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Rodrigo Garcia Vilardi

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POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

CENTRO DE ALTOS ESTUDOS DE SEGURANÇA

CAES “CEL NELSON FREIRE TERRA”

CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS – CAO-II/19

Cap PM Rodrigo Garcia Vilardi

O BOLETIM DE OCORRÊNCIA ELETRÔNICO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO


DE SÃO PAULO COMO REGISTRO INICIAL DE OCORRÊNCIA POLICIAL E FONTE
PRIMÁRIA DOS SISTEMAS DE ESTATÍSTICA CRIMINAL

São Paulo
2020
Cap PM Rodrigo Garcia Vilardi

O BOLETIM DE OCORRÊNCIA ELETRÔNICO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO


DE SÃO PAULO COMO REGISTRO INICIAL DE OCORRÊNCIA POLICIAL E FONTE
PRIMÁRIA DOS SISTEMAS DE ESTATÍSTICA CRIMINAL

Dissertação apresentada no
Centro de Altos Estudos de
Segurança como parte dos
requisitos para a aprovação no
Curso de Aperfeiçoamento de
Oficiais.

Cap PM Alexandre Roberto Luiz - Orientador

São Paulo
2020
VILARDI, Rodrigo Garcia.

O Boletim de Ocorrência Eletrônico da Polícia


Militar do Estado de São Paulo como registro inicial
de ocorrência policial e fonte primária dos sistemas
de estatística criminal / Rodrigo Garcia Vilardi. São
Paulo – SP, s.n., 2020. 183 p. Dissertação
(Mestrado Profissional em Ciências Policiais de
Segurança e Ordem Pública) – Centro de Altos
Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra”
(CAES).

Orientador: Capitão PM Alexandre Roberto Luiz.

1. Polícia Militar. 2. Registro Policial. 3.


Estatística. I. Título. II. LUIZ, Alexandre Roberto. III.
CAES.

CDD:
Capitão PM Rodrigo Garcia Vilardi

O BOLETIM DE OCORRÊNCIA ELETRÔNICO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO


DE SÃO PAULO COMO REGISTRO INICIAL DE OCORRÊNCIA POLICIAL E FONTE
PRIMÁRIA DOS SISTEMAS DE ESTATÍSTICA CRIMINAL

Dissertação apresentada no Centro de


Altos Estudos de Segurança, como parte
dos requisitos para a aprovação no
Programa de Mestrado Profissional em
Ciências Policiais de Segurança e Ordem
Pública.

( ) Recomendamos disponibilizar para pesquisa


( ) Não recomendamos disponibilizar para pesquisa
( ) Recomendamos a publicação
( ) Não recomendamos a publicação

São Paulo, ______ de _____________________ de 2020.

BANCA EXAMINADORA

Orientador: _______________________________
Cap PM Alexandre Roberto Luiz

Membro 1: _______________________________
TCel PM Carlos Eduardo de Oliveira

Membro 2: ______________________________
Cap PM Marco Antonio da Silva Rodrigues
Agradecimento

Ao meu orientador Cap PM Alexandre Roberto Luiz e aos integrantes da banca


examinadora TCel PM Carlos Eduardo de Oliveira e Cap PM Marco Antonio da Silva
Rodrigues. Não apenas pelas orientações e apoio durante o desenvolvimento deste
trabalho mas principalmente por tudo que com eles aprendi, ainda na Academia de
Polícia Militar do Barro Branco, e posteriormente, em diversos momentos dessa
nobre porém, difícil, profissão.
A minha família e amigos por tudo que comigo sempre partilharam e principalmente
durante este curso.
A minha mãe, Maria Dolores Garcia da Silva e meu pai, José Vilardi da Silva por
tudo que me proporcionaram nesta vida.
A minha esposa, Iara Ferfoglia Gomes Dias Vilardi por, mais uma vez, ter a
paciência e compreensão em um período de estudos, além, é claro, de toda a vida
que comigo tem compartilhado.
Ao meu filho, Pedro Ferfoglia Dias Vilardi, por me ensinar, na prática, que a vida
nunca se encerra e que um simples sorriso pode mudar o mundo.
Resumo

O trabalho teve como tema o Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe) da Polícia


Militar do Estado de São Paulo (PMESP) e a sua utilização como registro policial de
ocorrência criminal válido para o cidadão e como fonte primária para os sistemas de
estatística criminal. O objetivo da pesquisa foi o de identificar os motivos pelos quais,
apesar das inúmeras transformações que elevaram a qualidade Boletim de
Ocorrência elaborado pela Polícia Militar nos últimos anos, inclusive em relação à
sua informatização, ainda não foi possível a sua consolidação no âmbito externo à
Instituição no que diz respeito ao registro de questões criminais, permanecendo-se a
obrigatoriedade de um novo registro, sobre os mesmos fatos, perante a Polícia Civil,
que então será válido para o cidadão e fonte da estatística criminal. Dessa
sobreposição de recursos humanos, materiais e financeiros, além dos prejuízos à
gestão policial e à qualidade dos serviços de segurança pública prestados aos
cidadãos decorre a necessidade, também integrante do objetivo da pesquisa, de
identicação dos meios de mudança deste cenário em prol de maior eficiência do
serviço policial com foco para o cidadão. Para o alcance dos objetivos do trabalho
realizou-se pesquisa de campo e de cunho exploratório-descritivo, com abordagem
quali-quantitativa a respeito das tentativas de mudanças em São Paulo e de
experiências bem sucedidas em outros estados a respeito do tema. Foi realizado
levantamento bibliográfico e documental também em relação aos sistemas de
estatísticas criminal nos âmbitos estadual e federal que identificou fragilidades no
sistema de coleta e ausências de lançamentos de relevantes informações
estatísticas relativas às atividades desenvolvidas pela PMESP. Como resultados, a
pesquisa concluiu que a dificuldade de consolidação do BOe da PMESP como
registro policial criminal e fonte de estatísticas decorre diretamente da “crise
paradigmática” que atinge atualmente o sistema de segurança pública brasileiro por
ainda estar este alicerçado sobre um modelo policial desenvolvido no século XVIII
não mais adotado no mundo moderno por seccionar atividades policiais de modo
ineficiente e privilegiar a exclusividade do exercício e autoridades e atribuições em
detrimento da eficiência e foco no cidadão, princípios estes que devem nortear as
polícias modernas que adotaram, a exemplo da PMESP, um modelo de polícia
comunitária orientada a solução de problemas como resposta às crises políticas e
criminais vivenciada nas últimas décadas do século XX e início do século XXI.
Demonstrou-se ainda que a implementação do BOe da PMESP, isoladamente ou
integrado em um sistema de registro único de ocorrência policial, como registro
policial de ocorrência criminal e fonte primária dos sitemas de estatítiscas criminais,
a partir de pequenas alterações em nível estrutural do sistema pode resultar em
economia anual de cerca de seis milhões de reais além da melhoria do serviço
prestado à população e à credibilidade e funcionalidade da estatística criminal oficial.
Sobre a estatística criminal foram constatados dois projetos em curso adiantados a
respeito da automatização por meio de extração de dados do Sistema Operacional
da Polícia Militar, sugerindo-se o seu prosseguimento. Por fim, concluiu-se que além
dos ganhos imediatos e concretos, a implementação das propostas auxiliará na
reunião de forças para impulsionar o sistema de segurança público para um
movimento de evoluções baseadas nos novos paradigmas exponencializando-se,
assim, os ganhos para toda a sociedade.

Palavras-chave: Polícia Militar. Boletim de Ocorrência. Sistema Policial. Paradigma.


Polícia Comunitária. Polícia Orientada à Solução de Problemas. Estatística.
Abstract

The work had as its theme the Electronic Police Bulletin (BOe) of the São Paulo
State Military Police (PMESP) and its use as a police record of criminal occurrence
valid for the citizen and as the primary source for criminal statistics systems. The
objective of the research was to identify the reasons why, despite the innumerable
transformations that raised the quality of the police report issued by the Military
Police in recent years, including its informatization, it has not yet been possible to
consolidate it abroad. Institution with regard to the registration of criminal matters,
remaining the obligation of a new record, on the same facts, before the Civil Police,
which then will be valid for the citizen and source of criminal statistics. This
overlapping of human, material and financial resources, as well as the damage to
police management and the quality of public security services provided to the
citizens, is the reason why this research also needs to identify the means of change
in this scenario in favor of greater efficiency of police service focused on the citizen.
In order to reach the objectives of the study, an exploratory and descriptive field
research was carried out, with a qualitative and quantitative approach to the attempts
to change in São Paulo and to successful experiences in other states on the subject.
A bibliographic and documentary survey was also performed in relation to the
criminal statistics systems at the state and federal levels that identified weaknesses
in the collection system and the absence of releases of relevant statistical information
related to the activities developed by PMESP. As a result, the research concluded
that the difficulty of consolidating PMESP's BOe as a criminal police record and
source of statistics stems directly from the “paradigmatic crisis” that is currently
affecting the Brazilian public security system because it is still based on a police
model developed in Brazil. eighteenth century no longer adopted in the modern world
for inefficiently sectioning police activities and privileging the exclusivity of the
exercise and authorities and attributions over efficiency and focus on the citizen,
principles that should guide the modern police who adopted, as the PMESP, a
problem-solving community police model in response to the political and criminal
crises experienced in the last decades of the twentieth and early twenty-first
centuries.It was also demonstrated that the implementation of the PMESP BOe,
alone or integrated in a single police report system, such as police report of criminal
occurrence and primary source of criminal statistics systems, from minor changes in
the structural level of the system. This can result in annual savings of about R $ 6
million, as well as improved service to the population and the credibility and
functionality of official criminal statistics. Regarding criminal statistics, two projects
were underway regarding the automation by means of data extraction from the
Military Police Operational System, suggesting the continuation of these projects.
Finally, it was concluded that in addition to the immediate and concrete gains, the
implementation of the proposals will assist in the gathering of forces to propel the
public security system towards a movement of evolution based on the new
paradigms, thus exponentialising the gains for the whole. society.

Keywords: Military Police. Occurrence Report. Police system. Paradigm. Community


Police. Problem-Oriented Police. Statistic.
.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ………………………………………………………………. 08
2 DO BO/PM-TC AO BOe: PARA NOVAS DEMANDAS NOVAS
SOLUÇÕES ………………………………………………………………….. 13
2.1 1997, do BO/PM ao BO/PM-TC: as novas demandas
constitucionais ……………………………………………………………... 15
2.2 2009, um passo para trás: a Resolução SSP nº 233/09 ..................... 19
2.3 2011, a Resolução SSP nº 35/11: uma nova frente é aberta ............. 23
2.4 2014, sistema de registro único de ocorrência: primeira tentativa e
a resistência das “autoridades” ……………………………………….… 25
2.5 2015, a Resolução SSP nº 57/2015: problema resolvido? ................. 36
2.6 2017, Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe): tudo pronto? .......... 38
3 O BOLETIM ELETRÔNICO DE OCORRÊNCIA (BOe) DA PMESP A
SERVIÇO DO CIDADÃO …………………………………………………… 47
3.1 Da exclusividade para eficiência: mudando-se o paradigma ……… 47
3.2 A exclusividade da autoridade policial: origem e prejuízos………… 52
3.3 Novo paradigma: “eficiência no exercício da autoridade e foco no
cidadão ………………………………………………………………………. 79
3.4 Os Estados inovadores …………………………………………………… 104
3.4.1 Rio Grande do Sul …………………………………………………………… 106
3.4.2 Paraná ………………………………………………………………………… 108
3.4.3 Santa Catarina ……………………………………………………………….. 110
3.4.4 Minas Gerais …………………………………………………………………. 112
3.4.5 Goiás ………………………………………………………………………….. 114
3.5 Tipificação penal: preparando a PMESP para a transição …………. 117
4 O BOLETIM ELETRÔNICO DE OCORRÊNCIA (BOe) DA PMESP
COMO FONTE PRIMÁRIA DE ESTATÍSTICA CRIMINAL E
OPERACIONAL …………………………………………………...………… 133
4.1 A Polícia que a sociedade exige e a estatística que essa Polícia
precisa ……………………………………………………………………….. 133
4.2 Os sistemas oficiais de estatística criminal federal e estadual 145
O Sistema Estadual de Estatística Criminal (Resolução SSP nº 160/01) 148
Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e
de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de
Digitais e de Drogas – Sinesp………………………………………………. 155
4.3 Automatização da estatística oficial: eficiência, transparência e
prestação de contas ……..………………………………………………… 162
5 CONCLUSÃO ………………………………………………………………... 173
REFERÊNCIAS ……………………………………………………………… 177
8

1 INTRODUÇÃO

A evolução tecnológica e operacional das últimas décadas permitiram à


Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) chegar até o atual momento em
que o registro de ocorrência policial realizado por seus integrantes, o Boletim de
Ocorrência da Polícia Militar (BO/PM), deixa de ser elaborado na forma física,
manuscrito em formulário impresso, e passa a ser produzido inteiramente no formato
digital, agora denominado Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe), possibilitando
que todas as informações nele inseridas passem a ser passíveis de análises e
cruzamentos produzidos a partir das ferramentas inteligentes da PMESP, a exemplo
do Business Intelligence (BI), o que amplia significativamente o espectro de
conhecimento a ser extraído desta imprescindível fonte de dados e informações.
Realmente, possibilitar a produção de estatística, e consequentemente
conhecimento, apto a subsidiar o planejamento operacional é um dos objetivos
almejados em relação à implantação do BOe. Contudo, a análise de todos os
objetivos elencados pela norma que previu a implantação do BOe na Polícia Militar
permite constatar uma amplitude muito maior em relação ao que se almejou,
especialmente no que diz respeito aos impactos relativos à otimização,
desburocratização e eficiência do serviço de segurança pública prestado
individualmente à cada cidadão e consequente benefícios para toda a sociedade.
Os quatro primeiros objetivos previstos na norma, por exemplo, referem-se à
redução do tempo de atendimento das ocorrências, ao aumento da capacidade
preventiva da Polícia Militar, à melhoria de acesso e de agilidade no atendimento à
população e à redução de subnotificação de registros pertinentes a infraçõese
penais (PMESP, 2017, item 4). Todos objetivos muito ambiciosos se imaginado que,
ao menos no atual cenário, o BOe contribuiria apenas com a diminuição do tempo
de elaboração do registro sem resolver, por exemplo, a questão da burocracia do
atual sistema de segurança pública que obriga a duplicidade de registros policiais,
um na Polícia Militar e outro na Polícia Civil, se estes versarem sobre questões
criminais, ainda que não haja necessidade da adoção de qualquer medida imediata
de investigação.
Na verdade, se contextualizados os objetivos almejados pela PMESP com o
BOe no cenário dos últimos vinte anos no qual diversas iniciativas foram iniciadas
(ainda que muitas não concretizadas) com a finalidade de desburocratizar e
9

racionalizar o registro de eventos de natureza policial, de segurança ou ordem


pública, no Estado de São Paulo, verifica-se que, há muito, a PMESP busca
concretizar duas funcionalidades ao Boletim de Ocorrência elaborado por seus
integrantes as quais correspondem exatamente ao objeto do tema da presente
pesquisa, quais sejam, tornar o Boletim de Ocorrência elaborado pela PMESP uma
das portas oficiais de entrada para registros ciminais, dispensando-se, em tais
casos, a desnecessária elaboração de um novo Boletim de Ocorrência pela Polícia
Civil ou por qualquer outra Instituição Policial e, por consequência, que este mesmo
Boletim elaborado pela Polícia Militar seja, igualmente, fonte primária de dados e
estatísticas criminais oficiais.
Infelizmente, até o momento e apesar dos diversos projetos e inovações
tentadas no transcorrer dos últimos anos como se verá no transcorrer dessa
pesquisa, tais objetivos ainda não foram concretizados. Não obstante, considerando
que o sucesso é alcançado por meio de caminhos construídos, inclusive, por
fracassos, cumpre, mais uma vez, agora por meio da implantação do Boletim de
Ocorrência Eletrônico (BOe), empenhar esforços para que os avanços necessários
sejam alcançados.
Deste modo, a não consolidação do Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe)
da PMESP como registro policial válido de ocorrência criminal e, consequentemente,
como fonte primária de estatística criminal mesmo diante da qualidade do sistema e
de toda a evolução alcançada através dos anos foi o problema enfrentado no
presente trabalho que pode ser sintetizado por meio da seguinte indagação: porque
a PMESP ainda não conseguiu consolidar o Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe)
como registro oficial de ocorrência criminal e fonte primária da estatísca criminal e o
que seria necessário para tanto?
A fim de enfrentar este problema, foi estabelecida uma hipótese, testada
durante todo o desenvolvimento do trabalho e sintetizada na seguinte afirmação: A
qualidade do sistema do BOe da PMESP e as demandas sociais por maior eficiência
na aréa da segurança pública possibilitam que, por meio de melhorias pontuais no
sistema e demonstração dos benefícios advindos da medida, seja possível alcançar
o reconhecimento do BOe como registro oficial de ocorrência criminal e fonte
primária da estatísca criminal .
O objetivo, portanto, foi comprovar essa hipótese identificando-se os
benefícios advindos da medida e os ajustes necessários no sistema do BOe para
10

torná-lo apto a ser utilizado como registro oficial de ocorrência criminal e fonte
primária da estatísca criminal.
Para tanto, realizou-se pesquisa de campo e de cunho exploratório-
descritivo, com abordagem quali-quantitativa tanto no que diz respeito às tentativas
anteriores de mudanças realizadas no Estado de São Paulo, objeto do primeiro
capítulo do trabalho, quanto no que se refere a experiências bem sucedidas
implementadas em outros estados a respeito do tema apresentadas em um dos
itens do segundo capítulo, inteiramente dedicado à questão do registro policial no
atual sistema de segurança pública e seus paradigmas.
Realizou-se levantamento bibliográfico e documental em relação à questões
jurídicas, técnicas e até filosóficas 1 , sobre o registro policial criminal, a atual
estrutura do sistema de segurança pública brasileiro e os respectivos sistemas de
estatísticas oficiais sobre criminalidade e produtividade policial, nos âmbitos estadual
e federal, estes últimos objetos do terceiro capítulo, por meio do qual foram
apresentadas as fragilidades nos atuais sistemas de coleta de dados e ausências de
relevantes de lançamentos de dados e informações relativas às atividades
desenvolvidas pela PMESP.
Como resultados, a pesquisa conseguiu comprovar parcialmente a hipótese
visto que a demonstração dos benefícios advindos da implementação da medida em
outros estados e os ganhos estimados em São Paulo a partir da supressão de
procedimentos burocráticos e simplificação de serviços prestados à população
tornam inócuos argumentos contrários à medida calcados exclusivamente em
interpretações de texto legais que não traduzem, necessariamente, o sentido da
norma nem o posicionamento pacífico jurisprudencial pátrio.
No mesmo sentido, verificou-se que diante da capacidade já demonstrada
em diversas oportunidades pela PMESP em relação à implantação e implementação
de inovações teconológicas, inclusive em relação ao próprio BOe, das economias
estimadas com a adoção da medida e da qualidade do sistema projetado e
responsável por gerar mais de um milhão de boletins de ocorrências por ano
elaborados pelos policiais militares do serviço operacional, aperfeiçoamentos
pontuais, a exemplo da inserção de um campo destinado à especificação do tipo
penal relativo as fatos com base em tabela já padronizada no âmbito nacional pela

1
A crise paradigmática do atual sistema de segurança pública apontou no sentido dessa
necessidade.
11

Secretaria Nacional de Segurança Pública, possibilitaria a utilização do BOe como


como registro policial criminal.
Os mesmos motivos citados aliados à identificação de dois projetos já em
curso desenvolvidos pela PMESP e destinados à automatizar a extração dos dados
e informações estatísticas relativas às atividades desenvolvidas pelas PMESP para
alimentação dos sistemas estadual e federal de estatística criminal, comprovaram a
possibilidade e utilidade do BOe como fonte primária dos sistemas de estatísticas
oficiais.
Porém, como afirmou-se, a confimação da hipótese foi parcial em
decorrência da identificação, durante a pesquisa, de que em São Paulo, ao menos
até o momento, não foi suficiente demonstrar a viabilidade e os significativos ganhos
advindos da implementação destas medidas tendo em vista que todas as tentativas
anteriores foram frustradas por uma resistência organizada por aqueles que
defendem a manutenção do paradigma de que o atual modelo policial e sistema de
segurança pública “garante” exclusividade de atribuições e do exercício da
“autoridade policial”.
Tais movimentos apresentaram-se como um problema não abrangido
originalmente pela hipótese e traduzido pelo conceito de “crise paradigmática” que
atinge o atual sistema de segurança pública brasileiro, ainda alicerçado sobre um
modelo policial desenvolvido no século XVIII, não mais adotado no mundo moderno
exatamente porque secciona atividades policiais de modo ineficiente e privilegia a
exclusividade no exercício da “autoridade” e das “atribuições” institucionais em
detrimento da eficiência do serviço e do foco no cidadão.
Apesar desta constatação, mas diante das plenas condições de viabilidade e
siginificativos ganhos advindos do reconhecimento do BOe como registro oficial de
ocorrência criminal e fonte primária da estatísca criminal, demonstrado inclusive a
partir das experiências desenvolvidas em outros estados e das estimativas de
economia, em São Paulo, de cerca de seis milhões de reais por ano, cumpre à
PMESP, mais uma vez, cumprir seu papel constitucional e preparar-se para o novo
cenário no sistema de segurança pública, inclusive fomentando-o, de modo que
apesar da comprovação parcial da hipótese manteve-se a proposta de
implementação das medidas necessárias a tornar o BOe apto a ser reconhecido
como registro oficial de ocorrência criminal e fonte primária da estatísca criminal.
12

Até porque, foi demonstrado que as inúmeras inovações pontuais no


transcorrer dos últimos anos e diversas alterações legislativas, em especial a Lei que
instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), traduzem que a crise
paradigmática que atingiu o sistema já começou a ser vencida pelo paradigma
emergente da “eficiência no exercício da autoridade policial e das atribuições
institucionais” que devem sempre estar “focadas no cidadão”.
Este é o único paradigma compatível com um modelo de polícia comunitária
orientada a solução de problemas desenvolvido pelas polícias modernas e adotado
pela PMESP como resposta às crises política e criminal das últimas décadas do
século XX e início do século XXI. Cabe, à essas “novas polícias” protagonizarem a
evolução do sistema e revolução dos paradigmas sendo a nova tentativa de
reconhecimento do BOe da PMESP como registro oficial de ocorrência criminal e
fonte primária da estatísca criminal, como demonstrado no presente estudo, mais um
meio de concretizar este protagonismo.
13

2 DO BO/PM-TC AO BOe: PARA NOVAS DEMANDAS, NOVAS SOLUÇÕES

A presença diuturna da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) em


todos os 645 municípios do Estado de São Paulo e o amplo leque de atribuições
derivadas da missão constitucional de polícia ostensiva e preservação da ordem
pública (aqui em São Paulo incluídas a execução das atividades de defesa civil e
demais atribuições relacionadas ao corpo de bombeiros) consolidam a Instituição
como um dos principais e mais visíveis órgãos públicos de prestação de serviços ao
cidadão paulista. Apenas em 2017 foram 34.151.272 (trinta e quatro milhões, cento
e cinquenta e um mil e duzentos e setenta e duas) intervenções policiais que
geraram, dentre outras atividades, 1.817.523 (um milhão, oitocentos e dezessete mil
e quinhentos e vinte e três) ocorrências policiais atendidas, 2.079.298 (dois milhões,
setenta e nove mil e duzentos e noventa e oito) atendimentos sociais e 193.198
(cento e noventa e três mil, cento e noventa e oito) resgates.
Todas estas intervenções e atendimentos são gerenciados e
operacionalizados por meio de um macro Sistema Integrado de Informações
Operacionais da Polícia Militar (SIOPM) que interliga os diversos sistemas
inteligentes e os bancos de dados da Instituição de forma a não apenas propiciar o
controle e registro das atividades exercidas pelos mais de oitenta mil integrantes da
Instituição como também, e principalmente, permite a consolidação de informações e
dados que irão nortear todo o planejamento estratégico-operacional pontuando as
necessidades de cada área e direcionando “o policiamento no respectivo território,
mediante a elaboração de Planos de Policiamento Inteligente (PPI), o que propicia a
execução do policiamento orientado” (GESPOL, 2010. p. 44)
Dentre os diversos inputs responsáveis pela alimentação e construção dos
bancos de dados e Sistemas Inteligentes da Instituição, um dos mais relevantes
trata-se do Boletim de Ocorrência Policial Militar (BO/PM), documento público por
meio do qual são registradas as atividades realizadas pelos policiais militares que
tenham algum desdobramento ou demandem um registro formal mais detalhado
consoante o definido pelas normas internas da Instituição.2

2
Nos termos das Normas para o Serviço Operacional (NORSOP), deve ser objeto de registro em
BOe todo e qualquer atendimento de Unidade de Serviço envolvendo infração penal ou dano
patrimonial, ou, ainda, nos casos de preservação de direitos. É dispensável a elaboração do BOe
14

Obviamente que o registro das informações de atendimento de ocorrências e


demais atividades policiais em boletins, relatórios, livros ou qualquer outro meio
físico e escrito é realizado desde o início da história da Instituição Policial Militar
paulista, fundada em 1831. Igualmente certo que os procedimentos, sistemas e
formulários atualmente utilizados pela PMESP são resultantes das mudanças e
aperfeiçoamentos concretizados no curso deste processo histórico e o Boletim de
Ocorrência (BO/PM), agora em formato eletrônico (BOe), insere-se e igualmente
decorre desta evolução. Não obstante, isso não significa que todo e qualquer estudo
ou pesquisa que tenha como objeto o registros da atividade policial dependa de uma
análise pormenorizada da evolução destes registros e procedimentos desde a sua
origem até o atual estágio de desenvolvimento.
Se o objetivo do presente trabalho fosse o próprio desenvolvimento histórico
do Boletim de Ocorrência na PMESP ou ainda se este desenvolvimento fosse
imprescindível para o alcance das finalidades da pesquisa, estar-se-ia diante da
necessidade de apresentar, neste primeiro capítulo, no mínimo um escorço histórico
a respeito do modo pelo qual a PMESP produziu e formalizou o registro de suas
atividades desde os idos de 1831 até os dias atuais. Contudo, este não é o caso.
Neste sentido, Luciano Oliveira em artigo denominado “Não fale do Código
de Hamurabi”, destaca que na produção científica hodierna, é desnecessário, e até
contraproducente muitas vezes, a elaboração de abordagens históricas e digressões
temporais longínquas relativas a institutos e procedimentos que originaram o objeto
da pesquisa se elas não contribuírem diretamente para as discussões e
desenvolvimento do trabalho. Isto porque, além de não contribuírem, podem acabar
por confundir contextos e momentos históricos anteriores e absolutamente distintos
dos cenários atuais no qual estes mesmos institutos e procedimentos encontram-se
inseridos. (OLIVEIRA, 2004. p. 137-167).
Logo, estando o foco desta pesquisa voltado para o recente processo de
informatização do BO/PM e ao modo pelo qual ele deve, ou pode, ser aperfeiçoado
para efetivamente alcançar os objetivos propostos pela própria Instituição quando da
sua apresentação, o presente estudo visa analisar se o Boletim de Ocorrência

(exceto nas ocorrências de trânsito e de preservação de direitos) quando a ocorrência tiver os


seguintes resultados: ocorrência sem infração penal, sem intervenção, duplicidade de chamada,
endereço inexistente, trote com despacho, encaminhamento de pessoas ou dados sem indício de
infração penal, condução a pronto socorro, hospital ou congênere ou ainda de condução a outros
órgãos públicos (PMESP, 2017, item 6.3).
15

Eletrônico (BOe) da PMESP, do modo com foi implementado, efetivamente trouxe


melhorias o serviço prestado à população paulista, especialmente no que diz
respeito à otimização dos recursos materiais, humanos e tecnológicos da Instituição
e da produção de informações mais precisas, detalhadas e aptas a gerar
conhecimento útil, não apenas para subsidiar as estratégias operacionais internas,
como também para atender a exigência social, cada vez maior, de prestação de
contas dos serviços públicos (accountability), realizada em grande parte pela
transparência das atividades policiais e pela disponibilização de estatísticas criminais
e operacionais confiáveis além de pormenorizadas do modo mais detalhado possível
(PMESP, 2017, item 4).
Deste modo, se a finalidade está voltada para os impactos, sobretudo no
ambiente externo à instituição, deste processo de informatização do BO/PM-TC que
resultou no BOe e “se” e “como” ele deve ser aperfeiçoado, o estudo das
transformações e inovações introduzidas durante o período subsequente à
promulgação da Constituição de 1988, qual seja, o final da década de 90 do século
XX até os dias atuais, é o que efetivamente contribuirá para o desenvolvimento dos
demais capítulos.
Explica-se, portanto, o recorte temporal de análise ora adotado e que será, a
seguir, explorado.

2.1 1997, do BO/PM ao BO/PM-TC: as novas demandas constitucionais

Na segunda metade da década de 90 do século XX, a cultura e a qualidade


dos registros policiais em um documento denominado Boletim de Ocorrência da
Polícia Militar (BO/PM) já se encontrava consolidada e normatizada na Instituição
(Formulário PM O-3) contudo, em decorrência do advento de novas demandas
constitucionais, legais e sociais, o BO/PM passou a sofrer alterações e ser
formatado para definitivamente extrapolar a destinação interna corporis, até então
prioritária, e adequar-se à nova realidade a fim de que se pudesse consolidar como
uma opção a mais para o cidadão para o registro policial oficial de um crime ou outro
tipo de evento que demandasse atenção das instituições policiais, assim como um
documento apto a dar início à persecução penal por intermédio do Ministério Púbico
e do Poder Judiciário nos casos de infração de menor potencial ofensivo.
16

Esta importante “guinada” foi sintetizada no ano de 1997, no momento em


que o então BO/PM foi alvo de alterações e incrementos relevantes não apenas em
seu formato, dados e informações, como até mesmo em sua nomenclatura, que
passou a incorporar, inclusive, a denominação de “Termo Circunstanciado” (TC),
tudo com vistas à sua nova função, qual seja, a de consolidar-se como Registro
Oficial de Ocorrência Policial lavrado pela autoridade policial militar. Surge, assim, o
Boletim de Ocorrência da Polícia Militar – Termo Circunstanciado (BO/PM-TC)3, em
atendimento aos novos ditames constitucionais, especialmente em relação ao
previsto no art. 98 da Carta Magna que determinara a criação, por todos os entes
federativos, dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais com seus respectivos
procedimentos, oral e sumaríssimo, implementados em 1995 por meio da Lei
Federal n. 9.099.
Se até então o Boletim de Ocorrência elaborado pelos policiais militares
tinha sempre a finalidade prioritária de alimentar e subsidiar procedimentos e bancos
de dados e informações internos, a partir daquele momento, com o advento da
necessidade de desburocratização e otimização dos procedimentos policiais
relativos às infrações de menor potencial ofensivo decorrente da determinação
constitucional de criação dos juizados especiais criminais, a Instituição efetivamente
passou a preparar seus procedimentos operacionais e o seu Boletim de Ocorrência
(BO/PM) para ganharem cada vez mais protagonismo no âmbito externo como um
meio alternativo, mais célere e mais prático, de formalização de fatos e eventos de
natureza policial em adição ao já consolidado Boletim de Ocorrência (BO/PC) ou
Termo Circunstanciado de Ocorrência (TC) elaborado, até então exclusivamente,
pela Polícia Civil.
Implementado assim em junho de 1997, o Boletim de Ocorrência da Polícia
Militar – Termo Circunstanciado (BO/PM-TC) passou a prever a inclusão de dados e
informações em formato e linguagem não apenas destinado à atender necessidades
e peculiaridades operacionais do serviço policial militar mas também para satisfazer
demandas externas, especialmente do Poder Judiciário. Isto porque, o BO/PM/TC
deveria ser suficiente e bastante, ao menos nos casos de infrações de menor
potencial ofensivo, tanto como registro policial válido para o cidadão (dispensando-
se a elaboração de um outro Boletim de Ocorrência sobre os mesmos fatos pela

3
O Formulário PM O-3 – PMESP foi publicado no item 9 do Boletim Geral PM 115 de 19 de junho de
1997.
17

Polícia Civil o denominado BO/PC) quanto como documento apto a subsidiar o início
de procedimentos judiciários de persecução penal no âmbito dos Juizados Especiais
Criminais.
No entanto, apesar da adequação do BO/PM para BO/PM-TC ter sido
adotada em 1997 pela PMESP visando atender determinações legais vigentes
desde 1995 (Lei Federal nº 9.099/95), apenas em outubro de 2001, após a expressa
manifestação do Poder Judiciário4, foi editada a Resolução nº 403/01 pela Secretaria
da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP/SP) (SECRETARIA DA
SEGURANÇA PÚBLICA, 2001) que passou a disciplinar a elaboração de Termos
Circunstanciados pela Polícia Militar do Estado de São Paulo em experiências
pilotos em algumas regiões ou municípios5 ou por algumas unidades especializadas.
A “cronologia” de “implementação” do Termo Circunstanciado pela PMESP
já demonstrava, há cerca de vinte anos, a dificuldade em se “quebrar paradigmas”
na área da segurança e ordem pública, especialmente no que diz respeito às
questões estruturais e interligadas a interesses corporativos. Como visto, apesar de
prevista expressamente na Constituição Federal em 1988 os Juizados Especiais
Criminais só foram efetivamente criados em 1995 por meio da Lei Federal nº
9.009/95 que também definiu o conceito inicial de infrações penais de menor
potencial ofensivo e seus respectivos procedimentos de apuração que, no âmbito
policial, priorizou a simplificação dos registros policiais por meio do Termo
Circunstanciado de Ocorrência elaborado por qualquer “autoridade policial”.
Ainda assim, foram necessários mais cinco anos para que se iniciasse no
Estado de São Paulo uma “experiência piloto” que permitisse a elaboração, mais
simples e célere para toda a sociedade, do referido procedimento por qualquer
policial (como expressamente previsto na lei). Em resumo, da previsão constitucional
ao início das experiências pilotos em solo paulista foram necessários mais de treze
anos para adoção de um procedimento tão lógico e relevante tanto para a atividade
polícia quanto para a sociedade6.

4
A manifestação foi proferida por meio do do Provimento nº 758 do Conselho Superior da
Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em agosto daquele mesmo ano
5
na capital apenas a área do Comando de Policiamento Metropolitano – 4 –, na Grande São Paulo
apenas o município de Guarulhos e no Interior apenas o município de São José do Rio Preto
6
Mais problemática do que a demora na implementação foi o fato de que, como se verá a seguir, a
iniciativa do Termo Circunstanciado pela PMESP em São Paulo foi descontinuada cerca de oito anos
depois, em 2009 e, até hoje, transcorridos mais de 30 anos da promulgação da Constituição Cidadã,
referida previsão constitucional parece ser “letra morta” no Estado de São Paulo.
18

Destacar essa dificuldade de implementação de medidas simples como o


Termo Circunstanciado (TC) no âmbito da PMESP é relevante pois esta “resistência”
apresentada em relação ao TC em São Paulo está diretamente relacionada com os
fatores que dificultam a adoção do Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe) da
PMESP como registro válido de ocorrências criminais para o cidadão e,
consequentemente, como fonte primária de estatística criminal e de produtividade
policial, ambos objeto de análise do presente estudo. Tais fatores serão retomados e
aprofundados nos próximos capítulos, por ora, sublinhadas as dificuldades, importa
retornar ao objeto do presente tópico, que visa apresentar um panorama sobre
desenvolvimento do BO/PM-TC de meados de 1997 até hoje.
Assim, em 2001, por meio da Resolução SSP nº 403/01 teve início a
experiência piloto que possibilitou, pela primeira vez e ainda que limitado aos casos
de infração de menor potencial ofensivo, a utilização do BO/PM-TC como registro
criminal válido para o cidadão e para os demais fins legais, especialmente para dar
início à persecução penal perante o Poder Judiciário.
Os dados estatísticos criminais e de produtividade policial consolidados e
publicados trimestralmente pela Secretaria da Segurança Pública do Estado de São
Paulo apresentam um panorama geral, ainda que apenas em termos quantitativos, a
respeito da elaboração de Termos Circunstanciados pela Polícia Militar do Estado de
São Paulo durante período de vigência da experiência.
Ainda que a efetiva utilização do BO/PM-TC como Termo Circunstanciado
de Ocorrência fosse restrita às áreas pilotos sendo que nas demais regiões sua
utilização tenha permanecido prioritária ao âmbito interno da Instituição, o
documento e suas alterações, como explicado, foi adotado em 1997 no âmbito de
todo o estado pela PMESP motivo pelo qual consolidou-se cada vez mais como
importante ferramenta de coleta de dados e informações imprescindíveis para o
gerenciamento institucional.
Não por outro motivo, em 2006 as Normas para o Sistema Operacional de
Policiamento (NORSOP) (PMESP, 2006) já previam expressamente que o BO/PM-
TC, além de ser o formulário destinado ao registro de dados acerca das ocorrências
atendidas pela Polícia Militar, deveria ser utilizado como “fonte para estudos técnicos
e estatísticos, controle, planejamento operacional e registro público imediato das
circunstâncias, causas e conseqüências das ocorrências” razão pela qual seu
preenchimento deveria traduzir a maior correção e isenção possíveis.
19

Portanto, na primeira década do século XXI a PMESP já estava preparada


para ofertar a toda a sociedade paulista e ao Poder Judiciário e Ministério Público,
um outro meio de registro oficial de ocorrência policial, o BO/PM-TC em adição ao já
utilizado Boletim de Ocorrência elaborado pela Polícia Civil (BO/PC).

2.2 2009, um passo para trás: a Resolução SSP nº 233/09

Se no âmbito interno o BO/PM-TC consolidou-se e incrementou a qualidade


no registro de informações e coleta de dados, no que diz respeito à sua utilidade
social e externa infelizmente, em 2009, houve a descontinuidade das experiência
piloto iniciada em 2001.
Em 11 de setembro de 2009 foi publicada no Diário Oficial do Estado a
Resolução SSP n. 233/09 que proibiu a elaboração de Termos Circunstanciados
pelos policiais militares sob alegação, dentre outros fundamentos, de que as
limitações relativas à natureza das infrações penais e ao território em que a
experiência seria implementada, conforme disciplinado pela própria Secretaria da
Segurança Pública, relegaram “à Polícia Militar uma atividade residual, de
desprezível repercussão na persecução penal, que mais se presta a criar e estimular
antagonismos do que a pretensa celeridade da prestação jurisdicional” aliado ao fato
de que “desde a implantação dessa experiência, o relacionamento entre as
instituições policiais foi afetado de forma sensível, com crescentes atritos, advindo
posturas que prejudicam o bom andamento do serviço policial, em detrimento do
interesse público”.
Ainda que em absoluto respeito às deliberações governamentais e
institucionais, é importante ao menos a reflexão no sentido de que as
fundamentações presentes na Resolução da Secretaria da Segurança Pública, ao
menos aparentemente, não correspondem à uma análise inicial baseada nos dados
estatísticos publicados pela própria Secretaria.
Tomando-se como exemplo os dados relativos ao Interior do Estado,
constata-se que no terceiro trimestre de 2008, apesar dos policiais militares lavrarem
Termos Circunstanciados apenas na área de um Batalhão, qual seja, no 17º
Batalhão de Polícia Militar do Interior (17ºBPM/I) ou por algumas unidades
especializadas (Policiamento Ambiental e Rodoviário), foram eles responsáveis pela
elaboração de mais de 10% de todos os Termos Circunstanciados lavrados em
20

todos os municípios do Interior (4.162 TCs elaborados pela Polícia Militar e 37.460
elaborados pela Polícia Civil em todo o Interior).
Em que pese os dados a respeito dos Termos Circunstanciados lavrados
pela Polícia Militar naquele período não serem disponibilizados por Batalhão e
Seccionais, a análise dos dados no formato publicado deixa claro que na única
região do Interior em que ambas instituições elaboravam Termos Circunstanciados
(município de São José do Rio Preto) o número de Termo Circunstanciados
elaborados pelos policiais militares era provavelmente superior ao número de
Termos Circunstanciados elaborados pela Polícia Civil visto que o número de TCs
elaborados pela Polícia Militar (4.162) mesmo com todas as limitações indicadas
pela Secretaria da Segurança Pública era superior ao número de Termos
Circunstanciados elaborados em todo o Departamento de Polícia Judiciária de São
Paulo Interior 5 (DEINTER 5) (3.963) que abrigava diversos outros municípios .
A análise acima dos dados disponibilizados não tem por objetivo comparar
“eficiência” ou fomentar “atritos” em prejuízo do “interesse público”, pelo contrário, a
análise dos dados acima visa refletir sobre a correção ou não de dos motivos da
expedição da Resolução SSP 233/09, expressamente indicado nos considerandos
da citada norma, no sentido de que a experiência de Termos Circunstanciados
elaborados pelos policiais militares “criavam” e “estimulavam” “antagonismos” “sem
qualquer impacto” na “celeridade da prestação jurisdicional”. A análise, ao menos
preliminar, dos dados consolidados pela própria Secretaria da Segurança Pública,
parece indicar exatamente o contrário, ou seja, que a questão da elaboração ou não
de Termos Circunstanciados pelos policiais militares consistia exatamente na
“ampliação” dos meios de acesso à justiça por parte da população paulista.
Analisando-se os dados disponibilizados pela Secretaria da Segurança
Pública relativos aos nove primeiros meses de 2007 (quando a Polícia Militar
elaborava TC no 17º BPM/I e nas unidades especializadas), verifica-se que foram
elaborados 154.122 de Termos Circunstanciados no Interior do Estado ao passo que
no mesmo período do ano de 2010 (quando a Polícia Militar já não mais elaborava
Termos Circunstanciados por força da proibição contida na Resolução em comento)
o número de Termos Circunstanciados elaborados no Interior foi de 115.562, ou
seja, no intervalo de apenas dois anos entre um período e outro, apesar do número
de inquéritos policiais instaurados no período, no Interior, ter crescido (138.210 em
2007 para 143.840 em 2010) o número de Termos Circunstanciados elaborados
21

recuou em cerca de 25%. Assim, ao menos aparentemente e sob censura de


análises mais profundas e detalhadas que podem ser feitas em esferas competentes
e com meios de detalhamento dos números disponibilizados por meio da Lei
9.155/95, os cerca de 15 mil Termos Circunstanciados/ano elaborados pelos
policiais militares (cerca de 11 mil nos primeiros nove meses) não foram “absorvidos”
pela estrutura da Polícia Civil mas sim, “deixaram” de ser elaborados por conta do
“fechamento” deste canal de acesso à justiça à população paulista. Se isso
realmente ocorreu (ao menos os dados e a análise preliminar aqui apresentada
parece indicar esse sentido) na verdade, a Resolução da Secretaria da Segurança
Pública n. 233 de 2009 pode ter gerado o efeito exatamento oposto ao pretendido e
“suprido” da sociedade um acesso à justiça face as limitações, estruturais ou não, da
relevante Instituição Policial Civil que, talvez até em decorrência da busca pela
otimização de recursos esteja priorizando a investigação (aumento do número de
inquéritos instaurados) pela maior gravidade das infrações penais não classificadas
como de menor potencial ofensivo.
Portanto, mais uma vez, não se trata de buscar comparar eficiência,
quantidade ou qualquer outro critério entre as Instituições mas sim de iluminar a
possibilidade de que um prejuízo esteja recaindo sobre os mais de 40 milhões de
cidadãos paulistas em decorrência de um ato administrativo fundamentado em
argumentos, ao menos preliminarmente, não compatíveis com os dados
consolidados pela própria Pasta. Se comparados os dados de 2007 com os dados
de 2018 a situação é ainda mais preocupante. Apesar do número de Inquéritos
Policiais instaurados no Interior, nos primeiros nove meses do ano, terem
aumentado significativamente (de 138.210 em 2007 para 161.985 em 2018) o
número de Termos Circunstanciados elaborados no Interior do Estado, no mesmo
período, caiu de 154.122 Termos Circunstanciados elaborados em 2007 para 74.772
em 2018 o que simboliza uma queda de cerca de 50%. Como ressaltado, outros
fatores podem explicar esta mudança quantitativa, contudo, o simples sinal invertido
entre número de Inquéritos Instaurados e Termos Circunstanciados elaborados já
merece, s.m.j., uma nova reflexão a respeito da deliberação governamental.
Afora as conclusões sugeridas pelos dados supracitados, causa espécime
também a justificativa apresentada na referida Resolução, tendo em vista que a
criação dos Juizados Especiais Criminais e dos correspondentes procedimentos
policiais específicos destinados a simplificar a atuação estatal frente às infrações
22

penais de menor potencial ofensivo não parece ser, s.m.j., um ato discricionário do
Secretário Estadual da Segurança Pública mas sim um mandamento constitucional e
legal e, portanto, manifestação legítima e democrática da população brasileira.
Não obstante, para o presente tópico, importa o fato de que, a partir de
então, ao invés de ampliar a iniciativa a PMESP deixou definitivamente de elaborar o
Termo Circunstanciado de Ocorrência sendo que o BO/PM-TC retomou novamente
sua destinação prioritária ao âmbito interno institucional, ainda que a nomenclatura e
suas características permanecessem praticamente inalteradas mesmo após esse
retrocesso.
Como positivo de todo o processo iniciado em 1997 que visou preparar a
Instituição, seus integrantes e o BO/PM-TC para uma melhor prestação de serviço
público a toda a sociedade restou o fato de que referido documento e diversos
procedimentos e sistemas internos foram aperfeiçoados para atender novas
demandas sociais resultando, no mínimo, em uma significativa melhora em relação a
esta importante ferramenta de coleta de dados e informações operacionais e
criminais.
Neste sentido, vale lembrar que apesar da existência do Sistema
Operacional da Polícia Militar (SIOPM) com inúmeras informações já informatizadas
a respeito de cada atendimento de ocorrência pelos policiais militares, os dados
constantes no BO/PM-TC, elaborados obrigatoriamente em algumas ocorrências e
facultativamente em outras, sempre foram mais completos e forneciam detalhes
pormenorizados, ainda que elaborados por meio da via impressa 7 . A fim de
dimensionar o impacto desta importante melhoria basta mencionar que entre os
anos de 2001 e 2018, foram elaborados milhões de BO/PM-TC. Mesmo se
comparado à quantidade total de registros de atendimentos policiais no SIOPM, os
chamados “talões”, o número de BO/PM-TCs é significativo. Em 2017 por exemplo,
dos 9.109.304 (nove milhões, cento e nove mil, trezentos e quatro) “talões” de
ocorrências policiais gerados no SIOPM em cerca de 15% deles, ou seja, em
1.337.547 (um milhão, trezentos e trinta e sete mil, quinhentos e quarenta e sete)

7
A grande maioiria dos atendimentos policiais militares são registrados no SIOPM por meio do
popularmente conhecido “talão “ de ocorrências e, em alguns casos há necessidade da elaboração
do BO/PM-TC. Até então, portanto, nas ocorrências em fosse elaborado o BO/PM-TC as informações
básicas eram registradas no SIOPM e o BO/PM-TC, impresso, incluía outras informaçõpes mais
detalhadas.
23

dos registros, além das informações digitais inseridas nos “talões” do SIOPM foram
elaborados BO/PM-TCs.
Os dados acima destacam a consolidação e relevância do BO/PM-TC até os
dias atuais, mesmo após a descontinuidade da utilização deste documento como
Termo Circunstanciado ocorrida em 2009. Agora, para continuidade da análise
cronológica proposta para este capítulo interessa retornar ao cenário pós 2009, no
qual o BO/PM-TC, apesar da consolidação da qualidade e nomenclatura, voltou a ter
como função principal a alimentação de bancos e sistemas internos para registro,
controle e gestão estratégica-operacional.

2.3 2011, a Resolução SSP nº 35/11: uma nova frente é aberta.

No ano de 2011, não parecia mais restar dúvida a respeito da capacidade da


PMESP para atender uma legítima, urgente e necessária (inclusive em termos legais
e constitucionais) desburocratização dos registros de ocorrência policial, circunscrita
ou não às infrações de menor potencial ofensivo. A demonstração dessa capacidade
somada às demandas pela simplificação, racionalização e melhoria na prestação do
serviço público de segurança pública parece ter aberto o caminho para que no ano
de 2011 uma nova iniciativa fosse iniciada ainda na busca da “quebra de paradigma”
em relação à elaboração dos registros oficiais de ocorrência, fato ou evento de
segurança e ordem pública.
Propositadamente ou não, amenizando-se o retrocesso relativo à
reburocratização dos procedimentos relativos ao Termo Circunstanciado de
Ocorrência (TCO) no Estado foi editada uma nova norma pela Secretaria da
Segurança Pública que teve por escopo de iniciar um processo que permitiria que
um outro tipo de boletim de ocorrência elaborado pelos policiais militares, se
versassem sobre determinadas naturezas e não demandassem medidas de
imediatas de polícia judiciária comum, passassem a ser válidos para os cidadãos e
dispensassem-nos de providenciar um outro Boletim, sobre os mesmos fatos e com
a mesma finalidade, por meio do comparecimento a um Distrito ou Delegacia da
Polícia Civil ou de um registro eletrônico pela rede mundial de computadores.
A norma que deu início a este projeto trata-se da Resolução SSP nº 35 de
23 de março de 2011 (SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA, 2011). Por meio
deste ato, com o objetivo de dar “maior celeridade no atendimento à população
24

quando do registro de ocorrências policiais”, permitiu-se que as ocorrências policiais


de furto de veículos, desaparecimento de pessoas, furto e perda de documentos,
furto e perda de celulares, furto e perda de placas de veículos e encontro de
pessoas desaparecidas, pudessem ser registradas por policiais militares e
carregadas diretamente no Sistema de Registro Digital de Ocorrências (R.D.O.) da
Polícia Civil. Para tanto, os policiais militares passaram a confeccionar os Boletins de
Ocorrência do R.D.O. (BO/PC) nas próprias Organizações Policiais Militares (OPM),
sendo ainda criado um formulário adicional, o Formulário PMO-56 (Boletim de
Ocorrência – B.O.), que deveria ser preenchido fisicamente pelo policial militar nos
casos em que o sistema de acesso ao R.D.O. estivesse indisponível a fim de que,
posteriormente, fosse realizada a inserção do registro no respectivo sistema digital
(PMESP, 2011, item 22). Posteriormente foi acrescida a possibilidade de utilização
deste B.O. (Formulário PMO-56) nas ocorrências de acidente de trânsito sem vítima
em que, no momento do registro, o SIOPM estivesse indisponível (PMESP, 2011,
item 30).
Destaque-se que nos casos previstos pela citada Resolução os policiais
militares não lavrariam um BO/PM-TC, mas sim, por meio de um serviço
desenvolvido na plataforma WEB do Sistema Operacional da Polícia Militar (SIOPM)
denominada SIOPM WEB8, elaborariam um outro tipo de Boletim de Ocorrência
cujos dados seriam automaticamente transpostos ao R.D.O. da Polícia Civil de modo
semelhante à elaboração de um Boletim de Ocorrência em um Distrito ou Delegacia
da Polícia Civil.
Portanto, em 2011, o cenário era o seguinte: para a grande maioria das
ocorrências em que fosse necessária a elaboração de um boletim de ocorrência
permaneceu sendo utilizado o BO/PM-TC, físico e impresso, em complemento às
informações já registradas no SIOPM, no entanto, para as ocorrências cuja natureza
era abrangida pela Resolução SSP nº 35/11, a regra passou a ser a inserção digital
dos dados, via ferramenta construída no SIOPM WEB, diretamente no sistema
R.D.O, destinado até então única e exclusivamente para o registro de ocorrências
pela Polícia Civil. Nos casos em que o sistema R.D.O. estivesse indisponível no
momento da elaboração dos registros destas específicas naturezas de ocorrências,

8
Por meio da plataforma SIOPM WEB, disponível aos policiais militares por meio da INTRANET da
Instituição, são inseridos dados e informações no SIOPM tais como registros de início e término de
unidades de serviço, situação da frota, efetivo, dentre outros, bem como são realizadas consultas e
extraídos relatórios internos.
25

uma via física do B.O. (Formulário PMO-56) deveria ser elaborada para posterior
lançamento no R.D.O.
Uma análise das informações extraídas diretamente do R.D.O. revelam que
já em 2012, no ano seguinte ao início do procedimento previsto pela nova norma,
mais de 78 mil Boletins de Ocorrências foram elaborados por policiais militares em
todo o Estado nos termos da Resolução SSP nº 35/11, ou seja, diretamente no
sistema R.D.O. administrado pela Polícia Civil. Em 2013 foram mais de 76 mil
Boletins lavrados diretamente pelo policial militar nas centenas de Organizações
Policiais Militares (OPMs) distribuídas em todo o Estado.
Ou seja, em apenas dois anos, por meio desse sistema, foram elaborados
mais de 150 mil Boletins de Ocorrência por policiais militares, com validade imediata
aos cidadãos, sem que fosse necessário, aos policiais militares e/ou aos envolvidos,
providenciar um outro Boletim, sobre os mesmos fatos e com a mesma finalidade,
por meio do comparecimento a um Distrito ou Delegacia da Polícia Civil ou de um
registro eletrônico pela rede mundial de computadores
Frise-se que os registros lavrados pelos policiais militares nos termos da
Resolução SSP nº 35/11 eram realizados nos mesmos moldes dos BO/PCs lavrados
pelos policiais civis nos Distritos ou Delegacias da Polícia Civil do Estado de São
Paulo. Tais números, especialmente se considerados que os registros foram
limitados a ocorrências de apenas algumas naturezas, demonstram a importância da
medida e a capacidade dos policiais militares em operacionalizá-la além de
traduzirem a melhoria do serviço de segurança pública prestado à população
paulista.
Este cenário pode ter fomentado uma importante iniciativa buscada no ano
seguinte, em 2014, por meio de um projeto de lei que visava instituir um sistema de
registro único de ocorrência policial no Estado. Esta iniciativa é o objeto do tópico a
seguir.

2.4 2014, sistema de registro único de ocorrência: primeira tentativa e a


resistência das “autoridades”.

Na própria Resolução nº 35/11 previa-se a possibilidade, mediante ajuste do


Comando Geral da PMESP e do Delegado Geral da Polícia Civil do Estado de São
Paulo, da ampliação do rol de ocorrências a serem lavradas diretamente no R.D.O.
26

pelos policiais militares. Assim previu o parágrafo único do art. 6º da citada


Resolução:

A critério do Comandante Geral da Polícia Militar e do Delegado Geral da


Polícia Civil, em decisão conjunta e a bem do interesse público, o rol de
ocorrências poderá ser ampliado ou reduzido. (SECRETARIA DA
SEGURANÇA PÚBLICA, 2011).

Ainda que a ampliação prevista pela Resolução não tenha sido


implementada, a consolidação do sistema nos anos subsequentes estabeleceu as
bases para a adoção de um sistema único de registro de ocorrência policial no
Estado de São Paulo que traria ganhos incontestes a toda a atividade policial e à
sociedade.
Provavelmente em decorrência destas iniciativas, em 2014, o então
Secretário de Segurança Pública encaminhou um projeto de lei ao Governo do
Estado prevendo a criação deste “sistema unificado de ocorrências policiais” no
Estado de São Paulo. A exposição de motivos que acompanhou o projeto é
elucidativa a respeito dos objetivos e ganhos do sistema:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR GOVERNADOR

Tenho a honra de submeter ao crivo de Vossa Excelência projeto de lei que


estabelece critérios mínimos para o registro de infrações penais e
administrativas pelos órgãos de Segurança Pública no Estado de São Paulo
e cria o sistema unificado de ocorrência, composto por dois módulos: a)
registro de infrações penais; e b) registro de fatos relevantes para a
Segurança Pública.
Por intermédio do apontado projeto, que cria o boletim de ocorrência
unificado, busca-se aperfeiçoar o sistema de integração e atuação conjunta
das policias civil, militar e técnico-científica, sem prejuízo da comunicação e
acompanhamento de fatos relevantes em matéria de Segurança Pública.
A administração do sistema unificado de ocorrência competirá à Secretaria
da Segurança, que poderá compartilhá-lo com o Poder Judiciário e o
Ministério Público, mediante convênio.
O projeto, a par de concretizar projeto estrutural calcado na ação otimizada
e integrada das policias, fornece ferramentas para participação e
colaboração de outros atores, fator determinante na construção de uma
política de Segurança Pública de Estado.
A matéria submetida ao elevado crivo de Vossa Excelência, embora com
enfoque inovador, posto que otimiza a gestão de pessoas e recursos,
assegura concretude ao disposto no artigo 144 da Constituição Federal, que
indica a Segurança Pública como dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
SECRETÁRIO DA SEGURANÇA PÚBLICA
(ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2014)
27

O projeto de lei, por si, era simples e direto e indicava que as questões
operacionais e detalhes de implementação seriam definidos por meio de Decreto ou
Resolução da Secretaria da Segurança Pública:

Lei nº , de de 2014
Institui o sistema unificado de ocorrência para registro de infrações penais e
administrativas relacionadas à Segurança Pública.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO:


Faço saber que a Assembleia Legislativa decreta e eu promulgo a
seguinte lei:

Artigo 1º Fica instituído no Estado de São Paulo o sistema unificado de


ocorrência, composto por dois módulos:
I – registro de infrações penais;
II – registro de fatos relevantes para a Segurança Pública.
Parágrafo único - A hipótese do inciso II deste artigo será regulamentada
por Decreto.
Artigo 2º - Caberá à Secretaria da Segurança Pública manter sistema de
controle e numeração de boletim de ocorrência, disponibilizando
eletronicamente o número do registro.
§ 1º - Não haverá para a mesma ocorrência mais de um boletim.
§ 2º - O registro deverá ser realizado pelo primeiro policial civil, militar, ou
servidor que tomar conhecimento dos fatos, nos termos do disposto na
legislação processual penal.
§ 3º - Resolução do Secretário da Segurança Pública regulamentará o modo
e procedimento a serem observados para obtenção e controle do
numerador único de boletim de ocorrência.
Artigo 3º - Caberá à Autoridade Policial assegurar a complementação do
registro da ocorrência e a proceder eventuais retificações que se fizerem
necessárias.
Artigo 4º - A Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo,
mediante convênio, poderá compartilhar o sistema unificado de ocorrência
com o Poder Judiciário e o Ministério Público.
Artigo 5º - Objetivando o aprimoramento e fortalecimento do sistema
unificado de ocorrência, a Secretaria da Segurança Pública poderá firmar
convênio ou termo de cooperação com Municípios e órgãos públicos ou
privados.
Artigo 6º - Esta lei entra em vigor cento e vinte dias após a data da sua
publicação.
Palácio dos Bandeirantes, aos de de
2014.
Geraldo Alckmin
(ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2014)

Ainda em 2014 o projeto de lei foi apresentado à Assembléia Legislativa pelo


Governador do Estado sendo incluso no processo legislativo daquela casa por meio
do Projeto de Lei nº 928/14. Considerando os motivos da proposta e o fato de ter
sido apresentada pelo próprio Governo do Estado perante a Assembleia Legislativa,
a possibilidade de aprovação pelo Poder Legislativo parecia ser o caminho mais
lógico e provável.
28

Logicamente que consoante o príncipio constitucional da tripartição dos


poderes, adotado em pelo nosso Estado Democrático de Direito, cumpre ao Poder
Legislativo, nesse caso aos deputados estaduais, a análise e aperfeiçoamento de
eventuais iniciativas legislativas apresentadas pelo Executivo. Assim, o Projeto de
Lei nº 928/14 de iniciativa do Executivo figurou em pauta, nos termos regimentais,
nas sessões correspondentes às 95ª à 97ª Sessões Ordinárias, daquele ano tendo
recebido 8 (oito) emendas por parte dos deputados estaduais. Os quadros abaixo
buscam sintetizar o proposto por cada uma delas:

QUADRO 1 – EMENDAS PARLAMENTARES DE Nº 1 A 4 AO PROJETO DE LEI Nº 928/14


Emenda Autoria Objetivo da Emenda
Corrigir impropriedade no texto original apresentado e
deixar expresso, no art. 3º da Lei, as exclusivas
Deputado Campos competências afetas ao Delegado de Polícia, evitando-
1
Machado se possível margem de discricionariedade para que o
poder regulamentar promova invasão de atribuições e
prerrogativas
Definir no art. 3º que caberá ao Delegado de Polícia
Deputado Campos assegurar a complementação do registro da ocorrência e
2
Machado a proceder a eventuais retificações que se fizerem
necessárias.
Definir no art. 3ª que é autoridade policial todo o agente
do Poder Público Estadual investido legalmente para
exercer as funções e os cargos que visam preservar a
ordem pública e a incolumidade das pessoas e do
patrimônio. Para os fins previstos de otimizar o
atendimento ao cidadão, garantir celeridade na
prestação jurisdicional e, por conseqüência, alcançar paz
3 Deputado Pedro Tobias
social com a diminuição da sensação de impunidade, é
necessário esclarecer a exata definição do conceito de
Autoridade Policial estendendo os efeitos benéficos da
lei, explicitando que tanto policiais civis como policiais
militares são autoridades policiais, como fez o Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do
Provimento nº 806/03
Alterar o texto do art. 3º para “Artigo 3º - Caberá à
Autoridade Policial, Delegado de Polícia da Delegacia de
Polícia do local da ocorrência, logo que tomar
conhecimento, assegurar a complementação do registro
da ocorrência, proceder a eventuais retificações que se
fizerem necessárias bem como requisitar exames
4 Deputado João Paulo Rillo
periciais, se for o caso.” a fim de estabelecer que a
Autoridade Policial, ou seja o Delegado de Polícia, ao
tomar conhecimento da ocorrência, adote, de imediato,
as providências destinadas ao seu complemento,
proceda eventuais retificações e, quando necessário
requisite os devidos exames periciais.
FONTE: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2014.
29

QUADRO 2 – EMENDAS PARLAMENTARES DE Nº 5 A 8 AO PROJETO DE LEI Nº 928/14


Emenda Autoria Objetivo da Emenda
Alterar o texto do § 3º do art. 3º para “§ 3º - O registro
de que trata o § 2º deverá ser imediatamente levado ao
conhecimento da Autoridade Policial, Delegado de
Polícia da Delegacia de Polícia da área respectiva.” Com
o objetivo de estabelecer que o policial civil, militar ou
guarda municipal que realizar o registro da ocorrência,
5 Deputado João Paulo Rillo
deverá imediatamente levá-la ao conhecimento da
Autoridade Policial, ou seja, o Delegado de Polícia da
Delegacia de Polícia da área onde ocorreu o fato
registrado, para que este se for o caso, requisite exames
periciais e adote outras providências que se fizerem
necessárias.
Alterar o texto do § 2º do artigo 2º para o seguinte: “O
registro deverá ser realizado pelo primeiro policial civil,
militar ou servidor municipal da área da segurança
pública que tomar conhecimento dos fatos, nos termos
do disposto na legislação processual penal” com o
6 Deputado João Paulo Rillo
objetivo de incluir os integrantes da guardas civis
municipais, instituições existentes em mais de 200
(duzentos) municípios do Estado de São Paulo, dentre
os servidores públicos que deverão realizar o registro de
ocorrência assim que dela tomar conhecimento.
Alterar o texto do inciso II do art. 2º para “registro de
fatos relevantes para a Segurança Pública e para a
proteção de direitos de pessoas” para incluir dentre as
ocorrências que obrigatoriamente devem ser objeto de
7 Deputado João Paulo Rillo
registro no sistema unificado de ocorrência, aquelas que
visam proteger o direito de pessoas e que atualmente já
são registradas, porém não constam no texto original do
Projeto de lei 928, de 2014.
Alterar o texto do art. 3º para “Artigo 3º - Caberá ao
Delegado de Polícia assegurar a complementação do
registro de ocorrência e a proceder eventuais retificações
8 Maria Lúcia Amary que se fizerem necessárias.” com o objetivo de
adequação do texto proposto à terminologia jurídica
própria, preservando-lhe a essencia e garantindo que
não haverá qualquer dúvida na sua interpretação.
FONTE: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2014.

No curso do processo legislativo correspondente, a matéria seguiu para a


Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR), para sua análise nos
aspectos constitucional, legal e jurídico.
Por força de tramitação em regime de urgência do projeto, requerida pelo
Governador do Estado, uma vez esgotado o prazo previsto na CCJR houve a
designação de relator especial para elaboração de parecer sobre o texto e sobre as
emendas apresentadas que foi exarado nos seguintes termos:

A propositura é de natureza legislativa, e sua iniciativa se coaduna com os


princípios estabelecidos na Constituição do Estado, o que nos leva a ser
favorável à sua aprovação, na medida em que estabelece procedimentos na
30

área da Secretaria da Segurança quanto aos registros de infrações penais e


administrativas.

DAS EMENDAS

A Emenda nº 01, do Deputado Campos Machado, propõe nova redação ao


artigo 3º do projeto, objetivando caber ao Delegado de Polícia a
competência para proceder a eventuais retificações do registro de
ocorrência e identificar tipificação penal e demais medidas de polícia
judiciária, tais como perícias, depoimentos, declarações e outras. Similar
proposta é o que consubstancia, também, a Emenda nº 02, do Deputado
Campos Machado, a Emenda nº 04, do Deputado João Paulo Rillo e a
Emenda nº 08, da Deputada Maria Lúcia Amary.
Nesse propósito, comungamos com as propostas inseridas nas emendas
acima referenciadas, uma vez que a legislação processual penal estabelece
expressamente ser o Delegado de Polícia a única “autoridade policial” para
a execução do que o presente projeto de lei propõe. Aliás, o próprio
Supremo Tribunal Federal assegura ser de exclusiva competência do
Delegado de Polícia a atribuição de polícia judiciária, em decisões de Ações
Diretas de Inconstitucionalidades, vedando a qualquer outra autoridade
policial a elaboração de termo circunstanciado ou registro de ocorrência.
Trata-se, portanto, de interpretação restritiva, não se admitindo outra
variação quanto à essa atribuição.
Contudo, no sentido de consolidar e aprimorar os textos das emendas
acima citadas, propomos a seguinte:

SUBEMENDA ÀS EMENDAS DE NºS 01, 02, 04 e 08 DO PROJETO

Dê-se a seguinte redação ao “caput” do artigo 3º do projeto de lei em


epígrafe:

“Artigo 3º - Caberá exclusivamente ao Delegado de Polícia assegurar a


complementação do registro de ocorrência e a proceder a eventuais
retificações que se fizerem necessárias.”

Quanto às Emendas de nºs 03, 05, 06 e 07, entendemos que as mesmas


não devam prosperar, na medida em que se contrapõem ao que disciplina a
legislação federal (processual penal e legislação complementar da espécie),
diferindo da terminologia adotada pela Constituição Estadual (Emenda
Constitucional nº 35, de 2012) e de leis estaduais (Lei Complementar nº
1.151, de 2011, Lei Complementar nº 1.249, de 2014, e Lei Complementar
nº 1.222, de 2013), bem como por colidir com a atribuição territorial de
competências dos Delegados de Polícia e servidores municipais.
Ante o exposto, manifestamo-nos favoravelmente ao Projeto de lei nº 928,
de 2014, às Emendas de nºs 01, 02, 04 e 08, na forma da subemenda ora
apresentada neste parecer, e contrário às Emendas nºs 03, 05, 06 e 07.

a) Roque Barbiere - Relator Especial


(ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2014)

Em um primeiro momento, considerando que a alteração proposta no


parecer aprovado foi apenas em relação ao art. 3º com o objetivo de conferir
exclusividade ao Delegado de Polícia para complementação e retificações dos
registros policiais têm-se a impressão de que pouco se alterou no projeto, visto que
31

este continuaria sendo realizado pelo primeiro policial civil, militar, ou servidor que
tomasse conhecimento dos fatos.
Contudo, é importante destacar que das oito emendas apresentadas seis
delas focaram em definir quem é a autoridade policial sendo que destas, cinco
tinham por objetivo garantir que esta autoridade é única e exclusivamente o
Delegado de Polícia, inclusive mencionando decisões proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal a respeito da impossibilidade de “outras autoridades policiais”
elaborarem Termo Circunstanciado de Ocorrência.
Esta preocupação e os demais fundamentos presentes no parecer aprovado
demonstram de modo claro a estreita relação, já destacada anteriormente, entre os
motivos dos entraves à plena implementação da racionalização e simplificação dos
procedimentos policiais previstos pela Lei Federal nº 9.099/95 e as dificuldades para
adoção de um sistema de registro único de evento de segurança e ordem pública:
qual seja a obsolescência do sistema de “autoridades” de segurança pública calcado
em uma divisão de atribuições policiais construída no século XVIII e que pode ser
denominada de “modelo policial napoleônico”. No transcorrer do trabalho será
demonstrado o modo pelo qual esse modelo foi abandonado nos próprios países
que influenciaram o sistema brasileiro. Neste momento, importa o destaque que,
mais uma vez, a defesa dos interesses “corporativos” parecem ter sobreposto à
medidas de eficiência, racionalidade e melhoria do serviço público prestado à
sociedade.
Ainda mais “caricato” que a defesa consistente das “atribuições” das
“autoridades” constituídas frente à proposta de simplificação e melhoria na prestação
de serviços aos cidadãos tenha sido realizada de modo tão contundente justamente
na “casa do povo”, qual seja, na Assembléia Legislativa, órgão do Poder Legislativo
destinado exatamente à representação dos interesses da sociedade por meio dos
parlamentares democraticamente eleitos.
Esta frequente divergência de interesses entre o que a sociedade como um
todo demanda e as posições efetivamente adotadas pelos parlamentares
(municipais, estaduais e federais) é apontada e explicada por alguns doutrinadores
como uma crise de representatividade democrática que é exponencializada em
nosso país por algumas questões históricas, culturais e econômicas (FAORO, 2001,
p. 823-824; CARVALHO, 2013, p. 221-224) e uma introdução da atividade de lobby,
corporativos ou não, que acabam prevalecendo no processo legislativo.
32

Não se defende aqui a ilegitimidade das conclusões apresentadas no


parecer aprovado a respeito do citado Projeto de Lei nº 928/14 visto que decorrente
do nosso processo legislativo e sistema de representatividade posto. Nem se
defende a “demonização” dos lobbies, que integram o processo democrático e
podem constituir-se em um importante canal de interlocução entre os diversos
grupos sociais e os tomadores de decisão (OLIVEIRA, 2005). Se no projeto em tela,
o interesse de defesa das atribuições dos Delegados de Polícia (cinco das oito
emendas parlamentares foram apresentadas neste sentido) prevaleceu em
detrimento da adoção mundial do conceito de autoridade de polícia, a conclusão
final desde que respeitado o processo democrático há que ser reconhecida como a
expressa vontade da sociedade paulista naquele momento.
Isso não significa que não se possa destacar que das oito emendas
apresentadas pelos representantes da sociedade, apenas uma, justamente a que
defendia que o termo “autoridade policial” da proposta legislativa deveria
compreender “todo o agente do Poder Público Estadual investido legalmente para
exercer as funções e os cargos que visam preservar a ordem pública e a
incolumidade das pessoas e do patrimônio”, foi a que mencionou, em suas
justificativas, o destinatário final de toda e qualquer atividade estatal qual seja, o
cidadão. Também importante o destaque de ter sido a única que buscou justificar a
alteração proposta não em conceitos legais ou interpretações normativas mas sim
em resultados concretos a exemplo da otimização” do atendimento, da celeridade na
prestação jurisdicional e da diminuição da sensação de impunidade.
Enfim, talvez por conta do conteúdo do parecer aprovado, que apesar de
não apresentar grandes modificações sob o ponto de vista formal demonstrou de
modo inconteste a contrariedade do poder legislativo, naquele momento, em relação
a essência da norma proposta que buscava efetivamente extrapolar o paradigma do
sistema de “autoridades” de segurança pública brasileiro e da “sacralização” do
“boletim de ocorrência” assinado por um Delegado de Polícia como único documento
válido como registro criminal, o Projeto de Lei nº 928/14 não avançou no trâmite
legislativo e ainda hoje o Estado de São Paulo carece de um sistema de registro
único de ocorrências ou eventos de segurança e ordem pública9.

9
Último andamento 19/09/2014 - Publicado parecer nº 1144, de 2014, de Relator Especial, em
substituição ao da Comissão de Constituição de Justiça e Redação, Deputado Roque Barbiere,
33

O resultado do trâmite legislativo da referida proposta também pode ter


contribuído para que a experiência iniciada em 2011 por meio da Resolução SSP nº
35/11, que atingiu rapidamente a casa dos mais de 70 mil boletins de ocorrências
elaborados pelos policiais militares nos dois primeiros anos subsequentes da sua
vigência, ressalte-se que apenas em relação a quatro tipos de registros, além de não
ter sido ampliada para outras naturezas, tenha caído paulatinamente nos anos
seguintes como demonstra a tabela abaixo:

TABELA 1: Boletins de Ocorrência lavrados pela PMESP

FONTE: R.D.O.

Logicamente que incrementos no serviço denominado Delegacia Eletrônica10


e maior acesso tecnológico da população à rede mundial de computadores no
período11 devem ser conjugados na análise dessa tabela.
Em relação à Delegacia Eletrônica especificamente em 2010 foram emitidos
por esse serviço 582.362 boletins de ocorrência, ou seja, 23% do total de 2.489.745
boletins de ocorrência registrados pela Polícia Civil (BO/PC) naquele ano. Já em
2017 a Delegacia Eletrônica emitiu 1.345.860 boletins de ocorrência, ou seja, 47%

favorável à proposição e às emendas de nºs 01, 02, 04 e 08, na forma da subemenda ora
apresentada neste parecer, e contrário às emendas nºs 03, 05, 06 e 07. (DA. págs 3 e 4)
10
Desde 2000, a Secretaria de Estado de Segurança Pública disponibiliza um campo em seu site
para o registro do Boletim de Ocorrência (BO). A ideia é facilitar e incentivar o registro de ocorrências
para evitar a subnotificação de crimes. A ferramenta funciona 24h por dia e proporciona comodidade
às vítimas, uma vez que não precisam mais de deslocar até os Distritos Policiais. Basta acessar o site
do órgão www.ssp.sp.gov.br e clicar na aba ‘Delegacia Eletrônica’.Em seguida, é necessário escolher
a ocorrência e seguir as orientações em tela. O próximo passo será preencher um formulário com os
dados do crime. Para usar o serviço, o usuário precisa de um endereço eletrônico, pois após o
cadastro é enviado por e-mail um link e senha para impressão do BO.O serviço, que recebia
inicialmente apenas sete tipos de ocorrências, praticamente dobrou de capacidade. Nos últimos oito
anos, a Secretaria de Segurança Pública catalogou um aumento de mais de 45% de registros no
site.
11
Segundo dados do IBGE, na região sudeste o percentual de pessoas que utilizaram a internet, no
período de referência de três meses anteriores à pesquisa, na população de 10 anos ou mais de
idade, foi de 54,2% em 2011 para 65,1% em 2015. Fonte IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação
de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2008/2015.
34

do total de 2.844.170 BO/PCs emitidos pela Polícia Civil naquele mesmo ano.
(FLORÊNCIO, 2018, p. 105; SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA, 2010).
Aliás, sobre a Delegacia Eletrônica cabe uma interessante observação.
Atualmente, o cidadão pode registrar 13 modalidades (naturezas) de boletim de
ocorrência pela Delegacia Eletrônica. Isso foi possível devido as expansões sofridas
pela Delegacia Eletrônica (DE) desde 2011. A primeira incluiu em seu sistema
denúncias de calúnia, injúria, difamação e ameaça no rol das naturezas. A mais
relevante aconteceu em 2013, que inseriu roubo de veículo e rouba a transeunte ou
de objetos (roubo de rua) (SÃO PAULO, 2013). O Gráfico abaixo auxilia na
compreensão dessa evolução:

Gráfico 1 – Disponibilização de naturezas para registros de ocorrências na


Delegacia Eletrônica

Fonte: FLORÊNCIO, 2018. p. 70.

Observe-se portanto que ao mesmo tempo em que a Assembléia Legislativa


do Estado de São Paulo preocupava-se em garantir exclusividade à atribuição do
Delegado de Polícia em relação à “complementação” e “retificação” dos registros de
ocorrências policiais “uma vez que a legislação processual penal estabelece
expressamente ser o Delegado de Polícia a única “autoridade policial” para tanto a
própria Secretaria da Segurança Pública, por meio da Polícia Civil do Estado,
ampliou os meios de elaboração de boletins de ocorrência policial sem a
35

necessidade do contato presencial dos envolvidos e, logicamente, sem o crivo


individual do Delegado de Polícia.
Ainda que efetivamente exista um Delegado de Plantão na Delegacia
Eletrônica, é fato, inclusive demonstrado por meio de trabalhos acadêmicos, que a
análise é majoritariamente realizada por funcionários contratados não policiais (para
os casos de ocorrências criminais) e por outros policiais (ocorrências criminais),
sendo que apenas casos mais complexos são analisados pelo Delegado de Polícia
de plantão.
Em 2017 a Delegacia Eletrônica contava com 113 integrantes em sua
equipe, divididos em turnos de serviço, para atender a uma demanda diária média
de cerca de 4.750 boletins de ocorrência para análise. Logicamente que a validação
concreta de cada registro, como em qualquer lugar do mundo, não depende de um
Delegado de Polícia, podendo ser realizada por qualquer policial.
Em síntese, voltando à construção do panorama da evolução do BO/PM-TC
e os meios de registros policiais no Estado de São Paulo de 1995 até os dias atuais,
temos que em 2014 apesar da tentativa de implementação por meio de um projeto
de lei, de um sistema único de registro de ocorrência policial, a não aprovação da
norma junto à Assembleia Legislativa manteve o seguinte cenário em relação à
confecção de boletins de ocorrência pelos policiais militares: (i) para a grande
maioria das ocorrências em que fosse necessária a elaboração de um boletim de
ocorrência permaneceu sendo utilizado o BO/PM-TC, físico e impresso, em
complemento às informações já registradas no SIOPM; (ii) para as ocorrências cuja
natureza era abrangida pela Resolução SSP nº 35/11, manteve-se o procedimento
de inserção digital dos dados, via ferramenta construída no SIOPM WEB,
diretamente no sistema R.D.O, no entanto a cada ano realizava-se uma quantidade
cada vez menor de registros por esse sistema em virtude do cenário desfavorável no
âmbito político aliado ao crescimento, muito bem vindo por sinal, dos registros de
ocorrência realizados por meio da Delegacia Eletrônica.
Considerando que o cenário em 2014 não resolvia um dos principais
problemas para a gestão da atividade policial militar no Estado, qual seja, o tempo
de empenho de equipes policiais militares em Distritos ou Delegacias de Polícia, no
ano de 2015 foi implementada um novo procedimento, que será analisado a seguir.
36

2.5 2015, a Resolução SSP nº 57/2015: problema resolvido?

Ainda que avanços tenham sido obtidos até o ano 2014, nenhuma das
medidas até o momento adotadas havia conseguido resolver um grave problema
que afetava cada vez mais o serviço prestado pela Polícia Militar à população: o
tempo desnecessário em que as equipes policiais militares permaneciam nas
Delegacias de Polícia ou Distritos Policiais apenas para acompanhar envolvidos no
registro do BO/PC, sem que houvesse necessidade de nenhuma outra providência
por parte dos policiais militares. Isto ocorria porque não raras vezes ao chegar na
Delegacia ou nos Distrito Policial com as partes, a equipe da Polícia Civil de serviço
está registrando outros fatos, seja apresentados por policiais que ali chegaram
antes, seja por cidadãos que também ali compareceram buscando a elaboração de
um Boletim de Ocorrência.
Diante de tal cenário, considerando que a proposta de um sistema de
registro único de ocorrências não havia avançado, a Secretaria da Segurança
Pública do Estado, sob a justificativa, dentre outras, de que “compete ao Estado
aprimorar a qualidade e eficiência dos serviços prestados à coletividade” assim
como em virtude da necessidade de que “o atendimento e o registro das ocorrências
apresentadas nas unidades policiais devem ser céleres, de modo a permitir o
imediato retorno dos agentes ao patrulhamento”, com base em experiências
realizadas em algumas regiões do Estado, editou a Resolução nº 57 de 08 de maio
de 2015 prevendo, dentre outras medidas, que “nas ocorrências criminais de mera
transmissão de dados, a Polícia Militar deverá tão somente elaborar BO/PM,
devendo encaminhar cópia ao órgão da Polícia Civil, com atribuição do local dos
fatos”.
Ora, ainda que não houvesse um “sistema único” uma vez que, em tais
casos de mera transmissão de dados, aos policiais militares bastaria a realização do
próprio registro que seria posteriormente encaminhado à Polícia Civil a solução
adotada, ao menos aparentemente, chegaria quase ao mesmo fim, visto que o
atendimento ao cidadão prestado pelos policiais militares resolveria, de imediato, a
questão tanto para os policiais militares quanto para os envolvidos na ocorrência, os
cidadãos.
37

Todavia, mais uma vez, parece que a questão da exclusividade da atribuição


relativa ao registro policial prevaleceu e, logo na sequência deste procedimento, a
própria norma complementa que em tais casos, após a elaboração do BO/PM-TC, “o
policial militar notificará as pessoas envolvidas na ocorrência para que compareçam”
ao órgão da Polícia Civil ou “por questões de segurança, prestará o apoio para que
isso ocorra, devendo retornar, em ambos os casos, imediatamente ao policiamento
preventivo”.
Em outras palavras, o policial militar não precisará deslocar-se ou
permanecer na Delegacia ou Distrito Policial aguardando para o registro da
ocorrência, contudo, o cidadão deve ser notificado a comparecer naquele órgão para
realização do registro.
Novamente, um procedimento incompreensível. Se o policial militar irá
elaborar o BO/PM-TC e cópia deste seria encaminhado à Polícia Civil para que
tenha ciência e então realize o registro no sistema, por qual motivo o cidadão
envolvido de algum modo na ocorrência deve deslocar-se a um órgão da Polícia
Civil? Para registrar novamente um fato já registrado e que será levado ao
conhecimento daquele órgão?
Absolutamente, explicar essa necessidade para um cidadão, destinatário
final de toda e qualquer atividade pública é tarefa hercúlea.
A questão pode ganhar contornos ainda mais graves pois pode transparecer
que uma medida governamental parece ter se preocupado em solucionar um
problema da Administração Pública (tempo desnecessário dos policiais militares em
um órgão da Polícia Civil) mas transferindo-o para o cidadão (cabe a ele utilizar seu
tempo de modo desnecessário em um outro órgão policial).
Bem, sem dúvida nenhuma a medida foi muito bem aceita no âmbito
operacional da PMESP tendo em vista que um dos grandes problemas relativos à
escassez de meios e efetivo policial foi amenizada com a medida implementada.
Mais uma vez, um fato positivo pode ser extraído dessa iniciativa que até hoje
encontra-se em vigor.
Assim, a partir de 2015 o cenário sofreu uma leve alteração: (i) para a
grande maioria das ocorrências em que fosse necessária a elaboração de um
boletim de ocorrência permaneceu sendo utilizado o BO/PM-TC, físico e impresso,
em complemento às informações já registradas no SIOPM com a vantagem de que
se tratando de ocorrências de mera transmissão de dados ou outras hipóteses
38

previstas pela Resolução nº 57/2015, esse BO/PM-TC desobrigava o policial militar


de comparecer ou permanecer no Distrito Policial para o registro em duplicidade
realizado pela Polícia Civil sendo cópia do BO/PM-TC encaminhado posteriormente
ao órgão da Polícia Civil com atribuição sobre os fatos; (ii) para as ocorrências cuja
natureza era abrangida pela Resolução SSP nº 35/11, manteve-se o procedimento
de inserção digital dos dados, via ferramenta construída no SIOPM WEB,
diretamente no sistema R.D.O, no entanto a cada ano realizava-se uma quantidade
cada vez menor de registros por esse sistema em virtude do cenário desfavorável no
âmbito político aliado ao crescimento, muito bem vindo por sinal, dos registros de
ocorrência realizados por meio da Delegacia Eletrônica.
O cenário de 2015 havia amenizado um dos problemas mais graves relativos
ao tempo de empenho de equipes policiais militares durante a desnecessária
apresentação de ocorrências em Distritos ou Delegacias de Polícia. Mas restava
ainda a questão da dificuldade de gerenciamento dos dados e informações
produzidos anualmente por meio dos milhões de BO/PM-TC elaborados pelos
policiais militares ainda em forma física e em formulário impresso. No ano de 2017
esta questão foi enfrentada pela PMESP.

2.6 2017, Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe): tudo pronto?

Finalmente, chega-se em 2017 em que o cenário demanda a necessidade


de busca pelo aperfeiçoamento, em termos de BO/PM-TC, de um outro problema.
Naquele ano foram registrados no SIOPM 9.109.304 (nove milhões, cento e nove
mil, trezentos e quatro) “talões” de ocorrências policiais. Os dados e informações
relativos a cada um dos registros (“talão”) por encontrarem-se em formato digital
permitiam um gerenciamento e uma produção de conhecimento, inclusive
estatístico, muito mais célere, prático e confiável. Não obstante, em cerca de 15%
dos registros, ou seja, em 1.337.547 (um milhão, trezentos e trinta e sete mil,
quinhentos e quarenta e sete) dos “talões”, além das informações digitais inseridas
no SIOPM foram elaborados BO/PM-TCs que eram até então elaborados, como
visto, no formato físico e mediante formulário impresso.
É verdade que coexistia ainda boletins de ocorrência elaborados de forma
digital, diretamente no R.D.O, contudo, em 2017 eles totalizaram apenas 38.850
registros (boletins) o que não alcançava os 3% do total de boletins de ocorrência
39

elaborados pela Polícia Militar naquele mesmo ano. Conclui-se, portanto, que na
quase totalidade dos casos (demais ocorrências não abrangidas pela Resolução nº
35/11), as informações inseridas apenas no BO/PM-TC (Formulário PM 0-3) e não
replicadas no SIOPM, continuam a ser registradas e armazenadas na via física
(papel).
A fim de exemplificar e quantificar o volume de informações que podem ser
extraídas do conteúdo dos BO/PM-TCs basta mencionar que naquele ano de 2017
foram elaborados 1.337.547 (um milhão, trezentos e trinta e sete mil, quinhentos e
quarenta e sete) Boletins de Ocorrência pela Polícia Militar do Estado de São Paulo,
sendo que destes 809.246 (oitocentos e nove mil, duzentos e quarenta e seis) foram
relativos a ocorrências criminais, 4.291 (quatro mil duzentos e noventa e um)
referentes a contravenções penais, 23.643 (vinte e três mil, seiscentos e quarenta e
três) sobre atos infracionais e 500.367 (quinhentos mil, trezentos e sessenta e sete)
boletins relativos a ocorrências não criminais (SECRETARIA DA SEGURANÇA
PÚBLICA, 2001).
Ao mesmo tempo em que este volume de informações consistia em
excelente e imprescindível “fonte para estudos técnicos e estatísticos, controle,
planejamento operacional” também demandava, como já afirmado, em razão do
formato físico e impresso até então utilizado, um trabalho hercúleo, por vezes até
inviável, de análise gerencial no âmbito macro tendo em vista que apesar de muitas
informações dos BO/PM-TCs serem também inseridas no Sistema Operacional da
Polícia Militar (SIOPM) de modo a permitir o cruzamento digital e inteligente das
informações por meio de ferramentas como o Business Intelligence (BI) permitindo a
célere produção de uma ampla gama de conhecimento, infelizmente, muitos dados
ainda eram registrados apenas no formulário impresso do BO/PM-TC (Formulário
PM O -3).
Deste modo, a Polícia Militar, buscando a gestão pela qualidade e “a adoção
de processos e padrões com base em recursos tecnológicos de última geração
destinados ao planejamento, organização, liderança e controle das atividades” por
meio do “desenvolvimento de soluções inteligentes na área de segurança pública,
em especial as alicerçadas em conceitos, equipamentos e inovações
proporcionadas pela Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC)” vislumbrou, no
ano de 2017:
40

“a possibilidade de registro de ocorrências policiais através de instrumentos


tecnológicos modernos, em substituição aos modelos derivados de
formulários impressos até então existentes, de maneira a dinamizar a
atividade policial-militar, mormente pela resolução mais célere, objetiva e
qualitativa das demandas que impactam a prestação de serviços voltada às
diversas comunidades paulistas.” (PMESP, 2017)

Iniciou-se assim, naquele mesmo ano, a implantação do Boletim de


Ocorrência Eletrônico BOe com os seguintes objetivos:

4. OBJETIVOS
4.1. reduzir o tempo de envolvimento de Unidades de Serviço (US) e de
partes interessadas em ocorrências policiais, otimizando meios, reduzindo
custos e tornando mais célere o atendimento à população;
4.2. aumentar a presença de policiais militares em suas respectivas áreas
de atuação;
4.3. propiciar melhor acesso e maior agilidade à população nos serviços de
segurança pública oferecidos;
4.4. reduzir a subnotificação de registros pertinentes a infrações penais,
considerando a celeridade e desburocratização do processo;
4.5. valorizar o policial militar, aperfeiçoando seus conhecimentos e
aprimorando sua prestação de serviços;
4.6. aumentar a capacidade de gerar informações em tempo real, desde as
elementares até as mais complexas;
4.7. possibilitar o acesso direto aos bancos de dados para fins de consulta
(informações sobre pessoas, veículos, armas, aparelhos celulares, etc.),
sem a dependência e intermediação do controlador do Centro de
Operações, liberando a rede-rádio para outras comunicações e exigências;
4.8. melhorar o monitoramento operacional-administrativo, por meio,
principalmente, do gerenciamento das US e da verificação do que foi
realizado durante o turno de serviço;
4.9. fornecer informações que possibilitem a extração de relatórios
operacionais e administrativos [Relatório de Serviço Operacional (RSO),
Impresso de Controle de Tráfego, etc.] e a geração de estatísticas;
4.10. possibilitar a substituição, paulatina, de formulários impressos pelo
registro eletrônico das ocorrências. (PMESP, 2017)

Ainda que um dos objetivos a ser alcançado pela implementação do BOe


seja a “substituição, paulatina, de formulários impressos pelo registro eletrônico das
ocorrências”, inclusive o BO/PM-TC (Formulário PM O-3), haverá casos, ainda que
excepcionais, em que o sistema permanecerá indisponível. Assim, para os casos em
que não for possível a elaboração do BOe definiu-se inicialmente que o Formulário
PM O-56 seria preenchido fisicamente (via impressa) pelo policial militar (PMESP,
2017, item 41) mas, posteriormente, foi criado o Formulário PM O-58, com seus
respectivos anexos, que, apesar de não revogar os formulários anteriores (BO/PM-
TC – PM O-3 e BO/PM PM O-56) passou a ser aplicado para todas as ocorrências,
englobando tanto o registro dos Boletins de Ocorrência (BO/PM) quanto os Termos
Circunstanciados (TCO/PM).
41

Em menos de um ano a implantação do BOe foi finalizada permitindo hoje


sua utilização de modo muito mais eficaz e célere como “fonte para estudos técnicos
e estatísticos, controle, planejamento operacional” nos termos já mencionados e
previstos pela NORSOP, vez que a partir de agora passa a ser possível a utilização
de ferramentas de Business Intelligence (BI) para cruzamento e análise de todos os
campos e informações registradas na totalidade dos Boletins de Ocorrência da
PMESP.
Não há dúvidas que os ganhos já alcançados pela implementação do BOe, a
exemplo do menor tempo de preenchimento e maior facilidade de produção de
conhecimento a partir do processamento informatizado dos dados coletados, foram
enormes.
Contudo, analisando-se o panorama de evolução dos registros de ocorrência
policial pela PMESP de 1997 até o ano de 2018 em conjunto com um cenário que
tem demandado mudanças no sistema de segurança pública brasileiro,
especialmente no que diz respeito à desburocratização, eficiência e flexibilidade da
atividade policial que deve estar cada vez mais voltada para atendimento das
necessidades do cidadão e não do sistema em si, resta a percepção de que o
Boletim de Ocorrência Eletrônico poderia oferecer ganhos ainda maiores e contribuir
com o processo de evolução e até reforma do atual sistema de segurança pública.
O cenário exposto no presente capítulo parece demonstrar de forma clara
que a Polícia Militar do Estado de São Paulo encontra-se preparada para assumir
as novas demandas com vistas à melhoria do serviço de segurança pública prestado
à população, a exemplo da elaboração dos Termos Circunstanciados de Ocorrência
e de um Boletim de Ocorrência Eletrônico que, além da destinação interna, tenha
plena validade para os cidadãos e dispense-os de realizar registros em duplicidade
em uma outra instituição policial, qual seja, a Polícia Civil, o que contribuiria inclusive
para otimizar o efetivo policial que hoje permanece em plantões policiais,
destinando-os à investigação criminal.
E não apenas a PMESP está preparada para tanto como a sociedade e os
demais poderes têm demandado por uma atividade policial cada vez mais eficiente e
menos burocrática. As inovações legislativas aprovadas nos últimos anos bem como
as inúmeras propostas que ainda se encontram em trâmite comprovam essa
necessidade.
42

Porém, se isto é verdade, porque até hoje não se conseguiu, no Estado de


São Paulo, implantar medidas simples de desburocratização a exemplo das relativas
ao Termo Circunstanciado e ao registro único de ocorrência policial? Porque, ao
contrário do que sugerem as alterações legislativas e os reclamos sociais, tem
prevalecido a manutenção do status quo por meio uma resistência, contundente e
organizada, à cada tentativa de inovação, como se o atual sistema de segurança
pública, excessivamente formal, dicotômico e baseado na exclusividade de
atribuições policiais a determinadas instituições e do exercício da autoridade policial,
fosse perfeito e infalível?
Como apresentado durante este primeiro capítulo, não faltaram dados e
informações claras e objetivas demonstrando não apenas a necessidade das
medidas como os resultados positivos alcançados por meio de experiências pilotos
ou preliminares, entretanto, isso não bastou para que se conseguisse avançar de
modo definitivo em relação às medidas propostas, ainda que estas fossem de
extrema simplicidade tal qual a tentativa de criação de um sistema unificado de
registros ou o reconhecimento do Boletim de Ocorrência elaborado pela PMESP
como registro válido e oficial de um evento criminoso.
Sob uma perspectiva puramente lógica e objetiva é muito difícil explicar ou
justificar, por exemplo, a determinação contida na Resolução SSP nº 57/15 no
sentido de que um cidadão, após ter realizado o registro oficial e completo de um
evento criminal por meio do Boletim de Ocorrência (em formato físico ou eletrônico)
da PMESP, ainda tenha que providenciar um outro registro, presencialmente ou por
meio virtual, em uma outra instituição, também policial e estadual, qual seja, a
Polícia Civil. A perplexidade relativa a esta determinação aumenta ainda quando se
verifica que a própria norma obriga a remessa posterior de cópia do Boletim de
Ocorrência elaborado pela PMESP à Polícia Civil. Ou seja, a “lógica” contida na
norma estabelece que a Polícia Militar deve elaborar um Boletim de Ocorrência
sobre os fatos e o cidadão deve registrar novamente, o mesmo fato, em um outro
Boletim, agora da Polícia Civil, que, por sua vez, receberá uma cópia do Boletim de
Ocorrência elaborado pela Polícia Militar narrando os mesmos fatos.
Na verdade, torna-se possível compreender essa “lógica” contida na
Resolução SSP nº 57/15, assim como diversas outras “lógicas” e movimentos de
“resistência” que buscam impedir mudanças que, sob um aspecto meramente
objetivo e concreto, trariam incontestáveis “ganhos” a todos os envolvidos, se
43

identificarmos, nos dizeres de Morin (2000, p. 25), algo que está “oculto”, ou seja,
por detrás da regra em análise (duplicidade ou triplicidade do registro policial).
Para tanto, é necessário lembrar que por detrás desta aparentemente
incompreensível regra contida na Resolução SSP nº 57/15 o que está “oculto” é a
ideia, ou o conceito, de que no Brasil somente o Delegado de Polícia é autoridade
policial. A maioria das emendas parlamentares apresentadas durante a tramitação
do Projeto de Lei nº 928/14 buscaram justificar-se exatamente sobre esse conceito,
tido como regra inflexível, como dogma do sistema de segurança pública brasileiro.
A argumentação contrária à determinação legal de elaboração de Termo
Circunstanciado de Ocorrência Policial por outros policiais que não o Delegado de
Polícia também se fundamenta principalmente sobre este dogma: apenas e tão
somente o Delegado de Polícia é autoridade policial no Brasil.
Uma recente decisão proferida pelo juiz substituto da 6ª Vara Federal Cível
do Distrito Federal, Manoel Pedro Martins de Castro Filho, que suspendeu
dispositivo constante em um Decreto Federal que autorizava a Polícia Rodoviária
Federal a lavrar termos circunstanciados de ocorrência sob alegação de que
somente os delegados das polícias Civil e Federal poderiam elaborar tais
documentos é emblemática a respeito de como esse conceito, para alguns, se
apresenta como dogma do atual sistema:

“Com razão a União ao afirmar que o ocupante do cargo de policial


rodoviário federal exerce atividade de natureza policial – questão não
controvertida nesta demanda. Isso não significa, entretanto, que o
policial rodoviário federal seja autoridade policial. São conceitos,
atribuições e responsabilidades diferentes.
Também não se contesta que o policial rodoviário federal é considerado
autoridade de trânsito, tanto que está legitimado a aplicar as penalidades
previstas no art. 256 do Código de Trânsito Brasileiro, como advertência por
escrito, multa e apreensão do veículo. Contudo, ele não exerce a função
de autoridade policial a que se refere a Lei dos Juizados Especiais
Criminais.
De fato, o art. 69 da Lei no 9.099/1995 contém a seguinte redação: “A
autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará
termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o
autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames
periciais necessários.” (grifou-se).
Como se nota, a lavratura do termo circunstanciado é atribuição
privativa da autoridade policial, exercida pelo delegado de polícia.”
(JUSTIÇA FEDERAL, 2020)

Ora, se a exclusividade do exercício da autoridade policial for de apenas um


policial no Brasil, qual seja, o Delegado de Polícia e essa regra for considerada
44

como “pedra angular”, imutável e inflexível, do sistema de segurança pública


brasileiro, realmente pouco importa se haveria ou não ganhos em termos de eficácia
e eficiência para toda a sociedade caso a elaboração de boletins de ocorrência ou
de termos circunstanciados de ocorrência fosse realizada por qualquer um dos
policiais brasileiros e não exclusivamente pelo Delegado de Polícia. Se a regra
assim proíbe, não há sentido algum em se analisar qualquer outro aspecto relativo a
medidas de igual natureza, basta a demonstração de que o procedimento viola a
regra e a conclusão “lógica” é no sentido de que ele deve ser rechaçado.
Exatamente como o magistrado na decisão acima e alguns parlamentares,
no trâmite do Projeto de Lei Estadual nº 928/14, o fizeram. Não houve qualquer
preocupação em se analisar eventuais impactos negativos ou positivos da medida,
simplesmente alegaram que as regras do sistema vigente, segundo a concepção por
eles adotada, proíbe tais inovações.
Sob essa perspectiva, é possível “compreender” a determinação contida na
Resolução SSP nº 57/15 acerca da necessidade de realização de registros policias
até em triplicidade sobre os mesmos fatos, haja vista que toda e qualquer
formalização de um ato policial só poderia ser concretizada, de forma válida, pela
única autoridade policial do nosso sistema, qual seja, pelo Delegado de Polícia. Por
tal motivo, pouco importa se o registros já realizado pela PMESP contém ou não
todas informações e dados necessários, por não ter sido emitido pela única
autoridade policial, ele não é válido o que justificaria a necessidade do cidadão
providenciar um outro registro, agora válido, perante uma unidade da Polícia Civil e
assinado por um Delegado de Polícia. Da mesma forma, se a PMESP teve ciência
de um fato criminoso, tem a obrigação legal de noticiá-lo à única e verdadeiramente
autoridade policial no Brasil, qual seja, o Delegado de Polícia, justificando-se assim a
obrigatoriedade do envio de cópia do BOe à unidade da PC no primeiro dia útil
subsequente, independentemente do fato do cidadão ter ou não adotado a mesma
providência.
O reconhecimento consensual de um conceito por uma determinada
comunidade científica que tenha como função nortear e estabelecer as regras que
devem ser utilizadas para selecionar as soluções e os respectivos passos aceitáveis
para resolver os problemas por ela enfrentados é definido por Thomas Kun (1998,
p. 59) como um “paradigma”.
45

Deste modo, a ideia de que somente o Delegado de Polícia é autoridade


policial no Brasil é, para muitos, um “paradigma” do sistema de segurança pública
brasileiro e integra um conceito, ou “paradigma” mais amplo, qual seja, o de que o
sistema de segurança pública brasileiro é composto por um modelo policial
dicotômico que prevê instituições policiais com atribuições claramente distintas
sendo algumas com funções exclusivamente preventivas (denominadas de polícias
administrativas) e outras com funções exclusivamente repressivas (denominadas de
polícias judiciárias).
Para aqueles que compartilham desse consenso, ou “paradigma”, de nada
adianta a comprovação, por mais minuciosa e expressiva que seja, de eventuais
ganhos em termos de recursos humanos, financeiros, materiais ou de produtividade
decorrentes da implementação de inovações procedimentais na atividade policial se
estas estiverem em desacordo com o identificado “paradigma” do sistema de
segurança pública brasileiro de “meias polícias”. Uma vez em desacordo com o
“paradigma” supostamente “consensual” do sistema, ainda que resultem em
economia milionária de recursos públicos e melhorias para toda a população, devem
ser descartadas e não implementadas.
Por óbvio que é possível evoluir e aperfeiçoar um sistema que se assenta
sobre conceitos e ideias equivocadas ou não mais aplicáveis em determinado
cenário no qual os contextos sociais, políticos, culturais ou econômicos foram
substancialmente alterados. Contudo, se esse conceito ou ideia não mais aplicável
encontra-se consolidado como um “paradigma”, para que mudanças ocorram faz-se
necessário substituir o “paradigma” obsoleto por outro e esse processo de transição,
como destacado por Neto (2011, p. 352) “é lento e pode envolver séculos” tendo em
vista que muitas vezes a “vitória de um paradigma sobre o outro, dada a
incomensurabilidade dos paradigmas concorrentes, advém de uma espécie de
conversão religiosa”.
Portanto, se o objetivo do presente trabalho é analisar a
viabilidade/necessidade de adotar-se o Boletim de Ocorrência Eletrônico elaborado
pela PMESP como registro oficial de eventos criminais e fonte primária da estatística
oficial, e se propostas desta natureza, como destacado, tem esbarrado no
“paradigma” de que a única autoridade policial no Brasil é o Delegado de Polícia e
as únicas instituições policiais com atribuição para formalizar os atos de persecução
penal são as Polícias Civil e Federal, mais do que simplesmente demonstrar a
46

utilidade e os resultados positivos de eventual implementação da proposta objeto do


presente estudo, faz-se necessário verificar “se” e “como” o “paradigma” da
exclusividade da autoridade policial pode ser substituído pelo “paradigma” da
“eficácia e eficiência do exercício da autoridade policial”.
Esta será uma das tarefas a ser desenvolvida no capítulo subsequente.
47

3 O BOLETIM ELETRÔNICO DE OCORRÊNCIA (BOe) DA PMESP A


SERVIÇO DO CIDADÃO.

Como se buscou demonstrar no primeiro capítulo, apesar dos inegáveis


ganhos decorrentes das importantes transformações pelas quais o Boletim de
Ocorrência da Polícia Militar do Estado de São Paulo passou nos últimos anos até
alcançar o atual formato eletrônico (BOe), ainda não foi possível consolidá-lo como
documento oficial de registro policial de um evento criminal o que acarreta, no
mínimo, sobreposição de recursos policiais e gasto desnecessário de tempo por
parte dos cidadãos.
Neste capítulo serão explorados os motivos deste problema e as possíveis
soluções.

3.1 Da exclusividade para a eficiência: mudando-se o paradigma

Consolidar o BOe como documento oficial de registro policial de um evento


criminal consiste em um importante passo que ampliaria sobremaneira a utilidade
desta ferramenta desenvolvida pela PMESP para todo o sistema de segurança
pública e, consequentemente, para a sociedade como um todo, não foi possível por
conta da existência de um “paradigma”, ainda defendido por muitos, no sentido de
que no sistema brasileiro de segurança pública só há uma autoridade policial com
atribuição para formalização de todo e qualquer tipo de registro policial criminal, qual
seja, o Delegado de Polícia.
Referido “paradigma”, na verdade, insere-se em um conceito mais amplo
consistente na ideia de que o modelo policial brasileiro, que divide as polícias e suas
atribuições em administrativas (preventivas) e judiciárias (repressivas), é o mais
adequado e não carece de reformas ou mudanças profundas por atender de modo
satisfatório as atuais demandas da sociedade e do Estado brasileiro.
Consoante os ensinamentos de Neto (2011, p. 345) a palavra “paradigma” é
“comumente definida nos dicionários pelos vocábulos exemplo, modelo, padrão”
entretanto, quando utilizada no campo científico, ela deve ser compreendida nos
moldes desenvolvidos por Thomas Kuhn (1922-1996) em seus estudos sobre o
desenvolvimento e a história da ciência. Neste sentido, explica que:
48

Para Kuhn, o conhecimento científico é definido basicamente pela adoção


de um paradigma, e um paradigma nada mais é do que uma estrutura
mental – composta por teorias, experiências, métodos e instrumentos – que
serve para o pensamento organizar, de determinado modo, a realidade e os
seus eventos. Essa estrutura, que comporta fatores também psicológicos e
filosóficos, é assumida e partilhada pelo conjunto dos membros da
comunidade científica e, por causa disso, necessariamente, emerge dali
uma unidade social fundada numa visão de mundo consensual: “Um
paradigm é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e,
inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que
partilham um paradigma” (KUHN, 1998; p. 219; NETO, 2011. p. 346)

Sob tal perspectiva, os paradigmas funcionam como um “conjunto de regras


e de leis que permitem aos cientistas resolver problemas teóricos e experimentais ou
solucionar os quebra-cabeças internos ao seu paradigma” (NETO, 2011, p. 347).
Ainda utilizando os conceitos desenvolvidos por Kuhn, Neto explica que:

[…] nas palavras do próprio Kuhn (1998; p. 59): “uma comunidade científica,
ao adquirir um paradigma, adquire igualmente um critério para a escolha de
problemas que, enquanto o paradigma for aceito, poderemos considerer
como dotados de uma solução possível”. Não por um acaso o Filósofo
identifica a prática da ciência à resolução de quebra-cabeças, cujo sentido
usual está “na certeza de que este possui uma solução”. Kuhn (Ibid.) ainda
observa que um quebra-cabeça deve “obedecer a regras que limitam tanto
a natureza das soluções aceitáveis quanto os passos necessários para
obtê-las”. Um jogo deste tipo não é solucionado simplesmente com a
montagem de um quadro, o que poderia ser feito dispondo as peças
aleatoriamente num espaço definido, em vez disso, sua resolução obriga
que se respeitem preceitos tais como: o lado liso das peças deve ficar para
baixo, não deve haver espaços entre as peças e etc. (KUHN, 1998; pp. 61-
2). Analogamente, um paradigma proporciona aos cientistas problemas
solucionáveis e, ao mesmo tempo, as regras, o passo a passo, das
soluções, exigindo deles previamente um conjunto de adesões conceituais,
teóricas, metodológicas e instrumentais: eles devem se comprometer
sempre, necessariamente e sem maiores questionamentos com
determinados tipos de instrumentos científicos e com certos modos de
utilizá-los, com determinadas concepções metafísicas acerca da
constituição do Universo e dos modos de abordá-lo. (NETO, 2011, p. 348)

Consoante o que se apresentou até o momento, a ideia de “exclusividade da


autoridade policial” é para muitos, um critério norteador do sistema de segurança
pública e, portanto, um “paradigma”:

Tão logo é estabelecido o paradigma, uma comunidade passa a adotá-lo de


modo relativamente inconsciente a fim de explicar o mundo e resolver os
problemas cotidianos de uma ciência. O paradigma, por força do consenso,
responde a todos os enigmas da realidade, fundando uma espécie de
prática comum ou ordinária, aquilo que Kuhn chamou de ciência normal.
Nessa etapa, o trabalho dos cientistas é basicamente o de forçar a
realidade a encaixar-se nos limites inflexíveis do paradigma. (NETO, 2011,
p. 351)
49

Por tal motivo, uma vez estabelecido como “paradigma” o conceito de


“exclusividade do exercício da autoridade policial” tem limitado diversas iniciativas e
procedimentos policiais que de um modo ou de outro, tentem reconhecer que todos,
e não apenas alguns policias, devam exercer a autoridade policial para melhor
atender a comunidade. Independentemente de eventuais ganhos concretos e
objetivos, tais iniciativas, por relativizarem o “paradigma” da “exclusividade do
exercício da autoridade policial”, tem sido, de plano, descartadas.
Neste sentido, partindo do pressuposto de que o “paradigma” da
“exclusividade no exercício da autoridade policial” é adequado para resolver os
prolemas e desafios no campo da segurança pública, essa automática exclusão de
medidas que o contrariem, independentemente de qualquer outra análise, seria não
apenas correta como até mesmo desejável, visto que:
Essa concepção esboça a atividade científica como prática largamente
dogmática, baseada na aceitação irrefletida, não-crítica, de um paradigma,
e exigindo do cientista um modo de operar apoiado basicamente no hábito,
na simples repetição de procedimentos transmitidos pela tradição. Tratar-se-
ia, aparentemente, de uma concepção pouco lisonjeira e bastante restritiva
de ciência, contudo, para Kuhn, o fato é a impossibilidade de, na maioria
das vezes, se fazer ciência de outro modo. A epistemologia kuhniana não é
prescritiva e não se ocupa em dizer como a ciência deveria proceder; em
vez disso, persegue o realismo e espera dizer, abalizado pela história, como
a ciência tem sido feita – e o que a história da ciência mostra é
ordinariamente um respeito incondicional do cientista às premissas teóricas
e metodológicas do paradigma vigente. (NETO, 2011, p. 350)

Isso não significa que um “paradigma” não possa ser substituído por outro,
mas isso só ocorrerá a partir do momento em que o “paradigma” vigente não
conseguir mais resolver os problemas daquela determinada comunidade científica.
Portanto, se o “paradigma” da “exclusividade no exercício da autoridade
policial” que na verdade decorre e integra o “paradigma” do “modelo policial
dicotômico de polícias administrativas e polícias judiciárias” estiver solucionando
adequadamente as atuais demandas da segurança pública brasileira não haverá
espaço para substituí-los e, por consequência, a adoção do Boletim de Ocorrência
Eletrônico da PMESP como registro policial válido de ocorrência criminal e como
fonte primária da estatística oficial pode tornar-se inviável visto que, ao menos em
São Paulo, iniciativas anteriores de natureza semelhante foram inviabilizadas
exatemente sob o argumento de estarem em desacordo com tais conceitos .
Entretanto, a partir do momento em que um determinado paradigma deixa
de solucionar adequadamente os problemas daquela comunidade, no caso a
50

segurança pública brasileira, estabelece-se uma crise paradigmática que coloca em


curso o processo extraordinário de transição dos paradigmas:

A história da ciência revelaria igualmente ocasiões pontuais em que os


cientistas se desesperam ao verificar na sua prática ordinária anomalias
crônicas no paradigm vigente. Tomados pelo clima de insegurança, eles
põem em curso o processo extraordinário de substituição do paradigma
deficiente por outro supostamente mais apto, que passará a orientar uma
nova prática ordinária. Tal aspect progressista acha-se entre os temas
cardeais da epistemologia kuhniana e é a chave da sua afinidade com a
epistemologia de Popper. Segundo comparação do próprio Kuhn (1979; p.
6): “Ambos... enfatizamos o processo revolucionário pelo qual uma teoria
mais antiga é rejeitada e substituída por uma nova teoria, incompatível com
a anterior”. Os paradigmas não são, por conseguinte, estruturas fixas e
imutáveis; depois de repetidos insucessos na resolução de quebra-
cabeças, são freqüentemente desacreditados e substituídos.
As mudanças de paradigma não acontecem automaticamente, como num
passe de mágica, mas envolvem processos complexos que contemplam
crises e revoluções. Para explicar esses processos retornaremos
novamente a Kuhn, mais especificamente ao modelo utilizado por ele para
conceber as mudanças e as transformações históricas da ciência, modelo
que pode ser assim esquematizado:

Ciência normal > Crise > Revolução > Nova ciência normal > Nova
crise > Nova revolução...

[…]
Inicialmente, a falha na solução dos quebra-cabeças é atribuída mais à
incompetência dos cientistas do que à incapacidade do paradigma.
Entretanto, a persistência dessas falhas conduz outra percepção: a de que
o paradigm tradicional tem limites, não explica determinados aspectos da
realidade e falha na solução de certos quebra-cabeças. Isso é o que Kuhn
conceitua as anomalias do paradigma, ou seja, “o reconhecimento de que,
de alguma
maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas que governam a
ciência normal” (Ibid.; p. 78).
Se novas anomalias forem descobertas, aumentará a consciência dos
limites do paradigma por parte dos cientistas. Eles vão perdendo então,
pouco a pouco, a confiança nessa estrutura e vivenciam “um período de
insegurança profissional”: uma situação de crise. Quando um paradigma
demonstra impotência para resolver problemas, ou diante do “fracasso
constante dos quebracabeças da ciência normal em produzir os resultados
esperados” (KUHN, 1998; p. 95), a prática normal da ciência começa a
perder a confiabilidade e entra em crise, decretando a excepcionalidade.
(NETO, 2011, p. 351-352)

Uma vez decretada a crise paradigmática e iniciada a perda da


confiabilidade no paradigma novas alternativas começam a ser buscadas não
necessariamente ordenadas e sistematizadas sob um novo conceito ou paradigma
mas normalmente, em especial nos momentos iniciais da crise, de modo pontual,
fragmentado e até mesmo aleatório.
Contudo, com o transcorrer da crise tais soluções propostas, inicialmente de
forma desarticulada, normalmente passam a indicar um conceito, uma ideia em
51

comum, o qual uma vez sistematizado passa a constituir um paradigma rival e


emergente que entrará em conflito, total ou parcialmente, com o paradigma anterior.
A partir de então, considerando que um paradigma é construído ao longo do tempo e
de modo gradual, normalmente seu ocaso e substituição por outro paradigma
ocorrerá de forma gradual de modo que não raras vezes estabelece-se uma
verdadeira “guerra” entre os defensores do velho paradigma e os adeptos do novo
conceito:

Vale notar que essa crise não ocorre somente em função da desconfiança
de alguns indivíduos; ela se torna ainda mais séria quando os indivíduos, ao
lado da percepção dos limites do paradigma em vigência, propõem um
paradigm rival. O paradigma rival trilha obviamente caminhos lógicos e
metodológicos diferentes daqueles do paradigma vigente e, por isso, está
em condição de responder a questões que aquele mais tradicional já não
consegue. Kuhn evoca a Gestalt para exemplificar tal diferença: trata-se de
formas distintas de percepção, ou melhor, cientistas de paradigmas
distintos, dirigindo o olhar para os mesmos objetos, vêem realidades
igualmente distintas. “É como se a comunidade profissional tivesse sido
subitamente transportada para um novo planeta...” (Ibid.; p. 145). Apesar de
tudo, o paradigma rival nasce das próprias anomalias do paradigma
tradicional e emerge como alternativa: “O fracasso das regras existentes é o
prelúdio para a busca de novas regras” (Ibid.; p. 95). É da constatação dos
limites do paradigma tradicional e do desejo de superá-los que emergirá o
seu rival.
O paradigma rival será, nesses termos, um paradigma emergente. Das
falhas do paradigma tradicional, ele surge como alternativa coerente,
dividindo a comunidade dos cientistas entre “conservadores”, que confiam
no paradigm tradicional, e “inovadores”, que optam por seguir o paradigma
emergente.
A luta que caracteriza a crise paradigmática só se resolve quando um dos
dois paradigmas concorrentes adquire o consenso da comunidade dos
cientistas, ou pelo menos da maior parte dela. O processo de transição dos
paradigmas é lento e pode envolver séculos. Mas é importante notar que a
vitória de um paradigma sobre outro, dada a incomensurabilidade dos
paradigmas concorrentes, advém de uma espécie de conversão religiosa.
Os cientistas, não por motivos exclusivamente teóricos, mas ainda
psicológicos e sociológicos – por “idiossincrasias de natureza
autobiográficas”, pela “nacionalidade ou reputação prévia do inovador”
(KUHN, 1998; p. 193) – começam a migrar em número sempre crescente do
paradigma tradicional para o emergente. Esse processo de substituição
gradual é o que Kuhn chama de revolução científica e “não ocorre apesar
de os cientistas serem humanos, mas exatamente porque eles o são” (Ibid.;
p. 192). Enquanto um paradigma é abandonado ao esquecimento, o outro
se torna popular na comunidade científica, sendo agora objeto de uma nova
prática normal. Inaugura se então um novo processo que certamente, com o
correr das épocas, culminará em novas crises, na emergência de um novo
paradigma rival e numa futura revolução científica. (NETO, 2011, p. 352-
353)

Considerando que o objeto de estudo da presente pesquisa, reconhecimento


do Boletim de Ocorrência eletrônico da PMESP como registro oficial válido de
ocorrência criminal, juntamente com outras inovações apresentadas no campo da
52

segurança pública, tem encontrado, como já afirmado, resistência frente ao


paradigma da “exclusividade do exercício da autoridade policial” importa analisar se
essas inovações são, ou não, sintomas de uma crise paradigmática e se podem,
juntas, estabelecer as bases de um novo paradigma rival e, assim, fomentar uma
revolução na área da segurança pública capaz de melhorar o serviço prestado à
população.
Os próximos itens tentarão abordar tais questões.

3.2 A exclusividade da autoridade policial: origem e prejuízos

No final da madrugada do dia 18 de dezembro de 2019, por volta das


04:30hs, um policial do Condado de Orange12, Estado da Flórida (Estados Unidos da
América), foi acionado para uma denúncia de possível violência doméstica em um
hotel daquela localidade. Ao chegar no apartamento o policial deparou-se com um
casal, um homem e uma mulher, ambos aparentando lesões decorrentes de
agressões e, após ouvir testemunhas e envolvidos, chegou a conclusão de que o
homem havia agredido a sua esposa durante uma discussão e esta, ao tentar
defender-se, também teria lesionado seu marido. Em cerca de 30 minutos no local o
policial ouviu as pessoas, analisou o cenário, conclui pela existência de indícios da
prática do crime de violência doméstica13 por parte do marido, proferiu-lhe voz de
prisão, cientificou-o do direito de permanecer em silêncio, algemou-o, providenciou o
socorro da vítima assim como as fotografias e descrição das lesões e, por fim,
conduziu o preso à cadeia de custódia local.
Para formalizar todos os procedimentos adotados, o próprio policial elaborou
um formulário denominado ICJIS Arrest Affidavit, composto de apenas três laudas,
sendo uma dedicada ao relatório policial e as demais ao preenchimento de
informações básicas sobre os fatos e os envolvidos. Este singelo, porém suficiente,
documento subsidiou e deu início aos procedimentos de persecução penal já no dia
seguinte, oportunidade em que o marido preso foi submetido à audiência judicial
com participação do representante do Ministério Público e análise do juiz
competente a respeito da sua “liberdade provisória” e correspondentes condições
legais. Frise-se, mais uma vez, que o mesmo policial que compareceu ao local,

12
A denominação da polícia do Condado de Orange é “Orange County Sheriff’s Office”
13
Battery (Domestic Violence)
53

ouviu as partes, investigou de modo imediato os fatos, coletou preliminarmente as


provas necessárias ao início do processo, proferiu a voz de prisão, formalizou todas
as medidas e providenciou o encaminhamento às demais autoridades competentes
para o prosseguimento da persecução penal.
O fato supracitado foi de ampla divulgação no Brasil tendo em vista que o
homem preso tratava-se de um esportista brasileiro em férias com a família naquele
país. Nos meios de comunicação nacionais os fatos foram explorados especialmente
sob os aspectos profissionais do atleta e sob a perspectiva da necessidade de se
enfrentar, de modo cada vez mais sério e eficaz, a questão da violência contra a
mulher (CORREIO, 2019; UOL, 2019).
Obviamente que ambas abordagens, objetos da cobertura midiática,
merecem a atenção da nossa sociedade, entretanto, aproveitando-se da grande
repercussão que o caso teve no Brasil, um outro aspecto, em grande parte
relacionado com os objetivos deste trabalho, merece também atenção por destacar,
de modo cristalino, as diferenças entre o modelo policial norteamericano e brasileiro,
especialmente no que diz respeito à simplicidade no tocante à formalização dos
procedimentos policiais e à racionalização do emprego do efetivo policial, sem
maiores “divisões” meramente formais e burocráticas destinadas a seccionar e
“escalonar” “autoridades” dentre os policiais.
Se o mesmo fato ocorresse no Brasil, mais especificamente em São Paulo,
as medidas emergenciais provavelmente seriam muito semelhantes, contudo, após
a as medidas iniciais e imediatas que a ocorrência demandaria, entraria em
operação todo o arcabouço procedimental policial brasileiro, “formal” e burocrático
herdado, como se verá adiante, de uma estrutura estatal formada no século XVIII e
consolidada no século XIX nos países europeus e suas colônias, dentre elas o
Brasil.
No caso em exame, na hipótese do casal ter se desentendido em um hotel
no Estado de São Paulo e desse conflito decorressem as agressões, a solicitação
para intervenção da polícia provavelmente seria realizada junto ao serviço de
emergência 190 da Polícia Militar o que resultaria na designação, por meio do
Centro de Comunicações da Polícia Militar (COPOM), de uma equipe policial militar
para comparecimento ao local. Com a chegada da equipe policial militar seriam
adotadas medidas iniciais semelhantes às efetuadas pelo policial norteamericano,
quais sejam, entrevista com as partes, verificação acerca da necessidade de
54

socorro, voz de prisão ao autor da ação e assim por diante. Provavelmente o tempo
transcorrido para adoção dessas medidas seria semelhante em ambos os países.
Contudo, como destacado, a partir de então os procedimentos policiais passariam a
ser significativamente diversos.
Senão, veja-se. Após a adoção das as medidas imediatas os policiais
militares, em São Paulo, assim como o policial norteamericano, elaborariam um
Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe), no formato digital, contendo todos os dados
da ocorrência, assinatura das partes e o relatório com as providências adotadas e
conclusão dos policiais a respeito dos fatos. Este BOe poderia ser elaborado ainda
no local dos fatos e, em certos termos, seria até mais completo do que o formulário
ICJIS Arrest Affidavit preenchido pelo policial norteamericano.
Contudo, diversamente do que ocorre nos Estados Unidos, mesmo após
esta formalização e registro realizado, os policiais militares seriam obrigados a
conduzir todas as partes até uma outra instituição policial, qual seja, um Distrito
Policial ou uma Delegacia da Polícia Civil que, na maioria das vezes, estaria
funcionando em uma circunscrição diversa, mais distante, visto que desde 2009
(SÃO PAULO, 2009; G1, 2013) 14 , aos finais de semana, feriados e períodos
noturnos, fora do horário de expediente regular portanto, tem-se adotado o
procedimento de fechamento de diversos Distritos Policiais ou Delegacias da Polícia
Civil mantendo-se apenas algumas em regime de plantão, normalmente na sede da
Delegacia Seccional. Apesar de referido procedimento, denominado como “Central
de Polícia Judiciária” ter sido divulgado como meio de “mordenização da Polícia
Civil” e de “melhoria no trabalho de investigação”, entidades representativas dos
policiais civis do Estado alegam que o procedimento decorre do “déficit de efetivo
policial” e não são raros os casos em que a própria sociedade e seus representantes
políticos se manifestam no sentido dos possíveis prejuízos e inconvenientes
decorrentes dessa medida que acaba por resultar em um tempo maior de empenho
dos policiais militares e de espera por parte dos cidadãos envolvidos nas ocorrências

14
A partir desta terça-feira, 13, a Polícia Civil implanta um novo sistema de atendimento – à noite, nos
finais de semana e feriados – em 25 delegacias das zonas norte e leste da Capital. Os 25 distritos
policiais das zonas norte e leste – que integram a 4ª e 5ª Seccionais de Polícia – permanecerão
abertos 24 horas por dia, entretanto, com modo de funcionamento alterado. A partir das 20 horas de
cada dia útil, até as 8 horas do dia útil seguinte, e nos finais de semana e feriados, o atendimento nos
distritos policiais será diferenciado: 18 distritos funcionarão como Pré-Atendimento e 7, como Pronto-
Atendimento. Em 2013 o sistema foi modificado mas permanecendo, por exemplo, com apenas 27
unidades em funcionamento durante a noite na Capital que conta com 96 Distritos Policiais.
55

nos Distritos Policiais, além, obviamente, do tempo maior de deslocamentos até


estes:
A decisão do governo de São Paulo de fechar delegacias de polícia durante à noite,
feriados e fins de semana surpreendeu centenas de prefeitos de todo o estado.
Eles foram até Assembleia Legislativa nesta segunda-feira (6) para protestar contra
a medida.
[…]
O presidente da Associação dos Prefeitos do Estado de São Paulo (Apreesp) e
prefeito de Igarapava, José Ricardo Rodrigues Matar (MDB) disse ao SP2 que,
desde sexta-feira (3), municípios estavam sendo ameaçados pelo fechamento das
unidades policiais nos plantões por falta de funcionários.
Rodrigues Matar não sabia ainda que a sua cidade seria uma das afetadas pela
determinação. Um documento enviado pela Secretaria de Segurança ao
comandante da Polícia Militar na região informou que, desde o dia 1º de maio, as
ocorrências policiais registradas das 18h até às 8h em Ituverava, Igarapava,
Miguelópolis, Guará, Buritizal e Aramina devem ser apresentadas na delegacia de
Ituverava.
[…]
O motivo para o fechamento é a escassez de policiais civis na região, que segundo
a Adepesp, é de 811 policiais. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, a
regionalização do plantão policial na região não vai gerar prejuízos para a
população.
[…]
O prefeito de Guará, Vinicius Magno Figueira (DEM), outro afetado pela
medida, explica que a falta de delegacias em funcionamento atrapalha
também o trabalho da Polícia Militar no município. Segundo ele, a cidade
tem 21 mil habitantes e conta com apenas uma viatura noturna.
“Em uma ocorrência de três horas, os policiais terão que ficar fora do
município em uma distância de 20 km, na ida e na volta. Até efetuar a
ocorrência, nós vamos ficar desguarnecidos, sem o apoio policial no nosso
município” lamenta. (G1, 2019)

Retomando-se os prováveis desdobramentos e medidas policiais adotadas


no Brasil em um hipotético caso semelhante ocorrido nos Estados Unidos, uma vez
na “Central de Flagrantes”, os policiais militares e as partes envolvidas aguardariam
o momento de serem atendidos visto que, com o procedimento de “centralização”,
tornou-se ainda mais comum a necessidade de espera em decorrência do menor
número de unidade policiais em funcionamento. Uma vez iniciada a “apresentação”
da ocorrência aos policiais civis de serviço na Central de Flagrantes, caberia ao
escrivão elaborar um outro Boletim de Ocorrência (BO/PC) com os mesmos fatos já
registrados no BOe da PMESP e, após deliberação do Delegado de Polícia, caso a
prisão fosse “confirmada”, seria elaborado ainda um outro documento denominado
Auto de Prisão em Flagrante Delito.
Também interessante ressaltar que no Brasil, diferentemente do observado
no condado de Orange, a comprovação inicial, ainda que apenas indiciária das
lesões simples e aparentes nos envolvidos, demandaria o encaminhamento destes a
56

um outro policial, um perito médico legal, que realizaria o exame pericial e elaboraria
o respectivo laudo. Durante a maior parte desse tempo os policiais militares, o
escrivão e o Delegado de Polícia estariam empenhados conjuntamente em todos
estes procedimentos para registro dos fatos. Ao final, seriam necessários quatro
policiais (um policial militar, um escrivão, um Delegado de Polícia e um perito médico
legal) para realizar o mesmo procedimento que um único policial norteamericano
providenciou: o procedimento de prisão do autor de um crime que se destina, ao
mesmo tempo, subsididar o início da persecução penal por parte do Estado e
garantir os direitos fundamentais do preso.
Como outro exemplo do “apego” do atual sistema de segurança pública
brasileiro às questões formais e à defesa de um conceito de “autoridade” em
detrimento muitas vezes da eficácia e eficiência do serviço público que deve ser
voltado às necessidades do usuário final, qual seja, o cidadão, pode-se citar ainda
os desdobramentos de uma recente “medida” adotada pela Secretaria da Segurança
Pública do Estado de São Paulo, depois “desmedida” pela própria Secretaria e
curiosamente a respeito dos mesmos crimes relacionados à violência doméstica,
objeto ora utilizado para exemplificar o excesso de formalismo policial brasileiro face
ao norteamericano.
Em 2019, buscando dar maior celeridade e eficácia às medidas urgentes de
proteção à mulher quando vítima de crimes relacionados à violência doméstica, foi
aprovada uma alteração legislativa que incluiu o art. 12-C dentre os dispositivos da
Lei Federal nº 11.340 de 7 de agosto de 2006 que previu, dentre outros pontos, a
possibilidade do próprio policial que realizasse o atendimento de ocorrência, no caso
de inexistir Delegado de Polícia disponível no momento, efetivar as medidas
urgentes de proteção à vítima no caso de risco atual ou iminente à vida ou
integridade física desta:

Lei Federal nº 13.827 de 13 de maio de 2019.


Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à
integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar,
ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar,
domicílio ou local de convivência com a ofendida
I - pela autoridade judicial;
II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca;
ou
III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não
houver delegado disponível no momento da denúncia.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será
comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em
57

igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada,


devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.
(grifo nosso) (BRASIL, 2019)

Em São Paulo, o novo e útil procedimento legal foi inicialmente disciplinado


por meio da Resolução SSP nº 43/19 editada pela Secretaria da Segurança Pública
do Estado de São Paulo cerca de pouco mais de um mês após a alteração
legislativa:

Resolução SSP-43, de 28-6-2019


Dispõe sobre as atribuições das Polícias Civil e Militar ante as alterações da
Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), pela Lei 13.827/19
O Secretário da Segurança Pública, resolve:
Artigo 1º - Quando o Município não for sede de comarca, a medida protetiva
de urgência prevista no artigo 12-C da Lei Maria da Penha deverá ser
aplicada pelo delegado de polícia.
Artigo 2º - Na hipótese acima descrita, quando o delegado de polícia não
estiver presente no momento da denúncia, a medida protetiva de urgência
será aplicada por policial civil, técnico-científico ou militar que der o primeiro
atendimento ao caso.
Artigo 3º - Após a aplicação da medida protetiva de urgência nas hipóteses
dos artigos 1º e 2º desta Resolução, o delegado de polícia, o policial civil,
técnico-científico ou militar que aplicou a medida deverá, nos termos da lei e
no prazo de 24 horas, comunicar ao juiz da comarca para decisão sobre a
sua manutenção ou revogação.
Parágrafo único – Quando a medida protetiva de urgência
for aplicada aos finais de semana e feriados, o delegado de polícia, o
policial civil, técnico-científico ou militar que aplicou a medida deverá
comunicar, no mesmo prazo, ao juiz do plantão judiciário da referida
comarca.
Artigo 4º - As Polícias Civil, Técnico-Científica e Militar deverão providenciar
a regulamentação da atuação de seus integrantes nos casos acima
descritos.
Artigo 5º - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
(SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA, 2019a)

Referida resolução, como afirmado, apenas disciplinou o modo pelo qual a


Lei Federal seria cumprida no Estado, da mesma forma que em 2001 uma resolução
regulamentou a determinação legal a respeito da elaboração do Termo
Circunstanciado de Ocorrência (TCO) por toda e qualquer autoridade policial.
Contudo, assim como ocorreu em 2009 com a experiência piloto destinada a
iniciar a implementação da elaboração do Termo Circunstanciado de Ocorrência
pela PMESP e tal qual se observou em 2014 quando da tramitação do Projeto de Lei
Estadual nº 928/14 que objetivava criar um sistema de registro único de ocorrência
policial, mais uma vez, agora em relação à alteração procedimental policial com
vistas à maior racionalização e eficiência das medidas protetivas de urgência às
vítimas de violência doméstica, o apego do sistema de segurança pública ao
58

formalismo, à burocracia e à ideia de exclusividade da “autoridade policial” do


Delegado de Polícia parece ter prevalecido, ainda que, ressalte-se, o novo
procedimento introduzido pela novel legislação seja cogente e resultante, como no
caso da Lei Federal nº 9.099/95, do legítimo e democrático processo legislativo
constitucional.
É o que se pode concluir do fato de que, poucos dias depois da edição da
Resolução SSP nº 43/19, a própria Secretaria da Segurança Pública revogou-a, por
meio de ato administrativo simples no qual sequer foram expressos os motivos ou
fundamentos desta nova deliberação:

Resolução SSP-54, de 3-7-2019


Revoga a Resolução SSP - 43, de 28-06-2019
O Secretário da Segurança Pública, resolve:
Artigo 1° - Fica revogada a Resolução SSP - 43, de 28-06- 2019, que dispõe
sobre as atribuições das Polícias Civil e Militar ante as alterações da Lei
11.340/06 (Lei Maria da Penha), pela Lei 13.827/19.
Artigo 2° - Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.
(SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA, 2019b)

Assim, mais uma vez, no Estado de São Paulo, um ato administrativo do


Poder Executivo, ou a inexistência de tal ato vez que houve a revogação sem que
fosse indicado se o novo procedimento policial deve ou não ser realizado no âmbito
do Estado de São Paulo, pode inviabilizar a aplicação de uma determinação legal e,
portanto, vontade expressa da sociedade brasileira manifestada por meio de seus
representantes eleitos. Detalhe interessante é que quando da revogação da
Resolução SSP nº 403/01 (experiência piloto destinada a implementar a elaboração
de Termos Circunstanciados pela PMESP) a Secretaria ao menos indicou, por meio
dos “considerandos” da Resolução SSP nº 233/09, os motivos do novo
posicionamento. Ainda que, como discorrido, a análise de alguns dados
disponibilizados pela própria pasta permitem uma interpretação e conclusão que
fragiliza os fundamentos apresentados para a revogação, ao menos, os motivos
foram apresentados e submetidos ao crivo da sociedade, o que não ocorreu no ato
de revogação da disciplina administrativa do novo procedimento legal relativo às
medidas protetivas de urgência para vítimas de violência doméstica. Esta ausência
de motivação do ato dificulta inclusive a análise e discussões democráticas relativas
ao posicionamento do poder público estadual em relação a um tema tão relevante
para toda a população.
59

A despeito desta limitação, alguns textos jurídicos publicados posteriormente


sugeriram alguns dos motivos que podem ter fundamentado a “reviravolta” no
posicionamento da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo a
respeito da inovação legislativa.
Neste sentido, interessante a transcrição parcial de artigo publicado por
Cabette (2019), Delegado de Polícia aposentado, no qual o autor defende que,
diferentemente do Delegado de Polícia, os demais “policiais não tomam decisões
finais acerca de nada, apenas apresentam invariavelmente os casos à Autoridade
Policial para sua deliberação”. Referido autor explica ainda que a primeira resolução
editada pela Secretaria da Segurança Pública sobre a inovação procedimental
prevista pela lei era de uma “absurdidade legal” e, por tal motivo, teria sido
absolutamente revogada. A construção argumentativa apresentada por Cabette
(2019), como é possível depreender no trecho abaixo transcrito, encontra-se
absolutamente alinhada com os argumentos que fundamentaram as emendas
parlamentares apresentadas pelos Deputados Campos Machado e João Paulo Rillo,
em 2014, que visavam defender a “autoridade” do Delegado de Polícia sobre a
exclusividade do registro policial de uma ocorrência criminal quando da tramitação
do Projeto de Lei que propunha a criação do sistema de registro único de
ocorrências no Estado:

Não deve prosperar a alegação de autores como Foureaux que consideram


a “formação jurídica” dos policiais (agentes da autoridade e não Delegados
de Polícia) suficiente e que o fato de que podem deter uma pessoa e
apresentá-la à Autoridade Policial (Delegado de Polícia) seria argumento
para a possibilidade de deliberação e decisão final sobre uma cautelar
restritiva de direitos do suspeito. Note-se que a argumentação do autor não
se sustenta, pois equipara casos díspares. Os Policiais não tomam
decisões finais acerca de nada, apenas apresentam invariavelmente os
casos à Autoridade Policial para sua deliberação. No caso da medida
protetiva de afastamento do agressor, poderiam tomar realmente uma
decisão sobre a concessão ou não da ordem, o que extrapola suas
atribuições. Mormente em se tratando de Policiais Militares, Rodoviários
Federais, Ferroviários, Guardas Civis etc., aos quais não são atribuídas
funções de Polícia Judiciária, mas tão somente de policiamento preventivo –
ostensivo (inteligência do artigo 144, §§ 2º., 3º., 5º. , e 8º., CF). Mesmo os
Policiais Civis, que integram a Polícia Judiciária, não têm autonomia
decisória nos termos da lei e da Constituição Federal, pois as Polícias
Civis são dirigidas por Delegados de Polícia de Carreira. Similarmente,
no caso da Polícia Federal (embora nessa área seja raro o trato com a
violência doméstica e familiar contra a mulher), sua estruturação em carreira
(artigo 144, § 1º., CF) nunca deixou de ser sob a direção de Delegados de
Polícia com bacharelado e exigência de experiência jurídica. E não poderia
ser de outra maneira, sob pena de um tratamento desigual e desidioso para
com a Polícia Federal em relação às Polícias Civis dos Estados (basta uma
60

interpretação sistemática dos §§ 1º., e 4º., do artigo 144, CF). Dessa forma,
os Policiais Civis, até podem conceder medidas protetivas, pois que são
componentes da Polícia Judiciária, mas sempre sob a direção e orientação
do Delegado de Polícia de seu cargo, nunca de forma absolutamente
autônoma. Ademais, a Lei 12.830/13 determina que as funções de Polícia
Judiciária e apuração de infrações penais realizadas pelo Delegado de
Polícia são de natureza jurídica, cabendo-lhe a condução da investigação.
Assim também o cargo é privativo de Bacharel em Direito (artigo 2º., § 1º., e
artigo 3º., da Lei 12.830/13). Nesse ponto, ou seja, no que diz respeito ao
disposto no artigo 12– C, III, da Lei 11.340/06 com nova redação dada pela
Lei 13.827/19, entende-se haver parcial inconstitucionalidade devido à
possível interpretação de atribuição de atos de Polícia Judiciária, privativos
do Delegado de Polícia a Policiais que não detém, por força constitucional,
atribuições dessa espécie. Além disso, o dispositivo sobredito confronta com
as determinações da Lei 12.830/13. Em suma, o inciso III, do artigo 12-C,
da Lei Maria da Penha será inconstitucional se interpretado como
autorizador da concessão de medidas cautelares por quaisquer policiais.
Somente o poderão os Policiais Civis, mesmo assim, sob a orientação e
direção do Delegado de Polícia. Sabe-se que há falta de profissionais
Delegados, de modo que há acúmulo de plantões, sendo, por vezes, a
presença física constante impossível. Entretanto, a orientação e direção
deve sempre ocorrer, nos termos da lei e da Constituição.
Diverso não é o entendimento de Sannini Neto:
“Particularmente, nos valendo de uma interpretação sistemática,
entendemos que apenas o policial civil poderá aplicar a medida protetiva de
afastamento, mas desde que haja a análise do delegado de polícia de forma
remota. Dizendo de outro modo, nas cidades em que não houver delegado
de polícia de plantão in loco, o caso deverá ser apreciado pela autoridade
policial da cidade mais próxima, em analogia com o artigo 308, CPP”.
Há policiais em que salta aos olhos que a atribuição nada tem a ver
com a concessão de cautelares, muito menos medidas protetivas em
casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Por exemplo,
o que tem a ver com essa atribuição um Patrulheiro Rodoviário
Federal? Ou um Policial Ferroviário? Ou mesmo um Guarda Municipal?
Até mesmo o Policial Militar, somente tem função constitucional de
policiamento, patrulhamento e apresentação de ocorrências à
Autoridade Policial quando necessário. Ainda mais gritante seria a
atuação dos chamados integrantes das “Polícias Técnicas” (sic). O Perito é
um auxiliar da Justiça e da Polícia Judiciária e não propriamente um policial
que administra medidas restritivas no curso de uma investigação.
Efetivamente os Peritos estão arrolados no Código de Processo Penal, ao
lado dos Funcionários da Justiça, como “Auxiliares da Justiça” (Vide Título
VIII, “in fine”, Capítulos V e VI, artigos 274 e 275 a 281, e ainda o
artigo 6º., VII, CPP). Imagine-se o absurdo de um Perito Técnico ou, ainda
mais estranho, um Médico Legista, concedendo medidas protetivas de
urgência!
A absurdidade legal e constitucional de uma interpretação ampla do
artigo 12– C, III, da Lei 11.340/06, com redação da Lei 13.827/19 é tão
grande que, no Estado de São Paulo, chegou a ser publicada a
Resolução SSP 43, de 28.06.2019. Essa malfadada Resolução
determinava a possibilidade de concessão de medidas protetivas de
urgência por Policiais Militares, por Policiais Civis em geral e, pasmem,
por denominados “policiais” técnico científicos (o que abrangeria
Peritos, Médicos Legistas, fotógrafos, auxiliares de necropsia,
atendentes de necrotério, papiloscopistas, auxiliares de papiloscopista
etc.). O impacto ante o inusitado da Resolução 43/19 foi tamanho, que
a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, poucos
dias depois, em data de 03.07.2019, a revogou total e expressamente
por meio da Resolução 54/19. (grifo nosso) (CABETTE, 2019).
61

Pelos fundamentos supracitados mais uma vez resta claro que no Brasil, nas
discussões a respeito de inovações ou aperfeiçoamentos de procedimentos policiais,
independentemente de serem concretizadas por meio do devido processo legal
constitucional e resultarem em ganho efetivo para a população, para muitos ainda
deve prevalecer o foco na definição de quem é, ou deva ser, a “autoridade policial”
em detrimento da avaliação de eficiência e eficácia da prestação do serviço público
de segurança pública.
Apenas esta ideia ou concepção de exclusividade no exercício da autoridade
policial, incrustada em nosso sistema e consolidada para muitos como um
“paradigma” ajuda a compreender a patente e irracional sobreposição de funções
policiais e de recursos públicos para simples formalização de atos, exemplificada por
meio da comparação entre os procedimentos adotados por uma das milhares de
instituições policiais norteamericanas e aqueles realizados no âmbito do sistema
policial brasileiro para efetivação de uma simples prisão em flagrante nos casos de
violência doméstica.
E esta mesma concepção, de exclusividade no exercício da autoridade
policial, este “paradigma” consiste no “pano de fundo” de todos os movimentos de
resistência a mudanças procedimentais que impediram até o momento a
implentação, no Estado de São Paulo, da determinação legal de elaboração de
Termos Circunstanciados de Ocorrência por qualquer policial e prejudicaram a
adoção de um sistema de registro único de ocorrências que permitira o registro dos
fatos por qualquer policial.
Ainda que referida concepção aparente estar em claro descompasso com a
realidade concreta atual de nossa sociedade, cada vez mais complexa e não
estanque, o simples fato de que ainda hoje se encontram defensores contundentes e
perspicazes deste paradigma construído, como se verá, há dois séculos atrás,
recomenda que não se menosprezem seus fundamentos, nem tampouco que seja,
de plano, desqualificado. Exatamente por existirem vozes contrárias ao que se
defende no presente estudo (que este “sistema de autoridades” em segurança
pública é obsoleto, contraproducente e hoje praticamente único no mundo) faz-se
necessário perquirir a origem desta concepção a fim de verificar se este paradigma
no campo da segurança pública brasileira deva ser “derrubado” ou, ao contrário, por
efetivamente alinhar-se com as peculiaridades da sociedade brasileira, deva ser
“defendido” e “reforçado”. Em outras palavras, faz-se necessário buscar entender se
62

o melhor caminho é o de propor e fomentar mudanças ou garantir a manutenção do


atual funcionamento das instituições policiais.
Aqui sim a compreensão das origens longínquas do nosso sistema tem uma
finalidade instrumental cujo objetivo é o de subsidiar a análise e conclusões a
respeito da necessidade de se manter o atual paradigma de um sistema de “meias
polícias” ou de “meias autoridades”, não encontrado em mais nenhum país do
mundo à exceção de Guiné Bissao, ou de avançar e “quebrar” esse paradigma com
a finalidade de voltar o foco do sistema para o cidadão.
Em relação a esta busca das origens, a maioria dos autores identifica que o
atual sistema brasileiro foi muito influenciado pelo denominado “modelo napoleônico”
estabelecido na França pós revolução. Por tal motivo, interessa lembrar que as
mudanças advindas no período denominado como Iluminismo impactaram de modo
significativo tanto a noção sobre direitos individuais quanto à própria configuração do
Estado que devia então adequar-se a essa nova realidade. Neste sentido, o
reconhecimento dos direitos e liberdades dos indivíduos frente ao Estado e a
consequente criação dos direitos de primeira geração; a tripartição dos poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário) como forma de racionalização e controle do
poder estatal e o constitucionalismo e consequente submissão do governo à Carta
Magna de cada Estado, tudo aliado aos efeitos das revoluções burguesas e nova
configuração da sociedade influenciaram no sentido de da consolidação das
instituições policiais como destinadas às tarefas cada vez mais restritas à segurança
e ordem pública e, ao menos em termos ideais, destinadas à garantir e proteger os
direitos dos cidadãos.
Não por acaso a Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos de
1789 consagra, por um lado, “o direito à segurança” como “direito natural, inalienável
e sagrado do Homem” e, por outro estabelece que “a garantia dos direitos do
homem e do cidadão necessita de uma força pública, uma instituição policial,
instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é
confiada” (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, s.d.)
Poucos anos depois, em 1795, o governo revolucionário francês estabeleceu
que esta “Força Pública”, esta “Polícia”, seria dividida pelo tipo de atividade
desenvolvida, opção esta que acabou por influenciar a configuração dos modelos
policiais de diversos países da Europa Ocidental, dentre eles Portugal.
63

O Livro Primeiro do Código dos Delitos e das Penas, de 3 de Brumário do


ano IV do calendário revolucionário francês assim estabeleceu a dualidade dos
órgãos policiais suas finalidades:
16. A polícia é instituída para manter a ordem pública, a liberdade, a
propriedade, a segurança individual.
17. O seu caráter principal é a vigilância. A sociedade, amplamente
considerada, é o seu objeto.
18. Divide-se em polícia administrativa e em polícia judiciária.
19. A polícia administrativa tem por objeto a manutenção habitual da
ordem pública em todos os lugares e em todos os setores da administração
geral. O seu fim tende, principalmente, a prevenir delitos.
20. A polícia judiciária investiga os delitos que a polícia administrativa não
impediu que se cometessem, reúne as provas e entrega os autores aos
tribunais encarregados por lei de os punir. (GÓIS, 2011, p.16)

A partir da propagação dos ideais iluministas e todos os reflexos deles


decorrentes verifica-se, em diversos países da Europa, dentre inúmeras outras
mudanças, a criação de instituições policiais (ou reformulação dos organismos e
corpos policiais então existentes) com o objetivo de adequar a estrutura do Estado à
essa nova configuração social. Como exemplo pode-se citar a criação da Polícia
Metropolitana de Londres em 1829 (Modelo Anglo-Saxão) e do Corpo de Polícia
Civil de Lisboa e Porto em 1867 (Modelo Europeu Continental ou Francês).
Ainda que se considere que a criação da Guarda Municipal de Voluntários
15
por Provinciais em 1831 seja a origem das Polícias Militares no Brasil , em relação
ao sistema como um todo, o Brasil, dentre os modelos das divesas instituições
policiais desenhadas naquela época, teria adotado o modelo napoleônico de divisão
das polícias pelas suas atribuições. Esta visão é compartilhada pela maioria dos
doutrinadores atuantes no campo da segurança pública a exemplo do exposto por
Pelissari (2016):

“O Modelo Europeu Continental, também chamado de Francês ou de


Gendarme nasceu na França, no século XIII e foi copiado pelos demais
países europeus do continente e existente entre todos os outros que foram,
antigamente, suas colônias, por isso é o Modelo mais difundido e adotado
no mundo e no Brasil”.

15
Um histórico sobre a criação das polícias no Brasil pode ser encontrado no artigo “Desmilitarização
das Polícias Militares e Unificação de Polícias – Desconstruindo Mitos” de autoria de Fernando Carlos
Wanderley Rocha. ROCHA, Fernando Carlos Wanderley. Desmilitarização das Polícias Militares e
Unificação de Polícias - Desconstruindo Mitos. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014. (disponível em
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-
legislativa/fiquePorDentro/temas/unificacao-de-policias/Texto%20Consultoria.pdf )
64

Logo, considerando que os modelos português e francês foram responsáveis


por influenciar o modelo policial brasileiro, resta clara a origem da divisão entre
polícia administrativa ou judiciária, nos moldes no adotados por diversos países
europeus que forjaram esta dicotomia na prestação do serviço de segurança
pública..
Mas além da divisão conceitual do exercício do poder de polícia em
“administrativo” ou “judiciário” o modelo francês napoleônico propagou ainda para
diversos outros países um sistema policial que concilia, de forma paralela,
instituições civis e militares. Góis (2011) ao analisar os modelos policiais atualmente
adotados por países da Europa Ocidental assim destaca:

Dos modelos de organização policial existentes, os mais comuns, a nível


europeu, são os modelos napoleónico (ou dualista) e o modelo nacional (ou
unitário).
Característico dos países latinos, o modelo napoleónico ou dualista
denomina-se assim por se tratar de uma herança do Império Napoleónico,
mantendo-se praticamente inalterado desde o séc. XIX. Sendo esta a
realidade em Portugal, o modelo assenta numa estrutura dualista.
O modelo napoleónico caracteriza-se por apresentar, na sua estrutura base,
duas polícias: uma, de natureza militar, cuja tutela se encontra atribuída ao
Ministro da Defesa – ou então, como acontece com a Guarda Nacional
Republicana, a uma dupla tutela, dependendo ainda de outro membro do
Governo, o Ministro da Administração Interna, e uma outra polícia de
natureza civil, tutelada apenas por um Ministro, o da Administração Interna
ou do Interior – como acontece em Portugal com a Polícia de Segurança
Pública
Quanto às competências, o modelo normalmente apresenta uma identidade
ou coincidência de atribuições de tais polícias, residindo a diferenciação na
repartição territorial das respectivas competências.
A polícia de natureza militar tem normalmente competência nas zonas
rurais, ao passo que a polícia de natureza civil tem, em regra, competências
circunscritas às zonas urbanas.
O modelo napoleónico apresenta-se como um modelo muito centralizado,
pela responsabilidade das polícias perante o poder central.
Além da França, seguem este modelo, entre outros países, a Espanha, a
Itália, a Holanda e Portugal. (GÓIS, 2011, p. 16)

O modelo napoleônico destacado por Góis como origem do sistema policial


de diversos países europeus, dentre eles Portugal, chegou ao então Brasil Colônia
por meio obviamente das estruturas estatais portuguesas. Sobre essa influência e
modificações vivenciadas no século XIX que moldaram a configuração atual do
nosso modelo muito didática e explicativa o panorama apresentado por Cândido
(2018, p. 89):

Pelo que foi explanado, os primórdios das instituições policiais brasileiras


apresentam forte influência do modelo francês, o qual foi herdado por
65

Portugal e reverberado a este país. Surge, portanto, a polícia brasileira,


no período colonial, diante da necessidade de colonização, ou seja, com a
literal ocupação da terra, povoamento e manutenção dos espaços
conquistados.
Um marco de evolução do modelo brasileiro de polícia se deu com a
vinda da família real para o Brasil (1808), por ter ensejado a
necessidade da criação de uma “Divisão Militar da Guarda Real da
Polícia”, na cidade do Rio de Janeiro, fato que se concretizou em 13 de
maio de 1809.
Tal órgão policial teve como missão, prover a segurança e a tranquilidade
pública da Corte, fundamentando-se em função do crescimento
populacional da cidade, oriundo, tanto da vinda da corte portuguesa para o
país, quanto pelo aumento da atividade comercial e do afluxo de negócios.
Estabelece-se, portanto, no Brasil, uma força militarizada permanente.
A chegada da Coroa Portuguesa ao Rio de Janeiro, também trouxe o
modelo da Intendência Geral de Polícia para o Brasil, que, baseada em sua
congênere lisboeta, foi estabelecida a partir do molde da L’intendance de
Police francesa, constituindo, de um lado, “instrumento do príncipe para
impor a própria presença e autoridade contra as forças tradicionais da
sociedade imperial” (CARVALHO, 2008, p. 110) e, de outro, lugar de
administração, onde se desenrolavam as funções de urbanização,
saneamento, saúde pública, iluminação pública etc. (COTTA, 2006, p. 41).
O Intendente ocupava o cargo de Desembargador, com status de
ministro de Estado e, no que se refere à segurança pública, detinha o poder
de decidir sobre os comportamentos a serem considerados criminosos,
estabelecer a punição que julgasse apropriada e então prender, levar a
julgamento, condenar e supervisionar a execução da sentença.
Representava o monarca absoluto e, de forma coerente com a
sobreposição de poderes típica da administração colonial, seu cargo
englobava poderes legislativos, executivos e judiciários (HOLLOWAY,
1997, p. 46).
A Guarda Real de Polícia (GRP) era o principal instrumento à disposição do
Intendente para o exercício do controle social nas ruas do Rio de Janeiro.
No universo de uma sociedade escravocrata, era força de manutenção da
ordem social imperial, sendo formada por homens pagos, usualmente
egressos dos regimentos de linha do exército imperial, que trabalhavam em
emprego de tempo integral.
A Intendência Geral de Polícia e a sua GRP, entretanto, restringiam-se à
cidade do Rio de Janeiro e não representam, portanto, uma pretensão de
âmbito mais amplo na construção de um sistema policial mais substantivo,
de possibilidade duvidosa para a época (VELLASCO, 2007, p. 242).
A Constituição de 1824, o Código Penal de 1830, a crise do Primeiro
Império em 1831 e o Código de Processo Penal de 1832 abriram o espaço
para a experimentação institucional e a modernização das instituições de
justiça criminal.
É de se enfatizar que, após a proclamação da Independência do Brasil, em
16
1822, surge o embrião da atual maior instituição policial-militar brasileira,
no dia 15 de dezembro de 1831, o denominado Corpo de Guardas
Municipais Permanentes, por meio de legislação da Assembleia Provincial,
proposta pelo Presidente da Província de São Paulo, o Brigadeiro Rafael

16 Embora a Polícia Militar do Estado de São Paulo tenha atualmente o maior efetivo, dentre as suas
coirmãs, acredita-se que a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais é a instituição mais antiga, tendo
sua origem no Regimento Regular de Cavalaria de Minas, em 9 de junho do ano de 1775, no distrito
de Cachoeira do Campo, município de Ouro Preto, o qual tinha como missão guardar as minas
de ouro descobertas na região de Vila Rica (atual Ouro Preto) e Mariana.
66

Tobias de Aguiar, que deu origem à Polícia Militar do Estado de São


17
Paulo .
Nas demais províncias, também foram criadas sucessivamente forças
policiais, as quais tinham por incumbência a atuação como força de defesa
provinciana e o combate à não subversão dos regimes e poderes
constituídos, atuando inclusive em guerras.
A estética e a conformação militar acompanham a polícia administrativa
desde os tempos de sua criação, alicerçada nos pilares da hierarquia e da
disciplina, além dos modelos de administração, regulamentos, códigos e
justiça especializada. (RONDON FILHO, 2003, p. 32).
O modelo policial estatuído com a criação das polícias militares apresenta
pontos basilares, muitos dos quais permanecem inalterados até hoje.
Tratam-se da:
a. organização em moldes militares;
b. composição integral por voluntários;
c. serviço permanente (é a profissionalização do serviço de polícia);
d. pagamento pelo Tesouro da Província;
e. subordinação ao chefe do executivo provincial; e
f. responsabilidade perante o legislativo provincial, no que tange a sua
organização.
Para que se contextualize, paralelamente ao surgimento do que são as
atuais polícias militares, surgiu a Polícia Civil, com sua pseudo
natureza de polícia judiciária. Enfatiza-se que tal instituição tem seus
embriões remotos nos alcaides (século XVII, portanto época da colonização)
que realizavam diligências nas Vilas, com intuito de investigarem fatos
contrários à boa ordem e, inclusive, a prisão de infratores. Tais alcaides
eram sempre acompanhados de um escrevente que registrava tais prisões,
lavrando o auto de prisão, o qual era objeto de análise por um
magistrado.
Mais tarde, surgiu a figura do ministro criminal que, nos seus bairros,
mesclava as atribuições de juiz e policial, mantendo a paz, procedendo as
devassas e determinando a prisão de criminosos.
Por outra banda, no Brasil Império, a tal “polícia judiciária” era
desempenhada pelos “Delegados” do Chefe de Polícia, função que
permaneceu, embora com certas diferenças em termos de atribuições, após
a Proclamação da República, em 1889, na atualmente denominada Polícia
Civil dos estados da Federação e do Distrito Federal.
Como se tratará de maneira mais aprofundada, foi somente com a edição
da Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841, que a polícia começou a
assumir sua identidade e individualidade. Ela criou, no município da
Corte e em cada Província, um cargo de Chefe de Polícia, escolhido entre
Desembargadores e Juízes de Direito. Criou também cargos de
Delegados e Subdelegados, escolhidos seus ocupantes dentre juízes e
cidadãos, conferindo-lhes a prerrogativa da amovibilidade. Tal norma lhes
deu atribuições de polícia administrativa e de polícia judiciária, bem
assim competência para julgarem os chamados crimes policiais
(crimes de menor gravidade).
Logo após a edição da Lei nº 261, sobreveio o Dec. nº 120, de 31 de janeiro
de 1842, que desenhou os primeiros contornos do Inquérito Policial, como
instrumento formal de apuração da infração penal, sua materialidade, suas
circunstâncias e sua autoria. Os Delegados deveriam remeter aos Juízes
todos os dados, informações e provas que houvessem obtido sobre um
delito, acompanhados de uma detalhada análise pessoal.
A função judicante da polícia foi sustada pela Lei nº 2.033, de 20 de
setembro de 1871, que cometeu especificamente às autoridades policiais a
incumbência de procederem às diligencias necessárias ao descobrimento

17
Composto de cem praças a pé e trinta praças a cavalo, eram os chamados “cento e trinta de trinta
e um”, tal corpo foi criado por decreto imperial do Regente Feijó, cuja missão era “manter a ordem
pública e auxiliar a justiça”.
67

dos crimes e suas circunstâncias, formalizando-as em autos de Inquérito


Policial, cujos termos foram mais bem determinados pelo Decreto nº 4.824,
de 22 de novembro de 1871, que a regulamentou.
Enfim, no contexto do supracitado diploma legal da época, a polícia passou
a constituir um órgão oficial de auxílio à justiça e distinto desta, tendo
competência para autuar e prender em flagrante. Com a mantença do
Inquérito Policial surge a figura do “Exame de Corpo de Delito”, como
componente do corpo de provas, assim como as diligências de buscas e
apreensões, visando robustecer as produções de provas.

Assim, começa-se a compreender melhor as origens do atual modelo


dicotômico brasileiro. Entretanto, até mesmo antes das mudanças e transformações
sociais, econômicas, culturais e políticas desenvolvidas durante todo o século XX,
ainda na virada do século XIX para o século XX, uma mudança no sistema
jurisdicional brasileiro já começou a delinear o descompasso entre esse modelo
dicotômico e a realidade brasileira. Neste sentido, mais uma vez, muito bem
destacou Cândido (2018, p. 95):

18
Em verdade, o Brasil adotou, desde 1891, o sistema da jurisdição única . A
experiência nacional, portanto, é a de que todos os litígios,
independentemente de quem figure como parte, será resolvido perante o
Poder Judiciário. Assim é que as causas envolvendo diretamente atos da
Administração são de responsabilidade das instâncias originárias do Poder
Judiciário. Não há, portanto, espaço para se falar em contencioso
administrativo no Brasil, nos mesmos moldes do que ocorre na França
e em Portugal.
Não obstante a tradição constitucional calcada no sistema da jurisdição una,
o ordenamento jurídico nacional prevê uma série de instrumentos e meios
processuais que podem ser aviados perante a autoridade administrativa.
Todavia, ao contrário do que ocorre na França e em Portugal, esses
processos não fazem coisa julgada material, sendo sempre passíveis de
revisão pelo Poder Judiciário.
É nesse ponto crucial que reside a dicotomia do modelo policial
brasileiro, no que se refere as suas principais “forças policiais”, quais
sejam, a Polícia Militar e a Polícia Civil, imperfeitamente tratadas como
polícia administrativa e polícia judiciária, respectivamente. Tal
dicotomia, sob o aspecto político/jurídico, advém do modelo de
jurisdição francês, herdado por Portugal, onde, como se apresentou,
há uma clara divisão de funções (executivas e jurisdicionais)
intrínsecas a cada poder, modelo este que foi transmutado para o
Brasil em relação à sua polícia, mas que não foi reverberado no
Estado-jurisdição brasileiro.

18
Com o advento da República, o Brasil optou definitivamente pelo sistema da unidade da jurisdição,
embora a Constituição de 1969 tenha previsto, no art. 111, que a lei poderia criar contencioso
administrativo para julgar as causas ali mencionadas, além de estabelecer, no art. 205, que lides
entre entidades maiores de direito público e suas respectivas autarquias, empresas públicas e
sociedades de economia mista seriam decididas, com eficácia vinculativa plena, pela autoridade
administrativa, ressalvado ao acionista da sociedade de economia mista o direito de recurso ao
Judiciário, por meio de ação anulatória. Mas a lei referida no art. 111 nunca foi editada e o art. 205
não chegou a ser implementado, porque, segundo o Supremo Tribunal Federal – STF, dependia de
lei regulamentadora, também não editada pelo Congresso Nacional (STF. Recurso Extraordinário nº
90.102/SP. Relator: Ministro Moreira Alves. DJ de 19/02/1979, p. 1.064.).
68

Percebe-se então que logo no início do período republicano, as mudanças


de configuração do Estado brasileiro, especialmente em relação ao Poder Judiciário,
já deram início ao descolamento entre o sistema policial dicotômico e nossa
realidade política e jurídica, descolamente este que só se acentuou com o advento
de todas as transformações ocorridas no Brasil e no mundo durante o século XX.
Apesar disso, afora algumas evoluções ocorridas no sistema de segurança pública
brasileiro, a linha mestra ainda adotada continua a mesma. É o que se pode
depreender da leitura do art. 144 da Constituição Federal que, exceção à divisão
territorial para atuação das instituições policiais observada nos países europeus,
ainda baseia o sistema policial no modelo napoleônico de cisão das instituições
policiais a partir do foco de suas atividades, quais sejam preventivas
(administrativas) ou repressivas (judiciária).
Ainda que o sistema de segurança pública brasileiro “desenhado” no art. 144
19
da Constituição Federal esteja assentado em órgãos policiais estruturados e com
responsabilidades e atribuições nos planos federal, estadual e municipal20 , não há
dúvidas de que, seja em termos quantitativos seja em relação à amplitude de
atribuições, o constituinte consolidou a esfera estadual, os Estados, como principal
responsável pelo exercício do poder de polícia na área da segurança pública.
E exatamente nessa esfera estadual, pedra angular do atual sistema policial
brasileiro, foram consolidadas as atribuições para duas polícias, uma civil e outra
militar, tendo cada uma delas, ainda que não de forma estanque ou exclusiva, foco
próprio, sendo uma voltada precipuamente ao exercício da Polícia Administrativa
(Polícias e Bombeiros Militares) e outra focada no exercício da Polícia Judiciária
(Polícias Civis). A comparação desta opção com a previsão contida nos artigos 16 a
20 do Livro Primeiro do Código dos Delitos e das Penas, de 3 de Brumário do ano IV
do calendário revolucionário francês (1795) parece exemplificar de modo cristalino a
ainda direta influência do modelo francês napoleônico no sistema policial brasileiro.
É verdade que consoante interessante ressalva feita por Júnior (1984, p. 44),
antes mesmo da promulgação do diploma constitucional de 1988, nosso modelo

19
Que na verdade positivou as estruturas consolidadas à época da Constituinte.
20
A discussão sobre a possibilidade de considerar as guardas municipais como polícias ou não será
analisada a frente em tópico específico.
69

policial não adotou de modo estanque o sistema dicotômico para definir as


atribuições das atribuições de nossas instituições policiais:

A polícia pode ser considerada sob diversos prismas, daí advindo esta ou
aquela divisão. Nesse particular, tornou-se clássica a divisão da polícia
em três ramos principais: a polícia administrativa ou preventiva, a
polícia repressiva ou judiciária e a polícia mista.
[…]
Embora não seja denominação corrente nos autores especializados,
denominamos policia mista ao organismo estatal que acumula ou exerce,
sucessiva ou simultaneamente, as duas funções, a preventuiva e a
repressiva, como é o caso da polícia brasileira em que o mesmo agente
previne e reprime.
Criticando a divisão da polícia em "de segurança" e "administrativa",
Brandão Cavalcanti mostra que "a divisão, embora aceita pela generalidade
dos autores, merece ser criticada, porque dificilmente será possível
estabelecer distinção perfeita entre as duas categorias de polícias. A
verdade é que, mesmo dentro de determinada manifestação do poder de
polícia, a medida pode revestir-se ou de caráter administrativo, ou
puramente policial, quer a sua finalidade seja a tranqüilidade pública, quer o
cumprimento de um regulamento administrativo. A classificação interessa,
por conseguinte, mais à natureza da medida, do que propriamente à esfera
dentro da qual deve agir a autoridade".31 (Tratado de direito administrativo,
4.- ed., 1956, voI. 111, p. 10-11).
No Brasil, a distinção da polícia em judiciária e administrativa, de
procedência francesa e universalmente aceita, menos pelos povos
influenciados pelo direito inglês (Grã-Bretanha e EUA), defeituosa e
arbitrária, não tem integral aplicação, porque a nossa polícia é mista,
cabendo ao mesmo órgão, como dissemos, atividades preventivas e
repressivas. (JÚNIOR, 184, p. 44).

Realmente, apesar do fato do Brasil ainda mantér o modelo napoleônico


oitocentista, a distinção entre polícia administrativa e polícia judiciária não é útil para
definir nossas instituições policiais vez que as polícias civis e a polícia federal
exercem atividades no âmbito da denominada “polícia administrativa” e as polícias
militares, polícia rodoviária federal, guardas municipais exercem atividades de
“polícia judiciária” na repressão imediata e em casos de infrações de menor
potencial ofensivo (atualmente em oito estados as Polícias Militares elaboram Termo
Circunstanciado).
Se o problema fosse apenas o descompasso entre o conceito teórico
(dualista) e as estruturas e atribuições atuais das instituições policiais bastaria uma
reformulação teórica para equacionar o problema. A própria doutrina internacional
sobre polícia apresenta outros critérios de classificação em relação a tipos de
polícias que auxiliariam o trabalho desta “reconfiguração” teórica. Na concepção de
Monjardet, por exemplo, há três modalidades de atuação policial, quais sejam,
polícia de ordem (política), polícia criminal (repressiva) e polícia urbana (preventiva,
70

comunitária, de proximidade) (MONJARDET, 2003, p. 128). Para a realidade


brasileira poderia se pensar em uma denominação que além da fase preventiva
abrangesse ao menos essa primeira fase de repressão criminal como, por exemplo,
“polícia de segurança e ordem pública” para classificar as polícias militares, a polícia
rodoviária federal e as guardas municipais por exemplo.
Contudo, o problema não se circunscreve a este campo teórico, visto que as
próprias estruturas e atribuições institucionais das polícias consolidadas no texto
constitucional de 1988 não mais atende a dinâmica da sociedade brasileira, tendo
em vista a multidisciplinariedade e complexidade da maioria dos fenômenos sociais,
criminais ou não, que são objetos da atividade policial.
Não por acaso, mesmo que passados pouco mais de 30 anos da entrada em
21
vigor da última Constituição , encontra-se em curso uma verdadeira ebulição de
propostas normativas visando profundas reformas ou até mesmo absoluta revolução
no Sistema de Segurança Pública brasileiro, seja por meio da extinção ou junção de
instituições existentes, seja por meio de propostas de criação de novas polícias. Esta
ebulição pode ser exemplificada nas diversas propostas de emendas constitucionais
22
que buscaram tratar do tema nos últimos anos ou em estudos e relatórios
desenvolvidos por órgãos oficiais ou não a exemplo da publicação “Segurança
Pública: Prioridade Nacional”, décimo volume da série Estudos Estratégicos
elaborada em 2018 pelo Centro de Estudos e Debates Estratégicos (CEDE) da
Câmara dos Deputados. (BRASIL, 2018)
Diante de tal cenário é difícil não reconhecer que não apenas a conceituação
teórica (Polícia Administrativa / Polícia Judiciária) deve ser revista e atualizada como
o também próprio modelo policial brasileiro e o sistema de segurança pública
necessita de uma reforma.

21
Se para uma legislação ordinária 30 anos pode ser um tempo até demasiado a depender do tema
disciplinado, em termos de normas constitucionais este é um tempo absolutamente exíguo.
22
Exemplo da ebulição e até antagonismos de algumas propostas: PEC 275/2016 (Inclui a guarda
municipal entre os órgãos de segurança pública.), PEC 33/2014 (Altera os art. 23 e art. 24 da
Constituição Federal para inserir a segurança pública entre as competências comuns da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios), PEC 365/2017 (Acresce dispositivo ao art. 144 da
Constituição Federal, criando os corpos de segurança socioeducativa), PEC 336/2017 (Altera os arts.
21, 22, 32 e 144 da Constituição, para dispor sobre a federalização da segurança pública do Distrito
Federal), PEC 51/2013 (Altera os arts. 21, 24 e 144 da Constituição; acrescenta os arts. 143-A, 144-A
e 144-B, reestrutura o modelo de segurança pública a partir da desmilitarização do modelo policial),
PEC 430/2009 (Altera a Constituição Federal para dispor sobre a Polícia e Corpos de Bombeiros dos
Estados e do Distrito Federal e Territórios, confere atribuições às Guardas Municipais e dá outras
providências)
71

As tentativas de inovações procedimentais já exploradas neste trabalho, a


exemplo da elaboração do Termo Circunstanciado de Ocorrência por qualquer
policial, a adoção de um sistema único de registro de ocorrência policial que altere a
exclusividade do boletim de ocorrência lavrado pelo Delegado de Polícia, assim
como a possibilidade de efetivação, por qualquer policial, de medidas protetivas de
urgência em situações específicas de violência doméstica são todos sintomas que
decorrem da causa principal: a obsolescência do atual modelo policial face à
realidade brasileira.
Assim, ainda que se compreenda o motivo pelo qual a ideia ou noção de
defesa inconteste de exclusividades no exercício de “autoridades policiais” é tão
forte em nosso sistema, vez que essa distinção e divisão é a “alma” do modelo
policial napoleônico de “meias polícias” ainda adotado no Brasil, parece não haver
dúvida no sentido de que o descolamento entre esse modelo e nossa realidade
iniciou-se ainda na virada do século XIX e só se acentuou com o advento de todas
as mudanças ocorridas durante o século XX, resultando nessa preemente
necessidade de reforma do sistema policial, exemplificada por meio das inúmeras
propostas legislativas e das alterações ou tentativas de mudanças pontuais no
ordenamento jurídico.
Logo, se o conceito ou noção de exclusividade no exercício da autoridade
policial decorre da adoção do sistema policial napoleônico e este sistema demonstra
estar em descompasso com a realidade brasileira sendo constante alvo de
evoluções pontuais e de propostas legislativas para reformulá-lo por completo, não
há como sustentar como correta e adequada as atuais defesas no sentido de
“diferenciação” ou “exclusividade” da autoridade policial dos Delegados de Polícia
que parece ser o principal óbice das mudanças procedimentais citadas.
Parece estar estabelecida, portanto, uma crise paradigmática.
E se de todo o até aqui exposto ainda haja dúvidas acerca da necessidade
de mudança e de “quebra” desse paradigma, resta lembrar que os próprios sistemas
policiais francês e português, que originaram nosso modelo, há muito abandonaram
essa ideia de exclusividade da autoridade policial e sequer mantém a divisão entre
uma polícia administrativa e uma polícia judiciária.
Neste sentido, o atual modelo policial Francês mantém, até hoje, em seu
cerne uma polícia de natureza civil (Polícia Nacional) e outra militar (Gendarmaria
Nacional). Contudo, diferentemente da opção adotada em 1795 (origem do modelo
72

brasileiro), o que diferencia as polícias civil e militar não é mais a atividade por elas
desenvolvida (administrativa ou judiciária) mas principalmente a área territorial de
atuação, visto que hoje ambas realizam tanto a prevenção quanto a investigação
dos crimes. Em linhas gerais a Gendarmaria Nacional (GN), militar, é responsável
pelas cidades com menos de vinte mil habitantes e demais regiões do País ao passo
que a Polícia Nacional (PN), civil, é responsável pela atuação nas cidades com mais
de 20 mil habitantes.
Ambas (GN e PN) realizam o chamado “ciclo completo” da atividade policial
em seus respectivos territórios, ou sejam, atuam preventiva e repressivamente na
integralidade. Portanto, nem mesmo a nação que criou o modelo policial napoleônico
no século XIX, do qual se originou o modelo policial brasileiro, permanece com uma
divisão estanque, burocrática e ineficaz entre Polícia Administrativa e Polícia
Judiciária.
Em novembro de 2016 uma comissão da Câmara dos Deputados realizou
visita àquele País para conhecer a estrutura policial daquele País de modo mais
detalhado e identificou que a média de esclarecimentos de crimes em ambas as
polícias era de 45% dos casos registrados sendo que este percentual subia para
80% em casos de violência contra a pessoa (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016). O
mapa a seguir apresenta a distribuição territorial de atuação das duas principais
forças policiais da França:

Mapa 1 – Áreas de atuação das polícias francesas

Fonte: Câmara dos Deputados, 2016


73

Em Portugal, origem direta do modelo brasileiro, também permanecem como


principais forças policiais duas polícias, uma de natureza civil (Polícia de Segurança
Pública - PSP) responsável pela segurança das grandes cidades e outra de natureza
militar (Guarda Nacional Republicana - GNR) com atribuição sobre as cidades
menores e as demais regiões do País. Esta situação aliás, de coexistência de dois
corpos policiais - um militar e outro civil – está em sintonia com o modelo adotado
em diversos países da Europa, especialmente os latinos como Espanha e Itália
(GÓIS, 2011, p. 78), justamente aqueles com os quais guardamos mais
semelhanças em termos culturais, jurídidicos e sociais.
Abaixo figura representativa do sistema de Defesa e de segurança interna
23
de Portugal indicando as duas principais forças policias do País (GNR e PSP)

Figura 1 – Forças policiais em Portugal

Fonte: Guarda Nacional Republicana

O Relatório de atividades da Guarda Nacional Republicana apresenta um


mapa com a atuação territorial da GNR e da PSP:

23
A PM indicada no quadro trata-se da Polícia Marítima, também militar.
74

Mapa 2 – Áreas de atuação das polícias em Portugal

Fonte: Guarda Nacional Republicana

A solução adotada por Portugal para adequar as estruturas policiais à


realidade do século XXI difere um pouco da opção francesa tendo em vista que
ainda manteve uma Polícia Judiciária (PJ) que se destina a investigar alguns tipos
de crimes, em especial os relacionados à criminalidade organizada e transnacional.
Não obstante, isso não exclui a competência investigatória das polícias civil (PSP) e
militar (GNR) em relação à criminalidade comum. Esse modelo português, quando
comparado ao atual sistema brasileiro de segurança pública, poderia consistir em
um caminho de transição aparentemente menos complexo e que permitiria o
aproveitamento e otimização das estruturas e rotinas existentes como, por exemplo,
atribuir às guardas municipais (onde houver) poder de polícia preventiva e
investigatória para os casos de contravenções e para infrações de menor potencial
ofensivo, às polícias militares a responsabilidade preventiva e de investigação
criminal para a criminalidade comum (somada as contravenções e de menor
potencial ofensivo onde não houver guardas municipais) e às polícias civis a
responsabilidade de investigação sobre infrações relacionadas às organizações
criminosas, crimes contra o sistema financeiro, crimes cibernéticos e todos aqueles
cuja complexidade exigisse uma estrutura dedicada prioritariamente à investigação.
Veja-se, por exemplo, como a Lei de Organização da Investigação Criminal
(Lei nº 49/2008) de Portugal define as atribuições relativas à investigação criminal de
cada uma das instituições policiais daquele País:

Órgãos de polícia criminal

1 – São órgãos de polícia criminal de competência genérica:


a) A Polícia Judiciária;
75

b) A Guarda Nacional Republicana;


c) A Polícia de Segurança Pública.
[…]
Artigo 6.º
Competência da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança
Pública em matéria de investigação criminal
É da competência genérica da Guarda Nacional Republicana e da Polícia
de Segurança Pública a investigação dos crimes cuja competência não
esteja reservada a outros órgãos de polícia criminal e ainda dos crimes cuja
investigação lhes seja cometida pela autoridade judiciária competente para
a direcção do processo, nos termos do artigo 8.º
Artigo 7.º
Competência da Polícia Judiciária em matéria de investigação criminal
1 – É da competência da Polícia Judiciária a investigação dos crimes
previstos nos números seguintes e dos crimes cuja investigação lhe seja
cometida pela autoridade judiciária competente para a direcção do
processo, nos termos do artigo 8.º
2 – É da competência reservada da Polícia Judiciária, não podendo ser
deferida a outros órgãos de polícia criminal, a investigação dos seguintes
crimes:
a) Crimes dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo
a morte de uma pessoa;
b) Escravidão, sequestro, rapto e tomada de reféns;
c) Contra a identidade cultural e integridade pessoal e os previstos
na Lei Penal Relativa Às Violações do Direito Internacional Humanitário;
d) Contrafacção de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e outros
valores equiparados ou a respectiva passagem;
e) Captura ou atentado à segurança de transporte por ar, água, caminho de
ferro ou de transporte rodoviário a que corresponda, em abstracto, pena
igual ou superior a 8 anos de prisão;
f) Participação em motim armado;
g) Associação criminosa;
h) Contra a segurança do Estado, com excepção dos que respeitem ao
processo eleitoral;
i) Branqueamento;
j) Tráfico de influência, corrupção, peculato e participação económica em
negócio;
l) Organizações terroristas e terrorismo;
m) Praticados contra o Presidente da República, o Presidente da
Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, os presidentes dos tribunais
superiores e o Procurador-Geral da República, no exercício das suas
funções ou por causa delas;
n) Prevaricação e abuso de poderes praticados por titulares de cargos
políticos;
o) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção e fraude na
obtenção de crédito bonificado;
p) Roubo em instituições de crédito, repartições da Fazenda Pública e
correios;
q) Conexos com os crimes referidos nas alíneas d), j) e o).
3 – É ainda da competência reservada da Polícia Judiciária a investigação
dos seguintes crimes, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte:
a) Contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores ou incapazes
ou a que corresponda, em abstracto, pena superior a 5 anos de prisão;
b) Furto, dano, roubo ou receptação de coisa móvel que:
i) Possua importante valor científico, artístico ou histórico e se encontre em
colecções públicas ou privadas ou em local acessível ao público;
ii) Possua significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou
económico;
iii) Pertença ao património cultural, estando legalmente classificada ou em
vias de classificação; ou
76

iv) Pela sua natureza, seja substância altamente perigosa;


c) Burla punível com pena de prisão superior a 5 anos;
d) Insolvência dolosa e administração danosa;
e) Falsificação ou contrafacção de cartas de condução, livretes e títulos de
registo de propriedade de veículos automóveis e certificados de matrícula,
de certificados de habilitações literárias e de documento de identificação ou
de viagem;
f) Incêndio, explosão, libertação de gases tóxicos ou asfixiantes ou
substâncias radioactivas, desde que, em qualquer caso, o facto seja
imputável a título de dolo;
g) Poluição com perigo comum;
h) Executados com bombas, granadas, matérias ou engenhos explosivos,
armas de fogo e objectos armadilhados, armas nucleares, químicas ou
radioactivas;
i) Relativos ao tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas,
tipificados nos artigos 21.º, 22.º, 23.º, 27.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93,
de 22 de Janeiro, e dos demais previstos neste diploma que lhe sejam
participados ou de que colha notícia;
j) Económico-financeiros;
l) Informáticos e praticados com recurso a tecnologia informática;
m) Tráfico e viciação de veículos e tráfico de armas;
n) Conexos com os crimes referidos nas alíneas d), j) e l).
4 – Compete também à Polícia Judiciária, sem prejuízo das competências
da Unidade de Acção Fiscal da Guarda Nacional Republicana, do Serviço
de Estrangeiros e Fronteiras e da Comissão do Mercado dos Valores
Mobiliários, a investigação dos seguintes crimes:
a) Tributários de valor superior a (euro) 500 000;
b) Auxílio à imigração ilegal e associação de auxílio à imigração ilegal;
c) Tráfico de pessoas;
d) Falsificação ou contrafacção de documento de identificação ou de
viagem, falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução,
conexos com os crimes referidos nas alíneas b) e c);
e) Relativos ao mercado de valores mobiliários.
5 – Nos casos previstos no número anterior, a investigação criminal é
desenvolvida pelo órgão de polícia criminal que a tiver iniciado, por ter
adquirido a notícia do crime ou por determinação da autoridade judiciária
competente.
6 – Ressalva-se do disposto no presente artigo a competência reservada da
Polícia Judiciária Militar em matéria de investigação criminal, nos termos do
respectivo Estatuto, sendo aplicável o mecanismo previsto no n.º 3 do artigo
8.º

Portanto, como visto, também Portugal, origem direta do sistema policial


brasileiro, mantém a coexistência de uma polícia civil e outra militar (como na
França) e igualmente abandonou o modelo estanque do século XIX de divisão e
separação das atividades policiais em “administrativa” (preventiva) e “judiciária”
(repressiva). Não obstante, encontrou uma solução intermediária mantendo uma
polícia judiciária (PJ) distinta das polícias de segurança e ordem pública (PSP e
GNR) mas que não exclui a competência destas para investigação da criminalidade
comum.
Assim, se a identificação das origens do modelo policial napoleônico ajuda a
compreender como chegamos ao modelo policial brasileiro, esta breve revisitação
77

das mesmas fontes e origens históricas que há cerca de duzentos anos


influenciaram o sistema de segurança pública do Brasil, contribui para demonstrar
que os “paradigmas” da “exclusividade do exercício da autoridade policial” e do
“modelo policial dicotômico de polícias administrativas e polícias judiciárias” já foram
superados tanto no país em que foi criado (França) quanto naquele do qual
importamos o modelo (Portugal), fato nem um pouco surpreendente visto tratar-se
de um modelo construído com base no no contexto histórico e estrutural da europa
do século XIX.
Conclui-se, portanto, que a distinção conceitual entre Polícia Administrativa e
Polícia Judiciária, base da ideia de “exclusividade do exercício da autoridade
policial”, não é mais capaz de definir instituições policiais, seja em Portugal, na
França ou em qualquer outro lugar no mundo, visto que as transformações sociais,
políticas, econômicas e culturais ocorridas durante todo o transcurso do século XX
resultaram na completa obsolescência do modelo de “polícias pela metade” pela sua
incapacidade de fazer frente aos desafios cada vez mais complexos e dinâmicos no
campo da segurança pública ainda no século XX, que dirá do atual século XXI.
Não por outro motivo, no mundo inteiro as instituições policiais exercem as
funções policiais, preventivas e repressivas, de modo completo, sem “limites” ou
“formalidades” burocráticas desnecessárias, ou seja, irrelevantes para garantias e
direitos fundamentais:

“Até recentemente, três países no mundo não adotavam o ciclo completo de


investigação para suas polícias. Eram eles Cabo Verde, Guiné Bissau e
Brasil. Agora a lista ficou ainda mais enxuta: Cabo Verde saiu da lista
porque a Assembleia Nacional aprovou a modificação.”
[…]
Hoje, apenas Guiné Bissau nos faz companhia (FENAPEF, 2019)

Esta constatação, somada ao fato de que os conceitos de divisão rígida e


estanque das polícias em administrativa e judiciária não conseguem mais explicar e
classificar de modo satisfatório as esferas de atuação das nossas instituições
policiais, em conjunto com as diversas inovações legislativas (Termo
Circunstanciado, Medidas protetiva de urgência, etc) e a “enxurrada” de propostas
de mudanças constitucionais relativas à estrutura e às atribuições do nosso sistema
de segurança pública nos últimos anos parece demonstrar, de modo cristalino, que o
atual modelo policial brasileiro, calcado nos paradigmas de divisão das instituições
policiais em administrativas e judiciárias e de “exclusividade do exercício da
78

autoridade policial” por um Delegado de Polícia, já não é capaz de solucionar


adequadamente os problemas a serem enfrentados e necessita, urgentemente, de
mudanças profundas que o adequem ao contexto e realidade brasileira.
Não há dúvida, portanto, da existência de uma crise paradigmática no
tocante ao sistema de segurança pública brasileiro. Ademais, as diversas medidas
implementadas ou propostas de inovação que tem buscado conferir maior eficiência
e racionalização aos procedimentos e à atividade policial em substituição aos
formalismos excessivos e contraproducentes baseados nos paradigmas já
ultrapassados e inerentes ao modelo napoleônico, indicam que não apenas o
processo de transição já se iniciou como também é possível identificar alguns
delineamentos de um paradigma rival e emergente, baseado na ideia de “eficiência
da autoridade policial” em substituição ao conceito oitocentista e atualmente
prejudicial de “exclusividade do exercício da autoridade policial”.
No entanto, mesmo que aparentemente inconteste a crise paradigmática e a
necessidade de mudanças, é importante, mais uma vez, ressaltar a ressalva
apresentada por Neto (2011, p. 352) no sentido de que o processo de transição dos
paradigmas é “lento e pode envolver séculos” até porque a “vitória de um paradigma
sobre o outro, dada a incomensurabilidade dos paradigmas concorrentes, advém de
uma espécie de conversão religiosa” tendo em vista que operada por seres
humanos que consigo carregam fundamentos não apenas teóricos e técnicos como
também psicológicos e sociológicos.
Por tal motivo, além da demonstração da perda de validade dos paradigmas
decorrentes do modelo policial napoleônico oitocentista, vale analisar um possível
argumento que pode ser apresentado por aqueles que discordam de tudo o que foi
exposto e ainda defendem a manutenção do atual modelo dicotômico de “meias
polícias”, qual seja, o argumento de que apenas a constatação da necessidade de
mudanças não basta para a implementação das inovações propostas e mudanças
de paradigmas tendo em vista que estando o atual sistema, com seus princípios e
regras, expressamente previstos no ordenamento constitucional e infraconstitucional
pátrio, qualquer alteração procedimental, por mais simples que possa parecer, deve
ser precedida de uma reforma constitucional do sistema policial brasileiro para, só
depois, sejam discutidas questões como Termo Circunstanciado, registro único de
ocorrência policial ou ainda adoção de medidas de proteção por policiais que não
sejam Delegados de Polícia.
79

Ainda que se trate, como se verá, de um argumento falacioso e meramente


protelatório frente à inevitabilidade do aperfeiçoamento do sistema, os movimentos
de resistência às inovações procedimentais, especialmente no Estado de São Paulo,
tem logrado impedir, ou ao menos postergar, diversas medidas propostas,
exatamente sob o argumento de que o sistema jurídico define o Delegado de Polícia
como única autoridade policial e a Polícia Civil como única responsável pelo
exercício da polícia judiciária no âmbito estadual.
Por tal motivo, no item a seguir, buscar-se-á demonstrar que o atual
ordenamento jurídico pátrio não apenas respalda diversas das medidas propostas
como expressamente determina que muitas delas sejam implementadas, o que
conduz, mais uma vez, à conclusão de que já se está diante de um novo paradigma
para o sistema de segurança pública brasileiro: o da “eficiência do exercício da
autoridade policial e das atribuições exercidas pelas instituições policiais”.

3.3 Novo paradigma: “eficiência no exercício da autoridade e foco no cidadão”

Uma vez demonstrada a existência de uma crise paradigmática no atual


sistema de segurança pública e início do denominado “período de transição” para
um novo paradigma que pode ser identificado por meio das diversas alterações
legislativas e medidas inovadoras implementadas pelas ou para as instituições
policiais, resta saber se o atual ordenamento jurídico brasileiro engloba, fundamenta
ou até determina a adoção das medidas iniciais relativas à necessária, e
provavelmente inevitável, transição pela qual deverá passar o sistema de segurança
pública no Brasil.
Logicamente que as reformas mais profundas e estruturais dependem de
mudanças no próprio texto constitucional visto que a estrutura básica do sistema de
segurança pública brasileiro encontra-se inserida no art. 144 da Carta Magna de
1988. Aliás, a simples análise das duas últimas alterações constitucionais que
modificaram dispositivos do art. 144 da Constituição Federal, concretizadas por meio
das Emendas Constitucionais nº 82 de 2014 e 104 de 2019, demonstra que até
mesmo as mudanças estruturais no sistema já tiveram início tendo em vista que tais
alterações elevaram ao status constitucional e incluiram no sistema de segurança
pública a denominada “segurança viária” e criaram uma nova polícia no Brasil, as
80

denominadas “polícias penais” as quais, vinculadas ao órgão administrador do


sistema penal da unidade federativa a que pertencem, compete a segurança dos
estabelecimentos penais. Ambas modificações constitucionais consolidaram novas
respostas à necessidades que o sistema até então desenhado não estava mais
conseguindo solucionar.
Logo, considerando que o reconhecimento da obsolescência do modelo
policial napoleônico, que secciona as atribuições das polícias e há muito demonstra-
se incapaz de solucionar os problemas na área da segurança pública, tem
alcançado um consenso cada vez maior na sociedade brasileira, espera-se que não
seja necessário mais um século para que o ultrapassado paradigma do modelo
policial napoleônico seja definitivamente substituído pelo paradigma de um modelo
policial calcado na eficiência das instituições capaz de nortear as reformas
constitucionais no sistema em meio ao emaranhado de propostas em trâmite no
24
Congresso Nacional .
No entanto, enquanto as necessárias e urgentes mudanças constitucionais e
estruturais no sistema de segurança pública brasileiro não se concretizam, não são
poucos os entraves e limitações presentes no modelo policial atual que produziram e
continuarão produzindo prejuízos e perdas para toda a sociedade.
Neste sentido, vale sempre lembrar que erros, ações e procedimentos
ineficientes no campo da segurança e ordem pública, infelizmente, custam vidas.
Por tal motivo, no âmbito da legislação ordinária e infraconstitucional assim como no
âmbito dos demais poderes, especialmente do executivo, nas três esferas dos entes
federativos (União, estados e municípios) há tempos tem, como visto e como se
verá, apresentado soluções iniciais calcadas no novo paradigma de busca pela
eficiência do sistema de segurança pública para resolver problemas pontuais mas

24
Como já mencionado, a diversidade de propostas de modificação constitucional do sistema de
segurança pública brasileiro pode ser exemplificada por meio das seguintes PECs: PEC 275/2016
(Inclui a guarda municipal entre os órgãos de segurança pública.), PEC 33/2014 (Altera os art. 23 e
art. 24 da Constituição Federal para inserir a segurança pública entre as competências comuns da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios), PEC 365/2017 (Acresce dispositivo ao art.
144 da Constituição Federal, criando os corpos de segurança socioeducativa), PEC 336/2017 (Altera
os arts. 21, 22, 32 e 144 da Constituição, para dispor sobre a federalização da segurança pública do
Distrito Federal), PEC 51/2013 (Altera os arts. 21, 24 e 144 da Constituição; acrescenta os arts. 143-
A, 144-A e 144-B, reestrutura o modelo de segurança pública a partir da desmilitarização do modelo
policial), PEC 430/2009 (Altera a Constituição Federal para dispor sobre a Polícia e Corpos de
Bombeiros dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, confere atribuições às Guardas Municipais
e dá outras providências)
81

extremamente relevantes para melhorar o serviço de segurança pública prestado à


sociedade.
Inseridas neste contexto de medidas pontuais, mas nem por isso de menor
relevância, e preliminares no contexto de transição para um paradigma destinado à
melhoria da eficiência de todo o sistema encontram-se, por exemplo, as já
abordadas medidas de implementação da elaboração de Termos Circunstanciados
de Ocorrência por todas as instituições policiais; de criação de um sistema de
registro único de ocorrências ou de reconhecimento de validade dos registros
realizados por todas as instituições policiais; de previsão da aplicação de medidas
protetivas de urgência por qualquer policial em casos de necessidade latente, etc.
Ainda que implementadas de modo isolado, individual e ainda não sistêmico,
é possível perceber em todas um “fio condutor básico”, uma noção, uma ideia
mestra, qual seja, a busca pela eficiência no exercício da autoridade e na definição
do leque de atribuições das instituições policiais. São, portanto e em conjunto com
diversas outras aqui não exemplificadas, a exteriorização do processo em curso de
construção de um novo paradigma para o sistema de segurança pública.
Sendo medidas iniciais, pioneiras e implementadas em um sistema ainda
fortemente marcado e moldado por um paradigma oitocentista que prioriza a forma,
a burocracia, e a exclusividade de autoridades e atribuições é até previsível que
encontrem enorme resistência e ferozes críticas por parte daqueles que construíram
toda a sua vida, princípios e valores baseados em regras e princípios de um sistema
específico. A a “Primeira Lei de Newton”, desenvolvida ainda no século XVI, já
estabelecia que “uma partícula inicialmente em repouso ou em movimento uniforme
no sistema de referência preferencial, continua nesse estado a não ser que
compelido por forças a mudá-lo (BEATTY, 2006, p. 24).
Na ideia contida neste princípio físico da inércia reside a relevância da
implementação destas medidas iniciais de transição de paradigma no sistema de
segurança pública. São elas que encontrarão maior resistência, dificuldades e
desafios pois irão deparar-se com a força de um sistema há mais de um século
consolidado. Ainda que referido sistema não atenda mais aos novos desafios, ele
não mudará por si, ao contrário, calcado em um paradigma consolidado reagirá,
neste primeiro momento, imputando as dificuldades à incompetência dos
profissionais (aos policiais) e não ao sistema em si:
82

Durante a prática comum, o paradigma fornece aos cientistas os meios de


solucionar os vários quebra-cabeças, de modo que a falha na resolução
desses quebra-cabeças é visto mais como falha ou incompetência do
cientista do que propriamente inadequação do paradigma em vigência. Em
consonância com o provérbio que diz que o mau carpinteiro põe a culpa nas
ferramentas,“O fracasso em alcançar uma solução desacredita somente o
cientista e não a teoria” (NETO, 2011, p. 351)

A forte, contundente e organizada resistência observada no Estado de São


Paulo que até o momento logrou impedir a implementação de grande parte destas
medidas muito bem exemplifica essa dificuldade. Até por isso, o esforço empenhado
deve ser ainda maior neste momento inicial de transição da crise paradigmática. A
partir do momento em que os primeiros passos são dados, e o sistema passa a se
movimentar e, gradualmente, a resistência passa a diminuir, invertendo-se a
tendência da inércia haja vista que o movimento de mudança do sistema passará a
ser o referencial e nesse sentido tenderá a permanecer.
Agregar força suficiente para alterar a inércia do sistema não é simples nem
fácil mas, como destaca Neto (2011, p. 353) é a grande missão a ser
desempenhada nos momentos de crise paradigmática, que hoje se vivencia na área
da segurança pública:
Se numa época de prática ordinária a tarefa que cabe ao cientista é a
menos nobre, o reprodutivismo, em períodos de crise paradigmática recai
sobre ele a meta elevadíssima de levar a revolução a cabo. Em períodos de
crise paradigmática, essa epistemologia oferece a consciência do sentido
altamente conseqüente e revolucionário da atuação dos cientistas, apta a
decidir os rumos de uma especialidade e alavancar o efetivo progresso da
ciência. Eis um importante reflexo da filosofia kuhniana para as Ciências
Humanas hodiernas: a percepção de que é preciso se engajar na resolução
da atual crise paradigmática. (NETO, 2011, p. 353)

Portanto, uma vez reconhecida a crise paradigmática e necessidade de


transição de um sistema calcado na defesa da exclusividade de atribuições e
autoridades para um sistema calcado na eficiência das instituições e do serviço
prestado ao cidadão, assim como identificadas as medidas iniciais e de extrema
relevância para alavancar o processo de transição, dentre as quais se insere o
objeto do presente trabalho, qual seja, a adoção do Boletim de Ocorrência Eletrônico
(BOe) da PMESP como registro válido de ocorrências criminais para o cidadão e,
consequentemente, como fonte primária de estatística criminal e de produtividade
policial, importa demonstrar a viabilidade jurídica para a implementação deste
procedimento no atual sistema de segurança pública, independentemente das
prováveis mudanças estruturais advindas das desejáveis reformas constitucionais.
83

A indicação e argumentos que comprovam essa viabilidade irão subsidiar os


esforços necessários para vencer as resistências fundamentadas no paradigma a
ser substituído e, dentro do processo de transição, consolidar o movimento do
sistema em direção ao novo paradigma fundamentado na eficiência das instituições
e foco no cidadão.
Para tanto, inicialmente pode-se apresentar alguns dos fundamentos que
autorizam a elaboração do Termo Circunstanciado por toda e qualquer autoridade
policial, nos exatos termos previstos pela legislação federal há mais de 25 anos.
A demonstração no sentido de que não há óbice, mas pelo contrário, uma
determinação legal para elaboração de Termo Circunstanciado pela Polícia Militar,
por exemplo, soluciona a discussão sobre a possibilidade do reconhecimento do
Boletim de Ocorrência Eletrônico como registro policial de evento criminal oficial e
válido para todos os fins tendo em vista que o Termo Circunstanciado nada mais é
do que um Boletim de Ocorrência detalhado (circunstanciado) que além da
finalidade do registro em si, que subsidiaria posteriores medidas de investigação da
infração penal noticiada, destina-se diretamente ao Poder Judiciário exatamente por
dispensar, em regra, medidas posteriores de investigação em virtude do menor
potencial ofensivo do crime e maior simplicidade da persecução penal aplicável a
tais hipóteses.
Ora, se a elaboração de Termo Circusntanciado de Ocorrência para
infrações de menor potencial ofensivo é, nos termos constitucionais e legais, uma
das atribuições da Polícia Militar, logicamente que elaborar registros policiais a
respeito da simples notícia de uma infração penal, também o é. Isso não significa
que eventual reconhecimento acerca da impossibilidade de elaboração de Termo
Circunstanciado pela Polícia Militar também resultaria no impedimento do
reconhecimento do Boletim de Ocorrência lavrado pela Polícia Militar como
documento oficial de registro de evento criminal, pois ambos (BO e TC) possuem
finalidades e naturezas distintas, mas logicamente que resolvida a questão do TC
resolvida estaria a questão do BO.
Se a Lei Federal que estabeleceu o Termo Circunstanciado lavrado por
qualquer autoridade policial foi promulgada em 1995, ou seja, está em vigor há 25
anos, em uma situação de normalidade qualquer dúvida ou questionamento a
respeito de sua interpretação já teria sido solucionada, mesmo se houvesse a
necessidade de manifestação do Supremo Tribunal Federal. Contudo, é necessário
84

lembrar que a o sistema de segurança pública brasileiro encontra-se no contexto de


uma crise paradigmática e de transição, logo, não surpreende o fato da questão
ainda ser objeto de controvérsias e não esteja pacificada, sequer, como se verá, no
Supremo Tribunal Federal.
No presente estudo, defende-se, como já ficou claro, a elaboração do Termo
Circunstanciado de Ocorrência por qualquer instituição policial em virtude da
necessidade do sistema de segurança pública guiar-se do modo mais breve
possível, a partir do paradigma da eficiência e foco no cidadão. Óbvio, portanto, que
aqui partilha-se dos argumentos jurídicos no sentido da possibilidade da lavratura do
Termo Circusntanciado de Ocorrência pela Polícia Militar, consoante o já previsto no
ordenamento jurídico atual, tendo em vista que referido procedimento, sob esta
perspectiva, não é ato de polícia judiciária e, portanto, não pode ser atribuído
exclusivamente às polícias civis e federal. Os argumentos e fundamentos deste
posicionamento são sintetizados por Dominici e Teza (2015) no texto abaixo:

Ensina Lazzarini (2003, p. 256) que a autoridade policial é um “agente


administrativo que exerce atividade policial, tendo o poder de se impor a
outrem nos termos da lei, conforme o consenso daqueles mesmos sobre os
quais sua autoridade é exercida”.
Corroborando esse entendimento, dispõe o Ato nº 1 do Provimento n.
4/1999, de lavra da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa
Catarina, que autoridade policial “é o agente do Poder Público com
possibilidade de interferir na vida da pessoa natural, enquanto o qualificativo
policial é utilizado para designar o servidor encarregado do policiamento
preventivo ou repressivo”.
Por autoridade policial, deve ser entendido “o agente dos órgãos da
Segurança Pública dos Estados-membros, policial civil ou militar, que atua
no policiamento ostensivo ou investigatório” (KASSBURG, 2006, p. 33).
Nessa perspectiva, é relativo, e não absoluto, o conceito da expressão
“autoridade policial”, posto que sua interpretação varia de acordo com a lei e
o ato a ser praticado.
Logo, não há que se afirmar de maneira absoluta que a expressão
“autoridade policial” remete tão somente às Polícias Civis, Militares ou
Federais, de sorte que mencionada expressão não engloba a pessoa do
policial, mas sim a função por este desempenhada.
Feitas as sobreditas considerações, passa-se à análise das atribuições da
Polícia Militar ampliadas pela legislação, doutrina e jurisprudência dos
tribunais.
[…]
Diante da recorrente prática de ato de polícia judiciária por parte dos
policiais militares do Estado de Santa Catarina, em que pese à lavratura do
termo circunstanciado nos crimes de menor potencial ofensivo, a
Procuradoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, por meio do
Parecer n. 229/2002, reconheceu que o policial militar constitui-se
autoridade competente para a lavratura do termo circunstanciado, não
caracterizando assim função de polícia judiciária, posto dispensar qualquer
investigação, tendo em vista ainda que:
A autoridade policial a que se refere o parágrafo único do art. 69 da Lei n.
9.099/1995 é o policial civil ou militar, exegese esta orientada pelos
85

princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e


celeridade prescript nos arts. 2. e 62 da citada lei e art. 98, I, da Constituição
Federal.
No mesmo sentido foi o entendimento da Corregedoria-Geral do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, por meio do Provimento n. 34/2000, ao
sublinhar que a autoridade policial, seja civil ou militar, tendo conhecimento
da ocorrência, “lavrar. termo circunstanciado, comunicando-se com a
Secretaria do Juizado Especial para agendamento da audiência preliminar,
com intimação imediata dos envolvidos”.
A esse respeito, pondera Lazzarini (1999, p. 269) que, para os fins do
disposto na Lei dos Juizados Especiais C.veis e Criminais, em momento
algum, a legislação diferencia a atividade de Polícia Civil da atividade de
Polícia Militar. J. Damásio de Jesus (1989, p. 234) pontifica que “‘autoridade
policial’, para os estritos fins da Lei n. 9.099/1995, compreende qualquer
servidor público que tenha atribuições de exercer o policiamento, preventivo
ou repressivo”.
O Tribunal de Justi.a do Estado de Santa Catarina, no julgamento do
Habeas Corpus n. 2000.002909-2, deixou assente que, nos crimes de
menor potencial ofensivo, com previsão na Lei dos Juizados Especiais
Criminais, e interpretando-se adequadamente a “expressão ‘autoridade
policial’ contida no art. 69 da Lei n. 9.099/1995, admite-se lavratura de
termo circunstanciado por policial militar, sem exclusão de idêntica atividade
do Delegado de Polícia”.
Pacificando a sobredita quest.o, em sede de controle concentrado de
constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido cautelar (ADI) n. 2618,
ajuizada pelo Partido Social Liberal (PSL), questionando a
inconstitucionalidade do Provimento n. 34/2000, da Corregedoria-Geral do
Tribunal de Justiça do Paraná, que, por unanimidade, decidiu:
[...] É de se concluir, pois, que a presente ação direta de
inconstitucionalidade não pode ser conhecida. No concernente ao mérito,
também, não assiste razão ao Partido requerente, porquanto inexiste
afronta ao art. 22, inciso I, da Constituição Federal, visto que o texto
impugnado não dispõe sobre direito processual ao atribuir à autoridade
policial militar competência para lavrar termo circunstanciado a ser
comunicado ao juizado especial. Não se vislumbra, ainda, nem mesmo
afronta ao disposto nos incisos IV e V, e parágrafos 4º e 5º, do art. 144, da
Constituição Federal, em razão de não estar configurada ofensa à
repartição constitucional de competências entre as polícias civil e militar,
além de tratar, especificamente, de segurança nacional. (STF, ADI 2618,
Relator Min. Carlos Velloso, julgamento 03/05/2002, DJ 14/05/2002).

Em 2017 o Supremo Tribunal Federal mais uma vez manifestou-se pela


viabilidade da lavratura de Termo Circunstanciado pelas polícias militares:

Portanto, no âmbito do Juizado Especial Criminal, há dispensa de


instauração de Inquérito Policial, conforme leciona doutrina especializada:
‘O inquérito policial, portanto, se vê substituído pela elaboração de um
relatório sumário, contendo a identificação das partes envolvidas, a menção
à infração praticada, bem como todos os dados básicos e fundamentais que
possibilitem a perfeita individualização dos fatos, a indicação das provas,
com o rol de testemunhas, quando houver, e, se possível, um croqui, na
hipótese de acidente de trânsito. Tal documento é denominado termo
circunstanciado.’ - Manual de Direito Processual Penal, Renato Brasileiro,
2014, p. 1377. Nesse contexto, observa-se que o Termo de Ocorrência
Circunstanciado é uma peça de informação diversa do Inquérito Policial, de
natureza não investigativa, mas assemelhada a notitia criminis, a qual
poderia ser realizada por qualquer pessoa do povo após o conhecimento da
86

prática de uma infração penal, nos termos do art. 5o, § 3o, do CPP. Dentro
de uma interpretação sistemática do Microssistema dos Juizados Especiais,
especialmente em decorrência da informalidade e celeridade que norteiam o
procedimento sumaríssimo, inexiste nulidade nos Termos de Ocorrência
Circunstanciados quando lavrados pela Polícia Militar.(...)Registro por
oportuno que, na Reclamação 6612/SE, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe
6.3.2009, esta Corte especificamente analisou a mesma matéria que agora
se apresenta, com a diferença de que, na reclamação mencionada, o
dispositivo questionado era o Provimento 13/2008, da Corregedoria-Geral
de Justiça do Estado de Sergipe, que: “dispõe sobre o recebimento de
Termo de Ocorrência Circunstanciado lavrado pela Polícia Militar, no âmbito
dos Juizados Especiais Criminais do Estado de Sergipe e dá outras
providências”. Transcrevo trecho da decisão da Min. Cármen, na referida
reclamação: “Cumpre ainda que se divise, no entanto, se o ato de lavrar um
termo circunstanciado se limita à formalização de um relato devido por
praça que atenda a um chamado do cidadão, ou se se dá em um ato mais
elaborado, a ‘tomar lugar jurídico de delegado de polícia’, envolvendo um
juízo jurídico de avaliação (técnica), como mesmo reconhecido pelo Ministro
Cezar Peluso em seu voto na Ação Direta da Inconstitucionalidade no
3.614/PR. Na mesma assentada consta o registro do Ministro Gilmar
Mendes (vencido na ocasião), remetendo-se ao voto do Ministro Celso de
Melo, em que destaca algo que para o caso agora apreciado muito
interessa: ‘(...) Por outro lado, a própria expressão ‘termo circunstanciado’
remete, como agora destacado pelo Ministro Celso de Melo, à Lei n. 9.099,
que, na verdade, não é função primacial da autoridade policial civil. A
doutrina registra que essa é uma função que pode ser exercida por qualquer
autoridade policial. (...)” Em caso idêntico por mim já julgado, RE
1.051.393/SE, DJe 1o.8.2017, transitado em julgado em 13.9.2017, destaco
do parecer ofertado pela PGR o seguinte trecho: “28. A interpretação
restritiva que o recorrente quer conferir ao termo ‘autoridade policial’, que
consta do art. 69 da Lei no 9.099/95, não se compatibiliza com o art. 144 da
Constituição Federal, que não faz essa distinção. Pela norma constitucional,
todos os agentes que integram os órgãos de segurança pública – polícia
federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, policias civis,
polícia militares e corpos de bombeiros militares –, cada um na sua área
específica de atuação, são autoridades policiais”. Assim, o entendimento
adotado pela Turma Recursal do Estado de Sergipe da Comarca de Aracaju
não diverge do entendimento desta Corte. Ante o exposto, nego seguimento
ao recurso (art. 21, § 1o, do RISTF) ((RE 1050631, Relator(a): Min. GILMAR
MENDES, julgado em 22/09/2017, publicado em PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-221 DIVULG 27/09/2017 PUBLIC 28/09/2017). (STF,
2017)

Obviamente que não faltam argumentos e fundamentos àqueles que


defendem a manutenção do atual sistema de segurança pública estruturado no
modelo policial napoleônico oitocentista. As fundamentações apresentadas nas
emendas parlamentares relativas ao Projeto de Lei 928/14 já analisado assim como
a recente decisão de primeira instância da Justiça Federal do Distrito Federal que
suspendeu liminarmente o dispositivo do Decreto que autorizava a Polícia
Rodoviária Federal a elaborar Termo Circunstanciado de Ocorrência, igualmente
87

abordada em tópicos anteriores, sintetizam os argumentos contrários a esta


inovação.
Por mais que o tema seja objeto de diversos artigos, estudos, notas
técnicas, pareceres e posicionamentos apresentados pelos mais diversos
interessados na questão, manifestações estas que apresentam, cada qual julgados
pontuais e que lhes favoreçam, o fato é que atualmente, não há pacificação sobre o
tema que se encontra pendente de julgamento perante o STF. O Conselho Nacional
de Justiça, inclusive, manifestou-se em 2018, no sentido de que não lhe compete
manifestar-se sobre a questão visto que a deliberação final a respeito da
constitucionalidade da medida compete ao STF (CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA, 2018). O mesmo posicionamento foi adotado, em 2019, pela Advocacia
Geral da União em parecer que exemplifica de modo claro a controvérsia, a
pendência de análise pelo STF e a existência de “uma razoável interpretação
normativa que indica ser viável lavratura de TCO pela PRF” que, inclusive, já
“dispensou recursos financeiros e humanos para a implementação da rotina de
lavratura de TCO, sendo que já lavrou mais de mais de 50.000 TCOs”. Pela
consistente síntese e clareza a respeito do tema, transcreve-se trecho de referido
parecer:

10. A controvérsia posta nos autos, e que já foi analisada por esta
Consultoria Jurídica e pela Consultoria-Geral da União em algumas
oportunidades é a seguinte: Diante do Art. 69 da Lei no 9.099/95, a Polícia
Rodoviária Federal pode lavrar termo circunstanciado de ocorrência - TCO,
o qual restringe-se aos crimes de menor potencial ofensivo? Essa questão
envolve divergências tanto doutrinárias quanto jurisprudenciais, as quais,
muito embora foram expostas no PARECER n. 00475/2019/CONJUR-
MJSP/CGU/AGU, convém aqui renová-las resumidamente, ao passo em
que aproveita-se para fazer remissão à integralidade deste parecer.
O referido Art. 69 da Lei no 9.099/95 assim dispõe:
Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará
termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o
autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames
periciais necessários
Analisando esse diploma, parte da doutrina entende ser possível que polícia
não judiciária lavre TCO. Por todos, cita-
se Damásio de Jesus, segundo o qual o TCO consiste em "registro oficial de
ocorrência, sem qualquer necessidade de tipificação legal do fato, bastando
a probabilidade de que constitua alguma infração penal. Não é preciso
qualquer tipo de formação técnico-jurídica para se efetuar esse relato" pelo
que "[a] lei, em momento algum, conferiu exclusividade da lavratura do
termo circunstanciado às autoridades policiais, em sentido estrito" (g.n.)
(JESUS, Damásio de. Lei dos Juizados Especiais Anotada. Ed. Saraiva: 12a
ed, 2011, p. 46-54).
13. Por outro lado, parte da doutrina defende "a apuração das infrações
penais cabe à polícia federal e às polícias civis,segundo dispõem os §§ 1o,
I, e 4o do art. 144 da Constituição Federal. Às demais polícias, a polícia
88

fardada, militar, cabe o patrulhamento ostensivo das rodovias e ferro-vias e


a preservação da ordem pública" (TOURINHO NETO, Fernando da Costa.
Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais – Comentários à Lei
9.099/1995. Ed. Saraiva: 2017, 8a ed, p. 650-651).
14. Quanto ao Poder Judiciário, houve o julgamento da ADI no 3.614/PR, a
qual teve por objeto um decreto estadual que permitia à algumas
autoridades da polícia militar lavrarem termo circunstanciado. A ADI foi
julgada procedente, nos seguintes termos:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DECRETO N. 1.557/2003 DO
ESTADO DO PARANÁ, QUE ATRIBUI A SUBTENENTES OU
SARGENTOS COMBATENTES O ATENDIMENTO NAS DELEGACIAS DE
POLÍCIA, NOS MUNICÍPIOS QUE NÃO DISPÕEM DE SERVIDOR DE
CARREIRA PARA O DESEMPENHO DAS FUNÇÕES DE DELEGADO DE
POLÍCIA. DESVIO DE FUNÇÃO. OFENSA AO ART. 144, CAPUT, INC. IV E
V E §§ 4o E 5o, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO DIRETA
JULGADA PROCEDENTE.(ADI 3614, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Relator(a) p/ Acórdão: Min.
15. Todavia, ao julgar a Reclamação no 6612, a a Min. Cármen Lúcia
explicou que os limites da referida ADI foram no sentido da impossibilidade
de policiais militares substituírem Delegado de Polícia, e não pela
impossibilidade patente deles lavrarem TCO[1]. Contraditoriamente, o Min.
Fux, ao julgar definitiva e monocraticamente o RE no 702.617 assentou que
o "Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, ao julgar a ADI no 3.614,
que teve a Ministra Cármen como redatora para o acórdão, pacificou o
entendimento segundo o qual a atribuição de polícia judiciária compete à
Polícia Civil, devendo o Termo Circunstanciado ser por ela lavrado, sob
pena de usurpação de função pela Polícia Militar". Em face dessa decisão
monocrática foi tirado agravo interno, que manteve a decisão unipessoal[2].
Além disso, mais recentemente, o Min. Gilmar Mendes, em decisão
monocrática definitiva, julgou o RE 1.050.631[3] para renovar seu
entendimento no sentido da possibilidade da policia militar lavrar TCO. Esse
recurso extraordinário foi tirado contra acórdão do Tribunal de Justiça do
Estado de Sergipe, no qual se reconheceu a viabilidade da polícia militar
lavrar TCO. O Ministro entendeu que "inexiste nulidade nos Termos de
Ocorrência Circunstanciados quando lavrados pela Polícia Militar".
16. Ainda sobre esse questão, destaca-se que até a presente data pendem
de decisão definitiva no STF o julgamento da ADI no 4.447/DF , de relatoria
do Min. Marco Aurélio, e da ADI no 537MC, de relatoria do Min. Fachin, nas
quais se discute a possibilidade da polícia militar lavrar TCO.
17. Portanto, sobressai evidente a divergência doutrinária e jurisprudencial
sobre o ponto, sendo que o STF ainda não pacificou o tema. Essa situação
controversa propicia eventos indesejados para a Administração Pública
Federal, tais como o entendimento de alguns Delegados de Polícia Federal,
no sentido de tipificar como crime de usurpação de função pública (Art. 328
do Código Penal) a lavratura de TCO por policiais rodoviários federais.
18. A Polícia Federal assentou, em sua manifestação de PARECER No
055/2019-SELP/COGER (pgs. 03/13 do SEI 8020166), que "[n]o que se
refere à usurpação das funções de polícia judiciária, cumpre destacar que
diversas instituições que não possuem atribuições para o exercício das
atividades de polícia judiciária, vêm buscando exercê-las ao arrepio da
Constituição Federal e da legislação em vigor. (...). No entanto, impende
destacar que, a despeito de sua importância no sistema de segurança
pública brasileiro, a Polícia Rodoviária Federal não detém atribuição
constitucional para o exercício de quaisquer atos de polícia judiciária,
incumbindo-lhe apenas o patrulhamento ostensivo das rodovias federais, a
teor do art. 144, IV, § 2o, da Constituição Federal".
19. Consta nestes autos (seq. 02) que a Polícia Federal instaurava
inquéritos policiais, pelo crime de usurpação de função pública, em face de
policiais da PRF que lavrassem TCO e, em razão disso, o Ministério Público
Federal recomendou a paralisação de tal conduta.
89

20. No bojo do Parecer no 61/2014/CEP/CONJUR/MJ (nup


08000.0295/2013-68; 00490.004562/2013-81 - pgs. 55/61 da seq 01 do
00688.001784/2014-15), há notícia de que a polícia civil do Estado da
Paraíba já ameaçou a PRF de instaurar inquérito policial pelo crime de
usurpação de função pública, bem como notícia de conflito entre a PRF e a
polícia civil de Taubaté/SP e da capital São Paulo/SP, pelos mesmos
motivos.
21. Nesse contexto, pode-se inferir que, de fato, policiais rodoviários
federais são alvo de inquéritos policiais, por suposto crime tipificado no Art.
328 do CP, quando lavram TCO. Apesar da Consultoria-Geral da União ter
prolatado a Nota DECOR/CGU/AGU no 328/2009-MCL, em que entendeu
pela viabilidade da PRF lavrar TCO, bem como superando as divergências
doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, a Polícia Federal e algumas
polícias civis estaduais vêm instaurando inquérito policial em desfavor de
policiais rodoviários federais.
22. Essa situação é adversa porque existe uma razoável interpretação
normativa que indica ser viável lavratura de TCO pela PRF, fundamentada
nas seguintes razões:
1. o juizado especial criminal é regido pelos princípios da oralidade,
simplicidade e informalidade, conforme Art. 2o da Lei no 9.099/95, pelo que
o TCO, previsto na mesma lei, deve analisado segundo tais princípios,
2. nessa esteira, sobressai indevido realizar interpretação rígida do termo
"autoridade policial", previsto no Art. 69 da Lei no 9.099/95, consoante o
supracitado entendimento de Damásio de Jesus
Parecer n. 00671/2019/CONJUR-MJSP/CGU/AGU (9017547) SEI
00734.001143/2019-72 / pg. 4
o TCO não consubstancia inquérito policial, razão pela qual reforça-se a
desnecessidade de lavratura por Delegado de Polícia;
o Art. 4o, parágrafo único, do Código de Processo Penal[4] assenta que a
autoridade de polícia judiciária não exclui a competência de autoridade
administrativa
este Art. 4o, parágrafo único, do CPP é compatível com o Art. 144, § 4o da
Constituição Federal[5], que atribuem aos delegados de polícia civil dirigir as
funções de polícia judiciária;
conforme Damásio de Jesus, "[n]o caso da Lei n. 9.099, contudo, não existe
função investigatória nem atividade de polícia judiciária" [6]
assim, considerando que um policial rodoviário federal, embora não exerça
função de polícia judiciária, pode ser classificado como autoridade
administrativa, e considerando lavratura de TCO não é atividade de polícia
judiciária, então conclui-se que a PRF pode sim lavrar TCO.
o Enunciado no 34 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais assenta que
" [a]tendidas as peculiaridades locais, o termo circunstanciado poderá ser
lavrado pela Polícia Civil ou Militar"
(https://www.cnj.jus.br/corregedoriacnj/redescobrindo-os-juizados-
especiais/enunciados-fonaje/enunciados- criminais. Acessado em
12.06.2019)
23. Com efeito, considerando i) essa razoável interpretação teleológica-
sistemática, que aponta pela viabilidade da PRF lavrar TCO, ii) que a Nota
DECOR/CGU/AGU no 328/2009-MCL permite que a PRF lavre TCO, iii) que
o Regimento Interno da PRF permite a lavratura de TCO[7], iv) que a PRF já
dispensou recursos financeiros e humanos para a implementação da rotina
de lavratura de TCO, sendo que já lavrou mais de mais de 50.000 TCOs
(conforme NOTA TÉCNICA no 3/2019/COMISSÕES-DG/GAB - seq. 15 do
Sapiens), então realmente sobressai incompatível que Polícia Federal
proceda à instauração de inquérito policial em desfavor de policial rodoviário
federal que lavre TCO.
24. Concorda-se com a Recomendação no 7/2019 do Ministério Público
Federal (SEI 8603778 do Processo no 00734.001143/2019-72), a qual
considera a lavratura de TCO pela PRF como fato atípico.
90

25. Desta feita, com vistas à conferir segurança jurídica à uma atividade que
já vêm sendo exercida pela PRF, de forma fundamentada na Portaria no
224, de 05/12/2018 e na Nota DECOR/CGU/AGU no 328/2009-MCL, então
é de sugerir que os Delegados de Polícia Federal evitem a instauração de
inquérito policial.

Enquanto as naturais controvérsias inerentes a um período de transição


persistem, a realidade, como sempre e logicamente, se antecipa ao direito para,
depois, transformá-lo. Assim, diante da necessidade de evolução do sistema de
segurança público brasileiro e de atendimento das demandas sociais e melhoria do
serviço público prestado à população, atualmente, mais de um terço dos Estados
brasileiros já implementaram, por meio de normas estaduais, a determinação legal
contida no art. 69 da Lei Federal nº 9.099/95. A figura abaixo, resultante de
levantamento realizado pelo Conselho Nacional dos Comandantes Gerais das
Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, apresenta os Estados em que, de
algum modo, as polícias militares estão elaborando o Termo Circusntanciado de
Ocorrência Policial:

Mapa 3 – Estados nos quais a Polícia Militar elabora Termo Circunstanciado

Fonte: Conselho Nacional dos Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares, 2019.

Os argumentos supracitados demonstram a viabilidade jurídica da atual


possibilidade de elaboração de Termos Circunstanciados de Ocorrência por
qualquer uma das instituições policiais existentes no Brasil o que engloba,
logicamente, as polícias militares que compõe o maior efetivo policial do país e são
responsáveis, diariamente, pelos milhares de atendimentos diretos a todos os
brasileiros nos mais distantes locais aos principais centros urbanos.
91

Se a lei prevê expressamente o vocábulo “autoridade policial” e onze


unidades da Federação e a Polícia Rodoviária Federal 25 elaboram há anos o
procedimento que favorece anualmente centenas de milhares de cidadãos. Se o
tema, ainda que pendente de manifestação definitiva, foi objeto de diversas decisões
do STF no sentido da constitucionalidade da elaboração do Termo Circunstanciado
pelas polícias militares por não se confundirem com atos de polícia judiciária,
entende-se clara a viabilidade da medida consoante o previsto pelo atual
ordenamento jurídico brasileiro independentemtne das evoluções provavelmente
advindas em reformas constitucionais futuras que visem aperfeiçoar o modelo
policial brasileiro em consonância com o novo paradigma da eficiência das
instituições e da autoridade e do foco nos cidadãos.
Uma vez apresentada a viabilidade da elaboração do Termo Circunstanciado
pelas polícias militares, resta facilitado o caminho para demonstração da legalidade
do reconhecimento do Boletim de Ocorrência Eletrônico da PMESP como
documento oficial de registro criminal.
Antes porém, no mesmo sentido de demonstrar que muitas das evoluções
do sistema de segurança pública prescindem de alterações constitucionais vale
ainda citar uma outra solução inovadora e emergente que vem sendo desenhada a
respeito de um outro procedimento policial que é hoje compreendido de forma
inconteste pela grande maioria da doutrina como ato de polícia judiciária e, portanto
e em tese, de atribuição exclusiva das polícias judiciárias sob as regras do
paradigma do modelo policial napoleônico oitocentista, mas que poderia muito bem
ser compreendido como um procedimento policial comum e simplificar a atividade
policial e, por consequência melhorar o serviço público prestado aos cidadãos sem
que houvesse necessidade de mudanças constitucionais em relação ao atual
sistema de segurança pública brasileiro.
Trata-se de entendimento que começa a ser defendido no âmbito doutrinário
em relação ao Auto de Prisão em Flagrante Delito elaborado nas hipóteses em que
o autor do crime, que não seja de menor potencial ofensivo, é preso nas hipóteses
previstas em lei. Em tais hipóteses, já há doutrinadores que defendem a
possibilidade da lavratura destes procedimentos pelos policiais militares, mais uma

25
A recente decisão judicial que suspendeu dispositivo do Decreto Federal que dispõe sobre este
procedimento foi proferida em primeira instância e em sede liminar. O Decreto, que consolida
procedimento já realizado pela Polícia Rodoviária Federal representa o posicionamento do Ministério
da Justiça e a Presidência da República.
92

vez com base no paradigma da eficiência das instituições e atribuições e foco no


cidadão. Neste sentido pode-se citar posicionamentos de Dominici e Teza (2015) e
Cândido (2018, p.145):

Diante dos indicativos adotados, defende-se que a Polícia Civil continue


com as atuais incumbências, mas se concentrando na apuração dos crimes
de autoria desconhecida, permitindo-se, inclusive, que se especialize no
combate à criminalidade organizada, que tanto tem assolado e intimidado
as comunidades.
Vê-se isso com bastante clareza, pois, empiricamente, pode-se concluir
que, ao ser liberada da manutenção de estruturas para lavrar os
registros das prisões/apreensões em flagrante, bem como os TCs e
BOs, os quais seriam efetuadas pela Polícia Militar, quando seus
agentes (policiais militares) se deparassem com as ocorrências que
dessem origem a tais registros, a Polícia Civil poderia focar-se na
missão primordial de agência policial investigativa e de apuração
criminal.
Para a efetivação dessa medida, bastaria que os governos estaduais, ao
fixarem quais, dentro do Estado, seriam as autoridades para efeito do que
estabelece o art. 4º do Código de Processo Penal (CPP), aí incluíssem,
com o fim exclusivo de lavrar os flagrantes realizados por policiais
militares, Oficiais da Polícia Militar. Assim sendo, desafogar-se-ia o
trabalho da Polícia Civil, que se desobrigaria de manter tais estruturas para
atender os policiais militares, evitando o desperdício de tempo hoje
verificado nas delegacias de polícia.
Os Oficiais da Polícia Militar têm a prática da presidência de inquéritos e
flagrantes de crimes considerados militares. Em vários estados da
Federação, Oficiais da Polícia Militar já até receberam essa delegação do
governo do Estado, ou por meio de provimentos do Judiciário. O dado novo
é que não precisariam mudar de polícia – como ocorre nesses Estados –
para exercer essa “autoridade policial judiciária”.
Dentro dos critérios avaliados pelo pesquisador, trata-se de uma forma
simples de aproveitamento máximo das estruturas físicas existentes, sem a
necessidade de gastos exorbitantes do poder público com novos prédios e
espaços, o que revela uma solução de economia maior de recursos
financeiros.
É cristalino que a operacionalização de tal modelo revela-se extremamente
simples, pelo que está muito mais voltada a conscientização dos atores
envolvidos e ajustes em termos de treinamento de pessoal em busca do
rompimento de um paradigma.
Tal medida, alem de útil, simples e econômica, é a mais racional, visto que
permitiria o “surgimento” de uma polícia judiciária (doutrina dominante)
altamente especializada, voltada para a grande criminalidade organizada e
crimes de autoria desconhecida, bem como, a eliminação dos conflitos de
atribuição entre as duas agências policiais estaduais.
Das propostas de mudança no modelo policial brasileiro de que se tem
notícia, esta é uma das que apresentaria um menor nível de tensão
institucional, pois, em verdade, não se abalam estruturas
organizacionais, não se extinguem cargos, não se unificam
instituições visceralmente diferentes, não se desmilitariza a Polícia
Militar e nem se militariza a Polícia Civil.
Por fim, há de se falar da eficiência do modelo policial na esfera
estadual, onde se verifica que vários estudos apontam a necessidade
de haver uma maior preocupação dos gestores das polícias e
condutores das investigações, com a melhoria dos seus resultados,
sobremaneira no que se refere a capacidade da polícia de elucidar os
chamados crimes de autoria desconhecida. (CÂNDIDO, 2018, p. xx)
93

Dessume-se assim que o policial militar, ao lavrar tanto o Termo


Circunstanciado nos crimes de menor potencial ofensivo quanto o Auto de
Prisão em Flagrante nos crimes comuns, não estarão. usurpando função
constitucionalmente atribuída à Polícia Civil, visto que a Lei n. 9099/1995 e
o artigo 304 do CPP, ao fazerem menção à autoridade competente para
formalizar o TCO e o APF, não o fazem dando exclusividade ao Delegado
de Polícia, mas à autoridade que exerça atividade de policiamento, seja
repressiva ou ostensiva
[…]
Ilustra Colpani (2009, p. 34), como exemplo prático de competência
subsidiária da Polícia Militar, o Auto de Prisão em Flagrante nos crimes
comuns lavrado por Oficiais da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina,
no município de Caçador, no crime de contrabando, cuja atribuição foi fruto
do conv.nio firmado entre a Polícia Militar catarinense e a Procuradoria
Federal, tendo em vista a ineficiência da Polícia Federal
naquela localidade.
Não constitui óbice aos Oficiais da Polícia Militar a lavratura do Auto de
Prisão em Flagrante nos crimes comuns, em situações excepcionais, uma
vez que seria a prática de um ato imprescindível à restauração da ordem
pública. Exemplo ilustrativo de competência subsidiária exercida pela
Polícia Militar, ante a falência operacional da Polícia Civil em razão de
greve, foi a edição do Decreto Estadual de Alagoas n. 3973, de 30 de
setembro de 2008, que declarou situaçãoo de emergência de perigo
eminente na àrea de segurança pública, tendo, nessa oportunidade, o
Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, por meio do Provimento n.
3/2008, autorizado os Oficiais Superiores da Polícia Militar a procederem,
em caráter emergencial, a lavratura de Autos de Prisão em Flagrante nos
crimes comuns.
[…]
Nessa perspectiva, a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante pelos
Oficiais da Polícia Militar nos crimes comuns constitui-se uma ferramenta de
cidadania, de sorte que tornará a prestação dos serviços de segurança
muito mais céleres e eficientes, o que traz muitos benefícios à população.

É de se notar que se os atos de pol.cia judici.ria forem desenvolvidos por


policiais militares, sociedade e Administração Pública serão os maiores
beneficiados, posto que esta ganhará em economia processual e aquela
terá menos gastos de energia e temp com o atendimento, de sorte que as
pessoas não precisarão fazer o deslocamento até Delegacia de Polícia
para um segundo registro do mesmo fato.
A atribuição, à Polícia Militar, da atividade de polícia judiciária, sobremaneira
no tocante à lavratura do Auto de Prisão em Flagrante nos crimes comuns,
promoverá a desburocratização dos procedimentos, dando mais celeridade
e eficiência a atendimento, que ocorrerá no próprio local dos fatos, evitando,
com isso, transtornos e dispensa das partes ao Distrito Policial, que, por
vezes, estã localizado a uma distância considerável do local onde
ocorreram os fatos. (DOMINICI;TEZA, 2015, p. 47 a 53)

Obviamente que a questão da possibilidade, ou não, da lavratura do Auto de


Prisão em Flagrante pela Polícia Militar não é objeto do presente estudo, entretanto,
o posicionamento, bem fundamentado pelos referidos autores, no sentido de que
sequer o Auto de Prisão em Flagrante caracteriza-se como um ato de polícia
judiciária e, por tal motivo e a fim de conferir maior racionalidade e eficiência ao
sistema, poderiam ser realizados por policiais militares, tem, aqui, a finalidade
instrumental de demonstrar que algumas das “verdades absolutas” a respeito do
94

sistema de segurança pública pátrio nada mais são do que regras decorrentes do
paradigma da “exclusividade do exercício da autoridade policial e das atribuições
das instituições policiais” e não interpretações extraídas de modo incontestável e
claro do ordenamento jurídico brasileiro.
A inovação sugerida pelos autores, de que policiais militares passem a
elaborar o Auto de Prisão em Flagrante para simplificação e melhoria do serviço
prestado demonstra, mais uma vez que, dentro do contexto de crise paradigmática
vivenciado pelo sistema de segurança pública brasileiro, já está sendo desenhado o
paradigma rival e emergente a substituir o já ultrapassado conceito de “polícias pela
metade”. O ineditismo da solução apresentada exemplifica as “novas realidades”,
antes inimagináveis, que surgem a partir das novas perspectivas abertas no perído
de transição de paradigmas, como explicado por Neto:

O paradigma rival trilha obviamente caminhos lógicos e metodológicos


diferentes daqueles do paradigma vigente e, por isso, está em condição de
responder a questões que aquele mais tradicional já não consegue. Kuhn
evoca a Gestalt para exemplificar tal diferença: trata-se de formas distintas
de percepção, ou melhor, cientistas de paradigmas distintos, dirigindo o
olhar para os mesmos objetos, vêem realidades igualmente distintas.
(NETO, 2011, p. 352)

Sobre esse mesmo fenômeno, Kuhn é ainda mais “poético” e tentando


explicar o que ocorre quando os profissionais, geralmente acostumados com as
regras e princípios até então inquestionáveis e consolidados no “mundo” do antigo
paradigma, se deparam com soluções inovadoras e inimagináveis construídas por
aqueles que se preocupam em avançar e resolver a crise paradigmática, afirma que:

“É como se a comunidade profissional tivesse sido subitamente


transportada para um novo planeta...” (KUHN, p. 114)

No caso específico da inovadora proposta de elaboração do Auto de Prisão


em Flagrante Delito por policiais militares, no atual sistema de segurança pública e
sem a necessidade de modificações constitucionais, a comparação realizada por
Kuhn não parece realmente exagerada.
Enfim, os posicionamentos doutrinários, jurisprudenciais e concretos a
respeito da possibilidade de elaboração, pelos policiais militares, do Termo
Circunstanciado de Ocorrência (já em curso) e até mesmo do Auto de Prisão em
Flagrante Delito (em desenvolvimento doutrinário), possuem aqui finalidades apenas
95

instrumentais no sentido de demonstrar que o atual ordenamento jurídico possibilita


a imediata aplicação de medidas inovadoras destinadas a inverter a tendência de
inércia do sistema de segurança pública brasileiro colocando-o em um movimento
de reformas direcionadas novo paradigma da eficiência e de foco no cidadão.
Alcançado esse objetivo a respeito das inovações acima abordadas, resta a
análise da proposta de reconhecimento do Boletim de Ocorrência Eletrônico da
Polícia Militar como registro oficial de ocorrência criminal que parece ser ainda mais
viável e menos controversa.
Isso porque, a ideia de que apenas o Boletim de Ocorrência “assinado” por
um Delegado de Polícia seria válido não encontra respaldo em qualquer dispositivo
legal e decorre apenas e tão somente da tradição burocrática e bacharelesca do
atual sistema estruturado, como visto, no modelo policial napoleônico oitocentista
que secciona atividades policiais, na prática, inseparáveis (administrativa/preventiva
e criminal/repressiva).
É apenas o paradigma da exclusividade do exercício da autoridade policial
que fundamenta a “lógica” da suposta obrigatoriedade do Boletim de Ocorrência ser
lavrado pela Polícia Civil e sob a tutela de um Delegado de Polícia.
É verdade que em 1941 o Código de Processo Penal previu a
obrigatoriedade da elaboração de um documento denominado Boletim Individual
composto de três vias devendo, a primeira delas, ser arquivada no “cartório policial”:

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL


Art. 809. A estatística judiciária criminal, a cargo do Instituto de
Identificação e Estatística ou repartições congêneres, terá por base
o boletim individual, que é parte integrante dos processos e versará sobre:
I - os crimes e as contravenções praticados durante o trimestre, com
especificação da natureza de cada um, meios utilizados e circunstâncias de
tempo e lugar;
II - as armas proibidas que tenham sido apreendidas;
III - o número de delinqüentes, mencionadas as infrações que praticaram,
sua nacionalidade, sexo, idade, filiação, estado civil, prole, residência,
meios de vida e condições econômicas, grau de instrução, religião, e
condições de saúde física e psíquica;
IV - o número dos casos de co-delinqüência;
V - a reincidência e os antecedentes judiciários;
VI - as sentenças condenatórias ou absolutórias, bem como as de pronúncia
ou de impronúncia;
VII - a natureza das penas impostas;
VIII - a natureza das medidas de segurança aplicadas;
IX - a suspensão condicional da execução da pena, quando concedida;
X - as concessões ou denegações de habeas corpus.
§ 1º Os dados acima enumerados constituem o mínimo exigível, podendo
ser acrescidos de outros elementos úteis ao serviço da estatística criminal.
§ 2º Esses dados serão lançados anualmente em mapa e remetidos ao
96

Serviço de Estatística Demográfica Moral e Política do Ministério da Justiça.


§ 2º Esses dados serão lançados semestralmente em mapa e remetidos ao
Serviço de Estatística Demográfica Moral e Política do Ministério da Justiça.
§ 3º O boletim individual a que se refere este artigo é dividido em três
partes destacáveis, conforme modelo anexo a este Código, e será adotado
nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios. A primeira parte ficará
arquivada no cartório policial; a segunda será remetida ao Instituto de
Identificação e Estatística, ou repartição congênere; e a terceira
acompanhará o processo, e, depois de passar em julgado a sentença
definitiva, lançados os dados finais, será enviada ao referido Instituto ou
repartição congênere.

Sobre esta inovação do Código de Processo Penal Lima, em pesquisa


destinada a analisar a produção de estatísticas no Estado de São Paulo entre os
anos de 1871 e 2000, identificou que antes do Código de Processo Penal, o então
existente Conselho Nacional de Estatística já havia editado um ato, a Resolução nº
105 de 19 de agosto de 1938, que previa a adoção do Boletim Individual com a
finalidade de coleta de dados estatísticos criminais, sendo que a inspiração para a
instituição do Boletim Individual teria sido um documento, de igual natureza, adotado
pela França em 1905 (LIMA, 2005, p. 95 a 99).
Percebe-se assim que, desde sua origem legal, o então denominado Boletim
Individual não se tratava de um ato processual ou policial mas sim de um documento
público destinado a coleta de dados estatísticos criminais. Aliás, a ideia que norteou
a instituição do Boletim Individual era extremamente interessante e visionária.
Na concepção inicial, positiva na resolução e no Código de Processo Penal,
o Boletim Individual deveria ser elaborado em três vias, permanecendo uma
arquivada no cartório policial e outra encaminhada ao órgão responsável pela
estatística criminal. A terceira via, e provavelmente mais importante deveria
acompanhar todo o processo penal para, ao final do processo, retornar ao mesmo
órgão responsável pela estatística criminal com os campos relativos aos resultados
processuais preenchidos o que possibilitaria a formação de um banco de dados
completo, com informações desde o registro inicial da ocorrência até o resultado final
do processo.
Considerando que até hoje, com toda a tecnologia existente, ainda não se
conseguiu consolidar um banco de dados que congregue todas essas informações,
o objetivo almejado com a instituição do Boletim Individual demonstrava uma
perspectiva visionária visto que permitiria um diagnóstico preciso do sistema de
justiça criminal brasileiro ainda na década de 40 do século passado.
97

No entanto, ao investigar o processamento deste Boletim Individual, Lima


constatou que em poucos anos de vigência “o artigo 809 do Código de Processo
Penal e o decreto-lei 3.993/41 não passavam de letra morta” seja pela falta de
recursos para sua operacionalização, seja pela dificuldade operacional ou ainda pela
baixa relevância política deste tipo de informação à época (2005, p. 104).
Ainda que tenha identificado alguns “hiatos” de efetivação do procedimento,
inclusive um relatório publicado em 1983 pela fundação SEADE denominado
“Crimes e contravenções, estado de São Paulo, 1978” que apresentava a “apuração
estatística de aspecto judiciário, baseada no Boletim Individual, instituído pelo
Decreto-Lei no. 39.922, de 30 de dezembro de 1941”, Lima identificou que, em geral,
desde 1941 o cumprimento do disposto no art. 809 do Código de Proceso Penal a
respeito dos Boletins Individuais era absolutamente assistemático, ainda que
remessas parciais e irregulares destes Boletins Individuais tenham sido realizadas
até o ano de 2001 para a Fundação Seade26.
Relativamente à situação do procedimento policial relativo aos Boletins
Individuais no Estado de São Paulo nos últimos anos Lima identificou que:

Ao que tudo indica, após a Portaria 36, de 1987, último ato formal da polícia
sobre os BIs, houve a orientação para paralisar o envio e o preenchimento
do boletim. Funcionários mais novos das polícias, quando indagados sobre
a obrigatoriedade prevista no Artigo 809, nem sabem do que esse último
trata e nem que precisam preencher os BIs - de acordo com a legislação os
cartórios policiais deveriam guardar a primeira parte dos BIs., porém,
segundo informações do Diretor da Delegacia de Homicídios e Proteção à
Pessoa e do Diretor da de São Paulo, esse último responsável pelas mais
antigas delegacias do município, os chamados cartórios policiais descartam
seus documentos a cada cinco anos. (LIMA, 2005, p. 116)

Isso não significa que cada Estado não estabelecesse e elaborasse seus
próprios registros policiais ou Boletins de Ocorrência. Lima identificou que em São
Paulo, no período compreendido entre 1956 e 1971, o Serviço de Organização do
Gabinete do Secretário de Segurança Pública recebia uma via dos “Boletins de
Ocorrência” para contabilização e contagem das ocorrências ainda que apenas das
Delegacias da Grande São Paulo (LIMA, 2005, p. 116). Em 1972, ainda consoante
levantamentos apresentados por Lima, as ocorrências policiais eram registradas da
seguinte forma:

26
Em 2001 a Fundação Seade dispunha de 2 milhões de Boletins Individuais armazenados e sem
condições de apuraçòes estatísticas em decorrência da irregularidade e ausência de sistematização
dos envios.
98

Para registrar as ocorrências policiais, todas as unidades da Polícia Civil


utilizavam formulários denominados Boletim de Ocorrência de Autoria
Conhecida ou Boletim de Ocorrência de Autoria Desconhecida, visto que
eram emitidas cinco vias quando o autor do fato que deu ori- gem à
ocorrência era conhecido e seis vias quando ele era desconhecido. O
destino de tais vias no DEGRAN era o seguinte: a 1ª anexada ao in- quérito
em caso de sua instauração; a 2ª . ficava na chefia da própria de- legacia; a
3ª . ia para a seccional onde é arquivada; a 4ª . para o DEGRAN; a 5ª para
a Delegacia Geral; e, por fim, a 6ª quando a autoria do fato era
desconhecida, era enviada ao DEIC. No caso do DEREX e no DERIN os
destinos são diferentes, sendo que, nesse último, eram emitidas ape- nas
duas vias, uma para arquivo e outra para ser anexada ao inquérito, quando
fosse o caso. (LIMA, 2005, p. 116)

E o Boletim elaborado pela Polícia Civil nos moldes acima, dera utilizado
como base da identificação criminal e denominado como “Boletim Criminal”:

[…] motivados pelo Artigo 6º, Alínea IX, do mesmo CPP, os operadores da
justiça e da segurança tinham de produzir um outro documento, que
versava sobre a identificação de cada pessoa criminalmente. Nesse
documento, deveriam constar informações biográficas, datiloscópicas e de
características físicas, bem como dados processuais sobre os crimes pelos
quais estavam sendo objeto de acusação, seja no Inquérito ou no processo.
Mesmo de naturezas diversas, não é de se es- tranhar, assim, que possa ter
havido confusão entre esse último documento e os Boletins Individuais, pois
entrevistado o Diretor do Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt
– IIRGD, ele afirmou que a base da identificação criminal feita em São Paulo
é um documento intitulado Boletim Criminal e que contém, basicamente,
muitas das informações dos BIs. (LIMA, 2005, p. 109)

A partir de 1974 com o início da informatização do Cadastro Criminal do


Estado de São Paulo a PRODESP (Companhia de Processamento de Dadosdo
Estado de São Paulo) passa a inserir as informações dos Boletins Criminais no
Sistema de Informações Criminais de São Paulo, que interliga os dados do Instituto
de Identificação, Poder Judiciário e Secretaria de Justiça/Administração
Penitenciárias. Em 2001, 3,3 milhões de pessoas possuíam algum tipo de
informação criminal neste sistema (LIMA, 2005, p. 109).
Com os avanços tecnológicos, a partir de 1999 a Polícia Civil de São Paulo
passa a informatizar suas unidades policiais e começa a expansão de um sistema
de Informatização dos Distritos Policiais (IDP) por meio do qual passam a ser
registrados os Boletins de Ocorrência em formato digital pelas unidades policiais.
Este sistema é paulatinamente substituído a partir de 2002 pelo até hoje utilizado
Sistema de Registro Digital de Ocorrências (RDO). A transição do sistema IDP para
o sistema RDO iniciada em 2002 no município da Capital do Estado foi finalizada em
99

2004, no entanto, apenas em 2009 foi finalizado o acesso de todos os municípios do


Estado ao sistema RDO.
Toda a normatização relativa à forma, conteúdo e procedimentos relativos
aos Boletins de Ocorrência elaborados pela Polícia Civil (BO/PC) são disciplinados
pela própria Instituição que deve apenas adequar-se à eventuais determinações
legais a exemplo da previsão contida no § 2º da Lei Federal nº 6.194 de 19 de
dezembro de 1974 sobre a obrigatoriedade de se constar no registro de ocorrências
nome, qualificação, endereço residencial e profissional completos do proprietário do
veículo, além do nome da seguradora, número e vencimento do bilhete ou apólice
de seguro em casos de acidentes de trânsito em que haja vítimas.
Percebe-se, portanto que o Boletim de Ocorrência não é disciplinado por lei
específica nem tampouco é estabelecido como atribuição privativa ou exclusiva de
alguma autoridade policial. Aliás, importante ressaltar que mesmo o Boletim
Individual introduzido no Brasil em 1938 por meio da Resolução 105 do Conselho
Nacional de Estatística e posteriormente previsto no Código de Processo Penal foi
incluído nas disposições gerais daquele diploma e desde a sua origem tem por
finalidade a coleta de dados estatísticos restando claro que não se trata de ato
processual ou de investigação não se podendo inclui-lo, portanto, como ato de
polícia judiciária exclusivo da Polícia Civil ou da Polícia Federal.
Aliás, se assim o fosse, sequer haveria a possibilidade de se registrar um
Boletim de Ocorrência de natureza “não criminal” que compõe grande parte dos
Boletins de Ocorrência registrados pela própria Polícia Civil. No segundo trimestre
de 2019, por exemplo, dos 717.595 boletins de ocorrência registrados pela Polícia
Civil do Estado de São Paulo, 379.067 eram de natureza “não criminal” (SÃO
PAULO, 2019)
Essa maior incidência de problemas não criminais direcionados às
instituições policiais não é uma anomalia tendo em vista que em todo o mundo, a
questão criminal é apenas um aspecto das diversas atribuições que são gerenciadas
pelas polícias.
Em relação à Polícia Militar do Estado de São Paulo, por exemplo, até o mês
de novembro de 2019 foram realizadas 30.225.478 (trinta milhões, duzentos e vinte
e cinco mil, quatrocentos e setenta e oito) intervenções em todo o Estado sendo que
dos 2.116.823 (dois milhões, cento e dezesseis mil e oitocentos e vinte e três)
Boletins de Ocorrência elaborados, apenas 1.652.842 (um milhão, seiscentos e
100

cinquenta e dois mil, oitocentos e quarenta e dois) referiam-se a fatos criminais.


Obviamente que muitas das intervenções realizadas (abordagens policiais por
exemplo) destinam-se à prevenção criminal, contudo, os números demonstram que
a maior parte da atividade policial destina-se a problemas de ordem pública não
criminais.
Isso é natural tendo em vista que segurança pública é apenas um dos
aspectos da ordem pública e à Polícia Militar, nos termos constitucionais, compete a
polícia ostensiva e a preservação da ordem pública sendo que o conceito de ordem
pública, engloba a segurança pública, na qual se inserem as questões criminais:

Sintetizando, a segurança pública, em conjunto com a tranqüilidade e


salubridade pública, formam a ordem pública que é a situação de
convivência social pacífica entre os cidadãos. Nesta tríade, a segurança
pública pode ser conceituada como um estado de ausência ou risco
iminente de ocorrência de infrações penais ou atos infracionais e de
percepção desta circunstância por parte dos integrantes da sociedade.
A adoção desta definição não cria um completo antagonismo com os
conceitos genéricos e abstratos normalmente encontrados na doutrina
pátria. A opção por relacionar a segurança pública como um aspecto da
ordem pública restritos às condutas delituosas ou infracionais, e assim,
inegavelmente, aproximando a segurança pública do Direito Penal, tem por
finalidade, como já dito, definir o âmbito do problema e possibilitar a melhor
compreensão sobre a questão.

[…]

Logicamente que, por vezes, a alteração de um aspecto restará por afetar


os demais, assim, uma grande enchente – tranqüilidade pública - pode
propiciar condições de insalubridade e proliferação de doenças –
salubridade pública – e ensejar ainda o cometimento de crime tais como
saques – segurança pública –, mas isso não significa a ausência de
distinção entre eles.
Em um evento desta natureza, teremos instituições cuidando do salvamento
vítimas, limpeza, desobstrução de estradas, etc., ao passo que outras
estarão atuando na vacinação e dispensa de cuidados médicos e, por fim,
haverá aquelas que exercerão funções de prevenção e repressão de
delitos. Esta concomitância de diferentes atribuições evidencia a diferença
dos aspectos da ordem pública e a importância prática da diferenciação
conceitual para a delimitação normativa das áreas de atuação e, até
mesmo, a responsabilização civil, criminal e administrativa. (VILARDI, 2010,
p. 51)

Assim, de plano, deve-se destacar que em relação aos atos praticados na


esfera da segurança e ordem pública em que não se verificou ainda a ocorrência de
uma infração penal (o que a doutrina clássica baseada na distinção do modelo
napoleônico define como polícia administrativa), por tratarem-se de atos não
criminais, não há que se falar em atribuição de polícia judiciária, portanto, o registro
101

oficial deste tipo de atividade pode e deve ser realizado pela autoridade ou
instituição policial que o praticou.
Portanto, em relação à grande maioria dos atos praticados ou constatados
pelas polícias ou bombeiros militares, polícia rodoviária federal, guardas municipais
ou policiais penais, por tratar-se de atos não criminais, inexiste fundamento legal que
exija a obrigatoriedade de registro no âmbito das instituições policiais responsáveis
pela denominada “policia judiciária”.
Se em relação à questões não criminais não há que se falar em
exclusividade sobre atribuição do registro policial também entende-se como
improcedente que essa “exclusividade” se verifique nos casos de mero registro ou
formalização dos atos policiais relativos à uma infração penal cometida.
A simples ausência de previsão legal a respeito da atribuição para
elaboração do Boletim de Ocorrência policial em conjunto com sua natureza
meramente descritiva relativa ao atendimento prestado pela instituição policial já
afastaria qualquer argumento de exclusividade sobre o registro.
Ademais, se a Constituição Federal estabeleceu que às polícias militares
compete a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, inserindo-se a
segurança pública (infrações penais) no conceito de ordem pública, inclui-se também
dentre as atribuições das polícias militares a atuação frente às crimes e
contravenções penais, ainda que no aspecto repressivo o foco seja a repressão
imediata. Sendo atribuição das polícias militares a atuação perante as infrações
penais, automaticamente possui competência legal para registrar suas próprias
atividades neste sentido.
Ora, se diante de uma vítima de um crime, é atribuição das polícias militares
prestar-lhes o atendimento imediato, compete-lhe também, registrar o motivo do
atendimento (o crime ou a infração penal).
Não bastasse esta relação entre o registro e a atribuição constitucional, em
2018 foi finalmente instituído por lei o Sistema Único de Segurança Pública e a
Política Nacional de Segurança Pública (PNSPDS) com a finalidade de “preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio de
atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança
pública e defesa social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
em articulação com a sociedade”.
102

Da análise dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Segurança


Pública já decorreria a conclusão lógica a respeito da validade, para o cidadão, do
Boletim de Ocorrência elaborado pela Polícia Militar como registro de ocorrência
criminal em decorrência, por exemplo, dos princípios e diretrizes de eficiência,
simplicidade, celeridade, necessidade de integração entre os órgãos e de
atendimento imediato ao cidadão:

LEI FEDERAL Nº 13.675/18


Art. 4º São princípios da PNSPDS:
I - respeito ao ordenamento jurídico e aos direitos e garantias individuais e
coletivos;
II - proteção, valorização e reconhecimento dos profissionais de segurança
pública;
III - proteção dos direitos humanos, respeito aos direitos fundamentais e
promoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana;
IV - eficiência na prevenção e no controle das infrações penais;
V - eficiência na repressão e na apuração das infrações penais;
VI - eficiência na prevenção e na redução de riscos em situações de
emergência e desastres que afetam a vida, o patrimônio e o meio ambiente;
VII - participação e controle social;
VIII - resolução pacífica de conflitos;
IX - uso comedido e proporcional da força;
X - proteção da vida, do patrimônio e do meio ambiente;
XI - publicidade das informações não sigilosas;
XII - promoção da produção de conhecimento sobre segurança pública;
XIII - otimização dos recursos materiais, humanos e financeiros das
instituições;
XIV - simplicidade, informalidade, economia procedimental e
celeridade no serviço prestado à sociedade;
XV - relação harmônica e colaborativa entre os Poderes;
XVI - transparência, responsabilização e prestação de contas.

Seção III
Das Diretrizes
Art. 5º São diretrizes da PNSPDS:
I - atendimento imediato ao cidadão;
II - planejamento estratégico e sistêmico;
III - fortalecimento das ações de prevenção e resolução pacífica de conflitos,
priorizando políticas de redução da letalidade violenta, com ênfase para os
grupos vulneráveis;
IV - atuação integrada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios em ações de segurança pública e políticas transversais para a
preservação da vida, do meio ambiente e da dignidade da pessoa humana;
V - coordenação, cooperação e colaboração dos órgãos e instituições
de segurança pública nas fases de planejamento, execução,
monitoramento e avaliação das ações, respeitando-se as respectivas
atribuições legais e promovendo-se a racionalização de meios com
base nas melhores práticas;
VI - formação e capacitação continuada e qualificada dos profissionais de
segurança pública, em consonância com a matriz curricular nacional;
VII - fortalecimento das instituições de segurança pública por meio de
investimentos e do desenvolvimento de projetos estruturantes e de inovação
tecnológica;
VIII - sistematização e compartilhamento das informações de segurança
pública, prisionais e sobre drogas, em âmbito nacional;
103

IX - atuação com base em pesquisas, estudos e diagnósticos em áreas de


interesse da segurança pública;
X - atendimento prioritário, qualificado e humanizado às pessoas em
situação de vulnerabilidade;
XI - padronização de estruturas, de capacitação, de tecnologia e de
equipamentos de interesse da segurança pública;
XII - ênfase nas ações de policiamento de proximidade, com foco na
resolução de problemas;
XIII - modernização do sistema e da legislação de acordo com a evolução
social;
XIV - participação social nas questões de segurança pública;
XV - integração entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário no
aprimoramento e na aplicação da legislação penal;
XVI - colaboração do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria
Pública na elaboração de estratégias e metas para alcançar os objetivos
desta Política;
XVII - fomento de políticas públicas voltadas à reinserção social dos
egressos do sistema prisional;
XVIII - (VETADO);
XIX - incentivo ao desenvolvimento de programas e projetos com foco na
promoção da cultura de paz, na segurança comunitária e na integração das
políticas de segurança com as políticas sociais existentes em outros órgãos
e entidades não pertencentes ao sistema de segurança pública;
XX - distribuição do efetivo de acordo com critérios técnicos;
XXI - deontologia policial e de bombeiro militar comuns, respeitados os
regimes jurídicos e as peculiaridades de cada instituição;
XXII - unidade de registro de ocorrência policial;
XXIII - uso de sistema integrado de informações e dados eletrônicos;
XXIV – (VETADO);
XXV - incentivo à designação de servidores da carreira para os cargos de
chefia, levando em consideração a graduação, a capacitação, o mérito e a
experiência do servidor na atividade policial específica;
XXVI - celebração de termo de parceria e protocolos com agências de
vigilância privada, respeitada a lei de licitações.

Aliás, os princípios e diretrizes do Sistema Único de Segurança Pública


(SUSP) expressamente previstos na Lei Federal nº 13.675 de 11 de junho de 2018 é
mais um dos passos na transição do paradigma de “exclusividade no exercício da
autoridade policial e das atribuições institucionais” para o paradigma da “eficiência
no exercício da autoridade policial e atribuições institucionais e foco no cidadão”.
Mas voltando à questão do Boletim de Ocorrência, se os princípios e
diretrizes do SUSP já bastariam para o reconhecimento da validade dos registros
elaborados pelas polícias militares, o art. 10 parece encerrar toda e qualquer
discussão a esse respeito:
Art. 10. A integração e a coordenação dos órgãos integrantes do Susp dar-
se-ão nos limites das respectivas competências, por meio de:
[…]
III - aceitação mútua de registro de ocorrência policial;

Ora, diante da expressa previsão legal de que a integração e coordenação


dos órgãos que integram o SUSP, e as polícias militares e civis o integram,
104

determina a “aceitação mútua de registro de ocorrência policial”, como sustentar, por


exemplo, a derminação contida na Resolução SSP nº 57/15 que impõe ao cidadão o
ônus de refazer um registro perante à Polícia Civil e um fato, uma ocorrência policial
já registrada perante à Polícia Militar?
Enfim, diante de tudo o que se apresentou, não apenas inexiste qualquer
óbice, como há expressa previsão legal para o reconhecimento do Boletim
Eletrônico (BOe) da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) como registro
de evento criminal válido para o cidadão em substituição ou alternativamente ao
Boletim de Ocorrência elaborado pela Polícia Civil (BO/PC).
E este reconhecimento, como visto, além de solucionar problemas
relevantes na área da segurança pública é, em conjunto com as demais medidas
inovadoras, uma das forças capazes de movimentar o sistema de segurança pública
na direção do novo paradigma da “eficiência no exercício da autoridade policial e
das atribuições institucionais com foco no cidadão”
A fim de exemplificar de modo ainda mais claro tudo o que foi exposto sob o
ponto de vista teórico, importa agora destacar o modo pelo qual diversos estados já
estão implementando referida medida.

3.4 Os Estados inovadores

Se no Estado de São Paulo os movimentos de resistência às inovações e à


mudança de paradigmas tem logrado impedir os avanços e implementação de
medidas destinadas à racionalização e eficiência do serviço público a exemplo da
elaboração de Termos Circunstanciados de Ocorrência e do reconhecimento do
Boletim de Ocorrência da Polícia Militar como registro válido de ocorrência criminal
para o cidadão, o mesmo não se verifica em outros estados que conseguiram vencer
as resistências e já avançaram neste processo de transição.
Apesar de alguns terem implementado recentemente o procedimento objeto
do presente estudo, outros, como Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e
Minas Gerais, por exemplo, já possuem anos de experiência na efetivação do
procedimento de modo que os modelos adotados e resultantes deste processo de
implementação, com suas dificuldades e soluções, podem servir como norte em
eventual implementação da mesma no Estado de São Paulo.
105

Antes de analisar os modelos e procedimentos adotados em cada estado em


específico, foi realizado, por meio de pesquisa exploratória bibliográfica e
documental, um levantamento a fim de identificar em quais estados o Boletim de
Ocorrência elaborado pela Polícia Militar estava sendo utilizado como registro
criminal válido para o cidadão.
O levantamento conseguiu localizar o resultado de uma pesquisa realizada
pelo Conselho Nacional de Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares do Brasil que foi encaminhada, por meio do Ofício nº 134/2019-
CNCG ao Ministro da Justiça e Segurança Pública em 02 de dezembro de 2019. O
resultado da pesquisa foi apresentado no quadro abaixo, encaminhado em anexo ao
citado Ofício:

Quadro 3 – Estados nos quais as Polícias Militares elaboram Boletim de Ocorrência

Fonte: Conselho Nacional de Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares do Brasil, 2019

Identificou-se, portanto, que os estado do Distrito Federal, Minas Gerais,


Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul, Rondônia e Santa Catarina estavam lavrando o
Boletim de Ocorrência em casos de crime sem flagrante delito e entregando-o
diretamente ao cidadão. Ainda que no levantamento Goiás tenha sido indicado como
não executante deste procedimento, em contato telefônico com Oficiais daquele
estado identificou-se que o procedimento também está sendo realizado naquele
106

estado apenas sob uma outra denominação, qual seja, Registro de Atendimento
Integrado (RAI) o que pode ter motivado a resposta na pesquisa realizado pelo
CNCG como “não”.
Uma vez identificados os Estados que já haviam implementado o
procedimento, foi realizada inicialmente uma pesquisa de campo ao Estado de
Goiás tendo em vista que o sistema adotado naquele Estado, ao menos em uma
primeira análise, era o que melhor se adequava à diretriz do Sistema Único de
Segurança Pública relativa à unidade de registro policial.
Em relação aos demais Estados foram realizados contatos por meio de
canais disponibilizados nas páginas oficiais das instituições policiais assim como por
meio de contatos pessoais do autor em cada uma das instituições a fim de coleta de
dados destinadas à uma breve descrição sobre o modo pelo qual o procedimento foi
implementado e tem sido realizados naquela localidade.
Através das pesquisas supracitadas foram obtidas informações relativas aos
estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais e Goiás.
Em relação aos estados de Rondônia (Decreto Estadual nº 21.256, de 13 de
setembro de 2016) e Piauí (Decreto Estadual nº 17.998, de 19 de novembro de 2018
e Portaria do Comandante Geral nº 337 de 29 de novembro de 2018) e ao Distrito
Federal (Provimento nº 27 de 23 de agosto de 2018 do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios) apesar de terem sido identificados os atos normativos
que regulamentaram o procedimento, não se logrou obter dados junto às instituições
daqueles estados ou de seus integrantes.
Nos subitens subsequentes apresenta-se as principais informações obtidas
durante a pesquisa.

3.4.1 Rio Grande do Sul

No Rio Grande do Sul, os dados e informações foram obtidos por meio de


contato telefônico do autor com o Major da Brigada Militar Bortolini. Os contatos
foram realizados entre os dias 25 de novembro e 10 de dezembro de 2019.
A síntese das informações obtidas são apresentadas a seguir.
No Rio Grande do Sul a Brigada Militar realiza a lavratura do Boletim de
Ocorrência que tem validade como registro oficial de ocorrência policial criminal para
107

o cidadão. O procedimento teve início em 16 de novembro de 2000 oportunidade em


que foram regulamentados os procedimentos a serem adotados para lavratura do
Termo Circunstanciado previsto no artigo 69 da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de
1995, estabelecendo que “Todo policial, civil ou militar, é competente para lavrar o
Termo Circunstanciado previsto no artigo 69 da lei n° 9.099, de 26 de setembro de
1995”, dispensando assim, um segundo registro pela Polícia Civil.
Atualmente o procedimento é regulamentado pela Nota de Instrução nº
2.22/EMBM/2018, a qual tem indica como base legal a Constituição da República
Federativa do Brasil, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, o Decreto Lei
nº 3.689, de 03 de outubro de 1941, o Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de
1995, a Lei Federal nº 10.259, de 12 de julho de 2001, a Lei Estadual nº 10.675, de
02 de janeiro de 1996, a Lei Federal nº 11.313, de 28 de junho de 2006, a Lei
Federal nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, a Portaria nº 074/SJS/1997, a Nota de
Instrução que regula o Controle Externo realizado pelo Ministério Público.
Para a elaboração do Boletim de Ocorrência a Brigada Militar utiliza um
sistema integrado da Secretaria da Segurança Pública chamado de SIOP - Sistema
de Informações Operacionais.Na lavratura do Boletim de Ocorrência o Policial Militar
faz o preenchimento on-line do documento com os enquadramentos necessários
(inclusive a tipificação penal). Após o envio dos dados para o sistema, ainda há no
processo a revisão pelo Cartório da Brigada Militar antes da homologação por Oficial
do Quadro de Oficiais de Estado Maior para efetivação do registro no banco de
dados.
A tipificação penal é indicado pelo Policial Militar por ocasião da confecção
do Boletim de Ocorrência mas não há um estudo ou estimativa a respeito do
percentual de "erros" na tipificação feita pelo PM. A estatística oficial de
criminalidade e produtividade policial no Estado do Rio Grande do Sul possui como
fonte primária um Banco de dados criminais da Secretaria da Segurança Pública, os
quais são alimentados com as ocorrências registradas na Polícia Civil e pela Brigada
Militar.
Em virtude da implantação do sistema on-line no atendimento da ocorrência,
estão sendo feitos ajustes para num futuro próximo o registro ser impresso no local
do fato, sendo que no momento a impressão é feito no Cartório das unidades da
Brigada Militar. Por ora, não há dados sistematizados quanto especificamente em
relação aos Boletins de Ocorrência Policial Criminal.
108

A eficiência e ganhos decorrentes do procedimento foram comprovados por


meio de inúmeros estudos referentes a eficácia do Termo Circunstanciado produzido
pela Brigada Militar, disponíveis em bibliotecas virtuais, Google acadêmico e afins.
Em relação à divulgação da implementação do procedimento junto à sociedade, em
virtude da implantação ter ocorrido cerca há 20 anos atrás, não temos material
publicitário, hoje, de sua divulgação de criação. No Rio grande do Sul somente a
Polícia Civil e a Brigada Militar podem fazer o registro de Boletins de Ocorrência
Policial Criminal.

3.4.2 Paraná

Em relação ao Estado do Paraná, os dados e informações foram obtidos por


meio de contato telefônico do autor com o 1º Tenente da Polícia Militar do Paraná
Cleyton Bou. Os contatos foram realizados entre os dias 25 de novembro e 27 de
novembro de 2019.
A síntese das informações obtidas são apresentadas a seguir.
No Paraná a Polícia Militar realiza a lavratura do Boletim de Ocorrência que
tem validade como registro oficial de ocorrência policial criminal para o cidadão. O
procedimento teve início em 2005 e foi regulamentado por meio da Resolução da
Secretaria da Segurança Pública do Paraná nº 309/05 de 15 de dezembro de 2005.
O sistema Secretaria de Segurança Pública (SESP Intranet) abriga todos
registro elaborados pela Polícia Militar, Bombeiro Militar, Polícia Civil e Guarda
Municipal. O Boletim da Ocorrência Policial Criminal com “validade” para o cidadão
elaborado pela Polícia Militar do Paraná é realizado diretamente no sistema
informatizado integrado com a Polícia Civil denominado “Boletim de Ocorrência
Unificado (B.O.U.)”, porém existem particularidades. Por exemplo a Polícia Militar do
Paraná possui um sistema denominado BATEU e está desenvolvendo o Auto de
Infração de trânsito e ambiente anexo ao Boletim de Ocorrência Unificado (BOU).
Após a realização Boletim de Ocorrência Unificado (BOU) no sistema ele
pode ser enviado para as diversas corporações, PM, PC e GM. No caso da Polícia
Militar e da Polícia Civil podem ser abertos procedimentos administrativos como Auto
de Prisão em Flagrante Delito, inquéritos policiais militares ou civil, com a importação
dos dados na forma de metadados. São elaborados dentro do sistema de Boletim de
109

Ocorrência Unificado (BOU) os Termos Circunstanciados de Infração Penal (TCIP),


tanto pela Polícia Militar quanto pela Polícia Civil. Ao terminar os procedimentos Auto
de Prisão em Flagrante Delito, Inquéritos Policiais Militares ou Civil, e Deserção, é
possível enviar ao Tribunal de Justiça na forma de metadados.
O registro de ocorrência da Polícia Militar é o mesmo que o da Polícia Civil.
Ao ser finalizado o boletim e sendo necessário procedimento investigatório ou
inquérito policial este é iniciado por meio do Boletim de Ocorrência elaborado por
meio do sistema.
Ao lavrar o Boletim da Ocorrência Policial Criminal com “validade” para o
cidadão o policial militar indica a natureza (a tipificação penal) do crime e essa
tipificação é válida para o Boletim e não depende de posterior “validação” por um
Delegado da Polícia Civil. Mesmo sem erro crasso essa natureza poderá ser
alterada, porém será realizada nos Sistemas Procedimentais de Polícia Judiciária
(PPJ) ou de Crimes Militares (PEPROC).
Considerando a integração dos sistemas de boletins, procedimentos e
processos, é possível analisar quais foram as naturezas tipificadas em BOU, nos
procedimentos e nos processos, visto que pode se ter um entendimento em cada
uma das fases.
A fonte primária da estatística criminal e de produtividade policial do Estado
do Paraná, conforme resolução 309/2005-SESP, é o Boletim de ocorrência
unificado, porém existem sistemas que mineram as informações do B.O.U.
produzindo dados estatísticos.
O cidadão recebe o Boletim de Ocorrência Unificado via e-mail ou SMS um
token para impressão (quando relacionado como vítima de um fato) ou poderá
deslocar-se a qualquer órgão policial do Estado (PC ou PM) a fim de solicitar cópia.
Estão sendo revistas questões relativas à impressões com objetivo da
economicidade ao estado.
Se houver necessidade de apreensão de algum objeto ou instrumento na
ocorrência criminal, em casos em que não há necessidade de flagrante ou Termo
Circunstanciado, ou seja, em que é realizada apenas a lavratura do Boletim de
Ocorrência Unificado, o policial militar elabora o Boletim de Ocorrência Policial
Criminal com “validade” para o cidadão e apreende o objeto para posterior
encaminhamento e providências legais, sendo responsável pela cadeia de custódia
110

nos casos de ocorrências envolvendo infrações e menor potencial ofensivo e


encaminhando para a Polícia Civil nos demais casos.
Se houver necessidade de realização de exame pericial imediato, como por
exemplo exame de local de crime ou de corpo de delito, na ocorrência criminal (em
casos em que não há necessidade de flagranteo policial militar elabora o Boletim de
Ocorrência Unificado com “validade” para o cidadão e requisita o exame pericial por
meio do próprio sistema para posterior encaminhamento e providências legais
Até o mês de novembro de 2019 foram elaborados 15.387.958 de Boletins
de Ocorrência Unificado sendo 8.321.803 pela Polícia Militar e 801.224 pela forma
eletrônica.
Em relação a estudos, levantamentos ou pesquisas a respeito de impactos
positivos da lavratura, pela Polícia Militar do Paraná, dos Boletins de Ocorrência
Policial Criminal com “validade” para o cidadão Não foram identificados
preliminarmente visto que o processo já está sedimentado há anos e é entendido
como normal e necessário, não sendo nem cogitado outro modelo de fluxo de
elaboração administrativa.
No Estado do Paraná, os integrantes da Polícia Militar, do Corpo de
Bombeiro Militar (integram a Polícia Militar), da Polícia Civil, além de integrantes de
algumas Guardas Municipais tem acesso e elaboram o Boletim de Ocorrência
Unificado, estando em fase de ampliação para o acesso às demais Guardas
Municipais.

3.4.3 Santa Catarina

Em relação ao Estado de Santa Catarina, os dados e informações foram


obtidos por meio de contato telefônico do autor com o Coronel da Polícia Militar de
Santa Catarina Marcello Martinez Hipólito. Os contatos foram realizados entre os
dias 25 de novembro e 07 de janeiro de 2020.
A síntese das informações obtidas são apresentadas a seguir.
Em Santa Catarina a Polícia Militar realiza a lavratura do Boletim de
Ocorrência que tem validade como registro oficial de ocorrência policial criminal para
o cidadão. O procedimento teve início em 2007 quando o Governo do Estado de
Santa Catarina publicou o Decreto Estadual nº 660/07, o qual traçou diretrizes de
procedimento para a lavratura do Termo Circunstanciado. O Decreto acima citado
111

sofreu Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.982, porém não foi reconhecida


pelo Supremo Tribunal Federal.
Desde 2015 o Boletim de Ocorrência, assim como o Termo Circunstanciado
de Ocorrência é elaborado por meio do sistema denominado PMSC MOBILE.
O PMSC MOBILE está integrado ao sistema INTEGRA da Secretaria de
Segurança Pública do Estado de Santa Catarina que abriga além do sistema da
Polícia Militar, o sistema de Delegacia Virtual, da Polícia Civil, do Detran, do Sistema
Penitenciário, dentre outros. O Boletim da Ocorrência Policial Criminal com
“validade” para o cidadão elaborado pela Polícia Militar de Santa Catarina é
realizado diretamente no sistema informatizado denominado “PMSC MOBILE”.
Ao lavrar o Boletim da Ocorrência Policial Criminal com “validade” para o
cidadão o policial militar indica a natureza (a tipificação penal) do crime e essa
tipificação é válida para o Boletim e não depende de posterior “validação” por um
Delegado da Polícia Civil.
O cidadão recebe o Boletim de Ocorrência Unificado via impressão no local
(impressão termoelétrica), ou via digital.
Se houver necessidade de apreensão de algum objeto ou instrumento na
ocorrência criminal, em casos em que não há necessidade de flagrante ou Termo
Circunstanciado, ou seja, em que é realizada apenas a lavratura do Boletim de
Ocorrência Unificado, o policial militar elabora o Boletim de Ocorrência Policial
Criminal com “validade” para o cidadão e apreende o objeto para posterior
encaminhamento e providências legais, sendo responsável pela cadeia de custódia
nos casos de ocorrências envolvendo infrações e menor potencial ofensivo e
encaminhando para a Polícia Civil nos demais casos.
Se houver necessidade de realização de exame pericial imediato, como por
exemplo exame de local de crime ou de corpo de delito, na ocorrência criminal, em
casos em que não há necessidade de flagrante, o policial militar elabora o Boletim
de Ocorrência com “validade” para o cidadão e requisita o exame pericial por meio
do próprio sistema para posterior encaminhamento e providências legais
Em 2016 foram elaborados 41.298 Termos Circunstanciados de Ocorrência
pela Polícia Militar. Desde a implantação até o ano de 2018 haviam sido elaborados
mais de 500 mil Termos Circunstanciado de Ocorrência.
As vantagens obtidas com a elaboração do Boletim de Ocorrência e do
Termo Circunstanciado pela Polícia Militar foram:
112

• Atendimento ao cidadão no local da infração e Redução da sensação


de impunidade;
• Celeridade no desfecho dos atendimentos policiais e Redução do
tempo de envolvimento das guarnições policiais nas ocorrências;
• Manutenção do aparato policial na área de atuação;
• Menor traumatização no atendimento de ocorrências Policiais;
• Liberação do efetivo da Polícia Civil para centrar esforços na apuração
(investigação) das infrações penais;
• Diminuição do uso da força no atendimento das ocorrências.
O tempo médio de atendimento de ocorrência pelas equipes da Polícia
Militar antes da implementação do procedimento era de 3 horas. A partir da
implementação foi reduzido para 50 minutos e atualmente, após a adoção do
sistema PMSC MOBILE o tempo médio de atendimento de ocorrência foi reduzido
para 30 minutos.
Estudos realizados pela Polícia Militar do Estado de Santa Catarina
indicaram que houve ganho de mais de 750 mil horas de policiamento sendo
“poupados” mais de 65 mil plantões de 12 horas de serviço, sendo economizados
mais de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) em combustível de
viaturas.
No Estado de Santa Catarina, os integrantes da Polícia Militar e da Polícia
Civil, elaboram o Boletim de Ocorrência Criminal com “validade” para o cidadão.

3.4.4 Minas Gerais

Em relação ao Estado de Minas Gerais, os dados e informações foram


obtidos por meio de contato telefônico do autor com a funcionária da Secretaria da
Segurança Pública do Estado de Goiás Ana Luiza Wernecek, que também
disponibilizou a monografia elaborada por Maria Laura Scapolatempore Starling que
teve por objetivo analisar a política de integração no sistema de segurança pública
de Minas Gerais. Os contatos foram realizados entre os dias 09 de dezembro de
2019 e 07 de janeiro de 2020.
A síntese das informações obtidas são apresentadas a seguir.
Em Minas Gerais a Polícia Militar realiza a lavratura do Boletim de
Ocorrência que tem validade como registro oficial de ocorrência policial criminal para
113

o cidadão. O procedimento teve início em 2004 quando foi instituído o Sistema


Integrado de Defesa Social (SIDS) por meio do Decreto Estadual nº 43.778 de 12 de
abril de 2004. Integram o SIDS a Polícia Militar de Minas Gerais, a Polícia Civil de
Minas Gerais, o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais e a Subsecretaria de
Administração Penitenciária da Secretaria de Estado de Defesa Social.
Em sua arquitetura original, o Sistema Integrado de Defesa Social (SIDS) foi
subdividido em dois centros operativos:
“o Centro Integrado de Atendimento e Despacho (CIAD) e o Centro
Integrado de Informações de Defesa Social (CINDS). O CIAD foi planejado
como um centro de operações, que concentraria o atendimento, o
processamento e a solução das chamadas radiofônicas das polícias Civil e
Militar e do corpo de Bombeiros Militar. O processamento de uma
ocorrência policial ou de bombeiro é iniciado no CIAD e, posteriormente,
através da análise da ocorrência, realizada pelos supervisores, os
procedimentos necessários ao atendimento são realizados, como o
despacho de veículos e equipes operacionais (SAPORI e ANDRADE, 2007;
XAVIER, 2009; ANDRADE,2006; FIGUEIREDO, 2014).
O CIAD é composto por quatro módulos. O primeiro deles, o módulo
Controle de Atendimento e Despacho (CAD), visa produzir informações
sobre o perfil do atendimento das instituições, por exemplo, os tipos de
ocorrências registradas e o tempo médio das mesmas, dentre outros. Já
segundo módulo, chamado de Registro de Eventos de Defesa Social
(REDS), consiste em um boletim de ocorrências policiais e de bombeiro,
padronizado e unificado para todas as instituições, devendo alimentar
automaticamente o terceiro módulo, chamado de PCNet, desenvolvido pela
Polícia Civil para controle de ocorrências, tratamento digitalizado de todos
os procedimentos realizados dentro dos inquéritos policiais, bem como dos
autos de prisão em flagrante e termos circunstanciados de ocorrência. Esse
módulo pretendia, entre outras coisas, evitar o duplo registro de ocorrências
pelas instituições e possibilitar o acompanhamento continuado do
processamento de uma ocorrência ao longo de todo o sistema, assim como
a padronização da estatística criminal baseada em ocorrências policiais.”
(SCAPOLATEMPORE, 2018, p. 39)

O Boletim da Ocorrência Policial Criminal com “validade” para o cidadão


elaborado pela Polícia Militar de Minas Gerais é denominado Registro de Evento de
Defesa Social (REDS) que é a porta de entrada dos eventos de defesa social para o
SIDS. Ele consiste num boletim de ocorrências policiais e de bombeiro padronizado
e único para as instituições no qual são tratados todos os registros de eventos de
defesa social. Todo fato cadastrado no REDS possui um número que acompanha o
fato até a conclusão do inquérito (se for gerado um inquérito). Outro ponto
importante é que o sistema não permite alteração dos dados sem a permissão de
superiores, ou por servidor que possua liberação institucional para tal, e que toda
edição no sistema é atribuída à um login e senha do usuário
114

Ao lavrar o Boletim da Ocorrência Policial Criminal com “validade” para o


cidadão o policial militar indica a natureza (a tipificação penal) do crime e essa
tipificação é válida para o Boletim e não depende de posterior “validação” por um
Delegado da Polícia Civil. Os procedimentos para lavratura do Termo
Circunstanciado de Ocorrência – TCO na PMMG são regulados pela Resolução no
4.745/2018, de 19/11/18, tendo com um de seus objetivos otimizar o serviço
operacional da PMMG, reduzindo os deslocamentos e o tempo destinado ao
atendimento das ocorrências policiais, aumentando o tempo de prevenção criminal.
Com base na Resolução acima, marque a alternativa CORRETA sobre os tipos de
crimes que em regra serão lavrados o REDS-TC.
A fonte primária da estatística criminal e de produtividade policial do Estado
de Minas Gerais, é Sistema Integrado de Defesa Social (SIDS) por meio do
denominado Registro de Evento de Defesa Social (REDS), entretanto os dados são
analisados e consolidados pela Secretaria da Segurança Pública.
Se houver necessidade de apreensão de algum objeto ou instrumento na
ocorrência criminal, em casos em que não há necessidade de Flagrante Delito o
policial militar elabora o Registro de Evento de Defesa Social (REDS) e apreende o
objeto para posterior encaminhamento e providências legais.
Pesquisa publicada em 2016 pelo Centro de Estudos de Criminalide de
Segurança Públia da Universidade Federal de Minas Gerais destacou que na visão
de 80,5% dos policiais militares e civis de Minas Gerais o REDS contribui para a
integração das polícias e apenas 4% reprovaram o procedimento.

3.4.5 Goiás

Em relação ao Estado de Goiás, como afirmado, os dados e informações


foram obtidos por meio de pesquisa de campo realizada pelo autor na Secretaria da
Segurança Pública do Estado de Goiás em 31 de outubro de 2019.
A síntese das informações obtidas são apresentadas a seguir.
Em Goiás a Polícia Militar realiza a lavratura do Boletim de Ocorrência que
tem validade como registro oficial de ocorrência policial criminal para o cidadão. O
procedimento teve início em 2016 e é regulamentado por meio da Portaria nº
426/2016/SSPAP da Secretaria da Segurança Pública de Goiás.
115

O Boletim de Ocorrência Criminal elaborado pela Polícia Militar de Goiás que


tem validade para o Cidadão é denominado Registro de Atendimento Integrad (RAI)
que está inserido em uma plataforma da Secretaria da Segurança Pública de Goiás
denominada Plataforma de Sistemas Integrados (PSI) a qual, além do Registro de
Atendimento Integrado (RAI), é composta pelos programas Sistema Geográfico de
Informação (GisGestão), Mapeamento de Operações Policiais Integradas (MOPI),
Mapeamento de Ações Sociais Integradas (MASI) e o Aplicativo de Integração entre
Polícia e Cidadão (I9X).
Nos termos apresentados no Manual de Interpretação Estatística da
Secretaria da Segurança Pública de Goiás:
O RAI, é a base da Plataforma de Sistemas Integrados - PSI, vem para
mudar a dinâmica do principal instrumento utilizado pelas forças de
segurança no curso inicial de qualquer tratativa de evento: a ocorrência ou
notificação de crime, ou seja, a implantação deste sistema não é uma mera
mudança tecnológica, mas uma mudança de paradigma que tem impacto
direto na cultura das instituições.
O RAI foi desenvolvido para que as forças de segurança pública que
compõem a SSP/GO possam utilizá-lo de maneira integrada para registrar
todos os eventos criminais, não criminais e de proatividade policial de
maneira automática e em tempo real. Com este sistema as forças policiais
em todo o Estado terão um retrato em tempo real de todos os crimes
praticados em Goiás, pois o RAI reúne, no mesmo local, registros de
atendimentos e ocorrências.
Integram o RAI a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros
Militar, a Superintendência de Polícia Técnico-Científica (SPTC) e a
Diretória Geral da Administração Penitenciária (DGAP).
Com o advento do RAI, tanto a população quanto as instituições de
segurança são beneficiadas, pois não há mais a necessidade de se fazer
diferentes registros para o mesmo caso, proporcionando ainda, a unificação
das fontes de informações e a diminuição das subnotificações, o que
melhora sobremaneira a capacidade investigativa das forças policiais.
Ações como o acompanhamento por meio de registro único dentro do setor
de segurança e o rastreamento do evento pela fase de inquérito, judiciário,
e, posteriormente, da execução penal, auxiliarão nas políticas públicas e
retroalimentação do sistema de informações a ser acessado por todos os
agentes de segurança. (GOIÁS, 2019)

No Estado de Goiás integram o sistema e podem elaborar o Registro de


Atendimento Integrado (RAI) os seguintes órgãos: Polícia Militar, Polícia Civil,
Bombeiro Militar, Superintendência da Polícia Técnico Científica, Diretoria Geral de
Administração Penitenciária, Guardas Municipais. A Polícia Rodoviária
Federal e a Polícia Federal podem realizar requisições de exames periciais por meio
do sistema e o Ministério Público e o Departamento Estadual de Trânsito podem
realizar consultas ao sistema.
116

Por meio do próprio sistema os policiais militares podem realizar a requisição


de exame pericial para o local de crimes e agendar audiências judiciais em
decorrência da elaboração de Termos Circunstanciados de Ocorrência que também
são realizados pelos policiais militares em Goiás.
O registro de ocorrência da Polícia Militar, portanto, é o mesmo que o da
Polícia Civil.
Ao lavrar o Boletim da Ocorrência Policial Criminal com “validade” para o
cidadão o policial militar indica a natureza (a tipificação penal) do crime e essa
tipificação é válida para o Boletim e não depende de posterior “validação” por um
Delegado da Polícia Civil. Mesmo sem erro crasso essa natureza poderá ser
alterada posteriormente no sistema mediante registro do responsável pela alteração.
O sistema está integrado com os procedimentos de polícia judiciária e,
portanto, permite o acompanhamento de todo o desdobramento da fase policial.
A fonte primária da estatística criminal e de produtividade policial do Estado
de Goiás é o Registro de Atendimento Integrado (RAI).
O cidadão recebe o Boletim de Ocorrência Unificado via impressão
termoelétrica ou comum.
Se houver necessidade de apreensão de algum objeto ou instrumento na
ocorrência criminal, em casos em que não há necessidade de flagrante, nos casos
de Termo Circunstanciado, o policial militar elabora o Registro de Atendimento
Integrado (RAI) e apreende o objeto para posterior encaminhamento e providências
legais, nas hipóteses em que não se tratar de Termo Circunstanciado elabora o
Registro de Atendimento Integrado (RAI) e conduz o objeto à Delegacia de Polícia.
Se houver necessidade de realização de exame pericial imediato, como por
exemplo exame de local de crime ou de corpo de delito, na ocorrência criminal o
policial militar elabora o Registro de Atendimento Integrado (RAI) e requisita o
exame pericial por meio do próprio sistema.
Até o mês de novembro de 2019 haviam sido elaborados 12.559.432
Registros de Atendimento Integrado no Estado de Goiás.
117

3.5 Tipificação penal: preparando a PMESP para a transição

Neste capítulo, buscou-se demonstrar que o sistema de segurança pública


brasileiro, estruturado no modelo policial napoleônico oitocentista que secciona a
atividade policial divindo-a entre as instituições policiais, estabelecendo polícias com
atuações parciais (administrativa/preventiva ou criminal/repressiva), encontra-se em
um momento de crise paradigmática tendo em vista que o modelo policial vigente
resultou na consolidação do paradigma de “exclusividade no exercício da autoridade
policial e nas atribuições das instituições” que não consegue mais responder aos
desafios e problemas atuais na área da segurança pública brasileira.
Foram ainda apresentadas algumas soluções, medidas, ideias ou alterações
legislativas concretizadas nos últimos anos que apresentam uma “linha mestre”
comum. Neste sentido, foi analisada a elaboração de Termos Circunstanciados de
Ocorrência pela Polícia Militar, o reconhecimento do Boletim de Ocorrência
elaborado pela Polícia Militar como registro de ocorrência criminal válido para o
cidadão, a efetivação de medidas protetivas de urgência a vítimas de violência
doméstica pelos policiais miltiares em casos específicos e até a possibilidade de
elaboração do Auto de Prisão em Flagrante Delito por policiais militares. Em todas
elas pode-se perceber a finalidade de maior eficiência do serviço prestado e o foco
do sistema direcionado ao cidadão.
Desenha-se assim, neste período de transição o paradigma rival, emergente,
fundamentado na ideia de “eficiência no exercício da autoridade policial, das
atribuições institucionais e com foco no cidadão” e que se propõe substituir o
inadequado e burocrático paradigma de “exclusividade no exercício da autoridade
policial e nas atribuições das instituições”.
Ocorre que é nesta fase inicial do período de transição que as medidas
inovadores encontram a maior resistência por parte do sistema consolidado,
exatamente o que se observou nas tentativas concretizadas em São Paulo que
tiveram por objetivo ampliar a funcionalidade do Boletim de Ocorrência elaborado
pela Polícia Militar de modo a melhor servir à sociedade o que, não por acaso,
também constitui objeto do presente trabalho.
Assim, considerando que apesar da grande resistência apresentada à essas
medidas iniciais, são elas que efetivamente poderão constituir a força necessária
para inverter o sentido da inércia do sistema de modo a descartar seus paradigmas
118

obsoletos, foram apresentados tópicos destinados a demonstrar a total viabilidade


jurídica e prática acerca do reconhecimento do atual Boletim Eletrônico da Polícia
Militar do Estado de São Paulo. Trabalho este que foi realizado não apenas com
base em posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais mas, sobretudo, através de
pesquisa de iniciativas já implementadas em outros estados, inclusive com a
demonstração de ganhos concretos em eficiência do serviço e melhor atendimento
ao cidadão.
Referidos argumentos, fundamentações e exemplos, somados à entrada em
vigor da Lei que estabeleceu o Sistema Único de Segurança Pública que previu
expressamente a necessidade do Sistema basear-se em princípios e diretrizes
direcionados à eficiência do serviço e com foco no cidadão, estabelece os contornos
finais do paradigma emergente e demonstra que o processo de movimento do
sistema já se iniciou.
Logo, à Polícia Militar do Estado de São Paulo cumpre não diminuir, pelo
contrário, dobrar os esforços para implementação das medidas inovadoras em
especial a do reconhecimento do Boletim de Ocorrência Eletrônico como registro
válido a cidadão, até porque, como se demonstrou, sobre ela há previsão expressa
no art. 10 da Lei que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública.
Definida essa necessidade, resta saber se o Boletim de Ocorrência
Eletrônico da PMESP estaria pronto para atender a essa finalidade.
Para responder a essa questão com precisão seria necessário estabelecer
antes uma série de pontos estruturais, principalmente se haveria a migração para
um sistema integrado a ser criado, como existente no Rio Grande do Sul, Paraná,
Goiás e Minas Gerais, ou por meio da integração das informações geradas a partir
do sistema desenvolvido pela própria PMESP como ocorre em Santa Catarin, por
exemplo.
Qualquer que seja a opção adotada, os desafios tecnológicos para
implementação de uma medida desta natureza serão, obviamente, enormes.
Todavia, a PMESP já demonstrou total condição de enfrentá-los a exemplo da
implementação do BOe que iniciada em 2017 fora finalizada antes do término de
2019. Apenas a título de comparação a implementação do RDO pela Polícia Civil
iniciou-se em 2002 e somente foi concluída em 2012 em todo o Estado.
Também é importante lembrar que em 2011, em virtude da Resolução SSP
nº 35/11 a Polícia Militar já realizou uma experiência semelhante desenvolvendo um
119

sistema que permitia aos policiais militares elaborarem Boletins de Ocorrência a


respeito de algumas naturezas por meio da plataforma WEB do Sistema Operacional
da Polícia Militar (SIOPM) de maneira que os dados fossem inseridos diretamente no
RDO. Como visto, em 2011 o processo já fora finalizado em em 2012 os policiais
militares já elaboraram mais de 70 mil Boletins de Ocorrência neste sistema.
A análise da estrutura dos formulários que compõe o atual Boletim Eletrônico
de Ocorrência indicam que as principais informações necessárias para o registro
policial já estão prontas. Ressalte-se ainda que não há previsão legal específica
sobre o conteúdo do Boletim de Ocorrência e que a Polícia Militar do Estado de São
Paulo, como demonstrado, já elabora anualmente, cerca de 2 milhões de Boletins de
Ocorrência em todo o Estado.
Portanto, sob o aspecto operacional o impacto, em um primeiro momento,
seria baixo visto que os policiais continuariam elaborando o mesmo procedimento
apenas deixando de elaborar a Notificação de Ocorrência Policial (NOC) nas
ocorrências de mera transmissão de dados.
Contudo, um detalhe mereceria atenção especial e demandaria um trabalho
específico para que a PMESP prepare-se adequadamente para o momento de
implementação da medida, qual seja, a necessidade de se incluir, no sistema do
Boletim de Ocorrência Eletrônico, um campo destinado à tipificação penal da
conduta.
Pode parecer uma questão simples, contudo, é exatamente sobre esse
ponto que recaem grande parte das discussões relativas ao paradigma da
“exclusividade da autoridade policial” que, até hoje, logrou impedir esta melhoria do
serviço público à população, de simples implementação mas de grande benefício a
todos.
Um dos grandes problemas para a interligação e consolidação de uma base
de dados criminais unificada no Brasil é a a ausência de padronização das
nomenclaturas e classificações adotadas pelos sistemas estaduais de registro de
ocorrência policial.
O Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de
Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas
(Sinesp), hoje incluído no Sistema Único de Segurança Pública por meio da Lei
Federal nº 13.679/18, mas cuja construção foi iniciada ainda em 2001 e consolidada
pela primeira vez em Lei no ano de 2012 (Lei Federal nº 12.681 de 4 de julho de
120

2012), está em fase de transição de um módulo de alimentação mensal e


quantitativa por parte dos Estados (SINESPJC) para um sistema de integração
automatizada dos boletins de ocorrência policial de todos os entes federativos
denominado SINESP INTEGRAÇÃO, hoje regulamentado por meio da Portaria nº
845 de 19 de novembro de 2019.
A Portaria nº 845/19 define os critérios de adesão, acesso aos dados e
informações e classificação de adimplência dos Estados e do Distrito Federal ao
Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e de
Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas
– Sinesp.
Os Estados que aderirem ao Sinesp e deixarem de fornecer ou atualizar
seus dados e informações no Sinesp não poderão receber recursos, nem celebrar
parcerias com a União para financiamento de programas, projetos ou ações de
segurança pública e defesa social e do sistema prisional.
Dentre as obrigatoriedades estabelecidas ao Estados que aderirem ao
sistema consta a integração e transmitição de dados e informações, de forma
automatizada, de Boletins eletrônicos de Ocorrência Policial à Base Nacional de
Dados do Sinesp, sendo que os dados e informações fornecidos pelos integrantes
aderentes do Sinesp deverão ser padronizados e categorizados, conforme modelo
de integração definido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Em consulta realizada na presente pesquisa ao Coordenador de
Implantação e Suporte do Sinesp, José Geraldo Adorni Júnior, foi possível obter,
dentre outras, a Tabela de Naturezas de Ocorrências que constituem a
padronização e categorização do modelo de integração definido pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública para o Sinesp.
Na atual tabela de naturezas de ocorrências policiais padronizada pelo
Sinesp, constam 1844 naturezas ativas sendo que, dentre estas, 1555 são de
naturezas criminais.
Realizada consulta por meio da Lei de Acesso a Informações (Protocolo
613191924783) a respeito da adesão do Estado de São Paulo ao Sinesp foi confirmado
que o Estado de São Paulo aderiu ao Sistema mediante assinatura do Termo de
Adesão em 20 de março de 2019 (PROCESSO Nº 08020.005892/2018-46 – SEI Nº
7159685) :
121

A sua solicitação de acesso a documentos, dados e informações, FOI


ATENDIDA.

Resposta:
Prezado Sr,
Sobre a questão: O Estado de São Paulo atendeu a todas as condições
estabelecidas no art. 9º da Portaria nº 845 de 19 de novembro de 2019 do
Ministério da Justiça e Segurança Pública?
a) assinar Termo de Adesão ao Sinesp Integração e/ou Sinesp PPE: Segue
cópia do Termo Assinado
b) integrar e transmitir dados e informações, de forma automatizada, de
Boletins eletrônicos de Ocorrência Policial à Base Nacional de Dados do
Sinesp: A integração foi concluída com êxito
c) não possuir pendências no que concerne à Pesquisa Perfil das
Instituições de Segurança Pública: Não há pendências.
d) estiver regular com a plataforma Dados Nacionais de Segurança
Pública: Não há pendências.
Plataforma disponível para o
cidadadão: http://dados.mj.gov.br/dataset/sistema-nacional-de-estatisticas-
de-seguranca-publica
Att,
SIC/SSP

Portanto, uma vez que o Sistema Único de Segurança Pública estabelece


que os Estados aderentes ao Sinesp deverão compartilhar os dados dos Boletins de
Ocorrência por eles elaborados de acordo com as classificações a padronizações
estabelecidas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP).
Considerando que a Secretaria Nacional de Segurança Pública definiu a
padronização de naturezas e que o Estado de São Paulo aderiu ao sistema tendo,
inclusive, concluído o processo de integração e transmissão dos dados e
informações, de forma automatizada, de Boletins eletrônicos de Ocorrência Policial à
Base Nacional de Dados do Sinesp. Não parece haver dúvida no sentido de que
caso a Polícia Militar do Estado de São Paulo tenha por objetivo preparar-se para
que o Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe) esteja pronto para ser reconhecido
como registro criminal válido ao cidadão adote o caminho mais lógico de incluir o
campo de “naturezas” no sistema do BOe de acordo com os padrões estabelecidos
pela SENASP.
É importante a ressalva de que a tabela de naturezas utilizadas no sistema
de Registro Digital de Ocorrências da Polícia Civil é distinta da tabela padronizada
pela SENASP.
Contudo, consoante informação prestadas por meio da Lei de Acesso à
Informação, o Estado de São Paulo já integrou os dados dos seus Boletins de
Ocorrência, aqui ainda infelizmente como se viu apenas os BO/PCs, ao Sinesp é
122

certo que para tanto foi necessário estabelecer antes uma tabela de
correspondência entre as tabelas, do RDO e do Sinesp.
Isso significa que ambas, ainda que distintas, são compatíveis entre si,
acarretando também que uma vez utilizada a tabela padronizada pela Senasp a
tabela de correspondência entre as naturezas do RDO e do Sinesp facilitaria o
trabalho de correspondência com as tabelas do RDO.
A opção pela utilização das naturezas previstas no RDO também seria um
caminho válido, contudo, diante do processo cada vez mais consistente de
padronização dos dados em âmbito nacional, a adoção da tabela Sinesp
posicionaria o Sistema da PMESP de modo já alinhado à tendência atual.
Enfim, ainda que a inclusão do campo natureza (tipificação penal) da
ocorrência no sistema do Boletim de Ocorrência Eletrônico não seja suficiente para a
absoluta preparação do Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe) estar pronto para
ser reconhecido como registro de ocorrência criminal válido para o cidadão, entende-
se que esta seria a alteração mais delicada tendo em vista que sobre ela recai toda
a resistência e o ponto de crítica daqueles contrários à medida.
Soma-se a esse detalhe ainda a cultura policial militar que tradicionalmente
compreende as naturezas das ocorrências policiais por meio da padronização
estabelecida no Manual de Codificação de Ocorrências da PMESP (M-16-PM). Na
presente proposta não se realizaria a substituição da padronização mas seria
adicionado um campo a mais, com as naturezas do Sinesp ou do RDO, podendo
inclusive as naturezas estabelecidas pelo M-16-PM auxiliar nas regras para
direcionar o policial militar para as tipificações possíveis. Assim, não haveria
impactos operacionais, pois todo o sistema está baseado nesta codificação, e ainda
poder-se-ia utilizá-la de modo positivo, buscando facilitar o trabalho de identificação
da tipificação penal pelo policial militar.
Se há anos os policiais militares do Rio Grande do Sul, do Paraná, de Santa
Catarina, de Minas Gerais e de Goiás estão elaborando os registros e identificando
adequadamente as tipificações penais respectivas, não se sustenta o argumento no
sentido de que os policiais militares do Estado de São Paulo não teriam capacidade
técnica para concretizar o mesmo procedimento.
Uma vez indicada a principal, e talvez mais delicada, alteração no sistema
atual do Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe) da PMESP, restaria uma análise em
123

relação ao impacto financeiro da medida antes do último passo que seria a indicação
do instrumento jurídico apto para esse processamento.
As limitações referentes à deliberação do modo pelo qual a medida seria
implementada, e consequente definição dos processos tecnológicos que seriam
necessários para as respectivas adaptações, torna praticamente impossível uma
estimativa, neste estágio, do impacto financeiro da medida.
Contudo, se essa análise resta prejudicada, uma outra análise pode auxiliar
na demonstração da viabilidade financeira da medida ora proposta.
Em pesquisa realizada por Liporoni (2016) no âmbito da própria Academia
da Polícia Civil do Estado de São Paulo, a autora, que inclusive exerceu por muito
tempo funções ligadas à Delegacia Eletrônica da Polícia Civil, estimou que em 2004
o custo de um Boletim de Ocorrência elaborado em uma Delegacia Física era de R$
37,56 (trinta e sete reais e cinquenta centavos) ao passo que o elaborado por meio
da Delegacia Eletrônica apresentava o custo de R$ 11,99 (onze reais e noventa e
nove centavos). Tais valores, corrigidos pelo Índice Geral de Preços do Mercado
(IGP-M) equivaleriam hoje a R$ 81,77 (oitenta e um reais e setenta e sete centavos)
em uma Delegacia Física e a R$ 26,10 (vinte e seis reais e dez centavos) por meio
da Delegacia Eletrônica.
Logo, considerando que no ano de 2019, consoante dados extraídos por
meio de ferramenta de Business Intelligence (BI) do Sistema de Operações da
Polícia Militar (SIOPM), foram elaborados 107.697 Notificações de Ocorrência
Policial (NOC) o que significa que estas foram as vezes em que o policial militar
elaborou o Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe) no local dos fatos porém teve
que cientificar o cidadão de que ele precisaria providenciar um outro registro, sobre
os mesmos fatos e em duplicidade perante à Polícia Civil, pode-se presumir que se o
BOe fosse válido como registro oficial de ocorrência criminal esse “segundo” registro
em duplicidade seria desnecessário, ou seja, não ocorreria.
Assim, levando-se ainda em consideração que em 2017 cerca de 47% dos
Boletins de Ocorrência elaborados pela Polícia Civil (BO/PC) foram feitos por meio
da Delegacia Eletrônica e 53% por meio de Delegacias Físicas, aplicando-se estes
percentuais para o ano de 2019 chega-se ao valor estimado de que, caso os BOe
em 2019 fossem suficientes para o cidadão e não houvesse a necessidade de
realizar um registro na Polícia Civil, tal qual o determinado pela Resolução SSP nº
57/15 a economia realizada pelo Estado de São Paulo segundo esta estimativa seria
124

de R$ 5.988.502,45 (cinco milhões, novecentos e oitenta e oito mil, quinhentos e


dois reais e quarenta e cinco centavos). Isso apenas em 2019.
Logo, se não é viável, nesta etapa, uma estimativa correta a respeito dos
custos de implementação das alterações tecnológicas necessárias, a estimativa
acerca da economia-ano pode ser um excelente parâmetro para análise da
viabilidade financeira da implementação. Assim, ignorando-se outros impactos
indiretos tais como o próprio tempo dispendido pelo cidadão para o registro, dentre
outros, as alterações já seriam superavitárias se tivessem um custo abaixo de cerca
de 6 milhões ao ano.
Realizadas as considerações acima sobre o aspecto financeiro da proposta,
pode-se passar ao último passo que consiste no instrumento jurídico adequado para
a implementação da medida.
Neste sentido, considerando, como visto, que inexiste previsão legal
específica a respeito da elaboração do Boletim de Ocorrência Policial, e a
multiplicidade de sistemas e nomenclaturas adotas nos Estados analisados
comprova isso, bastaria um ato normativo da Secretaria da Segurança Pública
reconhecendo esta possibilidade e disciplinando os meios de comunicação dos
dados e informações entre as polícias para a execução da medida.
Aliás, considerando as normatizações e procedimentos já existentes,
bastaria a revogação do parágrafo únido do art. 2º da Resolução SSP nº 57/15 tendo
em vista que ela já disciplina em quais hipóteses se dispensa o comparecimento do
policial militar à unidade da Polícia Civil a partir da elaboração do Boletim de
Ocorrência pela PMESP e posterior envio à unidade com atribuição de investigação
sobre os fatos.
Logicamente que melhor seria a revogação completa da referida resolução e
edição de outra com especificidades sobre o procedimento, todavia, a simplicidade
da medida é tão clara e os procedimentos já estão tão próximos deste passo que a
simples revogação de um parágrafo de uma resolução já viabilizaria juridicamente
este reconhecimento.
Finaliza-se portanto, a primeira proposta do trabalho.
Contudo, diante do levantamento a respeito das medidas implementadas em
outros estados, a maioria deles no sentido de criação de um sistema de registro
único de ocorrências, aliado à diretriz estabelecida pelo Sistema Único de
Segurança Pública que prevê no inciso XXII do art. 5º da Lei Federal nº 13.675/18 a
125

“unicidade do registro policial”, não é possível furtar-se à proposta mais consentânea


com o novo paradigma de “eficiência no exercício da autoridade policiai e das
atribuições institucionais com foco no cidadão”, inclusive já buscada em 2014 no
Estado de São Paulo, relativa à criação de um sistema único de registro de
ocorrência policial.
Neste sentido, o sistem desenvolvido em Goiás e no Paraná parecem estar
mais alinhados com as finalidades do Sistema Único de Segurança Pública por
integrarem no sistema outras instituições, a exemplo das Guardas Municipais e,
agora, das Polícias Penais, além de amenizarem um outro problema grave no atual
sistema de segurança pública que consiste na burocracia e desperdício de tempo
para a realização de exames policiais durante atendimento da ocorrência policial.
É certo que tal problema, mais uma vez, esbarra no defasado conceito de
autoridade policial. Neste caso, sequer a Lei do Sistema Único de Segurança
Pública conseguiu avançar tendo em vista que a resistência organizada dos adeptos
do modelo napoleônico oitocentista conseguiu empenhar até mesmo um Ministro do
Supremo Tribunal Federal nesta empreitada.
Durante a tramitação legislativa, o projeto de Lei do Sistema Único de
Segurança Pública tentou avançar e propunha a inserção de um dispositivo que
possibilitasse que medidas relativas à preservação de local de crime, requisição de
perícia e sua liberação fossem adotadas por qualquer autoridade policial que
chegasse ao local na ausência de autoridade policial com “competência legal e
constitucional para tanto”, todavia, além dos motivos expressos pelos parlamentares
durante a tramitação que alegaram uma certa confusão no texto que poderia, ao
contrário, empenhar os policiais por um tempo ainda maior na ocorrência, houve,
fora da tramitação legislativa formal, pedido expresso de um Ministro do Supremo
Tribunal Federal para alteração deste dispositivo sobre o “temor” de que, por
exemplo, “um guarda fizesse o trabalho de delegado”:
De acordo com Fraga, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal)
Alexandre de Moraes pediu a alteração de um dispositivo. O texto dizia que a
autoridade policial que chegar primeiro a uma ocorrência poderia iniciar o
atendimento da ocorrência, mas Moraes pediu alteração na redação. Segundo Fraga
havia o temor de que, por exemplo, um guarda fizesse o trabalho de delegado. (R7,
2018).
126

Percebe-se, portanto, ao menos em virtude do argumento exposto na


reportagem citada, como a defesa do nosso modelo policial napoleônico do século
XIX se mantém a partir de alegações de defesa de uma “burocracia”, de
“formalidades” e de “prerrogativas funcionais” e não por meio de argumentos
relativos a “eficiência” e “qualidade dos serviços prestados ao cidadão”.
Assim, em que pese a requisição de exames periciais e apreensão de
objetos ou demais elementos de prova ser muito mais célere quando praticados
diretamente pela autoridade policial presta o primeiro atendimento ao cidadão,
sendo plenamente possível a formalização de tais atos por qualquer instituição
policial que pode, como demonstrado ocorrer em alguns Estados, posteriormente
encaminhar os objetos, elementos colhidos e registros realizados para a instituição
responsável pela investigação criminal, mais uma vez, no Brasil ainda se sustenta
por alguns a necessidade, em regra, do empenho de duas instituições policiais, com
seus respectivos recursos humanos e materiais utilizados em duplicidade.
Tudo fundamentado no ideia de que a simples formalização de apreensão
de objetos e coleta de qualquer elemento de prova imediato ou requisição de
exames periciais seria considerada como “ato de competência exclusiva da
autoridade de polícia judiciária” (comum ou militar).
Se há dúvidas sobre a concretização e realização de tais medidas (perícias,
etc) a questão da unidade dos registros de ocorrência policial, como exposto,
ganhou outro patamar no ano de 2018 com o advento da Lei Federal nº 13.675 de
11 de junho de 2018 (BRASIL, 2018) que criou o Sistema Único de Segurança
Pública (SUSP) e estabeleceu a diretriz consistente na “unidade de registro de
ocorrência policial”.
Deste modo, mais do que uma opção, entende-se que hoje não apenas a
PMESP mas todo o sistema de segurança pública estadual, parece estar diante de
um problema a ser enfrentado de modo urgente e necessário a fim de se preparar
para readequação dos procedimentos operacionais e administrativos ao novo marco
legal e sua regulamentação subsequente.
Ainda no sentido do Registro Único e aproveitando-se das experiências
identificadas em outros estados, é importante ressaltar também que este sistema de
registro único de ocorrência policial deveria abarcar outras instituições.
Sobre a nova Polícia Penal, pouca polêmica haveria tendo em vista que,
como já destacado, operou-se a alteração constitucional reconhecendo-a,
127

expressamente, como instituição policial. Todavia, entende-se que por mais


espinhoso que seja o tema especialmente no âmbito institucional da PMESP, o
sistema deveria igualmente abarcas os órgãos de trânsito (no Distrito Federal isso já
é uma realidade introduzida por meio do Provimento nº 27 de 2019 do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e dos Territórios) e as Guardas Municipais.
Isso porque, a partir da segunda metade da década de 90, no âmbito local,
os municípios buscaram, cada vez mais, assumir um papel de relevância, seja
criando ou ampliando guardas municipais, Secretarias e Planos Municipais de
Segurança, seja regulamentando, por meio de lei e decretos, aspectos relacionados
à segurança pública, a exemplo do controle de horários e locais de venda de
bebidas alcoólicas e a divulgação de serviços como o Disque Denúncia (KAHN;
ZANETIC, 2005, p. 4).
Em período mais recente no ano de 2014, também em decorrência desse
movimento que se acentou a partir da virada do século, a Lei Federal n. 13.022/14
disciplinou o Estatuto Geral das Guardas Municipais, buscando consolidar e criar
condições, no plano infraconstitucional, para que as Guardas Municipais pudessem
efetivamente ser consideradas como polícias municipais. A simples leitura dos arts.
4º e 5º do referido Estatuto demonstra de forma muito clara esse objetivo:
Lei Federal nº 13.022/14

Art. 4º É competência geral das guardas municipais a proteção de bens,


serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município.
Parágrafo único. Os bens mencionados no caput abrangem os de uso
comum, os de uso especial e os dominiais.
Art. 5º São competências específicas das guardas municipais, respeitadas
as competências dos órgãos federais e estaduais:
I - zelar pelos bens, equipamentos e prédios públicos do Município;
II - prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações
penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens,
serviços e instalações municipais;
III - atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a
proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações
municipais;
IV - colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em
ações conjuntas que contribuam com a paz social;
V - colaborar com a pacificação de conflitos que seus integrantes
presenciarem, atentando para o respeito aos direitos fundamentais das
pessoas;
VI - exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias
e logradouros municipais, nos termos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de
1997 (Código de Trânsito Brasileiro), ou de forma concorrente, mediante
convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal;
VII - proteger o patrimônio ecológico, histórico, cultural, arquitetônico e
ambiental do Município, inclusive adotando medidas educativas e
preventivas;
VIII - cooperar com os demais órgãos de defesa civil em suas atividades;
128

IX - interagir com a sociedade civil para discussão de soluções de


problemas e projetos locais voltados à melhoria das condições de
segurança das comunidades;
X - estabelecer parcerias com os órgãos estaduais e da União, ou de
Municípios vizinhos, por meio da celebração de convênios ou consórcios,
com vistas ao desenvolvimento de ações preventivas integradas;
XI - articular-se com os órgãos municipais de políticas sociais, visando à
adoção de ações interdisciplinares de segurança no Município;
XII - integrar-se com os demais órgãos de poder de polícia administrativa,
visando a contribuir para a normatização e a fiscalização das posturas e
ordenamento urbano municipal;
XIII - garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo
direta e imediatamente quando deparar-se com elas;
XIV - encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor
da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que
necessário;
XV - contribuir no estudo de impacto na segurança local, conforme plano
diretor municipal, por ocasião da construção de empreendimentos de
grande porte;
XVI - desenvolver ações de prevenção primária à violência, isoladamente ou
em conjunto com os demais órgãos da própria municipalidade, de outros
Municípios ou das esferas estadual e federal;
XVII - auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de
autoridades e dignatários; e
XVIII - atuar mediante ações preventivas na segurança escolar, zelando
pelo entorno e participando de ações educativas com o corpo discente e
docente das unidades de ensino municipal, de forma a colaborar com a
implantação da cultura de paz na comunidade local.
Parágrafo único. No exercício de suas competências, a guarda municipal
poderá colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública
da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de
Municípios vizinhos e, nas hipóteses previstas nos incisos XIII e XIV deste
artigo, diante do comparecimento de órgão descrito nos incisos do caput do
art. 144 da Constituição Federal , deverá a guarda municipal prestar todo o
apoio à continuidade do atendimento.

Por óbvio que o rol de competências previstas para as guardas municipais


nos arts. 4º e 5º extrapola as atribuições constitucionais previstas no art. 144 da
Constituição Federal:

Constituição Federal

Art. 144

§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à


proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

Neste sentido, Lustosa (201 destaca essa dissonância citando decisões do


STF a respeito de impossibilidade de normas infraconstitucionais criarem
“instituições policiais”:

Diante disso, é proibido aos estados membros,por exemplo instituir função


policial ao departamento de trânsito(decisão STF,DJU 10 DE MARÇO
129

2006,ADIN N:1182). ou instituir 'policia penal ' encarregada da vigilância dos


estabelecimentos penais(STF,DJU 01 DE JUNHO DE 2001,ADIN,236).
[…]
Diante do exposto,o exercicio de poder de policia atribuido aos agentes
públicos dentro de suas prerrogaticvas não se confunde com segurança
pública,assim conclui a ementa do julgado pelo STF (RE-
658.570/MG).EMENTE:DIREITO ADMINISTRATIVO-RECURSO
EXTRAORDINÁRIO.PODER DE POLICIA NÃO SE CONFUNDE COM
SEGURANÇA PÚBLICA.O EXERCICIO DO PRIMEIRO NÃO É
PRERROGATIVA EXCLUSIVA DAS ENTIDADES POLICIASI,A QUEM A
CONSTITUIÇÃO FEDERAL OUTORGOU,COM EXCLUSIVIDADE,NO
ART.144,APENAS AS FUNÇÕES DEA SEGURANÇA PÚBLICA.2-A
FISCALIZAÇÃO DO TRÃNSITO COM APLICAÇÃO DAS SANÇÕES
ADMINISTRATIVAS LEGALMENTE PREVISTAS EMBORA POSSA SE
DAR OSTENSIVAMENTE,CONSTIUTI MERO EXERCICIO DE PODER DE
POLICIA ,NÃO HAVENDO PORTANTO ,ÓBICE AO SEU EXERCICIO POR
ENTIDADES NÃO POLICIAIS, Veja que em nenhum
momento o STF delegou as guardas municipais funçoes desempenhadas
pelas entidades policiais previstas no art.144 da CF/88.3-o código de
trãnsito brasileiro .observando os parâmetros constitucionais ,estabeleceu a
competencia comum dos entes da federação para o exercicio da
fiscalização de transito.4-dentro de sua esfera de atuação ,delimitada pelo
CTB ,os municipios podem determinar que o poder de policia que lhe
compete seja exercido pela guarda municipal.5-o art.144,paragrafo8:,da
CF/88 ,não impede que a guarda municipal exerça funções adcionias a de
proteção dos bens ,serviços e instalações do municipio,Até mesmo
instituições policiais podem cumular funções tipicas de segurança pública
com o exercicio de poder de policia,
[…]
Desta feita,resta claro que foi conferido as guardas municipais o poder de
policia administrativa em âmbito municipal e NÃO o de POLICIA
MUNICIPAL ,o qual não tem previsão constitucional a criação de policia
municipal, nem tampouco o uso da nomenclatura.
Ressalto que a Constituição Federal não aceita ingerência de leis ,pois toda
órdem juridica devem estar em consonância com a Constituição
Federal.Não pode,todavia uma lei seja ela ordinária ou complementar
,municipal ou estadual estrapolar os limites constitucionais pré-
estabelecidos,de tal forma,não podemos desvirtuar os principios que nelas
estão ,a fim de atender desejos pessoais ,ou aquilo que a lei não previu.

Também o STF têm interpretado o rol previsto no art. 144 de modo muito
restrito e taxativo:

ADI 3469 / SC - SANTA CATARINA


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 16/09/2010 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
[...]
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional nº
39, de 31 de janeiro de 2005, à Constituição do Estado de Santa Catarina.
3. Criação do Instituto Geral de Perícia e inserção do órgão no rol daqueles
encarregados da segurança pública. 4. Legitimidade ativa da Associação
dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL-BRASIL). Precedentes. 5.
Observância obrigatória, pelos Estados-membros, do disposto no art. 144
da Constituição da República. Precedentes. 6. Taxatividade do rol dos
órgãos encarregados da segurança pública, contidos no art. 144 da
130

Constituição da República. Precedentes. 7. Impossibilidade da criação,


pelos Estados-membros, de órgão de segurança pública diverso daqueles
previstos no art. 144 da Constituição. Precedentes. 8. Ao Instituto Geral de
Perícia, instituído pela norma impugnada, são incumbidas funções atinentes
à segurança pública. 9. Violação do artigo 144 c/c o art. 25 da Constituição
da República. 10. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente
procedente. (BRASIL, 2010).

Não por outro motivo, tão logo a Lei nº 13.022/14 foi aprovada a Ação Direta
de Inconstitucionalidade 5156 foi recebida pelo STF e tem como finalidade
questionar exatamente o Estatuto Geral das Guardas Municipais. A Procuradoria
Geral da República manifestou-se pela inconstitucionalidade dessa ampliação de
competência e até pela incompetência da União de legislar sobre o tema. (STF,
2015).
Sob o aspecto jurídico, não parece haver dúvidas sobre a
inconstitucionalidade da Lei nº 13.022/14, contudo, a existência de guardas
municipais em quase mil municípios brasileiros com um efetivo próximo a 100 mil
guardas indica que uma análise mais ampla, não apenas jurídica, deve ser
realizada. O próprio STF já se socorreu de dados concretos para analisar a questão
do porte de arma por guardas municipais:

Atualmente, portanto, não há nenhuma dúvida judicial ou legislativa da


presença efetiva das Guardas Municipais no sistema de segurança pública
do país.
[…]
Seja pelos critérios técnico-racional relação com o efetivo exercício das
atividades de segurança pública, número e gravidade de ocorrências
policiais, seja pelo critério aleatório adotado pelo Estatuto do Desarmamento
número de habitantes do Município , a restrição proposta não guarda
qualquer razoabilidade.
Ressalte-se que, mesmo antes da edição do Sistema Único de Segurança
Pública, as Guardas Municipais já vinham assumindo papel cada vez mais
relevante nessa imprescindível missão, de forma a colaborar com outras
importantes instituições que partilham do mesmo objetivo, notadamente as
Polícias Civis e Militares.
O percentual de municípios com Guarda Municipal no Brasil, que era de
14,1%, em 2006, passou para 17,8%, em 2012, e 19,4%, em 2014. No
Estado de São Paulo, em 2012, a instituição estava presente em 208
municípios (de um total de 645); em 2014 esse número cresceu
ligeiramente, alcançando 211 (ou 32,7%) dos municípios paulistas. Em
números absolutos, havia Guardas Municipais em 1.081 dos 5.570
municípios brasileiros (dados do IBGE, consultados em
https://www2.ibge.gov.br/home/estatistica/economica/perfilmunic/2012/d
efault.pdf, tabela 38 e
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94541.pdf ), a revelar
crescente e significativa participação nas atividades de segurança pública, o
que pode ser verificado e confirmado por vários critérios e indicadores.
Segundo dados disponíveis na Coordenadoria de Análise e Planejamento
da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, 286 municípios tiveram,
em 2016, ocorrências policiais apresentadas por Guardas Municipais nas
131

Delegacias de Polícia; no ano seguinte, 2017, isto ocorreu em 268


municípios.
Na média desses dois anos, 8% de todas as ocorrências policiais desse
Estado foram apresentadas pelas Guardas Municipais, apesar de estarem
presentes em apenas um terço, aproximadamente, dos 645 municípios
dessa unidade da Federação.
Isto demonstra não só a participação efetiva das Guardas Municipais na
segurança pública como, também, ponto extremamente relevante para o
ponto central discutido nesta ação: não raro, a Guarda de um município
acaba atuando em cidades vizinhas, seja pelo prolongamento da
ocorrência, seja por necessidade de deslocamento para a Delegacia de
Polícia mais próxima que esteja de plantão.
Essa participação, ainda segundo as estatísticas da Secretaria de
Segurança Pública de São Paulo, foi ainda mais intensa nos menores
municípios, aqueles com menos de 500 mil habitantes, onde, em 2016,
diversos tiveram mais de 50% dos registros policiais originados em atuação
de Guardas Civis, conforme tabela abaixo:

Em 2017, ainda no Estado de São Paulo, 37 municípios tiveram mais de


30% de suas ocorrências apresentadas por Guardas Municipais.
Essa efetiva atuação das Guardas Municipais no combate à criminalidade
resultou em um elevado número de mortes em serviço, conforme já salientei
ao votar no MI 6898-AgR/DF. (STF, 2017)

Não há dúvidas de que as atividades policiais são e continuarão sendo


desempenhadas de forma precípua no âmbito estadual pelas polícias estaduais,
militares e civis. Além da previsão constitucional do artigo 144 atribuir a estas
polícias a maior amplitude de ação, a simples análise do efetivo policial brasileiro
que, em números aproximados, encontra-se em 520 mil policiais estaduais, 20 mil
policiais federais e mais de 80 mil guardas municipais, indica a prevalência das
instituições estaduais na execução do serviço de segurança pública27.

27
Mesmo em casos em que o município passa a investir e desenvolver atividades direcionadas à
segurança pública, é comum, em razão das limitações constitucionais referentes às atuações das
guardas civis e/ou das orçamentárias deste ente federativo, que as ações sejam desempenhadas
pelas polícias militares ou civis com base em convênios realizadas entre estado e município por meio
dos quais o primeiro oferece os equipamentos e os recursos humanos e segundo arca com
vencimentos ou gratificações extras, a exemplo do recente convênio celebrado no município de São
Paulo, com base na Lei Municipal nº 14.977/2009 (regulamentada pelo Decreto Municipal nº
50.994/2009), por meio do qual policiais militares, na hora de folga, fardados e com viaturas policiais
militares, de modo voluntário, são empregados em operações de fiscalização de comércio ambulante
irregular ou ilegal no município de São Paulo.
132

Não obstante, os dados concretos a respeito de guardas municipais no


Brasil apresentados na supracitada decisão do STF indicam que apesar de
circunscritas à um quinto dos municípios brasileiros, em parcela considerável destes
as guardas municipais já exercem papel significativo ou até mesmo preponderante
na segurança pública e na própria atividade policial. Em tais cidades parece haver
claro descompasso entre o texto constitucional e a realidade o que indica a
necessidade de uma reforma constitucional que reconheça, de algum modo, as
guardas municipais como instituições policiais, ao menos nos casos de municípios
que assim o queiram e tenham condições de organizá-la para este tipo de função.
Assim, entende-se que um sistema de registro único de ocorrências policiais
eventualmente adotado em São Paulo, deveria abarcar a possibilidade da realização
do registro pelos integrantes das Guardas Municipais. Defender o contrário sob o
argumento da vedação constitucional pura e simples, parece que demonstraria a
adoção da mesma lógica utilizada por aqueles que visam impedir a evolução de
paradigma na segurança pública.
O próprio Projeto de Lei nº 928/14 já previa a possibilidade de convênios
com os municípios, provavelmente dentro da mesma concepção de possibilidade
das Guardas Municipais realizarem o respectivo registro das ocorrências por elas
atendidas.
Enfim, esse seria um trabalho de retomada dos passos congelados em
2014, provavelmente com a apresentação de um novo Projeto de Lei. Apesar da
possibilidade do sistema ser criado por meio de um ato normativo do Poder
Executivo, como visto, a controvérsia sobre o tema em São Paulo parece indicar
como mais adequado que seja realmente submetido ao processo democrático
legislativo.
Estas seriam portanto, as duas possibilidades à disposição da PMESP, não
excludentes entre si e passíveis de serem adotadas de modo paralelo, para preparar
a Instituição às prováveis evoluções decorrentes dos novos paradigmas que deverão
reestrutura o sistema de segurança pública brasileiro, espera-se, em futuro não
distante.
133

4. O BOLETIM ELETRÔNICO DE OCORRÊNCIA (BOe) DA PMESP


COMO FONTE PRIMÁRIA DE ESTATÍSTICA CRIMINAL E
OPERACIONAL

No capítulo anterior foram abordados todos os aspectos relativos aos


motivos pelos quais o Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe) da Polícia Militar do
Estado de São Paulo, mesmo após inúmeras inovações apresentadas ainda não foi
reconhecido como registro de ocorrência criminal válido para o cidadão, destacando-
se especialmente a crise paradigmática pela qual atravessa o atual sistema de
segurança pública brasileiro.
No presente capítulo serão analisadas as questões relativas à importância
dos dados estatísticos criminais para o modelo de polícia comunitária orientada à
solução do problema que foi adotado pela PMESP e por diversas outras polícias ao
redor do mundo em resposta às crises política e criminal que atingiram os países
ocidentais no final do século XX e início do século XXI. Aliás, no Brasil, a partir da
necessidade de mudança de postura das polícias frente a tais crises é que
começaram a ser buscadas soluções inovadoras para a adequada soluções dos
problemas na área da segurança pública soluções estas que impactaram o sistema
vigente e suas estruturas rígidas dando início à identificada crise paradigmática.
A partir de agora será apresentado o processo que conduziu às polícias até
a adoção deste modelo e como os dados e informações estatísticas são
imprescindíveis para essa “nova polícia”, o que demandará os aperfeiçoamentos e a
automatização proposta.

4.1 A Polícia que a sociedade exige e a estatística que essa Polícia precisa

Não há polícia sem informação.


A partir da segunda metade do século XX o incremento da complexidade
dos problemas sociais e criminais exigiu uma sistematização dos dados,
informações e conhecimento cada vez maior a fim de que a polícia pudesse melhor
compreender e agir diante das questões de segurança e ordem pública que
necessitava enfrentar. Ao mesmo tempo, mudanças políticas, culturais, econômicas
e sociais alteraram substancialmente as relações entre a sociedade, os indivíduos e
134

o Estado (este sob a perspectiva do governo constituído) o que acabou por impactar
as instituições policiais que tiveram que se aproximar de modelos institucionais
voltados à comunidade, à eficiência e eficácia e à prestação de contas
(accountability) sobre suas ações e resultados alcançados.
Ocorre que quanto mais uma determinada instituição policial se aproxima
desse novo modelo de prestação de serviço público maior será a necessidade de
um sistema ágil e consistente que permita uma adequada gestão das informações,
especialmente nos campos operacional e criminal.
Não por outro motivo, ao dispor sobre a metodologia de aplicação de seus
ativos operacionais, o Sistema de Gestão da Polícia Militar do Estado de São Paulo
– GESPOL prevê que a autoridade policial militar deve orientar o policiamento para
resolução de problemas específicos a partir de um diagnóstico resultante da análise
de diversas fontes (sistemas inteligentes, bancos de dados, estatísticas e
comunidade em geral) com o objetivo de direcionar os recursos policiais de modo
eficaz e eficiente, o que só será possível se os resultados das estratégias e ações
adotadas forem continuamente avaliados e retroalimentarem as análises e decisões
sobre a necessidade de manutenção, aperfeiçoamento ou mudanças no
planejamento operacional.
Este processo previsto pelo sistema institucional de gestão da PMESP,
fundamentado no chamado ciclo PDCL (Plan - planejar, Do - executar, Check -
verificar, e, Learning – aprendizagem) 28 , resultou, em termos operacionais, na
adoção do Plano de Policiamento Inteligente (PPI) (PMESP, 2010, p. 72 e 73), o
qual, normatizado em 2007 pela PMESP, consolidou a adoção institucional do
policiamento orientado à solução de problemas, modelo de policiamento que se
originou de experiências práticas implementadas por diversas polícias no início dos
anos 70, especialmente norte-americanas, e teve o conceito delineado gradualmente
a partir de textos e obras publicadas por Herman Goldstein durante as décadas
2930
seguintes (1977, 1979, 1987 e 1990) .

28
Referido método foi criado na década de 1920 pelo físico norteamericano Walter Andrew Shewart e
se popularizou na década de 1950 especialmente por meio do estatístico e professor William
Edwards Deming que o utilizou para desenvolvimento do controle de qualidade nos processo
produtivos.
29
Livros: Herman Goldstein. Policing a Free Society. Cambridge, MA, Ballinger, 1977; Herman
Goldstein. Problem-oriented Policing. New York, McGraw-Hill, 1990. Artigos: Herman Goldstein.
Improving Policing_ A Problem-oriented Approach. Crime and Delinquency, 25, 236-258, 1979;
135

A ideia central do modelo denominado policiamento orientado à solução dos


problemas pode ser sintetizada na sigla SARA (Scanning, Analysis, Response and
31
Assesment) , traduzida por Rolim (2009, p. 84) como “Levantamento, Análise,
32
Resposta e Avaliação” . Referida sigla traduz as quatro etapas que, segundo o
modelo, devem ser observadas pelas instituições policiais com a finalidade da
adequada identificação, compreensão e resolução eficaz dos problemas que
estejam sob sua responsabilidade. O objetivo é transformar uma polícia que
simplesmente “reage” ao crime (crime fighting policing) para uma polícia que consiga
se antecipar e alocar “seus recursos e esforços na busca de respostas preventivas
33
para os problemas locais (problem-oriented policing)” (NETO, 2000, p.44) .
Logicamente que a adoção desse modelo de policiamento pela PMESP deve
ser inserida dentro de um contexto maior vivenciado por instituições policiais de
diversos países e decorrente, como afirmado, das diversas mudanças que atingiram
a sociedade ocidental a partir da segunda metade do século XX (Vilardi, 2010, p.
XX) que exigiu mudanças de foco por parte dos modelos policiais em dois sentidos:
do “reativo” para o “preventivo” e do “Estado” para a “comunidade”.
É verdade que a “polícia moderna”, identificada por diversos autores a partir
das instituições que se consolidaram na Europa no final do século XVIII e início do
século XIX, nasceu, especialmente na Inglaterra, como um serviço e uma instituição
diretamente ligada às pessoas e grupos locais, ou seja, comunitária. Contudo,
durante a primeira metade do século XX, com o crescimento das cidades e
mudanças das características da sociedade ocidental as instituições policiais
passaram, paulatinamente, a se distanciarem destes laços comunitários em virtude

Herman Goldstein. Toward Community-oriented Policing: Potential, Basic-requirements, and


Threshold Questions. Crime and Delinquency, 33 (1), 6-30, 1987. ().
30
Também atribuem o desenvolvimento conceitual do policiamento orientado à solução de problemas
à Herman Goldstein, dentre outros, os seguintes autores: Jean-Paul Brodeur. Como reconhecer um
bom policiamento: problemas e temas. Trad. Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: EDUSP,
2001. (Série Polícia e Sociedade). p. 65; Theodomiro Dias Neto. Policiamento comunitário e controle
sobre a polícia: a experiência norte-americana. São Paulo: IBCCrim, 2000, p. 44; Marcos Rolim. A
Síndrome da Rainha Vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. 2 ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 84; e João Henrique Martins. Inovação e eficiência no controle do
crime: uma análise estrutural de sistemas de justiça criminal, 2009. Dissertação (Mestrado em
Ciências Políticas) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, p. 103.
31
O detalhamento de cada etapa do modelo proposto é exposto na página do Center for Problem-
Oriented Policing. Disponível em <http://www.popcenter.org/about/?p=sara>. Acesso em: 29.11.2009.
32
No material didático referente ao curso de polícia comunitária coordenado pelo Ministério da Justiça
é adotada a sigla IARA (Identificação, Análise, Resposta e Avaliação).
33
O autor utiliza a expressão “policiamento orientado ao problema”.
136

do incremento dos recursos tecnológicos (viaturas, rádios, chamadas telefônicas) e


da criação de regras que visavam o profissionalismo policial e a quebra da
34
“promiscuidade” e subserviência às autoridades locais .
Este processo afastou o policial da comunidade e o vinculou a uma estrutura
centralizada cuja missão precípua era atender, o mais rápido possível e em níveis
satisfatórios, os chamados e solicitações da população resultando, assim, na
configuração de uma polícia de “solução de incidentes”, posteriormente denominada
de policiamento “tradicional” (“tradicional” quando contraposta às mudanças que se
35
seguiriam no final do século XX ). Neste modelo, conhecido como “policiamento
direcionado para o incidente” ou “tradicional”, o foco, como destaca Dennis P.
Rosenbaum, não recaía sobre as causas dos problemas mas sim sobre a resolução
de cada incidente em particular findando-se a responsabilidade do policial a partir da
rápida e imediata resposta à reclamação do cidadão com a respectiva solução
daquele incidente em específico (ROSENBAUM, 2002, p. 38).
Contudo, a partir da segunda metade do século XX as novas demandas e
configurações do período pós guerras rapidamente demonstraram a insuficiência
deste modelo policial (com foco no incidente ou “tradicional”) para enfrentamento
dos novos e cada vez mais complexos problemas relacionados à segurança e ordem
pública. Jean-Paul Brodeur pontua que a literatura sobre a eficiência da polícia
revela a existência de um grande número de experimentos que, desde 1945,
objetivavam reformá-la (BRODEUR, 2001, p. 57).
Esta “onda” de experimentos foi sendo formada a partir de iniciativas locais,
pontuais e, portanto, bem diversas entre si. Não obstante, considerando que apesar
das peculiaridades locais tais iniciativas visavam resolver problemas semelhantes
resultantes das novas configurações políticas, sociais, econômicas e culturais, em
linhas gerais e em relação ao conteúdo dos experimentos, dois conceitos foram
sendo delineados e consolidados no transcurso das duas décadas finais do século
XX: os conceitos de policiamento comunitário e de policiamento orientado à solução
de problemas.

34
Para uma descrição deste processo, vide: Theodomiro Dias Policiamento comunitário e controle
sobre a polícia: a experiência norte-americana. São Paulo: IBCCrim, 2000. p. 26-30; e Marcos Rolim.
. A Síndrome da Rainha Vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. 2 ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p. 21-36.
35
O termo tradicional, ou seja, derivado da repetição deste modelo de policiamento é verificado no
século XX, pois, na gênese da polícia moderna, como visto, finais do século XVIII e durante todo o
século XIX, o modelo era completamente distinto.
137

Estes dois conceitos, ou modelos, foram analisados de modo muito


interessante por João Henrique Martins sob uma perspectiva que objetivou
identificar e compreendê-los a partir das origens de cada modelo, ou melhor
dizendo, a partir das “crises” que pretendiam “resolver”. Esta abordagem é
importante pois como bem destacado pelo referido autor, o foco de cada proposta
(comunitária ou solução de problemas) está, cada qual, intimamente relacionado à
uma das duas “crises” que eclodiram a partir da década de 60 do século passado,
inicialmente nos países mais desenvolvidos (Estados Unidos e Europa
especialmente) e de modo um pouco mais tardio no nosso continente (América do
Sul). Seguindo a denominação apresentada por João Henrique Martins, trata-se das
crises “política” e “criminal” (MARTINS, 2009, p. 94).
A crise “política” eclodiu nos anos 50 e 60 nos Estados Unidos e entre os
anos 60 e 90 na América Latina em decorrência da inadequação da atuação das
instituições policiais (e da própria configuração do Estado) frente aos movimentos e
manifestações sociais relacionadas às demandas pelos direitos civis e de
representação política (MARTINS, 2009, p. 98) e teria gerado um déficit de
credibilidade das instituições governamentais, especialmente as policiais, junto à
sociedade precipitando assim a necessidade de uma nova concepção da atuação
policial.
Em paralelo, ou no momento subsequente, as forças policiais depararam-se
com a “crise criminal” cujo ápice atingiu os Estados Unidos nos anos 80 e a América
Latina na década de 90 e produziu um cenário de elevadas taxas de homicídio,
distúrbios crônicos da criminalidade patrimonial de rua e ampliação da delinqüência
juvenil. Este cenário encontrou instituições policiais com a credibilidade afetada pela
“crise política” e assentadas sob um modelo policial orientado à solução de
incidentes que, como destacado, era insuficiente para o adequado enfrentamento
dos novos problemas sociais, culturais e econômicos do final do século XX.
Neste contexto, as iniciativas relacionadas ao modelo de policiamento
comunitário buscavam responder às questões relacionadas à “crise política”, e
focavam nas mudanças da conduta policial em relação ao público. Por sua vez, os
experimentos fundamentados no modelo de policiamento orientado à solução de
problemas tiveram por objetivo a recuperação da capacidade da polícia no controle
do crime, relacionados, portanto, à “crise criminal” (MARTINS, 2009, p. 95).
138

Assim como nos Estados Unidos e na Europa, no Brasil, os modelos


também foram implementados casuisticamente. As primeiras experiências
36
relacionam-se ao modelo de policiamento comunitário e também aparecem
intimamente ligadas à eventos relacionados à “crise política”. Em São Paulo, por
exemplo, apesar da existência de algumas experiências anteriores, a filosofia de
policiamento comunitário foi adotada de modo expresso e institucional em setembro
37
de 1997 em resposta à uma das maiores crises institucionais vivenciadas pela
PMESP e decorrente do evento conhecido como “Favela Naval” divulgado em março
daquele ano (ISTO É, 1997).
Da mesma forma como identificado em outros países por João Henrique
Martins, o modelo de policiamento orientado à solução de problemas, também passa
a ganhar corpo no Brasil a partir de demandas relacionadas à “crise criminal”. Em
São Paulo, por exemplo, as taxas de homicídios (CAMARGO, 2007, p. 35) e crimes
patrimoniais, em especial roubos e furtos em geral e de veículos (SCHNEIDER,
2005, p. 28) alcançaram níveis recordes na virada do século XX para o XXI em
decorrência de uma verdadeira explosão observada durante toda a década de 90.
Diante deste cenário de explosão da criminalidade urbana, as instituições
policiais paulistas, em especial a PMESP, passam a desenvolver inúmeros
mecanismos e estruturas com o objetivo de melhorar a gestão de seus recursos

36
Apenas a título exemplificativo, pode-se citar experiências implementadas no estado de São Paulo
e Rio de Janeiro. Em São Paulo: (i) criação dos Conselhos Comunitários de Segurança no Estado de
São Paulo em 1985 (Wilson Greppi. O Conselho comunitário de segurança: proposta de
padronização do papel do policial militar como membro nato, 1998. Monografia (Curso Superior de
Polícia) – Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra”, Polícia Militar do
Estado de São Paulo, São Paulo; Luiz Eduardo Pesce de Arruda. O líder policial e suas relações com
os conselhos comunitários de segurança em São Paulo. A Força Policial, São Paulo: Polícia Militar do
Estado de São Paulo, n. 16, out.-dez. 1997.); (ii) a implementação do Rádio Patrulhamento Padrão
em 1988 (Carlos Adelmar Ferreira. Alcance e relevância dos projetos comunitários de segurança
desenvolvidos pela Polícia Militar em Ribeirão Preto entre 1982 e 1990, Revista do Centro
Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto: CBM, vol. 2, n. 1, jan.-jun. 2009, p. 55.). No Rio de
Janeiro tentou-se implementar o policiamento comunitário a partir de 1994 e 1995, com destaque
especial à tentativa realizada no bairro de Copacabana que foi encerrada de modo precoce (Robert
Trojanowicz; Bonnie Bucqueroux. Policiamento comunitário: como começar. Trad. Mina Seinfeld de
Carakushansky. Rio de Janeiro: Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, 1994; Carlos Magno
Nazareth Cerqueira (Org). Do patrulhamento ao policiamento comunitário. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1999.)
37
A adoção oficial do programa e os esforços consistentes em 73 medidas neste sentido iniciou-se
em 30.09.1997 e foram mencionados pelo Coronel da PMESP Valdir Suzano, à época presidente da
Comissão de Asseroramento para Implantação do Policiamento Comunitário, em apresentação da
reedição, ocorrida em 1999, da obra de Robert Trojanoviwicz e Bonnie Bucqueroux “Policiamento
Comunitário: como começar” que já havia sido publicada pela Polícia Militar do Estado do Rio de
Janeiro, em 1994, como medida necessária para implementação do policiamento comunitário naquele
estado.
139

humanos, materiais e tecnológicos buscando trazer maior racionalidade e, assim,


alcançar níveis de eficiência e eficácia adequados aos novos desafios no campo
operacional e criminal.
O exemplo ocorrido no estado de São Paulo demonstra claramente a ligação
dos dois modelos com as crises enfrentadas pelas polícias estaduais, ou seja, a
adoção do policiamento comunitário como uma tentativa de aproximar as instituições
da população, após ocorrências de fatos que afetaram a credibilidade institucional e
a adoção de passos para a implementação do policiamento orientado à solução de
problemas na busca da resolução dos problemas enfrentados pelo crescimento
exponencial da criminalidade.
Não há dúvidas, portanto, que a PMESP inserida em um contexto que
ultrapassa as instituições policiais brasileiras pois, como apresentado, este é um
cenário internacional, adotou o policiamento comunitário e o policiamento orientado
à solução de problemas para aperfeiçoar sua gestão operacional e atender às novas
demandas sociais. E essa opção de modelo institucional está, como afirmado no
início deste capítulo, umbilicalmente relacionado à necessidade de um sistema de
registro único de ocorrências criminais e de automatização das estatísticas
operacionais e criminais. Mas antes de explicar esta estreita relação e assim
alcançar o objetivo do presente capítulo, importante apenas destacar uma questão
em relação à adoção institucional da PMESP em relação aos modelos de
policiamento comunitário e policiamento orientado à solução de problemas.
É fato que as normas previstas pela PMESP indicam a necessidade de
conciliação e junção dos dois conceitos.
Essa integração entre os modelos prevista normativamente é referendada
pela doutrina acerca do tema. Ainda que cada um dos modelos, como visto,
originou-se de demandas diversas, o fato é que tanto a crise “política” quanto a crise
“criminal”, apesar de matizes distintas, eclodiram de modo concomitante ou
subsequente, mas hoje coexistentes, na mesma sociedade. Assim, para bem
equacionar ambas questões é imprescindível que as instituições policiais conjuguem
os métodos e objetivos dos dois modelos tendo em vista que, caso contrário, a
priorização de um ou outro modelo resultará em déficit de resolução dos problemas
propostos pelo outro.
Em palavras mais simples, ao priorizar o policiamento comunitário
(aproximação e relação com a comunidade) pode-se gerar um déficit nos resultados
140

em termos de combate ao crime o que acarretará em questionamentos à instituição


policial. Da mesma forma, priorizando-se o combate ao crime (policiamento
orientado ao problema) corre-se o risco de não se priorizar os problemas
vivenciados por determinada comunidade e, portanto, recair sobre o mesmo déficit
de credibilidade.
Exemplificando, de nada adianta alcançar redução em todos os indicadores
criminais oficialmente adotados pelo sistema estadual de estatística criminal definido
pela Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (por exemplo roubos,
furtos, estupros e homicídios) se em uma determinada comunidade uma das
principais reclamações refere-se à contravenções penais relativas à perturbação do
sossego. Do mesmo modo, de nada adianta ter um excelente relacionamento e
canais de contato com a comunidade local se os indicadores de roubos e furtos
explodirem e resultarem no incremento da insegurança local. Em ambas hipóteses a
instituição policial será questionada e cairá em descrédito.
Assim, é importante destacar que o policiamento comunitário deve sim
agregar o método de diagnóstico, análise, apresentação de soluções e avaliação
das respostas implementadas para resolução de problemas. Esta é a concepção
adotada por Neto (2000, p. 62-76, 113-116) e também presente no Curso Nacional
de Policiamento Comunitário organizado pela Secretaria Nacional de Segurança
Pública, o método IARA é apresentado em uma disciplina específica, que integra o
curso (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007, p. 181-212). Em termos conceituais, Jean-
Paul Brodeur identificou, inclusive, corrente que denominou de “integrativa e
convencional” que engloba os dois conceitos de modelos de policiamento
(BRODEUR, 2001, p. 63-64). No Brasil, Marcos Rolim também sustenta que a
orientação a ser assumida pelas organizações policiais modernas deve ser de
natureza comunitária e que o conteúdo dessa disposição geral deve ser aquele
oferecido pela perspectiva do policiamento orientado à solução de problemas
(ROLIM, 2009, p. 90).
Neste sentido, a adoção da integração dos dois conceitos já na
nomenclatura contribuiria para consolidação deste ideal de modo mais prático e
direto:
Em vista destas considerações o conceito de policiamento comunitário,
seria muito melhor traduzido ou sintetizado se a própria denominação fosse
ampliada, estabelecendo-se a nomenclatura de Policiamento Comunitário
Orientado à solução de Problemas (PCOP) abrangendo, assim, já na
terminologia, a premissa da participação comunitária no processo decisório
141

e a orientação dos esforços que deve ser a de resolver, e não maquiar, os


problemas identificados e priorizados pela comunidade.
Desta forma, poder-se-ia extrair os benefícios do modelo de policiamento
orientado à solução de problemas no que se refere aos mecanismos que
garantam a eficiente implementação de políticas de segurança pública, sem
que se afaste a indispensável participação decisória da sociedade nas
ações desta natureza o que, como afirmado, propicia melhores condições
para que as medidas sejam escolhidas em respeito aos princípios
democráticos de direito e, conseqüentemente, garantia dos demais direitos
fundamentais, sem os quais, não há que se falar em segurança pública.
(VILARDI, 2010, p. 230)

Destacada essa necessidade, e proposta institucional de adoção da


nomenclatura “polícia comunitária orientada a solução de problemas”, importa
finalmente explicar o motivo pelo qual entende-se que este modelo policial, adotado
pela PMESP em decorrência de um processo de décadas de adequações das
instituições policiais de diversos países às demandas do século XXI, está
umbilicalmente ligado à necessidade de adoção de um sistema de registro único de
ocorrências criminais e da informatização das estatísticas criminais, que exige que o
Sistema Operacional da PMESP, especialmente o Boletim de Ocorrência Eletrônico
– BOe, seja formatado e esteja preparado para as atuais demandas.
O modelo de “polícia comunitária orientada a solução de problemas” exige
um diagnóstico preciso e atual dos problemas de segurança e ordem pública a
serem enfrentados. Este diagnóstico, que deve retratar de modo mais preciso
possível a realidade operacional e vivenciada por determinada comunidade
(Searching ou Identificar), deve ser disponibilizado de modo detalhado,
customizável, e em tempo hábil para o planejamento operacional (Analise). Uma vez
definidas as ações policiais a serem implementadas com base no diagnóstico
criminal e operacional supracitado (Do ou Response/Resposta), estas devem ser
passíveis de serem acompanhadas em tempo real para avaliação dos seus
resultados (Check ou Avaliação), de modo que correções possam ser realizadas ou
medidas de manutenção ou aprofundamento das ações possam ser aprofundadas.
Vale lembrar ainda que dentro do modelo institucional de co-participação
comunitária todas estas fases, devem ser compartilhadas ao máximo possível com a
comunidade, não apenas porque dentro do atual conceito de Estado a regra, como
não deveria ser diferente, é a publicidade dos dados e informações, mas
principalmente porque todas as fases de atuação da polícia (Diagnóstico,
Prioridades, Ações, Resultados e Avaliações) são realizadas em parceria com a
comunidade.
142

Não há dúvidas de que as diversas ferramentas de inteligência hoje


disponíveis aos policiais militares permitem um planejamento racional e um
acompanhamento até certo ponto razoável dos resultados de suas ações
especialmente no que diz respeito aos indicadores criminais. Um olhar panorâmico
indicaria até que o cenário seria até “excedente” ao necessário para um modelo de
“polícia comunitária orientada à solução de problemas”, contudo, uma aproximação
dos processos e procedimentos tanto internos quanto internos à instituição parecem
indicar o contrário.
Iniciando-se pela parte mais “simples” do atual processo, qual seja, a dos
dados criminais. Se em um primeiro momento pode-se indicar que mensalmente são
divulgados os dados dos principais indicadores criminais por Distrito/Delegacia
Policial ou Companhia PM por meio do endereço eletrônico da Secretaria da
Segurança Pública que, em tese, permitiriam o acompanhamento por qualquer
cidadão de um dos aspectos da segurança pública local (registros oficiais que se
relacionam ao aspecto objetivo da segurança pública), por outro lado, uma análise
um pouco mais detalhada já destacaria que tais dados são parciais (apenas alguns
crimes integram o sistema estadual de estatística criminal), genéricos (por exemplo
divulgam-se roubos mas não se especificam se roubos a transeuntes, a residências,
a estabelecimentos comerciais, em interior de transporte público, etc) e
disponibilizados dois meses após os fatos (os dados do mês de fevereiro por
exemplo são disponibilizados apenas no final de março).
Se o cidadão desejar saber o dia, o horário, o modus operandi, a quantidade
de autores, as características das vítimas ou qualquer outra informação que entenda
relevante a respeito da situação da segurança pública na sua região, ele não tem
disponibilizado tais dados. Pior, considerando que a estatística criminal depende de
um sistema de inserção quantitativa e manual de dados por cada unidade da polícia
civil (são cerca de 1400 unidades policiais no Estado) sequer os policiais militares
tem condições, no atual sistema, de extrair tais informações com base na estatística
oficial.
As incongruências são maiores se a perspectiva for ampliada. O sistema de
bonificação é baseado nos resultados aferidos por meio do sistema estadual de
estatística criminal, contudo, o planejamento operacional é realizado por meio do
INFOCRIM 3.0 e do COPOM ONLINE que, apesar de também se basearem no
143

sistema de Registro Digital de Ocorrências (R.D.O.), na grande maioria dos casos


não apresentam os mesmos dados.
Sim, é verdade que os dados são próximos, mas efetivamente não são os
mesmos. O INFOCRIM 3.0 possui “regras de negócio” distintas do “COPOM ON
LINE” que, por sua vez, não se confundem com os critérios utilizados de modo não
uniforme por cada um dos policiais civis que mensalmente inserem dados
quantitativos no Sistema Estadual de Estatística Criminal consolidado pela
Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo.
No âmbito de uma Companhia ou Delegacia/Distrito Policial, 5 registros
podem significar um aumento ou diminuição da ordem de dezenas de casas
percentuais o que compromete a credibilidade do sistema e da comunidade frente às
instituições policiais.
Em termos de produtividade a situação é ainda mais problemática. O
Sistema Estadual de Estatística Criminal divulga dados de prisões em flagrante,
mandados de prisão concretizados, armas e drogas apreendidas, inquéritos
instaurados, veículos localizados, boletins de ocorrência lavrados e outras
informações de modo agrupado pelas instituições policiais sem discriminar qual a
instituição responsável por aquela ação ou atividade, qual o crime ou pessoa
relacionada, qual o tipo de arma, local da apreensão, da prisão, ou qualquer outra
especificação.
Isso porque, apesar do Sistema Estadual de Estatística Criminal prever que
este deve ser lastreado nos boletins de ocorrência, uma vez que o mesmo fato ou
crime é registrado, por vezes, por meio de mais de um registro (um principal e os
demais complementares) aliado ao fato de que os dados do sistema de estatística
oficial é alimentado única e exclusivamente com dados quantitativos não vinculados
ao registro policial que os originou, uma vez que os dados são inseridos no sistema
de estatística criminal perde-se absolutamente a vinculação destes com os registros
policiais que devem servir-lhes de lastro. A única possibilidade de verificar a
correção ou qualquer outro microdado relativo à estatística criminal é necessário
individual e manualmente refazer o caminho de inserção do dado e indagar (sim
indagar expressamente) cada um dos mais de mil policiais responsáveis por inserir
os dados mensalmente no sistema para que indique qual o registro policial (boletim)
a que se refere cada unidade inserida no Sistema Estadual de Estatística Criminal.
144

Mesmo no que diz respeito aos sistemas estatísticos internos da Polícia


Militar do Estado de São Paulo a situação não é tão diferente. Diariamente os
policiais militares de cada Companhia são obrigados a alimentar inúmeras
“planilhas” e “sistemas” que muitas vezes indicam a mesma informação sendo que
no resultado final, a estatística oficial acaba de igual forma sendo apenas
quantitativa e passível de ser detalhada apenas pela origem da Companhia que
inseriu os dados sendo que para se analisar as informações detalhadas (quem foi
abordado, quem foi preso, qual arma foi apreendida, ou qualquer outro microdado) é
necessário também realizar o caminho inverso e solicitar tal informação ao policia
militar que inseriu os dados no sistema.
Apenas a título exemplificativo na 2ª Cia do 23º BPM/M o Serviço de Dia é
responsável por diariamente alimentar o SIOPM WEB (para “logar” as unidades de
serviço – viaturas e equipes em serviço), o SICOORDOP PM (para informar as mais
diversas operações diárias em termos quantitativos), o Sistema ORION (para lançar
de modo quantitativo as atividades policiais realizadas), além de preencher uma
planilha de operações diárias (com informações existentes no SICOORDOP PM),
uma planilha de viaturas logadas (com informações existentes no SIOPM WEB),
uma planilha de quantitativo de atividades policiais (QAP – com informações já
inseridas no Sistema ORION), duas “resenhas” – uma preliminar e outra definitiva -
com as equipes de serviço (informação disponível no SIOPM WEB) além de outras
atividades relacionadas à própria Cia e outros sistemas inteligentes (QPAE e
FOTOCRIM, etc).
Além do empenho do mais caro recurso disponível para a Administração
Pública qual seja o humano, esta multiplicidade de inserções além de permitir erros
acabam por resultar em um dado final disponível apenas em forma quantitativa para
o planejamento operacional.
Por exemplo se diante de um aumento detectado dos registros criminais em
um subsetor o Comandante de Companhia determina a realização de uma operação
saturação durante um mês em determinados períodos naquela região com vistas a
indivíduos conduzindo motocicletas e com “bags” de aplicativos de entregas. Ao final
do mês terá que buscar as informações sobre as atividades em diversos sistemas
(SICOORDOP, SIOPM WEB, planilhas manuais) além dos relatórios manuscritos do
serviço desempenhado pelas equipes para analisar o modo pelo qual a
145

determinação foi executada e tentar, a partir desse emaranhado de dados e


informações, relacionar com eventual efetividade da ação.
Se internamente essa é uma missão complexa e dispendiosa, como atender
ao modelo de compartilhamento dos problemas, soluções, ações e resultados com a
comunidade?
Em linhas gerais apenas um sistema de registro único ou integrado de
ocorrência/evento de segurança e ordem pública que seja capaz de centralizar as
ações, procedimentos e resultados das diversas instituições que atuam direta ou
indiretamente na área da segurança e ordem pública e que seja base de geração
automática de toda a estatística operacional (de produtividade) e criminal é capaz
de atender ao atual modelo de “polícia comunitária orientada à solução de
problemas” modelo este que não decorre de uma simples opção institucional da
PMESP mas sim de uma exigência dos atuais desafios enfrentados no Brasil e no
mundo na área da segurança e ordem pública e dos atuais princípios constitucionais
e direitos fundamentais inerentes ao Estado Democrático de Direito.

4.2 Os sistemas oficiais de estatística criminal federal e estadual e os objetivos


estratégicos da PMESP

O tópico anterior destinou-se a demonstrar o motivo pelo qual o novo


modelo de polícia comunitária orientada a solução de problemas depende
siginificativamente de de dados e informações, em todas as suas fases, e como uma
estatística criminal e operacional de qualidade é relevante sob este aspecto.
Agora, considerando que foram destacadas limitações dos sistemas
estaduais e federais de estatística criminal e a necessidade de aperfeiçoamentos,
especialmente por meio do Sistema Operacional da Polícia Militar (SIOPM), importa
analisar o modo como ambos os sistemas (Resolução SSP 160/01 e SINESP) estão
configurados.
Contudo, antes de adentrar à analise específica sobre cada um deles,
importante demonstrar como tudo isso se relaciona com os objetivos estratégicos da
Instituição.
Neste sentido, de acordo com o Sistema de Gestão da Polícia Militar do
Estado de São Paulo (GESPOL), “a Gestão pela Qualidade, adotada pela PMESP
146

desde 1996, representa a definição dos processos e dos padrões, com a utilização
de ferramentas modernas de gestão destinadas ao planejamento, organização,
liderança e controle” (PMESP, 2010, p. 15), neste sentido, a Gestão de Tecnologia
de Informação e Comunicação:

“é base para todas as demais áreas gerenciais, pois representa o suporte


necessário para que se possa desenvolver o sistema de gestão,
compartilhando as informações para a tomada de decisão, considerando os
três pontos essenciais de um sistema de gestão: as pessoas, o processo e
a tecnologia.” (PMESP, 2010, p. 42)

E nesta base, a Diretiva de Sistema Integrado de Gestão (SIG)


caracteriza-se como suporte para todas as estratégias de gestão, orientada para a
integração e disponibilização dos dados, traduzindo-os em informações gerenciais
relevantes aos gestores.” (PMESP, 2010, p. 42)
Já com relação à Diretiva de utilização da Tecnologia na atividade
operacional o Sistema de Gestão da Polícia Militar do Estado de São Paulo
estabelece que:

“O desenho de Tecnologia de Informação e Comunicação habilita acessos a


bancos de dados e Sistemas Inteligentes, ferramentas imprescindíveis ao
planejamento operacional, para pontuar as necessidades de cada área e
direcionar o policiamento no respectivo território, mediante a elaboração de
Planos de Policia- mento Inteligente (PPI), o que propicia a execução do
policiamento orientado.

As informações que subsidiarão a tomada de decisões obedecem a padrões


estabelecidos no Subsistema de Informações Quantitativas (SIQuant). Este
é o principal requisito para o desenvolvimento e implantação de ferramentas
de Business Intelligence (BI), necessários à coleta, organização, análise,
compartilhamento e monitoração de informações que ofereçam suporte à
gestão estratégica, ao policiamento orientado e às ações de inteligência
policial.” (PMESP, 2010, p. 43)

Como se percebe, as diretivas que integram a Gestão de Tecnologia de


Informação e Comunicação, por sua vez inserida no Sistema de Gestão da Polícia
Militar do Estado de São Paulo traduzem e se relacionam diretamente com
necessidade de adequação dos bancos de dados e sistemas inteligentes da
PMESP, alimentados pelas informações dos BOes, aos sistemas estatísticos
criminais estadual e federal os quais, em última análise, servem de parâmetro para
avaliação das políticas de segurança pública e consequentemente norteiam o
planejamento operacional da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
147

Em outras palavras, o Sistema de Gestão da PMESP fundamenta-se na


ideia de que a tecnologia de informação deve servir de suporte para, dentre outras
funções, produzir conhecimento a partir da análise inteligente das informações
armazenadas e, assim, subsidiar o planejamento de ações e políticas de segurança
pública implementadas e executadas pela PMESP e baseadas no modelo de
policiamento comunitário orientado à solução de problemas.
Nada mais lógico, portanto, que se pretenda aperfeiçoar, automatizar e
vincular os indicadores criminais e de produtividade policial oficiais, norteadores da
gestão policial, às informações reais e detalhadas a respeito de cada atividade
policial militar registrada no SIOPM e BOe possibilitando-se assim a otimização de
recursos humanos e materiais e o aumento da qualidade das informações à
disposição da Instituição que, assim, poderá entregar um melhor serviço de
segurança pública à população paulista.
No mesmo sentido encontram-se os objetivos estratégicos constantes do
Plano de Comando 2018-2019 da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP,
2017):

Educação Corporativa e Gestão do Conhecimento


Diretriz nº 2
Ampliação dos mecanismos de gestão do conhecimento
Objetivo Estratégico nº 2: Aperfeiçoar o uso dos mecanismos de
Gestão do Conhecimento
O presente objetivo visa potencializar o uso dos mecanismos de Gestão do
Conhecimento existentes na PMESP, de forma a alavancar as mudanças
organizacionais e as inovações necessárias para aperfeiçoamento dos
serviços prestados pela PMESP
Processos Administrativos
Diretriz nº 7
Aperfeiçoamento dos Processos Administrativos
Objetivo Estratégico nº 6: Aperfeiçoar os processos
administrativos.
O presente objetivo visa promover melhorias nos processos de apoio,
relacionados às áreas de Gestão de Pessoas, Gestão de Logística e
Finanças, Gestão de Comunicação Social e Gestão de Tecnologia da
Informação e Comunicações, com a finalidade de simplificar e
desburocratizar os padrões de trabalho, além de oferecer melhor
sustentação aos processos operacionais
Processos Operacionais
Diretriz nº 8
Controle dos indicadores criminais e melhoria na sensação de
segurança
Objetivo Estratégico nº 7: Potencializar os esforços em
atividades de prevenção criminal e sua repressão imediata, com
ênfase nos crimes de roubo
O presente objetivo visa maximizar a alocação de recursos e aperfeiçoar a
doutrina, o planejamento e execução operacional, de forma a promover
148

refinamento da qualidade dos serviços prestados pela PMESP, com ênfase


na redução dos crimes de roubo
Diretriz nº 11
Ampliação das ações no campo da inteligência policial
Objetivo Estratégico nº 11: Ampliar as ações no campo da
inteligência policial
O presente objetivo visa aperfeiçoar os processos e os sistemas,
informatizados ou não, destinados a identificar, acompanhar e avaliar
ameaças reais ou potenciais de Segurança Pública, e produzir
conhecimentos e informações estratégicas, táticas e operacionais que
subsidiem ações para prever, neutralizar, coibir e reprimir atos criminosos
de qualquer natureza, com ênfase nos delitos de roubo e nos perpetrados
por organizações criminosas.

Logo, demonstrada a adequação do até aqui abordado com o Sistema de


Gestão da PMESP e seus objetivos estratégicos, importa analisar detalhadamente
os dois sistemas estatísticos para, depois, propor as medidas que atendam às
necessidades institucionais.

4.2.1 O Sistema Estadual de Estatística Criminal (Resolução SSP nº 160/01)

Até a década de 80 do século XX, a produção de estatísticas criminais no


Estado de São Paulo passou por diversas modificações havendo publicações de
relatórios e levantamentos que tinham por fonte tanto informações do Poder
Judiciário quanto bases de registros de ocorrências policiais, principalmente da
Polícia Civil. A falta de sistematização ocasionava a dificuldade de consolidação final
dos dados e até mesmo de definição no tocante à responsabilidade para produção,
consolidação e publicação dos dados estatísticos criminais estaduais. Renato (2006,
p. 91) em levantamento sobre a estatística criminal produzida entre 1871 e 2000 no
Estado de São Paulo identificou três Resoluções da Secretaria da Segurança
Pública (Resoluções SSP nº 25/71, 27/78 e 33/80), além de informações
relacionadas à uma Portaria do Delegado Geral de Polícia (Portaria DGP 2/80) que
buscaram sistematizar os dados estatísticos criminais do Estado. Mais uma vez,
tratando-se de um texto de apresentação do tema, suficiente o destaque temporal a
partir do qual a estatística criminal estadual passa a ser consolidada de modo mais
consentâneo ao sistema atual, o que ocorre a partir do ano de 1995. Naquele ano
têm-se a criação de uma padronização legal dos dados estatísticos criminais do
Estado por meio da Lei Estadual nº 9.155/95 que passam a ser de responsabilidade
da Secretaria da Segurança Pública com periodicidade obrigatória trimestral:
149

Lei Estadual nº 9.155 de 15 de maio de 1995

Artigo 1. -A Secretaria da Segurança Pública publicará, trimestralmente, no


Diário Oficial do Estado, os seguintes dados referentes à atuação das
policias estaduais, discriminando Capital, Grande São Paulo e Interior.
I - número de ocorrências registradas pelas polícias Militar e Civil, por tipos
de delitos;
II - número de Boletins de Ocorrência registrados e número de Inquéritos
Policiais instaurados pela Polícia Civil;
III - número de civis mortos em confronto com policiais militares e policiais
civis;
IV - número de civis feridos em confronto com policiais militares e policiais
civis;
V - número de policiais, civis e militares, mortos em serviço;
VI - número de policiais, civis e militares, feridos em serviço;
VII - número de prisões efetuadas pela Polícia Civil e Polícia Militar;
VIII - número de homicídios dolosos, homicídios culposos, tentativas de
homicídios, lesões corporais, latrocínios, estupros, seqüestros, tráfico de
entorpecentes, roubos, discriminando de veículos e outros e furtos,
discriminando de veículos e outros; e
IX - número de armas apreendidas pelas polícias.

Artigo 2.º - Os dados referentes ao trimestre encerrado devem ser


publicados no Diário Oficial do Estado, no máximo em 30 (trinta) dias após
seu término.

Com a implementação da lei e consolidação das rotinas de coleta de dados


estatísticos no âmbito policial o passo seguinte foi a criação, por meio da Resolução
SSP nº 160, de 08/05/2001, do Sistema Estadual de Coleta de Estatísticas
Criminais, que teve por objetivo racionalizar, unificar e aumentar a qualidade das
estatísticas produzidas pelas unidades policiais e encaminhadas à Administração
Superior da Secretaria da Segurança Pública especificando com maior precisão,
clareza e transparência, as estatísticas de ocorrências criminais registradas e
disciplinando, uniformizando e agilizando o fluxo de dados coletados.

Resolução SSP nº 160/01


[...]
Art. 1º - Fica criado o Sistema Estadual de Coleta de Estatísticas Criminais,
de acordo com o fluxo previsto nesta Resolução.
Art. 2º - As unidades policiais encarregadas das atividades de polícia
judiciária e as Organizações Policiais Militares - OPMs - deverão preencher
mensalmente os formulários estatísticos constantes dos Anexos I e II,
remetendo-os às Unidades/OPMs imediatamente superiores.
Parágrafo único: os dados oficiais divulgados pela Secretaria de Segurança
Pública têm por fonte primária o Boletim de Ocorrência da Polícia Civil.

Como se percebe o Sistema Estadual de Coleta de Estatísticas Criminais


tem atualmente por fonte informações produzidas pela Polícia Civil (Anexo I da
Resolução) e pela Polícia Militar (Anexo II da Resolução). Os indicadores são
150

semelhantes em relação às ocorrências criminais por tipo, e em relação à Polícia


Militar os indicadores que devem ser informados são os seguintes:

ANEXO II - POLÍCIA MILITAR


GRANDE COMANDO:
OPM:
Mês:__________
Ano:__________

ITEM I BOLETINS DE OCORRÊNCIAS POLICIAIS REGISTRADOS


POR
GRUPOS DE NATUREZA Ocorridas e registradas
na área da Unidade
1. Criminais
CONTRA A PESSOA
CONTRA O PATRIMÔNIO
CONTRA OS COSTUMES
ENTORPECENTES
OUTROS
2. Contravencionais
3. Atos infracionais
4. Não criminais

ITEM II OCORRÊNCIAS CRIMINAIS POR TIPO Ocorridas e


registradas na área da Unidade

HOMICÍDIO DOLOSO
Nº DE VÍTIMAS EM HOMICÍDIO DOLOSO
HOMICÍDIO CULPOSO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO
HOMICÍDIO CULPOSO – OUTROS
TENTATIVA DE HOMICÍDIO
LESÃO CORPORAL DOLOSA
LESÃO CORPORAL CULPOSA POR ACIDENTE DE TRÂNSITO
LESÃO CORPORAL CULPOSA – OUTRAS
LATROCÍNIO
Nº DE VÍTIMAS EM LATROCÍNIO
ESTUPRO
EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO
TRÁFICO DE ENTORPECENTES
PORTE DE ENTORPECENTES
APREENSÃO DE ENTORPECENTES
PORTE DE ARMA
ROUBO A BANCO
ROUBO DE CARGA
ROUBO DE VEÍCULO
ROUBO – OUTROS
FURTO DE CARGA
FURTO DE VEÍCULO
FURTO – OUTROS

ITEM III ATOS INFRACIONAIS POR TIPO Ocorridas e registradas


na área da Unidade
151

HOMICÍDIO DOLOSO
Nº DE VÍTIMAS EM HOMICÍDIO DOLOSO
HOMICÍDIO CULPOSO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO
HOMICÍDIO CULPOSO – OUTROS
TENTATIVA DE HOMICÍDIO
LESÃO CORPORAL DOLOSA
LESÃO CORPORAL CULPOSA POR ACIDENTE DE TRÂNSITO
LESÃO CORPORAL CULPOSA – OUTRAS
LATROCÍNIO
Nº DE VÍTIMAS EM LATROCÍNIO
ESTUPRO
EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO
TRÁFICO DE ENTORPECENTES
PORTE DE ENTORPECENTES
APREENSÃO DE ENTORPECENTES
PORTE DE ARMA
ROUBO A BANCO
ROUBO DE CARGA
ROUBO DE VEÍCULO
ROUBO – OUTROS
FURTO DE CARGA
FURTO DE VEÍCULO
FURTO – OUTROS

ITEM IV ATIVIDADES POLICIAIS

Nº DE VEÍCULOS RECUPERADOS
APREENSÕES DE ENTORPECENTES(quantidade/unidade)
Maconha
Cocaína
Crack
Outros
Nº DE PRISÕES EFETUADAS
Nº DE PESSOAS PRESAS EM FLAGRANTE
Nº DE PESSOAS PRESAS POR MANDADO
Nº DE INFRATORES APREENDIDOS EM FLAGRANTE
Nº DE INFRATORES APREENDIDOS POR MANDADO
Nº DE ARMAS DE FOGO APREENDIDAS

Fonte: Polícia Militar do Estado de São Paulo

Ainda que algumas alterações tenham ocorrido após a criação do Sistema


Estadual de Estatística Criminal, como por exemplo a inserção dos indicadores de
“Lesão Corporal Seguida de Morte” e “Estupro de Vulnerável” (SECRETARIA DA
SEGURANÇA PÚBLICA, 2016) em linhas gerais o Sistema se mantém até hoje
sendo os dados publicados mensalmente em nível de Departamentos e Grandes
Comandos no Diário Oficial do Estado e também mensalmente, mas de modo mais
pormenorizado, até o nível de distritos policiais ou delegacias, no endereço
eletrônico da Secretaria da Segurança Pública na Internet
(http://www.ssp.sp.gov.br/Estatistica/Pesquisa.aspx).
152

Os dados do Sistema Estadual de Estatística Criminal relativos à Polícia


Militar são encaminhados mensalmente à Coordenadoria de Análise e Planejamento
da Polícia Militar pelo Centro de Inteligência da Polícia Militar (CIPM), com base no
preenchimento do Quadro Mensal de Ocorrência (QMO) cujo preenchimento deveria
ser normatizado por meio dos anexos das Instruções para o Subsistema de
Informações Quantitativas da Polícia Militar (SIQuant) integrado ao Sistema de
Informações da Polícia Militar (SIPOM) - I-08-PM (PMESP, 2010), contudo, em
virtude dos anexos do SIQuant ainda não terem sido elaborados, atualmente o
preenchimento do QMO tem sido normatizado por meio de Ordens de Serviço
expedidas pelo Subcomandante da Polícia Militar que não são publicadas em
Boletim Geral.
Também importante destacar que atualmente a alimentação dos
indicadores do Sistema Estadual de Estatística Criminal relativos à PMESP,
estabelecidos por meio da Resolução SSP n. 160/01, são produzidos a partir do
preenchimento do Quadro Mensal de Ocorrências (QMO) que, apesar de produzido
a partir de fontes oficiais, dentre elas os dados constantes dos Boletins de
Ocorrência elaborados pela PMESP, carece de uma regulamentação específica (os
anexos do SIQUant ainda não foram publicados) além de ser formado por
informações simplesmente quantitativas o que impede uma auditoria detalhada e
rastreabilidade individualizada de cada dado lançado o que limita sobremaneira as
possibilidades de produção de conhecimento a partir dos dados oficiais consolidados
no que diz respeito à estatística oficial do Estado. Esta também é um limitação
presente no sistema de alimentação da Polícia Civil.
Portanto, apesar de os dados lançados serem, ao menos em tese,
lastreados pelos registros policiais, em especial os boletins de ocorrência elaborados
pelas polícias civil e militar, a partir do momento que passam a ser inseridos, que se
inicia em cada unidade da Polícia Civil (Distrito ou Delegacia de polícia) ou da
Polícia Militar (Grupamento, Pelotão, Companhia), por meio de um trabalho manual
de inserção dos dados simplesmente quantitativos, obtidos a partir da análise
individual dos boletins registrados, em um sistema próprio e destinado para a coleta
dos dados (QMO para a PMESP e DAP para a Polícia Civil), o volume de
informações e dados (vale lembrar que são cerca mais de três milhões de
ocorrências por ano), impossibilitam qualquer possibilidade de rastreamento do
registro ou boletim que fundamentou aquele quantitativo, que dependeria da
153

realização de um caminho inverso, também manual e individualmente, até se


retornar ao momento em que a primeira unidade inseriu a quantidade relativa ao
indicador no sistema (QMO ou DAP).
A título de exemplo, se uma Companhia lançou 10 ocorrências de
“Homicídio” no QMO, quando esta informação chega ao destino final, na
Coordenadoria de Análise e Planejamento, não é possível identificar quais
ocorrências a que a unidade se referiu sendo inviável o auditamento e eventuais
correções da informação. O mesmo ocorre quando um Distrito Policial ou Delegacia
de Polícia insere, por exemplo, a informação de que em determinado mês foram
registrados 55 furtos de veículos na sua circunscrição, contudo, o sistema limita-se a
solicitar a inserção do dado quantitativo sem vinculação dos respectivos boletins de
ocorrência que lastreiam aquela informação. Assim, não é raro identificar que
determinado Distrito Policial, aproveitando o caso hipotético, lançou 55 casos de
furtos de veículos naquele mês, entretanto, no Sistema de Registro Digital de
Ocorrências (R.D.O.) constam 50 (menos) ou 60 (mais) boletins relativos a furtos de
veículos. Isso não significa que o lançamento foi feito errado pois podemos ter
boletins registrados em duplicidade, em que a natureza jurídica foi alterada a partir
de elementos da investigação e assim por diante.
Entretanto, estando o dado correto ou não, a inserção meramente
quantitativa presta-se a informar apenas os dados no exato formato das tabelas e
indicadores pré-estabelecidos tendo em vista que se for necessário algum
cruzamento na busca de alguma outra informação, o resultado retornará
simplesmente número com número sem nenhum conhecimento adicional o que
limita muito a utilização dos dados oficiais no planejamento operacional.
Somente esta questão já justificaria a extração automática dos
indicadores criminais e de produtividade que compõe o sistema estadual a partir e
diretamente dos boletins de ocorrência registrados. Se a estatística oficial divulgada
por estes dois sistemas é utilizada como referência de resultados na área da
segurança pública todavia não se tem a possibilidade de analisar criticamente cada
fenômeno que fica circunscrito a um número tão somente quantitativo, parece óbvio
a necessidade do ajuste a fim de que os gestores de segurança pública, diante de
uma variação (positiva ou negativa) dos indicadores na sua região específica, possa
olhar de modo mais detidamente sobre o dado de interesse e possa esmiúça-lo
traçando um diagnóstico do problema (ou da solução) que irá embasá-lo quanto à
154

tomada de decisão para solucioná-lo. Não é possível que o responsável por adotar
medidas de ação para enfrentamento do problema tenha que limitar-se à
fundamentar suas decisões a partir única e exclusivamente de números
quantitativos.
Sendo o princípio de policiamento orientado adotado pela PMESP por
meio do Plano de Policiamento Inteligente (VILARDI, 2010) torna-se absolutamente
necessário que os policiais militares, especialmente os gestores, possam analisar de
modo pormenorizado referido dado.
Um segundo ponto relevante consiste no fato de que, nos próprios termos
das Instruções para o Subsistema de Informações Quantitativas da Polícia Militar
(SIQuant), os dados a serem coletados para consolidação da estatística poderão ser
brutos, simples, combinados ou desdobrados conforme o interesse de análise,
contudo, deverão decorrer sempre a partir da padronização preconizada pelo
Manual de Codificação de Ocorrências da Polícia Militar - M-16-PM (PMESP, 2017)
que, por sua vez, possui diversas naturezas ou classificações não coincidentes com
as naturezas previstas no Anexo II da Resolução SSP nº 160/01. Apenas a título de
exemplo cite-se que enquanto o Sistema Estadual de Estatística Criminal prevê os
indicadores de Roubo a Banco, Roubo de Carga, Roubo de Veículos e Roubo-
Outros, o Manual de Codificação de Ocorrências da Polícia Militar (M-16-PM), base
do BO/PM-TC, BO/PM, TCO/PM e BOe, que originam os dados lançados no QMO,
possuem apenas a natureza “B04 Roubo”. Esta assimetria ou ausência de precisão
na correspondência será melhor abordada no “problema” a ser enfrentado pelo
presente projeto.
É certo que atualmente os dados oficiais do Sistema Estadual de Estatística
Criminal divulgados pela Secretaria de Segurança Pública têm por fonte primária o
Boletim de Ocorrência da Polícia Civil, na verdade, os dados quantitativos
informados pela Polícia Civil nos moldes do Anexo I da Resolução SSP nº 160/01
que estão, em tese, lastreados nos BO/PCs registrados no R.D.O.38, contudo, um
novo marco legal pode, se implementado, alterar este cenário no âmbito nacional
como um todo.

38
Resolução SSP nº 160/01
Art. 2º
Parágrafo único: os dados oficiais divulgados pela Secretaria de Segurança Pública têm por fonte
primária o Boletim de Ocorrência da Polícia Civil
155

Até o ano de 2018, a “unidade de registro de ocorrência policial’ era apenas


uma tendência nacional ou uma opção discricionária e estratégica que ficava a cargo
de cada ente federativo, a exemplo da adoção dos já analisados procedimentos
relativos ao Registro de Evento de Defesa Social (REDS) pelo Estado de Minas
Gerais (MINAS GERAIS, 2014) ou do Registro de Atendimento Integrado –RAI pelo
Estado de Goiás (GOIÁS, 2016). Entretanto com o advento da Lei Federal nº 13.675
de 11 de junho de 2018 (BRASIL, 2018) que criou o Sistema Único de Segurança
Pública (SUSP), como já explicado, esta “unidade de registro de ocorrência policial”
passou a ser definida como uma das diretrizes da Política Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social (PNSPDS). Deste modo, mais do que uma opção, hoje não
apenas a PMESP mas todo o sistema de segurança pública estadual, parece estar
diante de um problema a ser enfrentado de modo urgente e necessário a fim de se
preparar para readequação dos procedimentos operacionais e administrativos ao
novo marco legal e sua regulamentação subsequente.

4.2.2 Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e de


Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas
– Sinesp

O Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de


Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas
(SINESP) foi instituído por meio da Lei Federal nº 12.681 de 4 de julho de 2012
(BRASIL, 2012) e regulamentado por meio do Decreto Federal nº 8075 de 14 de
agosto de 2013 (BRASIL, 2013) com a finalidade de armazenar, tratar e integrar
dados e informações para auxiliar na formulação, implementação, execução,
acompanhamento e avaliação das políticas de segurança pública e do sistema
prisional no Brasil.
A responsabilidade e obrigatoriedade da alimentação de dados e
informações no SINESP era definida pela citada legislação, então em vigor, nos
seguintes termos:

o
Art. 3 Integram o Sinesp os Poderes Executivos da União, dos Estados e
do Distrito Federal.
o
§ 1 Os dados e informações de que trata esta Lei serão fornecidos e
atualizados pelos integrantes do Sinesp, na forma disciplinada pelo
Conselho Gestor.
156
o
§ 1 Os dados e informações de que trata esta Lei deverão ser
padronizados e categorizados e serão fornecidos e atualizados pelos
integrantes do Sinesp, na forma disciplinada pelo Conselho Gestor.
o
§ 2 O integrante que deixar de fornecer ou atualizar seus dados e
informações no Sinesp não poderá receber recursos nem celebrar parcerias
com a União para financiamento de programas, projetos ou ações de
segurança pública e do sistema prisional, na forma do regulamento.

A administração, coordenação e formulação de diretrizes do SINESP ficou


sob responsabilidade de um Conselho Gestor consoante o disposto no art. 5º da Lei
Federal nº 12.681/12.
Entre os meses de abril de 2014 e julho de 2016 o Conselho Gestor realizou
seis Reuniões Ordinárias para definição de critérios e procedimentos para
alimentação do SINESP sendo que em 22 de setembro de 2015 editou a Resolução
nº 1, com vigência até o mês de setembro de 2016, regulamentando a alimentação
mensal do SINESP e os respectivos critérios para adimplência definidos no art. 6º da
Resolução e demais informações de preenchimento obrigatório (SECRETARIA
NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2015).
Além dos critérios de adimplência a Resolução definiu nos Anexos I e II a
padronização de dados e informações a serem inseridas pela Polícia Civil (Anexo I)
e pela Polícia Militar (Anexo II) no SINESP.
Em relação à Polícia Militar as figuras abaixo apresentam alguns exemplos
de padronização de dados a serem inseridos no SINESP:
157

Quadro 4 - Indicadores Módulo PM SINESP

Fonte: Resolução Consinesp nº 1 de 22 de setembro de 2015.


158

Como se percebe, assim como verificado quando da análise relativa aos


indicadores do Sistema Estatístico Criminal estadual, a comparação entre os
indicadores da Resolução nº 1/15 do Conselho Gestou com a preconizada pelo
Manual de Codificação de Ocorrências da Polícia Militar (M-16-PM), utilizada como
base para o preenchimento do BO/PM-TC, BO/PM, TCO/PM e BOe, também
apresenta diversas naturezas ou classificações não coincidentes. Apenas a título de
exemplo cite-se que enquanto o SINESP prevê os indicadores de Roubo a
Instituição Financeira, Roubo a ou de veículo de transporte de valores (carro-forte),
Roubo a transeunte, Roubo com restrição de liberdade da vítima, Roubo de carga,
Roubo de veículo, Roubo em estabelecimento comercial ou de serviços, Roubo em
residência, Roubo em Transporte Coletivo e outros roubos, o Manual de Codificação
de Ocorrências da Polícia Militar (M-16-PM), possui apenas a natureza “B04 Roubo”.
E no caso do SINESP o problema é ainda maior tendo em vista que também é
solicitada a inserção de dados desagregados por vítimas e autor (cor, idade, sexo)
relativo a cada tipo de crime.
O grande problema identificado para a implementação desta proposta
consiste no fato de que a classificação de ocorrências e atividades utilizada para o
Boletim de Ocorrência Eletrônico não coincide nem com o Sistema Estadual de
Estatística Criminal nem com o SINESP, sendo que a utilização do BOe como fonte
primária e direta dos referidos sistemas estatísticos oficiais depende de uma
adequação, seja na inserção de dados, seja nos relatórios gerados, a fim de que a
PMESP possa dar este novo salto qualitativo referente aos dados por ela entregues
para fins de consolidação da estatística oficial do Estado de do País.
É fato que a Resolução nº 1/15 teve seu prazo de validade expirado em
outubro de 2016 e não foi editada ainda nova Resolução. Aliás a própria Lei Federal
nº 12.681 de 4 de julho de 2012 foi revogada pela Lei Federal nº 13.675/18 (Lei do
SUSP). No entanto, a Secretaria Nacional de Segurança Pública tem encaminhado
solicitações de informação à Secretaria da Segurança Pública neste ano de 2018,
reiterando que os critérios definidos na Resolução nº 1/15 seriam mantidos para
alimentação do SINESP.
Ainda que os dados estatísticos oficiais sobre indicadores criminais no
Estado de São Paulo tenham por base, até o momento, os boletins de ocorrência da
Polícia Civil e, portanto, por ora, os dados informados pela PMESP relativos aos
crimes registrados não são inseridos no módulo PM do SINESP, como já destacado,
159

com o advento da Lei nº 13.675/18 que criou o Sistema Único de Segurança Pública
(SUSP) a “unidade de registro de ocorrência policial” passou a ser definida como
uma das diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social
(PNSPDS). Assim, ressalte-se mais uma vez, o sistema de segurança pública
estadual, deve estar preparado para readequação dos procedimentos operacionais e
administrativos ao novo marco legal e sua regulamentação subsequente.
Consoante a proposta apresentada no capítulo anterior no sentido de
reconhecimento do BOe como documento oficial de registro criminal de ocorrência
policial ou ainda no sentido de criação de um sistema de registro único de
ocorrência, as alterações no sistema do BOe de modo a prepará-lo para ser utilizado
como fonte primária de estatística criminal frente às novas tendências.
Afora a questão das naturezas criminais, dentre os vários indicadores
constantes nos módulos PM e PC do SINESP, alguns deles são específicos a cada
uma das instituições em decorrência das atribuições específicas. Neste sentido, em
relação ao módulo PM no SINESP pode-se indicar os seguintes:

Quadro 5 - Indicadores Módulo PM SINESP

Fonte: Resolução Consinesp nº 1 de 22 de setembro de 2015.


160

Especificamente em relação aos indicadores acima, antes mesmo da


implementação do Boletim de Ocorrência Eletrônico, em fevereiro de 2017, diante
dos recentes avanços no que tange ao preenchimento de dados criminais
necessários para que o Estado de São Paulo fosse considerado adimplente no
Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas
(SINESP) e a fim de que o Estado de São Paulo pudesse obter melhores
pontuações nos termos da nova Resolução a ser editada pelo Conselho Gestor que
poderia impactar em contextos de destinação de recursos federais aos Estados, a
Polícia Militar fora instada a se manifestar institucionalmente (Ofício CG nº 128/2017
– GS 4688/2016 – SISPEC nº 8174415) sobre a viabilidade, conveniência e
oportunidade da coleta e sistematização de tais informações, todas de inserção
obrigatória no módulo Polícia Militar do SINESP sendo que por meio do Ofício nº
GabCmtG-1329/100/18, de 22 de março de 2018, a manifestação institucional da
PMESP foi no sentido da extração, diretamente do SIOPM, e organização
experimental em periodicidade mensal dos dados então solicitados, ao menos até a
implantação total do BOe.
Em vista da deliberação do Comando da PMESP o então Centro de
Processamento de Dados da PMESP realizou inserções de algumas novas
naturezas no SIOPM e identificou mecanismos de combinação de naturezas já
existentes para adequação das informações geradas no SIOPM, via BOe ou não,
para geração automática de “estatísticas” nos termos e moldes requeridos pelo
SINESP.
Logo, em relação ao SINESP, apesar da atual ausência de alimentação
por parte do Estado de São Paulo de dados da PMESP, encontra-se sob análisa da
Secretaria o processo GS 4688/2016 que objetiva exatamente implementar a
extração automática de dados relativos à produtividade policial a partir das
informações constantes no SIOPM, procedimento este consentâneo com as
propostas apresentadas na presente pesquisa que pretende ampliar esta extração
para todos os indicadores criminais existente no módulo PM do SINESP que teriam
então como fonte primária e direta, o Boletim de Ocorrência eletrônico ou demais
dados do Sistema Operacional da Polícia Militar (SIOPM).
Além deste fato, como já abordado no segundo capítulo, a Portaria nº 845
de 19 de novembro de 2019 do Ministério da Justiça e Segurança Pública definiu os
161

critérios de adesão, acesso aos dados e informações e classificação de adimplência


dos Estados e do Distrito Federal ao Sistema Nacional de Informações de
Segurança Pública, Prisionais e de Rastreabilidade de Armas e Munições, de
Material Genético, de Digitais e de Drogas – Sinesp, sendo que, dentre os critérios
de adimplência, necessária ao acesso a informação e recebimento de recursos e
projetos na área da segurança pública, consta a obrigatoriedade da integração e
transmitição de dados e informações, de forma automatizada, de Boletins eletrônicos
de Ocorrência Policial à Base Nacional de Dados do Sinesp, sendo que os dados e
informações fornecidos pelos integrantes aderentes do Sinesp deverão ser
padronizados e categorizados, conforme modelo de integração definido pela
Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Como também já explicitado, o Estado de São Paulo assinou em março
de 2019 o Termo de Adesão ao Sinesp e já conclui o processo de integração e
transmissão de dados, por ora, exclusivamente em relação aos BO/PCs visto que
ainda prevalece aqui a ideia de que somente o BO/PC possui validade em termos de
ocorrências criminais.
As informações relativas aos eventos não criminais já não eram, como
explicado, inseridas no SINESPJC e, pelas informações coletadas durante a
presente pesquisa, também foram ignoradas no processo de integração e
transmissão automática de dados sendo apenas objeto da referida integração os
dados dos BO/PCs
Não obstante, diante do cenário de transição de paradigmas e
proximidade de mudanças na estrutura da segurança pública tal qual observado em
outros estados, é imprescindível que a PMESP esteja preparada para atender às
demandas que se avizinham em termos de produção de estatística criminal e de
produtividade policial seja no âmbito estadual seja na esfera federal.
Partindo do pressuposto que as inserções das naturezas padronizadas
pelo Sinesp seriam realizadas para atender à proposta apresentada no segundo
capítulo, no sentido de reconhecimento do BOe como registro criminal válido para os
cidadãos, resta analisar a viabilidade da extração automática, via SIOPM e BOe, dos
dados estatísticos relativos à PMESP que integram o Sistema Estadual de
Estatística Criminal e o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública,
Prisionais e de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de
Digitais e de Drogas – Sinesp.
162

4.3 Automatização da estatística oficial: eficiência, transparência e prestação


de contas

O primeiro e o segundo capítulo do trabalho focaram no desenvolvimento


do Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe) da Polícia Militar do Estado de São Paulo
e na busca pelo seu reconhecimento como registro de ocorrência policial “válido”
para o cidadão dentro do contexto de crise paradigmática vivenciada pelo atual
sistema de segurança pública brasileiro que tem impulsionado propostas de
inovações baseadas no novo paradigma da “eficiência no exercício da autoridade
policial e das atribuições institucionais com foco no cidadão” em substituição ao
obsoleto conceito de “exclusividade do exercício da autoridade policial e das
atribuições institucionais” que decorre da adoção do modelo policial napoleônico
oitocentista não mais adotado no mundo todo pela sua incapacidade de resolver os
desafios atuais no campo da segurança e ordem pública.
O presente capítulo busca destacar, ainda que sob um outro aspecto, o
modo pelo qual os atuais sistemas de produção de estatística criminal e de
produtividade policial (Estadual – Res SSP nº 160/01 e Federal - SINESPJC –
Módulo PM) encontram-se em dissonância com o novo modelo de polícia, agora sob
a perspectiva da gestão da segurança pública e não das atribuições
institucionais,baseado em um policiamento comunitário orientado à solução de
problemas.
Não por acaso que o transcurso do século XX evidenciou de um lado a
obsolecência do paradigma de divisão estanque de atribuições policiais ao mesmo
tempo em que exigiu mudanças de postura das instituições que tiveram que
abandonar procedimentos eminentemente reativos para buscar, cada vez mais, a
resolução efetiva dos problemas a elas direcionados, e tudo em consonância com as
exigências de maior participação social na identificação, priorização, definição de
ações e avaliações dos problemas a serem enfrentados na área da segurança
pública.
E essa necessidade, imposta às instituições policiais em decorrência das
chamadas “crise política” e “crise criminal” das últimas décadas do século XX ao
encontrar, no Brasil um sistema obsoleto calcado em divisões estanques de
163

atribuições que limitam, e em alguns casos até impedem, as possibilidades de


inovações e soluções por parte de polícias pressionadas pelas novas demandas,
acaba por evidenciar a incapacidade do paradigma de “exclusividades” de
“autoridades e atribuições policiais” em apresentar soluções adequadas e acelera o
processo de “crise paradigmática”.
Os sintomas que evidenciam a “crise paradigmática” abordados nos dois
primeiros capítulos e exemplificados nas propostas de quebra da exclusividade na
elaboração de boletins de ocorrência, de Termos Circunstanciados e de aplicação
de medidas protetivas de urgência, por exemplo, nada mais são do que respostas
buscadas por instituições policiais pressionadas, de um lado pelas crises “política” e
“criminal”, explicadas neste terceiro capítulo, e de outro por um sistema inflexível e
que prioriza as “atribuições” e as “autoridades” em detrimento da eficiência.
Este é o fio condutor que interliga as abordagens apresentadas nos três
capítulos e as respectivas propostas. Assim como o reconhecimento do BOe como
registro de ocorrência criminal válido para o cidadão, especialmente se
exponencializado pela implementação conjunta com a possibilidade de elaboração
de Termo Circunstanciado e de requisições periciais e demais medidas de urgência
pelo policial que comparecer ao local dos fatos, irão auxiliar no desenvolvimento de
um modelo de gestão de policiamento comunitário orientado à solução de
problemas, o aprofundamento desta metodologia de trabalho das polícias auxiliará
no processo de criação e implantação de inovações que irão acelerar o processo de
transição de paradigmas.
Não por outro motivo, as alterações propostas para adequar o sistema do
Boletim de Ocorrência Eletrônico à sua futura utilização como registro de ocorrência
criminal, ao sinalizar a necessidade de inclusão, no sistema do BOe, de um campo
destinado à indicação da tipificação penal da ocorrência, nos moldes estabelecidos
pela Secretaria Nacional de Segurança Pública para permitir a integração dos dados
dos Boletins de Ocorrência Policial, contribuirão para a resolução das questões
relacionadas à automatização da estatística.
Isto porque a padronização de naturezas estabelecidas pelo M-16-PM
não correspondem a nenhum dos indicadores estatísticos, seja em relação aos
previstos no Sistema Estadual de Estatística Criminal (Resolução 160/01), seja no
tocante aos estabelecidos pelo Sistemas Federais, no módulo PM do SINESPJC
164

(informações quantitativas) ou no Sinesp Integração (integração e transmissão de


dados dos Boletins de Ocorrência)
Portanto, uma vez incluído um campo no sistema do Boletim de
Ocorrência Eletrônico (BOe) destinado à especificação do tipo de ocorrência de
acordo com as naturezas utilizadas pelo Sinesp Integração, em adição e não em
substituição à codificação policial tradicionalmente utilizada nos termos do M-16-PM,
restaria apenas a necessidade de construção de tabelas ou critérios de
correspondências para os outros dois sistemas (Estadual – Res SSP nº 160/01 e
Federal - SINESPJC – Módulo PM).
Lembrando que consoante dados obtidos junto à Secretaria Nacional de
Segurança Pública, Na atual tabela de naturezas de ocorrências policiais
padronizada pelo Sinesp, constam 1844 naturezas ativas sendo que, dentre estas,
1555 são de naturezas criminais, relevante parte do trabalho estaria resolvida.
Bastaria, por meio de ferramentas de Business Intelligence (BI) a extração dos
dados do SIOPM ou BOe com base no campo que conteria a natureza
correspondente ao Sinesp Integração para a obtenção automática da Estatística, ou
na verdade, tratando-se do Sinesp Integração, para a integração e transmissão
automática dos dados dos Boletins para o Sinesp.
Em relação aos outros dois sistemas, vale ressaltar que antes ou durante
a pesquisa, foram identificados projetos em curso que objetivam justamente, a partir
da estrutura existente, construir a extração automática dos dados e informações
estatísticas tanto para o Sistema Estadual de Estatística Criminal, quanto para o
Módulo PM do SINESPJC.
Iniciando-se pelo SINESP JC, como já destacado, antes mesmo da
implementação do Boletim de Ocorrência Eletrônico, em fevereiro de 2017, a Polícia
Militar fora instada a se manifestar institucionalmente (Ofício CG nº 128/2017 – GS
4688/2016 – SISPEC nº 8174415) sobre a viabilidade, conveniência e oportunidade
da coleta e sistematização de tais informações, todas de inserção obrigatória no
módulo Polícia Militar do SINESP sendo que por meio do Ofício nº GabCmtG-
1329/100/18, de 22 de março de 2018, a manifestação institucional da PMESP foi no
sentido da extração, diretamente do SIOPM, e organização experimental em
periodicidade mensal dos dados então solicitados, ao menos até a implantação total
do BOe.
165

Em vista da deliberação do Comando da PMESP o então Centro de


Processamento de Dados da PMESP realizou inserções de algumas novas
naturezas no SIOPM e identificou mecanismos de combinação de naturezas já
existentes para adequação das informações geradas no SIOPM, via BOe ou não,
para geração automática de “estatísticas” nos termos e moldes requeridos pelo
SINESP. O resultado da análise e assim como os dados iniciais de extração,
relativas aos dois primeiros meses de 2018, podem ser observados abaixo:

Quadro 6 – Dados automatizados para alimentação do SINESPJC (Janeiro e Fevereiro 2018)

Fonte: Centro de Inteligência da Polícia Militar do Estado de São Paulo, 2020

À exceção das atividades típicas de bombeiro que era fornecida pelo


sistema SDO, todos os demais dados foram extraídos automaticamente do SIOPM,
por meio da ferramenta de Business Intelligence. Considerando que as atividades
preventivas, em regra, no atual procedimento institucional não são objetos de
elaboração de BOe, os dados foram extraídos diretamente dos registros de
atendimento do SIOPM conhecidos como “talões”. Ainda que os procedimentos
ainda ensejassem análises mais detalhadas a respeito das naturezas
compreendidas em cada indicador e de prováveis necessidades de
aperfeiçoamento de alimentação do SIOPM diante da nova destinação dos dados e
informações inseridas, o resultado em pouco tempo apresentado pela PMESP
demonstra a viabilidade da medida que foi inclusive implementada com os recursos
ordinários das unidades policiais envolvidas no processo.
166

Considerando que em 2019 previa-se a possibilidade de início da


alimentação parcial do Módulo PM do SINESPJC, com base nos dados acima e a
depender de deliberação da SSP, na presente pesquisa foi solicitada informação a
esse respeito por mei da Lei de Acesso à Informação, não obstante, o pedido foi
encaminhado ao Centro de Inteligência da Polícia Militar que informou o que lhe era
possível visto que o processo nº GS 4688/2016 relativo a este procedimento, após o
desenvolvimento da ferramenta pela PMESP, foi devolvido e encontra-se
aguardando deliberação pela SSP. A resposta apresentada à solicitação realizada
foi a seguinte:
Com base no art. 10 da Lei Federal nº 12.527/11 solicito que sejam
fornecidas as seguintes informações:

1. Como estão sendo alimentados pelo Estado de São Paulo os dados


previstos no Anexo II da Resolução nº 1 de 2015 do Conselho Gestor do
SINESP (ou em norma mais recente que substitui a referida Resolução)
relativas ao módulo PM do SINESPJC em especial no que diz respeito às
atividades "ostensiva e de prevenção", "atendimentos e despachos de
emergencia" e "atividades assistenciais"?

2. Como estão sendo alimentados pelo Estado de São Paulo os dados


previstos nas Tabelas do SINESP INTEGRAÇÃO relativas aos fatos
atípicos, especialmente em relação àqueles relacionados às atividades
realizadas pela PMESP (policiais e de bombeiros)?

Por fim, ainda que não estejam sendo solicitados dados pessoais ou
sigilosos no presente pedido, esclareço que este tem por objetivo subsidiar
pesquisa científica desenvolvida no Mestrado Profissional em Ciências
Policiais de Segurança e Ordem Pública do Centro de Altos Estudos de
Segurança (CAES) da Polícia Militar do Estado de São Paulo cujo projeto
segue anexo à presente solicitação.
A sua solicitação de acesso a documentos, dados e informações, FOI
ATENDIDA.

Resposta:
Prezado Capitão PM Rodrigo,
Em atendimento à sua solicitação, esclareço que o Centro de Inteligência da
Polícia Militar, envia mensalmente os dados de produtividade da PMESP à
CAP/SSP, nos termos da Resolução SSP -160/01.
Cumpre destacar que a atribuição de alimentar os Módulos Polícia Militar e
Polícia Civil do SINESPJC era da SSP, nos termos da Lei Federal nº
12.681, de 04JUL12, regulamentada pelo Decreto Federal nº 8.075, de
14AGO13.
Entretanto, esclareço que as normas citadas no item anterior foram
revogadas pela Lei 13.675, de 11JUN18, que instituiu a Política Nacional de
Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), e pelo Decreto 9.489, de
30AGO18, que regulamentou o estabelecimento de normas, estrutura e
procedimentos para a execução da PNSPDS, e até o momento não temos
conhecimento dos procedimentos sobre coleta, análise, sistematização,
integração, atualização e interpretação de dados e informações, que devem
ser propostos pelo Conselho Gestor do Sistema Nacional de Informações de
Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de
Material Genético, de Digitais e de Drogas (órgão consultivo do MJSP).
Atenciosamente,
167

3º Sargento PM Mônica Papoti


Encarregada do Serviço de Informação ao Cidadão da Polícia Militar do
Estado de São Paulo - SIC PM

Diante da resposta supracitada, é provável que os dados do módulo PM


do SINESPJC ainda não estejam sendo alimentados e o processo ainda se encontre
aguardando deliberação por parte da Pasta. A situação do SINESPJC é realmente
um tanto “confusa” tendo em vista que a Lei Federal nº 12.681, de 04JUL12,
regulamentada pelo Decreto Federal nº 8.075, de 14AGO13, realmente, como destacado na
resposta foi revogada pela Lei que institui o Sistema Único de Segurança Pública, mas não
por extinguir o SINESP mas por integrá-lo à estrutura do SUSP.
No entanto, a já citada Portaria nº 845 de 19 de novembro de 2019 versa sobre o
SINESP como um todo no entanto, prevê apenas o Sinesp Integração (integração e
transmissão dos dados dos Boletins de Ocorrência) que não se confunde com o SINESPJC
(alimentação mensal e apenas quantitativa de dados).
Assim, é possível que a SENASP esteja aguardando a consolidação do Sinesp
Integração, muito mais completo e útil para desativação do SINESPJC. No entanto, por ora,
parecem coexistir os dois sistemas.
Assim, diante deste cenário a proposta apresentada no presente trabalho em
relação ao Sistema Federal de Estatística Criminal é:
1. Uma vez realizada a inserção de campo adicional no BOe destinado a
indicação da natureza da ocorrência policial nos termos das naturezas padronizadas
no Sinesp Integração e início do funcionamento do campo no Sistema BOe, de
acordo com a proposta apresentada no segundo capítulo, adotar as providências
técnicas para início da integração e transmissão automática dos dados do BOe ou
SIOPM relativos às 289 naturezas atípicas da tabela do Sinesp a fim de dar
cumprimento à obrigação assumida pelo Estado de São Paulo por meio do Termo
de Adesão ao Sinesp Integração;
2. Provocar formalmente a Secretaria Nacional da Segurança Pública, por
meio da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, para que se
manifeste no sentido da manutenção e obrigatoriedade de alimentação mensal dos
módulos PC e PM do SINESPJC tendo em vista que São Paulo concluiu o processo
de integração dos Boletins de Ocorrência da Polícia Civil junto ao Sinesp Integração
mas não há informações sobre a integração dos Boletins de Ocorrência Eletrônico e
demais registros do SIOPM da PMESP junto ao Sinesp Integração. Na hipótese da
manifestação no sentido da necessidade de manutenção do SINESPJC, solicitar à
168

Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo a retomada do processo


de autmotização dos dados do SINESPJC de acordo com os procedimentos que
constam no Processo nº GS 4688/2016.
Uma vez apresentadas as propostas com vistas à automatização dos
dados e informações relacionados à PMESP destinados a alimentar a o Sistema de
Estatística Criminal e de Produtividade Policial Federal (SINESP JC e Sinesp
Integração), importa finalizar a proposta relativa à automatização da extração,
consolidação e remessa dos dados e informações que compõe os indicadores do
Sistema Estadual de Estatísica Criminal.
Neste sentido, da leitura do anexo II da Resolução SSP 160/01 que versa
sobre os dados estatísticos relativos às atividades desenvolvidas pela PMESP
verifica-se que a maior parte refere-se à dados obtidos por meio do Boletim de
Ocorrência Eletrônico (BOe) da PMESP sendo que apenas o quadro IV contém
algumas das atividades preventivas e portanto, em regra, não constantes nos BOe.
A proposta a ser apresentada no presente projeto visando a
automatização da extração dos dados e informações relativas às atividades
desenvolvidas pela PMESP que alimentam o Sistema Estadual de Estatística
Criminal seria a construção, por meio da ferrramenta de Business Intelligence, de
regras de extração de dados do SIOPM, nos moldes realizados para alimentação do
SINESPJC e monitoramento, durante um período de testes, dos resultados e
necessidades de aprimoramento e ajustes pontuais antes da adoção como
procedimento oficial de consolidação dos dados.
Não obstante durante a presente pesquisa foi identificado junto ao Centro
de Inteligência da Polícia Militar que referida proposta já fora iniciada posteriormente
à apresentação do projeto da presente pesquisa e, assim como o processo de
automatização do SINESPJC encontra-se em fase de testes e aguardando
deliberação para prosseguimento das etapas.
O procedimento desenvolvido pelo Centro de Inteligência da Polícia Miltiar
e com recursos próprios daquela unidade, propiciou, no estágio em que se encontra,
a extração automática dos dados relativos ao período compreendido entre os meses
de janeiro a novembro de 2019 na seguinte conformidade:
169

Quadro 7 – Dados automatizados x QMO (2019)

ANEXO II
RESOLUÇÃO 160/01
JANEIRO A NOVEMBRO
BOLETINS DE OCORRÊNCIAS POLICIAIS REGISTRADAS POR
SIOPM BI QMO VARIAÇÃO
GRUPOS DE NATUREZA
1. Criminais 1.614.719 686.835 927.884
CONTRA A PESSOA 170.104 57.526 112.578
CONTRA O PATRIMÔNIO 193.880 173.926 19.954
CONTRA OS COSTUMES (contra a dign. sexual) 7.181 2.778 4.403
ENTORPECENTES 49.165 30.142 19.023
OUTROS 1.194.389 422.463 771.926
2.Contravencionais 20.527 4.150 16.377
3. Atos infracionais 17.596 15.378 2.218
4. Não criminais 463.981 475.787 -11.806

OCORRÊNCIAS CRIMINAIS POR TIPO Total Total Total


HOMICÍDIO DOLOSO 1.032 1.701 -669
HOMICÍDIO DOLOSO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL 0 0 0
HOMICÍDIO DOLOSO EM ACIDENTE DE TRÂNSITO 0 13 -13
Nº DE VÍTIMAS EM HOMICÍDIO DOLOSO 833 1.790 -957
Nº DE VÍT EM HOMICÍDIO DOLOSO EM ESTAB PRISIONAL 0 0 0
Nº DE VÍT EM HOMICÍDIO DOLOSO EM ACID. DE TRÂNSITO 0 19 -19
HOMICÍDIO CULPOSO POR ACID TRÂNSITO 1.591 1.624 -33
HOMICÍDIO CULPOSO - OUTROS 171 143 28
TENTATIVA DE HOMICÍDIO 1.853 1.908 -55
TENTATIVA DE HOMICÍDIO EM ESTAB PRISIONAL 0 6 -6
LESÃO CORPORAL DOLOSA 39.628 32.127 7.501
LESÃO CORPORAL CULPOSA POR ACID TRÂNSITO 82.996 105.556 -22.560
LESÃO CORPORAL CULPOSA - OUTRAS 3.630 1.565 2.065
LATROCÍNIO 83 101 -18
Nº DE VÍTIMAS EM LATROCÍNIO 44 114 -70
ESTUPRO 1.503 1.733 -230
EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO 148 20 128
TRÁFICO DE ENTORPECENTES 27.398 21.741 5.657
PORTE DE ENTORPECENTES 7.265 6.707 558
APREENSÃO DE ENTORPECENTES 377 1.693 -1.316
PORTE DE ARMA 5.946 3.584 2.362
ROUBO A BANCO 129 9 120
ROUBO DE CARGA 1.332 1.174 158
ROUBO DE VEÍCULO 11.578 7.294 4.284
ROUBO - OUTROS 33.089 29.562 3.527
FURTO DE CARGA 147 15 132
FURTO DE VEÍCULO 7.157 10.379 -3.222
FURTO - OUTROS 50.930 46.567 4.363

Fonte: Centro de Inteligência da Polícia Militar do Estado de São Paulo, 2020

Quadro 8 – Dados automatizados x QMO (2019)


170

ANEXO II
RESOLUÇÃO 160/01
JANEIRO A ABRIL
ATOS INFRACIONAIS POR TIPO Total Total Total
HOMICÍDIO DOLOSO 16 12 4
HOMICÍDIO DOLOSO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL 0 0 0
HOMICÍDIO DOLOSO EM ACIDENTE DE TRÂNSITO 0 0 0
Nº DE VÍTIMAS EM HOMICÍDIO DOLOSO 16 13 3
Nº DE VÍT EM HOMICÍDIO DOLOSO EM ESTAB PRISIONAL 0 0 0
Nº DE VÍT EM HOMICÍDIO DOLOSO EM ACID. DE TRÂNSITO 0 0 0
HOMICÍDIO CULPOSO POR ACID TRÂNSITO 1 10 -9
HOMICÍDIO CULPOSO - OUTROS 2 0 2
TENTATIVA DE HOMICÍDIO 42 27 15
TENTATIVA DE HOMICÍDIO EM ESTAB PRISIONAL 0 0 0
LESÃO CORPORAL DOLOSA 274 323 -49
LESÃO CORPORAL CULPOSA POR ACID TRÂNSITO 67 394 -327
LESÃO CORPORAL CULPOSA - OUTRAS 69 24 45
LATROCÍNIO 5 2 3
Nº DE VÍTIMAS EM LATROCÍNIO 5 2 3
ESTUPRO 54 49 5
EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO 6 1 5
TRÁFICO DE ENTORPECENTES 6.399 5.927 472
PORTE DE ENTORPECENTES 897 1.486 -589
APREENSÃO DE ENTORPECENTES 63 89 -26
PORTE DE ARMA 221 204 17
ROUBO A BANCO 13 0 13
ROUBO DE CARGA 40 2 38
ROUBO DE VEÍCULO 749 184 565
ROUBO - OUTROS 1.240 1.084 156
FURTO DE CARGA 4 0 4
FURTO DE VEÍCULO 466 128 338
FURTO - OUTROS 1.189 1.223 -34

ATIVIDADES POLICIAIS Total Total Total


Nº DE VEÍCULOS RECUPERADOS 41.786 45.432 -3.646
APREENSÕES DE ENTORPECENTES (Unidade) 41.353.695 131.731 41.221.964
Maconha 3.094.756 110.931 2.983.825
Cocaína 38.184.198 15.907 38.168.291
Crack 72.673 2.381 70.292
Outros 2.068 2.511 -443
Nº DE PRISÕES EFETUADAS 77.468 97.065 -19.597
Nº DE PESSOAS PRESAS EM FLAGRANTE 89.504 95.438 -5.934
Nº DE PESSOAS PRESAS POR MANDADO 33.611 35.423 -1.812
Nº DE INFRATORES APREENDIDOS EM FLAGRANTE 22.565 11.527 11.038
Nº DE INFRATORES APREENDIDOS POR MANDADO 0 1.099 -1.099
Nº DE ARMAS DE FOGO APREENDIDAS 473 8.513 -8.040
Fonte: Centro de Inteligência da Polícia Militar do Estado de São Paulo, 2020
171

Como é possível perceber a partir da comparação dos dados extraídos de


modo automático do SIOPM com os dados consolidados por meio do procedimento
vigente de coleta manual e quantitativa dos dados (QMO) há indicadores que se
aproximam e outros que ainda estão apresentando totais muito díspares. A simples
análise de alguns dos critérios já suger que muitas das divergências pode decorrer
da opção, até o momento utilizada, de extração dos dados a partir dos registros
gerais do SIOPM e não apenas dos BOe. Grande parte das divergências podem ser
solucionadas apenas a partir da reanálise da regra de extração dos dados
construída. Outras, a exemplo da questão dos entorpecentes demandariam um olhar
mais detalhado para o modo de inserção dos dados no sistema e eventual
possibilidade de aperfeiçoamento na ferramanta para impedir ou diminuir erros
simploes de impressão.
Enfim, apesar de carecer ainda de aperfeiçoamento, a extração realizada
e a comparação com os dados consolidados permitem concluir pela viabilidade da
automatização dos dados relativos às atividades policiais desenvolvidas pela
PMESP a serem inseridos no Sistema Estadual de Estatística Criminal (Resolução
160/01).
Antes de concluir pela indicação da proposta, uma observação não pode
deixar de ser apresentada. A apresentação desta tabela pode gerar, para alguns a
noção de que os dados ainda se encontram muito díspares e, portanto, não há
necessidade dispender esforço para um procedimento que “está dando certo”.
Aproveitando-se das discussões sobre “paradigmas” aqui também caberia
a indagação: como confirmar que os dados consolidados por meio do denominado
QMO estão certos em contraposição aos dados extraídos do SIOPM?
Considerando que os dados do SIOPM podem ser “rastreados” um por
um especificando-se a natureza, o responsável pelo lançamento, a pessoa, veículo
ou armamento envolvido, o dia e horário de incidência de cada um deles, torna-se
possível analisar não apenas a qualidade dos dados mas, a partir deles, produzir
conhecimento. Conhecimento este que pode ser utilizado para diagnosticar
problemas, monitorar ações em execução, avaliar resultados, enfim, para atender às
necessidades de uma polícia comunitária orientada à solução de problemas que,
como visto, mais do que uma opção institucional da PMESP trata-se de um modelo
construído em todo o mundo como resposta à crises “política” e “criminal” vivenciada
por quase todas as sociedades ocidentais.
172

Esta possibilidade de gerenciamento dos dados e produção de


conhecimento bem exemplifica o motivo pelo qual a automatização das estatísticas,
ora proposta, consubstancia-se como uma necessidade para uma polícia que se
pretende comunitária e orientada à solução de problemas.
Por seu turno, voltando à questão dos dados consolidados por meio do
QMO, como saber se efetivamente refletem a realidade? Se estão ou não corretos?
E ainda que estejam certos, como utilizá-los da maneira que esta nova polícia
necessita?
As respostas a tais questionamentos, imagina-se, conseguem
exemplificar o que se pretendeu explicar neste terceiro capítulo.
Considerando que o procedimento de automatização já se encontra em
andamento no âmbito do Centro de Inteligência da Polícia Militar, inclusive nos
moldes que neste trabalho buscar-se-ia desenhar, como proposta a ser apresentada
basta a sugestão de que os trabalhos não sejam interrompidos a fim de que, no mais
breve tempo possível, a extração dos dados destinados à alimentar o Sistema
Estadual de Estatística Criminal do Estado esteja total e definitivamente
automatizada.
173

5 CONCLUSÃO

De 1997, ano no qual a Polícia Militar do Estado de São Paulo alterou o


formulário do Boletim de Ocorrência visando adequá-lo as necessidades,
decorrentes da Lei, de servir, ao mesmo tempo, como documento policial definitivo
ao cidadão e subsídio ao Poder Judiciário e Ministério Público para adoção das
medidas de persecução penal relativas às infrações de menor potencial ofensivo, até
o ano de 2017 no qual foi dado início à implantação do Boletim de Ocorrência
Eletrônico (BOe) diversas foram as medidas que buscaram tornar este imporante
documento público, há tempos imprescindível no âmbito interno institucional,
também mais útil para a população em geral.
Experiência piloto de Termo Circunstanciado de Ocorrência, elaboração
de Boletins diretamente na plataforma da Polícia Civil, Projetos de implementação
em São Paulo de um sistema de registro único de ocorrências, enfim, divers
medidas capitaneadas pela PMESP que, apesar de pontuais e distintas entre,
tinham em comum a finalidade de otimizar os recursos e melhorar o serviço de
segurança públia para o cidadão.
Infelizmente, diferente de outos estados, em São Paulo diversos
movimentos de resistência organizada por aqueles que ainda acreditam na
capacidade do atual sistema de bem equacionar os desafios presentes, lograram
impedir a grande maioria das iniciativas.
Esta resistência à medidas tão claramente favoráveis à população e a
todo o sistema não pode ser explicada sob um ponto de vista lógico mas apenas a
partir da existência de uma ideia mestra, um paradigma, que norteia o pensamento
daqueles que comungam deste conceito. Assim, constatou-se que assim como as
medidas inovadores ligavam-se por um fio condutor comum também os movimentos
de resistência à implementação compartilhavam de uma mesma concepção do
sistema de segurança pública que se assentaria sobre o paradigma “da
exclusividade no exercício da autoridade policial e das atribuições policiais” cuja
origem repousa na manutenção, pelo Brasil, de um sistema de segurança pública
estruturado sobre um modelo policial configurado no final do século XVIII na Europa
pós revolução francesa que secciona as atividades policiais em duas instituições
distintas que, assim, acabam por realizar suas tarefas “pela metade”
174

Referido paradigma, por não conseguir mais apresentar respostas


satisfatórias às demandas na área da segurança pública passa a ser alvo de
questionamentos e descrédito o que estabelece a denominada “crise paradigmática”
. A partir da instalação da crise inicia-se o chamado “período de transição” no qual
novas iniciativas, inicialmente pontuais e assistemáticas, buscando responder aos
novos desafios passam a revelar um novo paradigma que substituirá o antigo. No
caso da segurança pública em São Paulo, as medidas indicadas no primeiro
capítulo, demonstram essa busca por novas respostas e passam a desenhar um
novo paradigma para o sistema que deve agora ter por base a “eficiência no
exercício da autoridade policial e das atribuições institucionais com foco no cidadão”.
Considerando que apenas vencendo-se essa resistência inicial baseada
no velho paradigma, será possível inverter a inércia do sistema de segurança
pública brasileiro para um movimento constante em direção aos novos princípios e
valores, buscou-se demonstrar a partir do segundo capítulo que as soluções
inovadoras que se tentou implementar em São Paulo eram, não apenas positivas
sob um ponto de vista de gestão como também plenamente viáveis no atual
ordenamento jurídico sem que houvesse necessidade de qualquer modificação
constitucional ou legal, ainda que estas pareçam inevitáveis diante da incapacidade
sistêmica de nossa estrutura.
Por ser o reconhecimento do Boletim de Ocorrência Eletrônico (BOe) o
principal objeto do presente estudo, foi demosntrado que dentre todas as inovações,
provavelmente a mais simples seja o reconhecimento (utilização) do BOe como
registro policial de evento criminal válido para o cidadão. Uma vez demonstra a
viabilidade jurídica a medida (apresentando-se, inclusive, menção expressa a
dispositivo na Lei que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública ) passou-se a
analisar a experiência desenvolvia em outros Estados (oito ao total) a fim de verificar
as eventuais formas de implementaçõa e respectivos desafios.
Apresentados os procedimentos, regulamentações e ganhos de medidas
semelhante em outros entes federativos, entendeu-se claro não só a viabilidade
jurídica como prático do proposto nessa pesquisa.
Em retorno à questão de São Paulo, foi demonstrado que, apesar de ser
muito difícil, em estágio tão inicial estimar custos e precisar medidas técnicas
necessárias à evolução sugerida, identificou-se que provavelmente a maior
prioridade seja incluir um campo adicional no BOe por meio do qual seria
175

especificada a tipificação penal no momento da ocorrência vez que este é o principal


argumento para desqualificar a capacidade do policial militar em simplesmente
tipificar um ato criminoso. Defendeu-se ainda que a opção mais adequada seria
utilizar como base a tabela de naturezas estabelecida pelo Sinesp Integração haja
vista que sendo o BOe utilizado como registro criminal válido no Estado,
obrigatoriamente deverá integrar-se ou ser compatível com o Sinesp Integração.
Ainda que não tenha sido possível a estimação de custos, com base em
valores estimados, por meio de trabalho acadêmico realizado na própria Academia
da Polícia Civil, para elaboração de Boletins de Ocorrência em Delegacias Físicas
ou Eletrônica em 2004, valores estes corrigidos para o ano de 2018 com base no
IGPM, em conjunto com do SIOPM em 2019 a respeito dos casos em que após a
elaboração do BOe foi expedida uma notificação para que o cidadão comparecesse
na Polícia Civil, estimou-se que a implementação da medida tornaria desnecessária,
nos mais de 110 mil casos ocorridos em 2019, a confecção de um outro BO/PC
sobre os mesmos fatos e com a mesma finalidade, o que geraria uma economia
cerca de 6 milhões por ano aos cofres públicos tendo em vista que deixaria de ser
confeccionado BO/PC nestes casos.
Antes de se passar ao próximo tópico não foi possível deixar de indicar
que mais do que o reconhecimento do BOe com registro válido, de modo
concomitante e não excludente, pode-se retomar os esforços para a criação, por mei
de lei estadual, de um verdadeiro sistema de registro único de ocorrência policial
que congregue não apenas as polícias miltiares, civis e corpos de bombeiros como
também os órgão de trânsito, a polícia penal e as guardas municipais, a exemplo do
observado nos Estados de Goiás e Paraná.
Uma vez analisada a questão do reconhecimento do BOe como registro
válido de ocorrência criminal passou-se a terceito capítulo o qual foi iniciado
analisando-se as crises “política” e “criminal” pelas quais passaram as instituições
policias nos últimos anos e a reposta por elas encontradas, inclusive a PMESP que
passou a adotar o modelo de policiamento comunitário orientado à solução de
problemas que depende, de modo significativo, do devido processamento das
informações criminais e operacionais e consequente conhecimento dele resultante o
que só é possível em um contexto de estatísticas confiáveis e que possam ser alvo
de cruzamentos e desdobramentos ágeis na busca pela compreensão dos fatores
176

criminógenos e de desordem e dos resultados das ações planejadas para enfrentá-


los.
Também destacou-se que a necessidade de adoção deste modelo de
polícia comunitária orientada à solução de problemas, diante de uma estrutura rígida
e burocráica do atual modelo policial brasileiro, precipitou o advento da “crise
paradigmática” exatamente no momento em que houve a necessidade de se buscar
soluções inovadoras, tais como as descritas no primeiro capítulo e na qual se insere
o reconhecimento do BOe como registro criminal válido, para problemas sem
respostas adequadas apresentadas pelos conceitos até então vigentes.
Em relação à automatização das estatísticas, processo imprescindível,
como dito, para uma polícia comunitária orientada à solução de problemas,
identificou-se que em relação ao SINESPJC (federal e quantitativo) e ao Sistema
Estadual de Estatísca Criminal (Resolução SSP 160/01 – quantitativo), já encontram-
se em cursos processos na PMESP e na SSP que só precisam ser retomados ou
não descontinuados.
Por fim, em relação ao Sinesp Integração (compartilhamento de dados de
Boletins Estaduais diretamente com o Sinesp), sistema ao qual o Estado de São
Paulo aderiu, a evolução para incluir um campo adicional no sistema BOe atenderá,
ao mesmo tempo, a finalidade de prepará-lo para o reconhecimento como registro
de ocorrência criminal válido como para a futura integração ao Sinesp Integração,
restando apenas, nessa última hipótese, a compatibilização das demais regras entre
o sistema do BOe e o Sinesp Integração.
De todo o exposto, muito mais do que a importância e ganhos
diretamente obtidos pelo sistema de segurança pública e por toda a sociedade em
decorrência das medidas propostas de efetiva utilização do BOe pelo cidadão e de
melhoria imprescindível da qualidade das estatística oficiais, as inovações
apresentadas podem ajudar a reunir as forças necessárias para que, também em
São Paulo, seja possível reverter a inércia de um sistema de segurança pública
estruturado sob um modelo policial dicotômico e não mais adotado em nenhum outro
lugar do mundo, para um sentido de constante movimento de evolução do nosso
sistema baseada em um novo paradigma de “eficiência no exercício da autoridade
policia e das atribuições institucionais com foco no cidadão”.
177

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