A Tutela Dos Dtos de Personalidd No Contrato de Emprego - Marcelo I. Melek
A Tutela Dos Dtos de Personalidd No Contrato de Emprego - Marcelo I. Melek
A Tutela Dos Dtos de Personalidd No Contrato de Emprego - Marcelo I. Melek
RESUMO
Os Direitos da Personalidade, advindo do direito civil, são uma base comum a todos os ramos da
Ciência do Direito. Isso se deve pelo fato de que tais direitos representam garantias ao cidadão,
sem as quais a vida em sociedade seria seriamente comprometida ou mesmo inviabilizada, de
acordo com os preceitos constitucionais vigentes. A partir desse entendimento o direito do
trabalho, enquanto ramo do Direito, também baseia-se nos Direitos da Personalidade para regular
as relações de trabalho. Assim, as normas civis desses direitos incidem diretamente na relação
empregado-empregador ou na relação capital-trabalho. Sendo assim, mister se faz analisar os
Direitos da Personalidade para então verificar as aplicações na relação laboral. O presente estudo
além de fazer esta verificação também propõe novas possibilidades da aplicação dos direitos da
personalidade na relação de trabalho objetivando a possibilitar maior concreção a esses direitos o
que implica na ampliação de sua efetividade e tutela.
Keywords: world of work; State; employment law; personal rights; protection and
effectiveness.
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Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Positivo.Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de
Curitiba. Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro.
Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. Doutorando em Direito pela PUCPR. Advogado trabalhista.
Professor da Universidade Positivo. Coordenador do Conselho Temático das Relações de Trabalho da FIEPR.
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1. PRESSUPOSTOS INICIAIS
8
Corrobora nesse pensamento as lições de Abili Lázaro Castro de Lima ao dizer que: ―A partir da nova ordem global
instituída pela globalização econômica, vamos constatar que o crescimento gigantesco do comércio mundial coloca as
empresas transacionais como protagonista poderoso, fazendo frente ao poder dos Estados.‖. Globalização econômica
política e Direito.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 22
9
Neste sentido leciona o mesmo autor que: ―A globalização teve várias concepções ao longo do tempo. Mesmo hoje,
podemos encontrar várias significações para o mesmo fenômeno. Liszt Vieira identificou cinco dimensões da globalização:
econômica, política, social, ambiental, cultural, admitindo a existência de outras.‖. op. cit., p. 11.
10
GIDDENS,Anthony. Rio conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp,1991.p. 69.
11
Santos, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 14ª ed. Rio de Janeiro:
Record, 2007. p. 109.
12
Termo utilizado por Milton Santos na obra Por uma outra globalização:do pensamento único à consciência universal,
p. 31, o qual pode ser sintetizado como sendo a postura das empresas em buscar e conquistar novos mercados, num ambiente
extremo de competitividade onde os resultados devem ser otimizados, visando aumento da lucratividade.
13
A afirmação é resultante da compreensão de que ―o avanço tecnológico, a quebra de barreiras geográficas, a abertura
comercial, a formação de blocos econômicos e políticos entre os Estados, o estímulo à eficiência geral da economia, a
interação cultural, dentre outros fatores, demonstram a complexidade do impacto causado pela globalização da economia e
expansão das empresas transnacionais nas denominadas economias emergentes. Essas mudanças havidas no cenário mundial,
contudo, acentuam o abismo econômico já existente entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Amplia-
se o dualismo econômico. Aumentam as desigualdades sociais, o desemprego, a pobreza e a exclusão social. (...)‖.
SHNEIDER, Patrícia Buendgens. Os direitos humanos e a sua proteção frente à globalização econômica. In: M
Diovesan, Flávia (Cood.) Direitos Humanos. Coord. Flávia Piovesan. Curitiba, Juruá, 2006. p. 277.
14 SHNEIDER, Patrícia Buendgens. op. cit., p. 277.
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formas que tornam precário o trabalho. Como resultado dessas possíveis violações das garantias
laborais, tem-se, por exemplo, o desrespeito aos direitos da personalidade de seus empregados.
Daí a importância do Estado atuar como guardião do respeito aos direitos da
personalidade, por meio de seus mecanismos ou políticas, de forma a garantir a valorização do
trabalho e o respeito à dignidade15 do trabalhador, buscando o desenvolvimento sustentável
alicerçado na exploração da atividade econômica e ao mesmo tempo na valorização do trabalho.
Como visto, com o objetivo centrado na maximização de lucros e à geração e
concentração da riqueza, esta nova fase de expansão do capitalismo global seria particular por ter
conferido papel secundário ao ser humano, como agente e beneficiário desse processo. Assim,
muitas vezes, em nome dessa “corrida de mercado” descumprem-se normas, desrespeitam-se
princípios que visam garantir a valorização do trabalho, em dissonância com os Direitos da
Personalidade que visam, dentre outros, assegurar o direito a uma existência digna.
Por fim, compreender e refletir acerca dos Direitos da
Personalidade na perspectiva trabalhista, precisamente na relação contratual, é contribuir para o
alargamento da aplicação neste campo do Direito.
Os Direitos da Personalidade, advindo do direito civil, são uma base comum a todos os
ramos da Ciência do Direito. Isso se deve pelo fato de que tais direitos representam garantias ao
cidadão, sem as quais a vida em sociedade seria seriamente comprometida ou mesmo
inviabilizada, de acordo com os preceitos constitucionais vigentes.
A partir desse entendimento o direito do trabalho, enquanto ramo do Direito, também
baseia-se nos Direitos da Personalidade para regular as relações de trabalho. Assim, as normas
civis desses direitos incidem diretamente na relação empregado-empregador ou na relação capital-
trabalho.
Sendo assim, mister se faz analisar os Direitos da Personalidade para então verificar as
aplicações na relação laboral. Os Direitos da Personalidade “são aqueles que recaem em certos
atributos físicos, intelectuais ou morais do homem, com a finalidade de resguardar a dignidade e
integridade da pessoa humana”16. A partir deste conceito, pode-se afirmar que essa gama de
direitos é ampla e deve alcançar toda e qualquer finalidade de garantir a existência digna do ser
humano. Não há desta forma limitação desses direitos porque visam a dignidade humana.
Ainda, pode-se dizer que os Direitos da Personalidade são os direitos interiores, de que o
sujeito de direito necessita para preservar a sua integridade física, intelectual e moral. Neste
sentido, afirma-se que “são direitos destinados à defesa de valores inatos ao homem, como a vida,
a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos.” 17. Todos os exemplos
aqui citados possuem o mesmo escopo, qual seja de salvaguardar a dignidade e integridade
humana.
Neste contexto, Bittar observa que quando estes direitos são exercidos em face do Estado,
recebem o nome de direitos fundamentais. Já a sua projeção no relacionamento entre particulares
adquire a denominação de Direitos da Personalidade, inatos ou personalíssimos. No presente
estudo, como tratar-se-á da relação de trabalho, isto é, direitos projetados na esfera privada, a
terminologia tecnicamente correta é mesmo Direitos da Personalidade para significar e justificar a
proteção ao empregado.
Vale destacar, que tratam de direitos subjetivos absolutos, porque são exercitáveis erga
omnes, consistentes em bens jurídicos incorpóreos, titularizados pelos mesmos sujeitos que os
detêm como conteúdo da personalidade.
15 ―Pela utilização que tem sido feita da dignidade e ao mesmo tempo, pela necessidade de que seja observada nas relações
entre os indivíduos, é preciso analisar se é norma, princípio, ou apenas valor fundante dos direitos fundamentais. O
esclarecimento acerca da inserção da dignidade como direito fundamental, sem retirá-la do contexto dos direitos humanos,
estando vinculada tanto aos tratados e convenções de direito internacional, como ao ordenamento jurídico interno, permite
que se passe à consideração da dignidade não apenas como um princípio, de aplicabilidade duvidosa, mas também e, de
maneira não excludente, como direito e necessidade‖. Gosdal, Thereza Cristina. Dignidade do trabalhador: um conceito
construído sob o paradigma do trabalho decente e de honra. Curitiba, UFPR, 2006. Tese de Doutorado.p.39. Localizado
na biblioteca da faculdade de direito da Universidade Federal do Paraná.
16
FRANÇA, R. Limongi. Instituições de direito civil. 3.ed São Paulo: Saraiva, 1994, p.1037.
17
BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil. Vol.I. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994, p. 201.
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Ainda, na tentativa de melhor conceituar ou precisar a definição de Direitos da
Personalidade, socorre-se à Karl Larenz, que assim define: “os Direitos da Personalidade devem
ser compreendidos como: a) os próprios da pessoa em si (ou originários), existentes por natureza,
como ente humano, com o nascimento; b) e os referentes às suas projeções para o mundo exterior
(a pessoa como ente moral e social, ou seja, em seu relacionamento com a sociedade)” 18.
A partir do exposto, nota-se que esses direitos referem-se tanto a direitos da própria
pessoa como aqueles que podem ser projetados para fora dele próprio, tutelando os indivíduos de
forma mais ampla possível, sendo caracterizado por serem: absolutos, extrapatrimoniais,
necessários e vitalícios, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados e imprescritíveis.
Neste sentido, é enfático Luiz Edson Fachin19 ao dizer:
18
LARENZ, Karl. Tratado de Derecho Civil Alemán – parte general, trad. de Miguel Izquierdo. Madrid: Editoriales de
Derecho Reunidas, 1978,p. 160-162.
19
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil: À luz do novo Código Civil brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003. p. 216.
20
Diferentemente do Código de Trabalho Português que possui dentro da Parte II denominada de Contrato de Trabalho, no
Capítulo I, sete artigos específicos acerca dos direitos de personalidade (arts. 15 a 21)
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No entanto, deve-se também dizer que os Direitos da Personalidade, não deveriam apenas
ser objeto de proteção quando há um suporte contratual válido, isto é, quando existe um contrato
de emprego, mas sim em todas as situações onde houver trabalho no sentido mais amplo possível.
Apenas a título de exemplificação, são hipóteses de trabalho quando não há na relação um
suporte contratual válido: o trabalho do imigrante ilegal ou irregular, das pessoas que vendem sua
força de trabalho a traficantes por dinheiro ou mesmo por droga, da prostituição. Nessas hipóteses
falar em Direitos da Personalidade na relação de trabalho é uma realidade muito distante já que o
Estado não consegue oferecer a tutela necessária tão essencial a esses trabalhadores em condição
de plena e total vulnerabilidade social, econômica, dentre outras. Logo, por mais que a legislação e
o próprio Direito do Trabalho ofereça mecanismos de proteção aos Direitos da Personalidade, estes
não conseguem atingir estes trabalhadores aqui exemplificados.
Vale dizer que a proteção dos Direitos da Personalidade na relação de emprego pode ser
encontrada na Magna Carta, CLT, Código Civil, Código Penal e em legislação esparsa. O objetivo
deste artigo não é de analisar e/ou examinar cada norma jurídica contida nestes diplomas legais,
mas sim de demonstrar, ainda que sucintamente, normas que tutelam os direitos da
personalidade. A Constituição Federal de 1988 no artigo 7° elenca, quase que em todos os seus
incisos, diversas formas de tutelar alguns dos direitos da personalidade.
No inciso XII a Constituição limita a duração do trabalho, visando proteger a integridade
física e psíquica do trabalhador, já que se não houvesse esta limitação considerada razoável
(ainda que haja um forte movimento das centrais sindicais para a redução da jornada de trabalho)
estar-se-ia ferindo a integridade do indivíduo.
Outros exemplos podem ser verificados no sentido de preservar a integridade física e/ou
psíquica do trabalhador quando, ainda neste artigo a Constituição prevê direito a gozo de férias
anuais remuneradas e acrescidas de um terço, repouso semanal remunerado, redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Há também outras
hipóteses que visam à dignidade do trabalhador e do trabalho, o que de fato representa ou
sintetiza os Direitos da Personalidade para o trabalhador, quando concede licença à gestante,
paternidade, garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, irredutibilidade salarial, pagamento de
adicional de insalubridade e periculosidade, proibição de diferença de salários, de exercício de
funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, proibição de
qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de
deficiência, proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os
profissionais respectivos, dentre outros.
Diante do exposto, pode-se concluir, facilmente, que praticamente todos os incisos do
artigo 7° em questão são direitos que visam proteger o trabalhador estabelecendo premissas
basilares para se construir ou manter uma relação de trabalho. Tais direitos acabam por
representar a garantia de um trabalho digno e decente e visa a concreção dos direitos da
personalidade.
Examinada, de forma breve, a manifestação da tutela dos direitos da personalidade na
Constituição, passa-se a verificar na legislação infraconstitucional. Em seu turno, a CLT, em
diversos artigos, protege e tutela os direitos da personalidade do empregado nas mais diversas
formas. Pode-se dizer que a CLT é um conjunto de normas trabalhistas com largo alcance em
determinar e proteger esses direitos, já que preocupa-se, desde a formalização da relação
contratual, com questões de medicina e segurança do trabalho, tutela especial a determinadas
pessoas mais vulneráveis como a mulher e o menor, os trabalhadores indicalizados, etc. Ainda, o
artigo 483 elenca situações fáticas de não observância aos Direitos da Personalidade, os quais
permitem os empregado considerar rescindido o contrato e pleitear indenização. Talvez este texto
legal tenha o condão de sintetizar a representação e consagração dos Direitos da Personalidade na
relação de emprego, já que é uma possibilidade real, imediata e concreta do próprio empregado
cessar a violação de seus direitos.
O Código Civil Brasileiro dedica um capítulo na parte geral, logo no Livro I, para disciplinar
os Direitos da Personalidade. O referido Código prevê que, de forma geral, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária. Ainda, o artigo 12 prevê que pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito
da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Igualmente há previsão acerca do direito de imagem, seu artigo art. 20, estabelecendo que salvo
se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a
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divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da
imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização
que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins
comerciais. Neste particular, acerca da imagem, este artigo representa uma limitação ao poder do
empregador em utilizar a imagem de seu empregado.
O Código Penal Brasileiro (CP) prevê crimes específicos relacionados ao trabalho e assim
ao direito do trabalho. Em relação à proteção dos Direitos da Personalidade e aos direitos
fundamentais (pois em algumas situações exercíveis face ao Estado) pode-se colocar a parte
especial onde há tipificação fechado do ilícito penal. Seguramente, pode-se dizer que tipo mais
representativos são os que prevêem as hipóteses de redução do trabalhador a condição análoga à
de escravo (art. 149); atentado contra a liberdade de trabalho (art. 197); atentado contra a
liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta (art. 198); aliciamento para o fim de
emigração e de aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional (arts.
206 e 207) e o assédio sexual (art. 216-A).
Na legislação esparsa não se pode deixar de mencionar a Lei n° 9.029/95, que proíbe a
exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos
admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. O artigo 2° da referida Lei 21
tipifica como crime práticas discriminatórias que porventura o empregador venha a praticar com o
trabalhador. Entende-se que essa legislação avança no sentido de estabelecer tipos penais
fechados visando assegurar os Direitos da Personalidade, prevendo e assim permitindo a punição
na esfera criminal, não só pelo caráter repressivo da norma penal mas principalmente pelo caráter
preventivo e educativo a que se destina.
Feitas estas breves apreciações acerca da proteção legal dos direitos da personalidade
aplicáveis na relação de trabalho na Constituição Federal de 1988, bem como na legislação
infraconstitucional, conclui-se que existem diversas formas de proteção à garantia dos Direitos da
Personalidade em diversos diplomas legais. Se, lamentavelmente, são raros os casos onde se
invoca esta legislação e assim se efetiva a proteção, não pela ausência de ocorrência das hipóteses
mas sim por uma omissão dos operadores do direito, é momento para reflexão em especial de
advogados, Ministério Público e Justiça do Trabalho para se efetivar, definitivamente, a proteção
dos direitos da personalidade e repressão não apenas adstrita a indenização.
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Dentre as hipóteses de justa causa do empregado está a do preso condenado, caso não
tenha havido suspensão da execução da pena22. Aquele que comete um ilícito penal vai ser
responsabilizado na esfera penal, e se gerar um dano civil vai responder também na esfera cível.
No entanto, o Direito do Trabalho, neste particular, acaba criando mais uma pena ao condenado,
qual seja, de perder o seu emprego por meio de norma estatal, portanto imperativa, e ainda sob a
rubrica de justa causa, afastando alguns dos direitos do empregado, sem falar nas sanções
“morais” que irá sofrer no momento de procurar um outro emprego fruto da dispensa por justa
causa.
Como visto, o sistema jurídico hodierno prevê, em pelo menos três ramos do direito,
sanções para o preso condenado. Na esfera penal e civil não há que se indagar das cominações
legais, já que as mesmas visam proteger e defender o cidadão ofendido. Já no Direito do Trabalho
não se vislumbra como a sanção imposta está protegendo o ofendido. Ao revés, está prestando um
desserviço, já que quando o apenado sair do estabelecimento prisional estará sem emprego,
podendo facilmente ser “tentado”a cair nas estatísticas da reincidência.
Deve-se dizer, ainda, que a justa causa nesta hipótese não se constitui precisamente, em
um justo motivo para a dispensa, porque o empregado não cometeu nenhuma infração disciplinar
na relação de emprego, e logo não deve ser punido. Nesta mesma esteira, Martins23 assevera:
A partir das lições extraídas da doutrina, pode-se ter a compreensão de que ela mesma
não reconhece a hipótese do preso condenado como sendo uma forma de justa causa, mas justifica
a sua ocorrência pela impossibilidade física do empregado de entregar sua força de trabalho. No
entanto, esta ausência será temporária e a prática processual penal tem demonstrado que, mesmo
nos casos com penas mais altas, em um período muito pequeno em relação à pena imposta, o
indivíduo consegue sua liberdade, ainda que em regime semi-aberto. Logo, essa impossibilidade
física temporária de prestação de serviços pode ser enfrentada como um resultado diverso da justa
causa.
A partir da compreensão dos Direitos da Personalidade aqui exposta, entende-se que a
hipótese de justa causa do preso condenado está ferindo os Direitos da Personalidade, já que
comina uma sanção que desrespeita o valor do trabalho atrelado a dignidade humana, e representa
mais uma pena àquele que cometeu o ilícito penal. Por este fato e pelas implicações sociais da
aplicação da justa causa, defende-se que esta hipótese de justo motivo deve ser repensada pela
sociedade e pelos operadores do direito.
Constantemente se defende em discursos políticos o estabelecimento de políticas públicas
que visem à inclusão social, as chamadas ações afirmativas, por exemplo. No entanto, existem
normas ainda vigentes no ordenamento que vão de encontro a tais políticas e aos direitos da
personalidade. A própria hipótese de justa causa em questão é um exemplo de norma jurídica que
afasta esses direitos do preso condenado, o que dificulta ainda mais a sua reintegração social, após
deixar o estabelecimento prisional, “partindo do pressuposto que o trabalho é o ponto de inserção
do sujeito social na sociedade”24.
Neste sentido, entende-se que o Direito está contribuindo de forma significativa para a
promoção da desqualificação humana25, processo que antecede a exclusão social26 e ao próprio
22
Como sabido, O Direito Penal é o legitimado para estabelecer as normas e sanções na esfera penal, ou seja, aquele que
comete um crime, por exemplo, vai sujeitar-se ao regime jurídico do direito penal, ou seja, vai submeter-se a todos os
princípios, normas, sanções, procedimentos, processo de acordo com os ditames deste ramo do Direito Público.
23
MARTINS, Sérgio Pinto. Manual da Justa Causa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 67.
24
CASTEL, Robert. Les marginaux dans l’histoire. In: L’exclusion, l’Etat du savoir. Paris, La Découvert, 1996. p. 89.
25
Robert Castel chama a atenção para o fato de que o desemprego, a marginalidade e demais situações que conduzem os
sujeitos sociais à falta de condições da inserção plena na sociedade podem ser entendidos como um processo de
desqualificação, o que não significa necessariamente um processo de exclusão social. op.cit.p.112.
50
afastamento dos Direitos da Personalidade nele previstos. Desse modo, defende-se que o Direito
deve ser o garantidor e protetor do emprego, do respeitos aos Direitos da Personalidade, em
especial, neste caso, do trabalhador que possui “carteira assinada”, principalmente pelo fato de
que diante do contexto econômico-cultural os detentores do capital27 –empregadores-, de maneira
geral, almejam, de qualquer modo, afastar os direitos trabalhistas das relações de emprego,
impondo seus poderes fruto de sua hegemonia28, violando fundamentalmente a dignidade do ser
humano que entrega sua força de trabalho29.
Ademais, o próprio sistema penal objetiva a reeducação do preso, buscando ressocializá-lo
para voltar a viver em sociedade. O Estado, por meio de suas políticas públicas e ações, deveria
estar voltado na concreção real deste objetivo.
Conclui-se, então, que após o cumprimento da pena, ou seja, após o indivíduo “pagar” a
sua dívida com a sociedade, nos termos que a lei penal impõe, passa a ser um cidadão livre, no
pleno gozo de seus direitos. Todavia, deverá passar por um processo de readaptação social para
voltar a viver em sociedade, já que devido ao tempo em que foi retirado do convívio social deverá
enfrentar uma realidade distinta a que estava acostumado, sem contar que, certamente, será
vítima de discrimação, tendo o “rótulo” de ex-presidiário.
Por todos os argumentos demonstrados, sejam de ordem jurídica, social ou filosófica, e da
abordagem multidisciplinar do art.482,“d” da CLT, pode-se dizer que a referida norma legal afronta
diretamente os Direitos da Personalidade e a própria Constituição Federal de 1988. Assim, o
referido regra da CLT é de duvidosa constitucionalidade, uma vez que conflita com as próprias
normas e princípios esculpidos na Lei Maior.
Diante de todo o exposto, com o intuito de contribuir para a efetivação concreta e material
dos Direitos da Personalidade, dos Direitos Fundamentais, o tema proposto possui grande
relevância social, uma vez que diversos condenados depois de cumprir sua pena encontram-se
desempregados. Este fato contribui para a delinquência e para a perpetuação de sua condição de
ser excluído social; de representar uma forma de inclusão social, tendo em vista que se o
condenado sair da prisão com a possibilidade de retornar ao seu trabalho, contribuirá
significativamente para ter uma vida digna e facilitar à o seu processo de readaptação social,
partindo da premissa, já defendida, que o trabalho é o ponto de inserção do sujeito social na
sociedade.
Por fim, cabe dizer que a precisa aplicação dos Direitos da Personalidade, que garantem a
dignidade humana na hipótese de justa causa do preso condenado, art. 482 d da CLT, afasta a
possibilidade do empregador poder utilizar-se desta forma de dispensa.
26
―O processo acelerado de empobrecimento de um grande contingente populacional dos nossos dias determinou até mesmo
uma certa ‗vulgarização‘da expressão ‗exclusão social‘. Essa expressão saiu da academia e ganhou as ruas, virou slogan de
bandeira de luta nos movimentos sociais e/ou partidos políticos, transformou-se em assunto para conversa nos bancos das
praças, na convivência familiar, sobretudo quando o assunto se refere à luta da busca da sobrevivência. Enfim, tornou-se uma
expressão utilizada por todos os segmentos sociais. Na verdade, emprega-se a expressão social quando se trata da questão da
perda, por parte do sujeito social, da condição de inserção social, quer seja no acesso ao trabalho devido a uma acelerada
mutação tecnológica, processo de empobrecimento, discriminação racial e cultural, etc. Este é um entendimento de exclusão
social que está na rua, que o povo absorveu‖. O conceito adotado pelo autor, apesar dos entraves de ordem teórica e
metodológica pertinentes a matéria, é associado a exclusão à perda da participação do sujeito no contexto social, seja na
esfera produtiva ou na cultura, admitindo que esse conceito é constituído a partir de um pressuposto subjacente assentado
sobre o significado de cidadania. BONETI, Lindomar Wessler. op.cit., p. 214-215.
27
Neste sentido: ―o capital não tem a menor consideração pela saúde e duração de vida do trabalhador, a não ser quando é
coagido pela sociedade a ter consideração‖.À queixa sobre degradação física e mental, morte prematura, tortura do
sobretrabalho, ele responde: Deve esse tormento atormentar-nos, já que ele aumenta o nosso gozo (o lucro)? De modo geral,
porém, isso também não depende da boa ou da má vontade do capitalista individualmente, como leis externas inexoráveis, as
leis imanentes da produção capitalista.‖.MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política.v.1.São Paulo: Nova
Cultural, 1985. v.1 . p. 215.
28
Empresta-se o conceito de hegemonia a Gramsci, a partir da compreensão, sobretudo, de sua teoria ―bloco histórico‖.
Assim, hegemonia significa supremacia de um grupo ou classe sobre outras classes ou grupos; ela se estabelece com meios
diferentes do recurso à violência ou à coerção. GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História.. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1989. j.223-271
29
Neste sentido coloca-se a reportagem do Jornal Gazeta do Povo de 04/05/07, p. 23 intitulada: ―Entidades se mobilizam
para manter a Emenda 3‖. A emenda 3 do projeto de Lei que criou a Super-Receita pretende, em suma, impossibilitar a
atuação dos fiscais da Receita, da Previdência e do Trabalho, os quais visam salvaguardar os direitos dos trabalhadores.
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5. CONCLUSÃO
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil. Vol.I. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994.
BRASIL, LEI 9.029/95. Publicado no Diário Oficial da União em 17/04/95.
52
BONETI, Lindomar Wessler. As políticas educacionais, a gestão da escola e a exclusão social. In:
FERREIRA, Naura Syria Carapeto; AGUIAR, Márcia Angela da S. (Orgs.)
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FACHIN, Luiz Edson; RUZIK, Carlos Eduardo Pianovski. “Direitos fundamentais, dignidade da
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FRANÇA, R. Limongi. Instituições de direito civil. 3ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
Gazeta do Povo de 04/05/07, reportagem intitulada: “Entidades se mobilizam para manter a
Emenda 3”.
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. 2.ed. São Paulo: Ed.Unesp, 1991.
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