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Cap 3 - Flexão - Morfema) )

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Flexão nominal CAPÍTULO 03

3 Flexão Nominal
No capítulo II da Unidade A, estudamos os diferentes tipos de morfemas, as
respectivas funções, a hierarquia e o ordenamento, entre outros aspectos relevantes
na descrição e análise mórfica. Vamos agora focalizar uma característica específica
dos nomes e pronomes, que é a flexão de gênero (masculino e feminino) e de núme-
ro (singular e plural). Vamos demonstrar, também, que grau não é flexão.

3.1 Morfemas flexionais (desinências)


Já tivemos oportunidade de falar a respeito dos morfemas flexio-
nais, ou simplesmente desinências. Esses morfemas constituem uma
classe fechada, obrigatória, e se prestam para representar noções grama-
ticais de gênero, número, modo, tempo e pessoa. Como tal, podem ser
listados exaustivamente.

Entre as classes de vocábulos que se submetem aos processos de


flexão – por isso, considerados vocábulos variáveis – citam-se: de um
lado, os nomes (substantivos, adjetivos, pronomes, artigos e numerais)
e, de outro, os verbos.

As desinências nominais classificam-se em: desinências de gêne-


ro (masculino e feminino) e desinências de número (singular e plural).

As desinências verbais classificam-se em: desinências modo-tem-


porais (tempo e modo do verbo) e desinências número-pessoais (núme-
ro e pessoa da forma verbal).

Observe o seguinte esquema sinótico:

masculino
de gênero
de nomes e feminino
pronomes singular
de número
plural
Flexão

de modo e tempo
de verbos
de número e pessoa

No nível sintático, a flexão impõe normas de concordância, de tal

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Morfologia do Português

modo que os vocábulos subordinados a um substantivo, por exemplo,


devem com ele concordar em gênero e número. Combinado com um
substantivo feminino plural só cabe um adjetivo, ou um artigo, ou um
pronome adjetivo no feminino plural. Se o sujeito da oração estiver na
terceira pessoa do plural, o verbo deverá obrigatoriamente flexionar-se
na terceira pessoa do plural.

Ao contrário do que ocorre nos processos de formação de novos


vocábulos, nos quais os falantes têm a liberdade de utilizar prefixos ou
sufixos, no sistema flexional da língua há imposições gramaticais, sem
opção de inovação ou criação.

Neste capítulo, trataremos em particular da flexão dos nomes, que


se desdobra em flexão de gênero e flexão de número, e da flexão dos ver-
bos, que se desdobra em flexão de modo e tempo e de pessoa e número.

3.2 Estrutura mórfica dos nomes


O nome às vezes é formado por um único morfema: o radical pri-
mário ou raiz. Esse radical, no entanto, pode ser ampliado por meio
de morfemas derivacionais (prefixos e sufixos) e morfemas flexionais
(desinências de gênero e de número). Além disso, podem ocorrer vogais
temáticas e vogais de ligação.

Levando isso em consideração, observemos a estrutura mórfica dos


nomes abaixo:

NOME SD RAIZ VL SD SD VT DG DN
1. anzol anzol
2. folhetins folh- -et- -in- -s
3. ele el- -e
4. elas el- -a- -s
5. finalzinho fim- -al- -zinh- -o
6. desatualizados des- -atual- -iz- -ad- -o- -s
7. atualizada atual- -iz- -ad- -a
8. afinadíssimos a- -fin- -ad- -íssim- -o- -s
9. florezinhas flor- -e- -zinh- -a- -s
10. terceiro terc- -eir- -o

Em princípio, podemos dizer que os nomes caracterizam-se mor-

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Flexão nominal CAPÍTULO 03
ficamente pela possibilidade de apresentar desinências de gênero e de
número, o que é próprio dos substantivos e adjetivos (verdadeiros no-
mes), uma vez que pronomes, artigos e numerais ora são substantivos,
ora são adjetivos, de acordo com o sentido e a função que exercem na
estrutura sintagmática (ou frasal). Por outro lado, devemos considerar
que qualquer palavra pode substantivar-se e, como tal, submeter-se Trataremos oportunamen-
te da classificação dos
aos processos flexionais e mesmo derivacionais específicos dos nomes, vocábulos, com base em
como: os sins, os nãos, os prós, os contras, o fazer, uma mãozinha, critérios mórficos, sintáti-
cos e semânticos.
agorinha, um quezinho, um ai, euzinha etc.

Também devemos observar que nem todo nome possui as subca-


tegorias de gênero e número. Estruturalmente, só existe flexão se uma
categoria se opuser a outras. Assim, uma palavra só pode apresentar a
marca de feminino, isto é, a desinência [a], se existir uma forma mascu-
lina correspondente. Do mesmo modo, não há desinência de plural [s]
se não houver a forma correspondente no singular.

3.3 Flexão e grau

A Nomenclatura Gramatical Brasileira afirma que os nomes (subs-


tantivos e adjetivos), além de flexionarem-se em gênero e número, tam- Instituída pela Portaria
n◦ 36, de 28-01-1959, do
bém se flexionam em grau. Trata-se, a rigor, de um equívoco, pois os Ministério da Educação e
graus aumentativos e diminutivos dos substantivos, quando realizados Cultura. Esse documento
encontra-se disponível
através de sufixos, caracterizam-se como processos morfológicos deri- nas páginas iniciais do
vacionais (carrão, carrinho; bolão, bolinha) e, quando realizados por Novo Dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa, publi-
meio de adjetivos grande e pequeno, caracterizam-se como processos cado pela Editora Nova
sintáticos. Igualmente os adjetivos, que se submetem aos graus compa- Fronteira.

rativo e superlativo, o fazem através de processos morfológicos deriva-


cionais ou por meio de expedientes de natureza sintática.

Exemplos:

Ӳ Espertinho (diminutivo)

Ӳ Espertalhão (aumentativo)

Ӳ Tão esperto quanto (comparação de igualdade)

Ӳ Mais esperto do que (comparação de superioridade)

Ӳ Menos esperto do que (comparação de inferioridade)

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Morfologia do Português

Ӳ Espertíssimo (superlativo)

Como se vê, o grau não se submete ao caráter obrigatório e sistemá-


tico próprio do mecanismo flexional. Além disso, como afirma Montei-
ro (2002, p. 81), existem diversas outras possibilidades de formação do
grau superlativo, entre as quais:

a) Repetição do adjetivo: “Foi lindo, lindo, lindo!” (= lindíssimo);

b) Uso de formas aumentativas: “Que rapaz bonitão!” (bonitís-


simo);

c) Uso de formas diminutivas: “Ele é o queridinho da mamãe.”


(= queridíssimo);

d) Emprego de prefixos [super], [hiper], [ultra] etc.: “Meu com-


putador é hiper-rápido.” (= rapidíssimo);

e) Breves comparações: “Grosso como porca de patrola.” (= mui-


to grosso);

f) Expressões idiomáticas: “Ela é linda de morrer!” (= lindíssi-


ma).

Por outro lado, devemos considerar que a formação do grau não se


submete a qualquer vínculo de concordância entre adjetivos e substanti-
vos. Em moço educadíssimo, o substantivo moço não apresenta qualquer
marcação de grau. Do mesmo modo, podemos dizer boneca lindíssima
ou bonequinha linda, ou seja, não existe obrigatoriedade de dizer bo-
nequinha lindíssima.

Em resumo, “a expressão do grau não é um processo flexional em


português, porque não é um mecanismo obrigatório e coerente, e não
estabelece paradigmas exaustivos e de termos exclusivos entre si” (CÂ-
MARA JR., 1979, p. 83).

Para finalizar essa questão, convém lembrar que os gramáticos que


falam em flexão de grau encontram problemas em classificar os advér-
bios como palavra variável ou invariável, pois, a exemplo do adjetivo,
têm os graus comparativo e superlativo. Ora, quando se considera que
o grau não é flexão, tal problema deixa de existir, e o advérbio continua
sendo invariável.

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Flexão nominal CAPÍTULO 03
3.4 Flexão de gênero
Tradicionalmente, as gramáticas abordam com certa superficiali-
dade a questão de gênero, limitando-se a afirmar que, em português,
há dois gêneros (masculino e feminino) e fazendo certa confusão entre
gênero e sexo.

Em vista disso, é preciso fazer alguns esclarecimentos prévios.

3.4.1 O que significa gênero

Para começar, gênero significa bem mais do que sexo. Trata-se de


uma noção gramatical que se atribui a todos os substantivos, que são
ou masculinos ou femininos, independentemente de se referirem a se-
res sexuados ou não. Assim é que lápis, computador, relógio, cabelo,
assoalho são masculinos mesmo não tendo sexo; e, ao contrário, nas
mesmas condições, caneta, cebola, viola, maré, água são femininos.

Isso quer dizer que ser masculino ou feminino é, para a maioria


dos nomes, uma imposição gramatical que não interfere no significado.
Tanto isso é verdade que, ao longo do tempo, certos substantivos muda-
ram de gênero, como é o caso de carvalho que, em latim, era feminino,
e de cor e honra que, em latim, eram masculinos. Os neutros latinos
passaram ao português ora como masculinos, ora como femininos.

Também há substantivos que, no português atual, têm gênero va-


cilante: o/a soja, o/a cal, o/a chaminé, o/a dinamite, o/a cólera, o/a
diabete, o/a grama, o/a champanhe (champanha), o/a ioga etc. Pouco
importa a imposição normativa, pois o uso é indiferente às preocupa-
ções dogmáticas, oscilando entre uma e outra alternativa conforme a
região, o grupo social, o nível de escolaridade etc. Quem decide o uso
são os falantes.

Outros substantivos são indiferentes quanto ao gênero, ou melhor,


podem ser usados como masculinos ou femininos, sem haver flexão:
o/a analista, o/a personagem, o/a sentinela etc. Nesses casos, a oposi-
ção de gênero se manifesta através da concordância. Há, ainda, os subs-
tantivos de gênero único, que designam tanto os seres do sexo mascu-
lino, quanto os do sexo feminino, não ocorrendo nem a flexão, nem a

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Morfologia do Português

concordância: a onça, o jacaré, a cobra etc.

Acrescente-se, ainda, o fato de certos substantivos femininos mu-


darem para o gênero masculino quando empregados no grau aumen-
tativo: casarão, salão, facão, entre outros. Isso ocorre, inclusive, com
nomes que se referem a seres do sexo feminino: mulherão, potrancão,
cobrão etc.

Existe um grupo de substantivos para os quais o gênero, indicado


pela concordância, representa carga semântica, muda o significado, mas
ainda sem se referir ao sexo. Nesses casos, em geral, o masculino tem
uma aplicação mais genérica, e o feminino tem uma aplicação mais es-
pecífica.

o braço a braça
o cabeça a cabeça
o capital a capital
o porto a porta
o chinelo a chinela
o bolso a bolsa
o ovo a ova
o lotação a lotação
o lenho a lenha
o rádio a rádio
o sapato a sapata
o espinho a espinha
o cinto a cinta
o barco a barca

As alterações de significado provocadas pela alteração de gênero


vão além do interesse mórfico-descritivo, prestando-se, pois, para apro-
fundamentos de caráter semântico.

Por fim, há os substantivos que apresentam oposição de gênero


com base em motivações de ordem sexual, pois se referem a seres do
reino animal, como: lobo ≠ loba, cachorro ≠ cachorra, gato ≠ gata etc.
Somente nesses casos devemos falar em flexão de gênero. Quando os
indivíduos de sexos diferentes são representados por heterônimos, com
homem ≠ mulher, cavalo ≠ égua, boi ≠ vaca, não ocorre flexão. Isso
quer dizer que mulher não é o feminino de homem, mas tão somente

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Flexão nominal CAPÍTULO 03
um substantivo que tem a propriedade privativa de se referir às pessoas
do sexo feminino.

Em resumo: gênero é classificação gramatical obrigatória para to-


dos os substantivos; para muitos substantivos, o gênero não tem
qualquer valor semântico, cumprindo apenas o preceito gramatical
obrigatório; para outros substantivos, o gênero repercute na signi-
ficação, de forma variada e imprevisível; e, finalmente, em certos
substantivos pertinentes aos seres sexuados, o gênero apresenta
relação com o sexo.

Já se disse que todos os nomes têm gênero, porém nem todos se fle-
xionam em gênero. Com base na descrição de gênero que acabamos de
apresentar, os nomes, diferentemente do que sugere a NGB e as gramáti-
cas escolares, se distribuem em três grupos (CÂMARA JR., 1979, p. 92):

1) nomes substantivos de gênero único: (a) flor, (o) livro, (o) car-
ro, (a) mão, (a) lua, (o) avião, (o) cônjuge, (a) cobra, (o) jacaré
etc.

2) nomes substantivos de dois gêneros sem flexão: (o, a) artista,


(o, a) personagem, (o, a) mártir, (o, a) diplomata, (o, a) apren-
diz etc.

3) nomes substantivos de dois gêneros com flexão: (o) menino,


(a) menina; (o) doutor, (a) doutora; (o) peru, (a) perua etc.

A determinação de gênero se faz, na maioria dos casos, pela con-


cordância que se impõe aos determinantes (adjetivo, pronome adjetivo,
numeral ou principalmente artigo). Secundariamente, e somente para
os nomes substantivos do terceiro grupo, a determinação do gênero se
faz pela flexão, com adição da desinência [a] para o feminino. Nesses
casos, a desinência e a concordância tornam-se redundantes na função
de explicitar o gênero.

Dito isso, cabe esclarecer que a classificação da NGB em i) comuns


de dois gêneros, ii) sobrecomuns e iii) epicenos pouco contribui para o as-
sunto. Na verdade, não são casos de flexão. Os primeiros pertencem ao

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Morfologia do Português

grupo 2 anteriormente exposto; os outros incluem-se entre os do grupo


1, com a ressalva de que os sobrecomuns referem-se a homens e mulhe-
res, e os epicenos a animais.

Além da concordância e da flexão, o gênero dos nomes pode ser


determinado pela heteronímia, pela derivação sufixal e pela alomorfia
no radical.

A heteronímia consiste em expressar o gênero-sexo através de vo-


cábulos distintos.

Exemplos:

Ӳ pai –mãe

Ӳ homem – mulher

Ӳ genro – nora

Ӳ cão – cadela

Ӳ carneiro – ovelha

Ӳ zangão – abelha

Como você pode ver, esses heterônimos não são aparentados mor-
fologicamente, isto é, não têm o mesmo semantema, nem são derivados
uns dos outros.

Por outro lado, há certas oposições de gênero-sexo em que, além da


desinência de feminino, ocorre um sufixo derivacional.

Exemplos:

Ӳ cônsul – consulesa

Ӳ galo – galinha

Ӳ profeta – profetisa

Ӳ herói – heroína

Ӳ czar – czarina

A alomorfia no radical também pode reforçar a oposição de gêne-


ro-sexo.

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Flexão nominal CAPÍTULO 03
Exemplos:

Ӳ europeu – europeia

Ӳ teu – tua

Ӳ judeu – judia

Ӳ plebeu – plebeia

Ӳ ilhéu – ilhoa

Ӳ leão – leoa

3.4.2 A descrição do gênero

Na descrição do gênero, as formas masculinas são consideradas


não marcadas, como acontece também com a maior parte dos nomes
femininos. Somente os nomes aos quais se adiciona a desinência [a]
para o feminino, estabelecendo uma oposição privativa com a forma
correspondente masculina, são marcados quanto ao gênero. Por exem-
plo: pata em oposição a pato, viúva em oposição a viúvo etc.

“Há dois tipos de oposição na estrutura da língua: a privativa (ou


contraditória) e a equipolente (ou polar). Oposição privativa é aquela
em que a marca se opõe à ausência de marca numa forma corres-
pondente. Em bonito ≠ bonitos há oposição privativa porque o
[s] marca o plural em oposição ao vazio [Ø] no singular. A oposição
equipolente é a que ocorre entre formas que apresentam marcas
distintas, sem que nenhuma delas esteja ausente. Em viverei ≠
viveremos, o [mos] se opõe a [i] equipolentemente, uma vez que
ambas as desinências estão presentes” (MONTEIRO, 2002, p. 80).

Lembre-se de que as vogais átonas finais, com exceção da desinên-


cia [a] indicadora do gênero feminino, são vogais temáticas, conforme
se viu no tópico referente a esse assunto.

O esquema básico na descrição da estrutura flexional de gênero


é, portanto, o acréscimo da DG (desinência de gênero). Se ocorrerem
outras alterações formais, além da adição da desinência de feminino,

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Morfologia do Português

são mudanças morfofonêmicas secundárias, em geral condicionadas fo-


nologicamente. Há casos, no entanto, nos quais a oposição de gênero
não se faz por flexão, mas através da heteronímia, o que se constitui em
oposição equipolente, como explicamos alhures.

Para melhor explicitar as diferentes situações, apresentamos, com


base em Zanotto (1986), onze esquemas descritivos. São eles:

Esquema 1:

R + DG (radical, mais desinência de gênero).

Refere-se aos nomes atemáticos. Exemplos: autor ≠ autor-a, juiz


≠ juíz-a, peru ≠ peru-a, chinês ≠ chines-a, espanhol ≠ espanhol-a etc.

Esquema 2:

R – VT + DG (radical, menos vogal temática, mais desinência de


gênero).

Refere-se aos nomes temáticos. Neste caso, havendo acréscimo da


desinência [a], a vogal temática é suprimida. Exemplos: gato ≠ gat-a,
nosso ≠ noss-a, aluno ≠ alun-a, mestre ≠ mestr-a, oitavo ≠ oitav-a,
justo ≠ just-a etc.

Esquema 3:

R – VT + DG + alternância vocálica (radical, menos vogal temáti-


ca, mais desinência de gênero, mais alternância vocálica).

A alternância ocorre entre vogais fechadas e abertas. Trata-se de flexão


interna submorfêmica. Exemplos: sogro ≠ sogr-a, novo ≠ nov-a, famoso
≠ famos-a, este ≠ esta, ele ≠ el-a, horto ≠ hort-a, porco ≠ porc-a etc.

Em avô ≠ avó, a alternância é morfêmica, pois é o único traço dis-


tintivo entre as duas formas.

Esquema 4:

R – VT + alternância /ê/ → /é/ + ditongação /é/ → /éy/ + DG


(radical, menos vogal temática, mais troca da vogal do radical /ê/ pela
vogal /é/, mais acréscimo da vogal /i/ no radical, mais desinência de
gênero feminino).

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Flexão nominal CAPÍTULO 03
Além da alternância vocálica submorfêmica, ocorre um alarga-
mento (formação do ditongo [éi]). Exemplos: ateu ≠ atei-a (ateu → ateu-
a → ate-a → ateia), plebeu ≠ plebei-a, europeu ≠ europei-a, pigmeu ≠
pigmei-a etc.

Esquema 5:

R – VT + alomorfia na raiz + DG (radical, menos vogal temática,


mais alomorfia na raiz, mais desinência de gênero feminino).

A alomorfia na raiz ou em outros morfemas do radical funciona


como um traço redundante na distinção entre gênero masculino e femi-
nino. Exemplos: judeu ≠ judi-a, ilhéu ≠ ilho-a, sandeu ≠ sandi-a, teu ≠
tu-a, frade ≠ freir-a, meu ≠ minh-a etc.

Esquema 6:

R – VT + SD + DG (radical, menos vogal temática, mais sufixo


derivacional, mais desinência de gênero).

Tratam-se de nomes temáticos em cujas formas femininas corres-


pondentes, além da desinência de gênero, se adiciona um sufixo deriva-
cional. Exemplos: galo ≠ galinh-a, poeta ≠ poetis-a, duque ≠ duques-
a, herói ≠ heroín-a, diácono ≠ diaconis-a, príncipe ≠ princes-a etc.

A rigor, sincronicamente, o valor semântico de tais sufixos deri-


vacionais se esvaziou completamente, razão por que julgamos ser mais
apropriado não segmentá-los, tratando-os como alomorfes. Dessa for-
ma, [rainh], [abadess] e [profetis] seriam, respectivamente, alomorfes
de [re], [abad] e [profet].

Esquema 7:

R + SD + DG (radical, mais sufixo derivacional, mais desinência


de gênero).

Tratam-se de nomes atemáticos. Exemplos: cônsul ≠ consules-a,


czar ≠ czarin-a, prior ≠ priores-a etc.

Esquema 8:

R – VT + DG + crase (radical, menos vogal temática, mais desi-


nência de gênero, mais crase).

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Morfologia do Português

Trata-se da subtração do morfema flexional de gênero em virtu-


de de um condicionamento fonético-fonológico. Exemplos: anão ≠ anã
(anão → anão-a → anã-a ≠ anã), irmão ≠ irmã, órfão ≠ órfã, ermitão ≠
ermitã etc.

Além desses casos de subtração, citam-se réu ≠ ré, mau ≠ má, em-
bora não se enquadrem no mesmo esquema.

Esquema 9:

R – VT + alternância da vogal nasal /ã/ → /õ/ + desnasalização


da vogal /õ/ + DG (radical, menos vogal temática, mais alternância da
vogal nasal /ã/ em /õ/, mais desnasalização da vogal /õ/, mais desinência
de gênero).

Ocorre com alguns nomes terminados pelo ditongo /ão/. Exem-


plos: leão ≠ leo-a (leão → *leon → leona → leõa → leoa), leitão ≠ leito-a
etc.

Esquema 10:

R – VT + alternância da vogal nasal /ã/ → /õ + DG (radical, menos


vogal temática, mais alternância da vogal nasal /ã/ em /õ/, mais desinên-
cia de gênero).

Ocorre com nomes terminados em /ão/ quando este corresponde


a um sufixo aumentativo. Exemplos: valentão ≠ valenton-a (valentão
→ *valenton → valentona), chorão ≠ choron-a, solteirão ≠ solteiron-a,
sabichão ≠ sabichon-a etc.

Esquema 11:

R – SD + SD (radical, mais troca de um sufixo derivacional por


outro).

Exemplos: at-or ≠ at-riz, imper(a)-dor ≠ imper(a)-triz, embaix(a)-


dor ≠ embaix(a)-triz etc.

Cabe ainda observar que certos substantivos masculinos não têm,


em termos morfológicos, correspondentes femininos, embora se pres-
tem para designar seres sexuados. Como inexistem na língua formas
correspondentes no feminino para homem, genro, cavalo, usamos ou-

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Flexão nominal CAPÍTULO 03
tra palavra (respectivamente, mulher, nora e égua) que possa suprir
essa lacuna. Trata-se de um processo supletivo (ou heteronímico), se-
gundo o qual uma forma supre a inexistência da outra.

3.5 Flexão de número


O número é uma noção gramatical que distingue um elemento
(singular) e mais de um elemento (plural). Há, no entanto, certas situa-
ções na língua nas quais a realidade não é tão cristalina quanto parece à
primeira vista. Vejamos:

3.5.1 O significado do número

Além da oposição simples entre singular (um só elemento) e plural


(mais de um elemento), devemos distinguir outros casos.

a) Certos substantivos no plural não significam mais de uma uni-


dade da referida espécie. Isso quer dizer que o plural é mera-
mente gramatical, sem oposição de sentido. Exemplos: os ócu-
los, as calças, as trevas, os anais, os afazeres, as alvíssaras, as
bodas etc.

b) Outros substantivos mudam de significado quando se flexio-


nam no plural. Pode-se afirmar, nesses casos, que o morfema
de plural [s] acumula a função de morfema derivativo. Exem-
plos: a honra → as honras, o bem → os bens, a féria → as férias
etc.

c) Há, ainda, os substantivos coletivos, que, embora morfolo-


gicamente no singular, expressam ideia de mais de um ele-
mento, induzindo, às vezes, à concordância no plural, que se
caracteriza como concordância ideológica, ou silepse de nú-
mero.

Resta observar, quanto ao significado do número, que nos adjeti-


vos, artigos, pronomes adjetivos e numerais (e mesmo no verbo), o nú-
mero resulta da obrigação gramatical de o determinante concordar com
o determinado: os adjuntos adnominais concordam com o substantivo
e o verbo concorda com o sujeito.

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Morfologia do Português

3.5.2 A determinação do número

A flexão de número nos nomes variáveis (substantivos, adjetivos,


pronomes, artigos e numerais) é determinada pela oposição, na qual a
presença do morfema de plural [s] se opõe à ausência de morfema [Ø]
O morfema [s] de plural no singular.
tem diferentes realizações
fonéticas, entre as quais:
/s/ em “aula[s]”, /z/ em Essa simplicidade descritiva do número só é quebrada por dois fa-
“aula[s] alegres”, // [que se tores, a saber:
pronuncia como se fosse
ch] em “aula[s] críticas”. a) ocorrência de morfema de plural [Ø] em nomes terminados
em /s/, exceto se oxítonos. Exemplos:

Ӳ o lápis → os lápis

Ӳ o pires → os pires

Ӳ o cais → os cais

Ӳ o ônibus → os ônibus

Ӳ o xis → os xis

Ӳ o tórax → os tórax

Ӳ o ourives → os ourives

O /s/ final desses substantivos, bem como o /s/ final do adjetivo


simples, não constitui um morfema. O plural, nesses casos, é marcado
por recursos sintáticos, em que os determinantes se pluralizam. Em os
lápis pretos, nos determinantes os e pretos ocorre morfema de plural [s].
Nesse caso, pode-se afirmar que lápis está no plural, mas só porque isso
é marcado pelos determinantes, e não pelo/s/ final de lápis.

Em problemas simples, a pluralização do adjetivo simples é indicada


pela pluralização do substantivo.

b) O segundo complicador da descrição mórfica de número é a


ocorrência de mudanças morfofonêmicas simultâneas à plura-
lização, como em: limão → limões, barril → barris, vez → vezes
etc. Essas mudanças são mais bem descritas no tópico 3.5.3,
sobre descrição do número, a seguir.

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Flexão nominal CAPÍTULO 03
3.5.3 A descrição do número

Esquema 1:

R (T) + DN (radical, mais desinência de número).

a) Após o radical, para vocábulos atemáticos: guri-s, peru-s, café-


s, gambá-s etc.

b) Após o tema, para vocábulos temáticos: sapo-s, dente-s, nos-


so-s, ostra-s etc.

Esquema 2:

R – VT + DG + DN (radical, menos vogal temática, mais desinên-


cia de gênero, mais desinência de número).

Refere-se aos nomes temáticos. Neste caso, havendo acréscimo da


desinência [a], a vogal temática é suprimida. Exemplos: garota-s, aque-
la-s, esta-s, oitava-s, indireta-s etc.

Esquema 3:

R + VT + DN (radical, mais vogal temática, mais desinência de


número).

Ocorre com os nomes terminados pelas consoantes /l/, /s/, /r/ e /z/.
Exemplos: mal → males, mês → meses, mar → mares, algoz → algozes
etc.

Esquema 4:

T (R + VT) + DN + alomorfia da raiz + alomorfia da vogal temá-


tica (tema, mais desinência de número, alomorfia da raiz representada
pela supressão do fonema /l/, mais mudança da vogal temática /e/ para
/i/): *animale → animales → animaes → animais.

Ocorre com os nomes terminados em /al/, /el/, /ol/ e /ul/, que têm
um tema teórico em *lê, tais como: bananal (*bananale), anel (*anele),
anzol (*anzole), azul (*azule). Exemplos: capital → capitai-s, final → fi-
nais, coronel → coronéis, anel → anéis, farol → faróis, anzol → anzóis,
azul → azuis, paul → pauis etc.

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Morfologia do Português

Esquema 5:

T (R + VT) + DN + alomorfia da raiz + alomorfia da raiz + alo-


morfia da vogal temática (tema, mais desinência de número, alomorfia
da raiz representada pela supressão do fonema /l/, mais alomorfia da
raiz representada pela alteração da vogal /i/ em /e/, mais alomorfia da
vogal temática /e/ para /i/): *facile → faciles → fácies → facees → fáceis.

Ocorre com os nomes terminados em /il/, sendo /i/ uma vogal áto-
na. Exemplos: útil → úteis, fóssil → fésseis, ágil → ágeis, contábil → con-
tábeis, provável → prováveis etc.

Esquema 6:

T (R + VT) + DN + alomorfia da raiz + crase (tema, mais alo-


morfia da raiz representada pela supressão do /l/, mais alomorfia da
vogal temática, mais crase): *barrile → barriles → barries → barriis →
barris.

Ocorre com os nomes terminados em /il/, sendo /i/ uma vogal tô-
nica. Exemplos: funil → funis, estudantil → estudantis, hostil → hostis
etc.

Esquema 7:

T (R + VT) + DN + alomorfia da raiz + alomorfia da vogal temá-


tica (tema, mais desinência de número, mais alomorfia da raiz repre-
sentada pela troca de /ã/ por /õ/, mais alomorfia da vogal temática /o/
para /e/.)

Ocorre com a maioria dos nomes terminados em “ão”. Exemplos:


fogão → fogões, leitão → leitões, ladrão → ladrões, sapatão → sapatões,
feijão → feijões etc.

Esquema 8:
Os nomes em “ão” que não
se incluem nos esquemas T (R + VT) + DN + alomorfia da vogal temática (tema, mais desi-
7 e 8 descrevem-se de nência de número, mais alomorfia da vogal temática /o/ para /e/.)
acordo com os nomes do
esquema 1.
Ocorre com alguns nomes terminados em “ão”. Exemplos: pão →
pães, cão → cães, alemão → alemães, capitão → capitães etc.

80
Flexão nominal CAPÍTULO 03
3.6 Estrutura pronominal
Quanto à estrutura morfológica, nomes e pronomes são muito se-
melhantes. Sendo assim, pronomes flexionam-se em gênero (ele → ela,
teu → tua, nosso → nossa, algum → alguma, aquele → aquela etc.) e em
número (você → vocês, minha → minhas, este → estes, qual → quais
etc.), podendo ser descritos de acordo com os mesmos esquemas. Às
vezes, do mesmo modo que nos nomes, além da desinência que marca
o gênero ou o número, podem ocorrer alomorfias na raiz, representadas
da seguinte maneira:

a) Na formação do feminino:

Ӳ elisão da vogal temática e alternância vocálica redundante: ele


+ a = elea → ela (/ê/ ~ /é/);

Ӳ alomorfia na raiz: teu → tua, seu → sua, meu → minha.

b) Na formação do plural:

Ӳ simples acréscimo da desinência: ele → eles, nosso → nossos;

Ӳ acréscimo de vogal temática, acréscimo de desinência e sínco-


pe (supressão) da consoante /l/ intervocálica: qual – * quale →
quales → quaes → quais.

Também cabe observar que certos pronomes não apresentam fle-


xão (outrem, que, quem, se, alguém, ninguém etc.); em outros, a indi-
cação de plural se faz por meio de formas supletivas: eu ≠ nós, tu ≠ vós,
me ≠ nos etc.

3.6.1 Categorias pronominais

Se em tudo o que se disse até aqui nada difere os pronomes dos no-
mes, precisamos explicitar em que eles se diferenciam. Primeiramente,
observamos que, diferentemente dos nomes, os pronomes não se sub-
metem aos processos derivacionais, ou seja, aos pronomes não se pode
adicionar prefixos e sufixos. Dito de outra forma, os pronomes são sem-
pre constituídos de um morfema básico, primário. Além disso, de acor-
do com Monteiro (2002, p. 94), os pronomes podem ser distribuídos em
três categorias inexistentes para os nomes, a saber:

81
Morfologia do Português

a) gênero neutro

A oposição às formas do masculino e feminino se faz mediante fle-


xão interna, representada pela alternância vocálica:

Neutro Masculino Feminino


isto este(s) esta(s)
isso esse(s) essa(s)
aquilo aquele(s) aquela(s)
tudo todo(s) toda(s)

b) caso

Segundo a função que exercem na frase, os pronomes podem ser


retos (quando exercem a função de sujeito ou predicativo) ou oblíquos
(quando exercem outras funções, como, por exemplo, as de comple-
mento verbal e de adjunto adnominal). Nesses casos, a oposição pode
se realizar mediante processos supletivos:

PRONOMES
Retos Oblíquos átonos Oblíquos tônicos
eu me mim, (com)igo
tu te ti, (com)tigo
nós nos nós, (com)vosco
vós vos vós, (com)vosco
ele(s), ela(s) se, o(s), a(s), lo(s), la(s), si, (com)sigo, lhe(s),
no(s), na(s) ele(s), ela(s)

No português atual, especialmente na fala, inclusive na considerada


culta, o paradigma dos pronomes pessoais está passando por um
processo de mudança relevante, caracterizado, entre outros aspec-
tos, pela alternância de tu e você no singular e substituição de vós
por vocês. Além disso, o pronome nós alterna-se com a forma a
gente. Essas mudanças trazem reflexos nos paradigmas dos prono-
mes oblíquos e na flexão dos verbos. Você e vocês, por exemplo,
são pronomes de segunda pessoa, indicando a pessoa com quem
se fala, mas a concordância de pronomes oblíquos e de verbos se
faz com formas da terceira pessoa; a gente, por sua vez, quando na

82
Flexão nominal CAPÍTULO 03
função de pronome, corresponde à primeira pessoa, pois indica
a pessoa que fala, mas a concordância também se faz na terceira
pessoa. Em resumo, têm-se realizações como: eu me explico, tu
te explicas, você se explica, a gente se explica, nós nos ex-
plicamos, vocês se explicam, eles se explicam. E, em certos
registros, tu se explica, nós se explicamos, nós se explica. As
alterações no sistema pronominal de sujeito coocorrem com alte-
rações no sistema flexional do verbo e no emprego de pronomes
relativos e possessivos.

c) pessoa

As pessoas gramaticais são três: o falante (primeira pessoa), o ou-


vinte (segunda pessoa) e o assunto (terceira pessoa). As oposições entre
as diferentes pessoas se efetivam mediante radicais distintos.

3.6.2 Significado dêitico

Além dessas três características típicas dos pronomes, devemos


considerar que os pronomes e os nomes se diferenciam quanto à nature-
za semântica. “Os pronomes, ao contrário dos nomes, têm uma natureza
ou função indicativa” (MONTEIRO, 2002, p. 96) e, por isso, são chama-
dos dêiticos. Por exemplo, o referente do pronome eu muda conforme
a situação de interação. O eu é a pessoa que fala, que está com o turno
de fala. Assim, quem é tu, porque está na posição de escuta, torna-se eu
quando toma a palavra.

Os pronomes demonstrativos têm o seguinte uso básico: isto,


este(s) e esta(s) indicam coisas que estão próximas do falante; isso,
esse(s) e essa(s), coisas que estão próximas do ouvinte; aquilo, aquele(s)
e aquelas(s), coisas sobre as quais se está falando. O mesmo vale para
certos advérbios, como aqui, aí, lá etc. O aqui, usado pelo falante, in-
dica um lugar ao qual o ouvinte se refere como aí. É por isso que esses
advérbios são classificados como advérbios pronominais.

Além do significado dêitico, os pronomes têm a função de retomar


(indicar) algo que já foi dito (anáfora), ou ainda vai ser dito (catáfora),

83
Morfologia do Português

num determinado contexto.

Exemplos de indicação anafórica:

Ӳ O governador sequer mencionou a questão. Ele foi omisso.

Ӳ Moro em Florianópolis. Aqui há lindas praias.

Ӳ Li um livro que nunca foi citado na aula de Literatura Brasi-


leira I.

Ӳ Já estou morando na casa nova. Levei dois anos para cons-


truí-la.

Exemplos de indicação catafórica:

Ӳ Esta é minha última proposta: quinhentos e cinquenta reais


por mês.

Ӳ Em Grão-Pará, sucedeu algo muito estranho: violaram um tú-


mulo e cortaram a cabeça do cadáver.

Ӳ Escuta isso: mil reais não são dez.

3.6.3 Pronomes substantivos e pronomes adjetivos

Por fim, resta observar que os pronomes, assim como os nomes,


funcionam como substantivos ou adjetivos. No entanto, diferentemente
dos nomes, que não distinguem as duas funções com base na estrutura
mórfica, os pronomes têm formas substantivas e adjetivas que possibi-
litam esquemas opositivos. Vejamos como se processa essa correspon-
dência:

PRONOMES
Substantivos Adjetivos
eu meu
tu teu
ele(s), ela(s) dele
nós nosso
vós vosso
isto este
isso esse
aquilo aquele

84
Flexão nominal CAPÍTULO 03
alguém algum
ninguém nenhum
outrem outro
quem qual
tudo todo

Resumo do capítulo

Ӳ A flexão dos pronomes se realiza do mesmo modo que a flexão


dos nomes.

Ӳ Os pronomes, ao contrário dos nomes, não se submetem aos


processos derivacionais.

Ӳ Nos pronomes, há três categorias inexistentes nos nomes: gê-


nero neutro, caso e pessoa.

Ӳ Os nomes representam as coisas e ideias (são símbolos), os pro-


nomes apenas indicam a situação espacial (são sinais).

Ӳ Além da significação dêitica (indicar no tempo e no espaço), os


pronomes podem se referir ao que já foi dito (anáfora) e ao que
vai ser dito (catáfora).

Ӳ Os pronomes possibilitam esquemas opositivos entre formas


substantivas (pronomes substantivos) e formas adjetivas (pro-
nomes adjetivos).

Leia mais!
O Nome e suas Flexões. In: CÂMARA Jr, Joaquim M. Estrutura da lín-
gua portuguesa. Petrópolis/RJ: Vozes, 1979. p. 87-96.
Pessoa e Número, de José Lemos Monteiro. Disponível em: <http://www.
geocities.com/jolemos.geo/>. Acesso em: 29 maio 2008.

85
Morfologia do Português

86
Flexão verbal CAPÍTULO 04
4 Flexão Verbal
Na língua portuguesa, não são apenas os nomes e pronomes que se
submetem a processos de flexão. Verbos também se flexionam. Neste caso, as
desinências servem para indicar o modo, tempo, número e pessoa. Vamos ver
como isso acontece?

Primeiramente, veremos estruturas verbais que pertencem aos para-


digmas mais gerais e padronizados, isto é, os verbos ditos regulares; depois,
cuidaremos dos verbos que desviam do padrão geral. Para isso, apresentaremos
um método de análise que visa a facilitar a flexão e a análise estrutural desses
verbos. Veremos, então, que os verbos irregulares seguem paradigmas que, de
certo modo, são também regulares, embora menos produtivos, no sentido de
que existe um número menor de verbos que se flexionam dessa maneira.

4.1 Estrutura verbal


Os verbos formam uma classe rica em possibilidades flexionais,
pois as oposições entre tempos e modos referem-se a, pelo menos, treze
tempos verbais, distribuídos nos modos indicativo e subjuntivo e for-
mas nominais, e, entre categorias de número e pessoa, referem-se a três
pessoas no singular e três pessoas no plural.

Não incluímos os tempos do imperativo afirmativo e do imperati-


vo negativo porque, a rigor, do ponto de vista morfológico, não são
tempos verbais, mas verbos de situação, cujas formas são empresta-
das pelo presente do subjuntivo e presente do indicativo. Como tal,
as estruturas morfológicas do imperativo em nada se diferenciam
das formas originais.

Apesar dessa complexidade, a estrutura básica dos verbos é rela-


tivamente simples, resumindo-se a: R + VT + DMT + DNP (radical,
mais vogal temática, mais desinência modo-temporal, mais desinência
número-pessoal), sempre nessa ordem. Isso não quer dizer, no entanto,
que os morfemas estejam sempre presentes. Vejamos alguns exemplos:

87
Morfologia de Português

TEMA DESINÊNCIAS
Verbo R VT DMT DNP
falávamos fal- -a- -va- -mos
escrever escrev- -e- -r Ø
trocam troc- -a- Ø -m
servisse serv- -i- -sse Ø
levemos lev- Ø -e- -mos

Nos verbos, a vogal temática é geralmente tônica – ao contrário dos


nomes, nos quais é átona – e tem a função de distribuir os verbos em
conjugações, isto é, em paradigmas flexionais distintos, a saber:

a) primeira conjugação: salt-a-r, danç-a-r, amarel-a-r etc.;

b) segunda conjugação: corr-e-r, faz-e-r, escond-e-r etc.;

c) terceira conjugação: corrig-i-r, ouv-i-r, alud-i-r etc.

Como já vimos no Capítulo 2, as desinências verbais são cumulati-


vas: as desinências modo-temporais expressam, de modo indissociável,
as categorias de modo e tempo, ao passo que as desinências número-
pessoais expressam as categorias de número e pessoa. Em estud-a-ría-
mos, por exemplo, é impossível interpretar que em [mos] o segmento
[s] indica plural e o segmento [mo] indica primeira pessoa do plural. O
correto é afirmar que o morfe [mos] é indivisível e tem a função de mar-
car a pessoa (primeira) e o número (plural). Igualmente, não se pode
dividir o segmento [ria] em [ri] e [a], “já que se torna impossível usar
um tempo verbal, abstraindo o modo como se expressa a ação” (MON-
TEIRO, 2002, p. 102).

A depreensão dos morfemas de uma estrutura verbal é relativa-


mente fácil, desde que se aplique adequadamente a técnica da comuta-
ção. Ao analisar uma forma verbal, podemos, por exemplo, compará-la
com a forma de infinitivo e com a primeira pessoa do plural do tempo
em que se encontra o verbo. O infinitivo sem o [r] apresenta radical e
vogal temática. A primeira pessoa do plural exibe sempre a desinência
[mos] (DNP). Após separar o tema (radical e vogal temática) e a desi-
nência número-pessoal, o que sobra é a desinência modo-temporal.

Vamos, então, examinar a forma verbal lavavam.

88
Flexão verbal CAPÍTULO 04
O infinitivo impessoal é: lav-a-r.

A primeira pessoa do plural é: lav-á-va-mos.

Se compararmos essas duas formas com lavavam, fica fácil concluir


que a segmentação é lav-a-va-m, sendo [lav] radical, [a] vogal temática,
[va] desinência modo-temporal e [m] desinência número-pessoal.

Por outro lado, no lugar de [va] podemos ter lava[re]mos, lava[ría]


mos, lavá[sse]mos, lava[r]mos, lavá[ra]mos, lava[Ø]mos, entre outras
DMT; no lugar da DNP [m], além de [mos], podemos ter lavava[s],
laváve[is] ou lavava[Ø]. O tema, que é formado pelo radical e pela vogal
temática, pode ser ampliado por meio de prefixos e de sufixos. Exem-
plos: descobrir, redescobrir, florescer, legalizar etc.

Quanto à flexão, todos os tempos e modos apresentam desinências


modo-temporais e desinências número-pessoais, exceto os tempos de
infinitivo impessoal, particípio e gerúndio, nos quais não existem desi-
nências número-pessoais. Às vezes as desinências estão ausentes e, por
isso, correspondem ao morfema zero.

A desinência modo-temporal (DMT), como já vimos, presta-se


para, cumulativamente, representar o tempo e o modo em que o verbo
está. Neste sentido, cada um dos tempos verbais tem uma desinência
modo-temporal, realizada por meio de um morfema concreto ou de um
morfema zero. A desinência número-pessoal (DNP), por sua vez, re-
presenta, cumulativamente, a pessoa (primeira, segunda ou terceira) e o
número (singular ou plural). Os tempos verbais são os seguintes:

a) Modo indicativo

Ӳ presente

Ӳ pretérito perfeito

Ӳ pretérito mais-que-perfeito

Ӳ pretérito imperfeito

Ӳ futuro do presente

Ӳ futuro do pretérito

89
Morfologia de Português

b) Modo subjuntivo

Ӳ presente

Ӳ pretérito imperfeito

Ӳ futuro

c) Formas nominais

Ӳ infinitivo impessoal

Ӳ infinitivo pessoal

Ӳ particípio

Ӳ gerúndio

Os tempos verbais, além da ideia de tempo, correspondem a di-


ferentes aspectos. O aspecto é a maneira de ser da ação, ou seja: “uma
categoria gramatical que manifesta o ponto de vista do qual o locutor
considera a ação expressa pelo verbo” (BUREAU, apud CUNHA; CIN-
TRA, 1985, p. 370). No caso do pretérito perfeito, por exemplo, o aspec-
to é conclusivo, pois se refere àquilo que começou e encerrou num certo
momento do passado. Diferentemente, o pretérito imperfeito se refere
a algo que começou no passado, mas é durativo. Nesse sentido, pode-se
dizer, então, que as DMTs seriam, além de modo-temporais, também
aspectivas. Saliente-se que o aspecto do verbo pode ser também indica-
do por meio de perífrases verbais. Exemplos:

Ӳ aspecto incoativo ou inceptivo: começou a beber;

Ӳ aspecto continuativo: continua a beber;

Ӳ aspecto conclusivo ou cessativo: acabou de beber;

Ӳ aspecto durativo, cursivo ou progressivo: vou estar realizan-


do;

Ӳ aspecto resultativo ou consecutivo: conseguiu realizar;

Ӳ aspecto interativo ou frequentativo: costuma tirar boas notas;

Ӳ aspecto perfectivo ou obrigatório: tenho de sair.

90
Flexão verbal CAPÍTULO 04
4.2 Padrão geral de flexão verbal
A seguir, vamos examinar a segmentação dos verbos ditos regula-
res em todos os tempos verbais, nas três conjugações. O padrão geral
caracteriza-se pela ausência de modificações na raiz e regularidade no
uso de desinências modo-temporais e número-pessoais. Faremos uma
segmentação com base na primeira pessoa do plural e, logo após, apre-
sentaremos algumas observações importantes. As pessoas gramaticais
serão numeradas de P1 a P6, sendo as três primeiras do singular e as três
últimas do plural.

a) Futuro do presente do indicativo

P1 fal a re i vend e re i part i re i


P2 fal a rá s vend e rá s part i rá s
P3 fal a rá Ø vend e rá Ø part i rá Ø
P4 fal a re mos vend e re mos part i re mos
P5 fal a re is vend e re is part i re is
P6 fal a rã o vend e rã o part i rã o

Observações:

Ӳ No futuro do presente, a DMT é realizada por meio de três


morfes: [re], [rá] e [rã]; trata-se, pois, de processo de alomorfia.

Ӳ As DNP são as mesmas para cada pessoa, nas três conjugações.


Todas as formas são arrizotônicas, pois o acento tônico está
fora do radical.

Também aqui valem as observações que fizemos no capítulo an-


terior sobre o paradigma dos pronomes retos, que são pronomes
pessoais na função de sujeito. Evidentemente, as alterações que se
fazem na flexão dos verbos em virtude do emprego de você(s) e a
gente são perfeitamente segmentadas, seguindo os mesmos pa-
drões aqui expostos, caracterizando-se como formas marcadas ou
não. Sendo assim, em (tu) fala-s, a P2 é marcada pela desinência
[s], mas, em (você) fala, não existe marca desinencial, ou seja, o
morfema número-pessoal é zero, o que corresponde à estrutura ver-
bal de terceira pessoa. O mesmo critério se aplica à forma associada

91
Morfologia de Português

ao pronome nós, como em (nós) fala-mos, cuja desinência é


[mos]. Mas se no lugar do pronome nós usarmos a gente, o verbo
perde a marca desinencial [mos], que passa a ser zero. Isso tudo, evi-
dentemente, tem muitas implicações sobre o ensino de português,
pois, como se observa, há um descompasso entre a descrição ofe-
recida pela gramática normativa e o uso efetivo da língua. No caso
da segunda pessoa do plural, o pronome vós é arcaico, tendo sido
substituído integralmente pela forma vocês. Somente em certos
textos escritos ainda encontramos estruturas com o pronome vós.
Sendo assim, ensinar às crianças flexão de verbo na segunda pessoa
do plural é o mesmo que ensinar uma regra de uma língua estran-
geira, pois tal flexão não é mais parte da gramática internalizada
desses falantes nativos de português.

b) Futuro do pretérito do indicativo

P1 fal a ria Ø vend e ria Ø part i ria Ø


P2 fal a ria s vend e ria s part i ria s
P3 fal a ria Ø vend e ria Ø part i ria Ø
P4 fal a ria mos vend e ría mos part i ría mos
P5 fal a ríe is vend e ríe is part i ríe is
P6 fal a ria m vend e ria m part i ria m

Observações:

Ӳ O quadro de DMT é praticamente uniforme, havendo apenas a


alomorfia [ría] ~ [ríe] em razão do contexto fonético.

Ӳ Ocorre neutralização entre P1 e P3.

Ӳ As DNP são as mesmas do futuro do presente, exceto em P1 e P6.

c) Pretérito mais-que-perfeito

P1 fal a ra Ø vend e ra Ø part i ra Ø


P2 fal a ra s vend e ra s part i ra s
P3 fal a ra Ø vend e ra Ø part i ra Ø
P4 fal a ra mos vend e ra mos part i ra mos
P5 fal a re is vend e re is part i re is
P6 fal a ra m vend e ra m part i ra m

92
Flexão verbal CAPÍTULO 04
Observações:

Ӳ Os morfes [ra] e [re] no pretérito mais-que-perfeito são áto-


nos, ao contrário de [re] e [rá] no futuro do presente, que são
tônicos.

Ӳ Também nesse tempo verbal, verifica-se neutralização entre


primeira e terceira pessoas do singular.

Ӳ No caso da desinência [m], consideramos que tal grafema re-


presenta as diferentes realizações fonéticas do segmento, sem
entrar na discussão sobre a existência de um dígrafo formado
por /ã/ ou de eventual vocalização. Para maiores esclarecimen-
tos, sugerimos consultar Mattoso Câmara Jr. (1979, p. 46-47) e
Monteiro (2002, p. 111-112).

d) Pretérito imperfeito do indicativo

P1 fal a va Ø vend i a Ø part i a Ø


P2 fal a va s vend i a s part i a s
P3 fal a va Ø vend i a Ø part i a Ø
P4 fal á va mos vend í a mos part í a mos
P5 fal a ve is vend í e is part í e is
P6 fal a va m vend i a m part i a m

Observações:

Ӳ Com verbos de primeira conjugação, a DMT é [va] com alo-


morfia [ve]; com verbos de segunda e terceira conjugação, a
DMT é [a] com alomorfia [e]. Mattoso Câmara Jr. (1979, p.
109) ensina que, na segunda e terceira conjugações, a DMT é
[ia] com alomorfe [ie]. Convém, todavia, considerar tão so-
mente [a] ~ [e], pois é assim que se realiza mesmo nos verbos
em que a vogal temática é suprimida: vính + Ø + a + mos, ér
+ Ø + a + mos, púnh + Ø + a + mos etc. O argumento de que,
em assim se procedendo, há neutralização com as formas do
presente do subjuntivo não procede, pois neste tempo verbal a
vogal temática não se realiza.

Ӳ Nos verbos de segunda conjugação, a vogal temática sofre alo-


morfia. Em vend-í-a-mos, a vogal temática [i] é alomorfe da

93
Morfologia de Português

vogal temática [e] do infinitivo vend-e-r.

e) Presente do indicativo

P1 fal Ø Ø o vend Ø Ø o part Ø Ø o


P2 fal a Ø s vend e Ø s part e Ø s
P3 fal a Ø Ø vend e Ø Ø part e Ø Ø
P4 fal a Ø mos vend e Ø mos part i Ø mos
P5 fal a Ø is vend e Ø is part i Ø (i)s
P6 fal a Ø m vend e Ø m part e Ø m

Observações:

Ӳ A DMT é zero em todas as pessoas e conjugações. Na P1, em-


prega-se a DNP [o], ao contrário do que ocorre na maioria dos
tempos verbais, nos quais é [Ø]. Como veremos adiante, essa
desinência está presente mesmo em verbos irregulares, como
ponh[o], venç[o], trag[o] etc., podendo sofrer alomorfia em
[ou]: est[ou], s[ou], v[ou], d[ou].

Ӳ Também na P1 verifica-se, em todas as conjugações, a supres-


são da vogal temática.

Ӳ Exceto nas P4 e P5 (formas arrizotônicas), as vogais temáticas


da segunda e terceira conjugações se neutralizam.

Ӳ Na P4 da terceira conjugação, a DNP reduz-se a [s] devido à


crase com a vogal anterior tônica: parti(i)s > partis.

Ӳ Nas formas monossilábicas de segunda e terceira conjugações


(exceto verbo ser), a DNP da P5 sofre alomorfia em [des]: ve-
des, credes, vindes, pondes etc.

f) Pretérito perfeito do indicativo

P1 fal e Ø i vend i Ø Ø part i Ø Ø


P2 fal a Ø ste vend e Ø ste part i Ø ste
P3 fal o Ø u vend e Ø u part i Ø u
P4 fal a Ø mos vend e Ø mos part i Ø mos
P5 fal a Ø stes vend e Ø stes part i Ø stes
P6 fal a ra m vend e ra m part i ra m

Observações:

94
Flexão verbal CAPÍTULO 04
Ӳ Entre as DNP, registram-se [ste] na P2, [stes] na P5 e [u] na
P3, que são exclusivas deste tempo verbal. Considerando que
a DMT é zero, exceto em P6, deduz-se que essas DNP exclu-
sivas acumulam também a função de diferenciar o passado do
presente.

Ӳ As formas da P4 neutralizam-se com as formas do presente do


indicativo nos verbos ditos regulares, mas, em verbos irregu-
lares fortes, os radicais são diferentes (cf. dizemos ≠ dissemos,
sabemos ≠ soubemos, trazemos ≠ trouxemos, somos ≠ fomos,
pomos ≠ pusemos etc.).

Ӳ As formas da P6 neutralizam-se com as formas do pretérito


mais-que-perfeito, inclusive nos verbos irregulares.

Ӳ A VT da primeira conjugação modifica-se em [e] na P1 e em


[o] na P3; a VT da segunda conjugação modifica-se em [i] na
P1.

Ӳ Na P1 da segunda e da terceira conjugações, a DNP [i] é zero


em virtude de ela ter sofrido crase com a VT: vendi + i → vendi;
parti + i → parti.

g) Presente do subjuntivo

P1 fal Ø e Ø vend Ø a Ø part Ø a Ø


P2 fal Ø e s vend Ø a s part Ø a s
P3 fal Ø e Ø vend Ø a Ø part Ø a Ø
P4 fal Ø e mos vend Ø a mos part Ø a mos
P5 fal Ø e is vend Ø a is part Ø a is
P6 fal Ø e m vend Ø a m part Ø a m

Observações:

Ӳ A VT é zero em todas as conjugações.

Ӳ As DMT são [e] para primeira conjugação e [a] para a segunda


e terceira conjugações.

Ӳ As DNP são as mesmas para todos os verbos.

h) Pretérito imperfeito do subjuntivo

95
Morfologia de Português

P1 fal a sse Ø vend e sse Ø part i sse Ø


P2 fal a sse s vend e sse s part i sse s
P3 fal a sse Ø vend e sse Ø part i sse Ø
P4 fal á sse mos vend ê sse mos part í sse mos
P5 fal á sse is vend ê sse is part í sse is
P6 fal a sse m vend e sse m part i sse m

Observações:

Ӳ A VT se mantém em todas as pessoas.

Ӳ A DMT não sofre alomorfia.

Ӳ As DNP são iguais em todas as conjugações, havendo neutrali-


zação entre P1 e P3.

i) Futuro do subjuntivo

P1 fal a r Ø vend e r Ø part i r Ø


P2 fal a re s vend e re s part i re s
P3 fal a r Ø vend e r Ø part i r Ø
P4 fal a r mos vend e r mos part i r mos
P5 fal a r des vend e r des part i r des
P6 fal a re m vend e re m part i re m

Observações:

Ӳ As DMT e as DNP do futuro do subjuntivo são iguais às do


infinitivo flexionado (ver a seguir). Em vista disso, nos verbos
regulares costuma haver neutralização entre as formas verbais.
A distinção, consequentemente, não se faz pela estrutura mór-
fica, mas por critérios sintáticos e semânticos. Por exemplo:

a) Se tu acabares o serviço cedo, poderás ir embora (futuro do sub-


juntivo);

b) Para acabares o serviço cedo, é preciso esforço (infinitivo flexiona-


do).

Essa neutralização desaparece nos chamados verbos irregulares


fortes. Por exemplo:

c) Se tu fizeres o serviço cedo, poderás ir embora (futuro do sub-


juntivo);

96
Flexão verbal CAPÍTULO 04
d) Para fazeres o serviço cedo, é preciso esforço (infinitivo flexio-
nado).

Ӳ A DNP [des] da P5, entendida como alomorfe de [is], é própria


do futuro do subjuntivo e do infinitivo flexionado, mas tam-
bém ocorre no presente do indicativo com verbos monossilá-
bicos, exceto com o verbo ser.

j) Infinitivo pessoal (flexionado)

P1 fal a r Ø vend e r Ø part i r Ø


P2 fal a re s vend e re s part i re s
P3 fal a r Ø vend e r Ø part i r Ø
P4 fal a r mos vend e r mos part i r mos
P5 fal a r des vend e r des part i r des
P6 fal a re m vend e re m part i re m

Observações:

Ӳ Para entender por que os morfes de P2 no infinitivo flexionado e


no futuro do subjuntivo são segmentados em [re + s], invoca-se
o critério da simplificação. Se a segmentação fosse [r + es], seria
preciso considerar o [es] alomorfe de [s] e, na P6, [re] seria alo-
morfe de [r], uma vez que a segmentação [r + em] é difícil de sus-
tentar. Em síntese: em vez de dois alomorfes, tem-se somente um.

Ӳ Tal como na maioria dos tempos verbais, existe neutralização


entre P1 e P3.

l) Formas nominais

infinitivo pessoal particípio gerúndio


Rd VT DMT Rd VT DMT Rd VT DMT
cant a r cant a do cant a ndo
vend e r vend i do vend e ndo
part i r part i do part i ndo

Observações:

Ӳ As formas nominais dos verbos são marcadas por DMT: [r] =


infinitivo; [do] = particípio; [ndo] = gerúndio.

Ӳ Existe neutralização da vogal temática dos verbos de segunda

97
Morfologia de Português

e terceira conjugações, no particípio, em virtude de a vogal te-


mática de segunda conjugação ter sofrido alomorfia em [i]. O
[i] de vendido é alomorfe do [e] de vender.

Ӳ Às vezes a forma de particípio funciona como nome (substanti-


vo ou adjetivo). Nesses casos, não existe DMT na segmentação.
Exemplos: a) A menina tem amado muito seu pai. (verbo) =
[am-a-do]; O amado não deu notícias. (substantivo) = [am-ad-
o]; O pai mais amado do mundo é você (adjetivo) = [am-ad-o].
Observe que a segmentação mórfica de amado nas funções de
substantivo e adjetivo é diferente da segmentação do mesmo
vocábulo na função de verbo. Quando é nome, amado é uma
forma derivada de amar; quando é verbo, não há derivação,
mas flexão. Por outro lado, sendo nome, submete-se à flexão de
gênero e número: o amado, a amada, os amados, as amadas.

4.3 A lógica dos temas verbais


Para melhor compreender o sistema flexional dos verbos, inclu-
sive dos irregulares, convém considerarmos que os verbos apresentam
mais de um tema. Esses temas básicos, formados pelo radical (que inclui
prefixos e sufixos derivacionais) + vogal temática (que pode ser Ø), re-
petem-se num conjunto de tempos verbais, conforme demonstraremos
adiante, formando subsistemas coerentes e lógicos.

Vamos, então, identificar os temas verbais e os tempos formados


com base em cada um desses temas.

Tema 1 = Forma do verbo no infinitivo impessoal (não flexiona-


do), menos a desinência modo-temporal [r]. Exemplos:

verbo no infinitivo impessoal tema correspondente


cantar [cant-a]
esconder [escond-e]
sentir [sent-i]
dizer [diz-e]
haver [hav-e]
ouvir [ouv-i]
caber [cab-e]

98
Flexão verbal CAPÍTULO 04
dar [d-a]
passear [passe-a]

Em geral, o Tema 1 tem a estrutura formada pelo radical e vogal


temática, conforme o verbo seja de primeira, segunda ou terceira conju-
gação. Esse tema serve de base para a flexão dos seguintes tempos:

Ӳ Pretérito imperfeito do indicativo (T1 + va (ve) ou a (e)): cant-


a-va-Ø, cant-a-va-s etc.

Ӳ Futuro do presente do indicativo (T1 + re, rá ou rã): cant-a-re-


i, cant-a-rá-s etc.

Ӳ Futuro do pretérito do indicativo (T1 + ria (rie)): cant-a-ria-Ø,


cant-a-ria-s etc.

Ӳ Infinitivo flexionado (T1 + r (re)): cant-a-r-Ø, cant-a-re-s etc.

Ӳ Particípio (T1 + do): cant-a-do

Ӳ Gerúndio (T1 + ndo): cant-a-ndo

Tema 2 = Forma do verbo na segunda pessoa do singular (P2) do


pretérito perfeito do indicativo, menos a desinência número pessoal
[ste]. Exemplos:

Verbo na P2 do pretérito perfeito Tema correspondente


do indicativo
canta-ste [cant-a]
esconde-ste [escond-e]
senti-ste [sent-i]
disse-ste [diss-e]
houve-ste [houv-e]
ouvi-ste [ouv-i]
coube-ste [coub-e]
de-ste [d-e]
passea-ste [passe-a]

O Tema 2, acrescido das respectivas DMT e DNP já vistas, serve de


base para a flexão de verbos regulares e irregulares dos seguintes tempos:

Ӳ Pretérito mais-que-perfeito do indicativo (T2 + ra (re)): cant-


a-ra, canta-ra-s etc.

99
Morfologia de Português

Ӳ Futuro do subjuntivo (T2 + r (re)): cant-a-r, cant-a-re-s etc.

Ӳ Pretérito imperfeito do subjuntivo (T2 + sse): cant-a-sse, cant-


a-sse-s etc.

Podemos observar, então, que sendo o tema diferente do T1, como


em [disse ≠ dize], [houve ≠ have], [coube ≠ cabe], [de ≠ da], essa alo-
morfia no tema se mantém nos tempos derivados. Usando esse princí-
pio, vamos compreender, por exemplo, por que o verbo vir faz o futuro
do subjuntivo (eu) vier, enquanto o verbo ver faz (eu) vir. O T2 de vir
é vie(ste), que se mantém no futuro do subjuntivo, ao passo que o T2 de
ver é vi(ste). Esse princípio se aplica a todos os verbos, sejam regulares
ou irregulares, com a seguinte ressalva: nos verbos regulares e nos irre-
gulares fracos, isto é, naqueles em que a irregularidade existe apenas no
T3 – que veremos a seguir –, ocorre neutralização entre T1 e T2, isto é,
Tema 1 e Tema 2 são iguais. Exemplos: canta-r/canta-ste, esconde-r/
esconde-ste, senti-r/senti-ste, ouvi-r/ouvi-ste e passea-r/passea-ste.

Tema 3 = Forma do verbo na primeira pessoa do singular (P1) do


presente do indicativo, menos a desinência número pessoal [o]. Exem-
plos:

Verbo na P1 do presente do Tema correspondente


indicativo
canto [cant]
escondo [escond]
sinto [sint]
digo [dig]
hajo [haj]
Como as formas do impe- ouço [ouç]
rativo são emprestadas do
presente do subjuntivo e caibo [caib]
do presente do indicativo dou [d]
(ver comentário sobre passeio [passei]
imperativo no início deste
capítulo), a análise das
estruturas verbais não se O T3, em que a vogal temática costuma ser zero, se repete nas for-
altera. mas do presente do subjuntivo, acrescida, obviamente, das respectivas
DMT e DNP. Assim, temos:

Ӳ Presente do subjuntivo (T3 + e ou a): cant-e, cant-e-s etc.; caib-


a, caib-a-s etc.

100
Flexão verbal CAPÍTULO 04
4.4 Verbos irregulares ou desvios do padrão
geral
Já vimos que a flexão dos verbos retoma certos temas, a saber:

T1 = tema de infinitivo (verbo, menos a desinência modo-temporal


[r]);

T2 = tema do pretérito perfeito (segunda pessoa do singular, me-


nos desinência número-pessoal [ste]);

T3 = tema do presente do indicativo (primeira pessoa do singular,


menos desinência número-pessoal [o]).

Apresentaremos, a seguir, de forma esquemática, uma síntese dos


principais desvios do padrão geral na flexão dos verbos, seguindo de
perto e de forma resumida o texto de Monteiro (2002, p. 121-134).

1) estar e dar

T1 = esta-r / da-r

T2 = estive-ste / de-ste

T3 = est-ou / d-ou

No pretérito perfeito, o tema é da segunda conjugação, com vogal


temática (é) em vez de (ê): estiv-e-ste / d-e-ste.

No presente, a DNP [ou] é alomorfe de [o].

2) caber

T1 = cabe-r

T2 = coube-ste (daí coubera, couber, coubesse etc.)

T3 = caib-o (daí caiba etc.)

Há neutralização entre a primeira e a terceira pessoa do singular do


pretérito perfeito: (eu) coube / (ele) coube. Isso acontece também com
haver, dizer, trazer, saber, querer.

3) cair

101
Morfologia de Português

A vogal temática se mantém na primeira pessoa do indicativo e


presente do subjuntivo: T3 = cai-o (daí cai-a etc.). Também é assim com
trair, contrair, distrair, atrair, extrair, esvair, sair, retrair, subtrair.

4) crer e ler

T1 = [cree] - cf. *creer → cre + Ø + r

T1 = [lee] - cf. *leer → le + Ø + r

A vogal temática fundiu-se com o [e] do radical, tornando-se zero.


Assim devem ser entendidos outros verbos monossilábicos: ser, ter, ver.

T3 = crei - o / crei - a: o radical sofre ditongação. O mesmo ocorre


em lei - o / lei - a.

A vogal temática reaparece em: creem, leem, veem.

Em (vós) cre-des, le-des, pon-des, vin-des, ten-des etc., [des] é


alomorfe de [is], fenômeno próprio dos verbos monossilábicos, exceto
do verbo ser.

No particípio e na primeira pessoa do singular do pretérito perfei-


to, os radicais [cre] e [le] reduzem-se a [cr] e [l], pois o [i] temático é
alomorfe de [e], tal como em vendi. As desinências de cri e li são vazias,
já que o [i] (DNP) se funde com o [i] temático:

cr + i + Ø + i = cr + i + Ø + Ø

5) dar

T1 = [da]

T2 = [de] (de-ste)

No presente do indicativo, ocorre alomorfe -ou em vez de -o (d-


ou). Cf. estar (est-ou), ser (s-ou), ir (v-ou).

Na terceira pessoa do plural do presente do indicativo, a DNP é -o


e a VT é nasal: d-ã-o.

6) dizer, fazer, trazer

T1 = [dize], [faze], [traze]

102
Flexão verbal CAPÍTULO 04
T2 = [disse], [fize], [trouxe]

T3 = [dig], [faç], [trag]

A vogal temática desaparece na terceira pessoa do singular do pre-


sente do indicativo: (ele) diz, faz, traz.

Nos tempos futuros, os radicais se reduzem (são alomorfes) e a VT


é zero: di-Ø-re-i / di-Ø-ria; fa-Ø-re-i / fa-Ø-ria; tra-Ø-re-i / tra-Ø-ria.

7) estar

T1 = [esta]

T2 = [estive] (estive-ste)

T3 = [estej] (estej-a - presente do subjuntivo)

No presente do indicativo, registra os mesmos fatos do verbo dar.


No presente do subjuntivo, além do radical estej- , apresenta DMT -a,
acompanhando os verbos da segunda e terceira conjugações.

No pretérito perfeito, (eu) estive / (ele) esteve, apresenta alternân-


cia vocálica [i] ≠ [ê]. Convém considerar que não há DNP e o (e) é VT.
Em casos semelhantes, não há VT: pus / pôs; fiz / fez.

8) verbos em -ear

As formas rizotônicas do presente do indicativo e presente do sub-


juntivo sofrem ditongação: nomeio / nomeie; passeio / passeie.

Cinco verbos em -iar, por analogia, mudam o (i) em (ei) nas for-
mas rizotônicas: ansiar, incendiar, mediar, odiar e remediar.

9) ir

T1 = [i]

T2 = [fo]

T3 = [v] ~ [va]

presente do indicativo presente do subjuntivo


R VT DMP DNP R VT DMP DNP
v Ø Ø ou v Ø á Ø
va i Ø s v Ø á s

103
Morfologia de Português

va i Ø Ø v Ø á Ø
va Ø Ø mos v Ø a mos
i Ø Ø des v Ø a des
vã Ø Ø o v Ø ã o

10) poder

T1 = [pode]

T2 = [pude]

T3 = [poss]

No pretérito perfeito, ocorre alternância vocálica [u] ~ [ô] entre a


primeira e a terceira pessoas do singular.

11) pôr

T1 = [po] Cf. *poer → pôr

T2 = [puse]

T3 = [ponh]

presente do indicativo
R VT DMT DNP
ponh Ø Ø o
põ e Ø s
põ e Ø
po Ø Ø mos
pon Ø Ø des
põ e Ø m

No imperfeito do indicativo, há alternância para [punh]. Ex.: pu-


nh-Ø-a-Ø. Esse fenômeno também ocorre com venh-Ø-Ø-o / vinh-Ø-
a-Ø; tenh-Ø-Ø-o / tinh-Ø-a-Ø.

No pretérito perfeito, a primeira e a terceira pessoa do singular se


opõem por alternância vocálica: [u] ~ [ô] (pus ~ pôs).

12) querer

T1 = quere

T2 = quise

104
Flexão verbal CAPÍTULO 04
No presente do subjuntivo, o radical é alargado com a ditongação
do e → ei: quer(o) → queir(a). Note-se, no entanto, requeir(o), de re-
querer. Na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, a vogal
temática é zero.

13) saber

T1 = [sabe]

T2 = [soube]

T3 = [sei]

No presente do subjuntivo, saib-Ø-a-Ø.

14) ser

T1 = [se]

Vogal temática é zero, pois fundiu-se com o (e) do radical: *seer →


ser.

T2 = [fo]

T3 = [e]

presente do indicativo presente do subjuntivo


R VT DMT DNP R VT DMT DNP
s Ø Ø ou sej Ø a Ø
é Ø Ø s
é Ø Ø Ø
so Ø Ø mos
so Ø Ø is
sã Ø Ø o

No pretérito imperfeito: er - Ø - a - Ø

15) ter

T1 = [te] - cf. *teer

T2 = [tive] - cf. tiveste

T3 = [tenh] - cf. tenh+Ø+Ø+o

No particípio, o radical [te] reduz-se a [t]: t+i+do.

105
Morfologia de Português

presente do indicativo
R VT DMT DNP
tenh Ø Ø o
ten Ø Ø s
tem Ø Ø Ø
te Ø Ø mos
ten Ø Ø des
tê Ø Ø m

16) Vir

T1 = [vi] cf. vi+i+r

T2 = [tive] cf. tive+ste

T3 = [venh] cf. venh+o

presente do subjuntivo
R VT DMT DNP
presente do indicativo venh Ø a Ø
R VT DMT DNP
venh Ø Ø o pretérito perfeito
ven Ø Ø s R VT DMT DNP
vem Ø Ø Ø vim Ø Ø Ø
vi Ø Ø mos vi e Ø ste
vin Ø Ø des vei Ø Ø o
vê Ø Ø m vi e Ø mos
vi e Ø stes
vi e ra m

Nos futuros do indicativo, a vogal temática se funde com o (i) do


radical: vi+re+i / vi+ria+Ø.

17) Outras alomorfias

Há verbos que se desviam do padrão geral porque sofrem alomorfia


na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, estendendo-
se para os tempos derivados dessa pessoa.

a) {val-} ~ {valh-}

b) {med-} ~ {meç-}

106
Flexão verbal CAPÍTULO 04
c) {ped-} ~ {peç-}

d) {perd-} ~ {perc-}

e) {ouv-} ~ {ouç-}

Há casos de alternância vocálica, mas sem valor redundante com


as desinências:

a) [ê] ~ [é] : elejo / eleja ~ eleges, elege, elegem

b) [ô] ~ [ó] : resolvo / resolva ~ resolves, resolve, resolvem

c) [i] ~ [é] : repito / repita ~ repetes, repete, repetem

d) [i] ~ [e] : sinto / sinta ~ sentes, sente, sentem

e) [u] ~ [ó] : cubro / cubra ~ cobres, cobre, cobrem

f) [u] ~ [õ] : sumo / suma ~ somes, some, somem

Idem consumir.

Leia mais!
Estrutura Verbal. In: ZANOTTO, Normélio. Estrutura mórfica da lín-
gua portuguesa. Caxias do Sul: EDUCS, 1986. p. 73-89.
Mecanismo da Flexão Verbal e Desvios do Padrão Geral. In: MONTEI-
RO, José Lemos. Morfologia portuguesa. Campinas/SP: Pontes, 2002.

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