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Revista Brasileira de Sexualidade - Volume6 - 2

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Revista Brasileira de Sexualidade Humana

Volume 6 - Nmero 2 - Julho a dezembro de 1995 Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana - SBRASH

Sumrio
Editorial .................................................................................... Trabalhos de Atualizao e Opinativos 1. Um trabalho sobre sexualidade na escola pblica ................ 2. Anticoncepo e sexualidade ................................................... 3. (Ab)usos e costumes nos estudos e pesquisas sobre a sexualidade humana: uma (auto)crtica epistemolgica ................ 4. Abordagem corporal em terapia sexual................................... 5. Afetividade e aprendizagem ..................................................... 6. A sexualidade da mulher portadora de deficincia fsica ..... 7. Sexualidade em instituies fechadas ..................................... 8. Crtica ao modelo interacionista da identidade de gnero .... Trabalhos de Pesquisa 1. Caractersticas da clientela residente em setores sociais perifricos que demanda assistncia em planejamento familiar ......... 2. Vaginismo - Sugesto de processo teraputico passo a passo................................................................................... 3. Sexualidade masculina: misterioso silncio.......................... Resumo Comentado 1. Behavior patterns that comprise sexual addiction as identified by mental health professionals....................................... 147

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Editorial
Como havamos previsto no Editorial do ltimo nmero desta Revista, o V CONGRESSO BRASILEIRO DE SEXUALIDADE HUMANA foi mesmo um sucesso, tendo transcorrido em clima de camaradagem e troca de experincias. Durante o evento, nos Cursos, Conferncias, Mesas Redondas e Debates, houve apresentaes extre mamente interessantes, alm do julgamento de trabalhos concorrentes aos Prmios Nacionais SBRASH, nas reas de Terapia Sexual (denominado Prmio Araguari Chalar Silva), Educao Sexual a Aspectos Psicossociais do Exerccio da Sexualidade. As Sees de Posters, Temas Livres e Vdeo foram bastante concorridas, tendo sido tambm atribudos Prmios aos melhores trabalhos. Enfim, foi um Congresso de excelente nvel. A1m de seus objetivos imediatos, no entanto, o Congresso foi til para que os associados se conhecessem melhor, aumentando assim os sentimentos de unio entre todos. Do ponto de vista da Diretoria, foi uma excelente ocasio para rever velhos amigos e para solidificar conhecimentos recentes. E ainda mais que isso, foi uma ocasio mpar para auscultar a vontade dos associados da SBRASH. Dentre outros dados que pudemos colher durante o evento, tem grande realce os anseios de nossos colegas sobre o que diz respeito cursos. Atravs de um questionrio, distribudo a todos os participantes, pudemos saber que nossos associados desejam ter a oportunidade de freqentar cursos de atualizao e de aperfeioamento com temtica a mais variada e com freqncia maior do que a at seguida. Assim, ainda em 1995, j foram programados vrios desses cursor, a serem realizados inicialmente em So Paulo. A curto prazo sero eles tambm desenvolvidos em outros centros, atravs da atividade dos nossos Vice-Presidentes e da rede de Delegados Regionais. Alm desses Cursos, programamos ainda a constituio de Grupos de Estudos sobre Temas especficos, tais como adolescncia, terceira idade, etc., cujo modelo dever ser repetido no maior nmero possvel de centros, para facilitar o acesso eles por nossos associados. A divulgao da programao de tais Cursos e Grupos de Estudo est sendo feita atravs do Boletim Informativo da SBRASH, onde tambm anunciaremos a regionalizao desses eventos. Atravs dessa pesquisa de opinio ficamos inclusive sabendo que o atual modelo de Curso de Ps-Graduao em Educao Sexual

(com 360 horas distribudas em 3 semestres), j em curso, deve ser complelnentado com Cursos mais condensados, de menor durao, mas que tenham caractersticas que permitam sua freqncia por profissionais com menos tempo disponvel. Criamos assim o Curso Intensivo de Educao Sexual, com durao de 15 dias corridos, cujo primeiro mdulo ser realizado em janeiro de 1996. Esperamos, dessa maneira, fazer uma Associao cada vez mais til, pois s dessa forma estaremos cumprindo nossos objetivos. E para isso contamos com a colaborao de todos os associados. Nelson Vitiello Editor Chefe

Trabalhos de Atualizao e Opinativos

Um trabalho sobre sexualidade na escola pblica

Carmen Silvia de Arruda Andal*

RESUMO O presente artigo relata um trabalho de Educao Sexual levado a efeito em um colgio da Rede Estadual de Ensino de Florianpolis (SC). A prospeco alarmante de disseminao da AIDS e a alta incidncia de gravidez precoce, impem a necessidade urgente de intervenes de carter preventivo, especialmente junto s classes populares. Diante disso, a autora, que supervisora do Laboratrio de Educao e Sade Popular, do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, elaborou um projeto de Educao Continuada, que atingiu 211 alunos de quinta srie do primeiro grau at terceiro colegial. A metodologia utilizada foi a pesquisa-ao dentro da abordagem

Psicloga. Psicodramatista, Professora doutorada pela Universidade de Sao Paulo, Docente e Supervisora do Laboratrio de Educao e Sade Popular do Departamento de psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Recebido em 10.03.95 Aprovado em 26.03.95

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socio-psicodramtica, que permitiu levar em conta os aspectos afetivos e conativos, alm dos cognitivos que so necessrios, para tentar promover mudanas duradouras em um aspecto to complexo do comportamento humano como a Sexualidade. Alm do benefcio obtido pelos prprios aluno, da escola, este projeto visa elaborar uma sistemtica de trabalho sobre o tema, para ser implementado em outras escolas pblicas.

INTRODUO A Educao Sexual hoje, deixou de ser uma questo de domnio privado, passando esfera pblica. Se h alguns anos se podia questionar se ela deveria ou no ser ministrada pelas escolas, atualmente se tornou uma preocupao dos prprios governos, diante da ameaa que a infeco pelo vrus HIV representa. A prospeco alarmante da Organizao Mundial de Sade (OMS/1990), de que 40 milhes de pessoas estaro infectadas pelos vrus HIV no ano 2000, evidencia o carter fatal desta pandemia impe a necessidade urgente de intervenes preventivas. Jean-Claude Gillemard (1) sugere a educao como uma das formas de enfrentar o problema. Comenta tambm que os programas geralmente desenvolvidos so bem avaliados no que concerne ao nvel de informao do pblico visado, mas pouco relatam a respeito das mudanas nas atitudes, nos hbitos e no relacionamento sexual. Isso compreensvel, pois se trata de um tema - tabu, historicamente vinculado a noes religiosas de pecado, a que pelo seu carter particular e ntimo, dificilmente chega a ser relatado pelas pessoas. Segundo o mesmo autor, o fracasso relativo das campanhas veiculadas principalmente pela mdia, induz a uma reflexo a respeito da resistncia a estas mudanas de atitudes e de hbitos, sendo importante estudar, do ponto de vista psicolgico, tal resistncia. Segundo Cavalcanti, no por ausncia de informao que o quadro epidmico se desenvolve, mas O que falta uma atitude- (2). E entende atitude, conforme a acepo de Brown, como ... a disposio que um indivduo tem para agir de forma favorvel ou desfavorvel em relao a um determinado objeto. (3) Acrescenta ainda que a atitude formada atravs de trs componentes: o cognitivo (pensar), o afetivo (sentir) e o conativo (agir), que atuam de acordo com o princpio dos vasos comunicantes, de tal forma que a vivncia contribui para estruturar o pensarnento e vice-versa.

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Assim sendo, se se restringir os programas de preveno apenas ao nvel informativo, que importante mas basicamente cognitivo, estes se mostraro insuficientes para provocar mudanas duradouras nas atitudes e nas prticas sexuais. Isso se torna ainda mais agrave por se tratar de um setor diretamente ligado afetividade e impulsividade, que envolve a vida amorosa das pessoas, atingindo aspectos ligados confiana, fidelidade e negociao em termos de preveno. O fato que a disseminao da AIDS trouxe tona questes de domnio privado e ntimo e, de certa forma, imps a urgncia de se discutir e investigar a respeito da sexualidade, desvelando este importante aspecto da vida humana. possvel, portanto, dimensionar quo difcil provocar modificaes neste tipo de comportamento e controlar os resultados de trabalhos feitos nessa rea. Tendo em vista toda essa problemtica, foi elaborado o Projeto de Pesquisa, de que trata o presente artigo. Este se integra s atividades desenvolvidas pelo Laboratrio de Educao e Sade Popular, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. O referido Laboratrio, procurando integrar Ensino, Pesquisa e Extenso, tem priorizado o atendimento de carter preventivo e profiltico a populaes de baixa renda em instituies de carter pblico (Escolas, Postos de Sade, etc.). Constitui-se num esforo de integrar a universidade s necessidades e demandas da comunidade, e tem como objetivos principais: 1) Socializar o saber acumulado na rea da Psicologia; 2) Repensar o conhecimento produzido luz do contato com a realidade das classes populares; 3) Contribuir para a formao-de psiclogos mais comprometidos com os problemas da sociedade brasileira; 4) Estimular uma perspectiva interdisciplinar na abordagem dos problemas de natureza psicolgica.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO Diante da urgncia e da gravidade do problema anteriormente discutido, decidiu-se iniciar um trabalho sobre sexualidade junto a uma escola especfica da Rede Estadual de Ensino de Florianpolis, com os seguintes objetivos imediatos: contribuir para apreveno da AIDS e para a reduo da incidncia de gravidez precoce. A longo prazo, os objetivos imediatos eram: questionar junto aos adolescentes as posturas relativas sexualidade, aos papis sexuais, dando nfase aos aspectos de promoo da sade; elaborar uma sistemtica de trabalho sobre sexualidade junto a escolas pblicas.

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No segundo semestre deste ano foi realizada uma experincia-piloto de seis encontros junto a um colgio da Rede Estadual de Ensino de Florianpolis, com alunos de quinta srie do primeiro grau at terceiro colegial. Tratava-se de um estudo exploratrio que permitiu conhecer a realidade da instituio envolvida, investigar as principais dvidas destes adolescentes sobre o tema Sexualidade e verificar a possibilidade de um projeto a longo prazo para o ano seguinte.

1994 O programa elaborado em 1993 foi desenvolvido sob a forma de educao continuada, levada a efeito com a freqncia de uma vez por semana, em horrio de uma hora-aula, cedido geralmente por duas professoras de Cincias, que participaram da experincia. A coordenao dos trabalhos ficou a cargo de duplas de estagirios de Psicologia, que realizaram 295 encontros, perfazendo uma mdia de 26 encontros por turma. Foram beneficiados 211 adolescentes (que chegaram at o final do ano), de 11 turmas de quinta srie do primeiro grau at terceiro colegial. Destes, 114 eram do sexo feminino e 97 do sexo masculino. O planejamento estabelecido ficou prejudicado em funo de greves e paralisaes com manifestaes de protesto dos professores por melhores salrios, que acarretaram na diminuio da carga horria das aulas. Isso impediu a execuo completa do programa e dificultou a sedimentao de alguns dos bens desenvolvidos. Foram trabalhados os seguintes tpicos: 1. Discusso sobre as diferenas entre sexo e sexualidade (mitos, crendices e tabus ligados sexualidade). 2. Puberdade e adolescncia. 3. Diferenas sexuais (aparelhos reprodutores feminino e masculino) e papis sexuais (preconceitos e rtulos). 4. Namoro, masturbao, primeira transa, a relao sexual. 5. Fecundao e reproduo. 6. Gravidez e parto. 7. Mtodos contraceptivos e planejamento familiar. 8. Doenas sexualmente transmissveis, com nfase especial na AIDS.

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Necessitam ainda maior aprofundamento os dois ltimos tpicos (7 e 8) a no houve tempo suficiente para tratar de outros temas como: A questo do prazer sexual (orgasmo feminino a masculino), Homossexual ismo, Aspectos preventivos da sade da mulher e do homem. METODOLOGIA A Metodologia utilizada foi a pesquisa-ao, dentro da Abordagem socio-posicodramtica, desenvolvida por J. L. Moreno. A opo por essa abordagem baseou-se na necessidade de considerar os aspectos afetivos a conativos da mudana das atitudes acima referida. Levando em como que tal mudana implica questionar posturas, crenas e preconceitos profundamente arraigados, foi que se adotou uma metodologia que completasse o estabelecimento de um vnculo de confiana entre os coordenadores dos encontros e os adolecentes que eram o alvo do mesmo. Foram estabelecidas para a execuo do programa dentro da perspectiva terica escolhida, as seguintes Diretrizes Bsicas: 1. O carter obrigatrio da atividade Decidiu-se que o trabalho teria um carter obrigatrio e no voluntrio, s se abrindo exceo para aqueles casos em que a famlia se opusesse participao de seus filhos, o que alis no ocorreu. Por esse motivo as atividades foram realizadas no horrio de aulas (na sala de aula, na sala de video, no ptio, da biblioteca, ete.), como se fizesse parte do currculo. Desta forma pretendia-se atingir o maior nmero possvel de adolescentes. 2. Partir do conhecimento, linguagem e motivao das turmas Uma primeira preocupao foi a familiarizao com a linguagem e grias empregadas pelos alunos sobre o tema, com o objetivo de criar condies para estabelecer um clima de dilogo e uma relao pedaggica mais horizontal. Iniciava-se sempre o trabalho investigando o que conheciam e pensavam sobre o assunto a ser tratado, de forma a valorizar o seu saber e estimular a participao. 3. Priorizar trabalhos de natureza grupal Procurou-se em cada turma, realizar um mapeamento sociomtrico do grupo, de modo a conhecer e respeitar as configuraes grupais (pares, trios, etc.) e os sub-grupos existentes, levando em como suas caractersticas. Forum tambm realizadas entrevistas individuais com a maioria dos discentes. Estas se iniciaram como forma de fazer contato com os alunos mais difceis de lidar nos encontros. Decidiu-se, no entanto, estender a todos essa iniciativa com o intuito de no promover a estigmatizao destes educandos, em geral j discriminados dentro da escola. O outro objetivo

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era aprofundar o vnculo estabelecido na sala de aula, levantar dados a respeito dos alunos, caracterizar mais precisamente as turmas e avaliar com eles, individualmente, o programa realizado. 4. A flexibilidade da programao Em funo do carter grupal do trabalho, optou-se por uma programao flexvel, que era discutida a cada encontro e que poderia ser modificada no momento de sua aplicao, em funo do movimento e necessidades de cada turma. Nesta lista, respeitando o momento do grupo, foram discutidas questes relativas a outros temas como: relacionamento intragrupal (a importncia do respeito mtuo, do dilogo), a necessidade da disciplina como organizadora da tarefa, a cooperao, conflitos na relao professor-direo alunos, participao nos conselhos de classe, etc. 5. Coordenao diretiva A postura dos coordenadores, embora respeitasse os movimentos e necessidades dos grupos, no se caracterizou por uma conduta do tipo laissez-faire, que lhes permitisse fazer tudo o que quisessem. Apesar da adoo de uma abordagem dialgica e compreensiva, os limites eram muito bem marcados e cobrados. Uma situao que exemplifica isso, ocorreu quando alguns alunos desenharam figuras humanas nuas, consideradas pornogrficas pela escola, em muros e banheiros. Tal atitude foi alvo de conversas e discusses em sala de aula, oferecendo a oportunidade de marcao clara de limites. 6. Abordagem no moralista, nem particularizada Durante todo o trabalho evitou-se emitir conceitos de ordem moral, do tipo isso esta certo ou errado. A meta era transmitir as informaes da forma mais cientfica possvel, sem entrar em juzos de valor. Posies estereotipadas e preconceituosas que emergiam eram objeto de reflexes e discusses grupais. Acordou-se, outrossim, que no seriam abordadas questes de ordem pessoal dos alunos, nem dos coordenadores, com o objetivo de preservar o sigilo e a particularidade de cada um. Estabeleceu-se, entretanto, horrios de planto dos estagirios para atendimento individuais extra-classe, destinados queles que quisessem discutir, em mbito mais protegido, suas dvidas e ansiedades a respeito do tema ou outros assuntos de ordem pessoal. 7. Co-Educao Apesar de presses por certos elementos da equipe tcnica e de algumas alunas, optou-se por trabalhar meninos e meninas juntos. Em funo de necessidades da prpria atividade foram feitas algumas experincias de repartir as turmas e, neste caso, a diviso espontaneamente ocorreu pelo critrio sexo.

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8. Abordagem da sexualidade no seu desenvolvimento normal Procurou-se focalizar a sexualidade como aspecto fundamental da personalidade, que envolve as relaes consigo mesmo, com seu prprio corpo e com o mundo, enfatizando sua contribuio para a humanizao do homem. Nesse sentido, abordou-se apenas o desenvolvimento normal da sexualidade, evitando discusses a respeito de desvios, anomalias ou conotaes ele carter pornogrfico, que s vezes eram solicitados pelos alunos. 9. A elaborao de uma sistemtica de trabalho Com relao elaborao de uma sistemtica para trabalhar o tema sexualidade em escolas pblicas, observou-se: 9.1 - Junto as turmas de quintas, sextas e at stimas sries, foi necessrio realizar atividades mais movimentadas e mais curtas como jogos, vdeos, dramatizaes, gincanas, ete., e reproduzir o nmero de aulas expositivas e discusses sobre temas, Isso ocorre em funo da instabilidade de ateno tpica desta idade, da experincia pela falta de uma vida sexual ativa, da ansiedade de trabalhar um tema do qual no se costuma falar abertamente, bem como da ausncia do hbito, dentro da escola, de trabalhar em grupo. 9.2 - De oitava srie em diante ampliou-se a freqncia de aulas expositivas dialogadas e discusses. 9.3 - Foram criados inmeros jogos para verificar a sociometria grupal e para realizar as tarefas propostas, bem como formas de avaliao da apropriao dos contedos de forma prtica como: gincanas, competies, dramatizaes, jogos dramticos, completar estrias, responder cards pedindo informaes sobre sexualidade, entre outras. RESULTADOS PARCIAIS 1. Foi constatado um grande desconhecimento inicial sobre o tema Sexualidade por parte dos discentes da escola trabalhada, o que melhorou sensivelmente ao longo do ano letivo. Este dado desconfirma, pelo menos no que diz respeito a esse tipo de clientela, oriunda basicamente das classes populares, a declarao de Cavalcanti, de que o problema no seria a falta de informao. 2. A curto prazo impossvel verificar o efeito da ao realizada, pois como j foi dito anteriormente, implica a modificao de atitudes, postura e hbitos profundamente arraigados. Embora se tenha conseguido trabalhar no s aspectos cognitivos, mas muitos aspectos afetivos, em virtude do clima de aceitao e entusiasmo que foi criado, no h como avaliar se isso modificou ou modificar suas aes com relao a sexualidade.

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Por outro lado, problemtico saber os resultados no que diz respeito preveno da AIDS, dado o longo perodo de incubao desta doena, alm de ser tambm difcil obter informaes sobre comportamentos ligados sexualidade, por se tratar de uma questo muito particular e ntima. Houve, entretanto, depoimentos individuais feitos espontaneamente aos estagirios por alguns alunos, a respeito de mudanas no seu comportamento sexual. Foi tambm constatado por uma professora, um aumento da quantidade de noivados e a diminuio do nmero de alunas que engravidam e fogem para se casar", prtica que parece ser usual entre os jovens desta escola. Pretende-se para o prximo ano controlar esse aspecto, bem como verificar junto ao Centro de Sade, se h diminuio no nmero de adolescentes grvidas que freqentam esta instituio, bem como se h aumento da procura pelos servios de ginecologia. 3. Um efeito deste trabalho. relatado pela direo da escola foi a diminuio sensvel do alto nvel de agressividade anteriormente existente entre os educandos. Isso pode ter acontecido por vrias razes, tais como: 1) a possibilidade inusitada de estarem tendo um espao para abordar um tema proibido que, de altamente motivador, , nesta faixa etria, gerador de dvidas, angstias e ansiedades; 2) a adoo de uma programao, que no s permitia, como estimulava a participao ativa dos discentes, o que uma prtica pouco comum nas escolas pblicas, onde os professores estabelecem geralmente relaes verticais e pouco dialgicas em classe; 3) a oportunidade de discutir aspectos do relacionamento dos alunos entre si a com os professores, tambm podem ter contribudo para diminuir o nvel de tenso que normalmente fica latente e pouco explicitado. 4. Verificou-se aumento da liberdade para tratar do tema sexualidade atravs da diminuio do uso da Caixa de Segredos pelos alunos. Esta consistia numa caixa colocada em cada turma, corri o objetivo de que os alunos pudessem apresentar questes ou dvidas sem serem identificados. Ela era bastante utilizada no incio do programa, quando os mesmo, se mostravam constrangidos de expor, diante de colegas, suas curiosidades e dvidas sobre o tema. 5. Avaliao da instituio. Aps uma avaliao sobre os resultados deste trabalho feita, junto direo, equipe tcnica e corpo docente desta escola, houve solicitao da sua manuteno para o prximo ano letivo. Foi levada a efeito, junta aos alunos essa mesma avaliao, tendo havido inmeras manifestaes no sentido da continuidade deste programa. 6. Produo cientfica. Este trabalho j produziu 2 videos: - O primeiro, intitulado a cest mon pays/Este meu pas", foi produzido em colaborao com o Projeto Larus (UFSC), por dois alunos do curso da Jornalismo da UFSC: Maria Alice Baggio e Fbio Barreto Fava, especialmente para ser apresentado em dois Congressos lnternacionais

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- O segundo, intitulado Um jeito legal de viver!, foi produzido como Trabalho de Concluso de Curso (TCC) da aluna Maria Alice Baggio, do curso de Jornalismo da UFSC, para ser usado no programa de sexualidade junto a vrias instituies, alm das escolas pblicas. Tem-se a inteno tambm de produzir outro(s) vdeo(s), aproveitando o material gravado em entrevista com alunos desta instituio a de uma outra, do mesmo bairro, sobre o tema sexualidade e sobre o programa desenvolvido neste ano. CONSIDERAES FINAIS No possvel proceder-se a uma avaliao rigorosa e objetiva dos resultados do trabalho efetuado, por se tratar de um comportamento privado, ntimo, pouco relatado pela maioria das pessoas. Alm disso, est ligado a atitudes, velhos hbitos, crenas e at mesmo preconceitos, construidos social e historicamente, o que o torna altamente resistente a mudanas. Tais dificuldades, entretanto, diante do quadro alarmante de disseminao da AIDS, no deve deter quaisquer tentativas de preveno. Se se considerar que a perspectiva da epidemia mais grave em pases subdesenvolvidos e que a possibilidade de infeco tanto maior quanto mais baixo o nvel econmico, social e cultural dos grupos envolvidos, considera-se que iniciativas como a que est sendo realizada neste projeto, se tornam importantes, devendo inclusive serem ampliadas e assumidas pelos rgos pblicos responsveis pela sade e pela educao. A riqueza do material colhido neste trabalho, evidentemente, no pode ser contemplada no mbito deste breve texto. Est em elaborao uma srie de artigos para serem publicados em revistas corm o objetivo de divulgar e expandir essa experincia, de forma mais detalhada. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
1. GILLEMARD, J. C.: La prvention du S.L.D.A. lcole. Anais do I Congresso Nacional de Psicologia Escolar. Abrapee/Puccamp, Ed. tomo, 1992. p. 57-60. 2. CAVALCANTI, R. C.: Educao Sexual no Brasil e na Amrica Latina. Rev. Bras. de Sexualidade Humana, vol. 4, nmero 2, 1993. p. 164-173. 3. CAVALCANTI, R. C.: Idem, p. 166.

Anticoncepo e sexualidade

Nelson Vitiello1

Ao contrrio do que visto em outras espcies, a sexualidade dos seres humanos transcende em muito o meramente biolgico. Graas sutis modificaes anatmicas e funcionais, tornou-se possvel nossa espcie usufruir os prazeres do exerccio da sexualidade mesmo fora do perodo frtil da fmea, enquanto entre outros animais (mesmo entre os mamferos, filogeneticamente mais prximos de ns) a sexualidade somente pode ser exercida durante o que chamamos de cio da fmea, isto , nos momentos em que ela se encontra em seu perodo de fertilidade. Algumas poucas excees (casos isolados de masturbao e de homossexualismo entre machos de outras espcies) apenas servem para confirmar essa regra geral. Como norma, podemos dizer que o sexo, entre os outros animais, o sexo-reproduo, ou seja, visa exclusivamente a perpetuao da espcie. Somos assim, em toda natureza, os nicos a poder praticar prazerosamente o coito - e outras formas de exerccio da sexualidade durante a gestao, aps o perodo funcional reprodutivo (menopausa) e ainda quando (ou talvez at principalmente quando) a estao no dese-

* Ginecologista. Doutor em Medicina (USP). Presidente da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana Recebido em 17.03.95 Aprovado em 28.03.9.5

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jada. Inventamos portanto outras indicaes que no a reproduo para o exerccio da sexualidade. Podemos pratic-lo (e o praticamos) por mero prazer (sexo-prazer), por amor (sexo amor) e por muitas outras motivaes, a incluindo-se a econmica. Segundo dados da Organizao Mundial da Sade, praticam-se no mundo, por minuto, perto de 70.000 mil relaes sexuais. Sendo o nmero de nascimentos de aproximadamente 209 por minuto, pode-se concluir que, na maioria das vezes, a motivao das pessoas para o coito no a tentativa de reproduo. E como a estao no a conseqncia desejada dessas relaes, surgiu imemorialmente a necessidade de prticas anticonceptivas. Algumas delas so bastante antigas, como o coito interrompido (citado no Gnesis, 38,8) e os espermaticidas, descritos no Papiro de Ebers, escrito h cerca de trinta e oito sculos. No entanto, a metodologia anticoncepcional somente alcanou o estado de arte em que hoje se encontra h poucas dcadas. Hoje, pode-se dizer sem medo de errar, existem mtodos de razovel e at alta eficcia, fceis, baratos e seguros, ao alcance de qualquer casal. Evidentemente, se o objetivo de mtodos anticoncepcionais declaradamente de permitir o desfrute da sexualidade sem os riscos de uma indesejada gravidez, tais mtodos idealmente no deveriam interferir com a qualidade do ato sexual. No entanto, no o que se observa pois praticamente todos os mtodos tem alguma ao negativa sobre o exerccio da sexualidade. Fica claro que, como em qualquer outra atividade humana, a correlao entre o exerccio da sexualidade e o uso de mtodos anticoncepcionais tem aspectos orgnicos e psicossociais, muitas vezes difceis de serem isolados. Assim, devemos nos recordar, em princpio, da imensa carga de represso ao exerccio da sexualidade que todos ns trazemos. Nossas razes culturais, derivadas das culturas greco-romana e judaica-crist, so eminentemente repressoras, em especial no que diz respeito ao exerccio da sexualidade pelas mulheres. No de se estranhar, assim, que o uso de metodologia anticoncepcional possa estar carregada - conscientemente ou no - de culpa, pois, em ltima anlise, o fato de utilizar um mtodo anticoncepcional uma premeditao do exerccio da sexualidade. Assim inegvel que em se tratando de falhas de mtodos anticoncepcionais, muitas das vezes o que falhou no foi o mtodo, mas sim a usuria que, possivelmente num ato de auto-punio esquece os dias frteis, no lembra de ingerir a plula, etc. Da mesma forma, o fato de estar utilizando a anticoncepo pode levar a alteraes do exerccio da sexualidade, por via emocional inconsciente. Nos prximos pargrafos faremos uma anlise sobre os principais mtodos disponveis e suas implicaes sobre a sexualidade.

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METODOLOGIA ANTICONCEPCIONAL DISPONVEL basicamente a mesma para qualquer casal e em qualquer faixa etria, aqui descrita com diviso arbitrria, para facilitar a exposio.

A - Mtodos comportamentais So aqueles nos quais os casais modificam seu comportamento habitual, visando a anticoncepo. So eles: a) Coito interrompido Consiste na retirada do pnis de dentro da vagina antes da ejaculao. No considerado um bom mtodo, pois pela possibilidade de emisso de smen antes da ejaculao, torna-se muito falvel. Requer uma grande dose de disciplina, raramente encontrada em casais comuns. Alm disso, tem sido incriminado como um dos fatores causais de uma congesto plvica crnica, geradora de dores abnominais. Do ponto de vista da atividade sexual, a maioria dos sexlogos acusa o coito interrompido de ser, a mdio ou longo prazo, um dos fatores predisponentes ou desencadeantes de ejaculao prematura a impotncia masculina, e da anorgasmia feminina. A resposta sexual uma seqncia de eventos fsicos e psquicos que se interrelacionam e interdependem, podendo nela surgir alteraes desde que as condies emocionais no sejam propcias. No uso do coito interrompido a natural preocupao com a baixa segurana oferecida pelo mtodo, somada a preocupao constante com a deteco dos primeiros indcios de ejaculao, podem dispersar a ateno e interferir com a resposta sexual, em especial com a excitao, especialmente a da mulher. Para esta, a preocupao constante com a presteza com que o parceiro retirara o pnis sem duvida um fator que pode desviar sua ateno. Alm disso, como muitas vezes o parceiro retira o pnis num momento em que a mulher esta excitada mas ainda no chegou ao orgasmo, a frustrao freqente, o que pode levar, a longo prazo, anorgasmia. Para o homem, a retirada do pnis no momento de mxima excitao, com conseqente ejaculao extra-vaginal, pode ser causa de disfuno ertil. b) Mtodos de abstinncia peridica So os mtodos denominados pelos setores sociais mais conservadores de -mtodos naturais, denominao essa que nos parece errnea, visto que o natural engravidar. Preferimos denomin-los de Mtodos

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de Abstinncia Peridica, por consistirem na absteno do coito vaginal durante perodo presumvel de fertilidade da mulher. Existem 4 variantes, que diferem apenas no mtodo utilizado para a deteco do possvel dia da ovulao. Uma vez calculado o dia presumvel da ovulao, deixa-se habitualmente uma margem de segurana de 3 dias antes e 3 dias depois dessa data. Assim, se uma mulher ovula (segundo nossos clculos) no 15 clia do ciclo, deve abster-se de relaes sexuais entre os dias 12 e 18. Os quatro mtodos variantes de abstinncia peridica so os seguintes: * Ogino-Knaus (Tabela) - o dia da possvel ovulao calculado com base na observao dos ciclos anteriores e no conhecimento de ser o intervalo entre a ovulao e a menstruao seguinte de (Habitualmente) 14 dias. Assim, se uma jovem tem comumente cicios de 28 dias, seu dia presumvel de ovulao ser o 14; se o ciclo de 31 dias, presumvel da ovulao ser o 17, e assim por diante. * Temperatura Basal - aferindo-se diariamente a temperatura basal (Isto , antes de levantar-se da cama ou fazer qualquer esforo, sempre numa mesma hora) pode-se notar que ocorre uma pequena elevao, de 0,4 a 0,6C, no dia da ovulao. Observando-se assim alguns ciclos pode-se ter uma idia do dia em que habitualmente ocorrem as ovulaes. * Muco Cervical - nessa variante o dia da ovulao busca ser determinado pelas diferenas de caractersticas do muco cervical. Deve tambm ser precedido de alguns meses de observao das caractersticas do muco, sendo obviamente prejudicado na vigncia de corrimento vaginal. * Sintotrmico- uma variante que se baseia na observao ele sintomas e sinais que acompanham a ovulao, como elevao da temperatura basal, alteraes do muco cervical, discretas sensaes de dor abdominal que podem acompanhar a ovulao, etc. De maneira geral, os mtodos de abstinncia peridica no so considerados como de primeira escolha, pois tem baixa eficcia a dependem de disciplina e cooperao dos parceiros, no sendo assim indicado para grande parte dos casais. No h entretanto qualquer contra-indicao ao seu uso, sendo recomendado para casais motivados (geralmente por motivos religiosos e disciplinados. A margem de falhas dos mtodos de abstinncia peridica, quando usados na populao em geral, bastante alta. Quando se analisam apenas casais selecionados, altamente motivados e adequadamente instrudos, essas falhas pode ser menos freqentes. Do ponto de vista do exerccio da sexualidade, as variantes dos mtodos de abstinncia peridica tem em comum a caracterstica de exigirem longos perodos sem relaes sexuais o que, para a maioria dos casais, inviabiliza seu uso. Sua reconhecida baixa eficcia, alm disso,

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pode levar seus praticantes a constante preocupao, o que sem duvida interfere com o pleno e prazeroso exerccio da sexualidade, pois tira muito da necessria expontaneidade do ato. Ao lado desses fatos no podemos deixar de considerar que, para muitas mulheres, o perodo peri-ovulatrio aquele em que existe mais acentuado desejo, maior excitabilidade e mais fceis e prazerosos orgasmos, o que faz com que tal mtodo no conte com as simpatias do comum dos mortais. c) Outros mtodos comportamentais Existe uma gama de prticas comportamentais contraceptivas, que vo desde a obstruo mecnica (manual) da base do pnis no momento da ejaculao, at prticas sexuais alternativas, como masturbao mtua e coito anal, no denominado sexo sem penetrao vaginal. Algumas dessas tcnicas podem provocar danos, devendo por isso mesmo serem analisadas com cautela.

B - Mtodos de barreira So mtodos nos quais se interpe uma barreira fsica ou qumica no trajeto dos espermatozides, impedindo assim que eles cheguem ao vulo. Os mtodos de barreira mais conhecidos e mais praticados so: a) Diafragma - consiste na introduo vaginal de uma calota de borracha vulcanizada, que fica obstrui o colo uterino, interpondo-se no trajeto do espermatozide. Este assim impedindo a entrada no canal cervical, acaba morrendo pela elevada acidez vaginal. Existem vrios tamanhos possveis, devendo a candidata a usuria ser submetida a um exame ginecolgico, onde se medem as dimenses da poro mais profunda da vagina. Costuma-se usar esse mtodo em conjunto com um creme espermaticida, que alm de lubrificar o dispositivo e facilitar sua introduo, funciona como um mtodo anticoncepcional acessrio. Para otimizar o mtodo, o diafragma deve ser introduzido, no mnimo, 15 minutos antes do coito, e retirado pelo menos 8 horas aps. Deve-se ainda discutir com a paciente o risco de que o diafragma se desloque com o coito, dependendo das posies assumidas, o que aumentaria a margem de falhas. Tem ainda contra si a ojeriza manifesta de pacientes na manipulao dos genitais, o que limita suas indicaes. Quanto margem de falhas, o diafragma um mtodo considerado como de mdia eficcia. Do ponto de vista do exerccio da sexualidade esse mtodo apresenta trs pontos que so alvos das objees dos usurios.

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Em primeiro lugar, so comuns queixas relacionadas necessidade da introduo vaginal prvia do dispositivo. Para a maioria dos casais os minutos de espera aps sua introduo, necessrios para o bom uso da tcnica, so muito penosos e freqentemente desrespeitados, principalmente quando o relacionamento ainda recente. Outro ponto algumas vezes apontado como negativo a necessidade do uso de concomitante de cremes espermaticidas. Tais substncias, somadas ao transudato vaginal normal da fase de excitao. so acusadas de provocar um excesso de lubrifcao, o que diminuiria o prazer do ato. Casais mais imaginativos, finalmente, queixam-se das restries s posies sexuais menos usuais, em especial aquelas com a mulher cavaleiro, quando o diafragma poder-se-ia deslocar, levando falhas do mtodo. b) Condom (camisinha) - um mtodo nem sempre bem aceito pelos parceiros, que alegam diminuio do prazer. Tem sido ultimamente bastante indicado, por apresentar vantagens como baixo custo, relativa facilidade de uso e ausncia de complicaes, alm de ser reconhecidamente o nico mtodo eficaz na preveno de molstias sexualmente transmissveis. Deve-se esclarecer o usurio da camisinha sobre a necessidade de que a aplicao deve ocorrer antes da penetrao. Alm disso, a saculao existente na ponta do condom necessita ser comprimida para que no se forme uma bolha de ar, o que facilitaria a ruptura do dispositivo. Finalmente, importante que se acentue que o condom deve ser retirado logo aps a ejaculao, segurando-o apertado junto a base do pnis, para evitar vazamentos. Sua margem de falhas praticamente a mesma do diafragma. Do ponto de vista do exerccio da sexualidade, ao lado de queixas sobre eventuais diminuies da sensibilidade, o uso da camisinha tem contra si o forte argumento de que as normas tcnicas de bom uso expostas exigem que o pnis seja retirado da vagina logo aps a ejaculao. Com isso os momentos de relaxamento a intimidade da fase de resoluo, to agrveis a importantes para o bom relacionamento entre as pessoas, fica perdido. Tambm a aplicao vista no mnimo como anti-esttica por muitos casais. Alm disso, a necessidade de interrupo dos jogos amorosos para a aplicao da camisinha, durante a fase de excitao pode por vezes provocar uma perda irrecupervel de ereo. c) Espermaticidas - so substncias que, introduzidas na vagina, matam os espermatozides antes que possam penetrar o canal do colo uterino. Tem baixa eficincia quando usados isoladamente, mas ajudam a melhorar a eficcia de outro mtodos quando usados em conjunto, por exemplo, com o condom ou o diafragma. Para otimizar sua utilizao, devem ser aplicados cerca de 15 minutos antes do incio do coito.

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Do ponto de vista do exerccio da sexualidade os espermaticidas so acusados, por alguns usurios, de promover excessiva lubrificao vaginal, o que diminuiria o prazer durante o coito. Outros usurios referem como desagradvel a necessidade de aplicao minutos antes da relao, o que de certa forma perturbaria a erotizao prvia. d) Lavagens vaginais ps-coito - embora amplamente difundidas, principalmente entre os jovens, so absolutamente ineficazes como mtodo anticoncepcional, pois o espermatozide tem condies de alcanar o colo uterino em poucos segundos, tornando completamente intil a sua prtica. So freqentes relatos de uso das mais diversas substncias com essa finalidade (inclusive Coca-Cola), de interesse mais folclrico que cientfico. Do ponto de vista do exerccio da sexualidade faz-se a esse mtodo a mesma ressalva feita ao condom, isto , requer que a mulher v ao banheiro imediatamente aps a ejaculao, perdendo-se assim os momentos de relaxamento e intimidade que sucedem o orgasmo.

C - Dispositivos intra-uterinos (DIU) Esse mtodo consiste na introduo na cavidade uterina de um artefato de material plstico e cobre, com finalidades espermaticidas. Os dispositivos mais antigos, que no continham cobre, esto praticamente abandonados, por falharem mais, alm de pesar sobre eles a suspeita (no confirmada) de atuarem como abortivos. Os dispositivos com cobre, entretanto, alis de mais elevada eficcia, so seguramente anticoncepcionais, matando os espermatozides pela presena de ons cobre diludos no muco cervical. Alm de ser um mtodo bastante seguro (s perde em eficcia para os mtodos hormonais), o Dispositivo Intra-uterino apresenta as vantagens de reversibilidade da fertilidade aps a retirada, de no depender de esquecimentos e de no interferir na resposta sexual. Interferncia direta sobre a sexualidade pode ser causada pelo DIU apenas nos casos em que o fio de nylon - que fica exteriorizado pelo colo -tenha cido cortado muito curto e em Bisel, situao em que pode provocar dor por leso da glande, penetrao profunda. Tais casos so, habitualmente, resultado de uma insero que no foi tecnicamente bem feita. Outras vezes, como alguns casais se recusam a manter relaes sexuais durante a menstruao, pode-se eventualmente ouvir queixas com respeito ao prolongamento do perodo de durao do mnstruo, que ocorre com o uso do DIU.

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D - Mtodos hormonais Consistem na administrao de substncias de ao hormonal, visando a anticoncepo. So sem duvida os mais eficazes dos mtodos anticoncepcionais, sendo seu uso bastante difundido em todo o mundo desde a dcada de 1960. As modalidades mais freqentes de use de anticoncepcionais hormonais so as seguintes: 1 - Via oral a) Anticoncepcional hormonal oral tipo combinado (plula ) Tem sido muito indicado por sua eficcia, facilidade de uso e relativa inocuidade. Entre a gama de produtos disponveis, os preparados de baixa dosagem devem merecer a preferncia nas indicaes. Em nossas experincias, quando corretamente usados e adequadamente indicado, o mtodo tem elevada eficcia e baixo ndice de efeitos colaterais, principalmente com os produtos de baixa dosagem. b) Anticoncepcional hormonal oral com microdosagem de progesterona: Por ser mtodo de mais baixa eficcia do que o da plula combinada, bem como pelas irregularidade de ciclo menstrual que freqentemente desencadeia, esse mtodo utilizado apenas em situaes peculiares, em especial durante o aleitamento. 2 - Via Intramuscular Tambm aqui existem 2 tipos principais, os combinados, com estrgenos a progesterona, e os constitudos exclusivamente de progesterona. Mesmo em se considerando a elevada eficcia e a vantagem de no dependerem da memria da paciente em ingerir o comprimido dirio, os injetveis no se constituem em indicaes de primeira linha pela alta freqncia de alteraes Menstruais que desencadeiam, em especial os exclusivamente com progesterona, indicados quase que apenas para lactantes. 3 - Outras vias de administrao de hormnios: Outras vias, como a vaginal e a sub-cutnea, so tambm passveis de uso para administrao de substncias hormonais. Devido no entanto a ainda pequena experincia internacional com esses mtodos, seu emprego no pode ser bem avaliado.

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Efeitos dos mtodos hormonais sobre a sexualidade No existe ainda um consenso sobre os efeitos dos mtodos hormonais sobre o exerccios da sexualidade. Inmeras pesquisas j foram feitas, com maior ou menor grau de acuracidade, encontrando-se em todas elas um contingente de mulheres cujo desempenho sexual melhora com o uso de anticoncepcionais hormonais, um segundo grupo onde se nota um desempenho pior, e um terceiro grupo, sempre majoritrio, onde desejo, excitabilidade e facilidade na obteno de orgasmos no sofrem alteraes. Tendo em vista apenas o componente biolgico da sexualidade, seria de se esperar que as mulheres se tornassem mais sexualmente responsveis durante a fase de fertilidade e que, com o uso de drogas inibidoras de ovulao (anovulatrios, tais como os mtodos anticoncepcionais Hormonais), houvesse uma diminuio da resposta sexual. Embora isso ocorra para muitas das usurias, no um efeito relatado pela maioria. De fato, estudando as variaes de respostas sexual no decorrer do cicio menstrual, observamos que muitas mulheres referem desejo mais intenso, excitao facilitada e orgasmos mais freqentes ora na fase de ovulao, ora no pr-menstrual, ora durante a menstruao, havendo multas ainda que referem padres constantes de resposta durante todo o ciclo. Assim sendo, torna-se difcil traar um padro geral de correlao entre a ovulao e as variaes da resposta sexual durante o ciclo, sendo consequentemente difcultado o conhecimento do que ocorre quando a ovulao artificialmente inibida. A impresso que fica que muitas das aes sobre a sexualidade referidas pelas usurias de anticoncepcionais hormonais so muito devidas dimenso psicolgica, como conseqncia do fato de estarem evitando a gestao. De fato, embora na poca em que vivemos a represso ao exerccio da sexualidade seja muito menos intensa que em perodos do passado, nosso distorcido sistema de educao sexual ainda nos apresenta a sexualidade como algo ruim, de vergonhoso, de sujo. Assim sendo, no de se estranhar que para muitas mulheres o simples fato de estar usando um mtodo anticoncepcional traz a conotao, inconsciente ou no, de premeditao de algo vergonhoso. Alm disso tudo, no incomum que com o uso de anticoncepcionais orais surjam ou se acentuem alguns sintomas que embora clinicamente pouco importantes e pouco valorizados, podem interferir negativamente com o desempenho da sexualidade. o caso por exemplo das dores mamarias (principalmente no pr-menstruo), do edema, das nuseas e da indisposio geral que algumas mulheres experimentam com o uso da plula.

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E - Mtodos cirrgicos Os mtodos cirrgicos, embora sejam classificados por alguns como mtodos de esterilizao e no de anticoncepo, podem ser analisados no presente contexto, onde estamos mais interessados nos efeitos da anticoncepo sobre a sexualidade do que em detalhes de classificao. Tanto a vasectomia quanto a laqueadura tubria somente impedem o encontro entre o espertnatozide e os vulos. Assim, embora exista um quadro com comprometimento hormonal descrito aps a laqueadura (a Sndrome Ps-Laqueadura), no existe, em princpio, qualquer interferncia orgnica desses mtodos sobre o exerccio da sexualidade. Por isso, em princpio, qualquer alterao referida aps uma interveno desse tipo deve ter origem em componentes psicossociais do exerccio da sexualidade. De fato, se a sensaao de culpa incide em algumas pessoas pela prtica do sexo no reprodutivo, de se esperar que nas laqueaduras e vasectomias essa sensao esteja presente, ainda mais que com elas se est negando o assim chamado impulso natural de paternidade ou de maternidade. Essa sensao de culpa e a conseqente alterao no exerccio da sexualidade so ainda mais incrementadas nos casos em que os (ou mais freqentemente as) pacientes se arrependem, e passam a desejar ter mais filhos. A negativa repercusso do casal optou por ela devido a imperativos scio-econmicos, e no por vontade pessoal.

CONCLUSO No dispomos ainda de um mtodo anticoncepcional que seja absolutamente seguro e isento de efeitos colaterais, em especial sobre a sexualidade. No entanto, foroso reconhecer que caminhamos muito nesse sentido e que os mtodos atuais, embora ainda no perfeitos, apresentam efeitos na maioria das vezes tolerveis.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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(Ab)usos e costumes nos estudos e pesquisas sobre a sexualidade humana: uma (auto)crtica epistemolgica

Renato Paiva Carvalho

SINOPSE O presente texto prope-se a discutir alguns usos e costumes presentes em estudos e pesquisas envolvendo a sexualidade humana, no que concerne a conceitos que embutem uma apreciao valorativa da atividade sexual de grupos historicamente discriminados. Os investigadores cientficos, cuja seriedade inquestionvel, acabam inadvertidamente cometendo arbitrariedades conceituais que atingem sobretudo a autonomia sexual a cidadania das pessoas sob sua anlise. Este texto apresenta alguns desses conceitos e discute porque de um uso assentado sobre certos costumes, eles se transformam em abusos. (AB)USOS E COSTUMES NOS ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE A SEXUALIDADE HUMANA: UMA (AUTO)CRTICA EPISTEMOLGICA A revista semanal Isto de nmero 1320, do dia 18 de janeiro deste ano, anunciou na sua capa o que ela denominou de Sexo Tropical, com o seguinte subttulo: Iluses e desiluses das brasileiras que atraem turistas e sonham com um Prncipe Europeu. A reportagem focaliza o que eles denominaram de Cinderelas das areias, ttulo considerado apropriado para
* Psiclogo e Psicoterapeuta. Recebido em 27.03.95

Aprovado em 12.04.95.

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designar moas que oferecem sexo, mas no apenas isso, em troca de um possvel casamento com homens europeus que as retirem da vida economicamente difcil que tm em regies pobres do Brasil, sobretudo do Nordeste, que atraem tambm pelas belas praias os chamados Turista Sexuais. So moas que, segundo o italiano Roberto Loureno, mecnico de caminho em Roma, de 32 anos, que desde 1991 vem ao Recife e ainda no conhece se quer a prxima e histrica cidade de Olinda e nos visita s por causa das mulheres, so novas, carinhosas, quentes e submissas (pg. 38). A reportagem foi conduzida pelo experiente editor de Poltica, Mrio Simas Filho, significando para ele uma espcie de frias da poltica. Reportagens como essa adquirem o status de pesquisa cientfica, principalmente, como ocorreu neste caso, quando contradizem os pressupostos que inicialmente orientavam o investigador. "Como diz Simas, esse mergulho to qual ele esperava encontrar uma estrutura sofisticada de agendamento das garotas e alguns mafiosos com contatos internacionais, acabou numa sesso de surpresas. Simas descobriu um melanclico toque romntico na aproximao entre moas brasileiras e excitados viajantes que atravessava o Atlntico para encontrar sexo ao sol nas praias do Nordeste. Tudo a preos mdicos. Um toque romntico que no esconde a realidade cruel que leva uma menina da periferia a se prostituir no mais por dinheiro, mas em troca de um sonho de Cinderela: encontra o prncipe que as leve para longe da misria do seu cotidiano (pg. 13, da Redao). Prostituta ou Cinderela? Como conceituar essas garotas? Esta deve ter sido, sem dvida, a grande preocupao do Jornalista, que foi em busca da primeira e acabou encontrando a segunda. De um exclusivo ponto de vista socioeconmico elas se encontram na primeira definio, mas de um ponto de vista psico-social, esto na segunda. A opo do jornalista pelo segundo conceito tambm se justificaria medida em que a prostituio dessas garotas parece ser um objetivo circunstancial e transitrio, tendo no sonho de Cinderela o objetivo concreto e definitivo, como nos informa a atual namorada de vero do italiano Loureno, Jane, de 20 anos, que s cursou a primeira srie escolar a nasceu no ironicamente deriominado Jardim So Paulo, um bairro pobre da periferia de Recife. Estuprada pelo pai aos 13 anos e prostituta desde os 16 ela tem um sonho: Um dia vou encontrar um homem de olhos azuis. Casarei na Europa onde os pais no costumam espancar os filhos. Terei minha casa grande, com um bonito jardim e trs filhos. Poderei ali, mandar dinheiro para ajudar minha famlia. (pg. 38). Faturando cerca de R$ 400 por ms como prostituta, ela se recusa a ser empregada domstica, pois supe queira ganhar salrio mnimo e ainda transar de graa com o patro, normalmente, segundo ela, um velho gordo e pelanquento (pg. 40), bem

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distante do tipo fsico de seu atual namorado italiano, com quem fez pose sensual para a foto da revista. Jane ainda no parece ter a frieza da cearense Edna Ramos, de 22 anos, que conheceu no dia 2 de dezembro do ano passado, em Recife, um suio chamado Jean Paul, vendedor de peas para trator, talvez a leve consigo para seu pas. O pior que pode acontecer eu virar puta na sua. Pelo menos vou ganhar alguma coisa. No Brasil, no ganho nada nem tenho como ganhar (pg- 42). Ao escolher o conceito de cinderela das areias para definir e qualificar essas moas, o jornalista no se atve apenas ao universo socioeconmico no qual elas se encontram, apresentando-nos uma viso psico-social mais romntica a menos profissional. As garotas da praia ganham com seus dotes fsicos, mas so motivadas muito mais pela iluso de casar e sair do Pas do que pelo dinheiro, embora transem para ter o que comer (pg. 38). Supe-se que, como profissionais, elas estariam preocupadas apenas com o dinheiro, mas como querem se casar, ento so romnticas. Elas, pelo visto, no podem ser profissionais a romnticas ao mesmo tempo. O que nos perguntamos, no entanto, se existe realmente incompatibilidade em se querer simultaneamente melhorar financeiramente de vida a usufruir uma paixo? Afinal de contas, isso o que todo profissional bem sucedido deseja. Por que que com as prostitutas seria diferente? Muitos relatos ns, sugerem que as prostitutas vivem casos amorosos intensos, sem deixar de continuar na profisso. Algumas se apaixonam pelos gigols, outras, lsbicas, se apaixonam por colegas de trabalho. Este ltimo caso o mais significativo para que possamos discriminar uma coisa da outra, j que lsbica no tem nenhuma propenso a se apaixonar pelos homens com quem transa. O que para ns, no entanto, sempre difcil admitir o grau de autonomia de uma prostituta. O interesse financeiro de muitas pessoas, antes e alm de qualquer considerao em torno da sua origem e moralidade, indica um forte desejo de autonomia. As aparentes ingnuas historinhas infantis e novelas romnticas, que sempre terminam com seus personagens rico e felizes, que o digam. O conceito de cidadania passa tambm necessariamente por uma melhor e mais justa distribuio e/ou aquisio de renda. O cidado no apenas o indivduo que participa, num sentido afetivo, da soluo de Problemas comunitrios, pois o fazer pressupeo poder e este se assenta na compreenso que cada um tem da sua realidade e dos meios de que dispe para alter-la. Nesse sentido, quem se prope, por exemplo, a ajudar moas iludidas como essas, tem que primeiro compreender que a ajuda que, em princpio, elas esperam obter tudo o que as conduza vida no exterior com seus prncipes.

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As cinderelas das areias talvez no tenham, afinal, a nesma ingenuidade da personagem que lhes deu o ttulo, mas conceitu-las dessa maneira interessante de um certo ponto de vista, pois no as responsabiliza por atos considerados imprprios para uma verdadeira cidad da nossa sociedade. Se o jornalista no encontrou a moa pobre, oprimida e explorada como esperava, encontrou, segundo supe, a moa pobre, ingnua e sonhadora, vivendo seus Sonhos de vero, como intitulou a matria dentro da revista. Talvez mais do que exatamente submissas, como supe o italiano Loureno, essas moas corajosas estejam numa briga de vide ou morte na busca, em ltima instncia, da autonomia e reconhecimento que a regio e o pas em que vivem insistem em lhes negar ou no lhes dar acesso. Esse mesmo com apresentado nessa reportagem muito comum no raciocnio de muitos e excelentes pesquisadores e estudiosos da sexualidade humana e da prostituio. Um conceito sempre revelador disso considerar a prostituio como a profisso mais antiga do mundo. A que tipo de raciocnio serve consider-la assim? Certamente aquele que a toma como algo dado, quase natural, ou um dos assim chamados males necessrios. Enquanto atividade tipicamente comercial, a prostituio talvez seja um fenmeno muito mais recente do que imaginamos, perfeitamente enquadrado na sociedade de consumo como a que temos. Ela no existe, por exemplo, entre os povos primitivos de diversas partes do mundo, nos quais uma autntica atividade comercial ainda no se instalou. Nem haveria porque existir, mesmo nos assim considerados de estrutura matriarcal ou, mais propriamente, matrilinear, a submisso das mulheres considervel em quase todos os sentidos, no havendo porque pagar por algo que se obtm por obrigao ou pela fora. O fato de Jane ter sido estuprada pelo pai aos 13 anos talvez no nos explique necessariamente sua opo aos 16 pela prostituio, mas certamente nos demostra o quanto nossa sociedade ainda convive com esse domnio do homem sobre a mulher, independentemente do grau de parentesco entre eles. A prostituio, no s, historicamente recente, como tambm decorre e controlada at hoje, em grande parte, por homens que se utilizam dela, tanto do ponto de vista exclusivamente sexual, como financeiro uma sociedade falocntrica, como corretamente os estudiosos e pesquisadores consideram a nossa, No admitiria uma atividade feminina lucrativa e independente. O falocentrismo, no entanto, pode se apresentar embutido em reportagens como a que citamos, pois o fundamento dele o de no dar autonomia as mulheres seja em que circunstncia for. O conto infantil da Cinderela tacitamente falocntrico, de modo que o uso de um conceito dai retirado pode se apresentar nos mesmos termos, embora as moas conotas como cinderelas estejam muito distante da busca que empreendem por autonomia da, esta sim, submissa personagem infantil.

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A remunerao em troca de sexo, se por um lado ocorre a partir das prprias demandas falocntricas masculinas, por outro representa uma condio de maior autonomia e liberdade pessoal em momentos histricos em que a opresso da dona-de-casa era completa. No toa que hoje as mulheres se esforam em se distanciar desta e se aproximar daquela em busca de uma maior autonomia. Na edio especial da revista Veja dedicada s mulheres diz-se que, sua maneira, cada uma aponta resposta a uma clebre e obtusa indagao formulada por Sigmund Freud. A grande questo que nunca foi respondida e que eu no posso responder apesar de meus trinta anos de pesquisa sobre a alma feminina - o que quer uma mulher afinal?, matutava o psicanalista vienense na mesma poca em que os americanos adquiririam o direito ao voto e que um novo produto causava sensao nos Estados Unidos - o absorvente feminino descartvel. No tivesse morrido em 1939, at mesmo Freud j teria percebido o bsico: a mulher quer que a sociedade reestude seus mecanismos de forma a obrig-la por inteiro, em suas mltiplas capacidades (agosto/setembro de 1994, pg. 5). Freud talvez no tenha conseguido, nos seus alegados trinta anos de pesquisa sobre a alma feminina, responder o que quer uma mulher, provavelmente por que sua teoria encontrou sobre tudo uma sexualidade falocentrada. O que certamente the serve de atenuante que uma Grande soma de bons(as) pesquisadores(as) em diversas reas do conhecimento costumam abordar a sexualidade em funo dos usos e costumes do falocentrismo, transformando em abuso tal anlise. Falamos em abuso, porque a autonomia das pessoas no respeitada, o que caracteriza abuso de poder, mesmo quando o intuito denunciar o prprio falocentrismo, por incrvel que parea. Foi essa de certa forma, a surpresa do jornalista, embora ainda assim, ele tenha mantido uma atitude de crtica condescendente ao trazer o termo prostituta pelo de cinderela. Em momento algum utilizou-se um designativo como corajosas, para qualifcar a ao dessas moas, como ns o fizemos. Isso pode soar como apoio, quando, de fato, um mero reconhecimento da autonomia a que elas se propem. Sabemos o quo, perigosos podem se tornar os caminhos que as conduzem ao seu verdadeiro objetivo e desconfiamos que elas no esto to iludidas quanta a anlise do jornalista quer nos fazes crer. A covardia da verdadeira Cinderela, que ludibria o prncipe mostrando o que no e foge assustada perdendo o sapatinho de cristal quando, meia noite, o encanto se desfaz, no nos parea ocorrer s cinderelas das areias. As cinderelas das areias, que utilizam o seu prprio encanto fsico e atos deliberados de seduo sexual, revelam com franqueza fatos estarrecedores de suas vidas, como estupro incestuoso, prostituio precoce, modus operandi, valor da remunerao, recusa em transar de graa com patres inescrupulosos e desinteressantes, recusa em serem assalariadas mal remu-

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neradas, perspectiva de virarem prostitutas na Europa ou de serem espancadas ou escravizadas, sendo isso exatamente o que elas menos querem. O maior problemas que elas enfrentam, por sinal, exatamente o fato de quererem se unir com europeus e irem viver na Europa, numa estrutura altamente falocntrica. A brasileira Silva Strifer, por exemplo, de 24 anos, segundo sua me Maria das Dores, tinha tudo, mas como cabea-dura no se submeteu aos caprichos do marido e agora sofre fito uma danada (...) Ele timo, deu tudo o que temos. Minha filha que no tem juzo (pg. 43). Apesar desse julgamento negativo, Silva trabalha atualmente como faxineira em uma fabrica na Sua, remete cerca de R$ 300 por ms para a me, garantindo-lhe a sobrevivncia, e tenta mudar na justia daquele pas a sentena que lhe retirou os filhos: Eliane Cristina, de um relacionamento com um espanhol, e Hans Peter, j do relacionamento com Hansen, o motorista de caminho com quem se uniu e provou que ela era prostituta e, portanto, segundo a arejada justia Sua, podendo v-los uma nica vez ao ms. Silvia atualmente nem se empenha em ficar com o menino, j que ele est com o pai, mas a filha, entregue a um casal amigo de Hansen para ser bem educada, ela j trouxe de volta para o Brasil, fingindo estar s a passeio, e a tve literalmente seqestrada por dois homens armados quando ia para a escola com a me, sendo levada de volta para a famlia Sua. Nem por isso Silvia se resignou. Largou outra vez sua atividade de cinderela em Recife e voltou para a Sua atrs da filha, tentando agora obt-la por meios legais, apesar da tica jurdica daquele pas. Se isso no amor, coragem e desejo de autonomia, o que seria ento? A Sociobiologia, fundada pelo entomologista Edward O. Wilson, apesar de sua suposio de que o biolgico domina o social at hoje, tem agradado a muitas mulheres ao conceber que as fmeas atuam na formao dos casais ao escolherem os machos com quem desejam se unir e, portanto, interferem a seu favor, segundo a perspectiva da Teoria da Evoluo. O mais comum e freqente at hoje foi ouvirmos os bilogos dizerem que os machos disputam suas presas/fmeas e os vencedores ficam com as que escolheram. A estas caberia apenas o papel de observadoras, como virgens num combate entre guerreiros medievais, cabendo-lhes aceitar a prenda ou o anel de casamento ofertado pelo vencedor, mesmo que fosse o no escolhido por ela. Pois , aparentemente as fmeas podem escolher perdedores, mesmo entre os animais e por motivos ainda obscuros nossa, muitas vezes, falocntrica viso evolucionista. Pretender, como querem os sociobilogos, que o biolgico explique o social talvez no seja exatamente correto, mas o peso que se d ao socioeconmico pode tambm no estar nos levando a uma boa compreenso histrica e contextual. Isto porque o falocentrismo no um produto necessariamente socioeconmico, como os pesquisadores do porte de W. Reich, pretenderam.

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Mesmo conceitos modernos como o de vitimizao reconhecem que a agresso sexual de cunho nitidamente falocntrico, independe da classe socioeconmica do agressor ou de sua vtima. O abuso de poder, tambm conceituado como sndrome do pequeno poder, caracteriza-se pela desconsiderao do agressor sexual quanto autonomia ou capacidade de livre arbtrio de sua vtima. Para o agressor, a vtima um mero objeto de prazer, tal qual uma boneca inflvel de uma sex shop, uma foto ertica, um animal, ou at, um cadver. A mesma relao histrica que se deu por centenas de anos entre o homem e a mulher, sustentando o domnio de homens belicosos, que criaram estruturas sociais poderosas, como os reinados e as instituies religiosas, se d entre o agressor sexual e sua vtima, numa reproduo do chegou a ser to comum, como o estupro, que, possivelmente, acabou institudo como posio de coito correta, com o homem por cima da mulher. Os telogos, segundo o que a historiadora Mary del Priore relatou jornalista J. C. Alves (Superinteressante, abril de 1994, pg. 37), afirmava que a nica posio permitida era com o homem por cima, a mulher por baixo. Afinal, imaginavam, as mulheres enlouqueciam em cima dos homens. Alardeava-se tambm que a posio em que a mulher fica de quatro dava origem a crianas aleijadas. Ao contrrio da posio com o homem por cima, freqentemente utilizada pelos estupradores a fim de manterem sua presa sob domnio, a posio com a mulher de quatro, que podemos considerar como natural, devido, entre outras coisas, sua quase absoluta utilizao entre mamferos, aves, rpteis e insetos, ocorre em coitos consensuais e nega, como pensam at hoje muitos pesquisadores, que o ato sexual animal se d por imposio do macho. Havelock Ellis e o Dr, Fritz Kahn foram dois, entre os mais conhecidos e populares pesquisadores da sexualidade, que imaginavam ser o ato sexual animal um ato violento. Ellis, inclusive., associava isso aos raptos de mulheres, comuns em muitos povos primitivos. Nessa mesma linha de raciocnio caminhou o psicanalista e etnlogo Gza Roheim, para desespero de W Reich, que no se conformou com as interpretaes justificatrias de atos sexuais dolorosos entre os Somalis, que costuravam as vaginas das mulheres e lhes provocavam muita dor ao lhes tirarem a dupla virgindade, sendo considerado incapaz o homem que no conseguir realizar tal violncia. Roheim pretendeu, com isso, Justificar o que ele considerou como sendo o natural masoquismo das mulheres, bem como igualmente natural sadismo masculino. Nelson Rodrigues, o dramaturgo, deve ter concordado. A violncia sexual, embora no seja em absoluto natural, j faz suas vtimas h muitos anos e no nos parece justo afirmar que ela seja um subproduto do regime capitalista e das distores provocadas por pssimas distribuies de renda, muitas das quais sustentadas por regimes poltico, totalitrios, pouco afeito s prticas comerciais e as negociaes. Ao contrario: O interesse comercial descobriu no sexualidade um produto de forte

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apelo para movimentar as vendas e criou condies socioeconmicas geradoras de uma crise sem precedentes no falocentrismo patriarcal, derivando muito mais poder para as mulheres. A prostituio, por exemplo, j se utiliza dos mais modernos meios de comunicao (TV, telefone, jornal, cinema, multimdia) para seu comrcio, confirmando sua contemporaneidade, enquanto a violncia sexual, tantas vezes considerada contempornea, vem de um passado remoto, provavelmente, como props Reich, dos choques entre as hordas incestuosas primitivas, alterando a conduta sexual natural e consensual, ditada sobretudo por interesses sociobiolgicos. Ao desenvolver uma conduta sexo agressiva em direo a mulheres dominadas num confronto com grupos rivais, os guerreiros vencedores estabeleceram a proibio de que os homens de uma horda continuassem a fazer sexo com suas parentes, pois isso passava a ser prerrogativa deles. Criou-se, assim, a primeira forma de casamento, trazendo j embutida a noo de que o homem um predador sexual (conquistador) e a mulher a sue presa (trofu). No tardou a que todos os homens passassem a seguir essa conduta, enquanto as mulheres foram afastadas de qualquer possibilidade de escolha, sendo utilizadas como elemento de apaziguamento e barganha nor interminveis conflitos que geraram mais e mais proibies e controles, todos favorveis ao fortalecimento do falocentrismo. A mudana de um patriarcado belicista e autoritrio para um comercial e negociador, no qual as mulheres, finalmente vo conseguindo abrir brechas e espaos, vem desancando o falocentrismo que por tantos sculos as oprimiu. Defender ou delimitar um territrio, um Reino ou um Estado, torna-se progressivamente anacrnico, pois a atual invaso se d por intermdio de mercadorias, s vezes to disfaradas, que duvidamos quando descobrimos serem produtos estrangeiros-. A aceitao de historinhas infantis como Cinderela, com seus prncipes e Reinos, bem ao gosto do antigo (em certas regies) patriarcado, demostram, no entanto, que a velocidade das mudanas socioeconmicas tem sido muito maior do que o psico-social, visto que as pessoas ainda se encantam com filmes como Rei Leo. Educando as meninas como princesinhas e os meninos como destemidos guerreiros intergalticos, os pais e a sociedade preservam neles atitudes autocratas a falocratas que entram em rota de coliso na adolescncia e vida adulta, com a exigncia de que se tornem exmios negociadores e mercadores. Dessa coliso a atordoamento, alm das mulheres, outras categorias sexuais tambm vo se aproveitando. Um exemplo de um costume que foi alterado diz respeito aos homossexuais. O fato da Organizao Mundial de Sade no mais os considerar como doentes mentais fez uma diferena brutal no fortalecimento da sua aceitao como cidados autnomos em nossa sociedade, permitindo como j ocorre, que vrios servios comerciais atendam s suss necessidades especficas.

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O mesmo ainda no ocorre com os adolescentes. Discutir a gravidez na adolescncia como um problema j traz em si a falta de autonomia de que eles infelizmente ainda sofrem. O mais correto seria discutir a gravidez indesejvel e por conseqncia, os mtodos contraceptivos o aborto e cada tipo de assistncia que se pole dar me, ao pai e ao filho numa situao de rejeio. A gravidez desejvel tambm pode ser objeto de discusso, j que os cientistas avanam nas tcnicas que derrubam as impossibilidade biolgica decorrentes de infertilidade a menopausa, por exemplo. Classificar doenas como sexualmente transmissveis outro costume que embute restries prtica sexual, afinal de contas ningum chama de buco ou aero so transmitidas pela boca ou pelo ar. Elas so simplesmente doenas infecto-contagiosas. O que as pessoas preciso entender que do mesmo modo como lavam as mos, escovam os dentes, trocam de roupa, tomam banho, usam absorvente, calcinha e cueca e limpam o ambiente, elas precisam de relaes sexuais higinicas. O que precisa ser preservado acima de tudo a condio do cidado autnomo de todas as pessoas, de modo mesmo aquelas que atentam contra a autonomia de seus semelhantes possam ter um tratamento jurdico nesses termos, com amplo e irrestrito direito de defesa. A Cincia, mais do que uma entidade explicadora da realidade, uma entidade jurdica, uma vez que nenhuma explicao adquire validade cientfca se no passar por um julgamento onde se demosntre uma relao casual entre o fenmeno e seus determinantes. Conseqentemente, ela tambm precisa possibilitar aos seus analisados um amplo e irrestrito direito de se manifestarem, caso contrrio ele no s estar cometendo um erro de ,julgamento, como tambm estar se prejudicando do ponto de vista epistemolgico. E as situaes em que os usos a costumes esto mais presentes so justamente aquelas em que propendem com mais facilidades a erros de julgamento. Cuidar para que tal no ocorra , pois, mais do que uma garantia de no se estar abusando da autonomia de ningum, uma necessidade epistemolgica.

Abordagem corporal em terapia sexual

Amparo Caridade*

DIMENSO SISTMICA DA DISFUNO SEXUAL Algo de perigoso acontece quando elegemos e privilegiamos uma esfera da vida, mesmo que seja para estud-la, para destac-la no existir. Pinamos uma parte do grande conjunto, e corremos o risco de deix-la sem referncia ao todo. Imagino as conseqncias que isso pode trazer s formas de ver, sentir e pensar as diversas dimenses do viver. Que aspectos da totalidade ficaro imolados nesse olhar micro lanado sobre a questo? Particularizando, interrogo-me se, o superdestaque concedido hoje em dia sexualidade de forma descontextualizada, no a coloca ansiosamente em foco, a ponto de adoentaliz-la, ao invs de libert-la? Baudrillard pensa que a sexualidade continua insegura por trs da libertao de seu discurso, e acha at que sua proliferao est prxima do total desperdcio. (1) Parto dessa inquietao para considerar a importncia de que a sexualidade seja pensada, inserida no viver em totalidade, isto , que ela seja situada como um aspecto entre outros do existir humano. Magnific-la para alm de sua dimenso, fazer dela o todo, condio nica de felicidade,
* Psicloga. Recebido em 16.05.95

Aprovado em 27.05.95

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irreal, pode gerar efeito contrrio. Transform-la num monstro que nos possui, vai torn-la mais sufocante que libertadora. Fazer de sua vivncia em moldes pr-estabelecidos, condio de normalidade, pode tirar-the a espontaneidade a empalidecer o bem que ela representa na vida. Por isso a deseleio do sexo-rei, parece-me mais libertadora. Assim o indivduo poder sentir-se bem ao gostar de sexo, como gosta de arte, de poltica, de tocar um instrumento, ser um bom gourmant ou escrever poesias. No ter de ser atleta sexual para se conformar a padres estereotipados e consumistas que so impostos. Uma dimenso humana perpassa as disfunes sexuais, e podemos entend-la a partir do fato evidente de que somos um todo e funcionamos na inteireza disso que somos. Cresce esse reconhecimento entre os estudiosos e atualmente sopram fortes os ventos do Holismo fazendo ver que a pessoa age em totalidade, entrelaando-se e interagindo com os outros e com o universo. Um olhar macro sobre o homem, a vida, o cosmo, procede de revolues feitas pela fsica, resultando em interpretaes da fsica sub-atmica, e evidenciando que a natureza deve ser entendida como uma rede dinmica de eventos interrelacionados, onde nenhuma parte mais fundamental que qualquer outra. (2) Uma imprevisibilidade no comportamento dos ftons eventos suaves, que provocam perturbaes mnimas, foi evidenciado pela fsica quntica, e quebrou as rgidas certezas da fsica clssica, possibilitando o surgimento de novos paradigmas para o estudo da vida a do ser humano. Essas idias tm uma conseqncia multidisciplinar, sugerem uma interconceptualidade extremamente necessria ao entendimento do que se passa na pessoa. O todo tem uma dimenso integradora, porque na organizao das partes que se d a harmonia, que se caracteriza a ordem uma ordem que procede do entrelaamento das partes. Isso implica que uma parte tem a ver com o todo, e tambm que s pode ser compreendida nessa relao de totalidade. Compreender uma disfuno sexual, supe inser-la no conjunto da existncia da pessoa. No podemos trat-la, reduzindo-a a uma partcula. No podemos pensar a disfuno sexual como algo que est errado apenas com os rgos sexuais. A sade requer um estado de equilbrio entre foras ambientais, modos de vida e os vrios componentes da natureza humana, j pensava Hipcrates. (3) O conceito de estresse bem compatvel com a viso sistmica da vida mas s pode ser bem apreendido quando uma sutil interao mente e corpo percebida. Estresse pode ser compreendido como um desequilbrio do organismo em resposta a influncias ambientais. Ele ocorre, quando uma ou diversas variveis do organismo so foradas at seu limite extremo, o que induz a um aumento de rigidez em todo o sistema. Prolongado, resulta na incapacidade para integradas respostas do corpo a nossos hbitos culturais e regras sociais de comportamento. Por isso ele fonte geradora de dificul-

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dades sexuais. Estas surgem como gritos do organismo exaurido, seja em sua fora fsica, seu emocional ou dimenso existencial. A disfuno sexual procede muitas vezes do caminho que vai sendo traado pelo indivduo em sua histria em sua estruturao da pessoa que . Nessa trajetria quase sempre ele sacrifica aspectos de si mesmo, emoes, valores, atitudes, em atendimento a exigncias educacionais, culturais, e outras, que impedem a inteireza que aqui postulo. Outras vezes a disfuno sexual pode funcionar como sisal como busca de algo mais realizador e mais bonito. Nem tudo deve pois ser patologzado, mas compreendido em sua essncia. Encontro na teoria da metamotizao de Maslow (4) uma estreita relao com as questes da sexualidade que aqui abordo. Elo defende a tese de que, quando a pessoa madura tem suas necessidades bsicas satisfeitas, passa a ser motivada de modo mais elevado, o que ele chama de metamotivao. H uma variedade de metamotivos como, impulsos para a verdade, a esttica, a auto-realizao, que so encontrados em pessoas relativamente saudveis. Ele acha que a plena definio da pessoa deve incluir valores intrnsecos, no como algo abstrato mas como pane da natureza humana. Essex valores intrnsecos so instintides diz ele, no sentido de que so necessrios para evitar a enfermidade e para atingir a mais plena humanidade. Em conseqncia disso, as enfermidades resultantes da privao desses valores intrnsecos - metanecidades - so chamadas de metapatologias. Maslow reconhece uma hierarquia de necessidades bsicas que prevalece sobre as metanessidades, mas tambm refere-se a indivduos cujo talento especial ou sensibilidade.peculiar, tornam a verdade, a beleza ou a bondade mais importantes e mais urgentes do que alguma necessidade bsica. As necessidades bsicas so chamadas de necessidades de deficincia, enquanto as metanecessidades so chamadas de motivaes de crescimento. Entendo que as disfunes sexuais podem ser vistas como metapatologias, no sentido de que elas expressam uma desarmonia que atinge o todo da pessoa, e no apenas o funcionamento da genitlia. Quase sempre elas procedem dessa totalidade humana prejudicada, porque a sexualidade rene tanto as dimenses de necessidades bsicas como de motivaes de crescimento. A grandeza do sexo est nessa vivncia em meio aos projetos de felicidade humana, em parceria amorosa, a no apenas com fins procriativos ou numa busca mecnica de um prazer simplista. O homem no se reduz as suas necessidades, e no terreno da sexualidade ele supera a ordem estabelecida pelo orgnico. Ele inventa, cria a cada instante seu modo de ser prazeroso, seu gosto a expresso sexual. Atravessamos um momento social muito pouco metamotivado. Estamos submetidos cultura da velocidade, do efmero, do consumo. Tem-se tanta pressa que o jornal do dia seguinte vendido na vspera, a

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notcia no pode aguardar o amanhecer. Somos uma cultura onde no h tempo nem energia para as pessoas sentirem-se, e usufrurem de sua potencialidade prazerosa. Em meio desconfiana, violncia, ao salve-se quem puder, falta cho, e disponibilidade para o desarmamento, a entrega e o abandon o ti ecessrio experincia prazerosa. nesse contexto que as pessoas exigem-se cada vez mais performance, e um desempenho sexual tecnicizado, capaz de assegurar um funcionamento padro as nossas mquinas desejantes. O prazer se d mal com esse modelo. Cresce na minha observao clnica, a queixa de diminuio do desejo, e o desencanto com o prazer obtido, esmagadoramente menor que as expectativas mantidas. As pessoas parecem desconhecer que podem buscar um mais alm de si, e perdem-se na circularidade de uma mesmice empobrecedora da experincia sexual, numa mera busca de orgarmos sem nenhum gozo mais alm. Vivemos na poca da liberao, tempo a impresso da expanso, embora na verdade vivamos em contrao. E Gaiarsa diz que toda expanso prazenteira e toda contrao angustiosa. (5) O QUE TRATAMOS Toda essa forma de ver e pensar o disfuncional humano, descentra o poder curativo das mos do profissional e deve tornar o indivduo co-responsvel por suae sade, seu bem ester, sua felicidade. Em nossa cultura instalou-se a idia do profissional como a de um mago onipotente, totalmente responsabilizado, sem que o cliente nada assume de seu processo de cura. Ele chega para ser objeto de interveno, vem disponvel para submeter-se, no para ser sujeito de qualquer processo. que no desenvolvemos nenhum respeito pelo processo de auto-cura. Dar remdios um smbolo muito poderoso em nossa cultura, diz Capra. H um comrcio de iluses nessa busca e oferta de certeza de solues para coisas que nos afligem. Muitas vezes as causas no so atingidas porque isso requer maior envolvimento do sujeito. contudo, somente quando elas so atingidau, o indivduo comea a responsabilizar-se por sua cura. Muitos clientes no alcanam resultado com a Terapia Sexual, por n o se tornarem co-responsveis pelo processo, temendo que isso lhes exija investimentos pessoais por vezes custosos emocionalmente. Nessa culture da velocidade, ele tem pressa, ele quer livrar-se do sintoma, no pensa na cura como um processo, prefere uma interferncia, uma ao mgica, tcnica, eficiente, mesmo que sobre o sintoma apenas. Precisamos proporcionar-lhe uma viso sistmica que encare a questo da sade em termos de um processo que inclui a resposta criativa do organismo aos desafios ambientais (6). A sade um fenmeno multidimensional.

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Tratamos ainda as pessoas com tcnicas marcadas pelo dualismo cartesiano. Mdicos olham o corpo supostamente avariado, buscando e criando intervenes alternativas para cada caso. Mas uma interveno restrita, localizada, cura da parte, magia da mecnica. Psiclogos dedilham a histria do indivduo em busca de dores residuais, emoes estressantes, oxal geradoras do mal estar vivido pelo indivduo, e quem sabe, ele tome conscincia do ser de direitos que , podendo viver o prazer sem culpa. Educadores em geral, anunciam e denunciam concertos, pr-concertos e formas de lidar com a pessoa em desenvolvimento, para que o amanh possa nos brindar com sujeitos mais realizados sexualmente. Comuniclogos estampam e denunciam o que, por trs dos bastidores da mdia, se faz sexualidade humana. Tudo perfeito, se no vssemos nisso um sintoma de nossa fragmentao, de nossa correria onde tudo converge natural e perigosamente para aes individualizadas, onde cada um faz a sua parte. E quem reunira o esfacelamento resultante? Mais que encastelar-se em seu saber especializado, cada profssional convocado a somar e a possibilitar uma sntese que seja geradora da maior segurana para o cliente. A quebra de onipotncias e a partilha interconceptual so aqui muito bem-vindas. Nossa prtica profissional tambm sofre os impactos da cultura veloz e efmera, e queremos poder oferecer um tratamento rpido a eficiente, condizente cum a pressa dos tempos atuais. Isso reciprocamente enganoso a cliente e terapeuta. Adoecer e sarar so ambos partes integrantes da autoorganizao de um organismo, diz F. Capra (7), o que supe ao demorada. A cura processual, no importa por que prisma terico a enfoquemos. A reteno das emoes, por exemplo, fator crucial no desenvolvimento das doenas e das disfunes. Ora a cura exige a libertao dessas emoes aprisionadas e isso requer tempo e disponibilidade interna do sujeito. Joyce Mc Dougall lembra que o afeto suprimido do psiquismo liberado nos sintomas neurticos (8). muito forte hoje em nossa cultura esse trao, essa supresso do afeto, uma armadura que endurece, a essa emoo expulsa do psiquismo exige recuperao, uma tcnica poder ser til para facilitar o acesso a tal emoo, mas nada se resolve se ela no for contactada, compreendida, trabalhada, desmistificada, para que se reduza o poder inibidor que exerce. Talvez tenhamos que sarar da pressa e da superficiabilidade em que vivemos para facilitar o bem estar do cliente que nos procura. Querer obter a cura a qualquer preo, diz Groddeck (9), forar o doente a apresentar sintomas mais graves ainda, porque o que age no sintoma no tanto o fator exgeno, mas o smbolo, e ele est ancorado no imaginrio de cada um. Leva tempo para ser decifrado, compreendido e assumido. Desvendado o processo de recalcamento no sujeito, Freud o revela em 3 tempos: primeiro, o recalque primordial; segundo, o recalque propriamente dito; e terceiro, o retorno do recalcado.(10) Ora o retorno do recalcado o motivo prprio dos sintomas, e ter que ser elucidado para ser recusado.

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Penso que uma disfuno sexual pode ter tambm o sentido desse retorno do recalcado, a pode estar ancorada em angstias que se anunciam agora em forma de sintoma, de impedimento de desempenho a satisfao sexual. Essas angstias que foram se aninhando na histria do sujeito, podem constituir o terreno sobre o qual se desenvolvem as disfunes sexuais. Diante disso, teremos de tratar a pessoa disfuncional no a disfuno. Vale lembrar a propsito o que diz Gabriel G. Marquez: No h remdio que cure o que a felicidade no cura. (I 1) Da a necessidade de que o cliente encontre condies de resgate ea felicidade perdida. TCNICA AJUDA, MAS NO CURA A tcnica um recurso que utilizamos para facilitar o desembarao do corpo, o desvencilhamento de si mesmo. Mas esse desembarao acontece quando procede de um movimento interno do sujeito. Receio que em nosso exerccio profissional, haja um encantamento pelo uso da tcnica, resultando em ritualizao mecnica, ou na idia simplista de mgicas solues para as disfunes sexuais. Uma tcnica jamais deve conduzir o indivduo para longe de si. Ela deve ser instrumento facilitador da intimidade do indivduo consigo, cum sua interioridade e no uma ginstica do distanciamento como diz Neidhoefer (12), uma tcnica jamais deve servir de escudo s incertezas e inseguranas do terapeuta. Nenhuma magia oferecida pelo mosaico de tcnicas e terapias corporais que dispomos. Aplicar uma tcnica, supe que o corpo do terapeuta a suporte a dela se beneficie, do contrrio como veicular uma crena em seu valor? O corpo do terapeuta funciona como um espelho, e no pode refletir o que nele no existe. Harmonia, suavidade, soltura, sensibilidade no se improvisam. Devem ser buscadas no cotidiano. Isto necessrio porque a sensibilidade para perceber o cliente depende do quanto sentimos e observamos nosso prprio corpo. A ajuda oferecida pela tcnica deve remeter o cliente a fazer contato com as sensaes que lhe fluem no aqui e agora, porque quando esse contato se d, o sentir torna-se mais intenso, a vida mais viva, e a identidade mais presente na conscincia, uma ritualizao mecnica destituda desse sentido pode ser eficaz apenas temporariamente ou at mesmo incua, porque no possibilita a compreenso dinmica da pessoa e do que subjaz dificuldade existente. Por isso necessrio entender como atuam as tcnicas, o que cada um pode mobilizar no psiquismo do indivduo. Na verdade ela s beneficiar o trabalho teraputico se houver por parte do cliente uma prontido para assimil-la e dela tirar proveito. Caso contrrio ser iatrognica, poder reforar defessas maiores. Os focos sensrios, por exemplo, se utilizados quando h conflitos, desafeto, rejeio, intolerncia, mgoas e outros sofrimentos relacionais, podem apenas cristalizar e inten-

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sificar recusas, ou promover falsas resolues das dificuldades. no adianta por exemplo, mandar soltar a pelve atravs de um tcnica se algo interiormente algema essa parte. De nada adianta insistir na afirmativa de que esse balano plvico causa prazer, se ronda para a pessoa o fantasma arcaico de que o prazer feio, pecado, ou se lhe pesa na memria alguma experincia traumtica dolorosa, ainda no trabalhada. Aprecio tcnicas mais globalizantes, porque alm de desenvolverem uma sensibilidade de conjunto, elas perdem qualquer carter de mecnica. Assim, sugerir um resgate da sensoriabilidade global do corpo altamente benfico sexualidade como um todo, e descentra o indivduo da disfuno especfica que lhe era tanta ansiedade. O exerccio dos diversos rgos dos sentidos fica muito enriquecedor, resgatador da sensibilidade a leva o indivduo a um contato maior consigo mesmo. Eles so a porta da sensao, a via do prazer. As atividades da vida diria podem servir ao exerccio da sensorialidade. Podemos sugerir um despertar cutneo geral por exemplo no banho, atravs das sensaes de escorrimento da gua no corpo, da temperatura, do barulho do chuveiro, a sensao de uma esponja ou a maciez da espuma na pele, o cheiro do sabonete, etc. importante que uma sensorialidade possa se dar primeiro na experincia privada do indivduo e s depois ele est mais apto para partilh-la com outro em intensidade. O estado de insegurana procede de nossas dvidas do que sentimos, a passamos a valorizar a opinio dos outros. Quando conhecemos e confiamos em nossas sensaes elas servem de referenciais aos nossos desempenhos, porque nos pem contato com nosso prprio eixo. O ato de comer percebendo o gosto de cada coisa, o visual e cheiro do prato, o prazer disso, a sensualidade da fruta, tudo exercita a grande sensibilidade que encaminha uma interao mais prazerosa com o m undo externo. Se no formos onipotentes, poderemos questionar o cliente acerca do que pode ser inventado entre parceiros, que lhes facilite a soltura, o encontro. O que dele proceder como sugesto sofrer menor resistncia. Outras tcnicas endeream a uma entrega maior. Isso tambm no mecnico, est muito presente no modo de ser da pessoa. O indivduo tenso, prevenido, desconfiado no se entrega. Entrega tanto a soltura de um feixe de msculos, como a busca de uma sensao mais profunda, a atitude de disponibilidade interna, ou o abandono contemplao de algo, seja uma paisagem, um poema, ou os olhos do amado. Entrega deixar-se aprisionar pelo olhar do outro, por seu mistrio. No olhar que se cruza, diz A. da Tvola, o imo de cada um encontra a instncia deslumbrante onde se descobre aceito, querido, perdoado e permitido. (13) Entrega at seduzir e deixar-se seduzir numa busca ilusria de um objeto-bens, uma espcie de convocao do nada ou do tudo. Sibony fala disso mostrando que o jogo um gozo, e que a seduo um jogo que faz mais questo de seu desregramento que de suas regras, de seu prosseguimento mais que de seu tr-

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mino. (14) Com isso ele confirma que o desafio maior esse do gozo, e no a posse sexual do outro. Exerccios orientados de relaxao auxiliam em muito a entrega, quando um desejo interno j est mobilizado no indivduo. Respirar bem, com conscincia da pulsao da vida em si, caminho de contato inclusive com os sentimentos mais fundos. O terapeuta criativo, atuando em nvel de ateno flutuante, pode enderear esses relaxes a situaes especficas das disfunes existentes, como por exemplo, sugerir a busca do prazer de abandonar-se no tempo pode ser muito til a um ejaculador precoce; ou identificar a presena e sensaes dos rgos sexuais, do mesmo modo que percebe e sente o corao bater, o pulmo respirar, a vida inteira pulsar no corpo, ajuda a experimentar sensaes mesmo as ergenas, sem ansiedade. A logoterapia de Viktor Frankl (15) elaborou algumas tcnicas para a atuao prtica, que servem particularmente ao trabalho com as dificuldades sexuais. Ele discute a ansiedade antecipatria, como o medo provocando o sintoma do qual se tem medo. O sintoma agrava-se criando-se um crculo vicioso que vai se colocar na base de muitas dificuldades sexuais. Por exemplo: quando surge o desejo, o indivduo comea a sentir medo de no conseguir bom desempenho na relao. Pensa tanto nisso, que se impede de entregar-se sensao prazerosa. O crculo agrava-se e o cliente chega a ter medo de ter medo, no consegue ereo por medo de no conseguir. Cristalizado na idia fixa do desempenho termina por fracassar. Frankl sugere que o cliente procure no conseguir, e que durante uma semana, por exemplo, ele agrave seu sintoma. a inteno pardoxal, uma tcnica que atua na desfeita do crculo vicioso. Proibido de sair de seu sintoma, de sua dor, rompe o crculo, porque o homem vocacionado liberdade. Nele toda espcie de represso refora o sentido da liberdade humana, A luta contra o sofrimento gera o prprio sofrimento, a luta contra o medo gera o medo, a luta contra a doena faz crescer a enfermidade. um processo de auto-hipnose no sentido de reforar o sintoma. A derreflexo outra tcnica que trabalha mais na resoluo dos conflitos sexuais e contra a luta para se conseguir prazer. Isto por si s, uma forma de no encontr-lo. A derreflexo tenta deslocar a ateno do cliente preocupado com seu sintoma para outra coisa mais ampla da vida e mais importante, como sugerir que no melhore nos 3 primeiros meses, mas elabore alguns projetos de vida futura. O sintoma a linguagem de um sofrimento interno do indivduo. O que mais grave est dentro do indivduo, no no sintoma, quase sempre se privilegie o sintoma sobre o sofrimento real, que o Prprio cliente nem sempre quer ver. A derreflexo atua rompendo o crculo da hipertenso que agrava a hiper-reflexo em um contnuo processo de busca obsessiva de se conseguir o prazer. A Logoterapia preocupa-se com a superao do vazio existencial, da falta de razo para viver.

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A apelao tambm um recurso que conduz ao reavivamento da riqueza sentimental e afetiva da pessoa perturbada. Consiste em valorizar o sentimento do cliente quando ele chora, ri, alegra-se ou fica triste. implica em sublinhar o lado forte da pessoa que se sente enfraquecida. Esse uso depende da criatividade, do bom senso de do contexto da relao teraputica. Por fim o dilogo socrtico proposto durante todo o processo, e serve ao auto-conhecimento. Possibilita que o ciente entre em contato com seu incosciente, com o sentido de sua vida, seu potencial humano e a direo que quer dar a vida. A filosofia tntrica postula uma entrega total ao exerccioda sexualidade e mostra que a vontade causa de toda ansiedade (16). De fato, vemos no contexto das dsfunes sexuais que a hiperintencionalidade, (17) a vontade obstinada de desempenho timo da sexualidade um dos maiores obstculos ao seu exerccio. Alguns passos so sugeridos na busca da plenitude da experincia sexual, que a proposta bsica do Tantra: (18) 1 - No se apresse, no anseie pelo final. O comeo mais relaxado e mais caloroso. Permanea no presente. Goze o encontro de dois corpos, duas almas e mergulhem um no outro. No contato com o sexo oposto cada clula sua desafiada e excitada." Essa proposta muito interessante para uma cultura. como a nossa que supervaloriza o desempenho a descuida do contato, da emoo e da profundidade da sensao que conduz ao estado de gozo. 2- No incio de uma unio sexual preste ateno no fogo, e evite as brasas do final. Se a ejaculao se d, a energia se dissipa, no existe mais fogo. Voc se alivia da energia sem ganhar nada. Imagino a importncia dessa descoberta para quem s valoriza o quantitativo em detrimento da qualidade, ou para quem no presta ateno ao prazer da parceira, fatos muitos comuns em nossa realidade. Lamentavelmente a cultura rios passa uma compreenso do gozo apenas como orgasmo e no enquanto estado orgstico. 3- Ao recordar-se da unio, vem a transformao. Voc pode mergulhar no ato at mesmo sem o parceiro, (atravs da lembrana do que j viveu) se tiver dentro de si o sentimento quando havia apenas uma energia que os tornou uma unidade, ou seja, se voce registrou no esprito um momento de fuso e perda do eu. preciso a experincia do perder-se para encontrar-se na fuso na unidade. preciso a valorizao da memria porque a retrospectiva, a reminiscncia do vivido, tambm plena de gozo. Bachelard diz isso poeticamente: Inventa! No h festa perdida no fundo da memria.(19) Tudo parece muito genrico, e pode ao mesmo tempo ser muito familiar. que a sexualidade no concreta como imaginamos. Pelo contrrio, ela contnua inveno do esprito humano. At mesmo quando estamos em contato com o corpo do outro, lidamos com uma grande met-

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fora. R. Barthes fala de um vasculhar o corpo no outro, como se quisesse ver o que tem dentro dele, como se a causa mecnica do meu desejo estivesse no corpo adverso diz ele, a faz a imagem: (me pareo corri esses garotos que desmontam um despertador para saber o que o tempo)(20). Por mais que aprendamos sobre a sexualidade, suas disfunes e suas curas, teremos de olhar com singularidade a engrenagem de cada indivduo. Teremos de ajudar o cliente a desmontar seu prprio desejo, para compreender onde se deu o n que o impede de acontecer.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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Afetividade e aprendizagem

Amparo Caridade*

A vida se apresenta a ns no fim da eternidade, mas e aprendemos nos instantes especiais em que nos demos conta da existncia de que estamos inseridos no mundo. Diante de ns esse mundo no cessa de se revelar. Ai cada coisa tem um enigma, um fascnio, uma face a desvendar. Quando nos apercebemos do fenmeno comea a descoberta, o enternecicimento e o prazer crescente de conhecer, sentir, descobrir, pensar e partilhar. Instala-se em ns um desassossego epistemolgico, que procede tanto desse cantato com o mundo externo, como de nossa interioridade, lugar em que nos reencontramos e dentro do qual vemos melhor. Basta lembrar que fechamos os olhos quando queremos ver e sentir mais profundamente. Quando observamos e ns entregamos experincias, a mente desliza numa comunho com as coisas, com os fatos com o mistrio pasta ao desvendamento. Isso supe um espreguiamento do esprito, uma interao viva com o universo. A existncia das coisas ter uma feio original em sua percepo pelos olhos do esprito, diz Walter Trinca (1), considerando que uma experincia pessoal profunda pode

* Psiclogo. Recebido em 16.05.95

Aprovado em 27.05.95

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traduzir-se num corpo de conhecimentos, e que uma cincia da provenience ter o frescor da vida. O mistrio que envolve o mundo, o prprio objeto da cincia, e coma observadores participantes desse espetculo do mundo, que tomamos pane na relao com o objeto de conhecimento. E quando seres inquietos e enternecidos frente ao universo, que conseguiremos passar afetiva e afetivamente esse saber extrado da relao ntima com os fatos e com a vida. desse enternecimento que procedem nossos gestos como educadores. Um encontro consigo mesmo, uma paixo pelo ser e existir, so necessrios, para que se possa falar da necessidade de conhecer quando um bem. preciso desencadear no aluno a paixo pela descoberta de si e do mundo, e isso s fazemos quando estamos movidos pela mesma paixo. No podemos prescindir do que somos na arte de iluminar o palco da existncia do outro. Nesse contexto a veiculao do saber se da um jorro afetivo-existencial que atinge o aluno em sua pessoa, provocando mudanas importantes, abrindo-lhe ternos caminhos pulso de saber. Suely Rolnik comenta um texto seu Pensamento, Corpo a Devir Uma Perspectiva tico/sttico/Poltica no Trabalho Acadmico , (2) que, o que o professor produz e transmite, tem ntima conexo com o que ela chama de marcas, no com a conotao de sinal, impresso, que non familiar, mas como estados que se produzem em nosso corpo a partir de composies que vivemos. so estados disparadores de devir no sujeito. E quanto mais nossa produo movida pelas marcas, quanto mais ela espelha essa textura ontolgica, maior o brilho do que fazemos e mais eterna sua atualidade. O que o professor no tanto um saber. Ele ensina a aprender, a criar, o que lhe possibita tambm ser aprendiz e criador. como tal, que ele se revela enquanto pensador. A bagagem terica utilizada no o nico registro que deixamos no aluno. no como fazemos, que veiculamos pedaos do que somos e isso repercute em seu desenvolvimento global. Suely apoiada na viso de Proust e Deleuze, diz que a sua inteligncia se segue a isso, vem depois, e que ela s boa, quando passa a servio de um nova devir que as marcas engendram (3). Como se fosse necessrio um acordar existencial, para que a inteligncia encontre terreno prprio para sua expanso a pleno desenvolvimento. Conhecemos bem quanto o aluno aprende com sabor, quando lhe possibilitamos o entendimento de si, do outro e do mundo. Uma compreenso que est para alm do intelectual, que veiculada numa metalinguagem, presente na bagagem humana do educador. Nessa prtica pedaggica, a relao aluno/professor da ordem da cumplicidade, feita de uma crena amorosa na possibilidade de que o aluno tem de desenvolver seu trabalho. para suscitar este aprendiz criador no aluno, o professor tem de estar podendo suscit-lo em si mesmo, e isso

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acontece na medida em que ele rene o saber com uma texture ontol1gica, o que resulta num aprendizado infinito. Quanto mais esse aprendizado est sendo possvel ao professor, mais ele consegue autoriz-lo e suscit-lo no aluno, e tambm mais prazeroso e gratificante fica seu ofcio. O professor um profissional cuja bagagem existencial se estampa naquilo que ele faz: ensinar e aprender, a descobrir, a inventar. E o que ele revela ensinando, se ele tambm um aprendiz inventor, se ele descobre no dia a dia, a beleza de ser um eterno aprendiz. Na cumplicidade amorosa com seu oficio e com seu aluno, o professor usar o terico conceitual, no como escudo, um esconderijo para sua alma, mas como alicerce de um devir, epifania talvez da plenitude do outro, seu aluno. Ensinando com afeto, o professor gera a possibilidade de emergncia do ser afetivo do aprendiz. Diria que a afetividade com que o professor faz sua tarefa, motiva o desassossego afetivo e cognitivo do aluno. Em geral a criana mpelida, por exemplo, a voltar-se para o problema de suas origens. Essa a curiosidade primria, mas que em nada difere da que mantm o pesquisador em seu laboratrio. pulso de conhecer. to epistemolgica como outras buscas de saber. A criana quer desvendar enigmas, sobretudo aquele que lhe trouxe vida. Acuriosidade sexual desperta multo cedo, e est ligada ao nascimento da inteligncia. "Insatisfeita, ela pode bloquear a pulso de saber e entravar o desenvolvirrrento intelectual", (4) mas se for acolhida afetivamente, a criana dar um salto significativo em seu desenvolvimento. Mas o professor tambm tem suas carncias, insuficincias de seu dever, de seu ser aprendiz, e pode dificultar o aprendiz do aluno, se ele mesmo no se rev, no se revoluciona, no se constri continuamente como sujeito. No terreno afetivo/sexual h muitas carncias informativas e atitudinais em docentes cuja gerao foi preconceituosamente privada de uma educao aberta para a vida, para o afeto e sobretudo para a sexualidade. Viver afetivamente a tarefa docente, supe uma intimidade com o afeto, porventura desenvolvido por ns. Uma professora cita o exemplo de ter em sala de aula, uma criana em meio pobre as outras crianas burguesas que a rejeitam. Ela passou ento a brincar com a menina para aliviar-lhe esse sofrimento. Diria que essa uma atitude equivocada, que sua tarefa no brincar neste caso, mas transformar aquele pedao de sociedade que lhe cabe educar. Ela tem diante de si a fantstica oportunidade de desvendar para as crianas a questo da desigualdade social e sua existncia no prprio contexto da sala de aula. E oferece s crianas a oportunidade de lidarem com a questo e de desenvolverem condutas mais conscientes e humanizadas. Ela tem a oportunidade de mostrar como injusta aquela rejeio, j que ser pobre no um desvalor da pessoa, embora a pobreza seja uma anomia, uma doena social. Essa atitude mais afetiva, mais profissional e mais revolucionria. Sem duvida tambm mais perigosa sobretudo quando se lida com escolas burguesas. Corremos risco

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sempre que fazemos algo srio. Viver muito perigoso dizia Guimares Rosa. A tarefa do professor das mais arriscadas por que ele um transformador, e isso no interessa aos sistemas autoritrios. No a toa que ganhamos to pouco. Com salrios to baixos fica intrigante nossa ousadia de continuar. Algo singular, carismtico, move essa profisso. Gostamos do perigo a do mistrio que a envolve. Vivemos lia corda bamba da existncia onde somos dramaticamente responsabilizados pelo significado do que fazemos. Como se a vida nos colocasse contra a parede. Sem encontrar esse sentido, no nos apreciamos como pessoas. Temos tambm responsabilidades com nossa prpria felicidade. Essa uma condio que nos compete unicamente. Ningum pode s-to por ns. Precisamos encontrar sada para nossos gemidos existenciais. A sala de aula tambm lugar para a aprendizagem disso. no postulo aqui uma pedagogia da felicidadee, no creio nisso. Ela no se ensina. Felicidade se descobre, se constri, por isso temos compromisso com ela. O educador comprometido com a prpria felicidade, transmite essa possibilidade ao aluno. O afeto, a ternura, so caminhos possibilitadores do encontro consigo e com o outro, condies bsicas de realizao humana, motivo de felicidade. nesse aprendizado descoberta, que se estrutura a marca do afetivo, e ela manter o sujeito vinculado amorosamente aos outros e a vida. A escola enquanto lugar por excelncia do desenvolvimento do indivduo, h que ternura a misso que lhe cabe de ensinar/revelar a vida. Neste sentido, o professor ensina mais com a atitude, com a vida. Como ele posto freqentemente como modelo, como possibilidade identificatria, no pode improvisar-se em sua felicidade. A atitude, o ser, no se improvisam. Gosto de pensar o afeto como a emoo que torna o outro especial. Algo que estruturante do sujeito e da relao, algo que o desassossega em seu devir, porque o outro no mais o mesmo depois que amado. Ele dispara em sua potencialidade de aprendiz, porque gera-se um acreditar em si, um gostar-se, um reconhecer-se capaz. Talvez o afeto seja a dimenso que mais se aproxima da possibilidade de preenchermos o princpio de insuficincia que to esmagador na experincia humana. Estado vivido tanto pelo aluno como pelo professor, uma reciprocidade de carncias que marca humana. Por isso precisamos tanto, dar e receber afeto. Ele nos faz nascer para o outro e o outro para ns. Quando isso acontece, instala-se o desassossego de sermos cada vez mais. A afetividade nessa relao se d quando torno particular o aluno, quando o singularizo com pessoa, quando o compreendo em sua busca, quando o alcano em suas necessidades existenciais e intelectuais. Os textos postos leitura por exemplo, podem ser disparadores de uma evoluo pessoal, de um dever inimaginvel. profundamente gratificante, emocionante mesmo, constatar os saltos qualitativos dados pelo aluno. O afeto se revela tambm nessa instrumentalizao que o professor faz ao seu crescimento no carinho que ele experincia frente a suas conquistas.

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Cuidar do ser que se desenvolve a expresso afetiva de maior ressonncia para o existir humano. Heidegger diz isso atravs de uma parbola: Um dia, Cuidado passeando pelo rio, apanhou um pouco de barro e ps-se a model-lo. Ao ver Jpiter, pediu-lhe que soprasse seu esprito sobre a criatura, o que Jpiter prontamente o fez. Mas em seguida inicio-se uma grande disputa entre eles: Jpiter queria a posse da criatura, por ter lhe dado o esprito. Cuidado a queria para si uma vez que a tinha modelado. A Terra tambm se levantou reclamando-a como parte de si, de seu prprio corpo. Instalada a confuso, eis que aparece Mercrio, que foi convidado para ser Juiz da situao. Mercrio ento decretou: J que foi Jpiter que deu esprito a criatura, ater de volta quando morrer. Como foi a terra que lhe deu a matria, tambm a ter de volta com a morte. Mas como foi Cuidado que a plasmou, a ter sob seu cuidado at a morte. Quanto ao nome, ser chamado de Homo, que significa feito de humus. Fica a mensagem do sentido que o cuidado adquire na vida do ser humano. Cuidar do aluno, acompanh-lo em seu desabrochar pleno: fsico, emocional e intelectual. A tarefa educativa requer de ns, o esprito de Jpiter, a matria prima da natureza, e a habilidade de Cuidado, na construo do ser humano. Vivemos um tempo de maior embotamento afetivo. A ps-orgia da modernidade nos esvaziou de referencias capazes de ordenar o caos que se instalou sobre tudo na ordem do relacional. Submetemo-nos aos ditames da cultura do efmero, da velocidade, da superficialidade, que nos pe em defesa de um contato mais profundo com o outro. Gaiarsa queixa-se disso dizendo: Quanto mais civilizados, mais asspticos, mais distante e mais frios. S palavras. Pouca mmica. Nenhum contato. (5) Na verdade somos uma sociedade onde as pessoas no se tocam fisicamente, nem noutras dimenses. A tendncia as palavras ocuparem o lugar da experincia. O toque necessrio a nossa homeostase fsica, emocional e existencial. No dizer de Giovanni, Eu sei que tocar foi, ainda , e sempre ser a verdadeira revoluo, e Novalis completa: Tocamos o cu quando colocamos nossas mos num corpo humano (6). Alm do sentido estruturante e teraputico do toque, h uma dimenso de sacralidade, tambm por ele veiculada, que disparadora do transcendental na pessoa. Ouso sugerir que ele seja tambm disparador da inteligncia humana, na medida em que representa a acolhida do outgo, fonte de conhecimento a cerca de si mesmo. Conhecendo-se, o sujeito abre-se a descobertas inimaginveis. Como se inteligncia encontrasse cho face disposio afetiva e acolhedora do outro. s vezes um sinal afetivo por parte do professor, um aperto de mo, um abrao, resgastador da autoconfiana, da auto-estima, e de abertura para a vida a suas descobertas, por isso: Precisa-se de ternura natural, desesperadamente", diz J. Salom. (7) Torna-se porm fundamental, uma clara compreenso do lugar do afeto na relao aluno/professor, para que

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ela no resvale para o terreno equivocado da falsa liberao, onde se passaria ao exerccio no de uma relao de pessoa, mas quem sabe at de objeto sexual. Abusos dessa ordem tm ocorrido. importante que os contatos se estabeleam na dimenso da relao EU-TU e no do EU-ISSO. (8) Otvio Paz, comentando estudos sobre a sade histrica e moral de nossa sociedade, denuncia como nas diversas especialidades, h carncia de reflexes sobre o amor, omisso bem caracterstica de nossa poca. Diz ele: O caso da nossa imagem do amor seria uma catstrofe maior que a derrubada de nossos sistemas econmicos e politicos: seria o fim de nossa civilizao, ou seja, de nossa maneira de sentir e viver. (9) Mas, embora o amor continue sendo o terra dos poetas e romancistas do Sc. XX, est ferido em seu cerne, ou seja, a noo de pessoa. A idia do amor ameaa a dissolver, segundo O. Paz, e seus principais inimigos so, a promiscuidade que o transforma em passatempo, e o dinheiro que o converte em servido. A cura do mundo, a regenerao poltica, passaria pela ressurreio do amor. Sob pena de extino temos de encontrar uma viso do homem a da mulher que nos devolva a conscincia da singularidade a da identidade de cada um, uma viso que encase cada ser humano como criatura nica, irrepetvel e preciosa. ( 10) Ouso contrapor inquietao de O. Paz, a esperana de podermos lutar contra o ocaso do amor, se plantarmos sua semente nas crianas a jovens que aprendem conosco, se nutrirmos nele o respeito pelo ser pessoa que somos, se mantivermos nas relaes com eles, a chama do afeto que os singulariza como seres especiais. Acima de tudo se os acolhermos carinhosamente em seus desassossegos existenciais, e se soubermos anunciar-lhes a importncia que o outro tem em nossa vida, esse outro que se torna para ns como uma segunda pele necessria. Rainer Maria Rilke, encantado pela inscrio do outro em si, termina assim seu poema Retrato interior: No tenho necessidade/de te ver aparecer/bastou-me ter nascido,/para te perder um pouco menos. Deslize, a idia de afeto para o amor, com uma conseqncia que me parece natural, entendo o afeto como uma emoo particular que segues o cultivo do sentimento mains do amor, que nos vincula enquanto humanidade. Como Bachelard, sonho com um ser, Esse novo ser um homem feliz, (11) diz ele. Esse homem ns tambm o construmos em nossa tarefa de educar. Vemo-lo desabrochar, e feito planta que se cuida, ternuramos a existncia. Facilitamos assim a aprendizagem e suas conquistas. Epifania de certo, dense sonho bom do homem sbio e feliz, Emociona-me pensar, que somos nutridores dense sonho, porque, Sem o sonho, no h poesia possvel E sem poesia, no h vida suportvel.

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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11.

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A sexualidade da mulher portadora de deficincia fsica

Fabiano Puhlmann Di Girolamo

IMPORTNCIA A mulher portadora de deficincia fsica pode expressar sua sexualidade de forma saudvel e prazeirosa. Existem poucos estudos sobre a sexualidade da mulher portadora de deficincia. A mulher deficiente esta assumindo sua sexualidade com criatividade sensualidade e autonomia. O estudo da vivncia sexual da mulher portadora de deficincia, facilita a compreenso da sexualidade total. Maior conhecimento sobre sexualidade facilita a mudana de atitudes da mulher portadora de deficincia. Implementar a criao de servios de educao e aconselhamento sexual de mulheres deficientes.

Psicoterapeuta, especialista em Reabilitao pela FMUSP. Recebido em 16.05.95 Aprovado em 29.05.95

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CONCEITUAO Sexualidade

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Entendemos a sexualidade de forma abrangente considerando sua influncia sobre todos os aspectos da vida humana desde a concepo at a morte, manifestando-se em todas as faces da vida (Infncia, Adolescncia, Fase Adulta, Terceira Idade) sem distino de raa cor, sexo, deficincias, etc.; considerando a genitalidade como uma de suas formas de expresso, porm no nica.

Sexualidade da mulher deficiente Existe uma forma especifica de cada mulher reagir aos estmulos sexuais, a mulher portadora de deficincia fsica um ser sensvel, que tem desejos, e que pode viver com plenitude todas as etapas da relao sexual, (Desejo/Prazer/Orgasmo), apenas alguns tipos de deficincia fsica (Ex.: leso raqui-medular) alternam a resposta sexual, sem no entanto impedir uma vivncia sexual plena.

Impedimento, deficincia a incapacidade lmpedimento: Qualquer perda ou anormalidade de uma estrutura ou funo psicolgica, fisiolgica ou anatmica. Ex.: falta um brao, perda dos globos oculares, perda total ou parcial da audio, atrofia muscular de alguma parte do corpo. Deficincia: Qualquer restrio ou, falta (resultante de um impedimento) da capacidade de desempenhar uma atividade de uma forma, ou com variao, considerada normal para um ser humano. Ex.: Deficincia fsica, visual, auditiva de comunicao, de desenvolvimento, etc. Incapacidade: Desvantagem para uma determinada pessoa (resultante de um impedimento ou deficincia), que limita ou impede o desempenho de um papel considerado normal para essa pessoa, dependendo da idade, sexo e fatores sociais e culturais.

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Exemplos de incapacidade 1. Uma certa pessoa no consegue arranjar um namorado porque aqueles que ela contatou no admitem se relacionar com mulheres portadoras de deficincia. 2. Mulheres em cadeiras de roda no conseguem entrar em danceterias, barsinhos e motis devido a existncia de barreiras arquitetnicas. 3. Mulheres com deficincia mental so impedidas de vivenciar experincias de enamoramento e amor. 4. Uma determinada jovem com deficincia auditiva superprotegida pela famlia, que a impede de participar das atividades rotineiras do grupo de adolescentes de seu bairro. Obs.: O impedimento e a deficincia so fatores endgenos (pessoais). As incapacidades so fatores exgenos (ambientais) j que resultam de atitudes negativistas da sociedade, barreiras arquitetnicas, ambientais e de comunicao. Histrico do estudo da sexualidade da mulher portadora de deficincia O estudo da sexualidade do deficiente, apenas nos ltimos 10 anos vem sendo encarado de frente, rompendo o mito da assexualidade do deficiente, mesmo profissionais da sade e reabilitao, apresentam grande dificuldade com relao ao tema, Os poucos estudos publicados referem-se em sua grande maioria s disfunes sexuais dos homens com leso raqui-medular, existindo raras publicaes sobre a sexualidade da mulher portadora de deficincia e tambm sobre a sexualidade mas demais deficincias (sensoriais, mentais e mltiplas). No Brasil, a partir do Ano Internacional da Pessoa Deficiente (1981), houve uma implementao do movimento de luta pelos direitos, inclusive de expresso afetivo-sexual de pessoas portadoras de deficincia, destacamos os seguntes eventos: 1980 - Implantao do primeiro Grupo de Orientao sexual da A.A.C.D., trabalho pioneiro da equipe tcnica e da psicloga e paraplgica, Helosa Chagas. Em agosto de 1981 a Comisso estadual de apoio e estmulo ao Desenvolvimento do ano Internacional das pessoas deficientes, de So Paulo, promoveu a Mesa Redonda - Vida afetiva e Sexual de pessoas deficientes, que foi transmitida pela Radio e Televiso Cultura.

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Realizao em novembro de 1981, do I Congresso Brasileiro de Sexualidade da Pessoa Deficiente, em Curitiba. Tambm em 1981 o NID (Ncleo de Integrao de deficientes) montou um grupo de discusso sobre a Sexualidade da Pessoa Deficiente e a sua Integrao Social. Nos ltimos cinco anos tem se destacado os servios prestados pelo CVl - RJ (Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro) a toda a comunidade, incluindo grupos de apoio a sexualidade do deficiente, e trabalho pioneiro de Aconselhamento sexual de pares (onde defcientes treinados facilitam a integrao social e sexual de seus iguais). Importante contribuio tem silo realizada pelos livros auto biogrficos de portadores de deficincia, registrado porm a ausncia de publicao seja autobiogrficas ou de pesquisa, referentes a vida sexual de mulheres portadoras de deficincia.

Problemas sexuais da mulher portadora de deficincia Dificuldades de se identificar com o padro esttico de beleza adotado pela maioria. Preconceitos de homens frente ao fato da mulher ser portadora de deficincia. Medos fantasias e mitos que vem a mulher portadora de deficincia fsica como fragil dependente fsica e emocionalmente, incapaz de sofrer frustraes, Imagem sexual desfavorvel veiculada pela Mdia. Falta de informao sobre a sexualidade da mulher portadora de deficincia. Ausncia de servios de orientao sobre preveno de D.S.T. Auto ndice de abuso sexual de mulheres portadoras de deficincia. Vivncia de dupla discriminao quando a mulher portadora de deficincia bissexual ou homossexual.

Auto imagem sexual da mulher portadora de deficincia No humano o componente psicossocial, prepondera sobre o aspecto puramente biolgico, surgem regras e normas para controlar o comportamento sexual, formando uma cultura e uma ideologia sexual, a mulher

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portadora de deficincia fsica como toda minoria sobre presso para enquadrar-se a padres previamente traados. A imagem sexual que a mulher portadora de deficincia tem de si mesma. determinara a forma como vivncia sua sexualidade, a auto-imagem, a auto-estima e a imagem corporal so os seus elementos essenciais. Esta imagem interna fruto de um processo bipolar de retroalimentao, se a mulher deficiente no se sente atraente e digna de ser amada a desejada, provavelmente ter dificuldades em encontrar algum que consiga perceber estas qualidades nela; pr outro lado se ela nunca tiver se sentindo refletida nos olhos de algum, ser muito complicado formar uma imagem sexual favorvel.

Resposta sexual da mulher portadora de deficincia fsica A resposta sexual da mulher portadora de deficincia fsica est diretamente ligada a integridade: Gonadal, Endcrina, Neurolgica e Psicolgica. Seqelas motora no necessariamente comprometem a funo sexual, em termos de funo sexual as seqelas sensoriais so mais importantes do que as motoras. O desejo sexual est presente na quase totalidade das mulheres portadoras de deficincia fsica, ocorrendo disfunes deste estgio, na mesma freqncia que em mulheres normais. Apenas em algumas leses neurolgicos ocorre alterao do mecanismo de resposta sexual (Ex.: Leses medulares) e mesmo neste tipo de deficincia a mulher capaz de obter prazer sexual.

Maternidade na portadora de deficincia fsica A mulher portadora de deficincia fsica tem o direito a maternidade A mulher portadora de deficincia fsica pode ter filhos normais j que uma seqela motora no compromete sua capacidade de procriao. Quando gravida a mulher portadora de deficincia fsica, se depara com a atitude de surpresa e espanto e at revolta das pessoas, que no a percebiam como sexuadas. Os centros de reabilitao e demais instituies de sade no incluem em seus programas um trabalho de planejamento familiar de mulheres deficientes.

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Os mdicos e profissionais de sade normalmente desestimulam o desejo de engravidar das mulheres portadoras de deficincia. A experincia da maternidade da mulher portadora de deficincia fsica, nica e comum ao mesmo tempo. A mulher portadora de deficincia fsica apresenta os mesmos medos de qualquer mulher frente a fragilidade e dependncia do filho, tendo de enfrentar suas limitaes fsicas e contornar dificuldades operacionais com mais freqncias.

Aconselhamento sexual de pares, e a mulher portadora de deficincia fsica Aconselhamento de pares um processo dinmico de orientao, simpatia e encorajamento que uma pessoa tem para com suas iguais, tem como objetivo final o equilbrio intra-psquico e equilbrio pessoa-meio. O aconselhamento pessoal de pares tem como objetivos especficos: Aumentar a auto estima sexual da mulher portadora de deficincia fsica. Facilitando o contato com si mesma, e dinaminizando o potencial de auto-ajuda, para que ela descubra as formas de vivnciar sua sexualidade de forma plena dentro de suas reais possibilidades. A conselheira funciona como ponte melhorando a comunicao afetivo-sexual e reduzindo a ansiedade que a mulher deficiente tenha, relacionada a sexualidade. O aconselhamento sexual de uma forma geral deve ser informativo porem no diretivo e baseado nos princpios humanistas e nas estratgias gerais da terapia sexual. Logicamente pressupe uma preparao previa da conselheira de pares.

Sexualidade e Leso Medular depois de tomar contato com a promiscuidade da fase hospitalar, onde todos tocavam o meu corpo, que parecia nem estar ali, foi que percebi a necessidade e a urgncia de resgat-lo. Era preciso reconhec-lo, perceb-lo a acord lo. Pois j no dava mais para ficar conivente com sua imobilidade e aparente inrcia, e deix-lo aptico e sozinho naquele bordel clnico que a leso medular estava me impondo. Era preciso demarcar um limite entre o inevitvel e a privacidade do meu corpo que naquele momento saia de seu perodo assexuado.

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Passei ento a fazer daquela nova viso de mim mesma, como pela primeira vez. No que eu estivesse em condies de perceber o tipo de metamorfose que poderia acontecer, mas definitivamente a leso medular e a metafsica tm alguma coisa em comum. Iniciava toques sutis, insistentes que tentavam sintonizar, procurando um outro tom. Comecei ouvindo o ritmo de um corao medroso, teimava batendo num peito passando para trs at um diafragma preguioso. Descompassado com minhas pernas que em alum momento achei, no iam mais a lugar nenhum. Fui aos poucos retornando o controle sobre o meu corpo, conhecendo cada vez mais a questo medular, e ento tomou conta um prazer puro, que trouxe orgasmos visuais, tteis, mas que curioso, procurava saber mais e conhecer outros caminhos, outros rumos. Antes que este, aquele, novo, antigo e diferente corpo pudesse novamente se metamorfosear. Beth Cartano*

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
1. Reflexo sobre a Condio da Mulher Portadora de Deficincia: A experincia canadense, traduo de Solange Dadalti. In: C.E.D.I.M. (Conselho Estadual dos Direitos da Mulher - RJ.), RJ, 1992. 2. Reflexo sobre a Condio da Mulher Portadora de Deficincia; A experincia brasileira, editado por Sonia Regina Fassini, In: C.E.D.I.M., RJ, 1994. 3. Mulheres deficientes sem limites, de Ana Maria Morales Crespo. In: Revista Claudia, ano, n /89 pp. 152-154. 4. O deficiente fsico na conquista do prazer sexual, de Fabiano Puhlmann Di Girolamo. In: Revista Viver Psicologia, ano 3, n 30. mar/95. pp. 14-15.

Coordenadora do Setor de Aconselhamento do CVI-RJ.

Sexualidade em instituies fechadas

Rose Moura*

Em 1986 a Comisso Nacional de Sexologia da Febrasgo reuniu alguns dos melhores trabalhos apresentados nos II a III Encontros Nacionais de Sexologia, realizados respectivamente no Rio de Janeiro, em 1984 e Belo Horizonte, em 1985, na publicao intitulada Sexologia-II, compilados por seu ento vice-presidente Dr. Nelson Vitiello. Dentre aqueles trabalhos, podemos encontrar um que atraiu a nossa especial ateno em virtude de termos encontrado um conceito do significado de Instituies Fechadas, realizado por Ismri Conceio que afirma: Uma instituio fechada se constitui de um grupo dirigente que responsvel pela manuteno de fechada e um grupo de internos que se submetem situao de fechado. O grupo dirigente atribui aos internos caractersticas especficas que diferem daquelas aceitas para os outros grupos da sociedade. Dentre as caractersticas, est a ausncia de sexualidade dos internos.

Psicloga clnica. Diretora cientfica da Clnica integrada de Psicologia e sociologia (CLIPS - Braslia - DF. Recebido em 26.06.95 Aprovado em 11.07.95

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A partir deste conceito, procuramos saber o que ocorria dentro de uma das instituies religiosas - se que assim podemos chamar - como a Igreja Catlica, cujas doutrinas de alguma maneira esto inseridas no aspecto cultural de nossa sociedade. importante ressaltar que os dirigentes dessas instituies no consideram apropriado o termo de fechado considerando-se trs motivos principais: 1 - Afirmam que O ser humano sexuado dos ps cabea, do nascer ao fim da vida e assim so todas as pessoas, mesmo os presbteros; 2 - Que o celibato um modo peculiar de realizar a sexualidade e, por este motivo, extremamente perigoso instalar na formao uma oposio entre celibato e sexualidade; 3 - Que durante e aps o processo de formao dos presbteros, eles possuem a opo de sair do seminrio ou da sua atividade pastoral quando assim o desejar, mesmo que por motivos ligados sexualidade. Neste caso, o termo mais apropriado seria o de instituio separada, uma vez que a lei do celibato impe aos seminaristas e aos presbteros uma situao de minoridade social. Seria uma tarefa bastante difcil, em virtude da realizao deste Congresso, fazermos uma pesquisa que englobasse todas as Igrejas Catlicas do nosso Pas. Em funo disto, resolvemos buscar junto Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, situada em Braslia, alguns dados que justifcassem essa maneira diferente de se vivenciar a sexualidade dos seminaristas, futuros presbteros do Brasil. Contamos com a notvel ajuda do Pe. Manoel Godoy que forneceu-nos inmeras informaes de como a Igreja vivncia a Sexualidade Humana. Em pesquisa a ser publicada, realizada pelo Pe. Manoel Godoy, sobre a Situao dos Seminaristas Maiores no Brasil Resultados Estatsticos - que teve a parte tcnica feita pelo Centro de Estatstica Religiosa e Investigaes Sociais - CERIS - uma pergunta chamou a nossa especial ateno: O que leva um candidato a deixar o seminrio?. Devemos ressaltar que o questionrio fora respondido por 3580 seminaristas, tendo o sigilo pessoal garantido; tal cifra corresponde a 63% dos seminaristas do Brasil; a mdia de idade de 26 anos; e o tipo de pergunta fora estimulada, que obteve como resposta as seguintes situaes: 30,3% responderam discemimento da vocao**, 20,8% responderam o processo de formao no ajudou a solidificar a sua opinio, 14,4% sem
* Entende-se por disermimento o processo de reflexo em que se procum conbecer a vontade de Deus a respeito de um ponto determinado sobre o qual no se tem clareza suficiente. Trata-se de uma atividade espiritual, que deve ser realizada em clima de orao.

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informao, 10,8% falta de espiritualidade, 7,88% dificuldade na vida comunitria, 7,88% outro caso, e somente 6,38% opo pelo celibato. Em documento anterior sobre a "Situao e Vida dos Seminaristas Maiores no Brasil publicado como "estudos da CNBB, em 1984, ressaltada a influncia marcante da figura materna no projeto vocacional. Tal documento denota uma espcie de incapacidade dos seminaristas de se desprenderem desse lao demasiadamente forte, que se expressa na renncia a buscar uma realizao autnoma de sua sexualidade. Estariam de tal forma presos s compensaes ridas dessa identificao primordial com a me, que no tm mais nem capacidade, nem interesse de assumir os riscos de tinha identidade masculina. Esses, em outras palavras, seriam homossexuais, latentes ou no, que teriam encontrado na vocao uma, justificativa cmoda e socialmente prestigiada para poderem fugir ao confronto pessoal com outro sexo . No 7 Curso de Formadores de Seminrios Maiores, realizado em Itapecerica da Serra - SP, entre os das 23 de janeiro de 02 de fevereiro de 1989, abordou-se o tema: Afetividade e Sexualidade no processo de formao presbiterial. Vale a pena ressaltarmos trs princpios abordados: antropolbicos a luz da revelao, do contexto da realidade social e das condies subjetivas do indivduo. Com relao aos princpios antropolgicos luz da revelao, afirmou-se que aprouve a Deus criar o ser humano sexuado a de maneira diferenciada: homem e mulher. A sexualidade uma realidade que pervade todo o ser humano, manifestando-se em todos os seus aspectos, desde o biolgico e instintivo at o psicolgico e espiritual. Quanto aos princpios do contexto da realidade social, foi dito que num ambiente scio-econmico como o nosso, marcado pela dominao dos mais fortes sobre os mais fracos a pela hegemonia dos valores comerciais, a afetividade e a sexualidade so compreendidas como necessidades susceptveis de manipulao, explorao e consumismo. A sociedade nunca ser transformada enquanto os grupos dominantes continuarem manipulando a populao, principalmente a juventude, amarrando-a satisfao do desejo sexual, sem nimo para aspiraes mais altas. Por fim, os princpios das condies subjetivas do indivduo levem considerao a contribuio das cincias psicolgicas para a compreenso subjetiva do indivduo, ressaltando as marcas que provm desde a fase intrauterine e que continuam a influenciar o seu comportamento nas diversas fases do desenvolvimento psicossexual. Quanto a isto afirmou-se que na educao afetivo-sexual de uma pessoa no podemos prescindir do peso das experincias dos primeiros anon, nas etapas da evoluo da personalidade, na estrutura do psiquismo em inconsciente e consciente, do processo de maturao, dos bloqueios e fixaes e dos mecanismos de defesa para camuflar a prpria fragilidade.

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Ainda nesse Curso, foram levantadas algumas manifestaes de no-integrao da sexualidade, dentre elas destacou-se o homossexualismo e a masturbao. A atitude homossexual foi caracterizada como sendo a de indivduos que buscam no parceiro do prprio sexo a sua realizao afetiva (hornotrpico) ou genital (homossexual) e subdividiu-se em homossexuais perifricos queles indivduos que possuem apenas tendncias ou atos homossexuais ocasionais e homossexuais estruturados queles que possuem atitudes e prticas homossexuais j assumidas em sua estrutura humano-afetiva. Quanto masturbao, acreditam que seja um sinal de no-integrao da sexualidade, uma vez que ao invs de levar a pessoa comunho de vida com o outro, a conduz busca do prazer egosta, ao fechamento sobre si mesmo, e um comportamento narcisista-. Afirmam ainda que a masturbao no causa da desintegrao, mas sintoma de que algo no est bem na estrutura. da pessoa. J no 8 Curso de Formadores de Seminrios Maiores do Brasil, realizado em Fortaleza-CE, entre 17 e 27 de julho do mesmo ano, que contou com a participao de mais de 40 formadores de Seminrios Maiores do Brasil, trataram do homossexualismo como sendo um fato presente e aceito em quase todas as culturas, fazendo exceo o mundo judeu-cristo, geralmente estando ligado esfera religiosa. Afirmaram que no se deve partir do pressuposto de que todo homossexual anormal. Vale porm, lembrar que a antropologia bblica pressupe o heterossexualismo. Quanto as causas da masturbao, admitiram ser muitas, tais quais curiosidade, dificuldades de bom relacionamento com os outros, dificuldades na passagem de, sendo criana, chegar vida de adulto, um complexo de inferioridade, uma resposta a crticas, etc. Algumas atitudes pedaggicas foram sugeridas para que os formadores pudessem lidar com a questo da masturbao, dentre elas ressaltamos o acolhimento do fato com compreenso; a no dramatizao nem a relativizao da masturbao e, a ajuda na percepo das causas da masturbao, avaliando os aspectos da constncia e intensidade. Com relao ao homossexualismo, o 9 Curso de Formadores de Seminrios Maiores do Brasil, realizado em Campo Grande - MS, em 1990, sugeriu pistas para uma ao pedaggica em relao aos vocacionveis, com tendncia ao homossexualismo: 1. H dual premissas fundamentais: a) atitude pessoal de acolhimento e respeito pessoa do homossexual; b) atitude de aceitao serene do seu dinamismo de amadurecimento sexual (autoconhecimento). 2. Estabelecer entre educador e educando uma relao de confiana: escutar, pacientemente, sem dramatizar o problema.

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3. Aprofundar o conhecimento de sua histria, tambm sexual, levando o educando a dar-se conta de sua prpria situao, partindo talvez, de aspectos mais facilmente observveis (isolamento. cimes, autoritarismo, etc.) para chegar discusso franca a direta de outros aspectos do comportamento. 4. Antes de mais nada preciso cuidar para que a equipe de formadores se prepare devidamente para discernir com o candidato sua opo vocacional. 5. Distinguir certos traos evolutivos de comportamentos mais aprofundados e estruturados, sobretudo nos de mais idade. Em canon mais srios, recorrer ajuda de especialistas. 6. Haja uma pastoral vocacional sria que faa a seleo dos vocacionveis, evitando, assim, o ingresso do homossexual". Essas a outran medidas pedaggicas parecem no ter evitado certos acontecimentos indesejveis para a Igreja. No dia 11 de maro de 1993, o jornal O Globo publicou matria intitulada Padre brasileiro condenado a 13 anos em Portugal . Tratava do padre Frederico Marques Cunha, considerado culpado pela morte do escoteiro Lus Miguel, de 15 anos, e pela prtica de homossexualismo com menores. Aps o cumprimento da pena, o padre dever pagar uma indenizao de US$ 33 mil aos pais do jovem. No dia 22 de maro o mesmo ano, o jornal O Estado de So Paulo publicou: A Aids chega Igreja. Na Grande So Paulo, 15 padres j morreram; no Rio, s um mdico tratou de 5: a Igreja vive a contradio de estar na linha de frente na luta contra a discriminao e no socorro s vtimas e, ao mesmo tempo, esconder seus doentes. O artigo traz tona o caso que abalou a comunidade religiosa paulistana do padre Benedito de Jesus Batista Laurindo, conhecido como padre Batista. Alm disso, cita o caso da menina Sheila, de 5 anos, que teve sua matrcula recusada em uma escola particular e fora aceita pelo Colgio So Lus, uma das escolas catlicas mais tradicionais de So Paulo. Em artigo intitulado Acordo pe fim a disputa sobre herana de vigrio , o Estado referiu-se ao caso do padre Antnio Firmino de Paiva, morto em 1987, tambm vtima de infeco pelo HIV. A Igreja sustentou a verso de que o padre havia contrado o virus numa transfuso de sangue, no Paraguai, at que um ex-seminarista, Moyses Machado Filho, em meados de 1988, tivesse declarado ter sido parceiro sexual do padre durante 5 anos. Hoje, o ex-seminarista trava uma batalha judicial, no frum Central de So Paulo, com o pai do padre Paiva, pois antes de morrer, deixou um testamento destinando 50% dos seus bens para o pai e os outras 50% a serem divididos entre Moyses e um outro rapaz da qual o padre tinha a guarda judicial. No dia 03 de abril de 1993, o Correio Braziliense, um dos jornais de maior circulao de Brasilia, publicou o artigo Quebra do celibato ainda incomoda Igreja - Apesar das rgidas restries superiores, cerca de trs mil padres trocaram a batina por esposas. A reportagem contou com

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depoimentos de padres casados ligados RUMOS -Associao de padres casados, que teve como fundadores os padres Felisberto de Almeida e Joo Baslio Schmitt. No dia 07 de abril de 1993, a Folha de So Paulo publicou: Bispo vive escndalo sexual. O artigo trata da aceitao da renncia, pelo Papa Joo Paulo II, de Robert Sanchez, de 59 anos, arcebispo da Santa S, no Novo Mxico, sul dos Estados Unidos, por ter mantido relaes sexuais corri 5 mulheres. O -assunto tambm foi tratado no Correio Braziliense, no mesmo dia, com o artigo intitulado: Papa demite o arcebispo que praticava sexo. Em 23 de outubro de 1993, o jornal Estado de So Paulo publicou entrevista realizada com o bispo D. Anglico intitulada: D. Anglico nega que Igreja esconda doentes. Bispo admite que h religiosos contaminados e elogia apoio dado pela instituio aos infectados. Em 27 de outubro de 1993, a revista ,VEJA publicou matria intitulada Dont Hber gay. Acusado de manter um caso homossexual com seu tesoureiro, abade de Olinda renuncia e foge do pas. A matria tambm fez referncia ao padre e pesquisador americano, Andrew Greeley, que afirma: entre 2.000 e 4.000 sacerdotes americanos molestaram cerca de 100.000 menores de idade nos ltimos vinte anos e a uma outra pesquisa, publicada na revista Newsweek, que revelou: metade dos 57.000 padres que trabalham nas 188 dioceses em todo o pas tem vida sexual ativa e, entre esses, 11.000 so homossexuais. Cerca de 500 padres, foram acusados at agora de abuso sexual na Justia americana. Estima-se que a Igreja gaste cerca de 50 milhes de dlares por ano com o trtamento psicolgico desses padres e com pagamento de indenizaes s suas vtimas. Em 09 de maro de 1995, o jornal O Globo publicou: Bispo anglicano admite que homossexual. A matria refere-se ao caso do Bispo anglicano aposentado Derek Raweliffe, de 74 anos, que revelou, em entrevista televiso BBC de Londres, que descobriu sua orientao sexual aos 50 anos. No dia 16 de abril de 1995, a Folha de S. Paulo publicou matria referente ao posicionamento do Arcebispo de So Paulo, D. Paulo Evauristo Arns, referente ao uso da camisinha como sendo um mau menor. J em 24 de abril do corrente ano, o mesmo jornal publicou uma matria referente campanha do padre de Pirenpolis contra a venda de camisinhas - e outras mtodos contraceptivos. O assunto tambm foi veiculado pelo jornal Correio Braziliense, de Braslia, em 09 de abril. Estes e muitos outros casos, trazem tona uma necessidade de mudana de atitude por parte das autoridades eclesisticas no que diz respeito a maneira na qual a sexualidade humana tem sido vivenciada por seus integrantes. Resumindo, apropriado afirmar que a Igreja tem enfrentado questes muito semelhantes s encontradas em outras instituies fechadas, tais como abuso, desvios e orientaes sexuais, por maiores que sejam seus esforos no sentido de denominar-se instituio separada. s o que tenho a dizer.

Crtica ao modelo interacionista da identidade de gnero

Ramon Luiz Braga Dias Moreira*

RESUMO O autor pretende repensar a teoria interacionista de John Money sobre Identidade de Gnero, a partir dos novos concertos advindos das teorias feministas e das teorias da psicossociologia. O autor situa a teoria de Money dentro da doutrina funcionalista, considerando-a, neste sentido, fixa em seus pressupostos, e com objetivos normativos. Considera ainda que a pesquisa original (que deu origem a toda teoria interacionista) no possui validade cientfica capaz de generalizao, tal como vem ocorrendo, a partir dela at nossos dias. A proposta final do artigo sugerir reformulao a complementao aos concertos de identidade de gnero, compatveis com as nudanas sociais advindas da ps-modernidade. Partiu-se o espelho mgico em que me revia idntico, e em cada fragmento,fatdico vejo s um bocado de mim. Fernando Pessoa (Lisbon Revisited)
* Ginecologista e obstetra. Recebida em 25.05.95

Aprovado em 12.07.95.

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INTRODUO

Que gnero de identidade este a que nos referimos quando queremos falar- de identidade de gnero? Esta podia ser a questo bsica para uma anlise que pretendo fazer sobre os concertos iniciados por Stoller e Money faz 3 dcadas. Que os trabalhos destes autores tenham sido pioneiros, que tenham alargado a nossa forma de pensar a relao homem/mulher, os conceitos de masculino/ Feminino, a homossexualidade e a transsexualidade, o reducionismo biolgico e psicolgico, tudo into est fora de dvida. Todo o esforo que lizeram para lanar uma nova ordem neste campo de conhecimento, no estava, entretanto, liberto de suss fundamentaes masculinas e do peso de sua deixis fundadora (no caso de Stoller, a psicanlise Freudiana, no caso de Money, todas as teorias biolgicas da medicina herdeiras da sexologia do sculo XIX, e as positivas do sculo XX), e por isto mesmo, esbarraram nas neo-formulaes das obras feministas sobre gnero e identidade. A partir destas, Identidade e Gnero passam a ser concertos to distintos que quase parece contraditrio imaginar-se uma fundamentao terica acerca da Identidade de Gnero. Estudando uma obra fundamental de John Money e contrastando-a com as teorias atuais (e atualizadas) de gnero, procuro, neste trabalho, promover uma crtica ao modelo interacionista por ele proposto (e ainda aceito em sua totalidade por muitos estudiosos da rea), a partir de um questionamento de questes metodolgicas de seu trabalho original, a de pontos que considero ainda no suficientemente esclarecidos em sua argumentao conceitual. CONCEITOS BSICOS DA TEOKIA INTERACIONISTA Os estudos sabre Identidade de Gnero so intensificados na dcada de 60, a partir de Gender Identity Reserach Project (University of California-Los Angeles). Robert Stoller introduz o termo gender identity, no Congresso Psicanaltico de Estocolmo, em 1963: este conceito baseia-se numa distino biolgico/cultural, em que o sexo est relacionado biologia (hormnios, bens, sistema nervosa, morfologia) enduanto gnero esta relacionado cultura (psicologia, sociologi). Quase ao mesmo tempo, John Money a sua equipe realizam estudos com vtimas de androgenizao fetal intra-uterina, a partir dos quais postulam uma teoria interacionista do formao da identidade de gnero. Os trabalhos de Money ganham popularidade, e ele inaugura, em 1965, e John Hopkins Medical Schools Gender Identity Clinic, conseguindo para o seu projeto, uma grande soma de dinheiro e vrios colaboradores.

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Os trabalhos de Money so publicados em numerosas revistas e em duas principais obras: o volumoso e fragmentado Handbook of Sexology, obra didtica de 1977, e o clssico Man and Woman, Boy and Girl, de 1972. Para Money, a identidade de gnero no se forma a partir do cultural, como pressupunha Stoller, nem tampouco do biolgico (idia advinda da Sexologia do sculo XIX), mas a partir da interao entre estes dois fatores. Money assim se refere Identidade de Gnero, na Introduo edio espanhola do Man and Woman. Boy and Girl, de 1982: a identidade de gnero de uma pessoa no o produto nem da natureza nem da educao, nem da herana nem do meio-ambiente, atuando por si s, como dissemos no prefcio deste livro de 1972. O que se precisa uma espcie de terremoto terico: um deslocamento desde a formulao com base nos termos: herana/meio-ambiente, de trs termos: herana/perodo crtico/meio-ambiente. Anatureza, a herana e o meio-ambiente interatuam durante um perodo crtico do desenvolvimento. O correspondente efeito aumentado mediante subseqentes interaes at que o produto final permanea fixado para sempre. No Man & Woman, Boy & Girl, Money pretende ultrapassam a polaridade natureza/cultura, de Stoller, e justifica a sua teoria partindo de seus estudos clnico com a populao especial de meninas androgenizadas intratero. Ele prope que a diferenciao sexual adulta se d por um processo de cascata, com perodos nitidamente cruciais, como as 12 primeiras semanas intra-tero, os 2 anos de idade, a puberdade, a adolescncia. Identidade de Gnero : a igualdade a si mesmo, a unidade e persistncia da prpria individualidade como homem, mulher, ou ambivalente, em maior ou menor grau, em especial tal como experimentada na conscincia de si e na conduta; a identidade de gnero a experincia pessoal do papel de gnero, e este a expresso pblica da identidade de gnero. Por seu turno, o papel de gnero : o quanto uma pessoa diz ou faz para indicar aos demais ou a si mesmo o grau em que homem ou mulher, ou ambivalente; inclui a reao e as respostas sexuais, embora no se limite s mesmas; o papel de gnero a expresso pblica da identidade de gnero e esta a experincia privada do papel de gnero. A formao da identidade de Gnero adulta, segundo a teoria de Money, tem incio no cromossoma, e segue, por perodos crticos, submetida a dimorfismos (genital/cerebral, gonadal/hormonal, relacional/corporal). Por acreditar que o processo de identidade tem incio intra-tero, justifica o uso de diferenciao psicossexual ao invs de desenvolvimento psicossexual. Considera antiquado usar dicotomias para uma moderna teoria gentica, e prope uma programao interacionista entre meio-ambiente e biologia. Utiliza o termo Imprimatur, para designar aquelas alteraes ocorridas nos perodos crticos, sejam intra-tero, sejam ps-natais.

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O trabalho que se tornou clssico, e que serviu de base ao desenvolvimento da teoria foi realizado na cidade de Bfalo, nos EUA, entre 1965 e 1967. Money e sua equipe estudaram 25 meninas androgenizadas intra-tero na dcada de 50, e que tinham ento entre 4 e 16 anos. Estas meninas haviam nascido com genitalia ambgua, tendo sido vtimas ou de androgenizao letrognica durante as gestaes de suas mes, ou de um defeito gentico denominado sndrome adrenogenital). Em ambos os casos, os efeitos causados pelas respectivas sndromes cessavam logo ao parto, se devidamente diagnosticadas e tratadas, e a genitlia ambgua era corrigida cirurgicamente nos primeiros meses aps o nascimento. Estava assim determinado o campo para o estudo da influncia hormonal na identidade de gnero. Se estas meninas tivessem alteraes compatveis com comportamentos -masculinos em sua vida adulta, de uma maneira uniforme, isto se apoiaria na influncia masculinizante intra-uterina, j que aps o nascimento o defeito endcrino havia sido corrigido. Estas meninas foram estudadas com o mximo de rigor cientfico, e comparadas com um grupo controle no masculinizado intra tero. Um resumo dos resultados relatados pela equipe de Money pode ser assim relatado: Houve diferena significativa no comportamento chamado por Money de masculino, no grupo de meninas androgenizadas, quanto aos seguintes aspectos: 1) As meninas masculinizadas intra-tero admitem ser viragos, e suas mes o reconhecem. 2) As meninas masculinizadas intra-tero no estavam satisfeitas com seu papel sexual feminino. 3) As meninas masculinizadas intra-tero se interessavam mais por atividades atlticas que as meninas controle. 4) As meninas masculinizadas intra-tero preferiam companheiros de brincadeira masculinos, em lugar de femininos. 5) As meninas masculinizadas intra-tero demonstravam menos interesse adolescente pelo cuidado de bebs, em relao ao grupo controle. 6) As meninas masculinizadas intra-tero preferem carros e armas de brinquedos e bonecas. 7) As meninas masculinizadas intra-tero do prioridade carreira profissional sobre o casamento. 8) As meninas masculinizadas intra-tero tm QI mais elevado. 9) As meninas masculinizadas intra-tero no se interessam por jias, perfumes ou penteados femininos.

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Aspectos em que no houve diferenas entre o grupo masculinizado e o grupo controle: 1) Interesse por masturbao e jogos sexuais. 2) Lesbianismo. 3) Romantismo e fantasias heterossexuais. 4) Engajamento nos relacionamentos heterossexuais. Contrapondo influncia demonstrada dos hormnios, intra-tero, Money apresenta casos de crianas cujo sexo tenha sido re-designado durante a infncia tardia, e analisa a influncia que a socializao possa provocar em suas identidades de gnero, assim como analisa tambm a formao da identidade de gnero em culturas tribais, a partir de estudos antropolgicos. Em concluso, ele relata: em ltima anlise, o comportamento genrico dimorfo culturalmente propugnado (ou proibido) procede das realidades filogenticas representadas pela menstruao, a fecundao, a gestao, e a lactao. Tais realidades so imperativos procriativos, por assim dizer, dentro do plano de toda definio cultural dos papis masculinos e feminino, se dita cultura h de manter sua integridade e sobreviver. Especificam que, aparte de opes e alternativas marginais, uma complementariedade genrica dimorfa bem definida constitui o ncleo - o ncleo procriativo - de todo sistema de conduta entre os sexos. ANLISE CRTICA DO MODELO INTERACIONISTA O modelo interacionista de John Money uma evoluo do modelo de Stoller, mas no o supera. Os dimorfsmos e as diferenciaes dicotmicas revelam que a realizao natureza/cultura no foi ultrapassada. H como que uma determinao inexorvel no desenvolvimento da identidade (e do Papel) seguindo uma cascata de eventos. A cascata segue sempre esquemas binrios, de combinaes fixas e em seqncia. Money no nos revela o seu conceito de gnero, que pode ser inferido como o produto da interao biologia/cultura na lormao do indivduo desembocando em sua identidade adulta (sexual? social?). Uma certa aproximao no conceito da categoria gnero se d quando divide os papis em sexuais e sexo-codificados, e estabelece as conseqncias desta diviso para a relao entre os sexos, mas seu propsito funcionalista e nor matizador o impede de perceber o alcance da proposio. Ao analisarmos a questo do , gnero (ou a identidade, ou o papel), estamos analisando relaes sociais. O gnero no se refere apenas ao elemento cultural da sexualidade (cultures working of biology, de Stoller) mas ao elemento especfico desta realidade que se revela atravs das

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relaes de poder disserminadas nela. Neste ponto, a teoria interacionista no toca. Ao revelar a preponderncia da cultura sobre a natureza, no procura explicar os mecanismos pelos quais esta cultura estabelece suas regras quanto ao sexo, ou melhor, preocupa-se apenas em estabelecer que tal cultura moda papel e identidade, coisas que sabemos, e sem as quais no existe cultura, seja qual for. Quanto ao comportamento das meninas androgenizadas, podemos lanar algumas objees ao que Money conclui. Tais meninas haviam nascido de mes com gestaes problemticas, tanto que tiveram que usar hormnios para evitar o aborto. Neste caso podemos indagar, a partir da clnica. H um fator psicossomtico envolvido? Uma gravidez indesejada? Uma insegurana quanto maternidade? Medo de serem abandonadas pelos maridos? Como sabemos que na cultura em questo (americana, ocidental, branca, da dcada de 50) a valorizao de um beb masculino era muito maior, no teriam estas mes preferido proporcionar caractersticas masculinas s suas filhas, ao invs de femininas? As mes e os pais de tais meninas ficaram sabendo, desde o parto, que suas filhas haviam sido masculinizadas intra-tero, e autorizaram as cirurgias que designaram seus sexos como femininos, mas, acaso no teriam eles convivido com esta ambigidade, e a incerteza de serem estas meninas verdadeiramente mulheres durante toda a vida, modificando a sua educao, em relao aos outros filhos, normais? Em algum momento de suas vidas, estas meninas ficaram sabendo do que acontecera a elas intra-tero? Qual foi, a partir da, a adaptao que tiveram a este acontecimento? Teria, este mesmo trabalho, chegado a um resultado similar, se realizado em outra cultura com valores diferentes dos ocidentais, americanos? Estas questes, que por vezes parecem bvias, no so respondidas ao longo do trabalho de Money. Um outro ponto obscuro fica por como da definio na identidade de gnero e do papel de gnero: identidade a igualdade a si mesmo, papel a experincia pblica da identidade, identidade a experincia privada do papel. Numa analogia irnica, poderamos dizer que ovo o que sai da galinha e galinha o que pe ovo. Relembrando a crtica s teorias funcionalistas sobre gnero, advindas da biologia, Joan Scott afirma que mesmo que elas afirmem que as relaes entre os sexos so sociais, elas no rios dizem nada sabre as razoes pelas quais essas relaes so construdas coma so, no diz como elas funcionam nem coma elas mudam. No h como separar a identidade sexual da social, pais como relata Ciampa, o conhecimento de si se d pelo reconhecimento recproco dos indivduos identificados atravs de um determinado grupo social que existe objetivamente com sua histria, suas tradies, suas normas, seus interesses, etc., e, mais adiante, ... mas, se verdade que minha identidade cons-

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tituda pelos diversos grupos de que fao parte, esta constatao pode nos levar a um erro, qual seja o de pensar que os substantivos com os quais nos descrevemos ("sou brasileiro", sou homem, etc.) expressam ou indicam uma substncia (brasilidade, masculinidade", etc.) que nos tornaria um sujeito imutvel, idntico a si-mesmo, manifestao daquela substncia. Quanto fixidez do conceito, Joan Scott tambm nos lembra que as mudanas na organizao das relaes sociais correspondem sempre mudana nas representaes de poder, mas a direo do poder no segue necessariamente um sentido nico. No sabemos qual este si mesmo a que Money se refere: trata-se de uma referncia ao eu ou ao ego? Qual a sua noo de self? Em Money, o aspecto quantitativo da contribuio da natureza a da cultura relevante em detrimento do aspecto qualitativo. Por no discutir as relaes de poder incrustadas na sociedade, das quais o gnero espelho, por no ultrapassar a dicotomia natureza/cultura, e por considerar o dimorfismo genrico indispensvel integridade cultural, podemos considerar o discurso funcionalista da identidade de gnero como intrnseco s fices da coerncia heterossexual. A fixidade dos modelos prpria da medicine e da psicanlise, principalmente, e limita a perspective de uma re-signiticao da identidade de gnero. A esse respeito diz Donna Haraway: the proper state for a Westem person is to have ownership of the self, to have and hold a core identity as if it were a possession. That possession may be made from various raw materials over time, that is, it may be a cultural production, or one may be bom with it. Gender identity is such a possession. Onde buscar esta possesso de identidade no tempo fragmentado da ps-modernidade? Onde buster fixidade no tempo da velocidade e do movimento? Onde buscar modelos, quando os modelos so cada vez mais internos do que externos? exatamente a este respeito que escreve Gilles Lipovestki, em A Era do Vazio: Conduzindo ao sobre-investimento do existential (na multido de 1968 surgem os movimentos radicais de libertao de mulheres e dos homossexuais) bem como diluio dos estatutos e oposies rgidas, o processo de personalizao desfaz a forma das pessoas e identidades sexuais, monta combinaes inesperadas, produz novas plantas desconhecidas e estranhas: quem pode prever o que querer dizer, dentro de algumas dcadas, mulher, criana, homem, ou segundo que figuras pitorescas se distribuiro esses termos? O desinvestimento dos papis e identidades institudos, das disjunes e excluses clssicas fez do nosso tempo uma paisagem aleatria, rica em singularidades complexas.

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Se na dcada de 60 Money buscou estas categorias de masculino e feminino para determiner suns meninas androgenizadas, ainda poderia us-las, hoje? O engano de Money no teria sido: a descoberta histrica, no biolgica? No seriam a bom de redefinir at o que chamamos de Hormnio masculino, j que o ativo/passivo, rational/emocional, natural/cultural, j no so mais apropriados diferenciao entre os sexos (se que o foi um dia)?

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
1. MONEY, John, and MUSPH, Herman. Handbook of sexology. New York, Oxford. Elsevier. 1978. 2. MONEY, John, and EHRHARDT, AnkeA. Desarrollo de la sexualidad humana. Madrid, Morata, 1982. 3. MONEY, John, and EHRHARDT, Anke A. Man & woman, boy & girl. Baltimore. John Hopkins Press, 1972. 4. SCOTT, Joan. Gnero: uma categoria til para anlise histrica. Recife, S.O.S. Corpo, 1991. 5. HARAWAY, Donna. Simians cyborgs card women: the reinvention of nature. London. Free Association Books. 1991. 6. LIPOVETSKY, Gilles. A era do Vazio. Lisboa, Relgio Dgua Editores, 1986. 7. CIAMPA, Antnio da Costa. Identidade em psicologia social, o homem em movimento. Silva T. M. Lane e Wanderley Codo (orgs.), So Paulo, Brasiliense, 1984.

Trabalhos de Pesquisa

Caractersticas da clientela residente em setores sociais perifricos que demanda assistncia em planejamento familiar

Eleonor Moretti1 Leila Ibrahim Hoffmann2 Marilan Piva2 Silvia Regina Rossetto2 Rosane Schneider2

RESUMO Este trabalho apresenta o estudo das caractersticas da clientela residente em setores sociais perifricos que demanda assistncia em planejamento familiar. A primeira parte do trabalho apresenta (30) trinta tabelas que demonstram as caractersticas das mulheres entrevistas. As 7 (sete) tabelas seguintes analisam caractersticas pessoais das clientes relacionadas entre si. Esta verificao foi possibilitada pela aplicao de um formulrio em 96 mulheres, que estavam em suas residncias na ocasio da coleta de dados. O tratamento estatstico e a anlise dos dados foram efetuados a partir de porcentagem e das hipteses estatsticas e teste de significncia

1. 2.

Ginecologista. Acadmicas. Recebido em 27.04.95

Aprovado em 12.05.95

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qui-qua-drado ao nvel de 0,05 entre as variveis dependentes e independentes e foram obtidos os seguintes resultados: No existe associao significante, ao nvel de 0,05, comparando: - o hbito de fumar das clientes com a presena de hipertenso arterial; - o hbito de fumar das clientes com a presena de obesidade; - a idade das clientes com o hbito de fumar; - a idade das clientes com a presena de hipertenso arterial; - a idade das clientes com a presena de obesidade; - o estado civil das clientes e com quem elas residem; - o planejamento familiar com a idade das clientes. Conclui-se que os resultados obtidos neste trabalho so de grande utilidade como subsdios para o planejamento de aes de sade da mulher dentro de uma nova e atual abordagem de assistncia em planejamento familiar.

FINALIDADE Melhoria do ensino, pesquisa e assistncia de sade em planejamento familiar clientele do municpio de Passo Fundo e regio.

JUSTIFICATIVA E DEFINIO DO PROBLEMA Tendo por base a prtica profissional e pesquisa anteriormente realizada, decidiu-se desenvolver este trabalho no intuito de ampliar a amostra a as variveis estudadas. Conforme resultados obtidos em estudo anterior recomendou-se: a) Oferecer programas de orientao e assistncia em planejamento familiar em nossa comunidade; b) Ampliar e aprofundar os contedos de ensino e planejamento familiar nos Cursos de Enfermagem; c) Utilizar, ampliar e aprofundar as pesquisas de assistncia de Enfermagem em Planejamento Familiar. Este trabalho, foi fruto do exerccio da profisso junto clientele que demanda de assistncia em planejamento familiar e do ensino das disciplina de Enfermagem Ginecolgica e Obsttrica da UPF Portanto, considerando-se o exposto acima, formula-se o seguinte problema: quais as

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caractersticas da clientela residente em setores sociais perifricos que demanda assistncia em Planejamento Familiar?

OBJETIVOS

Objetivo Geral Identificar as caractersticas da clientela residente em setores sociais perifricos, que demanda assistncia em Planejamento Familiar.

Objetivos Especficos Assistencial: Oferecer programas de orientao e assistncia em Planejamento Familiar em nossa comunidade.

Ensino: a) Introduzir contedos novos de Planejamento Familiar. b) Auxiliar e aprofundar os contedos de ensino e Planejamento Familiar nos Cursos de Enfermagem.

Pesquisa: Utilizar, ampliar e aprofundar as pesquisas em Planejamento Familiar.

HIPTESES Verifica-se na literatura consultada que o planejamento familiar influenciado por caractersticas pessoais das clientes, sem grande instruo e nvel scio-econmico, bem como, por diversos fatores de risco, formulam-se as seguintes hipteses:

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H0

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1. No existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando o hbito de fumar das clientes com a presena de hipertenso arterial. 2. No existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando o hbito de fumar das clientes com a presena de obesidade. 3. No existe associao sgnificante, no nvel de 0,05, comparando a idade das clientes com o hbito de fumar. 4. No existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando a idade das clientes com a presena de hipertenso arterial. 5. No existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando a idade das clientes com a presena de obesidade. 6. No existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando o estado civil das clientes com quem elas residem. 7. No existe associao signifcante, no nvel de 0,05, comparando o planejamento familiar e o no planejamento com a idade das clientes. H1 1. Existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando o hbito de fumar das clientes com; a presena de hipertenso arterial, 2. Existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando o hbito de fumar das clientes com a presena de obesidade. 3. Existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando a idade das clientes com o hbito de fumar. 4. Existe associao significante, no nvel de 0,0.5, comparando a idade, das clientes com a presena de hipertenso arterial. 5. Existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando a idade das clientes com a presena de obesidade. 6. Existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando o estado civil das clientes com quem elas residem. 7. Existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando o planejamento familiar e o no planejamento com a idade das clientes. REVISO DA LITERATURA The American College of Obstetricians and Ginecologists (I978) ao citar conceitos em Planejamento Familiar, diz: Afinalidade do planejamento familiar ajudar os indivduos alcanar finalidades reprodutoras. As decises a serem consideradas se referem possibilidade de ter filhos, oportunidade e intervalo entre os

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nascimentos e ao tamanho da famlia. O planejamento familiar eficazmente praticado se baseia em decises inteligentemente esclarecidas e ao que permita reduzir a mortalidade e morbidade materna e infantil, nascimentos extraconjugais, nascimentos indesejveis e distrbios transmitidos geneticamente. Prticas e Problemas da Concepo Em toda a Amrica Latina, importantes circunstncias econmicas, sociais a culturais alteram de maneira considervel as aspiraes do casal mdio quanto ao nmero de filhos a ter. O desejo de famlias pequenas dissemina-se atualmente por todos os pases da regio e a motivao para a pratica do planejamento familiar , provavelmente, mais forte do que nunca. Em recentes pesquisas de fecundidade, quando indagadas sobre o nmero ideal de flhos que gostariam de ter, as mulheres do Peru responderam 2,7 em mdia, as da Colmbia e do Chile 2,8, as do Brasil 3,0 e as do Mxico e Repblica Dominicana 3,3. provvel, porm, que at mesmo esses baixos ndices exagerem o nmero de filhos que os casais na verdade preferiam ter. Em relao aos seus programas de planejamento familiar, a Amrica Latina geralmente mencionada como uma histria de sucesso. A maioria dos pases da regio adotou politicos oficiais favorveis ao apoio governamental e privado aos servios de planejamento familiar; os nveis de uso de contraceptivos em muitos pases aumentaram substancialmente nos ltimos 20 anos (deve-se observar em especial, em determinados pases, o recurso esterilizao como mtodos contraceptivos em idades cada vez mais baixas; e as taxas de natalidade apresentaram um expressivo declnio). No total, o tamanho da famlia mdia na Amrica Latina decresceu em torno de 45% desde o incio da dcada de 1960 - de aproximadamente seis para pouco mais de trs filhos por mulher. Em resposta ao desejo generalizado de famlias menores, a prtica de contracepo para evitar gravidez no desejada tornou-se comum em quase todos os pases da regio. De acordo com recentes pesquisas de fecundidade, muitos casais esto praticando o planejamento familiar com o objetivo de terem filhos quando as circunstncias melhorarem, a podem parar de ter filhos quando tiverem tido todos os que desejavam. O grupo para o qual o planejamento familiar mais proeminente compem-se de mulheres em idade reprodutiva (15 a 44 anos) que j tiveram relaes sexuais. Cerca de 70% das mulheres entre 15 e 44 anos sem todos os pases enquadram-se nessa categoria. Portanto, cerca de 30% de

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mulheres de 15 anos ainda no tiveram uma unio (legal ou consesual) e informam que nunca tiveram relaes sexuais; as mulheres nessa categoria so, em sua maioria, menores de 20 anos. (The Alan Guttmacher Institute - 1994)

METODOLOGIA 1. Amostra A amostra perfaz um total de 96 mulheres. Foram entrevistadas todas as mulheres que estavam em seus domiclios no momento da entrevista. Os locais para as entrevistas foram intensionalmente escolhidos para que fossem entrevistados das zonas sociais perifricas de Passo Fundo. As entrevistas foram realizadas com mulheres das vilas Zacchia, Victor Issler e Bairro So Jos que estavam em seus lares quando da entrevista.

2. Instrumento O instrumento para a coleta de dados constitui-se num formulrio (anexo I) que foi elaborado com base na literatura e na prtica profissional, O formulrio que constitui-se no instrumento de pesquisa composto pelas variveis estudadas. O formulrio foi testado pela autora do mesmo e pelas acadmicas de Enfermagem previamente treinadas. Foi realizado a seguir o plano piloto com o objetivo de completar o treinamento dos entrevistadores e testar o formulrio empregado.

3. Procedimentos A coleta de dados foi realizada mediante a aplicao de formulrio elaborado com esta finalidade. Foi preenchido em entrevista individual com as mulheres presentes em seus domiclios. Foi mantido sigilo sobre a identidade das mulheres entrevistadas. As mulheres que participaram da entrevista foram orientadas sobre o trabalho que foi realizado, da importncia e a seriedade do mesmo e da exatido das respostas.

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4. Resultados e Concluses O tratamento estatstico e a anlise dos dados foram efetuados a partir de porcentagem e das hipteses estatsticas e teste de significncia Qui-Quadrado no nvel de 0,05 entre as variveis dependentes e independentes.

CONCLUSO As caractersticas da clientela residente em setores sociais perifricos, que demanda assistncia em Planejamento Familiar, so as seguintes: 1. Idade: a clientela entrevistada encontra-se na faixa etria entre 15 e 44 anos num percentual de 82,29%; 2. Religio: a grande maioria da clientela entrevistada refere ser da religio catlica, num percentual de 92,71 %; 3. Gestaes: a clientela entrevistada na sua maioria composta por multigestas, num percentual de 58,33%; 4. Paridade: a clientela entrevistada apresentou uma percentagem de 43,74% para a multparas; 5. Abortamento: a maioria das mulheres entrevistadas no tiveram abortamento num percentual de 80,21% e 14,58% para um abortamento; 6. Cesria: uma percentagem de 37,50% das clientes entrevistadas se submeteram pelo menos a uma cesria; 7. Prematuros: apenas 3,12% das mulheres entrevistadas tiveram partos prematuros; 8. Com quem residem: uma percentagem de 85,42% das mulheres entrevistadas residem com o companheiro; 9. Estado Civil: 66,67% das mulheres entrevistadas so casadas; 10. Ocupao: uma percentagem 72,91% das mulheres entrevistadas so unicamente donas de casa; 11. Cor da pele: foi encontrado uma percentagem de 96,88% de mulheres de pele branca; 12. Escolaridade: as mulheres entrevistadas apresentaram uma baixa escolaridade com uma percentagem de 39,60% para primrio incompleto e analfabetos; 13. Idade da menarca: a idade da menarca teve maior incidncia entre 10 e 15 anos, com uma percentagem de 90,63%; 14. Planejamento familiar: apenas 51,04% das mulheres entrevistadas referiram que fazem ou fizeram planejamento familiar;

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15. Usam contraceptivos: mais da metade das mulheres entrevistadas usam mtodos contracepticos, numa porcentagem de 52,08%; 16. Mtodos contraceptivos mais usados: entre os mtodos mais usados aparece a plula (mtodo hormonal) com 48,84%; 17. Desejam aprender sobro mtodos contraceptivos: apenas 34,32% das mulheres entrevistadas referiram querer aprender sobre mtodos contraceptivos; 18. Local de aquisio de anticoncepcional: compram na farmacia 78,13% das mulheres entrevistadas; 19. Mtodos conhecidos: no conhecem nenhum mtodo 25,71%, o mtodo hormonal (plula) conhecida por 59,37% das clientes entrevistadas; 20. Aspectos que gostariam de aprender sobre mtodos contraceptivos: apenas 17,71% das mulheres entrevistadas gostariam de aprender tudo sobre os mtodos contraceptivos; 21. Quem deve orientar sobre planejamento familiar: o mdico foi o profissional mais indicado como orientador sobre o planejamento familiar com uma porcentagem de 57,29%; 22. Quem orientou sobre o mtodo que usa: o mdico foi o profissional mais citado com 64,58%; 23. Motivos que as levaram a limitar o nmero de filhos: a situao econmica foi a mais citada com 4 I ,67% e a sade com 19,79%; 24. Ligadura de trompas: quanto a estficirurgia 18,75% referira j se submeteram a ela; 25. Uso de cigarros: quanto ao hbito de usar 34,38% das entrevistadas referiram que tem este costume; 26. Presena de varizes: quanto presena de varizes 35,42% referiram que so acometidas desta patologia; 27. Quantos cigarros consome ao dia: Vinte mulheres ou seja 60,61 % fumam 20 cigarros por dia, das 33 mulheres que fumam; 28. Presena de hipertenso arterial: das mulheres entrevistadas 25% referiram que apresentam esta patologia; 29. Apresentam diabetes: apenas 4,16% das mulheres entrevistadas referiram ser portadoras de diabete; 30. Apresentam obesidade: apresentam obesidade 12,5% das Mulheres entrevistadas. Observa-se que as hipteses de 1 11 foram confirmadas. Portanto, aceita-se que: H1 1. No existe associao significante, ao nvel de 0,05, comparando o hbito de fumar das clientes com a presena da hiperteno arterial;

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2. No existe associao significante, ao nvel de 0,05, comparando o hbito de fumar das clientes com a presena de obesidade; 3. No existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando a idade das clientes com o hbito de fumar; 4. No existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando a idade das clientes com a presena da hiperteno arterial; 5. No existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando a idade das clientes com a presena da obesidade; 6. No existe associao significante, no nvel de 0,05, comparamdo o estado civil das mulheres com quem elas vivem. 7. No existe associao significante, no nvel de 0,05, comparando o planejamento familiar e o no planejamento com a idade das clientes.

RECOMENDAES Conclui-se que os resutados obtidos nesta pesquisa so de grande utilidade como subsdios para o planejamento de aes da sade da mulher dentro de uma nova e atual abordagem de assistncia em planejamento familiar. Portanto, prope-se: 1. Implementar programas de assistncia integral Sade da Mulher, dando nfase ao planejamento familiar; 2. Desenvolver programa com nfase em aes educativas a nvel ambulatorial; 3. Implementar as equipes multiprofissionais e interdisciplinar de modo a atender as necessidades de sade e de planejamento familiar da clientela; 4. Estimular a integrao docente, assistencial, envolvendo os cursos da rea de Sade da Universidade de Passo Fundo, a Secretaria de Sade e Meio Ambiente e demais secretarias relacionadas com os problemas identificados; 5. Integrar as pessoas, famlia, e comunidade, objetos e sujeitos deste trabalho e dos programas de sade; 6. Promover uma Campanha de Planejamento Familiar no municpio de Passo Fundo, visando motivar ainda mais a populaopara que esta procure os servios de Planejamento Familiar j existente no municpio, 7. Desenvolver novas pesquisas na comunidade sobre planejamento familiar, ampliando assistir o conhecimento sobre as peculiaridades a clientela que demanda de assistncia em planejamento familiar;

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8. Treinar pessoas auxiliar em planejamento familiar; 9. Oferecer comunidade a oportunidade de participar de atividades em grupos especficos (Planejamento Familiar, adolescentes, climatricas e pr-natal); 10. Diminuir o nmero de cesreas e ligadura de trompas, mediante uma assistncia adequada e educadora; 11. Dar mulher condies para que ela escolha livremente seu mtodo de planejamento familiar; 12. Que ao serem planejadas aes de planejamento familiar que se leve em conta a religio e o baixo grau de instruo da clientela; 13. Alertar as autoridades governamentais para que se reduza o nmero de mulheres desempregadas. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 1. ALDRINI, J. N. e BUENO, J. G. R.: Ginecologia e obstetrcia, vol. 11. n 3, mai/jun, 1991. 2. HARDY, E. E. et. al: Adequao do uso da plula anticoncepcional entre mulheres unidas. Rev. Sade Pbl., So Paulo, 25(2):96-102, 1991. 3. MORETTI, Eleonor: Estudos de aspectos relacionados com o planejamento da grvidez e o estado civil da clinigesta. Passo Fundo, 1987. 4. NERY, M. E. da Silva e MORETTI, Eleonor: Levantamento das necessidades humanas bsicas nas vilas Santa Marta, Issler. Luiza e Bairro So Jos. Passo Fundo, 1981-1983. 5. PLANEJAMENTO, Familiar Agora So Paulo, julho. ano X, n 249, 1994. 6. THE ALAN GUTTMACHER INSTITUTE, 1994: Aborto clandestino: uma realidade latino-americana. Nova Iorque: The Alan Guttmacher Institute. 7. THE AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GINECOLOGISTS: Atualizao obsttrica e ginecolgica. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1978, p. 229.

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Vaginismo - Sugesto de processo teraputico passo a passo

Jaqueline Brendler1 Zeila Bedin2

RESUMO Como o objetivo de contribuir e encorajar os terapeutas que esto iniciando suas atividades na rea de sexualidade humana, descreve-se passo a passo as tcnicas da terapia sexual utilizadas na resoluo de um caso de Vaginismo de longa durao. O casal participou de duas sesses teraputicas por semana, uma com a teraputa sexual a outra com a psicloga clnica. Aps a sexta semana de sesses teraputicas ocorreu a resoluo do Vaginismo. INTRODUO O Vaginismo uma Sndrome Psicossomtica (1, 4, 8, 10) que se no tratado pode privar o casal do Relacionamento Sexual e de ter filhos (l ,4). causa comum de Casamento no Consumado (4, 8).

1. 2.

Ginecologista e obstetra. Psicloga Clnica. Recebido em 15.05.95

Aprovado em 17 .06.95

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A maioria dos terapeutas do sexo tm ndices de 100 por cento de cura quando a paciente completa o perodo de tratamento (1, 4).

1 e 2 Sesses L. H. A, vem ao consultrio encaminhada por um ginecologista. Sexo feminino, mulata, 31 anos, casada. bancaria, natural e residente de Porto Alegre. Catlica no praticante. Formada em Cincias Contbeis. Vem acompanhada do marido J. A., 34 anos, taxista, natural e procedente de Porto Alegre. Catlico no praticante, tem 2 grau completo. Pertence a direo de uma Escola de Samba. L. H. A. diz ter vindo consultar porque quer engravidar. H seis anos est casada e no teve relao sexual com penetrao. No consegue fazer exame ginecolgico. O ginecologista diz que tem vaginismo. A paciente informa em sua consulta individual que filha do meio. Tem dois irmos mais velhos. A me no falava sobre sexo em casa. Aprendeu o que sabe sobre sexo no colgio e com as amigas. Lembra que quando era solteira uma amiga que casou virgem disse que sexo doa. O pai, durante o namoro com J. A., somente lhe perguntou se tomava plula, ao que ela respondeu que sim. Namoraram sete anos. Aps o primeiro ano de namoro iniciaram as tentativas de relao sexual, quando tinha 20 anos. Ela foi a segunda namorada de J. A. e ele o seu primeiro namorado. Casou com 25 anos, antes de terminar a Faculdade. Diz que naquela poca ficavam menos tempo juntos, pois trabalhava e estudava. Procurou vrios mdicos para tentar resolver o problema e eles disseram para ir tentando. A famlia do casal no sabe da dificuldade sexual. Diz que tem vontade de ter relaes sexuais. Sempre, desde o incio do namoro, quando esto juntos, h troca de carinho. Diz que fica molhada e que tem orgasmo. Diz que J. A. tem ereo boa. Diz que pensa durante o dia que vai conseguir ter relao sexual e na hora desiste porque tem medo da dor. Diz que J. A. nunca foi de manifestar muito o que sente, mas no tempo de namoro ele escrevia bilhetes e cartes. Era mais ligado em mim. Amo o J. A.. Sente falta dele. Ele no fala espontaneamente que a ama. S fala se ela perguntar. H dois anos atrs ficou sabendo de uma relao extra-conjugal de J. A. Era uma mulher da Escola de Samba. J. A. falou que o caso durou um ano e que resolveu contar porque a amante estava fazendo chantagem. A amante de J. A. foi sua casa. Ela disse que era virgem e ficou imprest-

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vel, pois havia engravidado e feito aborto. Recebeu a amante do marido aps chamar seu pai, que junto ouviu a histria. J. A. negou o aborto. Nunca saiu de casa. L. H. A. imaginava que ele ia embora. Diz que jamais teria um caso. Eu primeiro terminaria com J. A.; no trairia. Diz que chorou naquela ocasio. L. H. A. tem medo da Penetrao doer. Diz que acha o pinto grande demais para entrar sem machucar. L. H. A. nega tentativa de relao sob coerso. Nega ter visto ou ouvido cena sexual violenta, ou outras agresses sexuais. Quanto J. A., ele diz que o terceiro filho de uma famlia de oito irmos, iniciou sua vida sexual com uma conhecida na poca do quartel. O relacionamento foi bom. O que sabe sobre relao sexual aprendeu no colgio Mesquita. Conta que nas primeiras relaes sexuais a sua preocupao era com o desempenho. Teve uma namorada antes de L. H. A.. Ela era virgem. Tiveram relao sexual completa e normal. Diz que relao sexual normal quando existe penetrao e os dois gozam. No primeiro ano de namoro com L. H. A, tentaram relao sexual no motel e em vrios lugares. Ambos tinham prazer. L. H. A. tomava plula porque no queriam filhos antes do casamento. Considera que a relao sexual era boa porque gosto dela, uma boa pessoa. L. H. A. tinha curiosidade sobre o relacionamento sexual com sua primeira namorada. Colocou L. H. A. na parede. Ou casa comigo ou volto para a minha primeira namorada. L. H. A. aceitou casar. No incio do casamento acha que tinham uma barreira porque, durante o sexo, pensava na primeira namorada diz que evitava relao sexual e ejaculava rpido. Sobre o caso mencionado pela mulher, diz que a amante era uma chantagista, queria dinheiro. Nunca havia engravidado. Teve outro caso: com uma amiga deles. A L. H. A. nunca soube. Essa sim engravidou. Foi com ela fazer o aborto. O relacionamento esfriou aps o aborto. Hoje pensa que a situao atual seja castigo de Deus, porque fez um aborto.

CONDUTA 1. A entrevista inicial foi realizada primeiro com o casal e aps com cada um isoladamente. Teve a durao de duas sesses por semana. Definiu-se que deveriam ter um acompanhamento Psicolgico com uma sesso por semana, o marido faria uma consulta com o Urologista.

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2- Foi esclarecido que o resultado do tratamento dependeria muito do esforo do casal, no sentido de realizar as tarefas propostas. 3- Foi explicado conceito de Vaginismo. Orientado quanto a anormalidade do casal quanto as fases da resposta sexual. 4- Incentivo ao namoro, s demostraes de afeto e introduzido um conceito amplo de sexualidade. 5- Sugerido e exposto Foco Sensrio 1. 6- Proibido tentativa de relao sexual. 7- Sugerido e ensinado Exerccios de Kegel.

Avaliao Psicolgica Inicial A paciente casada com J. A., no apresentava quadro de psicopatologia. Casal apresentava bom relacionamento afetivo, e desenvolviam jogos sexuais a amorosos prazeirosos. Entretanto, no obtiveram um relacionamento sexual com penetrao. No houvesse a inteno de engravidar, talvez a situao fosse mantida por mais tempo. Na consulta psicolgica a paciente revelou forte dependncia da aprovao familiar, principalmente do pai, que ela considerava superior (apesar de ser de cor, tinha se formado e exercia advocacia). At o presente momento a famlia no tinha conhecido, a Situao do casal. A cobrana aparecia, quando questionados sobre filhos. Teve uma educao pseudo-liberal. De religio catlica, moral rgida no sentido de valorizar virgindade, casar certinho, no engravidar. Quando noiva, o pai apenas sugeriu que tomasse plula para no engravidar. Em sua casa no se falava sobre sexo. Quando era comentado, era para citar algum caso de gravidez fora do casamento, moas liberais e outros. Antes do casamento, teve vrias tentativas de relacionamento, man sempre preocupada em manter a virgindade (No queria desagradar o pai - Imaginava se engravidasse!). O marido era passivo. Concordava muito com a mulher e no queria mago-la. Como no obtivesse com ela uma resoluo plena, optou por um relacionamento extra-conjugal, onde ficou claro que ele no tinha problemas. Tal relacionamento foi esclarecido na presena do pai da paciente. Depois desse episdio, decidiram pela Terapia Sexual, com Psicoterapia Conjugal breve Associada.

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3 Sesso - Trabalho resistncia ao Foco Sensrio I. - Feito exame Ginecolgico. Declarada normalidade da genitlia para a paciente. - Visualizao da genitlia pela paciente com o auxlio de um espelho. A paciente estava em posio ginecolgica. Feito esclarecimento de dvidas sobre rgos sexuais. Feito exerccios de Kegel em posio ginecolgica em frente ao espelho. A paciente observa o espasmo vaginal provocado pelo Vaginismo. - Aps a pesquisa de cenas ansiognicas foi iniciado Dessensibilizao Sistemtica Progressiva. - Novos esclarecimentos sobre genitais masculinos e Fases da Resposta Sexual.

CONDUTA 1- Incentivo imaginao no Foco Sensrio I. 2- Exerccio de Kege. 3- Proibio Relao Sexual. 4- Sugiro Descarga Ejaculatria. 5- Sugiro dilatao vaginal pela paciente usando primeiro o 5 dedo da mo e posteriormente usando dois dedos para essa tarefa sugiro lugar tranqilo. Aps o relaxamento muscular Dessesibilizao.

4 Sesso O casal est mais confiante. Realizaram as tarefas propostas. L. H. A. realizou com facilidade dilatao unidigital. Refere que com a dilatao bidigital teve um pouco de dificuldade e desconforto. - Converso com o casal sobre namorar e a demostrao de afeto. - Recebo avaliao urolgica feita por J. A. onde no foi constatado problema fsico. - Feita Dessensibilizao de Kegel na frente do espelho em posio ginecolgica. - Na presena do marido, estando a paciente ainda em posio ginecolgica, oriento sobre a normalidade do exame fsico da paciente.

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Nas trs tarefas seguintes a paciente permaneceu em posio ginecolgica na presena do marido: - Com a luva ginecolgica a paciente faz dilatao vaginal com um e posteriormente com dois dedos, sem dificuldades. - Sob orientao, a paciente faz exerccios de Kegel simultneos dilatao vaginal. Saliento que ela pode sentir que exerce um certo controle voluntrio sobre a entrada da vagina. - Sugiro que o marido tente fazer dilatao vaginal digital com luva ginecolgica. A paciente permite. A essa dilatao foi associada, posteriormente, Exerccio de Kegel.

CONDUTA 1- Todas as cinco tarefas da 3 consulta. 2- Sugiro que o marido participe da dilatao vaginal. 3- Sugiro que a dilatao vaginal seja feita concomitante aos Exerccios de Kegel. 4- Sugiro que a paciente aps o relaxamento muscular fantasie uma Relao Sexual em que o marido est deitado e ela, aps segurar o pnis ereto, o introduz na vagina. Mostro ao casal desenhos da posio sugerida. (Manual Ilustrado de Terapia Sexual - KAPLAN)

5 Sesso L. H. A. vem consulta sozinha. Informa que o marido est mais espontneo na demostrao afetiva. Diz que est com dificuldades para imaginar-se sendo penetrada. Fizeram todas as tarefas propostas na consulta anterior. A paciente refere ter colocado, espontaneamente, um absorvente interno e o deixado por 12 horas sem desconforto. A consulta segue modelo da consuta anterior. Aps a paciente insistir que o pnis do marido muito maior que os dois dedos que introduz na vagina. Introduzo um Amnioscpico lubrificado. A paciente encontra-se em posio ginecolgica e o Amnioscpico no foi mostrado a paciente antes da introduo. A paciente ficou surpresa ao ver o Amnioscpico sendo retirado de sua vagina, pelo seu tamanho e encorajada pois ele maior que o pinto duro.

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CONDUTA

1- Acrecento s tarefas at aqui sugeridos detalhes como a movimentao anterior, posterior e lateral dos dedos na dilatao vaginal. 2- A pedido da paciente empresto o Amnioscpico para ela realizar dilatao vaginal. Sugiro que ela olhe a introduo. 3- Oriento e incentivo Foco Sensrio 11.

6 Sesso No compareceram em duas sesses teraputicas consecutivas por causa das festas de final de ano. Trabalho resistncia do casal ao avano da terapia. Nesse tempo o casal realizou as tarefas sugeridas embora com menor freqncia do que nas outras vezes. L. H. A. diz que est com mais facilidade para imaginar-se sendo penetrada. No sentiu desconforto introduo do Amnioscpico. Durante a consulta, aps Dessensibilizao Sensrio Progressiva e dilatao vaginal digital, na presena do marido, a paciente foi encorajada a introduzir o Amnioscpico deitada, sentada e acocorada na cama ginecolgica. As tarefas foram realizadas sem dificuldades. Ainda o Amnioscpico foi rodado dentro da vagina pela paciente. A paciente diz sentir-se segura para tentar relao sexual com penetrao.

CONDUTA 1- Estmulo e continuao da troca de carinho. 2- Libero Posio Coital com a paciente em posio superior comandado com a mo introduo peniana. Sugiro que o pnis permanea sem movimento.

7 Sesso O casal conseguiu penetrao com a posio sugerida. A paciente relata que movimentou o pnis dentro da vagina. A paciente achou muito prazerosa a relao. Diz que est curada. Dado apoio e encorajamento ao casal. Alta da Terapia Sexual.

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Resumo da Avaliao Psicolgica

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A Terapeuta Sexual desenvolveu o trabalho de Dessensibilizao a Foco Sensrio, concomitantemente, desenvolvemos um trabalho de conscientizao de sua resistncia e de seus conflitos. Seu padro de comportamento era evitar a penetrao (com medo da dor). Foi desenvolvido um trabalho de esclarecimento sobre sexualidade, sobre desenvolvimento sexual, de forma compreensiva e educativa. Foi esclarecido junto a paciente e ao casal, as etapas da evoluo sexual, elaborando alguns preconceitos e tabus. Tudo foi discutido at que o casal se sentisse seguro e conhecedor do processo teraputico, e da evoluo do tratamento. A paciente pode entender sua reao e seus sentimentos que despertavam nela a relao sexual. Entendeu seu relacionamento familiar a sua dependncia da aprovao paterna. Sentiu que precisava crescer e se assumir como mulher. Tinha que deixar de ser a filhinha protegida pelo pai, de ter medo de desagrad-lo. Paralelo a isso, a terapia sexual evolua. A colaborao da paciente tambm. A paciente foi sendo preparada gradativamente, para aceitar a penetrao como um fato um pouco desagradvel, talvez doloroso, mas necessrio para uma resoluo sexual plena, principalmente, para uma resoluo comp pessoa, Aps seis sesses, o canal teve a primeira relao com penetrao. A terapia combinada, Terapia Sexual mais Terapia Breve, foi o tratamento escolhido neste caso. O resultado foi positivo e o canal se beneficiou no sentido de que, alm da resoluo de sua difuno sexual, desenvolveu um melhor conhecimento de seu relacionamento inter-pessoal e de suas possibilidades como casal. Na 8 sesso o casal teve alta.

DISCUSSO O Vaginismo uma Sndrome Psicofisiolgica caracterizada por espasmo involuntrio dos msculos que circundam a entrada da vagina e o msculo elevador do nus. Ocorre sempre que feita uma tentativa para se introduzir um objeto no orifcio vaginal ( I , 4, 6, 8, 10). Mtiplos fatores Psicossocioculturais (5, 10) esto li1gados gnese do vaginismo e seu reflexo condicionado resulta da associao de dor e medo das tentativas reais ou fantasiadas de penetrao vaginal (5).

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Como recomendado por Masters e Johnson, o casal iniciou o aspecto experimental do tratamento com exerccios de Foco Sensrio I e posteriormente foi empregado Foco Sensrio II com o intuito de dissipar a ansiedade relacionada performance sexual ( l , 2, 3, 8, 9). Os exerccios de Kegel foram prescritos fim de aumentar a percepo sensorial da vagina (4, 7) e ensinar a paciente a contrair e relaxar voluntamente os msculos em torno da vagina (3, 48). A proibio do coito diminui a fobia e a ansiedade em relao penetrao vaginal (8). Foi prescrita aps a entrevista inicial. O exame ginecolgico realizado foi o primeiro passo da Dessensibilidade Sistemtica In Vivo- (8) e a visualizao atravs do espelho do espasmo condicionado pelo vaginismo tambm passo importante no incio da terapia (1), Foi efetuado na 3 sesso teraputica. A paciente apresentou forte elemento fbico associado: 1. Medo da penetrao causa dor; 2. Medo e antecipao de dano fsico provocado pela penetrao. Para afastar a fobia foi iniciado Dessensibilizao Sistemtica Progressiva aps pesquisas de cenas ansiognicas (4, 8). Para a maioria dos autores h um consenso sobre a necessidade da Dessensibilizao Sistemtica In Vivo- para a extino da resposta vaginal condicionada no tratamento do vaginismo (3, 4, 5, 6, 8) que foi empregada no caso descrito a partir da 3 consulta. Para prover o descondicionamento pode-se usar sondas, cateteres, tampo (4, 5), dilatadores de plstico (3) e os dedos da paciente e posteriormente os do marido (4, 5, 6, 8). Na maior parte do tratamento foram empregados os dedos por ser emocionalmente mais aceitvel para a paciente e portanto ter menos probabilidade de mobilizar as resistncias terapia (6). O marido participou do segundo exame ginecolgico e das sesses de Dessensibilizao In Vivo a partir da 2 sesso, com o objetivo de extinguir a mstica em torno do vaginismo e promover o descondicionamento completo da -unidade conjugal (3, 8). Outro fato importante que o marido presencia os avanos da terapia sexual. Com o Progresso da terapia e a fim de preparar a paciente para a liberao coital com ela comandando a introduo peniana em posio superior (3, 4, 5) foi sugerido paciente fantasias sob relaxamento com a posio descrita. A movimentao dos dedos na vagina (4, 5, 6, 8) foi efetuada primeiro pole paciente e posteriormente pelo marido. Masters e Johnson no passo que antecede a liberao coital uso um dilatador de plstico que com a mesma espessura do pnis ereto (1, 3). No caso citado, foi empregado o Amnioscpico de acrlico como ltimo passo da Dessensibilizao In Vivo, por ser o objeto disponvel que mais se assemelha espessura e o tamanho do pnis ereto. Esse fato foi decisivo no Descondicionamento In Vivo.

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Aps a 6 sesso teraputica a paciente relata sentir-se segura para ter Relao Sexual com penetrao. O casal liberado para o coito com a paciente em posio superior comandado com a ajuda da mo a introduo peniana. Foi sugerido apenas a introduo do pnis sem a sua movimentao (3, 4, 5, 8). REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
1. MASTERS, W. H., JOHNSON, V. E.: Human sexual inadequacy. Boston, Little, Brow 7 Co, 1970. 2. MASTERS. W. H., JOHNSON, V. E.: Principles os the new sex therapy. Am. J. Paychiatry 133: 5, May, 1976. 3. MASTERS & JOHNSON: O relacionamento amoroso. Segredos do amor e da intimidade sexual. Rio do Janeiro. Editora Nova Fronteira. 1974. 4. KAPLAN, H. S.: A nova terapia do sexo. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1974. 5. KARPLAN. H. S.: A nova terapia do sexo. Vol. 2. O desejo sexual e novos conceitos e tcnicas da terapia do sexo. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira, 1979. 6. KAPLAN, I. I. S.: Manual ilustrado de terapia sexual. So Paulo, Editora Manole, 1975. 7. KEGEL, Arnold H.: Sexual functions of the pubococcygeus muscle. Read before the eighty-firt annual-sesseion of California Medical Association, section en obstetrics and gynecology. Los Angeles, april 30, 1952. 8. REAMY, Kenneth: The treatment of Vaginismus by the Gynecologist: an ecletic aproach. Obstetrics & Gynecology, vol. 59, n 1, january, 1982. 9. SILVA,A.C.:Terapia do sexo e dinmica do casal. Rio de Janeiro, Editora Espao e Tempo Ltda., 1989. 10. SOARES, L. G. L. e LOPES, G. P.: Vaginismo - Fatores psicossocioculturais. Revisal Brasileira de Sexualidade Humana. vol. II, n 2, pg. 127-130, 1991.

Sexualidade masculina: misterioso silncio

Maria Virginia Filomena Cremasco Grassi1 Maria Alves de Toledo Bruns2

RESUMO O objetivo desta pesquisa buscar uma compreenso do fenmeno sexualidade masculina atravs da apreenso do que foi e tem sido mais significativo para os homens em seus relacionamentos afetivo sexuais. Os discursos foram submetidos anlise fenomenolgica a as convergncias evidenciaram que as experincias significativas comuns a todos os sujeitos foram: casamento, esposa, amante, amigos e filhos. Os homens se mostraram resistentes para falarem de si, com dificuldades em se realizarem dentro do casamento e superficialidade em suas amizades a encontros erticos. Temem o envolvimento afetivo mais profundo, embora busquem a emoo da paixo na troca de parceiras, Distanciados de sue natureza anmica (princpio feminino de Eros) vivem mergulhados na inautenticidade de seus envolvimentos amorosos que no os completam.

1. 2.

Psicloga Clnica. mestranda em Psicologia da Educao na UNICAMP. Professora Doutora do Departamento de Psicologia de Educao da F.F.C.L. - USP. Campus Ribeiro Preto. Recebido em 07.06.95 Aprovado em 15.07.95

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Unitermos: Sexualidade masculina, envolvimentos afetivos, inautenticidade. trajetria

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fenomenolgica,

SUMMARY The objective of this research is the search for an undesrtanding of the masculine sexuality henomenon by means of indentifying factors that have been most significant for men in their sexual-affective relationships. Theirs discourses were submitted to a phenomenological analysis and showed that items such as marriage, wifw, lovers, friends and childrns were significant for all of the men interviewed. The men demonstrated resistances to talking= about themselves, difficulties in their realizations within marriage and superficiality in their friendships and erotic encounters. They fear more profound affective involvements while sarching for passional emotion by changing sexual parthers. Distance from their soul nature (Eros feminine principle) they live immersed in an inauthenticity of erotic relations that do not satisfy them Key-words: Masculine sexuality, phenomenological analysis, affective involviments, unauthenticity.

INTRODUO Este estudo vem responder s indagaes que nos emergiram durante a pesquisa: "Mulher e Sexualidade: O Desejo da Continuidade (BRUNS E GRASSl, 1993), na qual questionamos a sexualidade da mulher e nos foi revelado que, para sua auto-realizao, busca um relacionamento continuo, estvel a nico, ao lado do homem que lhe assegure ser amada a valorizada como mulher. Se as mulheres esto buscando esses homens que lhes possibilitam um envolvimento profundo, o que eles buscam? Como est este personagem masculino diante dessa mulher mais independente e de tantas outras que desempenhem seus papis entre o velho e o novo e que se confundem no cotidiano de nossas salas de TV? O que est sendo mais significativo hoje em seus relacionamentos afetivos a sexuais? Essas indagaes nos levaram a realizar uma pesquisa sobre a sexualidade masculina, procurando desvendar esse silncio misterioso que perpassa a intimidade dos homens. Para tanto, caminhamos ao encontro do fenmeno sexualidade masculina, no nos preocupando em buscar relaes causais ou explicativas, mas em chegar a uma compreenso por intermdio do rigor do pesquisar fenomenolgico.

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Pela ausncia de bibliografia e estudos que enfoquem a sexualidade masculina sob um prisma ontolgico, parece-nos muito significativas essas indagaes nas quais podemos vislumbrar a compreenso do ser em sua totalidade. Os manuais de dicas de bom desempenho e sucesso sexuais em geral no nos falam realmente da intimidade masculine, suas dvidas, buscas, medos, alegrias, etc. Desse modo, movidas pelo desejo de compreender a intimidade masculina, com o intuito de desvelar o manto de silncio que a encobre, lanamo-nos a esta pesquisa, questionando: o que isto, sexualidade masculina?

OS SUJEITOS Os sujeitos desta pesquisa constituram um grupo de oito homens com idade entre 19 e 54 anos, pertencentes classe mdia e o nvel de escolaridade variou o 1 ao 3 graus. O que nos surpreendeu durante os contatos com os possveis sujeitos foi a dificuldade de encontrar homens que se dispusessem a dar depoimentos pessoais. Contudo, importante ressaltar que todos que se dispuseram como voluntrios se sentiram muito bem em poder falar o que pensavam e sentiam. Consideraram de extrema importncia um trabalho que buscasse compreend-los. As entrevistas foram gravadas e medidas pela questo orientadora: Fale de maneira livre e aberta a respeito do que, foi e que tem sido mais significativo em suas relaes afetivas e sexuais. Os depoimentos foram submetidos aos momentos de anlise da trajetria fenomenolgica.

TRAJETRIA FENOMENOLGICA A palavra trajetria a que melhor expressa o caminhar em busca da essncia do fenmeno interrogado. O modo pelo qual seguiremos em direo ao fenmeno sexualidade masculina seguir o rigor do pesquisar fenomenolgico descrito no livro de Joel Martins - um Enfoque Fenomenolgico do Curriculum: Educao como Poises. (MARTINS, 1992: 56-60).

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MOMENTOS DE ANLISE FENOMENOLGICA A Descrio: O primeiro aspecto do enfoque fenomenolgico para conhecer o mundo est em ir--coisa-inesina e isto quer dizer focalizar, situar o que se deseja conhecer no mundo. Ao situar o fenmeno a ser visto e, conseqentemente, a ser percebido, passa-se a descrev-lo. Situar o fenmeno significa coloc-lo entre parnteses, em suspenso (epoch). Realizar o epoch colocar em suspenso as crenas sobre a existncia do fenmeno. Aps isto, o pesquisar fenomenolgico consistira em descrever o fenmeno to precisamente quanto possvel, procurando abstrair-se de qualquer hiptese, pressuposto ou teoria. A Reduo: O objetivo possibilitar o reconhecimento dos momentos do discurso do sujeito que so considerados significativos a aqueles que no so. O resultado da reduo um conjunto de asseres significativas para o pesquisador e que apontam para a experincia do sujeito, para a conscincia, que este tem do fenmeno. A Compreenso Fenomenolgica: como toda compreenso envolve sempre um interpretao, uma tentativa de especificar o significado- que essencial na descrio e na reduo, como uma forma de investigao da experincia. AS UNIDADES DE SIGNIFICADO Cada sujeito recebeu um pseudnimo para que suas identidades pessoais e privacidade pudessem ser preservadas, mantendo-se osigilo tico de um trabalho cientfico. Desta forma entraremos em contato com depoimentos de: magro", loiro, paulista, bacuri, pintor", alemo, moreno e ruivo. 1 UNIDADE SIGNIFICATIVA: O que pensam da mulher de hoje? Moreno, 54 anos: Com o patriarcado, a mulher sempre, foi muito submissa aos maches. Agora, felizmente, as mulheres esto se colocando em, igualdade de situaes. Eu acho que o homem e a mulher tm a mesma cabea e o mesmo sentimento. Bacuri, 25 anos: As mulheres parecem que to avanando cada vez mais, os homens vo fcando para trz. Hoje em dia as mulheres ganham espao na sociedade, em qualquer lugar. Voc v, uns anos atrs, ela chegava num bar; todo mundo olhava, ah, e vagabunda!. Hoje, no, elas entram em

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qualquer bar da vida, compram um cigarro, bebem uma cerveja. Cada vez mais espao tem para as mulheres. Mas hoje t mais pr mulher caar homem do que o homem caar a mulher Pr mulher sempre foi mais fcil. verdade. Mulher d um sorriso assim tal, os homens j caem de chaveco, mas pro homem fica mais difcil. O homem tem que ter muita cara de pau . Loiro, 32 anos: Dizem que a mulher precisa gostar um pouco pr sair com outro homem e ento se ela casada, o casamento acaba a. Mas as mulheres que saem comigo no precisam disso e so mulheres casadas. Por isso eu sempre achei papo furado isso de elas precisarem de envolvimento para sarem. 2 UNIDADE SIGNIFICATIVA: Os amigos Magro, 30 anos: Mulher diferente, conversa sobre se gostou do cara do baile de sbado. Os homens, no, o contrrio, s querem falar do carro(...) desse jeito, conversa quase sempre de servio. Rolar papo de mulherada normal tambm, seno no tem jeito. Bacuri, 25 anos: Voc chama um amigo pr tomar uma cerveja, a comea a tomar a primeira, a segunda, da comea a rolar os papos. A primeira pr dar o paladar; a segunda j comea falar de histrias que aconteceu, que vai acontecer E tambm o cara tem que se sentir bem com o amigo, n, porque o cara no vai chamar um estranho pr tomar cerveja e falar de suas intimidades, n? Loiro, 32 anos: A conversa com os amigos to necessria como ser catlico e comungar aos domingos. Eu vejo como uma comunho. Eu sento numa banqueta, encosto o cotovelo sagrado no sagrado balco, pego um, sagrado copo de bebida e a conversa rola, tudo. Sobre o que estaria pensando, o que eu posso pensar, as vontades que eu tenho. Eu era solitrio noite, no tinha com quem participar. 3 UNIDADE SIGNIFICATIVA: O Enamoramento Magro, 30 anos, casado: Quando eu sou muito apaixonado eu no saio com outra, no tem jeito.

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Bacuri, 25 anos, solteiro: Se eu tou com uma mulher; ligado nela, nem olho pra outra. Quer dizer finjo que no olho, n? Voc tem que olhar com bons olhos, pr apreciar mas. no saio, sinceramente, no saio. Alemo, 19 anos, mora junto com a namorada: Quando algum te completa, voc ama, voc no quer outra nem pensa em outras, Moreno, 54 anos, vivo: Na verdade, eu acho que quando a gente ama no precisa das paixes, das aventuras, a gente vive sem elas . Loiro, 32 anos, casado: Me envolvendo com algum eu vou querer estar s com essa pessoa. As noitadas deixam de ter sentido . Paulista, 20 anos, solteiro: Quando voc se apaixona, tudo novo, divertido. No comeo voc s quer ficar com a pessoa, o tempo todo. No entendo por que acaba. Da, parece que voc j conhece tudo, e no tem mais graa . Pintor, 48 anos, casado: Se voc ama que importante. Se voc ama no vai querer magoar o outro, mas sempre vo querer sentar e conversar juntos, mas sempre vo querer continuar juntos. Ruivo, 35 anos, casado: Quando estou apaixonado, quero-a em todos os instantes do meu lado, dormindo, comendo, tomando banho, assistindo TV. Poder fazer amor todas as horas. 4 UNIDADE SIGNIFICATIVA: Filhos: Alegrias Pesares - Projees do Ontem no Hoje. Loiro, 32 anos: Eu sempre, fui daqueles que, falavam que casamento no segura ningum, filho tambm no. mentira. Hoje eu vejo que mentira. Segura sim. Filho pr mim, foi eu relembrar meu pai comigo que hoje eu no tenho. Marcou e marca a falta do meu pai. Magro, 30 anos: Paixo pr mim so os meus baixinhos. So tudo pr mim. Eu amo meus filhos e faria qualquer coisa por eles. Eu trago as fotos deles comigo.

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Alemo, 19 anos: Eu vou ensinar tudo o que eu aprendi na vida sozinho pro meu filho. Eu vou ensinar desde no dar carada, no dar fora, pr que ele no passe o que eu passei. Pr eles terem uma experincia um pouco melhor que eu tive . Ruivo 35 anos: Quando eu olho para aquela coisinha me d vontade de chorar. tudo to perfeito. No imagino mais minha vida sem meu filho. Voc suporta qualquer coisa por eles; eu no o abandonaria por dificuldade nenhuma. 5 UNIDADE SIGNIFICATIVA: A Instituio Conjugal Loiro, 32 anos, casado: A vida domstica, sinceramente, horrvel. No falo pr ningum, mas horrvel. Se no estivssemos em outra situao, que no confidncia como esta entrevista, eu at diria boa, d pr levar importante. Muita gente fala de casamento, casamento isto, bom, voc consegue mais coisas, no verdade. Eu no queria casar (...). Pr mim, foi difcil. O meu espao passou a ser organizado por outra pessoa. At um vasinho que foi trocado de lugar me deixava nervoso, eu fui obrigado a trocar todos os mveis da casa. Quatro paredes realmente foda, duro. Paulista, 20 anos, solteiro: Eu acho que nunca vou me casar Eu no entendo como duas pessoas que esto juntas h anos ainda tm vontade de fazer amor, carinho. Depois de um tempo, todo dia, a emoo acaba. Moreno, 54 anos, vivo: Casamento um acostumar enquanto valor positivo, que vem de uma certa flexibilidade. Voc ceder um pouco, a pessoa ceder um pouco. No sujeio, mas um acordo mtuo, onde as coisas no te violentam. Quando violenta, a pessoa pode aceitar isso at um determinado tempo, mas ento voc deixa de fazer alguma coisa, engole um sapo, amanh ou depois, vem outro, chega uma hora que voc no est mais disposto. A, o casamento acaba. Magro, 30 anos, casado: Eu sou casado, gosto de sair pr uma baguna, mas eu no, no sei, todo mundo tem um destino, casar como eu casei, mas se eu fosse solteiro era mais legal ainda, mais bacana . Alemo, 19 anos, mora com a namorada: A a coisa chega naquela , fase em que tudo que voc faz no tem graa, eu queria arrumar algum pr ficar junto, mais no achava ningum. Acho que eu queria casar.

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Ruivo, 35 anos, casado: Eu queria viver algo diferente no casantento pr ela e para mim, mas impossvel e tem o cime dela, a insegurana. S se sassemos do pas longe de tudo, mas difcil. 6 UNIDADE SIGNIFICATIVA: A Esposa e as Outras Magro, 30 anos, casado: A paixo que fica fundo mesmo a de casa. Eu saio pr passear farrear, mas no sou daquele que corro atrs de qualquer uma. O principal o que est em casa. Loiro, 32 anos, casado: fcil falar que o homem gosta de dez mulheres e volta pr casa amando sua esposa. Porque realmente, fcil, muito fcil pro homem isso. Eu no largo minha esposa porque tem uma outra vida mais gostosa, no. Porque eu no deixo de ter essa vida gostosa. Tou magoando? Se eu magoei, at hoje se ela analisou bem, no houve conseqncia conjugal. Paulista, 20 anos, solteiro: Eu acho que com a mulher depois de um tempo, todo dia, a emoo acaba. A voc, fica achando que qualquer outra seria melhor. COMPREENSO E INTERPRETAO DAS UNIDADES SIGNIFICATIVAS O que se mostra atravs dos depoimentos desses homens/que se dispuseram a falar de si mesmos, que a sexualidade no apenas um vasto tema, cheio de nuances, mas algo inesgotavelmente rico e que nos remete ao mais profundo de ns mesmo. Nesse momento da pesquisa no percebemos que ela no chegou ao fim. No somente por no buscarmos concluses Fixas ou verdades" sobre o fenmeno sexualidade masculina e som, uma compreenso; mas sobretudo porque o fenmeno em si clama por um entendimento cada vez maior e reclama a falta de estudos qualitativos que enfoquem o sentido ontolgico da sexualidade humana. Ao retornarmos as unidades significativas, devemos compreend-los, nesse momento, como os temas existenciais comuns que esto presentes nos relatos desses oito homens. Os sub-ttulos atribudos a este conjunto de unidades de significados nos revelam as convergncias temticas que estiveram presentes nos depoimentos como um todo, mas se voltarmos

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nossa ateno ao que cada sujeito relata, percebemos a riqueza de cada experincia individual, distinta em si por suas unicidade. como se nesse momento da pesquisa cada um participasse do todo, mas com suas vivncias nicas e exclusives. Apartir disto, notamos que embora ester homers tenham diferentes idades Centre 19 e 54 anos), vivenciaram temas existenciais comuns em sues vidas, que estiveram significativamente presenter no decorrer de sue anos vividos, a isto os aproxima. Mas, e as idias, as opinies, o modo como vivenciaram suns emoes? Ser que tom o passer dos anos a temporalidade diferencia o homem que nasceu na dcada de 30 do que nasceu na e 70, quarto ao que pensam sobre seus envolvimentos afetivo-sexuais? Sem dvida, 40 anos de histria podem significar muitas mudanas principal mente, se pensarmos que os anos 60, tom a Revoluo Sexual, estiveram nessa cronologia. Contudo, no foi exatamente o que percebemos nos depoimentos. Algumas formas de agir, parecem arraigadas a estes homens como um modelo de comportamento, configurando assim estruturas psqucas dotadas de forte densidade emocional, como so os arqutipos (QUALLS CORBETT, 1990:17). Assim podemos identificar a analisaremos adiante, os mesmos modelos de pai, marido, conquistador a apaixonado reeditados por muitos anos em nossa histria. Contudo, algumas toiler aparecem ester paulatinamente se reformulando, como a viso que alguns tm da mulher de hoje da unidade: as mulheres de hoje). Os papis e as funes do homem e da mulher esto sendo reexaminadas. Ao mesmo tempo, tanto o homem como a mulher procuram uma melhor compreenso de si mesmos. As definies antigas, que os percebem de uma maneira unilateral e esterotipada, so insatisfatrias (CAVALCANTI, 1990:15). Aqui poderamos apenas fazer uma ressalva, como alguns homens esto reexaminando seus papis, seno estaramos nos tornando surdos ao que podemos ouvir todos os dies sobre a violncia fsica e emocional que muitos homens submetem as mulheres. Encontramos sempre uma representante do sexo feminino disposta a desabafar as desiluses ao encontrar mais de um conquistador (serial lover) que julgava poder lhe ser um companheiro. Se, efetivamente, ainda no podemos falar em unia modificao da viso masculina, podemos afirmar que os homens esto perplexos diante dessa nova mulher que se coloca mais ativa e participante em todos os setores da vida. Muitos concordam, outros no. Mas parece que a maior facilidade de acesso ao objeto de prazer sexual hoje em die Ihes agrada, principalmente, por lhes tirar a responsabilidade de um vnculo mais duradouro. No mais a vagabunda de periferia ao qual tinham que pagar para Ihes dar prazer. A chamada liberdade sexual aproxima homens e mulheres que se lanam caa. Muito sexo, pouca cumplicidade, como nos tempos de prostbulos (embora ainda existam, e bastante fre-

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qentados). Poderamos at dizer, no geral, que pouca coisa mudou, alm da decorao do quarto no tem luz colorida. Fato que se a sexualidade que homens e mulheres experimentam por a fosse fruto da liberdade que conquistaram, no se sentiriam to presos ao vazio da falta de significado depois do ato. E o homem j comea a perceber que a mulher tambm pode fazer o jogo do prazer sem envolvimento (Loiro:as mulheres ro precisam de envolvimento para sarem) claro, isso assusta. A busca pela realizao uma conquista para todos ns, mas parece que a ideologia social de felicidade ensinada aos homens e s mulheres no lhes facilitou o caminho para se encontrarem mais autenticamente. Em de nossa cultura ocidental consumista, somos lanados ao mundo alienados do Ser, mas com a funo produtiva do prazer. Para a maximizao do realizar produtivamente, somos desviados, desde muito cedo, daquilo que nos pode gerar prazer sem algum benefcio social. Perdemos o contato com o nosso prprio corpo e no o reconhecemos como totalidade criativa no contato com o outro. Tornamo-nos seres fragmentados a buscar o outro, que se encontra da mesma forma, no podendo repartir o que no conhece de si mesmo. A sexualidade, enquanto comunicao significativa entre os corpos inteiros (de seres que sentem), se torna genitalizada e fragmentada nos breves espaos de tempo que o social determina como "diverso". O "tastfood" diurno para a falta de tempo corresponde ao alvio genital breve dos encontros que podemos assistir por ai entre os homens e mulheres das mais diversas classes sociais. Mas a prpria sociedade cria os meios para que no nos sintamos insatisfeitos com o massacre do cotidiano produtivo e ainda tenhamos a iluso prazerosa de "realizao". A mdia capitalista nos oferece os mais diversos produtos para acreditarmos na felicidade de consumr. A famlia nuclear aparece como risonha, unida, transportando felicidade calma e dessexuada. A sexualidade colocada como estril, programada e disciplinada. Ao mesmo tempo, o proibido nos oferecido a todo instante, os motis, as drogas, as "fugas", o pornogrfico, o lcool, o fumo, realizaes para todas as fantasias. E tudo ali, junto, no mesmo comercia da novela das oito. fascinante. tudo to velado e to "escancarado". Ao mesmo tempo que, se prestarmos ateno, diramos at que a lgica racional humana deixou de existir para vivermos adormecidos dos sentidos (aqueles que no pensam). Adormecidos, participamos da grande irmandade social e no nos sentimos ns. Tornamo-nos iguais a todos at nas roupas, sapatos, cabelos. No nos distanciamos, e afastamos assim o medo e o mal-estar da solido.

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Assumidos, ento, as possibilidades oferecidas pelos "OUTROS" como modos, de ser prprios e tornamo-nos inautnticos. Analisando Heidegger em sua tese, Menezes Jr. (1987) fala que a manifestao mais ostensiva desse ser inautntico que nos tornamos a "tagarelice", o "bate-papo". Assim, no h comunicao, troca, mas um mero "passar palavras adiante". Buber (1977), em sua ontologia da palavra, atribui a ela o sentido de "portadora do ser". por seu intermdio que o homem se introduz na existncia. No o homem que conduz a palavra, mas ela que o mantm no ser, ou seja, ela que revela o SER. Desta forma, a comunicao inautntica, rouba da palavra o verdadeiro sentido, tornando-a vazia, mero instrumento de contato possoa;. o que Garfinkel (1985) fala em seu livro sobre as "conversas inspidas" entre os homens, onde no h troca e os sentimentos permanecem como segredos dentro deles mesmos. As palavras ladeam a superfcie de guas agitadas, e nunca mergulham nelas, perpetuando, assim, a"pseudointimidade" das amizades masculinas (2 unidade: "os amigos"). Nos depoimentos desses homens, ao voltarmos nossa ateno ao que subtilmente foi dito, percebemos a necessidade que sentem do contato com o outro, da troca, das amizades. Atinal, na relao que nos descobrimos sendo. Contudo, o contato estabelecido superficial e muitas vezes insuficiente para despistar a solido que reclama ao corpo, ento, mas um copo de cerveja. Alis, entre as amizades masculinas comum a presena do lcool propiciando, um adormecimento e relaxamento dos sentidos, movendo unio e ao desabafo. Whitmont (1990) relata que o mundo de Dionsio (deus do vinho na mitologia clssica) exerce uma fascinao vinda do inconsciente que nos leva muitas vezes promiscuidade e tambm ao lcool e s drogas. Somos atrados por uma "fora", um deus que nos fascina, inconscientemente. O lcool facilitaria o caminho procura do esprito (espirituais vini), impelindo a buscar uma forma do esprito a ser encontrada no mundo de Dionsio, o deus da renovao, atravs da luz que vem de buixo, mais da terra que do cu, revela simbolicamente a necessidade de encontrar vida e significado nos xtases e terrores, nas belezas e agonias deste mundo concreto, no apenas no reino do esprito abstrato e remoto, como geralmente se entende. Se nos permitirmos penetrar nesse mundo dionisaco, poderamos encontrar uma compreenso simblica para o fascnio que a bebida exerce em muitos homens. E o que vemos nos depoimentos onde muitas vezes a cerveja e no as mulheres ("uma mulher no te ouve". Loiro - 2 unidade: "os amigos") que a companheira que os levam s profundezas de si mesmos, e a falar um pouco mais de si, desabafarem e a se soltarem mais. Muitas mulheres gostariam que as confisses dos homens embriagados fossem o dilogo do dia seguinte.

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Existe um outro estado no qual o homem compartilha da divindade, mergulhando em sentimentos e emoes mais profundas. no enamoramento que o sujeito participa da experincia extraordinria fora revolucionria de Eros, que originou, como estado nascente, a sacralidade e o mito. Por isso que a pessa enamorada, para se exprimir. s consegue atravs da linguagem da poesia, da sacralidade e do mito. A linguagem potica exprime o extraordinrio e o excepcional do movimento de transformao que o enamoramento (3 unidade: o enamoramento). Enamorados, homem e mulheres se aproximam para vivenciarem o eterno, contnuo, o estar junto, o nico. o que revelam os depoimentos dos sujeitos, Para Alberom (1988:233), o grande erotismo possvel somente entre um nico homem e uma nica mulher que levam ao extremo o que especfico do prprio sexo e do sexo do outro. Estando apaixonados, e somente sob luz desse estado nascente, que homens reconhecem o que esse autor diz, que cem pessoas so menos concretas, menos vivas, menos intensas do que as diversas aparies de uma mesma pessoa. (op. cit. 127) Contudo, esse estado nascente , por definio, transitrio. como se no nos fosse possvel pisar no mundo dos deuses a desfrutar da felicidade paradisaca por toda a vida. Quando tudo paixo, felicidade, tambm tormento, espasmo, desejo e queremos que se torne, ento, tranqilidade, paz, serenidade. No entanto, para transform-lo, muitas pessoas no conseguem a paz enquanto no transformam o ser esplendoroso de seu amor em algo definido, limitado e controlvel, enquanto no fazem da pessoa amada um animal domstico. O preo, porm, o fim do enamoramento e o desaparecimento do xtase. (ALBERONI, 1990:3) Esse trmino bem-sucedido, o amor e a instituio - o casamento, os filhos. Quando nascem os filhos o enamoramento se esvai, para ambos se desdobrarem na adorao de um deus nascente-, fora deles (estado de-beatitude da beleza dos filhos - 4 unidade: os filhos). A exclusividade que o filho exige incompatvel com o enamoramento e tambm fortalece a unio do casal e estabiliza o amor. Tudo muda. A estrutura instvel da paixo sucedida por outra, permanente. o que vemos nos depoimentos desses homens, em que a famlia passa a lhes representar a instituio estvel com os filhos. Sentem-se seguros, satisfeitos e felizes em perpetuar e zelar pela unidade domstica que formaram e que lhes possibilita viver papis sociais definidos. Os arqutipos de pai e marido, sustentador do lar, definem de forma inquestionvel, aquilo que eles devem realizar socialmente, Da, espera-se de todos que a partir de certa idade, constituam suas famlias e contribuam para a sociedade educando seus filhos do acordo com os padres morais estabelecidos.

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O final seria ...viveram felizes para sempre- se a vida cotidiana de todos ns no se caracterizasse pelo desencanto. Temos sempre muito a fazer e pouco tempo... Muita presso para que tudo que nos dito como prioritrio seja realizado o mais rpido possvel. Sobra-nos pouco espao a tempo para o prazer, a troca, a relao. Alis, para o tempo que nos reta j nos ensinado como nos divertir: assistir TV, ir ao cinema, a um bar, etc. Algum pode imaginar se divertir sem os artifcios sociais colocados disposio? Difcil. Estamos sedados nos sentidos e no pensar autntico e, como no inventaram nada melhor para colocarem no lugar, reproduzimos o social e assim, camos na tranqilidade serena e montona que pode ser transformar o casamento (5 unidade: Instituio Conjugal). Ao falarem sobre casamento, os sujeitos desabafam uma grande insatisfao parece que nunca nos sentimos totalmente compreendidos, nunca temos uma satisfao profunda, nunca nossos desejos e os dos outros se combinam perfeitamente. um estado que nos parece sempre passageiro, que julgamos impossvel continuar assim, estpido, rancoroso. Entretanto, continua durante anos e anos afora. So anos tristes em que ficamos espera no sabemos bem do que. So anos de desencanto permanente; anos sem histria, sem felicidade verdadeira; anos que vamos vivendo. (ALBERONI, 1990:87) Apesar de insatisfeitos, at que hoje no conhecemos algo a ser vivido no lu-ar da instituio matrimonial e mantemos o ncleo familiar isolado, frustrado, ordenado, submisso, produtivo e consumidor. (BERNARDI, 1985:87). No entanto, essa mesma sociedade moralista que nos obriga fidelidade conjugal para respeito a perpetuao do matrimnio, oferece-nos os mais diversos meios de obter prazeres ilcitos, sem compromissos. Isto o matrimnio, sentencia-se, precisa ser salvo a qualquer custo. Se a esposa, dessexualizada pela rotina domstica, ou decomposta pela gravidez, ou ancorada no reino moralista, no est disponvel para satisfazer as exgncias maritais, no h o que temer: uma escapadinha at o edifcio adequado resolve tudo. (BENARDI, 1985:96) O desprazer e a rotina vivenciados dentro do lar so facilmente compensados com os vrios -produtos oferecidos pelo mercado. Desde que as relaes extramaritais (6 unidade: A esposa e as outras) no ameacem a solidez do lar. Para a razo masculina que, mergulhada no mundo prtico e concreto, tem medo do envolvimento afetivo e da cumplicidade do entregar se, continuar reproduzindo a ideologia dominante institucional, parece se mais simples. prazeroso. Embora o prazer venha desprovido de significado. Governado apenas pela posio masculina consciente, o homem perde o contato com a sua alma. O princpio de Eros, o sentimento da relao deixa de ser operativo: conseqentemente, o homem permanece

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desligado incapaz de experimentar tanto suas prprias emoes quanto a sua natureza espiritual - (QUALLS - CORBETT, 1990: 124 - 125). Como tambm diz Alberoni O homem no se d. Sente-se arrastado por uma fora interior contra a qual luta, qual procura resistir. como um prisioneiro que anseia pela fuga". E muitos homens continuam a fugir; das emoes sinceras, do e entregar-se, e de si mesmos. Temem que, mergulhados no imenso desconhecido mundo anmico da intimidade ertica, destruam-se ao no possurom mais controle racional de si mesmos. O estado nascente visto como algo externo a eles que os invade, que destri suas vontades, suas liberdades e ento procuram defender-se daquilo que Ihes rouba a razao e o controle. Reproduzindo os papis de guardio do lar, profissional, galanteador, o homem nunca tem tempo de olhar para si, de angustiar-se com a existncia inautntica, e de se sentir s. Para Heidegger (in MENEZES JR., 1987), o processo de conquista da autenticidade se inicia com a angstia, enquanto um "estado de nimo" experincia nica, que nos anuncia a incompletude, a mundanidade bruta, nossa estranheza de ns mesmos. Nesse momento de angstia, o mundo e as coisas passam a ser insignificantes, sem sentido. O que pensvamos compreender de ns e que estava projetado nas coisas, tambm se esvai. Rompida a ligao inautntica com o mundo e os outros, destrudo o sentido de "eu" que tnhamos, as projees retornam a ns e podemos ento, a partir desse momento, perceber as possibilidades de escolhas mais autnticas. A angstia portanto, como instrumento" de libertao do homem da a inautenticidade que vive, nunca ocorrer s. " a compreenso do 'ser para a morte', retirado do mundo, que poder ouvir a voz da conscincia". (MENEZES JR., 1987:65) O simbolismo da morte visto sob a perspectiva da psicologia junguiana o que retrata o caminho do homem individuao, que lhe traz conscincia os valores perdidos da psique e sua potencialidade criadora. Nesta viso, o homem atual, embora mudanas estejam ocorrendo, permanece muito afastado de sua natureza anmica contnua, permeada de sentimentos e emoes. A natureza feminina pouco reconhecida no homem e permanece adormecida, tornando-o, inseguro, frio, distante, rancoroso. O homem teme esse lado misterioso que abriga em seu ser e muitas vezes para exorciz-lo, ama-o ou odeia-o projetado nos seus relacionamentos com homossexuais. A AIDS est nos mostrando que o nmero de bissexuais em nossa sociedade mais significativo do que nossa moral social imagina. No temos a pretenso de analisarmos, neste trabalho, a homossexualidade, mas importante se faz atentar para o significacto dela para a vida de homens e de mulheres.

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Ao mesmo tempo o contato com sua natureza feminina que lava o homem a libertar-se das amarras racionais do mundo lgico que pode Ihe trazer sucesso profissional, mas afasta-o de seu lado desconhecido, ligado ao mundo das emoes, sensual e ertico (de Eros, o deus do poder criativo, da sexualidade). O caminho da integrao da natureza feminina no mundo racional masculino pode ser angustiante para os homens por lhes ser desconhecido. Talvez o reconhecimento da fora transtormadora de entrega emocional nos relacionamentos seja, para os homens, um primeiro passo neste caminhar. No sem dor, mas tambm nao sem prazer. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. ALBERONI. F.: O erotismo. 2 ed. Editora Rocco. RJ. 1988. __________: Enamoramento e amor. 6 ed. Editora Rocco, RJ, 1990. __________: O vo nupcial. Ed. Rocco, RJ, 1993. BERNARDI, M.: A deseducao sexual. Editora Summus, SP, 1985. BRUNS, M. A. T. e GRASSI, M. V. F. C.: Mulher e sexualidade: o desejo da continuidade". Revista Brasileira de Sexualidade Humana. Editora Iglu, vol. VI, no 1, SP, 1993. BUBER, M.: Eu e tu. 2 ed.. Editora Marcus. SP. 1977. CAVALCANTI, R.: O casamento do sol com a lua. Editora Cultrix' SP' 1990. GARFINKEL, P.: No mundo dos homens. Editora Melhoramentos, SP. 1985. MARTINS, J.: Um enfoque fenomenolgico do curriculum: educao como Poises. Editora Cortez, SP, 1992. MENEZES JR., A.: A conquista da autenticidade em Heidegger. Tese de mestrado da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1987. QUALLS-CORBETT' N.: A prostituta sagrada - A faca eterna do feminino. Edies Paulistas-SP, 1990. WHITMONT E. C.: A busca do smbolo. Editora Cultrix, SP. 1990.

Resumo Comentado

Behavior patterns that comprise sexual addiction as identified by mental helth professionals

por Jlius P. Lundy

In Sexual Addiction & Compulsivity, 1 (1): 46-56, 1994. resumo e comentrios por Oswaldo M. Rodrigues Jr.

O autor apresenta pequeno histrico da adio sexual, sndrome criada na dcada de 70 a partir de membros dos Alcolicos Annimos de Boston, pessoas que tinham comportamentos sexuais semelhantes aos dos dependentes de lcool e drogas. Termos diferentes foram usados desde o final da dcada de 60 para significar esta sndrome: hiperssexualidade, satirase, ninfomania, desvio sexual e Donjuanismo; os padres de comportamento foram identificados: obsesso, compulso, distoro da realidade, ficar fora de controle, depresso, vergonha e medo. O autor prope o mtodo delphi para possibilitar consenso grupal de opinio onde apenas o pesquisador conhece os participantes, eliminando influncia por indivduos dominantes. Assim 130 profissionais de sade mental participam do primeiro turno da pesquisa, 101 do segundo e 93 do terceiro turno.

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O conselho de opinio foi obtido sobre os participantes e uma lista de 100 afirmaes sobre a adio sexual que permitiu o pesquisador identificar 13 comportamentos considerados tpicos de adio sexual: 1- negao e dissociao; 2- comportamentos de esquiva (devidos a vergonha, desespero ou medo); 3- onipotncia ilusria; 4- narcisismo e decepo; 5- obsesso sexual e comportamento compulsivo (perda de controle); 6- comportamento arriscado; 7- fantasia excessiva; 8- levar perigo famlia e profisso; 9- tolerar relacionamentos abusivos; 10- levar vida dupla; 11- comportamentos desesperados e responsveis; 12- falta de limites apropriados; 13- diminuio da vida espiritual ou religiosa. Assumir que esses comportamentos so os mesmos de outros comportamentos problemticos de outros clientes/pacientes no aditos conduz falha teraputica segundo o autor. O estudo colecionou opinio de profissionais de sade para identificar padres de comportamento que compreendem a adio sexual. O autor aponta a necessidade de investigao de modalidade efetivas de tratamento para a adio sexual. A busca de caracterizao de sndromes para melhor adequaao teraputica permite uma melhor comunicao entre profissionais. A terminologia comum entre os profissionais de sade mental uma necessidade, o encontra consenso entre as caractersticas de cada sndrome/problemas sexuais deveria ser um objetivo entre os profissionais brasileiros para que se facilitasse, no s a comunicao, mas a compreenso dos problemas e a soluo destes para o bem estar de nossos clientes e pacientes.

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