram os meus outra vez.
— Eu... eu conheço você... — Ela sussurra, enquanto os seus olhos avaliam o meu rosto. — Foi...
foi você quem me ajudou a encontrar o Allan, no shopping, não foi? — Agora o seu olhar fica
confuso.
Mesmo lutando contra a raiva que cresce dentro de mim, a cada vez que a escuto mencionar
o nome de Allan, tento ser o mais compreensivo possível.
— Isso mesmo. — Meus dedos afagam o seu rosto. E, por incrível que pareça, ela deixa. É a
primeira vez, depois de anos, que Jasmine permite que a toque. — Você lembra de mim só por
esse motivo?
— Sim, por quê? Você me conhece de outro lugar? De onde?
— Faça um esforço, minha princesa, tente se lembrar de mim — Pego uma das suas mãos e a
levo aos meus lábios, apertando-os sobre sua pele macia. — Depois que eu a vi pela manhã,
fiquei à procura de encontrar uma forma de vê-la novamente. — Fito-a, e desta vez meu olhar se
fixa no dela. — Meu amor, não se pode mudar o destino, não é mesmo? Não imaginei que a veria
tão rapidamente, e aqui está, justamente na casa que construí para você.
— O que está dizendo? Enlouqueceu? Onde está o meu noivo? — Ela puxa a mão
bruscamente. Olha-me com pavor. — Eu quero o meu noivo, vá chamá-lo. Allan! Allan! — Jasmine
se encolhe, escondendo-se entre os lençóis.
Vê-la me rejeitar e gritar o nome do meu inimigo é demais. Levanto-me, mesmo sentindo uma
dor dilacerante no peito.
— Esqueça-o — berro — Seu noivo sou eu! Eu, entendeu? O que você viveu com aquele lá é
passado. Agora você está de volta, e o seu verdadeiro noivo sou eu.
— Você enlouqueceu! Allan! — Grita outra vez. Ela se senta na cama, e o lençol escorrega
por seu peito, deixando à mostra a camisola transparente, através da qual eu posso ver os seus
seios duros. Ela percebe e os cobre, puxando o lençol para cima do peito. — Você é um maluco
filho da puta!
Ela me xingou? Por todos os demônios, ela falou um palavrão, foi isso mesmo?
— Para uma princesa, você anda com a boca muito suja. Respeite-me. — Aponto o dedo em
sua direção. Ela me fita, furiosa.
— Respeitá-lo! Vá se foder, seu doido. Eu quero ir embora daqui! Não o conheço, não sou sua
noiva. — Jasmine se embrulha com o lençol, e em menos de dois minutos, ela está de pé e
caminhando em direção à porta.
— Você não vai a lugar algum, trate de voltar para a cama. — Esbravejo. Seguro-a pelo
pulso, estou muito furioso. — Você é minha noiva, entendeu? Minha noiva! Esqueça aquele maldito.
Foram anos à sua procura, anos de sofrimento, agora não vou deixá-la escapar. Você é minha e
nós vamos nos casar o mais depressa possível.
Puxo-a pelo braço e a levo de volta para a cama. Ela luta contra o meu aperto e começa a
gritar.
— Maluco, alucinado, lunático! Não vou me casar você, solte-me! Eu amo outro homem, seu
merda do caralho. — Ela consegue se livrar do meu aperto.
A fúria transparece em meus punhos. Eu os cerros e a encaro com um olhar implacável.
— Pois vá se acostumando a mim e abstraia os seus sentimentos em relação àquele maldito. Eu
sou o seu noivo e...
— Senhor — Eu já ia em direção à Jasmine, quando o Conain entra no quarto. — Deixe esta
conversa para depois, o senhor precisa descansar, e a princesa também. — Seus braços circulam a
minha cintura, ele tenta me retirar do quarto.
A ira me domina. Jasmine me olha com medo nos olhos.
— Não, deixe-me. Ela precisa saber da verdade, ela vai ter que me aceitar...
— Senhor, por favor, vamos. — Conain puxa meu corpo. — Será que o senhor não percebe?
Ainda está com o poder da pedra negra dentro do seu corpo, é perigoso, o senhor pode dizer e
fazer coisas que irá se arrepender depois. Vamos, senhor, vamos embora.
Eu o encaro. Só então percebo o que estava prestes a fazer. Aperto os olhos com força. Tento
encontrar forças para resistir à força cruel que tenta dominar a minha mente. Não tenho coragem
de olhar para Jasmine, pois eu sei que ela está apavorada, e não lhe tiro a razão.
Deixo-me ser levado por Conain. Selena passa por nós, e sem olhar para trás, eu digo:
— Cuide dela, Selena. Jasmine, perdoe-me, eu a amo, a amo mais que a minha própria vida,
não foi minha intenção assustá-la.
Saio do quarto, e o ultimo som que escuto é a sua voz chamar por Allan, entre soluços.
Sou levado para os meus aposentos. Conain me senta na cama.
— O senhor está bem? Deve estar sentindo dores, isso é normal, o poder da pedra negra é
muito forte. — Ele diz, a preocupação evidente em sua voz.
Respiro, mais aliviado. Realmente, estou com uma dor do cão. Até quando o ar entra em meus
pulmões dói.
— O senhor não devia ter ido ao quarto dela antes de ter se recuperado, o poder negro
ainda o domina, e isso é perigoso, o senhor sabe disso.
— Não a machucaria, jamais faria isso, você sabe disso. — Viro o rosto em sua direção —
Levei anos sonhando com o nosso reencontro, anos a amando em silêncio. Ela precisa me aceitar,
afinal, ela é a minha prometida.
— Senhor... — Conain levanta, vai até a mesa onde está um notebook e pega uma pequena
caixa de madeira revestida em couro, com um selo real entalhado, depois vem até mim com a
caixa nas mãos. Não é o selo do meu clã. — Senhor, precisamos conversar, acho que chegou a
hora para algumas verdades.
Olho para ele. Não sei que merda ele quer dizer com tais palavras. Que verdades são essas,
e se elas existem, por que só agora saberei sobre elas?
— De que porra você está falando, Conain? Não estou com cabeça para escutar sermões, se
é isso o que pretende. — Cuspo minha insatisfação.
Ele balança a cabeça.
— Achei que não precisaria revelá-las, jurei segredo ao seu pai, e o senhor sabe o quanto
um juramento para um sacerdote é sagrado. Mas agora vejo que preciso lhe contar tudo, ou
carregarei comigo a culpa de uma guerra, e serei banhado pelo sangue dos inocentes.
— O que é toda essa merda, Conain? Despeje logo, você sabe que eu detesto arrodeios.
Qual foi a grande merda que o meu pai fez?
Encontro o olhar de Conain.
— Ele mentiu para o senhor. — O ancião responde. Como se fosse novidade, meu pai era o
rei das mentiras. — A bruxa branca, quer dizer, a princesa Jasmine, não é a sua prometida. — Ele
abre a caixa de madeira.
Embasbacado com tal informação, olho para o conteúdo do interior da caixa.
— Esse colar não pertence ao nosso clã. — Articulo, fascinado com a delicadeza da peça. Eu
a pego.
É uma joia linda, uma fina corrente em ouro puro, com uma pedra lilás em forma de gota,
pendurada. A pedra é igual à pedra sagrada da cura.
— Essa corrente pertence à Jasmine, foi dada à penúltima bruxa branca, Tessa. O senhor já
conhece a história, pois aprendeu quando criança. Essa joia foi dada como símbolo da aliança
entre o clã Cémel Loairn e o clã das bruxas brancas. É o símbolo do compromisso entre o
primogênito do rei de Nevan e a princesa de Petra. Quando o seu pai se apossou da menina
iluminada, ele ocultou esse colar, e junto com ele toda a verdadeira história. Só quem a conhece sou
eu e Ikov.
Ignoro a minha dor. Levanto-me, não consigo crer que fui enganado por todo esse tempo.
— Como assim! — Incrédulo, fito-o, pisco os meus olhos e agito a cabeça, para espantar os
meus pensamentos em socar-lhe a cara. — Você está me dizendo que a Jasmine nunca foi a minha
prometida, que não há profecia nenhuma sobre o primogênito do clã dos bruxos se unir a última
bruxa branca e juntos unirem os clãs, tornando-os uma só nação...?
Continuo a questionar Conain, estupefato:
— Você está me dizendo que o meu pai mentiu, quando disse que precisou exterminar todos
da aldeia de Petra por um bem maior, pois se não fizesse isso, eles nunca iriam permitir que a
profecia se cumprisse e assim eles iam nos destruir...?
Cada vez mais alterado, continuo:
— Você está querendo me dizer que o maldito Ikov mentiu para mim, quando afirmou que eu
precisava deflorar a Jasmine para marcá-la como minha, pois assim a profecia seria iniciada,
dando início à nossa união? É isso que está dizendo?
— Sim, meu senhor. — Conain fez um gesto com a cabeça, confirmando.
— Desgraçado Ikov, ele tem sorte por já estar morto, pois eu mesmo o mataria agora. —
Conain dá de ombros e completa:
— A princesa Jasmine nunca foi sua prometida, seu pai só inventou isso para mantê-lo ao
lado dele. Ele percebeu o seu interesse pela menina, e sabia que o senhor faria tudo o que ele
quisesse, afinal, o senhor nasceu para ser bruxo. Eu sei que a verdade é ruim, mas a Jasmine é a
prometida de Allan Eirc, e é tão verdade isso que eles terminaram se encontrando, mesmo sem
saber a existência um do outro. Por isso, percebi que era preciso revelar este segredo. Já pensou
quando o clã Cémel souber que foi o senhor a sequestrar a prometida do príncipe Allan...?
Não o deixo terminar. Levanto-me e vou direto para o closet me vestir. Já pronto, pego a
chave do meu carro.
— Meu senhor, aonde o senhor vai?
— Evitar que uma guerra comece. — Antes de desaparecer completamente da visão de
Conain, digo: — Avise ao heliporto que estou indo, e não quero desculpas. Eu sei que já é tarde,
mas eu quero um helicóptero pronto para decolar quando eu chegar lá.
Capítulo 34
Kyran
Enquanto sigo para o meu destino, penso em como fui acreditar em todas as coisas que o
meu pai me disse. A bem da verdade, eu não quero acreditar, pois isso será o fim dos meus planos
com a Jasmine.
Você foi um tolo, Kyran.
Não que eu seja um idiota completo, mas não costumava cair nas armadilhas do meu pai.
Agora, eu creio realmente que nunca fui amado paternalmente, fui na verdade uma marionete nas
mãos dele. Ele só queria um substituto. Se antes não me arrependia em tê-lo matado, agora é que
não me arrependo mesmo. Devo admitir que os atos de meu pai foram parte, se não o todo, do
motivo pelo qual lutei para controlar, em todos os sentidos, a minha incontestável propensão à
maldade. Orgulho-me de ter controle sobre todos os aspectos da minha vida, ou quase todos.
O meu maior descontrole se chama “Jasmine”. Depois dela, nenhuma outra mulher despertou
os meus sentidos orgásticos. Foram raras as vezes em que realmente cheguei ao clímax, depois
dela. Nas raras vezes que isso sucedera, cheguei até a sentir o fogo do sexo, mas este se apagou
assim que percebia que não era ela quem estava por baixo do meu corpo. E assim fui levando
minha morna vida sexual e sem graça, na esperança de poder reencontrá-la e assim conseguir
reacender o fogo do amor que está guardado só para ela.
No entanto, esse fogo será extinto. Amor, não mais, nunca mais; prazer sim, mas amor, esse
será enterrado junto com o Kyran romântico e amável.
Meia hora depois, estou em frente à casa de Allan Eirc. Estou esperando autorização para
entrar. Ele deve estar curioso em saber o que eu tenho de tão urgente para falar, que não posso
esperar, no mínimo, o dia amanhecer.
O segurança manda o carro seguir. Peço ao motorista do Uber para me aguardar, não vou
demorar, o que eu tenho a dizer será rápido e preciso.
Assim que coloco os meus pés no hall de entrada da casa, vejo a figura petulante do meu
adversário, o maldito Allan Eirc.
Seu semblante sério não é nada amigável.
— Eu precisei concordar em deixá-lo entrar para acreditar que é mesmo você, o grande rei
Kyran O’Walsh. A que devo a honra da sua presença em minha casa, às três horas da manhã?
Ele me mostra o caminho com a mão. Entro.
— Sem sarcasmo, Allan. Não estamos mais na faculdade, não precisa ser espúrio. Estou aqui
porque se faz necessário.
Entramos em seu gabinete. Ele me indica a poltrona. Sento-me em uma e ele na outra.
Eu sei que o que vou contar trará uma revolta repentina, ele tentará me agredir. Não tiro a
razão dele, eu, no lugar dele, o mataria antes mesmo de ele terminar sua explanação. Porém o
conheço. Ele é o cara mais contido que eu conheço em minha vida, o Allan é incapaz de qualquer
tipo de agressão. Pelo menos, há algum tempo, ele era assim.
— Então diga o que quer. Se for algo sobre o clã, ou as terras do meu pai, sinto lhe dizer
que perdeu seu tempo e a sua viagem, não tenho nada a ver com as coisas do meu pai e...
— Preciso que me escute, o que tenho a dizer é do seu interesse. — o interrompo, pois não
pretendo prolongar minha visita. — Serei direto, e antes que você parta para a agressão, quero
lhe dizer que estou armado. — Mostro o coldre que está escondido por baixo do paletó.
— Com se atreve vir até a minha casa, armado? — Allan se levanta do sofá apressadamente
e vai até o telefone. Com certeza, ele vai chamar um dos seguranças que eu vi no portão de
entrada.
— Acho melhor você se acalmar e deixar esse telefone onde está. — Digo-lhe, olhando para
ele e para o telefone. — O que a Jasmine contou sobre o passado dela? — Indago, depressa.
Allan larga o telefone de qualquer jeito sobre a mesa. Ele eleva o olhar para mim, e observo
imediatamente sua palidez.
— Como soube sobre a Jasmine, o que sabe sobre ela? — Ele inquire, enquanto vem até mim.
Levanto-me, e ficamos face a face. Seu rosto pálido e desconfiado não parece nada feliz por eu
saber de Jasmine.
— Acho melhor se acalmar. Já disse, estou armado. — Meu tom não admite discussão, e
minhas feições estão firmes como pedra. — Sim, eu conheço a Jasmine, bem antes do que você. Eu
sei sobre o dom que ela possui e, por muito tempo, ela esteve sob a minha proteção...
— Canalha! — Sou segurado pelo colarinho, não tenho nem tempo de reagir, só sinto o murro
no canto da boca. — Então, é você o perseguidor dela! — Ele não me solta, e recebo outro murro.
Sinto o gosto de sangue.
Eu o empurro para longe do meu corpo, e ele cai sobre a mesa. As coisas que estão por cima
dela se espalham por todos os lados. Parto para cima dele e aponto a arma em seu rosto. Ele fica
quieto.
— Eu o avisei que estou armado. Você é mesmo um idiota. — O puxo pelo colarinho e faço-o
se sentar. Ele olha para mim e para o cano da arma. — Não vim aqui entrar nos socos com você,
não sou moleque, vim esclarecer as coisas entre nós. Podemos conversar como dois homens
civilizados, agora?
Ele me olha com uma raiva mortal no olhar. Se eu não estivesse armado, com certeza, a esta
hora, nós estaríamos entre socos e pontapés. Allan coloca as mãos para o alto e assente com a
cabeça. Solto-o, mas continuo com a arma engatilhada.
— Foi o seu pai, não foi? Foi ele quem massacrou toda aquela gente da aldeia de Petra.
Miseráveis, bem que o meu pai desconfiou do seu clã.
Afasto-me lentamente dele. Guardo a arma no coldre e o encaro com um pouco de vergonha.
Não me orgulho do que o meu pai fez com aquele povo, na verdade, eu só fui saber sobre tudo
isso quando já era homem, foi quando ele me contou todas aquelas mentiras.
— Não vim aqui contar sobre os podres do meu pai, não tive nada a ver com aquela
atrocidade, eu era um adolescente quando tudo aconteceu, nem no clã eu morava. Mas,
respondendo à sua pergunta, sim, foi o meu pai, foi ele quem roubou a Jasmine do seu povo e o
matou.
Allan faz menção de se levantar e vir até mim outra vez. Faço um sinal com as duas mãos à
frente do corpo. Ele se contém.
— Deixe-me terminar o que vim fazer aqui. Posso?
Ele não parece feliz com esse fato, mas permanece em silêncio. Continuo.
— A versão dos fatos verdadeiros, eu só soube hoje. Contudo, ao completar dezoito anos, eu
soube que a Jasmine era minha prometida, e ela fazia parte de uma profecia. Seria a nossa união
a acabar de vez a maldição do nosso clã, e assim o poder voltaria para as nossas mãos. Quando
eu a conheci, ela tinha apenas sete anos. Eu ainda era muito dominado pelo meu pai e não via a
Jasmine como minha noiva, a via como um trunfo poderoso. Quando ela completou onze anos e já
usava o seu dom, comecei a perceber o quanto o meu pai a machucava, então eu resolvi protegê-
la. O que eu podia fazer para manter as mãos do meu pai longe dela, eu fiz.
Noto que, a cada palavra dita, Allan aperta as mãos em punhos e trinca o maxilar. Eu sei que
ele está pronto para pular em meu pescoço, no seu lugar eu já teria feito.
Continuo.
— Antes de ela completar dezesseis anos, matei o meu pai para protegê-la... — Allan
arqueia as duas sobrancelhas e solta um sonoro “O quê! ”, alarmado — Sim, eu o matei, e não me
arrependo. Ele ia matá-la e jamais eu permitiria isso — Meus olhos se fixam nos dele — A essa
altura, eu já estava completamente apaixonado por ela, no entanto, ela me odiava ou sentia medo
de mim, eu não sei, talvez as duas coisas. Não importava, eu já estava certo que a faria se
apaixonar por mim.
Engulo em seco. Pensativo, chego à conclusão que não é justo para mim, nem para ele, contar
os detalhes seguintes, então resolvo pular algumas verdades.
— Ela vivia em uma casa perto de Murraly, nossa cidade, bem em frente ao rio shonay, e
certa noite houve um temporal e o rio transbordou, e a Jasmine foi levada pela correnteza. Por
semanas, eu pensei tê-la perdido para sempre, no entanto, descobri que ela havia sobrevivido, e
desde então, eu a procuro. Contratei homens para fazer o serviço, e ontem pela manhã, a
encontrei no shopping...
— Então foi você quem a ajudou? — Ele sorri, incrédulo. — Que loucura é essa? E por que
você resolveu me procurar a esta hora para me contar tudo isso, não podia esperar amanhecer?
Se fosse assim tão fácil.
Mantive-me em silêncio por alguns segundos, não posso confiar em seu controle. Aliás, não sei
como ele pode se manter tão calmo.
— Por dois motivos. — Digo-lhe, olhando para o seu rosto seriamente. — O primeiro, é a
minha preocupação com a segurança da Jasmine e o segundo...
Allan aperta os lábios em um leve franzido.
— Ela está a salvo de você, vou garantir isso assim que você for embora. — Fico até com
vontade de gargalhar com o tom seco da sua voz.
— Não é de mim que você precisa protegê-la, eu morreria por ela. A pessoa que quer feri-la
pertence à sua família. — Gosto de lhe dizer isso, pois o rosto de Allan empalidece.
— Fale logo quem é a pessoa, seu imbecil. — Ele se levanta tão rápido que até me assusto
quando os nossos rostos estão juntos. — Quer atirar em mim, atire, só quero um motivo para
acabar com você, e garanto que não vou precisar de uma arma, será com minhas próprias mãos.
Ele me dá uma chave de braço, toma a minha arma e a joga longe.
— Não preciso de armas para defender quem eu amo, filho da puta, eu uso as minhas mãos
mesmo. Eu prometi usá-las para salvar vidas, mas posso abrir uma exceção para tirar a sua. —
Sinto que o ar falta em meus pulmões, meus olhos começam a lacrimejar — Vamos, diga logo quem
é o verme que quer ferir minha mulher. — Sacudo o meu corpo para me livrar do forte aperto de
Allan em volta do meu pescoço. — Filho da puta, eu vou te matar, não duvide disso. — Fala
ferozmente.
— Solte-me — Minha voz sai sufocada, já não consigo nem deixar meus olhos abertos. Ele me
solta e se afasta, olhando-me com ódio nos olhos.
Fito-o com perplexidade.
— Por todos os demônios, onde está o Allan paz e amor? — Digo, enquanto massageio o
pescoço com minhas mãos.
— Ele continua no mesmo lugar, é só não mexer com a minha mulher.
Já estou me enfurecendo com aquelas palavras, “minha mulher”.
Com irritação na voz, eu respondo:
— É o Ben, o seu cunhado, ele os enganou esse tempo todo. Ben é meu primo, filho do irmão
do meu pai. Foi ele o responsável pelo seu desaparecimento, e não vai sossegar até matar todos e
assumir o trono do clã. Ele conhece a história de Jasmine, sabe que ela, além de ter o dom da cura,
pode descobrir todas as suas maldades.
Allan corre para a mesa do escritório e pega o telefone.
— Vai ligar para quem? — Inquiro apressadamente.
— Para o hospital, preciso que fiquem de olho na Jasmine até eu chegar.
— Não precisa, ela não está lá, está em minha casa.
— Desgraçado! — Ele joga o aparelho em minha direção. Furioso, avança a passos largos
até me alcançar. — Como ousou tocá-la? — Agora é minha vez de imobilizá-lo. Prendo seus dois
braços atrás do corpo e o jogo no chão.
— Você quer se acalmar? Ela está bem, não a toquei, salvei a vida dela. Esqueceu que sou
um bruxo e tenho conhecimentos que o seu povo não tem? A Jasmine está acordada e muito bem
protegida, eu lhe garanto. Se acalme e me escute, tenho um plano para acabar com o Ben. —
Aproximo minha boca do seu ouvido e pergunto: — Posso soltá-lo agora?
Allan fica quieto, e entendo o silêncio como um sim. Solto-o. Ele se levanta, passa as mãos
pelos cabelos e anda de um lado a outro. Eu me sento e fico esperando-o se acalmar. Seu olhar
inquisidor encontra o meu.
— Estou escutando, despeja logo o seu plano.
— O Ben pensa que eu estou jogando o jogo dele e vou ajudá-lo. Ele foi até a minha casa
me pedir ajuda para acabar com a Jasmine, foi por isso que eu a tirei do hospital, se não fizesse
isso, ele teria feito. Allan, pensei muito sobre o que fazer, e cheguei à conclusão que não podemos
provar nada contra ele, será a minha palavra contra a dele, mas Ben pode confessar os crimes
dele para a Jasmine.
— Ficou louco, você acha que eu vou permitir que a Jasmine chegue perto daquele assassino?
Não tiro a razão dele, eu no lugar dele agiria da mesma forma. Pensando por outro ângulo, é
loucura mesmo, mas é o único jeito.
— Não se preocupe, ela estará protegida por mim, já disse que dou minha vida por ela.
Antes que aquele crápula pense em dar um passo em direção a ela, ele estará morto.
Allan relaxa os ombros enquanto me olha, desconfiado.
— Ok, se eu concordar com essa loucura, qual é o plano?
— Converse com a sua família sobre o que acabamos de falar e os leve para Murraly.
Estarei esperando por vocês em minha casa, mas vocês têm que chegar antes de Ben. Vou marcar
com ele às quinze horas, também mandarei colocar escutas em meu gabinete e na antessala que
fica ao lado. Assim vocês escutarão toda a conversa. Não se preocupe, nada acontecerá a
Jasmine, eu e mais dois seguranças ficaremos com ela. — Allan mal respira de tão tenso que está.
Levanto-me e fico frente a ele — Só tem um detalhe: Ben é assunto meu, eu me encarrego daquele
verme. Garanto a vocês que nunca mais saberão notícias dele, combinado?
Seu olhar duvidoso fixa-se ao meu. Allan fica pensativo por alguns segundos, depois respira
fundo.
— Você garante? — Assinto. — Então hoje, às quatorze horas, estaremos em sua casa.
Allan me lança um olhar frio, e eu vejo o pulsar das suas mandíbulas e sinto o seu ciúme. Eu
também sentiria.
— Você tem a minha palavra. Eu sou o rei do Clã Auystar, quero acabar de vez com as
desavenças entre os nossos clãs, e no mais, você pode até não gostar de ouvir isso, mas eu amo a
Jasmine. Só que ela ama você, e isso é o bastante para deixá-la ir. A felicidade dela é mais
importante do que o amor que eu sinto por ela. Temos um acordo? — Pergunto, enquanto estendo
a mão.
Ele olha para minha mão estendida e a segura.
— Eu juro, Kyran, se você não a devolver ou sequer tocar em um fio dos cabelos dela, eu o
caço até o inferno, mas eu o trago de volta, e juro que você vai pedir para que eu te mate
depressa. — Ele diz. Seu olhar não desvia dos meus por nenhum segundo, sua mão aperta a
minha duramente. Não reconheço aquele Allan, aquele não é o homem pacífico que todos elogiam.
— Não se preocupe, sua prometida voltará com você. — Ele solta a minha mão, vira-se, vai
até um canto da sala, agacha-se e volta até mim com minha arma na mão.
— Adeus, Kyran!
— Adeus Allan!
Capítulo 35
Já é dia quando chego em casa. Sigo direto para o meu quarto, na tentativa de ao menos
descansar minha mente atordoada. Antes de me deitar, chamo Conain. Minutos depois, ele está em
meu quarto.
— Conain, acorde os empregados e peça para que juntem todos os meus objetos pessoais e
os envie para a casa de campo hoje mesmo, mas só os meus objetos pessoais. Vou passar um
tempo isolado por lá, você cuidará de tudo por aqui. Se precisar de mim, sabe como me encontrar,
mas que isso não vire rotina. Não quero ver ou falar com ninguém, no entanto, quero saber de tudo
o que se passa em minha cidade.
— Por quanto tempo o senhor pretende ficar por lá, meu rei?
— Não sei, o tempo que for preciso. — Conto-lhe a minha conversa com Allan e o meu plano
de desmascarar Ben, inclusive o que vou fazer com ele após a nossa conversa.
— O senhor não está raciocinando, meu rei. Ele é seu primo, é um bruxo negro, o senhor não
pode matá-lo. — Fito-o com soberba.
— Tanto posso, como vou fazer. Assunto encerrado. Pode ir fazer o que eu mandei, preciso
dormir um pouco. — Ele me dirige um olhar decepcionado, mas se cala e some das minhas vistas.
Durmo pouco mais de quatro horas e levanto-me rapidamente. Hoje o dia não será
agradável, não para mim.
— Bom dia, meu senhor! — Selena serve o meu café enquanto leio o jornal local. A mesa está
completa com o rico café irlandês, mas só aceito uma xícara de café preto.
— Bom dia, Selena! A Jasmine já está acordada?
Selena para de me servir.
— Sim, senhor, e já fez o desjejum. — Como eu sequer a olhei, ela volta a servir o meu café,
pede licença e se retira.
Entorpecimento.
Essa palavra tem um senso de finalidade para mim. Contudo, posso afirmar que o meu torpor
é comparado à morte. Uma morte lenta e dolorida.
Vamos lá, Kyran, se é para sofrer, então sofra logo e com dignidade.
Deixo a mesa e sigo apressadamente para a suíte, onde a mulher da minha vida está.
Encontro Jasmine de frente à grande porta de vidro da varanda. Está tão abstraída em seus
pensamentos que nem percebe a minha presença. Pairo sobre ela, minha sombra eclipsando o seu
corpo.
— Bom dia, Jasmine! — Seu corpo vira rapidamente assim que escuta o som da minha voz.
Ficamos tão próximos que eu posso sentir a sua respiração quente em meu peito. Ela levanta os
olhos em direção aos meus.
A confusão está escrita sobre todo o seu rosto. Seus olhos piscam, abrem e fecham
rapidamente. Ela solta um pequeno gemido e em seguida, se desvencilha do meu corpo. Giro o
meu corpo em direção à sua imagem amedrontada se refugiando na cama. Só vejo o medo em
seus olhos enquanto ela abraça os joelhos.
— Eu não vou me casar com você, prefiro a morte mais dolorosa do que pertencer a um
homem que eu não amo. — Ela diz, a voz sufocada pelo medo e a angústia.
Sigo em direção da cama e sento no colchão. Avalio calmamente aquele rosto tão lindo e tão
assustado.
— Se acalme, Jasmine. Não sou seu inimigo e nem vou impor nada a você que não queira.
Estou aqui para explicar algumas coisas sobre o seu passado e sobre nós dois, só isso. Eu a amo
muito para fazê-la infeliz, acredite em mim.
Minha resposta envia algo aterrorizador para ela, e eu vejo uma onda de pânico através dos
seus lindos olhos azuis. Eu sinto a força com que ela tenta filtrar cada palavra.
— Você me ama? Como pode me amar, se eu nunca o vi antes. — Minha linda menina tenta a
todo custo associar as minhas palavras às suas lembranças. Eu sei o quanto assustador deve ser
para ela.
— Sim, Jasmine, eu a amo mais do que deveria amar, mas, por ora, eu só quero que me
responda a uma pergunta. Respondendo a esta pergunta, será mais fácil associar o que eu tenho a
dizer.
Olhando em seus olhos, vou aproximando lentamente minha mão a dela, e para minha
surpresa, ela não se afasta, deixa-me tocá-la.
— O que você lembra sobre o seu passado? Eu sei que deve ser difícil lembrar das coisas
ruins as quais passou, mas preciso saber o que se lembra.
Jasmine levanta uma sobrancelha para mim e encolhe os ombros.
— Lembro-me... — para pôr um instante, seu olhar perdido tenta encontrar o meu. Uma
lágrima desce lentamente por seu rosto. Sinto raiva de mim por fazê-la sofrer com lembranças tão
doloridas. — Lembro da Nina, a moça que cuidava de mim, da casa trancada onde eu só podia
ver o mundo através das fendas das janelas. Lembro dos homens que me machucavam e... lembro
do meu tio. Ele era o pior de todos, sempre me obrigava a fazer coisas que me deixavam muito
doente.
Ódio.
É o que sinto agora. Uma força dentro de mim impera, tenho vontade de soltar um berro, o
mais alto possível. Se eu tivesse o dom de ressuscitar os mortos, eu o faria. Ressuscitaria o meu pai
só para matá-lo outra vez.
— Você só lembra essas coisas? Não lembra de mais nada? — Minha mão permanece sobre
a dela, meu polegar acariciando suavemente a pele macia.
— Lembro de conseguir escapar das mãos cruéis do meu tio, mas depois outros homens, muito
mais cruéis, se apossaram de mim, e eles conseguiram ser piores, pois fui obrigada a me prostituir
e usar drogas... — Perco a conexão com ela. Jasmine puxa sua mão da minha e cobre o rosto com
elas, chorando copiosamente.
Puxo-a para mim e a abraço. É instintivo, é um puro ato de proteção.
— Esqueça essa parte, meu amor. Esqueça isso, aqueles homens tiveram o seu castigo, eles
pagaram muito caro por terem a tocado. Só quero que tente se lembrar de mim, só isso.
Ela me afasta e me olha, confusa.
— Se você estivesse lá, com todo esse amor que eu sinto que tem por mim, tenho certeza que
eu me lembraria de você. — Engole o soluço, enquanto limpo o seu rosto molhado pelas lágrimas.
— Jasmine, meu nome é Kyran. — Ela fica perplexa ao escutar o meu nome. — Lembra-se
agora? Eu sou o filho de Garvey, o homem que você pensava ser o seu tio. Ele nunca foi o seu tio,
ele era um tirano filho da puta, e infelizmente, era o meu pai.
Afasto-me dela. A raiva está tão latente em meu corpo que temo contaminá-la, por isso acho
necessário me afastar. Fico de pé diante da cama e vejo as lágrimas saírem dos seus olhos, uma
atrás da outra. Ela não diz nada, só me observa.
Você já sabia que seria assim, Kyran, engula o seu medo e continue, a verdade tem que ser dita.
Passo a mão por meus cabelos e sento-me outra vez, só que desta vez mantenho distância.
— Meu pai a sequestrou da sua aldeia, ele foi o responsável pela morte dos seus pais e a do
seu povo. A intenção dele era usar o seu dom, até você definhar...
— Dom!? — Sua voz soa alarmada, interrompendo-me. — Dom, que dom?
— Jasmine, eu pertenço ao clã dos bruxos negros, portanto, eu sou um bruxo, mas para ser
um, precisei estudar sobre as ciências ocultas. Foram necessários muitos anos e muitos sacrifícios
para chegar ao nível máximo dos bruxos, no entanto, você... você nasceu uma bruxa, uma bruxa
branca, você nasceu com o dom da cura, o dom de curar qualquer enfermidade.
— Está louco! Ou quer me enlouquecer. Eu não sou uma bruxa, e tampouco tenho essa coisa aí
que você disse. Se eu tivesse isso, você acha que eu não saberia? Vá embora daqui, deixe-me em
paz, se você diz me amar de verdade, deixe-me ir, deixe-me voltar para o Allan. Por favor, é só
isso que eu quero, o resto eu prefiro esquecer.
As suas últimas palavras são sussurradas com total melancolia.
— Jasmine, você não se lembra quando utiliza o seu dom. Meu Deus, Jasmine, você esquece
completamente tudo, e isso é culpa do meu pai. Você precisava ser iniciada, para poder usar o
dom, precisava aprender a separar a energia do doente da sua, só que não foi, por isso, quando
o meu pai a obrigava a curar aqueles moribundos, você ficava muito doente, e devido ao total
descaso dele, hoje você não poderá usar mais o seu dom, pois causaria a sua morte. Até pode
fazer pequenas curas que não exijam sua total concentração, e mesmo assim, só uma vez ou outra.
Ela me dá um olhar curioso e perplexo.
— Você está tentando me confundir. Isso tudo é um absurdo, fictício. Bruxas não existem, você
é doido.
Essa é a hora da dura verdade, e ela só acreditará se ver com os próprios olhos.
Vou até uma cômoda próximo à porta. Abro a gaveta e de lá eu pego uma tesoura grande e
afiada. Volto para onde Jasmine está e sento ao seu lado.
— Está vendo as minhas veias azuis? Você sabe que posso morrer se dilacerá-las, não sabe?
— Não a deixo responder; corto o meu pulso esquerdo, e logo o sangue escarlate fluiu através do
corte. — Se você não for rápida, eu morrerei. Não há médicos próximos desta casa e até que eles
cheguem estarei morto.
— Você é louco, louco! Eu não sou curandeira, eu não sou bruxa, por que fez isso? — Ela
grita, desesperada, enquanto olha o sangue fluir, grosso e quente.
— Jasmine, só você poderá me salvar. Faça, faça agora ou morrerei. — Murmuro. Sinto-me
dormente, não sinto dor, contudo, sinto muita dormência na mão.
— Eu não sei fazer isso, por favor, não morra — Ela olha em direção à porta, faz menção de
levantar. Eu sei qual a sua intenção: pedir ajuda.
— Não dará tempo, vou morrer antes que a ajuda chegue. — Fito-a com o olhar suplicante,
já sinto meus olhos turvos. — Jasmine, coloque sua mão sobre o meu pulso, não precisa fazer mais
nada, só traga a sua mão até o corte. Por favor, já não me sinto bem.
Reticente, ela o faz. E é como um imã, logo ela não consegue afastar sua mão. Ainda me
lembro como suas curas aconteciam. Jasmine sofria junto com o doente, ela gritava, sentindo sua
dor, suas mãos tremiam e o seu corpo inteiro convulsionava. Assim que sua mão fica sobre o meu
pulso, uma luz azulada surge e ela me olha, assustada.
— O que é isso? De onde esta luz surgiu? — Ela tenta puxar a mão, mas seu esforço é em
vão. — Oh, Deus! Está doendo! — Grita, assustada.
— Jasmine, respire. Respire e se concentre em algo não relativo à dor... — Digo, ofegante,
sentindo a mesma dor que ela sente. — Isso, meu amor, relaxe o corpo e apenas respire, só sinta a
força que está saindo de você, esqueça o resto.
Ela está assustada. Mas faz tudo o que mando. Logo a luz azul fica roxa e aos poucos vai
clareando. O cheiro de jasmim invade o quarto, e o meu corpo fica quente, provavelmente o dela
também.
— Está me queimando, Kyran, queima muito... — Ela começa a chorar, e eu me odeio por isso.
— Esqueça a dor, meu amor. Ela vai desaparecer, só sinta o seu poder invadindo o seu corpo.
Aceite-o e agradeça a natureza. Faça isso, faça isso agora, meu amor... Agora!
Ela fecha os olhos. Então, a luz lilás ostenta em sua grandiosidade.
— Abra os olhos, Jasmine, e veja o seu milagre. — Ela os abre. Meu olhar é de pura
admiração. Ela está tão linda, tão brilhante, seus cabelos ficam mais claros, quase brancos, e os
seus olhos se tornam azul celeste com pontos dourados. Ela parece um anjo.
Jasmine fita o corte em meu pulso. Boquiaberta, ela observa o corte se fechar e, aos poucos,
desaparecer completamente.
Ela consegue se afastar de mim e cai ao chão, abraçando os joelhos. Vou até ela e a pego
nos braços, trazendo-a de volta para a cama. Não consigo conter a minha emoção de tê-la tão
próximo ao meu corpo e beijo seus cabelos, seu rosto, até encontrar os seus lábios trêmulos, e assim
que os toco com os meus, congelo.
Não, Kyran, você não pode, ela não pertence a você.
Recuo minha cabeça, e meu olhar encontra o dela. Ficamos presos em nosso olhar por algum
tempo, até que eu mesmo quebro o silêncio.
— Perdoe-me, não contive minha emoção. — Ela não me repudia, se mantém no mesmo lugar,
com a boca quase colada à minha. — Eu amo tanto você, amo tanto que dói só de pensar que
nunca mais verei este lindo olhar.
Agora ela se afasta e baixa os cílios timidamente.
— Acredito no seu amor, mas eu não o amo, meu coração pertence a outro homem.
— Eu sei, não lutarei por você, Jasmine, só quero a sua felicidade. — Afasto-me, fico de pé e
a observo. — Você está bem? — Ela assente. — Agora acredita que tem o dom da cura?
— Sim, ainda é um pouco incongruente, mas não tem como negar tudo o que aconteceu aqui.
— Ela me fita com um olhar interrogativo. — Kyran, você pode responder alguns dos meus
questionamentos?
— Todos o que você quiser, meu amor. — Afirmo.
— Você também foi o responsável pela morte do meu povo e por meu cativeiro? Eu preciso
saber.
Bem, ela precisa saber de toda verdade, e a pessoa mais certa para fazer isso sou eu.
— Não. Eu soube da sua existência quando eu tinha 18 anos, e você, sete. Foi quando o meu
pai me contou sobre a profecia. Claro que ele distorceu tudo. Jogou a culpa em seus pais, dizendo
que eles eram contra a nossa união, e assim, ele foi obrigado a fazer tal atrocidade, para que
assim a profecia se cumprisse. Jasmine, eu fui criado sob o domínio do mal, fui instruído para a
maldade, e para mim, tudo o que o meu pai fazia estava certo, até que eu entendi e presenciei
você curando. Então, eu compreendi que o meu pai não se importava com você, e sim com o que
proporcionava para ele, assim eu comecei a protegê-la da maneira que eu podia. Tomei o lugar
dos seus torturadores, eu mesmo a castigava, eu a colocava no fosso. Não pense que eu gostava
de fazer isso, eu me odiava todas as vezes que fazia, mas era necessário, pois se fosse os homens
do meu pai, ou mesmo ele, seria pior.
Fiz uma pausa para respirar. Está difícil reviver minhas lembranças amargas e doloridas.
Lembranças espúrias. Ela continua me olhando com um olhar confuso, suplicante.
— Antes de você completar dezesseis anos, entendi que ele não aceitaria o nosso casamento
e que ele a queria morta, então, antes que ele a matasse, eu o matei. — Ela leva as mãos à boca
quando eu digo isso olhando em seus olhos, sem nenhum remorso. — Eu faria novamente se fosse
preciso, não me arrependo. Jasmine, apesar de ter salvado a sua vida, eu não fui bom o suficiente
para você. Em nome de uma profecia que não existia, eu a deflorei contra a sua vontade. Mesmo
que eu o tivesse feito por amor, não me redime do horror de tê-la violentado. Fui um mostro, e essa
é a única coisa a qual me arrependo. Não faria outra vez, não mesmo. — Seu olhar perdido
encontra o meu, e não vejo perplexidade nele, é como se ela já soubesse de tudo.
— Eu sei, não precisa reviver isso. Lembro-me de como tudo aconteceu. Eu senti medo, terror,
mas na sua segunda tentativa, eu senti o seu amor, quando me fitou nos olhos, arrependido e
horrorizado por minhas palavras. Lembro-me de tudo agora. Lembro dos seus gritos, da minha
volta para o meu cativeiro, da chuva, do rio me dragando. Lembro-me de acordar em outro lugar,
e depois de tudo isso, minha vida virou um inferno. Muitas vezes, eu me via chamando por seu
nome.
Ela chamou por mim... foi isso mesmo que eu ouvi?
Sento-me na cama. E ela toma a minha mão. É um toque tão maravilhoso que quase derreto.
Sentir seu carinho é um bálsamo para a dor dos meus pecados. Como viverei sem ela, como
sobreviverei sem o seu sorriso, sem o calor do seu corpo? Por todos os demônios, eu preciso de
forças para dizer adeus.
— Jasmine, quando descobri o que havia acontecido, me culpei, me odiei mil vezes, quase
enlouqueço. Após muitos dias, descobri que você não havia morrido e comecei a procurá-la.
Contratei homens para isso, e quando eu descobria que algum homem abusou de você, eu mesmo
os caçava até encontrá-los e os fazia sofrer por tudo o que lhe fizeram, e sem piedade, eu tirava
as suas malditas vidas.
— Oh, meu Deus! Kyran... — Ela diz, horrorizada. — Suas mãos estão sujas de sangue por
minha causa, por quê? Deus! Kyran...
Ela leva minha mão aos seus lábios e os pressiona sobre ela. Não posso resistir a isso, é uma
sensação atordoante. Suas lágrimas banham a pele da minha mão, eu preciso fazer isso parar.
Então, lentamente, eu puxo a minha mão da sua, afastando-a dos seus lábios quentes. Minhas mãos
espalmam nos dois lados do seu rosto, e o nosso olhar se encontra.
— Faria tudo novamente — digo, emocionado — Tudo o que fiz foi para protegê-la, e não
me arrependo. Hoje, olhando para você, vejo que valeu a pena, e peço perdão por todo o mal
que fiz a você — Ela tenta me interromper, mas não permito: colo minha boca na dela, e ela se
cala. Afasto-me e continuo: — Jasmine, eu sei que hoje será a nossa despedida, não a verei nunca
mais, mas antes de nos afastar definitivamente, preciso contar algo muito importante, e vou precisar
da sua ajuda. Posso contar com você?
Solto o seu rosto. Ela não responde, sua respiração ofegante me preocupa. Já ia argumentar,
quando seus dedos tocam o meu queixo e eles se arrastam pelo meu rosto, seu olhar examinando-o
de uma forma que ela nunca fez antes. Ela sorri timidamente.
— Tem a ver com o meu passado? Se tiver, não quero mais falar sobre isso, só te peço que
me deixe ir, só isso.
— Tem a ver com Allan e com a família dele e você. — Rebato. Ela segura um olhar incerto
ao meu, o medo reluz através da sua íris azul.
Há uma longa pausa, e a culpa apunhala meu coração, pois vê-la com duas rugas na testa e
os olhos lacrimejantes me quebram. Ela parece tão assustada. Tão nervosa.
— Respire, meu amor. — Prendo suas mãos entre as minhas. E o seu olhar suplicante pede
uma explicação. — Não precisa ficar nervosa, o Allan e você estão a salvo, não deixarei que
nada lhes aconteça, eu prometo.
— Por que eu sinto perigo em suas palavras, Kyran, o que aconteceu com o Allan? Ele está
bem, não está?
— Sim, ele está, e daqui a algumas horas estará aqui, ele e sua família.
Jasmine me olha com admiração, seu olhar se ilumina e um riso lindo se abre em seu rosto.
— Ele vem me buscar?
— Também, mas antes, precisamos da sua ajuda para resolver algo muito importante.
Então, eu conto sobre tudo. Conto-lhe sobre a verdadeira profecia, onde Allan é o verdadeiro
príncipe e ela é a sua prometida. Conto sobre Tessa, sobre o clã das bruxas brancas, sobre Gaar
e os seus descendentes, e entre eles está Ben Krull, marido da irmã de Allan, o homem que planejou
a sua morte e a morte de toda a família Eirc, inclusive a dela. Conto sobre as suas duas curas e
como eu descobri sobre tudo. Revelo que a sequestrei do hospital para protegê-la mais uma vez, e
conto os detalhes de como a trouxe de volta do coma.
Jasmine escuta tudo com atenção, ela mal pisca os cílios. Após toda a revelação, conto o meu
plano de desmascarar o Ben, e ela concorda em ajudar, sem pestanejar.
E antes de sair para verificar se tudo está pronto no meu gabinete, me despeço da minha
linda princesa.
— Jasmine, nunca mais em minha vida miserável amarei outra mulher como a amo. Hoje é o
dia mais infeliz da minha vida, e ao mesmo tempo, o mais feliz, pois eu sei que está bem e feliz,
como também eu sei que é amada por um homem que a merece muito mais do que eu... — engulo
minha emoção. Ela tenta dizer algo, contudo a impeço, com dois dedos sobre os seus lábios. Enfio
minha mão no bolso da minha calça e retiro de lá o colar com pedra lilás. — Este colar pertence a
você, ele é o símbolo da aliança entre o clã Cémel Loairn e o clã das Bruxas Brancas.
Coloco o colar em seu pescoço, e assim que ele fica entre os seios de Jasmine, a pedra torna-
se brilhante.
— Perdoe-me por tudo que a fiz sofrer. — Duas mãos quentes pairam em meu rosto, uma de
cada lado.
Recebo um beijo suave em meus lábios. Fecho os meus olhos e me perco em seu calor, na
sensação maravilhosa de paz que os seus lábios me dão. Talvez esta seja a última paz que o meu
coração irá sentir.
Seu olhar indulgente avalia o meu rosto, seu olhar encontra o meu, e com cálida voz me diz:
— Não precisa me pedir perdão, Kyran, desde que me entendo por gente, eu sempre tive a
percepção das pessoas boas e ruins, principalmente quando elas me tocam. E eu sei o quanto o seu
coração é bom. Obrigada por me amar tanto assim, e eu tenho certeza que você logo encontrará
uma mulher para amar e proteger. Não desista do amor, ele não desistirá de você.
Ela me beija outra vez. E é assim que eu me despeço para sempre do amor da minha vida.
Às duas horas, Allan e a sua família são encaminhadas para a sala que fica ao lado do meu
gabinete. Já está tudo preparado para que eles possam escutar toda a conversa. Um pouco mais
das quinze horas, Ben chega. O recebo em meu gabinete. Deixo dois seguranças no lado de fora
da sala e mais dois ficam dentro do gabinete, muito bem armados. Eu também estou armado. Assim
que Ben se acomoda confortavelmente em uma poltrona, peço que chamem a Jasmine. Já combinei
com ela a nossa farsa, ela passará a impressão de medo quando me vir, só assim dará a
segurança para o Ben abrir a boca e contar todos os seus planos sórdidos. E ele o faz, conta tudo.
Assim que Jasmine o vê, cai de joelhos ao chão, começa a chorar e olha para ele, revelando
toda a sua alma negra. Ele sorri, vitorioso. Jasmine pranteia ao relatar o que está vendo através
da sua áurea. Ele tenta chegar até ela, mas eu o impeço. A levanto do chão e ela corre para
longe das minhas mãos. Jasmine fica em um canto, olhando fixamente para Ben.
Ben pôs as cartas na mesa, destilando todo o seu veneno, revela até como se aproximou de
Ryan. Os dois estudaram na mesma faculdade, e Ben, como uma raposa, soube envolver o Ryan
com suas artimanhas de bruxo, tornou-se um amigo inseparável, e em pouco tempo já estava sendo
apresentado à família Eirc. Sua intenção era fazer a Hannah se apaixonar por ele, e conseguiu,
mesmo sendo através de bruxaria hipnótica. Ainda acrescenta que a Hannah é muito fácil de
manipular. Conta sobre os seus planos em destruir todos, inclusive Jasmine.
Fico admirado como minha menina sabe passar para Ben o seu medo e espanto. A cada
palavra que ele profere ela encolhe o corpo, e o miserável do meu primo se sente poderoso. Ele
relata por detalhes sobre o sequestro de Allan, confessa que realmente a intenção era matá-lo. Por
fim, após discursar toda a sua maldade, diz, com todas as palavras, que pretende dar um fim na
vida de Jasmine, assim ela não estragará os seus planos.
Olha para mim e diz já estar na hora de terminarmos com isso. Diz para eu não me
preocupar, pois ele tem o delegado da cidade de Conary em suas mãos, e ele já está avisado
quando encontrar o corpo de Jasmine. Vai colocar a culpa nos homens que sequestraram o Allan.
Estou tão furioso com a prepotência de Ben, que se eu pudesse acabaria com ele ali mesmo,
mas contenho a minha ira, o dele está reservado para daqui a algumas horas. Ordeno para que
os dois seguranças levem Jasmine para fora do gabinete. Olho para ela, emocionado, e despeço-
me com um adeus. Ela assente com a cabeça e vai embora. Allan e os outros já estão a esperando.
Dez minutos depois, meus seguranças retornam e dizem, em alto tom, que tudo já está feito
como o combinado. Ela partiu.
Meus olhos se dirigem para Ben. Ele sorri. O idiota nem sabe o que vai acontecer. Chamo os
seguranças e peço que o levem para o porão da casa. Ele me olha, pasmado.
— Como? — Meus seguranças seguram-no, um em cada braço. — Kyran, o que vai fazer?
Seu idiota, o que vai fazer comigo?
Fito-o com raiva no olhar.
— Não se preocupe, primo, logo saberá. Garanto que terá uma morte lenta e dolorida. —
Meu olhar encara o rosto dos meus seguranças. — Levem-no e se certifiquem de que as correntes
estarão bem apertadas, não quero que ele escape.
— Voltarei do inferno, Kyran, para assombrá-lo, pode ter a certeza disso, seu miserável! —
Ele sai arrastado do gabinete, direto para o seu destino: a morte certa.
Pego alguns documentos, a chave do meu carro e saio da casa. Todos os meus empregados
me aguardam no lado de fora, inclusive Conain. Este me olha com total desaprovação.
— Queimem tudo, não quero um tijolo inteiro nesta casa. — Fico encostado no carro. Esta casa
foi construída para Jasmine, não faz sentido mantê-la de pé. Assim que tudo virar cinzas, uma
escola será construída.
Fico por várias horas admirando o fogo devorar a mansão, que eu planejei e decorei com
tanto amor para a única mulher que amarei em vida. Só vou embora quando as labaredas estão
por toda a casa e eu tenho a certeza que o fogo já queimou tudo... inclusive Ben.
Capítulo 36
Minha mão paira sobre o seu quadril, enquanto minha pele pressiona as suas costas. Meus
dedos deslizam dos seus seios até o seu abdômen. Paro lá por alguns instantes. Nosso filho está
aqui. Ela ainda não sabe, mas eu sei. Ela ri para mim, enquanto acaricio o seu ventre liso. Devolvo
um riso safado, cheio de malícia.
Afasto suas pernas um pouco e deslizo minha mão para baixo. Aperto sua bunda,
espremendo sua carne entre os meus dedos. Minha boca sente o gosto da sua pele quando os
meus dentes mordem levemente o seu ombro. Ela mexe os quadris sutilmente, e eu me aproveito da
sua desfaçatez, reajo e colo-me nela, para que ela saiba o quanto eu a quero.
— Pequeno anjo — Minha voz é apenas um sussurro, arrebatada pelo meu desejo
ensandecido por ela. — Não me provoque, estou a ponto de cometer loucuras por você.
— Moço Bonito, eu quero. Quero que cometa todas as loucuras que quiser, sou seu parquinho
de diversões.
Ela sabe me provocar. Suas palavras são uma rajada de ar quente em minha mente
pervertida. Eu sei o que ela quer, no entanto, eu não lhe darei... não agora. Jasmine tenta pôr a
mão entre suas coxas, mas eu a impeço.
— Moço Bonito, eu preciso, por favor.
Minha ereção está contra a parte de trás da sua coxa, e roço nela com deliberação. Ela
agarra o meu pescoço e vira a cabeça para me beijar. O beijo é tão poderoso quanto o mais
poderoso dos trovões, pois há explosões em todos os meus sentidos. Essa moça linda sabe me
derrubar.
— Moça, eu vou me saciar de você agora. Estou com tanta fome que devoraria você com uma
só estocada. — Murmuro em sua boca.
Ela morde o meu lábio inferior, enquanto minha mão desliza entre suas coxas. Ela solta um
grito ofegante, quando o meu dedo provoca o seu clitóris.
— Allan, me foda logo, por favor. — Diz sofregamente, com os lábios sobre os meus.
Olho fixamente para ela enquanto roço minha ereção em sua bunda. Viro-a bruscamente,
fazendo-a ficar de frente a mim, meu corpo cobrindo o dela. Adoro esta posição, pois tenho a
sensação que a protejo de tudo enquanto estamos indefesos, nos amando.
Seguro firme o seu quadril e a preencho com meu membro duro e quente por ela. Arranho a
pele macia do seu pescoço com os meus dentes. Sempre tenho essa premência de marcá-la quando
estamos fazendo amor, a necessidade de poder deixar algo de mim em seu corpo, algo que eu
possa ver depois, só para ficar admirando e preencher o ego do meu homem das cavernas
interno.
Demonstrações de total controle e posse estreitam a conexão entre nós. Saber que ela é
totalmente minha e que nada nem ninguém nesse mundo pode tirá-la de mim é malditamente divino.
Ela é minha, e eu sou dela, e juntos seremos uma família.
— Moça, eu ficaria dentro de você para sempre, meu pau é completamente viciado por tudo
que diz respeito ao seu corpo. Ele a quer tanto, que quando a cabeça de cima pensa a de baixo
pulsa. — Falo, olhando para aqueles lindos olhos azuis.
Subo minha boca sobre seu corpo, tocando-o de todas as maneiras possíveis. Tudo em mim é
possessivo sobre ela: mãos, boca, língua, e o mais ciumento de todos, o meu pênis.
Estou totalmente dentro dela, sentindo a pressão da sua vagina em meu pênis.
— Nossa! Desse jeito eu gozo antes do tempo...
Meu membro pulsa dentro dela. Estou tentando obter controle, não sei se serei capaz de
segurar o prazer que cresce dentro de mim. Ela tem esse dom de encher o meu corpo com um
calor delicioso, deixando-me completamente perdido. Fecho os meus olhos para tentar não colocar
a perder esse momento tão singular. Entro de novo em sua vagina, um pouco mais fundo.
Massageio o seu clitóris, então sinto os músculos da sua vagina se contraírem ao redor do meu
pênis.
— Cacete! Você é minha perdição — murmuro em seu ouvido. Ela procura o meu olhar, e sem
desviar os olhos dos meus, sua boca encontra a minha.
Lentamente, movo meu corpo mais a cada estocada, até estar tão fundo nela que posso sentir
minhas bolas batendo em sua bunda. Os olhos dela reviram, em êxtase.
— Olhe para mim — Exijo, quase sem fôlego. — Gosto de ver os seus olhos quando estou
fazendo amor com você.
Seguro o seu cabelo e o puxo, não com muita força, minha intenção é deixá-la com mais
tesão.
— Vamos fazer isso juntos — Estoco com mais força, e ela solta um gemido de prazer e fecha
os olhos — Não... — urro — olhe para mim, veja o que você faz comigo quando estou todo dentro
de você.
Ela me obedece. Sinto a pressão do prazer crescer dentro de mim, o corpo dela tremer.
Jasmine morde o lábio inferior quando a fúria arrebatadora nos consome. Encaixo o meu corpo ao
dela, meus olhos presos nos dela. Nos beijamos enquanto ela goza, e estoco com mais força,
exigindo todo o seu corpo, cada polegada dele.
Meu prazer vem logo em seguida, poucos segundos depois. Meu corpo entra em convulsão,
espasmos e grunhidos ferozes escapam da minha garganta, para logo em seguida derramar a
minha essência explosiva dentro do seu corpo.
Sem fôlego e molhados de suor, contudo felizes, somos um só, nesse extraordinário momento.
Se ela é minha prometida ou não, a verdade é uma só. Nascemos um para o outro, pois eu me
apaixonei por ela duas vezes. Vivemos duas vidas, fui duas pessoas. E em todas elas, a amei e
amo com toda a força divina do meu coração.
Fito-a com toda ternura e digo-lhe:
— Você sempre estará em minha memória. Posso ter mil vidas diferentes, posso perder a
memória um trilhão de vezes, mas você sempre permanecerá em mim. Meu amor por você é
indestrutível, ele é quem comanda a existência do meu ser. Não importa quem eu seja, sempre será
você. Te amo, Jasmine.
— Eu sei, meu amor. Sinto o seu amor quando as minhas mãos tocam o seu corpo, foi por isso
que eu vim com você para a Irlanda, pois mesmo sabendo que não se lembrava de mim, eu sentia
o seu amor com o simples toque das minhas mãos em você. — Ela chora, e eu também. — Agora
estou a salvo, nunca mais terei medo, nem solidão, pois eu tenho você.
— Para sempre, minha princesa e rainha da minha vida. — Digo-lhe, enquanto a encho de
beijos.
— Sim, para sempre, meu príncipe e meu rei, pois o nosso reino é este aqui, a nossa vida.
Ela sorri um riso lindo, e a sua mão toca o meu peito. Através deste toque, sinto um calor
crescer dentro mim e uma luz lilás surge, nos iluminando. O calor das mãos da minha pequena
bruxa nos aquece e ilumina, o cheiro de jasmim invade nosso quarto. Já estou acostumado com isso,
ela adora me presentear com a quentura do seu amor.
Jasmine não pode usar o seu poder curativo, no entanto, ela adora aquecer o meu coração
com a sua luz. Apesar de ter sido cético por tantos anos, hoje eu acredito no poder da natureza,
acredito nas tradições do meu clã. Aprendi minha lição, e aceito o fato de ser filho de um rei e ser
o marido de uma bruxa. Apesar de ter passado o direito ao meu irmão de assumir o lugar do meu
pai, eu sei que sou um príncipe e a minha mulher é uma princesa. Convivo bem com isso.
E até estou aprendendo a usar ervas medicinais em minhas receitas médicas, mas com cautela,
só para chás e banhos, unido à medicina tradicional.
A vida é engraçada. Não acreditava em nada que a ciência não pudesse explicar. Agora eu
sei que há muitos mistérios no universo, que nem sempre podemos explicar. Eu curo com as mãos
através da ciência do homem, e minha mulher cura com as mãos através do saber divino.
Puxo Jasmine para mim e beijo a sua testa. Ela me abraça. Agora posso fechar os meus olhos
e dormir, com a certeza que o meu amanhã será calmo e cercado de amor, o amor dela por mim.
— Boa noite, meu amor. — Ela diz, se aconchegando em meu peito.
— Boa noite, pequeno anjo. Amo você. — Beijo seus cabelos e fecho os olhos. Amanhã iremos
buscar os nossos amigos brasileiros no aeroporto. Nosso casamento será no dia seguinte.
Valter, C4, Vivi, Lady e Manolo chegam em Dublin às dez horas da manhã. Descobrimos que o
Manolo não se chama Manolo, na verdade, o nome dele é Luiz Coimbra Pereira. Manolo precisou
nos contar toda a verdade, pois eu perguntei sobre os seus documentos para fazer o seu
passaporte. Fiquei surpreso ao saber que ele já tinha um, foi quando me contou sobre o seu
passado.
Manolo, ou Doutor Luiz, é na verdade, um renomado cientista português. Ele é muito respeitado
em Portugal, pois os seus estudos ajudaram muitas pessoas na luta contra as drogas, ele conseguiu
encontrar substâncias curativas em algumas ervas para a cura do vício. Ele só não conseguiu curar
a tempo o seu único filho, que faleceu de overdose. Luiz já havia perdido a esposa para um
câncer de mama, e o seu filho era o seu único motivo para acordar todos os dias.
Ao receber a notícia da morte do filho, Luiz abandonou tudo e partiu de Portugal, indo parar
em São Francisco, no Brasil. Deu para si outro nome e começou a ajudar as pessoas que
encontrava em seu caminho, e da maneira que ele sabia fazer, com plantas e sementes.
Bem, conversei com o meu pai, e ele concordou em aceitá-lo em nossa cidade. Ele terá total
ajuda para estudar as ervas que cercam a nossa cidade, poderá desenvolver medicações naturais
para ajudar a todos que não podem custear um tratamento em clínicas particulares. Em troca, meu
pai irá pessoalmente ao Brasil providenciar moradia, trabalho e ajuda financeira para a
comunidade que o Luiz fundou em São Francisco.
Minha irmã Hannah, após se livrar do poder hipnótico de Ben e ter a certeza que se desligou
por completo do seu ex-marido, resolveu realizar um dos seus maiores sonhos: fará mestrado em
escritos irlandeses. Agora que é uma mulher livre, pode conduzir a sua vida sem a influência dos
pais. Com isso, vai voltar a estudar e continuar suas pesquisas sobre a misteriosa Irlanda. Ela está
feliz, será uma mulher independente, sem amarras e sem precisar da permissão de qualquer
pessoa para comandar a sua vida. Agora, eu reconheço a minha irmã, e eu sei que, muito em
breve, o seu lindo coração será arrebatado por um amor incondicional.
Até o sexto mês de gravidez, fiz viagens ao céu e ao inferno. Jasmine sofria demais com os
enjoos e desmaios, não conseguia nem trabalhar direito, pois eu sabia quando ela estava se
sentindo mal. Ninguém precisava ligar para avisar, eu sentia todos os seus sintomas. Sim, é algo
muito louco, mas depois de tudo que eu e ela passamos e as coisas que eu vi, nada mais me
surpreende.
Sem esquecer que estou casado com uma bruxa branca. E ela tem o dom da cura. Se eu
contar para alguém, vão me chamar de louco. Portanto, tudo que vier depois disso será lucro.
Hoje, não foi diferente. Já estava me preparando para entrar na sala de cirurgia, quando
senti uma dor no abdômen e muita falta de ar. Precisei me apoiar no ombro do meu ajudante para
não cair de joelhos. Jasmine veio em meu pensamento, e eu escutei sua voz me chamando.
Agora, estou correndo feito um louco, ultrapassando todos os sinais de trânsito a caminho de
Nevan. Após o oitavo mês, chegamos a um acordo: era melhor ficarmos na casa dos meus pais.
Jasmine não quer ter o bebê no hospital, ela aceitou a sugestão da mamãe de deixar o nosso
filho vir ao mundo quando ele estiver preparado. Temos duas doulas muito experientes, ambas com
formação em obstetrícia. Mamãe também está apta a trazer o seu neto ou neta ao mundo.
Em nosso clã, só as mulheres ajudam no parto. Quando é necessário, nós, homens, só
observamos e nos concentramos com as energias do universo. Hoje eu sei disso, e procurei me
informar com os anciões durante toda a gestação de Jasmine.
Jasmine não quis saber o sexo do bebê, mas fizemos todos os exames necessário durante
toda a gravidez.
Bem, agora eu acredito na força da natureza, no entanto, é sobre o nascimento do meu filho,
então é melhor prevenir do que remediar. Antes de sair do hospital, peço à obstetra de Jasmine
para me seguir com a ambulância até a casa do meu pai, caso houvesse a necessidade de uma
intervenção cirúrgica.
Estaciono o carro de qualquer jeito. Marita já está à minha espera, na entrada da casa.
— Onde está a Jasmine? Cadê ela? — Entro em casa desesperado, já a caminho do nosso
quarto. Ela não está lá. — Cadê ela, Marita? — Grito.
Marita está logo atrás de mim.
— Calma, meu príncipe... — Fito-a com impaciência. — A princesa Jasmine está no santuário,
estão todos lá...
Nem espero que termine a frase, corro para o local.
O santuário fica no caminho da cachoeira, é o local preferido de Jasmine. Bem próximo do
riacho fica o local de orações dos meus pais, construído com paredes de paus de bambus e
coberto por folhas de palmeira real, cercado de muita vegetação e flores variadas. Realmente, o
nome santuário é muito bem empregado, pois o lugar transmite muita paz, e hoje o local está em
plena harmonia com o universo. Os pássaros resolveram nos acalantar com as suas cantorias.
— Filho, para onde está indo? — Meu pai vem apressadamente em minha direção. — Marita,
você não o orientou a se vestir? — Ele ralha com ela. Encaro meu pai e depois a Marita.
— Vestir! — Alarmo, sem paciência. — Pai, eu quero ver a minha esposa, onde ela está?
— Sua esposa está muito bem e em boas mãos. Agora, você precisa se purificar e vestir as
roupas apropriadas, afinal estamos prestes a receber um novo ser em nossas vidas e ele merece
ser muito bem recebido. Vá se trocar.
Eu sei que não adianta argumentar. Viro-me e sigo Marita.
Manolo me banha com ervas perfumadas, visto calça branca e uma camisa lilás, roupas iguais
a que todos estão vestidos, os homens. Marita veste um vestido branco, e em seu pescoço uma
echarpe lilás, com flores de jasmim nos cabelos.
— Pronto, meu filho — Manolo me olha com admiração e um brilho no olhar. — Chegou o
momento mais divino na vida de um homem, o nascimento de um filho. Não existe presente maior do
que esse, saber que através de você nascerá uma outra vida. Assim que ele chorar, agradeça a
Deus por ter lhe dado essa oportunidade. Não esqueça, certo?
— Não esquecerei, meu velho. — Digo, enquanto o puxo para um abraço.
Lado a lado, caminhamos em direção ao santuário. Quando chego ao local, fico
embasbacado de admiração.
Puts! Ela está tão linda, dentro de uma piscina, com pequenas flores de jasmim boiando por
toda a superfície da água, em seus cabelos há flores maiores. As doulas estão com ela e cantam
um mantra. Minha mãe, Muriel e Hannah estão sentadas na borda, ao seu lado. O ambiente está
iluminado por algumas velas, tudo foi preparado para a chegado do nosso filho. Pouca iluminação
para não agredir os seus olhos e muita água, pois ele está dentro de uma bolsa de água na
barriga da mãe, e lá não existe luz nem barulho, por isso é necessário que, ao nascer, ele se sinta
como se ainda estivesse no útero e vá se acostumando ao seu novo mundo aos poucos.
O nascer é um período de transição muito complicado para todos nós, se faz necessário muito
amor, muita paz, tranquilidade no nascer, e nos primeiros seis meses do recém-nascido, é isso que
formará a primeira impressão do novo descendente da terra.
Hannah me vê e chama a atenção de Jasmine para mim. Seu olhar encontra o meu.
Emocionado por tanta beleza, adianto um passo em sua direção, mas sou barrado por um braço.
Meu pai me impede.
— Não, meu filho. Agora não, nós, homens, só vamos atrapalhar a natureza. Por enquanto, só
as mulheres podem ficar com a Jasmine, e mesmo assim não podem interferir, só se houver
necessidade. A Jasmine está preparada para o chamado da natureza, seu filho virá quando for a
hora, não podemos interferir.
Jasmine solta um grito. Eu me desespero. A cada contração que ela sente, eu também sinto, e
luto dentro de mim para não correr até ela, mas me contenho, e entro em plena harmonia com meu
pai, Manolo, Ryan e os anciões.
Duas horas de sofrimento para mim. Contudo, escuto o meu nome.
— Allan. — Abro os meus olhos. Minha mãe me chama. — Venha ver o nascimento do seu
filho, ele já coroou... — Não a espero terminar a frase. Solto a mão do meu pai e corro. — Retire
os chinelos, a meia protetora e entre na piscina. Estenda a mão em concha e o espere sair
completamente, não toque em sua esposa, deixe a natureza fazer o seu trabalho.
Faço o que ela manda. Vejo uma cabeça com pouco cabelo coroar. É tão rápido. Ele
escorrega diretamente para as minhas mãos, e a doula me manda retirá-lo da água. Ele não
chora, mas resmunga.
Obrigado, Deus!
— É um lindo menino, príncipe Allan. Seu filho é um verdadeiro Eirc, não chorou. — A doula
pede para que, antes de cortar o cordão umbilical, eu converse com o bebê junto com Jasmine,
explicar o quanto o amamos.
É o que faço; deixo o meu filho sobre o seio de Jasmine e, emocionados, conversamos com ele
enquanto a doula corta o cordão que liga mãe e filho.
Olho para Jasmine com lágrimas jorrando por todo o meu rosto.
— Obrigado! Amo você. — Ela ia responder, mas solta um pequeno grito de dor.
Desesperado, fito a doula.
Ela me encara, sorrindo, e diz em um tom de pleno louvor:
— O Todo Poderoso o presenteou com dois filhos, meu príncipe, são gêmeos. Rápido, venha
receber o seu outro filho.
Como outro? Fizemos todos os exames e em nenhum deles houve a confirmação de uma
gestação gemelar. Só há uma explicação para isso; Os mistérios do universo, principalmente aos
que se refere a minha mulher.
A outra doula pega o bebê que está sobre o seio de Jasmine e o entrega à minha mãe.
Chego a tempo de estender minhas mãos e segurar meu outro filho. Acontece da mesma forma, o
pequeno corpo é amparado por mim. Faço o mesmo que fiz com o primeiro, a levo até o seio de
Jasmine e conversamos com a nossa filha, enquanto o cordão é cortado.
A pequena está de olhos abertos, nos olha como se já nos conhecesse. Uma mãozinha segura
o meu dedo e outra se espalma no lado do coração de Jasmine, e assim que ela toca sobre ele,
uma pequena luz azulada se acende. Ficamos maravilhados com o fenômeno. Assim que isso
acontece, Jasmine respira profundamente, e o cheiro de jasmim toma todo o lugar. A luz lilás flutua
sobre as duas e, segundos depois, desaparece.
Olhamos para os anciões em busca de explicação.
O mais velho de todos diz:
— A profecia se cumpriu, o poder da cura está de volta à natureza. Sua filha o enviou de
volta ao seu verdadeiro dono, o nosso criador.
A obstetra é chamada para examinar os meus filhos. Pesa, os mede, e depois de longos
minutos, nos diz que os bebês estão muito bem de saúde. Ela examina a Jasmine e também me diz
a mesma coisa.
Lyan nasceu com 2.600 Kg e 49 cm; Brid, com 2.570 kg e 45 cm. Lyan tem olhos verdes e
provavelmente seus cabelos serão loiros. Já Brid tem uma farta cabeleira negra e lindos olhos
azuis, realmente é uma linda mistura minha e de Jasmine.
Agora, somos uma família de quatro. E só tenho a agradecer por tanta sorte. Só queria uma
mulher para amar e proteger, e hoje, eu tenho muito mais do que pedi. Os meus bens mais
preciosos. Obrigado, Deus!
Citação:
A moral desse livro é: Quando existe amor verdadeiro, não se esquece o sentimento. Você pode
esquecer rostos, mas o sentimento é para sempre.
Próximo Romance
Tão Minha
(Terceiro livro da Série Os Lafaiete)
A História do Marcos e Alexia (A moça gato)
Marcos Lafaiete é um policial federal acostumado a lidar com os mais perigosos traficantes.
Homem de personalidade forte, teimoso, destemido e de pouca paciência, de todos os irmãos
Lafaiete ele é o único que não deixa as emoções falarem alto, mesmo porque, sua profissão exige
frieza e determinação, por isso não permite que o coração tome o lugar da razão. Até que uma
missão muda isso.
Alexia Rodrigues foi salva das garras do líder do mais perigoso cartel de tráfico humano.
Marcos a resgatou, a deixou em um local seguro e se afastou. No entanto, a moça dos olhos lindos
e danificada até a alma conseguiu mexer algo dentro dele. Ele não consegue esquecê-la, e apesar
de ser arisco a sentimentos, ele mantém sempre um olho sobre ela, mesmo mantendo uma distância
segura dela e do que ela lhe desperta.
Quando a ameaça paira sobre Alexia mais uma vez, Marcos não hesita em ir ao seu encontro,
prometendo protegê-la, nem que para isso precise matar com suas próprias mãos.
Aventura, ação, suspense e um amor arrebatador será a trama deste romance tão esperado.
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Notes
[←1]
É o instante em que determinado hemisfério da Terra está inclinado cerca de 23,5º na direção do Sol, fazendo com
que receba mais raios solares.
[←2]
Droga (cocaína, maconha, craque, qualquer uma delas)
[←3]
O Claddagh é caracterizado pelo simbolismo que isso implica: Duas mãos em torno de um coração, completos com uma
coroa é a expressão do verdadeiro amor ou amizade eterna. O coração simboliza o amor, a amizade e mãos a coroa
de lealdade e fidelidade.
Table of Contents
Mensagem
Playlist
Sinopse
Prólogo
Início
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
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