Mauri Lio Castro 2
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INTRODUÇÃO
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Assistente Social; Doutor em Serviço Social (PUC-SP); Professor Associado da Faculdade de Serviço
Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: mauriliomatos@gmail.com.
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Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ); Professora substituta de Serviço Social na Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG). E-mail: francielesilvasantos22@gmail.com.
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Assistente Social. Mestranda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Servidora pública da saúde. E-mail:tatiannysa@gmail.com.
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A Argentina, assim como demais países do sul global, sofreu com a colonização
europeia que tem resultado na espoliação de suas riquezas e o massacre dos povos
originários. A região que hoje é a Argentina era habitada por etnias querandis,
quíchuas, charruas e guaranis até a chegada dos invasores espanhóis em 1516,
liderados por Juan Díaz de Solís Também contou, não diferente de outros países
latinos, com a mão de obra indígena e de pessoas negras escravizadas, e a utilização
destas como linha de frente em guerras expondo-as às doenças e sem garantias de
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primeiro em 2007 e o último em 2018, sendo que nas suas últimas versões já estavam
incluídas o direito ao aborto para pessoas que gestam e não necessariamente apenas
para as mulheres. Para buscar garantir seus objetivos a campanha era organizada em
três comissões: congresso (para realizar incidências e articulações com parlamentares),
articulação política (uma comissão redatora que articulava as propostas dos diferentes
estados para o projeto de lei) e de segurança (que cuidava da proteção das militantes
durante os atos).
No entorno da campanha foram criadas algumas redes que também foram
fundamentais para a ampliação do debate sobre a legalização do aborto na Argentina.
Em 2011, na Universidade Nacional de La Pampa, foi promovido um seminário
extracurricular sobre o aborto, sendo um marco para a criação de cátedras sobre o tema
nas universidades do país. Em 18 de maio de 2019 foi realizada a primeira reunião da
Rede de Cátedras das Universidades Públicas Nacionais sobre Educação Sexual
Integral e Direito ao Aborto (RUDA), que se reuniu novamente em 19 e 20 de agosto
de 2022.
Foi criada em 2014 a Rede de professores/as pelo direito ao aborto, dirigida
para o debate nas escolas de ensino fundamental e médio.
A Rede de Acesso ao Aborto Seguro (REDDAS), criada em 2014 - dando
continuidade a uma articulação existente desde 2011 - reúne profissionais de saúde e do
direito. Atualmente a rede conta com aproximadamente 600 integrantes, de 14
profissões, distribuídos por 20 estados da Argentina.
Em 2015 foi lançada a Rede de profissionais da saúde pelo direito de decidir,
atualmente composta por mais de 2000 profissionais em diferentes serviços de saúde do
país.
Outra ação importantíssima para o avanço da legalização do aborto na Argentina
foi a criação da "Socorristas em rede", uma organização que antes mesmo da
legalização, orientava mulheres em busca de um aborto. Tal movimento nunca tinha
tido uma integrante sua presa. No entanto, bem recentemente, em dezembro de 2022,
quatro socorristas foram detidas em Córdoba, mas foram liberadas depois, fruto
também de rápida e intensa movimentação feminista.
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Tais expressões do debate sobre o aborto mostra a força que foi, e são, os
movimentos feministas naquele país, na linha de frente desse ganho histórico. Tal
ganho tem se feito presente na vida das mulheres e pessoas que gestam na Argentina, o
direito de escolha sobre seus corpos.
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Verônica Gago (2020), também pontua sobre isso, em seu livro "A Potência
Feminista, ou o Desejo de Transformar Tudo", ilustrando, ao tratar da greve nacional
das mulheres em 2016 denominada “Nosotras Paramos” contra a violência de gênero, a
força dos movimentos de mulheres e feministas argentinos num contexto do governo
neoliberal de Maurício Macri (2015-2019).
A ousadia retratada por Gago (2020) em relação à construção de uma agenda
feminista e anticapitalista diante de um governo neoliberal e uma brutal crise mundial
do capitalismo, demonstra a disposição que havia na Argentina para avançar com
pautas que eram questionadas mesmo nos espaços tradicionais de luta e mobilização,
como os sindicatos. E essa ousadia também é vista sob o ponto de vista organizativo. A
greve seguia uma reorganização de mulheres a nível mundial, isso fortalecia as lutas
das latino-americanas e deve um saldo muito positivo na Argentina:
Mas essa foi apenas a primeira, a que inaugurou uma saga. A força da greve
de 2016 nos levou a convocar a greve internacional do 8 de março de
2017.(...)Em 8 de março de 2017, sentimos a terra tremer sob nossos pés.
Nos meses prévios, nos movemos com a certeza de que era decisivo o que
fazíamos ou deixávamos de fazer: organizamos assembleias, fomos a
pequenas reuniões aqui e ali, conversamos, escrevemos, escutamos,
brigamos conspiramos e fantasiamos. (GAGO, 2020, p.24).
Sair do Gueto também diz respeito a romper os limites das organizações que
se reconhecem exclusivamente como feministas, e transbordar a
convocatória com companheiros de Sindicatos, movimentos sociais, espaços
comunitários, organizações indígenas e afrodescendentes, centro de
estudantes, coletivos de imigrantes, grupos artísticos, etc. As assembleias
são o espaço onde prosperam essas alianças insólitas que implicam contatos,
debates, desacordos e síntese parciais do que propomos a nós mesmas
(GAGO, 2020, p.52).
Essa experiência sinalizada por Gago (2020), sem dúvidas, estabeleceu bases
para a conquista de mentes e corações para a pauta da legalização e descriminalização
do aborto. Dado que não foi diferente em relação a ampliação da luta pela legalização
do aborto na própria Argentina, assim como em muitos países da América Latina e
Caribe. Além da importância sem precedentes dos movimentos de mulheres e
feministas, o que se percebeu foi a ampliação do debate por toda sociedade e a
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Isso foi possível, precisamente, pelo modo como essa demanda se vinculou
as lutas feministas que vinham tecendo uma compreensão política e
cognitiva sobre como as violências contra os corpos feminizadas implicavam
uma agressão sistemática cada uma e a todas com base do regime de
governo heteropatriarcal (GAGO, 2020, p.124).
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O Código Penal de 1921, em seus artigos 85 e 86, previa o aborto legal nos
casos derisco a saúde, perigo à vida e nos casos de estupro. Nesse último caso, o
aborto somente era garantido se a mulher fosse considerada incapaz 4. Apenas em 2012,
numa decisão da Suprema Corte de Justiça, conhecida como Fallo F.A.L., ficou
deliberado que o direito ao aborto em decorrência de um estupro era para todas as
mulheres, não sendo necessário registro policial e que caberia ao Estado o
estabelecimento de protocolos de atendimentos nas instituições de saúde.
Ainda assim, o acesso - como já descrito e acompanhando outros países da
América Latina e Caribe - muitas vezes era dificultado ou negado, levando a não
garantia de direitos já previstos no marco legal, quando não com utilização de
procedimentos inseguros (CARBAJAL, 2009; GONÇALVES, et al, 2021).
De acordo com a Rede de Acesso ao Aborto Seguro - Argentina (REDDAS), se
estima que antes da legalização ocorriam por volta de 370.000 a 520.000 abortos por
ano. E que as mortes por aborto inseguro, representaram 17% da mortalidade materna
4
Na ditadura militar foi publicada uma lei complementar em que o aborto somente seria legalmente
garantido se a situação de saúde fosse grave e nos casos de estupro era necessário o registro na delegacia
de polícia, bem como a aprovação do representante legal da mulher considerada incapaz.
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entre 2014 e 2016. Sendo a primeira causa individual de morte materna desde 1980,
matando 2 a cada 10 mulheres falecidas por este motivo, 47 mulheres por ano, quando
são mortes evitáveis. Entre 2013 e 2014, foram internadas mais de 49 mil mulheres
com complicações por abortamento. E segundo informações da ministra argentina de
Mulheres, Gênero e Diversidade, Elizabeth Gómez, seis meses depois da legalização,
nenhuma mulher havia morrido por complicações de aborto no país (YAHOO
NOTÍCIAS, 2021).
Esta realidade perversa levava muitas meninas e mulheres à maternidade
forçada ou aos riscos do aborto clandestino, como o retratado no documentário de
animação “Vicenta” de Darío Doria. Em 2006. Vicenta Avendaño, mulher pobre e
analfabeta, descobriu que sua filha mais nova, portadora de uma deficiência mental,
havia sido violentada sexualmente por seu tio e estava grávida. O filme mostra a
dificuldade na garantia do direito garantido em lei5.
Para ilustrar que casos como esses se repetem em outras realidades na América
Latina, exemplificamos um caso ocorrido no Brasil, em 2020, de uma menina no estado
do Espírito Santo, de apenas 10 anos que ficou grávida após 4 anos de estupro de
vulnerável por familiar. O caso chamou muito a atenção pela tentativa de negação do
direito ao aborto legal e várias violências forampraticadas contra a menina e sua família,
inclusive por membros do Governo, como a ex-ministra da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos, Damares Alves, que atuou para impedir que a menina de 10 anos,
realizasse o procedimento. Caso que expressa para nós o desafio de mesmo diante de
ter casos que são legalizados garantir que a legislação reflita de fato na vida das
mulheres e demais pessoas que gestam6.
5
Não localizamos, na internet, o filme em sua íntegra. No entanto, compartilhamos o link do trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=mmFHSQ1o1mw. Acesso em 29 de agosto de 2022.
6
Caso amplamente abordado na mídia. Recentemente foi novamente tratado, em decorrência da
repetição de situações parecidas. Ver: https://g1.globo.com/es/espirito-
santo/noticia/2022/06/27/menina-de-10-anos-que-engravidou-apos-estupro-ha-2-anos-precisou-mudar-
identidade-e-endereco.ghtml. Acesso em: 29 agosto de 2022.
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Vale considerar que o Sistema de Saúde na Argentina é conhecido como um dos mais fragmentados na
América Latina, havendo direcionamentos múltiplos conforme o público, o que não o caracteriza como
universal. Então, ele é dividido nos seguintes subsetores: Público, Seguro Social e Privado
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(MACHADO, 2018).
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Previsão legal que consta no art.11 da referida legislação que garante que o/a profissional não é forçado
realizar atos/ações que venham a violar suas convicções religiosas e/ou éticas.
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3. APROXIMAÇÕES CONCLUSIVAS
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REFERÊNCIAS
BARREIRO, Ramiro. Onde estão os negros da Argentina? In: EL PAÍS. São Paulo,
08/01/2017. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/07/internacional/1483795840_886159.html.
Acesso: 06 jun. 2022.
GELEDÉS. A história dos negros argentinos: por que eles sumiram de lá? São Paulo,
30/06/2016. Disponível em: https://www.geledes.org.br/historia-dos-negros-argentinos-
por-que-eles-quase-sumiram-do-mapa-por-la/ Acesso: 06 jun. 2022.
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YAHOO NOTÍCIAS. Seis meses após legalização, nenhuma mulher morreu por
abortar na Argentina. In: Redação Notícia, Yahoo. 2021. Disponível em:
https://br.noticias.yahoo.com/seis-meses-apos-legalizacao-nenhuma-mulher-morreu-
por-abortar-na-argentina-175004626.html. Acesso em: 30 de julho de 2022.
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