A Origem Da Escola Do Bem e Do - Soman Chainani
A Origem Da Escola Do Bem e Do - Soman Chainani
A Origem Da Escola Do Bem e Do - Soman Chainani
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EDITORA RESPONSÁVEL
Flavia Lago
PREPARAÇÃO DE TEXTO
Vanessa Gonçalves
REVISÃO
Claudia Barros Vilas Gomes
ILUSTRAÇÕES
RaidesArt
CAPA
Alberto Bittencourt
DIAGRAMAÇÃO
Waldênia Alvarenga
Chainani, Soman
A origem da Escola do Bem e do Mal [livro eletrônico] / Soman Chainani ; tradução Flávia
Souto Maior. -- 1. ed. -- São Paulo : Gutenberg, 2023. -- (A Escola do Bem e do Mal ; edição
especial)
ePub
23-146950 CDD-813.5
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção de fantasia : Literatura norte-americana 813.5
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A Pena escreve o nome do novo Diretor da Escola.
Mas desta vez ela não escreve só um nome.
Escreve dois.
A Pena se chama Storian.
Longa e acerada, com ambas as extremidades afiadas.
Ela flutua no ar sobre os dois garotos, sua ponta é como um olho.
Então fala.
A voz é cordial e atemporal. Nem masculina nem feminina.
Em troca da imortalidade
Em troca da juventude eterna
Escolho vocês.
Dois irmãos.
Um para o Bem.
Um para o Mal.
A lealdade de vocês ao sangue deve ser maior que a lealdade a um
dos lados.
Enquanto se amarem, o mundo permanece em equilíbrio.
Bem e Mal.
Irmão e irmão.
Mas todo Diretor da Escola passa por um teste.
O de vocês é o amor.
Traiam esse amor e não passarão no teste.
Vocês definharão e morrerão.
Serão substituídos.
Ergam as mãos para selar este juramento.
Havia desejos a serem feitos. Casar-se com uma princesa. Usar coroa
de sultão. Ter seu nome lembrado para sempre…
Mas primeiro ele precisava limpar banheiros.
Era o preço por ter faltado no trabalho, o que era melhor do que ficar
sem jantar, castigo que sua mãe havia decretado por algumas noites, até se
dar conta de que ele preferiria morrer de fome a dar duro na loja, tendo
então que tentar alguma outra coisa.
“Para que você serve?”, ela berrou da cozinha enquanto ele esfregava
o banheiro, mas Aladim estava com a barriga muito cheia de seu guisado
de frango e de arroz com cereja para se incomodar. Ele havia escondido a
lâmpada debaixo da cama ao chegar em casa. Assim que seus pais
dormissem, ele a levaria para o jardim e faria seu primeiro desejo, porque
não parecia prudente soltar um gênio em uma casa com paredes tão finas.
Sua mãe levantou a voz. “O filho de Hagrifa com certeza vai ser levado
para a Escola do Bem e vai ficar rico e famoso, enquanto meu filho está
aqui roubando pani puri e enganando pessoas no Mercado Mahaba. Acha
que eu não sei? Todo mundo sabe!”
Aladim paralisou. Ele havia esquecido que era noite do sequestro.
Olhou pela janela que dava para a rua, para a fileira de casas com pratos de
halva e biscoitos de mel no parapeito das janelas, com o intuito de atrair o
Diretor da Escola. Por isso o mercado estava tão lotado! Aquelas mães e
aqueles pais tinham levado os filhos ao Mahaba imaginando – e esperando!
– que seria o último dia que passariam juntos. Que à noite o Diretor da
Escola apareceria e levaria seus filhos e filhas para o lugar onde as lendas
nasciam. Afinal, se uma criança fosse levada como uma Sempre ou uma
Nunca, seus pais seriam celebrados em Shazabah, convidados para as festas
mais luxuosas, teriam acesso à melhor mesa do restaurante de Giti e até
receberiam flores do próprio sultão. É claro, a maioria das crianças levadas
de Shazabah ia para a Escola do Bem, já que se tratava de um dos reinos
Sempre da Floresta Sem Fim. Mas, no decorrer dos anos, um punhado de
Nuncas também havia sido levado, uma vez que, independentemente de
um reino se intitular do Bem ou do Mal, espíritos dissidentes sempre
conseguiam se infiltrar.
Não que alguma dessas coisas se aplicasse a Aladim. Ele era egoísta,
larápio, mas não era do Mal. Não em seu âmago, como as almas que o
Diretor da Escola queria. Lembra quando ele dividiu sua torta de pistache
com aquele cachorro vira-lata? (Sim, a torta era roubada, mas e daí?) E a
vez que ajudou uma menina da escola com a lição de casa? (O fato de ela
ser bonita não teve nada a ver com isso.) Contudo, ele tampouco era do
Bem. Até seus pais concordariam. A Escola do Bem era para outras
crianças. Aquelas nascidas para seguir trilhas mais claras. Aquelas que não
enfrentavam tantos desafios para encontrar seu caminho. Mas pelo menos
esses desafios tinham sido recompensados. Ele não precisava ir para a
Escola do Bem e do Mal para conquistar seus sonhos. Estava com a
lâmpada agora, a lâmpada mágica, que lhe daria mais riquezas e poder do
que os Diretores da Escola. Finalmente, as pessoas prestariam atenção
nele. As pessoas saberiam seu nome. Mas como fazer a lâmpada funcionar?
Salim tinha apenas esfregado o objeto, não tinha? Ou havia alguma palavra
mágica? Ele descobriria. Primeiro, precisava terminar a limpeza e fingir
estar dormindo antes de seu pai chegar em casa, senão teria que ouvir uma
hora de sermões.
No andar de baixo, a porta se abriu.
“Aladim!”, uma voz retumbou.
O garoto se encolheu.
Não teria sido tão ruim se seu pai não tivesse sentado com tudo na
cama de Aladim, bem na parte em que a lâmpada estava escondida sob o
colchão. E o pai era tão grande que o garoto achou que a lâmpada seria
esmagada, assim como o gênio que vivia dentro dela.
“O que há com você, Aladim?”, seu pai perguntou, ainda suando
depois de ter subido as escadas. “O que te afasta tanto da minha loja?”
Aladim se imaginou vivendo com uma bela princesa em um palácio
mil vezes maior que sua casa, com trancas em todas as portas para que
ninguém pudesse entrar sem sua permissão, um palácio que ele pediria em
um desejo assim que seu pai saísse de seu quarto.
“Aladim?”
“Hã?”, o garoto disse.
O pai olhou para ele.
“Acho que você não quer trabalhar em minha loja porque acha que
pode arrumar coisa melhor. Que vai ser um figurão, morar em um castelo
e se casar com a filha de um rei em vez de trabalhar humildemente como
todos nós. Você fica sonhando acordado e não vê que já tem uma vida
ótima. Isso nunca acaba bem. Qualquer um que conheça os contos do
Storian pode afirmar.”
Você não acredita em mim, Aladim pensou. Acha que não sou capaz de
conquistar uma garota dessas e de me tornar alguém na vida. Você e a
mamãe me acham um inútil, como disse Salim.
Mas ele não disse nada disso em voz alta.
Em vez disso, bocejou.
“Sim, pai.”
“Então amanhã você vai estar bem cedinho na loja?”
“Sim, pai.”
“Bom rapaz.”
Ele deu um abraço em Aladim, saiu e fechou a porta, e o garoto logo
pegou a lâmpada embaixo do colchão. Era pequena, feita de bronze, como
uma chaleira com bico alongado, com luas e estrelas gravadas. Embora
não houvesse arranhões e danos em sua superfície, Aladim supôs que o
objeto era muito, muito antigo. Por quanto tempo havia ficado na Caverna
dos Desejos, com o gênio preso em seu interior, aguardando as ordens de
um novo mestre? Por quanto tempo o destino teria antecipado este dia em
que ele, Aladim, seria esse novo mestre? Ele aproximou a lâmpada do rosto,
analisando seu nariz grande e as sobrancelhas grossas no reflexo do metal.
Dentro dessa lâmpada estava a vida que ele pretendia viver. O amor e o
respeito que merecia encontrar. Lentamente, ele estendeu a palma da mão
na direção da superfície.
Batidas altas fizeram sua porta tremer.
“Hagrifa, Moorle e Roopa estão colocando seus melhores ladoos do
lado de fora para o Diretor da Escola!”, a mãe dele gritou. “Elas
perguntaram o que eu faria para recebê-lo. Sabe o que eu respondi? Que
me esconderia de vergonha.”
Aladim apagou a vela e roncou, fingindo estar dormindo. Abraçou a
lâmpada sob a camisa, sentindo o metal frio junto à pele. Logo seus pais
estariam na cama e ele teria sua chance. Até lá, ficaria acordado, ensaiando
os desejos que faria…
3
Era uma vez, dois Diretores de Escola gêmeos, do Bem e do Mal, cujo
amor mantinha o mundo equilibrado. Enquanto os irmãos amassem
um ao outro, a Pena não favoreceria o Bem nem o Mal, cada lado seria
igualmente poderoso na Floresta Sem Fim. Até que um dia chegou um
aluno que mudaria tudo entre eles.
Da janela do escritório dos Diretores, Rafal viu seu irmão sair da aula
dos Sempres. A boca do Diretor da Escola do Mal se retorcia.
Como Rhian era amador. Achando que poderia simplesmente
aparecer e trocar o conteúdo da alma de um garoto! Ele não podia apenas
admitir que a Pena tinha cometido um erro? Que o garoto era um típico
aluno do Mal? Certo, Rhian conseguira fazer aquela garota franzina e
metida reconsiderar Aladim, mas quanto tempo isso duraria? Logo o garoto
retomaria seu comportamento egoísta e afeito ao furto e Rhian não estaria
lá para salvá-lo. Era apenas uma questão de tempo até que Aladim se
revelasse do Mal de uma vez por todas.
Então Rhian teria que engolir suas palavras, todas aquelas coisas
injustas que ele tinha dito sobre Rafal ser traiçoeiro, negligente e
incompetente para o posto de Diretor da Escola. Pelo contrário, Rhian que
seria o incompetente, por acreditar que poderia transformar Nuncas em
Sempres e que a Pena sagrada estava do seu lado, quando tudo era uma
questão de ego e ilusão. Como você pode servir como Diretor da Escola se
acredita que o equilíbrio te favorece? O Storian tinha cometido um erro
nítido com Aladim ao colocar o garoto na escola errada. Tanto ele quanto
Rhian sabiam disso. Mas Rhian confiou na Pena e não em seu irmão, e
não em si mesmo, e agora eles estavam em guerra pela alma de um garoto,
os dois se intrometendo em um conto de fadas, e o trabalho deles como
Diretores da Escola era não se intrometer nas histórias que deveriam
proteger.
Rafal rangeu os dentes.
O que quer que acontecesse de agora em diante seria culpa de Rhian.
Ele havia instigado essa história. Ele era o vilão.
E, da mesma forma como a Pena vinha humilhando vilões em seus
últimos contos, Rhian seria humilhado também. Seria provado que Aladim
era do Mal e o discernimento de Rafal seria considerado superior ao de
uma Pena.
Seria um fim justo para um conto de fadas, não seria?
O Diretor da Escola do Mal respirou aliviado.
Sem dúvida o Garoto da Lampadinha estaria passando vergonha neste
instante.
12
É
de você. É sua única chance de conhecer seu futuro e controlar seu
destino. De ser o primeiro Hook de que todos vão se lembrar.”
A boca de Hook se contorceu. Ele se apressou para alcançar o Diretor.
“Tem algum jeito de chegar a essa prisão submarina?”
“É exatamente por isso que estou aqui, falando com você. É preciso
uma tripulação capaz de conduzir um navio para baixo, para as
profundezas do Mar Selvagem”, Rafal disse.
James bufou.
“Bem, eu não tenho tripulação. Muito menos uma tripulação capaz
de fazer isso.”
“Eu tenho”, Rafal disse, parando sobre o penhasco. “Só preciso de um
capitão. E você não é o melhor capitão de sua turma?”
Hook olhou para o jovem Diretor. Depois viu o que havia atrás dele.
Um enorme navio chamado Inagrotten, ancorado na costa, todinho
de um preto lustrado e reluzente, como um pedaço de puro ônix com velas
pretas translúcidas que, à luz do sol, faziam o navio cintilar como uma
miragem. No convés havia um grupo de homens vestidos de preto, pele
rosada, rostos sombreados por chapéus pretos e longos véus pretos,
protegendo-os do sol.
“Predadores Noturnos?”, Hook perguntou. “Você disse que não tinha
nenhum tesouro para oferecer a eles.”
“É aí que você entra”, Rafal disse, de repente ao lado dele.
O coração de James gelou.
“O que você ofereceu?”
“O que acha?”, o sussurro de Rafal era como um beijo. “Seu sangue.”
5
Uma vez por dia, logo após o jantar, o jovem James Hook tinha que
mergulhar os pés em um balde cheio de sanguessugas, que sugavam seu
sangue de cor estranha, deixando a água do balde azul e o jovem pirata
fraco.
Não fora isso que James havia concordado em fazer.
“Você disse algumas gotas de sangue por dia para conseguirmos
chegar até os Sader”, ele resmungou, curvado sobre o convés, apoiado em
um mastro. “Mas está dando a esses vampiros bizarros todo o conteúdo das
minhas veias.”
“Os Predadores Noturnos são os únicos que sabem como encontrar a
prisão onde os Sader são mantidos”, Rafal o lembrou, parado na proa, sob
um manto infinito de estrelas. “Uma viagem de oito dias. Oito dias de
sangue. Foi esse o acordo que fizemos. Você que presumiu que seriam
‘algumas gotas’. É um preço pequeno a pagar para conseguir as respostas
de que precisamos. As respostas de que você precisa.”
“Para você, é fácil falar. Não é o seu sangue!”, James reclamou,
encurvado no chão, junto a um mastro. “Nos primeiros dias eu me sujeitei
a isso. Achei que valia a pena sentir essa dor para perguntar aos Sader
como vencer Pan. Mas não consigo mais nem sentar direito. Por que eles
não podem tirar o seu sangue? Você é um mago. Isso não é bom o bastante
para eles?”
“Me diga você. Aparentemente, eles estão à caça de sangue dos Hook
há muito tempo”, Rafal afirmou. “O que faz o seu sangue ser azul? O que
tem de tão especial nele para que os Predadores Noturnos o desejem?”
“Diz a lenda que no passado um Hook teve um filho com a Rainha
das Sereias e desde então a linhagem ficou manchada”, James murmurou.
“Não passa de uma história sem sentido.”
Rafal tocou o queixo, reflexivo.
“Eu não teria tanta certeza disso…”
James estava esgotado demais para insistir.
“Veja, você disse que precisava de um capitão. Eu, Capitão James
Hook. Não um refém para alimentar vampiros. Você faz esse tipo de coisa
com seu irmão? Faz um acordo, depois trapaceia? Não me espanta que o
Storian esteja do lado dele. Não vamos precisar dos Sader para explicar
isso!”
Rafal soltou um riso abafado.
“Agora você está mesmo lembrando o meu irmão gêmeo. Você tem
irmãos, James?”
“Tenho uma irmã”, James respondeu, apoiando a cabeça no mastro.
“Elsa quer entrar para o grupo dos Garotos Perdidos de Pan. Mas como isso
é possível? Ela acha que Pan é o herói e eu sou o vilão por querer matá-lo.
Quando pergunto a ela por que gosta dele, ela diz que é porque ele é uma
graça, é meigo e só quer ser amado. Como se isso fosse resposta. Não tem
nada de gracioso e meigo naquele demônio e ele não tem um pingo de
amor em seu corpo. Principalmente por meninas. Pan só brinca com
meninos. E ela ainda fica se derretendo por ele.”
“Sua irmã e meu irmão têm isso em comum: ficar se derretendo pelos
garotos errados”, Rafal murmurou. “Havia um jovem sedutor da Floresta
de Baixo que eu queria contratar para ser meu Reitor do Mal, mas Rhian
parecia tão caído por ele que acabei chamando um velho rabugento. A
última coisa de que preciso é meu irmão babando por meu reitor. Esse é o
problema com almas como a dele e a de sua irmã – quando confrontadas
com seu oposto, uma alma radiante repleta de obscuridade, uma alma que
tem confiança em seu Mal, podem ficar confusas. Em vez de verem esse
Mal como inimigo, podem ser enganadas… manipuladas… seduzidas por
tudo aquilo que não são. Quando se dão conta, estão fascinadas.”
“Minha irmã simplesmente tem a cabeça na lua.”
“Não, é mais do que isso”, Rafal disse com veemência. “Sua irmã e
meu irmão acham que têm a alma tão pura que não podem se sentir
atraídos pela escuridão. Mas todos nós temos dois lados. Mesmo os
melhores de nós. Confesso que faço o Bem de vez em quando. Então por
que o Bem tem tanto medo de admitir que pode ser do Mal? Quando
alguém nega seus impulsos, só os torna mais fortes. Veja o caso de nossos
irmãos. Elsa toma o partido de um Pan diabólico e sem escrúpulos; Rhian
fica fascinado por um aspirante a Reitor do Mal… É só uma atração? Estão
apaixonados por eles? Ou na verdade querem ser eles? É por isso que você
se parece com o meu irmão. Sua obsessão com o bom comportamento.
Com regras. Com justiça. Quando, no fundo, o que você deseja é ser como
eu.”
Mas Hook já tinha parado de escutar. Seus olhos estavam nas portas
que davam para a parte interna do navio, vendo os Predadores Noturnos
esparramarem-se para o convés. Estavam em doze, sem o chapéu e o véu,
com rostos tão pálidos em contraste à roupa preta que pareciam pequenas
luas no céu noturno.
“Eles voltaram para me pegar”, James resmungou.
Mas em vez de fazer isso eles puxaram as cordas em uma coreografia
enérgica, ajustando as velas do navio. Hook não tinha ideia do que eles
estavam fazendo. O mar estava extremamente calmo. Entretanto, um
instante depois, o vento começou a soprar nas velas inclinadas e o navio
continuou seu curso. Os Predadores Noturnos se reuniram como zumbis e,
sem dizer nada, voltaram para dentro.
“Como eles sabiam que ia começar a ventar?”, Hook perguntou.
“Por que não pergunta a eles?”, Rafal disse.
James suspirou. Os Predadores Noturnos nunca falavam, nunca
mudavam de expressão, exceto quando queriam o sangue de Hook. Aí seus
olhos ficavam agitados, eles colocavam a língua para fora e entoavam um
zumbido estranho, como um coro de abelhas, como se o sangue dos outros
fosse sua única conexão com a vida. O sangue de Hook tinha um valor
especial para eles. Tanto que eles conduziriam essa missão até uma prisão
no fundo do mar. Seria pelo azul vivo? Ou por alguma outra coisa? Algum
sabor que eles eram capazes de sentir e que Hook jamais saberia?
Independentemente da resposta, James tinha uma certeza. Não
sobreviveria se permanecesse muito mais tempo sendo escravo de sangue
deles.
“Amanhã é o oitavo dia, o que significa que amanhã vamos
submergir”, Rafal disse em tom suave, como se lesse a mente dele. “Você
vai ficar bem.”
“Ah, por favor. Até parece que você se importa”, James resmungou.
“Até onde eu sei, você vai me matar assim que chegarmos à prisão.”
Rafal contorceu os lábios.
James endireitou o corpo.
“Você vai me matar?”
“Hum, era o que eu estava pretendendo”, Rafal admitiu. “Só precisava
do seu sangue. Depois que os Predadores Noturnos nos levarem até a
prisão, consigo encontrar o caminho de volta. E não parece que o Capitão
Pirata quer que eu te leve de volta. Seria mais conveniente para mim e
para ele se você desaparecesse.”
Hook não tinha como ficar mais pálido, uma vez que já tinha perdido
muito sangue, mas ainda assim ele conseguiu assumir um novo tom de
branco.
“Toda aquela baboseira sobre eu perguntar aos Sader como derrotar
Pan…”
“Foi você que confiou em um Diretor da Escola do Mal”, Rafal deu
de ombros. “Até sua irmã saberia que não se deve fazer uma coisa dessas.”
James não conseguia falar.
“Mas você me lembra do meu irmão”, Rafal acrescentou. “E por mais
que eu ache meu irmão reclamão, hipócrita e fraco, qualidades que vocês
dois compartilham… existe algo de afetuoso em tê-lo por perto…” Ele
olhou para o mar, deixando o garoto decifrar os planos que o Diretor da
Escola do Mal tinha para ele.
James só conseguia pensar: Continue falando. Continue fazendo ele se
lembrar do irmão.
“Por que esse navio se chama Inagrotten?”, James perguntou.
Rafal fez uma pausa, como se ponderasse se deveria ou não continuar
interagindo com esse rapaz que pretendia matar.
“Todos os navios dos Predadores Noturnos têm o mesmo nome”, ele
finalmente respondeu. “‘Inagrotten’ é a palavra deles para paraíso – uma
terra de noite infinita que os espera do outro lado. As pessoas acham que os
Predadores Noturnos são necrófagos, mas eles são exploradores. Só que em
vez de velejar para leste e oeste, eles velejam para baixo, procurando a
terra prometida. Enquanto isso, subsistindo à base de sangue de homens
jovens, eles abastecem o coração com força suficiente para sobreviver a
mergulhos longos e profundos. É por isso que eles cobiçam seu sangue, já
que pode ter sangue de sereia. Imagine os poderes que eles teriam para
viver no fundo do mar…”
“Bem, eu não bebo sangue humano e, até onde eu sei, você também
não”, James observou. “Então como nós vamos sobreviver ao mergulho?”
Rafal riu.
“Sou imortal, seu bobo. Sangue de mago corre em minhas veias.
Preciso dos Predadores Noturnos para encontrar a prisão, mas o mergulho
não traz ameaça nenhuma para mim. Quanto a você… bem…”
James encarou o Diretor da Escola do Mal, chocado. Rafal, porém,
estava passando em direção à cozinha do navio, sem olhar para trás.
Hook dormiu como se estivesse morto. Estava tão fraco que mal se
lembrava da última sessão com as sanguessugas nem o que fez para passar a
manhã, além de contemplar sua morte assim que o navio submergisse.
Enquanto isso, os Predadores Noturnos e Rafal se reuniam sobre um mapa
em outro recinto. Rafal falava em voz baixa, os Predadores estavam em
silêncio total. Como aqueles sanguessugas se comunicavam? Rafal havia
negociado a viagem com eles. Ele tinha feito um acordo envolvendo o
sangue de Hook. Claramente, eles se entendiam. Será que seus poderes de
feiticeiro incluíam a leitura de mentes?
Hook caiu no sono novamente.
Quando Rafal o acordou, o sol havia se posto e o Diretor da Escola do
Mal o puxou para o convés, onde os Predadores Noturnos tinham se
dispersado sobre as velas como uma trupe de equilibristas de circo, uns
segurando cordas, outros pendurados no cordame e alguns empoleirados
sobre mastros.
“Está na hora”, Rafal disse.
O pânico em relação ao que estava prestes a acontecer queimava a
garganta de James. Ele resistiu ao domínio do Diretor da Escola.
“Você não pode me matar… Minha família… Eles vão acabar com
você.”
“Você é mesmo como Rhian”, Rafal afirmou, empurrando-o contra
um mastro. “Vocês dois. Tão crédulos. Tão abertos àqueles que poderiam
machucá-los. Como podem viver com um coração tão grande?”, James
ficou olhando fixamente para ele, sem palavras, enquanto o Diretor o
amarrava ao mastro com uma corda grossa. “Não deixe isso soltar.”
“Eu não quero morrer!”, Hook gritou, mas o Diretor da Escola do Mal
já estava apertando uma corda ao redor da própria cintura.
“Pronto!”, Rafal gritou para os Predadores, os rostos brancos no escuro
como máscaras.
Os Predadores Noturnos agarraram as cordas e o cordame,
reproduzindo um murmúrio baixo, o mesmo zumbido que surgia quando
desejavam o sangue de Hook…
“Não!”, Hook exclamou, ofegante.
De uma só vez, eles saltaram das cordas, derrubando as velas e
instalações, tombando o mastro para a lateral e inclinando o Inagrotten
para dentro do mar. A água salgada devorou o navio e invadiu o nariz e os
pulmões de Hook. O jovem estava muito fraco e tomado pelo pânico para
expeli-la, afogando-se de dentro para fora. Debatendo-se contra o mastro,
ele engoliu o mar, sua mente foi ficando anuviada, escurecendo, os
membros inchados ficaram frouxos, mas ele continuou agarrado à corda,
engasgando-se em seus últimos suspiros…
Depois ele sentiu mãos geladas em seu pescoço e, pela fresta dos
olhos, vislumbrou Rafal abraçado a ele, o Diretor da Escola suspenso pela
corda ao redor da cintura. Ele levantou o queixo de James com cuidado,
encostou a boca na dele, e soprou um ar congelante para seu interior, tão
frio que queimou como o fogo de um dragão. De repente, James
conseguiu voltar a respirar. E respirar debaixo d’água, com o coração
pulsando em um novo ritmo estranho, lento e lânguido, endurecendo e
embotando seus sentidos. Havia uma morte por dentro agora. Uma
evaporação da compaixão. O que restou foi um egoísmo impassível.
Qualquer temor ou dúvida por estar ali tinham desaparecido. Ele tinha ido
atrás de respostas sobre como matar Pan e dominar a Terra do Nunca. E
não sairia sem elas.
No escuro, James viu a luz gélida dos olhos de Rafal sobre ele, uma
expressão curiosa em seu rosto, como se em vez de matar o garoto, ele
tivesse feito o oposto e lhe dado uma nova vida.
“O que você fez comigo?”, James perguntou. Suas palavras
atravessaram a água com nitidez.
“Soprei um pouco de mim em você”, Rafal disse. “É temporário, não
se preocupe.” Depois ele sorriu. “A menos que você goste.”
Eles permaneceram ali, olhando nos olhos um do outro em um
instante infinito, eterno, e Hook ficou imaginando se Rafal ainda o estava
vendo, ou se estava vendo a si mesmo, os dois garotos congelados como
espelho e reflexo, tempo e espaço desaparecendo no vazio escuro do mar.
Um brilho dourado os acordou.
Os dois garotos olharam para baixo.
Lá no fundo, um gigantesco cubo dourado cintilava, fortificado por
milhares de longas estacas de ferro, prontas para matar.
Rafal sorriu.
Eles haviam chegado à prisão.
7
É
“Eu amo quando a situação se agrava. É o que eu chamo de diversão”,
Rafal disse. Ele piscou os olhos. “Você me parece familiar…”
“Quintana de Drupathi. Fui aluna de sua escola”, a mulher
respondeu. “Você me disse que eu era arrogante e hipócrita e que não
conquistaria muita coisa.”
“E estava certo, não estava? Você administra uma prisão. Uma prisão
controlada por líderes do reino, então não passa de uma funcionária”, Rafal
disse. “Está bem longe de ter o que é preciso para se tornar uma lenda do
Mal.”
Quintana franziu o cenho.
“E ainda assim você está aqui, tentando entrar na minha prisão.
Imagino o que seira preciso para matar um mago. Seria divertido tentar.”
Rafal não reagiu.
“Estamos aqui para falar com os Sader.”
“Eu sei. Eles me contaram há uma semana que você viria com um
jovem pirata fracassado, cujo sangue peculiar havia convencido os
Predadores Noturnos a trazer vocês.” Quintana olhou rapidamente para
Hook, depois voltou a olhar para Rafal. “Mas, como você bem sabe,
intrusos não são permitidos.”
“Quando foi a última vez que alguém conseguiu invadir?”, Rafal
perguntou.
“Durante a minha gestão? Nunca.”
“Isso vai mudar hoje”, Rafal afirmou.
“Então não há dúvida de que vou te matar”, Quintana disse. “A única
dúvida é o tempo que vou levar.”
“De fato”, Rafal disse.
Ele apontou o dedo para ela, mas nada aconteceu.
Quintana ajeitou as mangas da roupa.
“Eles também me disseram que feitiço você usaria, então criamos um
escudo contra ele. Você sabe… é o que eu chamo de diversão.” Ela olhou
nos olhos do Diretor da Escola.
“Disparar”, ela disse.
Seus guardas dispararam seus arpões, lanças farpadas deslizaram na
direção de Rafal.
Houve uma explosão de luz, estilhaçando lanças e arpões e engolindo
Quintana e os guardas em uma bolha de água gigante.
Rafal ficou olhando com espanto, como se estivesse sonhando…
então virou lentamente para Hook, que estava com o dedo esticado, com
um brilho cintilante.
Hook olhou para Quintana.
“Imagino que eles não tenham visto essa parte? A parte em que o
pirata fracassado vence?”
Mas ele só ouviu os gritos abafados de Quintana enquanto a bolha
flutuava para longe levando a mulher e seus guardas.
Hook viu Rafal franzindo a testa para ele.
“O que foi?”, James perguntou.
“Com certeza vou tirar minha magia de você quando terminarmos
aqui”, Rafal disse, pegando o garoto pelo braço e nadando com ele para
dentro do cubo.
James ficou feliz por Rafal não poder notar suas mãos suadas no mar.
As duas vezes em que Hook tinha utilizado magia, havia feito sem pensar,
por meio de uma força nova e bruta em seu interior que se manifestava
sem seu controle consciente. Por um lado, aquilo havia salvado sua vida e a
de Rafal. Por outro… ele não gostava da sensação estranha de não
conhecer mais o próprio corpo nem do que era capaz, ou o que ia fazer.
Mas sempre que ele começava a pensar demais ou se aproximava do medo,
aquele vazio morto retornava, fazendo com que ele voltasse a se concentrar
na missão, como se sua alma tivesse uma nova bússola.
O interior da Prisão Monrovia era o oposto do que ele esperava. O
cubo era imaculado por dentro, uma pilha de celas de aquário, iluminadas
por azolas flutuantes douradas e videiras submarinas. Não havia guardas à
vista e Hook suspeitou de que tivesse dado um jeito em todos, ou na
maioria, com seu feitiço do lado de fora. Quanto às celas, cada uma era
um tanque individual com um prisioneiro dentro, que usava túnica branca
e um colar azul brilhante, o mesmo que tinha visto em Quintana e nos
guardas, e que ele imaginava que deveria ser o que sustentava a magia que
permitia que eles respirassem debaixo d’água. Ele avaliou a altura dos
tanques-cela, até beeeeeeem lá em cima. Havia pelo menos uma centena
deles.
“Como vamos encontrar os Sader?”, ele perguntou a Rafal.
“Videntes são difíceis de prender, já que sabem tudo o que vai
acontecer”, o Diretor da Escola do Mal respondeu. “Procure a cela que for
mais segura.”
“Ali”, disse Hook, apontando.
Do teto, desciam correntes de aço como os cabos de um lustre,
suspendendo um tanque isolado.
“Primeiro você me salva e agora está vendo coisas mais rápido do que
eu”, Rafal murmurou.
“Talvez eu devesse pegar o lugar de seu irmão”, Hook disse em tom de
brincadeira. “Imagine só. Eu, na Escola do Bem.”
Rafal não respondeu.
“Perguntei à rainha…
O que é mais ridículo que um Vulcano?
Ela disse: Nada, nadinha!
Perguntei ao vidente…
O que é mais inútil que um Vulcano?
Ele disse: Nada! É patente!
Perguntei à princesa…
O que é mais estúpido que um Vulcano?
Ela disse: Nada! Tenho certeza!”.
É
“É verdade”, o Capitão Pirata disse. “E matar um feiticeiro imortal
deve ser trabalhoso demais. Então o que acha de fazermos um acordo?”
“Um acordo…”, Rhian repetiu com cautela.
“Nós ajudamos a libertar seu irmão e a retomar sua escola e depois
disso James e meus alunos voltam para a Blackpool.” Hook abriu a boca
para protestar, mas o Capitão ergueu a mão, sem tirar os olhos do Diretor
da Escola do Bem. “E, em troca da liberdade de seu irmão e de nossa
partida pacífica, você nos dá o menor dos presentes.”
Rhian se inclinou para a frente.
“Que presente?”
“Aquilo”, o Capitão Pirata respondeu.
Ele apontou para o Storian no cabelo de Rhian.
A sala ficou em silêncio, mapas agitados pelo vento.
Rafal caiu na gargalhada, tanto que sua bola rolou da mesa. (Aladim
correu para ajudá-lo.)
Rhian arregalou os olhos para o Capitão.
“A Pena? Entregue a você?”
O Capitão Pirata parecia estar falando muito sério.
“E por que não? Sou um Diretor de Escola, não sou? Por que as
histórias dos alunos da Blackpool seriam menos interessantes do que as da
Escola do Bem e do Mal?”
Rhian o encarou, perplexo.
“Vocês são piratas. São exilados e pragas nas histórias de outras
pessoas.”
“E não é o que você e seu irmão são agora? Pragas exiladas?”, o
Capitão Pirata observou. “É por isso que a Pena não está escrevendo um
novo conto, certo? Porque não tem casa? Porque não se sente segura?”
Rhian sentiu a Pena esquentar atrás de sua orelha. Se estava
concordando com o Capitão ou discordando dele, Rhian não sabia. Mas,
considerando que a Pena tinha ajudado Rhian duas vezes antes, ele disse a
si mesmo que se tratava da última opção.
“O Storian me escolheu”, o Diretor da Escola do Bem afirmou. “E
também escolheu meu irmão. Nós fizemos o juramento, não você. Então,
não. Você não pode ficar com a Pena que controla nosso mundo.”
Rafal pigarreou dentro da bolha, ecoando seu gêmeo.
“Tudo bem, então”, o Capitão disse, levantando-se. “Vou acompanhar
vocês até a saída. Boa sorte na retomada da escola.”
Rhian ficou furioso.
“Você não pode estar falando sério.”
“Estou falando muito sério”, o Capitão confirmou. “Na Blackpool, o
Storian ficaria protegido. Um novo centro de poder na Floresta.
Finalmente, piratas vão ter o respeito que merecem. E, em troca, você
recupera sua escola e seu irmão.”
Rhian retrucou:
“Só se for por cima do meu cadáver.”
“Eu vou te dar a Pena”, disse uma voz.
Era Aladim, que olhava fixamente para o Capitão.
“Com a condição de que me ajude a resgatar minha namorada da
Escola do Mal.”
Aladim ergueu o Storian.
“Estamos de acordo?”
Rhian empalideceu. Tocou atrás da orelha e só encontrou seus cachos
macios.
“Aprendi com aquela vidente quando ela roubou minha bandeira”,
Aladim explicou. “Desculpe, Diretor. Mas Kyma é minha princesa.”
Perplexo, Rafal batia nas paredes da bolha.
“Estamos de acordo”, respondeu o Capitão.
Antes que Rhian pudesse fazer qualquer coisa, Aladim jogou a Pena
para o Capitão.
Ele a guardou no bolso da jaqueta.
De imediato, Rhian apontou o dedo brilhante para a cabeça do
Capitão.
“Cuidado”, o pirata alertou. “Se fizer alguma coisa idiota, seu irmão
nunca vai ser libertado.”
Devagar, Rhian abaixou o dedo.
Rafal soltou um uivo estrondoso.
Logo depois, o Capitão Pirata levou o grupo para a cozinha. Hook,
Aladim e Rhian foram rolando a bola de Rafal.
O garoto da Blackpool que atuava como cozinheiro a bordo do
Bucaneiro estava em posição de sentido, mãos cheias de camarão, rosto
salpicado com pó de curry.
“Pois não, senhor?”
“Traga a enguia-elétrica que fica no tanque da cozinha”, o Capitão
ordenou.
“Sim, senhor!”, exclamou o rapaz, apressando-se.
O Capitão se dirigiu a Rhian.
“A Prisão Monrovia fica tão nas profundezas do mar que é alimentada
por bioluminescência – uma carga elétrica que criaturas que vivem
naquela profundidade possuem. O que enxergamos como magia é
eletricidade da natureza”, ele disse, recebendo um balde branco do
É
cozinheiro. “Para romper a magia, então, temos que cortar a energia. É por
isso que todo navio pirata da Floresta tem uma destas.”
Ele tirou uma enguia-elétrica do balde e segurou a criatura junto à
superfície da bola de Rafal. De repente, a enguia e a bolha chamuscaram
com um clarão de neon ofuscante, um pulso elétrico reverberando por
ambos, até que o Capitão soltou a enguia no balde e o devolveu ao
cozinheiro. Então pegou uma faca de cozinha e estourou a bolha com um
golpe firme e certeiro.
O Diretor da Escola do Mal caiu no chão.
Rafal fez o dedo brilhar, cortou as correntes e rasgou a mordaça.
Depois acertou todos os presentes com o dedo aceso, jogando-os
magicamente contra a parede, incluindo o cozinheiro.
“EU ESTOU NO COMANDO AGORA”, Rafal vociferou.
De seu dedo, ele conjurou um chicote feito de gelo e o lançou na
direção do Capitão Pirata, roubando o Storian do bolso interno de sua
jaqueta e o segurando nas mãos.
De repente, a Pena ficou quente, queimando a pele do Diretor da
Escola do Mal e o forçando a soltá-la.
Aladim recolheu o Storian do chão e o jogou para o Capitão Pirata,
que o manuseou com facilidade, com o aço já frio, e o guardou de volta na
jaqueta.
“Huum, a Pena parece achar que eu estou no comando”, o Capitão
corrigiu.
O Diretor da Escola do Mal olhou para a palma da mão queimada.
Lentamente, olhou nos olhos de Rhian. Os dois irmãos estavam furiosos.
Rhian porque o Storian havia tomado partido de alguém que não era ele.
Rafal porque o Storian tinha simplesmente tomado partido de alguém.
“Agora, gostariam que eu ajudasse vocês a retomar sua escola ou vão
preferir continuar sendo pragas?”, o Capitão perguntou.
Os irmãos se entreolharam. Não tinham mais nada a fazer, o espírito
de luta havia se esvaído deles.
Uma bota preta voou pelos ares e acertou a cabeça de Rafal.
Todos olharam para Hook.
“Ela caiu do meu pé”, James murmurou.
O almoço foi servido do lado de fora, tigelas de caldo de ossos com
curry e cassoulet de camarão. A neblina da manhã tinha se transformado
em uma tarde abafada, o Bucaneiro estava ancorado em alto-mar, perto da
floresta que leva para a Escola do Bem e do Mal.
Todos os garotos estavam sentados na beirada do convés, cotovelos
apoiados nos joelhos, comendo em silêncio enquanto o Capitão andava de
um lado para o outro com um gato malhado mordiscando seus
calcanhares.
“Não estamos mais em sala de aula, rapazes. Sua primeira missão de
verdade como piratas está prestes a começar. O objetivo é claro: tomar a
escola de Vulcano da Floresta de Baixo e devolvê-la a esses homens.” Ele
apontou com a cabeça para Rhian e Rafal, ambos sentados em barris à sua
frente. “Em jogo está o direito de abrigar o Storian na Blackpool. Para
finalmente nos livrarmos dos rótulos que costumam nos dar – vândalos,
valentões, ingratos – e recebermos um pouco do bom e velho respeito. Sei
que nunca vou encontrar o Hook que derrota o Pan. Cada Hook que chega
é pior que o anterior.” Ele olhou para James, que o fuzilou com os olhos.
“Mas, se não podemos ter o Pan, pelo menos teremos a Pena!” Ele abriu a
jaqueta e o Storian saiu flutuando e pairou sobre a palma de sua mão. Os
alunos da Blackpool soltaram um “oooh” ao verem o instrumento lendário.
Até o gato do Capitão piscou duas vezes. “O poder de comandar a atenção
da Floresta está em nossas mãos. Mas só se tivermos coragem e
conseguirmos a proeza de lutar e vencer”, ele disse. “Então ouçam com
atenção.”
Ele virou para os gêmeos.
“O que estamos enfrentando?”
“Além de traidores de nossa própria escola?”, Rhian encarou Aladim,
sentado ali perto.
Aladim ficou corado.
“E eu que pensava que um Diretor da Escola do Bem recompensaria
um aluno por defender o amor.”
Rhian ficou sem resposta.
“Eu te disse que ele tinha mais o perfil da minha escola”, Rafal
alfinetou o irmão.
Rhian voltou a se dirigir ao Capitão.
“Quer saber o que estamos enfrentando? Duas escolas, cinquenta
alunos cada uma. Os Nuncas vão lutar por Vulcano por lealdade, os
Sempres por medo.”
“Cem? Nós estamos em doze!”, exclamou um dos garotos.
“Ai!”, os outros exclamaram em coro.
“Desde quando piratas se intimidam com números?”, perguntou uma
voz familiar e todos viraram para James Hook sob o mastro. “É para isso
que os piratas existem: para derrubar forças maiores do que nós com a
agilidade e a rapidez dos ladrões! Foi por isso que fui para a Blackpool.
Para encontrar uma tripulação que me ajudasse a derrotar Pan. Um Pan
que tem toda a Terra do Nunca ao seu lado. Mas não importa quantos
Garotos Perdidos, sereias e guerreiros lutam por ele. A tripulação certa,
ousada, implacável, destemida, é capaz de derrotá-lo. Vocês são essa
tripulação? São vocês que vão conseguir matar Peter Pan? Bem, vocês vão
precisar me mostrar do que são capazes, assim como vou precisar mostrar
do que sou capaz. Sei que o Capitão Pirata acha que não vou conseguir. E
sei que muitos de vocês duvidam de mim também, acham que não sou
páreo para ele. Mas o Storian contou a minha história. A Pena me
escolheu. A Pena pela qual estamos lutando. O Capitão Pirata pode dizer
isso?” O Capitão arregalou os olhos, mas James ganhou força. “Eu já me
superei. Mostrei que farei de tudo – Bem, Mal e tudo o que há entre os
dois – para ser um Hook melhor que meu pai e que o pai do meu pai. O
Hook que vai dar orgulho à Blackpool. Sobrevivi a Predadores Noturnos
sanguessugas, a feiticeiros assassinos e à morte no fundo do mar para estar
aqui e lutar com vocês. Para liderar vocês. Como seu capitão. Vamos
retomar essa escola. Vamos reivindicar a Pena. E, diabos, doze piratas da
Blackpool valem mais que mil desses Sempres e Nuncas fracotes, eu diria!”
“Hurra!”, os garotos gritaram e pularam, derramando caldo e
derrubando as tigelas. “Capitão Hook! Capitão Hook! Capitão Hook!”
“Não é só isso, James”, Rafal resmungou. “Vulcano tem uma vidente
trabalhando para ele. Uma garota que vê tudo antes de acontecer.”
A comemoração arrefeceu.
“Ixe! Aí complicou”, disse o garoto com cara de fuinha. “Como a
gente vai dá um jeito nessa daí?”
Hook saltou para o mastro, balançando-se no cordame.
“O único futuro que ela vai ver é a gente invadindo a escola com
tudo!”
“Hurra!”, os garotos urraram. “Hook! Hook! Hook!”
“E Vulcano tem sessenta soldados da Floresta de Baixo e uma tropa
de lobos gigantes”, Rhian acrescentou, “além daqueles guardas da
Monrovia, munidos de armas letais e magia.”
Os garotos da Blackpool ficaram em silêncio. Eles olharam para
Hook.
“Talvez seja melhor voltarmos para casa”, Hook disse em voz baixa.
O Capitão Pirata riu.
“Ah, James.”
Ele acariciou o Storian, que dançava na palma de sua mão.
“A diferença entre você e um capitão de verdade é que quanto piores
as condições de um jogo, mais eu me empolgo para jogar.”
7
SALVEM A GENTE.
3
Hook havia sugerido que dessem uma volta ao redor do lago, porém,
Rhian não quis correr o risco de serem vistos por Rafal quando ele voltasse.
Então ele levou o garoto até a sala de jantar do Bem, ambos andando em
silêncio para não acordar os Sempres.
Rhian avaliava o rapaz de canto de olho. Ele tinha crescido desde que
o Storian contara sua história – não tanto em tamanho, mas em
maturidade. O jovem esquisito e encurvado de que ninguém da Blackpool
gostava já não existia mais, substituído por um homem confiante. Ele
também parecia mais bonito, com membros longos e esguios, um queixo
esculpido, cabelos brilhosos e sobrancelhas escuras e densas sobre olhos
pretos.
Rhian não sabia muito bem por que não queria que Rafal o visse com
James – não era culpa de Rhian que o garoto tivesse aparecido de repente,
exigindo se candidatar à vaga de Reitor do Bem. Mas Rhian também sabia
que Hook e seu irmão do Mal tinham forjado um forte laço e Rafal não
gostaria de ver seu irmão sozinho com ele.
Por isso, quando chegaram à sala de jantar, Rhian começou dizendo
com todas as letras:
“James, você não devia estar aqui.”
O jovem olhou para a sala de jantar vazia.
“Por acaso tem comida aqui? Estou um pouco faminto depois da
viagem de navio.”
Rhian chamou uma panela encantada com um assobio, que acordou
e levou até a mesa uma bandeja com queijo, salame, picles e azeitonas e
uma jarra de chá de cevada, bufando para indicar que poderia ter feito algo
melhor em um horário mais sensato.
“Você veio da Blackpool até aqui de navio?”, Rhian perguntou quando
se sentaram.
“Não exatamente”, disse Hook, cuidando para não falar de boca
cheia. “Os rapazes quiseram parar em Akgul por uma noite e ir à Coelho
Preto. Por um segundo, achei que tinha cruzado com seu irmão quando
estava saindo. Tentei voltar para ver… mas o goblin não deixou.”
“Rafal na Coelho Preto?”, Rhian comeu uma azeitona. “Duvido
muito que o Diretor da Escola do Mal estivesse em um bar de
adolescentes.”
Hook tomou o chá.
“Sua escola é impressionante. Ver tudo isso de perto da última vez
mexeu com alguma coisa em mim. Eu gostaria de ser seu reitor.”
Rhian riu.
“Quanta bobagem. Por que está aqui de verdade?”
James se inclinou para a frente, arqueando as sobrancelhas grossas.
“Estou falando sério, Rhian. Quando estive na Coelho Preto, vendo
todos aqueles garotos da Blackpool pulando e gritando, agindo como
vândalos, eu me dei conta… posso ser melhor do que isso. Eles são piratas
porque gostam de atacar, pilhar e causar confusão. Eu não. Sou pirata
porque quero dar orgulho à minha família. E por muito tempo achei que a
única forma de fazer isso era matando Pan. Porque era o que minha família
considerava Bom e certo – derrotar o menino e tomar a Terra do Nunca
em nosso nome, mesmo depois de tantos Hook terem morrido perseguindo
esse objetivo. Mas então comecei a pensar… E se esse não fosse o único
caminho para o Bem? E se houvesse outra forma de levar a glória à minha
família? Foi só a sementinha de uma ideia… Na manhã seguinte, quando
voltamos para o cais, vimos outro navio chegando cheio de suprimentos –
um navio levando candidatos a Reitor da Escola do Bem, vindos de toda a
Floresta. Havia uma vaga aberta, estavam dizendo. De repente, eu já estava
entrando no barco, me escondendo embaixo do convés. Aquela semente
de ideia tinha brotado. Sua escola acenou para mim como um novo
caminho no escuro. O caminho não só para o maior Bem possível, mas
também para, pelo menos, fazer o nome Hook valer alguma coisa.”
Rhian riu.
“Desculpe o ceticismo. Você desistiria de matar o Pan. Desistiria de
governar a Terra do Nunca. Para dar aula? Para alunos pouco mais novos
que você?”
“Sejamos sinceros, Rhian. Eu não quero morrer”, disse Hook. “Meu
pai e o pai dele e o pai do pai dele… todos morreram combatendo Pan. E
meu pai era melhor combatente que eu. Como vou saber se eu derrotaria
Pan? Não consegui as respostas de que precisava com os Sader. Não tenho
plano nem arma secretos para matar aquele demoniozinho aparentemente
invencível. Também não tenho tripulação de confiança para lutar ao meu
lado. Talvez, apenas talvez, se eu tivesse seus melhores Nuncas a bordo do
meu Jolly Roger, poderia ter uma chance. Vi como eles lutaram por
Vulcano. Os mais talentosos alunos do Mal contra Pan? Talvez. Mas só os
garotos da Blackpool…? Não. As chances são mínimas. Se eu quiser viver,
é hora de deixar de ser pirata. Não existe mais Capitão Hook. Mas Reitor
Hook? Talvez esse nome tenha mais valor. Porque desta vez não estou
lutando por mim, mas pelo futuro de outros.”
O Diretor da Escola do Bem tamborilou os dedos sobre a mesa, nada
convencido.
“Você acha que não sou capaz”, Hook disse.
“Não tenho nenhuma evidência de que você é”, disse Rhian. “Por que
eu escolheria você, um pirata sem nenhuma realização, em vez da Reitora
Hedadora, com quarenta anos de experiência à frente de escolas,
diplomada nos valores e ideias do Bem e que sabe o que é ser reitora?”
“Porque ninguém vai gostar dela”, Hook afirmou.
Rhian contraiu os lábios.
“Você acha que isso não importa”, Hook respondeu. “Vou te fazer
uma pergunta. Por que Vulcano conquistou a lealdade dos Nuncas? Por
que ele levantou tanto o nível deles a ponto de seus Sempres serem feitos
de reféns e ficarem impotentes? Como ele os transformou em um grupo de
quem qualquer um teria orgulho, forte, leal e unido? Eles não lutaram
daquela forma por Rafal. Mas sim por Vulcano. Por quê?”
Rhian pigarreou para responder…
“Porque as pessoas gostavam de Vulcano”, Hook interrompeu.
“Ninguém vai fazer esse esforço todo pela Reitora Inodora, ou seja lá qual
for o nome dela. Ninguém vai se sentir inspirado por ela. Porque ela não
sabe como seus alunos se sentem. Eu sei como eles se sentem:
desesperados por glória, determinados a construir um nome para si
mesmos… mas sem saber direito por onde começar. Por que você acha que
o Capitão Pirata conquista a lealdade eterna de seus piratas? Porque ele é
jovem e ávido, assim como nós. Mas ele tem a sabedoria de ter desistido de
sua busca pela glória pessoal para ajudar os outros a encontrarem. Posso ser
seu Capitão Pirata. Posso ser seu Vulcano. Só que, diferentemente deles,
você vai poder confiar em mim.”
“E quanto a Rafal?”, Rhian perguntou de maneira incisiva. “O que
vamos dizer a ele? Que seu precioso James agora é meu funcionário?”
“Ele teve sua chance de lutar comigo”, James explicou. “O que eu
escolho fazer agora é problema meu.”
Rhian ficou olhando para ele por um instante. Depois sacudiu a
cabeça.
“Não. Não. Não.”
“Três dias”, Hook pediu com tanta ênfase que Rhian paralisou. “Você
tem que me dar três dias como reitor para eu provar que sou capaz. Nem
que seja por eu ter lutado por você contra Vulcano e te ajudado a salvar sua
escola. É o que alguém do Bem faria. Depois de três dias, se não estiver
convencido, tudo bem. Eu volto para a Blackpool.”
Rhian olhou para ele e suspirou.
“James…”
“Três dias”, o rapaz repetiu. Ele estendeu a mão sobre a mesa e pegou
no braço de Rhian. “Rhian. O que você tem a perder? Só tem a ganhar:
um reitor, um amigo, um companheiro. Caso Rafal te deixe algum dia. Ele
já fez isso antes, não é?”
Desta vez, o Diretor da Escola do Bem ficou em silêncio.
“Rafal já me teve ao lado dele uma vez. Ele poderia ter ido comigo
para a Terra do Nunca lutar contra o Pan, porém, recusou. Problema
dele”, o garoto disse, encarando-o. “Agora é a sua vez de ter James Hook
para você.”
O Diretor olhou para os olhos escuros e profundos do garoto.
E se? Uma alma gêmea, não para Rafal… mas para ele…
Rhian se afastou.
“Um dia”, ele disse, levantando-se. “Depois a Reitora Inodora
assume.”
9
É
“É assim que se fala!”, Hook exclamou, colocando o braço ao redor do
Diretor e o levando para dentro.
Nenhum dos dois viu a figura subir na sacada quando eles saíram,
observando o irmão e o amigo abraçados ao entrar no castelo do Bem.
Rafal ficou um bom tempo lá depois que eles saíram.
Mas só estava pensando em uma coisa.
Rhian tinha sido sincero com Hook.
Mais sincero do que jamais tinha sido com seu irmão gêmeo.
Mas Hook?
Hook com certeza estava mentindo.
17
Escolho vocês.
Dois irmãos.
Um para o Bem.
Um para o Mal.
Seus alunos mataram sua filha. Agora ela quer se vingar. Mais de
três milhões de exemplares vendidos. O mundo da professora Yuko
Moriguchi girava em torno da pequena Manami, uma garotinha de 4
anos apaixonada por coelhinhos. Agora, após um terrível
acontecimento que tirou a vida de sua filha, Moriguchi decide pedir
demissão. Antes, porém, ela tem uma última lição para seus pupilos.
A professora revela que sua filha não foi vítima de um acidente,
como se pensava: dois alunos são os culpados. Sua aula derradeira
irá desencadear uma trama diabólica de vingança. Narrado em
vozes alternadas e com reviravoltas inesperadas, Confissões
explora os limites da punição, misturando suspense, drama,
desespero e violência de forma honesta e brutal, culminando num
confronto angustiante entre professora e aluno que irá colocar os
ocupantes de uma escola inteira em perigo. Com uma escrita direta,
elegante e assustadora, Kanae Minato mostra por que é
considerada a rainha dos thrillers no Japão.