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A Democracia Como Valor Universal

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Capa:

EUGENIO HIRSCH

Diagramação:
LÉA CAULLIRAUX

Revisão tipográfica:
LÚCIA MOUSINHO

Revisão de originais:
REGINA MELLO BRANDÃO

Foto de capa:
WALTER GHELMAN (Rio de Janeiro)

As ilustrações que se encontrará neste volume são de autoria do jovem


artista inglês Edward Pag'ram, a quem ENCONTROS COM A CIVILIZAÇÃO
BRASILEIRA presta, desse modo, uma homenagem

CIP-Brasil. Catalogação—na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

E46 Encontros com a Civilização Brasileira /


Énio Silveira . . . /et al. /—Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1979
(Encontros com a Civilização
Brasileira; v. 9)

Resumos biográficos

1. Ensaios — Coletânea I. Silveira, Enio II.


Série

CDD _ 808.84
790175 CDU - 824 (082)
A Democracia
Como Valor Universal

Carlos Nelson Coutinho


Ensaísta e tradutor. Autor de Literatura e Humanismo
(1967), 0 Estruturalismo e :: Miséria da Razão (1972) e,
em colaboração, Realismo e Ami-realismo na Literatura
Brasileira (1974).

A questão do vínculo entre socialismo e democracia marcou sempre,


desde 0 micio, o processo de formação do pensamento marxista; e, direta ou
indiretamente, esteve na raiz das inúmeras controvérsias que assinalaram e
assinalam & história da evolução desse pensamento. Não se deve esquecer
que Marx, antes de empreender a sua monumental crítica da economia
' política, já havia esboçado em suas obras juvenis os pressupostos de uma
crítica da política, de uma crítica da democracia representativa burguesa; e
que Engels chegou ao fim da vida preocupado com as novas condições que a
conquista do sufrágio universal (da ampliação da democracia) colocava ao
- mºvimento operário socialista. Por outro lado, a questão do valor universal
da democracia está na base não apenas das polêmicas entre “revisionistas” e
“ortodoxos”, na virada do século, mas reaparece igualmente entre os princi-
pais representantes da esquerda marxista na época imediatamente subse-
quente à Revolução de Outubro: basta aqui recordar a polêmica entre Rosa
Luxemburgo, por um lado, e Lênin e Trótski, por outro, acerca da conserva-
ção de certos institutos democráticos sob o governo proletário que surgira
daquela Revolução.

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E, se hoje se generaliza entre os» marxistas ocidentais a rejeição do
“modelo soviético” como modelo universal de socialismo, isso resulta em
grande parte de uma diversa'concepção do vínculo socialismo-democracia
por parte desses marxistas Concepção que Enrico Berlinguer sintetizou ex-
pressivamente no discurso que pronunciou em Moscou, em 1977, por oca-
sião do 60.º aniversário da Revolução de Outubro: “A democracia e hoje
não apenas o terreno no qual o adversário de classe é obrigado a retroceder,
mas é também o valor historicamente universal sobre o qual fundar uma
original sociedade socialista”. Essa universalidade não deve ser concebida
apenas num sentido teórico; o valor da democracia não se limita a áreas
geográficas. Pois se há por sua vez algo de universal nas reflexões teóricas e
na prática política do que é hoje chamado de eurocomunismo, esse algo é
precisamente o modo nºvo — um modo dúzletícamente novo, não uma
novidade metafisicamente concebida como ruptura absoluta — de conceber
essa relação entre socialismo e democracia.
Uma prova dessa universalidade são as acesas polémicas que têm hoje
lugar entre as forças progressistas brasileiras, envolvendo o significado e o
papel da luta pela democracia em nosso País. Pode-se facilmente constatar,
nesse sentido, a presença de diferentes e até mesmo contraditórias concep-
ções de democracia entre as correntes que se propõem representar os interes-
ses populares e, em particular, os das massas trabalhadoras. Trata-se de um
fato normal e saudável, contanto que não se perca de vista a necessidade
imperiosa de acentuar — na presente conjuntura * aquilo que une a todos os
oposicionistas, ou seja, a luta pela conquista de um regime de liberdades
político-formais que pºnha definitivamente termo ao regime de' exceção
que, malgrado a fase de transição que se esboça, ainda domina em nosso
País.
Não creio que nenhuma formação popular responsavel ponha hoje em
dúvida a importância dessa unidade em tomo da luta pelas liberdades demo-
cráticas tais como essas são definidas, entre outros, no atual programa do
MDB. Todavia, há correntes e personalidades que revelam ter da democracia
uma visão estreita, instrumental, puramente tática; segundo tal visão, a de-
mocfacia política — embora útil à luta das massas populares por sua organi-
zação e em defesa dos seus interesses econômico-corporativos — não seria
mais, em última instância e por sua própria natureza, do que uma nova
forma de dominação da burguesia, ou, mais concretamente, no caso brasilei-
ro, dos monºpólios nacionais e internacionais.
Essa visão estreita se baseia, antes de mais nada, numa errada concepção
da teoria marxista do Estado, numa falsa e mecânica identificação entre
democracia política e dominação burguesa. Mas implica, em segundo lugar,
ainda que por vezes implicitamente, uma concepção equivocada das tarefas

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se colocam atualmente ao conjunto das forças populares brasileiras:
.as” tarefas não podem ser identificadas com a luta imediata pelo socialis-
mº, mas sim com um combate árduo e provavelmente longo pela criação dos
stos políticos, econômicos e ideológicos que tornarão possível o es-
ubelecimento e a consolidação do socialismo em nosso País.
Nosso objetivo, no presente artigo, é esboçar sumariamente — muito
mais levantando questões do que propondo reSpostas sistemáticas — os tópi-
(98 essenciais dessas duas ordens de questões. Em primeiro lugar, tentaremos
um; como o vínculo socialismo-democracia é parte integrante do patri-
monio categorial do marxismo; e, em segundo, mostraremos como a renova-
democrdtica do conjunto da vida nacional — enquanto elemento indis-
pensável para a criação dos pressupostos do socialismo — não 'pode ser
encarada apenas como objetivo tático imediato, mas aparece como o conteu-
"do estratégico da etapa atual da revolução brasileira.

1, Algumas questões de princípio sobre o vínculo entre socialismo e demo—


cracia pºlítica

Quando, em polêmica com Kautsky, Lênin afirmou que não existia


“democracia pura”, que a democracia era sempre ou burguesa ou proletária,
de não punha em discussão o que Berlinguer chama hoje de valor universal“
da democracia política. O que Lênin tinha em vista, contra o formalismo
oportunista de Kautsky, não era negar a validade do substantivo democracia,
mas lembrar que — no plano do conteúdo concreto — ele aparece sempre
adjetívado. Em outras palavras: fiel ao ensinamento de Marx e Engels, Lênin
afumava não poder existir — salvo em breves períodos de transição — regime
estatal sem conteúdo de classe determinado, sem que uma classe fundamen-
tal no modo de. produção determinante exerça através desse regime (não
importa por meio de quantas mediações) sua dominação sobre o conjunto
da sºciedade.
Tendo sempre combatido, desde sua juventude, as interpretações redu-
toras e econornicistas do marxismo, Lênin não podia negar a autonomia
relativa das superestruturas no seio da totalidade social; a acentuação leni-
neana do papel da subjetividade humana na práxis, do papel da política, em
ºposição às interpretações economicistas (objetivistas) dominantes no mar-
xismo da II Internacional, tem sua base teórica nessa visão dialética da
autonomia relativa das superestruturas. Portanto, se quisermos ser fiéis ao
método de Lêninl , temos de chegar à seguinte cºnclusão: é verdade que o
conjunto das liberdades democráticas em sua forma moderna (o princi'pio da

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Soberania e da representação popular, o reconhecimento legal do pluralismo,
etc.) tem sua gênese histórica nas revoluções burguesas, ou mais precisamen-
te, nos amplos movimentos populares que terminaram (mais ou menos invo-
luntariamente) por abrir o espaço politico necessário à consolidação e repro—
dução da economia capitalista; mas é igualmente verdade que, para o mate-
rialismo histórico, não existe identidade mecânica entre gênese e validade.
Lênin certamente conhecia a observação de Marx segundo a qual a arte de
Homero não perde sua validade universal — e inclusive sua função de
modelo — com o desaparecimento da sociedade grega primitiva que constitui
sua necessária gênese histórica.
Se, como acreditamos, a observação de Marx tem alcance metodológico
geral (malgrado as concretizações que devem ser feitas em cada esfera con-
creta do ser social), podemos extrair dela uma conclusão acerca da questão
da democracia: nem objetivamente, com o desaparecimento da sociedade
burguesa que lhes serviu de génese, nem subjetivamente, para as forças em—
penhadas nesse desaparecimento, perdem seu valor universal inúmeras das
obj etivações ou formas de relacionamento social que compõem o arcabouço
institucional da democracia política.
E não se trata apenas de constatar o óbvio: o valor que continuam a ter
para as forças do progresso, nas sociedades capitalistas de hoje, a conserva-
ção e a plena realização desses institutos democráticos, conservação e reali-
zação que são asseguradas em grande parte — e muitas vezes em oposição aos
interesses burgueses atuais —— pela luta do movimento operário organizado. É
preciso ir além dessa constatação e afirmar claramente que, tanto na fase de
transição quanto no socialismo plenamente realizado, continuarão a existir
interesses e opiniões divergentes sobre inúmeras questões concretas; e isso
porque — ao contrario do que afirma a concepção stalinista — o processo de
extinção das classes faz certamente com que a sociedade tenda à unidade,
mas não significa de modo algum a sua completa homogeneização. E, dado
que mesmo essa unidade tendencial é uma unidade na diversidade, e funda-
mental que tais interesses divergentes encontrem uma forma de representa-
çã'o polr'tica adequada. ,
A pluralidade de snj-irs políticos, a autonomia dos m
massa (da sociedade civil) em relação ao Estado, a liberdade de organização,
a legitimação da hegemonia através da obtenção do consenso majoritário:
todas essas conquistas democráticas, portanto, continuam a ter pleno valor
numa Sociedade socialista. (E não é preciso recorrer a Gramsci ou aos teóricos
atuais do eurocomunismo para afirmar isso: Lênin foi um dos primeiros a
reconhecer esse valor quando se ºpôs à transformação dos sindicatos em
“correias de transmissão” do Estado sºcialista, na famosa polêmica que
travou com Trótski em 1921). Estamos diante de formas de relacionamento

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sociªl sem as quais não se cumpre o que Marx e Engels exigiam do socialis-
moi “que o livre desenvolvimento de cada um fosse a condição necessária
a o livre desenvolvimento de todos”. Portanto, para aqueles que, em
nome dos interesses historico—universais dos trabalhadores, lutam pelo so-
dualismº, a democracia política não é um simples principio tático: é um
valor estratégico permanente, na medida em que e' condição tanto para a
conquista quanto para a consolidação e aprofundamento dessa nova socieda-
de.
Isso não significa, decerto, que a democracia sºcialista, mesmo do pon-
to de vista político-institucional (ou seja, mesmo deixando de lado as pro-
fundas transformações econômicas e sociais — gradativa abolição da proprie-
dade privada dos meios de produção — que ela implica para sua completa
realização), possa ser vista como uma simples continuação da democracia
liberal tal como essa foi concebida pelos teóricos do século XVIII (Locke,
Montesquieu, etc.), ou mesmo tal como aparece na prática dos mais avança-
dos países capitalistas de hoje. A concepção segundo a qual a velha máquina
estatal deve ser destruída para que se possa implantar a nova sociedade —
uma metáfora que é muitas vezes entendida em sentido demasiadamente
literal — quer indicar precisamente que a democracia política no socialismo
pressupõe a criação (e/ou a mudança de função) de novos institutos políti-
cos que não existem, ou existem apenas embrionariamente, na democracia
liberal clássica E, do mesmo modo como as forças produtivas materiais
necessárias à criação da nova formação econômico-social já começam a se
desenvolver no seio da velha sociedade capitalista, assim também esses ele-
mentºs da nova democracia já se esboçam — frequentemente em oposição
aos interesses burgueses e aos pressupostos teóricos e práticos do liberalismo
clássico — no seio dos regimes políticos contemporâneos dominados pela
burguesia. Retiro-me aos mecanismos de representação direta das massas
populares (partidos, sindicatos, associações profissionais, comitês de empre-
sa e de bairro, etc.), mecanismos através dos quais essas massas pºpulares —
e em particular a classe operária — se organizam de baixo para cima e
constituem aquilo que poderíamos chamar de sujeitºs políticos coletivos.
Não seria difícil mostrar como a formação desses sujeitos políticos
coletivos — não previstos pela atomista teoria liberal clássica — corresponde
aos processos de socialização da produção que se acentuam no capitalismo e,
,em particular, no capitalismo monopolista de Estado. Portanto, é a própria
reprodução capitalista enquanto fenômeno social global que impõe essa cres-
cente socialização da política, ou seja, a ampliação do número de pessoas e
de grupos empenhados politicamente na defesa dos seus interesses específi-
cos. A essa socialização objetiva da participação política deve corresponder,
em medida cada vez maior, uma socialização dos meios e dos processos de

37
governar o conjunto da vida social; Nesse sentido, o socialismo não consiste
apenas na socialização dos meios de produção, uma socialização tomada
possível pela prévia socialização do trabalho realizada sob o impulso da
própria acumulação capitalista; ele consiste também — ou deve consistir —
numa progressiva socialização dos meios de governar, uma socialização tam-
bém aqui tornada possível pela crescente participação das massas na vida
política, através dos sujeitos politicos coletivos que as vicissitudes da repro-
dução capitalista — sobretudo na fase monopolista — impõem às várias
classes e camadas sociais prejudicadas pela dinâmica privatista dessa reprodu-
ção2 .
Em outras palavras: o socialismo não elimina apenas a apropriação pri-
vada dos frutos do trabalho coletivo; elimina também - ou deve eliminar — ª;
a apropriação privada dos mecanismos de' dominação e de direção da so-
ciedade como um todo. A superação da alienação econômica é condição
necessária mas não suâciente para a realização do humanismo socialista: essa
realização implica também a superação da alienação política. (Urna neces- *
sidade de que Lênin era também consciente: basta lembrar a sua concepção
da cozinheira que dirige o Estado) A superação da alienação política pres- ;
supõe o fim do isolamento” do Estado, sua progressiva reabsorção pela
sociedade que o produziu e da qual ele se alienou; ora, isso só se tornara
possível através de uma crescente articulação entre os organismos populares %
de democracia direta e os mecanismos “tradicionais” de representação indi— &
reta (partidos, parlamentos, etc.). Essa articulação fará com que esses últi-
mos adquiram uma nova função — ampliando o seu grau de representativi- ;*
dade — na medida em que se tornarem o local de uma síntese política dós
vários sujeitos políticos coletivos. E essa síntese é imprescindível se não se
quer que esses sujeitos coletivos sejam coagulados ao nível da defesa corpo- f
rativista de interesses puramente grupais e particularistas, reproduzindo
assim a atomização da sociedade civil que serve objetivamente à dominação .
burguesa.
A idéia dessa articulação entre democracia representativa e democracia Í
direta já faz parte do património teórico do marxismo. Assim, já na década
de vinte, o austromarxista Max Adler observava que a ausência de mecanis- ;
mos de representação política geral podia converter a democracia consiliar
(dos conselhos ºperários de base) numa representação puramente corporati—
vista, incapaz de operar como ponto de partida para uma direção hegemôni-
ea unitária do conjunto da sociedade; por isso, ele propunha uma integração é
M

entre o parlamento e os conselhos operários, o que o colocava numa posição


mm».mww..u-,_._..___. ___,“ .._

intermediária entre o bolchevismo originário e a social-democracia de inspi-


ração kautskyanaª. Urna preocupação similar, ainda que sem referência
direta a Max Adler, reaparece nas reflexões contemporâneas do comunista

38
..,,

italiªnº Pietro lngrao, também ele preocupado em fundar uma “terceira via”
“entre o modelo soviético atual e a capitulação objetiva da social-democracia
de hoje a uma “gestão honesta do capitalismo“. É nossa convicção que a
democraciª de massas (a expressão é de lngrao) que deve servir de superes—
tzutinª à transição para, 'e à construção de, uma sociedade socialista tem de
surgir des'sa articulação entre as formas de representação tradicionais e os ,
' os de democracia direta; essa articulação, como dissemos, deve pro-
mover a síntese dos vários sujeitos políticos empenhados na transformação
social, uma síntese que — respeitada a autonomia e o pluralismo dos movi-
mentos de base - seja a portadora da hegemonia dos trabalhadores sobre o
governo da sociedade como um todo. O que se prºpõe, em outras palavras, é
a constituição do “autogovemo dos produtores associados”, a que se refe-
riam Marx e Lênin.
E, quando falamos de hegemonia, colocamos também um ponto de
discrimmação entre o liberalismo e a democracia, ou, noutras palavras, entre
a concepção burguesa e a concepção marxista da democracias. A teoria
liberal clássica parte do reconhecimento de uma pluralidade de sujeitos indi-
viduais autônomos e supõe — sobre a base de uma idealização dos mecanis-
mos reguladores do mercado capitalista — que os interesses plurais de tais
sujeitos serão automaticamente harmonizados e coordenados: a mítica “mão
invisível” de Adam Smith se encarregada de fazer com que a máxima expli-
citação dos interesses egoístas individuais desembocasse num aumento do
bem-estar geral. Como tal teoria se apoiava numa falsidade de base — ao
pressupor uma inexistente igualdade real (e não apenas formal) dos sujeitos
econômicos, ou seja, ao abstrair-se do fato de que uns são donos dos meios
de produção e outros apenas de sua força de trabalho — o modo prático pelo
qual se dava aquela “harmºnização” era a subtração do poder executivo de ,
qualquer controle público, mesmo através do parlamento burguês. (Uma
tendência que só iria se acentuar na época do capital monopolista, quando o
desaparecimento da taxa média única de lucro aguça as contradições interca-
pitalistas entre setores monopolistas e não monopolistas; e quando a classe
operária começa a ganhar uma representação parlamentar própria.) O poder
executivo passa assim a ser encarnado por um grupo de burocratas que se
subtrai ao controle público e, com isso, transforma o Estado num corpo
separado e posto “acima” da sociedadeª. Não é aqui o local para insistir
sºbre o caráter aparente — ainda que se trate de uma “aparência necessária”
(Marx) — dessa separação e desse isolamento do Estado: o que a burocracia
ligada ao Executivo faz, na realidade, é “harmonizar” os interesses do capi-
tal em seu conjunto, pondo-se acima das “paixões” individuais dos capitalis-
tas singulares, eªoperar ao mesmo tempo no sentido de que tais interesses se
imponham “automaticamente” sobre o conjunto da sociedade.

39.
Nada disso impede, contudo, que na teoria liberal moderna (que foi
inteiramente assimilada pela hodiema social-democracia) se continue a afir—
mar que democracia é sinônimo de pluralismo e que a defesa da hegemonia
de uma classe ou conjunto de classes e, por sua própria natureza, sinônimo
de totalitarismo e de despotismo. A teoria socialista deve criticar a mistifica-
ção que se ºculta por trás dessa formulação liberal: deve colocar claramente
a questão da hegemonia como questão central de todo poder de Estado. Se a
burguesia disfarça sua dominação por meio do “isolamento” e da “neutrali—
dade” da burocracia estatal, as classes populares devem pôr abertamente sua
cam..didatura a hegemonia, ao mesmo tempo em que lutam para superar a
dominação efetiva de uma restrita oligarquia monopolista sobre o conjunto
da sociedade. Mas, se socialismo é também sinônimo de apropriação coletiva
dos mecanismos de poder, a hegemonia dos trabalhadores não pode (e não
deve) se fazer por intermédio de uma nova burocracia que goveme “de cima
para baixo”; a libertação do proletariado, como disse Marx, é obra do pró-
prio proletariado; e deve se fazer mediante a criação de uma democracia de
massas que inverta essa tendência à burocratização e à alienação do poder.
Nessa democracia de massas, a dialética do pluralismo — a autonomia dos
sujeitos políticos coletivos — não anula, antes impõe, a busca constante da
unidade política, a ser construída de baixo para cima, através da obtenção
do consenso majoritário; e essa unidade democraticamente conquistada será
0 Vªiculo de expressao da hegemonia dos trabalhadores.
A democracia socialista e, assim, uma democracia pluralista de massas;
mas uma democracia organizada, na qual a hegemonia deve caber ao conjun—
to dos trabalhadores representados através da pluralidade dos seus organis-
mos (partidos, sindicatos, cºmitês de empresa, comunidades de base, etc.).
Se o liberalismo afirma teoricamente o pluralismo e mistifica/oculta a hege-
monia, se o totalitarismo absolutiza a dominação e reprime o pluralismo,a
democracia de massas funda sua especificidade na articulação do pluralismo
com a hegemonia, na luta pela unidade na diversidade dos sujeitos políticos
coletivos autônomos7. Por outro lado, não se deve esquecer — se quisemos
pensar a longo prazo — que a apropriação social da política é, em última
instância, sinônimo de extinção do Estado, ou seja, de extinção dos apare-
lhos de dominação enquanto aparelhos apropriados individualmente e pos-
tos aparentemente “acima” da sociedade. É nesse sentido que cabe entender
a lúcida observação de Gramsci, segundo a qual a “sociedade regulada” (sem
classes) é aquela na qual o Estado será absorvido pelos organismos autogeri-
dos da “sociedade civil”. Podemos concluir esse rápido esboço afirmando
que a relação da democracia socialista com a democracia liberal e uma
relação de superação dialética (Aufhebung): a primeira elimina, conserva e
eleva a nível superior as conquistas da segunda.

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x
2_ 0 caso brasileiro: a renovação democrática como alternativa & ”via prus—
siana "

o valor da democracia política para as correntes de esquerda em nosso


pªís ganha uma dimensão ainda mais concreta — indo além do plano teórico
aºsuêlíº geral que esboçamos acima — se analisamos de perto as vicissitudes
da história brasileira, se situamos dialeticamente os problemas de hoje no
amplº quadro histórico da formação nacional. Não me refiro apenas ao fato
de que o povo brasileiro está hoje colocado diante de uma tarefa democráti—
ca urgente e priontana: a de derrotar o regime de exceção implantado em
nosso País depois de 64 e, com isso, construir um regime político que
assegure as liberdades fundamentais. A questão da democracia, inclusive em
seus limites puramente formal-liberais, e assim a questão decisiva da vida
brasileira de hoje. Mas o valor da democracia adquire para nós outra dimen-
são (e já aqui superando dialeticamente, no sentido acima indicado, a demo-
craciª puramente liberal) quando elevamos à consciência o fato de que o
regime de exceção vigente é “apenas” a expressão atual — uma expressão
extrema e radicalizada — de uma tendência dominante na história brasileira.
Retiro—me ao caráter elitista e autoritário que assinalou toda a evolução
política, econômica e cultural do Brasil, mesmo em seus breves períodos
“democráticos”.
Como já foi assinalado várias vezes, as transformações políticas e a
modernização econômico-social no Brasil foram sempre efetuadas no quadro
de uma “via prussiana”, ou seja, através da conciliação entre frações das
classes dominantes, de medidas aplicadas “de cima para baixo”, com a con-
servação essencial das relações de produção atrasadas (o latifúndio) e com a
reprodução (ampliada) da dependência ao capitalismo internacional; essas
transformações “pelo alto” tiveram como causa e efeito principais a perma-
nente tentativa de marginalizar as massas populares não só da vida social em
geral, mas sobretudo do processo de formação das grandes decisões políticas
nacionaisª. Os exemplos são inúmeros: quem proclamou nossa Indepen—
dencia política foi um príncipe português, numa típica manobra “pelo
alto”; a classe dominante do Império foi a mesma da época colonial; quem
terminou capitalizando os resultados da proclamação da República (também
ela proclamada “pelo alto”) foi a velha oligarquia agrária; a Revolução de
1930, apesar de tudo, não passou de uma “rearmmação” do velho bloco de
poder, que cooptou — e, dessemodo, neutralizou e subordinou — alguns
setores mais radicais das camadas médias urbanas; a burguesia industrial
floresceu sob a proteção de um“regime bonapartista, o Estado Novo, que
assegurou pela repressão e pela demagogia a neutralização da classe ºperária,
ao mesmo tempo em que conservava quase intocado o poder do latifúndio,

41
'etc. Mas essa modalidade de “via prussiana” (Lênin, Lukács)“ ou de “revolu,
ção-restauração” (Gramsci) encontrou seu ponto mais alto no atual regime-
militar, que criou as condições políticas para a implantação em nosso País
de uma modalidade dependente (e coneiliada com o latifúndio) de capitalis—
mo monopolista de Estado, radicalizando ao extremo a velha tendência a
excluir tanto dºs frutos do progresso quanto das decisões políticas as gran.
des massas da população nacional.
Para o conjunto das forças pºpulares, coloca-se assim uma tarefa de
amplo alcance: a luta para inverter essa tendência elitista ou “prussiana” da
política brasileira e para eliminar suas consequências nas várias esferas do ser
social brasileiro. (Não se deve esquecer, antes de mais nada, que a “via
prussiana” levou sempre à construção das superestruturas adequadas à domi-
nação de uma restrita oligarquia — primeiro latifundiária, agora monopolista
— sobre a esmagadora maioria da população.) A luta pela eliminação dessa
tendência confunde-se com uma profunda renovação democrática do con-
. junto da vida brasileira; essa renovação aparece, portanto, não apenas como
a alternativa histórica a “via prussiana”, como o modo de realizar em condi-
ções novas as tarefas que a ausência de uma revolução democrático-burguesa
deixou abertas em nosso País, mas também — e precisamente por isso —€g
como o processo da criação dos pressupostos necessários a um avanço do "
Brasil no rumo do socialismo.
Uma direta consequência da “via prussiana” foi gerar uma grande debili-Í
dade histórica da democracia no Brasil. Essa debilidade não se expressa apênas?
no plano do pensamento social (basta lembrar o caráter conciliador do nosso”?
liberalismo); ela tem consequências na própria estrutura do relacionamento
do Estado com a sociedade civil, já que ao caráter extremamente forte e auto—'
ritário do primeiro corresponde a natureza amorma e atomizada da segunda.;Í
Essa debilidade histórico-estrutural da democracia, aliada a presença de um re- «
gime profundamente antidemocrático, faz com que o processo de renovação
democrática assuma como tarefa prioritária de hoje a construção e consoli-3
dação de determinadas formas de relacionamento social que, num prirneiroi
momento, não deverão provavelmente ultrapassar os limites da democracia?
liberal. Em termos de cºnteúdo, isso significa que as forças hegemônicas doi
novo regime liberal continuarão a ser, durante um certo tempo, os monºpó-3
lios nacionais e internacionais, ainda que essa hegemonia seja exercida de
modo menos absoluto e depótico que sob o atual regime. %
Mas isso não altera o valor dessas conquistas liberal-democráticas para as?
forças populares. Em primeiro lugar, a criação de um regime de liberdadesª
formais representaria a superação da atual modalidade concreta da via!
prussiana”; e, em segundo, a consolidação de um regime democrático apare- :
oe como um pressuposto que deverá ser reposto — conservado e ao mesmos:

42
mpo aprofundado — em cada etapa da luta pela completa realização dos
objetivos finais das correntes socialistas. Em outras palavras: a conquista de
um ”Me de democracia política não é uma etapa no caminho do socialis-
mº a ser posteriormente abandonada em favor de tipos de dominação for-
malmente não-democráticos. E, antes, a criação de uma base, de um patamar
mínimo que deve certamente ser aprofundado (tanto em sentido econômi-
co.mciªl quanto em sentido político), mas também conservado ao longo de
todo o processo. Aquilo que antes afirmamos em nível teórico vale também
o caso brasileiro: a democracia de massas que os socialistas brasileiros se
FºPõºm construir conserva e eleva a n ívd superior as conquistas puramente
liberais.
Em que consiste essa “elevação a nível superior”? Antes de mais nada,
em medidas que elíminem gradualmente as bases econômico-sociais que não
só tornaram possível a emergência da “via prussiana” elitista e oligárquica,
mas que contribuem para reproduzi-la (de modo ampliado) permanente-
mente. Em poucas palavras (pois não é aqui o local para sequer esboçar um
plano econômico democrático detalhado, nem sou competente para fazê-lo):
trata-se de democratizar a economia nacional, criando uma situação na qual
os frutos do trabalho do povo brasileiro — que se torna cada vez mais produti—
vo —-revertam em favor da grande maioria da população. Isso aparece como
“mposto indispensável para integrar na sociedade nacional, na condição
de sujeitos, enormes parcelas da população hoje reduzidas a uma condição
subumana, e, desse modo, destruir pela raiz os processos marginalizadores
que caracterizam a “via prussiana”. Concretamente, em nossos dias, a demo-
aatização da economia requer a aplicação de um programa econômico anti—
monopolista, antilatifundiário e antiimperialista; um programa que interessa-
ria 'a amplas parcelas da população, desde a classe operária e os camponeses
até as camadas médias assalariadas e a pequena e média burguesia nacional.
E não se trata de um programa de gabinete, a ser mais uma vez concebido e
aplicado de “cima para baixo”, por tecnocratas eventualmente generosos; a
elaboração, aplicação e controle de um programa de democratização da
economia deve resultar de um amplo debate que envolva todas as forças
interessadas (partidos, sindicatos, associações profissionais, etc.); só assim
de obterá o consenso majoritário à sua aplicação consequente e, mais que
isso, contribuirá — ao transformar as camadas trabalhadoras em sujeitos
- ativos do governo da economia — para o processo geral de renovação demo-
crática do País. .
Mas a “elevação a nível superior” pressupõe igualmente um aprofunda-
mento político da democracia: a ampla incorporação organizada das grandes
massas na vida política nacional — a socialização crescente da política — é o
único antidoto de eficácia duradoura contra o veneno da “via prussiana”. E

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essa socialização da política já não é mais, em nosso País, um simples desejo
subjetivo. Embora duramente reprimida, a sociedade civil brasileira — impul-
sionada indiretamente pelo processo de modernização conservadora e de
diferenciação social favorecido pela nossa última “revolução pelo alto” —
cresceu e se tornou mais complexa nos últimos 15 anos. Multiplicaram-se,
sobretudo nos últimos tempos, organismos de democracia direta, sujeitos
políticos coletivos (comissões de empresa, associações de moradores, comu-
nidades religiosas de base, etc.); e, além disso, ganharam autonomiae repre-
sentatividade, na medida em que se desligaram praticamente da tutela do
Estado, antigos organismos de massa, como alguns dos principais sindicatos
do País, ou poderosos aparelhos privados de hegemonia, como a OAB, a
CNBB, etc. Isso abre a possibilidade concreta de intensificar a luta pelo
aprofundamento da democracia política no sentido de uma democracia or-
ganizada de massas, que desloque cada vez mais “para baixo” o eixo das
grandes decisões hoje tomadas “pelo alto”.
Ampliar a organização e a articulação desses vários sujeitos políticos
coletivos de base e, ao mesmo tempo, lutar por sua unificação (respeitadas
sua autonomia e diversidade) num poderoso bloco democrático e popular
não é apenas condição para extirpar definitivamente os elementos ditatoriais
que deverão permanecer ao longo do período de “transição que se anuncia; é
também um passo decisivo no sentido de criar os pressupostos para o apro-
fundamento e generalização do processo de renovação democrática e, conse-
qiientemente, para o êxito do programa antimonopolista de democratização
da economia no rumo do socialismo. Esse bloco unitário dos organismos de
democracia de base já é hoje — e deverá se tornar cada vez mais — um
poderoso instrumento de pressão e controle sobre a ação dos mecanismos de
representação indireta, como os parlamentos.
A necessidade de que o processo de renovação democrática proceda de
“baixo para cima”, consolidando e ampliando suas conquistas através de
uma crescente incorporação de novos sujeitos políticos, impõe às forças
populares — enquanto método de sua batalha política — a opção por aquilo
que Gramsci chamou de “guerra de posição”. A progressiva conquista de
posições firmes no seio da sociedade civil é a base não só para novos avan-
ços, que gradativamente tomarão realista a questão da conquista democrá-
tica do poder de Estado pelas classes trabalhadoras, mas é sobretudo olmeio
de evitar precipitações que levem a recuos desastrosos. Nesse sentido, as
forças realmente populares devem estar permanentemente alertas contra as
tentações do “golpismo”, o qual — mesmo quando se apresenta sob vestes
falsamente “progressistas” — não faz senão repetir os procedimentos elitistas
que caracterizam a “viaprussiana”. Qualquer tentativa de impor modifica-
ções radicais por meio da ação de minorias (militares ou não) levará as forças

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populares a grandes desastres políticos; além disso, significará o truncamen-
to do processo de renovação democrática, um processo que — nunca é de-
mªis insistir — só será efetivo e realmente popular quando crescer “de baixo
ara cirna” e quando representar a incorporação de amplas maiorias ao cená-
úo político. O “golpismo de esquerda” — que infelizmente marcou boa par-
te do pensamento e da ação política das correntes populares no Brasil —_ é
ªpénas uma resposta equivocada e igualmente “prussiana” aos processos de
direção “pelo alto” de que sempre se valeram as forças conservadoras e rea-
cionárias em nosso País. Quanto mais se torne efetiva e socialização da polí-
tica, tanto menos será possível invocar a justificação relativa de processos
desse tipo.
A luta pela renovação democrática — precisamente por recorrer à “guer—
ra de posição” como método e por afastar resolutamente qualquer tentação
“golpista” ou “militarista” — implica em conceber a unidade como valor
estratégico. Já nos referimos ao fato de que o necessário pluralismo dos
srjeitos coletivos de base degenera em formas de corporativismo quando não
se verifica um processo de unificação política, através da mediação dos
organismos representativos de âmbito nacional; por outro lado, a democra-
cia de massas — enquanto democracia real — pressupõe que a conquista da
hegemonia se faça através da obtenção do consenso majwitário das corren-
tes políticas e das classes e camadas sociaisº. (Talvez não seja inútil lembrar
que maioria implica minoria, cujos direitos — na medida em que sua ação
oposicionista não viole a legalidade constitucional democraticamente funda-
da — terão de ser respeitados.) Mas essa afirmação do valor estratégico da
unidade ganha um traço concreto específico quando referido ao Brasil: a
tarefa da renovação democrática implica a crescente socialização da politica,
a incorporação permanente e anti-“pmssiana” de nºvos sujeitos individuais e ,
coletivos ao processo de transformação da realidade. Como a autonomia e a
diversidade desses sujeitos deverão ser respeitadas, a batalha pela unidade
— uma unidade na diversidade — torna—se não apenas um objetivo tático ime-
« diato na luta pelo fim do atual regime, mas também um objetivo estratégico
no longo caminho para “elevar a nível superior” a democracia.
Embora no quadro de uma busca permanente da máxima unidade possí-
. vel, é certo que se alterarão — em função das tarefas concretas — a natureza
e a amplitude das alianças visadas pelas forças populares. De modo esquemá-
tico, poderíamos dizer que as tarefas da renºvação democrática desdobram-
.«e em dois planos principais. Em primeiro lugar, lógica e cronologicamente,
trata-se de primeiro conquistar e depois consolidar um regime de liberdades
fundamentais, para o que se toma necessária uma unidade com todas as
forças interessadas nessa conquista e na permanência das “regras do jogo” a
mem implantadas por uma Assembléia Constituinte dotada de legitimidade.

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E, em segundo, trata-se de construir as alianças necessárias para aprofundar a
democracia no sentido de uma democracia organizada de massas, com cres.
cente participação popular; e 'a busca da unidade, nesse nível, terá como
meta a conquista do consenso necessário para empreender medidas de cará-
ter antimonopolista e antiimperialista e, numa etapa posterior, para a cons.
trução em nosso País de uma sociedade socialista fundada na democracia
política.

NOTAS !
1. E não apenas a seu método, mas a muitas de suas afirmações literais. Num artigo
intitulado Sobre o Duatísmo do Poder, escrito em 1917, Lênin observa: “Para conquis
tar o poder, os operários cºnscientes devem obter a maioria; até o momento em que
não haja violência contra as massas, não há outro modo de chegar ao poder. Não somos
blanquistas, não visamos à tomada do poder por parte .de uma minoria“ (Lênin, Opae '
Complete. Trad. italiana, Roma, 195 8, voL 24, p. 31).
2. A idéia 'da “socialização da política” é um dos pontos fortes da reflexão marxista
contemporânea na Itália; basta pensar em autores como Umberto Cerroni, Luciano
Gruppi e, sobretudo, Pietro lngrao. Mas já Lênin observava em '1917: “Se todos os
homens participarem efetivamente na gestão do Estado, o capitalismo não mais poderá

:!:-gw.—
se manter. E' o desenvolvimento do capitalismo cria os pressupostos necessários para
que *todosª possam efetivamEnte participar da gestão do Estado” (Lênin, Stato e Rivo-
luzíone. Trad. italiana, Roma, 1963, p. 87).
3. Max Adler, Conselhos Operários e Revolução. Trad. portuguesa, Coimbra, s.d.,
mmm.
4. "Cf. Pietro Ingrao, Musse e Potere. Roma, 1977, passím; e Oisi e Terza via. Roma, Í
1978, em particular pp. 31—46. ;
5. Talvez não seja justo dizer “marxista”. Pois já Rousseau, no Contrato Social, ao
distinguir entre a “Wontade de todos” e a “Wontade geral”, indicava o momento da
hegemonia como elemento integrante essencial da democracia. "É
6. É interessante constatar que em Hegel — um filósofo da sociedade burguesa pós
revolucionária —- essa burocracia já assume explicitamente funções de controle da
“sociedade civil”, de “harmonização” dos interesses econômicos particularistas, o que É
seria impensável no liberalismo clássico da época pré-revolucionária.
7. Não é casual, portanto, que a filosofia adequada ao liberalismo seja o empirismo
positivista (de Locke a Popper); aquela própria ao totalitarismo seja o irracionalismo
organicista, que afirma uma totalidade sem determinações (basta lembrar a análise de ,
Lukács sobre o movimento que vai do último Schelling a Hitler, em A Destruição da ª
Razão); enquanto a dialética — que afirma uma totalidade concreta, uma “síntese de
múltil determinações” (Marx) — aparece como a base filosófica da democracia,
desde a dialética idealista de Rousseau até aquela materialista de Gramsci ou Lukãcs.
8. Entre os autores que analisaram aspectos da história brasileira valendo-se do con-
ceito de “via prussiana”, pode-se citar: Carlos Nelson Coutinho, “O Significado de
Lima Barreto na Literatura Brasileira”, In: vários autores, Realismo e Anti-“Realismo na
Literatura Brasileira, Rio de Janeiro, 1974, pp. 3 e ss.; e “Notas sobre a “questão

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&

Culturª? no Brasil”. In: Escrita/Ensaio, nº 1, 1977, pp. 6-15; I . Chasin, 0 Integralismo


Vianna, Sindicalismo
“de Plínio Salgxdo. São Paulo, 1978, pp. 621 e ss.; e Luiz Werneck
: Liberalism o na Brasil, Rio de Janeiro, 1976, em particular pp. 128 e ss.
9 'Em seu livro de entrevistas recentemente publicado, Fernando Henrique Cardoso
._ a: “Quem busca consenso é regime autoritário. Democracia, não. Democracia é o
“ªmnhedmento da legitimidade do conflito, a busca da negociação e a procura de
“dº, sempre provisório, em função da correlação de forças” (F. H. Cardoso, Demo-
M parª Mudar, Rio de Janeiro, 1978, p. 22). A negação do valor do consenso e'
iiência necessária da negação da hegemonia; como vimos antes, para o pensamen-
h liberal (aSSimilado pela social-democracia contemporânea), democracia é sinônimo
* "de pluralismo — de “reconhecimento da legitimidade do conflito” — enquanto a bum
.dº consenso (ou da hegemonia) seria sinônimo de totalitarismo. Não é usual, portanto,
que F. H. Cardoso também afirme o seguinte (op. cit., p. 35): “O democratismo radical
de Rousseau inspirou historicamente momentos políticos que poderiam ser qualifica—
dos como de “democracias totalitárias' Estamos diante de um bom exemplo da dife-
fgnç. entre liberalismo e democracia, entre afirmação abstrata do pluralismo (reconhe-
cimentº empírico de uma situação de fato) e afirmação concreta da articulação plura-
usina-hegemºniª (concepção dinâmico-dialética do movimento social). Porém em vá-
rios outros pontos de sua reflexão, F. H. Cardoso supera os limites do liberalismo.

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