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Editora Chefe

Profª Drª Antonella Carvalho de Oliveira


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Natalia Oliveira
Bruno Oliveira
Flávia Roberta Barão
Bibliotecário
Maurício Amormino Júnior
Projeto Gráfico e Diagramação
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Camila Alves de Cremo
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Luiza Alves Batista
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Imagens da Capa 2020 by Atena Editora
Shutterstock Copyright © Atena Editora
Edição de Arte Copyright do Texto © 2020 Os autores
Luiza Alves Batista Copyright da Edição © 2020 Atena Editora
Revisão Direitos para esta edição cedidos à Atena
Os Autores Editora pelos autores.

Todo o conteúdo deste livro está licenciado sob uma Licença de


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Ciências Exatas e da Terra e Engenharias


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Prof. Dr. Juliano Carlo Rufino de Freitas – Universidade Federal de Campina Grande
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Profª Drª Andreza Lopes – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Acadêmico
Profª Drª Andrezza Miguel da Silva – Faculdade da Amazônia
Profª Ma. Anelisa Mota Gregoleti – Universidade Estadual de Maringá
Profª Ma. Anne Karynne da Silva Barbosa – Universidade Federal do Maranhão
Prof. Dr. Antonio Hot Pereira de Faria – Polícia Militar de Minas Gerais
Prof. Me. Armando Dias Duarte – Universidade Federal de Pernambuco
Profª Ma. Bianca Camargo Martins – UniCesumar
Profª Ma. Carolina Shimomura Nanya – Universidade Federal de São Carlos
Prof. Me. Carlos Antônio dos Santos – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Prof. Ma. Cláudia de Araújo Marques – Faculdade de Música do Espírito Santo
Profª Drª Cláudia Taís Siqueira Cagliari – Centro Universitário Dinâmica das Cataratas
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Prof. Me. Daniel da Silva Miranda – Universidade Federal do Pará
Profª Ma. Daniela da Silva Rodrigues – Universidade de Brasília
Profª Ma. Daniela Remião de Macedo – Universidade de Lisboa
Profª Ma. Dayane de Melo Barros – Universidade Federal de Pernambuco
Prof. Me. Douglas Santos Mezacas – Universidade Estadual de Goiás
Prof. Me. Edevaldo de Castro Monteiro – Embrapa Agrobiologia
Prof. Me. Eduardo Gomes de Oliveira – Faculdades Unificadas Doctum de Cataguases
Prof. Me. Eduardo Henrique Ferreira – Faculdade Pitágoras de Londrina
Prof. Dr. Edwaldo Costa – Marinha do Brasil
Prof. Me. Eliel Constantino da Silva – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Prof. Me. Ernane Rosa Martins – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás
Prof. Me. Euvaldo de Sousa Costa Junior – Prefeitura Municipal de São João do Piauí
Profª Ma. Fabiana Coelho Couto Rocha Corrêa – Centro Universitário Estácio Juiz de Fora
Prof. Dr. Fabiano Lemos Pereira – Prefeitura Municipal de Macaé
Prof. Me. Felipe da Costa Negrão – Universidade Federal do Amazonas
Profª Drª Germana Ponce de Leon Ramírez – Centro Universitário Adventista de São Paulo
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Universidade do Oeste de Santa Catarina
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Profª Ma. Isabelle Cerqueira Sousa – Universidade de Fortaleza
Profª Ma. Jaqueline Oliveira Rezende – Universidade Federal de Uberlândia
Prof. Me. Javier Antonio Albornoz – University of Miami and Miami Dade College
Prof. Me. Jhonatan da Silva Lima – Universidade Federal do Pará
Prof. Dr. José Carlos da Silva Mendes – Instituto de Psicologia Cognitiva, Desenvolvimento
Humano e Social
Prof. Me. Jose Elyton Batista dos Santos – Universidade Federal de Sergipe
Prof. Me. José Luiz Leonardo de Araujo Pimenta – Instituto Nacional de Investigación
Agropecuaria Uruguay
Prof. Me. José Messias Ribeiro Júnior – Instituto Federal de Educação Tecnológica de
Pernambuco
Profª Drª Juliana Santana de Curcio – Universidade Federal de Goiás
Profª Ma. Juliana Thaisa Rodrigues Pacheco – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Profª Drª Kamilly Souza do Vale – Núcleo de Pesquisas Fenomenológicas/UFPA
Prof. Dr. Kárpio Márcio de Siqueira – Universidade do Estado da Bahia
Profª Drª Karina de Araújo Dias – Prefeitura Municipal de Florianópolis
Prof. Dr. Lázaro Castro Silva Nascimento – Laboratório de Fenomenologia & Subjetividade/UFPR
Prof. Me. Leonardo Tullio – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Profª Ma. Lilian Coelho de Freitas – Instituto Federal do Pará
Profª Ma. Liliani Aparecida Sereno Fontes de Medeiros – Consórcio CEDERJ
Profª Drª Lívia do Carmo Silva – Universidade Federal de Goiás
Prof. Dr. Lucio Marques Vieira Souza – Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da
Cultura de Sergipe
Prof. Me. Luis Henrique Almeida Castro – Universidade Federal da Grande Dourados
Prof. Dr. Luan Vinicius Bernardelli – Universidade Estadual do Paraná
Prof. Dr. Michel da Costa – Universidade Metropolitana de Santos
Prof. Dr. Marcelo Máximo Purificação – Fundação Integrada Municipal de Ensino Superior
Prof. Me. Marcos Aurelio Alves e Silva – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
São Paulo
Profª Ma. Maria Elanny Damasceno Silva – Universidade Federal do Ceará
Profª Ma. Marileila Marques Toledo – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri
Prof. Me. Ricardo Sérgio da Silva – Universidade Federal de Pernambuco
Profª Ma. Renata Luciane Polsaque Young Blood – UniSecal
Prof. Me. Robson Lucas Soares da Silva – Universidade Federal da Paraíba
Prof. Me. Sebastião André Barbosa Junior – Universidade Federal Rural de Pernambuco
Profª Ma. Silene Ribeiro Miranda Barbosa – Consultoria Brasileira de Ensino, Pesquisa e
Extensão
Profª Ma. Solange Aparecida de Souza Monteiro – Instituto Federal de São Paulo
Prof. Me. Tallys Newton Fernandes de Matos – Faculdade Regional Jaguaribana
Profª Ma. Thatianny Jasmine Castro Martins de Carvalho – Universidade Federal do Piauí
Prof. Me. Tiago Silvio Dedoné – Colégio ECEL Positivo
Prof. Dr. Welleson Feitosa Gazel – Universidade Paulista
Argumentação e linguagem
2

Editora Chefe: Profª Drª Antonella Carvalho de Oliveira


Bibliotecário Maurício Amormino Júnior
Diagramação: Luiza Alves Batista
Correção: Emely Guarez
Edição de Arte: Luiza Alves Batista
Revisão: Os Autores
Organizadores: Marcelo Máximo Purificação
Sheila Maria Pereira Fernandes
Akira de Alencar Borges Bessa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

A694 Argumentação e linguagem 2 [recurso eletrônico] /


Organizadores Marcelo Máximo Purificação, Sheila Maria
Pereira Fernandes, Akira de Alencar Borges Bessa. –
Ponta Grossa, PR: Atena, 2020.

Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5706-443-6
DOI 10.22533/at.ed.436202509

1. Língua portuguesa – Composição e exercícios.


2.Linguística. I. Purificação, Marcelo Máximo. II. Fernandes,
Sheila Maria Pereira. III. Bessa, Akira de Alencar Borges.
CDD 469.8

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

Atena Editora
Ponta Grossa – Paraná – Brasil
Telefone: +55 (42) 3323-5493
www.atenaeditora.com.br
contato@atenaeditora.com.br
APRESENTAÇÃO

Caríssimos leitores, apresentamos a vocês a obra “Argumentação e Linguagem


2”, que traz de forma interdisciplinar o diálogo argumentativo e prático, materializado
no desenho teóricos de investigações que foram desenvolvidas por pesquisadores
de instituições diversas de nosso país. Uma obra, que chega num momento, marcado
pela complexidade do distanciamento social. Momento esse, em que as pessoas estão
experimentando outras formas de diálogos. Nesse cenário, falar de argumentação e
linguagem nos remete a retórica clássica que permeia o discurso, realizado e o seu efetivo
resultado nas práticas e relações sociais. E, dessa junção cercada de simbolismo nos
deparamos com as representações do social, se alargando nos mais variados discursos.
A obra está estruturada em 21 artigos teóricos organizados em duas partes. A
primeira integra 11 artigos que perpassam a temática “Argumentação e Linguagem”
nos seguintes liames: leitura interativa, letramento, literatura infantil, diálogos, semioses
múltiplas, mapas conceituais, tramas, portfólio de textos, produção textual entre outros.
Na segunda parte, são 10 artigos que fazem a integração dialógica com a temática desta
obra, a partir dos seguintes vieses: pensamento computacional, formação de professores,
oficinas pedagógicas, relatos, linguística, ensino da língua portuguesa, literatura infantil/
juvenil contemporânea, análise, discurso, articulações.
A diversidade de temas discutidos na obra, mostra a sua pluralidade -, cenário
propício para o desenvolvimento de argumentos e linguagens.
A todos, uma boa leitura.

Marcelo Máximo Purificação


Sheila Maria Pereira Fernandes
Akira de Alencar Borges Bessa
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1.................................................................................................................. 1
LETRAMENTOS E ETNOGRAFIA EM UMA ESCOLA NA COMUNIDADE QUILOMBOLA
SÃO DOMINGOS
Luiz Henrique Gomes Silva
DOI 10.22533/at.ed.4362025091

CAPÍTULO 2.................................................................................................................. 8
LITERATURA INFANTIL E JUVENIL: CAMINHOS PARA LEITURA INTERATIVA, ESCRITA
E ORALIDADE
Edite Sampaio Sotero Leal
DOI 10.22533/at.ed.4362025092

CAPÍTULO 3................................................................................................................15
MAPAS CONCEITUAIS DIGITAIS NO ENSINO DE LÍNGUAS
Roseli Wanderley de Araújo Serra
Andréa Moreira Gonçalves de Albuquerque
Roberta Varginha Ramos Caiado
DOI 10.22533/at.ed.4362025093

CAPÍTULO 4................................................................................................................25
O ENSINO DE LIBRAS E AS DIFICULDADES DOS DISCENTES OUVINTES
Antonilde Santos Almeida
Javã Fonseca Sousa Júnior
DOI 10.22533/at.ed.4362025094

CAPÍTULO 5................................................................................................................31
O DIÁLOGO DAS CORES ENTRE PASTORAL DE OSMAN LINS E A PINTURA DE
CARAVAGGIO
Ana Márcia Braga de Amorim
Josemeire Caetano da Silva
DOI 10.22533/at.ed.4362025095

CAPÍTULO 6................................................................................................................38
O ESPAÇO DAS SEMIOSES MÚLTIPLAS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Júlia Vieira Correia
DOI 10.22533/at.ed.4362025096

CAPÍTULO 7................................................................................................................45
O ILUMINISMO E A CRISE ÉTICA NA MODERNIDADE A PARTIR DE ALASDAIR
MACINTYRE
Jacson Alexssandro Guerra
DOI 10.22533/at.ed.4362025097

CAPÍTULO 8................................................................................................................53
O LOBO NA LITERATURA INFANTIL: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A

SUMÁRIO
DES(CONSTRUÇÃO) DA FIGURA DO LOBO MAU NAS NARRATIVAS INFANTIS
Soraya de Souza de Oliveira
DOI 10.22533/at.ed.4362025098

CAPÍTULO 9................................................................................................................59
O PORTFÓLIO DE TEXTOS COMO MEIO DE APRIMORAMENTO DA PRODUÇÃO
TEXTUAL NO ENSINO MÉDIO
Jozil dos Santos
DOI 10.22533/at.ed.4362025099

CAPÍTULO 10..............................................................................................................66
O QUE A LÍNGUA REVELA SOBRE AS PROPOSTAS PARA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE
UM CANDIDATO À PRESIDÊNCIA QUE NUNCA ENTROU EM UMA ESCOLA?
Márcio Battisti
DOI 10.22533/at.ed.43620250910

CAPÍTULO 11..............................................................................................................72
OBSESSÃO E RESGATE EM TRAMAS DO DESTINO
Jorge Leite de Oliveira
DOI 10.22533/at.ed.43620250911

CAPÍTULO 12..............................................................................................................79
PENSAMENTO COMPUTACIONAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA ÁREA DE
LINGUAGEM: PERSPECTIVAS PARA CURSOS DE LICENCIATURA
Fabiana Diniz Kurtz
Denilson Rodrigues da Silva
DOI 10.22533/at.ed.43620250912

CAPÍTULO 13..............................................................................................................88
PRECISA ESCREVER QUANTOS PARÁGRAFOS? UMA ANÁLISE DE RELATOS
AUTOBIOGRÁFICOS NA UNIVERSIDADE
Erica Reviglio Iliovitz
DOI 10.22533/at.ed.43620250913

CAPÍTULO 14..............................................................................................................94
OFICINAS PEDAGÓGICAS: REDIMENSIONANDO PRÁTICAS À LUZ DA EDUCAÇÃO
LINGUÍSTICA
Allan de Andrade Linhares
DOI 10.22533/at.ed.43620250914

CAPÍTULO 15............................................................................................................ 112


OS NOVOS PROTAGONISTAS NAS TRANSFORMAÇÕES DAS ESCOLAS PÚBLICAS
URBANAS DE BARRA DO GARÇAS/MT: ESTUDANTES INDÍGENAS DA ETNIA XAVANTE
Marly Augusta Lopes de Magalhães
Aníbal monteiro de Magalhães Neto
Mônica Maria dos Santos
Marcelle Karyelle Montalvão Gomes
Luis Carlos Oliveira Gonçalves

SUMÁRIO
DOI 10.22533/at.ed.43620250915

CAPÍTULO 16............................................................................................................ 119


O ETHOS DISCURSIVO DE UM POLÍTICO EM ASCENSÃO
Silvia Maria Ribeiro
Cássia Cristina Rodrigues da Silva Sampaio
DOI 10.22533/at.ed.43620250916

CAPÍTULO 17............................................................................................................126
VALORAÇÕES E ACEPÇÕES DICOTÔMICAS DE ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
EM DISCURSOS: ARTICULAÇÕES SEMÂNTICO-AXIOLÓGICA E TEMÁTICO-
COMPOSICIONAL
Fernanda Dias de Los Rios Mendonça
DOI 10.22533/at.ed.43620250917

CAPÍTULO 18............................................................................................................132
VIOLÊNCIA DOMESTICA CONTRA MULHER NO BRASIL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
DA LITERATURA
Ana Lina Gomes dos Santos
Andressa Maria Lima Sousa
Iana Samara Braga Rodrigues
Izangela Souza Chaves
Neurilene Gomes dos santos
Maria Paula da Silva Oliveira
Kelly Evenlly da Silva Santos
Maria Antonieta Falcão de Freitas
Rosália Maria Rodrigues Santos
Laelson Rochelle Milanês Sousa
DOI 10.22533/at.ed.43620250918

CAPÍTULO 19............................................................................................................145
PROGRESSÃO REFERENCIAL ENTRE TEXTOS: O CRUZAMENTO DE ANÁLISES
QUALITATIVA E QUANTITATIVA PARA A COMPREENSÃO DE UMA COBERTURA
CONTÍNUA
Karina Menegaldo
DOI 10.22533/at.ed.43620250919

CAPÍTULO 20............................................................................................................152
SOBRE O QUE SE FINGE NÃO VER: REPRESENTAÇÕES DA “INDIFERENÇA SOCIAL”
NA LITERATURA INFANTIL/JUVENIL CONTEMPORÂNEA
Adriana Falcato Almeida Araldo
DOI 10.22533/at.ed.43620250920

CAPÍTULO 21............................................................................................................162
SENSACIONALISMO NO DISCURSO JORNALÍSTICO: A CONSTRUÇÃO DO
ESCÂNDALO NA NOTÍCIA POR MEIO DO GROSTESCO
Deborah Gomes de Paula
Regina Célia Pagliuchi da Silveira

SUMÁRIO
DOI 10.22533/at.ed.43620250921

SOBRE OS ORGANIZADORES..............................................................................171

ÍNDICE REMISSIVO ....................................................................................................173

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
doi
LETRAMENTOS E ETNOGRAFIA EM UMA ESCOLA
NA COMUNIDADE QUILOMBOLA SÃO DOMINGOS

Data de aceite: 01/10/2020 justifiquem o funcionamento de escolas que


Data da submissão: 06/07/2020 já existem no local. Outra situação que surgiu
na pesquisa foi que os profissionais que ali
trabalhavam, por não pertencer à comunidade,
não possuíam o envolvimento e conhecimento
Luiz Henrique Gomes Silva
sobre a comunidade de maneira que pudessem
Universidade Estadual de Montes Claros –
desenvolver um trabalho utilizando a etnografia e
UNIMONTES
Paracatu-MG todo o conhecimento que esses alunos traziam
http://lattes.cnpq.br/9015473354935109 do contexto em que viviam.
PALAVRAS-CHAVE: Letramentos, Etnografia,
Comunidade Quilombola.

RESUMO: Neste trabalho, apresentamos


algumas informações sobre a situação de uma
LETTERS AND ETHNOGRAPHY AT A
SCHOOL IN MAROON COMMUNITY SÃO
escola em uma comunidade quilombola em
DOMINGOS
Paracatu-MG, e as possibilidades de Letramento
e Etnografia de ensino nessas Comunidades. ABSTRACT: In this work, we present some
Parte das informações foi obtida no trabalho de information about the situation of a school in
mestrado intitulado “Identidades na Comunidade a maroon community in Paracatu-MG, and
Quilombola São Domingos e Representações da the possibilities of Teaching and Ethnography
Mineradora Kinross: Tradição x Modernidade” teaching in these Communities. Some of the
(Gomes, 2013), desenvolvida na Universidade de information was obtained in the master’s work
Brasília. Os principais autores em que este artigo titled “Identities in the Marron Community São
foi embasado são Street (2007), Kleiman (1995) Domingos and Representations of the Kinross
e Costa (2000). O objetivo central deste artigo, Mining company: Tradition x Modernity” (Gomes,
de cunho qualitativo, foi trabalhar a importância 2014), developed at the University of Brasilia. The
do Letramento e da Etnografia na aquisição do main authors on which this article was based are
conhecimento de integrantes de comunidade, Street (2007), Kleiman (1995) and Costa (2000).
assim como mostrar a realidade de uma escola The main objective of this qualitative article was to
que compõe a comunidade São Domingos. study the importance of Letter and Ethnography
Como resultados das análises, identificamos in the acquisition of the knowledge of community
que seguindo um padrão de dificuldades do members, as well as to show the reality of a school
ensino formal no Brasil, as comunidades também that makes up the São Domingos community. As a
passam por restrições sejam estruturais (falta result of the analyzes, we identified that, following
de um ambiente para a aprendizagem), mas a pattern of formal education difficulties in Brazil,
também por falta de profissionais e alunos que communities also face structural constraints (lack
of an environment for learning), but also because

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 1 1


of the lack of professionals and students that justify the functioning of schools which already
exist on site. Another situation that arose in the research was that the professionals who
worked there, because they did not belong to the community, did not have the involvement and
knowledge about the community in a way that could develop a work using the ethnography
and all the knowledge that these students brought from the context in who lived.
KEYWORDS: Letters, Ethnography, Maroon Community.

1 | INTRODUÇÃO
A partir de uma demanda detectada em minha dissertação de Mestrado defendida,
em 2014, na Universidade de Brasília, ao pesquisar a Comunidade Quilombola São
Domingos, no município de Paracatu-MG, constatei situações de perda de identidades e
representações por parte das pessoas que ali residem. Não obstante, ao identificar que
esta é a comunidade de maior expressão na região, a informação de que a única instituição
escolar que atendia essa comunidade não funcionava desde 2008 deixou-me inquieto, o
que me despertou o interesse em pesquisar essa realidade.
Cursando disciplinas de Letramento no doutorado e também realizando leituras
sobre Etnografia, propus investigar essa situação e tentar compreender os motivos que
levaram o fechamento da escola, através de conversas com líderes da comunidade, sob a
perspectiva da pesquisa etnográfica e qualitativa.
Diante da conjuntura apresentada, propus uma reflexão envolvendo a etnografia,
o letramento e as possibilidades de se trabalhar em um rico contexto que, dependendo
da maneira que é desenvolvido, pode levar a discursos que não corroboram com a
perpetuação identitária local, mas promove a fragmentação cultural da comunidade e até
mesmo o fechamento da escola que atende a comunidade.
Dando foco aos Letramentos em comunidades quilombolas, este trabalho possui
o intuito de contribuir com estudos voltados a essa área e também proporcionar uma
reflexão sobre o quão é significativo a utilização da Etnografia no Letramento de alunos
que pertencem a essas comunidades.

2 | LETRAMENTO E EDUCAÇÃO
Parte de requisitos almejados em um contexto educacional é justamente o
desenvolvimento de competências e habilidades pessoais, profissionais e educacionais.
Todavia, para que se alcance esse desenvolvimento, a educação deverá ser o grande
protagonista na formação desses indivíduos.
Para que esse anseio seja alcançado, um conceito deve estar claro tanto na visão
dos indivíduos que aprendem quanto dos profissionais que ensinam: o Letramento. Mesmo
havendo vários conceitos que permeiam essa nomenclatura, uma concepção se destaca de
acordo com Kleiman (1995); o modelo ideológico de ensino, que desenvolve o letramento

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 1 2


associando-o às práticas culturais e às estruturas de poder. Tendo esse modelo como base,
ele atende melhor a realidade de emancipação e autonomia que se quer alcançar com o
sujeito aprendiz.
Há ainda outros autores que ressignificam o termo letramento, como Tarapanoff
(2004, p. 3) o qual reitera que “o objetivo da alfabetização em informação é criar aprendizes
ao longo da vida, pessoas capazes de encontrar, avaliar e usar a informação eficazmente
para resolver problemas ou tomar decisões”. Nas palavras de Street (2007), as práticas de
letramento são sempre práticas associadas com questões ideológicas e de poder. Dessa
forma, o modelo ideológico

[...] reconhece uma multiplicidade de letramentos; que o significado e os


usos das práticas de letramento estão relacionados com contextos culturais
específicos; e que essas práticas estão sempre associadas com as relações
de poder e ideologias: não são simplesmente tecnologias neutras. (STREET,
2007, p. 466).

Assim sendo, Costa (2000) também concorda com o pensamento Street, dizendo
que o modelo ideológico de letramento leva em consideração a determinação tanto do
cultural quanto das práticas de letramento da sociedade, cujos significados da escrita
adquiridos por um determinado segmento social estão ligados às instituições ou aos
contextos situacionais gerados.
De acordo com Street (1993), há dois conceitos de Letramento bastante relevantes,
que são evento de letramento e prática de letramento. Quando ocorrem encontros
interacionais em que o desenvolvimento da escrita é o foco, relacionamos essa situação com
o evento de letramento. Um exemplo é quando se trabalha com atividades supostamente
simples, como a escrita de um bilhete. Já a prática de letramento deve ser entendida como
um conceito mais amplo, tanto relacionada à leitura quanto ao uso da escrita, referindo-se
às ações dos indivíduos como também aos seus conceitos e crenças por ele desenvolvidas.
No Brasil os conceitos de alfabetização e de Letramento são bastante discutidos e
estudados com o intuito de se obter estratégias de ensino que melhorem as competências
de escrita e leitura dos estudantes. Todavia, o que se percebe diante de dados coletados
através de diagnósticos realizados pelo Ministério da Educação – MEC (2015) é que os
estudantes brasileiros, em relação a outros países – tanto considerados de primeiro mundo
como de terceiro mundo – estão muito aquém em termos de letramento.
Mesmo diante dos esforços realizados pelos profissionais e pelas instituições de
ensino, verifica-se que ainda faltam subsídios que proporcionem um ensino de qualidade
que promova autonomia, para que os alunos que ali estudam saiam formados como
cidadãos protagonistas de suas histórias.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 1 3


3 | ETNOGRAFIA E LETRAMENTOS EM COMUNIDADES QUILOMBOLAS
Muitos consideram a etnografia apenas como uma técnica, contudo, de acordo com
Magnani (2002), ela pode servir-se de várias técnicas, conforme as circunstâncias de cada
pesquisa desenvolvida.
Street (2014) faz uma crítica que, embora a antropologia tenha trazido um dos
maiores estímulos para os estudos do letramento (a etnografia), voltados a descrições
culturalmente sensíveis do letramento na prática, alguns relatos clássicos sobre letramento
em sociedades tradicionais tendem a reproduzir explicações tecnicistas, não aproveitando
todo o potencial de cargas culturais e ideológicas que poderiam desenvolver na pesquisa
ou no ensino.
A etnografia revela e estuda as crenças, os costumes e as tradições de uma
sociedade e ou comunidade, que são transmitidas de geração em geração e que permitem
a continuidade de um sistema social ou de determinada cultura.
O conceito de Comunidade está ligado a um agrupamento de pessoas que vivem
dentro de uma mesma área geográfica, urbana ou rural, vinculadas por interesses comuns
e que participam das condições gerais de vida. Esse termo ainda é usado para denominar
uma forma de associação muito íntima, um grupo altamente integrado em que os membros
encontram-se ligados uns aos outros por laços de simpatia. Assim, podemos concluir que
qualquer grupo pode constituir uma comunidade, por exemplo, comunidades que vivem
submetidas à mesma crença ideológica.
A importância de se levar a etnografia em consideração é que o profissional não
fica à margem da realidade que estuda ou trabalha, ele realmente se envolve na vida
da comunidade, observando suas características tanto essenciais quanto acidentais. Com
esse propósito, o pesquisador / profissional participa da vida cotidiana das pessoas por
certo período de tempo, “[...] observando o que acontece, escutando o que é dito, fazendo
perguntas – na verdade, coletando qualquer dado que esteja disponível para esclarecer as
questões com as quais ele se ocupa” (FLICK, 2009, 214). Essa conduta é o que permite ao
etnógrafo compreender as práticas desenvolvidas na comunidade e poder explorá-las em
sala de aula, fortalecendo toda a bagagem cultural que os alunos possuem.
Vale salientar que um profissional reflexivo e que domina a arte do ensino-
aprendizagem deve desenvolver um trabalho em que alfabetize letrando, pois é um
processo em que o ideal é que ocorra concomitantemente e, apesar de serem processos
distintos, são indissociáveis, ou seja, ambos ocorrem simultaneamente.
Quando as crianças chegam à escola, elas trazem consigo conhecimentos
pragmáticos, linguísticos, referenciais e textuais, pelo acesso que já obtiveram a diferentes
gêneros textuais. O que ocorre é o desconhecimento, muitas vezes não completamente,
do código da escrita alfabética. Caso tenham a oportunidade de começar a descobrir esse
código por meio de procedimentos que orientem no estabelecimento de relações entre o
que já conhecem e o que estão aprendendo, fatalmente tudo ficará mais fácil.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 1 4


4 | A REALIDADE ESCOLAR NA COMUNIDADE SÃO DOMINGOS
Em Minas Gerais, são quatrocentos e trinta e cinco comunidades quilombolas,
algumas identificadas e outras em processo de identificação, conforme informação
divulgada em 2007 pelo Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES.
Dessas comunidades, quatorze estão no noroeste do estado, sendo que cinco delas no
município de Paracatu. São elas: Cercado, comunidade dos Amaros, Machadinho, Pontal
e São Domingos.
Apesar de haver cinco comunidades quilombolas registradas, várias estão muito
fragmentadas e até perderam seu território. Dito isto, analisaremos a situação escolar da
comunidade melhor preservada tanto material quanto imaterialmente, que é a comunidade
quilombola São Domingos.
Baseado em pesquisas e entrevistas com moradores da comunidade quilombola
São Domingos, fiquei sabendo da existência de uma Escola Municipal denominada
Severiano Silva Neiva, fruto de muita luta de moradores. Todavia, a escola não funciona
desde o ano de 2008.

FIGURA 1 – ESCOLA MUNICIPAL SEVERIANO SILVA NEIVA


Fonte: Acervo do autor (2020)

A criação dessa instituição de ensino ocorreu através da lei municipal n.º 1.021/1981,
que em princípio ocorria na sacristia da igreja local. Quando construída, a escola possuía
duas salas de aula, uma cozinha e banheiros. As aulas eram desenvolvidas nas duas
salas, que eram multisseriadas, e as funcionárias que a compunham eram apenas duas
professoras e uma cantineira.
O último ano letivo em que houve aulas na escola foi em 2008. A justificativa para a
desativação da instituição foi que os vinte e um alunos matriculados não eram suficientes
para manter a escola na comunidade e também havia certa insatisfação por parte dos

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 1 5


pais de alguns alunos, uma vez que falavam que as salas multisseriadas não atendiam as
expectativas do alunado.
Outro fator relevante constatado era que as profissionais que ali atuavam não faziam
parte da comunidade, o que muitas vezes não gerava envolvimento das profissionais com
as questões da comunidade.
Inclusive, esse é um dos fatores a que se refere a etnografia, pois profissionais que
não são do local e não possuem envolvimento com a comunidade, dificilmente trabalharão
os valores locais, suas culturas, crenças e ideologias. O que poderá trazer uma defasagem
nos letramentos ideológicos e sociais que os alunos poderiam desenvolver, mas não é
explorado e trabalhado com eles.

5 | CONCLUSÃO
A instituição escolar é fundamental na formalização do ensino de maneira que o
letramento e a etnografia possam atingir seu ápice e permitir que os indivíduos se tornem
cidadãos conscientes de seus deveres e direitos, permitindo que sejam protagonistas de
suas histórias.
Em se tratando de comunidades quilombolas, outros elementos se fazem
necessários para a perpetuação de suas crenças, valores e culturas. A etnografia escolar é
uma possibilidade tanto para a alfabetização quanto para que o aluno enxergue no estudo
formal algo prático e com sentido, uma vez que vivencia várias situações na comunidade
em que reside. Dessa forma, muitos estudos e atividades desenvolvidas saem do plano da
abstração e passam a fazer mais sentidos ao alunado.
Em Paracatu, muitas comunidades quilombolas não possuem escolas, e no caso
da comunidade São Domingos, apesar de a instituição existir, não é utilizada pela falta de
alunos, perdendo uma excelente oportunidade de se trabalhar as questões específicas da
comunidade, através da etnografia, e perpetuar as identidades dos moradores e de sua
posteridade.
Atualmente há um projeto de reativação da escola, todavia ainda não foi efetivada,
o que ainda não permitirá que conhecimentos advindos da comunidade, assim como seus
valores e crenças sejam exploradas e trabalhadas da maneira como deveria ser, garantindo
a disseminação da cultura quilombola e as possibilidades de perpetuarem suas ideologias
e histórias.
Espero que este trabalho seja fonte de inspiração para novas pesquisas sobre
Letramento e Etnografia em Comunidades Quilombolas e contribua para a disseminação
de se refletir sobre a importância de agregar os conhecimentos trazidos pelos alunos
de comunidades ao processo ensino-aprendizagem e que todas as culturas possam ser
preservadas e resguardadas através de um ensino mais contextualizado.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 1 6


REFERÊNCIAS
COSTA, S. R. Interação e Letramento escolar: uma (re)leitura à luz vygotskiana e bakhtiniana. Juiz
de Fora: EDUFJF/MUSA, 2000.

GOMES, Luiz Henrique. Identidades na Comunidade Quilombola São Domingos e


Representações da mineradora Kinross: Tradição X Modernidade. Dissertação (Mestrado) – UnB.
Brasília, 2013. 177 p.

FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre. Artmed, 2009.

KLEIMAN, Angela B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social
da escrita. São Paulo: Mercado de Letras, 1995.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana”.
Revista Brasileira de Ciências Sociais v.17, N.49, São Paulo, 2002.

MEC. Brasil no Pisa 2015. Disponível em http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/


resultados/2015/pisa2015_completo_final_baixa.pdf. Acesso em: 03 jul2018.

TARAPANOFF, Kira. Inteligência social e inteligência competitiva. Encontros Bibli, Florianópolis, n.


esp., 1. sem. 2004. Disponível em: http://www.encontros-bibli.ufsc.br. Acesso em: 30 jul. 2018.

STREET, Brian. Perspectivas interculturais sobre o letramento. Revista de Filologia Linguística


Portuguesa da Universidade de São Paulo. n. 8, 2007.

__________. The New Literay Studies. In: STREET, Brian (Org.). Cross-cultural approaches to
literacy. Cambridge: Cambridge University, 1993.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 1 7


CAPÍTULO 2
doi
LITERATURA INFANTIL E JUVENIL: CAMINHOS
PARA LEITURA INTERATIVA, ESCRITA E
ORALIDADE

Data de aceite: 01/10/2020 grande relevância para uma sociedade que deseja
Data de Submissão: 15/07/2020 se sobressair. Para tanto, diversas atividades
como oficina, contação de histórias, teatro
lambe-lambe, recital de poesias, leitura interativa
fizeram parte da metodologia de trabalho. Como
Edite Sampaio Sotero Leal
aporte teórico, tomou-se por base os estudos de
Instituição: Universidade Estadual do Maranhão
Antunes (2003), Koch e Elias (2011), Zilberman
– UEMA- Timon-MA
http://lattes.cnpq.br/5885215209898848 (2003), além de consultas aos PCN (Parâmetros
Curriculares Nacionais). Ressalta-se que os
professores, após esse projeto, estão melhores
preparados para o exercício da docência.
RESUMO: A literatura infantil e juvenil PALAVRAS-CHAVE: Literatura, escola, leitura,
sempre exerceu fascínio entre as crianças e escrita.
adolescentes em função de apresentar gêneros
que primam pelo imaginário, pela criatividade,
CHILDREN’S AND YOUTH LITERATURE:
beleza das rimas e jogos de palavras através das PATHS FOR READING, WRITING AND
poesias, fábulas, contos de fadas, romances de ORALITY
mistérios. Entretanto, mesmo com tantas obras
ABSTRACT: The children’s literature always
à disposição das crianças e adolescentes no
generated fascination in children and adolescents,
mundo atual, em muitos locais a escola ainda
caused by the exposition of genders, who focus in
não consegue despertar em seus alunos o gosto
the imagination, creativity, beauty of the rhymes
pela leitura, tampouco o desenvolvimento de
and the words games through poetry, fables, fairy
habilidades para escrita e oralidade, seja porque
tales and mystery novels. However, even with so
não dispõe de material didático necessário, ou
many books available to children and adolescents
porque os professores não estão adequadamente
in actual world, in some places the school can’t
qualificados quanto às metodologias educativas
bring to the students the willingness to read,
e lúdicas. Em função desta realidade, propõe-
nor provide the ability of writing and speaking,
se mostrar a experiência do projeto Leitura
either because it don’t have the necessary
interativa, escrita e oralidade, desenvolvido
didactic material, or because the teachers are not
com professores da Educação Infantil e Ensino
adequately qualified for educational and playful
Fundamental da cidade de São Francisco do
methodologies. Due to this reality, it is proposed
Maranhão, que tem 12 mil habitantes, uma
show the experience of the project “Leitura
incidência de pobreza de 53,5% e um IDEB de
interativa, escrita e oralidade”, developed with the
0,528. Nesta perspectiva, apresenta-se uma
teachers of Elementary and Middle school in the
proposta de trabalho acadêmico que visa mostrar
city of São Francisco do Maranhão, that have 12
que a leitura, a escrita e a fala são fatores de
thousand citizens, a poverty incidence of 53,5%

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 2 8


and a IDEB of 0,528. In this perspective, presents a proposal of academic work, which aims
to show that the reading, writing and speaking are factors of big relevance to a society who
wants to stand out. For this purpose, several activities such as workshop, storytelling, “lambe
lambe“ theathers, poetry recital, interactive readings were parts of the work metodologies. As
a theoretical contributions, was based on the studies of Antunes (2003), Koch e Elias (2011),
Zilberman (2003), in addition to consultations with PCN. It stands out that the teachers, after
this Project, are better qualified to the teaching exercise.
KEYWORDS: Literature, school, reading, writing.

1 | INTRODUÇÃO
O projeto de extensão universitária “Leitura interativa: escrita e oralidade”,
desenvolvido com professores da zona urbana e rural do município de São Francisco
do Maranhão, teve como objetivo primordial incentivar a leitura, escrita e oralidade nas
escolas do citado município, oferecendo aos professores meios e estratégias para melhorar
o ensino com alunos da educação infantil e ensino fundamental, apresentando-lhes novas
técnicas de leitura e produção textual dos mais diversificados gêneros e, assim, melhorar
os índices educacionais do munícipio.
O referido projeto é uma ação do governo do Maranhão em parceria com a
Universidade Estadual do Maranhão, que propõe, através de professores e alunos
da instituição, melhorar o IDEB (Índice de desenvolvimento da Educação Básica) em
alguns municípios do Estado. Assim, seguindo a linha da Educação, propomos atividades
relacionadas à leitura, à escrita e à oralidade como forma de ajudar o munícipio de
São Francisco do Maranhão a sair da margem negativa em que se encontra, pois é um
município com 12 (doze) mil habitantes, índice de pobreza de 53,5% da população e um
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,528, portanto, índices que merecem uma
atenção especial e ações que possam elevar esses indicadores. Certamente, a educação
deve estar na linha de frente para mudanças significativas nos demais aspectos sociais.

2 | MARCO TEÓRICO
A leitura, a escrita e a oralidade são ações que devem se sobressair nos seres
humanos. No entanto, é possível ver muitas pessoas que não possuem essas habilidades
e que precisam de incentivos para serem inseridas no mundo dos letrados.
A importância da leitura, da escrita e da oralidade é incontestável na vida humana.
Através da leitura minuciosa, é possível se comunicar melhor, escrever corretamente, ter
a capacidade de interpretação adequada dos textos, interagir por meio da palavra escrita,
além de outros benefícios que a leitura pode propiciar, como ajudar a ser um cidadão
participativo, criativo, crítico e autônomo, capaz de mudar a sua própria realidade. É
evidente que quando o sujeito tem a capacidade de ler e escrever, competentemente, ele
se destaca, pois essas habilidades o capacitam para atuar em todos os ambientes sociais.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 2 9


A leitura é uma prática que exige do leitor dedicação e atenção, necessitando que o
mesmo saiba onde pretende chegar.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN - (1997, p.54) revelam:

Formar um leitor competente supõe-se formar alguém que compreende o que


lê, que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando
elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros
já lidos; e saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que
consiga justificar e validar a sua leitura a partir da localização de elementos
discursivos. (PCN, 1997, p.54)

O fato é que ler não é somente um ato de decodificar símbolos ou letras, mas sim
um ato de pensar e dar sentido àquilo que foi lido, um ato de estar envolvido nas linhas e
entrelinhas do texto. Pois como afirma Koch e Elias (2011, p.07):

O texto é lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente,


nele se constituem e são constituídos; e que, por meio de ações linguísticas
e sociocognitivas, constroem objetos de discurso e propostas de sentido, ao
operarem escolhas significativas entre as múltiplas formas de organização
textual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a língua lhes põe à
disposição. (KOCH, ELIAS, 2011, p.07)

Assim como a leitura tem seu lugar de prestígio social, a escrita e a fala também
devem ser reconhecidas como ações que possibilitam ao homem registar sua história e
seus pensamentos. Para Antunes (2009, p.45), a escrita é:

Uma atividade interativa quando é realizada conjuntamente, por duas ou mais


pessoas cujas ações se interdependem na busca dos mesmos fins. Assim,
numa inter-ação (“ação entre”), o que cada um faz depende daquilo que o
outro faz também, a iniciativa de um é regulada pelas condições do outro,
e toda decisão leva em conta essas condições. Nesse sentido, a escrita é
tão interativa, tão dialógica, dinâmica e negociável quanto à fala. (ANTUNES,
2009, p.45)

É explícito na esfera escolar o enfraquecimento do ato da leitura e da escrita nos


dias atuais. São inúmeras razões que explicam por que isso ocorre: a escola não dispor
de uma biblioteca satisfatória; a falta de materiais de apoio; a falta de profissionais com
qualificação adequada, assim como a falta de inovação na atividade docente ou metodologia
mais adequada ao contexto histórico-social. A estas situações ainda podemos somar os
problemas socioeconômicos e cultuais dos discentes.
Diante dessa realidade educacional, este trabalho mostra o que foi desenvolvido
com os professores do município de São Francisco do Maranhão para incentivar a leitura
e a escrita com alunos das escolas são-franciscanas, oferecendo aos docentes estratégias
para melhorar o ensino, apresentando-lhes técnicas de leitura e produção textual dos mais
diversificados gêneros textuais e, assim, melhorar os índices educacionais do munícipio.
Nessa linha de raciocínio, é salutar expor o pensamento de Zilberman (2003, p.16) sobre
a sala de aula:

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 2 10


A sala de aula é um espaço privilegiado para o desenvolvimento do gosto
pela leitura, assim como um campo importante para o intercâmbio da cultura
literária, não podendo ser ignorada muito menos desmentida sua utilidade.
(ZILBERMAN, 2003, p.16)

Como diz a autora, a sala de aula é um espaço de utilidade educacional, sobretudo


lugar para propiciar o gosto pela leitura, pela escrita e pela oralidade. Neste contexto,
pode-se afirmar que não há nada muito novo, mas em muitas situações é preciso sair
do comodismo diário quanto às aulas e ousar fazer diferente, sair do tradicionalismo
educacional em prol de resultados mais favoráveis.
Vale ainda ressaltar que a escola é o lugar mais adequado para ensinar às crianças e
aos jovens as competências comunicativas, sobretudo ressaltar a importância da oralidade
tão esquecida pela escola e pelos livros didáticos. Sobre a importância da oralidade nas
aulas Carvalho e Ferrarezi Jr. (2018, p.73) revelam:

É bom lembrar que os livros didáticos também costumam ser muito falhos
nesse aspecto ou porque simplesmente não tratam da oralidade ou porque
a tratam de modo equivocado, incompleto, ineficaz. Portanto, trata-se de
atividades que dependerão de ação proativa do professor. (CARVALHO E
FERRAREZI JR., 2018, p.73).

Em suma, é necessário afirmar que a figura do professor em sala de aula é


determinante para que leitura, escrita e oralidade sejam trabalhadas e eficazmente. Mesmo
que o livro didático não seja completo, o professor tem autonomia para ensinar além do
que consta no livro.

3 | METODOLOGIA
As atividades executadas do projeto de extensão “Leitura Interativa: escrita e
oralidade” foram realizadas em agosto de 2016, março e dezembro de 2017, e fevereiro de
2018, com estudo da literatura, preparação de apostilas e aplicabilidade de metodologias
na zona urbana e rural do município de São Francisco do Maranhão – MA. Trabalhamos,
em média, com 80 professores do município, através de palestras, oficinas, fanzines, teatro
lambe-lambe, recital de poesia e contação de histórias.
O projeto a que fazemos referência foi dividido em 4 etapas: a primeira etapa foi
realizada na escola estadual São Paulo com a participação de 25 professores. Nesta
etapa a proposta foi despertar para a importância da leitura, da escrita e da oralidade,
como também apresentar técnicas de leitura interativa para atrair crianças e jovens ao
mundo dos leitores. A técnica era de leitura compartilhada, leitura interpretativa de fábulas,
poesias infantis, contos, tirinhas, livros de histórias infantojuvenis, histórias em quadrinho.
Na segunda etapa, contamos com a participação de 60 professores da zona urbana e rural
juntos. Nesta etapa, tivemos a sequência das ações com atividades práticas: teatro lambe-
lambe, contação de histórias infantis a partir do baú de histórias, confecção de “fanzines”

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 2 11


e recital de poesia. A terceira etapa foi realizada com 28 professores na zona rural, no
povoado Mimoso, a cerca de 50 km da cidade de São Francisco do Maranhão. Nessa
terceira etapa, repetimos as ações da segunda etapa por se tratar de professores que não
participaram da etapa anterior. A quarta etapa contou com a participação de 80 professores
das zonas urbana e rural. Nessa última etapa, fizemos palestras informativas sobre leitura e
oralidade focando nos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), bem como apresentação
de dinâmicas educacionais voltadas para aplicabilidade no Ensino Infantil.
Em linhas gerais, o uso dos gêneros literários em sala de aula é uma larga porta
para o incentivo ao ato de ler, escrever e falar bem.

Figuras 01 e 02: Professores fazendo leitura de textos literários e apresentação de slides sobre
metodologias de leitura
Fonte: o autor, 2018

Figuras 3 e 4: Professores fazendo a leitura dos textos literários e exposição do banner da ação
educativa no município
Fonte: o autor, 2018

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 2 12


4 | RESULTADOS E DISCUSSÕES
A leitura e a escrita são atividades complementares, uma vez que uma depende da
outra, e na medida em que trabalhamos com a leitura com a finalidade de formar leitores
competentes, consequentemente, formamos bons escritores. Quando se tem o hábito de ler
há uma ampliação de informações acerca das coisas, das pessoas, do mundo, expandindo
os horizontes e possibilitando libertação sociointelectual.
Os professores participantes do projeto demonstraram interesse nas metodologias
apresentadas, reconhecendo que há um caminho a percorrer até que alunos da rede
municipal de ensino de São Francisco do Maranhão estejam lendo e escrevendo a contento.
Neste sentido, retomamos um dos objetivos do ensino de Língua Portuguesa segundo os
PCN (1997, p.33) que diz:

Expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com eficácia


em instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos — tanto
orais como escritos — coerentes, coesos, adequados a seus destinatários,
aos objetivos a que se propõem e aos assuntos tratados. (PCN, 1997, p.33)

Neste sentido, também Antunes (2003, p.45) ressalta sobre a escrita:

A atividade da escrita é, então, uma atividade interativa de expressão, (ex,


“para fora”), de manifestação verbal das ideias, informações, intenções,
crenças ou dos sentimentos que queremos partilhar com alguém, para, de
algum modo, interagir com ele. ( ANTUNES, 2003, p.45)

Os resultados almejados são professores mais conscientes de seu papel de educador,


alunos lendo mais, escrevendo e interpretando coerentemente. Certamente, é oportuno afirmar que a
oralidade pode ser melhor desenvolvida em pessoas que leem mais.
Sabemos que dados estatísticos somente irão aparecer com os anos, pois em se tratando de
educação, quando as atitudes são tomadas adequadamente, os benefícios chegam paulatinamente,
mas certamente chegarão.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o desenvolvimento deste projeto, oferecemos aos professores uma visão de
ensino mais contextualizada e mais dinâmica para que possam melhorar a sua didática,
favorecendo a relação professor-aluno. Buscar novos meios e estratégias para melhorar
os índices educacionais num município como o de São Francisco do Maranhão é um
desafio que provoca prazer, pois os resultados podem ser valiosos e incalculáveis ao
desenvolvimento humano e econômico do município.
Por certo, a relevância da leitura, da escrita e da oralidade é incontestável no contexto
atual em qualquer situação. Neste ínterim, é pertinente dizer que o empoderamento do
ser humano está diretamente ligado a suas leituras, a seus escritos e a sua fala. Esse

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 2 13


conjunto de fatores influencia no crescimento pessoal e intelectual, ficando evidente
que são caminhos profícuos à internalização do conhecimento, ao desenvolvimento da
aprendizagem e à expressão humana.
Para além do foco na leitura, escrita e oralidade, a experiência deste projeto em São
Francisco do Maranhão proporcionou uma relevante troca de experiência entre alunos da
graduação da UEMA e professores da Educação Básica numa tentativa de melhorar seu
IDH, que consta entre os piores do Estado do Maranhão. Com este projeto, conseguimos
estabelecer um elo bastante salutar entre universidade e educação básica do município
de São Francisco do Maranhão, mostrando a importância da universidade na sua missão
social.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua


portuguesa – Brasília, 1997.

CARVALHO, Robson Santos de; FERRAREZI JR., Celso. Oralidade na Educação Básica: o que
saber, como ensinar. 1 ed. São Paulo: Parábola, 2018.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3 ed. 5ª
reimpressão. São Paulo: Contexto, 2011.

ZILBERMAN, Regina. A literatura Infantil na escola. 11 ed. São Paulo: Global, 2003.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 2 14


CAPÍTULO 3
doi
MAPAS CONCEITUAIS DIGITAIS NO ENSINO DE
LÍNGUAS

Data de aceite: 01/10/2020 tem meio século e comprovada eficácia como


Data da submissão: 20/07/2020 método para registrar a compreensão gerativa
de novas oportunidades para estudar, de novos
processos de aprendizado; de novas maneiras
de produzir conhecimentos. Contudo, com a
Roseli Wanderley de Araújo Serra
cultura digital, proliferam-se programas voltados
Universidade Católica de Pernambuco
à elaboração desse modo eficaz de organizar
Recife – Pernambuco
http://lattes.cnpq.br/7849525944341427 e representar conceitos, geralmente dentro
de círculos ou quadros de alguma espécie,
Andréa Moreira Gonçalves de Albuquerque e construir relações hierárquicas entre esses
Universidade Católica de Pernambuco conceitos, que são indicadas por linhas que os
Recife – Pernambuco interligam. Com a partilha da nossa experiência
http://lattes.cnpq.br/1509561666255461 esperamos dar um contributo para pesquisas e
Roberta Varginha Ramos Caiado práticas investigativas de procedimentos em sala
Universidade Católica de Pernambuco de aula voltadas para a relação entre as novas
Recife – Pernambuco tecnologias e o trabalho com a leitura e produção
http://lattes.cnpq.br/1314050321131812 de gêneros textuais voltados para o ensino de
Língua Portuguesa.
PALAVRAS-CHAVE: Mapas Conceituais,
Ferramentas Digitais, Letramento Digital, Ensino-
RESUMO: O presente trabalho se propõe a Aprendizagem, Língua Portuguesa.
refletir sobre o emprego de ferramentas digitais
para a elaboração de Mapas Conceituais Digitais
na construção das noções de Discurso, Texto e DIGITAL CONCEPTUAL MAPS IN
Gênero, cuja clareza auxilia: no embasamento LANGUAGE TEACHING
dos planos de ensino; no estudo de processos ABSTRACT: The present work intends to reflect
de leitura, compreensão e multimodalidade; na on the use of digital tools for the elaboration of
ampliação das práticas de ensino da Língua Digital Conceptual Maps in the construction of
Portuguesa com as TDICs (os letramentos e macro the notions of Discourse, Text and Gender, whose
letramentos digitais, incluindo os letramentos clarity assists: in the basis of the teaching plans;
nas redes sociais). Com base em autores na in the study of reading, comprehension and
Linguística Textual (Marcuschi e Koch) , na multimodality processes; in the expansion of the
Linguística da Internet ( Barton e Lee, Madeiro et teaching practices of the Portuguese Language
al, e Gomez) e na Pedagogia dos Multiletramentos with the ICT, Information and Communication
(Rojo e Moura, Cope e Kalazantis), analisamos Technologies, (the literatures and macro
as ferramentas digitais (gratuitas e não gratuitas) digital literatures, including the literatures in
Como ferramenta gráfica, o mapa conceitual já social networks). Based on authors in Textual

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 3 15


Linguistics (Marcuschi and Koch), in Internet Linguistics (Barton and Lee, Madeiro et al, and
Gomez) and in the Pedagogy of Multiliteracies (Rojo and Moura, Cope and Kalazantis), we
analyzed some digital tools, some free of charge and some paid. As a graphical tool, the
conceptual map is already half-century and has proven effective as a method to register the
generative understanding of new opportunities to study, of new learning processes; new ways
of producing knowledge. However, with digital culture, programs aimed at the elaboration
of such an efficient way of organizing and representing concepts, generally within circles or
frames of some kind, are multiplied and hierarchical relationships between these concepts,
which are indicated by lines that interconnect them, quickly increase. With the sharing of our
experience we hope to contribute to investigations and investigative practices of classroom
procedures focused on the relation between new technologies and work with reading and
production of textual genres focused on teaching Portuguese.
KEYWORDS: Conceptual Maps, Digital Tools, Digital Literacy, Teaching-Learning, Portuguese
Language.

1 | INTRODUÇÃO
Neste trabalho, analisamos a produção, por meio de ferramentas digitais colaborativas,
de Mapas Conceituais enquanto gêneros textuais e recursos de multiletramentos. Essa
proposta visa responder, em última análise, a uma demanda: a precariedade do poder
semiótico das pessoas dado o desnível entre os cidadãos (KRESS, 2003), o que nos
impulsiona a agir segundo o imperativo: “É necessário ‘empoderar’, fazer com que as
pessoas leiam bem, rejam e produzam textos” (KRESS, 2003: p.85).
Na disciplina Linguística Textual, a Professora Doutora Roberta Caiado, do
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade Católica de
Pernambuco propôs eixos de reflexão teórica e a elaboração de Mapas Conceituais sobre
Linguística, Texto, Discurso, Gêneros, Leitura e Produção de Textos (para as aulas de
língua portuguesa), Tecnologias de Informação e Comunicação no Ensino de Línguas,
Multiletramentos e Multimodalidades. Agregamos à proposta: a utilização de ferramentas
digitais colaborativas na elaboração dos Mapas; a avaliação dessas ferramentas; o emprego
e a avaliação de alguns dos mapas como recursos didáticos.

2 | GÊNEROS TEXTUAIS NA ERA DIGITAL


Hoje, o ambiente educacional demanda atualização tecnológica permanente. Em
torno desse tema há ainda alguns embates, resistência e adesão. O fato é que seja como
for, o momento sinaliza menos para a inércia e mais a mudança. A maior instabilidade
é proporcional à segurança depositada nas tecnologias tradicionais e à velocidade de
substituição das novidades. Segundo Dudeney, Hockly e Pegrum (2016):

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 3 16


Assim como todas as tecnologias de comunicação do passado, nossas novas
ferramentas digitais serão associadas a mudanças na língua, no letramento,
na educação, na sociedade. (...) Percebem-se ganhos, tais como a educação
por meio de redes pessoais de aprendizagem, ou projetos colaborativos
baseados na inteligência coletiva (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016,
p.17).

Partimos do pressuposto de que é positivo o emprego de Tecnologias Digitais de


Informação e Comunicação, as TIDCs no ambiente educacional, inclusive porque levamos
em consideração que as tecnologias não são um mal em si enquanto abrangem “um
conjunto organizado e sistematizado de diferentes conhecimentos, científicos, empíricos
e intuitivos.
As novas formas de produção, configuração e circulação dos textos na
contemporaneidade implicam mutliletramentos. Além do mais, o surgimento e a ampliação
contínuos de acesso às TDICs provocaram “a intensificação vertiginosa da circulação da
informação nos meios analógicos e digitais, que por isso mesmo, distanciam-se dos meios
impressos, implicando mudanças significativas nas formas de ler e escrever, produzir e
fazer circular textos nas sociedades” (CHARTIER, 2007 apud ROJO: 2013, p. 20). Em se
tratando do emprego das TDICs em sala de aula, há que se observar ainda que, em muitas
situações, os sujeitos irão se deparar com um fenômeno para o qual Bakhtin alerta que são
os gêneros em reelaboração ou transmutação. Sobre esse aspecto, “a passagem do estilo
de um gênero para outro não só modifica o tom do estilo nas condições do gênero que não
lhe é próprio como destrói ou renova tal gênero” (BAKHTIN: 2015, p. 21).
No ensino de línguas, por exemplo, a presença das TIDCs é uma vantagem desde
o início, pois lança professores e alunos no contato imediato com diferentes gêneros
comunicativos que, segundo Bakhtin, são “formas relativamente estáveis de enunciados”
(2016, p.42). E o estudo da natureza desses gêneros, na visão bakhtiniana, é de importância
fundamental para superar as concepções simplificadas do que o autor chama de “fluxo
discursivo da comunicação” (2016, p.16).
Beaudouin advoga que uma das peculiaridades do texto eletrônico é que a leitura e
a escrita se elaboram ao mesmo tempo, numa mesma situação e num mesmo suporte, o
que é nitidamente diverso da separação existente entre a produção do livro impresso e seu
consumo pelo leitor. Essa diferença deve-se ao fato de que a internet, por sua estrutura
hipertextual, articula espaços de informação e ferramentas de comunicação, propondo um
“conjunto de dispositivos interativos que dão lugar a novos escritos” (BEAUDOIN, 2003
apud ROJO:2013, p.20).
Esses “novos escritos”, por consequência, dão lugar a novos gêneros discursivos
tais como os chats, twits, posts, páginas, etc. porque temos acesso a novas tecnologias e
ferramentas de leitura-escrita que convocam novos letramentos, configuram os enunciados/
textos em sua multissemiose ou em sua multiplicidade de modos de significar:

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 3 17


São novos modos de significar e configurações que se valem das possibilidades
hipertextuais, multimidiáticas e hipermidiáticas do texto eletrônico e que trazem novas
feições ao da leitura; já não basta mais a leitura do texto verbal escrito - é preciso colocá-
lo em relação com um conjunto de signos e outras modalidades de linguagem ( imagem
estática, imagem em movimento, som, fala) que o cercam, ou intercalam, ou impregnam
(BEAUDOUIN apud ROJO: 2013, p.21).
O caráter multissemiótico dos textos/enunciados contemporâneos não parecem
desafiar fortemente os conceitos e categorias propostas pela teoria bakhtiniana dos
gêneros. A autora sugere que leituras bakhtinianas sobre os gêneros apresentam um foco
mais concentrado na flexibilidade, no plurilinguismo e na plurivocalidade dos enunciados em
gêneros, como o texto “O Discurso no Romance”, de 1934-1935, se tornam em ferramentas
para a análise dos textos contemporâneos (ROJO: 2013, p. 27).
Em se tratando do emprego das TDICs em sala de aula, há que se observar ainda
que, em muitas situações, os sujeitos irão se deparar com um fenômeno para o qual
Bakhtin alerta que são os gêneros em reelaboração ou transmutação. Um fenômeno que
se dá a partir do diálogo e da constante permeabilidade entre eles. Sobre esse aspecto, “a
passagem do estilo de um gênero para outro não só modifica o tom do estilo nas condições
do gênero que não lhe é próprio como destrói ou renova tal gênero” (BAKHTIN: 2015, p.
21).
Por outro lado, para Araújo (2016), as relações entre os gêneros comunicativos
sempre foram e serão complexas, pois cada esfera da comunicação, da língua elabora seus
tipos relativamente estáveis de enunciados; já os gêneros da internet, segundo ele, estão
em permanente estado de emergência ou reelaboração. É de Araújo também a afirmação
de que, conforme a epistemologia bakhtiniana, “não existem gêneros nem esfera digitais”
(2016, p.50) e, em síntese, ele justifica que, na internet: (1) as esferas de atividades se
interpenetram e geram misturas de gêneros; (2) essas esferas não se circunscrevem numa
dimensão geográfica; (3) espraiam-se culturalmente gerando várias enunciações (2016, p.
51).
Justamente devido à complexidade e à instabilidade do objeto composicional dos
gêneros em circulação na internet, trabalhar com sua reelaboração exige um cuidado
redobrado no planejamento de ensino. Ribeiro sugere seis pré-requisitos no emprego das
TIDCs. Resumidamente: (1) ter vontade de aprender; (2) conhecer as ferramentas; (3)
relacionar as TIDCs aos objetivos didáticos ou pedagógicos; (4) encontrar uma ou mais
ferramenta e testá-las; (5) avaliar o processo; (6) tempo de trabalho (RIBEIRO 2018, p.
107- 113).

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 3 18


3 | TECNOLOGIA, MULTILETRAMENTOS E MULTIMODALIDADE
Além do planejamento, o uso das TDICs nas situações de ensino-aprendizagem
requer o domínio das ferramentas digitais por todos os agentes envolvidos no processo.
Tornam-se imprescindíveis a capacitação continuada dos educadores, equipamentos e
acesso de qualidade à internet e outros recursos que viabilizem a aplicação das mídias
digitais para os multiletramentos.
O termo “multiletramentos” referente à Pedagogia dos Multiletramentos e surgiu
em um colóquio realizado pelo New London Group, em 1996 (ROJO, 2016, p. 14). Na
visão do Grupo, a escola permanecia monocultural diante de um mundo multicultural. A
“multimodalidade” abrangeria uma gramática dos diversos moldes que ultrapassaria o texto
escrito e afastaria o ensino da língua de uma concepção estruturalista.
Baseada no manifesto do New London Group, Rojo destaca, contudo, que os novos
letramentos emergentes na sociedade contemporânea não são devidos unicamente às
novas TIDCs e que se faz necessária uma “pedagogia” que também leve em conta e inclua
nos currículos “a grande variedade de culturas já presentes nas salas de aulas de um
mundo globalizado e caracterizado pela intolerância com a diversidade cultural, com a
alteridade” (ROJO; MOURA, 2012, p.12).
Ainda quanto ao termo “multimodalidalidade”, de acordo com Dionísio (2013, p.21):

[...] tem sido usado para nomear textos construídos por combinação de
recursos de escrita (fonte, tipografia), com (palavras faladas, músicas),
imagens (desenhos, fotos reais), gestos, movimentos, expressões faciais
etc. Para maior compreensão da natureza multimodal dos gêneros e de suas
configurações multimodais dentro de um sistema de gêneros (DIONÍSIO,
2013, p. 21).

As multimodalidades ou multissemioses exigem capacidades leitoras de


compreensão, ou seja, possibilidades de fazer significar uma gama variada de
multiletramentos organizados por ordem crescente de complexidade
Nas atividades de ensino multimodais e multissemióticas, Coscarelli identifica uma
série de estratégias: (1) identificação de ideias relevantes no texto; (2) construção de um
resumo e uma síntese; 3. formulação de perguntas; (4) visualização, criação de imagens;
(5) elaboração de inferências, a partir de conhecimento prévio; (6) Estabelecimento
de conexões; (7) Monitoramento para consertar interpretações; (8) análise crítica
(COSCARELLI, 2016, p.75).

4 | MAPAS CONCEITUAIS COMO RECURSO MULTISSEMIÓTICO


Os Mapas Conceituais se destacam como um gênero orquestrador de múltiplas
semioses além de constituírem, tradicionalmente, uma estratégia pedagógica de grande
relevância no ensino para a construção de conceitos, no sentido de que ajudam a integrar,

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 3 19


relacionar e atribuir significado às informações articuladas. Como ferramenta gráfica, o
mapa conceitual já tem quase meio século de existência. Foi criado na década de 1970
por Joseph Novak como técnica cognitiva para aprender de modo significativo, ou seja,
construir significados para as experiências; estabelecer relações entre o que se está
aprendendo com o que já se sabe.
Segundo Ausubel (2003), a organização dos conceitos num mapa conceitual,
assim como processo de diferenciação progressiva, são fundamentais para que exista
uma relação fidedigna entre o objeto (conhecimento) e a sua representação (mapa). Na
nossa experiência, a construção dos Mapas Conceituais foi parte crucial do processo de
aprendizagem da disciplina. Ao elaborá-los, precisamos encontrar os conceitos relevantes
de determinado tema e estabelecer as relações entre eles.
Em sua forma gráfica, os mapas conceituais correspondem a diagramas hierárquicos
que mostram a organização e correspondência entre conceitos, que são apresentados
por uma diferenciação progressiva (desdobramento de um conceito em outros que
estão contidos) ou por uma reconciliação integrativa (relação de um conceito com outro
aparentemente diferente). Ao dispor conceitos novos relacionados a outros já conhecidos,
o sujeito estabelece uma hierarquia e determinar propriedades. Logo, pode organizar seu
conhecimento de maneira autônoma, pois retifica seu próprio raciocínio em função da
construção do mapa.
Ontoria (2008, p.50) destaca três características próprias dos mapas conceituais:
“(a) hierarquização: os conceitos se encontram dispostos em ordem de importância, sendo
que os mais inclusivos estão na parte superior e ligados a distintos níveis de concretude;
(b) seleção: contém uma síntese gráfica dos aspectos mais importantes de um texto; (c)
impacto visual: unidimensional — com apenas alguns conceitos dispostos de forma vertical;
bidimensional — com conceitos dispostos vertical e horizontalmente; ou tridimensional —
com conceitos e suas relações em três dimensões”.
Quanto ao impacto visual provocado pelos Mapas Conceituais, segundo Vekiri
(2002), considera-se que uma representação gráfica é mais efetiva que um texto para a
comunicação de conteúdos complexos porque o processamento mental das imagens pode
ser menos exigente cognitivamente que o processamento verbal de um texto. Quando a
informação quando é oferecida de maneira interconectada verbal e visualmente, torna-
se mais fácil a construção de conexões, relações e entendimento na estrutura cognitiva;
desse modo, facilita-se, duplicam-se os caminhos para o resgate dessa informação, pois
ela apresenta codificada de forma dual (VEKIRI, 2002: 262 - 267).

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 3 20


5 | DUAS FERRAMENTAS DIGITAIS COLABORATIVAS DE PRODUÇÃO DE
MAPAS CONCEITUAIS
A seguir apresentamos dois dos nove programas por nós utilizados com a
descrição dos mesmos e algumas das suas principais características:

Descrição Ilustração

C-Maps Tools - Ferramenta grátis


dedicada à confecção de mapas
conceituais; oferece diversas
funcionalidades semelhantes às de
um organograma; o usuário dispõe as
caixas com as ideias soltas e depois
monta os vínculos entre elas; tem uma
boa interação com a internet; permite o
acesso de coleções e mapas na rede
que servem de exemplo para esquema
desejado; grava a estrutura final em
formato web para ajudar na distribuição
do arquivo. https://cmapcloud.ihmc.us/

Disponível em https://cmaptools.en.softonic.com/
mac. Acesso em 12 de janeiro de 2019

Skechboard.me - ilimitado quadro


branco no qual o usuário pode trabalhar
de forma colaborativa; disponibiliza
mais de 400 formas para a construção
de diagramas, mapas e desenhos;
paleta de cores variadas; caixas de
texto de vários formatos; setas que
fazem curvas e apontam para todas as
direções. É um bom programa de para
a elaboração de mapas conceituais,
considerando que esse gênero
requer autonomia na formulação
e hierarquização dos conceitos;
estimula o trabalho colaborativo, pois
permite comentários online, além da
visualização das tarefas de todos os
envolvidos e favorece a construção
veloz de estruturas relacionadas.
Permite o desenho a mão livre, o que
torna originais cada uma de suas
pranchas. https://sketchboard.me

Disponível em: https://youtu.be/5u-h8Xzqwes.


Acesso em 12 de janeiro de 2019.

Quadro 4 - Características gerais das ferramentas utilizadas na experiência.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 3 21


Na maioria delas é possível visualizar barras de tarefas verticais ou horizontais, com
ferramentas que servem para modificar e personalizar o fundo da área de trabalho. A maioria
oferece uma diversidade de estruturas pré-estabelecidas e inúmeras de possibilidades de
combiná-las. Pode-se formatar o tipo da fonte, do tópico e da linha e suas cores. Também
oferecem, uma barra de ferramentas que permite acrescentar recursos produzidos com
outras ferramentas e em outros formatos digitais:

Figura 3 - Barra Lateral de Formatação à esquerda Mapa Conceitual construído no Venngage


por Andrea Moreira e Roseli Serra.

Figura 5 - Barra lateral com estruturas disponíveis em mapa produzido no Sketchboard Me por
Andréa Moreira e Roseli Serra.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 3 22


O uso do mapa conceitual estimula a capacidade de aprende a aprender, de
autorregular o processo cognitivo , além de ser uma ferramenta de auto-avaliação e
feedback. No nosso caso, sendo o trabalho colaborativo, sempre que tínhamos dificuldade
de dar a largada na elaboração de um mapa, de estabelecer seus segmentos e relações
hierárquicas, percebíamos que era o momento de reler e rediscutir o texto, de refinar a
nossa compreensão. Isso é o que chamamos de autorregulação.

6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, tratamos da produção de Mapas Conceituais como instrumentos
de multiletramento, de forma colaborativa por meio de ferramentas digitais. Realizamos
este trabalho a partir da concepção de gêneros textuais e suas reelaborações - conforme
as noções do dialogismo. No caso da internet, essas reelaborações se multiplicam
exponencialmente devido às multissemioses e multimodalidades que caracterizam a
linguagem ultra-complexa e instável do ciberespaço. Um espaço que instiga a criatividade
e o empoderamento semiótico.
Observamos que o emprego das ferramentas digitais colaborativas na elaboração
dos Mapas Conceituais promove a compreensão e interpretação de vários tipos de textos
verbo-visuais; faz com que se utilize linguagem algébrica, geométrica, multimidiática e
multimodal; ocasiona a permanente reelaboração de gêneros diversificados, o que amplia
o repertório do sujeito e lhe garante maior versatilidade; desenvolve a aprendizagem
significativa em colaboração, o que resulta em uma forma mais comprometida, autônoma,
ágil e flexível de envolvimento no processo gerativo do conhecimento.
Nossa experiência comprova a eficácia das ferramentas digitais colaborativas
no contexto dos ambientes de ensino-aprendizagem e de intercâmbio comunicativo
contemporâneos que devem oferecer aos sujeitos condições para se integrarem e evoluírem
segundo seus objetivos em um mundo em constante mutação. Além disso, salientamos o
imperativo de se explorar elementos multissemióticos na leitura e na produção textual em
todas as ocasiões possíveis, de modo a torná-los ainda mais usuais como são as práticas
sociais que extrapolam o ambiente laboral ou acadêmico.

REFERÊNCIAS
AMORETTI. MSM. Protótipos e estereótipos: aprendizagem de conceitos Mapas conceituais:
experiência em Educação a Distância. Revista de Informática na Educação: teoria e prática.
2001;4(2):49- 55.

ARAÚJO, Júlio. Redes Sociais e ensino de línguas: o que temos de aprender?/ organização Júlio
Araújo, Vilson Leffa. São Paulo: Parábola Editorial, 2016.

AUSUBEL, D.P. Aquisição e Retenção de Conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Lisboa:


Plátano Edições Técnicas, 2003.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 3 23


BAKHTIN, M. Os gêneros do Discurso. Organização, tradução, posfácio e notas: Paulo Bezerra. São
Paulo: Editora 34, 2016.

CAIADO, R.; LEFFA, V. J. A Oralidade em Tecnologia Digital Móvel: debate regrado via Whatsapp.
In: Hipertextus Revista Digital, Recife, v. 16, n.1, p. 109-133, jul./ 2017.

COPE, B.; KALANTZIZ, M. (Eds.). Multileteracies: literacy learning and the design of social futures.
London, UK: Routledge, 2003.

COSCARELLI. Tecnologias para aprender/ organização Carla Viana Coscarelli. São Paulo: Parábola
Editorial, 2016.

DIONÍSIO, A.P.; VASCONCELOS, L. J. Multimodalidade, gênero textual e leitura. In: BUNZEN, C.;
MENDONÇA, M. Múltiplas linguagens para o ensino médio. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.

DUDENEY, G.; HOCKLY, N.; PEGRUM, M. Letramentos Digitais. Tradução: Marcos Marcionilo. São
Paulo: Parábola Editorial, 2016.

KRESS, G. Literacy in The New Media Age, Londres, UK: Routledge, 2003.

RIBEIRO, Ana Elisa. Textos multimodais: leitura e produção. São Paulo: Parábola Editorial, 2016.

ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. Multileramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

ROJO, R.; BARBOSA, J. P. Hipermodernidade, Multiletramentos e Gêneros Discursivos. São


Paulo: Parábola Editorial, 2015.

SALOMON, Délcio Vieira. Como resumir. In:________. Como fazer uma monografia. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 3 24


CAPÍTULO 4
doi
O ENSINO DE LIBRAS E AS DIFICULDADES DOS
DISCENTES OUVINTES

Data de aceite: 01/10/2020 estudiosos da temática. Após a experiência


com este componente, é possível afirmar que
ainda existem muitas (de)formações a respeito
da formação nesses dois cursos principalmente
Antonilde Santos Almeida
no âmbito no curso de bacharelado em
UNEB – Departamento de Ciências Humanas/
comunicação. Modalidade semipresencial requer
Campus III – Juazeiro, Ba
ainda ajustes e reformulações na forma do seu
http://lattes.cnpq.br/1693102899847382
desenvolvimento, muito estudo e apropriação
Javã Fonseca Sousa Júnior por partes dos discentes ouvintes, os quais têm
http://lattes.cnpq.br/6695902249442693 muitas dificuldades nas aulas semipresenciais,
principalmente no que se refere à compreensão
do funcionamento da Libras, bem como ao
entendimento de como o surdo se torna leitor e
RESUMO: Este texto apresenta resultados
se apropria da escrita como prática discursiva, se
de uma experiência no ensino de graduação
eles próprios têm a mesma dificuldade.
com a disciplina Libras, em seis turmas no
PALAVRAS-CHAVE: Libras, Lingua Portuguesa
Departamento de Ciências humanas, Campus
(Lp), Formação, Comunicação.
III – UNEB, nos cursos de licenciatura em
Pedagogia e bacharelado em Jornalismo. O
trabalho com esta disciplina procurou esclarecer
THE TEACHING LIBRAS AND
um pouco sobre a disciplina de Libras por DIFFICUTIES LISTENING
meio de atividades presenciais e à distância.
ABSTRACT: This text presents results of a
Várias foram as estratégias de aprendizagem:
lecture on the teaching of the Libras discipline,
fórum, chats, questionários online, interação
in six undergraduate classes in the Department
com docentes presenciais; interação com
of Humanities, Campus III – UNEB, in the
professores surdos, profissionais que atuam
Courses of Licenciatura in Pedagogy and
como interpretes; avaliações escritas, exercícios
Bachelor in Journalism. The work with the
práticos, bem como outros materiais didáticos
purpose of clarifying a little about the theme of
e recursos visuais usados para complementar
Libras in the middle of face-to-face and distance
a formação dos alunos ouvintes e alunos
activities. The thought strategies were: forum,
surdos, que possam ou não usar Libras. O
chats, online questionnaires, interaction with
processo ensino-aprendizagem foi pautado na
classroom teachers; interaction with teachers,
vivência de práticas de letramento em mídias
which are those who act as interpreters; written
digitais para contemplar a formação dos alunos
notes, practical exercises, as well as other
ouvintes e alunos surdos. A base teórica esteve
didactic material and visual resources used to
centrada na declaração de Salamanca, Quadros
complement the training of hearing students and
(2001), Sá (2002), Strobel (2008) entre outros

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 4 25


deaf students, whether or not they use Libras. The teaching-learning process was based
on long-term practices to contemplate the training of hearing students and deaf students.
The theory was based on the statement of Salamanca, Quadros (2001), Sá (2002), Strobel
(2008) among other scholars of the subject. After the experience, it is possible to affirm that
there are still many deformations regarding the formation in these two courses, mainly in
the baccalaureate course in communication. The semipresencial modality still requires
adjustments and reformulations in its development and much study by the hearing students,
who have many difficulties in the semipresencial classes, mainly with regard to the functioning
of Libras and the way the deaf becomes a reader and how he uses writing as a discursive
practice, since they themselves have the same difficulty.
KEYWORD: Libras, Portuguese languagem (LP), Formation, Cummnication.

1 | NOTA INTRODUTÓRIA
O diálogo, algo tão presente em qualquer sociedade, não ocorre sem um canal de
comunicação. Assim, a Língua Portuguesa, para o Brasil e outros oito países, promove a
interação dos seus falantes, principalmente com a oralização, entretanto numa comunidade
formada por diversas culturas e uma diversificação de povos, como a brasileira, a Língua
Portuguesa não é suficiente para suprir o diálogo ou a comunicação entre os sujeitos desta
sociedade. Assim, o Brasil apresenta outra língua, oficializada apenas em 2002, a Língua
Brasileira de Sinais – LIBRAS.
Três anos após a oficialização, em 2005, é regulamentada a inclusão da Libras nos
cursos de licenciatura. No âmbito do Departamento de Ciências humanas - DCH, Campus
III – UNEB, a disciplina de Libras é ofertada inicialmente para o curso de pedagogia e
apenas em 2018 e estendida para o curso de bacharelado em Jornalismo.
Um novo avanço, já que a disciplina extrapola a licenciatura e alcança o curso de
bacharelado. Assim, o presente texto proporciona os resultados das últimas seis turmas
da disciplina, sendo cinco turmas de licenciatura em Pedagogia e uma de bacharelado em
Jornalismo.

2 | NOÇÕES BÁSICAS SOBRE O ESTUDO


No ano de 2018 é ofertada para três turmas, duas de Pedagogia e uma de Jornalismo,
são 99 alunos matriculados para apenas um professor e um monitor. A disciplina segue a
modalidade semipresencial, possuindo duas salas de aula, uma presencial ministrada no
Departamento de Ciências Humanas - DCH-III, e uma online, em que os alunos tinham
acesso à plataforma online da UNEB, Campus Virtual (AVA), na qual interagem e postam
suas atividades, e, desta forma, efetivam a parte online da disciplina.
Com a presença da modalidade semipresencial, a dinâmica de planejamento ocorria
continuamente, ora presencial e ora à distância, através dos recursos tecnológicos. A
modalidade da disciplina e a quantidade de discentes proporcionava uma construção bem
intensa.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 4 26


A monitoria proporcionou a experiência de perceber a atuação docente diante do
processo de ensino, interagindo e percebendo as relações, construções e dificuldades
para se construir uma efetiva aprendizagem e ligação entre o campo de fala dos surdos e
ouvintes. Inclusive, conseguindo perceber o processo de mudança dos pensamentos dos
discentes e por consequência de suas falas.
Logo no início da disciplina houve uma discussão sobre os mitos da Língua de
Sinais com base no texto de Audrei Gesser “Libras que língua é essa?” e que claramente
contribuiu para uma melhor percepção da amplitude desta Língua. Essa mudança era
evidenciada com os posicionamentos nas discussões estabelecidas no fórum, em que os
próprios discentes através dos relatos de algumas experiências vivenciadas se mostravam
surpresos e impactados com os mitos que eram quebrados através da leitura e no debate
sobre o tema.
Saindo do campo teórico, durante a disciplina ocorreu a Oficina Disciplinar,
ministrada, em dois dias, por um professor de Salvador, em que os discentes puderam ter
maior proximidade com a fala, longe de ser o adequado para a fluência na Língua. A Oficina
incluía principalmente a aprendizagem da fala em libras, aprendendo as letras, números,
nomes de lugares, objetos, animais, sempre buscando incluir os aspectos vivenciais dos
alunos, portanto, possibilitando uma maior assimilação das palavras em LIBRAS.
Outro ponto alto da disciplina foi a realização do seminário, no qual a construção
ocorreu em dois dias com a união das três turmas. Este deu-se através de pesquisas
e apresentações oriundas das turmas ou dos palestrantes e especialistas convidados,
o seminário contou com a participação da comunidade interna e externa, constituída de
surdos e ouvintes, além da presença dos intérpretes. Assim foi efetivado um momento
para a discussão dos diversos temas, destacando a presença do surdo na comunidade, a
relação do surdo com o mercado de trabalho, com o processo de ensino, com a saúde, mas
especificamente com os postos de saúde e a atuação policial diante do surdo.

Ano Curso Quantidade de discentes


2018* Pedagogia 28
2018 Pedagogia 37
2018 Jornalismo 34
2017** Pedagogia 40
2016 Pedagogia 37
2015*** Pedagogia 32

Totais: 02 cursos; 06 turmas; 208 discentes. Aula no sábado à tarde; horários divididos:
manha e tarde; manhã e noite. As últimas turmas foram assumidas após a morte da docente
responsável pelo componente.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 4 27


Imagens dos grupos de whatsapp – criados pela docente presencial e pelo monitor (na
seguinte ordem: pedagogia vespertino, jornalismo, pedagogia noturno).

3 | PERCEPÇÕES A RESPEITO DO... “O QUE QUER, O QUE PODE ESSA


LÍNGUA?” – CAETANO VELOSO
O trabalho com Libras foi de grande importância. Mesmo já tendo havido o
acompanhamento de outras turmas, esse momento foi de grande aprendizado. Houve a
descoberta sobre o que a Libras quer, sobre o que a cultura surda quer, sobre o que a
língua e a cultura surda podem fazer não somente pessoas surdas, mas principalmente
para os ouvintes.
A aprendizagem da buscar por mais e a ter mais envolvimento. Essa é a palavra
que fiou após o término de mais um semestre. Envolvimento com uma causa, com muitos
porquês, com pessoas, com desejos, com possibilidades.
As frases de Caetano Veloso, me fizeram pensar bastante sobre as línguas
e as culturas relacionadas as mesmas em cada uma das proposições idealizadas pelo
planejamento geral e aplicadas em cada departamento de acordo com suas necessidades.
Aqui são apontados alguns aspectos relevantes sobre as atividades realizadas pelas turmas
de pedagogia e de jornalismo: Videoconferências - coordenadas pela central: apontar
questões específicas de cada uma proferida pelos professores Reinaldo, Carla, Taís. Todos
apresentaram o conteúdo proposto. Os discentes consideraram muito importante para o
debate e para a organização dos planos de aula para o pessoal de pedagogia e dos planos
de ação para o pessoal de comunicação social/jornalismo. Além disso, as intervenções
feitas por alguns professores foram de suma importância; Seminário – atividade muito
trabalhosa, mas que fez muitos se mexerem o mudarem ou construírem pensamentos
no que tange à diversidade, à inclusão e à surdez, principalmente em relação de Libras
ser uma língua muito importante e a contribuição da comunidade surda. Houve muita
participação discente e da comunidade externa (ouvintes, surdos, intérpretes, familiares
de surdos). Contribuição na alimentação, nas lembranças, na organização das salas e nas
apresentações das temáticas.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 4 28


Tudo isso possibilitou a relação com as duas línguas, a aprendizagem, de maneira
básica, de Libras e principalmente as dificuldades que os discentes tiveram e têm com a
aprendizagem de qualquer língua já que todoas têm aspectos gramáticas, semânticos e
pragmáticos.

4 | IDEIAS INCONCLUSAS
Falar de Libras na universidade além de obrigação, é compreender o que as pessoas
surdas querem e podem fazer ou estar. É olhar e falar com olhos, mãos e expressões, é
obter conhecimento, é crescer ou fazer uma formação profissional e obter certificação para
a comprovação do que estiver sendo aperfeiçoado. Assim a UNEB tem procurado fazer,
estabelecendo conexões, vendo e falando não somente em libras, mas também em outras
línguas na busca de se aperfeiçoar nas pessoas e no que elas querem ou precisam.
Todas as atividades desenvolvidas durante o semestre/curso, trouxeram muito
aprendizado e satisfação não somente para a docente e para o monitor, mas e principalmente
para os discentes e para o DCH III que puderam vivenciar de maneira ampla as questões
sobre outra língua tão importante quanto a LP.
Essa compreensão se deu principalmente sobre os aspectos relacionados ao
seminário já que houve uma maior e melhor contribuição do Campus III para a ampliação
na divulgação e importância da Libras. Proposições que trouzeram para a comunidade,
além de solicitar sugestões para que possa acontecer outras atividades direcionadas as
questões da Língua brasileira de sinais.
Muitos justificaram que partir daquele momento, teriam mais preocupação com
pessoas surdas e sua inserção em todos os ambientes e âmbitos da sociedade. Além
disso, a questão da presença de surdos também foi muito importante, pois pode possibilitar
a comunicação entre surdos e ouvintes e para aqueles que até então não tinham visto
surdos conversando entre si, foi uma grande oportunidade.
O que mais chamou atenção de todos foi para a questão dos recursos para
acessibilidade e que Libras pode e deve ser um componente curricular em escolas ditas
regulares, que estas além de intérpretes, tenham professores preparados e efetivados nas
instituições de ensino e que os surdos tenham oportunidades iguais em todos os espaços.
A experiência da monitoria foi muito grande. Ter acompanhado a Professora,
compartilhando as dinâmicas do processo de ensino, como também, ter vivenciado mais da
Língua de Sinais, que nos textos lidos e principalmente nos debates ocorridos no seminário
evidenciou que se encontra ainda numa grade luta pela inserção nos diferentes campos
sociais. Para a minha formação possibilitou uma maior agregação de conhecimento à minha
formação acadêmica. Perceber o processo através dos planejamentos, da capacidade de
planejar e de se organizar, atributos necessários para a real efetivação do ensino.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 4 29


Inclusive, demonstrando a necessidade que há de gerir pessoas, neste caso, exigiu
da professora a capacidade de gerir as três turmas de LIBRAS, equivalendo a quase cem
alunos. A capacidade de gerir pessoas evidencia-se também no campo da linguagem,
já que, nesse campo há duas comunidades presentes no mesmo espaço social e há a
necessidade de entrelaçá-las.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei federal nº. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais -
Libras e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 25 de abril de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10436.htm> Acesso em: 28 set. 2010.

______. Decreto nº 5626, de 22 de dezembro de 2005. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm> Acesso em 28 set. 2010.

______. Declaração de Salamanca e linhas de ação sobre necessidades educativas especiais.


Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração de Pessoa Portadora de Deficiência, 1994.

______. Ministério da Educação e Cultura/Secretaria de Educação Especial. Saberes e práticas da


inclusão: Desenvolvendo Competências para o Atendimento às Necessidades Educacionais
Especiais de Alunos Surdos. Brasília, 2006. Não paginado. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
seesp/arquivos/txt/alunossurdos.txt>. Acesso em: 10 out. 2008.

FERNANDES, Eulalia. Linguagem e surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.

FERREIRA-BRITO, Lucinda. Por uma gramática das línguas de sinais. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1995.

QUADROS, Ronice Müller de. (Org.). Estudos Surdos I. Petrópolis, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2006.
SÁ, Nídia Regina Limeira. Cultura, poder e educação de surdos. Manaus: Editora da Universidade
Federal do Amazonas, 2002.

_______. Ronice Müller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de Sinais Brasileira: Estudos
Lingüísticos. v. 1. Porto Alegre: Artmed, 2004.

SÁ, Nídia Regina Limeira. Educação de Surdos: a caminho do bilinguismo. Niterói: EDUFF, 1999.

SALLES, Heloisa Maria M. L. et al. Ensino de língua portuguesa para surdos: caminhos para a
prática pedagógica. Brasília, Ministério da Educação; Secretaria de Educação Especial, 2004. 2 v.

STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.
118p.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 4 30


CAPÍTULO 5
doi
O DIÁLOGO DAS CORES ENTRE PASTORAL DE
OSMAN LINS E A PINTURA DE CARAVAGGIO

Data de aceite: 01/10/2020 São Pedro (1600); A Ceia em Emaús (1601); O


Data da submissão: 06/07/2020 Sepultamento (1603) e A Morte da Virgem (1604
-1606), todas de Caravaggio. Nosso objetivo foi
investigar as influências simbólicas das cores
na pintura de Caravaggio comparativamente
Ana Márcia Braga de Amorim
às cores em Pastoral. Ademais, as análises
Universidade Católica de Pernambuco
trazem em Pastoral: o rubro pasto, usado para
Recife – Pernambuco
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4648888256379277 a cor vermelha; a luz e a sombra dialogando
com a pintura de Caravaggio, assim como o
Josemeire Caetano da Silva vermelho traduzido pelo sangue em ambas
Universidade Católica de Pernambuco as representações artísticas. Portanto, a partir
Recife – Pernambuco dos resultados concluímos que há uma relação
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3733529212387898 simbólica das cores entre Pastoral e as telas
selecionadas de Caravaggio.
PALAVRAS-CHAVE: Pastoral, Nove, Novena,
RESUMO: Ao longo da História, verifica-se a Osman Lins, Simbologia das cores, Pintura de
concepção de diversas formas de manifestações Caravaggio.
artísticas pelo homem, dentre as quais, destacam-
se a literatura e a pintura como possibilidades
perceptíveis de construção do real e do imaginário,
THE SYMBOLOGY OF COLORS IN THE
DIALOGUE BETWEEN PASTORAL AND
ambas de maneira peculiar. Nessa percepção,
THE PAINTINGS OF CARAVAGGIO
a literatura e a pintura permitem a interação do
homem com o mundo e com o próprio homem e ABSTRACT: Throughout history, the conception
propiciam diálogos entre o texto literário e o texto of several forms of artistic manifestations by
imagético, como perspectivas de leitura de mundo the human being have been observed, among
diferenciadas. O presente trabalho visa analisar those ones, literature and painting stand out as
o diálogo existente na simbologia das cores de noticeable possibilities of construction of the
Pastoral, de Nove Novena, de Osman Lins e real and the imaginary, both in a peculiar way.
na pintura de Caravaggio. Para tanto, iniciamos Regarding this perception, literature and painting
com os pressupostos teóricos de Chevalier allow the interaction between the human being
& Gheerbrant acerca da simbologia; também and the world as well as with himself, and provide
usamos Rosenfeld para a Teoria da Literatura e a dialogues between the literary text and the
intersemiose de Lúcia Santaella. Nossa pesquisa imagery one, as distinct perspectives of reading
consistiu em analisar em Pastoral a presença das the world. The present article aims at analysing
cores e a relação desta obra com as pinturas: the dialogue existing in the colour symbolism
Marta e Maria Madalena (1598); Crucificação de of Pastoral, Nove Novena, Osman Lins and

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 5 31


Caravaggio paintings. As for this, we started from the theoretical assumptions of Chevalier
& Gheerbrant on symbology; we also used Rosenfeld regarding Theory of Literature and the
intersemiosis by Lúcia Santaella. Our research consisted of analysing in Pastoral the presence
of colours and the relation of this work with the following paintings: Marta and Maria Madalena
(1598); The Crucifixion of St. Peter (1600); The Supper at Emmaus (1601); The Burial (1603)
and The Death of the Virgin (1604-1606), all by Caravaggio. Our aim was to investigate the
symbolic influences of colours on Caravaggio paintings compared to the colours in Pastoral.
In addition, the analysis carry in Pastoral: the red grazing, used for the red colour; the light and
the shadow dialoguing with the painting of Caravaggio, as well as the red translated by the
blood in both artistic representations. Therefore, from the results we concluded that there is a
symbolic relationship between Pastoral and the selected Caravaggio paintings.
KEYWORDS: Pastoral, Nove, Novena, Osman Lins, Colour Symbology, Paintings by
Caravaggio.

1 | INTRODUÇÃO
Analisar textos literários e outras manifestações artísticas, a exemplo da pintura,
permite-nos imergir no universo das variadas possibilidades de compreensão da arte e da
literatura, tendo a palavra e a cor papéis imprescindíveis na constituição de significados.
Nessa conjuntura, trazemos as obras Pastoral, uma das narrativas de Nove, novena, de
Osman Lins (1994) e cinco obras do pintor barroco Caravaggio.
Sendo assim, o presente trabalho traz possibilidades de análises semióticas e
simbólicas, tendo Santaella (2012), Santaella e Nöth (2015), Chevalier e Gheerbrant (2000)
e Rosenfeld (2002) como principais aportes teóricos.

2 | O UNIVERSO DAS CORES NA PALAVRAIMAGEM DE PASTORAL


Pastoral é uma das narrativas de Nove, novena, do brilhante escritor pernambucano
Osman Lins. Trata-se da história do jovem Baltasar, abandonado pela mãe e desprezado
pelo pai, tendo recebido carinho apenas do padrinho, que o presenteou com a égua
Canária, seu objeto de desejo sexual. Baltasar disputa Canária com um cavalo, o qual é
a representação de sua almejada masculinidade. Por Canária ele ama e morre. A morte
é figura marcante em toda a narrativa do narrador-personagem, que cria uma narrativa
totalmente inusitada. O jovem e franzino Baltasar se encarrega de trazer cores, vida e
morte para a narrativa.
Na natureza, encontramos diversos exemplos de como as cores compõem
verdadeiras possibilidades de mosaicos e nuances nos mais diversos matizes naturais.
Em Pastoral, atestamos a veracidade dessas possibilidades em forma de palavras, que
nos remetem a imagens reais e marcantes em cada trecho da narrativa. Santaella e Nöth
(2015) elucidam que:

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 5 32


A característica de semelhança entre o signo da imagem e o seu objeto
de referência é também uma das causas para a polissemia do conceito de
imagem. Partindo de um modelo tríadico de signo, o signo de imagem se
constitui de um significante visual (representamen para Pierce), que remete a
um objeto ou a uma ideia de objeto. (SANTAELLA; NÖTH, 2015, p. 40).

Ao equipararmos as imagens literárias às visuais, na perspectiva plural da narrativa


osmaniana em análise, podemos afirmar que se trata do mesmo que Santaella e Nöth
(2015, p. 40) nos explicam quando dizem que: “Às vezes, a palavra “imagem” designa o
representamen no sentido de desenho, fotografia ou quadro. Como conceito de uma ideia
ou imaginação, nos reportamos à imagem como interpretante”.
Sob esse viés, a narrativa osmaniana possui como característica literária
predominante o gênero lírico. Rosenfeld (2002, p. 22) afirma que: “A Lírica tende a ser a
plasmação imediata das vivências intensas de um EU no encontro com o mundo, sem que
se interponham eventos distendidos no tempo”. Em Pastoral, temos o lírico dialogando com
a representação da palavraimagem em: “Minha pele descamba para o baio; se comparada
à porta cor-de-cobre, é clara como a lua”. (LINS, 1994, p. 141).

3 | A AMBIVALÊNCIA HUMANA NA PINTURA DE CARAVAGGIO


Considerado pela crítica literária um dos maiores pintores da história da arte,
Michelangelo Merisi (1571-1610), mais conhecido como Caravaggio, possui como principal
matéria-prima a emoção, visto que trouxe para suas telas pessoas de verdade, traduzindo a
realidade de seu tempo, das ruas, da religiosidade e, sobretudo, da ambivalência humana.
Conhecido como o pai da arte barroca, Caravaggio é um mestre na arte de manipular luz e
sombra, amor e ódio, vida e morte, ratificando as antíteses barrocas.
Em 2012, o Brasil recebeu a mostra intitulada “Caravaggio e seus seguidores”, em
cujo documentário exibido pela TV Cultura, o historiador Luciano Migliaccio afirma que:
“Caravaggio possui uma maneira particular de representar a morte, ele não tem medo de
representar os aspectos negativos do ponto de vista físico da representação desagradável
da morte”. Essa afirmação se materializa na tela A Morte da Virgem, na qual Caravaggio
representa Nossa Senhora morta com o corpo de uma mulher afogada, provavelmente uma
prostituta, o que chocou a sociedade da época.

4 | A SIMBOLOGIA DAS CORES ENTRE PASTORAL E A PINTURA DE


CARAVAGGIO
A narrativa em Pastoral se inicia com a representação da cor branca no momento
em que Osman Lins traz para a cena as seis mulheres de Goiana, segundo o autor “[...]
estranhos bichos que desfolhavam cravos sobre o morto”. (LINS, 1994, p. 137). A presença
do branco, da luz e de elementos que trazem à tona a ideia de claridade, luminosidade é
constante em toda a obra, como nos trechos: “[...] vejo o sol e a lua, as duas claridades

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 5 33


cruzam-se em meu peito”. (LINS, 1994, p. 147) e “Os dentes do cavalo, as patas galopantes
se abatem sobre mim como um feixe de raios, e as crinas brancas – nuvens – chamejam
sob o sol”. (LINS, 1994, p. 150).
Por conseguinte, a cor branca é “[...] primitivamente a cor da morte e do luto, em todo
pensamento simbólico, a morte precede a vida, pois todo nascimento é um renascimento”.
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2000, p. 142). E a pintura Caravaggiana traz, assim como as
obras barrocas, o contraste da luz e da sombra com as cores preta e branca marcadamente
presentes, assim como ocorre na narrativa de Osman Lins. Em Pastoral temos: “Aliçona
tem os cabelos pretos...” (LINS, 1994, p. 138); “As sombras dos que estão aos lados da
mesa são maiores que as do pai de Joaquim” (LINS, 1994, p. 148); “os brincos negros, as
duas tranças negras amarradas com grandes laços negros” (LINS, 1994, p. 143).
Em Caravaggio, a luz é o elemento mais relevante, uma vez que ele utiliza a luz
artificial, como a vela, por exemplo, para projetar suas imagens. Ou seja, em suas telas não
temos mais a pintura sobre os corpos através da refração da luz, mas sim a luz sobre os
corpos. Em muitos de seus quadros, observamos uma construção em que há uma sucessão
de planos imersos na sombra e outros expostos à luz, o jogo de contrastes tão ao gosto
da corrente barroca, visto que esse jogo de antíteses é reflexo do conflito entre o terreno
e o celestial, ou seja, entre o homem e Deus (antropocentrismo e teocentrismo). Nas telas
caravaggianas, como, por exemplo: Ceia em Emaus; O Sepultamento e Crucificação de
São Pedro, encontramos esse jogo de contrastes.
Pedrosa (2004, p. 25) afirma que: “Além da luz solar, o homem moderno manipula
ainda inúmeras outras luzes produzidas por ele”. Já para Santaella (2012):

O tom corresponde às variações de luz. Há múltiplas gradações sutis ente


a obscuridade e a luz, variações de intensidade entre o escuro e o claro.
Com sensibilidade e delicadeza se pode chegar, por exemplo, a trinta tons de
cinza entre o branco e o preto. (SANTAELLA, 2012, p. 58).

Ademais, o preto é “[...] associado às trevas primordiais, ao indiferenciamento original”


(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2000, p. 142). Tanto na pintura de Caravaggio quanto na
narrativa osmaniana temos o jogo de contrastes, “o casamento do preto e do branco é uma
hierogamia; engendra o cinza intermediário, que, na esfera cromática, é o valor do centro,
isto, do homem” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2000, p. 742). Se pensarmos do ponto de
vista filosófico, havia um antropocentrismo imperioso no humanismo dos séculos XV e
XVI, em que a figura humana era ponto primordial. Sob essa perspectiva, Caravaggio nos
transforma, leva-nos à realidade dele, temos a dualidade humana, ou seja, tanto a bondade
e a maldade, quanto o belo e o feio estão demonstrados na pintura desse grande artista
atemporal, que tem ainda muito a influenciar artistas contemporâneos.
Outrossim, em ambas as produções aqui analisadas, observamos a forte presença
do vermelho traduzindo o sangue, o sofrimento essencialmente humano, como em “O sol
se põe, boca vermelha e olhos dardejantes. Tomba, amarelo, duro em seu orgulho, cercado

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 5 34


de penachos cor de sangue” (LINS, 1994, p. 143) e também “O céu é vermelho, vermelha
é a terra” (LINS, 1994, p. 145); como também “na disparada, alteio a cabeça por sobre os
rubros pastos” (LINS, 1994, p. 148). Da mesma forma, a cor vermelha se materializa nas
telas de Caravaggio: A Morte da Virgem; Marta e Maria Madalena; O Sepultamento e Ceia
em Emaús. Para Chevalier & Gheerbrant:

Universalmente considerado como símbolo fundamental do princípio de


vida, com sua força, seu poder e seu brilho, o vermelho, cor de fogo e de
sangue, possui, entretanto, a mesma ambivalência simbólica destes últimos,
sem dúvida, em termos visuais, conforme seja claro ou escuro. (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2000, p. 944).

Em nossas análises, também encontramos pontos de convergência de outras cores,


além das principais já citadas, comprovando a relação simbólica das cores entre as duas
obras. Como, por exemplo, a cor verde, presente nas telas caravaggianas: Marta e Maria
Madalena; Crucificação de São Pedro e Ceia em Emaús; também presentes em Pastoral
como: “Aliçona é mulher? Banhando-se no rio, nua, lembra um tronco nodoso, cinza e
verde, grosso, coberto de limo”. (LINS, 1994, p. 138). Ademais, “Nas artes visuais, as
cores estão intimamente relacionadas com as emoções. Por isso, podem ser empregadas
para expressar ou reforçar a informação visual.” (SANTAELLA, 2012. p. 37). Sendo assim,
ratificamos a forte carga emotiva tanto em Pastoral quanto nas pinturas de Caravaggio,
comprovando a relação da simbologia de suas cores.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Realizar um breve percurso na narrativa Nove, novena, de Osman Lins e em cinco
pinturas do artista barroco Caravaggio, à luz da simbologia das cores em diálogo com as
manifestações artísticas analisadas, possibilitou-nos a compreensão de como a arte se
materializa em diferentes formas, cores, imagens e significados. O estudo dos gêneros
literários e a intersemiose foram fulcrais nas análises aqui realizadas, o que nos permitiu
compreender, por exemplo, que a palavra pode representar várias imagens e que os
gêneros literários vêm se manifestando em diversas obras artísticas desde a Antiguidade.
Na perspectiva central de nossas análises, pudemos, então, atestar o diálogo
da simbologia das cores em Pastoral e nas telas de Caravaggio selecionadas para as
análises realizadas. Salientamos que o presente trabalho não exaure as possiblidades de
leituras simbólicas e intersemióticas na comparação entre as obras dos dois autores aqui
analisados.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 5 35


Figura 1: Marta e Maria Madalena Figura 2: a Crucificação de São Pedro
(1598) (1600)
Fonte: Google imagens Fonte: Google imagens

Figura 3: Ceia em Emaús (1601) Figura 4: O Sepultamento (1603)


Fonte: Google imagens Fonte: Google imagens

Figura 5: A Morte da Virgem (1604-1606)


Fonte: Google imagens

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 5 36


REFERÊNCIAS
CHEVALIER, Jean; CHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos,
formas, figuras, cores, números. 15. ed. Rio de Janeiro: Joseé Olympio, 2000.

MOSTRA Caravaggio e seus seguidores, no Masp. São Paulo, 3 ago. 2012. Youtube. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=7rNggPEHFT0. Acesso em: 12 maio 2019.

LINS, Osman. Nove, Novena.4. ed. São paulo: Companhia das Letras, 1994.

PEDROSA, Israel. O Universo da Cor. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2004.

ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. São Paulo: Perspectiva, 2006.

SANTAELLA, Lúcia. Leitura de Imagens. São Paulo: Melhoramento, 2012.

SANTAELLA, Lúcia; NÖTH, Winfried. Imagem – Cognição, Semiótica, Mídia.São Paulo: Iluminuras,
2015.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 5 37


CAPÍTULO 6
doi
O ESPAÇO DAS SEMIOSES MÚLTIPLAS NAS AULAS
DE LÍNGUA PORTUGUESA

Data de aceite: 01/10/2020 houve o momento para debate. As discussões


Data de submissão: 24/06/2020 foram mediadas, a fim de que houvesse troca e
construção de conhecimento, não transferência
de conteúdo. Foi perceptível, ao utilizar vídeos
nas aulas, a adesão dos alunos e, principalmente,
Júlia Vieira Correia
o envolvimento deles com o conteúdo trabalhado.
Universidade Federal Fluminense (UFF)
O experimento citado foi feito no Colégio Miguel
Niterói - RJ
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/ Couto, escola da rede privada de Niterói, no
visualizacv.do?id=K8035431Y4 estado do Rio de Janeiro.
PALAVRAS-CHAVE: Vídeos, textos multimodais,
interpretação textual, verbo-visualidade, ensino.

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo


analisar as aulas de português com atividades THE SPACE OF MULTIPLE SEMIOSIS IN
envolvendo vídeos. Tendo como base a Teoria PORTUGUESE LANGUAGE CLASSES
Semiolinguística de Análise do Discurso, parte- ABSTRACT: This work aims to analyze
se da hipótese de que o contrato de comunicação Portuguese classes with activities involving
estabelecido pelos vídeos direcionados aos videos. Based on the Semiolinguistic Theory of
jovens pode ser o ideal para despertar o Discourse Analysis, it is based on the hypothesis
interesse deles. Esse tipo de texto apresenta that the communication contract established by the
parcelas verbais sonoras e visuais, por isso tem a videos directed to young people may be the ideal
característica de capturar a atenção dos alunos, to arouse their interest. This type of text presents
sendo algo dinâmico e multimodal. Além disso, verbal and sonic portions of visual, so it has the
vídeos e tecnologia fazem parte da realidade characteristic of capturing students attention,
concreta dos jovens na atualidade. Por isso, being something dynamic and multimodal. In
trazer essa realidade para a sala, como prega addition, videos and technology are part of the
Paulo Freire, é interessante. Para a conceituação concrete reality of young people today. Therefore,
teórica, tem-se Patrick Charaudeau, Rildo bringing this reality to the room, as Paulo Freire
Cosson, Lílian Passarelli, Silvia Sousa e Paulo preaches, is interesting. For the theoretical
Freire. A metodologia das aulas se baseia no conceptualization, we have Patrick Charaudeau,
conteúdo programático da escola, que elege Rildo Cosson, Lílian Passarelli, Silvia Sousa and
carta argumentativa. Para desenvolvê-lo, partiu- Paulo Freire. The methodology of the classes
se da “Carta de Caminha” e se chegou ao canal is based on the programmatic content of the
do youtube “Porta dos fundos”, que ironiza school, which chooses an argumentative letter.
essa “descoberta”. Como resultados, os alunos To develop it, started with the “Letter of Caminha”
desenvolveram a reflexão, a interpretação textual and reached the youtube channel “Porta dos
e a argumentatividade, visto que nas aulas fundos”, which ironises this “discovery”. As a

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 6 38


result, the students developed reflection, textual interpretation and argumentativeness, since
in class there was the moment for debate. The discussions were mediated, so that there was
exchange and construction of knowledge, not transfer of content. It was noticeable, when
using videos in the classes, the students’ adhesion and, mainly, their involvement with the
content worked. The experiment cited was made at the Miguel Couto School, a private school
in Niterói, in the state of Rio de Janeiro.
KEYWORDS: Videos, multimodal texts, textual interpretation, verb-visuality, teaching.

1 | INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca apresentar um projeto realizado nas aulas de português
na 2ª série do Ensino Médio de uma escola da rede particular situada na Região Oceânica
do município de Niterói. Percebeu-se, durante o ano letivo de 2018, que os alunos do
Ensino Médio, em muitos momentos, mostraram-se desinteressados e passivos diante dos
textos que lhes eram apresentados. Essa postura não foi vista como algo interessante,
visto que a Escola Básica e o exercício docente visam à formação de um aluno crítico.
Essa postura ocorreu não apenas nas aulas de português, a que se filiam este projeto, mas
também nas demais.
Um fator relevante nessa questão é a Escola Básica apresentar poucas mudanças e
adaptações em relação aos métodos educacionais predominantes em gerações anteriores.
Nesse sentido, ela se mostra ultrapassada em alguns aspectos. Portanto, rever algumas
práticas educacionais é algo de suma importância, pois o mundo exterior à sala de aula
está em constante evolução, com diferentes estímulos.
Concomitante a essa ideia, visa-se à leitura crítica na sala de aula. Nesse âmbito,
tendo em vista que na aula de produção de textos os alunos utilizam os conhecimentos de
outras áreas, partir dos vídeos pode ser uma forma de explorar um novo gênero discursivo
em sala. Nesse sentido, durante o projeto, vídeos críticos e atuais do youtube foram
escolhidos para serem passados em sala de aula, contribuindo para o debate e para a
escrita de uma carta. Assim, com base em Charaudeau (2018), estabeleceu-se um contrato
de comunicação com esses textos e os alunos. Como resultado, esperava-se que o senso
crítico deles idealizado por Paulo Freire (2015) fosse efetivamente aguçado.

2 | PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Para fundamentar a proposta a seguir descrita, buscou-se respaldo em teorias
linguísticas e pedagógicas. Tendo em vista a problemática do desinteresse dos alunos
nas aulas de português, pensou-se em um projeto de produção textual diferente. Nesse
sentido, Freire (2015, p. 32) postula uma excelente indagação: “por que não estabelecer
uma ‘intimidade’ entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência
social que eles tem como indivíduos?”. Para respondê-la, encontrou-se respaldo em Sousa
(2016, p. 85), quando observa que “a escola não pode ignorar que o leitor contemporâneo
tem a seu dispor, vinte e quatro horas por dia, inúmeras redes de contato”.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 6 39


Com base nisso tudo, uma solução possível foi o uso dos vídeos em sala de aula.
É importante ressaltar aqui que, embora popularmente entenda-se que vídeos sejam para
entretenimento, trata-se de um tipo de texto. Segundo muitos linguistas, “texto” seria a
unidade que ultrapassa a frase. Adota-se aqui, porém, uma visão mais ampla e específica.
Segundo Charaudeau (2001, p. 24), esse termo não deve ser “assimilado à expressão verbal
da linguagem”. “Texto” pode ser considerado a materialização de um ato de linguagem, isto
é, está intrinsecamente relacionado à comunicação. Para complementar, o mesmo autor
postula:

O texto é o resultado singular de um processo que depende de um sujeito


falante particular e de circunstâncias de produção particulares. Cada texto
é, assim, atravessado por vários discursos ligados a gêneros ou a situações
diferentes. (CHARAUDEAU, 2001, p. 25)

Fica claro, com isso, que se trata de textos. Desse modo, nas aulas, pretendia-se
desenvolver, também, a interpretação textual dos alunos. A partir disso, ao se apresentar
os vídeos como texto para os alunos, criou-se, tendo como base Charaudeau (2016), um
ato de linguagem específico, em que o Tu-interpretante é formado por adolescentes. Nesse
sentido, a escolha pelos vídeos do canal “Porta dos fundos” se mostrou acertada, pois esse
Tui compósito já tem o hábito de ocupar essa mesma função nos momentos de lazer.
Destaca-se, ainda, o contrato de comunicação estabelecido nessa situação de
sala de aula com vídeos. Charaudeau (2018) enumera quatro condições relacionadas
aos dados externos desse contrato: identidade, finalidade, propósito e dispositivo. Cabe
ressaltar, então, que a finalidade do vídeo elencado é criticar determinado fato histórico por
meio do humor. Já em relação à última condição, é importante pontuar que, por se tratar de
um vídeo, a troca linguageira ocorre por meio de um ambiente virtual.

3 | A PROPOSTA
Para iniciar o projeto de redação, foi solicitada a leitura prévia do documento histórico
“Carta de Caminha”, disponibilizada em arquivo PDF no site da Biblioteca Nacional. Depois,
em sala de aula, foram lidos trechos pré-selecionados da carta. Ela foi apresentada como
um texto que pode apresentar características do tipo textual argumentativo, devido ao seu
caráter de defesa de um ponto de vista e, principalmente, ao fato de ter contribuído para
que seu interlocutor (a corte portuguesa) agisse de determinada maneira.
Após esse primeiro encontro, observou-se, como de costume, baixa participação do
alunado. Apenas o uso da tecnologia, com o arquivo em PDF, não foi suficiente. A respeito
dessa problemática, foi necessário encontrar novos métodos de relacionar o conteúdo e a
temática à realidade dos estudantes.
Logo, na tentativa de reaproximar os adolescentes das aulas de redação, foram
passados dois textos multimodais: vídeos do youtube do canal “Porta dos fundos”, já

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 6 40


conhecido pela maioria dos estudantes. Esses textos dialogam com a realidade exterior à
escola e se propagam nas redes de contato de que fala Sousa (2016).

Figura 1
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=ViIBcsGdYDM. Acesso em 18/12/2018.

À vista disso, primeiro texto (figura 1) se chama “Colonizado” e aborda, de forma


irônica e humorística, o “descobrimento” do Brasil, traçando um rico paralelo com a
discussão da leitura histórica anterior.
O outro texto (figura 2) se chama “Descobrimento” e trata, mais uma vez de forma
irônica e engraçada, do processo de exploração das terras e dos índios. Ele foi passado na
aula seguinte após uma avaliação positiva da primeira tentativa. Os alunos se mostraram
animados e felizes com o visionamento do vídeo de um canal presente no momento de lazer
deles. Com isso, elegeu-se, seguindo a mesma linha, um vídeo com a mesma temática.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 6 41


Figura 2
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=S9UTFKPyTMs. Acesso em 18/12/2018.

Como exercício de interpretação, nos vídeos, percebem-se, em uma análise


semiótica, a linguagem verbal propaganda de forma sonora (a maneira de falar difere do
português para o índio) e, visualmente, a expressão facial, a linguagem gestual, e outros
fatores, como a escolha dos figurinos e o cenário, que muito significam dentro da temática.

4 | RESULTADOS
O projeto, cuja problemática era a falta de interesse e de criticidade dos alunos,
foi concluído com sucesso. As discussões que permearam as leituras e as produções
foram ricas. Os alunos puderam se expressar sem imposição de uma opinião como certa.
A professora ocupou a posição de mediadora apenas. Foi interessante observar como os
alunos, na verdade, já tinham algum senso crítico, porém não havia espaço para fala nas
aulas de produção textual, tampouco na escola, de modo geral.
Os jovens levaram os debates e os textos para temas como dívida histórica,
demarcação de terras indígenas e política. Também foi perceptível a criatividade dos alunos
aflorar na atividade. Isso aponta a capacidade do aluno de se colocar na posição do índio.
Foi perceptível, também, a comicidade e a ironia presentes nas produções.
Inspirados, provavelmente, pelos textos multimodais do canal do youtube “Porta dos
fundos”, que tratam do tema de maneira engraçada e crítica simultaneamente. Em algumas
cartas, trechos muito similares aos expostos nos vídeos foram encontrados.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 6 42


Essa criatividade que se manifestou nas redações é cerceada na Escola Básica
à medida que as séries avançam, de modo que os textos lidos e produzidos sejam
predominantemente informativos e argumentativos, com baixa ou nula multimodalidade.
Esse trabalho de desenvolvimento da linguagem e da criatividade pode ser interessante
para a leitura de mundo e, inclusive, para as outras disciplinas da escola.
Acredita-se que, efetivamente, os alunos tiveram mais interesse pelas aulas. Como
exemplo, houve um aluno que estava com o braço quebrado na aula da produção da
primeira carta. Como não haveria como escrever no papel, o aluno foi liberado da aula.
Entretanto, ele optou por ficar em sala e digitar seu texto no celular. Ao final da aula, enviou
sua produção textual por e-mail. Outro, que auxiliava as aulas com vídeo levando sua
própria caixa de som, confundiu as datas e a levou com uma semana de antecedência,
pensando que a aula “diferente” já seria naquela data. Pode-se concluir, a partir disso, que,
através do uso de vídeos, houve um maior envolvimento dos alunos.

5 | CONCLUSÕES
Este projeto, que se apoiava no conteúdo “carta argumentativa” estipulado pela
coordenação e propunha desenvolver leitura crítica e pensamento reflexivo, foi concluído
com êxito. Uma releitura crítica da “Carta de Caminha” foi realizada e discussões surgiram
dos próprios alunos. Isso comprova que alguns já traziam suas reflexões e se mostraram
bastante conscientes dos problemas atuais do país. Faltava-lhes, na verdade, espaço para
a fala dentro da sala.
O interesse pelas aulas de português cresceu notoriamente, como corroboram o
retorno analisado nas redações e as atitudes dos adolescentes. Isso se deve, principalmente,
aos estímulos realizados através do meio virtual: arquivo on-line em PDF e vídeos do
youtube. Estes, em especial, dialogam muito com a realidade do jovem atual, pois o canal
“Porta dos fundos” já é de conhecimento e do gosto dele. Para completar, essas leituras
multimodais agradam o público, que, deparando-se com esses textos “atuais”, se sente
capaz de interpretá-los sozinho.
Em somatória, ficou nítida, além da aquisição de conhecimento histórico e cultural,
a melhora na argumentação dos alunos da 2ª série do Ensino Médio. Esse é um fator
primordial para uma boa dissertação no vestibular, que foi prestado pela turma em 2019 e
obteve ótimos resultados.
Por conseguinte, entende-se que o projeto obteve sucesso e ratificou as hipóteses
levantadas de que é preciso repensar a forma como o conteúdo é passado, como o texto é
apresentado. Uma possibilidade é, pois, o uso de vídeos.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 6 43


REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 52 ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2015.

CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2018.

______. Linguagem e discurso: modos de organização. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2016.

______. Uma teoria dos sujeitos da linguagem. In: MARI, H., MACHADO, I. e MELLO, R. (Orgs).
Análise do discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2001.

PASSARELLI, Lílian. Ensino e correção na produção de textos escolares. São Paulo: Telos, 2012.

SOUSA, Silvia. Texto, leitura e leitor: apontamentos para os dias de hoje. In: DIAS, A.; FERES, B.;
ROSÁRIO, I. (Org.) Leitura e formação do leitor: cinco estudos e um relato de experiência. Rio de
Janeiro: 7 letras, 2016.

http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/carta.pdf (acesso em set/2018)

https://www.youtube.com/watch?v=S9UTFKPyTMs (acesso em dez/2018)

https://www.youtube.com/watch?v=ViIBcsGdYDM (acesso em dez/2018)

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 6 44


CAPÍTULO 7
doi
O ILUMINISMO E A CRISE ÉTICA NA
MODERNIDADE A PARTIR DE ALASDAIR
MACINTYRE

Data de aceite: 01/10/2020 princípios racionais (Cf. VIEIRA, 2002, p, 26).


Nesse período a tarefa principal do homem é o
conhecimento e o domínio sobre a natureza e o
Jacson Alexssandro Guerra objetivo é a substituição da tradição pela razão.
O Iluminismo deu continuidade ao
Renascimento do século XVII. O Renascimento

RESUMO: Para MacIntyre, a crise ética que foi a ruptura da concepção teocêntrica para
vivemos hoje originou-se na mudança de visão uma concepção antropocêntrica de mundo,
de mundo que aconteceu com o Renascimento. colocando o homem como o centro do mundo.
Em São Tomás de Aquino, assim como em Isso fez com que se rejeitasse a tradição
Aristóteles, a ação moral é pensada tendo aristotélica-tomista.
em vista a coletividade, o bem comum. A
Somos herdeiros da cultura iluminista,
partir do Renascimento, o indivíduo se torna,
que teve como prioridade a razão, pretendendo
progressivamente, a fonte de valores morais e
direitos. Vejamos, a seguir, como isso se dá, na reorganizar as sociedades por intermédio dela.
visão do filósofo escocês. A confiança dada à razão, nesse período, nega
PALAVRAS-CHAVE: Crise ética, iluminismo, o período imediatamente anterior, de crença
emotivismo, moral. em Deus e de que seus propósitos e vontades
podem ser conhecidos. O iluminismo representa,
1 | O FRACASSO DO RACIONALISMO portanto,
ILUMINISTA
uma cultura em que
“Iluminismo” é um termo que designa um aconteceram não só
movimento intelectual que ocorreu na Europa mudanças de crenças, mas
mudanças nos modos de
por volta do século XVIII, denominado como
crer, que tornaram o problema
Século das Luzes. Esse período teve como da justificação da crença,
objetivo o aprimoramento do pensamento mais especialmente a da
justificação da crença moral,
crítico e a primazia da razão. O objetivo inicial
eixo quase obrigatório de sua
desse período é o aprimoramento do processo reflexão moral. (CARVALHO,
intelectual que permitiria ao homem ser capaz 1999, p.36).

de pensar por si mesmo. Para MacIntyre, a falha no projeto


A característica principal desse período é iluminista encontra-se em sua origem, pois cada
a crença no poder da razão e na possibilidade iluminista queria orientar seu pensamento à sua
de reorganizar a sociedade com base em

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 7 45


maneira, tomando como ponto de partida a sua natureza particular. Com o advento do
Iluminismo, os princípios morais deveriam ser reformulados, fundamentados a partir do
indivíduo e, com isso, serem válidos para os demais.
Conforme o escocês, a falha desse projeto está em não possuir um télos6 que
orientasse os pensadores para obter uma filosofia “única” e não possuírem nenhuma noção
ou conceito que seu fundamento fosse teleológico.
MacIntyre apresenta como principais representantes dessa cultura Immanuel Kant
(1724-1804), David Hume (1711-1776), Denis Diderot (1713-1784) e Adam Smith (1723-
1790). De acordo com o pensador, Diderot não conseguiu analisar os desejos que fossem
capazes de validar a moralidade e Hume fundamentou a moralidade nas paixões e a tornou
sem valor objetivo.
Por fim a filosofia moral de Kant não conseguiu fornecer argumentos para formular
teorias morais que orientassem nossa ação. A filosofia kantiana foi uma tentativa de
responder às teorias anteriores, de Hume e Diderot, mas fracassou.

Todos esses escritores têm em comum o projeto de construir argumentos


válidos que passe das premissas relativas à natureza humana, conforme a
entendem, às conclusões sobre a autoridade das normas e dos preceitos
morais. Quero argumentar que qualquer projeto dessa forma estava fadado
ao fracasso, devido a uma discrepância inerradicável entre seu conceito em
comum de normas e preceitos morais, por um lado, e o que tinha em comum –
apesar de divergências muito maiores – em seu conceito de natureza humana,
por outro lado. (MACINTYRE, 2001, p. 99).

O objetivo de MacIntyre é mostrar que os Iluministas não foram capazes de


apresentar uma teoria moral que conseguisse chegar à natureza humana e não conseguiram
encontrar uma estrutura de pensamento para chegar a um fim último, uma finalidade, télos
que direciona as ações humanas para agirem moralmente.

Os filósofos morais do século XVIII empenharam-se no que foi um projeto


inevitavelmente fracassado, pois tentaram, de fato, descobrir uma baseracional
para suas crenças morais num entendimento particular da natureza humana,
tendo herdado um conjunto de mandados morais e um conceito de natureza
humana que foram expressamente criados para serem discordantes um do
outro. (MACINTYRE, 2001 p. 103-104).

Com a rejeição da Modernidade advinda dos iluministas é necessário retornar à


formulação do télos em sua origem, a Antiguidade. Segundo o escocês, a formulação do
esquema moral aristotélico apresenta três elementos: “a natureza humana sem instrução,
‘o homem como poderia ser se realizasse seu télos’ e os preceitos morais que o capacitam
a passar de um estado a outro” (MACINTYRE, 2001, p. 103).
É necessário o retorno à concepção aristotélica de moralidade orientada para a
comunidade, não para o indivíduo, isto é, voltarmos a quem identificou como necessário o
télos, Aristóteles, cujo conceito central de uma teleologia, segundo o escocês, é “o conceito
de homem compreendido como ser que tem uma natureza essencial e uma finalidade ou
função essencial” (MACINTYRE, 2001, p. 109, grifo do autor).

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 7 46


2 | O FRACASSO DO UTILITARISMO
O Utilitarismo, corrente de filosofia moral que teve origem no Iluminismo, é um
pensamento de natureza teleológica, ou seja, tem em vista um fim a ser alcançado, que
é o interesse do indivíduo. O fundador dessa escola de pensamento foi Jeremy Bentham
(1748 – 1832). Para ele, o interesse do indivíduo (ou princípio de utilidade) é a obtenção do
prazer e o abandono da dor. Como projeto de filosofia moral, o Utilitarismo fracassou por
preocupar-se somente com o indivíduo. (Cf. CARVALHO, 2013, p. 137).
Um dos principais problemas que encontramos no discurso ético dos modernos é
que, diferentemente de Aristóteles, a modernidade estabelece uma divisão entre fato e
valor. Essa mudança de sentido deu-se com a influência de Isaac Newton7. Os modernos
“passaram a modelar a compreensão da conduta humana. O ideal da explicação mecânica
se transferiu da física para o campo da ação humana” (CARVALHO, 2013, p. 141). Para
MacIntyre “o ‘fato’ torna-se desprovido de valor, o ‘é’ torna-se alheio ao ‘dever’, e a
explicação, bem como a avaliação, muda de caráter em consequência desse divórcio entre
o ‘ser’ e o ‘dever- ser’” (MACINTYRE, 2001, p. 149).

3 | O FRACASSO DA FILOSOFIA DE NIETZSCHE


MacIntyre coloca frente a frente, ainda, Aristóteles e Nietzsche (1844 – 1900),
como grandes expoentes da história da filosofia. Na visão do escocês, Nietzsche foi quem
conseguiu perceber a crise moral da contemporaneidade, pois os discursos morais se
revestiam de uma falsa objetividade. Como tal, são contrários à vontade subjetiva, na visão
nietzschiana.
Ainda assim, seu grande e principal fracasso foi trocar a razão pela vontade, isto é,
“o erro de Nietzsche foi generalizar as condições de uma época para a moralidade como
um todo”. (GONÇALVEZ, 2012, p. 32).

Se a moralidade não for nada mais que expressões da vontade, minha


moralidade só pode ser o que minha vontade criar. Não pode haver lugar
para ficções como direitos naturais, utilidade, a maior felicidade do maior
número de pessoas. Eu mesmo devo agora criar “novas tabelas do que é
bom”. (...) então, decide Nietzsche, que a vontade substitua a razão e que nos
tornemos sujeitos morais autônomos (...). Esse problema constituiria o núcleo
de uma filosofia moral nietzschiana, porque é na sua incessante pesquisa do
problema, e não em suas soluções frívolas, que está a grandeza de Nietzsche,
a grandeza que faz dele o grande filósofo moral se as únicas alternativas
à filosofia moral de Nietzsche forem aquelas formuladas pelos filósofos do
Iluminismo e seus sucessores (MACINTYRE, 2001, p. 197 grifo do autor).

Nietzsche está, pois, no apogeu do individualismo, caracterizado pela figura do


homem nietzschiano, o além do homem. Esse homem transcendente e autossuficiente
e “até hoje não encontrou seu bem em lugar nenhum do mundo social, mas somente

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 7 47


naquilo que, dentro de si mesmo, dita sua própria lei e sua própria nova tabela das
virtudes” (MACINTYRE, 2001, p. 431). Conforme diz Carvalho, o homem nietzschiano, o
Übermensch, é o ponto central de sua filosofia, o solipsismo moral, um homem solitário e
isolado da sociedade. (Cf. CARVALHO, 2013, p. 145).
Na visão macintyreana o super-homem não é um conceito, é umpseudoconceito,
mera tentativa individualista do homem de escapar das consequências. MacIntyre faz uma
análise de todos os pensadores da ética e chega à conclusão de que a única oposição real
que há ao pensamento de Nietzsche é a filosofia moral de Aristóteles.

O aristotelismo é, filosoficamente, a mais poderosa modalidade pré- moderna


do pensamento moral. Para se justificar uma tese moral e política pré-moderna
em comparação com a modernidade, ela deve ser mais ou menos semelhante
à aristotélica, caso contrário é impossível. (MACINTYRE, 2001, p. 204, grifo
do autor).

Para MacIntyre, o confronto entre Nietzsche e Aristóteles não é simplesmente o de


duas teorias distintas, mas de dois modos de se viver. O primeiro é o agir de acordo com
a vontade, o auge do individualismo. Já Aristóteles propõe a teoria das virtudes que é uma
disposição do sujeito para agir virtuosamente. O escocês sugere o retorno a Aristóteles
não por sua filosofia ter prevalecido tanto tempo, mas pelo fato de que sua estrutura
de pensamento é, filosoficamente, a mais influente em toda a história e sua proposta
da ética das virtudes nos auxilia, hoje, a enfrentar a crise dos valores e a crise da ética
contemporânea.

4 | DO DESACORDO MORAL AO EMOTIVISMO


Uma terceira causa para a crise ética da modernidade é o fato de não existir uma
teoria moral hegemônica, que seja coerente e represente um consenso em torno dos valores
morais. O que temos são teorias fragmentadas que solucionam parte dos problemas, mas
não conseguem oferecer alternativas para a crise. Nesse cenário a moralidade é apenas
um simulacro da moral, isto é, algo que aparenta ser, mas não o é. Hoje existe uma vasta
gama de teorias morais fragmentadas e não coesas. Se juntarmos todas essas teorias, não
formaríamos uma única teoria moral consistente, que pudesse servir para todos. As teorias
existentes são dicotômicas e não formam uma teoria que solucione o problema.

O que possuímos são fragmentos de um esquema conceitual, partes às


quais atualmente faltam os contextos de onde derivavam seus significados.
Temos, na verdade, simulacros da moralidade, continuamos a usar muitas
das expressões principais. Mas perdemos – em grande parte, se não
totalmente – nossa compreensão, tanto teórica quanto prática, da moralidade.
(MACINTYRE, 2001, p.15)

A fragmentação das teorias morais instalou um caos na própria filosofia.Conforme


diz MacIntyre, a maior parte das teorias deseja expressar os desacordos e com isso travam

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 7 48


debates intermináveis entre si. Em meio a tantos fragmentos conceituais, o sujeito moral
não consegue estabelecer e definir justificativas racionais para suas ações. Com isso, não
consegue definir como o sujeito deve agir.
Segundo o pensador, a linguagem moral contemporânea amparou-se no emotivismo,
“doutrina segundo a qual todos os juízos valorativos e, mais especificamente, todos os
juízos morais não passam de expressões de preferência de sentimento ou atitudes, na
medida que são de caráter moral ou valorativo” (MACINTYRE, 2001, p. 30, grifo do autor).
Com o advento do emotivismo perdeu-se toda a tentativa de validar as ações do
sujeito de modo objetivo. A validade emotivista é advinda dos juízos morais e impossível
quando os juízos morais estão atrelados à perspectiva subjetiva e emocional de cada
sujeito. O agir do sujeito emotivista está desvinculado de toda racionalidade prática, pois a
fundamentação está no âmbito dos sentimentos e emoções, isto é, não são fundamentados
racionalmente.
No emotivismo não se tem mais uma verdade moral, mas somente uma manifestação
pessoal do que seria bom para o sujeito, implicando, assim, na declaração das expressões
da manifestação dos sentimentos. Com isso não é possível fundamentar os juízos, por
exemplo o juízo de bom, pois “toda a responsabilidade de fundamentar esses juízos é
repassada para o indivíduo que formula seus próprios princípios morais com a intenção
apenas de fornecer justificativas para suas escolhas” (FONTENELE, 2012, p. 17).
MacIntyre apresenta três motivos pelos quais a teoria emotivista não pode constituir
um fundamento para as ações humanas. Primeiramente, o emotivismo não consegue
identificar quais são os sentimentos envolvidos nos juízos morais, de tal modo que todas
as tentativas de explorar a finalidade dos juízos morais se tornaram um círculo vazio.

“Os juízos morais expressam sentimentos ou atitudes”, é o que diz. “Que


espécie de aprovação?”, perguntamos, talvez para acres centrar que existem
diversos tipos de aprovação. É na resposta a essa pergunta que todas as
versões do emotivismo permanecem em silêncio ou, ao identificar o tipo
pertinente de aprovação como aprovação moral – isto é, o tipo de aprovação
expressa por um juízo especificamente moral – assume uma circularidade
vazia. (MACINTYRE, 2001, 32).

O segundo motivo é caracterizado como a teoria equivalente em significadosde dois


tipos de expressões, derivando, assim, funções que caracterizam a nossa linguagem. As
expressões de preferências e sentimentos diferem das expressões de caráter valorativo.

Expressões de preferência pessoal e expressões valorativas (inclusive morais),


citando o modo como as elocuções do primeiro tipo dependem de quem as
emite para quem, por qualquer poder justificativo que tenham; ao passo que
as elocuções do segundo tipo não são dependentes de forma semelhante, na
sua força justificadora, do contexto da elocução. (MACINTYRE, 2001, p. 33).

O terceiro e último motivo apresentado pelo escocês é a tentativa de propor uma


teoria do significado, porém o enunciado emitido está na tentativa do sujeito de influenciar,

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 7 49


convencer o outro de que sua ação é a melhor, como por exemplo o professor furioso
porque o aluno não soube responder à pergunta feita, pois na verdade “o uso desse
enunciado para expressar sentimentos ou atitudes não tem absolutamente nada a ver com
seu significado” (MACINTYRE, 2001, p. 33).
Quando o sujeito não utiliza a razão para fundamentar suas ações, mas utiliza os
desejos, a moralidade fracassa, impedindo o consenso moral. O emotivismo não concebe a
existência de uma justificativa racional verdadeira, consequentemente não existem padrões
morais e objetivos impessoais.

4.1 O Emotivismo Contemporâneo e seus Personagens


O emotivismo está presente na filosofia desde o século XX, principalmente na
filosofia analítica. Mesmo Nietzsche e Sartre carregam alguns traços dessa teoria. Embora
não sejam emotivistas, carregam seus pressupostos principais (Cf. GONÇALVES, 2012, p.
20). Em alguns pensadores da contemporaneidade, principalmente os estudiosos da moral,
encontramos a pressupostos dessa teoria.
O indivíduo se torna objeto do sujeito, é manipulado pelo sujeito que exerce a ação,
visando atingir seus objetivos pessoais, não importando os meios utilizados. Esse sujeito,
MacIntyre chamou de Eu Emotivista, alguém para quem “o outro é sempre um meio, e não
o fim” (MACINTYRE, 2001, p. 53).
A designação “Eu Emotivista” se justifica, no entendimento de MacIntyre, pela sua
forma do agir moral se relacionar a um eu individual.

Com relação ao eu conforme apresentado pelo emotivismo, devemos,


de imediato, salientar: que não pode ser simples ou incondicionalmente,
identificado com nenhuma postura ou perspectiva moral em especial (...) só
por causa do fato de seus juízos serem, no fim das contas, desprovidos de
critérios. O eu especificamente moderno, o eu que eu chamei de emotivista,
não encontra limites estabelecidos para aquilo que possa julgar, pois tais
limites só poderiam provir de critérios racionais de avaliação e, como vimos,
faltam tais critérios ao eu emotivista. (MACINTYRE, 2001, p. 65, grifo do autor).

O eu descrito pelo pensador escocês não é concebido na história, não se define na


sociedade ou por meio dela e não precisa dela para se formar. Para MacIntyre, o emotivismo
incorporou as práticas da vida cotidiana dos sujeitos emotivistas, fundamentando, assim,
as práticas nas emoções. Esses sujeitos visam os bens externos.
O eu emotivista não possui nenhum caráter racional para fornecer parâmetros
morais para seu comportamento. Nas palavras de MacIntyre, “esse eu democratizado que
não possui conteúdo social necessário nem identidade social necessária pode ser, então,
qualquer coisa, pode assumir qualquer papel ou adotar qualquer opinião, porque não é, em
si, e para si, nada” (MACINTYRE, 2001, p.66). Assim, a teoria emotivista, na sua origem,
surgiu como teoria dos enunciados, depois, teoria dos juízos morais e, por fim, a teoria dos
enunciados na vida prática dos seres humanos.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 7 50


No último século o emotivismo esteve presente nas estruturas internas das
instituições públicas e privadas. MacIntyre identifica três personagens emotivistas nessas
instituições: o esteta rico, o administrador e o terapeuta.
Antes de adentrar no papel que cada um desempenha, faz-se necessário
compreender a concepção macintyreana de personagem e quais são seus papeis sociais.
Começarei pela definição de papel social para depois ir ao personagem.
Os papéis sociais são definidos como uma atividade profissional. O sujeito em seus
atos e ações está sob apoio da posição social e da atividade que exerce na comunidade. Já
os personagens representam a cultura de cada época ou determinado contexto histórico.
É por meio dos personagens que possuímos auxilio moral para as ações humanas.
Exemplificando: os personagens são os atores de uma peça de teatro, novela, isto é,
aqueles atores que representam determinado personagem. Após ter conhecido o papel,
representado pelo personagem se torna mais fácil a compreensão da temática central e
isso é o mesmo com o personagem emotivista na sociedade contemporânea. Enfim, um
determinado papel social torna-se personagem assim que é incorporado à personalidade
do indivíduo.

Os personagens têm uma dimensão digna de nota. São, por assim dizer,
os representantes morais de sua cultura, e o são devido ao modo com as
ideias e as teorias morais e metafísicas assumem, por intermédio deles,
uma existência incorporada ao mundo social. Os personagens são as
maçaras usadas pelas filosofias morais. Tais teorias, tais filosofias, entram,
naturalmente, na vida social de inúmeras maneiras: a mais óbvia talvez seja
na forma de ideias explicitáveis em livros, sermões ou conversas, ou como
temas simbólicos em quadros, peças de teatro ou sonhos. Mas podemos
esclarecer a maneira característica como dão forma à vida dos personagens
levando em conta como os personagens fundem o que em geral se acredita
pertencer ao indivíduo e o que normalmente se pensa pertencer a papéis
sociais. (MACINTYRE, 2001, p. 59).

Feita essa breve distinção entre personagem e papel social voltaremos aos três
personagens da nossa sociedade que têm definido a nossa estrutura moral, porém não
se envolvem diretamente em nenhum debate moral. “Assim, com esses personagens são
mantidas as principais máscaras morais usadas pela sociedade” (FONTENELE, 2012,
p. 23). Esses personagens surgiram por conta da transformação histórica do eu e da
linguagem moral, a história de cada um desses sujeitos está relacionada com a história
da linguagem moral. Sendo assim, a linguagem moral está fundamentada e formulada
por esse eu que funda suas ações nessa linguagem emotivista. Esses personagens são
os que representam essas crenças e padrões de comportamento e passam a definir o Eu
emotivista dentro de cada campo.
O administrador é o principal personagem da sociedade contemporânea. É no campo
da burocracia que estão sendo mantidas, criadas, conduzidas as relações humanas. A
função dele é de conduzir as relações humanas não importando o meio a ser utilizado para

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 7 51


alcançar determinado fim, isto é, o fim que o administrador busca é o lucro e para chegar
no lucro ele não importa o que é necessário ser feito para alcançá-lo. Pois “a racionalidade
burocrática é a racionalidade de combinar meios e fins de maneira econômica e eficaz”
(MACINTYRE, 2001, p. 55).
O esteta rico é o personagem em que a finalidade está na busca do prazer e evitar
qualquer coisa que lhe possa proporcionar dor e sofrimento. Utiliza o outro como meio
para satisfazer suas vontades e desejos. Os indivíduos para ele são manipuláveis, por isso
ele utiliza do administrador para cuidar do espaço burocrático “vê no mundo social nada
além de um ponto de encontro para seus desejos individuais, cada um com seu próprio
conjunto de atitudes e preferências, e que só entendem esse mundo como uma arena para
as realizações da própria satisfação” (MACINTYRE, 2001, p. 54).
O último personagem é o terapeuta. Sua função é a de conduzir o sujeito que
está com algum tipo de neurose psíquica para tratá-lo, isto é, tratar os indivíduos com
problemas psíquicos para que voltem a desempenhar seu papel na sociedade. Há também
os estetas ricos que procuram os terapeutas para que não sintam as dores psíquicas, pois
seus objetivos são a obtenção do prazer. Em alguns casos os terapeutas têm de fazer
com que eles encontrem suas identidades. Porém na sociedade contemporânea a função
principal deles é a primeira.

O terapeuta também trata os fins como fatos consumados, fora de sua


alçada; também se ocupa da técnica, da eficiência na transformação dos
sintomas neuróticos em energias direcionada, dos indivíduos desajustados
em indivíduos ajustados. (MACINTYRE, 2001, p. 63).

O esteta rico, o administrador e o terapeuta representam a personificação do éthos


emotivista, isto é, eles representam, incorporam e expressam o éthos de uma determinada
cultura. No mundo contemporâneo eles representam o eu moderno emotivista, ou seja, o
eu que não possui critérios morais racionais.
Desse modo concluímos esta pesquisa apresentando q u e a crise moral da
contemporaneidade analisada pelo nosso pensador originada com o Iluminismo.
O Iluminismo contribuiu para a mudança de concepção de mundo, isto é, a visão
antropocêntrica e consequentemente a recusa da tradição aristotélica-tomista. A partir
do Iluminismo originaram-se o utilitarismo, a recusa da razão pelo uso da vontade de
Nietzsche, do desacordo moral para as duas etapas do emotivismo com seus personagens
que são muito presentes na nossa sociedade.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 7 52


CAPÍTULO 8
doi
O LOBO NA LITERATURA INFANTIL: ALGUMAS
REFLEXÕES SOBRE A DES(CONSTRUÇÃO)
DA FIGURA DO LOBO MAU NAS NARRATIVAS
INFANTIS

Data de aceite: 01/10/2020 muitas versões que envolvem a desconstrução


Data de submissão: 07/07/2020 da imagem do lobo mau no cenário atual da
literatura infantil. Fato que nos indica que essa
emergente transmutação da concepção do
modelo dos vários lobos criados nas narrativas
Soraya de Souza de Oliveira
infantis imprime as transformações políticas
Universidade Federal da Paraíba
sociais e culturais vivenciadas nas diversas
João Pessoa/PB
http://lattes.cnpq.br/2284048197395695 sociedades humanas contemporâneas,
principalmente no que se refere à educação da
criança e à educação ambiental sob o signo do
emergente conceito do politicamente correto.
RESUMO: O presente estudo é resultado de PALAVRAS-CHAVE: Literatura Infantil, Narração
uma pesquisa realizada na disciplina Tópicos Infantil, Desconstrução, Arquétipos nos Contos
Especiais em Cultura e Literatura no programa Infantis.
de Pós-graduação em Letras, na Universidade
Federal da Paraíba. Apresenta uma reflexão THE WOLF IN CHILDREN’S LITERATURE:
sobre o processo de construção da imagem do SOME REFLECTIONS ABOUT THE
lobo “mau” disseminado nas histórias infantis, DECONSTRUCTION OF THE FIGURE
desde as fábulas de Lá Fontaine do século OF THE BAD WOLF IN CHILDREN’S
XVII até os contos de Joseph Jacobs e dos NARRATIVES
Irmãos Grimm do século XIX, correlacionado as ABSTRACT: The present study is the result of
transformações ocorridas em cada época com as a research carried out in the discipline Special
transmutações das imagens/arquétipos do lobo. Topics in Culture and Literature in the Graduate
Tem como objetivo compreender o processo Program in Letters, at the Federal University of
de humanização da figura do lobo na literatura Paraíba. It presents a reflection on the process of
infantil, bem como a desconstrução da imagem building the image of the “bad” wolf disseminated
maléfica da personagem nas narrações infantis in children’s stories, from the fables of La
contemporâneas. Para tanto, seguimos uma Fontaine from the seventeenth century to the
investigação bibliográfica histórico-comparativa, tales of Joseph Jacobs and the Brothers Grimm
sob a luz de Nelly Novaes Coelho e Jacques of the nineteenth century, correlated with the
Derrida, explorando algumas narrativas infantis transformations that occurred in each era with the
contemporâneas, com o intuito de promover um transmutations of the wolf images / archetypes. It
diálogo entre a construção e a desconstrução aims to understand the process of humanization
do lobo “mau”. Muito embora, a pesquisa ainda of the wolf figure in children’s literature, as well
não esteja concluída, já é possível observar nas as the deconstruction of the malefic image of the
reflexões iniciais, mesmo que prematuramente, character in contemporary children’s narratives.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 8 53


For this, we followed a historical-comparative bibliographical research, under the light of Nelly
Novaes Coelho and Jacques Derrida, exploring some contemporary children’s narratives,
in order to promote a dialogue between the construction and deconstruction of the “bad”
wolf. Although the research is not yet complete, it is already possible to observe in the initial
reflections, even prematurely, many versions that involve the deconstruction of the image
of the bad wolf in the current scenario of children’s literature. This fact indicates that this
emergent transmutation of the conception of the model of the various wolves created in
children’s narratives implies the social and cultural political transformations experienced in the
various contemporary human societies, especially in what concerns the education of the child
and environmental education under the sign of emergent concept of the politically correct.
KEYWORDS: Child Literature, Child Narration, Deconstruction, Archetypes in Children’s
Tales.

1 | INTRODUÇÃO
O lobo é um animal lendário, mitológico, presente no imaginário popular e nas
crenças desde as mais remotas civilizações e culturas, resistindo até as sociedades
contemporâneas. Considerado como símbolo de crueldade, uma criatura mortífera por boa
parte da humanidade. Concepção que pode ser justificada no passado, quando o homem
começou a domesticar os animais e o lobo, um insubordinável, se transfigurou em um
ladrão desses animais domesticados dos homens pré-históricos e dos camponeses antigos
e medievais. Essa é a imagem desse arquétipo mitológico construído na literatura infantil
durante séculos, porém, que vem sendo desconstruído gradativamente, principalmente nas
narrativas publicadas na contemporaneidade.
Muitos estudos abordam sobre essa personagem, no entanto, nossa proposta não se
detém apenas a comparações e verificação, mas nos preocupamos com os motivos pelos
quais levaram a essa transmutação de características dessa personagem, investigando o
processo dessa transição a partir de três recortes da linha do tempo da literatura: o lobo da
Idade Média a partir da obra Fábulas Escolhidas do fabulista La Fontaine, o lobo na Idade
Moderna na obra Os Três Porquinhos de Joseph Jacobs, e o lobo da contemporaneidade
na visão dos autores Jon Scieszka (A Verdadeira História dos Três Porquinhos) e Silvana
Menezes (De Quem Tem Medo o Lobo Mau?).
A análise do processo de desconstrução da figura malévola do lobo tem como
escopo a tese de que a construção da personagem lobo nas narrativas infantis faz parte
da representação das formações sociais de cada sociedade, e assim, na sociedade
contemporânea, muito preocupada com o politicamente correto, movimentos de defesa
dos animais, com uma pedagogia voltada não mais para a punição, mas para o diálogo
e a valorização da voz da criança – diferentemente dos períodos anteriores –, na
contemporaneidade, esse lobo é reconstruído nas releituras dos antigos clássicos da
literatura infantil.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 8 54


2 | A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO LOBO “MAU” E A EMERSÃO DO INFANTO
A emersão dessa literatura se apresenta intrínseca a construção da figura do lobo
associada à figura racional e malévola humana, tendo em vista, que até então, as histórias
sobre essa terrível personagem eram contadas para adultos e não para crianças.
Até o início do século XVII, a criança não era percebida em suas peculiaridades
infantis. Ela era tratada como protótipo de adultos, de forma hostil e brutal. Assim, não se
pensava a criança em seu ambiente infantil, na educação infantil. É relevante pontuar que,
segundo Coelho (1991), a concepção de infância emergiu entre o final do século XVII e
início do século XVIII. Outrossim, Zilberman (1987) afirma que a Literatura Infantil surgiu
no século XVIII, com a emergência da família burguesa, na qual o conceito de infância é
formulado, modificando o status da criança dentro da própria família, como também na
sociedade. Dessa forma, não se pode pensar em uma literatura voltada para o universo
infantil antes da modernidade.
Entretanto, já durante o período do Renascimento emergiram manifestações de uma
literatura voltada para a mentalidade infantil. Segundo Coelho, “É na França, na segunda
metade do século XVII, durante a monarquia absoluta de Luiz XIV, o “Rei Sol”, que se
manifesta abertamente a preocupação com a literatura para criança ou jovens” (COELHO,
p. 75, 1991). Em 1668, La Fontaine publica as primeiras fábulas, num volume intitulado
“Fábulas Escolhidas”. O livro era uma coletânea de 124 fábulas, dividida em seis partes.
La Fontaine dedicou este livro ao primeiro filho herdeiro do rei Luís XIV. Lembrando ainda,
que, com a redescoberta da literatura popular, Charles Perrault, no final do século XVII,
entre outras preocupações, se dedicou a criar e adaptar “um material moderno para divertir
as crianças e ao mesmo tempo orientar sua formação moral.” (COELHO, p. 89, 1991)
Esses escritores redescobriram textos clássicos da antiguidade e populares da tradição
oral, e adaptaram as histórias de acordo com as transformações culturais e sociais que
vivenciavam, preocupando-se com a mentalidade da criança daquela geração.
Zilberman (1987) comunga com Coelho (1991), quando apregoa que as mudanças
que ocorreram na estrutura da sociedade do século XVIII desencadearam repercussões
nas esferas artísticas e pedagógicas. Completa seu pensamento, afirmando que a emersão
da literatura infantil está intimamente associada à pedagogia, uma vez que as histórias
eram criadas e/ou recriadas com fins pedagógicos, ou seja, a literatura infantil transformou-
se em instrumento da pedagogia para que esta alcançasse seus objetivos.

3 | A DES(CONSTRUÇÃO) DO LOBO “MAU” NA LITERATURA INFANTO-


JUVENIL
Neste tópico buscamos refletir, mesmo que brevemente, sobre duas concepções
relevantes para a compreensão do processo de desconstrução da figura do lobo mau nas
narrativas infantis.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 8 55


Inicialmente tratamos do conceito de desfamiliarização de Antoine Compagnon
(2010), associando a transformação da personagem lobo ao referido conceito contido na
evolução literária enunciada pelo autor. Em um segundo momento, apoiamo-nos na teoria
da desconstrução de Jacques Derrida (2014), para refletir sobre a desconstrução maléfica
do lobo, observando pontos de confluência entre as duas visões.
3.1 O lobo e sua desfamiliarização
A figura lobiana de La Fontaine concerne em um aspecto animalesco, feroz e predador
por natureza. Até mesmo no lobo de outros autores desse período com todo um simbolismo
psicológico que alguns estudos dessa área trazem, ainda é possível ver a ferocidade de
natureza animal. Diferentemente do lobo dos irmãos Grimm, de Joseph Jacobs, entre outros
clássicos dos séculos XVIII e XIX, que traz em sua essência maquiavélica, a maldade
do ser humano, personificado no vilão das várias histórias. Porém, as narrativas infantis
contemporâneas apresentam uma transformação dessa mesma personagem em um lobo
bonzinho, sensível, amigo das crianças, e até mesmo um lobo bobo e medroso. Refletindo,
associamos a transformação da referida personagem ao conceito de desfamiliarização
contido na evolução literária exprimida por Compagnon (2010). Segundo o autor,

[...] a desfamiliarização como desvio relativamente à tradição, permite


localizar o elo histórico que une um procedimento ao sistema literário, ao
texto e à literatura. A descontinuidade (a desfamiliarização) substitui a
continuidade (a tradição) como fundamento da evolução histórica da literatura.
(COMPAGNON, 2010, p. 205).

Esse estranhamento de um lobo distanciado da figura tradicional estereotipada


desvia-se das composições seculares da personagem, promovendo assim, uma
desfamiliarização da narrativa literária ao longo da sua evolução.
Maturando sobre essas transmutações sofridas por essa personagem, nos
questionamos: que fatores influenciaram a construção da imagem do lobo mau, cruel,
malévolo, com características humanas das narrativas literárias infantis, como também,
para a transformação desse vilão em um personagem medroso, bobo e até atrapalhado
apresentado na contemporaneidade? Para responder esse mote nos prendemos a duas
questões: acreditamos que o processo de humanização da figura do lobo na evolução
literária ocorreu a) primeiramente, a partir das mudanças dos valores sociais e culturais
das sociedades e b) com as formações sociais representadas nas criações literárias. Nossa
compreensão concerne em que a desconstrução da figura do lobo mau está representando
os valores de uma sociedade contemporânea preocupada, entre outras questões cruciais,
com o politicamente correto, com as questões ambientalistas e de proteção dos animais
que permeiam a nova pedagogia baseada na valorização da voz da criança no diálogo.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 8 56


3.2 O lobo “mau” e sua desconstrução
Derrida (2014), por sua vez, compreende que existe uma vocação antidogmática que
se traduz na desconstrução. Para o autor, cada coisa é portadora de múltiplas significações.
Assim sendo, o texto se constitui de várias unidades heterogêneas de sentidos, nas quais
se encontram os princípios de ruínas, mas que não destroem, ao contrário, tem a ideia
de recuperação da memória das coisas, das próprias camadas heterogêneas que cada
conceito traz consigo. Nesse sentido, Derrida (2014) apregoa que a desconstrução se dá
nas unidades de sentido, de dentro dos textos encontrar o princípio que o forma, e ao
mesmo tempo não são só princípios que fazem essas unidades surgirem, mas são também
o princípio da ruína dessas unidades. Ruínas no sentido de que se identifica o princípio que
formou essas unidades de sentido, também capaz de encontrar o ponto a partir do qual
possa desconstruir essas mesmas unidades.
Refletindo sobre o pensamento do autor, percebemos uma estreita ligação entre
a teoria da desconstrução de Derrida com a desconstrução da figura do “lobo mau” na
literatura infantil contemporânea, uma vez que o lobo animal – natural, parte da natureza –
vestido com características humanas e na atualidade, buscando um reencontro com suas
características animalescas naturais, identifica as unidades de sentidos (unidades com
princípio de ruínas em sua essência) da teoria da desconstrução.
Observamos também, que Derrida (2014) relativiza e até anula a ideia de fronteira
entre a filosofia e a literatura, pois, de acordo com ele, todas as relações simbólicas é um
texto e todo texto é um mundo. O que conflui com a concepção de que essa desconstrução
da imagem maléfica do lobo está intrínseca as transformações socioculturais de diferentes
períodos da história da humanidade. Tendo em vista que a cada momento histórico de
um grupo (micro e macro) surgem peculiaridades correspondentes as mudanças sofridas.
Novos textos são escritos e/ou reescritos, adaptando a forma de pensar do outro, no lugar
do outro, de nós mesmos e de nós no outro.
La Fontaine é reconhecido, principalmente, pelo caráter da universalidade das
fábulas e a transfiguração da simbologia consagrada para os problemas políticos sociais
de sua época. Ele não só repetiu as fábulas, mas acrescentou e associou a simbologia dos
animais das fábulas já existentes com características de personalidades da corte de Luiz
XIV, da sociedade burguesa e do povo. O Lobo e o Cordeiro, entre outras, é um exemplo
relevante dessa transfiguração. Por outro lado, O lobo e os Sete Cabritinhos, dos Irmãos
Grimm (sec. XVIII) – apresenta uma associação com a fábula O Lobo, a Cabra e o Cabrito
– é considerada pela crítica literária, a versão mais violenta, segundo Coelho (1991).
Nessa mesma perspectiva de reflexão sobre a construção da figura malvada do lobo
nas fábulas, a modernidade apresenta várias narrativas infantis, mas ressaltamos nessa
reflexão a história Os três Porquinhos do austríaco Joseph Jacobs (sec. XIX), que segundo
o escopo dessa reflexão traz uma forte representatividade da sociedade industrial daquela

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 8 57


época. Tal observação se correlaciona a algumas versões contemporâneas significativas em
relação à desconstrução da imagem do “lobo mau”, como podemos destacar A Verdadeira
história dos Três Porquinhos (Jon Scieszika) e De Quem Tem Medo o Lobo Mau? (Silvana
Menezes) Chapeuzinho Amarelo (Chico Buarque, com ilustração de Ziraldo), entre tantas
outras narrativas, as quais se preocupam com esse olhar desfamiliarizante e desmistificante
da personagem lobo contemporânea.

4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mito do lobo atravessou séculos, sempre criado e recriado de acordo com as
características da sociedade de sua época. Desde o terrível, mas divinizado, lobo que
atacava os animais cativos dos nossos camponeses ancestrais, até os lobos e lobinhos
atrapalhados e medrosos contemporâneos.
Muitas versões atuais, que envolvem a desconstrução da imagem do lobo mau, se
encontram no cenário atual da literatura Infantil, inclusive nas produções cinematográficas
e em livros digitais interativos. Fato que nos indica que essa emergente transmutação
da concepção do modelo dos vários lobos criados nas narrativas infantis imprime as
transformações sociais e culturais vivenciadas nas diversas sociedades humanas
contemporâneas, principalmente no que se refere à educação infantil.

REFERÊNCIAS
COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil. 4ª ed. São Paulo: Ática,
1991.

COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas: símbolos, mitos e arquétipos. São Paulo: DCL. 2003.

COMPAGNON, Antoine. O Demônio da Teoria: literatura e senso comum. / Trad. Cleonice Paes
Barreto Mourão; Consuelo Fortes Santiago. 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

MENEZES, Silvana. De Quem Tem Medo o Lobo Mau? São Paulo: Elmentar, 2009.

SCIESZKA, Jon. A Verdadeira História dos Três Porquinhos! / por A. Lobo, tal como foi contado
a Jon Scieszka; Ilustrado por Lane Smith. Trad. Pedro Maia. 2ª ed. São Paulo: Companhia das
Letrinhas, 2005.

ZIBERMAN, Regina. O Estatuto da Literatura Infantil. In MAGALHÃES, Ligia Cademartori e


ZIBERMAN, Regina. Literatura Infantil: autoritarismo e emancipação. 3ª Ed. São Paulo: Editora
Ática, 1987.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 8 58


CAPÍTULO 9
doi
O PORTFÓLIO DE TEXTOS COMO MEIO DE
APRIMORAMENTO DA PRODUÇÃO TEXTUAL NO
ENSINO MÉDIO

Data de aceite: 01/10/2020 PALAVRAS-CHAVE: Produção de textos,


Data de submissão: 29/06/2020 Linguística textual, Portfólio, Ensino- aprendizagem,
Prática reflexiva.

Jozil dos Santos THE TEXT PORTFOLIO AS A MEANS OF


Instituto Federal de Educação, Ciência e IMPROVING TEXTUAL PRODUCTION IN
Tecnologia de Mato Grosso do Sul HIGH SCHOOL
Naviraí - Mato Grosso do Sul
https://orcid.org/0000-0002-8320-461X ABSTRACT: The objective of this work is to
present the practice of using a portfolio of texts
within the discipline of Portuguese Language in
high school as a means of accompanying texts
RESUMO: O objetivo deste trabalho é apresentar
produced by students of classes in the Technical
a prática da utilização de portfólio de textos dentro
Course on High School Internet Computing at the
da disciplina de Língua Portuguesa no ensino
Federal Institute of Mato Grosso do Sul, Naviraí
médio como meio de acompanhamento de textos
campus. The methodology used has its core in the
produzidos por estudantes de turmas do Curso
critical conception of education, that is, the student
Técnico em Informática para Internet do Ensino
makes a reflection on his practices of textual
Médio do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul
production. After the perception and conception
campus Naviraí. A metodologia utilizada tem seu
of his practices, he becomes aware and seeks
cerne na concepção crítica de educação, ou seja,
the transformation of his reality. The teacher
o aluno faz uma reflexão sobre suas práticas de
plays the role of advisor and the student’s role is
produção textual, após a percepção e concepção
to be the author of his own learning. The use of
de suas práticas o mesmo toma consciência e
the portfolio is a means that seeks to demonstrate
busca a transformação de sua realidade, o papel
the student’s autonomy, his academic growth, his
do professor é o de orientador e o papel do
identity in the face of various writing practices
aluno é o de autor da sua aprendizagem. O uso
provided in the classroom so that the portfolio can
do portfólio é um meio que busca demonstrar a
also be evaluated differently, demonstrating to be
autonomia do aluno, seu crescimento acadêmico,
a form of continuous, formative assessment. The
sua identidade diante diversas práticas de escrita
theoretical contribution of this work had authors
proporcionadas em sala de aula para também
such as Luckesi, 2008; Hernandez and Ventura,
através do portfólio ser avaliado de forma
1998; Villas Boas, 2012; Vygotsky 1991 and
diferenciada, demonstrando ser uma forma de
2000; Kock 2002, 2003, 2009; Marcuschi, 2008.
avaliação contínua e formativa. O aporte teórico
KEYWORDS: Text production, Textual linguistics,
deste trabalho contou com autores como Luckesi,
Portfolio, Teaching-learning, Reflective practice.
2008; Hernandez e Ventura, 1998; Villas Boas,
2012; Vygotsky 1991 e 2000; Kock 2002, 2003,
2009; Marcuschi, 2008.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 9 59


1 | INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo publicizar a utilização do portfólio de textos
como aprimoramento da produção textual e como forma de avaliação processual e formativa
dos estudantes do Curso Técnico em Informática para Internet do Ensino Médio Integrado
no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul.
O trabalho com o portfólio de textos já é utilizado em diversas disciplinas e áreas
do conhecimento humano como forma avaliativa, na área de Língua Portuguesa ainda é
algo novo, pois os docentes dessa área ainda precisam conhecer práticas com o portfólio
de textos para compreenderem como ocorre essa metodologia ativa que também pode se
transformar em avaliação processual assim facilitando o trabalho pedagógico do professor.
O uso do portfólio de textos na área de Língua Portuguesa tem o objetivo de fazer
com que as práticas de produção de texto ― escrita e reescrita ― sempre perpassem pela
reflexão do aluno, assim sendo chamada de escrita reflexiva.

2 | A PRODUÇÃO E A REESCRITA DE TEXTOS


Dentre as práticas utilizadas na disciplina de Língua Portuguesa, a produção de
textos, geralmente, é uma das práticas mais deixadas de lado por docentes da área de
Língua Portuguesa devido a vários fatores que não nos cabe agora elencá-los, contudo
sabemos que existem vários entraves para que essa prática tão necessária seja realmente
realizada na escola.
Sobre a prática da escrita Vygotsky (1991) retrata que

[...] até agora, a escrita ocupou um lugar muito estreito na prática escolar,
em relação ao papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento
cultural da criança. Ensina-se as crianças a desenhar letras e construir
palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita.

A produção de textos escritos é uma prática que deve ser constante desde as séries
iniciais na escola, isso incentiva os estudantes a terem a prática escrita como hábito e
também apresentarem maior facilidade ao escrever.
Mas o que é uma produção textual?

Em Kock (1997), defendi a posição de que o texto pode ser concebido


como resultado parcial de nossa atividade comunicativa, compreendendo
processos, operações e estratégias que têm lugar na mente humana, e que
são postos em ação em situações concretas de interação social. Adotando-se
esta perspectiva, pode-se dizer que: a. a produção textual é uma atividade
verbal, a serviço de fins sociais e, portanto, inserida em contextos mais
complexos de atividades; b. trata-se de uma atividade consciente, criativa,
que compreende o desenvolvimento de estratégias concretas de ação e
a escolha de meios adequados à realização dos objetivos; isto é, trata-se de
uma atividade teleológica que o falante, de conformidade com as condições de
produção do discurso, empreende, tentando dar a entender seus propósitos

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 9 60


ao destinatário através da manifestação verbal; c. é uma atividade interacional,
em que sujeitos sociais, como enunciadores que são, representam e são
representados e, durante a interação, procedem à construção de sentidos
(KOCH, 2003, p. 87).

Produzir textos não é nada fácil, é preciso que o produtor de um texto


relacione diversos conhecimentos adquiridos durante seus anos acadêmicos dentro
da escola e ainda compreenda a gama enorme de gêneros textuais que existem dentro da
língua.
Koch (2009) aponta que

Em termos backtinianos, um gênero pode, pois, ser assim caracterizado:

• são tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada


esfera de troca: os gêneros possuem uma forma de composição, um plano
composicional;

• além do plano composicional, os gêneros distinguem-se pelo conteúdo


temático e pelo estilo. O conteúdo temático diz respeito ao tema esperado
no tipo de produção em destaque e o estilo está vinculado ao tema e
conteúdo.

São as especificidades de cada gênero textual que dificultam ao aluno produzir um


texto com segurança, isso quando ele não conhece sobre tais especificidades.
Por isso da importância da prática de textos em sala de aula mediante várias outras
práticas como a leitura de textos e a interação social para que o estudante possa acercar-
se cada vez mais sobre os gêneros textuais, conhecendo-os e também os produzindo com
maior segurança.
Para Koch (2002) a competência dos falantes/ouvintes os faz perceber adequações
e inadequações

A competência sociocomunicativa dos falantes/ouvintes leva-os à detecção


do que é adequado ou inadequado em cada uma das práticas sociais. Essa
competência leva ainda à diferenciação de determinados gêneros de textos,
como saber se está perante uma anedota, um poema, um enigma, uma
explicação, uma conversa telefônica, etc.

A produção textual não acontece somente na sala de aula, mas também no dia a
dia dos estudantes até porque são seres sociais e devem interagir constantemente tanto
social e culturalmente.
Marcuschi (2008) defende a ideia de que “a vivência cultural humana está sempre
envolta em linguagem e todos os textos situam-se nessas vivências estabilizadas
simbolicamente” e que isso é um convite para que os textos reais sejam trabalhados em
sala de aula.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 9 61


Porém, não basta apenas o aluno produzir textos e não reescrevê-los, a reescrita
de textos é tão importante quanto à produção de textos, após a correção do texto realizada
pelo professor, é necessário que o estudante reveja sua escrita analisando os erros que
cometeu, melhorando-os tendo um novo olhar dali em diante.
A mediação no processo de aprendizagem é importante, pois ao produzir textos,
o aprendiz deve ter um orientador para ir direcionando-o durante o processo para que
possa desenvolver-se. Essas mediações devem ser significativas, não é qualquer tipo de
mediação, as interações devem ser ricas de práticas.
De acordo com Vygotsky (2000), a criança deve aprender hábitos e habilidades
antes de aprender a aplicá-los conscientemente, ou seja, a aprendizagem vem antes do
desenvolvimento.
As mediações são realizadas durante o ensino, no caso do uso do portfólio de textos
o professor como mediador vai pontuando ao estudante o que é preciso ser melhorado
em cada produção textual. O aluno com as orientações do professor, reflete, interage com
esse e retorna à reescrita para corrigir os equívocos que ocorreram durante a produção
do texto. Dessa forma, acontece a aprendizagem e dá-se continuidade ao processo na
próxima etapa.
Muitos estudantes não gostam de produzir textos porque suas experiências prévias
foram malsucedidas na escola, quando ao fazerem um texto muitas vezes obtiveram
decréscimos pelos erros, e outros ainda conseguiram pegar aversão a esta prática em sala
de aula.
Por isso, da necessidade de se fazer de uma forma inovadora a prática de textos
na escola, principalmente, para que os estudantes possam analisar a eficiência ou não das
suas produções textuais.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000),

O aluno deve ser considerado como produtor de textos, aquele que pode ser
entendido pelos textos que produz e que o constituem como ser humano. O
texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural,
único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que
o produzem e entre os outros textos que o compõem. O homem visto como
texto que constrói textos.

Como podemos perceber nos PCN’s, a prática textual se faz necessária ao homem
como meio de comunicação dentro de uma sociedade, pois qualquer pessoa pode expor
suas ideias de diversas formas e ser compreendido através delas.

3 | O PORTFÓLIO DE TEXTOS COMO FORMA DE AVALIAÇÃO CONTÍNUA E


FORMATIVA
Não é de hoje que o trabalho com o portfólio é utilizado na escola como forma
de avaliação e traz em seu cerne muitas avaliações positivas em relação a essa prática

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 9 62


realizada pela escola como uma prática mais libertadora e reflexiva. Sobre essa questão
Hernández & Ventura (1998) relatam que

Outras propostas, como as que organizam o currículo por atividades, temas ou


Projetos trazem consigo uma maior possibilidade de flexibilidade e abertura
no planejamento e na hora de sua colocação em prática.

A utilização do portfólio de textos traz reflexão aos autores perante os trabalhos


individuais no sentido do estudante fazer uma autoanálise acerca das suas produções
textuais e buscar melhorias em relação ao seu próprio processo de aprendizagem. O
portfólio de textos é uma coletânea em que o organizador faz “[...] uma coleção de suas
produções, as quais apresentam as evidências de sua aprendizagem” (VILLAS BOAS,
2012, p. 38).
A mudança de paradigmas em relação à forma como se faz a avaliação na escola é
necessária, visto que muitas avaliações só trazem frustração aos estudantes e insegurança.
A pedagogia do exame ainda impera nos dias atuais dentre os professores, em sua maioria.
Para esclarecer melhor sobre a questão da avaliação Luckesi (2008) diz que

O sistema de ensino está interessado nos percentuais de aprovação/reprovação


do total dos educandos: os pais estão desejosos de que seus filhos avancem
nas séries de escolaridade; os professores se utilizam permanentemente dos
procedimentos de avaliação como elementos motivadores dos estudantes,
por meio de ameaça; os estudantes estão sempre na expectativa de virem
a ser aprovados ou reprovados e, para isso, servem-se dos mais variados
expedientes. O nosso exercício pedagógico escolar é atravessado mais por
uma pedagogia do exame que por uma pedagogia do ensino/aprendizagem.

Nesse contexto, percebe-se que os estudantes têm medo de não atingirem a nota
necessária que possa satisfazer a todos os agentes presentes no processo de aprendizagem
e a forma de avaliação nessa concepção os tolherá sempre.

4 | O PORTÓLIO DE TEXTOS COLOCADO EM PRÁTICA NA DISCIPLINA DE


LÍNGUA PORTUGUESA
Não foi tão fácil chegar a esse tipo de metodologia de ensino que é o portfólio de
textos na disciplina de Língua Portuguesa, levaram-se alguns anos até descobrir como fazer
isso e também aproveitá-lo como forma de avaliação. No começo não foi tão estruturado
como é hoje, mas ainda há algumas questões que precisam ser melhoradas.
Os estudantes dos institutos federais geralmente têm muitas avaliações e em sua
maioria são disponibilizadas através de provas objetivas e trabalhos escritos. O portfólio
de textos vem a ser um trabalho diferenciado, pois através de cada proposta diferenciada
o aluno produz o seu texto, que é corrigido pela professora e após a correção o aluno tem
a oportunidade de reescrevê-lo após sua reflexão sobre os equívocos que cometeu ao
produzir o texto pela 1ª vez. Os textos variam dos mais simples aos mais complexos, isso

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 9 63


varia de acordo com a especificidade dos gêneros textuais trabalhados em sala de aula.
Algumas falas dos estudantes a respeito do portfólio de textos demonstraram
a autoavaliação que cada um fez ao final do trabalho realizado: “Me ajudou muito, pois
agora tenho facilidade na produção textual de outras disciplinas e me ajudou também na
compreensão da leitura”; “De certa forma, sim, pois quando se aumenta a prática da escrita
ajuda”; “Conforme pratico a escrita dos textos vou melhorando, e observo meus erros para
procurar não cometê-los novamente”; “Vendo textos que tenho guardado, percebo o quanto
melhorei”; “Eu percebi a partir do meu primeiro texto até o último e também pelos rascunhos
que a professora pede para por no portfólio. Acho que melhorei na pontuação e também
na argumentação dos textos”; “Antigamente não conseguia escrever textos como hoje, o
portfólio me ajudou muito com as escritas”; “Pude concluir que as práticas das redações
propostas me ajudou a melhorar a forma de escrever – concordância verbal e escrita. Os
aspectos que percebi foi a redução de erros gramaticais”; “Sim. O portfólio mostra minhas
dificuldades e pontos que preciso melhorar”;” Sim! Especialmente, no quesito de repetição
de palavras e a ampliação de vocabulário”; “Procuro melhorar acentuação e a forma de
argumentar”; “De certa forma, pois se não fosse pelo portfólio é bem provável que eu não
escrevesse textos com uma certa frequência”; “Sim, minha letra está ficando melhor e
estou tendo mais criatividade”.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão mais importante no uso do portfólio de textos é que os conteúdos de
gramática não ocuparam mais o centro nas aulas de Língua Portuguesa e passou-se a se
utilizar mais a produção de textos através do portfólio como um meio riquíssimo para os
alunos produzirem seus textos de forma mais tranquila e daí sim, depois do olhar pedagógico
da professora através da correção foi possível fazer com que os alunos pudessem refletir
sobre seus equívocos e a partir da reescrita de texto elucidarem seus questionamentos
acerca da própria Língua Portuguesa.
Foi possível perceber que a maioria dos alunos no decorrer do processo de
ensino-aprendizagem, conseguiram desvencilhar-se da falta de vontade de escrever ou
da preguiça, ou ainda do “ranço” já adquirido anteriormente através de práticas escritas
malfadadas como notas baixas ou ter os textos depreciados por professores anteriores.
O uso do portfólio de textos como forma de avaliação é enriquecedor tanto para
os estudantes que percebem a melhora de suas habilidades com a produção de textos e
também com as normas da Língua Portuguesa e também para o professor, visto que esse
percebe que está estimulando muito mais seus alunos a perceberem a Língua Portuguesa
e suas normativas dentro dos textos que produzem e não apenas em meros exercícios de
fixação da Língua Portuguesa.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 9 64


REFERÊNCIAS
BRASIL. Parâmentros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: Língua Portuguesa. Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 2000.

HERNÁNDEZ, Fernando; VENTURA, Montserrat. A organização do currículo por projetos de


trabalho – O conhecimento é um caleidoscópio. 5 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

KOCH, Ingedore Villaça. Desvendando os segredos do texto. 2 ed. São Paulo: Corterz, 2002.

KOCK, Ingedore Villaça. A possibilidade de intercâmbio entre Linguística Textual e o ensino de


língua materna. Veredas – Revista de Estudos Linguísticos. v 5. n 2, 2003, p. 85-94.

KOCK, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São
Paulo: Contexto, 2009.

LUCKESI, Cipriano C.. Avaliação da aprendizagem escolar. 19 ed. São Paulo: Cortez, 2008.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão.Parábola, São


Paulo, 2008.

VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. Portfólio, avaliação e trabalho pedagógico. 8. ed.
Campinas: Papirus, 2012.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. S. Paulo: Martins Fontes, 1991.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins


Fontes, 2000.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 9 65


CAPÍTULO 10
doi
O QUE A LÍNGUA REVELA SOBRE AS PROPOSTAS
PARA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE UM CANDIDATO
À PRESIDÊNCIA QUE NUNCA ENTROU EM UMA
ESCOLA?

Data de aceite: 01/10/2020 PALAVRAS-CHAVE: Enunciação, Ensino,


Data de submissão: 06/07/2020 Estudo de texto.

WHAT DOES THE LANGUAGE REVEAL


Márcio Battisti
ABOUT THE PROPOSALS FOR PUBLIC
Universidade de Passo Fundo- UPF EDUCATION OF A CANDIDATE FOR THE
Passo Fundo - RS PRESIDENCY THAT NEVER ENTERED A
https://orcid.org/0000-0001-6605-0957 SCHOOL?
ABSTRACT: In this work, we develop a reflection
on the teaching of Portuguese language in schools,
RESUMO: Neste trabalho, desenvolvemos uma
taking text teaching as a fundamental element
reflexão sobre o ensino de língua portuguesa
for the formation of a proactive thinking that can
nas escolas, tomando o ensino de texto como
reveal a critical position on the very condition
elemento fundamental para formação de um
of Brazilian public education. For this, we will
pensamento proativo que possa revelar um
develop an enunciative analysis of the proposals
posicionamento crítico sobre a própria condição
for education made by presidential candidate
da educação pública brasileira. Para isso,
Jair Bolsonaro during the 2018 elections. In
desenvolveremos uma análise enunciativa das
the few times when he was willing to talk about
propostas para a educação feitas pelo candidato
education, the candidate proposed distance
à presidência Jair Bolsonaro durante as eleições
education, including in the primary and secundary
de 2018. Nas poucas vezes em que se dispôs
school. In addition, the presidential candidate
a falar sobre educação, o candidato propôs
suggested that children and adolescents should
o ensino a distância, inclusive para o nível
be educated at home, because, according to
fundamental. Além disso, o presidenciável sugeriu
him, this would “help the fight against Marxism.”
a possibilidade das crianças e adolescentes
To develop this analysis, we rely on the theory
serem educadas em casa, pois, segundo ele,
isso “ajudará a combater o marxismo”. Para of enunciation, described by Emile Benveniste, in
desenvolver essa análise, amparamo-nos his Problemas de Linguística Geran I e II (2006),
na teoria da enunciação, descrita por Emile more specifically in the text Estrutura da língua
Benveniste, em seus Problemas de linguística e estrutura da sociedade, written in 1968. It is in
Geral I e II (2006), mais especificamente no texto Benveniste that I find the fundamental theoretical
Estrutura da língua e estrutura da sociedade, precepts to understand the language/society
escrito em 1968. É em Benveniste que relationship and the language/culture relationship,
encontramos os preceitos teóricos fundamentais because according to the benvenistian theory, the
para entender a relação linguagem/sociedade language contains the society.
e a relação linguagem/cultura, isso porque,
KEYWORDS: Enunciation, Teaching, Text study.
segundo a teoria Benvenistiana, a língua contém
a sociedade.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 10 66


1 | PALAVRAS INICIAIS
Neste trabalho, trazemos algumas reflexões sobre o ensino de texto na escola, uma
vez que todo o professor de Língua portuguesa utiliza-se de textos, de diferentes gêneros,
em suas aulas. Porém o que temos abservado é que o ensino de texto tem se limitado
ou ao ensino da gramática normativa ou a uma abordagem muito simplista da língua,
restrita apenas à comunicação, ignorando as demais concepções de linguagem. Adotar um
ensino de língua validando apenas esses dois aspectos, impossibilita um olhar para o texto
como forma de expressão do pensamento e, a partir disso, como uma forma de interação
humana, política e social.
Diante disso, apresentamos algumas considerações que se inserem na linha teórica
relativa ao estudo da linguagem, especialmente a teoria enunciativa, proposta por Émile
Benveniste, em seus Problemas de Linguística Geral I e II. O ensino de língua na escola,
ao nosso ver, configura-se como um recurso fundamental para o entendimento do aluno
acerca da sociedade na qual ele está inserido. É pensando nisso, que entedemos que
o ensino de língua na escola deve ir além do ensino da gramática normativa e de uma
compreensão superficial sobre um texto sem provocar qualquer reflexão que contemple,
por meio da análise do uso da língua em diferentes contextos enunciativos, aspectos
referentes à cultura, à sociedade e a sua organização político-social.
É em Benviniste que nos inpiramos para propor um ensino de texto voltado para
a compreensão do mundo. O linguista sírio, em seus Problemas de Linguística Geral,
apresenta-nos pressupostos que vão muito além de simplesmente servir para analisarmos
as formas linguísticas dentro de uma concepção estruturalista e, sim, possibilita um olhar
para as formas convertidas em discurso para, por meio deste, lermos e compreendermos o
homem, a cultura e a sociedade. No que diz respeito a este estudo, analisaremos algumas
falas do então presidente da república acerca de uma de suas propostas para melhorar
a condição da educação brasileira: o ensino a distância, inclusive para alunos do Ensino
Fundamental. As falas em questão foram ditas durante estrevistas dadas pelo então
presidente antes do processo eleitoral de 2018. Essas falas contituem a materialidade
linguística para desenvolvermos uma análise sobre o emprego das formas, em determinado
ato enunciativo, como reveladoras da sociedade brasileira, a fim de evidenciarmos as
condições reais do cenário brasileiro, em especial o cenário representativo do ensino
público, para implementação de uma educação a distância.
O axioma benvenistiano, no qual nos inspiramos para desenvolver esse estudo,
foi descrito no texto Estrutura da língua estrutura na sociedade, de 1968, escrito por
Émile Benveniste e presente no livro Problemas de Linguística Geral II. Este consiste na
afirmação de que a língua contém a sociedade, o que torna impossível interpretar qualquer
fato social fora das expressões linguísticas. Nesse sentido, só é possível ao homem estar
na sociedade por meio do uso da língua, condição que assegura sua existência.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 10 67


Por fim, nosso intuito é promover um olhar sobre o texto, norteado pela acepçao
Benvenistiana de que a língua revela a sociedade, que possibilite ao aluno compreender
a sua própria realidade, a cultura da qual ele faz parte e a sociedade na qual está inserido
para, por meio disso, também poder mobilizar a língua, seja em manifestações orais, seja
em manifestações escritas, a fim de revelar um posicionamento crítico sobre uma proposta
que sugere a implementação do ensino a dstância como um importante instrumento para
combater o marxismo e reduzir o custo da educação.

2 | A RELAÇÃO INTRÍNSECA ENTRE LÍNGUA E SOCIEDADE


Nesta seção, apresentamos algumas considerações sobre a teoria da enunciação,
descrita por Emile Benveniste, em seus Problemas de linguística Geral I e II, mais
especificamente sobre o texto Estrutura da língua e estrutura da sociedade, escrito em
1968. É nesse texto que encontramos duas noções fundamentais para construção da
análise: a língua interpreta a sociedade, a língua contém a sociedade. É por esse caminho
que buscaremos revelar, mediante a análise do emprego das formas que constituem os
textos que defendem a educação a distância, que sociedade é essa que emana de uma
enunciação que sugere uma modalidade de ensino básico não presencial como forma de
melhoria do ensino público e como método de combater o marxismo nas escolas. Nosso
objetivo consiste em verificar se a sociedade revelada por esses discursos corresponde à
sociedade na qual nós professores estamos inseridos.
A realidade é produzida por intermédio da linguagem por um sujeito que, ao converter
a língua em discurso, reproduz por meio deste a sua experiência do acontecimento.
Benveniste, no texto Vista d’olhos sobre o desenvolvimento da linguística, escrito em 1963,
descreve a dupla função do ato de discurso: “para o locutor, representa a realidade; para
o ouvinte, recria a realidade. Isso faz da linguagem o próprio instrumento da comunicação
intersubjetiva” (1963/2005, p. 26). É nesse sentido que surge a relação imprescindível entre
língua, sociedade e homem, visto ser “dentro da, e pela, língua que indivíduo e sociedade
se determinam mutuamente” (BENVENISTE, 1963/2005, p. 27). É em razão disso que
o autor questiona por que o indivíduo e a sociedade, juntos e por igual necessidade, se
fundam na língua. A resposta é dada pelo próprio autor: “porque a linguagem representa
a mais alta forma de uma faculdade que é inerente à condição humana, a faculdade de
simbolizar” (BENVENISTE, 1963/2005, p.27). Posteriormente, em 1968, o linguista, no
texto Estrutura da língua e estrutura da sociedade, reforça esse pensamento ao mencionar
que a linguagem é o único instrumento que possibilita ao homem atingir outro homem,
da mesma forma que não há outro meio da sociedade e o homem se relacionarem a não
ser pela língua, bem como não há relação entre língua e sociedade sem o homem. Há,
portanto, uma relação mútua e necessária entre língua, sociedade e homem.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 10 68


A organização do pensamento que possibilita a um sujeito transmitir a sua
experiência interior a outro sujeito só é possível, porque existe um sistema de signos que é
comum entre falantes. Segundo Benveniste (2006) a existência desse sistema revela dados
essenciais e profundos da condição humana: o de que não há relação natural, imediata
entre o homem e o mundo, nem entre o homem e o homem. A linguagem, portanto, é o
aparato simbólico intermediário que possibilita a relação do homem com a sua natureza ou
a relação com outro homem, estabelecendo a sociedade. Assim, uma estrutura linguística
definida e particular é inseparável de uma sociedade também definida e particular.
Logo, “língua e sociedade não se concebem uma sem a outra. Uma e outra são dadas”
(BENVENISTE, 1963/2005, p. 31) e encontram-se numa relação de interdependência na
qual é impossível falar de uma sem necessariamente mencionar a outra.
Assim, o homem e a sociedade se determinam mutuamente pela língua, e é somente
por intermédio da língua que o indivíduo é capaz de revelar o mundo, o seu próprio mundo,
a sua cultura e a sua experiência, neste caso, revelar experiências acerca da realidade
do Ensino Básico brasileiro, especialmente as condições sociais para se implementar
uma forma de ensino a distância. Trata-se, portanto, como menciona Benveniste, “de
examinar as relações entre duas grandes entidades que são respectivamente a língua e a
sociedade” (1968/2006, p. 96). “Ela é uma identidade em meio as diversidades individuais”
(BENVENISTE, 1968/2006, p. 97). Dessa condição resulta a dupla natureza paradoxal
da língua: ela é, ao mesmo tempo, imanente ao indivíduo e transcendente à sociedade.
Diante disso, Benveniste afirma que a relação que possibilita à língua analisar a sociedade
não é de ordem estrutural, nem tipológica, histórica ou genética e, sim, essa relação é de
ordem semiológica. Dessa relação resultam proposições conjuntas: “em primeiro lugar, a
língua é o interpretante da sociedade; em segundo lugar, a língua contém a sociedade”
(BENVENISTE, 1968/2006, p. 97).
A relação semiológica que coloca a língua como interpretante da sociedade se
verifica em razão de que é possível isolar, estudar e descrever a língua sem se referir a
seu emprego na sociedade, entretanto é impossível descrever a sociedade, a cultura e o
homem sem a língua. E em razão de que “a língua fornece a base constante e necessária
da diferenciação entre o indivíduo e a sociedade” (BENVENISTE, 1968/2006, p.98).
Portanto, a sociedade torna-se significante na e pela língua, sociedade é o interpretado por
excelência da língua. E por que a língua assume a posição de interpretante da sociedade?
Porque é o instrumento de comunicação comum a todos os homens e, fundamentalmente,
porque ela está investida de propriedades semânticas.
Se, como afirma Benveniste, a língua contém a sociedade, torna-se impossível
interpretar qualquer fato social fora das expressões linguísticas. É no terreno da língua que
nos situamos para analisarmos algumas justificativas usadas durante o período eleitoral em
2018 para a implementação da educação a distância. Modalidade essa, na qual o aluno, ao
invés de frequentar a escola presencialmente, realiza todas as atividades educacionais por

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 10 69


intermédio da internet em plataformas online. Uma das justificativas diz o seguinte: “Quando
você vai para a área rural... (...) Nessas áreas, muitas vezes a escola está muito longe de
onde mora aquela criança. E a tecnologia por satélite já chegou lá. Seria nós começarmos
a investir por aí. Ao analisarmos as marcas linguísticas que constituem esse discurso,
percebemos uma sociedade na qual a maioria das crianças que vivem na área rural não
possuem transporte adequado para chegar até a escola, sendo esse o principal motivo
que impossibilita essas crianças de frequentarem os centros de ensino. Não há transporte
para se chegar até a escola, porém esse problema de distância pode ser resolvido com
uso da tecnologia por satélite já presentes nessas áreas rurais. Se a tecnologia por satélite
é colocada como solução, inferimos que as crianças que vivem no interior e que não têm
transporte para chegar até a escola possuem computador, acesso à internet e pais com
disponibilidade para orientá-las nas atividades escolares.
Além de atender as crianças da zona rural que estão muito longe da escola, a
educação a distância também será ofertada para pais que optarem educar seus filhos em
casa. Isso já existe no Brasil em parte, e no meu entender está crescendo, exatamente
porque não estão aprendendo nada em sala de aula”. O que a língua revela, por meio das
escolhas linguísticas feitas pelo locutor as quais o institui como sujeito da enunciação, é uma
sociedade composta por famílias economicamente estruturadas, condição que possibilita
que ao menos um dos responsáveis pela criança não trabalhe fora de casa e possa, desse
modo, auxiliá-la no processo de formação educacional. É também uma sociedade em que
as escolas não cumprem com seu dever de construir conhecimento junto com os alunos,
ou seja, são espaços irrelevantes para formação humana, cognitiva, emocional e cidadã
das crianças. Além disso, segundo justifica o texto, com o ensino a distância você ajuda a
combater o marxismo. O sujeito que aqui se enuncia pela língua, revela uma sociedade em
que a função da escola se restringe a doutrinação marxista, uma imposição ideológica que
compreende o principal problema do sistema de ensino brasileiro. Se as crianças não forem
para a escola, encerra-se o processo de doutrinação; logo resolve-se o principal problema
educacional que faz da escola um lugar em que os alunos não aprendem nada.
É a indispensável relação entre língua e sociedade, a noção que reforça o
pensamento de Benveniste de que a língua contém a sociedade. Ao fazer uso do aparelho
formal da língua e convertê-la em discurso, o locutor se institui como sujeito representante
de um determinado grupo social, com isso, suas escolhas linguísticas constroem uma
enunciação e, por meio desta, é possível traçarmos uma representação do meio social no
qual esse sujeito está inserido, isso porque a língua é interpretante da sociedade. Esse
meio social, diferentemente daquele no qual nós professores estamos inseridos, não possui
5,2 milhões de crianças de 0 a 14 anos em condição de extrema pobreza, nem 18,2 milhões
em condição de pobreza, conforme a Fundação Abrinq. Essas crianças fazem parte de uma
sociedade marcada pela desigualdade social e pela miséria. Portanto, ir para escola, mais
do que aprender física, química ou qualquer outra área do conhecimento, significa poder

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 10 70


se alimentar para não morrer de fome. É uma sociedade composta por famílias cuja renda
mensal não possibilita que um dos responsáveis fique em casa para se dedicar à formação
educacional dos filhos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões que apresentamos na seção anterior demonstram um olhar para
língua como instrumento constitutivo da sociedade, do homem e da cultura. A partir do
engendramento de formas linguísticas que resultam nos textos que justificam uma possível
implementação de um ensino a distância, é possível ao professor propor uma reflexão com
alunos acerca da sociedade que emerge desse discurso em comparação com a sociedade
revelada pelas experiências de mundo contidas no uso da língua que possibilita que estes
também possam ser sujeitos da sua sociedade, da sua cultura, de seu mundo e de sua
escola. É a linguagem que possibilita a relação do homem com o mundo e isso é mediado
pelo texto, principal instrumento do ensino de língua na educação básica.

REFERÊNCIAS
BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. 5. ed. Tradução Maria da Glória Novak e
Maria Luisa Neri. Campinas: Pontes, 2005.

______. Problemas de Linguística Geral II. 2. ed. Tradução Eduardo Guimarães et al. Campinas:
Pontes, 2006.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 10 71


CAPÍTULO 11
doi
OBSESSÃO E RESGATE EM TRAMAS DO DESTINO

Data de aceite: 01/10/2020 e renúncias para auxiliar no resgate dos débitos


desses personagens comprometidos no mal em
existência passada. Desse modo, observamos
que, mesmo aos grandes transgressores das Leis
Jorge Leite de Oliveira
Divinas, Sua Justiça nunca é desacompanhada
Consultor Legislativo aposentado e
da Misericórdia e oportunidade para a
pesquisador egresso da UnB.
reabilitação de qualquer falta, tendo em vista a
Brasília, DF
http://lattes.cnpq.br/0494890808150275 ascensão espiritual e a felicidade, reservadas a
cada um nós. Os romances espíritas baseados
em casos reais, como este, são abundantes
em nos confirmar os ensinamentos trazidos a
RESUMO: Estudo sobre mecanismos da nós pelo Espiritismo. Esta é, a nosso ver, obra
obsessão presentes na narrativa de romance extraordinária, desdobrada em outras, não
espírita psicografado por Divaldo Franco, menos valiosas. Baseado no contido nelas, lemos
importante tribuno espírita conhecido narrações de histórias como a analisada, cujo
mundialmente e médium de uma série de obras estudo e reflexão nos impulsionam à vivência do
literárias psicografadas. O suposto Espírito amor, fundamental a uma vida melhor para cada
comunicante denomina-se Manoel Philomeno de um de nós, a fim de que não cometamos novos
Miranda, nome de importante dirigente espírita gravames à Lei Divina.
baiano falecido em meados do século passado. PALAVRAS-CHAVE: Estudo de caso, obsessão,
Miranda esclarece-nos sobre a influência das narrativa psicografada, romance espírita.
entidades desencarnadas em nossas vidas.
Analisamos, em Tramas do destino, o drama, o
sofrimento e a reabilitação espiritual da família OBSESSION AND RESCUE IN WEFTS OF
Ferguson. Aqui são tratados os casos de resgate
DESTINY
expiatório que envolvem, principalmente duas ABSTRACT: Study the mechanisms of obsession
pessoas: Rafael Ferguson e sua filha Lisandra, present in the narrative of a psychographed
além de seus maiores obsessores, os Espíritos spiritist novel by Divaldo Franco, an important
Jules Henri e Ermínio Lopez, que se diziam spiritist tribune known worldwide and a medium
prejudicados, em existência pretérita, pelos of a series of psychographed literary books. The
atuais pai e filha, portadores de hanseníase methodology used is the case study based on the
em sua vida atual. No caso da filha, a doença spiritual influences present in the lives of all the
é acrescida de alienação mental exacerbada characters. The supposed communicating Spirit
pela subjugação daqueles e de outros Espíritos is called Manoel Philomeno de Miranda, the name
lesados por ela. Como benfeitores elevados, of an important Bahian spiritist leader who died in
alguns familiares e amigos não mediram esforços the middle of the last century. Miranda enlighten
us about the influence of spirits on our lives. We

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 11 72


analyzed, in Wefts of destiny, the drama, suffering, and spiritual rehabilitation of the Ferguson
family. Here are the cases of expiatory rescue involving mainly two people: Ferguson and his
daughter Lisandra, in addition to their greatest obsessors, the spirits Henri and Lopez, who
claim to have been harmed in the past by their present parents and daughter, leprosy carriers
in their current life. In the case of the daughter, the disease is increased by mental alienation
exacerbated by the subjugation of those and other spirits harmed by her. As high benefactors
and friends made no effort and renunciation to assist in the recovery of the debts of these evil-
committed characters in past existence. Thus we observe that even to the great transgressors
of the Divine Laws, his Justice is never unaccompanied of mercy and opportunity for the
rehabilitation of any lack, in view of the spiritual ascension and happiness reserved for each
one of us. Spiritist novels based on real cases, such as this one, abound in confirming the
teachings brought to us by Spiritism. This is, in our view, an extraordinary work, unfolded in
others, no less valuable. Based on what is contained in them, we read narrations of stories like
the one analyzed, whose study and reflection propel us to the experience of love, fundamental
to a better life for each one of us, so that we do not commit new encumbrances to the Divine
Law.
KEYWORDS: Case study, obsession, psychographed narrative, spiritist novel.

Divaldo Pereira Franco é importante tribuno espírita conhecido mundialmente e


médium de uma série de obras literárias psicografadas. O suposto Espírito comunicante,
entidade real para nós, espíritas, que há 46 anos estudamos essa literatura, denomina-se
Manoel Philomeno de Miranda, nome de importante dirigente espírita baiano falecido em
meados do século passado. Na obra, a entidade espiritual Miranda esclarece-nos sobre a
influência das entidades desencarnadas em nossas vidas, em consequência dos nossos
atos e motivadas pelo desejo de algumas em nos prejudicar e de outras em nos ajudar.
Analisaremos, em Tramas do destino, o drama, o sofrimento e a reabilitação espiritual
da família Ferguson. Aqui são tratados os casos de resgate expiatório que envolvem,
principalmente duas pessoas: Rafael Ferguson e sua filha Lisandra, além de seus maiores
obsessores, os Espíritos Jules Henri e Ermínio Lopez.
Como benfeitores elevados, alguns familiares e amigos, encarnados e
desencarnados, não mediram esforços e renúncias para auxiliar no resgate dos débitos
desses personagens comprometidos no mal em existência passada. Desse modo,
observamos que, mesmo aos grandes transgressores das Leis Divinas, Sua Justiça nunca
é desacompanhada da Misericórdia e oportunidade para a reabilitação de qualquer falta,
tendo em vista a ascensão espiritual e a felicidade, reservadas a cada um nós.
Após ficarmos sabendo, na questão 132 de O livro dos espíritos, que o objetivo da
encarnação é fazer o Espírito chegar à perfeição, o que requer seu retorno à existência (id.,
questão 166), finalmente somos informados sobre a justiça da reencarnação, pela questão
171 dessa obra básica, quando Kardec é esclarecido de que o “dogma da reencarnação”
baseia-se “Na Justiça de Deus e na revelação, pois [...] o bom pai sempre deixa aos filhos
uma porta aberta ao arrependimento (KARDEC, 2017, p. 120).

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 11 73


Os sofrimentos inauditos da família Ferguson, em especial os do pai, Rafael, e de
sua filha Lisandra, em função de graves delitos cometidos por eles em vidas passadas,
são a demonstração patente dessa Justiça, associada à Providência, alicerçada no Amor.
Explica o Espírito Philomeno de Miranda que

Examinada apenas uma vida, mesmo com o melhor apuro psicológico, não
se dispõe de dados para explicar a Justiça Divina, em se considerando a
pluralidade dos sucessos felizes e desgraçados que gravitam em torno dos
homens, e que os distingue na vasta gama policromada das suas conquistas
e quedas (MIRANDA, 2015, p. 7).

Já no início da narrativa do Espírito Miranda, observamos a presença do instinto


agressivo de Rafael, próspero comerciante, que embora amando sua esposa Artêmis a
maltratava muito. A esposa, de sólida formação cristã, tudo suportava com humildade.
Sua mãe, Adelaide, desencarnara um ano após o casamento da filha, mas passaria
a protegê-la espiritualmente e à família desta, por diversas vezes manifestando-se, em
sonhos, a Artêmis e familiares. Em seu primeiro comunicado, o Espírito Adelaide informou
à filha de que esta seria mãe em breve, mas sua vida se pautaria pelo sacrifício, paciência
e humildade.
Após algum tempo em que suportara o mau gênio do esposo Rafael, nasceu Gilberto
e, dois anos após, Lisandra. Hermelinda, bondosa irmã de Rafael, fora morar com a família
deste e passara a auxiliar Artêmis nos serviços domésticos. Nascida Lisandra, porém, à
medida que esta crescia, acentuavam-se nela o que a medicina classifica como “disritmias
cerebrais, com incidência primária de epilepsia”. Explica Philomeno de Miranda que “[...]
Lisandra era dominada, em tais ocasiões, pela presença de clichês mentais gravados no
inconsciente atual e ali arquivados pelos atos incorretos que os insculpiram na existência
anterior, que ora deveria rever para superá-los, mediante resgate sacrificial” (MIRANDA,
2015, p. 35).
Um dia, porém, Rafael passou a sentir uma série de sintomas orgânicos, como
“perda de sensibilidade tátil”, “câimbras nas mãos e nos pés”, além de “despigmentações
cutâneas”. Ao consultar o dermatologista, este diagnosticou hanseníase e internou o
comerciante em colônia destinada a tratamento dos portadores do mal de hansen. A partir
desse dia, Rafael seria afastado da família e da sociedade, como era costume na época.
Nos primeiros anos de sua internação, Rafael demonstrava-se revoltado e agressivo
com todas as pessoas do local. Entretanto, nunca lhe faltou a dedicação do enfermeiro
espírita chamado Cândido, o qual sempre procurava acalmá-lo e tratar seu corpo enfermo,
que se deformaria ao longo dos anos.
Com o passar do tempo, a angústia da família Ferguson, já ciente da doença de
Rafael, aumentou. Além da ausência do pai, a filha Lisandra tornava-se cada vez mais
alienada mentalmente. Acrescida às suas crises epilépticas, que oscilava entre o pequeno
e o grande mal, havia a influência do sentimento de culpa, pelos crimes de existência

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 11 74


pregressa. Nessas crises, ela “[...] defrontava os cúmplices e as vítimas do passado que a
haviam reencontrado, nela produzindo os justos horrores que a vingança infeliz propicia”
(MIRANDA, 2015, p. 78).
Oito anos após o isolamento hospitalar de Rafael, que sempre se mostrara revoltado
com a própria enfermidade, embora a família, que ele se recusava a ver, mantivesse
correspondência afetuosa com ele, Lisandra também contraiu o mal de hansen. Por
esse tempo, o enfermeiro Cândido, discretamente, manifestara sua convicção espírita ao
agressivo enfermo e, respeitosamente, buscava conscientizá-lo sobre a influência da Lei de
Causa e Efeito como justificativa das nossas expiações e provas.
Em encontro espiritual, ocorrido após o adormecimento de seus corpos, o Espírito
Adelaide reuniu o casal Ferguson, Lisandra, Hermelinda e o enfermeiro Cândido. Como ocorre
em diversos casos semelhantes, o objetivo era recordarem-se de seus comprometimentos
em vida passada, para que melhor resgatassem suas dívidas espirituais. Nesse momento,
Lisandra assumiu a personalidade de Annette, ao ouvir chamamento do atual obsessor,
dela, Ermínio Lopez. Em seguida, Rafael adotou a personalidade de inimigo de Annette
(Lisandra) e Ermínio. Esse primeiro encontro foi encerrado pelo Espírito Adelaide, que, em
seguida, propôs a todos que voltassem a dormir.
Esse acontecimento espiritual foi narrado por Rafael, no dia seguinte, a Cândido,
que se propôs visitar a família do hanseniano, com recomendação escrita do seu paciente
já agora profundamente modificado pelos estudos espíritas. Acompanhado de Clarice,
sua esposa, na tarde de um belo domingo, o enfermeiro esteve com os Fergusons, que
começaram a receber do casal as notícias consoladoras da Doutrina Espírita. Todos
tornaram-se espíritas, à exceção de Lisandra, que, embora muitas vezes recebesse passes
de Cândido, demonstrava antipatia por este, influenciada por seu obsessor.
Os Fergusons, exceção de Lisandra, também passaram a frequentar o Centro
Espírita Francisco de Assis e conheceram a médium Epifânia, que a todos contagiou com
sua elevação moral. Três anos após ter contraído hanseníase, Lisandra foi considerada
clinicamente curada. Ainda assim, sentia-se cada vez mais louca e revoltada com a vida,
por influência do Espírito Ermínio que a subjugava, juntamente com outros obsessores.
A obsessa recebeu orientação da médium Epifânia para frequentar o centro espírita
que acolheu sua família, mas tornou-se refratária a qualquer diálogo e inimiga do enfermeiro
espírita benfeitor de seu lar. Até que, numa de suas visitas à casa dos Fergusons, Cândido
precisou levar Lisandra apressadamente ao hospital, onde ela passou alguns dias internada.
Sob a influência de seu perseguidor invisível, a moça tentara o suicídio, seccionando as
artérias dos pulsos. Ainda aí, o Espírito Adelaide socorreu a neta e evitou o mal maior de
sua desencarnação extemporânea.
Lisandra arrependeu-se do gesto insano e, sob a cuidadosa assistência do bondoso
Dr. Armando, a jovem repensou suas atitudes e recebeu de boa vontade alguns conselhos
inspirados espiritualmente à sua mãe, que a incentivava a reagir contra as investidas de

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 11 75


seu obsessor, Ermínio, e da própria consciência culpada. O médico, que ouvira toda a
conversa de Artêmis com a filha, elogiou a senhora e ficou sabendo que esta se tornara
espírita, por influência do enfermeiro Cândido, tal como ele e sua esposa, após grave
acidente com o filho do casal.
Lisandra, entretanto, ao retornar ao lar, voltou a ser subjugada pelo Espírito Ermínio.
Desse modo, tornou a se retrair do convívio familiar e não aceitou participar das reuniões
espíritas no centro. A médium Epifânia sugeriu à família Ferguson não constranger a
enferma aos estudos contra sua vontade.
Por esse tempo, em reunião mediúnica no centro, o Espírito Jules Henri manifestou-
se pela faculdade de Epifânia e acusou Rafael Ferguson, que, em passada existência,
chamara-se Georges-Henri, de tê-lo levado à morte para ficar com a esposa de Jules,
Louise-Caroline. Esta mantivera-se fiel ao marido e fora internada em convento espanhol
a pedido de Georges, inconformado com a recusa dela ao seu assédio. O Espírito Jules
passara cem anos procurando seu assassino, que não perdoara. Agora que o encontrara,
queria levá-lo à loucura, sem compaixão por seu sofrimento atual.
Doutrinado pelo benfeitor espiritual Natércio, esse Espírito reencontrou Louise, no
plano espiritual, que passou a cuidar do agora ex-obsessor de Rafael. Outros trabalhos
espirituais socorristas continuariam sendo realizados no centro.
Novamente levados a um encontro grupal, após adormecerem no corpo físico,
estavam agora reunidos os personagens, sob a orientação da equipe de Natércio e outros
Espíritos socorristas do Francisco Xavier. Nesse novo encontro, o Espírito Ermínio Lopez,
Lisandra e seu pai, Rafael, rememoraram a existência em que a moça se chamara Annette.
Seu atual pai, naquela encarnação, fora o mesmo Georges-Henri, seu esposo infiel e
sedutor das donzelas da época, que, ao surpreendê-la em atitude suspeita, após retornar
repentinamente ao lar, mandou construir uma parede em frente ao armário onde o amante
de Annette, Ermínio, se escondera e o matara emparedado. Outro amante de Annette/
Lisandra, antes de Ermínio, foi Rondelet, cavalariço de sua família, agora seu irmão
Gilberto, que ela envenenou e empurrou seu corpo rio abaixo para que pensassem ter sido
suicídio após ele embebedar-se.
Os débitos de Lisandra não se restringiam apenas a esses Espíritos. Diz o Espírito
Philomeno de Miranda que

Com a imantação psíquica defluente do processo obsessivo de longo curso, a


vampirização espiritual se desenvolvia, dominadora, minando-lhe as defesas
mentais e orgânicas, numa problemática destrutiva, com que a vingança dos
enfermos espirituais se desforçava dos padecimentos sofridos... (MIRANDA,
2015, p. 275).

Em vista do agravamento do estado de alienação mental de Lisandra, o Dr. Armando


sugeriu a internação dela em hospital psiquiátrico de outra cidade. Consultado o Espírito
Natércio, guia da médium Epifânia, este aprovou a hospitalização, o que foi feito com

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 11 76


a intercessão de Epifânia ao amigo diretor desse nosocômio sem custos para a família
Ferguson que, na época, não podia arcar com essas despesas. Nesse nosocômio, Lisandra
conheceu a enfermeira Lis, que se tornou sua irmã espiritual e lhe prestou cuidadosa e
devotada assistência. A moça, agora decididamente, espírita, colaborava como podia
com os serviços da instituição que a acolhera. Segundo Miranda, “Já não se evadia à
consciência da culpa, nem se justificava com a frivolidade pelo erros cometidos. Sincero
arrependimento, isento da ideia pessimista de infelicidade, deu-lhe maiores dimensões aos
imperativos de expiação e ressarcimento...” (MIRANDA, 2015, p. 315).
Alerta-nos Philomeno de Miranda:

Cada mente é um dínamo gerador de energias, cuja intensidade e procedência


canalizam forças poderosas, conforme a direção que se lhes dá. Portadora
de energias ainda desconhecidas para nós outros desencarnados, a onda
mental agrega como desarticula as moléculas que compõem a matéria em
suas múltiplas e complexas expressões (MIRANDA, 2015, p. 264).

Rafael, liberto da obsessão do Espírito Jules, tornou-se estudioso e praticante


devotado da Doutrina Espírita. Apesar de todas as sequelas que a hanseníase lhe provocara,
com amputações e outras deformidades físicas, passou a servir com humildade a todos que
conviviam com ele e criou um grupo de estudos de “recreação mental e estímulos morais”,
intitulado Grupo do Otimismo, além de uma biblioteca, que tiveram o apoio da direção da
colônia de tratamento onde estava internado. Diz Philomeno que, agora, Rafael Ferguson
“Era um homem novo em Jesus Cristo, transformado em paciente modelo, auxiliar querido”
(MIRANDA, 2015, p. 302).
Após um ano do retorno de Rafael à sua residência e seis meses de casamento de
Gilberto com Tamíris, a hanseníase voltou a manifestar-se em Lisandra, atacando agora
centros vitais de seu organismo, que a levariam à desencarnação, conforme sua própria
previsão conformada aos desígnios divinos. Lisandra desencarnou cercada dos cuidados e
carinhos da equipe médica e de sua amiga Lis, além do amparo dos Espíritos Adelaide, que
a receberia no plano espiritual, e Natércio, que a desligou do corpo físico.
Vários meses após o casamento de Gilberto e Tamíris, Philomeno de Miranda juntou-
se à equipe espiritual de Natércio para programar nova etapa de resgates e ascensão
dos principais personagens deste drama, semelhante a muitos outros, neste mundo de
expiações e de provas. Os cônjuges foram conduzidos, em “desdobramento parcial pelo
sono” a uma reunião realizada em dependência do Centro Espírita Francisco Xavier, que
teve a participação de familiares, trabalhadores dos planos físico e espiritual dessa casa.
Nesse encontro, foi acertada a reencarnação de Lisandra e Ermínio, que seriam filhos do
casal Tamíris e Gilberto, que perdoou sua algoz do passado e era agora filho do redimido
espírita-cristão Rafael. Para Lisandra, seria nova oportunidade de resgate e redenção pelo
amor, após muito sofrer no corpo físico. Jules, já retornara à Terra e, no momento próprio,
requereria o amor e cuidado de Rafael Ferguson, segundo informou a este o Espírito
Natércio.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 11 77


Essa história, baseada em caso real que apenas teve os nomes dos envolvidos
trocados, como é natural, por se tratar de acontecimentos envolvendo pessoas que residiram
e residem, ainda, em cidades diversas, mostra-nos o quanto a Justiça de Deus jamais está
desacompanhada de sua Misericórdia e Amor. Se refletirmos bem nas consequências de
nossos atos, jamais aceitaremos a desculpa leviana de que “a vida segue” e de que não
vale a pena nos esforçarmos em ser melhores, pois o “futuro é incerto”. Quem faz nosso
porvir são nossos atos...
Os romances espíritas baseados em casos reais, como este, são abundantes em
nos confirmar os ensinamentos trazidos a nós pelo Consolador. Todos eles são expressos
de forma profunda, com base nos ensinamentos contidos nas obras codificadas por
Allan Kardec e que tiveram início com O livro dos espíritos. Esta é obra extraordinária,
desdobrada em outras, não menos valiosas. Com base no contido nelas, a Espiritualidade
Maior nos ilustra com narrações de histórias verídicas como essas, cujo estudo e reflexão
nos impulsionam à vivência do amor, fundamental a uma vida melhor para cada um de nós,
a fim de que não cometamos novos gravames à Lei Divina.

REFERÊNCIAS
GIRARD, René. A violência e o sagrado. Tradução de Martha Conceição Gambini. São Paulo:
UNESP; Paz e Terra, 1990.

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 4. ed., 4. imp. Brasília:
FEB, 2017.

MIRANDA, Manoel Philomeno de (Espírito). FRANCO, Divaldo Pereira. Tramas do destino. 12. ed.
Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. Brasília: FEB, 2015.

OLIVEIRA, Jorge Leite de. Chamados de Assis: espaços fantásticos do Rio mutante na obra
machadiana. Curitiba, PR: Instituto Memória. Centro de Estudos da Contemporaneidade, 2018.

______. Texto acadêmico: técnicas de redação e de pesquisa científica. 10. ed., 1. reimpr.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 11 78


CAPÍTULO 12
doi
PENSAMENTO COMPUTACIONAL E FORMAÇÃO
DE PROFESSORES NA ÁREA DE LINGUAGEM:
PERSPECTIVAS PARA CURSOS DE LICENCIATURA

Data de aceite: 01/10/2020 teórico em torno da relação tecnologias


Data de submissão: 14/07/2020 e educação, com ênfase na formação de
professores de línguas, mas não exclusivo a
esta área, buscamos articular conceitos até
então timidamente apresentados no Brasil, como
Fabiana Diniz Kurtz
“pensamento computacional” (Wing, 2006) e
Universidade Regional do Noroeste do Estado
“TPACK” (Mishra e Koehler, 2006). A pesquisa
do Rio Grande do Sul (Unijuí) Departamento de
Humanidades e Educação envolveu análise de artigos, dissertações
Ijuí – Rio Grande do Sul e teses obtidos no portal de periódicos da
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8946-7480 Capes e no software de compartilhamento de
artigos Mendeley. Resultados preliminares
Denilson Rodrigues da Silva
apontam a necessidade de inserir, ainda na
Universidade Regional Integrada do Alto formação docente, questões relacionadas
Uruguai e das Missões (URI)
não apenas “sobre” o uso das TDIC, sob uma
Departamento de Engenharias e Ciência da
perspectiva instrumental, mas sim de modo
Computação
integrado a tais instrumentos, com respaldo
Santo Ângelo – Rio Grande do Sul
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9264-6842 teórico, conceitual e epistemológico. Este
processo concebe uma integração não apenas
sob a ótica do mercado de trabalho, mas de
inovação em educação como um processo
RESUMO: Diferentemente de uma concepção consciente e coletivo, que, a partir do estudo,
de “ferramentas a serem dominadas”, é crucial reconhecimento cultural e epistemológico
que cursos de licenciatura incorporem uma das questões construídas e transmitidas por
articulação teórica e metodológica sobre o gerações passadas, possam ser significadas
papel das TDIC no processo pedagógico e na diante de novos contextos.
formação de professores, como investigado PALAVRAS-CHAVE: TDIC, formação
no Grupo de Pesquisa Mongaba: educação, de professores de línguas, pensamento
linguagens e tecnologia. A pesquisa realizada, e computacional, TPACK.
que é relatada em uma de suas dimensões neste
texto, busca a sistematização e elucidação de
elementos teóricos e epistemológicos ligados à
tecnologias e educação, para que se tenha, nos
cursos de licenciatura, parâmetros diferenciados
que integrem efetivamente tais questões ao
processo pedagógico e não como algo a parte.
Com o objetivo de constituir um arcabouço

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 12 79


COMPUTATIONAL THINKING AND LANGUAGE TEACHER EDUCATION:
PERSPECTIVES FOR UNDERGRADUATE COURSES
ABSTRACT: Unlike a concept of “tools to be mastered”, it is crucial that undergraduate
courses incorporate a theoretical and methodological articulation on the role of DICT in the
pedagogical process and in teacher education, as investigated in the Mongaba Research
Group: education, languages ​and technology. The research carried out, which is reported in
one of its dimensions in this text, seeks to outline and elucidate theoretical and epistemological
elements linked to technologies and education, so that, in the undergraduate courses, there
are different parameters that effectively integrate such issues to the pedagogical process and
not as something apart. With the purpose of organizing a theoretical framework around the
relationship between technologies and education, with emphasis on the language teachers’
education, but not exclusive to this area, we seek to articulate concepts hitherto shyly
presented in Brazil, such as “computational thinking” (Wing, 2006) and “TPACK” (Mishra &
Kehler, 2006). The research involved analysis of articles, dissertations and theses obtained
from Capes’ journals portal and Mendeley’s article sharing software. Preliminary results point
out the need to insert, still in teacher education, questions related not only “about” the use of
DICT, from an instrumental perspective, but in an integrated way to such instruments, with
theoretical, conceptual and epistemological support. This process conceives an integration
not only from the perspective of the labor market, but of innovation in education as a conscious
and collective process, which, from the study, recognition of cultural and epistemological
questions developed and transmitted by past generations, can be signified in the face of new
contexts.
KEYWORDS: DICT, language teacher education, computational thinking, TPACK.

1 | INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo, conceitos e frameworks ligados à esfera tecnológica vêm sendo
quase “naturalmente” associados à perspectiva de inovação em educação, seja no ensino
de línguas, seja em áreas em que a presença de diferentes ferramentas, aplicativos, e
dispositivos tecnológicos é maior, como nas áreas exatas e da saúde, por exemplo.
Mais recentemente, o framework TPACK e o conceito de Pensamento Computacional,
porexemplo, vêm ganhando espaço na literatura educacional não necessariamente
vinculados ao âmbito de inovação, mas de saberes necessários a professores e alunos de
todas as áreas no século XXI.
Assim, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) são
instrumentos culturais que não estão apenas a serviço da população, mas, principalmente
na área educacional, são parceiros intelectuais que empoderam os sujeitos, fornecendo-
lhes elementos que, sob uma perspectiva crítica, os auxiliam a agir no mundo, como
pesquisas sugerem (Jonassen, 2000; Kurtz, 2015; 2018; Wertsch, 2002).
Nesse sentido, o tema enfatizado nesta pesquisa é até que ponto a formação inicial
docente na área de linguagens (e demais áreas formativas) tem se preocupado com essa
dimensão, que extrapola o caráter instrumental e habilidades e conhecimentos necessários
unicamente para se ensinar e aprender “sobre” as tecnologias.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 12 80


É impossível desconsiderar o que Castells (1999) observava, sobre o novo
paradigma tecnológico, organizado em torno das TDIC e associado a transformações
sociais, econômicas e culturais, como Coll e Monereo (2010) retomam. Mas, diferentemente
da perspectiva de “atender” a um perfil, é fundamental que a escola e, principalmente,
a universidade, em seus cursos de licenciatura, atentem ao fato de que somente darão
um salto de qualidade quando o caráter exclusivamente preparatório para o mercado de
trabalho deixar de ser o elemento central, desconsiderando aspectos humanos, filosóficos
e universais da educação.
Pensar na integração entre TDIC e educação é, sem dúvida, também pensar em
inovação (Silva e Oliveira, 2020; Tagarro et al 2019; Tang e Wu, 2020) e, mesmo que não
seja uma associação obrigatória para fins de inovação, é uma relação bastante complexa. A
concepção de inovação, ao ser articulada à Educação ou ao ensino em determinadas áreas,
como no ensino de línguas ou, de modo ampliado, na área de linguagens (envolvendo Arte
e Educação Física, por exemplo), recupera elementos históricos e culturais alicerçados em
importantes correntes filosóficas.
Esta ligação coaduna aspectos de uma lógica de inovação então alinhada apenas
aos modos de produção e consumo das sociedades capitalistas, como Silva e Oliveira
(2020) sugerem. Inovar, então, seria como um sinônimo de criatividade para incrementar a
produção e a produtividade do sistema, especialmente pela vinculação a novas tecnologias
capazes de revolucionar o que está estabelecido como padrão. Esta lógica prevê, então, a
inovação como condição para a sobrevivência do capital (idem).
Em Educação, por outro lado, inovação precisa ser considerada em uma perspectiva
crítica e não conservadora e pragmática, ultrapassando, obviamente, seu sentido tecnicista
(de reprodução mecânica). É situar a educação em relação a novos contextos, com o
propósito maior da própria mudança estrutural da sociedade (Monteiro, 2019; Tagarro et
al., 2019).
É neste aspecto que se pode destacar a delimitação do tema proposto, ou seja, a
formação inicial em cursos de licenciatura de Letras e demais áreas precisa contemplar,
como já observado em Kurtz (2015), uma formação crítica e aprofundada teoricamente
“com” as tecnologias, de modo transversal, com vistas ao pleno desenvolvimento do
sujeito, futuro professor.
Considerando estudos recentes, conduzidos pelo Grupo de Pesquisa (GrPesq/
CNPq) Mongaba: educação, linguagens e tecnologia, pudemos constatar que as mudanças
necessárias devem iniciar pelos cursos de formação de professores, em diálogo com a
escola. Dentre essas mudanças está a constituição de uma competência pedagógica e
outra técnica, a partir do que Koh e Chai (2014), Kovalik et al (2013) e Teo (2011), sugerem,
envolvendo modelos e metodologias como o TPACK (Technological Pedagogical Content
Knowledge ou Conhecimento Tecnológico Pedagógico do Conteúdo) (Mishra e Koehler,
2006), dentre outros, que produzem dados em torno de percepções e expectativas de
futuros professores, estudantes e professores em atuação, sobre o uso de tecnologias.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 12 81


A partir disso, buscamos construir entendimentos quanto à integração de TDIC
na formação inicial docente, considerando a relação entre dois conceitos - pensamento
computacional e tecnologias como ferramentas cognitivas. A partir desse objetivo,
sintetizamos resultados da análise de documentos oficiais ligados ao papel das TDIC em
processos formativos docentes no Brasil, que sinalizam precisamente a necessidade de
uma postura que transcenda o caráter unicamente instrumental dessas tecnologias na
educação, como também discutido em Silva et al (2017).
Metodologicamente, partimos da análise envolvendo documentos oficiais da
legislação brasileira e portuguesa, bem como do olhar de docentes desses dois países
envolvidos com formação de professores de Letras, conforme apontado em Kurtz (2015).
Assim, via Análise Textual Discursiva (ATD) (Moraes e Galiazzi, 2006), optamos por verificar,
na literatura, de que forma estudos de diferentes países, têm demonstrado experiências
quanto à integração das TIC em processos formativos docentes, seja recorrendo a modelos
recentemente verificados em nossas pesquisas, como é o caso do TPACK, seja no sentido
de coadunar outros conceitos.
Assim, neste texto, optamos por apresentar elementos frutos da análise teórica
realizada entre os anos de 2016 e 2019 quanto a essas questões, utilizando, para tanto,
artigos, dissertações e teses buscados no portal de periódicos da Capes e através da
ferramenta de busca disponibilizada no Mendeley, um software gratuito que auxilia a
gerenciar, compartilhar e editar artigos científicos, configurando-se como uma espécie de
“rede social” de pesquisa acadêmica para gerenciar artigos online.
Sob essa perspectiva, em virtude de a linguagem somente ser produzida ou
interpretada em um dado contexto social, pareceria um tanto inapropriado utilizar unicamente
métodos positivistas objetivos em um estudo da linguagem, considerando também a linha
da ACD (Análise Crítica do Discurso).
Assim, consideramos a realidade como sendo socialmente construída e o pesquisador
com o papel de explicitar essa realidade ao longo do processo de investigação de seu
objeto de estudo. Para tanto, esta é uma abordagem pertinente, pois não exige checagem
de hipóteses pré-estabelecidas, e sim, uma recursividade entre teoria e dados, ou seja, um
deslocamento constante entre o empírico para a abstração teórica, como apontam Kurtz
(2004) e Moraes e Galiazzi (2006), dentre outros.
Nesses termos, a metodologia adotada, seguindo também o procedimento adotado
em Kurtz (2015) e Silva (2020), coaduna-se ao que, pesquisadores em Linguística Aplicada
e áreas como Antropologia, Etnografia da Comunicação, dentre outras, concebem como
pesquisa descritiva e interpretativista, sendo esta a abordagem empregada nesta pesquisa.
Assim, considerando as articulações da pesquisa entre os campos da Educação,
Linguística Aplicada e até mesmo Ciência Computação, considerado os perfis formativos e
de atuação dos pesquisadores autores, a metodologia da pesquisa é coerente também a
essa dimensão interdisciplinar.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 12 82


2 | PENSAMENTO COMPUTACIONAL E FERRAMENTAS COGNITIVAS:
ARTICULAÇÕES NECESSÁRIAS NA FORMAÇÃO DOCENTE
A partir da pesquisa realizada por Kurtz (2015), passamos a verificar relações
fundamentais entre conceitos até então timidamente presentes na literatura nacional
quanto ao papel das tecnologias na educação e na formação de professores em específico.
Assim, com base no que Shulman afirma sobre a importância do conhecimento pedagógico
e de conteúdo ao professor, constatamos que os criadores do TPACK (Mishra e Koehler,
2006) vinculam o conhecimento tecnológico como uma terceira dimensão necessária
ao professor. Lang e González (2014) também discutem essa questão, e observam os
princípios básicos dessa proposta, especialmente quanto ao conteúdo a ser trabalhado
não ser definido pelas TIC e sim o conteúdo associado a um conhecimento pedagógico
que deve ser parâmetro para a escolha de uma determinada tecnologia a ser trabalhada.
Sem dúvida, tais discussõs precisam ser pauta de currículos de licenciatura
e, consequentemente, da educação básica. As TDIC não podem permanecer sendo
subutilizadas na escola e mesmo nos cursos de licenciatura, simplesmente pelo receio
ou desconhecimento por parte dos professores. Os computadores chegam às casas
e às instituições providos de programas e aplicativos que se configuram exemplos de
ferramentas cognitivas, como observa Jonassen, fazendo com que possam ser utilizadas
transversalmente nos currículos, e não em uma ou outra disciplina, tornando-se, ainda, um
elemento que dispensa grandes investimentos financeiros.
Em um trabalho que popularizou o conceito de Pensamento Computacional (PC),
Wing (2006) defende que todas as pessoas (crianças, jovens e adultos), em seus processos
formativos educacionais, devem considerar/desenvolver o pensamento computacional com
o objetivo de constituir conhecimentos e capacidades “próprias”/inerentes aos profissionais
de Ciência da Computação. Sugere que recursos cognitivos presentes no pensamento
computacional são caracterizados pela transdisciplinaridade e pela universalidade e,
portanto, podem ser úteis a todos.
Desde então, a comunidade científica e, principalmente, no campo educacional
internacional, vem direcionado esforços para investigar a natureza deste tipo de pensamento
e verificar caminhos para sua inserção nos currículos escolares e nos processos formativos
de professores (Silva et al, 2017).
De forma mais específica, Wing (2006) definiu que o pensamento computacional
consiste em uma abordagem direcionada à resolução de problemas que explora conceitos
da computação. Nesse contexto, considera um conjunto de processos mentais (ferramentas
mentais) utilizados por profissionais da computação quando operam com vistas a solucionar
problemas através de técnicas, ferramentas, práticas e conceitos de computação.
A partir de contribuições de outros pesquisadores, Wing (2014) acrescentou em sua
definição de PC a concepção de que o processo de pensamento envolve a formulação de

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 12 83


problemas e expressão de suas soluções de tal forma que seres humanos ou máquinas
podem efetivamente realizá-las. Além disso, a autora evidencia algo bastante interessante,
especialmente aos sujeitos não envolvidos diretamente com a área de computação, ao
afirmar que as pessoas podem desenvolver o pensamento computacional sem máquinas,
como apontam também Silva et al (2017).
Assim, ao divulgar o conceito, esta autora busca beneficiar não apenas profissionais
de computação, mas popularizá-lo, especialmente entre estudantes da educação básica,
no sentido de evidenciar aquilo que Jonassen (2000) já enfatizava, ao reconhecer
a necessidade de o computador ser considerado uma ferramenta cognitiva, isto é, um
instrumento que potencializa sua capacidade cognitiva, o que, por sua vez, aproxima-se,
como tentamos explicitar na pesquisa em andamento, do próprio modelo TPACK. Esse
entrelaçamento conceitual é, a nosso ver, fundamental ao processo pedagógico e precisa
fazer parte do debate em licenciaturas e na educação básica.
Reiteramos que a atomização de disciplinas ou áreas na formação inicial de
professores seria um elemento a ser questionado, sob esse ponto de vista, pois dificulta
a transversalidade necessária para se aprofundar a discussão e reflexão envolvendo o
ensino com tecnologias. O ponto de partida de tal discussão deve ser o prisma sociológico
e psicológico quanto ao uso das TDIC no contexto vigente. O movimento feito por várias
instituições, de restringir a discussão a uma disciplina ou o fato dessas tecnologias serem
apenas o instrumento ou metodologia de trabalho faz com que o futuro professor seja um
“utilizador acrítico” das TDIC, induzindo, provavelmente, seus futuros alunos a pensarem
da mesma forma.
Como Silva (2020) observa, é fundamental integramos cada vez mais saberes de
diferentes áreas, incluindo Ciência da Computação, nos currículos escolares. Quando o
PC fizer parte da formação dos sujeitos desde a educação básica, teremos ingressantes
nos cursos de graduação (não apenas em Computação, foco do estudo do autor) com mais
maturidade para realizarem pensamentos de ordem conceitual e abstrata.
Isso se alinha, ainda, ao aprofundamento conceitual, epistemológico e metodológicos
de questões recentes ligadas a este campo na formação de professores em todas as áreas.
Conceitos como o de metacognição, associados ao processo de desenvolvimento e de
aprendizagem humanos, certamente devem fazer parte desses currículos formativos, pois
situariam o papel das TDIC muito distante da concepção tecnicista em que muitas vezes
se encontram.
Como destaca Maldaner (2006), sobre uma perspectiva diferenciada com a noção de
perfil conceitual, em que não é necessária a mudança conceitual para indicar aprendizagem
no processo, a análise da mudança de perfil conceitual

Seria indicativa da aprendizagem dos alunos, podendo estes apresentar um


perfil com aumento da zona racional e diminuição de outras zonas como a
realista ou empírica, mantendo todas as ideias anteriores e que fazem sentido
na vivência diária. (Maldaner, 2006, p. 146)

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 12 84


Assim, o reconhecimento de saberes e experiências e a tomada de consciência por
parte do professor sobre o tipo de ensino que desenvolve e suas possíveis consequências
na formação dos estudantes são aspectos que favorecem a sua participação em propostas
de mudanças curriculares (Silva, 2020).

3 | CONSIDERAÇÕES E ENTRELAÇAMENTOS TEÓRICO-PRÁTICOS


Por conceber a relação entre escola, currículo e sociedade, em que a escola acaba
organizando seu currículo e, por consequência, a questão da presença das TDIC, não
apenas por questões intrínsecas à própria escola, mas possivelmente ainda em função
de imposições político-econômicas, que visam profissionais com novas competências e
habilidades, a formação inicial diferenciada de profissionais de ensino é vital em meio a
esse contexto.
Para tanto, explicitar esse processo em dados advindos de pesquisas é crucial.
Assumir o processo de inclusão digital, perpassando por conceitos como letramento
digital, hipertextualidade, e mesmo questões ligadas a como os sujeitos aprendem e se
desenvolvem é necessário a todas as áreas de formação docente e não pode ser atribuída
apenas às orientações legais, mas precisa ser fruto de estudo, investigação e reflexão em
ação por parte dos sujeitos envolvidos.
Assim, a formação de professores de linguagens – especificamente dado o objeto
crucial em questão - em meio a um contexto de tecnologias pervasivas e de educação
disruptiva associada às chamadas metodologias ativas, por exemplo, precisa incorporar
pautas que situem os futuros professores efetivamente – e discursivamente – no centro do
que vem sendo debatido e realizado no campo educacional ao redor do mundo.
Como já destacado em Kurtz (2015), a significação e a criação de novos sentidos
aos conhecimentos e experiências generalizadas e de fácil acesso aos estudantes, como
aqueles propiciados pelas redes sociais e demais instâncias da “vida digital” a que esses
sujeitos têm acesso, são realizadas a partir dos conhecimentos históricos, construídos ao
longo do tempo pelos indivíduos, seguindo os pressupostos de Vigotski, como Maldaner
(2014) observa.
A partir do momento em que esses conhecimentos históricos, clássicos e tradicionais
passarem a fazer sentido ao aluno, a aprendizagem será, finalmente, elevada a outro
patamar de abstração que, em termos vigotskianos, significa a possibilidade de consciência
do significado que os instrumentos culturais e o próprio acesso à cultura possuem.
Isso faz distinguir o que é secundário do que é principal: o uso instrumental é
secundário. O essencial é a consciência da potencialidade de reconstrução cultural na
solução de problemas humanos. E isso só é possível se o significado do que é facilmente
encontrado, cotidiana e rapidamente, como sinaliza o contexto permeado pelas TDIC,
for aprofundado e situado em outros contextos que não unicamente os rotineiramente
concebidos pelos estudantes.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 12 85


Esse aspecto demanda um refinamento, uma especialização teórica gigantesca por
parte do professor. E é, certamente, no curso de formação inicial que deve ser desenvolvido,
de modo fundamentado no esforço teórico e no uso qualificado, com significação das TDIC.
Caso contrário, a postura permanece a de considerar as tecnologias sob a perspectiva
instrumental, a realidade social como algo exterior aos muros escolares, ou a de “seguir a
moda”, sem nada acrescentar à educação.

REFERÊNCIAS
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Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 12 87


CAPÍTULO 13
doi
PRECISA ESCREVER QUANTOS PARÁGRAFOS?
UMA ANÁLISE DE RELATOS AUTOBIOGRÁFICOS
NA UNIVERSIDADE

Data de aceite: 01/10/2020 análise indicou que a maioria dos estudantes


Data de submissão: 02/07/2020 optou por redigir relatos autobiográficos de 3
parágrafos. Essa preferência parece remeter a
um conceito cristalizado de que todo texto deve
ter uma introdução, um desenvolvimento e uma
Erica Reviglio Iliovitz
conclusão, materializados em um parágrafo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
cada. A partir dessa análise, podem ser propostas
(UFRN)
Natal – RN novas possibilidades de ensino da organização
http://lattes.cnpq.br/5645073797789474 das ideias em parágrafos considerando
características específicas de determinados
gêneros textuais e sequências textuais.
PALAVRAS-CHAVE: Produção textual, gêneros
RESUMO: Este trabalho visa relacionar textuais, sequências textuais, parágrafo, ensino.
a quantidade de parágrafos redigidos
pelos estudantes na produção escrita de
HOW MANY PARAGRAPHS DO I HAVE
um determinado gênero textual (o relato
TO WRITE?
autobiográfico) com o planejamento textual como
um todo. A fundamentação teórica envolveu a AN ANALYSIS OF AUTOBIOGRAPHIC
concepção de texto conforme Goldstein, Louzada REPORTS AT UNIVERSITY
e Ivamoto (2009), a proposta de produção
ABSTRACT: This paper aims to relate the
dialógica do texto escrito (Sautchuk, 2003), o
quantity of paragraphs wirtten by students
conceito de gênero textual (Marcuschi, 2010),
during writing production of a certain textual
a definição de sequência narrativa (Cavalcante,
gender (autobiographical report) to the textual
2011), de tópico discursivo (Koch e Elias, 2010)
organization as a whole. Theoretical basis
e de parágrafo (Serafini, 2000). A metodologia
involved text concept according to Goldstein,
para obtenção dos dados consistiu em solicitar
Louzada e Ivamoto (2009), the proposal of a
aos estudantes universitários ingressantes
dialogical production of written text (Sautchuk,
a elaboração de um relato autobiográfico a
2003), textual gender concept (Marcuschi, 2010),
respeito da experiência deles com a leitura e
definition of narrative sequence (Cavalcante,
a escrita a partir de um roteiro composto por
2011), discursive topic (Koch e Elias, 2010) and
5 questões. O corpus foi constituído por 111
paragraph (Serafini, 2000). Metodology for data
relatos autobiográficos elaborados entre os anos
obtention consisted in asking university students
de 2011 e 2015 por estudantes de 9 cursos de
to elaborate an autobiographical report referring
graduação da UFRN (Artes Visuais, Ciências
to their experience with reading and writing
Sociais, Publicidade, Jornalismo, Filosofia,
considering a script composed by 5 questions.
Física, Matemática, Música e Pedagogia). A
Corpus was constituted by 111 autobiographical

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 13 88


reports elaborated during the years of 2011 and 2015 by students of 9 graduation coursers at
UFRN (Visual Arts, Social Sciences, Publicity, Journalism, Philosophy, Physics, Mathematics,
Music and Education). Analysis indicated that most of students chose to write autobiographical
reports consisted of 3 paragraphs. This preference seems to indicate a crystalized concept
that says that every text must have an introduction, a development part and a conclusion,
materialized in a paragraph each. Considering this analysis, new possibilities of teaching
regarding organization of ideas into paragraphs can be proposed considering specific
characteristics of certain textual genders and textual sequences.
KEYWORDS: Textual writting, textual genders, textual sequences, paragraph; teaching.

1 | INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta uma análise da produção textual escrita de relatos
autobiográficos redigidos por estudantes de diferentes cursos do ensino superior. O objetivo
é analisar o planejamento textual, isto é, a maneira pela qual ideias sobre o tema proposto
(experiências e hábitos de leitura e de escrita) foram selecionadas, organizadas e redigidas
em parágrafos a partir de uma determinada proposta de produção textual de um gênero
textual específico: o relato autobiográfico.

2 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Como docente do ensino superior em disciplinas da área de leitura e produção
de textos, me deparo com algumas escritas que podem ser consideradas, no mínimo,
intrigantes. Tais escritas contribuíram para despertar os seguintes questionamentos: como
esses textos foram produzidos? Houve um planejamento prévio na produção desses
textos? Se houve, como foi feito esse planejamento?
O fato é que a análise do planejamento textual de uma produção escrita envolve,
primeiramente, uma série de conceitos referentes a texto, gênero textual, escrita, coerência,
coesão, parágrafo e tópico discursivo. Assim, considerando os objetivos da análise aqui
proposta, é fundamental delimitar o conceito de texto: “texto é [...] toda produção linguística,
oral ou escrita, que apresenta sentido completo e unidade” (GOLDSTEIN, LOUZADA
E IVAMOTO 2009, p. 11). Além disso, admitimos que todo texto se materializa em um
determinado gênero textual1, seja uma conversação oral ou um bilhete escrito.
Mas a pergunta persiste: como ocorre o planejamento textual de uma produção
escrita? Para Sautchuk (2003), o texto escrito é organizado em dois níveis, que
correspondem à macroestrutura e à microestrutura.
Tanto o aspecto macroestrutural quanto o aspecto microestrutural de um texto escrito
estão diretamente relacionados com o planejamento desse texto, inclusive na quantidade
e no conteúdo dos parágrafos. O parágrafo, para Serafini (2000, p.55), pode ser definido
como

1. “[...] gênero textual [...] (é) uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos
em nossa vida diária e que apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades fun-
cionais, estilo e composição característica” (MARCUSCHI 2010, p.23).

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 13 89


[...] uma quantidade de texto delimitada por um ponto final; o texto continua
a se desenvolver na outra linha, afastado da margem. Ele pode conter vários
períodos separados por pontos e por vírgulas. O que importa é garantir que a
cada parágrafo corresponda uma única ideia de roteiro.

Portanto, o parágrafo é um elemento constitutivo do texto escrito. Esse elemento


apresenta, fundamentalmente, tanto aspectos macroestruturais (relacionados ao tema/
tópico discursivo e à coerência) quanto aspectos microestruturais (relacionados à coesão).
Considerando a produção de um relato autobiográfico escrito, destacamos que se
trata de um gênero textual que apresenta uma sequência textual2 predominantemente
narrativa. Segundo Cavalcante (2011, p.65), “a sequência narrativa tem como principal
objetivo manter a atenção do leitor/ouvinte em relação ao que se conta”. Essa sequência
é composta por uma série de parágrafos narrativos. De acordo com Goldstein, Louzada &
Ivamoto (2009, p.37), “[...] o parágrafo narrativo relata um acontecimento ou uma sucessão
de fatos em sequência”.
Diante do exposto, após a solicitação da produção escrita de relatos autobiográficos,
algumas questões específicas foram as seguintes: quantos parágrafos os estudantes
decidem usar na produção escrita do relato? Que tópicos discursivos eles abordam em
cada parágrafo? Esses são alguns objetos de investigação dessa pesquisa.

3 | METODOLOGIA
Nas aulas de disciplinas referentes à prática de leitura e produção de textos em
diferentes cursos do ensino superior da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no
campus de Natal – RN, solicitamos aos estudantes uma primeira atividade de produção
textual: a elaboração de um relato autobiográfico a respeito da experiência deles com a
leitura e a escrita.
Na análise dos relatos, foram investigadas as seguintes questões:

• Como foi realizado o planejamento textual dos relatos a partir da solicitação


feita no enunciado? Ou, dito de outra forma, como as ideias referentes aos
tópicos discursivos sobre leitura e escrita foram organizadas e desenvolvidas
em parágrafos?

• Qual a relação entre o planejamento textual e quantidade de parágrafos dos


relatos?
O corpus é constituído por 111 (cento e onze) relatos autobiográficos elaborados
entre os anos de 2011 e 2015 por estudantes de 9 (nove) cursos de graduação da UFRN:
Artes Visuais, Ciências Sociais, Comunicação Social (Publicidade e Jornalismo), Filosofia,
Física, Matemática, Música e Pedagogia.

2. “Todo texto é constituído de sequências. [...] as sequências textuais são unidades estruturais, relativamente autô-
nomas [...] se definem como uma ‘rede relacional hierárquica’ [...] dotada de uma organização interna formada de um
conjunto de macroproposições [...] que, por sua vez, se constituem de proposições” (CAVALCANTE 2011, p. 61-63).

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 13 90


4 | DADOS E ANÁLISE
Os relatos foram classificados de acordo com o número de parágrafos que eles
apresentavam (de um a cinco). Alguns relatos, porém, apresentaram uma estrutura
composicional3 constituída somente por enumeração4 ou por enumeração seguida de dois
parágrafos. A estrutura composicional preferida pelos estudantes que redigiram os relatos
foi constituída de 3 parágrafos (34,23%)5.
Mas qual foi o tópico discursivo de cada parágrafo nos relatos de 3 parágrafos?
Como foram organizados os cinco tópicos referentes à experiência de leitura; experiência
de escrita; hábito de leitura; hábito de escrita e o desejo de aprimoramento?
Considerando o comando dado para a realização dos relatos – discorrer a respeito
das experiências e dos hábitos de leitura e de escrita -- e a expectativa de que os estudantes
seguissem esse comando, nossa hipótese inicial é a de que o planejamento textual dos
textos poderia ser organizado de duas formas: a partir de um eixo temático e a partir de um
eixo temporal.
O eixo temático seria referente aos tópicos discursivos de leitura e escrita (tanto
a experiência quanto o hábito). O eixo temporal, por sua vez, seria referente ao passado
(experiências passadas de leitura e experiência de escrita) e ao presente (hábitos atuais
de leitura e de escrita).
De modo mais específico, considerando uma orientação (comum e muito difundida
no ensino de produção de textos) referente à organização escrita, que deve conter uma
introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, nossa hipótese inicial era que os relatos
de 3 parágrafos seriam organizados a partir de um planejamento textual correspondente ao
eixo temático, ou seja: uma introdução referente à leitura (tanto às experiências quantos aos
hábitos); um desenvolvimento referente à escrita (experiências e hábitos); e uma conclusão
(correspondente à última questão do enunciado: o que o estudante gostaria de aprimorar).
Após a análise dos 38 relatos de 3 parágrafos, identificamos um interessante
planejamento do tópico discursivo de cada parágrafo. Esse planejamento foi organizado
em dois grandes eixos.
O primeiro grande eixo foi denominado de eixo temporal, pois é baseado no passado
(correspondente à experiência de leitura e escrita) e ao presente (correspondente ao
hábito de leitura e escrita). Esse eixo é subdividido em 2 categorias (passado/experiência
e presente/hábito), que, por sua vez, se dividem em 3 subcategorias cada. A categoria
do passado engloba a) experiência de leitura; b) experiência de escrita; c) experiência de
leitura e escrita. Já a categoria do presente envolve a) hábito de leitura; b) hábito de escrita;
e c) hábito de leitura e escrita.
3. Estrutura composicional ou plano composicional envolve “a forma de organização, a distribuição das informações” no
texto (KOCH e ELIAS 2011, p.109).
4. Enumeração corresponde a responder as cinco questões da proposta de produção textual colocando algarismos
romanos de 1 a 5 antes de cada resposta.
5. Relatos de 4 parágrafos foram escritos por 25,22% dos estudantes; 5 parágrafos, por 13,51%;2 parágrafos, por
11,74%; um único parágrafo, por 9%; enumeração, por 3,60%; e enumeração seguida de 2 parágrafos, por 2,70%.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 13 91


O segundo grande eixo foi denominado de temático e foi dividido em 2 categorias,
uma referente à leitura e outra, à escrita. Cada uma dessas categorias foi dividida em duas
subcategorias: a) experiência e hábito de leitura; b) experiência e hábito de escrita.
Constatamos que o planejamento textual preferido nos relatos de 3 parágrafos foi
baseado no eixo temporal. O tópico discursivo mais abordado no primeiro parágrafo por
42,10% (16 de 38) dos relatos de 3 parágrafos foi referente à experiência com leitura e
escrita; no segundo parágrafo, 14 relatos de 38 (36,84%) discorreram sobre hábitos de
leitura e escrita e 29 de 38 relatos (76,31%) concluíram com o desejo de aprimoramento
no terceiro parágrafo.
Esses resultados refutam a hipótese inicialmente formulada de que os estudantes
que optassem por redigir os relatos com 3 parágrafos organizariam o texto a partir do eixo
temático da leitura e da escrita. Na verdade, vimos que a opção feita foi organizar o relato
a partir do eixo temporal. Talvez eles tenham optado por esse eixo pela própria natureza do
gênero textual relato, que envolve a exposição de fatos ao longo do tempo.
Vejamos um exemplo de relato autobiográfico de 3 parágrafos redigido por um
estudante da turma de Matemática no primeiro semestre do ano de 2012:
Minha experiência com leitura não é muito boa, não gosto de ler, mas sei que é muito
importante para essa etapa que estou vivendo agora. Já a minha experiência com a escrita
é uma das melhores, pois sempre recebi elogios dos meus professores por ter a melhor
nota de redação da turma. Interpreto bem o meu texto e tenho uma boa argumentação.
Referente à leitura, gosto de notícias, informações, coisas legais de se ler. Na
escrita, o meu costume são redações, fiz muitas.
Portanto tenho muita vontade de melhorar minhas experiências nesses assuntos,
pois aprender nunca é demais e vai me ajudar no meu futuro e no meu dia-a-dia.
Esse relato apresenta as experiências (passadas) de leitura e escrita no primeiro
parágrafo, os hábitos (atuais) de leitura e escrita no segundo e o desejo de aprimoramento
no terceiro e último parágrafo. A seguir, faremos algumas considerações finais.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatamos que o planejamento textual preferencial dos estudantes foi organizar
os relatos autobiográficos em 3 parágrafos priorizando o eixo temporal ao longo do relato.
Esse resultado parece sinalizar as seguintes interpretações:

a. Realizar um planejamento textual em 3 parágrafos parece remeter a um concei-


to cristalizado de que todo texto deve ter uma introdução, um desenvolvimento
e uma conclusão – que, no caso, foram materializados em um parágrafo para
cada. Entretanto, convém destacar que, embora o fato de que todo texto efeti-
vamente deva apresentar introdução, desenvolvimento e conclusão possa ser
recorrente, isso não deveria significar que todo texto deva ser obrigatoriamente
estruturado em 3 parágrafos.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 13 92


b. A organização do texto escrito a partir do eixo temporal pode ser sido motivada
pela natureza do gênero textual solicitado – no caso, o relato autobiográfico,
que remete predominantemente a uma sequência textual narrativa e à constitui-
ção de parágrafos narrativos, que envolvem a sucessão de fatos no tempo. Se
fosse solicitada a produção textual de outro gênero textual (como, por exemplo,
um artigo de opinião referente à importância social da leitura e da escrita), tal-
vez o eixo temático fosse privilegiado.
A partir dessa análise, podem ser consideradas novas possibilidades de
planejamento textual a partir de características específicas de determinados gêneros e
sequências textuais. Explicando melhor, na produção escrita de gêneros textuais nos
quais houver predominância da sequência narrativa, por exemplo, talvez seja aconselhável
orientar a elaboração textual a partir do eixo temporal; no caso da produção escrita de
gêneros textuais nos quais a sequência argumentativa6 for predominante, talvez seja mais
adequado orientar a escrita a partir do eixo temático de modo a organizar argumentos
favoráveis e contrários a um determinado tema.

REFERÊNCIAS
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GOLDSTEIN, N. S., LOUZADA, M. S. e IVAMOTO, R. O texto sem mistério: leitura e escrita na


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MARCUSCHI, L.A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. IN: DIONISIO, A.P., MACHADO, A.R.,
BEZERRA, M.A. Gêneros textuais e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

SAUTCHUK, I. A produção dialógica do texto escrito: um diálogo entre escritor e leitor interno. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.

SERAFINI, M. T. Como escrever textos. Rio de Janeiro: Globo, 2000.

6. “[...] uma sequência argumentativa visa defender um ponto de vista, uma tese, e os argumentos para sustentá-la vão
sendo gradativamente apresentados” (CAVALCANTE 2012, p. 67).

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 13 93


CAPÍTULO 14
doi
OFICINAS PEDAGÓGICAS: REDIMENSIONANDO
PRÁTICAS À LUZ DA EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA

Data de aceite: 01/10/2020 PALAVRAS-CHAVE: Aprendizado, Metodologia


Data de submissão: 02/07/2020 Ativa, Recurso Pedagógico.

Allan de Andrade Linhares PEDAGOGICAL WORKSHOPS: RESIZING


Universidade Federal do Piauí – UFPI PRACTICES UNDER THE LIGHT OF
Floriano – PI LINGUISTIC EDUCATION
http://lattes.cnpq.br/1369819842715099
ABSTRACT: After concluding this study, it is
possible to respond to this questioning: How can
pedagogical workshops contribute to the training
RESUMO: Cumpre-nos, com este estudo, of Portuguese language teachers? To do so, we
responder ao questionamento: Como as oficinas will analyze the posture of three teachers during
pedagógicas podem contribuir com a formação de the proposition of one workshop that analyzed
professores de Língua Portuguesa? Para tanto, the strategies used by the media institution in
analisaremos as posturas de três professoras the process of reality construction. We know that
durante a proposição de uma oficina que teve the training process of teachers does not permit
como objeto analisar as estratégias usadas pela them from becoming polyglot teacher-learners
instituição midiática no processo de construção in their own language (BECHARA, 2003). Thus,
da realidade. O gênero capa de revista foi we understand that the pedagogical workshops
o escolhido para essa atividade. Sabemos (CANDAU, 1995), modality of active methodology
que o processo formativo dos professores os (PALMA, 2016) is a pedagogical resource
impede de tornarem os aprendentes-ensinantes that favors the teacher’s work in mediation of
poliglotas na própria língua (BECHARA, 2003). contents, is an opportunity to experience concrete
Assim, entendemos que as oficinas pedagógicas and significant situations, based on the triad:
(CANDAU, 1995), modalidade de metodologia feel-think-act, with pedagogic objectives. At the
ativa (PALMA, 2016) é recurso pedagógico que end of the workshop, which involved exchanges
favorece o trabalho do professor na mediação of experiences and theoretical studies, it was
dos conteúdos, é uma oportunidade de vivenciar possible to perceive in the discourses produced
situações concretas e significativas, baseada by the teacher-learners the theoretical-
no tripé: sentir-pensar-agir, com objetivos methodological collaboration brought by the
pedagógicos. Ao final da oficina realizada, que pedagogical resource.
envolvia troca de experiências e estudos teóricos, KEYWORDS: Pedagogical Workshops,
os quais foram previamente disponibilizados, foi
Pedagogical Resource, Teacher Training.
possível perceber, nos discursos produzidos
pelos ensinantes-aprendentes, a colaboração
teórico-metodológica trazida pelo recurso
pedagógico.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 94


1 | INTRODUÇÃO

1.1 As oficinas pedagóginas


As oficinas pedagógicas são modalidades de metodologia ativa e recurso pedagógico
que favorece o trabalho do professor na mediação dos conteúdos.
De acordo com Palma (2016, p.63), fundamentada a partir dos estudos de Vera
Candau (DHnet), a oficina é

uma atividade pedagógica na qual se aprendem novos conceitos ou novos


procedimentos metodológicos pelo fazer. Nela, a construção do conhecimento
ocorre em um processo dialógico entre os estudantes (toma-se aqui o termo
em sentido lato) e o professor, que assume a posição de mediador /orientador
no processo de ensino e de aprendizagem, possibilitando a relação entre
teoria e prática.

A oficina constitui, portanto, um espaço de construção coletiva do conhecimento, de


análise da realidade, de um confronto e troca de experiências. A atividade, a participação, a
socialização da palavra, a vivência de situações concretas através de sociodramas, análise
de acontecimentos, a leitura e a discussão de textos, o trabalho com distintas expressões
da cultura popular, são elementos fundamentais na dinâmica das oficinas pedagógicas
(CANDAU, 1995).
Oficina é uma forma de construir conhecimento, com ênfase na ação, sem perder de
vista, porém, a base teórica. Cuberes apud Vieira e Volquind (2002, p. 11), conceitua-a como
sendo “um tempo e um espaço para aprendizagem; um processo ativo de transformação
recíproca entre sujeito e objeto; um caminho com alternativas, com equilibrações que nos
aproximam progressivamente do objeto a conhecer”.
Uma oficina é, pois, uma oportunidade de vivenciar situações concretas e
significativas, baseada no tripé: sentir-pensar-agir, com objetivos pedagógicos. Nesse
sentido, a metodologia da oficina muda o foco tradicional da aprendizagem (cognição),
passando a incorporar a ação e a reflexão. Em outras palavras, numa oficina ocorrem
apropriação, construção e produção de conhecimentos teóricos e práticos, de forma ativa
e reflexiva, o que confere a ela a natureza de metodologia ativa.
Nas palavras de Paviani e Fontana (2009), a oficina pedagógica atende, basicamente,
a duas finalidades: (a) articulação de conceitos, pressupostos e noções com ações
concretas, vivenciadas pelo participante ou Aprendente Ensinante (ApEn); e b) vivência
e execução de tarefas em equipe, isto é, apropriação ou construção coletiva de saberes.
O Ensinate Aprendente (EnAp) ou coordenador da oficina não ensina o que sabe, mas
vai oportunizar o que os participantes necessitam saber, sendo, portanto, uma abordagem
centrada no ApEn e na aprendizagem e não no EnAp. Desse modo, a construção de
saberes e as ações relacionadas decorrem, principalmente, do conhecimento prévio, das
habilidades, dos interesses, das necessidades, dos valores e julgamentos dos participantes.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 95


A oficina, como qualquer ação pedagógica, pressupõe planejamento, mas é na
execução que ela assume características diferenciadas das abordagens centradas no
EnAP e no conhecimento racional apenas. O planejamento prévio caracteriza-se por ser
flexível, ajustando-se às situações-problema apresentadas pelos participantes, a partir de
seus contextos reais de trabalho (PAVIANI; FONTANA, 2009).
A partir de uma negociação que perpassa todos os encontros previstos para a oficina,
são propostas tarefas para a resolução de problemas ou dificuldades existentes, incluindo
o planejamento de projetos de trabalho, a produção de materiais didáticos, a execução
de materiais em sala de aula e a apresentação do produto final dos projetos, seguida
de reflexão crítica e avaliação. As técnicas e os procedimentos são bastante variados,
incluindo trabalhos em duplas e em grupo para promover a interação entre os participantes,
sempre com foco em atividades práticas.
Concordo com Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) quando dizem que as
oficinas contemplam três momentos.
No primeiro momento ou problematização inicial, são apresentadas aos ApEn
situações reais, para que eles sejam desafiados a expor suas posições ou concepções
prévias sobre o tema. Segundo os autores, “o ponto culminante dessa problematização é
fazer que o aluno sinta a necessidade da aquisição de outros conhecimentos que ainda não
detém, ou seja, procura-se configurar a situação em discussão como um problema que
precisa ser enfrentado” (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002, p. 200).
O objetivo dessa primeira etapa é problematizar conhecimentos prévios acerca do
tema proposto, bem como compreender o que os ApEn percebem diante das questões que
estão sendo colocadas em pauta.
O segundo momento ou organização do conhecimento caracteriza-se pelo
desenvolvimento de atividades que auxiliem o ApEn a compreender e partilhar os
conhecimentos sistematizados pela Ciência, permitindo a ele, construir uma resposta mais
aprofundada para a questão proposta inicialmente. Aqui, “as mais variadas atividades são
então empregadas, de modo que o professor possa desenvolver a conceituação identificada
como fundamental para uma compreensão científica das situações problematizadas”
(DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002, p. 201).
Nesse momento podem ser desenvolvidas atividades que utilizem recursos como
vídeos, sites de internet, livros, reportagens, entre outros.
Finalmente, o terceiro momento ou aplicação do conhecimento. De acordo com
Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002, p. 202),

destina-se, sobretudo, a abordar sistematicamente o conhecimento que vem


sendo incorporado pelo aluno, para analisar e interpretar tanto situações
iniciais que determinaram seu estudo como outras situações que, embora não
estejam diretamente ligadas ao motivo inicial, podem ser compreendidas pelo
mesmo conhecimento.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 96


É nesse momento que ocorre a retomada das questões iniciais e da proposição de
novos questionamentos ou novas situações-problema que possibilitem ao ApEn a utilização
dos novos conhecimentos desenvolvidos.
Portanto, as oficinas pedagógicas possibilitam um processo educativo composto de
sensibilização, compreensão, reflexão, análise, ação, avaliação. Esse trabalho concebe o
homem como ser capaz de assumir-se “[...] como sujeito de sua história e da História, como
agente de transformação de si e do mundo e como fonte de criação, liberdade e construção
dos projetos pessoais e sociais, numa dada sociedade, por uma prática crítica, criativa e
participativa” (GRACIANI, 1997, p.310).
Nos dizeres de Palma (2016, p. 69), “o que chama a atenção nesse procedimento
metodológico é o papel importante que têm as perguntas nas oficinas, o que nos leva a
refletir sobre a relevância delas no processo de ensino e de aprendizagem”. A autora chama
atenção dos EnAp na elaboração de perguntas, pois elas são decisivas no momento de
construir novos conhecimentos, além de envolver todos os participantes nesse momento
de interação. Essa característica das oficinas reforça seu caráter de metodologia ativa, pois
faz os envolvidos problematizarem e, consequentemente, protagonizar a construção de
saberes. O EnAp propõe situações didáticas para causar reflexão, embasado nas possíveis
problematizações que desencadeiam a postura ativa dos participantes. Ainda, segundo
a autora, o bom mediador não concede as respostas aos problemas e desafios que ele
propõe a seus estudantes, entretanto indica-lhes o possível percurso para resolvê-los e
superá-los, tornando-os, assim, sujeitos de sua aprendizagem, por meio do diálogo e do
esclarecimento de dúvidas.
Feitos esses esclarecimentos a respeito das oficinas pedagógicas, no presente
artigo, que consiste em um recorte do último capítulo de uma pesquisa de doutoramento,
cujo objetivo era propor, a partir dos pressupostos da Educação Linguística, reflexões sobre
encaminhamentos mais produtivos para o trabalho com alguns gêneros textuais durante
as oficinas pedagógicas. Para tanto, disponibilizei textos (aparato teórico), em uma etapa
anterior às oficinas formativas, a fim de servirem como apoio à reflexão sobre a prática.
Nas palavras de Passarelli (2006, p. 368), “[...] uma oficina pedagógica se destina ao
desenvolvimento de atividades práticas, de técnicas, de conteúdos específicos [...]. Mas,
se lidamos com o conhecimento e ele precisa do plano teórico, não podemos dispensar a
questão teórica”. Após o contato com os textos, os encontros interativos puderam acontecer
e foram realizados nos meses de setembro e outubro de 2016. Nos encontros, eu mediava
algumas discussões que objetivavam proporcionar reflexões sobre o uso e produção de
alguns gêneros. Dada a natureza dialógica dessa atividade, haja vista que montei um
pequeno grupo de discussão, meus encaminhamentos passaram por reconfigurações
diante das intervenções das EnAp. As oficinas, antes mesmo de colaborarem com as EnAp,
desencadearam uma forte reflexão sobre o meu fazer docente.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 97


Escolhi gêneros que exigiram dos leitores (aqui me incluo) a análise de pistas
linguísticas e não-linguísticas, além, obviamente, das discursivas. Acredito que esses
gêneros foram desafiadores porque xigem do leitor uma postura crítica que o faça questionar
determinadas escolhas que marcam tendências sociais, ideológicas, dentre outras. Além
disso, como no caso dos gêneros da mídia, o enunciador elege estratégias no processo
de construção de versões da realidade, o qual almeja manipular os enunciatários para a
produção de consenso. O EnAp precisa eleger a discussão dessas estratégias a fim de
proporcionar aos ApEn o uso de seus óculos sociais.
Pondero aqui que, ao usar a língua para produzir um texto, os sujeitos estão
produzindo um enunciado que se relaciona com enunciados já-ditos e com enunciados
prefigurados. Ler, em alguma medida, consiste em determinar como o texto está posicionado
nessa cadeia dialógica: indagar quem produziu o texto, para quem, a partir de quais pontos
de vista, com quais efeitos de sentido. Quando alguém produz um texto, está produzindo
uma prática social. Um jornalista da mídia dominante, por exemplo, não está apenas dando
resposta a outros enunciados, mas fazendo algo com o texto, como construir ou destruir
a imagem de alguém e, assim, garantir determinados interesses. Isso quer dizer que os
textos nunca são neutros, imparciais e objetivos (como afirma o discurso jornalístico
dominante). Eles sempre constroem versões da realidade, relações sociais e identidades e,
em certas instituições, muitas vezes contribuem para reproduzir relações sociais desiguais
e injustas.
Quando um jornal ou revista escolhe estampar a foto de um político rindo ou fazendo
cara feia, ele não está apresentando uma verdade absoluta, um acontecimento evidente
por si só, mas, a partir da escolha da foto, está imprimindo uma versão, construindo uma
leitura/posicionamento sobre esse acontecimento. O leitor precisa saber identificar esses
elementos (estratégias) para construir sentidos para o texto.
Discussões como essas são necessárias no contexto das salas de aula brasileiras,
sobretudo nas turmas de EJA, haja vista que são pessoas de um vasto repertório e que,
em virtude de atrasos escolares ou quaisquer outros fatores de ordem social, tornam-se
manipuláveis e repetidoras de discursos soberanos. A escola precisa dar voz a esses
sujeitos. Pensando nisso, minha postura diante da proposição dessas oficinas é, pelo
menos, promover algumas inquietações às EnAp desta pesquisa. Não objetivo elaborar
guias a serem seguidos, mas apenas mediar discussões que serão construídas nesse rico
momento de interlocução entre mim e as colaboradoras da pesquisa.

2 | METODOLOGIA
Em minha tese de doutoramento, foi realizada uma pesquisa narrativa, com
abordagem qualitativa, embasada em autores como Ferrarotti (1988), Clandinin e Connelly
(2011), Suárez (2008), Josso (2004, 2010), entre outros. Esses autores defendem que a

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 98


narrativa centrada nos percursos formativos possibilita potencializar o caráter formador
deste processo. Para a realização da pesquisa, colaboraram três ensinantes-aprendentes
de escolas de 4º ciclo de EJA do município de Parnaíba-PI. Para alcançar os objetivos
pretendidos na pesquisa, foram realizadas observações das aulas das participantes por
três meses. Posteriormente, procedemos à produção das narrativas orais a fim de prover
um desvelamento do oculto do discurso delas, como foi constituída a sua história de vida,
a de leitura e a de formação. Os dados produzidos a partir dessas duas primeiras etapas
da pesquisa foram analisados à luz do referencial teórico das experiências formadoras e
das narrativas, além do arcabouço da Educação Linguística. As narrativas revelaram que
há estreita relação entre os discursos produzidos para o ensino de leitura realizado e as
experiências advindas dos contextos familiares, de escolarização e de formação. A terceira
etapa da pesquisa consistiu na realização de três oficinas pedagógicas (CANDAU, 1995),
modalidade de metodologia ativa (PALMA, 2016; BERBEL, 2011), realizadas durante os
encontros interativos. Neste artigo, farei reflexão sobre a oficina realizada com o gênero
capa de revista.
Denominei os encontros de interativos, pois, no transcorrer dessas atividades, além
das mediações realizadas pelo pesquisador a fim de proporcionar reflexões às EnAp,
eu também abri espaço para ouvi-las quando discutiam comigo e entre elas (grupos de
discussão) sobre como aquelas atividades se aproximavam os se distanciavam daquilo
que faziam. Nesse momento, as leituras que serviram de base teórica foram fundamentais.
As duas oficinas foram realizadas nos meses de setembro e outubro de 2016. O
cronograma das oficinas foi entregue na primeira fase da pesquisa, mas, ainda assim, tive
que remarcá-las por várias vezes e, inclusive, reduzi-las, em virtude da indisponibilidade
das professoras. Os encontros aconteceram aos sábados, pois, durante a semana, elas
trabalhavam em três turnos. A duração das oficinas foi de duas horas, tempo que as EnAp
julgavam “mais que suficiente”. Embora elas tenham demonstrado resistência a princípio,
o engajamento no trabalho foi muito bom e a presença delas em todos os encontros
demonstrava a importância atribuída às atividades. Cada oficina foi agendada para
acontecer no prédio de uma escola diferente, o que julgo interessante para a aproximação
e socialização das professoras.
No decorrer das oficinas, percebi que tinham realizado a leitura dos textos, pois os
diálogos eram bem produtivos e já ecoavam discursos diferentes daqueles percebidos em
sala de aula. Assim, a atividade já trazia contribuições teóricas para o ensino realizado e
as discussões sobre como trabalhar os gêneros que selecionei trouxeram contribuições
teórico-metodológicas.
Esclareço que o que me guiou para a seleção dos textos e os encaminhamentos
que eu deveria propor para a nossa interlocução foram as lacunas percebidas nas aulas
observadas, bem como nos discursos que ecoaram das narrativas produzidas. Tudo isso
me serviu de sinalização para pensar nas situações didáticas organizadas e propostas.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 99


Embora eu tenha me planejado para isso, é importante lembrar que a natureza dessa
atividade era essencialmente dialógica, assim, a atividade foi se reconfigurando a cada
pergunta feita ou nas manifestações de silêncio, as quais me serviram de sinalizações.
Nesse momento, eu tive a oportunidade de, também, repensar no meu fazer pedagógico,
nas atividades que eu propunha naquele momento, mas, acima de tudo, se eu, de fato,
desenvolvia um ensino com base nos pressupostos de uma Pedagogia de Leitura nas
minhas salas de aula.
Ratifico que foi preocupação, nos nossos encontros, reflexões sobre os usos e
produção de alguns gêneros, como, por exemplo, a capa de revista, etc. Nesses momentos,
refletimos sobre traços da multimodalidade discursiva, além das características formais e
funcionais (pistas para construção da argumentação e estratégias linguístico-discursivas
para seduzir o enunciatário na tentativa da produção do consenso) desse gênero.
As oficinas foram gravadas em áudio, pois, no decorrer das análises das atividades,
era fundamental observar o posicionamento das ApEn diante das minhas proposições e a
forma como protagonizavam saberes e refletiam sobre as suas práticas advindas de um
processo formativo falho. Os novos lugares por elas ocupados foram manifestados nos
discursos produzidos.
Esclareço que a presente pesquisa foi submetida à Plataforma Brasil, haja vista que
é uma pesquisa que envolve seres humanos envolvidos em seus contextos de interação. O
parecer consubstanciado CEP é 1680953.

3 | OFICINA “O GÊNERO CAPA DE REVISTA E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO


DA REALIDADE”
Para a realização deste encontro interativo, foi solicitada às colaboradoras a
leitura dos textos Gêneros textuais e multimodalidade de Dionísio (2011) e A mídia
impressa e o ensino de leitura na EJA: novos olhares e perspectivas de análise de
Linhares e Vieira (2017). O objetivo desta oficina era analisar as estratégias usadas pela
instituição midiática no processo de construção da realidade, haja vista que os gêneros da
esfera jornalística selecionam estratégias linguístico-discursivas diversas no processo de
manipulação dos enunciatários para a produção de consenso. Essas estratégias precisam
ser eleitas pelos professores ao discutirem esses gêneros a fim de tornarem nossos alunos
menos manipuláveis e repetidores de realidades construídas. Minha pretensão era que as
EnAp conseguissem perceber essas estratégias a fim de rever suas práticas e possibilitar
aos seus ApEn um olhar mais crítico sobre os textos, sobremaneira, aqueles produzidos
pela mídia dado o alto poder de manipulação.
Para desenvolver a oficina, selecionei três capas do enunciador Veja que tematizavam
períodos de campanhas eleitorais. Essas capas foram selecionadas, sobretudo, a fim de
questionar a maneira como a instituição midiática construía imagens de perfis positivos
ou negativos de um pretenso representante do povo. Nessa construção, fica marcada por

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 100


meio das estratégias empregadas o desejo de eleger um determinado candidato a partir de
uma construção da realidade, detalhadamente, pensada a fim de gerar consenso.
As capas das revistas foram, individualmente, apresentadas em projeção. Eu
disponibilizava um momento para que as colaboradoras fizessem suas análises e,
posteriormente, iniciamos as discussões.
A primeira capa apresentada foi da edição 2161 de 21 de abril de 2010. A revista
Veja, inserida no contexto sócio-histórico e político brasileiro, às pré-campanhas eleitorais,
define, através de recursos linguísticos, imagéticos e elementos gráficos, posição
enunciativa em relação à candidatura de José Serra. Em outubro de 2010 os eleitores
elegeram seus candidatos aos cargos do poder legislativo (deputados estaduais, federais e
senadores) e do poder executivo (governadores e presidente da República).
Segundo Pinto (2002), é na superfície dos textos que podem ser encontradas as
pistas ou marcas deixadas pelos processos sociais de produção de sentidos que o analista
vai interpretar. Essas marcas, que podem ser linguísticas ou de outras semióticas, são
resultado das convenções de codificação exigidas pelo contexto social em que se dá o
evento comunicacional. Para esse autor, o papel do analista de discursos é interpretar
esses vestígios que permitem a contextualização do discurso em três níveis: contexto
situacional imediato, contexto institucional e o contexto sociocultural amplo.

Imagem (1)

Pesquisador: Analisando esta capa de revista, o que vocês destacariam?

EnAp W: O José Serra com carinha de bom moço, mas a gente bem sabe
que tem muita coisa por trás disso. Essa revista, assim como todas as outras
instituições da mídia, de acordo com as nossas leituras [referindo-se aos dois
textos concedidos pelo pesquisador para estudo], não faz nada de forma
inocente. Prova disso é essa mãozinha angelical aí ao lado do rosto.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 101


EnAp M: Eu também concordo que nada aí é por acaso, mas, se a gente não
tomar cuidado, cai como um patinho na conversa da mídia. Está tudo bem
pensadinho na capa para a gente comprar a ideia de que o cidadão é bonzinho.

EnAp V: Tem muito poder envolvido e, por isso, as estratégias vão sendo
montadas. Imagem e palavras unidas para chegar a um objetivo. Se o leitor não
for bem cuidadoso e explorar essas detalhes, pensando em quem construiu
isso, acaba sendo enganado e vota nele porque ele é esse anjo.

As EnAp foram enfáticas no entendimento de que, em se tratando de uma instituição


midiática, em um texto da esfera jornalística, não existe neutralidade. A partir das bases
de leituras oferecidas, puderam tecer comentários que tornaram claro o entendimento
de que a capa de revista, portanto, usa de poder para construir realidades, manipular os
enunciatários a que se destinam, apresentam versões da realidade. Acredito que ordena
e disciplina e, para tanto, constitui a realidade que ela mesma apresenta como sendo a
realidade feita de fatos. (BUCCI, 2003, p. 9). Os discursos são produzidos considerando
uma dada finalidade, um objetivo que sustenta as escolhas discursivas. As colaboradoras
mostraram ter consciência desse fato, pois se referiram à imagem de José Serra, associada
a todos os outros recursos, como uma forma de garantir uma imagem de anjo e conseguirem
a adesão dos leitores. As EnAp deixaram claro que não há inocência nas escolhas feitas
pela revista, logo demonstram entendimento de que a realidade é construída.
Após essa análise inicial, ponderei:

Pesquisador: Que estratégias utilizadas pela revista para construir


determinado (s) sentido (s) vocês sinalizariam?

ApEn W: Acredito que a forma como apresentaram a imagem foi um ponto


bem importante. O sorriso angelical do candidato e a mão no rosto constrói
ideia de uma pessoa boa, um político exemplar. O rosto dele também está em
evidência na capa. O paletó escuro e o fundo escuro deixaram o rosto dele
destacado. Acho que tido isso colabora para construir imagem positiva.

ApEn M: Até tinha anotado aqui esses pontos que a W disse, mas destaco,
também, o texto com as letras brancas que diz que ele se preparou a vida
inteira para ser presidente. Dá a entender que se ele se preparou a vida inteira,
por isso agora aparece com essa cara aí pronta, tranquila, olhar sábio. Essa
frase aí tava em destaque porque o fundo era preto. É um realce para o que a
revista quer passar para o leitor.

ApEn V: Concordo com todas as colocações das minhas colegas e, me


lembrando aqui dos recursos multimodais que Dionísio [autora de um dos
textos lidos] trata, acredito que a letra amarela escrita selecionada pela
revista possibilita entender Serra Pós-Lula. Priorizaram, eu imagino, avaliar
o candidato de forma boa. É preciso ver aí esse jogo de cores que eles
selecionaram.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 102


As colaboradoras fizeram levantamentos de aspectos bem positivos e válidos para a
construção da imagem positiva do candidato José Serra. Para as EnAp existe uma ligação
entre a imagem do candidato, em posição dominante, com o texto que em que ele dizia ter
passado a vida se preparando para ser presidente. A imagem dá visibilidade ao candidato
e reforça a imagem positiva dele, haja vista que aparece com um ar ameno, angelical,
pronto (passou por um processo e ficou pronto). Essas ideias defendidas pelas EnAp vão
ao encontro do que Vieira (2007, p.27) pontua:

Em essência, nenhuma imagem é natural ou semiótica em si mesma. Todas


são convencionais e resultam de construção cultural e social. Por essa razão,
em qualquer análise deve-se procurar identificar os valores e as regras de
organização desses sistemas de significados. Que elementos não-verbais se
relacionam com as imagens? Como as imagens se articulam? Que ideologias
são veiculadas por elas? Com relação ao texto, como ocorre a composição
com as imagens?

É preciso, portanto, considerar que todos os produtos da mídia aparecem


extremamente carregados de valores ideológicos. Assim, seria impossível fazer análise
dessa capa de revista sem percebê-la como um todo, ou seja, não se pode analisar as
imagens e elementos de outras semióticas e, posteriormente, analisar o texto verbal. Se
assim for feito, não é possível perceber os propósitos, discursivamente, marcados pelo
enunciador, as ideologias que se presentificam. É preciso, portanto, considerar que todos
os produtos da mídia aparecem extremamente carregados de valores ideológicos.
Kress, van Leeuwen (1996) orientam, que, em um trabalho de análise,

[...] Procuramos não ver a imagem como uma ilustração do texto verbal, e,
desse modo, deixamos não só de tratar o texto verbal como prioritário e mais
importante, como também de tratar o texto visual e verbal como elementos
totalmente discretos. Procuramos ser capazes de olhar para toda a página
como um texto integrado. (p. 177).

Os autores propõem, então, uma visão integradora entre diferentes modos de


linguagem. Assim, é impossível interpretar os textos com a atenção voltada apenas à
língua escrita ou oral, pois, para ser lido, um texto deve combinar vários modos semióticos.
No decorrer da matéria que originou os discursos da capa em análise, verifiquei, logo
nas duas primeiras páginas, Serra, na biblioteca de sua casa, sentado em uma poltrona
fazendo a leitura de um livro. Pode-se inferir que esse ambiente faz o leitor construir que
Serra, um homem de leitura e, portanto, de cultura, tem toda bagagem que o constituiu para
ser o presidente do Brasil. A capa da revista representa a estratégia dos enunciadores de
Veja de montar uma imagem construída deste candidato, agora, pronto para representar o
poder executivo federal. Ratifica-se essa afirmação recorrendo-se a estes recursos: tanto
a seleção e disposição da imagem quanto o enunciado linguístico se constituem numa
estratégia discursiva que procura estabelecer a relação pragmática de proximidade entre
o candidato e o leitor, provocando neste uma reação favorável a Serra como candidato
pronto.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 103


Assim como V, pondero, ainda, que o enunciado-título foi grafado em duas cores:
amarela e branca, além de haver diferenças no tamanho da fonte. O elemento lexical
SERRA foi registrado em fonte amarela, em caixa alta e com fonte maior que os demais,
acompanhado dos elementos E O BRASIL, grafado em branco e com fonte um pouco
menor e, por fim, fazendo diálogo com o termo Serra, vem PÓS-LULA, grafado em amarelo
e com fonte um pouco menor. Verifico que esse enunciado apresenta essa mistura de cores
e tamanhos para fazer o enunciatário perceber a estratégia de estabelecimento de um
confronto entre Serra e o governo do PT, ou seja, a nova cara do Brasil depois do governo
Lula, uma vez que Serra agora representaria o país.
Feitos esses esclarecimentos sobre as ponderações das colaboradoras, continuo as
discussões feitas na oficina. Lanço o seguinte questionamento:

Pesquisador: Vocês consideram alguma relação entre as cores presentes


na tarja presente no alto da revista com outras cores presentes na capa? Há
alguma relação com os propósitos da revista?

EnAp W: Não tenho certeza, mas esse vermelho da tarja deve se referir ao PT
principal oponente do Serra.

EnAp M: Acho que além do vermelho que se refere ao PT, o nome da candidata
do PT Dilma Russeff não teria compromisso com o futuro porque essa postura
deveria ser do Serra.

EnAp V: Só acrescento ao que disse M, que o compromisso com futuro é o


Serra mesmo porque mais embaixo ele escreve Serra e Pós-Lula na mesma
cor que está essa frase Compromisso com o futuro. Acho que tem uma
relação aí e estou aqui lembrando das estratégias que os textos que lemos
mostraram.

As ApEn fazem considerações muito pertinentes, percebendo as relações entre as


várias estratégias multimodais para garantir a visão positiva de Serra.
Concordo com as ApEn sobre essas últimas ponderações feitas a respeito da
minha última indagação. Na borda superior da revista, há uma tarja vermelha, sobre ela
um splash em letras brancas e amarelas, indicando a publicação feita pela revista de um
artigo, denominado Compromisso com o futuro, de autoria de Dilma Rousseff, a principal
oponente política de José Serra, e que representaria um momento pós-Lula. Atenta-se
para as marcas semióticas, recursos imagéticos e elementos gráficos, presentes na parte
superior da revista, os quais são necessários para a contextualização do discurso. Pelo
fato de Dilma Rousseff ser candidata do PT, entende-se a escolha da cor da tarja, haja
vista a referência que é feita à candidata como autora do artigo. O nome do referido artigo
está posto na mesma cor que algumas expressões do enunciado-título da capa: SERRA/
PÓS-LULA. Assim, por meio dessa associação fica clara a referência que os enunciadores
pretendem fazer, que o compromisso com o futuro é de Serra. O nome da candidata só

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 104


aparece como a maior rival à eleição e autora do artigo, o que, na verdade, só semantiza
o discurso do enunciador de que o compromisso com o futuro está aliado ao candidato do
PSDB.
Acredito que as EnAp conseguiram perceber que, ao discutir textos da esfera
jornalística com seus alunos, precisam eleger estratégias de ensino que contemplem
os recursos utilizados pelas instituições jornalísticas midiáticas para construir versões
da realidade e, consequentemente, manipulação dos enunciatários para a produção de
consenso. As leituras realizadas e a proposição deste momento de mediação, feito por
meio das oficinas, possibilitou essa clareza às EnAp.
Na segunda atividade proposta, entreguei uma cópia com a capa da revista Veja
Edição 2469 de 07 de março de 2016. Para esse momento de reflexão, entreguei algumas
orientações de encaminhamentos sugeridos por mim para a análise das estratégias
utilizadas pelo enunciador Veja a fim de construir imagem negativa Lula. O meu objetivo foi
proporcionar mais familiaridade dos EnAp com as estratégias dessa instituição midiática.

Imagem (2)

Seguem abaixo as orientações sugeridas:

• Na imagem de capa da revista Veja, publicada em março de 2016, a cons-


trução discursiva da realidade se dá potencialmente pelo uso das estratégias
multimodais, seja pelo fundo negro da imagem associado à cor do paletó, ou
pelas expressões faciais do rosto evidenciando, caricaturalmente, uma criatura
selvagem, demoníaca, que direciona a sua ira e o seu olhar petrificador contra
os seus adversários (quiçá inimigos) políticos.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 105


• Levando-se em conta que “todo enunciado é uma resposta a um já-dito, seja
numa situação imediata, seja num contexto mais amplo” (CUNHA, 2005, p.
168), a capa do periódico semanal traz a interdiscursividade como elemento de-
terminante para a compreensão dos efeitos de sentidos provenientes do enun-
ciado concreto, haja vista que este se apropria de repertórios sócio-histórico e
culturais para marcar o tom avaliativo e provocar no leitor o riso causado pela
satirização da figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

• Recorrendo ao contexto histórico, a capa da edição do periódico foi construída


a partir do pronunciamento do ex-presidente Lula após ter sido conduzido coer-
citivamente à sede da Polícia Federal, localizada no Aeroporto de Congonhas,
em março deste ano, pelo fato de ter sido acusado de participar de esquemas
de corrupção pela operação Lava-jato. Na ocasião, ele disse que “a jararaca
estava viva” e acrescentou que para matar a “jararaca” deveriam pisar na cabe-
ça dela, mas acabaram pisando no rabo. A comparação de sua própria imagem
com a de uma cobra jararaca, espécie de serpente cujo veneno é mortal, acaba
revelando as relações de poder demarcadas no cenário político brasileiro, e,
indiretamente, o seu próprio poder político (ou de suas influências) frente às
ações apreendidas pela Polícia Federal.

• Pode-se dizer que existem, portanto, duas representações do sujeito – objeto


do discurso –, que dialogam na referida capa: a primeira, o próprio objeto do
discurso da revista constrói uma imagem de si, ou seja, é ele que se denomi-
na a própria “jararaca”, não com o intuito de se autorridicularizar, mas, sim,
de mostrar a seus adversários que não é um político fraco, sendo potente tal
como a jararaca; já a segunda, revela a imagem que a instituição jornalística
constrói do Lula, assemelhando-o à personagem Medusa da mitologia grega.
Essa metáfora não é gratuita, uma vez que, assim como nos conta a mitologia,
em que a personagem é condenada injustamente por atos não realizados e é
presa em um feitiço, o ex-presidente Lula também se vê diante de uma situação
de injustiça.

• Como se pode ver, a capa publicada pela revista Veja possui um fio discursivo
tendencioso e manipulador da instituição jornalística diante do fato que preten-
de informar, há um tom apreciativo que, por meio da ridicularização da imagem
do ex-presidente Lula, induz a opinião pública a compartilhar do mesmo juízo
de valor construído por ela [a revista Veja].
A última capa analisada foi da edição 2391 de 17 de setembro de 2014 da revista
Veja. A capa foi projetada e os colaboradores foram se posicionando a partir das indagações
lançadas por mim. Essa capa foi publicada no contexto das campanhas eleitorais de 2014,
momento em que a candidata Marina Silva teve um crescimento nas intenções de voto, o
que mobilizou estratégias as mais diversas possíveis de alguns partidos a fim de construir
imagem negativa dela. Vejamos se o enunciador de Veja, também, posiciona-se assim.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 106


Imagem (3)

Pesquisador: Discuta as estratégias eleitas pela revista para construir seus


posicionamentos. Que posicionamentos seriam esses?

EnAp W: Achei a capa da revista muito criativa, apresentou muitos recursos


interessantes. Entendo que Marina Silva está sendo atacada por várias calúnias
e difamações atribuídas a ela, já que nessa época ela estava se dando melhor
nas pesquisas de intenção de voto. Por meio da imagem, Marina não se rende
e continua firme em seu propósito.

EnAP M: Acrescento ao que a colega falou mais um detalhe. Pensando


na imagem e nas palavras, associando isso tudo, quem está furioso contra
a Marina é o PT. A boca é vermelha, cor do PT. É o partido que caluniou a
candidata. Acho que essa fúria tá sendo representada por essa boca que ataca
Marina com mentiras e difamação. Existe uma relação aí entre as coisas que
saem da boca -mentira e difamação-fúria.

EnAp V: A Marina está sendo desafiada, mas se mantém forte porque encara
as calúnias. Só dá para entender isso olhando para a imagem e as palavras.
A roupinha dela balança pela força que os adversários tem e ela continua
peitando eles. Aqui a Marina é defendida pela revista.

As análises foram bem produtivas, demonstrando uma maturidade das EnAp


ao analisar um texto produzido por uma instituição midiática. As colaboradoras foram
dialogando entre elas mesmas, durante essa atividade e as já apresentadas, e isso ajuda a
desenvolver mais saberes por meio das trocar que vão se estabelecendo.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 107


Evidenciaram a necessidade de considerar as estratégias multimodais para perceber
a intenção do enunciador em construir uma versão da realidade e, consequentemente,
manipulação dos enunciatários para a produção de consenso. Assim, as discussões
mantêm concordância com o que Dionísio (2011) propõe:

Imagem e palavra mantêm uma relação cada vez mais próxima, cada vez
mais integrada. [...]. Todos os recursos utilizados na construção dos gêneros
textuais exercem uma função retórica na construção de sentidos dos textos.
Cada vez mais se observa a combinação de material visual com a escrita [...].
(p. 138).

Segundo a autora, a força argumentativa fica marcada pelas estratégias multimodais


selecionados pelos enunciadores e, caso se deseje fazer uma leitura crítica que busque
desestabilizar os sentidos previamente construídos; precisa-se analisar essas estratégias,
haja vista que as instituições da mídia são tendenciosas.
A respeito da posição da imagem da Marina em relação à boca, a EnAp sinalizou
a necessidade de essa análise ser feita. Concordo com a colaboradora, pois, se a revista
tinha desejo de “proteger” Marina, pois ela estava sendo ofendida, deveria ficar em uma
posição inferior ao agressor, aqui representado pela boca. Assim, a imagem é tirada de
baixo para cima a fim de que esse efeito seja construído. Provavelmente, a sobrevivência do
PT dependeria da desmoralização da adversária. A respeito da forma como os recursos são
selecionados pelo enunciador, Pinto (2002) esclarece que é preciso analisar discursivamente
as marcas linguísticas por meio da identificação das operações de enunciação, como a
expressiva, que podem incidir sobre toda uma frase. Essa modalização é sempre marcada
pela escolha do léxico: substantivos, adjetivos, verbos e advérbios que possam ter função
avaliativa ou afetiva. Quanto à análise das imagens, as operações de modalização podem
ser: a interpelação pelo olhar do modelo e a tematização do poder pela colocação de
uma imagem em posição dominante. Segundo o autor, a sedução consiste em marcar as
pessoas, coisas e acontecimentos referidos com valores positivos ou eufóricos e negativos
ou distorcidos, e/ou ainda em demonstrar uma reação afetiva favorável ou desfavorável a
eles.
A cor é também um traço multimodal, as colaboradoras entenderam que as calúnias
dirigidas a Marina partiu do PT, haja vista que a boca era pintada de vermelho, cor que
representa o partido. Esse movimento de partir do PT e se dirigir a Marina Silva fica marcado
pela posição da imagem como já fora informado aqui. Sinalizo, ainda, que a simbologia de
caveiras, cobras, lagartos que saem da boca vermelha são construídas, popularmente,
como ofensas.
Por fim, lanço um último questionamento que fecha as nossas oficinas:

Pesquisador: É possível trabalhar com essa perspectiva na EJA?

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 108


EnAP W: É excelente porque eles têm uma visão muito amarrada ao que
veem no texto, é muito principiante. Discussões como essas que fizemos os
tornariam mais críticos e criativos.

EnAp M: Exaro, W. Eles devem, com a nossa ajuda, olhar esses recursos para
sair só das aparências e analisar as marcas tendenciosas.

EnAp V: Se nós mostrarmos com exemplos que as imagens, as palavras, as


cores se combinam para criar uma imagem de alguém, isso vai torná-los mais
cuidadosos e críticos e, consequentemente, ajudará na argumentação.

As EnAp são categóricas no julgamento do trabalho com textos nas perspectivas


apresentadas no decorrer dessas duas oficinas que possibilitaram às colaboradoras um
novo olhar sobre ensinar leitura na EJA. Elas atribuem, diferentemente de outras etapas
da pesquisa, a responsabilidade por fazerem os ApEn entenderem determinados recursos
que lhes possibilitem ler além daquilo que está, explicitamente, marcado na superfície
textual. Deram como exemplo o discernimento do que seja a multimodalidade discursiva. A
respeito disso, Dionísio (2011) registra “[...] a necessidade de um intercâmbio da teoria dos
gêneros com a teoria cognitiva da aprendizagem multimodal, a fim de que possamos ter
subsídios para um uso mais consciente da multimodalidade textual no contexto de ensino-
aprendizagem” (p.149-150).

4 | CONCLUSÕES
Parece-me, portanto, que as oficinas formativas cumpriram o seu objetivo, pois,
por meio das discussões realizadas nos encontros interativos, as EnAp mostraram
compreensão de que, na condução da aula de leitura, o EnAp precisa priorizar estratégias
multimodais eleitas pela instituição midiática, o que possibilita aos EnAp um olhar mais
crítico diante de textos repletos de posturas, discursivamente, marcadas. Esclareço que
me referi aos textos da mídia, mas o que se deseja e, eu acredito que vai ser possível, é
uma postura do EnAp que permita aos seus aprendentes, durante os encaminhamentos
nas aulas de leitura, construir sentidos para os gêneros que analisarem. Deseja-se que
os ApEn sejam verdadeiros poliglotas na própria língua e possam participar ativamente
(lendo, falando, escrevendo, ouvindo) de quaisquer situações comunicativas.

REFERÊNCIAS
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Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 109


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Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 110


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EDIPUCRS, 2002.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 14 111


CAPÍTULO 15
doi
OS NOVOS PROTAGONISTAS NAS
TRANSFORMAÇÕES DAS ESCOLAS PÚBLICAS
URBANAS DE BARRA DO GARÇAS/MT:
ESTUDANTES INDÍGENAS DA ETNIA XAVANTE

Data de aceite: 01/10/2020 preocupação de dar aos alunos indígenas


Data de submissão: 04/07/2020 matriculados, um mínimo de segurança e
igualdade de oportunidade, a fim de que
possam desaparecer as desigualdades sociais,
linguísticas e culturais. Em nossas pesquisas,
Marly Augusta Lopes de Magalhães
presenciamos que existiram e ainda existem
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
em nossos dias pessoas que não admitem a
Barra do Garças – MT
http://lattes.cnpq.br/0193075755864121 presença de fatos reais em nossa sociedade,
especialmente, quando se trata do diferente, do
Aníbal monteiro de Magalhães Neto novo. Todo advento que envolve o diferente, o
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT inusitado, como no caso dos alunos indígenas,
Barra do Garças – MT é recebido com resistência e muito preconceito.
http://lattes.cnpq.br/5023174064373373 Dessa forma, quando se atribui tal relevo sem
Mônica Maria dos Santos pensar seu contexto social, enfraquece o ensino
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT e, sobretudo, fragiliza a reflexão. Buscamos
Barra do Garças - MT como objetivo repensar o cotidiano dos alunos
http://lattes.cnpq.br/2810283550094313 indígenas Xavante em espaço escolar urbano,
seus vínculos e tradições materializados no
Marcelle Karyelle Montalvão Gomes
uso da língua, bem como o reflexo dos fatos na
SEDUC – MT linguagem de todos, indígenas e não indígenas.
Barra do Garças-MT
Vivemos momentos complexos e de muitas
Luis Carlos Oliveira Gonçalves inseguranças com relação ao sistema educacional
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT em nosso país, assim, pequenas atividades têm
Barra do Garças - MT apresentado efeitos multiplicadores, no caso, o
http://lattes.cnpq.br/7324099711580259 trabalho desenvolvido pelo projeto de pesquisa:
A Migração rural/urbana dos jovens indígenas da
etnia Xavante: uma questão de sobrevivência.
Para o desdobramento do trabalho utilizamos a
RESUMO: O cenário educacional de Barra do
pesquisa etnográfica, de cunho qualitativo, pois
Garças/MT tem apresentado em seus quadros
procuramos interpretar o que está ocorrendo no
escolares novos atores, pois temos presenciado
contexto pesquisado.
uma significativa expansão de matrículas de
PALAVRAS-CHAVE: Alunos Indígenas, Ensino/
alunos indígenas da etnia Xavante que estão
Aprendizagem, Escolas públicas.
deixando suas aldeias em busca de novos
conhecimentos em escolas públicas urbanas.
Observamos que nem todos os professores
de escolas públicas urbanas expressam a

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 15 112


THE NEW PROTAGONISTS IN THE TRANSFORMATION OF URBAN PUBLIC
SCHOOLS IN BARRA DO GARÇAS / MT: INDIGENOUS STUDENTS OF THE
XAVANTE ETHNIC GROUP
ABSTRACT: The educational scene of Barra do Garças / MT has presented new actors in
its school staff, as we have witnessed a significant expansion of enrollments of indigenous
students of the Xavante ethnic group who are leaving their villages in search of new
knowledge in urban public schools. We note that not all urban public school teachers express
the concern to give enrolled indigenous students a minimum of security and equal opportunity
so that social, linguistic and cultural inequalities can disappear. In our research, we have
witnessed that existed and still exists in our day of people who do not admit the presence
of real facts in our society, especially when it comes to the different, the new. Every advent
involving the different, the unusual, as in the case of the indigenous students, is received with
resistance and much prejudice. Thus, when such relief is attributed without thinking about
its social context, it weakens teaching and, above all, weakens reflection. We aim to rethink
the daily life of Xavante indigenous students in urban school space, their links and traditions
materialized in the use of the language, as well as the reflection of the facts in the language
of all, indigenous and non - indigenous. We live in complex moments and many insecurities
with regard to the educational system in our country, so small activities have had multiplier
effects, in this case, the work developed by the research project: Rural / urban migration of
indigenous young people of the Xavante ethnic group: an issue survival. For the unfolding of
the work we use the ethnographic research, of qualitative nature, because we try to interpret
what is occurring in the researched context.
KEYWORDS: Indigenous Students, Teaching / Learning, Public schools.

1 | INTRODUÇÃO
As relações entre povos indígenas e não indígenas têm se tornado cada vez mais
estreitas e, consequentemente, mais complexas em virtude de migrações cada vez mais
constantes da aldeia para a cidade. As razões sociais, históricas, políticas e econômicas
para essa migração são variadas se considerarmos os distintos modos pelos quais ocorreu
o contato desses povos com a sociedade majoritária e seus respectivos efeitos. Nesse
sentido, a migração da aldeia para a cidade é um acontecimento cada vez mais recorrente
na história dos povos Xavante, cujas consequências incidem sobre diversos aspectos da
organização social, vida familiar, divisão do trabalho e, muitos outros.
Esta investigação é resultado das atividades desenvolvidas no projeto de pesquisa:
A Migração rural/urbana dos jovens indígenas da etnia Xavante: uma questão de
sobrevivência, vinculado ao Grupo de pesquisa: Fronteiras, Culturas, Identidades: espaço
de diálogo com os povos indígenas do Araguaia/Xingu.
Para o desdobramento da investigação elegemos, inicialmente, a discussão
sobre algumas propostas relacionadas à temática dos direitos indígenas em contexto de
interculturalidade, o que nos permitiu a leitura dos estudos, representados pelos trabalhos
de D’Angelis (1999), Grupioni (2002), MAGALHÃES, “et al., (2018), Constituição Federal
(1988), entre outros.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 15 113


2 | INTERFACE DOS ESTUDANTES XAVANTE EM CONTEXTO EDUCACIONAL
URBANO
Como qualquer ser humano, os povos indígenas enfrentam, em seu deslocamento
da aldeia para a cidade, momentos conflitantes. Segundo nos aponta Borges,

A cidade, embora incorpore, na sua organização, a impressão do nome


Xavante, enxerga o corpo/o próprio índio como um fora do lugar, um corpo
que não cabe na cidade, mas, paradoxalmente, vai criando uma espécie de
naturalização acerca dessa presença/frequência na constituição urbana.
(BORGES, 2018, p.140)

Podemos notar nas considerações da autora, elementos que nos apontam não só
os aspectos históricos, mas sobretudo, revelam os ideais de um determinado grupo, em um
determinado contexto social. Apontam, ainda, que o ponto de vista que guia o pensamento
social em questão, nos mostra que o ambiente humano não produz uma única forma de
ver a realidade que envolve os povos indígenas em espaços urbanos, destacam ideais e
constatações de um espaço marcado com características discriminatórias próprias e por
forças sociais que determinam o comportamento e materializam os valores do meio que
eles se encontram.
Dessa forma, o espaço escolar urbano é para os alunos indígenas um ambiente
favorecedor de interações, cercado por atividades culturais, que não são exclusivamente
linguísticas, mas sobretudo, por questões pedagógicas que têm como principal objetivo não
só a construção do conhecimento da segunda língua (portuguesa), mas também, o respeito
à individualidade, por meio do diálogo com o novo, como o diferente. Acreditamos que esta
é uma das estratégias que devem revestir as salas de aula enquanto contexto intercultural
e, assim, adquirir um caráter histórico de construção.
Em suas aldeias eles são soberanos de seus direitos e deveres, o que temos
observado é que, em espaços urbanos, são como no mito de Sísifo1, conduzem suas
pedras e seus percalços por vias íngremes, quando pensam que estão chegando ao topo,
vencendo muito dos obstáculos sociointeracionais, tudo parece ruir, exigindo deles novo
recomeço. Em muitas ocasiões, percebemos que nem mesmo a Lei 9.394/96 é respeitada,
quando diz: “[...] garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações,
conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas
e não índias”. (BRASIL, 2017, p. 51)
Dessa forma, torna-se necessário que a sociedade não indígena passe a se
preocupar mais com os pontos mais sensíveis da problemática indígena, pois ao deixarem
seus ambientes naturais enfrentam vários tipos de turbulências, bem como, as novas
guerras de preconceitos que se avizinham. Segundo D’Angelis, “[...] não há conflito quando

1. Os deuses condenaram Sísifo a rolar incessantemente uma rocha até o cume de uma montanha de onde a pedra
se precipitava por seu próprio peso. Eles pensaram com alguma razão que não há punição mais terrível que o trabalho
inútil e sem esperança. Disponível em: http://www.teatrodomundo.com.br/o-mito-de-sisifo/. Consultado em: 07/05/2019.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 15 114


todos são concordes e buscam a mesma coisa, da mesma forma que não é preciso alegar,
reivindicar ou declarar direitos quando todos são tratados de forma igual”. (D’ANGELIS,
1999, p.9)
Dessa forma, é preciso integrar os alunos indígenas nos vários ambientes
escolares, pois essa aproximação com a sociedade urbana, pode levá-los ao processo
de desintegração cultural, conduzindo-os, assim, a vários tipos de desajustes individuais,
tanto psíquicos como em suas relações sociais, isso muitas vezes, os leva a marginalidade
e ao delito. O que percebemos em nossa investigação é que os estudantes indígenas
Xavante se veem entre dois mundos: um que os atraem, e outro que ao mesmo tempo os
repelem. Para os habitantes da aldeia eles estão se tornando seres estranhos, para os não
índios continuam a serem índios. Para Seki,

Desequilibrados entre dois mundos quase impossíveis de combinar, não há


como exigir dos índios coerência. Querem ser índios como os antepassados
e reafirmar tradições; querem experimentar novas formas, tentadoras,
avassaladoras, as dominantes na sociedade. O pêndulo entre o interesse
individual e a fiel defesa do comunitário é um dos traços desse dilema. (SEKI,
1993, p. 131).

Dessa forma, cabem às instituições de ensino a tarefa de esclarecer sobre a


importância da preservação de sua cultura, a fim de edificar a ponte que os ligará as
conquistas do presente, sem, no entanto, sacrificar o seu passado. O que importa é formar
uma sociedade eficaz na conduta de suas responsabilidades sociais, alunos conhecedores
de seus direitos e deveres, que priorizem suas inclusões, nas escolas públicas urbanas,
com a perspectiva de ascensão, sem deixar de serem índios.

Sabemos que o conhecimento relacionado aos fatores culturais é construído


pela relação que o homem tem com os outros homens e com a natureza
e, assim, é também, mediatizada pela força do trabalho. Assim, podemos
dizer que se trata de um processo em movimento e, como tal, apresenta sua
complexidade e seus conflitos relacionados ao tempo, ao espaço, bem como,
a outras camadas sociais. (MAGALHÃES, SANTOS e MAGALHÃES NETO,
2018, p. 264)

Uma das características fundamentais das escolas públicas urbanas é o fato de que
elas podem contribuir para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social dos estudantes
indígenas Xavante envolvidos no processo, pois só vivenciando situações concretas é que
elas podem de fato contribuir com o desenvolvimento social, linguístico e cultural desses
novos atores, uma vez que, todo profissional da educação deveria ter certa visão de mundo
e certo conjunto de práticas para lidar com as mudanças esperadas e não esperadas que
ocorram em seus ambientes de trabalho e também fora dele.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 15 115


3 | OS ASPECTOS SOCIOINTERACIONAIS
No Brasil, a concepção de educação intercultural bilíngue tem suas raízes
na luta dos povos indígenas pelos seus direitos, entre eles, o direito a uma educação
específica, diferenciada, intercultural bilíngue. As reivindicações do Movimento Indígena
por uma educação específica acabaram sendo acolhidas na Constituição de 1988, que,
no art. 231 (BRASIL, 2019), garante aos povos indígenas o direito à cidadania plena e ao
reconhecimento de sua identidade diferenciada e sua manutenção.
Nos dias atuais devemos salientar a importância do respeito à diversidade e do
diálogo como forças coletivas indispensáveis para o desenvolvimento sustentável e como
garantias da coesão com o mundo em que cada cultura luta para a preservação de sua
identidade e de sua dignidade. Dessa forma nos aponta, Junior,et al.,

Em nossa investigação constatamos que nas últimas décadas, as reservas


indígenas sofrem com as ações silenciosas dos grandes latifundiários,
além dos desmatamentos das fontes naturais de abastecimento de águas,
há também, a poluição ambiental pela enorme quantidade de agrotóxicos
empregados sem os devidos controles ecológicos. Eles nem imaginam que
tudo o que afetam as suas terras, refletem no dia a dia de suas rotinas tanto
alimentares como de saúde.( JUNIOR, et al., 2019, p.128)

No contexto brasileiro, a situação dos povos indígenas requer uma análise mais
profunda sobre a complexidade e as perspectivas futuras relacionadas às culturas e à
sobrevivência, principalmente, se levarmos em conta as atitudes governamentais, que têm
variado historicamente na hora de encarar de perto a questão referente a esses povos.
Para Grupioni,

Não há hoje uma clara distribuição de responsabilidade entre a União,


os estados e os municípios, o que dificulta a implantação de uma política
nacional que assegure a especificidade do modelo de educação intercultural
e bilíngüe nas comunidades indígenas (GRUPIONI, 2002, p. 55).

As relações de contato entre Estado e sociedades indígenas, historicamente, deram-


se de forma assimétrica, nas quais o outro, o indígena, é sinônimo de atraso econômico,
cultural e ausente de leis que regulem e visem ao bem-estar social tanto do grupo quanto
do sujeito em sua individualidade.
É lamentável que a presença dos povos indígenas, particularmente da etnia
Xavante, em escolas públicas urbanas, possa provocar tamanho retrocesso no campo da
compreensão e da aceitação dos direitos individuais e coletivos daqueles que, na esperança
de novas mudanças, afastam-se de suas aldeias e da convivência familiar em busca de
novos espaços/desafios junto à sociedade não indígena.
Sem uma prévia visão retrospectiva, sem uma visão do passado incidindo sobre o
presente, torna-se impossível situar os acontecimentos da história dos povos indígenas
dentro do seu próprio tempo. Para que se possa afirmar corretamente os fatos que

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 15 116


acontecem entre os estudantes indígenas e a sua situação na atualidade é necessário que
se tenha expoentes autênticos dos avanços que transformaram esse grupo social desde o
descobrimento, até as concepções históricas em voga no presente século.
O nosso trabalho de pesquisa, do qual originou este artigo, funciona como eixo
motivador e esclarecedor de questões que, de alguma forma, ainda permanecem obscuras.

4 | METODOLOGIA
Dentre os métodos utilizados para conhecer o verdadeiro perfil dos estudantes
indígenas, na cidade de Barra do Garças/MT, além da observação participante, procuramos
conviver com eles, pelo menos algumas horas nas escolas e, nos mais variados espaços
públicos, a fim de observar as tendências sociais e culturais, ao longo da sua permanência
em espaços públicos urbanos.

5 | CONSIDERAÇÕES
Diante da complexidade e da envergadura dos desafios no campo da educação
indígena, estudos no âmbito do ensino-aprendizagem procuram desvelar problemas reais
ou potenciais nas interações dialógicas do dia a dia escolar entre sujeitos culturalmente
distintos, (índio/não índio) e ao mesmo tempo enfatizar a urgente necessidade de se
desenvolver estratégias políticas de assistências não só aos estudantes indígenas, mas
todo coletivo escolar, a fim de que derrubem as barreiras discriminatórias tão presentes nos
cenários das escolas públicas urbanas.
Dessa forma, conhecendo a organização política e social desses povos, há que se
lançar um novo olhar sobre as decisões a serem tomadas sobre essa nova realidade, pois
não é possível fazer previsões das condutas desses jovens que satisfaçam, a princípio,
os anseios da sociedade, considerando que as vicissitudes individuais e sociais dos
estudantes indígenas apontam para outros horizontes.
Não se pode simplificar a história, quando percebemos em uma árvore cujas folhas
estão se tornando amarelas e caindo, os galhos tornando-se cada vez mais secos, não
basta arrancar as folhas amareladas e os galhos danificados, faz-se necessário, sobretudo,
lembrar que a doença dos galhos e das folhas é consequência dos danos causados a raiz,
que mesmo submersa é a que dá sustentação e vida às folhas e aos galhos.

REFERÊNCIAS
BORGES. Agueda Aparecida da Cruz. Da Aldeia para a Cidade:Processos de Identificação/
Subjetivação e Resistência Indígena.Cuiabá-MT: EdUFMT, 2018.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Atualizada até a Emenda Constitucional nº


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07/05/2019.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 15 117


BRASIL. Ministério da Educação. Referência para formação de professores indígenas/ Secretaria
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GRUPIONI, Luiz Donizete Benzi. Caderno de apresentação: Programa Parâmetro em Ação de


Educação Escolar Indígena–Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília,
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Ação de Educação Escolar Indígena. Brasília, MEC; 2002.

JUNIOR. João Gomes, GOMES, Marcelle Karyelle Montalvão, MAGALHÃES NETO, Aníbal Monteiro
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SEKI, Lucy (org.). Linguística Indígena e Educação na América Latina. Campinas: Unicamp, 1993.
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Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 15 118


CAPÍTULO 16
doi
O ETHOS DISCURSIVO DE UM POLÍTICO EM
ASCENSÃO

Data de aceite: 01/10/2020 de cenografia e sua forma de constituição como


Data de submissão: 07/07/2020 estratégia de envolvimento discursivo entre
enunciador e co-enunciador e o interdiscurso
relacionado com a memória social do sujeito. A
Silvia Maria Ribeiro análise discursiva aponta para a articulação dos
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo elementos fundamentais à constituição da cena
- PUC/SP enunciativa. O discurso do sujeito-enunciador não
São Paulo / SP apresenta, exclusivamente, um ethos construído
http://lattes.cnpq.br/0422553681982342 pela opinião pública, mas um ethos construído
pelos efeitos de sentido materializados pela
Cássia Cristina Rodrigues da Silva Sampaio
ideologia presente nos antecedentes morais,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
éticos e de caráter, resultando na imagem do
- PUC/SP
São Paulo / SP enunciador, que não se utiliza de seu “poder”,
http://lattes.cnpq.br/6995145289511517 para realizar um discurso de empoderamento.
PALAVRAS-CHAVE: Enunciação, Entrevista,
Discurso, Identidade.

RESUMO: Este artigo consiste em examinar o


interdiscurso, a cenografia e a constituição do THE DISCURSIVE ETHOS OF A RISING
ethos discursivo na entrevista dada pelo vice- POLITICIAN
prefeito da cidade de São Paulo à revista Veja
ABSTRACT: This article consists on an
São Paulo, integrante da revista Veja, publicada
examination of the interspeech, the scenography
no dia 28 de março de 2018. Busca-se, também,
and the constitution of the discursive ethos present
verificar a formação da identidade do sujeito-
on São Paulo City’s vice-mayor interview to Veja
enunciador como uma construção discursiva e
São Paulo, weekly supplement of Veja, published
sócio-histórica. Para tanto, o artigo fundamenta-
on March 28th, 2018. It also analyzes the molding
se no aparato teórico-metodológico da Análise
of the speaking subject as a discursive and socio-
do Discurso, de linha francesa, na perspectiva
historical construction. Therefore, the article finds
enunciativo-discursiva, proposta por Dominique
its bases on the theoretical-methodological device
Maingueneau, cuja produtividade tem se tornado
from the french front of Discourse Analysis, under
eficiente, na atualidade. Expomos as condições
the illustrative-discursive perspective, given by
sócio-históricas e culturais de produção do corpus
Dominique Maingueneau, whose productive has
considerando como a mídia veicula a revista em
become effective nowadays. It is exhibited the
questão, de acordo com a sua função social.
cultural and socio-historical corpus production
Apresentamos a noção de interdiscurso, cenas
considering how the media expose the studied
de enunciação e o ethos discursivo propostos
magazine, acording to its own social function.
por Maingueneau e, em especial, a categoria

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 16 119


showing the notions of interspeech, enunciation scenes and the discursive ethos proposed
by maingueneau and, specially, the scenography category and its constitution shape as a
discursing envolviment strategy between speaker and co-speaker and the interdiscurse related
to the subjects social memory. the discursive analysis leads to the fundamental elements
articulation of a illustrative scene development. the subject-speaker discourse doesn’t show,
exclusively, an ethos developed by the public opinion, but an ethos constructed by the effects
of meaning materialized by the ideology present in moral, ethic and character precedents,
resulting in the image of the speaker, which doesn’t use It’s “power” to make an empowering
discourse.
KEYWORDS: Enunciation, Interview, Speech, Identity.

1 | INTRODUÇÃO
Fundamentado no aparato teórico – metodológico da Análise do Discurso proposta
por Dominique Maingueneau expomos as condições sócio-históricas e culturais de
produção do corpus, apresentando a noção de interdiscurso, cenas de enunciação e de
ethos discursivo, a categoria de cenografia e sua forma de constituição como estratégia
de envolvimento discursivo entre enunciador e coenunciador e o interdiscurso relacionado
com a memória social do sujeito. Analisamos o tom do discurso, observando que o sujeito-
enunciador não apresenta, um ethos construído pela opinião pública, mas um ethos que
corresponde a uma atitude do enunciador, de um sujeito criado pelo discurso.

2 | CONDIÇÕES SÓCIO-HISTÓRICAS CULTURAL DE PRODUÇÃO DO


DISCURSO POLÍTICO
O corpus deste artigo é a entrevista de Bruno Covas Lopes, então vice-prefeito da
cidade de São Paulo, à Revista VEJA São Paulo – um encarte da revista Veja – com o título
Quem é e o que pensa Bruno Covas, o próximo prefeito de São Paulo? Que desde 06
de abril de 2018 exerce o mandato de prefeito, em virtude da renúncia do então prefeito,
João Doria.
Bruno Covas é um político brasileiro, neto do ex-governador Mário Covas, cresceu
em meio à política e é graduado em Direito pela USP – Universidade de São Paulo. Iniciou
carreira política em 2004, convidado por Geraldo Alckmin e assumiu a Secretaria do Meio
Ambiente, em 2011. A revista Veja São Paulo representa para a cidade um meio informativo
ágil de busca no que concerne a cultura, lazer e entretenimento além da informatividade da
vida cotidiana pública, econômica e política paulista.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 16 120


3 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 Discurso e Análise do discurso


Com a Análise do Discurso, de acordo com as ideias de Maingueneau (2015),
retomamos Michel Pêcheux ( 1938-1983), filósofo francês que propôs a teoria da Análise
do Discurso, no final da década de 1960, pois tratando a língua para além dos estudos
estruturais de Saussure ele colocou em debate o discurso como lugar de produção de
sentidos em que o sujeito por meio da história se constrói ideologicamente, ele propôs o
estudo discursivo nos estudos semânticos em que as palavras podem mudar de sentido
segundo as posições determinadas por aqueles que as empregam, é o efeito de sentido
que se observa a cada discurso produzido.
O estudo da Análise do Discurso se sustenta em três pilares: linguística, materialismo
histórico e teoria do discurso, esses são atravessados por uma teoria da subjetividade de
natureza psicanalística em que o importante é o sujeito, um sujeito que se instaura no
discurso. De acordo com Pêcheux a cena intelectual da análise do discurso se ancorou em
três pilares: no marxismo do filósofo L. Althusser, na psicanálise de J. Lacan e nos estudos
linguísticos estruturais.
Fora da linguística, a noção de discurso, ancorada nas ciências da linguagem,
dialoga com ideias originadas de correntes teóricas que perpassam o conjunto das ciências
humanas e sociais em que o discurso é mobilizador de ideias-força (MAINGUENEAU,
2015): é uma organização além da frase, uma forma de ação, interativo, contextualizado,
assumido por um sujeito, regido por normas, assumido no bojo de um interdiscurso e
constrói socialmente o sentido.
Para Maingueneau (2015), a Análise do Discurso não é um método, e sim uma
disciplina no interior dos estudos do discurso. O discurso é o objeto de estudo da análise
do discurso e verdadeiramente objeto de conhecimento se assumido por alguma disciplina
que se caracterize por um interesse específico.

3.2 Interdiscurso
O interdiscurso, segundo Maingueneau, é de difícil definição, está na memória, sendo
anterior ao discurso, contudo é o que possibilita criar o discurso. Define-se o interdiscurso
com um sentido restritivo e com um sentido amplo, ou seja, por um lado é um conjunto de
discursos do mesmo campo que mantêm relações de delimitação recíproca uns com os
outros, e por outro, é um conjunto das unidades discursivas com as quais um discurso
entra em relação explícita ou implícita. Maingueneau apresenta a noção de interdiscurso
dizendo que “é necessário afinar este termo muito vago para nosso propósito e substitui-lo
por uma tríade: universo discursivo, campo discursivo, espaço discursivo”. O primado do
interdiscurso é o princípio central da análise do discurso.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 16 121


3.3 A política e o discurso político
A palavra política deriva do grego (politikós), isto é, tudo o que se refere à vida da
cidade, pertinente as relações sociais - urbana, civil, público, sociável ou social. A obra
Política de Aristóteles, deu expansão ao termo como primeiro tratado sobre a natureza,
funções e divisão do Estado, e sobre as várias formas de governo.
De acordo com Charaudeau (2008), a linguagem medeia a instância cidadã e a
instância política, e contribui para assegurar a legitimidade da representação política.
3.4 Cenas de enunciação
Na obra Discurso e análise do discurso (2013), Maingueneau faz uso da metáfora do
teatro para que os leitores possam apreender o termo “cenas da enunciação” comparando
discurso à peça teatral encenada quadro a quadro num processo que segue um roteiro de
ações, verbais ou não verbais, em um espaço delimitado tal como o discurso no gênero.
Assim o discurso também pressupõe um quadro dirigido pela encenação da enunciação.
A cena da enunciação não é um bloco compacto e implica 03 (três) proposições possíveis:
cena englobante, cena genérica e cenografia.
A cena englobante corresponde ao tipo de discurso de determinado setor social,
representado por infinidades de gêneros de discurso, cumprindo uma função social, neste
corpus: a cena de enunciação é de uma entrevista, e o discurso está figurado em uma
cena englobante do setor social jornalístico a qual está ligada a algumas propriedades - em
entrevista: perguntas e respostas.
É na cenografia que os atores, vão legitimar seus discursos, tentando convencer,
suscitando a adesão do destinatário, como diz Maingueneau( 2013), há na cenografia um
processo de enlaçamento paradoxal, no caso do corpus em análise há uma progressão
discursiva engendrada pelas falas de entrevistador e entrevistado que vai legitimando o
discurso e apresentando a face e o ethos do entrevistado o que suscita a adesão do leitor.
3.5 O ethos discursivo
Conforme Maingueneau (2013) a noção de ethos não se deu, de saída, dentro do
quadro da retórica, mas sobretudo por meio das problemáticas relativas aos discursos.
De acordo com uma noção moderna de ethos, para alguns autores há o
comportamento e a aparência de um candidato político, outros admitem um ethos construído
pela opinião pública, pelos antecedentes morais, éticos e de caráter, fala-se também em
um ethos institucional – de perspectiva linguística e de perspectiva sociológica -, formado
pela articulação de um ethos discursivo e de um ethos exterior ao discurso. De acordo com
Maingueneau (2013) “por meio da enunciação, revela-se a personalidade do enunciador”,
podendo assim chamar ethos,e mais “ toda fala procede de um enunciador encarnado;
mesmo quando escrito, um texto é sustentado por uma voz – a de um sujeito situado
para além do texto.(2013)”, entendendo-se assim o ethos ligado à uma voz, à oralidade,
um ethos discursivo na entonação, na expressão do enunciador em seu enunciado na
interação com o (co)enunciador.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 16 122


4 | ANÁLISE
Charaudeau, em Discurso das Mídias (2006), fala sobre a entrevista jornalística
como um dispositivo triangular.
O entrevistador legitima por “ Procurar fazer falar seu convidado para revelar uma
verdade oculta”, no caso deste corpus o jornalista tenta tirar do convidado o máximo de
informações possíveis, fazer aparecer intenções ocultas, provocar, trazer a luz posições
contraditórias do convidado, por meio do jogo de questionamento alternado.
O entrevistado em seu papel trará um “Tenho algo a dizer que concerne ao bem
comum”, como um ator representando a si mesmo e a vida política e cidadã, por político
que é sua enunciação será interpretada de diferentes maneiras, e não deve se permitir a
dizer para o público exatamente o que pensa.
O leitor, o terceiro participante desse dispositivo triangular tem ou quer o texto em
suas mãos e cumpre o papel de um “Estou aqui para saber alguma coisa de interesse geral
que me seja dada como uma revelação”.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 16 123


4.1 A construção da cenografia e o Ethos – A revelação do ethos do sujeito
enunciador
Essa entrevista é uma amostra real de um discurso político – a cena englobante -,
e a entrevista – a cenografia. Na primeira pergunta e resposta do corpus observa-se, da
parte do enunciador, a construção do ethos visado, ou seja, um ethos sendo preparado,
querendo ser constituído pelo enunciador como um ethos de viés político original, conforme
exemplificação de Maingueneau “o ethos visado não é necessariamente o ethos produzido.
...um político que queira suscitar a imagem de um indivíduo aberto e simpático pode ser
percebido como um demagogo.”
Na entrevista percebe-se a constituição do interdiscurso quando o sujeito enunciador
recorre a sua memória e faz questão de citar o avô – Mário Covas -, e também por apresentar
sua vida social e política pregressa, que no discurso perpassa a construção do “fiador”
conforme apresenta Maingueneau ( 2013) “A qualidade do ethos remete, com efeito, à
imagem desse “fiador” que, por meio de sua fala, confere a si próprio uma identidade
compatível com o mundo que ele deverá construir em seu enunciado.”
Na pergunta e resposta que finaliza a entrevista o enunciador apresenta um ethos
dito (sugerido) de político jovem, diante de uma questão tão complexa, que lhe daria a
possibilidade de elaborar um verdadeiro discurso político, cujos estereótipos estão ligados
ao mundo ético político, apresentando a face positiva a qual buscaria a adesão do público
leitor, o terceiro participante do dispositivo triangular, e o qual daria ao sujeito enunciador
o papel de “fiador” podendo então fazer sua campanha eleitoral, defender suas convicções
e usar estratégias de convencimento, entretanto o sujeito enunciador optou por uma
resposta não convencional e inesperada, e assim permitindo ao terceiro co-enunciador
aferir a construção do ethos mostrado (discursivo), que pela enunciação caracteriza-se por
um discurso de determinada classe social. Tal resposta seria autoconfiança, inocência ou
construção sócio histórica cultural da identidade ideológica?
Segundo Maingueneau “a distinção entre ethos dito e mostrado se inscreve nos
extremos de uma linha contínua, uma vez que é impossível definir uma fronteira nítida
entre o “dito” sugerido e o puramente “mostrado” pela enunciação”. Assim analisa-se que o
terceiro co-enunciador desvela o ethos efetivo construído pela enunciação no discurso do
sujeito enunciador.
O ethos é distinto dos atributos “reais” do locutor. O locutor, pode ter dito algo que
realmente choca o público, mas conforme Aristóteles pode estar associado aos traços de
caráter particulares dos homens em função de sua idade e de sua fortuna (na ordem em
que se apresentam: a nobreza, a riqueza, o poder e a sorte).

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 16 124


5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos afirmar que o sujeito enunciador se remeteu a sua infância, a seus valores
e a seu avô, apresentou um interdiscurso pautado em sua memória discursiva, viabilizando
seu posicionamento político.
No discurso apresentado pelo sujeito enunciador, suas “ideias”, por um lado,
suscitam a adesão por meio de uma maneira de dizer que é também uma maneira de ser,
ou seja, caracteriza-se a construção de um ethos efetivo/ discursivo. Contudo, por outro
lado, o terceiro co-enunciador desvela o ethos efetivo por meio da enunciação do discurso
em recorte, revelando a identidade do sujeito-enunciador como uma construção ideológica
e sócio-histórica discursiva, conforme afirma Maingueneau (2013: 107) que o ethos
corresponde a uma atitude do enunciador, um sujeito criado pelo discurso, diferentemente
do sujeito real do ethos retórico, revelando-se a personalidade do enunciador”.

REFERÊNCIAS
CHARAUDEAU, Patrick. Discursos das mídias. São Paulo: Contexto, 2006.

_____________, Patrick. Discurso político. São Paulo: Contexto, 2008.

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. 6 ed. ampl. - São Paulo: Cortez,
2013.

______________, Dominique. Discurso e análise do discurso. 1 ed. São Paulo: Cortez, 2015.

______________, Dominique. A propósito do ethos


Disponível em: http://www.martinsfontespaulista.com.br/anexos/produtos/capitulos/509327.pdf – Acesso
em: 02.06.2018 – às 23h02

QUINTELLA, Sérgio. Quem é e o que pensa Bruno Covas, o próximo prefeito de São Paulo.
Revista Veja São Paulo, São Paulo: Editora Abril, edição 2575, ano 51, n. 13, p. 24, 25 março 2018.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 16 125


CAPÍTULO 17
doi
VALORAÇÕES E ACEPÇÕES DICOTÔMICAS
DE ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM
DISCURSOS: ARTICULAÇÕES SEMÂNTICO-
AXIOLÓGICA E TEMÁTICO-COMPOSICIONAL

Data de aceite: 01/10/2020 de apresentar previamente (v) as especificidades


Data de submissão: 07/07/2020 do gênero discursivo e da esfera de atividade
em que se encontram inseridos os enunciados
como fatores que incidem coerção tanto sobre
o componente semântico-axiológico, quanto
Fernanda Dias de Los Rios Mendonça
sobre o componente temático-composicional.
Universidade Federal do Amazonas, Faculdade
Pretende-se elucidar, com esses apontamentos,
de Letras, PPGL
Manaus – Amazonas que as estruturas discursivas materializadas
http://lattes.cnpq.br/7211102809346198 nos relatórios constituem-se por meio de visões
https://orcid.org/0000-0003-1323-9419 antagônicas que reverberam dois padrões de
valoração concorrentes bastante demarcados
nas acepções sobre a abordagem de ensino.
PALAVRAS-CHAVE: Estrutura Discursiva,
RESUMO: Este trabalho apresenta recorte de Acentos de Valor, Análise Dialógica, Formação
pesquisa (MENDONÇA, 2014) ancorada nos Docente Inicial, Ensino de Língua Portuguesa.
pressupostos teóricos do Círculo de Bakhtin e
no aporte metodológico da Análise Dialógica
PORTUGUESE LANGUAGE TEACHING
do Discurso (BRAIT, 2010). O objeto de estudo VALUATIONS AND DICHOTOMIC
constituiu-se de discursos de licenciandos em ACCEPTIONS IN DISCOURSES:
Letras materializados em relatórios de estágio SEMANTIC-AXIOLOGICAL AND
supervisionado. O objetivo geral consistiu em THEMATIC-COMPOSITIONAL
apreender a inteligibilidade dos sujeitos em ARTICULATIONS
formação docente inicial acerca do ensino da ABSTRACT: This paper presents a research
Língua Portuguesa na educação básica. Neste clipping (MENDONÇA, 2014) anchored in the
capítulo, focaliza-se a articulação do estrato theoretical assumptions of the Bakhtin Circle
semântico-axiológico com o aspecto temático- and in the methodological contribution of
composicional desses dados na constituição Dialogical Discourse Analysis (BRAIT, 2010).
da estrutura discursiva dos mesmos. Deseja- The object of study consisted of speeches of
se, com essa focalização, apontar (i) as vozes graduates in Letters materialized in reports of
que atravessam os enunciados concretos; (ii) supervised stage. The general objective was to
as instâncias de que elas emergem; (iii) o modo understand the intelligibility of the subjects in
de atravessamento dessas vozes, por meio de initial teacher education about the teaching of
movimentos dialógicos de aproximação e de the Portuguese language in basic education. In
distanciamento (RODRIGUES, 2001); (iv) as this article, we focus on the articulation of the
acentuações valorativas decorrentes desses semantic-axiological stratum with the thematic-
movimentos dialógicos e a consequente compositional aspect of these data in the
composição dicotômica dos enunciados, além

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 17 126


constitution of the discursive structure of the same. With this focus, it is desired to point out
(i) the voices that cross the concrete statements; (ii) the instances from which they emerge;
(iii) the way of crossing these voices, through dialogical movements of approach and distance
(RODRIGUES, 2001); (iv) the value accentuations resulting from these dialogic movements
and the consequent dichotomous composition of the utterances, in addition to presenting
previously (v) the specificities of the discursive genre and the sphere of activity in which the
statements are inserted as factors that influence coercion both on the semantic-axiological
component, and on the thematic-compositional component. It is intended to elucidate, with
these notes, that the discursive structures materialized in the reports are constituted by
opposing visions that reverberate two competing valuation patterns quite demarcated in the
meanings about the teaching approach.
KEYWORD: Discursive Structure, Accents of Value, Dialogical Analysis, Initial Teacher
Training, Teaching of Portuguese Language.

1 | INTRODUÇÃO
A pesquisa de que este capítulo deriva debruçou-se sobre relatórios elaborados
no âmbito da componente curricular Estágio Supervisionado do Curso de Letras, etapa
de observação, com vistas a apreender como o ensino da Língua Portuguesa aparecia
discursivizado por licenciandos do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente (IEAA),
da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Como dados centrais de análise, foram
considerados trinta e três (33) desses documentos institucionais produzidos entre 2011/2
e 2013/1.
Orientada pela perspectiva sócio-histórica e dialógica do Círculo de Bakhtin, as
materialidades textuais dos relatórios foram tomadas como enunciados concretos com os
quais, ao longo da análise, procurou-se alcançar uma compreensão ativa responsiva. Neste
sentido, o resultado final equivale não a um fechamento conclusivo, mas ao acabamento
consequente da interação estabelecida entre os sujeitos autores dos relatórios, por meio do
material coletado, e a pesquisadora, pelo viés dialógico bakhtiniano da análise apreendida.
Adotar a perspectiva dialógica como pressuposto teórico implica em condições
bastante peculiares ao direcionamento da pesquisa, tanto na organização metodológica,
quanto na atitude analítica, razão pela qual faz-se relevante elucidar, ao menos de modo
geral, a perspectiva bakhtiniana e a Análise Dialógica do Discurso (ADD) de que dela
decorre.

2 | PERSPECTIVA BAKHTINIANA E A ANÁLISE DIALÓGICA DO DISCURSO


A perspectiva dialógica bakhtiniana destaca-se pelo caráter sócio-histórico e
interacional orientado pela

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 17 127


(...) questão que irá sustentar todo o arcabouço teórico do Círculo, o fato
da linguagem consistir num complexo heterogêneo e multifacetado que
se materializa na palavra e em outras materialidades semióticas, mas que
só significa, na medida em que concretiza seu aspecto ideológico, sendo
imprescindível a ação entre sujeitos situados numa dada sociedade, num
determinado tempo, que a enunciam de uma determinada forma, dirigindo-se
a alguém com um determinado fim. (MENDONÇA, 2014, p. 17)

Essa percepção interacional da linguagem impõe aos estudos que se voltam a ela
a necessidade de considerá-la viva, como ação humana através da qual se estabelecem
relações específicas entre os sujeitos interactantes. Dito de outro modo, torna-se
imprescindível o desdobramento da análise para além de sua materialidade textual a fim de
alcançar os sentidos atravessados em cada enunciado concreto.
É por essa razão que o direcionamento metodológico deve partir sempre do escopo
mais amplo (social) para o mais estrito (textual), de forma a tornar possível a apreensão
das relações dialógicas e ideológicas que emergem das articulações semântico-axiológicas
e temático-composicionais inerentes a cada materialização enunciativa.
A análise dialógica do discurso, sem apresentar uma sistematização metodológica
rigorosa, propõe esse direcionamento como movimento a ser adotado na análise, seguindo
a diretriz bakhtiniana e, conforme sustenta a autora, corresponde a “um corpo de conceitos,
noções e categorias que especificam a postura dialógica diante do corpus discursivo, da
metodologia e do pesquisador”. (BRAIT, 2010, p. 29)
Respeitando essas orientações, destaca-se, na sequência, os elementos contextuais
mais imediatos em que se inserem os enunciados analisados: o gênero relatório de estágio
supervisionado e a esfera de atividade acadêmica a que se vincula.

3 | ESPECIFICIDADES DO GÊNERO E DA ESFERA


Bakhtin gesta o conceito de “gêneros do discurso” (GD) (BAKHTIN, 2010 [1979], p.
262) para dar conta da relação intrínseca entre as relações intersubjetivas, a concretização
da língua por meio das práticas de linguagem e o contexto sócio-histórico em que se situam
os sujeitos. Os gêneros equivalem, assim, ao vínculo entre o individual e o social através
do qual a linguagem se faz viva como veículo ideológico. Deste modo, os elementos que
constituem o GD - conteúdo temático, estilo e construção composicional - refletem todas
essas relações.
Os relatórios de estágio supervisionado correspondem a um GD que apresenta alto
grau de institucionalidade e, consequentemente, sobre os textos que nele se materializam
incide elevada coerção temática, estilística e composicional pela esfera acadêmica em que
se situa.
É preciso considerar o fato de que, na perspectiva do Círculo, a palavra é sempre
orientada e de que

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 17 128


Essa orientação da palavra em função do interlocutor tem uma importância
muito grande. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é
determinada pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se
dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor
e do ouvinte. (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 2010 [1929], p. 117)

Ter em conta esse direcionamento da palavra é fundamental para a apreensão


dos sentidos constituídos nos discursos dos relatórios e de sua relação com a dimensão
imediata que os engloba.
A produção dos relatórios ocorre como parte do processo avaliativo dos alunos
da graduação e, portanto, integra uma conjuntura acadêmica dada de que fazem parte
determinadas diretrizes teóricas e ideológicas. Por outro lado, a relação de interação
estabelecida por esse gênero é assimétrica, uma vez que o professor representa figura de
autoridade e está hierarquicamente acima da posição-sujeito do aluno, já que cabe àquele
a atribuição de nota da qual este último depende para a aprovação.
Todas essas particularidades emergem das estratégias discursivas nos enunciados
dos relatórios. Os enunciatários elaboram um projeto discursivo em função da inteligibilidade
que possuem sobre o docente interlocutor e, mais importante, sobre o que creem ser suas
valorações.
A análise das vozes e acentuações que atravessam os discursos desses licenciandos
respalda-se nessas questões.

4 | VOZES E ACENTUAÇÕES VALORATIVAS NOS ENUNCIADOS


A análise das vozes parte da “ideia-mestra segundo a qual toda a voz (todo ato)
humana envolve a relação com várias vozes (atos), dado que nenhum sujeito falante é a
fonte da linguagem/do discurso, ainda que seja o centro de suas enunciações” (SOBRAL,
2009, p.33).
Tendo essa ideia como ponto de partida, apresenta-se, no quadro a seguir, excertos
de alguns relatórios que compuseram o corpus da pesquisa.

Em vistas das duas vertentes de metodologias, na tradicional constatou-se que,


não traz um resultado eficaz e o aluno fica condicionado preocupado somente em tirar
uma boa nota e passar de ano, já a inovadora estimula o estudante a desenvolver um
caráter mais crítico e participativo levando-os a se posicionarem em situações sociais,
tomando decisões responsáveis utilizando o diálogo como forma de mediação.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 17 129


Recomenda-se aos professores a conscientização do ensino da Língua
Portuguesa, criando metodologias adequadas e dinâmicas apropriadas para se conseguir
um resultado mais produtivo para a vida dos alunos e abandonando de vez algumas
metodologias procedentes de um ensino tradicional. (...) Nesse contexto, analisamos a
metodologia como um dos pontos essenciais no processo de ensino-aprendizagem.
Os professores não devem usar só a metodologia tradicional, como a maioria
dos professores de escolas públicas usa, não mudam sua metodologia de ensino,
permanecem com a mesma metodologia desde que começaram a dar aula. São
professores tradicionais que se prendem demais na gramática, reparando em erros
ortográficos e na variação linguística do aluno.
Muitas das aulas observadas tiveram um teor essencialmente gramatical,
tradicionalista, aos moldes da educação bancária que Paulo Freire tanto critica em seu
livro “Pedagogia do Oprimido”, contrapondo-se também aos Parâmetros Curriculares
Nacionais que priorizam a autonomia na construção do conhecimento, contextualização
dos conteúdos e utilização da linguagem de forma plena através dos gêneros textuais.
Assim é válido ressaltar que o processo de ensino-aprendizagem já está sendo
trabalhado conforme os PCNs, ou seja, a educação está transformando as pessoas, que
antes eram tachadas de serem não pensantes, devido ao método tradicionalista, hoje(...)

Fonte: elaborado pela própria autora.

Esses recortes evidenciam a percepção dicotômica que permeia o entendimento


desses licenciandos acerca do ensino de Língua Portuguesa (LP), cujos projetos de dizer
são marcados pela ancoragem nos pressupostos teórico-epistemológicos subjacentes aos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNs) (BRASIL, 1998), de um
lado, e pelos conteúdos de ensino, metodologias e prática docente que encerram o conceito
de ensino tradicional de LP, por outro. No contexto desses discursos, os PCNs constituem
a ancoragem marcada por uma valoração positiva e pela legitimação da esfera acadêmica
que os veicula como conhecimentos teóricos do Curso de Letras. Funcionam, assim, no
interior dos enunciados dos licenciandos, por já-ditos que devem ser considerados como
diretrizes norteadoras do que deve ser discursivizado positivamente e defendido, em
função de seus interlocutores/professores de estágio e das condições de produção que
o compelem a reproduzir o que se veicula na graduação. Já o ensino tradicional constitui
a ancoragem marcada por uma valoração negativa, a partir da qual o sujeito orienta seu
discurso criticamente, funcionando, assim, como diretriz do que deve ser censurado,
depreciado e corrigido. Tem-se, assim, discursos sobre o ensino de LP que se constituem
dicotomicamente, polarizadamente, de forma explicita ou não, atravessados por vozes (já-
ditos) das duas instâncias em que se sustentam (ensino tradicional e ensino operacional e

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 17 130


reflexivo), marcados por movimentos dialógicos de distanciamento em relação ao primeiro
e de assimilação em relação ao segundo (RODRIGUES, 2001) e moldados ao aceite do
interlocutor previsto/imediato, em razão da relação hierárquica em que esse assume uma
posição legitimada e superior, representando papel de autoridade na relação dialógica que
instaura esses discursos dentro da esfera de atividade acadêmica.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão responsiva brevemente elucidada neste texto evidencia a
constituição da discursividade sobre o ensino de Língua Portuguesa de modo polarizado.
Tal estruturação discursiva aponta a constituição da inteligibilidade dos licenciandos sobre
o ensino de LP pelo atravessamento de vozes procedentes de distintas orientações.
Considerando os diferentes enunciados, apreende-se que, em alguns, apresentam-se
discursos que indicam que a proposta de ensino de LP, veiculada nos PCNs, encontra-se
em processo de assimilação, enquanto, em outros, essa proposta apresenta-se apenas
revozeada por já-ditos que os licenciandos assumem como valorados positivamente por
seus interlocutores, uma vez que emergem da instância acadêmica. Não se mostrando, no
entanto, assimiladas de fato por esses sujeitos.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do
método sociológico na ciência da linguagem. 14. ed. São Paulo. Hucitec, 2010 [1929].

__________. Estética da criação verbal. Trad. do russo por Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2010 [1979].

BRAIT, Beth. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: outros conceitoschave. São
Paulo: Contexto, 2010, p. 9 – 32.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto


ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.

MENDONÇA, Fernanda Dias de Los Rios. Discurso de professores de língua portuguesa em


formação: uma análise dialógica de relatórios de estágio supervisionado de observação. 2014. 273f.
Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Linguística. Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis, 2014.

RODRIGUES, Rosângela Hammes. A constituição e o funcionamento do gênero jornalístico


artigo: cronotopo e dialogismo. Tese (Doutorado) - Programa de Estudos Pós-Graduados em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Pontifícia Universidade Católica. São Paulo, 2001.

SOBRAL, Adail. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do círculo de Bakhtin. Série


Ideias sobre Linguagem. São Paulo: Mercado de Letras, 2009.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 17 131


CAPÍTULO 18
doi
VIOLÊNCIA DOMESTICA CONTRA MULHER
NO BRASIL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA
LITERATURA

Data de aceite: 01/10/2020 Maria Antonieta Falcão de Freitas


Associação de Ensino Superior do Piauí -
AESPI
Teresina – PI
Ana Lina Gomes dos Santos
https://orcid.org/3365830592922214
Associação de Ensino Superior do Piauí -
AESPI Rosália Maria Rodrigues Santos
Teresina – PI http://lattes.cnpq.br/0376042574494274
http://lattes.cnpq.br/1319808351475667
Laelson Rochelle Milanês Sousa
Andressa Maria Lima Sousa Mestre pela Escola de Enfermagem de
Instituto de Ensino Superior Múltiplo. Timon-MA Ribeirão São Paulo da Universidade de São
http://orcid.org/.0000-0003-0761-9642 Paulo -SP
https://orcid.org/2841056715078486
Iana Samara Braga Rodrigues
Centro de Ensino Unificado-Ceut
Teresina-PI
http://lattes.cnpq.br/ 4356422386407748 RESUMO: A violência doméstica contra mulher
são todas as ações com crueldade ou não
Izangela Souza Chaves
acometida pelo parceiro ou pessoa que more
Associação de Ensino Superior do Piauí -
AESPI na mesma habitação da vítima, trazendo dando
Teresina – PI drástico à mulher. Objetivo analisar a trajetória
http://lattes.cnpq.br/ 1650875467047433 da violência doméstica contra mulher no Brasil.
METODOLOGIA: revisão integrativa, realizada
Neurilene Gomes dos santos no reconte temporal nos periódicos científicos
Associação de Ensino Superior do Piauí - nacionais disponíveis online, nas bases de
AESPI dados: MEDLINE, LILACS, BIREME, publicados
Teresina – PI
nos períodos de 2012 a 2019, usando os
http://lattes.cnpq.br/9505347385020791
descritores: violência doméstica contra mulher,
Maria Paula da Silva Oliveira formicídio, saúde pública. RESULTADOS:
Centro Universitário Uninovafapi foram identificados 101 artigos e na amostra
Teresina – PI final, selecionados 10 artigos com índices de
http://lattes.cnpq.br/0372257538718561 mortes contra mulheres por violência doméstica
e, em diversos casos, o fim da vida destas
Kelly Evenlly da Silva Santos
aconteceram só pelo fato de serem mulheres.
Centro Universitário Uninovafapi
Diante do exposto, fica evidenciado que o Brasil
Teresina – PI
http://lattes.cnpq.br/2174052167031340 ocupa a quinta posição de mulheres mortas por
formicídio. Assim fica comprovado que a carência

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 132


de profissionais capacitados aumenta a fragilidades das políticas públicas no trabalho em
rede. Para melhor entendimento este artigo apresenta resultados organizados em categorias
multi-profissionais de saúde. CONCLUSÃO: foi constatado que a violência doméstica contra
mulher, acontece em qualquer classe social, mas com destaque para as mulheres pobres.
Não existe um perfil definido de agressor. Há uma maior prevalência de mortes de mulheres
por formicídio, fato este desafiador para a sociedade e poder público, mesmo com criações
de leis projetivas e reabilitadora para a mulher e punitiva contra seu agressor.
PALAVRAS-CHAVES: Violência contra mulher, formicídio e saúde pública.

ABSTRACT: Domestic violence against women are all actions with cruelty or not affected by
the partner or person who lives in the same housing of the victim, bringing drastic giving to
the woman. This study aims to analyze the trajectory of domestic violence against women in
Brazil. METHODOLOGY: integrative review, carried out in the temporal reconte in the national
scientific journals available online, in the databases: MEDLINE, LILACS, BIREME, published
in the periods of 2012 to 2019, using the descriptors: domestic violence against women,
formicide, public health. RESULTS: 101 articles were identified and in the final sample, 10
articles with rates of deaths against women due to domestic violence were selected and,
in several cases, their end of life occurred only because they were women. In view of the
above, it is evidenced that Brazil occupies the fifth position of women killed by formicide.
Thus, it is proven that the lack of trained professionals increases the fragility of public policies
in networking. For a better understanding, this article presents results organized into multi-
professional health categories. CONCLUSION: it was found that domestic violence against
women occurs in any social class, but especially for poor women. There is no definite
aggressor profile. There is a higher prevalence of deaths of women by formicide, a fact that is
challenging for society and public power, even with the creation of projective and rehabilitative
laws for women and punitive against their aggressor.
KEYWORDS: Violence against women, formicide and public health.

1 | INTRODUÇÃO
Violência doméstica contra mulher (VDCM) são todas as ações com crueldades ou
não acometidas pelo parceiro ou pessoa que more na mesma habitação da vítima, trazendo
danos drásticos à mulher. Nos tempos antigos a figura feminina, segundo o entendimento
bíblico da época, era vista pelo homem como um ser criado e educado para servi-lo em
todos os sentidos, ainda com apoio da religião, não tinha direito a expressão, tornando-se
objeto de procriação, o homem era seu senhor.
Por mais de 2.500 anos a mulher sempre foi subordinada, mas na idade média iniciou
a busca pela liberdade com a queima dos sutiãs em praça pública. Havia a existência da
violência exacerbadamente, eram queimadas junto ao marido falecido para salvar a honra
da família e se fosse vítima de violência sexual por um membro familiar ou qualquer outro,
não eram questionados (BROCH,et.al 2016).

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 133


Do ponto de vista histórico a VDCM, no Brasil em 2002 de acordo com o código civil,
art.233, cap. II “o homem era o chefe da família”, somente na metade do século XIX que as
mulheres iniciaram a reivindicação dos seus direitos. Destacando-se diversas conquistas
de 1932 a 1977, a Constituição brasileira garantiu o direito ao voto, igualdade de sexo,
liberdade ao espaço público fazendo parte do mercado de trabalho.
Criado o movimento pela anistia feminina, a ONU institui ano internacional da
mulher, lei do divórcio, a VDCM deixa de ser tratada com naturalidade diante da sociedade
ganhado legitimidade nos casos de violências sofrida. Com o avanço houve diversos
conflitos por não aceitação, pois a sociedade ainda cultiva a cultural herdada, abrangendo
todas as classes sociais (SILVIA, 2015).
Assim, Nascimento (2018), relata que apesar do esforço da organização mundial
em combater a VDCM e de gênero, ainda assim é uma questão de saúde pública difícil
de ser erradicada, por estar enraizada na história da humanidade que define o papel da
mulher dentro do lar e resguarda o homem de modo a não incomodá-la, cujos valores foram
repassados de seus pais. A Constituição Federal em seus artigos 5º e inc. I e art. 226, § 5º
equiparação entre homem e mulher com direitos iguais, a criação da lei Maria da penha, lei
nº11. 340 /7/8/ 2016.
O homem perde o poder dominador, decisão sobre o seu lar e esposa, justificando o
uso da força bruta para impor suas vontades e neutralizar a companheira. Nos dias atuais
a Violência Doméstica contra a Mulher-VDCM no Brasil ocupa o quinto lugar no ranking
mundial entre os países mais violentos, onde uma mulher é morta a cada duas horas,
atingido a viárias etapas de vida e classes sociais, tornando-se conflitos desafiadores para
a sociedade, como também para o poder públicos nas várias instâncias.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima-se que, no mundo, uma
em cada três mulheres (35%) sofreram algum tipo de violência por parte do parceiro durante
a vida, em média (30%) de mulheres que passaram por um relacionamento, diz ter sofrido
agressões por parte do cônjuge. Os estudos mostram que (38%) dos assassinatos estão
relacionado ao gênero feminino e são cometidos por um parceiro masculino (OMS, 2017).
No Brasil, entre 2001 a 2011, foram registradas mais de 50 mil mortes por violências
ao sexo feminino, definindo-as como feminicídio. Em média, 5.664 mortes de mulheres por
violência domesticam a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia. Em 2017 os índices
elevaram-se para 6,5%, comparado a 2016 e 2015, 11 estados não registraram dados
sobre a pesquisa, como também três estados em 2017 não apresentaram registros.
Em março de 2015, aprova-se a Lei 13.104, do Feminicídio, qualificando crime
contra mulher como crimes hediondos, justificando pelo Código Penal de 1940 (Código
vigente) no artigo 23, inciso II, (PAIXAO; MENEGHEL, 2017). Neste contexto, buscou-
se responder a seguinte problemática: Como os profissionais de saúde estão lidando
com estes tipos de violências? A escolha do tema surgiu na procura por compreender os
meios que possam promover, prevenir buscando nas políticas públicas ações capazes de

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 134


identificar a vulnerabilidade das vítimas de VDCM resultando em feminicídio, fazendo com
esta denuncie o agressor sem ficar exposta a violências e suas consequências, reforçado
as medidas de proteção.
A relevância deste estudo está em descrever como os profissionais de saúde estão
lidando com estes tipos de violências, identificando os fatores de risco, não sendo omisso,
denunciando para que não fique impune, levado o agressor a pagar pelo crime cometido.
Assim o estudo propõe levar informações, orientações claras a respeito da VDCM e
feminicídio como uma questão de saúde pública, no intuito de mostrar dados e informações
relevantes para futuras pesquisas. Esta foi a razão pela qual objetiva-se analisar a trajetória
da violência doméstica contra mulher no Brasil.

2 | METODOLOGIA
O estudo de revisão integrativa da literatura, com abordagem qualitativa, para
identificação das produções científicas sobre violência doméstica contra mulher no Brasil
e o feminicídio uma questão de saúde pública, entre 2012 a 2018. A revisão integrativa
de a literatura possibilitar ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito
mais ampla nos quais o pesquisador poderia pesquisar diretamente (MENDES, GALVÃO
& SILVEIRA, 2008).
Assim, para o desenvolvimento metodológico, utilizou-se seis etapas: identificação
do tema, definição do objetivo, formulação da questão norteadora, avaliação e análise dos
dados e apresentação dos resultados (SOUSA; SILVA; CARVALHO, 2010). A pesquisa
aconteceu de janeiro a março de 2020 nas bases de dados LILASCS (literatura científica e
técnica América do caribe), BDENF (bases de dados bibliográfica especializada na área de
enfermagem) e BIREME (centro latino-americano e do caribe de informação em ciências
da saúde).
Utilizou-se, também, o critério de inclusão de artigos originais publicados no período
de 2012 a 2018 com resumos e textos completos disponíveis no idioma português, espanhol
e inglês publicado a nível nacional no Brasil. Foram excluídos manuscritos em duplicidade.
Para a produção, foi realizada uma leitura sistemática, no período correspondente
de janeiro a março de 2019, que consistiu em três etapas: primeira etapa – leitura dos títulos
dos artigos; segunda etapa – leitura dos resumos dos artigos selecionados na primeira
etapa; terceira etapa – leitura na íntegra dos artigos selecionados da segunda etapa e
inclusão de outros artigos capazes de atender aos critérios de seleção.
A análise do material, a partir dos artigos selecionados, foi realizada mediante a
construção de categorias temáticas que, segundo Minayo (2012), visa identificar os núcleos
de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência signifiquem alguma
coisa para o objetivo analítico pretendido. Os resultados se encontram organizados em
duas categorias para apresentação dos resultados. Ao utilizar os descritores combinados
na Biblioteca Virtual em Saúde foram encontrados 101 artigos.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 135


Aplicou-se os critérios de inclusão, ficaram 10 artigos, sendo 3 no LILACS, 4 no
BDENF e 3 BIREME. Após a avaliação dos títulos e resumos, excluiu-se 68 artigos, pois
eram repetidos ou não respondiam à questão norteadora.

3 | RESULTADOS E DISCUSSÕES
A amostra final analisada foi de 10 artigos científicos que atenderam à questão
norteadora do estudo: Como os profissionais de saúde estão lidando com estes tipos de
violências no contexto do feminicídio? A seguir, será apresentado um quadro, fluxograma,
gráfico, ano de publicação, período, autores, objetivos e principais resultados.
A partir da combinação dos descritores foram obtidos 101 artigos sobre o tema
em estudo. Após a utilização de filtros restaram 89 artigos. Procedeu-se à observação
da adequação ao tema, relevância, originalidade e profundidade, e 68 publicações foram
excluídas porque estavam fora do contexto temático, restando 12 artigos para análise e
discussão como demonstrado no Fluxograma na Figura 01.

Descritores: violencia contra mulher, feminicídios saúde pública.


Artigos encontrados: 101

Filtro: Artigos originais publicados entre 2012 a 2019, Idioma Português


e Inglês
Publicados no Brasil.

Nos critérios Restaram 12 Critérios de


de inclusão:12 artigos para Exclusão 89
artigos Análise e discussão artigos excluídos

Figura 1- Fluxograma da seleção dos artigos do estudo


Fonte: Pesquisa derivada do Banco de dados BVS (2018).

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 136


AUTORES/ TITULO TIPO DE OBJETIVO RESULTADOS
AUTOR/RE ESTUDO PRINCIPAIS
VISTA
BERALDI ACP, Violência contra Quantitativo Descrever o Identificou que os profissionais de
et. al. 2012. a mulher na conhecimento dos saúde na sua maioria desconhecem
Rev. Bras. rede de atenção enfermeiros das as características importantes que
Saúde Mater. básica: o que Unidades Distritais levam a perceber os sinais de violência
Infant. os enfermeiros Básicas de Saúde doméstica contra mulher ou pelos menos
sabem sobre o do município de suspeitam
problema? Ribeirão Preto,
SP, Brasil, acerca
da violência
contra a mulher,
particularmente
aquela cometida pelo
parceiro íntimo.
Gomes, et. Percepção Dos Qualitativo Identificar, na Identificou a necessidades de
al.2012 Rev. Profissionais percepção de trabalhar em rede, falta de suporte
Enfermagem. Da Rede De profissionais da financeiro, politicas de renda, a A
Uerj Serviços Sobre rede de serviços, escassez de literatura científica sobre
O enfrentamento elementos que rede de enfrentamento da violência
Da Violência contribuem para o configurou-se como uma limitação
Contra A Mulher enfrentamento da para o enfrentamento da violência
violência contra a contra a mulher, embora a Lei Maria da
mulher. Penha recomende que seja aplicada
lei protetivas. Recomenda estudos e
pesquisas sobre a temática, ainda é
notória a falta de saúde pública.
HESLER, et. Violência contra Qualitativa Conhecer e Evidenciou que a violência doméstica
al..2013. Rev. as mulheres compreender a contra mulheres é observada nas suas
gaúch. enferm na perspectiva violência contra falas como naturalidade. Desigualdade
dos agentes as mulheres de gênero, social, condições
comunitários de na perspectiva econômicas, o álcool e as drogas são
saúde dos Agentes considerados fatores influenciadores
Comunitários de para a ocorrência desse fenômeno.
Saúde inseridos Quanto a prática profissional necessita
nas Estratégias de de ferramenta para a construção de
Saúde da Família ações junto com a equipe de saúde,
de um município da além do vínculo, da escuta e do diálogo
região noroeste do com a mulher vítima de violência.
Rio Grande do Sul
NASCIMENTO, Perceptions Qualitativa Identificar las Identificou a prevalência de
et.. al. 2014. and practices percepciones y preconceitos, superioridade masculina,
Cad. Saúde of Angolan prácticas de los atribuindo o papel dominante aos
Pública health care profesionales de homens e identificando as mulheres
professionals salud de Angola como fracas e indefesas. Assim a
concerning sobre la violencia maioria dos profissionais puderam
intimate partner contra la mujer en la listar os tipos de violências e suas
violence against relación marital consequências, tendo com resultados
women a morte por feminicídio, colocando a
responsabilidade sobre as mulheres pela
agressão que sofrem nessa relação.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 137


SILVA, et. al. Representação Qualitativa Analisar as Verificou que violência doméstica contra
2015. social da representações a mulher possui conotação negativa,
Rev. esc. violência sociais dos Técnicos identificando abuso, agressão física,
enferm. USP doméstica de Enfermagem covardia, falta de respeito como fatores
Rev. esc. contra a mulher e Agentes principais e a falta de conhecimento
enferm. USP entre Técnicos Comunitários de dificulta a busca de estratégias de
vol.49 no.1 São de Enfermagem Saúde acerca da prevenção e intervenção junto às
Paulo fev. e Agentes violência doméstica vítimas, agressores e gestores dos
Comunitários contra a mulher. serviços de saúde pública.
OLIVEIRA, Perception Qualitativa Buscou-se conhecer Observou a relação às intervenções
et. al. .2015. of healthcare a percepção dos primárias para prevenção da violência
Rev. enferm. professionals profissionais das doméstica. Verificou ações facilitadoras
vol.24 no. 2 regarding Equipes de Saúde para descobrir as suspeitas e fatores
Florianópolis primary da Família, da que dificultaram: foram: difícil acesso
Apr./Jun e interventions: área do Programa às famílias por medo, não haver uma
preventing de Prevenção à autoridade real nas ações investigadoras
domestic Violência, acerca das equipes para confirmar casos
violence das intervenções suspeitos.
primárias, a fim de
evitar a violência
intrafamiliar
SOUSA, et. al. Políticas Qualitativa Investigar a implementação de políticas
2015. públicas e públicas voltadas ao enfrentamento da
Rev.SPAGESP violência contra violência contra a mulher nas instituições
vol.16 n o.2 a mulher: a de Assistência Social (Centro de
Ribeirão Preto realidade do Referência Especializado de Assistência
2015 sudoeste goiano Social) e Segurança Pública
Identificou que as políticas de
enfrentamento à violência contra a
mulher ainda não estão devidamente
implementadas de maneira coerente,
impedido os profissionais no exercício de
seu trabalho. a falta de teoria e técnica
que norteia a atuação profissional
BROCH, et .al Mulheres vítimas Quantitativa. Caracterizar as Identificou na sua pesquisa sinais
. 2016. Rev. de violência: mulheres vítimas de que viabilizam e caracteriza como
Enfermagem. percepção, violência quanto à consequências da violência doméstica
UFPE. queixas e percepção, queixas sentir dor, 69,1% sono inadequado
estão comportamentos e comportamentos e 61,9% cansaço o tempo todo,
presentes relacionados à relacionados à sua 54,8% se assustaram com facilidade,
em mulheres sua saúde saúde física e mental 83,3% estiveram nervosas, tensas ou
vítimas de preocupadas e 71,4% choraram mais
violência sobre do que o costume. Verificou que as
a saúde das manifestações clínicas, físicas e/ou
vítimas. mentais

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 138


MENEGHEL, Feminicídios: Quantitativo Analisar a relação Analisar a relação entre feminicídios
et.al. 2017. estudo em entre feminicídios e indicadores socioeconômicos,
Cienc. Saúde. capitais e e indicadores demográficos, de acesso e saúde em
Colet; municípios socioeconômicos, capitais e municípios brasileiros de
brasileiros de demográficos, de grande porte populacional
grande porte acesso e saúde em Verificou que nos primeiros três
Populacional. capitais e municípios meses em média 4.5/100mil mulheres
brasileiros de grande foram mortas por feminicídio, e no
porte populacional segundo período 4,9/100 mil, eram
mulheres pobres e o agressor sempre
é o companheiro. Identificou uma
associação negativa entre pobreza e
mortes femininas indica uma relação
comparada as mortes de mulheres nas
regiões mais ricas na sua maioria são
pobres e todas relacionadas a violência
de gênero, fundamentalismos e violência
urbana.
PAIXÃO, et.al. Naturalization, Qualitativo Analisar a percepção Verificou que a percepção do homem
2018. reciprocity and de homens em sobre a violência contra sua parceira
Rev.Bras. marks of marital processo criminal é natural na relação conjugal. Não
Enferm. vol.71 violence: male sobre a violência percebeu a preocupação com marcas
no. Bra sília defendants’ conjugal. deixadas nestas mulheres pela violência
Jan./Fev perceptions contra elas acometidas por eles.

Quadro 1- Caracterização dos estudos conforme: autor, ano, título, tipo de estudo, objetivo
principal e resultados. Teresina, PI, 2019.
Fonte: Pesquisa derivada do Banco de Dados BVS (2018).

A pesquisa foi estruturada em duas categorias temáticas, possibilitando uma melhor


análise sobre os dados da pesquisa. Os artigos analisados foram escritos, em sua maioria,
por enfermeiros e trouxeram resultados relacionados à contextualização a violência
doméstica contra mulher e o feminicídio no Brasil uma questão de saúde pública.
Categoria I: trajetória da violência doméstica contra mulher Brasil.
A violência doméstica contra mulher é qualquer ato, ou ação que traga danos à
saúde desta e geralmente são acometidas dentro do lar por familiares ou conhecido no
intuído de manter autoridade, capaz de deixar sequelas graves, em que a maioria das
vítimas são mulheres. A VDCM passou por várias mudanças significativas no decorrer
dos anos, nos dias atuais a convenção interamericana classificar a VDCM em sete tipos:
violência patrimonial, sexual, física, moral cárcere privado, tráfico privado e psicológico.
As consequências drásticas de ferimentos levam à morte e acontece em todas as classes
sociais ou etnias. A maioria dos casos são omissos, dificultando a punição do agressor ou
identificação (SILVIA, 2015; HESLER, 2013; NASCIMENTO, 2014).
Neste sentido a Lei Maria da Penha 11. 340/06 define a violência doméstica como
todo ato capaz de trazer consequências graves no espaço domiciliar, em qualquer relação
íntima amorosa com o agressor e que conviva ou tenha contato com a vítima, de acordo
com o balanço de segurança pública a prevalência de 51,06% de violência física, 31,0% de

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 139


violência psicologia, 6,5% violência moral, 4,86% cárceres privados, 4,30% violência sexual,
1,93% violência patrimonial e tráfico de pessoas 0,24% (GOMES, 2014; NASCIMENTO,
2014; SILVA, 2015).
Neste contexto, Silva (2015), acrescenta que todas as vítimas procuram sempre
serviço de saúde, com doenças que os exames não diagnosticam, gerando um círculo
vicioso de idas e voltas e os profissionais devem ter um olhar amplo para perceber os sinais
de alerta, só que geralmente há uma falha na rede de assistência ou na comunicação entre
elas, uma vez que a vítima não fala sobre o assunto, mas dar indicativo de que algo está
errado, devendo o profissional procurar por ajudar junto a outros órgãos, por que, em muitas
vezes, não há retorno desta ao setor, uma vez que são assassinadas seguidamente pelo
companheiro, pois a Constituição Federal, art. 226, define ser dever do Estado assegurar
a assistência à família e criar mecanismos que coíbam a violência no âmbito de suas
relações e o poder público reconhece como crime a omissão de socorro de tais crimes.
Todavia BROCH (2016), na sua pesquisa encontrou os sinais que todas as vítimas
acometidas de violência doméstica apresentam: sente dor 69,1% sono inadequado e 61,9%
cansaço o tempo todo, 54,8% se assustaram com facilidade, 83,3% estiveram nervosas,
tensas ou preocupadas e 71,4% choraram mais do que o costume. Assim, verificou-se que
as manifestações clínicas, físicas e/ou mentais estão presentes em todas as vítimas.
Evidência mostra que a mulher é protagonista dos crimes em decorrência da
agressividade do homem, somente pelo fato de ser mulher, ou seja, por desprezo, machismo,
egoísmo, fúria, crueldade, dentre outras. Categorizado como caso que as políticas públicas
possam está buscando meio de intervir no enfrentamento destas questões, fortalecendo
mecanismo capaz de solucionar problema de omissão, pois as vítimas procuram por ajuda
e não encontram profissional capaz de perceber os sinais inicias de violências que estas
estejam sofrendo, evitando óbitos precoces. O mapa de violência mostra a Região Nordeste
com os índices mais elevados nos registros e mais violentos, distinguindo das demais
regiões com mortes, em decorrência da VDCM resultando em feminicídio (BERALDI, 2012;
SOUSA, 2015; NASCIMENTO, 2014; MENEGHEL, 2017).
Ao analisar os anos de 2009 a 2011, verificou-se que a VDCM possui uma
negatividade ligada à pobreza, pois mesmo em bairros “tidos como ricos” as mortes estão
ligadas a mulher de classe social menos favorecida. Agrupou-se 100mil assassinatos de
mulheres que apresentou os seguintes resultados entre as regiões: Nordeste-6,9%, Centro
Oeste-6,86%, Norte-6,42%, Suldeste-5,14% e Sul-5,08%, destacando a Região Nordeste
como os estados com maior taxa de mortalidade. Neste contexto, o homem trata a violência
contra mulher com naturalidade, frieza e sem preocupação com as marcas deixadas por
eles contra suas parceiras (SILVIA, 2015; OLIVEIRA, 2015; PAIXÃO, 2018).
Silva (2015), identificou agressão física, covardia, falta de respeito como fatores
principais e falta de conhecimento por parte dos profissionais que dificultaria a busca por
estratégias de prevenção junto às vítimas, mas Sousa (2015), acrescenta que as políticas

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 140


de enfrentamento VDCM ainda não estão devidamente implementadas de maneira
coerente, impedido os profissionais no exercício de seu trabalho e a falta de teoria como,
também, técnica que norteia a atuação profissional. Oliveira (2015) inclui a importância das
intervenções primárias para prevenção da violência doméstica.
Verificou-se ações facilitadoras para descobrir as suspeitas e fatores que dificultaram
acesso às famílias por medo e por não haver uma autoridade real nas ações investigadoras
das equipes para confirmar casos suspeitos. HESLER (2013), concorda com os autores
anteriores mais encontrou na sua pesquisa que a prática profissional necessita de
ferramenta para a construção de ações junto com a equipe de saúde, além do vínculo, da
escuta qualificada e do diálogo com a mulher vítima de violência.
Categoria II: O feminicídio como uma questão de saúde pública
O feminicídio é o crime contra mulher motivada pelo fato da vítima ser mulher,
tendo características diferentemente de outros assassinatos, tipo: mutilações de órgão
genitais ou pelo comportamento da vítima que incomodou o parceiro e ocorre no ambiente
doméstico. Com a criação da lei do feminicídio de nº 13.104/2015, qualifica, segundo o
código penal crime hediondo que prevê pena de 12 a 30 de prisão, enquanto o crime de
homicídio simples a pena é de 6 a 12 anos de reclusão, este crime por acontece dentro
de casa denota três agravantes: gestante até o terceiro mês pós-parto, menor de 14 anos,
maior que 60 anos, com algum tipo de deficiência, e se for na presença de filhos ou pais da
vítima (NASCIMENTO, 2014; MENEGHEL, 2017; HESLER, 2013).
Analisando caso de óbitos entre 2007 a 2013, nos primeiros três meses de estudos
encontrou-se 4,5% para cada 100 mil mulheres mortas identificado como crime por ser
mulher classificado de feminicídio e segundo período 4,9 por cento, 100 mil mulheres
tiveram suas vidas ceifadas por homens, associados ao gênero, inserida na zona urbana.
Quanto à prática profissional necessita-se de ferramenta para a construção de ações
junto à equipe de saúde, além do vínculo, da escuta e do diálogo com a mulher vítima de
violência (MENEGHEL, 2017).
Para melhor compreensão dos fatos optou-se por gráficos que demostram a
frequência, número de feminicídio por estados veja abaixo:

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 141


Neste aspecto, o feminicídio é visivelmente não só no Brasil, mais no mundo de modo
geral, com índice de mortalidade inaceitável, o poder público deveria inserir programas de
intervenção capazes de promover mudanças no comportamento da população masculina
para desmistificar a mentalidade patriarcal existente nos dias atuais.
O Estado necessitaria intervir com criação de políticas públicas, que investisse em
campanhas sensibilizadoras, capacitação contínua dos profissionais, garantia do acesso à
justiça, combate ao racismo, desenvolvimento de planos, programas e estratégias setoriais
e territoriais, com enfoque na proteção, prevenção e erradicação de qualquer forma de
violência contra mulher. A prisão do agressor sem direito a fiança de acordo com a realidade
de cada estado, seria necessária.

4 | CONCLUSÃO
A pesquisa revelou que a violência doméstica contra mulher no Brasil é um fato
bastante desafiador e marcante nos dias atuais, provocando diversos problemas sociais,
violação dos direitos humanos, abrangendo diversos fatores. Demostrou a carência
nas políticas públicas, desfasamento na saúde pública do país, ausências profissionais
qualificados, fatores de riscos que levam à violência contra mulher. Apesar da VDCM,
serem mortes que acontecem por parceiro ou pessoa conhecida dentro do domicílio, ainda
assim o feminicídio tem conotações diferentes, pois são vítimas por questão de gênero,
pelo ódio do homem sobre a mulher.
Neste sentido, o estudo buscou responder à questão norteadora, uma vez que os
profissionais que tiveram contato com as vítimas, na sua maioria, não eram qualificados e
nem identificaram os sinais de violências, por omissão ou por não compreender. Os autores
geralmente encontraram os mesmos resultados, mas necessitaria, por parte do Estado,

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 142


criar políticas públicas capazes de trabalharem com intervenções, através de campanha
sensibilizadora, preventivas, protetivas, facilitadoras no acesso à justiça, medida mais
severas contra o agressor. No entanto, evidenciou-se que, com relação aos assassinatos
femininos, há afinidade negativa ligada à pobreza, indicando que em regiões mais ricas há
maiores taxas de mortes devido ao gênero, embora elas incidam predominantemente sobre
as mulheres pobres e desprivilegiadas.

REFERÊNCIAS
BERALDI, Ana Cyntia Paulln, Et Al. Violência Contra A Mulher Na Rede De Atenção Básica: O Que Os
Enfermeiros Sabem Sobre O Problema?. Vol.12. Nº 3.Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. Recife Ag./Sept.
2012. Disponível Em: <Http://Www.Scielo.Br/Scielo.Php?.Com.Br>, Acesso Em: 10 Fev. 2019.

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Daiane, Et. Al. Entre Profissionais De Saúde: Um Estudo Comparativo. V.7.1630. Rev. Enfermagem Do
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Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 143


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Www.Pepsi.Busalud.Org.Scielo. Php. Acesso Em: 1820 Mar.2019.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 18 144


CAPÍTULO 19
doi
PROGRESSÃO REFERENCIAL ENTRE TEXTOS:
O CRUZAMENTO DE ANÁLISES QUALITATIVA E
QUANTITATIVA PARA A COMPREENSÃO DE UMA
COBERTURA CONTÍNUA

Data de aceite: 01/10/2020 estratégica pode operar como o principal recurso


Data de submissão: 21/07/2020 textual para a viabilidade da construção de uma
cobertura jornalística continuada a respeito de
um fato, dado que possibilita a identificação e
manutenção das imagens edificadas pelo leitor
Karina Menegaldo
sobre os objetos discursivos. Sendo assim, a
Universidade Estadual de Campinas –
progressão referencial entre textos promove o
UNICAMP
São Paulo – SP efeito de identidade referencial para os objetos
http://lattes.cnpq.br/7321183759060194 de discurso construídos, garantindo certo modo
https://orcid.org/0000-0002-2272-2878 de compreender os fatos abordados ao longo de
uma cobertura.
PALAVRAS-CHAVE: Referenciação, Progressão
referencial entre textos, Objetos de discurso.
RESUMO: Este artigo apresenta alguns dos
resultados de uma pesquisa que teve como
REFERENTIAL PROGRESSION
objetivo analisar como as imagens de objetos
BETWEEN TEXTS: THE CROSSING
de discursos sobre um fato jornalístico são
OF QUALITATIVE AND QUANTITATIVE
construídas ao longo de uma cobertura. Para ANALYSIS FOR UNDERSTANDING A
tanto, foram selecionadas duas coberturas CONTINUOUS COVERAGE
jornalísticas, dos jornais diários O Estado de S.
ABSTRACT: This research had as objective to
Paulo e Folha de S. Paulo, sobre um fato que
analyze how the images of objects of speeches
aconteceu em novembro de 2015, conhecido
about a journalistic fact are constructed along a
como Atentados em Paris, que repercutiu
cover. In order to do so, two journalistic covers
internacionalmente. As análises quantitativas
were selected from the daily newspaper O
e qualitativas foram cruzadas com o intuito
Estado de S. Paulo and Folha de S. Paulo,
de mapear como ocorreram as construções
about a fact that happened in November 2015,
dos objetos de discurso e quais as estratégias
known as the “Attacks in Paris”, which had
envolvidas na progressão referencial de um fato
internationally repercussions. Quantitative and
que possui retratação gradativa. Partindo, então,
qualitative analyzes were carried out to map
dos dados obtidos por meio dessas análises
how the constructions of the objects of speech
observamos que a progressão referencial pode
occurred and what strategies were involved in the
ocorrer entre textos por meio de estratégias de
referential progression of a fact that has gradual
referenciação, dentre elas, a que apresentaremos
retraction. Based on the data obtained through
neste artigo: as retomadas dos referentes que
these analyzes, we observed that referential
mantém o núcleo da expressão referencial, com
progression can occur between texts by means
o acréscimo de um modificador junto ao núcleo.
of referencing strategies, which we will present in
Essa observação nos permitiu concluir que essa

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 19 145


this article: the resumption of referents that maintains the nucleus of the referential expression,
with the addition of a modifier join to the core. This observation allowed us to conclude that
this strategy can operate as the main textual resource for the viability of the construction
of a continuous journalistic coverage about a fact, since it allows the identification and
maintenance of the images built by the reader on the discursive objects. Thus, the referential
progression between texts promotes the effect of referential identity for constructed speech
objects, guaranteeing a certain way of understanding the facts covered throughout a cover.
KEYWORDS: Referencing, referential progression, objects of discourse.

1 | INTRODUÇÃO
O objeto da breve discussão apresentada neste artigo é a estratégia de manutenção
do núcleo das expressões referenciais envolvidas na construção dos objetos de discurso
de matérias jornalísticas de uma cobertura continuada. A escolha desse objeto foi pautada
em dois fatores primordiais: 1) Os recursos textuais envolvidos na construção de um texto
jornalístico edificam não apenas o fato e os personagens que serão retratados, mas,
também, edificam uma imagem pública do que está sendo retratado. Fator que possui
a sua relevância pautada no papel que a imprensa ocupou na sociedade até meados
de 2015, data na qual os textos analisados nesta pesquisa foram publicados; 2) Uma
cobertura continuada possui características de veiculação que envolvem a manutenção
dessas imagens.
Já o corpus foi escolhido por suas características estruturais, que compõem um fato
noticioso, retratado em cobertura continuada: 1) Fato de grande repercussão na imprensa
internacional e amplamente retratado pela imprensa nacional, escolhida para análise;
2) Possuir uma cobertura contínua, com grande concentração de textos nas quarenta e
oito horas posteriores ao fato. O fator posterior de escolha do corpus, no que tange aos
veículos de imprensa no qual os textos formam publicados, foi determinado seus impacto
e abrangência, no que se refere ao alcance populacional. Esse último motivado pela
compreensão da relevância deste estudo na compreensão da maneira como a mídia opera
os recursos linguísticos para atingir os seus leitores.
Sendo assim, o corpus é composto de cinquenta e cinco matérias jornalísticas,
que correspondem ao gênero notícia, cujos textos referem-se às ações contra a vida de
mais de uma centena de pessoas na cidade de Paris, em 13 de novembro de 2015. Para
a composição desse corpus, recortamos as notícias dos jornais paulistas, O Estado de
S. Paulo e A Folha de S. Paulo. Os textos compreendem as primeiras quarenta e oito
horas após o ocorrido, porque foi o período no qual ocorreu a cobertura continuada. Nesta
breve introdução, cabe-nos explicar que o fato foi denominado pelos veículos analisados,
primordialmente, como ataques em Paris, conforme levantado na pesquisa. E é partido da
introdução dessa imagem construída que vamos explicar a principal estratégia linguística
que foi utilizada.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 19 146


2 | A PROGRESSÃO REFERENCIAL ENTRE TEXTOS E OS PRINCIPAIS
ELEMENTOS DE ANÁLISE
Tendo em vista que a proposta da nossa pesquisa foi a ampliação da compreensão
dos processos referenciais, trabalhamos, para tanto, com a hipótese de que a progressão
referencial ocorre entre textos. Trazemos à discussão neste texto o fato de que identificamos
como o principal recurso de progressão a criação de uma identidade referencial e discursiva.
Contudo, cabe-nos marcar que ao longo da pesquisa percorremos os estudos
realizados sobre referenciação, partindo da introdução da perspectiva atual, tomando como
base os estudos de Mondada e Dubois (2003), Koch (2009a; 2009b) e Koch e Marcuschi
(1998), início da abordagem da questão da referência como um processo; E consolidamos
nossa abordagem com os estudos mais recentes de Cavalcante nos quais a autora aborda
os limites do texto e a noção de coesão. De todo modo, a ampliação proposta na pesquisa
não refuta ou questiona o entendimento convencionado do processo de referenciação.
Dando seguimento a proposta apresentada, observamos que o referente, ataques
em Paris, foi empregado em toda a cobertura e promove a progressão referencial continuada
e a manutenção da identidade referencial, nas coberturas de ambos os jornais.
Os termos lexicais empregados, como veremos nas tabelas a seguir, percorrem todas
as matérias, tanto na composição de nome-núcleo quanto como elemento modificador.
Sendo assim, o ponto central da construção da identidade referencial e da progressão
entre textos, nos textos analisados, é a manutenção de elementos lexicais.
Nas estratégias referenciais notamos frequentemente os recursos manutenção
do referente para a fácil identificação, bem como a recategorização, que inclui novas
informações ao objeto de discurso por meio de novas categorizações, que muitas vezes
são associadas a outros referentes textuais, ou mesmo ancoradas. Ambas as estratégias,
em associação, promovem ao longo do texto dois recursos importantes na construção
textual: a manutenção do referente e a introdução de novos elementos a sua construção.
Ocorre que em uma cobertura continuada a recategorização pode ocasionar alguma
dificuldade do leitor em estabelecer o referente, enquanto a manutenção exata do referente
não permitiria a introdução de novas informações.
Sendo assim, o que pudemos levantar é que como estratégia de manutenção da
identificação referencial concomitantemente à progressão na construção do objeto, os
veículos analisados optaram por uma estratégia, especialmente: a manutenção do núcleo
referencial e a alteração do modificador.
Esse recurso permite ao leitor a identificação do referente pela estratégia de
manutenção do referente e introduz novas informações por meio da alteração do modificador.
Nas tabelas a seguir podemos observar o explicado:

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 19 147


REFERENTES PROGRESSÃO

Ataques (coordenados)
Ataques (com tiros e explosões)
Ataques
(um) Ataque
Ataques (a tiros e explosões)
Ataques (suicidas)
Ataques (simultâneos)
Ataques (terroristas sem precedentes)
(esse) Ataque
Ataque (único)
Ataques (desta noite em Paris)
(suposto) Ataque (suicida)
Ataques (em Paris)
(pior) Ataque (terrorista)
(este) Ataque (à liberdade)
(seis) Ataques (simultâneos)
(mais violento) Ataque (da história francesa desde a segunda guerra mundial)
Ataques (terroristas)
(um) Ataque (contra toda a humanidade)
Ataques (a tiros e com bombas)
Ataques (de Paris)
(nesses) Ataques
Ataque (a tiros)
(dois grandes) Ataques
Ataques (a Paris)
Ataque (contra Paris)
Ataques (contra bares e restaurantes no leste de Paris)
Ataques (os mais mortíferos da França)
Atentados
Atentados (em Paris)
(outro) Atentado
Atentados (coordenados)
(primeiros) Atentados (suicidas)
Atentado (contra toda a humanidade)
Atentados (bárbaros)
Atentados (de Paris)
Atentados (de sexta (13) em Paris)
TOTAL

Tabela 1. Folha de S. Paulo – objeto de discurso ataques em Paris

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 19 148


REFERENTES PROGRESSÃO
1 2 3 4 5 6 7 8
Atentados (simultâneos) 1
Atentados 1
Ataques (com tiros) 1
(segundo) Atentado (terrorista)
Atentados (terroristas)
Atentados (terroristas na França)
(vários) Atentados
Atentados (de Paris)
Ataques (em Paris)
Ataques 6 2 1 1 1
(diversos) Ataques (com explosões e tiroteio) 1
Ataques (em Paris) 1 1
(sete) Ataques 1
(pricipais) Ataques 1
Ataques (suicidas) 1 2
(seis) Ataques 1
Ataques (terroristas sem precedentes) 2
(vários) Ataques (terroristas sem precedentes) 2
(seis) Ataques (quase simultâneos)
(vários) Atentados (simultâneos)
Ataques (terroristas)
Ataques (jihadistas)
TOTAL 7 4 1 1 3 3 2 6

Tabela 2. O Estado de S. Paulo – Progressão do núcleo referencial ataques e atentados

As tabelas anteriores nos apresentam a manutenção do nome-núcleo durante as


coberturas. Essa organização considera as categorizações, retomadas e recategorizações
empregadas nas diferentes matérias, com o cruzamento de matérias publicadas, levando
em consideração a cronologia das publicações em tempo linear.
O que podemos apontar como conclusão é que a progressão referencial, por meio
da repetição do nome-núcleo, constrói uma identidade referencial que faz emergir uma
imagem, que foi consolidada no decorrer das coberturas. Para a análise dessa construção
destacamos que se fazem necessárias as duas adoções metodológicas: qualitativa e
quantitativa.
A abordagem qualitativa, adotada em análises textuais, foi necessária para a
compreensão individual das estratégias empregadas em cada uma das ocorrências.
A partir dela, munidos da análise e do levantamento individual, pudemos quantificar e
mensurar o impacto dessas estratégias na construção da progressão referencial. O que nos
permitiu, consequentemente, estabelecer o principal recurso responsável pela progressão
referencial entre textos de uma cobertura jornalística continuada. A análise cruzada nos
permitiu demonstrar que as estratégias de manutenção da coesão discursiva em textos de
uma cobertura contínua, como a apresentada neste artigo, permitem a continuidade entre
textos.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 19 149


REFERÊNCIAS
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_____. Os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2012.

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HANKS, W. F. Língua como prática social: das relações entre língua, cultura e sociedade a partir de
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Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 19 150


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Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 19 151


CAPÍTULO 20
doi
SOBRE O QUE SE FINGE NÃO VER:
REPRESENTAÇÕES DA “INDIFERENÇA SOCIAL” NA
LITERATURA INFANTIL/JUVENIL CONTEMPORÂNEA

Data de aceite: 01/10/2020 about contemporaneity are based on by Zygmunt


Bauman’s works.
KEYWORDS: Intertextuality, Dialogism, Literature
for children and Young people, Contemporaneity.
Adriana Falcato Almeida Araldo
USP
http://lattes.cnpq.br/8011654909387377

Sinal vermelho. O
congestionamento. A demora.
Mesmos lugares, mesmas
RESUMO: Este artigo pretende revelar possíveis
figuras, mesmos pedidos.
diálogos entre as obras: Corda Bamba da
Com o tempo, a gente vai
escritora Lygia Bojunga e Os Invisíveis de Tino se familiarizando com as
Freitas e Renato Moriconi, destacando os fatores personagens do lugar. Sinal
simbólicos, ideológicos e a maneira como esses fechado: mãos se abrem.
elementos apresentam-se nas duas narrativas. Às vezes, nossos olhos
acostumados às desgraças
Os estudos encontram-se fundamentados nas
alheias, quase não veem
pesquisas de Bakhtin sobre o dialogismo e os as mãos que percorrem os
conceitos acerca da contemporaneidade buscam carros em busca de alguns
suporte nos trabalhos de Zygmunt Bauman. trocados, seguindo vazias.
PALAVRAS-CHAVE: Intertextualidade, Ali, como sempre, o mesmo
paletó encardido sustentando
Dialogismo, Literatura infantil/juvenil,
uma expressão sem vida.
Contemporaneidade.
Barbas se confundem com
cabelos. Mas hoje os meus
olhos foram se perdendo
ABOUT WHAT PRETENDS NOT TO
num novo contexto e pude
SEE: REPRESENTATIONS OF SOCIAL ter o privilégio da surpresa.
INDIFFERENCE IN CONTEMPORARY O mesmo sujeito, mas não
LITERATURE FOR CHILDREN AND vinha sozinho. Vinha com um
YOUNG PEOPLE cachorro. Um cachorrinho, de
ABSTRACT: This article intends to show a coleira, peludo, branquinho,
feliz. E lambia o homem e
possible dialogue between the literary works:
fazia festa em seu colo. A
Corda Bamba, by the writer Lygia Bojunga, moça, que tinha o carro na
and Os Invisíveis, by Tino Freitas and Renato primeira fila, abriu o vidro e
Moriconi, emphasizing the symbolic, ideological começou a conversar com o
and how these elements appear in the two homem sobre o cachorro e
lhe deu algumas moedas. O
narratives. The studies are based on Bakhtin’s
rapaz, ao lado, estendeu a
research about the dialogismo and the concepts

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 20 152


mão e o homem foi correndo para pegar dois reais. Em seguida, uma senhora,
que acompanhava a cena, chamou por ele e lhe deu mais alguma coisa. O
sinal abriu e uma mulher, lá longe, buzinou e pôs os braços para fora do carro,
parando o trânsito, para lhe oferecer não sei quanto. E o dono do cachorro foi
voltando para a calçada com as mãos cheias. Foi assim. Em meio a uma vida
tão desumana, o cachorro humanizou o homem. E eu não sei se saí dali mais
triste ou mais feliz.

1 | INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva demonstrar possibilidades de diálogo entre as narrativas
de autores contemporâneos: Corda Bamba da escritora Lygia Bojunga, por meio da
personagem Velha da História e Os Invisíveis, de Tino Freitas, com ilustrações de Renato
Moriconi; obras destinadas ao público jovem, destacando-se os fatores simbólicos e
ideológicos presentes e a maneira como esses elementos dispõem-se em diálogo nas
narrativas, colocando-se como reveladores de um “descaso social”.
O dialogismo constituir-se-á no fio condutor das reflexões acerca das relações
existentes entre as narrativas, reflexões fundamentadas nas pesquisas de Bakhtin, para
quem relações dialógicas são relações (semânticas) entre toda espécie de enunciados na
comunicação discursiva. “Dois enunciados quaisquer confrontados em plano de sentido
acabam em relação dialógica” (BAKHTIN, 2010, p.323).
Sendo assim, parte-se da ideia de que, por meio do processo dialógico, vozes
presentes nas narrativas renascem, revigoram-se, renovam-se, reforçam discursos, cada
qual a seu modo, assumindo sentidos novos e contornos próprios, de acordo com a época,
a intencionalidade de suas narrativas, bem como de outros fatores extralinguísticos.
A partir desses pressupostos, as narrativas Corda Bamba de Lygia Bojunga e Os
Invisíveis de Tino Freitas serão analisadas, aqui, como intercâmbio cultural de imagens,
trocas culturais e respostas, como consta nos estudos de Bakhtin, réplicas de um diálogo
maior, buscando-se evidenciar novos sentidos produzidos a partir do processo dialógico
que instauram:

A obra como réplica do diálogo, está disposta para a resposta do outro


(dos outros), para a sua ativa compreensão discursiva, que pode assumir
diferentes formas: influência educativa sobre os leitores, sobre suas
convicções, respostas críticas, influência sobre seguidores e continuadores,
ela determina as posições responsivas dos outros nas complexas condições
de comunicação discursiva de um dado campo da cultura. A obra é um elo na
cadeia de comunicação discursiva; como réplica do diálogo, está vinculada
a outras obras-enunciados: com aquelas às quais responde, e com aquelas
que lhes respondem (BAKHTIN, 2010, p. 279).

Dessa forma, o estudo privilegiará o termo diálogo em detrimento de influência,


entendendo-se que diálogo vem a abarcar melhor o sentido de trocas culturais e ideológicas

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 20 153


que são estabelecidas entre narrativas, enquanto o termo influência pode vir a sugerir juízo
de valor, o que não convém à análise.

2 | CORDA BAMBA
Aos 10 anos, Maria experimenta a solidão após presenciar a morte brutal dos pais
num espetáculo circense, onde todos, pai, mãe e filha, trabalhavam como equilibristas.
Brutal, numa representação do valor capitalista sobre o valor humano, uma vez que fora
imposto aos pais que se apresentassem sem as redes de proteção, objetivando atrair maior
público. Órfã, Maria necessita deixar o circo e morar com a avó. Sobreviver, a partir de
então, significa equilibrar-se. Maria é a menina que vive na corda bamba, tendo de um
lado o sonho, de outro, a dura realidade e abaixo de si, o abismo. E é sobre a corda,
semelhante a um objeto mágico, que Maria vai aprendendo a lidar com as adversidades
da vida, superando medos, traumas, tristezas, encontrando o equilíbrio necessário para
seguir adiante.
No livro, os sonhos de Maria apresentam-se como caminhos, passagens para
o autoconhecimento e aprendizagens sobre a realidade. Maria amarra uma ponta da
corda, ali, em seu quarto e a outra ponta, magicamente, no prédio à frente. Então inicia
a sua travessia, o seu desafio, equilibrando-se sobre a corda bamba, para, dessa forma,
atravessar a janela do edifício à sua frente, penetrando um lugar escuro e perturbador: um
corredor longo e cheio de portas.
À medida que Maria vai percorrendo o corredor escuro, portas vão se abrindo e
o leitor é levado a reconstruir e a conhecer a história da menina, por meio de cenas do
tipo flashback. Dentre as várias imagens que podem ser vasculhadas, a Velha da História
constitui-se como imagem fundamental na representação do pensamento de Lygia Bojunga.

3 | A PERSONAGEM VELHA DA HISTÓRIA


No capítulo “O presente de aniversário”, Maria caminha pelo corredor dos sonhos,
aproxima-se de uma porta, que estava apenas encostada e a empurra, delicadamente,
para abri-la, avistando, em seguida, uma sala:

Tinha uma mesa compridíssima, tapada de toalha de renda. E um monte de


doces e salgadinhos. E refrigerante. E chá. E um bolo alto, todo enfeitado com
florzinha de amêndoa, uma beleza! bem no meio da mesa: com as sete velas
acesas. Mas só tinha duas pessoas na festa: a Menina e Dona Maria Cecília
Mendonça de Melo (BOJUNGA, 2011, p.103).

Tal imagem é bem representativa dos contrastes que habitam o universo de Maria.
Uma mesa enorme, com muitas guloseimas, cuja fartura apresenta índices de desperdício.
A narração faz questão de enfatizar e repetir o nome da avó, uma mulher de tradições,

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 20 154


que “esbanja” sobrenomes, enquanto Maria é apenas a Menina. Um pouco mais adiante,
no mesmo capítulo, Maria fica intrigada com o presente de aniversário que ganha da avó:

Mas assim tão grande... o papel que embrulhava a caixa estava colado na
parte de cima: a menina não alcançava. Dona Maria Cecília achou graça
e arrastou uma cadeira pra junto da caixa. A menina subiu na cadeira, foi
desgrudando o papel, ele abriu todo de repente, a tampa da caixa caiu pra
frente, a Menina pulou pro chão. E ficou olhando pra dentro da caixa sem
entender.

Dona Maria Cecília Mendonça de Melo começou a rir do espanto da neta.

Maria rodeou a mesa pra poder ver o presente: de onde estava só dava pra
ver a cara da Menina: testa franzida, boca meio aberta.

O presente era uma velha. Mas não era de acrílico nem de borracha, era uma
velha de carne e osso (BOJUNGA, 2011, p. 108-109).

Na mesa de aniversário, os bonecos de Maria ocupam as cadeiras brincando de


ser gente. Por outro lado, o seu novo presente, que sai de uma caixa enorme, é uma
senhora “real”, um ser humano, que assume o papel de brinquedo, de uma boneca velha e
contadora de histórias. Um presente incomum: a Velha da História.
Imagem que ganha força literária, uma vez que o surgimento inesperado desacomoda
o leitor, levando-o a refletir sobre a realidade. Realidade entendida, aqui, como construção
social, construção realizada por meio de práticas criadoras de linguagens, valores, visões
de mundo, sentidos. Sentidos que, na obra, são postos à prova, uma vez que a menina,
com base em suas observações sobre a realidade, rejeita a imagem de uma velha senhora
dentro de uma caixa de presente de aniversário. “Mas, vó, gente se compra?” (BOJUNGA,
2011, p.111). Tal passagem, pelo seu caráter surpreendente e pouco usual, intriga; mas
pode ser compreendida quando se leva em conta o raciocínio questionador, que lança
crítica à sociedade. A imagem desestabiliza o leitor, provocando desconfiança diante
daquilo que se entende por realidade. Assim, a presença da Velha da História desconcerta
Maria e ela se espanta com a própria realidade.
A Velha da História não é apenas a imagem de uma senhora contadora de histórias.
Ela é uma representação inabitual que estabelece relações com as vozes silenciadas,
aprisionadas, separadas, escondidas em caixas (de presente) ou desencaixadas, que
guardam histórias da vida real e mal contadas, histórias que servem aos interesses de
alguns, que pouco interessam a muitos, e que são levadas ao descaso, esquecidas, assim
que chegam ao fim:

-O meu presente morreu.

Dona Maria Cecília pegou a Menina, quis tapar a cara dela com uma festa:

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 20 155


-Esquece, minha boneca, esquece.

-A comida nunca deu para ela.

-O quê?

-Mas aqui tinha demais: ela morreu.

-Esquece, meu amor.

-Não. Não esqueço, não (BOJUNGA, 2011, p.122).

A imagem do descaso atinge o ápice com a morte do presente: um fato que para a
avó parece ser tão corriqueiro quanto o de um brinquedo que deixa de funcionar por falta
de pilha ou bateria, restando a ele ser posto de lado, esquecido.
Assim, em Corda Bamba, emerge da própria complexidade, comum à realidade, a
figura da Velha da História, imagem que desconforta o leitor, abalando sua impressão de
segurança diante do real e que abre caminhos para se repensar a lógica que organiza a
sociedade. Na obra, a sensação de estranhamento é intencional e desejável, e busca atrair
a atenção do jovem leitor para o problema da indiferença social, decorrente de um sistema
desumano e que desumaniza.
Se, nas histórias tradicionais, são encontrados bonecos que desejam “virar gente
de verdade”, a Velha da História chama a atenção dos leitores para o processo inverso
que ocorre na sociedade, processo de “coisificação” que resulta de um sistema desprovido
de preocupação social, criando ramificações negativas: disparidade social, inversão de
valores, corrupção, miséria, servidão, entre outros.
E é por meio de uma visão redutora da realidade, num mundo de consumo, em que
o novo já nasce velho e pronto para ser substituído, que sua avó castradora - que trata a
própria neta como boneca: “-Esquece, minha boneca, esquece” (BOJUNGA, 2011, p.122) -
interioriza, sem exercício crítico, os valores de uma sociedade materialista e individualista,
que entende que o dinheiro pode obter o que quiser e converter seres humanos em objetos,
ou mesmo, invisibilizá-los.

4 | OS INVISÍVEIS
A obra Os Invisíveis inicia-se com a marcação de tempo das histórias tradicionais:
“Era uma vez um menino com um superpoder” (FREITAS, 2013, p.5-6).
Era uma vez é uma expressão que possibilita encaminhar o leitor para o tempo
mágico das histórias, por meio da voz de um narrador, conhecedor dos fatos narrados.
Aqui, o narrador conta ao leitor a história de um garoto especial, mas não revela o seu
nome, uma vez que, assim, pode-se conceber a representação de qualquer criança.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 20 156


Em Os Invisíveis, o protagonista apresenta o superpoder de enxergar aquilo que
os adultos, ao seu redor, não podem ver. Ou seja, uma capacidade extraordinária, um
poder que o torna diferente dos demais e que faz dele um super-herói. Um poder que
não é comum nem mesmo aos seus familiares: “Em sua família só ele via os invisíveis”
(FREITAS, 2013, p.7-8).
Tal poder, no entanto, vem a ser revelado por meio das ilustrações, do tom alaranjado
que simula e dá destaque ao foco de visão do garoto, dos traços leves em grafite, do
jogo claro e escuro, os quais contribuem para demonstrar a coesa e plurissignificativa
composição entre texto e imagem, possibilitando à imagem revelar o que o texto ameaça
dizer:

Figura 1 - Ilustração de Renato Moriconi para o livro Os Invisíveis; texto de Tino Freitas.

O texto é narrado com habilidade por um narrador que busca confundir o leitor,
‘brincando’ de construir e desconstruir imagens, inserindo o estranhamento, conferindo à
narrativa um tom lúdico com potencial realista e crítico.
A narrativa introduz o tema das capacidades sobre-humanas, despertando no leitor
a imagem de um garoto super-herói, imagem que cede espaço ao sentimento de surpresa
à medida que o leitor vai adentrando a história e, por meio das ilustrações, levantando
questionamentos acerca de tais superpoderes.
O superpoder do protagonista consiste em enxergar o que de fato não está oculto,
mas que a organização social faz ocultar: o imenso grupo de pessoas que se encontra
numa situação desfavorecida na sociedade: mendigos, vigilantes, vendedores ambulantes,
dentre outros. Uma organização social que não oferece oportunidades reais a todos e

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 20 157


que marginaliza parte da sociedade. Uma sociedade cada vez mais voltada à produção,
ao consumo, ao lucro, ao trabalho, que vai perdendo a sensibilidade, perdendo o prazer
pelo cotidiano, distanciando-se do outro, esquecendo-se, muitas vezes, de si mesmo: “Às
vezes, ele tinha a impressão de que também era invisível” (FREITAS, 2013, p.17,18).

5 | O DIÁLOGO
As narrativas dialogam entre si, ao mesmo tempo em que respondem aos temas
de sua época. Os 34 anos que as separam, Corda Bamba data de 1979 e Os Invisíveis
de 2013, não impediram o diálogo que reafirma a preocupação com diferenças sociais e
descaso com questões da população menos favorecida da sociedade. Questões pertinentes
a um mundo ambivalente, num tempo de grandes contradições, abismos sociais, falta de
estabilidade, laços enfraquecidos, conceitos relativos, incertezas, oscilação de regras, falta
de durabilidade das coisas, consumismo e criação de necessidades, medo; fatores que se
intensificam com o passar do tempo e que contribuem para a formação de um sentimento
de insegurança, insatisfação e de uma mentalidade individualista em detrimento da social,
como reflete Bauman sobre a contemporaneidade:

Todos nós, em maior ou menor grau, entendemos o mundo em que habitamos


como cheio de riscos, incerto e inseguro. Nossa posição social, nossos
empregos, o valor de mercado de nossas habilidades, nossas parcerias,
vizinhanças e redes de amigos em que podemos nos apoiar são todas
instáveis e vulneráveis- portos inseguros para ancorar nossa confiança. A
vida de constante escolha do consumidor também não é tranquila: o que
dizer da ansiedade perpétua no que diz respeito à insensatez das escolhas
que temos de fazer todos os dias; e da identidade que todos buscamos
desesperadamente, com seu detestável hábito de sair de moda bem antes
que a descubramos? (BAUMAN, 2008, p.102).

A Literatura Infantil/Juvenil coloca-se como mediadora do diálogo, chamando a


atenção do jovem leitor para a parcela da sociedade que é vítima do descaso, da falta
de oportunidades, parcela que não se ‘encaixa’ no grande grupo consumidor e que vai
se tornando quase invisível aos olhos desse grupo; Grupo Fora do Jogo, nas palavras de
Bauman:

E encaremos a verdade: mesmo que as novas regras do jogo prometam


um aumento na riqueza da nação, também tornam virtualmente inevitável
a crescente lacuna entre aqueles que permanecem no jogo e os que são
deixados de fora.

Contudo, esse não é o final da história. As pessoas que ficam de fora do jogo
também são deixadas sem uma função que possa ser vista como “útil”, muito
menos indispensável para o suave e lucrativo funcionamento da economia.
Não são necessários como os supostos produtores, são considerados força
propulsora da prosperidade econômica (esperamos que a recuperação
“guiada pelo consumidor” nos tire dos problemas econômicos), os pobres

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 20 158


também são inúteis como consumidores: não serão seduzidos por lisonjas do
mercado, não possuem cartões de crédito, não podem contar com cheques
nos bancos e as mercadorias que mais precisam trazem pouco ou nenhum
lucro para os comerciantes. Não é de admirar que eles estejam sendo
reclassificados como “subclasse”: não são uma anormalidade temporária
esperando ser retificada e posta outra vez na linha, mas uma classe fora das
classes, uma colocada permanentemente fora dos limites do “sistema social”,
uma categoria a que o resto de nós prefere não pertencer e todos estariam
mais confortáveis se ela não existisse (BAUMAN, 2008, p. 99-100).

As narrativas ressaltam também o olhar da criança dirigido ao elemento que causa


estranhamento. Em Corda Bamba e em Os Invisíveis, o olhar infantil alcança detalhes que
o olhar adulto, já viciado, não consegue ver. O olhar da criança é o olhar de estrangeiro
em busca de novidade, olhar atento que quer desvendar o mundo, que vê além, que quer
descobrir e descobrir-se. Maria surpreende-se com a Velha da História e não se sente à
vontade ao ganhar um ser humano de presente. Maria vê o outro, além de sua condição
social, além de uma visão fragmentada, classificadora, atravessada por lentes sociais.
Maria vê o ser humano. Por isso, sua reação é de espanto.
O garoto de Os Invisíveis é a criança em sua natureza, criança de olhar atento,
que vê além, curiosa, ainda não envolvida por um sistema que consome tudo, inclusive a
sensibilidade perante a cruel realidade, segundo Bauman. O estranhamento, na verdade,
é provocado por esse sistema que causa perda de visão social e epidêmica nos adultos,
impossibilitando-os de ver o que está claro, diante dos olhos e tão próximo. Mais que um
super-herói, tem-se, na verdade, uma sociedade doente.
A narrativa apresenta um tom argumentativo, buscando defender a ideia de que a
criança possui uma capacidade mais apurada para enxergar o Outro, sensibilizando-se;
capacidade que vai se esgotando com o tempo, à medida que a criança vai adentrando a
vida adulta, acostumando-se às diferenças, vendo o mundo pelo viés da banalidade:

Um único ato de crueldade tem mais possibilidade de atrair para as ruas uma
multidão de manifestantes que as doses monotonamente administradas de
humilhação e indignidade a que excluídos, os sem-teto, os degradados são
expostos dia após dia (BAUMAN, 2014, p.56).

A imagem, a seguir, é bem representativa da ideia de que a criança, com o passar


do tempo, à medida vai crescendo, tem sua visão “reduzida”, visão de mundo que vai
‘minguando’ aos poucos:

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 20 159


Figura 2 - Ilustração de Renato Moriconi para o livro Os Invisíveis; texto de Tino Freitas.

Dessa forma, as narrativas deixam evidente a preocupação social e procuram


depositar no jovem leitor a esperança de “cura” para a cegueira deste tempo: a indiferença
social.

6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo objetivou apresentar possíveis diálogos entre as narrativas Corda
Bamba da escritora Lygia Bojunga e Os Invisíveis de Tino Freitas, - com ilustrações de
Renato Moriconi – narrativas capazes de provocar discussões sobre a realidade e que,
ao deixarem transparecer certa descrença na capacidade sensível do adulto, apostam no
poder transformador dos jovens, investindo no discurso que busca despertá-los para o
problema da insensibilidade social.
Acredita-se que o estudo comparatista possibilita, por meio do diálogo intertextual,
colocar em evidência aspectos importantes de obras que poderiam ser desprezados,
caso fossem estudadas isoladamente; podendo-se destacar, neste caso, as diferentes
leituras que podem ser realizadas referentes à ideia de descaso social e imagens de
insensibilidade, bem como novos sentidos que podem emergir a partir da imagem da Velha
da História e dos personagens de Os Invisíveis acentuados pela relação dialógica. Imagens
que levantam questionamentos sobre a construção e a lógica que organizam a realidade,
questionamentos que não são novos, mas que ainda não se encontram esgotados em
termos de análises.
Tais elementos contribuem para reforçar a relevância da arte literária na
desconstrução de visões de mundo e na reavaliação de conceitos, e fazem com que
narrativas voltadas ao público juvenil ao trabalharem temas dessa complexidade, ao mesmo

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 20 160


tempo em que possibilitam aos jovens o desenvolvimento do prazer estético, assumem,
também, grande importância na forma de pensar e apreender a realidade.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 5ºed. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2010.

_________________. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 4ªed. São Paulo,


Hucitec, 2010.

BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro,
Zahar, 2008.

__________________. Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Rio de


Janeiro, Zahar, 2014.

BOJUNGA, Lygia. Corda Bamba. 24ª ed. Rio de Janeiro, Casa Lygia Bojunga, 2011.

CUNHA, Maria Zilda da. Na tessitura dos signos contemporâneos: novos olhares para a literatura
infantil e juvenil. São Paulo: Humanitas/Paulinas, 2009.

FREITAS, Tino. Os invisíveis. (Ilustrações de Renato Moriconi) Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2013.

GREGORIN FILHO, José Nicolau. Figurativização e imaginário cultural. UNESP, Araraquara, 2002.

_____________________________. Literatura infantil: múltiplas linguagens na formação de leitores.


São Paulo, Melhoramentos, 2009.

_____________________________. Literatura juvenil: adolescência, cultura e formação de leitores.


São Paulo: Melhoramentos, 2011.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 20 161


CAPÍTULO 21
doi
SENSACIONALISMO NO DISCURSO
JORNALÍSTICO: A CONSTRUÇÃO DO ESCÂNDALO
NA NOTÍCIA POR MEIO DO GROSTESCO

Data de aceite: 01/10/2020 a representação do escândalo. Na vertente da


Semiótica Social da Análise Crítica do Discurso,
Kress e Van Leeuwen (1990) investigam o valor
das categorias textuais sistêmicas “dado” e
Deborah Gomes de Paula
“novo” para a análise de textos multimodais. Os
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
resultados obtidos indicam que os elementos
(PUC/SP)
selecionados pelo produtor participam de
Universidade Paulista (UNIP) São Paulo - SP
sistemas de conhecimento, armazenados na
Regina Célia Pagliuchi da Silveira memória social e individual, assim, considera-
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo se que a ativação do armazenado nem sempre
(PUC/SP) é consciente, pois a ideologia do Poder, que
tem acesso ao público, pelos discursos, passa
a influenciar as pessoas, levando-as a sustentar
essa ideologia por sua reprodução textual, no e
RESUMO: Esta comunicação situa-se na área
pelo discurso.
da Análise do Discurso Crítica nas vertentes
PALAVRAS-CHAVE: Escândalo, grotesco,
sociocognitiva (Van Dijk, 1998) e Semiótica
análise crítica do discurso.
Social (Kress e Van Leewen, 2001) tem por
tema as estratégias de construção do escândalo
ABSTRACT: This communication is situated in
por meio do sensacionalismo, focalizando o
the area of Critical Discourse Analysis in the socio-
grotesco, nos gêneros textuais, noticia, charge
cognitive (Van Dijk, 1998) and Social Semiotics
e crônica de notícia, privilegiando a relação
(Kress and Van Leewen, 2001). Its theme is
entre texto e contexto para a representação do
the strategies of scandal construction through
escândalo em textos jornalísticos multimodais.
sensationalism, focusing on the grotesque, in the
Tem-se por objetivo geral, contribuir com os
textual genres, news, charge and news chronicle,
estudos sobre sensacionalismo em textos
privileging the relationship between text and
multimodais em língua portuguesa. São objetivos
context for the representation of the scandal in
específicos: 1. examinar as estratégias utilizadas
multimodal journalistic texts. The general objective
pela empresa-jornal para construir a opinião; 2.
is to contribute to studies on sensationalism
buscar uma orientação argumentativa de leitura
in multimodal texts in Portuguese. Specific
para os textos; 3. verificar o léxico enunciado
objectives are: 1. to examine the strategies used
no texto, buscando a “ancoragem” a partir do
by the newspaper company to build opinion; 2.
marco de cognições sociais, tendo por base, o
to seek an argumentative reading orientation for
escândalo. O material analisado é constituído
texts; 3. to verify the lexicon enunciated in the text,
de textos jornalísticos e as análises buscaram
seeking “anchoring” from the social cognitions
examinar as relações cotextuais e contextuais
framework, based on the scandal. The analyzed
multimodais, e sua produção discursiva, para

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 21 162


material consists of journalistic texts and the analyzes sought to examine the multimodal
contextual and cotextual relations, and their discursive production, for the representation of the
scandal. On the Social Semiotics side of Critical Discourse Analysis, Kress and Van Leeuwen
(1990) investigate the value of the “given” and “new” textual categories for the analysis of
multimodal texts. The results indicate that the elements selected by the producer participate
in knowledge systems, stored in the social and individual memory, thus, it is considered that
the activation of the stored is not always conscious, since the ideology of Power, which has
access to the public, by the speeches, begins to influence the people, leading them to support
this ideology by its textual reproduction, in and by the discourse.
KEYWORDS: Scandal, grotesque, critical analysis of discourse.

1 | INTRODUÇÃO
Este texto defende que de acordo com a Ideologia da empresa jornal, algumas
questões sociais são transformadas em áreas semânticas para a ancoragem de diferentes
notícias, elaboradas estrategicamente, pelo escândalo a fim de atrair leitores. Assim, para
atrair os leitores, entende-se que a grande estratégia utilizada pelos jornalistas é construir
a notícia pelo escândalo e pelo sensacionalismo. O problema apresentado consiste em
examinar de que forma o poder jornalístico constrói a notícia como escândalo para seu
público leitor, de modo a inter-relacionar fatos sociais com acontecimentos do mundo
e rupturas com a memória social, com o objetivo de produzir, por meio de um conjunto
de estratégias, valores negativos e/ou positivos atribuídos a um acontecimento, a fim de
haver a reação pública. Para tanto, Austin (1962) vai buscar respostas para as seguintes
questões: que é que se faz, quando se diz alguma coisa? Note que, quando se diz algo,
realizam-se três atos: o ato locucionário (ou locucional); o ato ilocucionário (ou ilocucional)
e o ato perlocucionário (ou perlocucional). Assim, a partir das contribuições do modelo
sócio-comunicacional de Charaudeau (2008) foi possível verificar a intenção de quem fala
ao fazer saber algo, fazer crer no que está sendo dito e fazer sentir uma emoção a partir do
dito, dessa forma, é possível verificar o princípio de felicidade proposto por Austin (1962)
ao constatar a execução e a realização da intenção projetada pelo enunciador, por meio
da palavra. Essa projeção pode causar várias sensações como a risível, a indignação e
até a dramática, mas para fazer o leitor sentir, é necessário, a noção de comparação por
similitudes. Desse modo, verificou-se a construção dos escândalos pelo sensacionalismo
e suas repercussões na construção das áreas semânticas que tem como pressuposto,
questões sociais que incomodam o poder da empresa jornal. Para tanto, usa de diferentes
estratégias que vão da informação à sedução retórica; entre elas, a construção do fato
jornalístico como uma narrativa que é contada em sua progressão semântica, diariamente.
As categorias semânticas que orientam a escolha dos fatos selecionados são Atualidade
e Inusitado; dessa forma o leitor não é observador direto do fato, mas toma conhecimento
dele pela notícia, sendo obrigado, dessa forma, a aceitá-la.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 21 163


2 | O ESCÂNDALO E O SENSACIONALISMO
A mídia, de modo geral, tem grande acesso ao público e, dessa forma, exerce
um papel importante na construção social da opinião. Segundo Fairclough (2001), toda
mudança social acarreta uma mudança no discurso e vice-versa. Desse modo, com as altas
tecnologias, houve uma mudança social que propiciou uma mudança no discurso. O jornal é
um produto para ser vendido e, por essa razão, houve a necessidade de uma transformação
nos seus textos de notícias. Nesse sentido, o problema tratado neste texto é verificar de que
maneira a empresa jornal, com seus repórteres, redatores e editores, passou a transformar
o Inusitado e a Atualidade da notícia em foco de atração para ser comprado, a fim de que
o macroato de fala do discurso jornalístico, isto é, construir a opinião para o público, seja
executado com sucesso. Anteriormente, a notícia era caracterizada pelo Inusitado e pela
Atualidade. Entende-se, pois, que a notícia, um dos gêneros do discurso jornalístico, é
construída por duas categorias semânticas, a saber: Inusitado e Atual. A primeira guia a
seleção do que ocorre no mundo e que não participa do cotidiano da vida das pessoas,
ou seja, o inusitado é objeto de notícia. Quanto à categoria Atual, esta guia a seleção de
eventos, a partir do que ocorre no dia ou em passado muito próximo à publicação da notícia.
Uma vez inserido na agenda pública, o escândalo passa a ter uma dinâmica própria em
que os participantes do espetáculo midiático desempenham papéis importantes. Assim, o
tempo em que cada escândalo se mantém sob a atenção do público leitor depende da sua
visibilidade na mídia e os valores positivos e negativos que produzem variam de acordo com
a gravidade das acusações e do enquadramento adotado na cobertura midiática. O objetivo
do jornalismo sensacionalista é causar sensações nos leitores, por isso há um alto grau
de subjetividade e emoção, o que propicia as estratégias de adesão que buscam suprir as
carências do leitor. Por meio das sensações é possível apresentar explicações, entretanto,
do ponto de vista jornalístico, é necessário investigação e constatação. Marcondes Filho
(1989) descreve a prática sensacionalista como nutriente psíquico, desviante ideológico
e descarga de pulsões instintivas. Ele caracteriza o sensacionalismo como o grau mais
radical da mercantilização da informação: tudo o que se vende é aparência e, na verdade,
vende-se aquilo que a informação interna não irá desenvolver melhor do que a manchete.
Esta está carregada de apelos às carências psíquicas das pessoas e explora-as de forma
sádica, caluniadora e ridicularizadora. Entende-se que houve uma mudança social, essa
mudança fez com que a notícia sofresse uma modificação. Em relação ao que antigamente
era Inusitado e Atualidade, isso hoje ainda se mantém, só que para se manter como
Inusitado e Atualidade eles têm de transformar a notícia de modo sensacionalista em
escândalo. Atualmente, toda a notícia tende a ser sensacionalista, pois o que o leitor não
sabe é sobre o sensacionalismo, porque a informação ele já tem. Com a modernidade, a
diferença no momento é de que o enunciador da empresa-jornal vai criar o sensacionalismo
pela estratégia de fazer rir ou de fazer indignar-se, podendo, assim, além de causar

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 21 164


sensações no leitor, também construir a adesão ao que está sendo noticiado. Para tanto,
a partir dos atos de fala, é possível verificar quais as palavras utilizadas, a partir do ato
locucional, que levaram o leitor a processar a informação relevante, ou ainda, qual foi
a intenção do enunciador, por meio do ato ilocucional, para causar a emoção. Isso se
deve ao fato deque quando o leitor sente por meio do ato perlocucional, esse sentimento
é resultado do ato locucional. Este é a construção do texto produto, ao passo que o ato
ilocucional é de natureza memorial, decorrendo, assim, do processamento da informação.
Nesse sentido, o poder tem questões nas quais ele quer interferir, que são questões
sociais, como a impunidade, a corrupção e o preconceito, problemas mais atuais no cenário
político e social, cujas áreas semânticas são cruciais para a empresa- jornal. São essas
questões que eles vão transformar em escândalo. Para Thompson (2002), as estratégias
propostas para apuração do escândalo são: transformar o privado em público; transgredir
ou contradizer valores, normas ou códigos morais. Ambas as estratégias são utilizadas na
construção do escândalo, de forma recursiva e não ordenada. Para o autor, o escândalo
implica ações ou acontecimentos que transgridem ou contradizem valores, normas ou
códigos morais. Os valores ou normas devem ter determinado um grau de moral, ou seja,
na relação entre o individual e o social, no interstício entre o cultural e o ideológico, há uma
dialética perpassada pela moral. Desse modo, entende-se que inicialmente há a ocorrência
da ruptura dos conhecimentos por meio do escândalo e na sequência dos fatos após a
incorporação ao cotidiano do leitor é necessário novas ações discursivas para chamar a
atenção do leitor, ou seja, outras estratégias que causem impacto. Assim, é importante
considerar as imagens na construção e reforço dos sentidos a partir do texto linguístico.

3 | MULTIMODALIDADE E CONTEXTOS
Na vertente da Semiótica Social, Kress e Van Leeuwen (1990) investigam o valor das
categorias da linguística sistêmica para análise das imagens visuais e tratam de determinar
como essas categorias se realizam nas figuras. Entre as categorias tratadas, apontam
as textuais sistêmicas “dado” e “novo” para a análise de textos multimodais. A seleção
lexical é um recurso de grande importância, pois, é através dela que se estabelecem
as oposições, os jogos de palavras, as metáforas, o paralelismo rítmico, etc. Existem
palavras que, colocadas estrategicamente no texto, trazem consigo uma carga poderosa
de implícitos. Entende-se que a construção do texto e produção de sentidos decorre do
processamento cognitivo da informação, por meio das formas de conhecimento sociais
e individuais, assim é fundamental considerar as relações cotextuais e contextuais entre
imagens e textos na construção do fato noticioso. Assim, a construção do escândalo pelo
sensacionalismo transforma o lícito em ilícito para verificar o que os jornais objetivam de
seus leitores com a notícia jornalística. O escândalo envolve a transgressão de certos
valores, normas ou códigos. Esta transgressão é situada entre a transformação do lícito em

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 21 165


ilícito. A transformação do ato lícito em ato ilícito decorre de um processo de sensibilização
com o objetivo de causar uma reação emocional no leitor, uma sensação, desse modo, a
partir da contribuição do modelo sócio-comunicacional de Charaudeau (2008) e os atos de
fala de Austin (1962) analisou-se a transgressão ao transformar o ato lícito em ilícito e as
reações causadas pelo fazer saber, fazer crer e fazer sentir.
A título de exemplificação:

Revista Veja – Edição 2634 – ano 52 – n. 20 – 15 de maio de 2019

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 21 166


Contexto
“Revolução escatológica: Com bandeiras radicais e fartura de palavrões, Olavo de
Carvalho fustiga os militares e ganha apoio cada vez mais evidente de Bolsonaro”, diz a
capa da Revista Veja de 15 de maio de 2019.
O filósofo (autointitulado) Olavo de Carvalho, tem feito críticas consideradas
grotescas e desrespeitosas aos generais do Exército.

Fonte: https://www.facebook.com/olavo.decarvalho/posts/10157119095112192

Em sua postagem no Facebook (07/05) ele diz: “Há coisas que nunca esperei ver,
mas estou vendo. A pior delas foi altos oficiais militares, acossados por afirmações minhas
que não conseguem contestar, irem buscar proteção escondendo-se por trás de um doente
preso a uma cadeira de rodas. Nem o Lula seria capaz de tamanha baixeza”. O cadeirante
em questão é o general Eduardo Villas Boas, que sofre de doença degenerativa.

Fonte: https://twitter.com/opropriolavo/status/1125537554063818752

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 21 167


No dia anterior, no Twitter, Olavo de Carvalho já havia feito um comentário chulo ao
mesmo general Villas Boas: “A quem me chama de desocupado não posso nem responder
que desocupado é o cu dele, já que não para de cagar o dia inteiro”.
Essas postagens surgiram depois que o General Santos Cruz, secretário de governo,
cuja principal missão é a articulação com o Congresso Nacional e os partidos políticos
estabelecendo o diálogo com os estados e municípios, deu sua opinião sobre a internet. O
que gerou os comentários de Olavo de Carvalho.

Ato ilocucional: macro ato de fala


O enunciador tem a intenção de fazer saber que mesmo fora do Brasil – as críticas
de Olavo de Carvalho em relação aos militares, tem gerado uma crise no governo. E fazer
crer que Olavo de Carvalho, considerado um ícone pelo Presidente Bolsonaro ao ser
desrespeitoso com os militares, coloca-os em campos ideológicos opostos, a possibilidade
dessa mudança de postura transforma o lícito em ilícito.
O lícito é que o Presidente Bolsonaro desde a campanha eleitoral tem declarado
apoio às Forças Armadas e defendeu em várias ocasiões Olavo de Carvalho que já foi
chamado de “guru dos Bolsonaros”. O ilícito construído pela capa da revista, traz a ruptura
com essa ideia de alinhamento político, ou seja, Olavo de Carvalho foi representado como
“pessoa” que tem uma boca de “esgoto”, no caso, retratado como boca de mictório, ou seja,
ele ofende, ataca pessoas de quem discorda, de modo grotesco.

Ato locucional: composição textual


A representação de Olavo de Carvalho e dos seus comentários, estão ancorados
no título “Revolução escatológica”. O termo revolução refere-se ao ato de revolucionar, de
incitar uma revolta. Movimento de mudanças sociais por meio de rebeliões (conforme dicio.
com.br). Desse modo, a revolução pode ser considerada como produtora de uma nova
sociedade resultado de um evento escatológico.
A escatologia, tem sentido de final de um ciclo, surgiu a partir do grego éskhatos, que
significa “extremo” ou “último”, que agregado ao sufixo logia (estudo), forma o significado
literal de “estudo das últimas coisas”. Porém, a palavra escatologia, também tem o sentido
de “gosto por excrementos”, se originou do termo grego skatós​, que quer dizer “excremento”.
A escatologia na perspectiva religiosa, é considerada uma doutrina que estuda
todas as coisas que acontecerão antes e depois do Juízo Final, ou seja, o fim da espécie
humana no planeta Terra. Neste sentido, a escatologia pode assumir um tom apocalíptico
e profético, tendo como verdade a ideia de morte e ressurreição.
Desse modo, considerando o texto expandido do título, temos “Com bandeiras
radicais e fartura de palavrões, Olavo de Carvalho fustiga os militares e ganha apoio cada
vez mais evidente de Bolsonaro”.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 21 168


Em “bandeiras radicais” temos a representação da polarização política entre
a esquerda e direita; a “fartura de palavrões” relacionada às ofensas e à agressividade
empregada nas críticas feitas por Olavo de Carvalho; o uso do verbo “fustigar” remete a
ideia de repreender alguém por incorreção no seu modo de pensar, maltratar.

Ato perlocucional: composição textual subjetiva


O ato perlocucional ocorre quando Olavo de Carvalho é representado com valores
negativos da memória social atribuídos, como pessoa ofensiva, desrespeitosa e por isso,
sem o equilíbrio necessário para ser considerado uma boa influência para o Presidente
e seu governo. Sendo assim, ocorre o fazer sentir: grotesco, por meio da violência, pois
rompe com os valores e crenças sobre um modelo de governo estável e democrático.
Em síntese, o grotesco é composto por elementos heterogêneos, baseados em
deslocamentos de sentidos, as vezes utilizados como forma de rebaixar, fazer rir ou causar
espanto. Assim, entende-se, que a mídia propõe fazer sentir por meio do sensacionalismo.
Desse modo, o grotesco subverte o valor de algo elevado, superior em popular.
O discurso jornalístico por meio da capa da revista Veja “Revolução escatológica”,
busca representar o grotesco como se estivesse no cotidiano, mesmo que não seja
explicado. A referência ao escatológico é uma forma de desqualificação, de desumanização,
de rebaixamento da pessoa representada. Assim, temos a sensação de estranhamento e
choque repulsivo construídos pela capa de revista de modo a construí a ideia de que um
distanciamento entre Olavo de Carvalho e o Presidente Bolsonaro seria positivo.
Segundo Michaud (1989) o estado de violência é construído por meio de fatos
sociais, ou seja, a violência introduz um desregramento e o caos em um mundo que se
deseja estável e regular. Essa imprevisibilidade também gera a sensação de insegurança
que está relacionada à destruição do instituído, daquilo que controla os valores sociais e
culturais.
Assim, entende-se que a ancoragem na construção do fato noticioso é o da
vitimização coletiva, pois implica numa avaliação generalizada dos fracassos atribuídos
à classe política, na medida em que projeta o indivíduo que não se responsabiliza pelos
erros cometidos. Desse modo, temos a reação do Presidente Bolsonaro que representa os
comentários feitos por Olavo de Carvalho como liberdade de expressão.

REFERÊNCIAS
AUSTIN, J. L. (1962), Quando Dizer e Fazer. Porto Alegre: Artes Medicas.1990.

CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2008.

DIJK, Teun A. Van. (1980). La notícia como discurso – Comprensión, estructura y producción de la
información. Trad. Española de Guillermo Gal, Paidós Comunicación: Barcelona – Espanha, 1998.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 21 169


FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

GUIMARAES, Eduardo. Texto e Argumentação. Campinas, Pontes, 1995.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Tradução


Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

KRESS, G. y T. v. LEEUWEN (1990) Reading images: the grammar of visual design. London:
Routledge, 1996.

MARCONDES FILHO, C. (1989) O capital da notícia. Editora Ática, 1986.

SILVEIRA, Regina Célia Pagliuchi. Português língua estrangeira: leitura, produção e avaliação de
textos. (org.) Norimar Júdice. Niterói: Intertexto, 2000.

THOMPSON, J. O escândalo político: Poder e Visibilidade na Era da mídia. São Paulo: Vozes Editora,
2002.

Argumentação e Linguagem 2 Capítulo 21 170


SOBRE OS ORGANIZADORES

MARCELO MÁXIMO PURIFICAÇÃO – Pós-doutorado em Educação pela Faculdade de Psicologia e


Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCE/UC Portugal, 2014-2016). Pós-doutorado
(em andamento) em Formação de professores, Identidade e Gênero pelo Instituto Politécnico da Escola
Superior de Educação de Coimbra ESEC (2017-); Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUC/Goiás (2010-2014, CAPES
5); Doutorado em Ensino (em andamento), com objeto de tese na área da Educação Matemática/
Desenvolvimento Profissional de Professores e tecnologias pela Universidade do Vale do Taquari/
UNIVATES (2018 -, CAPES 4); Doutorado em Educação (em andamento), com objeto de tese na área de
Currículo e Identidade Juvenis pela Universidade Luterana do Brasil/ ULBRA (2020 -, CAPES 5); Mestre
em Teologia: Educação Comunitária Infância e Juventude pelas Faculdades EST (2007-2008, CAPES 5).
A nível de graduação possui formação multidisciplinar com: Licenciatura em Matemática pela Universidade
Estadual de Goiás (2004); Licenciatura em Pedagogia habilitação: séries iniciais, orientação e supervisão
escolar, pelo Instinto de Ciências Humanas e Sociais ICSH (2005) e Licenciatura em Filosofia pela
Faculdade Batista Brasileira/FBB (2011). É professor Titular C-II da Fundação Integrada Municipal de
Ensino Superior/FIMES/UNIFIMES desde 2014 (Onde atua em atividades de ensino, pesquisa e extensão
na graduação e pós-graduação) e professor P-IV da Secretaria Estadual de Educação de Goiás desde
1999 na disciplina de Matemática. Atua, ainda, como Docente Permanente nos seguintes Programas:
Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado) da Faculdade de Inhumas FACMAIS, Linha
2 Educação, Cultura, Teorias e Processos Pedagógicos; Programa de Pós-Graduação em Educação
(Mestrado) da Fundação Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul UEMS, Linha 1 Currículo,
Formação Docente e Diversidade (Cooperação técnica nº 1038/2019. Publicado no D. O. nº 10038 de
28/11/2019) e do MPIES Mestrado Profissional em Intervenção Educativa e Social da Universidade do
Estado da Bahia UNEB (Colaboração Técnica, sem vínculo empregatício), na Linha 2 Novas Formas
de Subjetivação e Organização Comunitária. Coordenador do Grupo de Pesquisa (NEPEM/UNIFIMES-
CNPq); Colíder do Grupo de Pesquisa em Educação, Tecnologias Sociais e Desenvolvimento no interior
do Amazonas (do IFAM). Associado na ANPED/Nacional. Membro da Comissão Editorial da Revista
Científica em Educação da FACMAIS (2020 -); Membro do Comitê Científico da Editora Atena (2019 -);
Editor da Revista Científica Novas Configurações Diálogos Plurais (2020 -). Tem experiência na área da
Educação atuando no eixo da Diversidade. Atualmente interessa-me pesquisa em dois grupos temáticos:
I Processos Educativos: Formação de Professores, Políticas Educacionais, Currículo, Desenvolvimento
Profissional, Ensino e Tecnologia; II Estudos Culturais: Identidade, Representação, Gênero, Violência,
Negritude, Religiosidade e Cultura. E-mail: maximo@unifimes.edu.br

SHEILA MARIA PEREIRA FERNANDES - Possui graduação em Psicologia (Bacharelado e Licenciatura)


pela Universidade Federal de Uberlândia (1996). Graduação em Pedagogia pela FAEL (2018). Mestrado
em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (2002). Atualmente é professora adjunta da
Universidade Luterana do Brasil – ULBRA. Doutorando em Educação pela Universidade Luterana

Argumentação e Linguagem 2 Sobre os Organizadores 171


do Brasil – ULBRA. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Retardo Mental, atuando
principalmente nos seguintes temas: educação, alfabetização, ensino fundamental, alfabetização de
adultos e dificuldades de aprendizagem. E-mail: Sheila.fernandes@ulbra.br

AKIRA DE ALENCAR BORGES BESSA - Graduada em História pela Universidade Católica de Goiás
(2002). Especialista em Formação Sócio Econômica do Brasil pela Universidade Salgado de Oliveira
(2004). Tem experiência na área da Educação desde 2000, atuando na rede pública e privada de
Aparecida de Goiânia - GO e Goiânia - GO, para as turmas iniciais e finais do Ensino Fundamental
II, Ensino Médio e Curso Preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Professora
P-IV na SEDUC - GO, desde 2012. Mestranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em
Educação – Mestrado Acadêmico da Faculdade de Inhumas – FacMais –Turma 2019/1. E-mail: akira@
aluno.facmais.edu.br

Argumentação e Linguagem 2 Sobre os Organizadores 172


ÍNDICE REMISSIVO

A
Análise 38, 44, 82, 87, 119, 120, 121, 123, 125, 126, 127, 131, 136, 162
Análise Crítica do Discurso 82, 162
Aprendizado 15, 28, 29, 94

D
Dialógica 10, 88, 93, 97, 98, 100, 126, 127, 128, 131, 153, 160
Discurso 10, 15, 16, 18, 24, 38, 44, 47, 60, 67, 68, 70, 71, 82, 98, 99, 101, 104, 105, 106,
110, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 145, 146, 147, 148,
150, 151, 160, 162, 164, 169, 170

E
Ensino 8, 12, 15, 16, 30, 39, 43, 44, 59, 60, 65, 66, 67, 69, 87, 109, 110, 112, 126, 132,
171, 172
Ensino de Língua Portuguesa 30, 66, 126
Entrevista 119, 120, 122, 123, 124
Enunciação 66, 68, 70, 108, 119, 120, 122, 123, 124, 125
Escrita 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 17, 19, 25, 39, 59, 60, 62, 64, 75, 88, 89, 90, 91, 92,
93, 102, 103, 108
Estrutura Discursiva 126
Estudo de Caso 72
Estudo de Texto 66
Etnografia 1, 2, 4, 6, 7, 82

F
Ferramentas Digitais 15, 16, 17, 19, 21, 23
Formação Docente Inicial 126

I
Interpretação Textual 38, 40
L
Leitura 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 23, 24, 27, 31, 37, 39, 40, 41, 43, 44,
61, 64, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 95, 98, 99, 100, 103, 108, 109, 110, 113, 135, 151, 162, 170
Letramentos 1, 2, 3, 4, 6, 15, 17, 19, 24
Libras 25, 26, 27, 28, 29, 30
Língua Portuguesa 10, 13, 14, 15, 16, 26, 30, 38, 59, 60, 63, 64, 65, 66, 67, 86, 94, 110,

Argumentação e Linguagem 2 Índice Remissivo 173


111, 126, 127, 130, 131, 162
Literatura 8, 31, 53, 55, 58, 110, 132, 152, 158, 161
Literatura Infantil 8, 53, 54, 55, 57, 58, 152, 158, 161

M
Mapas Conceituais 15, 16, 19, 20, 21, 23
Metodologia Ativa 60, 94, 95, 97, 99, 110

N
Narração Infantil 53
Narrativa 32, 33, 34, 35, 56, 72, 74, 88, 90, 93, 98, 99, 110, 111, 157, 159, 163

P
Pastoral 31, 32, 33, 34, 35
R
Recurso Pedagógico 94, 95
Referenciação 145, 147, 150, 151

T
Textos Multimodais 24, 38, 40, 42, 162, 165
V
Vídeos 38, 39, 40, 42, 43, 96

Argumentação e Linguagem 2 Índice Remissivo 174

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