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FISIOPATOLOGIA

DA NUTRIÇÃO

ENSINO A
DISTÂNCIA
Copyright © 2021 by Editora Faculdade Avantis.
Direitos de publicação reservados à Editora Faculdade
Avantis e ao Centro Universitário Avantis – UNIAVAN.
Av. Marginal Leste, 3600, Bloco 1.
88339-125 – Balneário Camboriú – SC.
editora@avantis.edu.br

Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme Lei nº 10.994, de 14 de dezembro de 2010.

Nenhuma parte pode ser reproduzida, transmitida ou duplicada sem o consentimento


da Editora, por escrito. O Código Penal brasileiro determina, no art. 184, “dos crimes
contra a propriedade intelectual”.

Projeto gráfico e diagramação: Ana Lúcia Dal Pizzol


Editoração: Bruna Jaime Feiden

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca do


Centro Universitário Avantis - UNIAVAN
Maria Helena Mafioletti Sampaio. CRB 14 – 276

Izidio, Tatiana de Souza.


I98f Fisiopatologia da nutrição. /EAD/ [Caderno pedagógico].
Tatiana de Souza Izidio. Balneário Camboriú: Faculdade
Avantis, 2021.
144 p. il.

Inclui Índice
ISBN: 978-65-5901-043-1
ISBNe: 978-65-5901-048-6

1. Fisiopatologia - Nutrição. 2. Dietoterapia. 3. Doenças


do Sistema Digestivo - Nutrição. 4. Doenças do Sistema
Respiratório - Nutrição. 5. Doenças infecciosas – Nutrição. 6.
Nutrição - Ensino a Distância. I. Centro Universitário Avantis -
UNIAVAN. II. Título.

CDD 21ª ed.


613.2 – Fisiopatologia - Nutrição.
PLANO DE ESTUDOS

OBJETIVOS DA DISCIPLINA

• Conhecer, compreender e interpretar as bases fisiopatológicas das doenças


infecciosas agudas e crônicas e das doenças crônicas não transmissíveis.
• Relacionar a fisiopatologia das doenças com o estado nutricional do paciente.
• Conhecer e compreender o diagnóstico e o tratamento de cada uma das doenças
abordadas.
• Relacionar o tratamento da doença com o estado nutricional do paciente.
• Avaliar como os efeitos fisiopatológicos das doenças podem influenciar na
alimentação e nutrição do paciente, bem como em seu estado nutricional.

O PAPEL DA DISCIPLINA PARA A FORMAÇÃO DO ESTUDANTE

Olá querido(a) aluno(a), seja muito bem-vindo(a) a mais uma disciplina em seus
estudos no curso de Nutrição!
Nesta fase do curso, você já deve imaginar que, como futuro profissional da área
da saúde, precisará conhecer e compreender a fisiopatologia de muitas doenças que
acometem os pacientes. O nutricionista tem como atribuição profissional promover a
saúde, prevenir e auxiliar no tratamento de muitas doenças, garantindo uma melhor
qualidade de vida às pessoas, através da alimentação. Então, isso significa dizer que não
trabalharemos somente com indivíduos saudáveis em nossa linda profissão. Trataremos,
também, de pacientes doentes, com algum acometimento clínico.
Na disciplina de Fisiopatologia da Nutrição, estudaremos inúmeras doenças, que
podem acometer um indivíduo, e suas bases fisiopatológicas, ou seja, a forma como elas
ocorrem no organismo. Este conhecimento é de extrema importância para nós, pois a
conduta dietoterápica de um nutricionista deve ser individualizada e coerente com o
estado de saúde de cada paciente.
Desta forma, é importante sabermos que muitas doenças trazem prejuízos à
qualidade da alimentação e nutrição das pessoas, levando a um desequilíbrio de seu
estado nutricional. Certos pacientes perdem o apetite, perdem peso e até mesmo ficam
desnutridos por conta da fisiopatologia das doenças, ou então por conta do efeito colateral
do tratamento indicado. É neste ponto que o nosso conhecimento técnico se torna um
diferencial para melhorar a qualidade de vida e reestabelecer o estado nutricional dos
nossos pacientes. No entanto, aqui estudaremos somente a fisiopatologia das doenças. A
princípio, você precisa apenas conhecer e compreender as doenças, como e por que elas
ocorrem. Por isso, o manejo dietoterápico de cada uma delas será abordado em outras
disciplinas do curso.
PROFESSORA

APRESENTAÇÃO DA AUTORA

TATIANA DE SOUZA IZIDIO

Bacharel em Nutrição, pela Universidade


Federal de Santa Catarina (UFSC) -2016). Residência
Multiprofissional em Saúde, com ênfase em Atenção
Integral ao Usuário de Drogas, pelo Hospital de
Clínicas de Porto Alegre (HCPA-2018).
Atualmente, é mestranda em Nutrição, pelo
Programa de Pós-Graduação em Nutrição da UFSC
(PPGN-UFSC) e professora e tutora do curso de
Nutrição, no Centro Universitário Avantis - UNIAVAN.
Como docente, ministra disciplinas na área de
Nutrição Clínica.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/4962968634068843
SUMÁRIO

UNIDADE 1 - CONCEITO DE FISIOPATOLOGIA E REPERCUSSÃO DAS


CARÊNCIAS DE MACRO E MICRONUTRIENTES NO INDIVÍDUO.. . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
INTRODUÇÃO À UNIDADE.........................................................................................................................................12
1.1 CONCEITO DE FISIOPATOLOGIA.......................................................................................................................12
1.1.2 Conceito de Saúde e Doença e as Implicações no Estado Nutricional..............................13
1.2 DOENÇAS CARENCIAIS: HIPOVITAMINOSES E ANEMIAS ...............................................................14
1.2.1 Hipovitaminoses.............................................................................................................................................................14
1.2.2 Deficiência de Vitamina A......................................................................................................................................15
1.2.2.1 Cegueira Noturna e Xeroftalmia por Deficiência de Vitamina A..................................16
1.2.3 Deficiência de Vitamina B1 (Tiamina)...........................................................................................................18
1.2.4 Deficiência de Vitamina B3 (Niacina)...........................................................................................................21
1.2.5 Deficiência de Vitamina C.....................................................................................................................................22
1.2.6 Deficiência de Vitamina D.....................................................................................................................................23
1.2.7 Anemia Ferropriva.......................................................................................................................................................26
1.2.8 Anemia Megaloblástica...........................................................................................................................................29
1.3 DESNUTRIÇÃO DE MACRONUTRIENTES: ENERGIA E PROTEÍNA.................................................31
1.3.1 Desnutrição Energético-proteica (DEP).......................................................................................................31
1.3.2 Marasmo..............................................................................................................................................................................32
1.3.3 Kwashiorkor......................................................................................................................................................................33
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................................ 35
EXERCÍCIO FINAL ....................................................................................................................................................... 36
REFERÊNCIAS................................................................................................................................................................ 38
UNIDADE 2 - DOENÇAS INFECCIOSAS AGUDAS E CRÔNICAS.. . . . . . . . . . . . . . . . . 39
INTRODUÇÃO À UNIDADE....................................................................................................................................... 40
2.1 HIV/AIDS................................................................................................................................................................... 40
2.1.1 Tratamento HIV/AIDS...................................................................................................................................................45
2.2 TUBERCULOSE...................................................................................................................................................... 48
2.2.1 Tratamento da Tuberculose...................................................................................................................................51
2.3 FEBRE TIFOIDE.......................................................................................................................................................52
2.3.1 Tratamento da Febre Tifoide................................................................................................................................55
2.4 CÓLERA..................................................................................................................................................................... 55
2.4.1 Tratamento da Cólera................................................................................................................................................ 57
2.5 LEPTOSPIROSE..................................................................................................................................................... 58
2.5.1 Tratamento da Leptospirose................................................................................................................................60
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................................................... 61
EXERCÍCIO FINAL ........................................................................................................................................................62
REFERÊNCIAS................................................................................................................................................................ 64

UNIDADE 3 - DOENÇAS DO APARELHO DIGESTIVO E RESPIRATÓRIO . . . . . . .67


INTRODUÇÃO À UNIDADE....................................................................................................................................... 68
3.1 DOENÇAS ESOFÁGICAS.................................................................................................................................... 68
3.1.1 Acalasia..................................................................................................................................................................................69
3.1.2 Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE)..........................................................................................70
3.1.3 Esofagite.............................................................................................................................................................................. 72
3.1.4 Disfagia................................................................................................................................................................................. 73
3.1.5 Divertículos Esofágicos...........................................................................................................................................75
3.2 DOENÇAS GÁSTRICAS.......................................................................................................................................75
3.2.1 Hérnia de Hiato .............................................................................................................................................................75
3.2.2 Gastrite................................................................................................................................................................................76
3.2.3 Úlcera Péptica................................................................................................................................................................ 78
3.2.4 Gastroparesia.................................................................................................................................................................80
3.3 PANCREATITE......................................................................................................................................................... 81
3.3.1 Pancreatite Aguda.......................................................................................................................................................82
3.3.2 Pancreatite Crônica...................................................................................................................................................84
3.4 DOENÇAS INTESTINAIS................................................................................................................................... 85
3.4.1 Doenças Inflamatórias Intestinais (DIIs)....................................................................................................86
3.4.1.1 Doença de Crohn...............................................................................................................................................86
3.4.1.2 Retocolite Ulcerativa.....................................................................................................................................90
3.4.2 Síndrome do Intestino Irritável.........................................................................................................................93
3.5 DOENÇAS DO SISTEMA RESPIRATÓRIO.................................................................................................. 94
3.5.1 Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e Enfisema Pulmonar.................................................94
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................................ 98
EXERCÍCIO FINAL ....................................................................................................................................................... 99
REFERÊNCIAS................................................................................................................................................................101

UNIDADE 4 - DOENÇAS RENAIS, HEPÁTICAS E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO


TRANSMISSÍVEIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .103
INTRODUÇÃO À UNIDADE......................................................................................................................................104
4.1 DOENÇAS RENAIS.............................................................................................................................................. 105
4.1.1 Litíase Renal..................................................................................................................................................................... 107
4.1.2 Insuficiência Renal Aguda .................................................................................................................................109
4.1.3 Doença Renal Crônica ............................................................................................................................................110
4.1.3.1 Hemodiálise...........................................................................................................................................................113
4.1.3.2 Diálise Peritoneal............................................................................................................................................115
4.2 HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA (HAS)........................................................................................ 117
4.3 NEOPLASIAS..........................................................................................................................................................118
4.3.1 Alterações Metabólicas no Câncer............................................................................................................... 119
4.3.2 Câncer e o Estado Nutricional........................................................................................................................120
4.3.3 Tratamento....................................................................................................................................................................... 121
4.4. DIABETES MELLITUS.......................................................................................................................................122
4.4.1 Diabetes Mellitus do tipo 1...................................................................................123
4.4.2 Diabetes Mellitus do tipo 2..................................................................................124
4.4.3 Diabetes Mellitus Gestacional (DMG)...............................................................125
4.5 REAÇÕES ADVERSAS AOS ALIMENTOS.................................................................................................126
4.5.1 Doença Celíaca.............................................................................................................................................................127
4.5.2 Intolerância à Lactose...........................................................................................................................................130
4.6 DOENÇAS DA TIREOIDE...................................................................................................................................131
4.6.1 Hipertireoidismo........................................................................................................................................................... 131
4.6.2 Hipotireoidismo..........................................................................................................................................................133
4.6.3 Bócio....................................................................................................................................................................................134
4.7 DOENÇAS HEPÁTICAS......................................................................................................................................135
4.7.1 Esteatose Hepática....................................................................................................................................................135
4.7.2 Cirrose..................................................................................................................................................................................137
4.7.3 Doenças das Vias Biliares...................................................................................................................................138
4.7.3.1 Colelitíase..............................................................................................................................................................139
4.7.3.2 Colecistite............................................................................................................................................................139
4.7.3.3 Coledocolitíase e Colangite..................................................................................................................140
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................................141
EXERCÍCIO FINAL.......................................................................................................................................................142
REFERÊNCIAS...............................................................................................................................................................144
1
UNIDADE
CONCEITO DE
FISIOPATOLOGIA E
REPERCUSSÃO DAS
CARÊNCIAS DE MACRO E
MICRONUTRIENTES NO
INDIVÍDUO
INTRODUÇÃO À UNIDADE

Na primeira unidade de nosso caderno, abordaremos o que é a Fisiopatologia, e


quais são os conceitos de saúde e doença. Aprofundaremos os estudos das patologias
causadas por carências de nutrientes específicos da dieta, como certas vitaminas,
minerais, energia e proteína.
Conheceremos a etiologia de algumas hipovitaminoses, como a deficiência de
vitamina A e suas consequências, além de algumas doenças causadas por hipovitaminoses,
por exemplo, a pelagra e o escorbuto que não são mais doenças tão comuns na atualidade.
No entanto, elas podem estar presentes nas populações mais carentes e desnutridas e
nos alcoolistas.
Estudaremos, ainda, a etiologia das anemias carenciais, sendo elas ferropriva ou
por deficiência de vitamina B12 ou B9 (bastante comuns), assim como apresentaremos
os conceitos de diferentes tipos de desnutrição e as suas implicações na saúde dos
indivíduos.
É de extrema importância entendermos como e por que ocorrem estas doenças
carenciais, seus grupos de risco, e de que modo elas podem interferir na saúde e no estado
nutricional dos indivíduos, pois em nossa profissão temos muita responsabilidade com a
alimentação e a saúde dos pacientes.
Ao final desta unidade, espera-se que você seja capaz de: compreender o
conceito de fisiopatologia e sua importância para a nutrição; conhecer e entender as
hipovitaminoses e suas consequências à saúde humana; diferenciar a desnutrição causada
pelos macronutrientes: carboidrato e proteína; e avaliar a influência da deficiência de
vitaminas, minerais e macronutrientes no estado nutricional dos indivíduos.

1.1 CONCEITO DE FISIOPATOLOGIA

A Fisiopatologia deriva da combinação dos termos Patologia e Fisiologia. Patologia


vem do grego pathos (doença) e logia (estudo), e o termo Fisiologia, também de origem
grega, physis (natureza) e logia (estudo), isto é, estudo das funções do corpo. Por fim, o

12
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
termo Fisiopatologia pode ser definido como a fisiologia da saúde alterada, ou ainda,
estudo das alterações (doenças) do corpo humano.

1.1.2 Conceito de Saúde e Doença e as Implicações no Estado Nutricional

O conceito de saúde deve ser interpretado em um sentido mais amplo do que


somente a ausência de doenças. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948,
definiu o conceito de saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e
social e não somente ausência de afecções e enfermidades”.
Já o termo doença pode ser exposto como uma enfermidade, aguda ou crônica,
que o indivíduo adquire, ou nasce com ela, e que provoca disfunção fisiológica em um
ou mais sistemas orgânicos. Cada doença apresenta sinais e sintomas que caracterizam
sua etiologia. Os aspectos do processo patológico incluem etiologia, ou seja, a causa,
alterações morfológicas, sinais e sintomas e manifestações clínicas.
O estado nutricional de um indivíduo pode ser entendido como o equilíbrio entre
a ingestão de nutrientes e as necessidades que o mesmo apresenta, considerando seu
gênero, faixa etária e condição clínica. Este estado nutricional é influenciado por diversos
fatores, incluindo condição socioeconômica, influências culturais, genéticas, estágio de
vida, comportamento alimentar e, inclusive, presença ou ausência de doenças, sejam elas
agudas ou crônicas. Por conta disso, a nutrição tem relação direta com a fisiopatologia,
tanto na promoção da saúde e prevenção de doenças quanto no manejo e tratamento das
patologias.
Um indivíduo pode ter o seu estado nutricional totalmente afetado pela presença
de uma patologia, devido à interferência da doença no apetite e no consumo alimentar,
na disponibilidade, no processamento e aproveitamento dos nutrientes, ou até mesmo
no aumento do gasto energético basal, fazendo com que o paciente perca peso e chegue
em um quadro de desnutrição, por exemplo.

13
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
1.2 DOENÇAS CARENCIAIS: HIPOVITAMINOSES E ANEMIAS

De acordo com o último Guia Alimentar para a População Brasileira (2014), publicado
pelo Ministério da Saúde, as doenças que hoje acometem os brasileiros deixaram de ser
majoritariamente doenças agudas (como as carências nutricionais e desnutrição, por
exemplo), embora não tenham sido totalmente erradicadas de nosso país, sendo ainda
prevalentes em grupos mais vulneráveis da população: os povos indígenas, quilombolas,
populações ribeirinhas, de regiões periféricas e crianças e mulheres que vivem em áreas
de vulnerabilidade social.
No cenário atual, ocupam espaço as doenças crônicas, como o Diabetes Mellitus, a
Hipertensão Arterial Sistêmica, a Obesidade, entre outras doenças.
Desta forma, faz-se necessário estudar sobre como as carências nutricionais
podem afetar o estado de saúde dos indivíduos que sofrem com a insegurança alimentar
e nutricional, com a falta de acesso regular à alimentação adequada e ao saneamento
básico no Brasil.

1.2.1 Hipovitaminoses

As vitaminas são uma classe de compostos orgânicos complexos, encontrados


em quantidades reduzidas na maioria dos alimentos. Por isso, são conhecidas como
micronutrientes.
Elas são componentes essenciais da dieta para o bom funcionamento de muitos
processos fisiológicos do corpo humano, cumprindo papel antioxidante e também
de coenzimas nas reações metabólicas. A deficiência no consumo ou na absorção de
vitaminas pode levar o indivíduo a apresentar o quadro de hipovitaminose.

14
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
1.2.2 Deficiência de Vitamina A

A vitamina A, popularmente conhecida como retinol ou retinoide, é uma vitamina


solúvel em gordura e em solventes orgânicos. Ela desempenha funções básicas no
organismo, atuando no crescimento, na visão, na integridade estrutural e funcional dos
epitélios, na síntese de linfócitos T, no processo de reprodução e sobre os dentes. Com
relação à visão, a vitamina A é essencial para a integridade da fotorrecepção na retina.
Como não produzimos vitamina A em nosso organismo, precisamos consumi-la
através da alimentação. Esta vitamina pode ser encontrada tanto em alimentos de origem
animal (leite integral, queijos, manteiga, gema de ovo, fígado e óleos de peixe) quanto em
alimentos de origem vegetal (frutas e legumes de cor amarelo-alaranjada (manga, laranja,
mamão, cenoura, abóbora e verduras verde-escuras, como couve, escarola, espinafre e
brócolis). Nos alimentos de origem animal, é encontrada já na forma de vitamina A pré-
formada, enquanto nos alimentos de origem vegetal, ela se apresenta na forma de pró-
vitamina A.
No Brasil, a deficiência de vitamina A, ou hipovitaminose A, ainda é um problema
de saúde pública, principalmente na região nordeste e em alguns locais da região
sudeste e norte. A deficiência deste micronutriente traz consequências importantes,
principalmente durante as fases da vida que apresentam alta demanda nutricional,
como em crianças e puérperas, por exemplo. Sua deficiência representa uma das mais
importantes causas de cegueira evitável, sendo também um dos principais contribuintes
para a morbimortalidade por infecções, a qual afeta a população mais pobre.
O Brasil conta com o Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A (PNSVA)
desde 2005, buscando reduzir e controlar a deficiência nutricional de vitamina A em
crianças, de 6 a 59 meses de idade, e em mulheres, no pós-parto imediato, residentes em
regiões consideradas de risco. A partir de 2012, o programa foi expandido para todas as
crianças na faixa etária, residentes nas regiões norte e nordeste e em diversos municípios
das regiões centro-oeste, sul e sudeste, além dos 34 distritos sanitários especiais indígenas.

15
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
1.2.2.1 Cegueira Noturna e Xeroftalmia por Deficiência de Vitamina A

O papel da vitamina A na visão foi descrito, em 1955, por George Wald. O olho é
o principal órgão acometido pela deficiência de vitamina A, sendo que esta condição
pode causar cegueira noturna e ainda um distúrbio conhecido como xeroftalmia
(ressecamento ocular). A cegueira noturna, ou prejuízo da adaptação ao escuro, é um
sintoma precoce de hipovitaminose A.
A retina é um dos componentes do globo ocular, a qual possui a função de receber
imagens visuais, analisá-las parcialmente e transmitir esta informação modificada ao
cérebro. Ela é dividida em duas camadas: uma camada externa e a retina neural interna.
Esta última contém os seguintes fotorreceptores: os cones, que proporcionam a base da
visão para as cores, e os bastonetes, responsáveis pela discriminação negro-branco. A
visão colorida, produzida pelos fotorreceptores cones, geralmente não é afetada pela
deficiência de vitamina A.
A visão com base nos bastonetes está particularmente adaptada para a noite e
para iluminação sob baixo nível. Nos bastonetes, um pigmento derivado da vitamina A
(retinal) liga-se a uma proteína chamada opsina, formando, juntos, a rodopsina.
A rodopsina é um pigmento visual essencial para a absorção da luz, funcionando
na transdução da luz em sinais nervosos necessários para a visão. Durante a estimulação
luminosa, a molécula de rodopsina (retinal + opsina) se separa, e o retinal é convertido
em vitamina A. A reconstituição da rodopsina se dá durante a escuridão total, em que a
vitamina A será convertida em retinal, a seguir se associando com a opsina, para formar
novamente a rodopsina e viabilizar a visão, a partir de baixo estímulo luminoso ou visão
noturna.
Em caso de deficiência de vitamina A no organismo, não será possível obter o retinal
(substância derivada da vitamina A) e, por consequência, não será possível a produção
da molécula de rodopsina, prejudicando a visão noturna. Contudo, esta situação é
rapidamente revertida pela ingestão adequada, ou injeção de vitamina A diretamente no
organismo.
Já a xeroftalmia se refere à sensação de “secura” nos olhos. A fina película de
lágrima que cobre o olho é essencial para prevenir o ressecamento e dano da camada
externa da córnea. O piscar periódico dos olhos é necessário para manter uma película
contínua de lágrima sobre a superfície ocular, proporcionando uma superfície óptica lisa,
umedecendo, lavando e protegendo a córnea de substâncias irritantes e, principalmente,

16
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
da entrada de microrganismos. Esta lágrima é produzida pela glândula lacrimal que se
situa na órbita, superior e lateral ao globo ocular (Figura 1). As lágrimas são compostas
de 98% de água, 1,5% de cloreto de sódio e pequenas quantidades de potássio, albumina
e glicose.

Figura 1 - Partes do Olho, com destaque para a glândula lacrimal, responsável pela produção de lágrima.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

Diversos distúrbios podem reduzir o funcionamento das glândulas lacrimais, como


o avançar da idade, anomalias congênitas, infecções, irradiação e agentes farmacológicos.
No caso da deficiência de vitamina A, a xeroftalmia pode ocorrer, já que o ácido retinoico
(substância derivada da vitamina A) é importante na manutenção da diferenciação das
células da membrana conjuntiva, da córnea e de outras estruturas oculares.
A integridade da córnea, que é um tecido não vascularizado, depende do
fornecimento de vitamina A por meio do líquido lacrimal. A glândula lacrimal também
sintetiza e secreta a proteína transportadora de retinol, responsável pela solubilização do
retinol no líquido lacrimal.
Os indivíduos com xeroftalmia (olhos secos) se queixam de uma sensação
seca ou arenosa nos olhos, queimação, coceira, incapacidade de produzir lágrimas,
fotossensibilidade, vermelhidão, dor e dificuldade para movimentar as pálpebras.

17
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Ainda, como sinal de xeroftalmia, pode ocorrer o que se chama de mancha de Bitot,
a qual consiste em acúmulo de células queratinizadas e descamadas (que podem ser
facilmente removidas), formando uma área levemente aumentada na conjuntiva. A área
de lesão que regride bem em resposta à suplementação com vitamina A.
Portanto, fique atento(a)! Caso você tenha contato com algum paciente queixando-
se de baixa visibilidade noturna e sensação de “olhos secos”, isso pode ser um sinal de
deficiência de vitamina A.
O tratamento desta hipovitaminose deve ser feito com suplementação de vitamina
A, com doses adequadas para cada indivíduo, considerando questões como gênero e
idade.

SAIBA MAIS
Para saber mais sobre quais variáveis estão relacionadas com a hipovitami-
nose A em crianças, no Brasil, acesse e faça a leitura do artigo: “Deficiência de
vitamina A em crianças brasileiras e variáveis associadas”, disponível em: https://www.scielo.br/
pdf/rpp/v36n2/0103-0582-rpp-2018-36-2-00013.pdf.
LIMA, DAMIANI, FUJIMORI. Deficiência de vitamina a em crianças brasileiras e variáveis asso-
ciadas. Rev Paul Pediatr. v.36, n.2, p. 176-185, 2018.

1.2.3 Deficiência de Vitamina B1 (Tiamina)

A vitamina B1, também conhecida como tiamina, faz parte do grupo das vitaminas
hidrossolúveis e também é um micronutriente, adquirido através da dieta. Os alimentos
fonte de tiamina são: levedura, carne suína magra e principalmente os cereais. Ela
concentra-se, principalmente, no germe dos grãos cereais.
Sua deficiência pode estar associada à ingestão inadequada na dieta, absorção
diminuída, transporte defeituoso, aumento das necessidades e perdas acentuadas. Entre

18
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
as condições de risco para carência deste micronutriente estão: alcoolistas, indivíduos
convivendo com HIV/AIDS, doenças gastrointestinais e hepáticas, vômito persistente
(hiperêmese gravídica), indivíduos recebendo nutrição parenteral e fármaco, como a
tolazamida (hipoglicemiante).
Depois de absorvida, a tiamina é rapidamente fosforilada até seu éster difosfato
(difosfato de tiamina – TDP). O TDP é um cofator essencial para enzimas envolvidas no
metabolismo da glicose e dos aminoácidos, a exemplo: a enzima transcetolase, complexo
de piruvato desidrogenase, α-cetoglutarato desidrogenase e desidrogenase de cetoácidos
de cadeia ramificada. As três primeiras enzimas dependentes de TDP estão envolvidas no
metabolismo da glicose e a última no metabolismo dos aminoácidos de cadeia ramificada
(leucina, isoleucina e valina).
A enzima piruvato desidrogenase (da qual a tiamina é cofator essencial) atua
na conversão oxidativa de piruvato em Acetil CoA, o qual entraria no ciclo de Krebs e
produziria energia na forma de ATP. No entanto, sua carência leva ao acúmulo de piruvato
no organismo e à consequente respiração anaeróbica, em que o piruvato é reduzido a
lactato, através da fermentação láctica. Como consequência do processo, o indivíduo
pode entrar em acidose metabólica, por conta do acúmulo de prótons (H+) liberados
durante a glicólise no citosol. Tais prótons, em condições normais, seriam naturalmente
encaminhados à respiração celular, a qual ocorre na crista mitocondrial, porém, neste
caso, a respiração celular está prejudicada pela deficiência da atuação do complexo
enzimático piruvato desidrogenase, dependente de tiamina.
A principal consequência da deficiência de tiamina no organismo é conhecida como
beribéri. O beribéri é fisiopatologicamente dividido em duas apresentações clínicas: seco
e úmido.

Beribéri Seco: caracteriza-se, principalmente, por uma neuropatia periférica


decorrente do comprometimento simétrico das funções sensitivas, motoras
e reflexas. Esta neuropatia afeta segmentos distais dos membros e causa
hipersensibilidade da musculatura da panturrilha.

Beribéri Úmido: também conhecido como beribéri cardiovascular. Além da


neuropatia, manifesta-se normalmente com insuficiência cardíaca crônica e alto
débito cardíaco crônico, com presença de taquicardia, falência biventricular, tempo
de circulação rápido, baixa resistência periférica, retenção de sódio e formação
de edema nos membros inferiores. O paciente apresenta mal-estar respiratório,
desenvolvendo o quadro de insuficiência cardíaca congestiva.

19
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
A Síndrome de Wernicke-Korsakoff, ou Encefalopatia de Wernicke (EW), é uma
complicação neuropsiquiátrica comum no alcoolismo crônico, causada pela deficiência
de tiamina, que pode ser ocasionada pela ingestão alimentar inadequada, redução
nas reservas hepáticas (esteatose ou fibrose hepática) e redução na absorção, pois o
álcool pode inibir o transporte de tiamina no trato gastrointestinal, além de bloquear a
fosforilação cerebral de tiamina até sua forma de cofator TDP.
O diagnóstico da EW baseia-se no surgimento agudo de paralisias oculares,
nistagmo, ataxia da marcha e confusão mental. Grande parte dos pacientes com EW
exibem sinais de neuropatia periférica (comum ao beribéri). É de extrema importância
que estes pacientes sejam tratados com tiamina, para que sua deficiência seja corrigida,
antes de iniciarem alimentação via oral, receberem infusão de glicose ou nutrição
parenteral.
A psicose de Korsakoff (PK), componente psicótico crônico da EW, ocorre com
a deterioração da função cerebral em pacientes inicialmente diagnosticados com
EW. A PK é uma síndrome amnésica-confabulatória irreversível, caracterizada por
amnésia retrógrada e anterógrada (incapacidade de formar novas memórias), com
comprometimento das funções conceituais e diminuição da espontaneidade e iniciativa.
A desorientação no tempo e criação de histórias imaginárias podem estar presentes. A
administração de tiamina via parenteral produz uma melhoria bastante sensível nestes
quadros.

SUGESTÃO DE LEITURA
Separei um artigo, para leitura complementar, intitulado: “Síndrome de Werni-
cke-Korsakoff - Revisão literária da sua base neuroanatómica”.
Amplie seu conhecimento sobre esta síndrome bastante comum em alcoolistas crônicos.
Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/pdf/am/v27n3/v27n3a04.pdf

SILVA, ENES. Síndrome de Wernicke-Korsakoff - Revisão literária da sua base neuroanatómi-


ca. Arquivos de Medicina. v. 27, nº 3, p. 121-127, 2013.

20
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
SUGESTÃO DE VÍDEO
Sugiro que você assista ao vídeo a seguir, pois ele explica detalhadamente, em
forma de animação, as principais funções da tiamina.
Acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=J53iCIJUo0Y.

1.2.4 Deficiência de Vitamina B3 (Niacina)

A niacina é amplamente encontrada em alimentos de origem animal e vegetal na


forma de ácido nicotínico. As leveduras, carnes, fígado, cereais, legumes, sementes, leite,
vegetais de folhas verdes e nozes são boas fontes desta vitamina. Porém, nos cereais,
como trigo e milho, a niacina pode estar ligada a macromoléculas, o que inviabiliza
sua disponibilidade enquanto fonte alimentar. Uma das causas da deficiência deste
micronutriente é justamente a dependência do milho, como alimento de primeira
necessidade. Além disso, uma boa fonte para suprir as necessidades de niacina é a sua
biossíntese, a partir do triptofano, um aminoácido essencial aos seres humanos.
O termo niacina, no sentido mais amplo, como em “conteúdo de niacina da
dieta”, pode se referir à combinação de ácido nicotínico com as formas livre e ligada de
nicotinamida. O termo restrito “niacina” se refere somente ao ácido nicotínico.
As formas biologicamente ativas dos compostos de niacina são as coenzimas
dinucleotídeo de nicotinamida adenina: o NAD e o NAD fosfato (NADP). Ou seja, a
niacina é essencial para formar as coenzimas NAD e NADP. O NAD funciona como um
importante transportador de elétrons para a respiração intracelular e também participa
como uma codesidrogenase com as enzimas que intervêm na oxidação de moléculas
energéticas.
A deficiência de vitamina B3, conhecida como niacina ou ácido nicotínico, é hoje
uma doença chamada de pelagra. O termo pelagra deriva do nome italiano da condição
e significa “pele enrugada”. Esta doença foi originalmente descrita por Casal, em 1735,
como “mal de rosa”, com os sintomas clássicos de demência, dermatite e diarreia,
conhecidos como os três “Ds”.
As manifestações cutâneas da pelagra, um dos sintomas mais exclusivos da

21
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
doença, formam uma erupção pigmentada nas partes do corpo expostas à luz, similar
às queimaduras solares, sendo que, nos casos mais crônicos, a cor pode ser mais escura.
Lesões em “colar”, descritas por Casal, indicam doença mais avançada. Podem ocorrer
alterações digestivas, como vômitos e diarreia, além do fato de a língua do paciente se
tornar roxa.
A pelagra não é mais uma doença comum na maioria dos países. No entanto, em
países como a Índia e algumas regiões da China e África, ela continua existindo. Em países
desenvolvidos, a pelagra só é encontrada em alcoolistas, muito provavelmente associada
à insuficiência de outros micronutrientes. Os sintomas neurológicos e a dermatite são
sensivelmente melhorados com tratamento de nicotinamida em doses elevadas (40 a
250mg/dia).

1.2.5 Deficiência de Vitamina C

A vitamina C, ou ácido ascórbico, é uma vitamina hidrossolúvel que não pode ser
sintetizada por nós. Ela é absorvida no intestino, sendo que, em um consumo entre 30 a
180mg/dia, cerca de 70 a 90% são absorvidos. Porém, a absorção pode cair para 50% ou
mais, quando o consumo é aumentado para 1g/dia, como nos casos de suplementação
desta vitamina.
Não há diferença quanto à biodisponibilidade da vitamina C encontrada nos
alimentos e a dos suplementos comerciais. A maior parte da vitamina C em nossa
alimentação vem de frutas e vegetais, principalmente frutas ácidas e cítricas, como
tomate (molhos), laranja, limão, tangerina e acerola. Outras fontes alimentares de
vitamina C são: couve, brócolis, pimentão amarelo e agrião.
O escorbuto é a doença causada por deficiência de vitamina C. É uma das doenças
mais antigas relatadas na história da nutrição humana. Atualmente, a deficiência
de vitamina C é rara em países industrializados. O termo escorbuto significa boca
inchada e ulcerada, caracterizada por sangramento das gengivas e necrose, articulações
edemaciadas e inflamadas.
A deficiência severa de vitamina C é caracterizada pelo defeito do tecido
conjuntivo, pois esta vitamina é cofator para a síntese de hidroxiprolina e hidroxilisina,
que são aminoácidos necessários à hidroxilação da prolina para a síntese de colágeno

22
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
(componente do tecido conjuntivo). Assim, sua deficiência causa hiperqueratose
folicular, petéquias, alteração da cicatrização e degradação oxidativa de alguns fatores
de coagulação sanguínea, contribuindo para inflamação e sangramento das gengivas,
hemorragia perifoliculares e artralgia.
Esta doença pode ocorrer em indivíduos desnutridos e de baixa renda, pacientes
com caquexia relacionada ao câncer e à má absorção, alcoolistas e naqueles, cuja ingestão
dietética é baixa.
O tratamento pode ser feito com a suplementação da vitamina C, iniciando com
100mg, três vezes ao dia. Pode-se aplicar uma dose inicial intravenosa de 60 a 100mg/dia.
As concentrações plasmáticas estáveis obtidas com uma dose de vitamina C de 100mg/
dia prevenirão a deficiência por cerca de um mês.

1.2.6 Deficiência de Vitamina D

A vitamina D é lipossolúvel, sendo um dos nutrientes reguladores fundamentais do


metabolismo de cálcio. Juntamente com os hormônios calcitonina e paratormônio (PTH),
ela regula a homeostase de cálcio intra e extracelular no nosso corpo. Esta vitamina se
apresenta das seguintes formas: D2, conhecida como calciferol, produzida a partir da
irradiação ultravioleta do ergosterol, e a D3, conhecida como colecalciferol, produzida
pela irradiação ultravioleta do 7-dehidrocolesterol (pró-vitamina D3 e também precursor
do colesterol) existente em nossa epiderme. Na pele, o pico máximo de produção diária
de vitamina D é alcançado após 30 minutos de irradiação UVB.
O calcitriol (um dos metabólitos da vitamina D) é o mais potente regulador da
homeostase sistêmica de cálcio. Ele desempenha papel central no controle dos níveis
deste mineral, aumentando tanto a absorção intestinal do cálcio da dieta quanto a
reabsorção tubular (renal) de cálcio. Atualmente, são conhecidos receptores de vitamina
D (VDR) expressos em vários tecidos.
O calcitriol atua como um hormônio esteroide, o qual se liga a este receptor VDR
no citosol da célula, regulando a expressão gênica de genes dependentes de vitamina
D nas células alvo, além de codificar proteínas que regulam eventos celulares, como o
transporte de cálcio intestinal, por exemplo. Estas proteínas são: proteínas do canal de
cálcio, proteínas ligadoras de cálcio celular e bombas de cálcio. Juntas, elas explicam o

23
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
movimento do cálcio através das membranas das células intestinais e renais.
Infelizmente, as fontes dietéticas de vitamina D são poucas, já que a maioria dos
alimentos não contém vitamina D. As únicas fontes alimentares significativas desta
vitamina são: fígado animal, peixes gordos (salmão, bacalhau, halibute), gema de ovo e
óleos de peixe. O leite materno é uma fonte extremamente pobre de vitamina D.

VOCÊ SABIA?
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o leite materno con-
tém 25UI de vitamina D por litro, variando conforme o status materno do micronu-
triente, sendo que a necessidade da criança no primeiro ano de vida é de 2000UI desta vitamina
por dia! Por isso, é muito importante fazer a exposição regular do bebê à luz solar e também, se
necessário, a suplementação adequada (VITOLO, 2015, p.194)

As principais consequências da deficiência de vitamina D são: o raquitismo (em


crianças) e a osteomalacia (em adultos) (Figura 2 ).
No raquitismo, há deposição mineral deficiente na matriz óssea, com ossos fracos
e amolecidos. O quadro clínico é caracterizado por deformidades ósseas diversas, tais
como pernas arqueadas (pelo fato de os ossos não suportarem o peso da criança) (Figura
3), déficit estatural, deformidades cranianas e torácicas (peito do pombo), espessamento
dos punhos e tornozelos.
O raquitismo pode ocorrer em lactentes que se alimentam exclusivamente do leite
materno por tempo prolongado, superior a 6 meses de idade (conforme informação, o leite
materno não é boa fonte de vitamina D), sem exposição à luz solar e sem suplementação
vitamínica. O raquitismo pode ocorrer, também, em crianças com síndrome de má-
absorção e naquelas que usam anticonvulsivantes por tempo prolongado.

24
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 2 - Densidade Óssea Normal e Densidade Óssea Reduzida no raquitismo e osteomalacia. Fonte:
Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

Figura 3 - Estrutura Óssea Normal e Estrutura Óssea Alterada no raquitismo por deficiência de vitamina D.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

25
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Em adultos, a osteomalacia se caracteriza pelo amolecimento dos ossos,
acompanhado de dor óssea generalizada e deformidades ósseas diversas, especialmente
na coluna, tórax, membros e pelve. Esta condição não deve ser confundida com a
osteoporose em adultos, já que esta é uma doença silenciosa, não apresentando sintomas
como a osteomalacia.

SAIBA MAIS
Para saber mais sobre a vitamina D e a sua função endócrina, acesse e leia o
artigo intitulado: “O sistema endocrinológico vitamina D”, disponível em: https://
www.scielo.br/pdf/abem/v55n8/10.pdf.
CASTRO, Luiz Claudio Gonçalves de. O sistema endocrinológico vitamina D. Arq. Bras. Endo-
crinol. Metab., São Paulo, v. 55, nº 8, p. 566-575, Nov./ 2011.

Importante destacar que não se recomenda a suplementação generalizada de


vitamina D na população. A complementação das necessidades diárias da vitamina, bem
como a suplementação, deve ser realizada somente se o indivíduo apresentar risco para
deficiência (baixa exposição solar). A suplementação é feita com colecalciferol (vitamina
D3), e as doses para tratamento variam, de acordo com o grau de deficiência e com a meta
a ser atingida em cada paciente.

1.2.7 Anemia Ferropriva

Anemia, de acordo com a OMS, é a condição na qual a concentração sanguínea


de hemoglobina se encontra abaixo dos valores esperados (<13 g/dL em homens e <12
g/dL em mulheres), tornando-se insuficiente para atender as necessidades fisiológicas
exigidas, conforme idade, sexo, gestação e altitude. Dentre suas origens multifatoriais, a

26
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
deficiência de ferro pode ser uma delas, representando a causa mais comum dos casos de
anemia, conhecida como anemia ferropriva.
Os sintomas de anemia são causados pela diminuição da capacidade de transporte
de oxigênio no organismo, levando à cefaleia, fadiga, fraqueza, cansaço e dispneia. Já a
palidez, sintoma bastante comum, ocorre devido à menor concentração de hemoglobina
nas hemácias e também pela vasoconstrição dos vasos sanguíneos cutâneos superficiais,
priorizando o fornecimento de sangue para estruturas mais vitais.
No Brasil, a carência de ferro no organismo ainda é considerada prevalente entre
crianças menores de cinco anos em algumas regiões do país. Além disso, as mulheres
também fazem parte da população de risco para a anemia ferropriva, pois existe a perda
sanguínea no período menstrual, e também no período gestacional, em que o feto extrai,
de maneira eficiente, o ferro materno para uso em sua própria hematopoese.
Além disso, perdas sanguíneas importantes também podem levar à anemia
ferropriva, como, por exemplo, sangramento do trato gastrointestinal nas doenças
inflamatórias intestinais (Doença de Crohn e Colite Ulcerativa). Pacientes com doença
celíaca, infecção por Helicobacter pylori, gastrectomia ou derivação gástrica também
estão suscetíveis a apresentar anemia ferropriva.
O ferro é um mineral necessário no corpo humano, pois tem a habilidade de receber
e doar elétrons em diversas reações biológicas. Estima-se que o conteúdo corporal de ferro
total seja igual a 3,8 g, em homens, e a 2,3 g, em mulheres. Ele se apresenta na natureza
em duas formas estáveis e reversíveis: na forma ferrosa (Fe²+) ou na forma férrica (Fe³+).
Este micronutriente é reciclado, a partir de hemácias senescentes (velhas), e
obtido através da alimentação, sendo absorvido no intestino delgado, mais precisamente
no duodeno e jejuno proximal.
O ferro pode ser absorvido: em sua forma heme, tipicamente derivado da
hemoglobina ou da mioglobina, proveniente de alimentos de origem animal, como carnes
vermelhas, peixes e aves, sendo esta forma a mais biodisponível a nós; ou na sua forma
não heme, encontrado em diversos alimentos de origem vegetal, como agrião, rúcula,
espinafre, feijão e lentilha, menos biodisponível, devendo ser consumido juntamente
com uma fonte de vitamina C para otimizar sua absorção. O ferro absorvido que não
é imediatamente necessário ao uso é estocado na ferritina, proteína responsável pelo
estoque de ferro, encontrada essencialmente no fígado.
O ferro apresenta papel importante na síntese de células vermelhas do sangue,
as hemácias, que são as células responsáveis pelo transporte de oxigênio em nosso
organismo.
As hemácias maduras são células sem núcleo e bicôncavas, em formato de disco,
cheias de hemoglobina, as quais funcionam como o componente do sangue carreador

27
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
de oxigênio. Ela tem este formato, a fim de que seja uma célula flexível o suficiente para
”escorregar” pelos menores capilares do corpo e fornecer oxigênio até a pontinha dos
nossos dedos (Figura 4).

Figura 4 - Estrutura da Hemácia. Célula bicôncava, em formato de disco e anucleada.


Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

A hemoglobina é a substância mais importante na hemácia. Chamada de tetrâmero,


é uma proteína composta por duas subunidades de α-proteína e duas subunidades de
β-proteína. Cada subunidade α ou ß contém a verdadeira porção ligadora de oxigênio do
complexo: o heme.
O heme é um composto, cujo átomo de importância central é justamente o ferro,
o íon responsável por prender, reversivelmente, o oxigênio nos pulmões e, em seguida,
liberá-lo aos tecidos do corpo (Figura 5).

Figura 5 - Estrutura da Hemoglobina, com quatro cadeias proteicas (tetrâmero), sendo duas α e duas β.
Representação da molécula de grupamento heme com o ferro na posição central.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

28
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Se cada uma das quatro subunidades da hemoglobina conta com uma molécula
heme (na qual o ferro ocupa posição central), significa que cada molécula de hemoglobina
necessita de quatro íons de ferro em sua estrutura.
Quando há a deficiência de ferro, o passo final na síntese do heme é interrompido.
Neste, o ferro ferroso (Fe²+) é inserido na protoporfirina IX pela enzima ferroquelatase
e, quando a síntese de heme é interrompida, há produção inadequada de heme. A
biossíntese de globina é inibida pela deficiência de heme. Assim, menos heme e cadeias
de hemoglobina estão disponíveis em cada precursor de hemácias, causando a anemia
ferropriva. Como consequência disso, as hemácias, na anemia ferropriva, tornam-se
hipocrômicas (com menos quantidade de hemoglobina que o normal) e microcíticas
(menores do que o tamanho normal). Este último sinal pode ser observado, a partir do
exame de Volume Corpuscular Médio (VCM) alterado, com a presença de valores abaixo
do normal.
O Brasil conta com o Programa Nacional de Suplementação de Ferro (PNSF) desde
2005, atendendo crianças, de seis a 24 meses de idade, e gestantes e lactantes, até o
terceiro mês pós-parto, com suplementação profilática de sulfato ferroso via oral. O
sulfato ferroso ainda é o composto de escolha pelo Ministério da Saúde para os programas
de suplementação no Sistema Único de Saúde (SUS).
A suplementação de ferro para crianças com anemia ferropriva deve ser feita por
via oral, com dose terapêutica de 3 a 5 mg/kg/dia de ferro elementar, no mínimo, durante
oito semanas. Para adultos com anemia ferropriva deve-se suplementar 120 mg de ferro
elementar por dia, com duração de três meses.

1.2.8 Anemia Megaloblástica

As anemias macrocíticas (com VCM acima do normal) refletem maturação nuclear


anormal ou uma fração mais alta de hemácias jovens e grandes. Quando os núcleos
das hemácias em maturação parecem jovens e grandes demais para a quantidade de
hemoglobina no citoplasma da célula, a anemia macrocítica é denominada megaloblástica.
As anemias megaloblásticas são causadas pelo comprometimento na síntese
de DNA, que resulta em hemácias aumentadas de tamanho (VCM > 100 fl), devido
à maturação e divisão deficientes. Neste caso, as hemácias são maiores que o normal,

29
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
porém são imaturas e disfuncionais. Este tipo de anemia normalmente ocorre por
conta da deficiência de vitamina B12 (cobalamina) ou de vitamina B9 (ácido fólico). A
vitamina B12 é encontrada somente em alimentos de origem animal e, por este motivo,
sua deficiência alimentar geralmente é encontrada apenas nos vegetarianos estritos ,
aqueles que, além de não consumirem nenhum tipo de carne, não consomem ovos e nem
produtos lácteos.
A absorção da cobalamina ocorre da seguinte forma: após ser liberada da proteína
animal na presença de ambiente ácido (presença de HCl), ela se liga ao Fator Intrínseco
(FI), formando um complexo FI-B12 que protege a vitamina contra a digestão por enzimas
intestinais. O complexo se desloca até o íleo, onde se liga a receptores específicos de
membrana, nas células epiteliais. Por fim, a vitamina B12 se separa do FI, sendo finalmente
absorvida.
A deficiência da cobalamina afeta não somente as hemácias, mas todas as células
em processo de divisão, como as células epiteliais do intestino, e também outras células
sanguíneas, embora as consequências clínicas para o indivíduo predominem no
sistema sanguíneo. A deficiência da vitamina B12 resulta no bloqueio das atividades das
enzimas dependentes desta vitamina, sendo que ela funciona como cofator para reações
importantes no nosso organismo, por exemplo a síntese de DNA e a maturação nuclear,
que, por sua vez, conduz à maturação e divisão normal das hemácias.
A inibição da enzima metionina sintase (dependente de B12) ocasiona a inibição
da regeneração do tetraidrofolato celular, tornando-o indisponível ao organismo, o que
resulta em sintomas de deficiência de ácido fólico, mesmo quando esta vitamina está
em níveis normais no organismo. Assim, quando há deficiência de B12, B9, ou ambas,
estas não podem participar da síntese de DNA, acarretando rápida divisão das células
eritrocitárias medulares (em comparação às outras células), ao se formarem hemácias
grandes e imaturas.
A enzima metionina sintase também é responsável pela conversão de homocisteína
em metionina. Na deficiência de B12, há um aumento dos níveis de homocisteína no
sangue, fato que pode contribuir com a ocorrência de doenças cardiovasculares, como
Acidente Vascular Cerebral (AVC) e infarto.
O ácido fólico também é necessário para a síntese de DNA e para a maturação
das hemácias. Sua deficiência produz as mesmas alterações megaloblásticas ocorridas
na anemia, por deficiência de vitamina B12. A vitamina B9 é facilmente absorvida pelo
intestino, sendo encontrada em vegetais (folhas verdes), cereais, frutas e carnes.
Na presença de anemia megaloblástica é preciso um processo investigativo, a fim de
identificar sua causa, pois sendo a deficiência de vitamina B12 a causa da anemia, o estado
anêmico persistirá, se o indivíduo receber somente suplementação com vitamina B9.

30
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
A anemia perniciosa também é um tipo de anemia megaloblástica, porém de origem
autoimune. Esta anemia resulta em uma perda dos estoques adequados de vitamina B12.
A doença começa no estômago, quando as células parietais gástricas são afetadas por
um fenômeno autoimune, o qual leva a dois defeitos importantes: 1- Acloridria (perda do
ácido clorídrico - HCl); 2- Perda do fator intrínseco (glicoproteína produzida pelas células
parietais do estômago, necessária na absorção da vitamina B12).
Como consequência, a anemia perniciosa interfere tanto na disponibilidade inicial
quanto na absorção da vitamina B12, uma vez que o ácido gástrico é necessário para a
liberação da vitamina B12 dos alimentos, enquanto FI é a glicoproteína que prende a
vitamina B12, sendo necessária para a absorção efetiva da cobalamina na porção do íleo
terminal. Desta maneira, na anemia perniciosa, o indivíduo não absorve corretamente a
vitamina B12, gerando uma deficiência em seus estoques orgânicos.

1.3 DESNUTRIÇÃO DE MACRONUTRIENTES: ENERGIA E PROTEÍNA

1.3.1 Desnutrição Energético-proteica (DEP)

A Desnutrição Enérgico-proteica (DEP) comumente é o resultado da inanição,


caracterizada pelo consumo insuficiente de alimentos, que combina os aspectos
de deficiência calórica, deficiência proteica e, em alguns casos, a deficiência de
micronutrientes.
O diagnóstico de desnutrição pode ser realizado a partir da avaliação de medidas
antropométricas, exames laboratoriais, aspectos clínicos, alimentares, isolados ou
associados. A origem da desnutrição por inanição geralmente está relacionada à situação
de pobreza e, quando ocorre na primeira infância, está associada à maior mortalidade, à
recorrência de doenças infecciosas, prejuízos no desenvolvimento psicomotor, ao menor
aproveitamento escolar e à menor capacidade produtiva na idade adulta.
Existem algumas formas de desnutrição que são consideradas graves, em razão da
presença de importantes alterações clínicas e bioquímicas que esta condição apresenta.

31
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
A ocorrência destes quadros de desnutrição é mais comum em crianças, principalmente
aquelas que vivem em situação de pobreza. São elas: Kwashiorkor, Marasmo e
Kwashiorkor-marasmático.

1.3.2 Marasmo

O Marasmo é um tipo de desnutrição com deficiência energético-proteica


equilibrada. Na criança com Marasmo, a deficiência de crescimento é acentuada, bem
como a deficiência de peso, além da atrofia muscular, ausência subcutânea e caquexia.
A criança apresenta face de idoso, pele enrugada e normalmente se mostra irritadiça
(Figura 6). O aminograma apresenta-se equilibrado entre os aminoácidos essenciais e
não essenciais, e as proteínas plasmáticas estão normais ou levemente diminuídas.

Figura 6 - Criança Desnutrida, com face de idoso e irritadiça. Presença de sinal físico de desnutrição:
atrofia bitemporal.
Fonte: Shutterstock (2020).

32
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
1.3.3 Kwashiorkor

O Kwashiorkor, ou desnutrição hipoalbuminêmica edematosa infantil, possui


diferenças importantes em relação ao Marasmo. No Kwashiorkor, há deficiência
nutricional de proteína, mesmo com ingestão calórica adequada. Este tipo de desnutrição
é mais comum em crianças menores de 5 anos, apresentando como características
básicas: ascite, edema, diarreia, descamação da pele, despigmentação do cabelo, apatia,
tristeza e face de lua, além da diminuição da proteína em diversos setores do organismo
(sangue, tecidos periféricos, músculos, fígado).
O edema no Kwashiorkor tem como causa principal, mas não única, a
hipoalbuminemia. A albumina é a proteína mais abundante no plasma sanguíneo, e uma
de suas funções é manter a pressão oncótica intravascular. Desta forma, em situação de
hipoalbuminemia gerada pela desnutrição, aumenta a passagem de fluido intravascular
para o meio intersticial, diminuindo o volume sanguíneo e elevando a secreção do
hormônio aldosterona. Este processo acarreta retenção de água e perda de cálcio,
resultando em sede e secreção do hormônio vasopressina, o qual aumenta a ingestão de
água e diminui sua excreção renal, agravando ainda mais o edema.
Ainda no Kwashiorkor, há deficiência de motilidade, devido ao atraso no
desenvolvimento e mielinização deficiente das fibras nervosas motoras periféricas, em
consequência da hipotonia muscular. A criança com este tipo de desnutrição também
apresenta lesões cutâneas, por conta de alterações no colágeno, proteína que é rica em
aminoácidos glicina, prolina e hidroxiprolina.
Os cabelos das crianças com Kwashiorkor são bem característicos da doença,
tornando-se descorados, avermelhados, ralos e facilmente arrancáveis, causados pela
deficiência de aminoácidos sulfurados, especialmente a metionina. Outra explicação
seria a má-formação de melanina em decorrência da deficiência de fenilalanina e tirosina.
A versão da desnutrição Kwashiorkor-marasmático é a forma mista, em que existe
a deficiência energética e proteica, porém em desequilíbrio.
Ao realimentar um indivíduo desnutrido, ou que esteve em jejum alimentar por
um longo período, é muito importante considerar o risco de desenvolver a síndrome
de realimentação. Esta síndrome se caracteriza por alterações neurológicas, sintomas
respiratórios, arritmia e falência cardíaca, poucos dias após a realimentação do paciente,
causada por uma sobrecarga na ingestão calórica e reduzida capacidade do sistema
cardiovascular.

33
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
SUGESTÃO DE LEITURA
Para entender um pouco mais sobre a síndrome de realimentação, leia o se-
guinte artigo: “Qual é a importância clínica e nutricional da síndrome de realimen-
tação?”, disponível no link: https://www.scielo.br/pdf/abcd/v25n1/13.pdf.
VIANA, BURGOS, SILVA. Qual é a importância clínica e nutricional da síndrome de realimenta-
ção? Arq. Bras. Cir. Dig. v.25, nº 1, p. 56-59, 2012.

Nos adultos, o estado de desnutrição e caquexia está mais relacionado à presença


de algumas patologias que chamamos de hipercatabólicas, principalmente aquelas com
produção excessiva de citocinas pró-inflamatórias e gasto energético de repouso (GER)
aumentado. Ou seja, o indivíduo apresenta um gasto energético mais elevado do que seu
consumo, devido à fisiopatologia da doença em vigência.
Veremos vários exemplos de doenças hipercatabólicas, as quais se manifestam nos
adultos, nos próximos capítulos deste caderno.

FÓRUM
Após fazer a leitura da Unidade 1, quais são os fatores que você considera de
risco para o desenvolvimento das carências nutricionais? Em quais estratégias
poderíamos pensar, para neutralizar as deficiências nutricionais e suas consequências?
Sugiro que você discuta esta temática com seus colegas no FÓRUM. Cada um pode apresen-
tar um ponto de vista interessante, não é mesmo?!

34
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao finalizar o estudo da primeira unidade, deve ter ficado claro a você que,
como nutricionistas, devemos nos preocupar com a oferta de um aporte adequado dos
macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídeos) aos nossos pacientes e, inclusive, a
nós mesmos.
Também os micronutrientes (vitaminas e minerais) possuem papéis de extrema
relevância ao funcionamento regular de nosso organismo. A deficiência de apenas
uma vitamina ou de um mineral específico pode causar patologias extremamente
graves, inclusive levar o indivíduo a óbito, caso não seja tratada adequadamente com
o acompanhamento de um profissional. Logo, os micronutrientes são cofatores muito
importantes para o nosso metabolismo!
Foi possível compreender que as doenças carenciais estão perdendo cada vez
mais espaço de importância epidemiológica no Brasil e no mundo. Todavia, devemos
considerar que, em países como o Brasil, que apresentam grandes taxas de desigualdade
social, ainda existem muitas populações vivendo em situação de vulnerabilidade social,
sem acesso regular a uma alimentação adequada e variada, prejudicando o acesso destes
sujeitos ao aporte de todos os nutrientes necessários. Por isso, é necessário ficarmos
atentos a todo e qualquer sinal de insuficiência dos nutrientes.

35
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
EXERCÍCIO FINAL

01- [COMPREENSÃO] As doenças carenciais vêm perdendo a importância


epidemiológica para as doenças crônicas não transmissíveis, ainda que elas ainda
sejam prevalentes em alguns grupos de maior vulnerabilidade, como crianças,
gestantes e indivíduos em situações de pobreza extrema. Sobre as doenças carenciais,
analise as seguintes afirmativas:
I- A deficiência desta vitamina se manifesta por meio da Síndrome de Wernicke-Korsakoff
nos indivíduos alcoolistas, podendo evoluir para Piscose de Korsakoff.
II- Sua deficiência pode levar ao quadro de xeroftalmia e cegueira noturna, por conta da
deficiência de uma substância chamada retinal, derivado desta vitamina.
III- Sua deficiência é a causa mais comum da anemia conhecida como megaloblástica,
em que as hemácias se apresentam como macrocíticas.
IV- Sua deficiência pode manifestar-se através do Kwashiorkor, em que a criança fica
com os cabelos avermelhados, despigmentados, quebradiços e com edema.

A sequência correta de vitaminas, a qual representa as manifestações das carências


nutricionais acima é:
a) Vitamina B3, Vitamina C, Ferro e carboidratos.
b) Vitamina D, Vitaminas B9 e B6, proteínas e tiamina.
c) Vitamina A, Vitamina B3, niacina e Vitamina D.
d) Vitamina B1, Vitamina A, Vitaminas B12 e B9 e proteínas.
e) Carboidratos, riboflavina, ácido fólico e proteínas.

02- [ANÁLISE] A anemia ferropriva é uma anemia bastante comum, causada pela
insuficiência de ferro no organismo, sendo que seus sintomas levam à fadiga,
cansaço, sonolência e cefaleia. Sobre a anemia ferropriva, analise as proposições a
seguir:
I- Quando há a deficiência de ferro, a síntese do heme é interrompida e, consequentemente,
a síntese de globina também.
PORQUE
II- O ferro ocupa posição central no núcleo da hemácia, que preenche grande porção no
citoplasma da célula madura.

36
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Está correto afirmar que:
a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I.
b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II não é uma justificativa correta da I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
d) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa, porém justifica a I.
e) As asserções I e II são proposições falsas, e a II não é uma justificativa correta da I.

03- [CONHECIMENTO] A vitamina D é conhecida como um pró-hormônio por


conta das suas funções no nosso organismo, dentre elas, a regulação dos níveis de
cálcio intra e extracelular. A deficiência desta vitamina pode ocasionar uma doença
específica em crianças, e uma correspondente nos adultos. São estas doenças,
respectivamente:

a) Xeroftalmia e Cegueira Noturna.


b) Raquitismo e Osteomalacia.
c) Osteopenia e Raquitismo.
d) Desnutrição e Hipocalcemia.
e) Kwashiorkor e Marasmo.

37
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção


Básica. Vitamina A Mais: Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A:
Condutas Gerais / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de
Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção


Básica. Programa Nacional de Suplementação de Ferro: manual de condutas gerais/
Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.
Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

CARDOSO, Marly Augusto. Nutrição Humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.

GROSSMAN, Sheila; PORTH, Carol Mattson. Porth - Fisiopatologia. Rio de Janeiro: Grupo
GEN, 2015. 978-85-277-2839-3. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.
br/#/books/978-85-277-2839-3/. Acesso em: 20 de setembro de 2020.

MAEDA, Sergio Setsuo et. al. Recomendações da Sociedade Brasileira de Endocrinologia


e Metabologia (SBEM) para o diagnóstico e tratamento da hipovitaminose D. Arq.
Bras. Endocrinol. Metab., São Paulo, v. 58, nº 5, p. 411-433, Julho/2014.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. The global prevalence of anaemia in 2011. P 43.


Geneva: World Health Organization, 2015.

PORTH, Carol Mattosn; MATFIN, Glenn, Fisiopatologia. 8ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2010. 2º v.

SILVA, Sandra Maria Chemin Seabra da; MURA, Joana D’Arc Pereira. Tratado de
Alimentação, Nutrição e Dietoterapia. 3ª ed., São Paulo: Payá, 2016.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Consenso sobre anemia ferropriva: mais


que uma doença, uma urgência médica! Departamentos de Nutrologia e Hematologia-
Hemoterapia. Nº 2. Junho/2018. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/
user_upload/21019f-diretrizes_Consenso_sobre_anemia_ferropriva-ok.pdf. Acesso em:
20 de setembro de 2020.

VITOLO, Maria Regina. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. 2ª ed., Rio de Janeiro:


Rubio, 2015.

38
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
2
UNIDADE

DOENÇAS
INFECCIOSAS
AGUDAS E
CRÔNICAS
INTRODUÇÃO À UNIDADE

Depois de estudarmos as doenças carenciais, nesta unidade, falaremos sobre


algumas patologias infecciosas, ou seja, aquelas doenças causadas por agentes patógenos,
como os vírus e as bactérias. Estes patógenos podem causar inúmeras doenças aos
seres humanos, desde infecções agudas (leptospirose) até infecções crônicas (vírus HIV,
causador da Aids). Alguns destes patógenos podem ser super-resistentes, exigindo um
tratamento prolongado, como é o caso da micobactéria que causa a tuberculose.
O conhecimento das doenças é de extrema importância para o profissional
nutricionista, pois, conforme você já viu na unidade anterior, as patologias interferem no
estado nutricional do indivíduo, podendo aumentar o catabolismo energético e proteico,
ao comprometer os sistemas biológicos e até a condição psicossocial do doente. Lembre-
se de que estudamos as patologias isoladamente, porém, quando elas se manifestam,
desequilibram vários aspectos importantes da vida do indivíduo. Deste modo, precisamos
ter uma visão holística sobre o cuidado do nosso paciente, através do conceito ampliado
de saúde!
Finalmente, compreenderemos que a falta de acesso ao saneamento básico é um
ponto muito importante na etiologia de algumas doenças infecciosas, como a febre
tifoide e a cólera.
Ao finalizar os estudos desta unidade, é esperado que você seja capaz de: conhecer
as doenças: HIV/AIDS, tuberculose, febre tifoide, cólera e leptospirose, causadas por
microrganismos e seus respectivos patógenos; compreender a etiologia, o mecanismo de
ação de cada patologia e suas respectivas consequências à saúde do indivíduo; diferenciar
os sinais e sintomas de cada doença específica; e conhecer o tratamento proposto para
cada uma das doenças citadas acima.

2.1 HIV/AIDS

O Human Immunodeficiency Virus (HIV), conhecido popularmente como vírus


HIV (Figura 7), é um retrovírus, com genoma de RNA, da família Retroviridae (retrovírus)

40
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
e subfamília Lentivirinae. Seu RNA codifica nove genes, relacionados principalmente à
sua replicação nas células do hospedeiro infectado. O HIV, para multiplicar-se, necessita
de uma enzima denominada transcriptase reversa, responsável pela transcrição de RNA
viral para uma cópia de DNA, que pode então se integrar ao genoma do hospedeiro
(Figura 8). Este vírus infecta células do sistema imunológico humano, prejudicando ou
destruindo sua importante função de defesa.

Figura 7 – Human Immunodeficiency Virus, vírus HIV causador da AIDS.


Fonte: Shutterstock (2020).

CD4 receptor e correceptor

Figura 8 - Interação do Vírus HIV com o Linfócito T CD4. O vírus se liga ao receptor da célula, insere seu
material genético de RNA no interior do linfócito e, através da transcriptase reversa, faz a transcrição do
RNA em uma cópia de DNA, que se integra no DNA cromossomal do hospedeiro.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

41
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
SUGESTÃO DE VÍDEO
Este vídeo ilustra, em detalhes, exatamente o processo de interação do vírus
HIV com o linfócito T CD4, mostrando como a infecção se expande.
Acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=PlSvywlLuNw.

A infecção por HIV é uma das maiores epidemias na história da humanidade. De


2007 até junho de 2016, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de
Notificação (SINAN) 136.945 casos de infecção pelo HIV no Brasil, sendo a maioria deles
no Sudeste (52,1%), seguido pelo Sul (21,1%) e Nordeste (13,8%) (BRASIL, 2016).
A transmissão do vírus ocorre por exposição a fluidos corporais infectados, como
sangue, sêmen, fluido pré-seminal e outros fluidos corporais, por contato sexual ou
perinatal. A transmissão vertical de mãe para filho pode ocorrer no útero, durante o
nascimento ou ainda pela amamentação.
A infecção aguda pelo HIV pode se apresentar como uma síndrome viral febril,
autolimitada, caracterizada por fadiga, faringite, mialgias, linfadenopatia e viremia
significativa, ainda sem anticorpos anti-HIV detectáveis. Depois da fase inicial de viremia,
os pacientes infectados fazem soroconversão , tornando-se, então, reagentes para HIV
(período entre 2 a 4 semanas).
A fase seguinte é a fase assintomática, de latência clínica, na qual ocorre replicação
ativa do vírus, em que os tecidos linfáticos tornam-se centros para ampla replicação
viral. Nesta fase, ocorre a destruição massiva dos linfócitos T helpers (auxiliares) CD4
(Figura 9), sem manifestações clínicas aparentes. Com o passar do tempo, há um declínio
progressivo de linfócitos T CD4, e a maioria dos pacientes passa para o quadro de infecção
sintomática, com o sistema imunológico já debilitado pela ação do vírus.
Para relembrar o papel dos linfócitos T, sugiro que você retorne à disciplina de
Imunologia.

42
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 9 – Linfócito T e Vírus.
Fonte: Shutterstock (2020).

No estágio seguinte, já surgem doenças relacionadas à imunodeficiência, como a


candidíase oral, linfadenopatia, pneumonia, sarcoma de Kaposi. O estágio posterior é
quando o paciente já apresenta comprometimento importante do sistema imunológico,
com baixa contagem de linfócitos T CD4 e, por fim, é diagnosticado com AIDS. O curso de
tempo para esta progressão entre os estágios é altamente variável, mas a média se
apresenta em cerca de 10 anos, nos indivíduos não tratados (Figura 10).

Figura 10 - Linha do Tempo: momento da infecção pelo vírus HIV até o desenvolvimento da AIDS. Fonte:
Elaborada pela autora (2020).

43
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
A Acquired Immnunodeficiency Syndrome (AIDS), ou Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida (SIDA), é uma doença infectocontagiosa causada pelo vírus HIV. A AIDS é o
estágio clínico mais grave da infecção por vírus HIV, que produz disfunção principalmente
de linfócitos T CD4, também deixando o paciente suscetível ao aparecimento de infecções
oportunistas. Esta condição (AIDS) é definida por evidência sorológica de infecção por
HIV, com a presença de uma variedade de doenças associadas à imunodeficiência clínica,
como por exemplo: pneumonia recorrente, candidíase orofaringeana e vulvovaginal
persistente, com resposta insatisfatória ao tratamento, sarcoma de Kaposi, herpes,
linfadenopatia, dermatite, entre outras.
A maior concentração dos casos de AIDS no Brasil está nos indivíduos com idade
entre 25 e 39 anos para ambos os sexos. Em 2015, o ranking referente às taxas de detecção
da doença mostrou que os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina apresentaram
as maiores taxas, com valores de 34,7 e 31,9 casos/100 mil habitantes (BRASIL, 2016).
Como são as células mais atacadas pelo vírus HIV, a contagem dos linfócitos T CD4 é
também um critério para caracterizar a presença de AIDS e seu respectivo estadiamento.
Observe o quadro abaixo:

Quadro 1 - Contagem de Células T CD4 nos estágios da AIDS


Classificação dos estágios da AIDS, segundo contagem de T CD4
≥ 500 células/mm³ Estágio Inicial
Células T CD4 200 – 499 células/mm³ Estágio Intermediário
< 200 células/mm³ Estágio Final
Fonte: Adaptado pela autora, a partir de Silva; Mura (2016).

Para determinar o estadiamento do paciente em relação à AIDS, os valores de


contagem dos linfócitos T CD4 são sempre avaliados em conjunto com a presença ou
ausência de outros sintomas, como outras doenças e infecções oportunistas, conforme
você leu acima. A carga viral e o grau de depleção de linfócitos T CD4 servem como
indicadores clínicos importantes do estado imune do indivíduo infectado. É importante
que se entenda o seguinte: é inerente que quanto menor for a contagem dos linfócitos
T CD4 no indivíduo, maiores prejuízos relacionados à deficiência do sistema imune ele
apresentará e mais grave é o seu quadro clínico.
Uma pessoa infectada pelo HIV pode levar muitos anos para desenvolver a
AIDS, ficando totalmente assintomática por um longo período (latência clínica), sendo
que as drogas antirretrovirais podem retardar mais ainda este processo. O indivíduo

44
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
diagnosticado como HIV positivo deve ter acompanhamento sistemático com equipe de
saúde em um centro de referência para tratamento de AIDS.
Além do médico, o nutricionista tem papel fundamental no cuidado assistencial
destes pacientes, pois todo indivíduo HIV positivo, independente do estágio da doença
em que se encontra, é considerado em risco nutricional, em decorrência da ação do HIV
sobre o sistema imunológico, das infecções oportunistas, da terapia medicamentosa e
dos aspectos psicossociais relacionados a esta doença.

SUGESTÃO DE VÍDEO
Outra sugestão de vídeo sobre a infecção por HIV e o desenvolvimento da AIDS,
as classes de medicamentos que compõem a TARV e que impedem a replicação
viral. Para assistir a ele, acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=ng22Ucr33aw.

2.1.1 Tratamento HIV/AIDS

O tratamento para HIV e AIDS é feito com terapia antirretroviral (TARV). De acordo
com o Ministério da Saúde (2018), o início imediato da TARV é recomendado para todos
os pacientes HIV positivos, independentemente de seu estágio clínico ou imunológico,
pois a terapia reduz a morbimortalidade e diminui as chances de transmissão do vírus.
No Brasil, cerca de 585 mil pessoas que vivem com o vírus HIV realizam a terapia
antirretroviral em unidades da rede pública de saúde. Desde 1996, são gratuitamente
distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) todos os medicamentos antirretrovirais
e, desde 2013, o SUS garante tratamento a todas as pessoas com HIV, independentemente
da carga viral.
Uma novidade surgiu em 2017, quando o SUS passou a ofertar gratuitamente um
dos melhores antirretrovirais do mundo: o Dolutegravir (inibidor da HIV integrase,
que bloqueia a etapa de transferência de integração do DNA retroviral). Ele é usado
em combinação com os antirretrovirais Tenofovir (inibidor da transcriptase reversa) e

45
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Lamivudina (inibidor da síntese de ácidos nucleicos) no esquema chamado “2 em 1”, no
qual, apesar de serem três compostos, são apresentados em apenas dois comprimidos:
um de Dolutegravir (50mg), e outro formado por Lamivudina (300mg) + Tenofovir
(300mg) (BRASIL, 2018).
O esquema “2 em 1”, uma vez ao dia, tem se mostrado o tratamento mais eficaz e de
primeira escolha na supressão da carga viral do HIV. Esta TARV diminui significativamente
a quantidade de HIV no sangue, suprimindo a carga viral a níveis indetectáveis e reduzindo
a quase zero o risco de transmissão do vírus por via sexual (BRASIL, 2018).
Vale ressaltar que a distribuição universal de antirretrovirais de alta potência
(Highly-Active Antiretroviral Therapy – HAART) oferecida gratuitamente no Brasil, por
meio do SUS, para o tratamento de HIV e AIDS, é reconhecida como uma referência
mundial.
Todo este prejuízo, causado pelo vírus HIV no organismo humano, traz, também,
repercussões no estado nutricional do indivíduo. Alterações nutricionais são muito
comuns em pacientes com HIV e AIDS, e elas costumam acontecer precocemente, não
sendo positivas, em geral. Estas alterações podem estar relacionadas à baixa ingestão
alimentar, má absorção de nutrientes, alterações metabólicas, presença de infecções
oportunistas, fatores psicossociais, interações droga-nutriente e o uso de TARV. Todos
estes fatores podem levar a deficiências nutricionais, que afetam negativamente o estado
nutricional do indivíduo.
A desnutrição é considerada um importante fator prognóstico nos pacientes com
estágios avançados da AIDS, sendo uma das complicações mais frequentes da infecção
pelo HIV. A prevalência de desnutrição é maior nos indivíduos com AIDS do que nos
indivíduos HIV positivos, porém sem Aids.
Muitos pacientes, em estágios avançados da doença, apresentam Índice de Massa
Corporal (IMC) abaixo do normal, sendo este dado relacionado positivamente com altos
níveis de RNA viral no sangue.
A Síndrome Consumptiva pode estar presente nestes pacientes, sendo caracterizada
por perda de peso involuntária (>10% do peso atual em 12 meses), cuja etiologia principal
é a produção exacerbada de citocinas pró-inflamatórias, como fator de necrose tumoral
alfa (TNF-α) e interleucinas, disfunção do sistema endócrino e o aumento do turnover
proteico. Além disso, a redução na ingestão alimentar, alterações estruturais da mucosa
intestinal provocadas pelo vírus HIV, diarreia crônica, febre, hipermetabolismo e
doenças oportunistas associadas aceleram o processo de perda de peso e desnutrição
dos pacientes.
O uso da TARV também traz alterações metabólicas e de composição corporal
importantes, como a dislipidemia, alterações do metabolismo de glicose e a lipodistrofia,

46
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
a qual é definida como uma redistribuição anormal da gordura corporal, podendo ser
classificada em três tipos:
• Lipoatrofia: caracterizada pela diminuição de gordura nas regiões periféricas
(braços, pernas, nádega e face).
• Lipo-hipertrofia: caracterizada pelo acúmulo de gordura abdominal,
gibosidade dorsal, ginecomastia e aumento das mamas em mulheres.
• Forma mista: associação das duas formas descritas acima.

Sendo assim, todos os indivíduos HIV positivos, principalmente aqueles com


AIDS, necessitam de assistência em saúde de forma sistemática, a fim de avaliar a adesão
à terapia medicamentosa, fazer controle da carga viral e da contagem de linfócitos T CD4.
O acompanhamento nutricional destes pacientes também é de extrema relevância, uma
vez que um bom estado nutricional pode melhorar o prognóstico e a qualidade de vida
do paciente.

SUGESTÃO DE FILME
Sugiro que você assista aos dois filmes a seguir, os quais são bastante interessantes!
O filme “Clube de compras Dallas”, de 2013, conta a história de uma personagem
heterossexual de Dallas, nos Estados Unidos, que foi diagnosticada como HIV positivo, em 1986,
durante uma das épocas mais obscuras da doença. Esta personagem decide recusar o tratamento
que recebe dos médicos e contrabandear drogas ilegais do México para tratar seus sintomas.
O filme “Cartas para além dos muros”, de 2019, conta a trajetória do HIV e da AIDS, com foco
no Brasil, por meio de entrevistas com médicos, ativistas e pacientes, além de mostrar material
de arquivo sobre a doença.

FÓRUM
Debata com seus colegas, no FÓRUM, sobre o estigma social relacionado aos
indivíduos convivendo com HIV e AIDS, e de que forma isso pode afetar a saúde
deles. Como os profissionais de saúde podem auxiliar neste sentido?

47
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
2.2 TUBERCULOSE

A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa de grande importância epidemiológica.


Os microrganismos causadores desta doença são microbactérias, que compreendem
uma família de bactérias não esporuladas, com formato de bastonete, e que incluem as:
M. tuberculosis, M. bovis, M. africanum, M. canetti, M. microti, M. pinnipedi e M. caprae.
(Figura 11). Estes microrganismos são bastante resistentes, conhecidos como bacilos ácool-
acidorresistentes (BAAR), os quais podem persistir em lesões necróticas e calcificações
antigas, mantendo sua capacidade de proliferação. A M. tuberculosis, conhecida também
como bacilo de Koch (BK), é o agente causador da maioria dos casos de TB em humanos.

Figura 11 - M. Tuberculosis: Microbactéria em forma de bastonete, causadora da tuberculose.


Fonte: Shutterstock (2020).

SUGESTÃO DE VÍDEO
Antes de falarmos mais sobre a tuberculose, sugiro que você assista ao vídeo a
seguir, para ter noção do tamanho da microbactéria causadora da doença, em re-
lação a outras células como os linfócitos, eritrócitos, anticorpos e até mesmo um vírus: https://
youtu.be/P0-PchUySSw.

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
O Brasil está entre os 30 países de alta carga para TB e TB-HIV, considerados
prioritários pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o controle da doença no
mundo (BRASIL, 2019). No Brasil, em 2019, foram diagnosticados 73.864 casos novos de
TB, o que corresponde a um coeficiente de incidência de 35 casos/100 mil habitantes.
No ano anterior, a taxa de mortalidade relacionada à tuberculose foi de 2,3 óbitos/100
mil habitantes (BRASIL, 2020). A TB é também a principal causa de morte entre pessoas
vivendo com HIV, sendo que a epidemia de HIV/AIDS levou a um aumento significativo
da incidência de TB no Brasil e no mundo.
A transmissão da doença ocorre por via aérea, quando uma pessoa com TB pulmonar
ou laríngea ativa exala, através da tosse, fala ou espirro, gotículas contendo os bacilos da
TB. Estes, por sua vez, podem permanecer em suspensão no ar, bem como sobreviver,
sobre diferentes superfícies, por muitas horas. Por conta disso, ambientes aglomerados e
fechados, sem ventilação, podem aumentar o risco de disseminação da doença.
A TB pode acometer vários sistemas do corpo, mas acomete prioritariamente
os pulmões, sendo as vias aéreas a principal porta de entrada para o patógeno. Uma
vez inalado, o bacilo atingirá as vias aéreas do novo hospedeiro, seguindo pela árvore
brônquica, sem aderir ao epitélio, até se depositar nos alvéolos pulmonares. Ao atingirem
os pulmões, os bacilos acionam nosso sistema imune e são fagocitados pelos macrófagos
alveolares, nossa primeira linha de defesa contra o patógeno. Entretanto, em muitos
casos, o bacilo resiste à eliminação e continua se multiplicando.
Estes macrófagos que fagocitaram os bacilos, ainda que não tenham neutralizado o
patógeno, iniciam uma importante resposta imune, aumentando a quimiotaxia no local
da infecção, ao atraírem outras células de defesa, como os monócitos e células dendríticas,
para auxiliar no combate ao bacilo. Em seguida, após o patógeno ser reconhecido e
internalizado pelas células dendríticas, estas migram até os linfonodos para realizar a
apresentação de antígeno aos linfócitos T e B imaturos, iniciando um novo recrutamento
celular para o foco da infecção.
Como consequência de tal resposta celular imune, há a formação de uma estrutura
granulomatosa branco-acinzentada, ou granuloma, chamado de Foco de Ghon ou
complexo de Ghon (quando já cicatrizado e calcificado), sendo este detectável em
radiografia de tórax. O granuloma é um agregado celular ativo que contém os bacilos da
tuberculose ao centro, sendo rodeado por macrófagos, linfócitos e outras células imunes,
as quais estão em constante renovação (Figura 12).

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
6- Cél. Epiteleoide

Figura 12 – Granuloma formado a partir da Resposta Imune contra a Infecção por Bacilos da Tuberculose.
Granulomas são conhecidos como Foco de Ghon.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

Nesse contexto, três diferentes situações podem ocorrer: a eliminação do patógeno, a


manutenção em um estágio de latência, ou a proliferação bacteriana (forma ativa da doença).
Quando neutralizado, o patógeno fica em um estágio de latência ou dormência, no
qual ele não se prolifera, mas também não é eliminado, conseguindo se manter viável
por anos, mesmo nos complexos de Ghon calcificados. Esta situação resulta em uma
doença assintomática, o que corresponde a aproximadamente 90% dos casos de TB.
No entanto, devido a fatores como queda do sistema imune, doenças associadas, ou até
fatores pré-dispostos que ainda são pouco esclarecidos, os bacilos conseguem se replicar,
danificando o granuloma e evoluindo para tuberculose ativa.
Os sintomas clássicos da TB pulmonar são: tosse persistente seca ou produtiva,
febre vespertina, sudorese noturna, anorexia e emagrecimento. As apresentações
extrapulmonares da TB têm seus sinais e sintomas dependentes dos órgãos ou sistemas
acometidos.

50
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
A TB deve ser investigada em casos de febre de origem indeterminada, síndrome
consumptiva, pneumonias e tosse persistente. A radiografia de tórax é uma ferramenta
essencial para a detecção precoce da tuberculose, apresentando maior sensibilidade para
o diagnóstico de TB pulmonar do que a triagem dos sintomas. Ela também é utilizada no
acompanhamento da evolução da TB pulmonar.
No entanto, o teste padrão ouro para diagnóstico da doença ativa é a baciloscopia
direta, a partir do escarro do paciente. A baciloscopia do escarro permite detectar de
60% a 80% dos casos de TB pulmonar, em adultos. O exame deve ser realizado em
duas amostras diferentes, sendo uma amostra coletada no primeiro dia, e a outra no dia
seguinte, preferencialmente ao despertar do paciente. Os casos de baciloscopia positiva
(presença de BAAR na amostra investigada) são os maiores responsáveis pela manutenção
da cadeia de transmissão da doença.

EXERCÍCIO
Agora que você já estudou sobre a ação do HIV/AIDS e da tuberculose no orga-
nismo do hospedeiro, responda: Por que a tuberculose é tão nociva aos pacientes
HIV positivos, principalmente com AIDS, a ponto de ser a sua principal causa de morte?

2.2.1 Tratamento da Tuberculose

Baciloscopia positiva e quadro clínico compatível com TB concluem o diagnóstico e


autorizam o início do tratamento do paciente. A TB é uma doença curável em praticamente
todos os casos, sendo que o bom resultado do tratamento depende da boa adesão do
paciente à farmacoterapia recomendada. Caso o esquema terapêutico seja realizado de
maneira irregular (doses inadequadas, interrupção do tratamento), cepas resistentes aos
fármacos podem surgir no organismo.
A escolha do melhor fármaco anti-TB vai ser definida de acordo com cada caso,

51
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
baseado no metabolismo bacilar. O esquema de tratamento da tuberculose é padronizado,
com duração de seis meses, compreendendo duas fases: a intensiva (ou de ataque) com
duração de dois meses, bem como a de manutenção, com duração de quatro meses.
A fase inicial (intensiva) tem o objetivo de reduzir rapidamente a população bacilar e
a eliminação dos bacilos com resistência natural a algum medicamento. Já a fase de
manutenção busca eliminar os bacilos latentes ou persistentes, e reduzir a possibilidade
de recidiva da doença (COURA, 2013).
No Brasil, o esquema básico para tratamento da TB, em adultos e adolescentes, é
composto por comprimidos em doses fixas combinadas, com a apresentação do tipo 4 em
1 (RHZE) na fase intensiva, sendo eles: (R) rifampicina (150mg), (H) isoniazida (75mg), (Z)
pirazinamida (400mg) e (E) etambutol (275mg). E na fase de manutenção, comprimidos
em doses fixas combinadas do tipo 2 em 1 (RH): rifampicina (150mg) e isoniazida (75mg).
A quantidade de comprimidos a serem tomados varia de acordo com o peso corporal do
paciente a ser tratado (BRASIL, 2019). Nos casos em que a TB apresentar evolução clínica
não satisfatória, o tratamento poderá ser prolongado na sua segunda fase (manutenção),
de quatro para sete meses (BRASIL, 2019).
É indispensável que, ao ser tratado, o paciente compreenda a importância de
manter a terapia medicamentosa de forma adequada, administrando as doses corretas
dos fármacos pelo período indicado. Por se tratar de uma terapia de longa duração,
geralmente entre 6 e 9 meses, e com medicamentos que podem causar reações adversas,
como intolerância gástrica, icterícia, alterações cutâneas e dores articulares, é possível
que alguns pacientes abandonem o tratamento. O abandono do tratamento deve ser
evitado, pois você aprendeu aqui que cepas resistentes podem surgir de um tratamento
farmacológico incompleto!

2.3 FEBRE TIFOIDE

A febre tifoide, ou febre entérica, é uma doença infecciosa bacteriana aguda,


causada pela bactéria gram-negativa Salmonella entérica de sorotipo typhi (Figura 13). A
via de transmissão da doença é fecal-oral, de modo que os bacilos tifoides são eliminados
nas fezes do hospedeiro infectado (na doença ativa também são eliminados na urina).
A patologia se manifesta após a ingestão acidental de alimentos e/ou água

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
contaminados com o bacilo. Por conta disso, o agente patógeno precisa ser capaz de
sobreviver, em número suficiente, às nossas barreiras naturais de defesa como: pH ácido
do estômago, atividades enzimáticas digestivas e peristaltismo do trato gastrointestinal,
para que consiga estabelecer o quadro infeccioso.

Figura 13 - Salmonella Typhi: bactéria causadora da Febre Tifoide.


Fonte: Shutterstock (2020).

A incidência de Febre Tifoide está associada a locais com baixo nível socioeconômico,
principalmente em regiões com precárias condições de saneamento básico, higiene
pessoal e ambiental, ocorrendo de forma endêmica nestas regiões. No Brasil, as regiões
norte e nordeste são as que apresentam maior incidência da doença. A febre tifoide é
incomum em países industrializados, como Estados Unidos, Japão, Canadá e Austrália.
Em geral, os casos de febre tifoide nestes países estão presentes em indivíduos que
viajaram recentemente para regiões endêmicas.
O diagnóstico da febre tifoide é feito com base na avaliação clínica do paciente,
investigando o histórico de onde ele esteve, se viajou, o que consumiu, seus hábitos de
higiene e se mora em regiões com pouco saneamento básico, entre outros. Os principais
sintomas da doença são: febre alta e prolongada, dores de cabeça, mal-estar geral,
anorexia, bradicardia, esplenomegalia, manchas rosadas no tronco (roséolas tíficas),

53
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
distensão e dor abdominal, constipação ou diarreia e tosse seca. Como os sinais e
sintomas da doença são muito gerais, acaba dificultando o diagnóstico clínico.
Assim que o patógeno é acidentalmente ingerido pelo hospedeiro, a partir do
alimento e/ou água contaminados ou via fecal-oral, ele vai até o íleo terminal, penetra
rapidamente na mucosa do epitélio intestinal, chegando até a lâmina própria do órgão,
onde é fagocitado pelos macrófagos. A partir do acionamento de nossa resposta imune,
ocorre um acúmulo de neutrófilos e outras células de defesa na lâmina própria, na
tentativa de conter o agente infeccioso. Há a formação de úlceras, como consequência
dos danos à mucosa intestinal, causando diarreia sanguinolenta. Em casos mais graves,
estas ulcerações podem perfurar o intestino.
Os linfonodos locais ficam aumentados por conterem os agentes patógenos e pelo
acúmulo de fagócitos apresentadores de antígenos. Alguns bacilos permanecem nos
linfonodos locais do intestino, e outros conseguem alcançar a circulação sistêmica pela
drenagem linfática mesentérica e pelo ducto torácico (maior ducto linfático do corpo)
(Figura 14). Depois disso, o patógeno permanece intracelular, em alguns órgãos, como
baço, fígado, medula óssea, incubado de uma até três semanas.

Figura 14 - Sistema Linfático Humano e o Ducto Torácico, maior ducto linfático do corpo.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
A hemocultura é o exame padrão ouro para o diagnóstico da febre tifoide. A
presença da Salmonella no sangue levanta a hipótese da doença, devendo a cepa ser
encaminhada ao Laboratório de Saúde Pública para a realização de análise laboratorial
específica (sorotipagem), uma vez que existe mais de um sorotipo de Salmonella. Outra
opção de diagnóstico é o isolamento da Salmonella typhi, a partir da análise das fezes do
paciente. No entanto, o resultado do exame vai depender da porção das fezes coletadas
e do estágio atual da doença, pois a quantidade de cepa aumenta, conforme aumenta a
duração da doença.

2.3.1 Tratamento da Febre Tifoide

Assim que é confirmado o diagnóstico da febre tifoide, deve-se iniciar o tratamento


com antibiótico. Em casos mais leves da doença, o tratamento pode ser feito em casa,
com administração por via oral do fármaco durante sete a quatorze dias. Já nos casos
mais graves, o paciente pode precisar ser internado, para fazer o tratamento de modo
endovenoso. O Cloranfenicol é considerado a droga de primeira escolha para o tratamento
da doença. Como alternativa são também considerados: Ampicilina, Amoxicilina,
Sulfametoxazol + Trimetoprima, Quinolonas (Ciprofloxacina e Ofloxacina) e Ceftriaxona
(BRASIL, 2008).

2.4 CÓLERA

A cólera é uma doença infecciosa intestinal aguda que, assim como a febre tifoide,
pode ter relação com a falta de saneamento básico, uma vez que o indicador mais relevante
desta doença é o saneamento. O agente patógeno é a enterotoxina do Vibrio cholerae O1
e O139, bacilo gram-negativo, com flagelo polar, aeróbio ou anaeróbio facultativo (Figura
15).

55
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 15 - Vibrio Cholerae: agente infeccioso causador da Cólera.
Fonte: Shutterstock (2020).

A transmissão da doença ocorre, principalmente, a partir do consumo de água e de


alimentos contaminados por fezes que contenham o patógeno. O consumo de gelo (feito
com água contaminada), além de insetos (como as moscas) também podem propagar a
doença. A ocorrência da cólera está diretamente relacionada às condições inadequadas
de saneamento básico e sua prevenção é feita, a partir da adoção de medidas de higiene
pessoal e do consumo seguro de água e alimentos.
A infecção ocorre, quando o vibrio é levado, acidentalmente, até a boca do
hospedeiro, seja pela mão contaminada, água ou alimentos. Os vibrios que conseguem
escapar da acidez estomacal irão até o intestino delgado (duodeno e jejuno principalmente),
cujo meio alcalino favorece a proliferação. O vibrio adere à borda ciliada das células
epiteliais, graças ao seu fator de aderência. Posteriormente, há intensa liberação de uma
toxina do patógeno (toxina colérica), que se fixa em receptores presentes na superfície
dos enterócitos na mucosa intestinal. Este processo causa uma ruptura no equilíbrio
fisiológico das células intestinais, fazendo com que seja secretada grande quantidade de
líquido, que contém: Na+, K+, Cl- e HCO3-, resultando em diarreia. A perda de eletrólitos
e líquidos da circulação e dos espaços intercelulares é considerável, podendo ser fatal, se
não for corrigida a tempo.
As manifestações clínicas da doença se apresentam de formas variadas, desde
infecções assintomáticas até casos graves de diarreia, podendo levar à desidratação rápida,

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
acidose e colapso circulatório, devido a grandes perdas de água e eletrólitos corporais em
poucas horas. Os quadros leves e as infecções assintomáticas são mais frequentes do que
as formas graves (BRASIL, 2010). Diarreia e vômito são as manifestações clínicas mais
comuns nestes casos.
Na forma leve (em mais de 90% dos casos), o quadro costuma iniciar de maneira
insidiosa, com diarreia discreta, sem distinção das diarreias comuns, podendo também
ocasionar vômitos (BRASIL, 2010).
Nos casos graves, mais típicos, porém menos frequentes (menos de 10% do total), o
início é súbito, com diarreia aquosa, abundante, que não cessa, com inúmeros episódios
diários. A diarreia e os vômitos dos casos graves de cólera levam à acentuada perda de
líquido (podendo ser de um a dois litros por hora!). Tal quadro conduz à rápida e intensa
desidratação, que precisa ser urgentemente revertida. Por conta da desidratação, cãibras
podem decorrer do distúrbio hidroeletrolítico em nível muscular, podendo atingir
a musculatura abdominal, a musculatura dos membros superiores e dos membros
inferiores (panturrilhas, principalmente) (BRASIL, 2010).
A desidratação não corrigida nos casos graves da doença levará a uma deterioração
progressiva da circulação, da função renal e do balanço metabólico, produzindo dano
irreversível a todos os sistemas do organismo.
O diagnóstico laboratorial da cólera deve ser feito a partir do cultivo em meios
apropriados de fezes e/ou vômitos, objetivando o isolamento e a identificação bioquímica
do Vibrio cholerae O1 toxigênico, bem como a sua subsequente caracterização sorológica
(BRASIL, 2010).

2.4.1 Tratamento da Cólera

O tratamento da cólera se fundamenta na fluidoterapia, que é a reposição rápida e


completa da água e dos eletrólitos perdidos pelas diarreias e pelos vômitos. Os líquidos
podem ser administrados por via oral ou parenteral, dependendo do estado em que
se encontra o paciente. O início da terapêutica independe dos resultados dos exames
laboratoriais.
Nos casos graves de cólera, a antibioticoterapia contribui para a redução da
diarreia, quando instituída nas primeiras 24 horas, a partir do início dos sintomas. Sua

57
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
administração deve ser por via oral, quando cessarem os vômitos, em geral, após um
período de 3 a 4 horas do início da reidratação (BRASIL, 2010). Os antibióticos de escolha
para o tratamento da cólera dependem da idade do paciente. O sulfametoxazol, aliado
a trimetoprim são indicados para tratar pacientes menores de oito anos. A tetraciclina
(primeira opção), ou doxiciclina, ou furazolidona, ou eritromicina são indicadas para
pacientes maiores de oito anos. Para nutrizes, é indicado o uso de ampicilina.
Nos casos de choque , a administração deve iniciar, quando o paciente sair deste estado
e recuperar a capacidade de ingerir o medicamento com segurança. A antibioticoterapia é
especialmente benéfica nos casos de desidratação grave (BRASIL, 2010).

2.5 LEPTOSPIROSE

A leptospirose é uma doença infecciosa febril de início abrupto, sendo uma zoonose
(doença transmita ao homem pelos animais) de grande importância epidemiológica. É
causada por bactérias do gênero leptospira patogênicas (Figura 16), que penetram no
hospedeiro pelo contato de alguma lesão (na pele ou mucosa) com a urina de animais
infectados (cães, gado, porco, cavalos, roedores), ou água e lama contaminadas pela bactéria.

Figura 16 – Leptospira: agente infeccioso causador da Leptospirose.


Fonte: Shutterstock (2020).

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
A maior incidência desta doença está relacionada com locais de baixa renda,
em indivíduos que vivem à beira de córregos, em locais com aglomerações urbanas,
com infraestrutura sanitária precária e com infestações de roedores, principalmente
ratos de esgoto. Nas estações chuvosas, as inundações e enchentes podem aumentar a
disseminação da doença, pois predispõem o contato do homem com águas contaminadas
por leptospira patogênica.
Após sua liberação no ambiente, as leptospiras podem sobreviver por semanas a
meses no solo e na água. O período de incubação da doença varia de 1 a 30 dias , sendo
mais frequente entre 5 e 14 dias. A doença apresenta manifestações clínicas variáveis,
podendo ser assintomática ou pouco sintomática, até apresentar quadros clínicos mais
graves associados a manifestações fulminantes (BRASIL, 2014).
A Síndrome de Weil, comumente descrita na literatura como a tríade de icterícia,
insuficiência renal e hemorragias, é a manifestação clássica de leptospirose grave, podendo
levar o paciente ao óbito. É uma síndrome rara que ocorre em 5% a 10% dos casos de
leptospirose, costumando ser fatal. No entanto, a síndrome de hemorragia pulmonar vem
sendo reconhecida como uma forma grave emergente da doença (BRASIL, 2014).
As apresentações clínicas da doença são: a fase precoce (leptospirêmica) e a fase
tardia (fase imune). Na fase precoce, ocorre instalação abrupta de febre, acompanhada
de cefaleia, mialgia, anorexia, náusea e vômito. Esta fase corresponde à maioria das
apresentações clínicas da doença (90%) e apresenta sintomas pouco diferenciais. Tende
a ser autolimitada e regredir, em três a sete dias, sem deixar sequelas.
Já na fase tardia da leptospirose, há a evolução para manifestações clínicas graves,
que tipicamente iniciam após a primeira semana de doença, mas que podem ocorrer
mais cedo, especialmente em pacientes com apresentações fulminantes (BRASIL, 2014).
A síndrome de Weil, citada anteriormente, é a apresentação clínica clássica da doença em
estado grave, caracterizada pela tríade de icterícia (utilizada para auxiliar no diagnóstico
da leptospirose, sendo preditor de pior diagnóstico), insuficiência renal e hemorragias,
mais comumente pulmonar. A síndrome de hemorragia pulmonar é caracterizada por
lesão pulmonar aguda e sangramento pulmonar maciço, e ela vem sendo cada vez mais
reconhecida no Brasil como uma manifestação distinta e importante da leptospirose na
fase tardia (BRASIL, 2014).
Enquanto a letalidade geral para os casos de leptospirose notificados no Brasil é de
10%, a letalidade para os pacientes que desenvolvem hemorragia pulmonar é maior que
50% (BRASIL, 2014).
O diagnóstico da doença é feito, a partir de métodos sorológicos nos laboratórios
centrais de Saúde Pública (Lacen). Os mais utilizados são: o método ELISA-IgM (teste
imunoenzimático que permite a detecção de anticorpos específicos) e a microaglutinação

59
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
(MAT), sendo este último o teste padrão ouro, recomendado pela OMS para o diagnóstico
de infecção por Leptospira (BRASIL, 2014).

2.5.1 Tratamento da Leptospirose

A antibioticoterapia está indicada em qualquer período da doença, mas sua eficácia


parece ser maior na primeira semana do início dos sintomas (BRASIL, 2014).

Quadro 2 - Fármacos utilizados no tratamento da Leptospirose, de acordo com a fase da doença e está-
gio de vida do paciente
Fase da doença Estágio de vida Fármaco
- Amoxicilina: 500 mg, VO, 8/8h, por 5 a 7 dias
Precoce Adulto
- Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12h, por 5 a 7 dias
- Amoxicilina: 50 mg/kg/dia, VO, divididos, 8/8h, por 5 a 7
Precoce Criança
dias
- Penicilina G Cristalina: 1.5 milhões UI, IV, de 6/6 horas
- Ampicilina: 1 g, IV, 6/6h
Tardia Adulto
- Ceftriaxona: 1 a 2 g, IV, 24/24h ou Cefotaxima: 1 g, IV, 6/6h.
- Alternativa: Azitromicina 500 mg, IV, 24/24h
- Penicilina cristalina: 50 a 100.000 U/kg/dia, IV, em quatro
ou seis doses
- Ampicilina: 50-100 mg/kg/dia, IV, dividido em quatro doses
Tardia Criança
- Ceftriaxona: 80-100 mg/kg/dia, em uma ou duas doses, ou
Cefotaxima: 50-100 mg/kg/dia, em duas a quatro doses.
- Alternativa: Azitromicina 10 mg/kg/dia, IV
* Duração do tratamento com antibióticos intravenosos: pelo menos 7 dias. VO: via oral; UI: unidade
internacional; IV: intravenoso.
Fonte: Adaptado pela autora, a partir de BRASIL (2014).

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final de mais uma unidade de estudos, na qual foi possível perceber,
no mínimo, dois fatos muito relevantes: o quanto nosso sistema imune tem significância
para nós, cumprindo seu papel de nos defender de agentes patógenos, e o quanto o
acesso ao saneamento básico, algo tão trivial em nosso cotidiano, é importante para a
manutenção da saúde da população.
E os microrganismos? Estes seres microscópicos, impossíveis de serem vistos a
olho nu, mas que podem nos ser letais, caso vençam as barreiras naturais de proteção e
nosso sistema imune.
Na Unidade 2, compreendemos que algumas infecções apresentam sinais e
sintomas muito generalistas, como: febre, diarreia, náusea, vômito ou anorexia. Assim,
muitas vezes, fica difícil distinguir uma doença de outra, sendo sempre determinante a
busca pelo diagnóstico diferencial por parte dos médicos.
Estudamos que alguns tratamentos farmacológicos são bastante longos, como no
caso da tuberculose, por exemplo, o qual pode durar de 6 a 9 meses. Ou, ainda, o tratamento
do vírus HIV com TARV que, de acordo com o Ministério da Saúde, está recomendado a
todos os indivíduos vivendo com HIV, independentemente do estágio da doença. Vimos,
também, que o nosso Sistema Público de Saúde (SUS) custeia o tratamento do HIV/AIDS
a toda a população brasileira, e com o melhor antirretroviral disponível atualmente!

61
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
EXERCÍCIO FINAL

01- [COMPREENSÃO] O vírus HIV é um retrovírus que consegue “invadir” e debilitar


as células do nosso sistema imune, principalmente os linfócitos T CD4. Sobre o HIV
e a AIDS, analise as afirmativas a seguir:
I- O vírus HIV é um retrovírus com genoma de DNA, que interage com nossos linfócitos
T CD4, inserindo parte do seu material genético no DNA da nossa célula, para dar
seguimento à sua replicação viral.
II- Todos os pacientes diagnosticados como HIV positivos chegarão ao quadro de AIDS
após, em média, 10 a 15 anos do momento de infecção pelo retrovírus.
III- A terapia antirretroviral (TARV) inibe algumas reações indispensáveis para a replicação
do vírus HIV, como, por exemplo, a transcriptase reversa e a HIV integrase, sendo, por
isso, recomendada a todos os pacientes HIV positivos.
IV- A Síndrome Consumptiva é bastante comum em pacientes com AIDS, sendo
classificada pela perda de peso corporal >10% em 12 meses, aumento do catabolismo
proteico e produção exacerbada de mediadores e citocinas pró-inflamatórias.
V- As infecções oportunistas no HIV estão diretamente relacionadas à maior contagem
de células T CD4, como, por exemplo, T CD4 =200 células/mm³.

Está correto o que se afirma em:


a) I, II e IV.
b) II, III e V.
c) I, II e III.
d) III e IV.
e) I, II, III, IV e V.

02- [CONHECIMENTO] Dentre alguns dos serviços compreendidos pelo saneamento


básico, estão a coleta e tratamento de esgoto e a distribuição de água potável. A
falta de saneamento básico é um dos fatores etiológicos mais importantes para
o aparecimento de doenças causadas por microrganismos patogênicos. Assinale
a alternativa que apresenta opções de doenças causadas pela ingestão de água
contaminada:

62
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
a) Tuberculose e Leptospirose.
b) HIV e Febre Tifoide.
c) Febre Tifoide e Cólera.
d) Cólera e Tuberculose.
e) Leptospirose e Tuberculose.

03- [COMPREENSÃO] A síndrome de Weil é uma síndrome rara, a qual ocorre em 5%


a 10% dos casos infectados, costumando ser fatal. Esta síndrome está relacionada à
evolução clínica grave de uma doença infecciosa. Assinale, abaixo, com qual doença
esta síndrome está associada, e quais os sintomas da sua apresentação clínica
clássica:

a) HIV, infecções oportunistas.


b) Febre Tifoide, náusea, vômitos e diarreia.
c) Tuberculose, formação de granuloma e complexo de Ghon.
d) Cólera, desidratação e acidose.
e) Leptospirose, icterícia, insuficiência renal e hemorragia.

63
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
REFERÊNCIAS

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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico:


Tuberculose 2020. Bol. Epidemiológico, Brasília. 2020; número especial: 1-41.

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Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estudo brasileiro demonstra maior eficácia
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de


Vigilância das Doenças Transmissíveis. Leptospirose: diagnóstico e manejo clínico /
Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância
das Doenças Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de


Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de Recomendações para o Controle
da Tuberculose no Brasil / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde,
Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde,
2019.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de


Vigilância Epidemiológica. Manual integrado de Vigilância Epidemiológica da Cólera
/ Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância
Epidemiológica. 2ª ed. rev. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, Secretaria


de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas
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doenças infecciosas e parasitárias. 2ª ed. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.

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books/978-85-277-2839-3/. Acesso em: 20 de setembro de 2020.

64
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Alimentação, Nutrição e Dietoterapia. 3ª ed., São Paulo: Payá, 2016.

65
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
66
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
3
UNIDADE
DOENÇAS
DO APARELHO
DIGESTIVO E
RESPIRATÓRIO
INTRODUÇÃO À UNIDADE

Na Unidade 3, entenderemos algumas patologias do aparelho digestivo e


respiratório. Você verá que certas doenças, como a acalasia ou a disfagia, podem limitar
o consumo alimentar por via oral de um indivíduo, sendo necessárias vias alternativas
para mantê-lo adequadamente alimentado, a fim de evitar a desnutrição.
Será objeto de estudo o refluxo gastroesofágico, uma patologia do trato
gastrointestinal bastante prevalente, a qual pode trazer prejuízos à qualidade de vida
do paciente, além de favorecer o desenvolvimento de complicações, como o esôfago
de Barrett. Também veremos que, na doença pulmonar obstrutiva crônica, quando
exacerbada, o paciente tem um prejuízo importante na função respiratória, o que leva à
redução da ingestão alimentar, aumento do gasto energético, além de oferecer risco de
broncoaspiração da dieta e complicações, como pneumonia aspirativa.
Ambos os sistemas, Digestivo e Respiratório, interferem na alimentação e no estado
nutricional dos indivíduos, seja de forma mais direta, nas doenças do trato digestório,
ou de maneira indireta, no caso do Sistema Respiratório. Por este motivo, é de grande
importância o conhecimento dos conteúdos que abordaremos a seguir.
Ao final desta unidade, espera-se que você seja capaz de: conhecer, compreender e
diferenciar as doenças que afetam o Sistema Digestório e o Sistema Respiratório; entender
diagnóstico e tratamento das doenças apresentadas; e associar a presença destas doenças
com a alimentação, nutrição e alterações do estado nutricional dos indivíduos.

3.1 DOENÇAS ESOFÁGICAS

O esôfago é um tubo muscular que liga a orofaringe ao estômago. Ele está situado
posteriormente à laringe e à traqueia e se estende através do mediastino, atravessando
o diafragma no nível da 11ª vértebra torácica. Seu comprimento médio varia entre 20 e
35 centímetros. O esôfago é dividido, de forma artificial , em esôfago proximal, médio e
distal. Sua função é basicamente conduzir, através do peristaltismo (contração muscular
rítmica), os alimentos e líquidos ingeridos pela boca, da faringe até o estômago.

68
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
3.1.1 Acalasia

Um distúrbio muscular clássico do esôfago é conhecido como acalasia. Este


distúrbio está relacionado à falta de contrações dos músculos esofágicos, responsáveis
pelo peristaltismo, combinado à falha do relaxamento do Esfíncter Esofágico Inferior
(EEI), aquele que faz conexão e permite a entrada dos alimentos no estômago. O número
diminuído de células ganglionares no plexo de Auerbach causa diminuição da inervação
colinérgica da musculatura esofágica, levando a uma falência de EEI, para relaxar e abrir
durante o processo de deglutição.
Esta patologia resulta na incapacidade de os alimentos e líquidos, ingeridos pela
boca, fluírem pelo esôfago até o estômago, ficando assim “presos” no esôfago. Caso seja
realizada uma radiografia diagnóstica em um indivíduo em estado alimentado, será
possível perceber o esôfago dilatado e o EEI contraído (fechado), produzindo um sinal
clássico, chamado de “bico de pássaro” (Figura 17).

Figura 17 – Dilatação do Esôfago por Acalasia.


Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

Normalmente, a causa desta patologia é indefinida (idiopática), podendo acontecer


como consequência da doença de Chagas, pela ação do Trypanosoma cruzi. O tratamento
consiste na utilização de medicações (pouco resultado), uso de um balão amplo ou
cirurgia, para romper o EEI, a fim de eliminar a barreira imposta por ele à movimentação
normal dos alimentos e líquidos, através do esôfago até o estômago.

69
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Como consequência desta condição, os pacientes podem regurgitar o alimento que
está preso no esôfago para a boca, correndo risco de aspiração da dieta, principalmente
durante a noite, quando estão deitados. Em alguns casos de acalasia, os pacientes não
conseguem consumir, por via oral, a quantidade energética e de nutrientes necessária
para a manutenção do seu estado nutricional adequado, pois eles ficam com a sensação
desconfortável de alimento “entalado”. Desta forma, faz-se necessário viabilizar uma
gastrostomia (acesso direto ao estômago), para nutrição entérica nos pacientes com
funcionamento gástrico adequado.

3.1.2 Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE)

O termo refluxo gastroesofágico se refere ao movimento retrógrado (retorno) do


conteúdo intragástrico para o esôfago, provocando pirose (azia). A Doença do Refluxo
Gastroesofágico (DRGE) é um dos distúrbios mais prevalentes que acometem o trato
gastrointestinal, sendo caracterizado pelo refluxo persistente do conteúdo gástrico ao
esôfago (Figura 18).

Figura 18 - Refluxo Gastroesofágico. Relaxamento do esfíncter esofágico inferior, permitindo o refluxo


gástrico para o esôfago.
Fonte: Shutterstock (2020).

70
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
O sintoma mais comum da DRGE é a queimação dolorosa epigástrica e/ou
retroesternal, que com frequência irradia-se para a garganta, ombro ou costas. Em
virtude da sua localização, a dor pode ser confundida com angina e infarto do miocárdio.
O refluxo também pode provocar sintomas respiratórios como sibilos, tosse crônica e
rouquidão.
O diagnóstico da DRGE depende da história de sintomatologia clínica do paciente
e do uso seletivo de métodos diagnósticos, como investigações radiológicas utilizando
meio de contraste (como o bário), esofagoscopia e monitoração ambulatorial do pH
esofágico.
O esfíncter de entrada no estômago é conhecido como EEI ou cárdia. Ele é
responsável por permitir a passagem dos alimentos até o estômago (como vimos
anteriormente), e também por não permitir que o conteúdo ácido gástrico reflua,
retornando para o esôfago, depois que já entrou no estômago. O relaxamento (abertura)
do EEI é o reflexo do tronco encefálico, que é mediado pelo nervo vago, em resposta
a vários estímulos aferentes (estímulos sensoriais ou viscerais enviados ao Sistema
Nervoso Central).
O relaxamento transitório do EEI com refluxo é comum após as refeições, visto que
a distensão gástrica e refeições ricas em gordura elevam a frequência deste relaxamento.
Aumento da pressão gástrica e/ou intra-abdominal, provocada por situações como
esvaziamento gástrico tardio, uso de roupas apertadas na região abdominal, obesidade
e gestação, também contribuem para o refluxo. Além disso, alguns hormônios, como
a colecistocinina e a secretina, secretados na fase intestinal da digestão, promovem o
relaxamento do EEI, facilitando o refluxo.
Os líquidos ácidos gástricos refluídos (pH <4,0) são particularmente nocivos,
podendo causar lesão na mucosa do esôfago, a qual não costuma (de maneira fisiológica)
ter contato com conteúdo tão ácido quanto a mucosa do estômago. A lesão da mucosa
esofágica está relacionada com a natureza destrutiva do refluxo e o tempo durante o
qual permanece em contato com o esôfago. Normalmente, o refluxo é neutralizado pela
peristalse esofágica e pelo bicarbonato da saliva que engolimos, tendo esta a capacidade
de tamponamento do conteúdo ácido refluído.

71
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
3.1.3 Esofagite

A esofagite pode ser consequência do refluxo gastroesofágico persistente. Neste


caso, há lesão e inflamação na mucosa do esôfago. O refluxo persistente, que produz um
ciclo repetitivo de lesão da mucosa esofágica, provoca hiperemia, edema e erosão da
superfície luminal. Tais complicações resultam em estenose esofágica (estreitamento),
causada por uma combinação de tecido cicatricial, espasmo e edema. O estreitamento do
esôfago pode causar disfagia (dificuldade de deglutição), quando a luz do tubo esofágico
sofre constrição suficiente.
Ainda, como consequência da esofagite, pode haver uma condição denominada
Esôfago de Barrett. Esta patologia se caracteriza por um processo de reparo histológico,
no qual a mucosa escamosa, que reveste o esôfago, é substituída gradualmente por epitélio
colunar, assemelhando-se àquele encontrado no estômago ou no intestino. Este processo
de substituição celular está associado a um risco aumentado para o desenvolvimento de
câncer esofágico.
A patogenia do adenocarcinoma em consequência do esôfago de Barrett é um
processo em múltiplas etapas, no qual o desenvolvimento de displasia esofágica
representa uma etapa crítica no processo. O acompanhamento endoscópico de indivíduos
com esôfago de Barrett fornece o meio de detectar o adenocarcinoma em um estágio mais
inicial, quando é mais acessível à ressecção cirúrgica curativa.

PARA REFLETIR
Você já se deu conta de que o refluxo gastroesofágico persistente pode levar
à esofagite que, por sua vez, devido à inflamação crônica da mucosa esofágica,
pode levar à alteração, como o Esôfago de Barrett? E ainda, o Esôfago de Barrett é uma condição
patológica, a qual predispõe o paciente a desenvolver adenocarcinoma de esôfago?

72
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
3.1.4 Disfagia

Disfagia é o termo técnico utilizado para definir a dificuldade de deglutição.


Quando a deglutição é dolorosa, denomina-se odinofagia. O ato de deglutição depende
da ação coordenada da língua e da faringe, sendo que estas estruturas são inervadas pelos
nervos cranianos V, IX, X e XII.
A disfagia pode resultar de distúrbios que provocam estenose esofágica (como
vimos anteriormente), ausência de secreção salivar, fraqueza das estruturas musculares,
as quais propelem o bolo alimentar, ou então ruptura das redes neurais que coordenam
o mecanismo de deglutição. Um acidente vascular encefálico (AVE), por exemplo, pode
acometer os nervos cranianos que controlam a deglutição.
A disfagia pode ser dividida em Orofaríngea e Esofágica. A Disfagia Orofaríngea
está relacionada à dificuldade de iniciar o ato da deglutição, podendo ocorrer engasgos,
por conta de falhas no mecanismo neuromuscular de controle do movimento do palato,
faringe e esfíncter esofágico superior. Esta condição pode ser decorrente de problemas no
sistema nervoso central (SNC), como, por exemplo: AVE, doença de Parkinson, esclerose
múltipla e neoplasias. Pode também estar relacionada a distúrbios neuromusculares,
como a miastenia grave e poliomielite bulbar.
A Disfagia Esofágica é decorrente de distúrbios que afetam o esôfago, resultando
em dificuldade de condução do bolo alimentar até o estômago. O peristaltismo esofágico é
um processo neuromuscular controlado pelo SNC e por mecanismos locais e miogênicos.
O processo de deglutição pode ser alterado de várias formas, como por obstruções na
luz do esôfago (por estenose, neoplasia), espasmos difusos, distúrbios não específicos
de motilidade, ou ainda por sequelas secundárias a processos de degeneração crônica
dos tecidos (esclerose, escleroderma). A acalasia, conforme visto, também pode ser uma
causa da Disfagia Esofágica.
A disfagia é uma situação comum na geriatria, como decorrência das alterações
fisiológicas que ocorrem com o envelhecimento: diminuição salivar, aumento do tempo
de resposta motora, prejuízo na peristalse faríngea e na abertura do esfíncter esofágico.
Esta condição resulta em prejuízo do estado nutricional, sendo que a desnutrição pode
ser um fato comum nestes pacientes.
Um indivíduo com disfagia também apresenta riscos de aspiração da dieta, a qual
pode atingir as vias respiratórias (Figura 19), causando pneumonia broncoaspirativa . Ou
seja, o alimento, ao invés de seguir o caminho do esôfago até o estômago, atinge as vias

73
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
respiratórias e chega aos pulmões. Em caso de pneumonia broncoaspirativa, o paciente
precisará ser internado para tratá-la e, em alguns casos, esta condição poderá levar o
paciente a óbito.

Figura 19 - Disfagia: alimento sendo conduzido para as vias aéreas, por distúrbio no processo de deglutição.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

A endoscopia, a esofagoscopia com bário e a videorradiografia podem ser


utilizadas para estabelecer o local e a extensão do distúrbio da deglutição. O tratamento
deste distúrbio frequentemente envolve uma equipe multidisciplinar de profissionais da
saúde. Quanto à contribuição do nutricionista, este pode sugerir adaptações dietéticas,
como alteração da consistência da dieta e manobras posturais ao alimentar-se, já que são
ações recomendadas para evitar as complicações da disfagia.

SAIBA MAIS
Sugiro que você assista ao vídeo a seguir, o qual mostra um exame de fluoros-
copia da deglutição, evidenciando a disfagia: https://www.youtube.com/watch?-
v=CjLvG7rz684.

74
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
3.1.5 Divertículos Esofágicos

Um divertículo esofágico é uma invaginação da parede esofágica, causada por


fraqueza da camada muscular, a qual tende a reter os alimentos, dando ao paciente uma
sensação de alimento “entalado” e causando tosse, eructação e halitose.
O alimento retido no divertículo pode causar esofagite e ulceração. Esta condição
normalmente é progressiva e, para sua correção, há indicação de intervenção cirúrgica.

3.2 DOENÇAS GÁSTRICAS

O estômago é um órgão semelhante a uma bolsa, o qual está situado no lado


esquerdo do abdômen. Funciona como um reservatório para armazenamento durante
as fases iniciais da digestão. Anatomicamente, o estômago é dividido em: fundo gástrico,
corpo gástrico e antro.

3.2.1 Hérnia de Hiato

A Hérnia de Hiato é a protusão ou herniação do estômago através do hiato


esofágico do diafragma. Existem dois padrões anatômicos de herniação hiatal: a hérnia
por deslizamento e a hérnia paraesofágica. Há, ainda, uma terceira versão, que é a mistura
dos dois tipos. Observe a figura a seguir:

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 20 – Tipos de Hérnia Hiatal.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

A Hérnia de Hiato por Deslizamento é a mais comum dentre os casos, caracterizando-


se por uma protusão do estômago em forma de sino, acima do diafragma. Pequenas
hérnias de hiato por deslizamento são comuns e consideradas de baixa importância
clínica em indivíduos assintomáticos. Porém, em casos de hérnias grandes, associadas à
esofagite erosiva grave, com coexistência de DRGE, esta condição pode piorar a esofagite
grave e a presença de esôfago de Barrett. A hérnia pode facilitar o refluxo, uma vez que
altera a conformação anatômica do estômago/esôfago.
Nas hérnias de hiato paraesofágicas, uma porção separada do estômago penetra
no tórax, através de uma abertura alargada. Esta hérnia aumenta, progressivamente, de
tamanho, e em alguns casos pode ser necessária uma intervenção cirúrgica.
Não há uma definição sobre as causas da hérnia de hiato, mas elas podem estar
relacionadas com situações de aumento da pressão intra-abdominal, como nos casos de
obesidade.

3.2.2 Gastrite

A Gastrite caracteriza-se como a inflamação da mucosa gástrica. Existem diversas


causas para a gastrite, e estas causas são agrupadas em Gastrite Aguda e Gastrite Crônica.
Nos dois casos, o ponto central é o desequilíbrio entre os fatores que protegem a mucosa

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
(secreção e barreira mucosa, ação das prostaglandinas) e os fatores que agridem a mucosa
(ácido clorídrico, medicamentos ulcerogênicos, álcool, toxinas).

• Gastrite Aguda:
Caracteriza-se por um processo de inflamação aguda da mucosa gástrica,
normalmente de natureza transitória, de curta duração, desaparecendo, na maioria
das vezes, sem deixar sequelas.
Esta condição está comumente associada a irritantes locais , tais como o uso de
alguns fármacos (ex.: aspirina) ou outros anti-inflamatórios não esteroides (AINES),
álcool ou toxinas bacterianas. A uremia, tratamento com agentes quimioterápicos
para o câncer e a irradiação gástrica constituem outras causas de gastrite aguda.

• Gastrite Crônica:
Nesta situação, há presença de alterações inflamatórias persistentes, que levam
à atrofia crônica e progressiva do epitélio glandular do estômago. A infecção por
Helicobacter pylori constitui a causa mais comum de gastrite crônica.
O H. pylori é uma bactéria flagelada, gram-negativa, frequentemente encontrada na
mucosa gástrica, e que se adapta em meio extremamente ácido, como o estômago,
colonizando células epiteliais secretoras de muco neste órgão. Ela secreta urease,
que possibilita a produção suficiente de amônia, para tamponar a acidez do seu meio
ambiente. Também produz enzimas e toxinas que têm a capacidade de interferir na
proteção local da mucosa gástrica contra o ácido, provocando inflamação intensa
e desencadeando resposta imune. Por conta disso, há um aumento na produção de
citocinas pró-inflamatórias, recrutando neutrófilos ao local da lesão.
Pode-se verificar, também, a presença de linfócitos T e B na gastrite crônica por H.
pylori. Alguns indivíduos infectados são assintomáticos. O tratamento proposto,
neste caso, é farmacológico, associando inibidor da bomba de prótons (IBP) +
claritromicina + amoxicilina ou metronidazol, durante 7 a 14 dias. No entanto, a
erradicação da bactéria tem sido difícil.
Além disso, na forma crônica, existe a gastrite autoimune e a gastrite atrófica
multifocal, porém estas com uma prevalência mais baixa.

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
SAIBA MAIS
Sugiro que você faça a leitura do seguinte artigo de revisão, o qual trata sobre
o uso de probióticos na erradicação da H pylori: Efeito dos probióticos na erradica-
ção do Helicobacter pylori: uma revisão baseada na evidência. Disponível em: http://www.scielo.
mec.pt/pdf/rpmgf/v35n5/v35n5a06.pdf.
PINTO, Cristiana Sousa; ALVES, Patrícia; FRASCO, Joana. Efeito dos probióticos na erradicação
do Helicobacter pylori: uma revisão baseada na evidência. Revista Portuguesa de Medicina
Geral e Familiar, v. 35, nº 5, p. 392-400, 2019.

Pacientes com gastrite crônica e atrofia grave das células parietais do estômago
(produtoras de ácido gástrico e fator intrínseco (FI)), podem apresentar risco de
deficiência de vitamina B12, pois a acidez gástrica libera a vitamina B12 dos alimentos, e
o FI é indispensável para a absorção da vitamina B12 na porção intestinal do íleo. Além
disso, o tratamento da doença com a utilização de inibidor da bomba de prótons também
pode prejudicar a absorção da vitamina B12. É importante destacar que a gastrite crônica
está associada ao risco aumentado de desenvolvimento de câncer gástrico.

3.2.3 Úlcera Péptica

Úlcera Péptica é o termo utilizado para descrever um grupo de distúrbios ulcerativos


que ocorrem em porções do Trato Gastrointestinal (TGI), as quais estão expostas a
secreções de ácido e pepsina, sendo mais comuns as úlceras gástricas e duodenais.
Uma Úlcera Péptica pode acometer uma ou todas as camadas do estômago e
duodeno. Por vezes, a úlcera penetra na parede externa do órgão acometido (Figura 21).
A cura da camada muscular acontece com a substituição com tecido cicatricial, embora
haja regeneração das camadas mucosas que recobrem a camada muscular cicatrizada.

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 21 - Úlcera Péptica: acometimento das camadas mais internas do órgão.
Fonte: Shutterstock (2020).

As manifestações clínicas deste acometimento são: desconforto e dor em queimação


na região epigástrica, que se acentua, quando o estômago está vazio. A dor pode irradiar-
se para abaixo das margens costais, ou mais raramente para o ombro direito. Períodos de
remissão e exacerbação espontânea dos sintomas são comuns. A dor tende a aliviar com
o consumo de alimentos ou com uso de antiácidos.
Os dois fatores de risco de maior importância na etiologia da ulceração são a
infecção por H. pylori, o uso de aspirina e outros AINEs. Ambos comprometem os fatores
protetores da mucosa gástrica dos efeitos do ácido corrosivo que produzimos no estômago.
Sabe-se que a H. pylori promove o desenvolvimento de ulcerações, principalmente na
região do antro gástrico. Contudo, o entendimento dos mecanismos fisiopatológicos de
como isto ocorre ainda não foram totalmente elucidados.
A patogenia das úlceras induzidas por AINEs envolve a ocorrência de lesão
da mucosa e a inibição das prostaglandinas, sendo que a aspirina parece ser o agente
mais ulcerogênico entre eles. Os AINEs também inibem a COX2 (enzima responsável
por fenômenos da inflamação e produção de prostaglandinas) e reduzem a produção
de prostaglandinas, o que torna a mucosa desprotegida e suscetível à ação do ácido
clorídrico, ficando propensa a ulcerações.
O tabagismo pode aumentar o risco de úlcera péptica e, além disso, comprometer a
sua cura. As complicações mais comuns da úlcera consistem em hemorragia, penetração,
perfuração e obstrução pilórica. A hemorragia é causada pelo sangramento do tecido

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
de granulação ou da erosão de uma úlcera em uma artéria ou veia. A perfuração ocorre,
quando uma úlcera provoca a erosão de todas as camadas da parede do estômago ou
do duodeno. Nos casos de perfuração, o conteúdo gastrointestinal penetra no peritônio,
causando peritonite.
O diagnóstico da úlcera péptica deve ser feito com base em anamnese clínica, que
investigará o uso de aspirina ou outro AINE, exames laboratoriais, exame de imagem
radiológica e exame endoscópico. Os achados laboratoriais de anemia hipocrômica e
sangue oculto nas fezes indicam sangramento.
O tratamento da úlcera péptica tem como objetivo erradicar a causa da patologia
e promover uma cura permanente. A terapia medicamentosa visa erradicar a H. pylori,
aliviar os sintomas e curar as úlceras. Aspirina e AINES devem ser evitados, sempre que
possível. Os fármacos utilizados para reduzir o ácido gástrico são os antiácidos: carbonato
de cálcio, o hidróxido de alumínio e o hidróxido de magnésio, além do inibidor da bomba
de prótons.

3.2.4 Gastroparesia

A gastroparesia é um distúrbio do estômago, caracterizado pelo esvaziamento


gástrico retardado, o qual se manifesta por náusea, sensação de empachamento, vômito,
constipação ou diarreia. Esta é uma complicação comum no diabetes mellitus mal
controlado, com neuropatia diabética.
Os distúrbios da gastroparesia vão desde obstrução parcial ou completa da saída
gástrica até o esvaziamento excessivamente rápido. A perda de controle vagal resulta
em contração tônica excessiva do esfíncter de saída do estômago, o piloro, obstruindo a
saída, de forma adequada, do conteúdo gástrico para o duodeno.
Distúrbios que afetam o sistema nervoso entérico, como a neuropatia diabética e
corte cirúrgico da parede do estômago ou tronco vagal, geralmente causam retardo no
esvaziamento gástrico. Os casos de esvaziamento excessivamente rápidos podem ocorrer,
quando o piloro (que está muito contraído), abre-se completamente, mas de modo
infrequente, resultando na entrada de um bolo de quimo muito grande no duodeno, o
que causa má absorção, diarreia e síndrome de dumping.
O diagnóstico da doença pode ser feito com o auxílio de alguns exames, como a

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
endoscopia digestiva alta (EDA) e cintilografia do esvaziamento gástrico.
As complicações da gastroparesia incluem: mau controle da glicemia,
desenvolvimento de bezoares por conteúdo gástrico retido, supercrescimento bacteriano,
inapetência por sensação de empachamento. Nos casos em que as náuseas e vômitos são
muito frequentes, pode ocorrer perda de peso.
O tratamento desta condição pode ser feito por meio de ajuste dietético, fracionando
melhor as refeições durante o dia, a fim de evitar o consumo de refeições volumosas,
além de limitar o consumo de alimentos muito gordurosos e fibrosos, de difícil digestão,
pois estes normalmente retardam o esvaziamento gástrico. Além disso, pode ser utilizada
farmacoterapia, como: metoclopramida (estimula as contrações musculares do estômago
e reduz náuseas e vômitos); eritromicina (antibiótico prescrito em doses baixas, melhora
o esvaziamento gástrico, também aumentando as contrações musculares gástricas). A
eritromicina é reconhecida pelo receptor do hormônio motilina, afetando a motilidade
gastrointestinal. Em alguns casos, pacientes apresentam melhora da gastroparesia com
análogos da eritromicina.

3.3 PANCREATITE

O pâncreas se localiza transversalmente na parte posterior do abdômen superior.


A cabeça do pâncreas situa-se do lado direito do abdômen, o corpo encontra-se abaixo
do estômago e a cauda toca o baço. Este é um órgão misto, pois apresenta tanto a função
endócrina, como a exócrina. O Pâncreas Endócrino secreta, através das Ilhotas de
Langerhans, hormônios muito importantes, como a insulina e o glucagon. Já o Pâncreas
Exócrino é formado por lóbulos, constituídos de células acinares, que secretam enzimas
digestivas em um sistema de ductos microscópicos (Figura 22).
A pancreatite é uma patologia que se refere a um processo inflamatório do pâncreas,
podendo manifestar-se na forma aguda e crônica.

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 22 - Pâncreas, Ducto Pancreático, Ilhotas de Langerhans (produtoras e secretoras de hormônios
insulina e glucagon) e células Acinares (produtoras e secretoras de enzimas digestivas).
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

3.3.1 Pancreatite Aguda

Em condições normais, as enzimas pancreáticas são secretadas pelas células


acinares na forma inativa, como zimogênios, e somente serão ativadas no intestino
delgado, para participarem da digestão dos nutrientes. Este funcionamento é importante,
pois as enzimas digeririam o próprio tecido pancreático, caso fossem secretadas na
sua forma ativa. As células acinares secretam um inibidor de tripsina, o qual impede a
sua ativação. Como a tripsina ativa outras enzimas proteolíticas, o inibidor da tripsina
impede a ativação subsequente das outras enzimas.
A pancreatite aguda representa um processo inflamatório reversível das células
acinares pancreáticas, em decorrência da ativação intra-acinar das enzimas pancreáticas,
levando à autodigestão da glândula. Desta forma, a patogenia da pancreatite aguda

82
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
envolve a autodigestão do órgão por enzimas pancreáticas inapropriadamente ativadas.
Tais enzimas podem danificar tecidos e ativar a cascata inflamatória, ao produzirem
citocinas pró-inflamatórias, causando inflamação e edema intersticial do pâncreas.
Acredita-se que o processo começa com a ativação da tripsina, pois, uma vez que a
tripsina é ativada, ela pode ativar uma variedade de enzimas digestivas, causando lesão
pancreática e respostas inflamatórias intensas.
Embora diversos fatores estejam associados ao desenvolvimento da pancreatite
aguda, a maioria dos casos resulta da presença de cálculos biliares no ducto colédoco
que, em conjunto com o ducto pancreático, forma um ducto comum (Figura 23), ou
ainda do abuso de álcool .
No caso da obstrução do trato biliar devido a cálculos biliares, acredita-se que
a obstrução do ducto pancreático ou o refluxo biliar ativem as enzimas no sistema de
ductos pancreáticos. Já os mecanismos precisos, através dos quais o álcool exerce sua
ação, são desconhecidos. Sabe-se que o álcool é um potente estimulador das secreções
pancreáticas, o qual também provoca obstrução parcial do esfíncter do ducto pancreático.

Figura 23 - Ductos Biliares: Ducto Colédoco e Ducto Pancreático se unem e desembocam no duodeno.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

A pancreatite aguda também está associada, em menores casos, à hiperlipidemia,


hipercalcemia, infecções virais, traumatismo abdominal, cirúrgico e fármacos.

83
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
As manifestações da pancreatite aguda podem variar de leve (com disfunção
orgânica mínima), autolimitada (de 2 a 3 dias, com nenhuma sequela significativa) até
manifestações mais graves, e potencialmente fatais, associadas de falência dos sistemas
de órgãos (pulmonar, circulatório e/ou renal). As manifestações leves da pancreatite
aguda são mais comuns, sendo que os casos graves ocorrem apenas em cerca de 20% das
manifestações.
A dor abdominal é o principal sintoma da pancreatite aguda, sendo localizada na
região epigástrica ou periumbilical, podendo irradiar-se para as costas, tórax ou área do
flanco. Náusea, vômitos e anorexia também podem estar presentes como sintomas da
doença.
A amilase e a lipase séricas constituem os marcadores laboratoriais mais utilizados
para estabelecer o diagnóstico de pancreatite aguda. A lipase sérica pode permanecer
elevada por mais tempo que a amilase. Em geral, efetua-se uma ultrassonografia do
abdômen, à procura de cálculos biliares. A Tomografia Computadorizada (TC) e a TC
Contrastada Dinâmica do Pâncreas são usadas para detectar a existência de necrose
e acúmulo de líquido. Os marcadores sorológicos em fase de investigação também
incluem o peptídeo de ativação do tripsinogênio, a proteína C reativa, a procalcitonina, a
fosfolipase A2, e as citocinas interleuciona-6 e interleucina-8.
O tratamento da pancreatite aguda depende da gravidade dos sintomas. Exigem
hospitalização aqueles indivíduos que apresentam dor persistente e intensa, vômitos,
desidratação ou sinais de pancreatite aguda grave. O tratamento é direcionado ao alívio
da dor, “repouso do pâncreas”, através da suspensão do consumo de alimentos e líquidos
por via oral e restauração do volume plasmático perdido. Para isso, administram-se
líquidos e eletrólitos por via intravenosa. São fornecidas soluções coloidais intravenosas
para repor o líquido sequestrado no abdômen e no espaço retroperitoneal.

3.3.2 Pancreatite Crônica

A Pancreatite Crônica caracteriza-se por destruição progressiva do pâncreas


exócrino, fibrose e, nos estágios mais avançados, destruição do pâncreas endócrino. A
maioria dos fatores etiológicos que provocam Pancreatite Aguda também podem causar
Pancreatite Crônica. A principal diferença entre as duas condições é a irreversibilidade

84
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
da função pancreática, a qual caracteriza a pancreatite crônica.
A causa mais comum de Pancreatite Crônica é o consumo abusivo prolongado
de álcool. As causas menos comuns incluem: obstrução do ducto pancreático de longa
duração, cálculos, neoplasias, pancreatite crônica autoimune, idiopática e associada à
fibrose cística.
A Pancreatite Crônica se manifesta em episódios semelhantes aos da pancreatite
aguda, porém, em menor gravidade, sendo que os episódios são persistentes e recorrentes
de dor epigástrica e no quadrante superior esquerdo. Com frequência, as crises são
causadas pelo abuso de álcool ou por alimentação excessiva. É comum a ocorrência de
anorexia, náusea, vômitos, constipação e flatulência.
Por fim, a evolução da doença pode resultar na deficiência das funções endócrina
e exócrina do pâncreas. Neste estágio, os sinais de diabetes mellitus e da síndrome de má
absorção, como a perda de peso e a esteatorreia se tornam presentes.
O tratamento consiste em manejo dos sinais e sintomas, através de atitudes
como: excluir o consumo de álcool, uma vez que ele frequentemente precipita as crises;
tratar a má absorção alimentar e a esteatorreia com o uso de enzimas pancreáticas;
observar a deficiência de vitaminas lipossolúveis, por conta da má absorção; tratar da
doença coexistente do trato biliar e tratar o diabetes mellitus com insulina. A intervenção
cirúrgica é necessária, em alguns casos, para remover qualquer possível obstrução dos
ductos pancreáticos que possa estar presente. Nos casos avançados, pode ser necessária
uma pancreatectomia parcial ou total.

3.4 DOENÇAS INTESTINAIS

O Intestino é dividido em Intestino Delgado e Intestino Grosso, também chamado


de cólon. O Intestino Delgado é formado pela porção proximal, denominada duodeno (22
cm), seguida do jejuno e do íleo (juntos medem cerca de 7 m), constituindo o principal local
de digestão e absorção dos alimentos. O intestino grosso, ou cólon (aproximadamente
1,5 m), é formado pelo ceco, apêndice, cólon ascendente, cólon transverso, cólon
descendente, cólon sigmoide, e reto que se estende até o ânus.

85
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
3.4.1 Doenças Inflamatórias Intestinais (DIIs)

As Doenças Inflamatórias Intestinais (DIIs) são doenças crônicas que acometem o


trato digestório. A história natural delas se caracteriza pela frequente exacerbação dos
sinais e sintomas, sendo que a patologia alterna entre ciclos de exacerbação e remissão
da sua manifestação.
A etiologia das DIIs é desconhecida e multifatorial, porém são apontados quatro
aspectos de grande interação: fatores genéticos, fatores luminais (microbiota intestinal),
a barreira intestinal (imunidade inata e permeabilidade intestinal) e a imunorregulação.
Estes fatores também interagem com a influência de fatores ambientais, como a
alimentação, o tabagismo e hábitos de vida em geral.
As duas formas mais comuns de apresentação das DIIs são: Doença de Crohn (DC)
e Retocolite Ulcerativa (RCU).

3.4.1.1 Doença de Crohn

A Doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória intestinal crônica, autoimune,


caracterizada pelo acometimento segmentar, assimétrico e transmural (atinge todas as
camadas) de qualquer porção do tubo digestivo, da boca até o ânus.
A DC tem início mais frequentemente entre os vinte e trinta anos de idade, mas pode
acometer indivíduos de qualquer faixa etária. As mulheres são afetadas com frequência
ligeiramente maior do que os homens.
A patogenia da DC envolve uma falha de regulação imune, sendo uma característica
do trato gastrointestinal o fato de o sistema imune da mucosa estar sempre pronto para
reagir contra patógenos ingeridos, porém ele não responde à presença da microflora
intestinal fisiológica. Acredita-se que este equilíbrio é rompido nas DIIs, levando a
respostas imunes desreguladas e exageradas contra bactérias da flora intestinal normal
do indivíduo geneticamente suscetível a expressar estas doenças.
Suspeita-se de uma base genética para a manifestação das DIIs, porém a manifestação
destas doenças não pode ser atribuída a um único gene. Muitos genes candidatos estão

86
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
reconhecidamente associados ao desenvolvimento de DII e, provavelmente, contribuem
para o aparecimento da doença. Estes genes incluem as associações de Antígenos
Leucocitários Humanos (HLA).
O diagnóstico da DC pode ser difícil, devido à heterogeneidade das manifestações
e à sua sobreposição com os sintomas da Retocolite Ulcerativa (RCU). O paciente deve
ser avaliado através de dados clínicos: anamnese, exame físico e exames laboratoriais;
análise endoscópica, radiológica e histológica, além de investigações por imagem
seccional, como a TC e a ressonância magnética (RM). Nos exames de TC e RM, os
principais achados característicos da doença são o acometimento do intestino delgado
e presença de fístulas. A colonoscopia com duas biópsias de cinco locais distintos do
intestino, incluindo o íleo, é o método preferencial para o diagnóstico.
A DC acomete, com mais frequência, a região do íleo distal, cólon e região
perianal. Como dito anteriormente, as áreas de ulceração e inflamação ocorrem de modo
descontínuo, intercalando partes saudáveis e ulceradas, e acometem toda a espessura
da parede intestinal. A combinação da ulceração profunda da mucosa e espessamento
da submucosa confere ao intestino do portador de DC um aspecto característico de
pavimentação com pedras ou “pedras de calçamento” (Figura 24).

Figura 24 - Lesões Intestinais na Doença de Crohn, em forma de “pedras de calçamento”. Fonte: Adapta-
da pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

87
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Os sintomas principais da DC são: diarreia intermitente, dor em cólica, perda de
peso e sangramento intestinal. Como a DC afeta a camada submucosa em maior grau do
que a camada mucosa, ocorre menos diarreia sanguinolenta do que na RCU.
As complicações frequentes da DC compreendem a formação de fístulas
(principalmente perianais), abscessos, perfuração e obstrução do intestino delgado por
estenose (Figura 25). O sangramento franco das ulcerações da mucosa pode ocorrer e
ser massivo. Outra complicação importante é a possível incidência aumentada de câncer
intestinal. Algumas manifestações extra intestinais podem ocorrer nos portadores de DC,
como: inflamação das articulações (artrite), inflamações na pele, inflamações no olho,
das membranas mucosas (membrana bucal) e dos canais biliares (colangite esclerosante).

Figura 25 - Alterações Intestinais, como consequência das lesões por Doença de Crohn.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

A investigação para saber se a doença está ativa ou em remissão pode ser feita
por meio do Índice de Harvey-Bradshaw (IHB), disponível no Quadro 3. Este índice é
simples e investiga a presença ou ausência de sinais e sintomas, através de um esquema de
pontuação, mantendo uma boa correlação com o índice de atividade da DC, sendo padrão
ouro para a caracterização dos estágios da doença. Caso o paciente pontue 4 pontos ou
menos, e não esteja em uso de corticoides, ele é considerado em remissão sintomática
da doença. Pacientes com manifestações graves da doença normalmente pontuam 8 ou
mais pontos no IHB.

88
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Quadro 3 - Índice de Harvey-Bradshaw.
Variável Descrição Score
0= muito bem
1= levemente comprometido
1 Bem-estar geral 2= ruim
3= muito ruim
4= péssimo
0= nenhuma
1= leve
2 Dor abdominal
2= moderada
3= intensa
3 Número de evacuações líquidas por dia 1 ponto por cada evacuação
0= ausente
1= duvidosa
4 Massa abdominal
2= definida
3= definida e dolorosa
1 ponto por item:
Artralgia
Uveíte
Eritema nodoso
5 Complicações Úlceras aftosas
Pioderma gangrenoso
Fissura anal
Nova fístula
Abscesso
Soma dos scores das variáveis de
Total
1 a 5.
Fonte: Brasil (2017).

O tratamento da DC é complexo e tem como objetivo interromper a resposta


inflamatória, viabilizar que o paciente entre em remissão dos sintomas, manter o estado
de remissão e melhorar sua qualidade de vida. Além disso, deve-se obedecer a uma
nutrição adequada, prevenindo e tratando as complicações da doença.
Algumas medicações têm sido bem-sucedidas na supressão da reação inflamatória.
O tratamento clínico é feito com aminossalicilatos, corticosteroides, antibióticos e
imunossupressores. O tratamento cirúrgico pode ser necessário para tratar obstruções,
complicações supurativas e doença refratária ao tratamento medicamentoso (BRASIL,
2017).

89
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
3.4.1.2 Retocolite Ulcerativa

A Retocolite Ulcerativa é uma condição inflamatória crônica inespecífica do cólon


(Intestino Grosso). Embora a RCU seja confundida, com alguma frequência, com a DC,
elas diferem em alguns aspectos. Veja no quadro a seguir:

Quadro 4 - Características diferenciais entre a Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa


Característica Doença de Crohn Retocolite Ulcerativa
Tipo de inflamação Granulomatosa Ulcerativa e exsudativa
Nível de comprometimento Principalmente submucoso Principalmente mucoso
Extensão do comprometimento Lesões descontínuas Contínuo
Principalmente o íleo, secunda- Primariamente o reto e o
Áreas de comprometimento
riamente o cólon cólon esquerdo
Diarreia Comum Comum
Sangramento retal Raro Comum
Fístulas Comum Raras
Estenoses Comum Raras
Abscessos perianais Comum Raros
Fonte: Adaptado pela autora (2020), a partir de Porth; Matfin (2010).

A RCU pode surgir em qualquer idade, tendo um pico de incidência entre 20 e 40


anos. A etiologia desta doença também é desconhecida, mas, assim como na DC, sabe-se
que existem fatores genéticos e ambientais importantes para a patogênese da doença.
Foram encontradas anomalias em diversos genes de suscetibilidade em pacientes com
RCU, incluindo moduladores da função imune, autofagia e função epitelial, os quais
participam na interação de hospedeiro e microrganismo.
Tipicamente a RCU se manifesta na forma de distúrbio recidivante, caracterizado
por episódios de diarreia tipicamente sanguinolenta e com muco (diarreia exsudativa),
como consequência das lesões da camada mucosa intestinal. Esta diarreia pode persistir
por vários dias, semanas ou até meses e, em seguida, desaparecer por um período de
meses ou anos. Sintomas associados, como dor abdominal em cólica, tenesmo e urgência
evacuatória podem acompanhar o quadro ativo da RCU. É comum, ainda, haver anorexia,

90
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
emagrecimento, anemia, fraqueza e fatigabilidade.
As inflamações da RCU limitam-se ao reto e ao cólon (Figura 26). Em geral, a
doença começa no reto e sofre disseminação proximal, acometendo principalmente a
camada mucosa, embora possa se estender para a submucosa. A extensão da inflamação
varia, podendo acometer apenas o reto (proctite ulcerativa), o reto e o cólon sigmoide
(proctossigmoidite) ou todo o cólon (pancolite).

Figura 26 - Lesões na Retocolite Ulcerativa, sempre contínuas e limitadas ao cólon.


Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

O processo inflamatório tende a ser confluente e contínuo e estas lesões podem


tornar-se necróticas e sofrerem ulceração. Ocorre o espessamento da parede intestinal,
em resposta a episódios recorrentes de inflamação. Ainda, as lesões e ulcerações crônicas
podem causar um excesso de tecido de granulação (característico da cicatrização), que
desenvolvem protusões para o lúmen do intestino, formando pseudopólipos. Como
a RCU geralmente se limita à camada mucosa, obstruções, perfuração e formação de
fístulas, não são complicações típicas desta doença.
O diagnóstico da RCU baseia-se na história clínica, exame físico, exames
laboratoriais, sendo habitualmente confirmado por sigmoidoscopia, colonoscopia,
biópsia e exame de fezes negativo para infecções ou outras causas. A colonoscopia não

91
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
deve ser feita em indivíduos com doença grave devido ao risco de perfuração intestinal.
O achado colonoscópico mais típico da doença é o comprometimento da mucosa desde
a margem anal, estendendo-se proximalmente, de uma forma contínua e simétrica, com
demarcação clara entre a mucosa inflamada e normal.
O câncer de cólon é uma das complicações mais temidas da RCU, por isso é
recomendada a realização regular de colonoscopias de vigilância, com biópsias múltiplas,
para indivíduos com colite extensa.
O tratamento depende da extensão da doença e da gravidade dos sintomas, e inclui
medidas para controle das manifestações agudas da doença e prevenção de recidiva. O
tratamento cirúrgico, por meio da remoção do reto e/ou de todo o cólon, com criação de
ileostomia ou anastomose (junção) ileoanal, pode ser necessário para indivíduos que não
respondem à medicação e a métodos conservadores de tratamento.
As medicações utilizadas no tratamento da RCU são semelhantes àquelas utilizadas
no tratamento da DC, compreendendo os aminossalicilatos (sulfassalazina e mesalazinas)
orais e por via retal, corticoides (prednisona), imunossupressores e terapia biológica anti-
TNF (adalimumabe, infliximabe, golimumabe).
Na prática clínica, nem sempre o diagnóstico das DIIs é fácil. Muitas vezes, o
paciente está em sofrimento com seus sintomas, porém ainda sem diagnóstico fechado.
Os achados endoscópicos não são conclusivos em todos os casos, sendo necessária uma
investigação mais aprofundada, para estabelecer o diagnóstico correto.
Neste processo de investigação, muitos pacientes têm perda ponderal importante,
então o nutricionista terá um desafio grande, ao acompanhar e elaborar o plano alimentar
deles, com o objetivo de recuperar seu estado nutricional, oferecendo-lhes uma boa
qualidade de vida.

EXERCÍCIO
Agora que já estudou as doenças inflamatórias intestinais, você saberia dife-
renciar a Doença De Crohn da Retocolite Ulcerativa? Sim? Então, cite três caracte-
rísticas patológicas que diferenciam uma doença da outra.

92
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
3.4.2 Síndrome do Intestino Irritável

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) caracteriza-se por hábitos intestinais


alterados, com dor abdominal na ausência de qualquer processo patológico orgânico
detectável, ou anormalidades específicas da motilidade ou estruturais. Sua causa é
indefinida, tratando-se de um distúrbio complexo. Acredita-se que a SII resulte de uma
desregulação das funções intestinais motoras e sensoriais moduladas pelo SNC. Os
indivíduos com esta patologia tendem a apresentar aumento da motilidade e contrações
intestinais anormais, em resposta a estresses psicológicos e fisiológicos. As respostas
intestinais ao estresse são normais, no entanto, em indivíduos com SII estas respostas
parecem ser exageradas.
A principal característica da SII é a mudança de hábitos intestinais, alternando
entre diarreia e constipação. Outros sintomas comuns são: dor abdominal, que pode ser
causada por espasmos intestinais; empachamento ou distensão abdominal e hiperalgesia
visceral (aumento da sensibilidade intestinal). A dor abdominal é habitualmente
intermitente, em cólica, e na parte inferior do abdômen.
Como esta síndrome carece de marcadores anatômicos ou fisiológicos, o
diagnóstico baseia-se, habitualmente, em sinais e sintomas de dor abdominal ou
desconforto, distensão, constipação ou diarreia, ou episódios alternados de constipação
e diarreia. Outro sintoma que sustenta o diagnóstico é a frequência anormal de
evacuações, sendo mais de três vezes ao dia, ou menos de três vezes na semana. Ainda, a
forma anormal das fezes, sendo cíbalo/duras ou moles/aquosas, a urgência em evacuar
ou sensação de evacuação incompleta são sintomas importantes. Deve-se considerar,
ainda, a intolerância à lactose.
O tratamento da SII consiste no manejo do estresse, manejo dietoterápico e
farmacológico. O manejo dietoterápico envolve a exclusão de alimentos formadores de
gases, álcool e bebidas com cafeína, bem como o ajuste na quantidade de fibras, quando
necessário nos casos de constipação e/ou diarreia.
Estudos investigam a dieta de restrição dos carboidratos rapidamente fermentáveis,
conhecidos como FODMAPs (Fruto-oligossacarídeos, Dissacarídeos, Monossacarídeos e
Polióis Fermentáveis), para a redução dos sintomas e melhora na qualidade de vida dos
pacientes com SII. No entanto, a dieta não é capaz de curar a SII, uma vez que sua etiologia
parece ser complexa. Além disso, cada paciente deve investigar quais são seus alimentos
“gatilhos” dos sintomas, de modo que não existe um padrão para todos os indivíduos.

93
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Em relação à terapia farmacológica, antiespasmódicos e anticolinérgicos podem
ser recomendados, porém, com sucesso variável entre os pacientes.

3.5 DOENÇAS DO SISTEMA RESPIRATÓRIO

O Sistema Respiratório é composto por vias de passagens respiratórias, dois


pulmões e vasos sanguíneos que o suprem, bem como por estruturas que proporcionam
o mecanismo de ventilação (caixa torácica e músculos respiratórios, sendo o principal
o diafragma). Podemos citar, como estruturas centrais: nasofaringe, orofaringe, laringe,
traqueia, brônquios, bronquíolos e alvéolos pulmonares.

3.5.1 Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e Enfisema


Pulmonar

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é um termo abrangente, utilizado


para descrever um processo patológico que se caracteriza pela presença de Bronquite
Crônica e/ou Enfisema, que pode levar ao desenvolvimento de obstrução fixa das vias
aéreas.
Muito embora a Bronquite Crônica e o Enfisema sejam frequentemente
considerados como processos patológicos independentes, eles compartilham de alguns
fatores etiológicos comuns e, normalmente, são encontrados juntos, no mesmo paciente.
Na Bronquite Crônica, há inflamação dos brônquios e produção aumentada de
muco, com obstrução das pequenas vias respiratórias e tosse crônica produtiva. No
Enfisema, ocorre o aumento do tamanho dos espaços aéreos, como consequência da
destruição do parênquima pulmonar (Figura 27). Normalmente, pessoas com DPOC
apresentam a sobreposição dos dois quadros patológicos, Enfisema e Bronquite Crônica.

94
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 27 - Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica: Bronquite Crônica e Enfisema Pulmonar. Fonte: Adaptada
pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

A Bronquite Crônica é definida por uma história de tosse produtiva por 3 meses do
ano, em 2 anos consecutivos. Tipicamente, a tosse está presente por muitos anos, com
aumento gradual em exacerbações agudas, que produzem um catarro essencialmente
purulento, além da dispneia e obstrução das vias aéreas de forma intermitente ou
contínua. O tabagismo é a causa principal, embora outros irritantes inalados (por
exemplo, poeira ocupacional) podem causar o mesmo processo de inflamação crônica.
Embora os eventos patológicos predominantes sejam inflamação das vias aéreas
maiores, acompanhadas por espessamento da submucosa e hipersecreção de muco, a
inflamação nos brônquios menores e nos bronquíolos é o principal local de aumento
da obstrução do fluxo de ar. Do ponto de vista histológico, estas alterações incluem
um aumento importante na quantidade de células caliciformes e a produção excessiva
de muco, com a formação de tampões no lúmen das vias respiratórias, infiltração
inflamatória e fibrose da parede bronquiolar.
Tanto a hipertrofia da submucosa, nas vias respiratórias maiores, quanto o aumento
na quantidade de células caliciformes, nas vias respiratórias menores, são uma reação
de proteção dos pulmões contra a fumaça do tabaco e outros poluentes, como a poeira
ocupacional. Infecções virais e bacterianas são comuns em indivíduos com bronquite

95
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
crônica, piorando o quadro de inflamação crônica.
Já o Enfisema é uma doença do parênquima pulmonar circundante, a qual se
caracteriza pela perda da elasticidade pulmonar e aumento de tamanho anormal dos
espaços aéreos dos bronquíolos terminais, com a destruição das paredes alveolares e
leitos capilares, conforme mostra a Figura 28.
Ao contrário da bronquite, o quadro patológico do enfisema pulmonar é de baixa
alteração inflamatória, porém, com destruição progressiva e irreversível das unidades
respiratórias terminais (alvéolos) e de capilares alveolares, resultando em capacidade de
difusão (hematose) diminuída e hipoxemia progressiva.

Figura 28 - Enfisema Pulmonar no Tabagismo: destruição dos septos alveolares e formação de uma
grande cavidade de ar prejudicial à respiração.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

Os estágios tardios da DPOC são caracterizados por infecções respiratórias


frequentes e insuficiência respiratória crônica e progressiva. Normalmente, o óbito ocorre
durante um episódio de exacerbação da doença, associado à infecção e insuficiência
respiratória.
O diagnóstico da DPOC é baseado na história clínica e exame físico cuidadoso,
estudos da função pulmonar, radiografias de tórax e testes laboratoriais. O tratamento
da doença depende do seu estágio e, frequentemente, requer uma abordagem

96
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
interdisciplinar. A cessação do tabagismo é a única medida que torna lenta a progressão
da doença. Embora antibióticos sejam usados para tratar exacerbações agudas da DPOC,
devido a infecções bacterianas, não há evidências de que o uso profilático de antibióticos
previna exacerbações agudas.
O tratamento farmacológico da DPOC inclui o uso de corticoides e
broncodilatadores, incluindo agentes adrenérgicos e anticolinérgicos inalados. Ainda, os
agonistas β2-adrenérgicos inalados de longa duração podem ser mais eficazes do que as
formas de curta duração da droga, sendo considerados redutores da adesão de bactérias
às células epiteliais das vias respiratórias, ao reduzirem o risco de exacerbações por
infecção.
Em pacientes com DPOC, a perda de peso é muito comum, mas ela está associada
a um pior prognóstico e menor sobrevida. A má nutrição, combinada com a DPOC, é
denominada de “síndrome da caquexia pulmonar”. Esta condição está relacionada com o
declínio acelerado do estado funcional do paciente, sendo um preditor independente de
mortalidade.
Já o Índice de Massa Corporal (IMC) está correlacionado inversamente com a
taxa de sobrevida dos pacientes: quanto maior a perda de peso corporal (menor IMC),
maior a chance de mortalidade. Pacientes com DPOC fazem maior esforço respiratório,
aumentando o gasto energético de repouso. Além disso, o quadro inflamatório
característico da doença, com produção exacerbada de muco e dispneia, leva o paciente
à anorexia, entrando, muitas vezes, em déficit calórico, o que leva à perda de peso e
desnutrição.
A tosse crônica e produtiva característica da doença, principalmente em período
de exacerbação, pode prejudicar a alimentação por via oral, ao favorecer o risco de
broncoaspiração da dieta, levando à pneumonia aspirativa. Em alguns casos, é necessário
suspender a alimentação via oral, realizando alimentação por via nasoenteral ou ostomia.

FÓRUM
Sugiro que você e seus colegas debatam, no FÓRUM, o seguinte questiona-
mento: Para além do tabagismo, quais são as profissões mais relacionadas ao
risco de desenvolvimento de DPOC? Descreva, também, de que forma a DPOC afeta o estado
nutricional dos pacientes.

97
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final de mais uma unidade, embora ainda tenhamos outros conteúdos
para estudar! Você aprendeu sobre alguns distúrbios que afetam o trato gastrointestinal
e o Sistema Respiratório. Foi possível perceber que todas as patologias estudadas
interferem no estado nutricional do paciente e, normalmente, de maneira negativa,
como, por exemplo, favorecer processos inflamatórios, aumentar o gasto energético de
repouso, reduzir o apetite, levar a prejuízos na digestão e absorção dos alimentos e, como
consequência, à perda de peso e à desnutrição.
Esclareceu-se que a doença de Crohn pode acometer o trato gastrointestinal, desde
a boca até o ânus, e que doenças como a gastrite e as úlceras pépticas exigem tratamento
medicamentoso, o qual pode prejudicar a absorção de vitamina B12, pois ela precisa da
acidez gástrica para ser liberada dos alimentos, além da associação com o fator intrínseco,
para ser absorvida no íleo.
Na Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), também há prejuízos na
alimentação e nutrição do paciente, associada com o aumento do gasto energético de
repouso e redução do consumo via oral, por conta da fisiopatologia da doença, que
envolve inflamação, tosse crônica e produtiva e dispneia.
Espera-se que, por meio desta análise, você reconheça o quanto é importante ao
nutricionista ter o conhecimento sobre a fisiopatologia das doenças e de seus respectivos
tratamentos, visto que a patologia interfere diretamente na conduta nutricional a ser
indicada.
É necessário manter-se estimulado a estudar mais ainda a respeito destas e de outras
doenças que acometem os Sistemas Digestório e Respiratório, uma vez que o profissional
da área da saúde precisa ampliar seus conhecimentos, estando continuamente atualizado.

98
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
EXERCÍCIO FINAL

01- [COMPREENSÃO] Analise as afirmações descritas abaixo, julgando-as verdadeiras


(V) ou falsas (F):

( ) A acalasia é um distúrbio causado pela falta de relaxamento do esfíncter piloro.


( ) A gastroparesia é um distúrbio gástrico comum em pacientes com neuropatia diabética,
caracterizado por retardo no esvaziamento gástrico.
( ) A hérnia hiatal pode ocorrer por deslizamento e na forma paraesofágica, sendo que
ambas as situações favorecem o refluxo gastroesofágico.
( ) A Doença de Crohn é caracterizada por lesões contínuas e transmurais, enquanto a
Retocolite Ulcerativa consiste em lesões segmentadas e limitadas à mucosa intestinal.
( ) As principais causas da Pancreatite Aguda são a obstrução dos ductos biliares e
pancreático, por cálculos biliares e consumo abusivo de álcool.

Assinale a alternativa que completa corretamente as lacunas acima:


a) V – V – F – V – F.
b) F – F – V – V – V.
c) V – V – V – V – F.
d) V – V – V – F – V.
e) F – V – V – F – V.

02- [COMPREENSÃO] A Pancreatite Aguda, diferentemente da Crônica, representa


um processo inflamatório reversível das células acinares pancreáticas. A maioria dos
casos de Pancreatite Aguda costuma ser leve e autolimitada, tendo boa recuperação
dentro de 2 a 3 dias, sem deixar sequelas ao órgão. Assinale qual das alternativas
abaixo explica melhor a patogênese da pancreatite aguda.

a) A Pancreatite Aguda Leve compromete a função endócrina do pâncreas, responsável


pela secreção de enzimas digestivas, as quais participam do processo digestivo na luz
intestinal.
b) A Pancreatite Aguda tem como patogenia a autodigestão, causada pela ativação
inadequada da tripsina, enzima responsável por ativar as demais enzimas digestivas,
resultando em processo inflamatório do pâncreas.

99
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
c) A pancreatite aguda tem como patogenia a autodigestão, ocasionada pela ativação
inadequada da lipase lipoproteica, enzima responsável por ativar as demais enzimas
digestivas, causando processo inflamatório do pâncreas.
d) A pancreatite aguda compromete a função exócrina do pâncreas, responsável pela
secreção de hormônios contrarregulatórios, como a insulina e o glucagon, levando a
quadros de hipo e hiperglicemia no indivíduo acometido.
e) As células acinares do pâncreas, responsáveis pela produção e secreção de
enzimas digestivas, são destruídas de forma irreversível na Pancreatite Aguda Leve,
comprometendo, de forma permanente, a função endócrina do pâncreas.

03- [COMPREENSÃO] A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é caracterizada


pela sobreposição da presença de Bronquite Crônica e Enfisema Pulmonar, sendo
sua principal causa o tabagismo crônico. Analise as afirmativas a seguir e assinale a
alternativa correta:

a) A secreção de citocinas pró-inflamatórias, como interleucinas e TNF-α, como resposta


à inflamação crônica, associada à tosse produtiva e dispneia, podem causar anorexia
no paciente com DPOC, levando a um desequilíbrio entre o consumo calórico e o gasto
energético, o que resulta em perda de peso e pior prognóstico.
b) A DPOC pode ser caracterizada pela presença de Enfisema Pulmonar, identificado com
alto grau inflamatório da doença, ou de Bronquite Crônica, caracterizada pela destruição
massiva e progressiva dos alvéolos pulmonares.
c) Na DPOC, deve ser utilizada a antibioticoterapia como forma profilática da doença,
evitando exacerbação por infecção bacteriana.
d) Uma vez que o paciente com DPOC exacerbado apresenta tosse crônica e produtiva,
deve-se aumentar o volume das refeições, a fim de fornecer um maior aporte calórico ao
paciente, evitando a perda de massa muscular.
e) O tabagismo é a principal causa da DPOC, de modo que sua cessação promove a
reversão completa dos danos causados ao pulmão e à capacidade de hematose pulmonar.

100
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Protocolo clínico e


diretrizes terapêuticas Doença de Crohn. Portaria conjunta nº 14, de 28 de novembro
de 2017.

CUPPARI, Lilian. Nutrição Clínica no Adulto. 3ª ed. Barueri, SP: Manole, 2014.

HAMMER, Gary D.; McPHEE, Stephen J. Fisiopatologia da Doença: uma introdução à


medicina clínica. 7ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.

LAURINO-NETO, Rafael Melillo et. al. Avaliação diagnóstica da acalasia do esôfago: dos
sintomas à classificação de Chicago. ABCD. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva
(São Paulo), v. 31, nº 2, 2018.

PORTH, Carol Mattson; MATFIN, Glenn, Fisiopatologia. 8ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2010. 2º v.

SILVA, Clarice Siqueira et. al. Abordagem nutricional em pacientes com doença
pulmonar obstrutiva crônica. Pulmão RJ, v. 19, nº 1-2, p. 40-44, 2010.

101
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
102
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
4
UNIDADE
DOENÇAS RENAIS,
HEPÁTICAS E DOENÇAS
CRÔNICAS NÃO
TRANSMISSÍVEIS
INTRODUÇÃO À UNIDADE

Chegamos à última unidade de estudos de nosso caderno! Mas isto não significa
que você encerrará por aqui seus estudos sobre a fisiopatologia, combinado?! Sugiro que
você acesse a biblioteca virtual na plataforma e aprofunde seu conhecimento sobre esta
disciplina tão importante para a sua formação acadêmica.
Na quarta unidade, entenderemos algumas doenças renais bastante frequentes,
como a famosa “pedra nos rins”, a insuficiência renal aguda e também a doença renal
crônica, a qual traz consequências muito sérias à saúde e à vida do paciente. Veremos,
também, algumas doenças crônicas não transmissíveis bastante prevalentes, como
a hipertensão arterial e o Diabetes Mellitus. Doenças estas que cada vez mais vêm se
manifestando entre a população mundial e aumentando os gastos com a saúde pública.
Estudaremos, ainda, sobre as alterações metabólicas causadas pelo câncer,
alterações que ocorrem na glândula tireoide, como o hipo e hipertireoidismo. Além
disso, compreender-se-ão algumas reações adversas causadas pelos alimentos como a
intolerância à lactose e a doença celíaca. É importante que você compreenda a diferença
fisiopatológica entre as duas manifestações, pois a doença celíaca mobiliza uma reação
imunológica, já a intolerância à lactose não.
Por fim, conheceremos algumas doenças hepáticas, como a Esteatose Hepática
(a popular gordura no fígado), a Cirrose e doenças das vias biliares, como a Colelitíase,
Colecistite, Coledocolitíase e a Colangite.
Ao final desta unidade, é esperado que você seja capaz de: conhecer a fisiopatologia
das doenças agudas e crônicas abordadas na unidade; compreender o diagnóstico e o
tratamento das doenças apresentadas; relacionar a fisiopatologia das doenças com o
estado nutricional do paciente; e associar a presença destas doenças com a alimentação,
nutrição e alterações do estado nutricional dos indivíduos.

104
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
4.1 DOENÇAS RENAIS

Os rins são órgãos pares, encapsulados, que possuem formato de feijão. Localizam-
se na parte posterior do abdômen superior, um de cada lado da coluna vertebral, no nível
da décima segunda vértebra torácica. Em um adulto, cada rim mede aproximadamente
de 10 a 12 cm de comprimento, 5 a 6 cm de largura e 2,5 cm de espessura, pesando cerca
de 113 g a 170 g cada.
Este órgão possui diversas funções, como a filtração do sangue, para retirar dele
substâncias que não são necessárias, ou que estão em excesso, excretando-as na urina,
ou então as reabsorvendo ao sangue. Os rins também fazem a regulação do equilíbrio
acidobásico, do volume dos líquidos corporais e regulam a pressão arterial, através do
sistema renina-angiotensina. Produzem, ainda, a eritropoetina, hormônio que estimula
a produção dos eritrócitos (hemácias).
O rim (Figura 29) é uma estrutura multilobular, que apresenta até 18 lobos. Cada
lobo é composto de néfrons, a unidade anatômica funcional do rim (Figura 30). O néfron
é constituído por um tufo de capilares, chamado glomérulo, local em que o sangue é
filtrado; e um túbulo renal, o qual reabsorve seletivamente o material do filtrado de
volta ao sangue, secretando substâncias do sangue para o filtrado, enquanto a urina
está sendo formada. Um glomérulo consiste em uma arteríola aferente e uma eferente
e um tufo de capilares interventores, revestidos por células epiteliais que formam uma
camada contínua com as da cápsula de Bowman e o túbulo renal. Cada rim humano tem
aproximadamente 1 milhão de néfrons.
A diminuição da função renal, ou insuficiência renal, é uma condição patológica
que leva a um acúmulo de ureia sérica e a uma incapacidade de manter o equilíbrio
acidobásico, de eletrólitos e água no sangue. O paciente com insuficiência renal apresenta
um quadro chamado de uremia, causado pelo acúmulo de ureia, creatinina e outras
toxinas no sangue, que, não sendo tratado adequadamente, pode levar o paciente ao
óbito. A insuficiência renal pode ocorrer como distúrbio agudo ou crônico, dependendo
da sua etiologia.

105
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 29 - Estrutura Anatômica do Rim.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

Figura 30 - Estrutura Anatômica do Néfron, Unidade Funcional dos Rins.


Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

106
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
4.1.1 Litíase Renal

A Litíase Renal ou Cálculo Renal (conhecido popularmente como “pedra nos rins”)
são agregados policristalinos, compostos por substâncias normalmente excretadas pelos
rins, através da urina. Acredita-se que a etiologia dos cálculos renais seja complexa e
multifatorial, incluindo o aumento dos níveis sanguíneos e urinários dos componentes
dos cálculos e interações entre estes componentes, alterações anatômicas nas estruturas
do trato urinário, influências metabólicas e endócrinas, fatores dietéticos e de absorção
intestinal e infecção do trato urinário.
A formação dos cálculos renais necessita de uma urina supersaturada, de um núcleo
para facilitar a agregação dos cristais e de um ambiente que possibilite o crescimento do
cálculo. Ou seja, esta formação é influenciada pela concentração dos componentes do
cálculo na urina, pela capacidade dos componentes de se reunir em complexos e formar
“pedras”, e pela presença de substâncias que inibem a formação destes cálculos.
O risco da formação de cálculo aumenta, quando a urina está supersaturada com
componentes do cálculo, tais como: sais de cálcio, ácido úrico, fosfato de magnésio-
amônio, cistina. A supersaturação depende do pH da urina, da concentração de solutos,
da força iônica e da complexação (formação de complexos). Quanto maior a concentração
de dois íons, maior a probabilidade de sofrerem precipitação.
Na urina supersaturada, a formação de cálculos começa com pequenos agregados de
cristais, como o oxalato de cálcio. A maioria dos pequenos agregados tende a se dispersar.
Os agregados maiores de íons formam núcleos e permanecem estáveis, podendo crescer
até formar o cálculo.
Algumas pessoas apresentam supersaturação da urina, porém não formam cálculos.
Acredita-se que isto possa resultar da presença de inibidores naturais dos cálculos,
incluindo o magnésio, o citrato e a mucoproteína de Tamm-Horsfall. No entanto, a
manipulação destes inibidores naturais não faz parte da prática clínica, exceto do citrato.
O citrato é um subproduto normal do ciclo do ácido cítrico nas células renais, o
qual reduz a supersaturação da urina, por meio de sua ligação ao cálcio e inibição da
nucleação e crescimento de cristais de cálcio. O jejum prolongado é um exemplo de
situação metabólica que consome o citrato, reduzindo sua concentração na urina. Pode-
se utilizar a suplementação de citrato na forma de citrato de potássio, para o tratamento
de algumas formas de cálculos renais hipocitratúricos.
A desidratação favorece a formação de cálculos. A alta ingestão de líquidos, para

107
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
manter um volume urinário diário de 2 litros ou mais, parece ser protetora. Supõe-
se que, neste caso, há maior diluição de substâncias que predispõem a formação dos
cálculos e menor tempo de trânsito do cálcio pelo néfron, minimizando a probabilidade
de precipitação deste mineral.
Uma dieta rica em proteínas pode predispor a formação de cálculos em indivíduos
suscetíveis. Uma sobrecarga proteica na dieta causa acidose metabólica transitória,
favorecendo a reabsorção óssea para liberação de cálcio no sangue, a fim de equilibrar
o pH sanguíneo. Além disso, leva ao aumento na Taxa De Filtração Glomerular (TFG)
para excretar os subprodutos do metabolismo das proteínas, como a ureia, por exemplo.
O excesso de proteína na dieta pode favorecer a formação de cristais de ácido úrico, em
indivíduos com história de doença renal.
Dieta rica em sódio também pode predispor o indivíduo ao aumento da excreção
urinária de cálcio e à formação de cálculos de oxalato de cálcio. No entanto, a relação dos
componentes dietéticos e a Nefrolitíase serão discutidos mais detalhadamente em outra
disciplina do curso.
Os cálculos renais podem ter formações diferentes, sendo eles: os Cálculos de
Cálcio (oxalato de cálcio e fosfato de cálcio), os Cálculos de Fosfato de Magnésio-amônio,
os Cálculos de Ácido Úrico e os Cálculos de Cistina.
A maioria dos cálculos renais é formada de cálcio (oxalato ou fosfato de cálcio,
ou uma combinação dos dois materiais), sendo 70% a 80% dos casos de Nefrolitíase
(lembre-se de interpretar os termos pelo prefixo e sufixo: nefro= néfron, parte funcional
dos rins, e litíase = cálculo, “pedra” ou seja: pedra nos rins). Em geral, os cálculos de
cálcio estão associados a concentrações elevadas de cálcio no sangue e na urina, assim
como as concentrações elevadas de oxalato no sangue e na urina predispõem à formação
de cálculos de oxalato de cálcio.
A manifestação clínica da Nefrolitíase se dá, principalmente, por dor em cólica
renal aguda. A formação de cálculo renal por si só, dentro da pelve renal, é indolor, até que
um fragmento do cálculo se desloque ao ureter, causando obstrução do fluxo urinário. A
intensidade da dor está relacionada com o grau de distensão que o cálculo promove no
ureter, sendo extremamente forte na obstrução aguda. Podem ocorrer também náuseas
e vômitos por conta da dor excessiva.
O diagnóstico baseia-se na sintomatologia e em exames diagnósticos, como: exame
de urina, radiografia simples, pielografia intravenosa e ultrassonografia do abdômen. Os
cálculos, em sua maioria, são facilmente visíveis em uma radiografia simples do abdômen.
O tratamento da Nefrolitíase consiste em impedir sua recidiva. A prevenção de
novas crises exige investigação da etiologia do cálculo, utilizando exames de urina,
exames de sangue e análise do cálculo expelido. Durante o momento agudo de crise

108
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
por cálculo renal, habitualmente, é feita analgesia intravenosa para aliviar as dores e,
nos casos de ITU, realiza-se, também, a antibioticoterapia. A maioria dos cálculos com
menos de 5 mm de diâmetro é eliminada espontaneamente. Toda urina deve ser coletada
durante uma crise, a fim de recuperar o cálculo para análise química e determinação da
sua formação, essenciais para prevenir recidivas.

4.1.2 Insuficiência Renal Aguda

A Insuficiência Renal Aguda (IRA) representa um rápido declínio da função renal,


suficiente para aumentar os níveis sanguíneos de produtos nitrogenados e comprometer
o equilíbrio hidroeletrolítico. É uma condição potencialmente reversível, caso os agentes
causadores possam ser corrigidos ou removidos, antes que ocorra lesão renal permanente.
O indicador mais comum da IRA é a azotemia, classificada como o acúmulo
de produtos nitrogenados no sangue (nitrogênio proveniente da ureia, ácido úrico e
creatinina), e a diminuição da TFG. A creatinina apresenta elevação sérica de 0,3 mg/
dL ou mais, dentro de um período de 48h. Em alguns casos, o paciente pode apresentar
uma queda no débito urinário, conhecida como oligúria, a menos de 0,5ml/kg/h, por
pelo menos 6h. Em formas mais leves da IRA, o volume urinário pode se manter normal.
A IRA pode ser causada por diversos fatores, incluindo aqueles que promovem a
redução do fluxo sanguíneo renal sem lesão isquêmica, lesão tubular isquêmica, tóxica
ou obstrutiva e obstrução do trato urinário, inclusive por presença de cálculo renal. São
exemplos de causas da IRA: hipovolemia por hemorragia, desidratação, perda excessiva
de líquidos no trato gastrointestinal, perda excessiva de líquidos por queimaduras
graves, choque anafilático, choque séptico, insuficiência cardíaca e choque cardiogênico,
diminuição da perfusão renal por sepse, exposição a agentes nefrotóxicos, metais pesados
e solventes orgânicos, pielonefrite, obstrução uretral bilateral. As causas da IRA podem
ser pré-renais, inter-renais e pós-renais.
A IRA pré-renal constitui a forma mais comum, sendo caracterizada por uma
acentuada redução do fluxo sanguíneo renal, por exemplo: hemorragia e perda acentuada
de volume de líquido extracelular, comprometimento da perfusão renal, devido à
insuficiência cardíaca e choque cardiogênico, e diminuição do enchimento vascular,
devido a um aumento da capacidade vascular por anafilaxia ou sepse. Agentes de

109
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
contraste radiológico, como aqueles usados para o cateterismo, estimulam uma intensa
vasoconstrição intrarrenal e podem induzir hipoperfusão glomerular e insuficiência pré-
renal. Esta condição é conhecida como Nefropatia Induzida por Contraste.
O tratamento da IRA depende do seu fator etiológico, mas basicamente consiste
em neutralizar o agente causador da insuficiência renal.

SAIBA MAIS
Sugiro que você visite o site da Sociedade Brasileira de Nefrologia e conheça
mais detalhes sobre a Insuficiência Renal Aguda.
Acesse o link: https://www.sbn.org.br/orientacoes-e-tratamentos/doencas-comuns/insufi-
ciencia-renal/.

4.1.3 Doença Renal Crônica

A Doença Renal Crônica (DRC), diferentemente da IRA, representa o declínio


progressivo da função renal, devido à perda irreversível de néfrons. A TFG é considerada
a melhor medida para avaliar a função renal, pois ela é a medida de depuração das
substâncias que são normalmente filtradas pelos glomérulos e excretadas na urina.
A DRC é definida pela presença de lesão renal e/ou TFG < 60mL/min/1,73 m²,
durante três meses ou mais. Esta patologia pode resultar de diversas condições que
provocam perda permanente dos néfrons, tais como: Diabetes Mellitus, Hipertensão
Arterial, Glomerulonefrite, Lúpus Eritematoso Sistêmico e Doença Renal Policística. O
Diabetes Mellitus e a Hipertensão Arterial constituem, atualmente, as duas principais
causas de DRC (Sociedade Brasileira de Nefrologia, 2020).
O estágio final da DRC é conhecido como insuficiência renal crônica, em que o
paciente apresenta TFG < 15 mL/min/1,73 m², habitualmente acompanhada pela maioria

110
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
dos sinais e sintomas de uremia, havendo a necessidade de iniciar uma terapia renal
substitutiva, seja ela diálise ou transplante renal.
A National Kidney Foundation (NKF) utiliza a TFG para classificar a DRC em cinco
estágios, começando com lesão renal, com TFG normal ou elevada, progredindo para DRC
e potencialmente para Insuficiência Renal Crônica (estágio final da doença). Observe o
quadro abaixo, para compreender o estadiamento da Doença Renal Crônica.

Quadro 5 - Estadiamento da Doença Renal Crônica, conforme proposto pela National Kidney Foundation
(2020)
ESTÁGIOS DE ALBUMINÚRIA (MG/G)
A1 A2 A3
Normal a levemen- Moderadamente Gravemente
te aumentada aumentada aumentada
< 30 30 a 300 > 300
Normal ou
1 ≥ 90 1. Baixo risco 2. Monitorar 3. Encaminhar
elevada
Estágios de TFG (mL/min/1,73m²)

2 Redução leve 89 a 60 1. Baixo risco 2. Monitorar 3. Encaminhar

Redução leve a
3a 59 a 45 2. Monitorar 3. Monitorar 4. Encaminhar
moderada
Redução mode-
3b 44 a 30 3. Monitorar 4. Monitorar 4. Encaminhar
rada a grave

4 Redução grave 29 a 15 4. Encaminhar 4. Encaminhar 5. Encaminhar

5 Falência renal < 15 5. Encaminhar 5. Encaminhar 5. Encaminhar

* 1: Baixo risco (monitorar 1x/ano se DRC); 2: risco moderadamente aumentado (monitorar 1x/ano); 3:
alto risco (monitorar 2x/ano); 4: risco muito alto (monitorar 3x/ano); 5: risco muito alto (monitorar 4x/
ano ou mais).
Fonte: Adaptado pela autora (2020), a partir de Calixto-Lima; Gonzalez (2017).

O valor normal da TFG varia de acordo com idade, sexo e tamanho corporal. Em
adultos jovens e sadios, o valor normal é de aproximadamente 120 a 130 mL/min/1,73m²,
sendo que a TFG diminui naturalmente com o avançar da idade, mesmo que o indivíduo
não apresente doença renal.
Independentemente da sua causa, a DRC representa uma perda irreversível de

111
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
néfrons dos rins, com deterioração progressiva da filtração glomerular, da capacidade
de reabsorção tubular e das funções endócrinas dos rins. Todas as formas de DRC se
caracterizam por uma redução da TFG, refletindo uma diminuição correspondente no
número de néfrons funcionais.
Tipicamente, a DRC é silenciosa, os sinais e sintomas ocorrem de modo gradual e
só se tornam evidentes, quando a doença já está muito avançada, o que acontece, devido
à surpreendente capacidade compensatória dos rins. À medida que as estruturas renais
são destruídas, os néfrons remanescentes sofrem hipertrofia estrutural e funcional,
aumentando sua função na tentativa de compensar os néfrons que foram perdidos.
Somente quando os poucos néfrons remanescentes são destruídos, as manifestações da
insuficiência renal se tornam evidentes.
Como os néfrons remanescentes acabam suportando um fardo funcional muito
maior para compensar as perdas, há um aumento da pressão de filtração glomerular e
hiperfiltração. Por motivos não bem compreendidos, tal hiperfiltração compensatória
predispõe os néfrons à fibrose e retração cicatricial, conhecida como esclerose
glomerular. Como resultado deste processo, há maior destruição e perda funcional de
néfrons, aumentando a progressão da DRC.
Os rins têm uma grande reserva funcional, sendo que até 50% dos néfrons podem
ser perdidos, sem qualquer evidência de deficiência funcional a curto prazo. Justamente
por isso, indivíduos com dois rins sadios podem doar um deles para transplante e
continuar vivendo de forma saudável.
O tratamento da DRC é realizado por meio do manejo dietoterápico conservador
(o qual discutiremos com mais detalhes em outra disciplina), a fim de evitar ou retardar
a velocidade de destruição dos néfrons. Quando o paciente se encontra em estágio de
falência renal (TFG < 15 mL/min/1,73m²), o tratamento é feito através de terapia renal
substitutiva: diálise ou transplante renal. A escolha entre um ou outro tratamento é
determinada por idade, comorbidades, disponibilidade de doador e preferências pessoais.
A diálise mantém a vida dos pacientes que não são candidatos ao transplante renal,
e daqueles que estão aguardando um transplante. Existem duas amplas categorias de
diálise: a Hemodiálise e a Diálise Peritoneal.

112
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
4.1.3.1 Hemodiálise

A Hemodiálise ou Rim Artificial tem a função de purificar o sangue do paciente


com insuficiência renal. Ela consiste em três partes: um sistema de entrega de sangue, um
dialisador e um sistema de liberação de líquido da diálise. O dialisador é habitualmente
um cilindro oco, composto de feixes de tubos capilares, através dos quais circula o
sangue, enquanto o dialisato circula por fora dos tubos. As paredes dos tubos capilares
na câmara de diálise são compostas de uma membrana semipermeável, que possibilita o
movimento livre de todas as moléculas em ambas as direções (do sangue para a solução
de diálise e vice-versa), exceto das células sanguíneas e proteínas plasmáticas.
A direção do fluxo é determinada pela concentração de substâncias contidas
nas duas soluções. Os produtos do nosso metabolismo e os eletrólitos em excesso no
sangue normalmente se difundem para o dialisato. Se houver necessidade de repor ou de
acrescentar substâncias ao sangue, elas podem ser adicionadas ao dialisato.
Durante a diálise, o sangue move-se de uma artéria através do tubo e da câmara
sanguínea na máquina de diálise, é purificado e retorna ao corpo do paciente através de
uma veia (Figura 31). O acesso ao sistema vascular é feito por meio de uma derivação
arteriovenosa externa, ou, mais comumente, através de uma fístula arteriovenosa
interna (anastomose de uma veia para uma artéria, habitualmente no antebraço) (Figura
32). Utiliza-se heparina, para impedir a coagulação do sangue durante a diálise, podendo
ser administrada de modo contínuo ou intermitente.

113
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 31 - Processo de Hemodiálise, para purificação do sangue.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

Figura 32 - Fístula para hemodiálise. União de uma artéria a uma veia, através de procedimento cirúrgico.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

Os problemas que podem ocorrer durante a diálise incluem hipotensão, náusea,


vômito, câimbras musculares, cefaleia, dor torácica e síndrome de desequilíbrio. A
maioria dos pacientes é submetida à diálise três vezes por semana, durante 3 a 4 horas.

114
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
SUGESTÃO DE VÍDEO
Para melhorar sua compreensão sobre o processo de hemodiálise, sugiro que
você assista ao seguinte vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=di8QvYtOJyk.

4.1.3.2 Diálise Peritoneal

A Diálise Peritoneal é outra alternativa de terapia renal substitutiva, à qual os


mesmos princípios de difusão (osmose e ultrafiltração) aplicados à hemodiálise também
se aplicam. A membrana serosa fina da cavidade peritoneal, chamada de peritônio, serve
como membrana da diálise. Um cateter permanente é implantado cirurgicamente na
cavidade peritoneal, abaixo do umbigo, para proporcionar o acesso.
O processo de diálise envolve a instilação de uma solução de diálise estéril (1 a
3L) através do cateter, durante aproximadamente 10 minutos. Em seguida, a solução
permanece na cavidade peritoneal, e os produtos finais do metabolismo e o líquido
extracelular difundem-se para a solução da diálise. Por fim, o líquido de diálise é drenado
para fora da cavidade peritoneal por gravidade, em uma bolsa estéril. A glicose contida na
solução de diálise é responsável pela remoção da água por osmose (Figura 33).

115
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 33 - Diálise Peritoneal.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

A diálise peritoneal pode ser efetuada em casa ou em um centro de diálise. Os


problemas potenciais com a diálise peritoneal incluem: infecção (peritonite), mau
funcionamento do cateter, desidratação causada pela remoção excessiva de líquidos,
hiperglicemia e hérnia, e a complicação mais grave neste caso consiste na possibilidade
de gerar uma infecção.

SUGESTÃO DE VÍDEO
Para melhorar sua compreensão sobre o processo de diálise peritoneal, sugiro que
você assista ao seguinte vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=7xU7m1NhlhU.

FÓRUM
Debata com seus colegas no fórum sobre os prós e contras da hemodiálise e
da diálise peritoneal.

116
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
4.2 HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA (HAS)

Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é uma condição clínica multifatorial,


caracterizada por elevação sustentada dos níveis pressóricos ≥ 140 e/ou 90 mmHg
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA, 2016). Esta doença pode ser dividida em
primária (ou essencial) e secundária. A hipertensão primária refere-se aos casos em que
não se identifica nenhuma causa aparente. Na hipertensão secundária, a elevação da
pressão sanguínea resulta de alguma outra doença, como, por exemplo, a doença renal.
Com frequência, a HAS é agravada pela presença de outras comorbidades, como
a Dislipidemia, a Obesidade e o Diabetes Mellitus. Esta patologia mantém associação
independente com eventos como: morte súbita, Acidente Vascular Encefálico (AVE),
Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), Insuficiência Cardíaca (IC), Doença Arterial Periférica
(DAP) e Doença Renal Crônica (DRC), fatal e não fatal (Sociedade Brasileira de Cardiologia,
2016).
Há fatores ambientais, comportamentais e genéticos que exercem uma grande
participação no desenvolvimento da HAS. Como fatores comportamentais, podemos
citar: o tabagismo, consumo excessivo de álcool, maus hábitos alimentares, consumo
de dieta rica em sódio e a obesidade. A HAS é mais comum em homens jovens do que
em mulheres jovens, em negros (em comparação aos brancos), em pessoas de grupos
socioeconômicos mais baixos e em pessoas mais idosas.
A causa mais comum da HAS é a resistência vascular periférica aumentada. No
entanto, a pressão arterial é igual à resistência periférica total, vezes o débito cardíaco.
Sendo assim, aumentos prolongados do débito cardíaco também podem causar
hipertensão. Um exemplo relacionado com o que acabamos de estudar sobre as doenças
renais são os indivíduos com aumento da volemia por insuficiência renal. Estes são
candidatos a apresentar aumento da pressão arterial.
A HAS, por si só, é silenciosa. Sintomas como cefaleia, fadiga e tontura são
frequentemente atribuídos à hipertensão, porém são sintomas bastante gerais e
inespecíficos. Normalmente, a pressão arterial elevada é descoberta durante triagem
de rotina, ou quando os pacientes buscam atendimento médico por suas complicações,
como: IAM, IC, AVE e Insuficiência Renal.
O tratamento da HAS compreende dois tipos de abordagem: terapia medicamentosa
e mudança no estilo de vida. A intervenção dietoterápica faz parte do conjunto de
medidas terapêuticas não farmacológicas, que têm como principal objetivo diminuir a

117
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
morbimortalidade, por meio de modificações do estilo de vida do paciente.
A manutenção de peso saudável, com redução de peso, quando necessário, é a
maneira não farmacológica mais efetiva para controlar a HAS, sendo que pequenas
reduções de peso diminuem significativamente a pressão arterial, bem como os riscos de
eventos cardiovasculares.
De acordo com a Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2017), ocorre uma
diminuição de 20% a 30% da pressão arterial para cada perda ponderal de 5%. A
recomendação é de manter o IMC < 25 kg/m² até os 65 anos, e IMC < 27 kg/m² após os
65 anos. Ainda, manter circunferência abdominal < 80 cm em mulheres e < 94 cm em
homens.
O tratamento farmacológico da HAS é feito com bloqueadores beta-adrenérgicos,
inibidores do sistema renina-angiotensina, inibidores de canal de cálcio e diuréticos. Estas
medicações reduzem a pressão arterial, geralmente para níveis normais. A utilização da
medicação é importante para retardar ou prevenir as complicações da pressão elevada,
aumentando a expectativa de vida do paciente.
No entanto, a medicação não é curativa, pois a hipertensão primária é como o
diabetes, por exemplo, que pode ser controlada, mas não curada, por ser uma doença
crônica. Já no caso da HAS secundária, que está relacionada com outra doença de base,
é necessário melhorar o estilo de vida do paciente, promovendo mudanças em seus
hábitos alimentares, nível de atividade física, encorajando-se a cessação do tabagismo e
a redução do consumo de bebidas alcoólicas.

4.3 NEOPLASIAS

Antes de começarmos a falar sobre as neoplasias, sugiro que você faça uma releitura
da unidade 4 do seu caderno da disciplina de Patologia, a qual aborda um capítulo inteiro
sobre neoplasias. Como você já teve contato com o estudo das neoplasias na disciplina
de Patologia, abordaremos aqui assuntos mais relacionados ao câncer, alterações
metabólicas e o estado nutricional do paciente.
O termo Neoplasia comumente é utilizado para se referir a tumores, embora eles não
sejam sinônimos. As neoplasias, em geral, são classificadas como benignas ou malignas.

118
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
As neoplasias benignas contêm células bem diferenciadas, aglomeradas em uma
massa bem solitária. Geralmente, não levam à morte, a menos que sua localização ou o
seu tamanho interfiram nas funções vitais.
Já as neoplasias malignas, sinônimo de câncer, possuem células bem menos
diferenciadas, e apresentam a capacidade de se desprender do seu local de origem,
chegando ao sistema circulatório ou linfático e formando tumores malignos em outros
locais do corpo. O reconhecimento de franca malignidade de um tumor por exame físico
ou estudo de imagem requer a presença no corpo de cerca de 1 bilhão de células malignas.
As neoplasias malignas frequentemente provocam sofrimento e morte, caso não sejam
tratadas ou controladas.
O processo de neoplasia é um resultado de alterações progressivas da função celular.
Estas alterações fenotípicas conferem os potenciais proliferativo, invasivo e metastático
que constituem a marca do câncer.

4.3.1 Alterações Metabólicas no Câncer

O desenvolvimento e crescimento do tumor produzem uma série de alterações


no metabolismo energético e no metabolismo dos macronutrientes compatíveis com
o estresse metabólico causado pelo câncer. No início do desenvolvimento do tumor, a
maioria dos pacientes não apresenta nenhum sintoma ou alteração, porém, dependendo
da localização do tumor e da taxa de crescimento, pode causar anorexia e aumento do
gasto energético, por conta de seu crescimento e produção de citocinas.
As citocinas são produzidas por diferentes células do Sistema Imune. Sua produção
é desencadeada, quando as células são ativadas por diferentes estímulos, como o câncer,
estando associadas diretamente às alterações metabólicas durante seu desenvolvimento.
As principais citocinas geradas pelo tumor são: o Fator Mobilizador de Lipídios (LMF), o
Fator Mobilizador de Proteínas (PMF) e o Fator Indutor de Proteólise (PIF). Já o hospedeiro
produz várias citocinas, sendo as mais estudadas, no câncer, as Interleucinas 1 e 6 (IL-1
e IL-6), o Fator de Necrose Tumoral Alfa (TNF-alfa), Interferon Gama (IFN-gama) e Fator
Transformante de Crescimento Beta (TGF-beta).
A IL-1 e TNF-alfa têm sido associadas à anorexia, no câncer, provavelmente pelo

119
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
aumento do hormônio liberador de Corticotropina (CRH), um neurotransmissor do
Sistema Nervoso Central que suprime a ingestão alimentar. A IL-1 também bloqueia o
neuropeptídeo Y (NPY) com função orexígena, reduzindo a ingestão alimentar. Tanto
IL-1 quanto TNF-alfa foram associadas com a perda de massa muscular. A IL-6 aumenta a
expressão de vários oncogêneses e a de proteína de fase aguda, como a proteína C reativa
(PCR), relacionada à ativação do estado inflamatório.
Provavelmente, estas citocinas têm efeito sinérgico, ocasionando anorexia,
aumento da taxa metabólica basal e perda de massa muscular no paciente oncológico.
Ainda, a célula tumoral utiliza a glicose como nutriente essencial, aumentando a produção
endógena e o turnover de glicose. Ela tem preferência em utilização do metabolismo
anaeróbico, mesmo na presença de oxigênio, com formação de lactato, que gasta mais
energia para produzir uma quantidade muito menor de ATP, quando comparado com o
metabolismo aeróbico (ciclo de Krebs). Este processo é conhecido como efeito Warburg.
A fim de suprir a necessidade de energia e crescimento tumoral, há estímulos para
o aumento da disponibilidade de glicose, por meio da neoglicogênese. Ocorre, assim, a
ativação de mecanismos, como: o ciclo de Cori, produção de lactato muscular, proteólise,
degradação da proteína muscular, resistência periférica à insulina e hiperglicemia, tudo
com objetivo de fornecer mais glicose para o tumor.
A proteólise e a degradação de proteína muscular causam depleção da massa
muscular corporal, com consequente perda de peso e sarcopenia (processo progressivo
de perda de massa muscular). A presença de citocinas pró-inflamatórias e a ativação do
estado inflamatório levam à diminuição da síntese de proteínas musculares e circulantes
(como a albumina, pré-albumina e transferrina) e aumentam a síntese de proteínas de
fase aguda, como a PCR, que tem seu nível sérico aumentado em pacientes com câncer
avançado e metastático.

4.3.2 Câncer e o Estado Nutricional

O grau de desnutrição dos pacientes com câncer dependerá do tipo de tumor,


localização e estágio da doença, dos órgãos acometidos, dos tipos de terapias antitumorais
utilizadas e da resposta do paciente ao tratamento.

120
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Quando o processo de desnutrição está associado à anorexia, produção de citocinas,
aumento do gasto energético, ativação do estado inflamatório, hipoalbuminemia e perda
grave de peso, é chamada de caquexia do câncer, ou Síndrome Anorexia-caquexia.
A caquexia pode ser classificada como uma síndrome multifatorial, caracterizada
pela perda de massa muscular, com ou sem perda de tecido adiposo, que não pode ser
revertida com suporte nutricional convencional, acarretando progressiva disfunção
orgânica. Sua fisiopatologia é caracterizada pelo balanço energético e nitrogenado
negativo, anorexia e alterações metabólicas (hipermetabolismo). Para qualquer tipo de
tumor, a sobrevida do paciente é menor naqueles que perdem peso, antes de iniciar o
tratamento.
Os pacientes oncológicos são pacientes de risco nutricional, ou seja, eles correm
risco de se tornarem desnutridos e, consequentemente, apresentarem pior resposta ao
tratamento, refletindo em pior prognóstico. O nutricionista tem papel muito importante
no acompanhamento do paciente oncológico. As formas de avaliação nutricional e a
dietoterapia recomendada nesta patologia serão assuntos abordados nas próximas
disciplinas do curso.

4.3.3 Tratamento

A partir da confirmação do diagnóstico do câncer, o tratamento deverá ser definido


pelo oncologista, podendo ocorrer de quatro formas principais, sendo elas realizadas
separadamente ou em combinação: remoção do tumor por cirurgia, quimioterapia,
radioterapia e transplante de células-tronco hematopoiéticas. É comum o paciente fazer
o uso de duas ou mais terapias combinadas, como, por exemplo, remoção inicial do
tumor por cirurgia e realização de quimioterapia.
A terapia nutricional faz parte de todo o tratamento do paciente oncológico. O
suporte nutricional é imprescindível para preservar ou recuperar o estado nutricional do
paciente, melhorando sua adesão e resposta ao tratamento, a fim de refletir em melhor
prognóstico clínico.

121
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
4.4. DIABETES MELLITUS

O Diabetes Mellitus (DM) é um distúrbio metabólico caracterizado por hiperglicemia


persistente (aumentos dos níveis de glicose no sangue), como consequência da deficiência
na produção de insulina, da atuação deste hormônio, ou ainda ambos os mecanismos. A
insulina é um hormônio essencial, produzido e secretado pelas células beta do pâncreas,
cuja função é transportar a glicose circulante da corrente sanguínea para o interior das
células do corpo, onde a glicose é utilizada como fonte de energia (INTERNATIONAL
DIABETES FEDERATION, 2017).
A hiperglicemia persistente está associada a complicações crônicas micro e macro
vasculares, aumento de morbidade, redução da qualidade de vida e elevação da taxa de
mortalidade (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2019-2020).
Caso esta condição clínica não seja controlada de maneira adequada, pode causar
complicações e o comprometimento de vários órgãos, sendo mais comum no diabetes as
doenças cardiovasculares, neuropatia, nefropatia e doença ocular, podendo evoluir para
retinopatia e cegueira (BORGHETTI et al., 2018; HAMMES, 2018; HARDING et al., 2019).
O DM se apresenta em três formas principais, sendo elas: DM do tipo 1, DM do tipo 2
e DM gestacional. Formas mais raras se apresentam como: DM neonatal, DM monogênico
MODY (Maturity Onset Diabetes of the Young), secundário a endocrinopatias, secundário
a medicamentos, secundário a doenças do pâncreas exócrino, secundário a infecções.
Abordaremos, nesta seção, apenas as três manifestações principais do DM, conforme
relatado pelos estudos da SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES (SBD), nos anos de
2019 e 2020.
Na maioria dos casos de pré-diabetes ou diabetes, a condição é assintomática e
o diagnóstico é feito com base em exames laboratoriais. A condição na qual os valores
glicêmicos estão acima dos valores de referência, mas ainda abaixo dos valores
diagnósticos de DM, denomina-se pré-diabetes (SBD, 2019-2020).
O quadro a seguir apresenta os critérios laboratoriais para normoglicemia, pré-
diabetes e diabetes estabelecido, os quais foram adotados pela SBD.

122
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Quadro 6 - Critérios Laboratoriais para Diagnóstico de DM adotados pela SBD
Glicose 2 horas após
Glicose em jejum (mg/
sobrecarga com 75 g HbA1c* (%)
dL)
de glicose (mg/dL)
Normoglicemia < 100 < 140 < 5,7
Pré-diabetes ou risco
≥ 100 e < 126 ≥ 140 e < 200 ≥ 5,7 e < 6,5
aumentado para DM
Diabetes estabelecido ≥ 126 ≥ 200 ≥ 6,5
* HbA1c = Hemoglobina Glicada. Exame bioquímico que reflete a média glicêmica do paciente, referente
aos últimos 3 a 4 meses.
Fonte: Adaptado pela autora (2021), a partir de SBD (2019-2020).

SAIBA MAIS
Sugiro que, para aprofundar seus conhecimentos sobre o Diabetes Mellitus,
uma doença bastante prevalente na população brasileira e mundial, você aces-
se o documento sobre as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2019-2020), no link a
seguir: https://www.diabetes.org.br/profissionais/images/DIRETRIZES-COMPLETA-2019-2020.pdf.

4.4.1 Diabetes Mellitus do tipo 1

O Diabetes Mellitus do Tipo 1 (DM1) é uma doença autoimune, poligênica


(determinada por vários pares de genes), decorrente de destruição das células
β-pancreáticas, ocasionando deficiência completa na produção de insulina (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE DIABETES, 2019-2020). Ainda, o DM do tipo 1 subdivide-se em: DM do
tipo 1A e DM do tipo 1B.
No DM do tipo 1A há deficiência de insulina por destruição autoimune das células,
comprovada por exames laboratoriais pela presença de anticorpos. Já no DM tipo 1B há
deficiência de insulina de natureza idiopática (sem razão aparente). O DM do tipo 1A é a
forma mais comum do DM tipo 1. Em diferentes populações, descreve-se forte associação

123
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
do DM do tipo 1 com antígeno leucocitário humano (Human Leukocyte Antigen, HLA)
DR3 e DR4 (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2019-2020).
A prevalência deste tipo de diabetes (DM do tipo 1 em geral) corresponde somente
a 5% - 10% de todos os casos de DM. É mais frequentemente diagnosticado em crianças,
adolescentes e, em alguns casos, em adultos jovens, afetando igualmente homens e
mulheres (SBD, 2019-2020).
Como o DM do tipo 1 se caracteriza pela produção insuficiente de insulina, o
tratamento medicamentoso depende da reposição deste hormônio. Ou seja, os pacientes
são insulinodependentes. Cada paciente recebe seu esquema de insulina com base no
estabelecimento de alvos glicêmicos pré e pós-prandiais. Em todas as faixas etárias, a
reposição da insulina deve tentar atingir o perfil mais próximo possível do fisiológico
(SBD, 2019-2020).

4.4.2 Diabetes Mellitus do tipo 2

O Diabetes Mellitus do Tipo 2 (DM2) corresponde a 90% - 95% de todos os casos


de DM. Ele possui etiologia complexa e multifatorial, envolvendo componentes genético
e ambientais. No contexto dos fatores ambientais, destacam-se como os principais
fatores de risco os maus hábitos alimentares e o sedentarismo. São considerados, ainda,
fatores de risco para o desenvolvimento de DM2: história familiar da doença, obesidade,
avançar da idade, diagnóstico prévio de pré-diabetes ou DM Gestacional e a presença
de componentes da síndrome metabólica, tais como hipertensão arterial e dislipidemia
(SBD, 2019-2020).
O desenvolvimento e a manutenção da hiperglicemia ocorrem concomitantemente
com hiperglucagonemia, resistência dos tecidos periféricos à ação da insulina, aumento
da produção hepática de glicose, disfunção incretínica, aumento de lipólise e consequente
aumento de ácidos graxos livres circulantes, aumento da reabsorção renal de glicose e
graus variados de deficiência na síntese e na secreção de insulina pela célula β pancreática
(SBD, 2019-2020). A fisiopatologia do DM2 não apresenta indicadores específicos da
doença, como no DM1. Em pelo menos 80% a 90% dos casos, associa-se ao excesso de
peso e a outros componentes da síndrome metabólica (SBD, 2019-2020).

124
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Em relação ao tratamento do DM2, deve-se orientar a mudança no estilo de vida do
paciente. Sabe-se que a importância da terapia nutricional tem sido enfatizada desde a
sua descoberta. No entanto, além do manejo dietético recomendado para o controle do
DM2, há também a necessidade de controle e manutenção do peso corporal adequado.
É dado na literatura que grande parte dos portadores de DM2 apresenta excesso de peso
(sobrepeso ou obesidade), e sabe-se, também, que a manutenção do peso adequado pode
melhorar a sensibilidade à insulina e o controle da glicemia (SBD, 2019-2020).
Além do manejo dietético para o controle e tratamento do DM2, a atividade física
regular e a terapia medicamentosa com antidiabéticos compõem os outros pilares
necessários no manejo desta doença. No tratamento do DM2, é preciso tentar alcançar
níveis glicêmicos tão próximos da normalidade quanto viável, minimizando, sempre que
possível, o risco de hipoglicemia (SBD, 2019-2020).

4.4.3 Diabetes Mellitus Gestacional (DMG)

A gestação é considerada uma condição diabetogênica, uma vez que a placenta


produz hormônios hiperglicemiantes e também enzimas placentárias que degradam
a insulina. Como consequência disso, há um aumento compensatório na produção
de insulina e na resistência à insulina, podendo evoluir com disfunção das células β
pancreáticas (SBD, 2019-2020).
O DMG se trata de uma intolerância à glicose, que inicia durante a gestação atual,
sem a gestante ter previamente preenchido os critérios diagnósticos de DM. Esta condição
traz riscos tanto para a mãe quanto para o bebê, sendo geralmente diagnosticada no
segundo ou terceiro trimestre da gestação. Pode ser uma condição transitória ou persistir
após o parto, caracterizando-se como importante fator de risco independente para
desenvolvimento futuro de DM2 (SBD, 2019-2020).
O valor de corte da glicemia em jejum durante a gestação difere do considerado
normal para não gestantes, sendo < 92 mg/dL em qualquer fase da gestação. Valores entre
92 e 126 mg/dL são diagnósticos de DMG em qualquer fase da gestação (SBD, 2019-2020).
Sugere-se que seja feita dosagem de glicemia de jejum em todas as mulheres na primeira
consulta de pré-natal. Mulheres sem diagnóstico de DM, mas com glicemia de jejum ≥ 92

125
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
mg/dL, devem receber diagnóstico de DMG (SBD, 2019-2020).
Toda mulher com glicemia de jejum < 92 mg/dL inicial deve ser submetida a teste
de sobrecarga oral com 75 g de glicose anidra entre 24 e 28 semanas de gestação, sendo
o diagnóstico de diabetes gestacional estabelecido, quando no mínimo um dos valores
a seguir encontrar-se alterado: Glicemia em jejum ≥ 92 mg/dL; Glicemia 1 hora após
sobrecarga ≥ 180 mg/dL; Glicemia 2 horas após sobrecarga ≥ 153 mg/dL (SBD, 2019-2020).
São alguns fatores de risco para o desenvolvimento de DMG: Idade materna
avançada; sobrepeso, obesidade ou ganho excessivo de peso na gravidez atual; deposição
central excessiva de gordura corporal; história familiar de diabetes em parentes de
primeiro grau; crescimento fetal excessivo, polidrâmnio, hipertensão ou pré-eclâmpsia
na gravidez atual; antecedentes obstétricos de abortamentos de repetição, malformações,
morte fetal ou neonatal, macrossomia ou DMG; síndrome de ovários policísticos; baixa
estatura (inferior a 1,5 m) (SBD, 2019-2020).
O tratamento do DMG deve seguir planejamento dietoterápico, com
acompanhamento do nutricionista, a fim de evitar o ganho de peso excessivo durante
a gestação, e de manter os níveis glicêmicos o mais próximo possível do normal. É
orientada a não utilização de antidiabéticos orais durante a gestação, pois não se têm
estudos que comprovem sua segurança, uma vez que estes medicamentos atravessam a
placenta (SBD, 2019-2020).

4.5 REAÇÕES ADVERSAS AOS ALIMENTOS

As reações adversas aos alimentos podem ser classificadas em: tóxicas, intolerância
e hipersensibilidade (alergia).
As reações tóxicas ocorrem, quando uma quantidade suficiente de toxina capaz de
provocar manifestações clínicas é ingerida por qualquer indivíduo (todos são suscetíveis).
Por exemplo, a ingestão de alimentos com toxina produzida pelo Staphylococcus aureus
ou bacilo cereus.
A intolerância depende da suscetibilidade individual, sendo uma reação adversa
não tóxica. Por exemplo, a intolerância à lactose, que tem como fator individual de
suscetibilidade a deficiência da enzima lactase.

126
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Já as reações de hipersensibilidade (alergias) são determinadas por proteínas que
desencadeiam uma reação imunológica, a qual pode determinar várias síndromes clínicas.
Segundo o mecanismo imunológico, são classificadas em: reações tardias mediadas por
células T, reações imediatas mediadas por imunoglobulina E (IgE), e reações mistas, nas
quais ambos os mecanismos participam.
A alergia alimentar é mais prevalente nos primeiros anos de vida, e cerca de 6%
das crianças menores de 3 anos de idade experimentam algum tipo de reação alérgica
aos alimentos.

4.5.1 Doença Celíaca

A doença celíaca é um distúrbio imunomediado crônico que acomete o intestino


delgado de indivíduos geneticamente predispostos, quando há ingestão de glúten. Os
sinais e sintomas da doença só se manifestam durante o contato do paciente com o glúten,
através da dieta. Esta doença atinge com maior frequência as mulheres, na proporção de
duas mulheres para cada homem (BRASIL, 2015).
O glúten é um complexo de proteínas encontradas no trigo, cevada e centeio. Ele é
responsável por proporcionar a elasticidade nos produtos como pães e massas. Trechos
repetidos dos aminoácidos prolina e glutamina são característicos da estrutura proteica do
glúten. A fração do glúten do trigo, conhecida como gliadina e suas prolaminas análogas
do centeio e da cevada (secalina e hordeína, respectivamente) são as responsáveis pela
manifestação da inflamação na doença celíaca.
A doença celíaca está intimamente associada com genes responsáveis
pela codificação de antígenos leucocitários humanos (HLA) DQ2 e DQ8, além da
transglutaminase tecidual (TTG). No entanto, nem todas as pessoas que apresentam
estes alelos de risco, desenvolvem a doença. A descrição clínica clássica da doença é
apresentada por quadros de diarreia, gases, distensão abdominal e perda de peso. Alguns
pacientes podem apresentam anemia ferropriva refratária ao tratamento.
A base fisiopatológica da doença consiste em uma reação imunomediada, a partir
do momento em que peptídeos de gliadina cruzam o epitélio intestinal e atingem a
lâmina própria. Sabe-se que estresses fisiológicos, como uma cirurgia ou uma infecção

127
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
intestinal, podem tornar o epitélio mais permeável, permitindo o acesso dos peptídeos
de gliadina à lâmina própria.
Os peptídeos de gliadina não digeridos cruzam o epitélio intestinal, por um
mecanismo ainda desconhecido, e alcançam a lâmina própria. Os peptídeos nativos e os
peptídeos diaminados pela ação da TTG (glutamina em glutamato) ligam-se às moléculas
HLA – DQ2 ou DQ8 expressas na membrana externa das células com antígeno, e são
reconhecidas pelos linfócitos T CD4. A ativação destas células T resulta na liberação de
interferon-ɤ que, por sua vez, atrai macrófagos e leva à destruição do epitélio intestinal. A
gliadina atua diretamente no epitélio intestinal, para estimular a liberação de interleucina
15 (IL-15), que pode sinergizar a resposta imune na lâmina própria. A gliadina também
é capaz de ativar o sistema imune inato, reprogramando os linfócitos T citotóxicos do
epitélio intestinal em células do tipo killer.

SUGESTÃO DE VÍDEO
Assista aos seguintes vídeos para compreender melhor a resposta imunoló-
gica, desencadeada pelo glúten, no intestino delgado de indivíduos com doença
celíaca: Parte 1 - https://www.youtube.com/watch?v=TvrAkazCZcM;
Parte 2 - https://www.youtube.com/watch?v=4Wo8GUgldZM;
Parte 3 - https://www.youtube.com/watch?v=0h-TGiuQiwI.

As principais consequências desta inflamação intestinal crônica são a atrofia das


vilosidades intestinais, que resulta em redução da área de absorção de nutrientes no
intestino delgado (Figura 34). A inflamação crônica também pode prejudicar as proteínas
de transporte de nutrientes no epitélio intestinal.

128
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 34 - Atrofia das vilosidades no intestino delgado de indivíduo com doença celíaca e inflamação
crônica.
Fonte: Adaptada pela autora, a partir de Shutterstock (2020).

De acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença Celíaca


do Ministério da Saúde (2015), os marcadores sorológicos são úteis para identificar
os indivíduos que deverão ser submetidos à biópsia de intestino delgado, sendo o
anticorpo antitransglutaminase (anti-TTG) o teste sorológico mais eficaz na triagem de
indivíduos com doença celíaca. Ainda, os marcadores sorológicos também são úteis para
acompanhamento do paciente celíaco, como, por exemplo, para detectar transgressão à
dieta e consumo indevido de glúten (BRASIL, 2015).
No entanto, para o diagnóstico definitivo da doença celíaca, é imprescindível a
realização de endoscopia digestiva alta com biópsia de intestino delgado, para a realização
de exame histopatológico, considerado o padrão-ouro para o diagnóstico. A biópsia deve
constar de pelo menos quatro fragmentos, incluindo amostra do bulbo e das porções
mais distais do duodeno (BRASIL, 2015).
É importante salientar que, para fazer o teste, o paciente precisa estar consumindo
uma dieta com glúten todos os dias, mais de uma vez por dia. Caso o paciente já tenha
excluído o consumo de glúten da dieta, o resultado do teste pode ser falso negativo.
O tratamento da doença celíaca é baseado na exclusão total e vitalícia do glúten da
dieta. Com adoção da dieta isenta de glúten, há normalização da mucosa intestinal, assim
como das manifestações clínicas. Em caso de diagnóstico tardio, pode haver alteração da
permeabilidade intestinal, e a absorção de macromoléculas poderá desencadear quadro

129
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
de hipersensibilidade alimentar, resultando em manifestações alérgicas (BRASIL, 2015).
Vale ressaltar que a exclusão do glúten da dieta somente é recomendada para
indivíduos que apresentam diagnóstico de doença celíaca, pois os cereais integrais
são fontes de fibras e outros nutrientes importantes à nossa saúde. Indivíduos que não
possuem suscetibilidade genética para o desenvolvimento da doença celíaca não têm
necessidade de excluir o glúten da dieta!

4.5.2 Intolerância à Lactose

A intolerância à lactose compreende um conjunto de sintomas decorrentes da má


absorção da lactose, um dissacarídeo constituído por uma molécula de glicose e uma
de galactose, as quais são absorvidas nos enterócitos. Para que os monossacarídeos que
formam a lactose sejam absorvidos adequadamente no intestino, eles precisam da ação da
enzima lactase, a qual está insuficiente ou ausente em indivíduos com esta intolerância.
É muito importante você entender que a intolerância à lactose não é uma
alergia e que não há mediação do sistema imunológico neste caso. Do ponto de vista
fisiopatológico, os sintomas da intolerância à lactose são decorrentes da lactose ingerida
que não é absorvida, e acaba exercendo força osmótica na luz intestinal, aumentando o
fluxo de fluídos no intestino, promovendo distensão, dor e cólica abdominal, produção
de flatos e diarreia.
Chegando ao cólon (intestino grosso), a lactose não absorvida no intestino delgado
é fermentada pelas bactérias intestinais, produzindo ácidos graxos de cadeia curta e
gases, o que justifica o aumento da flatulência e da distensão abdominal.
A deficiência de lactase é pré-requisito, para que ocorra a intolerância à lactose.
Esta deficiência de lactase pode ser classificada em duas categorias: deficiência primária
e deficiência secundária à lactase.
A deficiência primária à lactase pode se manifestar por alactasia congênita, a qual
se classifica como uma doença genética congênita muito rara, na qual existe ausência de
lactase. Manifesta-se por diarreia, quando o recém-nascido recebe leite contendo lactose.
A outra forma de deficiência primária é a hipolactasia do tipo adulto, que parece ser
a forma mais frequente de intolerância à lactose. Ocorre, quando depois de certa idade, o

130
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
indivíduo passa a apresentar deficiência na produção de lactase. A diminuição de lactase
pode ter início a partir dos 2 aos 3 anos, em geral, a partir dos 4 a 5 anos, ou até mesmo
após esta idade. A maior parte dos hipolactásicos do tipo adulto é assintomática, mesmo
quando consome lactose como parte da dieta habitual.
Já a deficiência secundária à lactase ocorre em consequência à lesão intestinal por
diferentes mecanismos, como, por exemplo, agentes infecciosos que agridem a mucosa
do intestino delgado, promovendo a diminuição da quantidade de lactase no ápice das
vilosidades ou, então, no período de ativação da doença de Crohn.

4.6 DOENÇAS DA TIREOIDE

A glândula tireoide possui cor marrom-avermelhada, está localizada logo abaixo da


laringe e consiste em dois lobos laterais e um istmo central de conexão. O peso normal da
glândula varia entre 30 a 40g. Ela é altamente vascularizada e apresenta uma das maiores
taxas de fluxo sanguíneo por grama de tecido, comparada a outros órgãos do corpo.
A tireoide sintetiza os hormônios tiroxina, conhecida como T4, e a triodotironina,
conhecida como T3, que são aminoácidos contendo iodo, os quais regulam a taxa
metabólica do corpo.
A ocorrência de disfunção da tireoide constitui um dos distúrbios endócrinos
mais comuns encontrados na prática clínica. Embora níveis anormais dos hormônios
tireoidianos possam ser tolerados por longos períodos de tempo, geralmente surgem
sinais e sintomas da disfunção da glândula.

4.6.1 Hipertireoidismo

O hipertireoidismo é caracterizado pela produção excessiva de hormônio


tireoidiano. A causa mais comum do hipertireoidismo é a doença de Graves, que é
acompanhada de oftalmopatia (deslocamento do globo ocular para frente) ou dermopatia

131
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
e bócio difuso. Na doença de Graves, a tireoide está simetricamente aumentada e mais
vascularizada.
Trata-se de um distúrbio autoimune, o qual se caracteriza pelo estímulo anormal
da glândula tireoide, através de anticorpos estimuladores da tireoide (anticorpos contra
o receptor de TSH), que atuam nos receptores normais do Hormônio Tireoestimulante
(TSH), levando as células foliculares da tireoide a produzirem quantidades excessivas de
T3 e T4. A manifestação desta doença está associada ao antígeno leucocitário humano
(HLA) DR3 e B8, e é evidente em tendência familiar.
Outras causas do hipertireoidismo são: bócio multinodular tóxico, adenoma
folicular, adenoma da hipófise, doença hipotalâmica, carcinoma folicular de tireoide
metastático, tireoidite linfocítica, tireoidite granulomatosa, tireoidite de Hashimoto.
Seja qual for a etiologia do hipertireoidismo, os níveis séricos dos hormônios
tireoidianos estão elevados, tanto a tiroxina livre quanto o índice de tiroxina livre. Muitas
das manifestações do hipertireoidismo estão associadas ao estado hipermetabólico, bem
como o aumento da atividade do Sistema Nervoso Simpático. No estado hipermetabólico,
há queixas frequentes de nervosismo, irritabilidade e de fatigabilidade. A perda de
peso é um sinal comum, apesar do grande apetite. Outras manifestações consistem
em: taquicardia, palpitações, dispneia, sudorese excessiva, câimbras musculares e
intolerância ao calor.
O tratamento do hipertireoidismo é direcionado para a redução dos níveis de
hormônio da tireoide. Essa redução pode ser efetuada através da erradicação da glândula
tireoide com iodo radioativo, remoção cirúrgica de toda a glândula ou de parte dela, ou
uso de fármacos que diminuem a função da tireoide. A erradicação da glândula tireoide,
com iodo radioativo, é mais utilizada do que a cirurgia.
Os agentes bloqueadores beta adrenérgicos (propranolol, metoprolol, atenolol
e nadolol são os preferidos), sendo administrados para bloquear os efeitos do estado
hipertireoideo sobre o Sistema Nervoso Simpático. Eles são administrados juntamente
com agentes antitireoideos, como propiltiouracil e metimazol. O propiltiouracil impede
a conversão do iodo em sua forma hormonal pela tireoide e bloqueiam a conversão da T4
em T3 nos tecidos.

132
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
4.6.2 Hipotireoidismo

O hipotireoidismo caracteriza-se por níveis séricos anormalmente baixos de T4 e


T3, além de os níveis de tiroxina livre estarem sempre deprimidos. O nível de TSH está
elevado, sendo este o teste mais sensível para o hipotireoidismo em seu estágio inicial
(estando o TSH muito aumentado no hipotireoidismo franco).
O diagnóstico da doença baseia-se na anamnese, no exame físico e em exames
laboratoriais. Os baixos níveis séricos de T4 e a elevação dos níveis de TSH caracterizam
hipotireoidismo. Os testes para anticorpos antitireoideos devem ser efetuados, se houver
suspeita de tireoidite de Hashimoto.
A causa mais comum de hipotireoidismo é a Tireoidite de Hashimoto, que
resulta da destruição autoimune da tireoide. Nos estágios iniciais da doença, a tireoide
está difusamente aumentada e, com a progressão, ela se torna menor. Nesta doença,
os linfócitos T interagem com antígenos específicos na membrana celular de células
foliculares da tireoide. Há, então, a produção de autoanticorpos que reagem com estes
antígenos e, em seguida, a liberação de citocinas pró-inflamatórias e inflamação,
causando a destruição autoimune da glândula.
O hipotireoidismo também pode ser causado pela tireoidite linfocítica, depois de
um período transitório de hipertireoidismo. Pode ainda ocorrer de forma congênita,
constituindo uma causa comum de retardo mental passível de prevenção. Esta condição
pode resultar da ausência congênita da glândula tireoide, da biossíntese anormal de
hormônio tireoidiano ou da secreção deficiente de TSH.
As manifestações do hipotireoidismo congênito não tratado são designadas
cretinismo. O hormônio da tireoide é essencial para o crescimento e o desenvolvimento
normal do cérebro (quase metade ocorre durante os 6 primeiros meses de vida). Se não
for tratada, esta condição provoca retardo mental e prejudica o crescimento físico.
O hipotireoidismo congênito é tratado com reposição hormonal, sendo importante
normalizar os níveis de T4 o mais rápido possível. O teste do pezinho, que consiste em
retirar uma gota de sangue do calcanhar do bebê, faz a triagem do hipotireoidismo
congênito, através da análise para T4 e TSH.
As manifestações clínicas do hipotireoidismo em adultos estão relacionadas à
diminuição da taxa metabólica basal que leva ao ganho de peso, mesmo com aporte
nutricional reduzido. Letargia, fraqueza, fadiga, raciocínio lento, constipação intestinal,
diminuição da libido e intolerância ao frio, sendo este último um sintoma bastante comum.

133
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Trata-se o hipotireoidismo em adultos através de terapia de reposição com
preparações sintéticas de T3 ou T4, sendo a maioria dos indivíduos tratados com T4. Os
níveis séricos de TSH são utilizados para estimar a adequação da terapia de reposição de
T4, pois, uma vez normalizado o nível de TSH, a dose de T4 é considerada satisfatória.

4.6.3 Bócio

O aumento difuso da tireoide resulta mais comumente de estimulação prolongada


pelo TSH, a qual pode resultar de uma das causas do hipotireoidismo, como, por exemplo,
a tireoidite de Hashimoto, ou do hipertireoidismo, como a doença de Graves.
A deficiência de iodo constitui a causa mais comum de bócio nos países em
desenvolvimento. Uma dieta contendo menos de 10mcg/dia de iodo dificulta a síntese de
hormônio tireoideano, resultando em níveis elevados de TSH e hipertrofia da tireoide. A
iodação do sal foi uma estratégia que eliminou este problema em grande parte dos países
desenvolvidos.
Depois de décadas de estimulação pelo TSH, podem ocorrer hipertrofia e aumento
pronunciado da tireoide, podendo pesar de 1 a 5 kg e provocar dificuldades respiratórias
em consequência da obstrução da traqueia, ou disfagia secundária à obstrução do
esôfago. Os aumentos mais moderados produzem problemas estéticos.
O tratamento do bócio vai depender de sua causa. Nos casos de deficiência de
iodo, devem ser feitas medidas como a suplementação de sal com iodo, iodação da água,
administração oral com óleo iodado. Nos casos de hiper ou hipoteroidismo, deve ser feita
a correção dos níveis dos hormônios tireoideanos.

134
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
4.7 DOENÇAS HEPÁTICAS

O fígado é o maior órgão visceral do corpo humano. Localizado abaixo do diafragma,


ele ocupa grande parte do hipocôndrio direito. Do ponto de vista anatômico, o órgão é
dividido em dois grandes lobos: o direito e o esquerdo, e dois lobos menores: o caudado
e o quadrado.
Este órgão é um dos mais versáteis e ativos no nosso organismo, pois metaboliza
hormônios e fármacos, produz bile, sintetiza proteínas, glicose, armazena vitaminas e
minerais, é responsável por detoxificar a amônia em ureia, converte ácidos graxos em
cetonas, degrada nutrientes em excesso e os converte em substâncias essenciais ao
corpo, dentre outras funções.
Existem diversas doenças que podem acometer este órgão e seu funcionamento.
Abordaremos agora, com mais detalhes, a esteatose hepática, a cirrose e doenças das vias
biliares.

4.7.1 Esteatose Hepática

A Esteatose Hepática, ou doença hepática gordurosa, ou ainda fígado gorduroso, é


uma doença caracterizada pelo acúmulo de gordura dentro dos hepatócitos (Figura 35).
Nesta condição, o fígado torna-se amarelado e aumenta de tamanho. Esta doença pode
ter etiologia alcoólica e não alcoólica.

135
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
Figura 35 - Esteatose Hepática: acúmulo de gordura nos hepatócitos, levando ao aumento de tamanho
do fígado.
Fonte: Shutterstock (2020).

A Esteatose Hepática Não Alcoólica (EHNA) envolve tanto o acúmulo de lipídeos nos
hepatócitos quanto a formação de radicais livres, de modo bastante semelhante ao que
ocorre no metabolismo do álcool. As anormalidades metabólicas que levam ao acúmulo
de lipídeos não estão bem elucidadas, porém acredita-se que incluem alterações nas vias
de captação, síntese, degradação ou secreção de lipídeos hepáticos, em consequência da
resistência à insulina.
O consumo excessivo de calorias na dieta, principalmente de carboidrato e
gorduras, está relacionado ao surgimento da Esteatose Hepática. A obesidade aumenta
a síntese e reduz a oxidação de ácidos graxos livres. O DM2, ou a resistência à insulina,
também aumentam a lipólise do tecido adiposo e a produção de ácidos graxos livres.
Quando a capacidade do fígado de exportar triglicerídeos é ultrapassada, os ácidos
graxos em excesso contribuem para o desenvolvimento da Esteatose Hepática. Tanto as
cetonas quanto os ácidos graxos livres são indutores das enzimas CYP 450, o que resulta
na formação de radicais livres, incluindo peróxido de hidrogênio e superóxido. Ocorre
peroxidação anormal dos lipídeos, seguida de lesão direta dos hepatócitos, liberação de
subprodutos tóxicos, inflamação e fibrose.
A EHNA é habitualmente assintomática. A elevação leve a moderada dos níveis
séricos de AST e ALT (antigas TGO/TGP) constitui o achado laboratorial mais comum,
e frequentemente o único, anormal. O diagnóstico da EHNA exige biópsia hepática e

136
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
exclusão do álcool como causa do distúrbio.
No caso de consumo de álcool, seu metabolismo leva ao ataque químico de certas
membranas do fígado, porém não se sabe se a lesão é causada pelo acetaldeído ou por
outros metabólitos.
Sabe-se, no entanto, que o acetaldeído (subproduto do metabolismo hepático
do álcool) impede o sistema de transporte mitocondrial de elétrons, que é responsável
pelo metabolismo oxidativo e pela geração de ATP (através da respiração celular). Em
consequência disso, os íons hidrogênio gerados nas mitocôndrias são deslocados para a
síntese de lipídeos e a cetogênese. Verifica-se, então, a presença de acúmulos anormais
destas substâncias no sangue e nos hepatócitos, o que caracteriza a Esteatose Hepática.
A ligação do acetaldeído a outras moléculas compromete a desintoxicação dos
radicais livres e a síntese de proteínas. O acetaldeído também promove síntese de colágeno
e fibrogênese. As lesões observadas no dano hepatocelular tendem a prevalecer mais na
área centrolobular que circunda a veia central, onde se encontram as vias do metabolismo
do álcool. As alterações gordurosas que ocorrem com a ingestão excessiva de álcool
normalmente são silenciosas, sendo reversíveis após a interrupção do consumo de álcool.
A quantidade necessária de álcool para provocar doença hepática crônica varia
amplamente, dependendo do tamanho corporal, idade e sexo. Porém, a faixa mais baixa parece
ser de 80g/dia (240ml de uísque, duas garrafas de vinho ou 6 garrafas de cerveja de 360ml).
O tratamento tem por objetivo retardar a evolução da doença. Tanto a perda
de peso quanto a prática de exercício físico melhoram a resistência à insulina e são
recomendados, juntamente com o tratamento dos distúrbios metabólicos associados. No
caso da Esteatose Hepática Alcoólica, deve-se evitar o consumo de álcool.

4.7.2 Cirrose

A Cirrose representa o estágio final da doença hepática crônica, na qual grande


parte do tecido funcional hepático foi substituído por tecido fibroso, em um processo
irreversível. A cirrose também acompanha distúrbios metabólicos que causam depósito
de minerais no fígado (hemocromatose e doença de Wilson).
Embora a cirrose esteja habitualmente associada ao alcoolismo, é possível

137
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
desenvolver-se no curso de outros distúrbios, como a hepatite viral, reações tóxicas a
fármacos e substâncias químicas, obstrução biliar e EHNA. As principais causas da
cirrose são: infecção pelos vírus de hepatite B e C, pela ingestão excessiva de etanol, de
fármacos e doença autoimune.
A patogênese da cirrose está relacionada com a síntese aumentada de colágeno e de
outros tecidos conectivos, implicando o desenvolvimento da fibrose nos hepatócitos. A
doença caracteriza-se por fibrose difusa e conversão da arquitetura normal do fígado em
nódulos que contêm hepatócitos em proliferação, circundados por fibrose.
O tecido fibroso, que substitui o tecido hepático normalmente funcional, forma
faixas constritivas, as quais interrompem o fluxo nos canais vasculares e sistemas
dos ductos biliares do fígado. O comprometimento dos canais vasculares predispõe
à hipertensão portal (aumento da resistência ao fluxo no sistema venoso porta) e suas
complicações, obstrução dos canais biliares e exposição aos efeitos destrutivos da estase
da bile e perda de células hepáticas, levando à insuficiência hepática.
Um aspecto crucial na cirrose é que as lesões hepáticas não são agudas e
autolimitadas, mas sim crônicas e progressivas. As apresentações clínicas desta doença
são consequência tanto da disfunção hepática progressiva quanto da hipertensão portal.
No caso da hipertensão portal, há abertura de canais colaterais que conectam a circulação
porta com a circulação sistêmica, cujas principais complicações são: formação de ascite,
esplenomegalia (aumento do tamanho do baço), formação de derivações portossistêmicas
com sangramento de varizes gastroesofágicas.
Os sintomas da insuficiência hepática são: náusea, diarreia, vômitos, ascite,
icterícia (aspecto amarelado por acúmulo de bilirrubina no sangue), edema periférico,
perda de peso, desnutrição e encefalopatia hepática.
Como a cirrose é um processo de lesão irreversível do fígado, a alternativa de
tratamento definitivo é o transplante hepático.

4.7.3 Doenças das Vias Biliares

O sistema hepatobiliar é constituído por: vesícula biliar; ductos hepáticos esquerdo


e direito, que se unem para formar o ducto hepático comum; ducto cístico, o qual se

138
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
estende até a vesícula biliar e ducto colédoco, formado pela união do ducto hepático
comum e do ducto cístico. O ducto colédoco desce até o duodeno, onde entra em contato
com o ducto pancreático principal (ver Figura 23).
A vesícula biliar é um saco muscular distensível, em forma de pera, cuja função
é armazenar e concentrar a bile. A bile é produzida pelos hepatócitos, e contém sais
biliares, colesterol, bilirrubina, lecitina, ácidos graxos, água e eletrólitos.
A entrada dos alimentos no intestino delgado provoca a liberação do hormônio
colecistocinina (CCK), o qual promove a contração da vesícula biliar para liberar a bile no
duodeno. A função da bile é auxiliar na digestão e absorção dos lipídeos.

4.7.3.1 Colelitíase

A Colelitíase, ou formação de cálculos biliares, é causada pela precipitação de


substâncias contidas na bile, principalmente colesterol e bilirrubina. Cerca de 80% dos
cálculos biliares são compostos principalmente por colesterol, e os outros 20% consistem
em sais de cálcio com bilirrubina. Alguns cálculos apresentam uma composição mista.
Três fatores contribuem para a formação de cálculos biliares: anormalidade na
composição da bile, estase biliar e inflamação da vesícula biliar. A formação de cálculos
de colesterol está associada com a obesidade.
Os cálculos normalmente são assintomáticos e só causam sintomas, quando
obstruem o fluxo biliar.

4.7.3.2 Colecistite

A Colecistite refere-se à inflamação da vesícula biliar, podendo ocorrer de forma


aguda ou crônica. A maioria dos casos de Colecistite Aguda está associada à presença

139
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
de cálculos biliares. Os demais casos estão relacionados com sepse, traumatismo grave
ou infecção da vesícula biliar. A Colecistite Crônica resulta de episódios repetidos de
Colecistite Aguda ou da irritação crônica da vesícula por cálculos.
Os indivíduos com Colecistite aguda podem apresentar dor de início agudo,
frequentemente associada à febre baixa, anorexia, náusea e vômitos.

4.7.3.3 Coledocolitíase e Colangite

A Coledocolitíase refere-se à presença de cálculos no ducto colédoco, enquanto


Colangite indica inflamação das vias biliares.
Os cálculos do ducto colédoco habitualmente têm origem na vesícula biliar, mas
também podem se formar, de modo espontâneo, no ducto colédoco. A Coledocolitíase
pode causar pancreatite, caso esteja obstruindo o ducto pancreático.
Como a Coledocolitíase impede a passagem da bile até o duodeno, esta condição
traz prejuízo à absorção das vitaminas lipossolúveis e das gorduras da dieta, podendo
manifestar esteatorreia no paciente.
A ausência de bile nas fezes causa acolia fecal (ausência de cor), ficando
esbranquiçadas as fezes. Uma vez que a bile não consegue ser secretada no duodeno
para cumprir com sua função de participar da digestão das gorduras, esta acaba sendo
eliminada no sangue, causando a colúria. A colúria refere-se à urina em aspecto de Coca-
Cola, apresentando cor escura, com uma espuma amarelada. Este quadro se dá por conta
do excesso de bilirrubina direta no sangue, a qual é filtrada e eliminada na urina.
Geralmente, é feita a extração dos cálculos do ducto colédoco, seguida de
Colecistectomia Laparoscópica. Para tratar a infecção, utiliza-se antibioticoterapia com
um agente que penetra na bile.
As manifestações da Coledocolitíase assemelham-se às da Colelitíase. A
ultrassonografia e a tomografia computadorizada podem ser utilizadas para demonstrar
a dilatação dos ductos biliares e o comprometimento do fluxo sanguíneo.

140
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao fim da última unidade e de mais um caderno de estudos! Muitos


conteúdos foram abordados até aqui, mas as patologias e seus processos fisiopatológicos
representam “a ponta do iceberg” de tudo o que é necessário estudar, para nos tornarmos
profissionais com excelência.
Por isso, vale a pena reforçar que este estudo precisa ser visto com muito mais
aprofundamento nos livros de Fisiopatologia, inclusive os que estão disponíveis em sua
biblioteca virtual.
Na Unidade 4, compreendemos a complexidade de uma doença renal crônica que,
quando chega em seu estágio terminal, exige do paciente uma terapia renal substitutiva,
seja a hemodiálise, a diálise peritoneal ou o transplante renal. Mais adiante, em outras
disciplinas, você verá que esta condição também tem implicação na dieta do paciente, já
que este não tem mais os rins funcionantes.
Foi possível entender que as doenças crônicas não transmissíveis, como a
Hipertensão Arterial e o Diabetes Mellitus, quando não tratados e controlados, podem
inclusive levar o paciente a desenvolver uma doença renal crônica. Vimos, ainda, que
existem três principais formas de apresentação do diabetes, sendo elas: DM 1, DM 2 e DM
Gestacional. O DM 1 é uma doença autoimune, o DM 2 é multifatorial, mas principalmente
causado pelo estilo de vida do paciente, e o DM gestacional, ocorrido durante a gestação,
pode ser revertido, ou se tornar permanente após o parto.
Estudamos várias outras doenças, como as reações adversas aos alimentos,
com aprofundamento na Intolerância à Lactose e Doença Celíaca. Você aprendeu
que indivíduos sem Doença Celíaca não precisam excluir o glúten da dieta. Vimos as
alterações metabólicas provocadas por um tumor maligno no câncer, as disfunções da
glândula tireoide e, por fim, algumas doenças hepáticas.
Espero que este caderno o(a) tenha instigado a estudar e saber cada vez mais
sobre as patologias, pois elas devem ser consideradas no momento da determinação da
conduta dietoterápica. Nosso dever como nutricionistas é sempre fazer uma prescrição
dietética que mais beneficiará o paciente e, para isso, precisamos de muito conhecimento.
Desejo a você bons estudos e até uma próxima oportunidade!

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
EXERCÍCIO FINAL

1- [COMPREENSÃO] A Doença Celíaca é um distúrbio imunomediado crônico que


acomete o intestino delgado de indivíduos geneticamente predispostos. Sobre a
doença celíaca, analise as afirmativas a seguir:
I- A inflamação intestinal e os sintomas da Doença Celíaca só se manifestam, caso o
paciente esteja em contato com o glúten.
II- O exame considerado padrão-ouro para diagnóstico da Doença Celíaca é o teste
sorológico de anticorpo antitransglutaminase (anti-TTG).
III- Após o reestabelecimento das vilosidades intestinais do paciente celíaco, o glúten
pode ser reintroduzido na alimentação, aos poucos, conforme sua tolerância.
IV- Os sintomas clássicos da Doença Celíaca são caracterizados por: diarreia, perda
de peso e distensão abdominal, sendo que é comum pacientes apresentarem anemia
ferropriva refratária ao tratamento.
V- A gliadina é uma molécula do glúten interpretada pelo Sistema Imune como um
antígeno na lâmina própria do intestino delgado de pacientes celíacos.

Está correto o que se afirma em:


a) I, II e IV.
b) II, III e V.
c) I, IV e V.
d) III e IV.
e) I, II, III, IV e V.

2- [COMPREENSÃO] A Doença Renal Crônica representa o declínio progressivo da


função renal devido à perda irreversível de néfrons, os quais são a unidade funcional
dos rins. Sobre a DRC, é correto afirmar:

a) O paciente com doença renal crônica encontra-se em falência renal, quando sua taxa
de filtração glomerular está entre 49 e 69 mL/min/1,73m².
b) A diálise peritoneal e a hemodiálise constituem métodos de terapia renal substitutiva,
funcionando como “rins artificiais”. Ambas podem funcionar de forma contínua no
paciente, permitindo que este trabalhe, estude e viaje com autonomia.

142
FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
c) O princípio de funcionamento da diálise é a filtração do sangue, através de uma
membrana semipermeável, por meio de difusão ativa.
d) Os rins possuem capacidade surpreendente de compensação funcional dos néfrons
perdidos, e isto se deve à elevada capacidade de hiperplasia dos néfrons.
e) São os principais fatores de risco para doença renal crônica: Diabetes Mellitus e
Hipertensão Arterial mal controlados.

3- [CONHECIMENTO] Sobre as doenças das vias biliares, analise as afirmativas a seguir:


I- A cirrose constitui a doença terminal do fígado, a qual ocorre por substituição irreversível
do tecido funcional hepático por tecido fibroso, levando à insuficiência hepática.
II- A Coledocolitíase é uma das causas da Pancreatite Aguda, pois a litíase obstrui o ducto
principal hepático, impedindo a secreção das enzimas digestivas no duodeno, levando à
autodigestão pancreática.
III- A Esteatose Hepática é caracterizada pelo acúmulo de gordura nos enterócitos,
levando ao quadro de hepatomegalia e Insuficiência Hepática Aguda.
IV- A bile é produzida pelos hepatócitos, sendo liberada no duodeno para participar da
digestão das gorduras da dieta. Em pacientes que fizeram Colecistectomia não ocorre a
digestão das gorduras alimentares.
V- O acetaldeído é um subproduto da metabolização hepática do álcool. Esta substância
impede o sistema de transporte mitocondrial de elétrons e, em consequência disso, os
íons hidrogênio gerados nas mitocôndrias são deslocados para a síntese de lipídeos e a
cetogênese.

Está correto o que se afirma em:


a) I, II e V.
b) II, III e IV.
c) I, IV e V.
d) III e IV.
e) I, II, III, IV e V.

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FISIOPATOLOGIA DA NUTRIÇÃO
REFERÊNCIAS

BORGHETTI, G., et. al. Diabetic Cardiomyopathy: Current and Future Therapies.
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em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30425649. Acesso: 05 de dezembro de 2020.

BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Protocolo Clínico e


Diretrizes Terapêuticas da Doença Celíaca. Brasília, 2015.

CUPPARI, Lilian. Nutrição Clínica no adulto. 3ª ed. Barueri, SP: Manole, 2014.

HAMMER, Gary D.; McPHEE, Stephen J. Fisiopatologia da Doença: uma Introdução à


Medicina Clínica. 7ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.

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HARDING, J. L. et. al. Global trends in diabetes complications: a review of current


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PORTH, Carol Mattson; MATFIN, Glenn, Fisiopatologia. 8ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara
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SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. 7ª DIRETRIZ BRASILEIRA DE


HIPERTENSÃO ARTERIAL. v. 107, nº 3. Rio de Janeiro, 2016.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de


Diabetes 2019-2020. São Paulo: Editora Clannad, 2019-2020. Disponível em: https://
www.diabetes.org.br/profissionais/images/DIRETRIZES-COMPLETA-2019-2020.pdf.
Acesso em: 05 de dezembro de 2020.

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uniavan.edu.br
146
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