Tarefas de Exploração e Investigação Na Aula de Matemática: João Pedro Da Ponte Marisa Quaresma
Tarefas de Exploração e Investigação Na Aula de Matemática: João Pedro Da Ponte Marisa Quaresma
Tarefas de Exploração e Investigação Na Aula de Matemática: João Pedro Da Ponte Marisa Quaresma
Resumo. Neste artigo procuramos mostrar que, em termos curriculares, as explorações e investigações
matemáticas podem ser integradas no dia a dia da sala de aula de Matemática em vez de constituírem um
trabalho periférico. Tendo por base dois episódios, um relativo à aprendizagem inicial dos números racio-
nais no 5.º ano e outro relativo à aprendizagem da linguagem algébrica no 7.º ano, mostramos como tare-
fas deste tipo podem ser apresentadas aos alunos tendo em atenção a necessária interpretação, proporcio-
nar momentos significativos de trabalho autónomo, e conduzir a discussões coletivas muito participadas.
Deste modo, são tarefas que proporcionam um funcionamento da sala de aula com características inova-
doras em relação ao ensino convencional baseado na exposição de conceitos e procedimentos, apresenta-
ção de exemplos e prática de exercícios, e com resultados muito mais positivos em termos de aprendiza-
gem.
Abstract. In this paper we show that, as a curriculum feature, mathematical explorations and investiga-
tions, instead of being just a peripheral activity, may be an integral part of the daily work of the mathe-
matics classroom. Based on two episodes, one when students begin learning rational numbers in grade 5
and the other when they learn algebraic language in grade 7, we show how such tasks can be presented to
students taking into account the necessary interpretation, provide significant moments of autonomous
work, and lead to widely participated group discussions. Thus, we argue that such tasks support an inno-
vative mathematics classroom in relation to formal teaching based on the exposition of concepts and
procedures, presentation of examples and practice of exercises, and with much more positive results in
terms of students learning.
Introdução
1
Ponte, J. P., Quaresma, M., & Branco, N. (2011). Tarefas de exploração e investigação na aula de Ma-
temática. Educação Matemática em Foco, 1(1), 9-29.
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia
no âmbito do Projeto Práticas Profissionais dos Professores de Matemática (contrato PTDC/CPE-
CED/098931/2008).
1
ção desta estratégia e uma reflexão sobre os resultados obtidos. No entanto, distinguin-
do-se dos problemas de Matemática que indicam com grande concisão o que é dado e o
que é pedido, estas tarefas contêm um elemento de indefinição ou de abertura, reque-
rendo uma atenção especial à sua formulação, por parte de quem os resolve (Ponte, Bro-
cardo & Oliveira, 2003).
Note-se, porém, que nos problemas clássicos há lugar a momentos de exploração
e investigação. É possível colocar hipóteses, particularizando as condições dadas ou
formulando conjeturas acerca da possível solução, e analisar quais as consequências.
Além disso, muitos problemas permitem que se inventarie todos os casos possíveis, para
serem estudados um a um e verificar quais os que satisfazem certa condição. Noutros
problemas é possível gerar dados a partir do enunciado e explorar regularidades nesses
mesmos dados. No entanto, as tarefas de exploração e investigação têm a característica
distintiva de requererem sempre um trabalho atento de interpretação da situação, a pre-
cisar ou reformular as questões a investigar e a construir representações apropriadas.
Mais do que um contexto para aplicar conceitos já aprendidos, estas tarefas servem
principalmente para promover o desenvolvimento de novos conceitos e para aprender
novas representações e procedimentos matemáticos.
A resolução de problemas constitui uma importante orientação curricular, que se
afirmou sobretudo desde a publicação da Agenda para a ação do NCTM (1980). Neste
documento proclamava-se que “a resolução de problemas deve ser o foco da Matemáti-
ca escolar” (p. 1). Mais tarde, os programas portugueses (ME, 1991) diziam que “o de-
senvolvimento da capacidade de resolver problemas é um eixo organizador do ensino da
Matemática” (p. 194). Como consequência, a “resolução de problemas” ganhou uma
conotação positiva entre os professores e os autores de manuais, como correspondendo
a uma atividade necessária e importante no ensino da Matemática. No entanto, o seu
lugar nas práticas profissionais dos professores revelou-se problemático. Uma das estra-
tégias seguidas por muitos professores foi o estabelecimento de práticas como o “pro-
blema da semana” ou o “problema do mês”. As aulas continuavam a decorrer como até
aí, com a diferença que, de tempos a tempos, num momento especial, se realizava um
problema que, com frequência, pouco tinha a ver com o que estava a ser trabalhado nas
aulas. Por outro lado, em especial nos primeiros anos, continuaram a usar-se os proble-
mas verbais (word problems) de sempre, por vezes com alguma má consciência por se
sentir que se tratava de simples exercícios em que era preciso “fazer uma conta”, disfar-
çados de problemas. Começou a sentir-se que a valorização curricular da resolução de
problemas não estava a corresponder ao previsto e, perante as dificuldades de concreti-
zação produtiva na sala de aula, chegou-se a um impasse (Ponte & Canavarro, 2003).
Era necessário perceber melhor que tipos de problemas valorizar e como os trabalhar
com os alunos.
O uso crescente de instrumentos tecnológicos na sala de aula, em especial o
computador, é, provavelmente o principal factor responsável pela divulgação e crescen-
te aceitação das tarefas de exploração e investigação. Na verdade, as tecnologias permi-
tem simular com facilidade situações complexas que, de outro modo, teríamos dificul-
dade de estudar. Permitem verificar o que acontece num grande número de casos, favo-
recendo a formulação e teste de conjeturas. Não é por acaso que um interessante artigo
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que discute de forma aprofundada as possibilidades da tecnologia para o trabalho de
cunho investigativo por parte dos alunos tenha sido escrito precisamente por Seymour
Papert (1971/1991), o criador da linguagem Logo.
No entanto, mesmo sem tecnologia é possível explorar muitas situações em ter-
mos matemáticos. Neste sentido, as explorações e investigações têm muito de modela-
ção – criar uma representação que sirva de base a um modelo matemático da situação
dada. Mas também têm uma vertente importante de trabalho matemático como trabalhar
com definições, classificar objetos, relacionar propriedades. Os dois termos, exploração
e investigação, têm vindo a ser cada vez mais usados, sem que exista uma linha de de-
marcação nítida entre eles – falamos de investigações quando se trata de tarefas num
contexto matemático mais sofisticado com um considerável grau de desafio matemático
e de explorações quando se trata de situações que permitem um fácil envolvimento da
generalidade dos alunos.
Neste artigo apresentamos duas situações, relatadas em pesquisas recentes, tendo
por base trabalho exploratório e investigativo realizado pelos alunos na sala de aula,
procurando mostrar como este trabalho se insere de modo natural no processo de apren-
dizagem de importantes conceitos e representações matemáticas por parte dos alunos. O
nosso objetivo é evidenciar que, em vez de constituir um trabalho à parte, as explora-
ções e investigações constituem tarefas que proporcionam um modo de funcionamento
da sala de aula com características inovadoras em relação ao ensino convencional em
que o professor expõe novos conceitos e procedimentos, apresenta um ou dois exemplos
e passa exercícios para os alunos praticarem e memorizarem. Procuramos, sobretudo,
evidenciar as aprendizagens que os alunos realizam neste novo contexto de trabalho.
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Dobras e mais dobras
2. Compara as partes das três tiras obtidas por dobragem. Regista as tuas conclusões.
3. Em cada uma das tiras, determina a razão entre cada um dos comprimentos das partes obtidas
após as dobragens e o comprimento da tira. Regista as tuas conclusões.
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num momento posterior, é feita uma nova discussão bem como a síntese do trabalho
realizado. Temos assim diversos ciclos com três momentos diferenciados – apresenta-
ção e negociação da tarefa, trabalho autónomo dos alunos e discussão coletiva.
Apresentação da tarefa. Logo no início, os alunos mostram alguma dificuldade
em interpretar o enunciado. Deste modo, a realização de cada uma das questões é ante-
cedida por um momento de discussão em que se negoceia na turma o significado dos
diversos termos que embaraçam os alunos. Assim, na questão 1, a professora opta por
realizar a representação da dobragem da primeira tira em duas em grande grupo. Dese-
nha a tira no quadro, representando também pictoricamente a parte da tira a considerar
e, de seguida, pede aos alunos que digam que parte da tira está pintada. Usando a repre-
sentação verbal, muitos alunos dizem que está pintada “metade da tira”. Depois, a pro-
fessora continua a insistir noutra forma de representar aquela parte e, a partir da repre-
sentação verbal “metade”, alguns alunos sugerem a representação decimal 0,5. A pro-
fessora pede ainda outras formas de representação e dois alunos indicam a fração “um
de dois”. Finalmente, como os alunos não indicam mais nenhuma representação, a pro-
fessora pergunta: “e se eu quisesse representar em percentagem? Também podia?” De
imediato, a maior parte diz que é 50%. Esta discussão coletiva inicial representa a nego-
ciação de uma parte da primeira questão, que permite a continuação do trabalho.
Trabalho dos alunos. Depois da discussão inicial, que permite ultrapassar as dú-
vidas existentes, os alunos mostram-se bastante mais motivados e começam rapidamen-
te a trabalhar nos pontos seguintes da questão 1. Durante a sua realização, a professora
procura ter a noção do que vai sendo feito nos diversos grupos, mantendo-se atenta às
descobertas realizadas e a novas dúvidas que possam surgir. Tendo por referência a si-
tuação anterior, os alunos não mostram qualquer dificuldade em chegar a diversas re-
presentações de da tira e concluem que = 0,25. No entanto, mostram bastante difi-
culdade em chegar à representação decimal de , pois não conseguem encontrar metade
de 0,25, mostrando alguma insegurança no uso do sistema de numeração decimal. Após
a resolução da questão 1, a professora pede aos alunos que colem as tiras de papel na
ficha de trabalho, para conseguirem comunicar à turma as suas descobertas. Assim, as
representações ativas (tiras de papel) passam a representações pictóricas, e vão estar na
base da resolução das questões 2 e 3.
A resolução da questão 2 também é precedida por uma negociação do trabalho a
desenvolver, pois os alunos mostram dificuldade em compreender o que é “comparar as
três partes obtidas”. A professora começa por mostrar as duas primeiras tiras ( e ) e
pede aos alunos que as comparem. A visualização leva os alunos a concluir que é me-
tade de e este é o mote para se dar início ao trabalho nos grupos.
Mais adiante, na questão 3, a professora também sente necessidade de ajudar os
alunos a compreender o enunciado. Como as tiras de papel têm medidas diferentes, opta
por lhes pedir que considerem que todas as que medem 20 cm e, a partir daí, os alunos
chegam com facilidade a uma noção informal de razão.
Discussão. No início da discussão coletiva da questão 1, para apoiar a participa-
ção dos alunos, a professora pede a cada grupo que afixe no quadro o trabalho que reali-
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zou. De seguida, pede ao primeiro grupo que apresente o seu trabalho à turma. Diana, a
porta-voz, diz “Na figura B escrevemos: quarta-parte; 1 por 4 ( ); 1 a dividir por 4; 25%
e 0,4”. Os alunos se apercebem do erro da colega ao referir que o número decimal que
representa esta situação é 0,4. Como nenhum repara no erro, a professora prossegue
para a apresentação dos outros grupos e pede a Tiago para apresentar o trabalho desen-
volvido pelo seu grupo (Figura 1):
Tiago: Então nós temos: quarta parte; um sobre quatro (); um a dividir por qua-
tro; 25% e 0,25.
Professora: (…) Concordas Diana?
Diana: Sim…?
Turma: Não! Está mal…
Professora: O que é que está mal?
Rui: É o 0,25…
Professora: Porquê?
Rui: Porque é a quarta parte.
Daniel: É 0,25 porque é a metade do primeiro. O primeiro era 50, se fizermos a
metade é 25.
André: Oh professora! Eu acho que é o 0,25 porque é a quarta-parte do 100.
Porque 25 vezes 4 dá 100.
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compreensão do sistema de numeração decimal e não se lembram de acrescentar um
zero para ficarem com 0,250 e a partir daí chegarem a 0,125.
É Tiago quem indica resposta correta, mas é André que a justifica estabelecendo
a relação com a unidade.
Na questão 2, todos os grupos conseguem estabelecer algumas relações entre as
partes e só alguns conseguem comparar todas as tiras. Todos os grupos usam apenas a
linguagem verbal para exprimir essas relações. Eis um exemplo (Figura 3):
O grupo de André, para além das relações simples, “metade” e “dobro”, estabe-
leceu relações mais complexas de “quádruplo” (tendo por base “dobro” do “dobro”) e
“quarta parte” (“quarta metade” no seu dizer, para significar “metade de metade”). For-
mulações idênticas foram apresentadas pelo grupo de Mariana. Na discussão desta ques-
tão a professora pede a cada grupo que indique uma das relações que encontrou. Como
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os alunos só usam a representação verbal, pede-lhes, que usem também a linguagem
matemática:
É de notar que os alunos usam ainda uma linguagem espontânea para falar das
frações (“um de quatro”, “um traço oito”), linguagem esta que a professora vai corrigin-
do a pouco e pouco.
Apesar das dificuldades apresentadas, os alunos conseguem encontrar as princi-
pais relações existentes entre , e utilizando, essencialmente, as representações ativas
(ou seja, as tiras). Os alunos conseguem, autonomamente, comparar as três frações apre-
sentadas, o que os ajuda bastante na compreensão dos números racionais, especialmente
no que respeita ao significado parte-todo e à compreensão da magnitude de um número
racional. Exprimem essas relações em linguagem verbal e mostram dificuldades em
representá-las utilizando a linguagem matemática. Esta foi a primeira aula de ensino
formal deste tópico, pelo que, é natural que os alunos ainda tenham bastantes dificulda-
des com a linguagem própria das frações.
A questão 3 tem como objetivo desenvolver nos alunos a compreensão de núme-
ro racional como razão. Para facilitar a resolução e tendo em conta que esta é a primeira
aula sobre o tema, a professora estabelece um número “simpático” para a medida da
tira, 20 cm. Os alunos apoiam-se nas relações entre as partes da tira, discutidas na ques-
tão anterior, para descobrirem o comprimento de cada parte, que representam do seguin-
te modo (Figura 4):
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Apesar de conseguirem estabelecer uma relação entre o comprimento total das
tiras e o comprimento das partes, os alunos não usam a representação simbólica de ra-
zão em fração, mas já a exprimem em linguagem verbal:
Professora: Então vamos ver que a que conclusões chegaram. Que relação en-
contraram entre o comprimento da tira e o comprimento da primeira parte?
Luís: A metade mede 10 cm. Ou seja, se a tira mede 20, a metade é 10. Que é
20 a dividir por 2.
Professora: Então qual é a relação entre o comprimento da parte e do todo?
Vários alunos: É a metade.
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Desenvolvendo o pensamento algébrico
Atravessando o rio
1. Seis adultos e duas crianças pretendem atravessar um rio. O pequeno barco que está disponí-
vel apenas pode levar um adulto ou uma ou duas crianças (ou seja, existem três possibilidades:
1 adulto no barco; 2 crianças no barco; 1 criança no barco). Qualquer pessoa pode conduzir o
barco. Quantas vezes o barco tem de atravessar o rio até todos estarem na outra margem?
2. O que acontece se quiserem atravessar o rio:
- 8 adultos e 2 crianças;
- 15 adultos e 2 crianças;
- 3 adultos e 2 crianças.
3. Podem descrever, por palavras, como resolvem o problema se o grupo de pessoas for consti-
tuído por duas crianças e um número qualquer de adultos? Verifiquem se a vossa regra funcio-
na para 100 adultos?
4. Escrevam uma fórmula para um número de adultos A e duas crianças.
5. Um grupo de adultos e duas crianças fizeram 27 viagens para atravessar o rio. Quantos adul-
tos faziam parte deste grupo?
6. O que acontece se mudar o número de crianças? Verifiquem o que muda na fórmula
que escreveram anteriormente, nos seguintes exemplos:
- 6 adultos e 3 crianças;
- 6 adultos e 4 crianças;
- 8 adultos e 4 crianças;
- A adultos e 7 crianças.
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resultados obtidos. Os seus objetivos são promover nos alunos a capacidade de (i) en-
contrar regularidades e generalizá-las, (ii) utilizar e interpretar a linguagem algébrica, e
(iii) analisar a influência da variação das condições nas soluções encontradas. Note-se
que a tarefa está formulada em linguagem natural, mas a sua resolução depende de se
encontrar uma representação adequada e da interpretação dos resultados matemáticos
obtidos.
A consideração de um número fixo de crianças e um número variável de adultos
dá origem à exploração de uma sequência (1 adulto, 2 adultos, etc.). Essa exploração
torna-se mais complexa com a consideração de um número variável de crianças e um
número variável de adultos dá origem a uma família de sequências, aprofundando a in-
vestigação feita pelos alunos. A tarefa foi proposta numa turma de 7.º ano de escolari-
dade, depois de realizadas duas tarefas com sequências pictóricas que proporcionaram o
início da utilização da linguagem algébrica. Também neste caso, a realização da tarefa
envolve momentos da aula com dinâmicas distintas. Proporciona momentos de apresen-
tação/negociação, de trabalho autónomo dos alunos (aqui aos pares, com discussão entre
os alunos e acompanhado pela professora) e de discussão colectiva. A cada momento de
trabalho autónomo segue-se uma discussão colectiva, ciclo que se repete várias vezes. A
realização da tarefa encerra com uma síntese final.
Apresentação da tarefa. A professora organiza os alunos em pares para discuti-
rem entre si a situação e formularem estratégias de resolução. Na apresentação da tarefa,
salienta as condições dadas para as viagens. Os alunos começam a trabalhar, simulando
as primeiras viagens e discutindo várias possibilidades. Contudo, a situação revela-se
confusa e os alunos colocam questões à professora para esclarecer as condições dadas e
para discutirem as suas primeiras hipóteses. Gera-se um ambiente de alguma agitação.
Neste ponto a professora considera que se impõe um momento de diálogo cole-
tivo que ajude os alunos a compreender e interiorizar as condições da situação proposta.
Solicita então a atenção de toda a turma e, seguindo a sugestão de um par de alunos,
pergunta o que acontece se na primeira viagem o barco for conduzido por um adulto. Os
alunos verificam a necessidade de a primeira viagem ser realizada por duas crianças de
modo a permitir que o barco regresse à margem de partida, sendo novamente conduzido
por uma criança. A professora questiona quem pode seguir no barco nas viagens seguin-
tes e remete os alunos de novo para o trabalho autónomo. Antes disso, alerta toda a tur-
ma que se pretende determinar o número mínimo de viagens, devendo evitar-se a reali-
zação de viagens por adultos que têm de regressar com o barco.
Trabalho dos alunos. Os alunos voltam a experimentar várias possibilidades e
verificam que algumas delas criam situações em que o adulto tem de regressar com o
barco sem que passe efetivamente mais um adulto para a outra margem. Alguns pares
tentam, ainda, colocar um adulto e as duas crianças numa viagem ou um adulto e uma
criança. O diálogo seguinte, entre Diana e a professora, mostra como nesta fase os alu-
nos ainda estão a tentar compreender as condições dadas:
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Diana – Já percebi. Vão duas crianças para lá, depois uma vem. Depois ela fica
lá e vem um adulto.
Professora – Certo.
Diana – Depois a outra criança vem e vai outro adulto.
Professora – Sim. E vão ficar aqui dois adultos. Quem é que vai levar o barco
para lá?
Diana – Pois!?
Diana e Mariana simulam as viagens e, tal como outros pares, acabam por indi-
car corretamente as quatro primeiras viagens. Contudo, sugerem que a quinta viagem
seja feita por um adulto, ficando novamente com a situação em que o adulto terá de re-
gressar com o barco. Durante algum tempo, os alunos continuam a sua exploração de
modo autónomo, sendo este trabalho acompanhado pela professora que se desloca junto
deles. Todos os pares verificam que a quinta viagem deve ser realizada, novamente,
pelas duas crianças. Na sequência, vão pensando nas viagens necessárias até todos os
membros do grupo estarem na outra margem. Os vários pares de alunos usam diferentes
representações. Alguns descrevem em linguagem natural todas as viagens, outros pro-
duzem esquemas ou associam representações icónicas e simbólicas (Figuras 5 e 6):
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cinco viagens e apenas apresentas as quatro viagens que se repetem para cada adulto
passar de margem (Figura 7):
Estas alunas partem da situação anterior, em que havia seis adultos e duas crian-
ças, e indicam que para se transportar mais dois adultos é preciso realizar mais quatro
viagens por cada um.
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Discussão. Quando a maioria dos alunos termina a questão 2, a professora pro-
move um momento de discussão de modo a aferir a compreensão dos alunos da situação
e confrontar as suas diferentes representações. Verifica-se que algumas representações
possibilitam rapidamente a identificação da regularidade, como é o caso das indicadas
nas Figuras 5, 6 e 7. Contudo, o mesmo não acontece com a representação em lingua-
gem natural usada por Susana e Cila (Figura 10), que não completam a sua resposta:
Fazemos oito adultos vezes o número de viagens que eles têm de fazer
para levarem um adulto para a margem e fazemos mais um que é o nú-
mero que as crianças fazem de volta.
Trabalho dos alunos e nova discussão. Com base na discussão anterior e nas
conclusões a que chegam, os alunos dão continuidade ao trabalho autónomo nas ques-
tões 3, 4 e 5, que resolvem rapidamente. Assim, a questão 3 solicita que descrevam o
modo como procedem qualquer que seja o número de adultos. A maioria dos alunos dá
a sua resposta em linguagem natural mas alguns associam a linguagem natural à lingua-
gem simbólica, como Joana e Catarina (Figura 11):
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No momento da discussão, Susana apresenta a sua regra para determinar o nú-
mero total de viagens. Usando as suas próprias palavras indica uma vez mais o signifi-
cado que atribui à expressão:
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Esta questão possibilita a discussão da adequação do resultado e da resposta a
dar tendo em conta o contexto, promovendo a interpretação do resultado matemático
obtido.
A questão 6 introduz uma nova variante, o número de crianças, sendo necessário
estudar a influência desta condição na regra encontrada anteriormente. Os alunos são
chamados a explorar a influência da variação do número de crianças na necessidade de
viagens. Após a análise desta nova situação, verificam que isso não altera o conjunto de
quatro viagens que é necessário fazer para que um adulto mude de margem. Com duas
crianças, além do conjunto de quatro viagens por cada adulto, realizam uma viagem no
final para transportar uma criança. No caso de terem três crianças identificam que ape-
nas o número de viagens no final se altera, verificando que é necessário realizar mais
duas viagens para que a terceira criança também mude de margem. Tendo mais duas, ou
seja, quatro crianças no total, fazem duas viagens por cada criança, ou seja, duas vezes
duas viagens. Respondem a cada uma das situações com base nos esquemas particula-
res, sem estabelecerem uma generalização. A professora promove uma discussão coleti-
va desta última questão pois alguns alunos manifestam dificuldade em compreender.
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Figura 12 – Resposta de Joana e Catarina após a discussão na Questão 6
Discussão e conclusão
As aulas acima indicadas têm por base tarefas de exploração e investigação des-
tinadas a promover aprendizagens importantes. Na resolução da tarefa “Dobras e mais
dobras” os alunos utilizam estratégias de visualização apoiadas nas representações ati-
vas e pictóricas. Usam com facilidade a representação decimal, embora tenham dela
uma compreensão ainda limitada. Usam também representações verbais mas mostram
não conhecer a linguagem específica das frações. Com a realização desta tarefa, os alu-
nos desenvolvem a sua capacidade de usar os diversos tipos de representação dos núme-
ros racionais, em especial as frações e a linguagem verbal que lhes estão associadas e
recordam a representação em percentagem. Utilizam também como estratégia o referen-
cial de metade (Post, Behr & Lesh, 1986) para relacionar as diferentes partes de uma
tira, mostrando perceber o padrão em causa e usam esse conhecimento para chegar às
representações seguintes sem partir sempre da unidade. Além disso, concluem que à
medida que aumenta o número de partes, estas ficam cada vez menores. Deste modo,
estabelecem diversas relações multiplicativas entre , e que os ajudam no desenvol-
vimento do sentido de número racional.
A realização desta tarefa permite atingir a generalidade dos objetivos previstos
pela professora. Assim, os alunos conseguem reconhecer várias representações de nú-
mero racional e enunciam por si próprios regras para converter numerais decimais em
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percentagem, apesar de por vezes não as aplicarem nas questões seguintes. Comparam
diversos números racionais nas representações ativa e pictórica e estabelecem relações
multiplicativas simples (dobro, metade) e um pouco mais complexas (quádruplo, um
quarto). Mostram algum sentido de frações equivalentes e conseguem comparar as três
frações apresentadas, embora, como seria de esperar, não cheguem a representar a razão
como fração. No entanto, na realização da tarefa, os alunos revelam duas dificuldades
significativas. A primeira, de natureza geral, tem a ver com a compreensão do enuncia-
do das questões quando este envolve termos cujo significado não lhes é familiar. A se-
gunda, mais específica, tem a ver com a insegurança observada no trabalho com nume-
rais decimais, já aprendidos no 1.º ciclo. Estas dificuldades, registadas pela professora,
foram objeto de atenção nas aulas subsequentes.
Os resultados globais desta experiência de ensino (Quaresma, 2010) mostram
que os alunos melhoram a sua compreensão da representação fraccionária e da percen-
tagem e até da representação decimal. Além disso, desenvolvem a sua compreensão da
comparação e ordenação dos números racionais, utilizando, sobretudo, a representação
decimal. A hipótese de ensino-aprendizagem é sustentada pela compreensão que os alu-
nos revelam dos números racionais, mostrando perceber que um número racional pode
ser representado de diversas formas e mostrando flexibilidade na escolha da representa-
ção mais adequada e com a qual conseguem resolver as tarefas propostas.
A realização da tarefa “Atravessando o rio” atinge também os objectivos previs-
tos pela professora. A exploração inicial realizada pelos alunos, de modo informal, le-
va-os a formular uma generalização e, posteriormente, estudar de modo mais formal a
situação. Deste modo, constroem as suas representações da situação e o uso da letra
surge de modo natural, com o significado de número generalizado. A apresentação das
descobertas dos alunos, por eles próprios, usando as suas palavras e os seus esquemas e
símbolos, permite uma melhor compreensão da situação e a atribuição de significado à
generalização que expressam em linguagem algébrica. Os alunos desenvolvem também
a sua capacidade de interpretação da linguagem algébrica a partir da sua análise de dife-
rentes expressões, nomeadamente no que respeita à utilização de propriedades das ope-
rações. Finalmente, analisam a influência da variação do número de adultos e do núme-
ro de crianças no número de travessias necessária. Generalizam esta situação usando a
linguagem natural e símbolos matemáticos, identificando a necessidade de realizar duas
viagens por cada criança que acresce a um grupo de A adultos e duas crianças.
Os momentos de trabalho autónomo em pares possibilitam aos alunos progredir
na interpretação da situação e na procura de respostas e discutir de modo detalhado vá-
rias possibilidades. As discussões coletivas, numa fase inicial ajudam a compreensão da
situação, numa fase intermédia permitem a partilha de representações e a identificação
de regularidades de modo a que todos consigam progredir nas questões seguintes e nu-
ma fase final, favorecem a sistematização de conclusões e dos resultados obtidos, bem
como a análise de situações mais complexas.
Os resultados globais desta experiência de ensino (Branco, 2008) mostram que
os alunos desenvolveram alguns aspetos do pensamento algébrico, nomeadamente a
capacidade de generalizar e de usar a linguagem algébrica para expressar as suas gene-
ralizações, sustentando também a hipótese de ensino-aprendizagem. No entanto, a evo-
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lução dos alunos não é igualmente significativa em todos os temas abordados. Na reso-
lução de problemas envolvendo equações, privilegiam estratégias aritméticas e manifes-
tam alguma dificuldade em usar a linguagem algébrica para representar as situações
propostas. Revelam evolução na compreensão da linguagem algébrica relativa aos dife-
rentes significados dos símbolos em diversos contextos e ao significado e à manipulação
de expressões mas, em diversos aspetos específicos essa compreensão é ainda frágil,
sugerindo que terão ainda um longo caminho a percorrer com vista ao desenvolvimento
do pensamento algébrico.
Deve notar-se que, para além da natureza exploratória e investigativa das tarefas,
estes resultados decorrem também da estrutura da aula e do estilo de comunicação pro-
movido pelas professoras. Ambas as aulas decorreram em ciclos compostos de (i) apre-
sentação e interpretação da tarefa, (ii) trabalho autónomo dos alunos em pares ou gru-
pos, e (iii) discussão coletiva. O trabalho foi concluído com uma síntese das ideias prin-
cipais. O estilo de comunicação promovidos pelas professoras procurou valorizar as
contribuições dos alunos, valorizando a argumentação e contra-argumentação entre eles.
Trata-se de um tipo de aula que tem vindo a ser cada vez mais utilizado em Portugal, no
âmbito do novo programa de Matemática do ensino básico, com resultados muito posi-
tivos em termos de aprendizagem (Ponte, Nunes & Quaresma, em publicação).
As situações que apresentamos mostram que as tarefas de exploração e investi-
gação podem constituir a base do trabalho quotidiano na sala de aula, tendo em vista a
aprendizagem dos conceitos, representações e procedimentos que constituem o núcleo
central do currículo de Matemática, ao mesmo tempo que constituem um terreno favo-
rável para o desenvolvimento de capacidades transversais como o raciocínio e a comu-
nicação matemática. Ao contrário dos problemas que, como vimos, tendem a assumir
um papel marginal nas práticas dos professores, verificamos que a realização do ensino
tendo por base explorações e investigações pode ser naturalmente integrada no ensi-
no-aprendizagem dos mais diversos tópicos matemáticos. O desenvolvimento das con-
dições para que isso aconteça em cada contexto educativo coloca, certamente, interes-
santes desafios aos professores e aos educadores matemáticos que nele atuam.
Referências
Behr, M. & Post, T. (1992). Teaching rational number and decimal concepts. In T. Post
(Ed.), Teaching mathematics in grades K-8: Research-based methods (2nd ed.)
(pp. 201-248). Boston, MA: Allyn and Bacon.
Blanton, M., & Kaput, J. (2005). Characterising a classroom practice that promotes al-
gebraic reasoning. Journal for Research in Mathematics Education, 36(5), 412-
446.
Branco, N. (2008). O estudo de padrões e regularidades no desenvolvimento do pensa-
mento algébrico (Dissertação de mestrado, Universidade de Lisboa). Disponível
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