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Cantos D'os Lusíadas

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1.

Os Dez Cantos d'Os Lusíadas

Canto I O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração às ninfas do Tejo
e dedica o poema ao Rei D. Sebastião. Na estrofe 19 inicia a narração de viagem de
Vasco da Gama, referindo brevemente que a Armada já se encontra no Oceano
Índico, no momento em que os deuses do Olimpo se reúnem em Concílio
convocado por Júpiter, para decidirem se os Portugueses deverão chegar à Índia.
Com o apoio de Vénus e Marte e apesar da oposição de Baco, a decisão é
favorável aos Portugueses que, entretanto, chegam à Ilha de Moçambique. Aí Baco
prepara-lhes várias ciladas que culminam com o fornecimento de um piloto por ele
instruído para os conduzir ao perigoso porto de Quíloa. Vénus intervém, afastando a
armada do perigo e fazendo-a retomar o caminho certo até Mombaça. No final do
Canto, o poeta reflecte acerca dos perigos que em toda a parte espreitam o Homem.
Canto II O rei de Mombaça, influenciado por Baco, convida os Portugueses a entrar
no porto para os destruir. Vasco da Gama, ignorando as intenções, aceita o convite,
pois os dois condenados que mandara a terra colher informações tinham regressado
com uma boa notícia de ser aquela uma terra de cristãos. Na verdade, tinham sido
enganados por Baco, disfarçado de sacerdote. Vénus, ajudada pelas Nereidas,
afasta a Armada, da qual se põem em fuga os emissários do Rei de Mombaça e o
falso piloto.
Vasco da Gama, apercebendo-se do perigo que corria, dirige uma prece a
Deus. Vénus comove-se e vai pedir a Júpiter que proteja os Portugueses, ao que ele
acede e, para a consolar, profetiza futuras glórias aos Lusitanos. Na sequência do
pedido, Mercúrio é enviado a terra e, em sonhos, indica a Vasco da Gama o
caminho até Melinde onde, entretanto, lhe prepara uma calorosa recepção. A
chegada dos Portugueses a Melinde é efectivamente saudada com festejos e o Rei
desta cidade visita a Armada, pedindo a Vasco da Gama que lhe conte a história do
seu país.
Canto III Após uma invocação do poeta a Calíope, Vasco da Gama inicia a narrativa
da História de Portugal. Começa por referir a situação de Portugal na Europa e a
lendária história de Luso a Viriato. Segue-se a formação da nacionalidade e depois a
enumeração dos feitos guerreiros dos Reis da 1.ª Dinastia, de D. Afonso Henriques
a D. Fernando.
Destacam-se os episódios de Egas Moniz e da Batalha de Ourique, no
reinado de D. Afonso Henriques, e o da Formosíssima Maria, da Batalha do Salado
e de Inês de Castro, no reinado de D. Afonso IV.
Canto IV Vasco da Gama prossegue a narrativa da História de Portugal. Conta agora
a história da 2.ª Dinastia, desde a revolução de 1383-85, até ao momento, do
reinado de D. Manuel, em que a Armada de Vasco da Gama parte para a Índia.
Após a narrativa da Revolução de 1383-85 que incide fundamentalmente
na figura de Nuno Álvares Pereira e na Batalha de Aljubarrota, seguem-se os
acontecimentos dos reinados de D. João II, sobretudo os relacionados com a
expansão para África.
É assim que surge a narração dos preparativos da viagem à Índia, desejo
que D. João II não conseguiu concretizar antes de morrer e que iria ser realizado por
D. Manuel, a quem os rios Indo e Ganges apareceram em sonhos, profetizando as
futuras glórias do Oriente. Este canto termina com a partida da Armada, cujos
navegantes são surpreendidos pelas palavras profeticamente pessimistas de um
velho que estava na praia, entre a multidão. É o episódio do Velho do Restelo.
Canto V Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao Rei de Melinde, contando
agora a viagem da Armada, de Lisboa a Melinde.
É a narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros
observaram maravilhados ou inquietos o Cruzeiro do Sul, o Fogo de Santelmo ou a
Tromba Marítima e enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade
dos nativos, no episódio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episódio do
Gigante Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo escorbuto.
O canto termina com a censura do poeta aos seus contemporâneos que
desprezam a poesia.
Canto VI Finda a narrativa de Vasco da Gama, a Armada sai de Melinde guiada por
um piloto que deverá ensinar-lhe o caminho até Calecut.
Baco, vendo que os portugueses estão prestes a chegar à Índia, resolve
pedir ajuda a Neptuno, que convoca um Concílio dos Deuses Marinhos cuja decisão
é apoiar Baco e soltar os ventos para fazer afundar a Armada. É então que,
enquanto os marinheiros matam despreocupadamente o tempo ouvindo Fernão
Veloso contar o episódio lendário e cavaleiresco de Os Doze de Inglaterra, surge
uma violenta tempestade.
Vasco da Gama vendo as suas caravelas quase perdidas, dirige uma prece
a Deus e, mais uma vez, é Vénus que ajuda os Portugueses, mandando as Ninfas
seduzir os ventos para os acalmar.
Dissipada a tempestade, a Armada avista Calecut e Vasco da Gama
agradece a Deus. O canto termina com considerações do Poeta sobre o valor da
fama e da glória conseguidas através dos grandes feitos.
Canto VII A Armada chega a Calecut. O poeta elogia a expansão portuguesa como
cruzada, criticando as nações europeias que não seguem o exemplo português.
Após a descrição da Índia, conta os primeiros contactos entre os portugueses e os
indianos, através de um mensageiro enviado por Vasco da Gama a anunciar a sua
chegada.
O mouro Monçaíde visita a nau de Vasco da Gama e descreve Malabar,
após o que o Capitão e outros nobres portugueses desembarcam e são recebidos
pelo Catual e depois pelo Samorim. O Catual visita a Armada e pede a Paulo da
Gama que lhe explique o significado das figuras das bandeiras portuguesas. O
poeta invoca as Ninfas do Tejo e do Mondego, ao mesmo tempo que critica
duramente os opressores e exploradores do povo.
Canto VIII Paulo da Gama explica ao Catual o significado dos símbolos das bandeiras
portuguesas, contando-lhe episódios da História de Portugal nelas representados.
Baco intervém de novo contra os portugueses, aparecendo em sonhos a um
sacerdote brâmane e instigando-o através da informação de que vêm com o intuito
da pilhagem.
O Samorim interroga Vasco da Gama, que acaba por regressar às naus,
mas é retido no caminho pelo Catual subornado, que apenas deixa partir os
portugueses depois destes lhes entregarem as fazendas que traziam. O poeta tece
considerações sobre o vil poder do ouro.
Canto IX Após vencerem algumas dificuldades, os portugueses saem de Calecut,
iniciando a viagem de regresso à Pátria. Vénus decide preparar uma recompensa
para os marinheiros, fazendo-os chegar à Ilha dos Amores. Para isso, manda o seu
filho cúpido desfechar setas sobre as Ninfas que, feridas de Amor e pela Deusa
instruídas, receberão apaixonadas os Portugueses.
A Armada avista a Ilha dos Amores e, quando os marinheiros
desembarcam para caçar, vêem as ninfas que se deixam perseguir e depois seduzir.
Tétis explica a Vasco da Gama a razão daquele encontro (prémio merecido pelos
“longos trabalhos”), referindo as futuras glórias que lhe serão dadas a conhecer.
Após a explicação da simbologia da Ilha, o poeta termina, tecendo considerações
sobre a forma de alcançar a Fama.
Canto X As Ninfas oferecem um banquete aos portugueses. Após uma invocação
do poeta a Calíope, uma ninfa faz profecias sobre as futuras vitórias dos
portugueses no Oriente. Tétis conduz Vasco da Gama ao cume de um monte para
lhe mostrar a Máquina do Mundo e indicar nela os lugares onde chegará o império
português. Os portugueses despedem-se e regressam a Portugal.
O poeta termina, lamentando-se pelo seu destino infeliz de poeta
incompreendido por aqueles a quem canta e exortando o Rei D. Sebastião a
continuar a glória dos Portugueses.
2. Episódios Presentes n'Os Lusíadas

Episódios Concílio dos deuses no Olimpo:


Mitológicos: É o concílio dos Deuses no Olimpo um modo de interligar os deuses com a viagem.
Será no Olimpo que se decidirá “sobre as cousas futuras do Oriente” e foi este concílio
convocado por Júpiter - pai dos Deuses. A disposição hierárquica que é feita nesta reunião
apresenta-se de maneira a que os considerados deuses menores (deuses dos “sete céus”)
exponham também as suas opiniões sobre o seguimento ou não da armada portuguesa em
direcção ao Oriente. Júpiter profere o seu discurso, anunciando a sua boa vontade do
prosseguimento da viagem dos lusitanos, e que estes sejam recebidos como bons amigos na
costa africana. Júpiter diz que o facto dos portugueses enfrentarem mares desconhecidos, e de
estar decidido pelos Fados que o povo lusitano fará esquecer através dos seus feitos os
Assírios, os Persas, os Gregos e os Romanos, é motivo para que a navegação continue. Após
este discurso, são consideradas outras posições em que se destaca a oposição de Baco, pois
este receia vir a perder toda a fama que havia adquirido no Oriente caso os portugueses atinjam
o objectivo. Uma outra posição de destaque é a de Vénus que defende os portugueses não só
por se tratar de uma gente muito semelhante à do seu amado povo latino e com uma língua
derivada do Latim, como também por terem demonstrado grande valentia no norte de África. É
também Marte - Deus da guerra - um Deus defensor desta gente lusitana, porque o amor antigo
que o ligava a Vénus o leva a tomar essa posição e porque reconhece a bravura deste povo. No
seu discurso, Marte pretende que Júpiter não volte atrás com a sua palavra e pede a Mercúrio -
o Deus mensageiro - que colha informações sobre a Índia, pois começa a desconfiar da posição
tomada por Baco. Este concílio termina com a decisão favorável aos portugueses e cada um dos
deuses regressa ao seu domínio celeste.

Concílio dos Deuses Marinhos:


Novamente há uma ligação da mitologia com a viagem, numa perspectiva semelhante à
do primeiro concílio, visto que, uma vez mais, Baco quer que o povo lusitano não atinja o seu
objectivo. Desceu o Rei das paixões, dos vícios e do vinho ao fundo do mar em direcção ao
palácio de Neptuno para o convencer a convocar um Concílio dos Deuses Marinhos.
Convencido, Neptuno ordena a Tritão que convoque este concílio e Baco no seu discurso
consegue convencer a assembleia do dito concílio da necessidade de afundar a armada
portuguesa antes de chegar ao Oriente. Estavam os portugueses na última etapa da viagem, de
Melinde a Calecut, guiados por um piloto conhecedor daqueles mares (posto à disposição pelo
Rei de Melinde), prosseguindo viagem “Com vento sossegado” e entretendo-se com histórias
contadas pelos marinheiros para passar o tempo, quando as naus são interceptadas por uma
tempestade. Era esta tempestade proveniente dos ventos que Eolo soltara por ordem dos
deuses marinhos.
Episódio Os Doze de Inglaterra:
Cavalheiresco: Este episódio é contado por Fernão Veloso numa altura em que as naus navegam por
mares calmos, e estando Veloso consciente da dureza da vida e do trabalho que os espera,
propõe-se a contar a história dos “feitos grandes” dos Doze de Inglaterra, ocorrida no reinado de
D. João I. Trata-se de uma ofensa feita a doze damas inglesas por doze nobres que alegavam
que elas não mereciam o nome de damas e desafiavam quem quer que fosse para as defender
“com lança e espada”. As referidas damas pediram auxílio a amigos e parente mas todos
recusaram e então decidiram pedir conselho ao Duque de Lencastre que havia combatido pelos
portugueses contra Castela e conhecendo o povo português indicou-lhes doze cavaleiros
lusitanos capazes de as defender. Logo, cada uma das doze damas escreveu a cada um dos
doze valentes portugueses e até ao próprio Rei D. João I, mas também o Duque de Lencastre
interveio a falar com todos. Chegadas as cartas, toda a corte se sentiu insultada, e sendo o povo
português um povo cavalheiro e defensor da sua honra, logo se deu a partida dos Doze para
Inglaterra. Onze cavaleiros seguiram por mar, mas o mais valente - o Magriço - decidiu partir a
galope para “conhecer terras e águas estranhas, várias gentes e leis e várias manhas",
prometendo estar presente na altura certa. No entanto, no dia do torneio o Magriço não estava
presente e para desespero de seus companheiros, que se viam reduzidos a onze cavaleiros
contra doze ingleses, e da sua dama pretendida que estava já vestida de luto toda uma honra se
estava a perder; até que o valente português aparece e daí trava-se um duro combate onde
saem vencedores os Portugueses que derrotam todos os seus adversários. São depois
recebidos pelo Duque no seu palácio onde lhes são oferecidas festas e honrarias como prova de
apreço e gratidão. É considerado cavalheiresco por se ter baseado na defesa de doze damas
inglesas por doze cavaleiros portugueses que se mostraram obedientes ao código da cavalaria.
Episódios Batalha de Ourique:
Bélicos: A Batalha de Ourique aparece quando Vasco da Gama relata a História de Portugal ao
Rei de Melinde, desde Viriato à ocupação Romana incluindo a fundação da nacionalidade.
Explica Gama o significado das cinco quinas do escudo nacional que provinham desta dita
batalha travada contra os Mouros no reinado de D. Afonso Henriques. Terá este nosso primeiro
Rei derrotado cinco reis mouros - daí as cinco quinas - graças a uma aparição de Jesus Cristo
crucificado que determinou a vontade dos portugueses para chegar à vitória.

Batalha do Salado:
A Batalha do Salado consistiu num enorme exército Mouro que invadiu Castela com o
objectivo de reconquistar a península. Surge no reinado de D. Afonso IV que decidiu ajudar o rei
de Castela, D. Afonso XI, seu genro, com o qual não tinha boas relações. Ajudou-o não só pelo
pedido feito por sua filha D. Maria de Portugal - a Fermosíssima Maria, mas também por
questões políticas e estratégicas, visto que se Castela fosse possuída pelos Mouros, teria
Portugal que enfrentar o exército africano sozinho, o que dificultava ainda mais a vitória.

Batalha de Ajubarrota:
Está Vasco da Gama a contar a História de Portugal ao Rei de Melinde, referindo a
morte de D. Fernando e respectivas consequências, e referindo também D. João, Mestre de
Avis, e toda a sua história de nomeação a Regedor e Defensor do Reino. Dá desenlace à
batalha contra Castela que se travou em 14 de Agosto de 1383. O Rei de Castela invade
Portugal, e poucos eram os que queriam combater pela Pátria. Mas os que estavam dispostos a
defender o seu Reino, onde se destacava Nuno Álvares Pereira, iriam defende-lo com a
convicção da vitória, pois o país vizinho tinha enfraquecido bastante no reinado de D. Fernando
e D. João I era garantia de valor e sucesso e nunca Portugal tinha saído derrotado dos
combates contra os Castelhanos. No início desta batalha, o som da trombeta castelhana causa
efeitos não só nos guerreiros, como nas mães, que apertam os filhos ao peito, e também na
natureza: o Guadiana, o Alentejo, o Tejo ficam assustados! Na descrição da batalha, destacam-
se as actuações de Nuno Álvares Pereira e de D. João, Mestre de Avis; salienta-se também o
facto dos irmãos de Nuno combaterem contra a própria Pátria, acabando por morrer numa
batalha em que foram traidores de Portugal. No final, Camões refere o desânimo e a fuga dos
Castelhanos, que novamente foram derrotados pelos lusitanos.
Episódios A Fermosíssima Maria:
Líricos A Fermosíssima Maria, filha de D. Afonso IV e rainha de Castela, foi quem suplicou a
seu pai que ajudasse D. Afonso XI na luta contra os Mouros. Atendendo às suplicas de Maria,
Afonso IV avança com o seu exército de modo a ajudar o seu genro. Este episódio divide-se em
três partes. A primeira parte (introdução), em que Maria entra “polos paternais paços
sublimados“, e o poeta faz uma descrição física e psicológica utilizando recursos estilísticos
como o pretérito imperfeito do indicativo para sugerir continuidade, a adjectivação, começado
pelo superlativo absoluto sintético “fermosíssima”. A segunda parte constitui o discurso de Maria,
em que ela apresenta argumentos, de ordem política e de ordem pessoal, para convencer o pai.
Engrandece o poder do “grão rei de Marrocos” que “a vivos mete medo e a mortos faz espanto”,
responsabiliza o pai pela sua situação futura: “Aquilo que me destes por marido / (…) ser
privada”. Faz-lhe ver o pequeno poder de Castela: “Co pequeno poder, oferecido / Ao duro
golpe da Maura espada” e chama a atenção para a sua situação de esposa, rainha e mulher.
Põe em evidência a sua bravura: “Portanto, ó Rei, de quem com puro medo / O corrente do
Muluca se congela”, apelando ao amor do pai: “Se esse gesto (…) / verdadeiro amor assela”.
Por fim, a terceira parte, representa uma conclusão em que o poeta compara a súplica de Maria
junto do pai ao pedido de Vénus a Júpiter, para que este socorra Eneias. Há aspectos em que
as duas figuras se aproximam: ambas suplicam ajuda ao pai, o estado de espírito em que se lhe
dirigem são comoventes, ambas conseguem os seus objectivos. Há também aspectos em que
se afastam. Maria afirma-se como esposa, filha e mãe, portanto, como mulher e figura histórica;
Vénus, por outro lado, serve-se de todo o seu poder de Deusa do Amor e da sedução para
influenciar o pai dos deuses.

Morte de Inês de Castro:


A morte de Inês de Castro é um dos mais belos episódios líricos presentes na epopeia e
pode-se mesmo considerar que as principais características da tragédia clássica estão patentes:
• Há o desenvolvimento de uma acção, que termina com a morte da protagonista;
• Observa-se a lei das três unidades (acção, tempo e espaço);
• Há uma motivação para sentimentos de terror e piedade pelo uso de contrastes;
• A catástrofe é simbolizada pela morte da protagonista.
Tal como o episódio da “Fermosíssima Maria”, também este se divide em três partes.
A primeira, referente as causas da morte de Inês, vítima do amor. A segunda, constitui o
desenvolvimento em que se descreve o modo de vida feliz e despreocupado que Inês tinha em
Coimbra - é apresentada a razão de estado para que Inês deixe a vida, pois o perigo que
representa a ligação de D. Inês com D. Pedro, receia o domínio espanhol. O poeta põe em
questão a grandeza moral do Rei por solucionar o problema de seu reino mandando matar a sua
própria filha:
“Tirar Inês ao mundo, determina”;
“Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra üa fraca dama delicada?”.
Também nesta segunda parte é redigido o discurso suplicante de Inês ao rei de Portugal, seu
pai. Ela utiliza súplicas e argumento para comover o Rei na sua determinação - apresenta a sua
situação de mãe e a orfandade de seus filhos, declara-se inocente perante toda a situação de
futuro conflito, comove o rei dizendo-lhe que sendo um cavaleiro que sabe dar morte, também
sabe ”dar vida, com clemência” e como alternativa à morte, dá preferência ao exílio. A terceira e
última parte, constitui a reprovação do narrador, sublinhada pelo pranto comovente das “filhas
do Mondego” e pela animização da Natureza, que chora a morte de Inês, sua antiga confidente.

Despedida do Restelo:
Foi no dia 8 de Julho de 1497 que a armada portuguesa, capitaneada por Vasco da
Gama, partiu em procura do desconhecido. Uma enorme multidão concentrou-se na praia de
Belém para assistir à partida dos marinheiros seus amigos ou familiares. O tema deste excerto
lírico é emotivo do ponto de vista sentimental, pois é revelada uma enorme saudade por aqueles
que vão “navegar” e por aqueles que ficam. É um episódio constituído por uma primeira parte,
em que se descreve o local da partida e o alvoroço geral dos últimos preparativos da viagem,
estando as naus já preparadas e os nautas na ermida de Nossa Senhora de Belém orando.
Numa segunda parte, em que Gama e os seus marinheiros passam por entre a multidão para
chegar aos batéis, num caminho desde o “santo templo”, destacam-se as evocações de mães e
esposas acerca da partida, criando um entristecimento na emotiva despedida do Restelo.
Finalmente, na terceira parte, é referido o embarque em que, por determinação de Vasco da
Gama, não se fazem as despedidas habituais num sentido de menor sofrimento. Também se
pode considerar a importância desta viagem para Portugal, pois para além dos proveitos que
poderia trazer ao reino, simbolizava, acima de tudo, um perigo.
Episódios Fogo-de-santelmo e Tromba Marítima:
Naturalistas: Ambos os episódios são naturalistas e descrevem “cousas do mar” que os sábios não entendem
mas que Vasco da Gama e a sua tripulação presenciaram. Camões faz uma breve referência a
este “lume vivo“ salientado que os olhos dos marinheiros não os enganavam pelo uso de um
pleonasmo do verbo ver = “Vi, claramente visto, o lume vivo”. Este fogo aparece na
extremidade dos mastros e vergas dos navios em altura de tempestade, e que resulta de
descargas eléctricas. A tromba marítima é reflectida como um enorme tubo que aumentava em
direcção ao céu, partia de um “vaporzinho”, adensava-se chupando a água das ondas para uma
nuvem que se carregava para esvaziar uma violenta chuvada sobre o oceano. É feita a
descrição em pormenor da formação da tromba de água, e nas duas últimas estrofes, o poeta
salienta que os marinheiros por experiência própria, têm mais capacidades de explicar estes
fenómenos naturais, do que os sábios que o fazem por meio de obras escritas, teóricas.

Escorbuto:
O escorbuto é uma doença que resulta da falta de frutas e vegetais frescos e do
excesso da carne e do peixe salgado, neste caso, por parte dos navegantes. Sendo esta uma
“doença crua e feia”, está Gama a narrá-la ao Rei de Melinde e refere que, para além do
desânimo e do cansaço, foi o que mais afectou a tripulação, pois o desenlace desta doença que
atingia os tripulantes era a morte. Por fim, é feito um comentário à fragilidade da vida humana,
sobressaindo a incapacidade do Homem em superar algumas situações, como a doença e a
morte.

Tempestade:
Decorria o “Concílio dos Deuses Marinhos”, quando a armada portuguesa, foi
interceptada por uma tempestade proveniente dos ventos que Eolo soltara por ordem dos
deuses. Também no momento em que a tempestade se aproximou, estavam os navegadores
entretidos com a história do “Doze de Inglaterra”, contada por Fernão Veloso. É este um
episódio simbólico em que se entrelaçam os planos da viagem e dos deuses, portanto a
realidade e a fantasia. Esta tempestade é o último dos perigos que a armada lusitana teve que
enfrentar para chegar ao Oriente, e Camões descreve-a de uma forma bastantes realista, tanto
relativamente à natureza, quando refere a fúria desta (relâmpagos, raios, trovões, ventos), como
relativamente ao sentimento de aflição sentido por parte dos marinheiros. O episódio começa
por referir a tranquilidade com que se navega em direcção à Índia, assistindo-se depois ao
desenlace da tempestade que o poeta descreve de maneira muito real. De seguida é narrada a
súplica de Vasco da Gama a Deus = “Divina Guarda, angélica, celeste,”, o qual utiliza
argumentos como a preferência por uma morte heróica e conhecida em África, a um naufrágio
anónimo no alto mar e o facto de a viagem ser um serviço prestado a Deus. O término da
tempestade vem quando Vénus decide intervir ordenando às “Ninfas amorosas” que abrandem a
ira dos ventos, seduzindo-os. Como se pode verificar, mais uma vez, Vénus ajuda os
Portugueses a atingir o seu objectivo, visto que os considera um povo semelhante ao seu
amado povo latino. Quando a tempestade acaba, os Portugueses avistam a Índia a 17 de Maio
de 1498.
Episódios Velho do Restelo:
Simbólicos: No momento da largada ergue-se a voz de um respeitável velho que sobressai de entre
todas as que se tinham feito ouvir até então. Ela representa todos aqueles que se opunham à
louca aventura da Índia e preferiam a guerra santa no Norte de África. Se as falas das mães e
das esposas representam a reacção emocional àquela aventura, o discurso do velho exprime
uma posição racional, fruto de bom senso da experiência (“tais palavras tirou do experto peito”)
e do sentido das vozes anónimas ligadas ao cultivo da terra, sobretudo no norte do país,
defensoras de uma política de fixação oposta a uma política de expansão com adeptos mais a
sul. E assim, o Gama que representa este homem sempre insatisfeito e que está disposto a
enfrentar os mais difíceis obstáculos e a suportar os mais duros sacrifícios para conseguir o seu
objectivo, tinha perfeita consciência da lógica, da verdade e sensatez das palavras do Velho do
Restelo, da condenação moral da empresa mas não lhe podia dar ouvidos porque levava dentro
de si um incentivo maior e mais forte, um dever a cumprir imposto pelo rei e pela pátria e até um
imperativo ético e psicológico. No entanto, as palavras pessimistas do velho acabam por
evidenciar o heroísmo daquele punhado de homens tanto maior quanto mais consciente. O
Velho do Restelo fala como um poeta humanista que exprime desdém pelo “povo néscio” ou
seja, o clássico horror ao vulgo. Há portanto uma contradição entre o discurso pacifista do velho
e a épica exaltação dos heróis e seus feitos de armas. A personagem seria um porta-voz da
ideologia característica da formação humorística de Camões. O Velho do Restelo é o próprio
Camões erguendo-se acima do encadeamento histórico e medindo à luz os valores do
humanismo. Ele é o humanista que torna a palavra, humanista para quem os acontecimentos
que lhe servem de tema constituem apenas o material para um poema e que reserva
constantemente a sua liberdade de juízo.
Simbologia do episódio do "Velho do Restelo"
Naturalmente, o "Velho do Restelo" não é uma personagem histórica, mas uma
criação de Camões com um profundo significado simbólico. Por um lado, representa
aquela corrente de opinião que via com desagrado o envolvimento de Portugal nos
Descobrimentos, considerando que a tentativa de criação de um império colonial no
Oriente era demasiado custosa e de resultados duvidosos. Preferiam que a expansão
do país se fizesse pela ampliação das conquistas militares no Norte de África. Essa
ideia era, sobretudo, defendida pela nobreza, que assim encontravam possibilidades de
mostrarem o seu valor no combate com os mouros e, ao mesmo tempo, encontravam
nele justificação para as benesses que a Coroa lhes concedia. A burguesia, por seu
lado, inclinava-se mais para a expansão marítima, vendo aí maiores oportunidades de
comércio frutuoso. Por outro lado, se ignorarmos o contexto histórico em que o episódio
é situado, podemos ver na figura do Velho o símbolo daqueles que, em nome do bom
senso, recusam as aventuras incertas, defendendo que é preferível a tranquilidade
duma vida mediana à promessa de riquezas que, geralmente, se traduzem em
desgraças. Encontramos aqui um eco de uma ideia cara aos humanistas: a nostalgia da
idade de ouro, tempo de paz e tranquilidade, de que o homem se viu afastado e a que
pode voltar, reduzindo as suas ambições a uma sábia mediania ("aurea mediocritas",
na expressão dos latinos), já que foi a desmedida ambição que lançou o ser humano na
idade de ferro, em que agora vive (cf. Est. 98). Neste sentido o episódio pode ser
entendido como a manifestação do espírito humanista, favorável à paz e tranquilidade,
contrário ao espírito guerreiro da Idade Média. Assim, o episódio do "Velho do Restelo"
está de certo modo em contradição com aquilo mesmo que Os Lusíadas, no seu
conjunto, procuram exaltar – o esforço guerreiro e expansionista dos portugueses. Essa
contradição é real e traduz, de forma talvez inconsciente, as contradições da sociedade
portuguesa da época e do próprio poeta. De facto, Camões soube interpretar, melhor
que ninguém, o sentimento de orgulho nacional resultante da consciência de que
durante algum tempo Portugal foi capaz de se destacar das demais nações europeias.
Mas Camões era também um homem de sólida formação cultural, atento aos valores
estéticos do classicismo literário e imbuído de ideais humanistas. Se, ao cantar os
feitos dos portugueses, ele dá voz a esse orgulho nacional, que sentia também como
seu, na fala do "Velho do Restelo" e em outras intervenções disseminadas ao longo do
poema, exprime as suas ideias de humanista.

Adamastor:
Cinco dias depois da paragem na Baía de Santa Helena, chega Vasco da Gama ao
Cabo das Tormentas e é surpreendido por uma nuvem negra “tão temerosa e
carregada” que pôs nos corações dos portugueses um grande “medo” e leva Vasco da
Gama a evocar o próprio Deus todo poderoso. Foi o aparecimento do Gigante
Adamastor, uma figura mitológica criada por Camões para significar todos os perigos,
as tempestades, os naufrágios e “perdições de toda sorte” que os portugueses tiveram
de enfrentar e transpor nas suas viagens. Esta aparição do Gigante é caracterizada
directa e fisicamente com uma adjectivação abundante e é conotada a imponência da
figura e o terror e estupefacção de Vasco da Gama, e seus companheiros, que o leva a
interrogar o Gigante quanto à sua figura, perguntando-lhe simplesmente “Quem és tu?”.
Mas mesmo os gigantes têm os seus pontos fracos. Este que o Gama enfrenta é
também uma vítima do amor não correspondido, e a questão de Gama leva o gigante a
contar a sua história sobre o amor não correspondido. Apaixona-se pela bela Tétis que
o rejeita pela “grandeza feia do seu gesto”. Decide então, “tomá-la por armas” e revela
o seu segredo a Dóris, mãe de Tétis, que serve de intermediária. A resposta de Tétis é
ambígua, mas ele acredita na sua boa fé.
Acaba por ser enganado. Quando na noite prometida julgava apertar o seu lindo corpo
e beijar os seus “olhos belos, as faces e os cabelos”, acha-se abraçado “cum duro
monte de áspero mato e de espessura brava, junto de um penedo, outro penedo”. Foi
rodeado pela sua amada Tétis, o mar, sem lhe poder tocar. O discurso do Gigante, que
se divide em duas partes de acordo com a intervenção de Vasco da Gama,
compreende, na primeira, um carácter profético e ameaçador num tom de voz
“horrendo e grosso” anunciando os castigos e os danos por si reservados para aquela
“gente ousada” que invadira os seus “vedados términos nunca arados de estranho ou
próprio lenho”. A segunda parte do discurso do Adamastor representa já um carácter
autobiográfico, pois assistimos à evocação do passado amoroso e infeliz do próprio
Camões. O Gigante Adamastor diz ainda que as naus portuguesas terão sempre
“inimigo a esta paragem” através de “naufrágios, perdições de toda a sorte, que o
menor mal de todos seja a morte”, a fazer lembrar as palavras proféticas do Velho do
Restelo. Após o seu desabafo junto dos lusitanos, a nuvem negra “tão temerosa e
carregada” desaparece e Vasco da Gama pede a Deus que remova “os duros casos
que Adamastor contou futuros”. Este episódio é importante, pois nele se concentram as
grandes linhas da epopeia:
• o real maravilhoso (dificuldade na passagem do cabo);
• a existência de profecias (história de Portugal);
• lirismo (história de amor, que irá ligar-se mais tarde, à narração maravilhoso
da Ilha dos Amores);
• é também um episódio trágico, de amor e morte;
• é um episódio épico, em que se consolida a vitória do homem sobre os
elementos (água, fogo, terra, ar);
• há uma aliteração do R que remete para o medo e para o terror.

Ilha dos Amores:


O episódio da Ilha dos Amores ocupa uma quinta parte do poema. Encontra-se
colocado estruturalmente na convergência de todos os diversos níveis de acção
presentes na obra:
• a viagem dos marinheiros;
• a intriga dos deuses;
• a visão da história passada e futura de Portugal (e do mundo de então);
• a concepção da estrutura do mundo (cosmos);
• a interpretação filosófica do significado da acção dos homens no mundo;
• a crítica da situação factual da política do tempo de Camões.
Fácil será fazer uma extrapolação e dizer que a Ilha é a visão paradisíaca do
verdadeiro Portugal ou que ela representa uma utopia de feição idealista: o lugar da
recompensa dos homens após o longo sofrimento, privação e risco da demorada
viagem. Mas convém notar que, com a prática erótica que essa Ilha faculta aos homens
e ao Gama, é feito, paralelamente, o discurso da revelação da sabedoria histórica e
cosmogónica. Para além de considerações de carácter esotérico, o que o poema nos
dá é de facto a prática e o apogeu do amor físico como sendo a chave textual para a
abertura do conhecimento. Tais propostas são manifestamente heréticas relativamente
às doutrinas, quer neoplatónicas, quer católicas.
Simbologia da "Ilha dos Amores":
Terminada a viagem do Gama e antes de regressarem a Portugal, o poeta dirige os
nautas para a Ilha dos Amores, onde, por acção de Vénus e Cupido, receberão o
prémio do seu esforço. Trata-se de uma ilha paradisíaca, de uma beleza deslumbrante.
A descrição do consórcio entre os portugueses e as ninfas está repassada de
sensualidade. Os prazeres que lhes são oferecidos são o justo prémio por terem
perseguido o seu objectivo sem hesitações. Todo o episódio tem um carácter simbólico.
Em primeiro lugar, serve para desmistificar o recurso à mitologia pagã, apresentada
aqui como simples ficção, útil para "fazer versos deleitosos". Em segundo lugar,
representa a glorificação do povo português, a quem é reconhecido um estatuto de
excepcionalidade. Pelo seu esforço continuado, pela sua persistência, pela sua
fidelidade à tarefa de expansão da fé cristã, os portugueses como que se divinizam.
Tornam-se assim dignos de ombrear com os deuses, adquirindo um estatuto de
imortalidade que é afinal o prémio máximo a que pode aspirar o ser humano. De certo
modo, podemos dizer que é o amor que conduz os portugueses à imortalidade. Não o
amor no sentido vulgar da palavra, mas o amor num sentido mais amplo: o amor
desinteressado, o amor da pátria, o amor ao dever, o empenhamento total nas tarefas
colectivas, a capacidade de suportar todas as dificuldades, todos os sacrifícios. É esse
amor que manifestam Gama e os seus homens; é ele que permite a tantos libertar-se
da "lei da morte". É também esse amor que conduz Camões a "espalhar" os feitos dos
seus compatriotas por toda a parte e tornar-se, também ele, imortal.

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