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Texto 4 Piaget e A Relação Entre Desenvolvimento e Aprendizagem

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Desenvolvimento e Aprendizagem em Piaget e Vygotsky

Isilda Campaner Palangana – Desenvolvimento e


aprendizagem em Piaget e Vygotsky : A relevância do
social – Ed. Summus

A Relação entre Desenvolvimento e Aprendizagem


A relação entre desenvolvimento e aprendizagem está presente, ainda
que de forma implícita, nas diferentes teorias psicológicas que se ocupam
em estudar o comportamento, o pensamento ou o psiquismo humano. Mais
que isto, a forma como esses dois fenômenos são combinados condiciona
posturas teórico- metodológicas muito distintas e, consequentemente,
práticas pedagógicas que se opõem em muitos aspectos. Assim sendo, a
compreensão desta relação pode facilitar, sobremaneira, o entendimento dos
demais conceitos e/ou princípios envolvidos nas concepções em discussão.
A análise da relação desenvolvimento/aprendizagem, antes de ser de cunho
psicológico, é de natureza essencialmente epistemológica. Ela está vinculada,
em última instância, à relação sujeito/objeto do conhecimento. É sabido que
todo conhecimento implica, necessariamente, uma relação entre dois polos,
isto é, entre o sujeito que busca conhecer e o objeto.de ser conhecido. Pois
bem, ás concepções psicológicas que priorizam o processo de
desenvolvimento em detrimento da aprendizagem estão automaticamente
privilegiando o sujeito, o endógeno a organização interna, inerente ao
Sujeito, diminuem, portanto, o papel ou a relevância do objeto, do meio
físico e social, do exógeno, da experiência. Esta situação, obviamente, se
inverte quando o pólo privilegiado passa a ser a aprendizagem. Restam ainda
as teorias que se definem por uma postura interacionista, nas quais o
homem é concebido como um organismo ativo, cujo conhecimento e
funções psicológicas vão sendo elaboradas, gradativamente, na sua interação
com o meio ambiente.

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ísilda Campaner Palangana

O modelo teórico proposto por Piaget pode ser qualificado, em


princípio, de interacionista. Ele acredita que o conhecimento não é imanente
nem ao sujeito nem ao objeto, sendo, isto sim, construído na interação entre
estes dois polos. Contudo, na medida em que Piaget defende a tese segundo
a qual o processo de construção do conhecimento é desencadeado pela ação
do sujeito através de seus mecanismos de adaptação e organização, ele está
incorporando postulados próprios do inatismo. Com base nessas
constatações — que poderão ser melhor compreendidas no decorrer desta
unidade —, é possível afirmar que a postura teórica piagetiana é de natureza
interacionista com fortes tendências para o primado do sujeito.
Inicialmente, convém lembrar que Piaget se propôs a estudar o processo
de desenvolvimento do pensamento e não a aprendizagem em si. Ele
observa a aprendizagem infantil não com o intuito de diferenciá-la do
desenvolvimento, mas para obter uma resposta à questão fundamental (de
ordem epistemológica) que se refere à natureza da inteligência, qual seja:
como se constrói o conhecimento? E importante destacar que, de acordo
com Piaget, o sujeito do conhecimento não é um indivíduo particular qual -
quer. Piaget teoriza sobre o sujeito ideal, universal e, portanto, atemporal.
Ele trabalha com o sujeito epistêmico que, mesmo não correspondendo a
ninguém em particular, sintetiza as possibilidades de cada indivíduo e de
todos ao mesmo tempo. Na perspectiva piagetiana, o outro pólo desta
relação, ou seja, o objeto do conhecimento refere-se a um meio genérico,
que engloba tanto os aspectos físicos como os sociais.
Nas sistematizações teóricas de Piaget, conhecer significa organizar,
estruturar e explicar o real a partir das experiências vividas. Conhecer é
modificar, transformar o objeto; é compreender o mecanismo de sua
transformação e, consequentemente, o caminho pelo qual o objeto é
construído
Desenvolvimento e Aprendizagem em Piaget e Vygolsky

O conhecimento é sempre produto da ação do sujeito sobre o objeto. Neste


sentido, a operação é a essência do conhecimento: a ação interiorizada mo-
difica o objeto do conhecimento, impondo-lhe uma ordenação no espaço e
no tempo. Orientado pelos princípios da biologia, Piaget viu na coordenação
funcional da ação adaptativa a origem de todo conhecimento. Analisando
seus postulados é possível inferir que o fio condutor da argumentação
piagetiana, ou seja, a orientação básica de seu trabalho, expressa-se na ideia
de que o conhecimento não se origina na percepção, mas sim na ação. A
esse respeito ele escreve: “Nossos conhecimentos não provêm nem da
sensação nem da percepção isoladamente, mas da ação global, de que a per-
cepção participa apenas como função de sinalização. Próprio da inteligência
não é contemplar, mas ‘transformar’, e seu mecanismo é essencialmente
operatório. Ora, as operações consistem em ações interiorizadas e
coordenadas em estruturas de conjunto (reversíveis etc.); se desejarmos
explicar esse aspecto operatório da inteligência humana, convirá partir da ação
— e não apenas da percepção” (Piaget in: Chiarottino, 1984, p. 104). Ao
contrário dos teóricos empiristas, Piaget acredita que a hipótese de uma
origem sensorial do conhecimento não é apenas incompleta, mas, sobretudo,
falsa, uma vez que a percepção não se reduz a uma leitura direta da
experiência. A percepção consiste, isto sim, em uma organização que
prefigura a inteligência, sendo cada vez mais influenciada pelo progresso
desta. As estruturas operatórias não podem derivar de pré-inferências
perceptivas, já que os progressos alcançados — especialmente pelo
pensamento dedutivo — não se limitam a explicar propriedades
implicitamente presentes desde o início. As estruturas cognitivas, como se
sabe, consistem em construções de novos modelos acompanhando a
elaboração de esquemas cada vez mais ricos e coerentes. Segundo
Chiarottino, o fato de Piaget admitir que o aspecto figurativo do
conhecimento está subordinado às estruturas operatórias oriundas da ação
ou, em outras palavras, o fato dele afirmar que o funcionamento cognitivo
obedece a uma certa lógica, não significa que ele tenha reduzido a
experiência vivida a um sistema lógico que independe da ação.

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Is ilda Campaner Palangana

É preciso não se esquecer de que as estruturas mentais funcionam,


justamente, classificando e ordenando a experiência. Chiarottino ressalta,
ainda, que este mesmo funcionamento é condição de extrema importância
para o ato de conhecer, aprender ou atribuir significados (já que este
funcionamento compreende os mecanismos básicos para a ação). A constru-
ção do conhecimento (do real) é uma conquista do homem que se realiza
através da ação.
De acordo com a concepção psicogenética, ao agir sobre os objetos, o
sujeito não apenas extrai características intrínsecas aos mesmos como
também acrescenta algo ao real, na medida em que ele pode combinar e
efetuar deduções a partir dessas características abstraídas. Este fato pode ser
verificado em dois tipos básicos de ação ou experiência com os objetos: a
experiência física e a experiência lógico-matemática. Segundo Piaget a
experiência física consiste, com efeito, em agir sobre os objetos de maneira a
descobrir as propriedades que ainda são abstratas nesses objetos como tais:
por exemplo, sopesar um corpo a fim de avaliar seu peso” (1974, p.37). Deste
tipo de ação decorre o que Piaget denomina “abstração empírica ou
simples”, que implica em extrair de uma classe de objetos suas características
comuns. Já a experiência lógico-matemática “... consiste igualmente em agir
sobre os objetos, mas de forma a descobrir propriedades que estão, pelo
contrário, abstratas das ações mesmas do sujeito, de tal forma que, num certo
nível de abstração, a experiência sobre os objetos se torna inútil e a
coordenação das ações basta para engendrar uma manipulação operatória
simplesmente simbólica e procedendo assim de maneira puramente dedutiva”
(Idem, ibidem). Quando a criança descobre que a soma de um conjunto é
independente da ordem espacial dos elementos, ela está abstraindo o
conhecimento de sua própria ação e não dos objetos. O sujeito age sobre os
objetos estabelecendo ou construindo novas relações. Às ações desta
natureza Piaget denomina “abstração reflexiva ou construtiva”. De um
sistema de ações ou operações de nível inferior o sujeito abstrai certas carac -
terísticas (formas) que permitem a reflexão sobre ações ou operações de
nível superior

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Desenvolvimento e Aprendizagem em Piaget e Vygotsky

Na obra Fazer Compreender (1978, p.176), Piaget retoma esta questão


insistindo na sensível diferença entre os dois tipos de ação ou experiência
identificados. A ação física é de caráter material e causai, visto que se refere
à coordenação de movimentos e, consequentemente, o conhecimento é
tirado dos próprios objetos. Enquanto a ação lógico-matemática é de natu-
reza implicativa, no sentido de que procura estabelecer ligações entre
significações e, neste caso, o conhecimento provém das ações que o sujeito
exerce sobre os objetos.
P ser humano, segundo Piaget, nasce com a possibilidade de, na
interação com o meio ambiente, construir seus esquemas de ação
integrando-os em sistemas cada vez mais abrangentes. Diz ChiarottinõT
"Ao se construírem em nível exógeno, esses esquemas dão origem a uma
transformação em nível endógeno ou neuronal que permitirá novas recepções
de estímulos do meio. A esses, o organismo ‘responderá’ construindo outros
esquemas de ação, provocando, concomitantemente, novas transformações
em nível neuronal, que se constituirão nas estruturas mentais” (1984, p.67).
Assim sendo, pode-se afirmar que, para Piaget, o conhecimento compreende
duas grandes fases: a exógena e a endógena. A primeira define-se como fase
da constatação, da abstração empírica. A segunda é a fase da compreensão,
do estabelecimento de relações, das explicações, logo, da abstração reflexiva.
Nesta perspectiva, as estruturas de conhecimento precedem todas da ação,
sendo que, do nível sensório-motor ao nível operatório-formal assiste-se a
uma reorganização contínua dessas estruturas que se encaminha para formas
de pensamento cada vez mais ricas. O processo de construção do
conhecimento obedece, pois, uma linha evolutiva que parte da ação
consciente e conduz ao pensamento formal, ou seja, ao conhecimento
lógico-matemático.
Na concepção de Piaget, o problema do conhecimento está estreitamente
vinculado ao problema da aprendizagem: aprender é saber fazer (realizar) e
conhecer é compreender situação distinguindo as relações necessárias dos
contingentes. E atribuir significado às coisas, considerando não apenas os
aspectos explícitos do fenômeno, mas principalmente o implícito, o possível.

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Isilda Campaner Palangana

Piaget distingue aprendizagem de maturação, destacando que a maturação


é baseada exclusivamente em processos fisiológicos e distingue
aprendizagem de conhecimento, pois, para ele, o conhecimento se define
pela soma de coordenações que, tendo passado por um lento processo de
desenvolvimento, encontram-se disponíveis para o organismo em
determinado estágio. Já o conceito de aprendizagem, em sentido estrito, está
diretamente vinculado às aquisições que decorrem, fundamentalmente, das
contribuições provenientes do meio externo. Desta forma, Piaget diferencia,
também, a aprendizagem do processo de equilibração que regula o
desenvolvimento dos esquemas operativos de acordo com as contribuições
internas ao organismo. Toda aprendizagem pressupõe a utilização de
mecanismos não aprendidos, ou seja, pressupõe a utilização de um sistema
lógico (ou pré-lógico) capaz de organizar as novas informações. Este sistema
encontra-se, justamente, no terreno da equilibração.
Segundo Piaget, as teorias psicológicas contemporâneas têm explicado o
processo de aprendizagem a partir de fatores maturacionais, internos ao
sujeito (inatismo) ou em função da experiência adquirida no meio social
(empirismo). A visão de Piaget sobre essa questão engloba e ultrapassa as
duas posturas citadas ao admitir a participação de um terceiro fator — o
sistema de equilibração — cuja natureza não é nem hereditária nem
adquirida. Trata-se de um mecanismo de ordem mais geral, que se estrutura
graças às condições' oferecidas pela conjugação da maturação com a ação da
criança. A equilibração se explica pelo fato de que, nas etapas sucessivas, as
formas pelas quais os esquemas operam apresentam sempre uma
probabilidade crescente em complexidade e plasticidade, tendo em vista os
resultados obtidos nas etapas antecedentes. O sistema de equilibração
coloca-se como elo de ligação entre o desenvolvimento e a aprendizagem,
Combinando os fatores de ação externa com os fatores de organização
interna, inerentes à estrutura cognitiva.

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Desenvolvimento e Aprendizagem em Piaget e Vygotsky

Do ponto de vista piagetiano, o processo de conhecimento implica a


disponibilidade de esquemas operativos, uma vez que este só pode ser
efetuado através da ação. Não obstante, vale observar que estes esquemas
operativos podem ser tanto condições de aprendizagem como produto
desta. Por um lado, todo novo esquema é produto de aprendizagem, na
medida em que resulta da diferenciação, pressupõe uma acomodação que
depende da experiência. Por outro lado, para que a aprendizagem ocorra, o
sujeito deve dispor de alguns esquemas prévios que possam ser
diferenciados no decorrer de novas assimilações. Dito em outras palavras, o
conteúdo dos esquemas é aprendido, enquanto o caráter generalizável dos
mesmos (sua forma) não aparece como consequência das aprendizagens
efetuadas, mas decorre, diretamente, do processo de desenvolvimento. E
certo que o desenvolvimento dessas formas depende, também, da interação
com o meio. No entanto, não se pode esquecer que, em Piaget, este de-
senvolvimento — além de estar diretamente vinculado ao processo de
maturação do sistema nervoso — implica, ainda, uma atividade que não foi
aprendida. Trata-se, no caso, da atividade conjunta dos mecanismos de
assimilação e acomodação, observando-se, na elaboração do esquema, a
preponderância do segundo sobre o primeiro. No que se refere à questão,
Furth diz o seguinte : ‘‘Aquilo que é aprendido no sentido estrito é a
totalidade de diferenciações devidas à acomodação como origem dos
esquemas novos, diante da crescente diversidade dos conteúdos. No entanto,
aquilo que não é aprendido no sentido estrito é a atividade assimilativa, com
sua consequente equilibração entre assimilação e acomodação.” (1974, p.267).
A criança nasce com a capacidade para exercitar seus esquemas de atividade
adaptativa com uma certa independência do específico e do imediato. Logo,
o papel que o ambiente social pode exercer na aquisição de um conteúdo
fica diminuído em função da natureza ativa e autossuficiente dos
mecanismos (internos) de desenvolvimento.

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Isilda Campaner Palangana

Piaget identifica dois tipos de aprendizagem: num sentido estrito e num


sentido amplo. No sentido estrito, aprendizagem refere-se aos conteúdos
adquiridos em função da experiência. Já a aprendizagem em sentido amplo
compreende as aquisições que não são devidas, diretamente, à experiência,
mas construídas por processos dedutivos. Diz Piaget: “... mesmo se a
transitividade se aprende (o que significa pois dizer em função da experiência),
seu emprego, uma vez o mecanismo constituído, dá lugar a aquisições novas
que como tais não se devem mais à experiência'' (1974, p.53). É sabido que
somente a partir do nível operatório (cujo início se dá por volta dos 7-8 anos
de idade), a dedução passa a constituir uma fonte de aquisições independente
da experiência. Entretanto, nos estágios precedentes pode-se observar
aquisições que não são produzidas pela experiência. São aprendizagens
possibilitadas por um sistema não propriamente dedutivo, mas dotado de
uma organização suficiente para dar lugar a conhecimentos novos. Portanto,
aprendizagem neste sentido mais amplo refere-se ao processo de constituição
das estruturas operatórias do pensamento; refere-se à constituição das
formas de pensamento. Quando Piaget fala em aprendizagem no sentido
geral, ele está se reportando ao processo de desenvolvimento. Na verdade,
aprendizagem propriamente dita equivale tão somente à aquisição de novos
conteúdos. Como todo conteúdo só pode ser atingido pela mediação de uma
forma, não é difícil perceber que, na concepção de Piaget, o processo de
aprendizagem é subjugado ao processo de desenvolvimento, sendo por este
condicionado. Ora, admitir que o processo de desenvolvimento antecede a
aprendizagem significa priorizar a atividade do sujeito em detrimento das
contribuições provenientes do objeto de conhecimento (do meio social).
As contribuições ou adjunções do sujeito, postuladas por Piaget, ficam
mais evidentes ao se retomar sua análise sobre as implicações da motivação e
da necessidade no processo de aprendizagem.

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Desenvolvimento e Aprendizagem em Piaget e Vygotsky

Segundo Piaget, quanto mais uma teoria de aprendizagem se distancia das


necessidades do sujeito mais ela terá que apelar para fatores motivacionais
(externo), a fim de explicar o desencadeamento do processo de
aprendizagem. Quando ocorre este privilégio da motivação em detrimento
das necessidades, o aspecto cognitivo da aprendizagem aparece como não
contendo nenhuma contribuição efetiva por parte do sujeito. Isto equivale a
dizer que os conhecimentos adquiridos graças à ação das crianças são vistos
como sendo fundamentalmente determinados pela natureza dos objetos aos
quais ela se dirige, reduzindo as contribuições do sujeito aos interesses que
ativam tais aquisições. Opondo-se à essa postura, Piaget entende que a
necessidade e a estrutura cognitiva são dois aspectos indissociáveis da
conduta humana: o aparecimento da necessidade é sempre solidário a um
determinado nível de organização estrutural, sem o que os desequilíbrios não
poderiam ocorrer. A necessidade é uma das manifestações da dinâmica
afetivo- cognitiva da estrutura mental que exprime uma tensão momentânea
ou desequilíbrio. E justamente este sistema de organização estrutural que
determina a possibilidade de essa necessidade ter sido constituída. Assim, de
acordo com o raciocínio piagetiano, é pertinente acreditar que as situações de
aprendizagem devem ter em conta a necessidade da criança ao invés dg se
ocupar com as motivações provenientes do meio físico ou social.
De acordo com Piaget, nos processos de aprendizagem mais elementares
é fácil considerar a necessidade como sendo uma variável independente. No
entanto, quando se analisa formas mais especializadas de aquisição, como
por exemplo a aprendizagem de uma lei de sucessão, as necessidades e os
interesses em questão serão elas também, cada vez mais especializadas,
demonstrando estreita correspondência com as estruturas cognitivas em
jogo. Neste nível de desenvolvimento, afirma Piaget, a contribuição do
sujeito fica extremamente evidente manifestando-se em dois sentidos: "...
por um lado, afetiva enquanto manifestação das tendências de uma certa
forma que facilitarão em diversos graus a aprendizagem, mais cognitiva, por
outro lado igualmente, enquanto dispondo de alguns modos de estruturação
dos dados.

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Isilda Campaner Palangana

Que esses modos de estruturação resultem eles mesmos de aprendizagens


anteriores não impede que, em todos os níveis, os interesses e as necessidades
que intervieram nessas aprendizagens fossem eles mesmos solidários das
estruturas já construídas ou em vias de construção, e isso até as estruturas
hereditárias de partida” (1974, p.45). Percebe-se que, na opinião de Piaget, a
aprendizagem tem mais chance de ser efetiva quando pautada sobre as
necessidades da criança. Primeiro, porque o interesse parte da própria
criança, revelando que seu nível de organização mental está apto a realizar
tal aquisição, já que a necessidade traz implícitas as formas ou estruturas
cognitivas das quais a criança dispõe. Segundo, porque a aprendizagem passa
a ser o meio através do qual a necessidade pode ser satisfeita, a
aprendizagem passa a ser necessária.
Os princípios piagetianos que orientam esta análise em torno da origem
dos estímulos para a ação (se provenientes da motivação externa ou da
necessidade interna) se encontram, também, na base do exame crítico que
Piaget desenvolve sobre a significação do reforço. Ele distingue os reforços
externos (que se devem a uma influência dos objetos sobre o sujeito) dos
reforços internos (que derivam de um prazer funcional consequente da
atividade do sujeito). A primeira forma de reforçamento — reforço externo
— só apresenta resultado satisfatório e, portanto, só se justifica quando a
situação de aprendizagem caracteriza-se como sendo uma experiência
essencialmente física, empírica, pois, neste caso, a criança não experiencia
uma real necessidade. Ao contrário, ela simplesmente pressente um estado.
Segundo Piaget, o reforço externo exprime, apenas, a influência do objeto ou
do meio externo sobre o sujeito na aquisição de um modo de conhecimento.
Mas Piaget está, particularmente, interessado na contribuição do outro pólo,
ou seja, na contribuição do sujeito para a aprendizagem. Daí suas
considerações sobre o reforço interno. Ele lembra que a grande maioria das
situações de aprendizagem (especialmente com as crianças que já
desenvolveram o pensamento operatório) repousam numa estrutura lógico-
matemática e, por isso, comporta uma razão necessária.

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Desenvolvimento e Aprendizagem em Piaget e Vygotsky

Neste caso, o reforço deve ser sempre interno, fundamentado na necessidade


que o sujeito tem de encontrar uma razão explicativa para o fato ou
fenômeno e sobre a satisfação de encontrá-la ou até mesmo de entrevê-la.
Na medida em que a satisfação da necessidade não se vincula mais a um
sucesso empírico, mas a um êxito com relação à atividade dedutiva do sujeito
mesmo, a única alternativa de fato eficiente nestas situações de aprendizagem
é o reforço interno.
Esta breve retomada das discussões feitas por Piaget sobre a natureza
dos estímulos e reforços para a ação só vem corroborar a hipótese de que o
processo de aprendizagem está, indiscutivelmente, alicerçado nas condições
postas pelo desenvolvimento. Esta constatação não traduz, entretanto,
nenhuma intenção de ignorar o princípio piagetiano da existência de uma
implicação mútua entre os processos de desenvolvimento e aprendizagem.
.
Segundo Piaget, "... o organismo e o meio constituem um todo
indissociável; isso significa que, a par das mutações fortuitas, é preciso
levar em conta as variações adaptativas que implicam, ao mesmo tempo,
uma construção própria do organismo e uma ação do meio, sendo os
dois termos inseparáveis um do outro. Do ponto de vista do
conhecimento, isso significa que a atividade do sujeito é relativa à
constituição do objeto, do mesmo modo que esta implica aquela: é a
afirmação de uma interdependência irredutível entre a experiência e a
razão (1975, p.26). O que equivale a dizer uma interdependência irredutível
entre aprendizagem e desenvolvimento. A experiência mencionada acima por
Piaget refere-se à ação física sobre os objetos: refere-se à aprendizagem. Já a
razão subentende combinações lógico-dedutivas a partir de características
abstraídas dos objetos, combinações estas que possibilitarão o aparecimento
de novos esquemas, novas formas de pensamento, correspondendo,
portanto, ao desenvolvimento cognitivo.
Ao proferir uma conferência no Centro Internacional de Epistemologia
Genética (Genebra, 1971) sobre desenvolvimento e aprendizagem, Piaget faz
uma distinção entre esses dois fenômenos.
Isilda Campaner Palangana

Ele lembra que a aprendizagem é, em geral, provocada por situações


externas, enquanto o desenvolvimento é um pro- cesso espontâneo, ligado à
embriogênese e que se refere, em última análise, à totalidade das estruturas
de conhecimento. Para Piaget, o desenvolvimento do pensamento — que
tem início com o nascimento e termina com a aquisição do raciocínio
lógico- formal — é comparável ao crescimento orgânico: como este, o
desenvolvimento do pensamento orienta-se sempre para um estado de
equilíbrio. Da mesma maneira que um corpo evolui até alcançar um nível
relativamente estável (onde a maturidade e o crescimento dos órgãos se
encontram concluídos), também a vida mental pode ser concebida como
uma dinâmica que evolui rumo a uma forma de equilíbrio final, representada
pelo pensamento adulto. Assim sendo, o desenvolvimento pode ser
entendido como um processo de equilibração progressiva; uma passagem
contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio
superior. É preciso ressaltar, no entanto, que entre a dinâmica do corpo e a
do pensamento existe uma diferença essencial: a forma final de equilíbrio
atingida pelo crescimento orgânico é a mais estática e instável, de tal modo
que, concluída a evolução ascendente, tem início, naturalmente, uma
evolução regressiva que encaminha para a velhice. Já o desenvolvimento do
pensamento tende para um equilíbrio móvel. Quanto mais desenvolvidas
forem as formas de pensamento, maior será sua estabilidade e plasticidade.
A curva do desenvolvimento do pensamento, ao contrário do crescimento
orgânico, é sempre ascendente.
Piaget defende a tese de que as estruturas operatórias constituem a base
do conhecimento. Pois bem, o problema central do desenvolvimento
consiste em explicar a formação (a elaboração) e o funcionamento dessas
estruturas. Como foi visto na primeira parte deste capítulo (unidade 1), o
processo de desenvolvimento compreende quatro estágios ou períodos que
cobrem a construção de todas as formas de pensamento humano, indo desde
meros esquemas perceptivos até às estruturas mais complexas de raciocínio,
ou seja, até o pensamento hipotético-dedutivo.

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Desenvolvimento e Aprendizagem em Piaget e Vygotsky

Piaget identifica quatro fatores como sendo responsáveis por este processo
de desenvolvimento: a maturação, a experiência física, as transmissões
culturais e o fator de equilibração ou autorregulação. Este último fator
“desempenha um papel extremamente importante no processo de
desenvolvimento. É ele que coordena os demais fatores, equilibrando-os.
Através das interações com o meio físico e social, a criança assimila novos
objetos, novas experiências, cujas formas não se enquadram nos esquemas
disponíveis, ocorrendo, daí, um desequilíbrio. Diante de uma perturbação
externa, a criança, naturalmente, reage no sentido de compensá-la, reco-
brando então o estado de equilíbrio. Nesses momentos de desequilíbrios e
reequilibrações, o que na verdade ocorre é a elaboração de novas
combinações e, consequentemente, a formação de novos esquemas de ação.
Esta dinâmica, por meio da qual o sujeito se autorregula, manifesta-se numa
sucessão de níveis de equilíbrio cada vez mais flexíveis, que irão atingir seu
ápice na idade adulta com a constituição do pensamento lógico-formal.
Em síntese, o processo de desenvolvimento mental é constituído,
fundamentalmente, por elementos variáveis e por elementos de natureza
invariável. Os elementos variáveis definem-se pelas construções mentais que
o sujeito efetua ao longo de seu desenvolvimento. Como já foi dito, do
pensamento infantil ao pensamento adulto assiste-se a uma construção
sucessiva de novos esquemas que se diferenciam de seus precedentes por
serem cada vez mais ricos e flexíveis. Os elementos invariáveis, por sua vez,
são justamente os que se colocam como suporte, como condição para que
esta estruturação progressiva do conhecimento possa ocorrer, a saber: os
mecanismos de adaptação e organização. São essas duas grandes funções do
pensamento que permanecem constantes (invariáveis) durante todo o
desenvolvimento.
Sobre a relação desenvolvimento/aprendizagem é possível inferir que,
em Piaget, a aprendizagem obedece as mesmas leis do desenvolvimento.

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Isilda Campaner Palangana

O desenvolvimento é um processo mais geral, ligado à totalidade das


estruturas de conhecimento e cada elemento de aprendizagem ocorre como
uma função sua. Logo, o processo de desenvolvimento pode explicar muitos
aspectos da aprendizagem, mas o inverso não é verdadeiro, quer dizer, as te-
ses de aprendizagem não conseguem explicar o desenvolvimento. Do ponto
de vista psicogenético, a principal relação que envolve esses dois fenômenos
é a de assimilação, entendida enquanto integração de uma determinada
realidade a uma estrutura de pensamento. Ambos os processos —
aprendizagem e desenvolvimento — pressupõem uma atividade assimilativa
por parte do sujeito. A teoria piagetiana, como se sabe, atribui uma ênfase
notadamente expressiva a essa atividade. Tanto que, de acordo com seus
postulados, a didática ou pedagogia só vai poder transformar significa-
tivamente o sujeito quando estiver inteiramente voltada para as ações ou
operações deste sujeito.
Sem dúvida, Piaget assume uma postura interacionista ao analisar a
relação desenvolvimento/aprendizagem. Basta lembrar que o conhecimento,
segundo ele, é constituído na interação do sujeito com o mundo externo
(dos objetos e das pessoas). Contudo, fica patente em sua teoria uma
destacada importância ao aspecto funcional do pensamento, o que denota
prioridade ao processo de desenvolvimento. Piaget afirma:” ... se existe
verdadeiramente um núcleo funcional da organização intelectual que promana
da organização biológica no que ela tem de mais genérico, é evidente que esta
invariante orientará o conjunto das sucessivas estruturas que a razão vai
elaborar em seu contato com o real; desempenhará assim o papel que os
filósofos atribuíram ao a priori, quer dizer, imporá às estruturas certas
condições necessárias e irredutíveis de existência. ”(1975, p.14). Não
obstante, é preciso considerar que as estruturas não são dadas “ a p r i o r i ” .
Ao contrário, a construção dessas estruturas do conhecimento implica
necessariamente uma troca efetiva da criança com o meio. Assim sendo,
pode-se dizer que, para Piaget, o desenvolvimento do pensamento só se
verifica no processo de interação.

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Desenvolvimento e Aprendizagem em Piaget e Vygolsky

No entanto, nessa dinâmica interativa o sujeito do


conhecimento adquire primazia sobre o objeto a ser conhecido,
uma vez que ele detém as condições básicas para que tal
desenvolvimento ocorra, quais sejam: a maturação biológica e os
mecanismos de adaptação e organização. Sobretudo, é
principalmente através da ação do sujeito individual (e não do meio
sobre ele) que o conhecimento se estrutura.

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