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MTQP Dig

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Coleção

Pedro Alves da Veiga

O MUSEU DE TUDO
EM QUALQUER PARTE
arte e cultura digital:
inter-ferir e curar
Coleção

Pedro Alves da Veiga

O MUSEU DE TUDO
EM QUALQUER PARTE
ARTE E CULTURA DIGITAL:
INTER-FERIR E CURAR
[Ficha Técnica]

Título
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE
arte e cultura digital: inter­ferir e curar

Autor
Pedro Alves da Veiga

Coleção Humanitas, dirigida por:


Mirian Tavares e Susana Costa

Coordenação Editorial
Mafalda Lalanda

Capa
Grácio Editor | Imagem da capa de Pedro Alves da Veiga

Design gráfico e paginação


Grácio Editor

ISBN: 978­989­9023­25­3

© Mirian Tavares e Susana Costa (coordenação); Autores (textos) e Grácio Editor


Travessa da Vila União,
n.º 16, 7.º drt
3030­217 COIMBRA
Telef.: 239 084 370
e­mail: editor@ruigracio.com
sítio: www.ruigracio.com

Reservados todos os direitos

Esta obra foi financiada através do Projeto UIDB/04019/2020 da Fundação para a Ciência
e Tecnologia.
O AUTOR:
Pedro Alves da Veiga é um artista e investigador transdisciplinar, licenciado
em Engenharia Informática pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Uni­
versidade Nova de Lisboa, pós­graduado em Estudos Avançados de Média­
Arte Digital pela Universidade Aberta e doutorado em Média­Arte Digital
pela Universidade do Algarve e Universidade Aberta. É Professor Auxiliar
Convidado na Universidade Aberta, onde é Subdiretor do Doutoramento
em Média­Arte Digital. Esteve ligado à atividade empresarial durante mais
de duas décadas, e desenvolveu trabalhos premiados de webdesign e mul­
timédia. É membro integrado do Centro de Investigação em Artes e Comu­
nicação, colaborador do ID+ e partilha regularmente resultados da sua
investigação em conferências e publicações científicas especializadas sobre
o papel social e as influências das economias da atenção e experiência no
ecossistema da média­arte digital. Desenvolve ainda atividade artística em
assemblage, programação criativa generativa e audiovisuais digitais. Tem
exposto as suas obras, individual e coletivamente, em Portugal, Espanha,
Holanda, Roménia, Rússia, China, Tailândia e Estados Unidos da América.
Tem participado em vários projetos de investigação no cruzamento da arte,
ciência e tecnologia, desenvolvendo o seu trabalho com interesse específico
nas áreas da arte e sociedade, artivismo e hactivismo, curadoria de média­
arte digital e metodologias de investigação criativa baseada em arte.

A COLEÇÃO HUMANITAS:
A Humanitas do CIAC – Centro de Investigação em Artes e Comunicação,
em parceria com a Grácio Editor, é uma coleção ensaística de divulgação
dos resultados da investigação produzida neste centro. Pretende oferecer,
através das obras aqui publicadas, o nosso contributo no domínio científico
das Humanidades.
A saudável transversalidade caracterizadora da investigação do CIAC, que
abarca as Artes, a Comunicação e a Cultura, as Letras e a Cultura Digital,
constitui a justificação para a apresentação de uma coleção que acompanhe
esse espírito plural de reflexão. Este reside, no fundo, na capacidade para
abarcar o Homem enquanto ser que se exprime das mais variadas formas.
Celebrar o regresso aos estudos humanísticos, às Humanidades, portanto,
no sentido primordial e lato que os gregos e latinos lhes atribuíram, como
resposta aos constantes reptos que a contemporaneidade nos lança, é o
objetivo da Humanitas.
Deste modo, esta coleção espelha a desejável harmonia entre o estudo das
novas linguagens, dos novos processos e métodos e a solidez de saberes
que prolongam tradições teóricas e críticas. A revisitação de produtos ar­
tísticos e culturais do passado, seja para os (re)questionar à luz do para­
digma atual, seja para os (re)conhecer enquanto objetos humanísticos sem
tempo estimulará, por sua vez, o pensamento sobre os modos coetâneos
de expressão artística e cultural.
SUMÁRIO

Agradecimento ...................................................................................................13

Prefácio ...............................................................................................................17

Introdução ..........................................................................................................19

I PARTE – ACERVO.............................................................................................25
Média­arte digital: uma definição.......................................................................27
Ecossistemas de média­arte digital e seus agentes ............................................31
O ecossistema Português....................................................................................37
Artistas..........................................................................................................37
Associativismo e redes colaborativas em Portugal.......................................41
Ensino e investigação....................................................................................48
Publicações...................................................................................................57
Principais fontes de financiamento ..............................................................57
Festivais ........................................................................................................64
Cidades criativas ...........................................................................................87

II PARTE – METODOLOGIA...............................................................................89
O estudo da média­arte digital ...........................................................................91
A/R/Cografia – Arte, investigação e comunicação ..............................................95
Comunicação ................................................................................................96
Adequação à média­arte digital ...................................................................97
O arco ...........................................................................................................98
Etapas da a/r/cografia ................................................................................101
Espaço artístico...........................................................................................106
Conclusão ...................................................................................................109

III PARTE – EXPOSIÇÃO ..................................................................................111


Preâmbulo ........................................................................................................113
Propaganda, caixas­negras e sobreposição cognitiva .......................................115
O controlo da atenção ......................................................................................123
A ascensão do individualismo...........................................................................131
A domesticação da criatividade ........................................................................140
O artista empreendedor ...................................................................................148
A reinvenção da curadoria ................................................................................153
Propriedade versus experiência........................................................................166
Gueto e glamour, ou a importância do contexto ..............................................175
Implicações da festivalização ............................................................................183
Arte territorial antropofágica............................................................................192
Realidade remixed pós­fake..............................................................................200
O blending da produção e da reprodução: a ubíqua blackbox .........................205
Arte urbana digital ............................................................................................212

IV PARTE – MUSEU .........................................................................................219


Tendência versus interferência: arte quântica ..................................................221
O Museu de Tudo em Qualquer Parte ..............................................................232

Conclusão .........................................................................................................243

Bibliografia........................................................................................................251
ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Uma captura de ecrã da obra de net.art de Teo Spiller – TeddyBear. ...................
Fonte: Teo Spiller (CC BY­SA 4.0).........................................................................20
Figura 2: À esquerda, a visão não linear do arquipélago à superfície, .................................
aparentemente composto de ilhas isoladas. À direita, a visão .............................. 9
do mesmo arquipélago sobreposta ao complexo rizoma de .................................
interdependências e influências subjacente às várias ilhas. ..................................
Fonte: autor e André­Ph. D. Picard (CC BY­SA 3.0) .............................................22
Figura 3: A obra de Johannes Theodor Baargeld – Typical Vertical Mess as ........................
Depiction of the Dada Baargeld, de 1920. Fonte: Johannes Theodor ..................
Baargeld, domínio público..................................................................................27
Figura 4: Ivan Sutherland usando o Sketchpad in 1962. Fonte: Sutherland, .......................
I. E. (1964). Sketchpad ­ a man­machine graphical communication ......................
system. Simulation, 2(5), R­3, p. 329. .................................................................29
Figura 5: A visão inicial do ecossistema da MAD. Fonte: autor. .......................................36
Figura 6: O mapa do ecossistema de média­arte digital português, ....................................
disponibilizado online8. Fonte: autor. .................................................................40
Figura 7: FabLab de OnePoint em Paris. Fonte: Anthony Bressy (CC BY­SA 2.0) ...............46
Figura 8: A estrutura prevista para o programa Horizonte Europa. .....................................
Fonte: https://ec.europa.eu/info/node/71880. .................................................62
Figura 9: Exterior da Igreja de Santa Maria da Alcáçova, Montemor­o­Velho, ....................
durante o Festival Forte. Fonte: Gener8ter (CC BY­SA 4.0).................................66
Figura 10: Cartazes das edições de 2011, 2014 e 2015. .......................................................
Fonte: Arquivo Ephemera de José Pacheco Pereira. ........................................71
Figura 11: Rádio Manobras Futuras, um dos spin­offs do FuturePlaces. ..............................
Fonte: FuturePlaces..........................................................................................73
Figura 12: Magical Garden, instalação de Kari Kola durante o Festival Lumina ...................
de 2016. Fonte: Bosc d’Anjou (CC BY 2.0).........................................................76
Figura 13: Instalação WIDE/SIDE (2015) de João Martinho Moura no GNRation. ...............
Fonte: João Martinho Moura (CC BY­SA 2.0). ...................................................83
Figura 14: A instalação Tuumo, de Rot8ion. Fonte: Rot8ion (CC BY­SA 4.0) ......................92
Figura 15: A instalação Alchimia, através de um mecanismo de deteção facial ...................
do observador, capta a sua face (visível no canto superior esquerdo) ................
e mistura­a com outras faces através de um algoritmo generativo, ...................
usando uma biblioteca de imagens de rostos com diferentes idades, ................
etnias e géneros. A intenção da obra é de provocar um questionamento ..........
sobre a identidade e a relação com o outro (se eu fosse outro/a). .....................
Fonte: autor. .....................................................................................................93
Figura 16: Acima, o arco azul conecta os pontos de partida (D) e de chegada (A), ..............
através dos pontos intermédios de exploração. Abaixo, retornando ao .............
ponto de partida por uma rota diferente (laranja) e incorporando ....................
mais pontos de exploração ao longo do caminho. Fonte: autor.......................99
Figura 17: Convergência, ilustrada por uma espiral de Fibonacci desenhada ......................
com arcos. Fonte: autor....................................................................................99
PEDRO ALVES DA VEIGA

Figura 18: Divergência aparente, ilustrada por famílias de biarcos, ligando ........................
os pontos A e B. Fonte: Wikimedia commons................................................100
Figura19: O espaço tridimensional a/r/cográfico da intenção / intervenção .......................
e seus eixos. Fonte: autor. ...............................................................................108
Figura 20: A zona vermelha, do conformidade, inépcia e indiferença, ................................
10 e a zona verde, do desafio, mestria e paixão. Fonte: autor. ...........................108
Figura 21: Um ramo do rizoma da a/r/cografia. Fonte: autor.........................................110
Figura 22: Acesso, utilização e criação ­ os três passos subjacentes ....................................
à produção artística. Fonte: Autor. .................................................................113
Figura 23: Anúncio surrealista a camisas. Fonte: Arquivo Ephemera, ..................................
de José Pacheco Pereira. ................................................................................117
Figura 24: Uma artie – uma selfie contendo uma obra de arte. ..........................................
Fonte: Sofia Quintas (foto cedida pela autora)...............................................126
Figura 25: A evolução, ao longo de 40 anos, da utilização dos pronomes I, you ..................
e we, em livros em inglês. Fonte: Google Books Ngram Viewer.....................133
Figura 26: Arte instantânea, criada em menos de 10 segundos com a ................................
blackbox Flowpaper para iPhone. Fonte: autor. .............................................135
Figura 27: Esquema ilustrativo da fragmentação da atenção dos docentes, .......................
e consequente degradação da transmissão de conhecimento ...........................
aos estudantes, atualização de conhecimentos, investigação .............................
e publicação. Fonte: autor. .............................................................................144
Figura 28: Visão parcial da galeria de média­arte digital, curada pelo autor, ......................
na rede social Pinterest. Fonte: autor.............................................................162
Figura 29: A evolução, desde os bens essenciais às experiências encenadas: .....................
cada patamar é construído sobre o anterior. Fonte: autor.............................167
Figura 30: Os quatro reinos da experiência Fonte: autor................................................170
Figura 31: The Culture Yard, Click Festival 2012, uma experiência de entretenimento. ......
Fonte: Rosa Menkman / Mathias Vejerslev, Flickr (CC BY­SA 2.0) ..................171
Figura 32: Graffiti anti­gentrificação em Évora. Fonte: autor. .........................................177
Figura 33: Qual o real papel do Instagram? Fonte: autor................................................191
Figura 34: Artie remix – Mona et la laitière immortalisent leur voyage chez le cri. .............
Fonte: Travailwiki (CC BY­SA 4.0) ....................................................................193
Figura 35: Fotograma do projeto participativo artivista de arte generativa .........................
cinemática SAR ­ Speciesism | Ageism | Racism apresentado ............................
pelo autor no Festival Digital function(2019,»innocence»), em Palma ...............
de Maiorca, Espanha. Fonte: autor.................................................................195
Figura 36: Nanook of the North – anunciado como «a história mais humana .....................
e mais verdadeira das Grandes Neves Brancas». Fonte: Robert J. ......................
Flannery / Pathé Picture, domínio público .....................................................200
Figura 37: Como uma fotografia (real) é tratada em blackboxes de retoque .......................
facial/composição gráfica, destinada principalmente a ser partilhada ...............
nas redes sociais, criando uma (real) imagem social pós­fake. ..........................
Em alternativa, um avatar pode também ser personalizado ...............................
para o mesmo efeito. Fonte: autor.................................................................206
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Figura 38: Dentro do Infinity Mirror Room, de Yayoi Kusama. .............................................


Fonte: Stig Nygaard, Flickr (CC BY 2.0)............................................................209
Figura 39: O edifício Pantin, antes da renovação, integralmente coberto ...........................
de graffiti. Fonte: Jeanne Menjoulet, Flickr (CC BY­ND 2.0) ...........................215
Figura 40: O algoritmo de Paquet. Fonte: autor..............................................................224
Figura 41: A obra 10.000 Moving Cities ­ Same but Different, exposta no ........................... 11
National Museum of Modern and Contemporary Art, Seoul, .............................
Coreia. Fonte: Marc Lee (CC BY­SA 3.0) ..........................................................229
Figura 42: SEND ME SFMOMA Fonte: autor....................................................................235
Figura 43: Comentário do Pestana Hotel Group numa fotografia do autor, .........................
publicada na rede Instagram. Fonte: autor ....................................................239
Figura 44: Arquitetura conceptual do Museu de Tudo em Qualquer Parte. .......................
Fonte: autor...................................................................................................240
Figura 45: O centro do ecossistema da media­arte digital ocupado pela ............................
cadeia genética AAA – Artista/Artefacto/Audiência. Fonte: autor .................243
Figura 46: Fotografia de microscópico eletrónico de transmissão .......................................
do SARS­CoV­2 ­ também conhecido como 2019­nCoV, ......................................
o vírus causador da COVID­19. Fonte: NIAID­RML (CC BY 2.0) .......................246
Figura 47: Captura de ecrã da obra colaborativa Patient Zer0, desenvolvida .......................
pelo autor como tributo às vítimas do Covid­19, demonstrando ........................
a facilidade de contágio de toda uma população através de um ........................
único indivíduo inicialmente infetado ­ o paciente zero. Fonte: autor. ..........246
Figura 48: Urge contrariar a impotência cultural, e o hacking cultural ................................
pode ser a via para o fazer. Fonte: autor. .......................................................247
AGRADECIMENTO

13

Começo por agradecer aos orientadores da minha tese de doutoramento,


Mirian Tavares e Heitor Alvelos, pelo papel único que tiveram na abertura de ho­
rizontes e conhecimento, e – consequentemente e indelevelmente – também na
minha vida.
Um agradecimento também a Adérito Fernandes Marcos, António Cerveira
Pinto, Christa Sommerer, Cristina Farinha, Fátima São Simão, João Martinho
Moura, José Alberto Gomes, Luís Fernandes, Marta Madeira, Miguel Soares, Ru­
dolfo Quintas e Tony Brooks – cujas interações influenciaram em vários momentos
não só o desenvolvimento de determinados capítulos e secções, mas também a
minha visão e a subsequente estruturação deste projeto.
Quero agradecer ainda a todos os que acompanharam este processo desde
a sua génese, e que o viabilizaram e incentivaram, direta e indiretamente, espe­
cialmente a José Marques, Lurdes Paz e Adelaide Pegado.
Um sentido e especial agradecimento a todos os professores do DMAD.

Pedro Alves da Veiga


Dedicado à Ua, ao Tino e à Elsinha
PREFÁCIO

Ao concluir a minha tese de doutoramento Experiência e Atenção: Constru­


ção e Constrição de Ecossistemas de Média­Arte Digital, no âmbito do Doutora­ 17
mento em Média­Arte Digital, da Universidade Aberta e Universidade do Algarve1,
despontou a ideia de a transformar num formato mais acessível a um público glo­
bal, não necessariamente académico.
A adaptação e expansão da tese para o presente formato foi fruto da conti­
nuidade de um trabalho de investigação e publicação em revistas e conferências,
de onde emergiu o conceito do Museu de Tudo em Qualquer Parte2 (MTQP), ou
seja, da exposição global que resulta das camadas de artefactos digitais, espelho
da cultura contemporânea, invisíveis ao olho humano sem mediação tecnológica,
mas que habitam todo o espaço atravessado pelos nossos dispositivos móveis.
A produção desses artefactos digitais pode ser resultado de processos cons­
cientes e deliberados, mas também do automatismo que já desenvolvemos na
utilização da tecnologia, da forma de viver online nas redes sociais, da Internet of
Things, cuja popularidade e capacidade aumentam constantemente.
Porque a criação de uma exposição num museu é alvo de múltiplos e variados
processos, desde o inventário, a catalogação, a curadoria, até à produção, que in­
clui a criação de dispositivos expositivos, interpretativos e de comunicação, pare­
ceu­me indicado organizar a presente obra em função dos critérios que poderiam
nortear o conceptual e pervasivo MTQP, esperando que a sua leitura possa dar
um novo sentido à sua exploração – e enriquecimento.
Como tal, a divisão do livro em quatro partes – Acervo, Metodologia, Expo­
sição e Museu – contempla os passos conducentes à construção do conceito do
MTQP, e conclui após a apresentação desse mesmo conceito.
Na primeira parte – Acervo – elencam­se os vários agentes do ecossistema
da Média­Arte Digital (MAD), com uma incidência particular no ecossistema por­
tuguês, e também no tipo variado de relações que se podem encontrar entre os
diversos agentes.
A segunda parte – Metodologia – sugere formas de produzir artefactos de
MAD em paralelo com a sua própria investigação e documentação, um processo
enriquecedor e amplificador do conhecimento sobre as obras de arte digital, do­
tando­as de contextos artísticos, estéticos, históricos, cognitivos, psicológicos, tec­
nológicos, sociais e económicos, entre outros. Esta parte do livro é sobretudo
destinada a estudantes ou estudiosos da área, a artistas e criadores que queiram
documentar o seu processo criativo artístico. Lança ainda as bases para uma ava­
1
http://hdl.handle.net/10400.2/7502 [2020/05/21]
2
Inicialmente em inglês: The Everywhere Museum of Everything
PEDRO ALVES DA VEIGA

liação objetiva do posicionamento das obras de média­arte digital, nomeada­


mente considerando aspetos de intenção/intervenção a nível estético, funcional
e de perícia.
A terceira parte – Exposição – ilustra várias abordagens contemporâneas a
formas de intervir na sociedade através da exposição/disponibilização pública de
18 artefactos de MAD.
A quarta parte corporiza e define o Museu de Tudo em Qualquer Parte, su­
gerindo caminhos para a sua interpretação e visita, mas também para o seu de­
senvolvimento consciente, através da criação artística interventiva, ou da
investigação, análise, exploração e reutilização/remixagem do acervo existente.
O presente trabalho já se encontrava na fase final de escrita quando aconteceu
a pandemia do Covid­19, que veio introduzir alterações muito significativas na
forma como as relações se estabelecem entre os agentes do ecossistema, incenti­
vando sobremaneira a digitalização e virtualização dessas relações por via do con­
finamento obrigatório registado em muitos países, acelerando a criação de eventos,
exposições e festivais online, descentrando de forma global o ensino para platafor­
mas de e­learning. Apesar da alteração de perceção coletiva que estas alterações
vieram introduzir no panorama mundial, elas não serão provavelmente permanen­
tes. Espera­se, contudo, que no período seguinte se façam sentir ainda os seus
ecos, embora sobrepostos a um retorno gradual aos espaços físicos, às exposições
em sala, às conferências presenciais, à socialização. Desta forma assumiu­se o en­
riquecimento dos conteúdos já escritos, sempre que as mudanças introduzidas pelo
Covid­19 na realidade do ecossistema da média­arte digital se entendam suficien­
temente relevantes para sugerir alterações paradigmáticas futuras.
Em nome do Museu de Tudo em Qualquer Parte, agradeço a vossa visita e
contributos, mesmo que deles não se tivessem apercebido até este momento.
INTRODUÇÃO

Estavam dois peixes jovens a nadar, quando encontram um peixe


mais velho nadando em sentido oposto, que acena com a cabeça e
diz: «Bom dia rapazes, como está a água?» E os dois peixes jovens 19
continuam a nadar um pouco mais e, a dada altura, um deles olha
para o outro e pergunta: «O que raio é a água?» (Wallace, 2009: 1)

Assistimos a um crescimento da produção e do consumo sem precedentes,


acompanhado pelo igualmente crescente risco de esgotamento dos recursos na­
turais, à aceleração da destruição do ecossistema habitável, ao crescimento da
desigualdade global, à transferência do poder político dos cidadãos e dos seus re­
presentantes, democraticamente eleitos, para as elites e déspotas populistas (de
esquerda e de direita), às corporações multinacionais e ao setor financeiro, so­
brepondo­se aos Estados e ditando as suas próprias regras.
Mas o mundo ocidental também regista uma prosperidade sem precedentes,
uma profusa quantidade de bens e serviços que a primeira classe da economia
global pode desfrutar, bem como os medos, deceções, insegurança e uma sensa­
ção de privação, que ensombram a restante maioria, sob uma aparência estetici­
zada e polida de normalidade. Não é certamente a única caracterização possível,
e haverá outras visões mais otimistas, e também outras mais subjetivas. Mas in­
dubitavelmente, no ultramoderno século 21 dos países desenvolvidos, as altera­
ções na ecologia social são penetrantes, principalmente porque as tecnologias de
comunicação mudaram inúmeros padrões de relacionamento humano: os tele­
móveis alteraram a natureza da interação social, as tecnologias de vídeo alteraram
as noções de privacidade, e a automação e a robótica alteraram a natureza e o
significado do trabalho e do emprego.
A expressão «a hipótese Sapir – Whorf – Korzybski – Ames – Einstein – Hei­
senberg – Wittgenstein – McLuhan – et al.», cunhada por Neil Postman, está na
origem do que se designa por ecologia dos média, determinando que a nossa per­
ceção e aprendizagem se desenvolvem em função dos nossos processos de comu­
nicação e dos media que os suportam (Anton, 2016). Um dos principais
pressupostos da ecologia dos média é que podemos entender melhor a mediação
tecnológica e a evolução da consciência e da cultura humanas através de uma visão
de (ecos)sistemas. Os investigadores podem continuar a fazer perguntas sobre os
efeitos que uma tecnologia possui sobre as capacidades gerais, ou as construções
mentais de uma pessoa, mas passam também a poder verificar como indivíduos
ou culturas inteiras foram capacitados para funcionar com tecnologias, enquanto
extensões ou ambientes. O ambiente humano global inclui e incorpora extensões
tecnológicas, e estas nunca são apenas complementos: elas têm o poder de alterar
sensibilidades e capacidades, noções do próprio e do outro, ideias de privacidade
PEDRO ALVES DA VEIGA

e propriedade, orientações no espaço e no tempo. O papel da tecnologia na arte,


em particular dos média­digitais, representa também uma teia complexa de in­
fluências e consequências, muitas das quais estão agora a instalar­se e a desenvol­
ver­se, sob os auspícios das economias da atenção e da experiência.

20

Figura 1: Uma captura de ecrã da obra de net.art de Teo Spiller – TeddyBear.


Fonte: Teo Spiller (CC BY­SA 4.0).

As instalações de artefactos de média­arte digital (MAD) mais facilmente


podem ser vistas em museus de nova geração – como os museus de ciência e tec­
nologia, cinema, vídeo e fotografia – do que em museus de arte mais tradicionais.
A própria net.art não foi sequer considerada pelo mundo internacional da
arte até à sua inclusão na exposição Documenta X, em 1997 e, mesmo assim, a
nova comunidade falhou ao considerar a apresentação estática – off­line – de uma
forma de arte que vivia na ligação à rede global, cortando assim a ligação à sua
audiência natural, quebrando o seu código genético (Cook, 2008). E esta relação
alterou­se substancialmente nas últimas décadas.
A arquitetura de participação, com as suas baixas barreiras à entrada, facili­
tadora da globalização, inclusão e democratização do acesso à criação e fruição
(Anderson, 2007), é afinal um vetor de clivagem social. Basta considerar que, no
universo dos artistas, aqueles que optam por uma expressão ligada às artes digitais
são uma fração do número total, que a audiência interessada e capaz de interagir
com as suas criações é uma fração da audiência global da arte, e que as infraes­
truturas, virtuais ou materiais, que suportam a criação, exibição e preservação
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

dos artefactos digitais são uma fração da globalidade das infraestruturas exposi­
tivas, para se perceber que estamos perante uma multiplicação de frações, ou
seja, uma seletividade com três níveis multiplicativos de segregação na fruição da
obra de média­arte digital.
Este e outros desafios, colocados à MAD, são referidos por Christiane Paul3:
• A dificuldade do público não especializado em entender a estética. Embora 21
a arte contemporânea raramente seja fácil de compreender – e frequente­
mente não queira ser compreendida – a arte digital apresenta um novo
conjunto de problemas: a dependência de código, algoritmos e observação
em tempo real muitas vezes exponencia a alienação, tornando assim difícil
um maior envolvimento que conduza à sua devida apreciação estética.
• A sua predominante imaterialidade, que não é um exclusivo da MAD. Mas
ao contrário da performance e da arte conceptual, a MAD ainda não tem
uma aceitação sem reservas no panorama (mercado?) global da arte.
• A associação imediatista dos média digitais com a tecnologia, frequente­
mente conduz à sua sobreposição confusa, contribuindo para diluir a obra
no seu suporte. O público ainda está a aprender a responder: as obras tanto
podem ser vistas como entretenimento, como podem ser encaradas como
pertencentes a um museu de ciência, ou a uma galeria. Entender a MAD
como pertencente a um meio (medium) próprio, muitas vezes híbrido, é
ainda um desafio complexo de superar.
• A proliferação de imagens de alta definição e efeitos espetaculares em jogos
e filmes 3D pode contribuir para que as obras de MAD não atinjam as ex­
pectativas do público generalista que, na sua busca rápida por novos focos
de atenção, pode optar por ignorar obras artísticas, em função do seu im­
pacto low­tech, por comparação com a produção comercial profissional.
• O problema mais grave é, contudo, a obsolescência tecnológica, dado que,
se não forem tomadas as devidas cautelas, ela determina a volatilidade das
próprias obras.

Porque o momento presente é complexo e difícil de analisar objetivamente,


é preciso obter algum distanciamento para melhor compreender as várias rela­
ções, agências e agentes que o atravessam e, sobretudo, qual o papel do próprio
analista e de que forma pode a sua análise ser afetada. O autor deste livro as­
sume­se como artista, envolvido em prática artística, mas também como investi­
gador e tecnólogo, e parte ativa do ecossistema atual de média­arte digital. Esta
é a sua água, e nesta água ele procura desvendar um arquipélago, cujas ilhas se
influenciam de forma cruzada, por vezes subtilmente, como que por correntes
profundas e invisíveis, ou ventos de orientação predominante; outras vezes de
forma agressiva, como erupções vulcânicas ou tsunamis, que tudo destroem e re­
criam. O conceito de arquipélago permite estudar blocos isolados, que se sabe
3
https://www.youtube.com/watch?v=283LtZNmy5M [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

estarem relacionados, mas que individualmente representam conjuntos ricos, e


com alguma autonomia de informação.

O conceito do arquipélago [...] permite­nos visualizar os diferentes


dados como ilhas separadas, ao mesmo tempo que observamos todos
22 os dados diferentes como fundamentalmente vinculados por uma
fundação, como num arquipélago. A base subaquática do arquipélago
é entendida como a ‘verdade’ subjacente à avaliação, enquanto as
ilhas individuais são vistas como formas de sondar a verdade, ou como
dados a serem analisados e interpretados. Num arquipélago, a maior
parte da estrutura é subaquática e, portanto, invisível. As ilhas estão
à vista, mas representam uma parcela relativamente pequena de todo
o arquipélago, [...] e o nosso objetivo de investigadores é, através da
visão das ilhas individuais, conseguir inferir a base subjacente, [...] en­
contrar um padrão ou explicar como essas diferentes ilhas se encai­
xam entre si. (Lawrenz & Huffman, 2002: 332)

E neste arquipélago não se propõe necessariamente um percurso linear, mas


sim múltiplos percursos, com possibilidade de retorno, ou seja: ao progredir nas
diferentes etapas/capítulos, é possível, e até desejável, voltar a uma etapa anterior,
à luz da revelação, explicação ou síntese criativa atingida, como forma de verifi­
cação, validação ou confrontação. Encontrar uma sequência de leitura linear, que
se espera num livro, foi um desafio, já que numa hipotética versão interativa deste
trabalho, os vários temas poderiam estar disponíveis a um mesmo nível, pratica­
mente não­hierarquizados, e sem perda (previsível) de significado.

Figura 2: À esquerda, a visão não linear do arquipélago à superfície, aparentemente composto de


ilhas isoladas. À direita, a visão do mesmo arquipélago sobreposta ao complexo rizoma de interde­
pendências e influências subjacente às várias ilhas. Fonte: autor e André­Ph. D. Picard (CC BY­SA 3.0)
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Mesmo assim, e porque próprio título implica uma construção, este livro está
dividido em quatro partes principais:
1. o acervo do Museu de Tudo em Qualquer Parte, em que se identificam os
principais elementos do ecossistema da média­arte digital,
2. a metodologia sugerida para a criação e análise das obras de média­arte
digital, 23
3. a análise das várias formas expositivas de que o acervo se pode revestir,
4. e a materialização do museu.
I PARTE – ACERVO
MÉDIA­ARTE DIGITAL: UMA DEFINIÇÃO
Nascido na revolução industrial, o modernismo traduz a vontade de abraçar
a nova realidade e os novos materiais da era industrial, com tendência para simpli­
ficar as formas, reduzir o detalhe decorativo e abandonar o realismo, dando cres­
cente atenção aos materiais utilizados e respetivas qualidades visuais, aos símbolos 27
da revolução industrial, à maquinaria e tecnologia. Apesar da busca pela inovação
e pela reinvenção da arte, dois aspectos permanecem inalterados: o elitismo das
artes, artistas, patronos e críticos; e a valorização das obras de arte produzidas.

Figura 3: A obra de Johannes


Theodor Baargeld – Typical Ver­
tical Mess as Depiction of the
Dada Baargeld, de 1920.
Fonte: Johannes Theodor Baar­
geld, domínio público.

O anti­movimento Dada gera­se a partir da inspiração niilista surgida da I


Guerra Mundial, e do espírito de revolução artística iniciada pelo Futurismo. As­
senta a sua acção principal na crítica feroz à sociedade e aos valores socioculturais
que permitiram os horrores da Guerra. Os dadaístas assumem­se como não­ar­
tistas e não­escritores e, já que tudo no mundo, incluindo a arte, perdera o sentido
numa guerra cruel e destruidora, decidem criar a não­arte. As obras dadaístas ca­
racterizam­se essencialmente por uma regra: nunca seguir qualquer regra. O seu
objetivo primeiro é a indução do escândalo, choque e até repulsa no observador,
através do humor escatológico, da sátira, do nu, enfim, tudo o que possa constituir
um questionamento dos valores da época. A utilização direta de objectos munda­
nos, produzidos em larga escala e de uso corrente, reclassificados como arte
PEDRO ALVES DA VEIGA

(os readymade), colagens fotográficas, algumas formas iniciais de assemblage e


um entusiasmo pela tecnologia, marcam muitas das obras deste movimento.
É a época do artista contestatário, ridicularizador, ridicularizável e ridiculari­
zado. O movimento autoextingue­se quando começa a tornar­se aceitável, e é
através desta aceitação, enquanto forma de arte, que vem a influenciar de forma
28 significativa muitos dos movimentos e tendências que se lhe seguem.
A arte conceptual surge no rasto do dadaísmo, e Isidore Isou cria a noção de
uma obra que pela sua própria natureza não possa jamais ser materializada, mas
que produza recompensa estética pela sua contemplação intelectual (Isou, 2000).
Surge o conceito de instalação – algo que pode ser construído com recurso
a materiais não­tradicionais das artes (até então), misturando técnicas e tecnolo­
gias. Na arte conceptual a ideia é o aspecto mais importante do trabalho, sendo
que «todo o planeamento e decisões estão definidos à partida e a execução é uma
simples tarefa de materialização. A ideia torna­se uma máquina que faz a arte»
(LeWitt, 1967).
Esta noção preconiza o surgimento da arte digital, em que um conjunto de
instruções (ideia) dado a uma máquina (computador) pode produzir arte. A po­
pularidade crescente da psicanálise traz para a ribalta áreas anteriormente já to­
cadas pelo simbolismo, revelando um mundo individual que existe para além do
óbvio, do visível e do tangível. Os alucinogénios e os estados alterados de cons­
ciência estabelecem um campo fértil para universos de sonho, realidades alter­
nativas e irracionais. O surrealismo explode e atrai muitos dos dadaístas.
Ganha relevo o artista visionário, espiritualizado ou influenciado por subs­
tâncias psicotrópicas, inspirado e em contacto com outros mundos. A arte abs­
trata, expressão direta da irracionalidade ou de sentimentos e gestos do momento,
pautada pela ausência de elementos reconhecíveis, dá os primeiros passos. Se é
certo que já em finais do século 19 artefactos com imagens em movimento, como
o taumatrópio ou o zootrópio, se tinham popularizado, a verdade é que não eram
encarados como expressões de arte, e sim como curiosidades ou brinquedos.
O próprio cinema é inicialmente descrito pelos Lumière como uma invenção
sem futuro, e para Georges Méliés é apenas uma extensão da magia de palco
(Chardère, Borgé & Borge, 1985).
Anos depois, através da televisão, as imagens em movimento difundem­se à
escala global doméstica: pela primeira vez não é necessário sair da própria casa
para visitar um museu ou ver um filme. Em 1958 Wolf Vostell torna­se um dos pri­
meiros artistas a incorporar um aparelho de televisão numa obra: German View
from the Black Room Cycle.
Movimentos como Fluxus e Happening, também eles herdeiros do espírito
contestatário dadaísta, e que ainda permanecem em atividade, baseiam­se no for­
mato de instalação e ampliam­no para performance art, onde os próprios artistas
se tornam objecto exposto, rodeando­se frequentemente de novas tecnologias e
artefactos.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Mas ao movimento das obras corresponde geralmente a passividade dos ob­


servadores. Os aspectos dinâmicos e interativos da arte, tal como os conhecemos
atualmente, surgem nos anos 60. O dinamismo é popularizado por Alexander Cal­
der, o pai dos mobiles e das esculturas cinéticas, um engenheiro/artista, percursor
dos vindouros cientistas/artistas, inspirado pela arte abstrata de Mondrian.
No final da década de 60 a arte cinética é já uma tendência estabelecida, e a 29
utilização de peças articuladas e máquinas evolui naturalmente para a utilização
de computadores. Ainda nos anos 60, a mail­art propõe a criação de uma rede de
artistas à distância – a Eternal Network – que comunicam através do serviço postal,
trocando e recriando peças, partilhando imagens recicladas, carimbos, assemblage,
e com eles também o debate de ideias e provocações, tendo a primeira exposição
significativa de mail­art decorrido no museu Whitney, em Nova Iorque, em 1970.
Historicamente as primeiras formas de arte computacional, em computado­
res analógicos, são levadas a cabo por cientistas, que designam por arte as suas
experiências de laboratório, tal como os dadaístas o haviam feito com o ready­
made. É o caso, por exemplo, do matemático Ben Laposky e dos seus Oscillons,
fotografias de formas de onda reproduzidas num osciloscópio.

Figura 4: Ivan Sutherland usando o Sketchpad in 1962.


Fonte: Sutherland, I. E. (1964). Sketchpad ­ a man­machine graphical communication system. Simu­
lation, 2(5), R­3, p. 329.

Seguem­se visionários, como Pierre Bézier, Ivan Sutherland e Charles Csuri,


entre tantos outros, que possibilitam a efetiva ascensão ao estatuto de arte de
algo que, até então, nunca tinha sido elevado a esse patamar. Dilui­se a fronteira
entre ciência e arte e ganha protagonismo crescente o artista/cientista.
PEDRO ALVES DA VEIGA

Se os átomos são a base das materiais usados na arte dita convencional, os


zeros e uns são a base da arte digital, e os computadores e programas são as fer­
ramentas usadas para a sua manipulação. Esta nova matéria seduz um novo grupo
de criadores, tal como os ícones da revolução industrial também seduziram os ar­
tistas de então.
30 As virtudes dos instrumentos digitais são as dos sistemas de notação: preci­
são e repetibilidade, e é essa a sensação que as primeiras criações por computa­
dores digitais transmitem – a de um universo preciso e polido.
Com a crescente digitalização de texto, imagens, sons, animação e vídeo, o
termo média entra no léxico corrente para designar qualquer tipo de conteúdo
sensorial e cognitivo, passível de reprodução através de meios digitais.
É este termo que está na base da designação média­arte digital.
Considere­se, então, as seguintes definições:
1. a arte digital é a arte que explora o meio digital (ferramentas, tecnologias
e conteúdos) enquanto processo ou ferramenta de criação, como produto
final (conteúdo informativo e suporte), ou como tópico artístico (Marcos,
2017).
2. a média­arte é a arte produzida em função do tempo, criada através da
gravação e reprodução de som e/ou imagens durante um determinado pe­
ríodo de tempo. Uma obra dependente do tempo é uma obra em mutação
e movimento, por contraste com as anteriores formas de arte estáticas,
como a pintura, fotografia e a maior parte da escultura (NIMK, 2015).

Efetivamente a fruição de um artefacto de média­arte digital é uma função


do tempo, no sentido matemático da expressão. A videoarte, os sistemas interati­
vos, as experiências imersivas, a escultura de informação e a net art só podem ser
percecionadas plenamente ao longo de um período de tempo, nunca de forma ins­
tantânea. A própria interatividade necessita de tempo para ser explorada. E se o
tempo é a 4ª dimensão da média­arte, pode então propor­se a seguinte definição:

A média­arte digital é toda a forma de arte que não pode ser


idealizada e/ou materializada e/ou exibida sem a utilização
de tecnologias digitais, e cujo conteúdo e apreciação estética
e cognitiva variam em função do tempo.
ECOSSISTEMAS DE MÉDIA­ARTE DIGITAL E SEUS AGENTES
Um ecossistema é um conceito da biologia que define uma unidade natural
formada por partes inertes e partes vivas que se relacionam entre si, dando origem
a um sistema estável. Uma oscilação numa das partes é habitualmente, e organi­
camente, acompanhada por uma compensação em alguma outra parte. Se o equi­ 31
líbrio global entre as partes for destruído, ou se não for reformulado, o
ecossistema desaparece.
Existe, assim, uma rede de ligações e relações, atravessada por interdepen­
dências e fluxos de informação, que se assemelha metaforicamente às redes invi­
síveis de transmissão de dados que suportam a vida contemporânea online. Os
próprios termos ligação e relação são frequentemente usados para representar
um elo – ou vínculo – entre entidades distintas, ou um fluxo de informação assente
sobre esse elo, ou o processo de criação do elo ou dos fluxos de informação que
sobre ele assentam, ou ainda uma associação entre as entidades que não obedece
a um particular canal de informação.
É neste cenário complexo que a contemporaneidade se vive em fluxo cons­
tante, não se compadecendo particularmente na sua velocidade com o pensa­
mento analítico e reflexivo sobre as ações, reações, ligações, relações, e fluxos de
informação. Contudo, estas ligações e relações estão de tal forma mutuamente
embebidas e entretecidas que se torna necessário individualizá­las e trazê­las para
a luz, para poder compreendê­las e analisar os seus mecanismos de influência.
A aplicação do conceito de ecossistema ao universo das artes não é inédita,
na medida em que o relacionamento destas com outros agentes externos é uma
preocupação recorrente, pela busca incessante para encontrar o seu equilíbrio
com a economia e com o meio em que se inserem (Sharpe, 2010). Na fase mais
recente das políticas culturais, e no que constitui uma tendência em diversos paí­
ses, o conceito de cultura tem sido crescentemente dilatado e o peso económico
do setor torna­se cada vez mais a razão principal do interesse que suscita em con­
textos neoliberais – pese embora o sistemático desdém com que a cultura, a prá­
tica artística e o ensino das artes é encarado pelos setores mais radicais4.
A cultura entrelaça­se, assim, com a dinâmica socioeconómica, dando origem
a sistemas complexos, com interdependências (Morató, 2012). A complexidade
destes sistemas está plasmada na panóplia de espaços de exposição, festivais, es­
petáculos, institutos de investigação inter e transdisciplinar, organizações, progra­
mas educacionais e iniciativas especiais, que ligam artistas e investigadores,
cruzando as áreas da arte, ciência e tecnologia, através de todo o tipo de recursos
relevantes, como publicações, conferências ou organizações profissionais.
Daqui derivam questões importantes, como a definição de um papel viável
para os artistas num contexto de investigação, ou dos contributos dos investiga­
4
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/12/opinion/1573593343_386471.html [2020/06/06]
PEDRO ALVES DA VEIGA

dores para a arte e desta para a sociedade, ou ainda do que podem as empresas
de alta tecnologia ganhar através do envolvimento dos artistas. E nas respostas
possíveis torna­se visível também a importância das relações entre os diferentes
agentes, ultrapassando a simples soma dos contributos individuais. Cada um dos
agentes terá certamente uma visão específica, uma perspetiva dos seus relacio­
32 namentos ao nível da criação, ensino, investigação, exposição, participação, inte­
gração, comercialização, diversão ou usufruto da MAD, entre outros. Mas essa
visão não corresponde forçosamente à visão do sistema na sua totalidade, e daí
a importância das diferentes perspetivas.
Na MAD estes relacionamentos podem abarcar um largo espectro de disci­
plinas, e importa por isso adotar uma visão baseada na primazia das atividades
que relacionam sujeitos e objetos em contextos tecnológicos, espaciais, temporais
e sociais, entre outros, em detrimento da visão de objetos de informação estáticos,
de meros artefactos.
Analisando os objetivos que levam, na atualidade, à criação e desenvolvi­
mento de ecossistemas de artes (não só de MAD), encontramos traços comuns,
atravessando valores económicos, culturais e recreativos, mas também educacio­
nais, estéticos, psicológicos, espirituais ou sociais. Contudo, a intangibilidade dos
ecossistemas culturais pode ser o maior impedimento da sua real avaliação (Milcu
et al., 2013). As avaliações ao nível de valor recreativo, cultural, estético e educa­
cional geralmente não são devidamente acompanhadas por análises de indicadores
económicos, relacionando­os com aspetos como o turismo e o entretenimento,
por exemplo.
Estes ecossistemas ganharam ainda um relevo acrescido nos tempos da pan­
demia do Covid­19, com a migração em massa para os suportes digitais de distri­
buição (o que não é o mesmo que assumir que a criação artística se tornou mais
digital), substituindo­se às salas de espetáculo e exposição públicas. Em função
desta alteração paradigmática surgiram novas expressões do ecossistema, mate­
rializadas em plataformas agregadoras de iniciativas de apoio para as diversas for­
mas de expressão artística e cultural5. Mencione­se ainda as exposições online
que ocorreram neste período, grande parte delas com curadoria dos próprios ar­
tistas, como a Art In Quarantine6, uma iniciativa dos artistas e académicos portu­
gueses WR3AD1NG D1G1TS (Diogo Marques e Ana Gago), que registou 912
participações, durante os quarenta dias de chamada aberta à participação, com
obras oriundas de todo o mundo, incluindo poesia, ilustração, sonoplastia e arte
generativa, entre outros géneros.
A teia complexa de redes que se formam dentro e ao redor das artes deve,
por isso, ser abordada como um ecossistema, digno de estudos mais específicos
direcionados para «a compreensão e análise das ecologias culturais locais» (Hol­
5
São disto exemplo as plataformas Creatives Unite (https://creativesunite.eu/) e a Portugal #En­
traEmCena (https://www.portugalentraemcena.pt/ptemcena/) [2020/05/21]
6
https://wreading­digits.com/art­in­quarantine/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

den, 2015: 32), e como uma forma de englobar todos os intervenientes e agentes
dos processos que relacionam artistas, fornecedores, distribuidores, teóricos, au­
xiliares da produção, agências de comunicação especializadas, jornalistas culturais,
críticos de arte, diretores de galerias e museus, organizadores de exposições, im­
portadores e exportadores de informação, agentes dos artistas, marchands, cole­
cionadores e público (Becker, 1982; Cauquelin, 2005). 33
A visão colonizadora de que qualquer recurso existe apenas para ser explo­
rado enquanto tal (seja ele biológico, natural, inorgânico, artificial, tecnológico ou
mediador) prima por ignorar os pontos de vista dos próprios recursos, também
eles agentes do ecossistema. Mas acima de tudo ignora as relações que se esta­
belecem e a importância das mesmas. O ecossistema das artes está tradicional­
mente alicerçado no poder dos media e do mercado, que não se limita apenas à
compra e venda de objetos artísticos, mas envolve o financiamento público e pri­
vado de exposições, festivais, formação, publicações e um enumerável elenco de
atividades adicionais. Trata­se de tendências que se desdobram e se aceleram em
função da expansão global das redes digitais móveis e ubíquas de comunicação,
informação e entretenimento. A par disso, também crescem nas universidades
cursos dedicados aos novos e imprevistos desafios tecnológicos que se enraízam
na cultura, e que as artes absorvem e transmutam (Santaella, 2016).
Existe ainda uma realidade festivalizada – uma proliferação de festivais de
arte e tecnologia – em que eventos interativos se misturam à dinâmica das cida­
des, suportada por galerias de arte digital a céu aberto; Centros de Arte e Média,
como o ZKM7 e o Ars Electronica Center8; laboratórios, como o MIT Media Lab9
ou o Medialab da Universidade de Brasília10; revistas especializadas, como a Leo­
nardo11 e a seLecT12; portais especializados, como o Rhizome13; equipas interdis­
ciplinares, como a da SciArt Initiative14; comunidades em redes sociais; espaços
expositivos virtuais, como o DAM Museum15 ou a bienal The Wrong16; espaços fí­
sicos construídos para atender às exigências da produção, como o espaço Tanks,
na Tate Modern17 (Gasparetto, 2013).
Estes são apenas exemplos que levam a crer que outras instâncias de legiti­
mação são válidas e facilitam a entrada de outros agentes e instituições no campo
artístico, num espaço que extravasa a própria área de desenvolvimento e se en­
tretece com a sociedade e a cultura digital, ou seja, o ecossistema da MAD. Ao
7
https://zkm.de/ [2020/06/06]
8
https://ars.electronica.art/center/de/ [2020/06/06]
9
https://www.media.mit.edu/ [2020/06/06]
10
http://medialab.unb.br/ [2020/06/06]
11
https://www.leonardo.info/ [2020/06/06]
12
https://www.select.art.br/ [2020/06/06]
13
https://rhizome.org/ [2020/06/06]
14
http://www.sciartinitiative.org/ [2020/06/06]
15
http://www.dam.org/ [2020/06/06]
16
https://thewrong.org/ [2020/06/06]
17
https://www.tate.org.uk/visit/tate­modern/tanks [2020/06/06]
PEDRO ALVES DA VEIGA

considerar modelos já existentes de ecossistemas, foi alargado o seu âmbito às


artes em geral, com o objetivo de determinar se os postulados poderiam ser adap­
tados para a realidade da MAD.
Um modelo analisado foi o da Fundação Hewlett18, que ajuda a compreender
as múltiplas interações entre entidades e indivíduos que fazem arte, que dela usu­
34 fruem e que constroem e mantêm as infraestruturas necessárias. A Fundação
apresenta três macro objetivos para o ecossistema das artes, muito assentes numa
lógica de mercado:
1. oferta – uma comunidade viva e interativa de artistas que produzem tra­
balho criativo;
2. procura – apoio público robusto que denote apreço e interesse pelas artes;
3. infraestrutura – bens materiais e intelectuais em número suficiente que
assegurem a criação, apresentação e participação nas artes.

Estes três pontos contribuem para uma primeira formulação de objetivos ge­
rais: o equilíbrio entre a procura e a oferta, o que equivale a dizer que a comuni­
dade artística e o público, deverão ser considerados como pesos numa balança
em equilíbrio, considerando ambos com igual cuidado.
Do lado artístico, a formação, o incentivo à criatividade, a educação formal,
a exploração e investigação integrada com a indústria e tecnologia; e do lado do
público também a educação e formação, a legitimação, a aquisição direta (arte­
factos) e indireta (eventos, performances), a participação e o entretenimento. A
infraestrutura existe para suportar todas estas componentes e ser­lhes transversal.
Já The National Endowment for the Arts (NEA) sugere a criação e a participa­
ção, como sendo o núcleo do ecossistema, mas propõe ainda a designação de
multiplicadores de sistema, variáveis que atuam sobre as distintas componentes
do (ecos)sistema, em várias medidas e simultaneamente (NEA, 2012). Estes mul­
tiplicadores de sistema são uma espécie de clima social: não mudam necessaria­
mente o funcionamento global do sistema, mas podem mudar parâmetros de
funcionamento, ou afetar a duração de tarefas ou interações. O NEA aponta cinco
multiplicadores:
1. mercados e financiamentos,
2. política,
3. tecnologia,
4. demografia e tradições culturais e
5. espaço e tempo.

A tecnologia, por exemplo, mudou completamente a maneira como partilha­


mos e consumimos arte. Também mudou a forma como os artistas são remune­
rados, para melhor ou pior, mas de formas insuspeitas ainda há poucos anos atrás.
18
https://hewlett.org/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

O Yerba Buena Center for the Arts19 define o seu ecossistema criativo como
sendo a forma a juntar diferentes parceiros num compromisso colaborativo e de
longo­termo, em torno da ideia de que a arte não se resume à criação de um ob­
jeto ou resultado, mas é um processo e uma oportunidade para criar comunidade.
Desta forma, o seu objetivo é transformar o envolvimento transacional da audiên­
cia numa experiência colaborativa, evolutiva e de interesse mútuo. 35
Surge assim uma caracterização das relações entre a comunidade de artistas
e o público:
1. uma relação de experiência colaborativa (por oposição a uma mera ob­
servação ou transação),
2. evolutiva (por oposição a um sistema estático)
3. e de interesse/benefício mútuo (por oposição a um interesse/benefício
unilateral).

Dado que não existe (ainda) um modelo único para o ecossistema da MAD,
pode ser proposto, como bloco fundador, um mapeamento­tipo das relações e
agentes, com base nos modelos analisados:
• Criação – relacionando, por exemplo, artistas, tecnólogos, e criadores, fa­
cilitando a inovação, o hacking, a métissage.
• Participação – relacionando, por exemplo, uma audiência participativa, in­
formada e crescentemente envolvida/integrada e interessada nos proces­
sos artísticos.
• Educação – relacionando o ensino e a formação contínuos de artistas e au­
diência.
• Inovação – relacionando a investigação e desenvolvimento, a inovação e o
pioneirismo através da participação e colaboração entre agentes artísticos,
académicos, corporativos, institucionais, empresariais e industriais.
• Gestão – relacionando o controlo do equilíbrio financeiro, as infraestrutu­
ras, os mecanismos de comunicação e marketing, a identificação de fontes
de financiamento e potencial rentabilização do investimento na infraestru­
tura e os mecanismos e agentes de negócio nas áreas do turismo, entrete­
nimento, mercado privado e público da arte e apoios institucionais, entre
outros.
• Fruição – relacionando as infraestruturas, os artistas, os académicos, as ins­
tituições e as audiências com os espaços de exposição, apresentação, par­
ticipação e interação.
• Ação – relacionando o meio social envolvente; a educação na – e através
da – arte; e os projetos com retorno cultural e financeiro para outras insti­
tuições ou agentes de índole social e educacional.
19
https://ybca.org/about/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Este modelo pode ser visto na figura 5 e, com base nele, podemos definir,
então, o ecossistema da média­arte digital como um conjunto de indivíduos e ins­
tituições responsáveis pela criação, disseminação, fruição, exibição e consumo
de artefactos e eventos suportados por média e tecnologias digitais, por eles
mesmos rotulados como artísticos.
36

Figura 5: A visão inicial do ecossistema da MAD.


Fonte: autor.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

O ECOSSISTEMA PORTUGUÊS
Nota: o autor disponibiliza para consulta online20 uma versão resumida do
ecossistema que se apresenta de seguida.

37
ARTISTAS
Inovação é algo que, para Melo (2007), começa a fazer­se sentir no panorama
da arte em Portugal a partir de 1974. É neste contexto que surgiram os Encontros
Internacionais de Arte, cuja organização estava a cargo do Grupo Alvarez do Porto
e de Jaime Isidoro. Ambicionava­se estabelecer a criação de espaços livres de in­
tervenção de rua, fomentando o contacto direto entre arte, população e artista.
Foi deste grupo que, em agosto de 1978, surgiu também a 1ª Bienal de Arte de
Vila Nova de Cerveira (5ª edição dos Encontros Internacionais de Arte), visando o
intercâmbio de ideias enquanto impulsionador de transformações e de uma ur­
gente mudança económica, social e cultural.
Mas foi o nascimento de um circuito alternativo de exposição nos anos 90,
que se pode mais facilmente identificar a partir da criação da galeria ZDB, em Lis­
boa, que veio traduzir uma diferença de posicionamento de artistas e curadores,
que iriam influenciar os anos seguintes. É também a partir daquela data que sur­
gem alternativas ao ensino artístico, até então exclusivo – e cristalizado – da Aca­
demia: Ar.Co, Aula do Risco, Maumaus, ETIC, entre outras. Os anos 90 marcam
ainda a tomada de decisão por um grupo auto­organizado de artistas – Paulo Car­
mona, Pedro Cabral Santo, Tiago Batista e Paulo Mendes, entre outros – de tomar
nas suas próprias mãos as decisões relativas às modalidades de exposição. A co­
letiva Set Up, apresentada na Faculdade de Letras de Lisboa, é a primeira instância
desse movimento, que posteriormente marca presença em vários eventos, como
Greenhouse Display, Estufa Fria, 1996; Jetlag, Reitoria da Universidade de Lisboa,
1996; X­Rated, ZDB, 1997; O Império Contra­Ataca, ZDB, 1998; (A)casos (&)mate­
riais, CAPC, 1999; Plano XXI, G­Mac, Glasgow, 2000; Urban Lab – Bienal da Maia,
2001; entre outros. Também em 1995, Alexandre Estrela e Miguel Soares organi­
zavam a exposição de finalistas da Faculdade de Belas Artes da Universidade de
Lisboa, Wallmate, como um manifesto contra a própria instituição de ensino, cujas
posições obsoletas e incoerentes eram por eles expostas no catálogo da mesma.
Em 1997 surge a Virose, uma associação cultural sem fins lucrativos, impul­
sionada por Miguel Leal, no Porto. É dedicada à arte e às suas contaminações com
a técnica. A Virose é vista como uma organização para a teoria e a prática dos ve­
lhos e dos novos media (Virose – arte, teoria, prática), e reúne artistas, programa­
dores e arquitetos, entre outros. A sua presença online faz­se sentir através de um
20
https://pedroveiga.com/ecossistema­portugues­de­media­arte­digital/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

servidor, a partir do qual disponibilizam diversos conteúdos, incluindo um e­zine21.


Desde o início do projeto a Virose centrou­se na tentativa de compreender a arte
digital no campo mais alargado da arte. Os problemas da net art, arte digital, nu­
mérica ou MAD, não são tão diferentes e, ainda menos, opostos à questão onto­
lógica que juntou (e apartou) arte e técnica.
38 Ainda da maior importância na definição do panorama artístico português
foram a criação do Ministério da Cultura, em 1995, do Instituto de Arte Contem­
porânea, a constituição da Coleção Berardo e respetiva inauguração no Sintra
Museu de Arte Moderna, o Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto,
o Centro Cultural de Belém, a Culturgest e o Museu do Chiado, culminando com
o Museu da Arte, Arquitetura e Tecnologia – MAAT, da Fundação EDP, em 2016, e
o anunciado Museu Zer022, em Tavira, dedicado apenas às artes digitais.
Ao longo das últimas décadas construiu­se uma base mais sólida de circulação
e programação, sendo que os artistas portugueses adquiriram uma razoável plata­
forma de apoios institucionais, a qual permite o acesso a bolsas e subsídios, embora,
na maior parte dos casos, reservados a organizações formalmente constituídas, não
acessíveis a título individual. Os novos artistas que emergem deste contexto bene­
ficiaram, não só deste facto, como de uma muito maior disponibilidade de circula­
ção, que lhes abre amplamente o acesso a escolas e instituições estrangeiras.
Contudo, a falta de grandes colecionadores sediados em território nacional
funciona, ainda e sempre, como uma desvantagem, limitando as ambições dos
agentes culturais a um horizonte local que, em última análise, pode manietar as
aspirações de internacionalização de grande parte dos artistas. Se é bem verdade
que muitos artistas conseguem encontrar canais de acesso e de integração em
circuitos internacionais, é também verdade que existe uma enorme dificuldade
de sustentação dos mesmos a longo prazo, o que explica a frequente saída dos
artistas de Portugal para se estabelecerem profissionalmente noutros países.
Existe, contudo, e enquanto sinal dos tempos, uma diferença de fundo que
demarca a atitude destes artistas em relação aos seus antecessores mais próximos,
e que se prende com a falta de relação (intelectual ou prática) com o agencia­
mento artístico, aliada a um desinvestimento político, ilustrando a máxima de que
um homem é sempre mais parecido com a sua época do que com os seus pais.
Os tempos mudaram e já não se trata do fulgor contestatário com que a ge­
ração de 60 enfrentou o fascismo, ou do entusiasmo eufórico com que os anos 80
se afirmaram contemporâneos do mundo. Trata­se apenas de assumir a condição
de artista, sem traumas nem luta contra os traumas do ancestral complexo de in­
ferioridade nacional (Melo, 2007). Sier23 traça uma visão desencantada do pano­
rama português, em termos de MAD. Ele considera existir um grande atraso face
21
http://www.virose.pt/vector [2020/05/21]
22
https://www.artecapital.net/noticia­6371­museu­zero­algarve­vai­ter­o­primeiro­centro­de­arte­
digital­do­pais [2020/05/21]
23
http://unplace.org/sites/default/files/entrevistas_­_interviews_booklet.pdf [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

a outros panoramas contemporâneos internacionais, e que o quadro nacional é


inconsequente, pautado por exceções, quer em termos de artistas, quer em ter­
mos de instituições, quer ainda em termos do que se procura atualmente dar ao
público como arte digital. Importar, em vez de apostar na criação própria, é a
norma; são financiados projetos e criados prémios que impõem artes visuais tra­
vestidas de roupagens digitais; são concedidos apoios estatais e institucionais a 39
núcleos restritos conhecidos; não existem espaços, estruturas e projetos exclusivos
de artes digitais. É de louvar a existência de redutos de criação e apresentação de
projetos nacionais, mas artisticamente vive­se do ar, enquanto os que se vanglo­
riam de suportar esses espaços conseguem nichos de financiamento estruturais,
que depois não passam para os criadores.
É inegável que os objetivos dos artistas podem ser impulsionados por priori­
dades diversificadas, por vezes, até, distorcidas. No panorama da MAD nacional
não existe protecionismo ou preferência autóctone: muitos dos festivais nacionais
exibem uma maioria de artistas estrangeiros, senão mesmo a totalidade. Refira­
se o Post Screen Festival, que na sua componente expositiva, na edição de 2016,
não apresentou qualquer artista português. Também o Concurso de Arte Interativa
do CITAR, realizado em 2015, e com um júri maioritariamente português, não pre­
miou qualquer artista nacional. O único prémio nacional na área da MAD é o
Sonae Media Art, uma iniciativa da Sonae em parceria com o Museu Nacional de
Arte Contemporânea – Museu do Chiado, que é bienal e tem como objetivo dis­
tinguir e divulgar criações artísticas na área de média­arte, para artistas com ida­
des inferiores a 40 anos. Na edição de 2019, contou com noventa e três
candidaturas recebidas, das quais foram validadas setenta e três e escolhidos os
cinco finalistas: o coletivo Berru (Bernardo Bordalo, Mariana Vilanova, Rui Nó e
Sérgio Coutinho), Diogo Tudela, Francisca Aires Mateus, Rudolfo Quintas e o cole­
tivo constituído pelos artistas João Correia, Sérgio Rebelo e Tiago Martins. O Pré­
mio veio a ser atribuído ao coletivo Berru, com a instalação Síntese de Sistemas.
De entre os artistas portugueses (ou luso­descendentes) que desenvolvem
prática em MAD e participam habitualmente em eventos, exposições, festivais e
competições de MAD em Portugal, produziu­se uma lista que não é particular­
mente extensa, nem se assume como sendo exaustiva, mas que é suficientemente
abrangente para poder ser considerada como representativa da atualidade e do
envolvimento dos artistas na Academia. Dos artistas elencados, a maioria apre­
senta­se a solo, sendo os coletivos a exceção, habitualmente reservada para obras
de índole performativa. Quase todos os artistas têm formação académica, com
vários a evidenciarem uma formação académica no estrangeiro (itálico), e muitos
a manterem uma ligação presente à Academia (negrito):
Ana Gago, André Martins, André Sier, António Quiroga, Bruno Canas, Carlos
Noronha Feio, Diogo Marques, Fátima São Simão, Filipa Tomaz, Filipe Pais, João
Dias, João Martinho Moura, Heitor Alvelos, Helena Ferreira, Hugo Madureira, Leo­
nel Moura, Margarida Sardinha, Marta de Menezes, Miguel Carvalhais, Miguel
PEDRO ALVES DA VEIGA

Neto, Miguel Santos, Miguel Soares, Nuno Correia, Nuno Lacerda, Pedro Alves da
Veiga, Rodrigo Carvalho, Rodrigo Gomes, Rudolfo Quintas, Sara Orsi, Sofia Caetano,
Tatiana Macedo, Tiago Rorke. Desta lista, Ana Gago, Diogo Marques, Miguel Car­
valhais, Miguel Neto e Rodrigo Carvalho apresentam­se em coletivos com nomes
distintos, como @C (Miguel Carvalhais e Pedro Tudela), WR3AD1NG D1G1TS (Ana
40
Gago e Diogo Marques) e BorisChimp 504 (Miguel Neto e Rodrigo Carvalho).

Figura 6: O mapa do ecossistema de média­arte digital português, disponibilizado online8.


Fonte: autor.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

ASSOCIATIVISMO E REDES COLABORATIVAS EM PORTUGAL


Associações
É raro (ou até inédito) ver associações na base da apresentação de obras de
MAD, embora existam algumas que atualmente gerem festivais relevantes para a
41
área, como a Plunc ou a Vo’Arte. As associações constituem­se, geralmente, de
forma espontânea, seguindo diversas tipologias, tendo em conta os objetivos a
que se propõem, e a intervenção que pretendem realizar. São organizações que
possibilitam

o investimento do tempo liberto em benefício de algo que, sendo


pessoal, assume um caráter essencialmente coletivo, solidário e com
capacidade sustentada de intervenção social, política, cultural, eco­
nómica, e de coesão do tecido comunitário. (Coelho, 2008: 12).

O associativismo contribui para a consolidação e dinamização do tecido so­


cial, é um importante fator histórico de transformação e inovação social, de liber­
dade criativa, assumindo­se como um local de experimentação de novas soluções.

A atividade cultural, social e desportiva das coletividades, clubes e


outras associações por todo país; as bandas de música, as bibliotecas
populares, o teatro amador, a ação de intelectuais como Bento Jesus
Caraça, na Biblioteca Cosmos e na Universidade Popular; a criação
do Coro da Academia de Amadores de Música, dirigido por Fernando
Lopes Graça; a intervenção de intelectuais em atividades promovidas
pelos associados de tantas instituições populares, culturais e cientí­
ficas [...] foram realidades consecutivas durante décadas do fascismo,
enfrentando a repressão, a censura, a proibição e apreensão de li­
vros, discos e outras obras de arte, que eram e continuam a ser pa­
trimónio inestimável e valioso de todos nós. (Navarro, 2014: 20)

A par do substancial aumento do número de associações durante o século


20, mais dois factos se verificaram: as coletividades mais clássicas diversificaram
em muito as suas atividades e, por outro lado, emergiram ou reforçaram­se outros
tipos de associativismo – por exemplo, de defesa (do património, dos consumido­
res, das vítimas, do ambiente e ecologia, da pessoa com deficiência, entre outros);
movimentos de moradores; movimentos juvenis e estudantes; de pais e da família.
Partindo de um estudo internacional, englobando Portugal, elaborado em 2001,
e analisando comparativamente o envolvimento associativo nos vários países, foi
possível perceber que «quase metade (46,6%) dos portugueses não tinha envol­
vimento associativo» (Viegas, Faria & Santos, 2010: 165) e que os que pertencem
a associações são membros, na sua maioria, de apenas uma associação.
PEDRO ALVES DA VEIGA

Grande parte das associações mais antigas gere espaços de encontro com
formatos e dimensões variáveis, muitos deles adequados para o ensino e/ou a
prática artística, e que lhes são frequentemente atribuídos pelas autarquias, em
função do relevo para a comunidade em que se inserem. A grande maioria destas
associações assume o caráter de coletividades de cultura, recreio e desporto
42 (71,9%), verificando­se depois a presença minoritária de clubes desportivos
(11,9%), e bandas filarmónicas (4,2%) (Monteiro, 2004; Viegas, 2014). Num estudo
da Informa (2015) constata­se que, do total de organizações ativas em junho de
2015, com fundos comunitários concedidos, 13% são associações, que receberam
11% do valor de fundos atribuídos. Apenas 4% do total das associações tiveram
um fundo atribuído. O valor médio do fundo atribuído por associação foi de 1,1
milhões de euros – montante superior ao valor médio por empresa, que rondou
os 731 mil euros. Das associações que receberam fundos, 64% são do tipo cultu­
rais/sociais, e foi­lhes atribuído um valor médio de 677 mil euros. As 53.217 asso­
ciações ativas em junho de 2015 representavam 92% das entidades do setor social.
Noutro estudo elaborado em 2013 (Santos, 2013) no território nacional, incidindo
sobre a prática artística, de forma global, pode observar­se o seguinte, relativa­
mente ao associativismo artístico:
• As atividades lúdicas, desportivas e ligadas à música são as mais frequentes
no seio das associações e é o ensino da música que se destaca no conjunto
das associações com atividades ligadas à formação.
• Há uma elevada percentagem de voluntários, sobretudo de pessoal dirigente.
• Assiste­se à tomada de protagonismo das estruturas da sociedade civil (ONG)
– a que corresponde uma emergência de novas formas de colaboração e coo­
peração, como contraponto ao declínio do associativismo tradicional.
• Há limitações de recursos humanos e financeiros de várias associações lo­
cais (reduto da oferta cultural local) na dinamização de atividades culturais,
mas existe uma associação positiva entre as práticas expressivas e os con­
sumos culturais.
• Assinalam­se diferenças significativas no nível de oferta de ensino artístico
profissionalizante proposto por várias associações reconhecidas (Chapitô,
CEM, NEXART, entre outras) e a oferta de ensino artístico amador por parte
de associações com forte dimensão local, bem como a importância das par­
cerias geradas entre associações locais e autarquias na dinamização de prá­
ticas artísticas amadoras e, ainda, a importância das iniciativas de
associações locais (por exemplo, O Bando em Palmela ou os TocáRufar no
Seixal), na dinamização de atividades que envolvem a população local.

As principais limitações apontadas são a falta de qualificação das estruturas


e equipamentos de difusão (sobretudo nas artes performativas), as deficientes
condições técnicas dos equipamentos em termos arquitetónicos e meios técnicos,
a falta de competências específicas de gestão e administração, a falta de técnicos
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

especializados, a falta de produção suficiente para uma oferta regular, deficiente


equipamento e apetrechamento, insuficiente definição de funcionalidades de in­
fraestruturas (novas ou recuperadas) de acolhimento e programação de espetá­
culos. Constata­se ainda a possibilidade da criação de iniciativas, formalizadas ou
não, em rede, promovendo a cooperação e a mobilidade, que possa vir a favorecer
uma dinâmica de cooperação e inscrição em circuitos de abrangência geográfica 43
mais ampla; embora se utilize de forma abusiva o termo rede para efeitos de mar­
keting, generalizado a projetos cooperativos de pequena dimensão que promovem
a itinerância de exposições e a divulgação de catálogos.
Aponta­se ainda como problemática a ausência de um modelo de referência
para a Rede Nacional de Espaços para as Artes que inclua, entre outros fatores e
à semelhança do que acontece com a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas e a
Rede Portuguesa de Museus, a definição de tipologia de valências e processos de
candidatura, o caráter pontual das iniciativas de articulação entre entidades de
diferentes domínios culturais, o risco de desaproveitamento de iniciativas de coo­
peração cultural devido a dinâmicas de protagonismo (que se sobrepõem à coo­
peração nas redes e nas parcerias) e à ausência de liderança eficaz.
Destaque positivo para o protagonismo crescente de estruturas da Adminis­
tração Local e de entidades do terceiro setor, na promoção e gestão de equipa­
mentos e atividades culturais, em especial no domínio das artes performativas,
bem como uma tendência para a constituição de redes e parcerias envolvendo
entidades dos setores público, privado e terceiro setor, com intervenção específica
em diferentes domínios. Adicionalmente salienta­se ainda uma tendência para a
criação, ainda que incipiente no presente, de redes de mediadores profissionais
no domínio da cultura (gatekeepers), e uma reduzida participação de agentes e
entidades culturais portugueses em projetos de cooperação transnacional, bem
como uma limitada parceria entre os níveis central e local da Administração Pú­
blica, no domínio da cultura.
Estes estudos não permitem explorar as tipologias das associações culturais
de forma mais fina, dado que até o Instituto Nacional de Estatística ainda considera
para efeitos de análise o já obsoleto e pouco detalhado bloco de cultura e ativi­
dades desportivas. Se é certo que as associações desportivas, culturais e recrea­
tivas estão entre aquelas que em Portugal representam a maior fatia do
envolvimento associativo (Viegas, 2014), também a verdade é que este tipo de
associações se caracteriza, por um lado, pela integração social dos seus membros,
mas por outro, pela fraca contribuição para o debate na esfera pública, corres­
pondendo à ideia de uma certa cristalização da área, sendo (poucas) exceções as
que se dedicam com particular destaque ao teatro, arte colaborativa por excelên­
cia. A quase inexistência de associações de índole artística no campo da MAD pode
explicar­se, eventualmente, pela crescente cultura do individualismo nas artes
não­colaborativas, mas também, e no polo oposto, pelo surgimento de estruturas
colaborativas como os FabLabs ou os Creative Hubs.
PEDRO ALVES DA VEIGA

Cooperativas
Uma outra estrutura colaborativa, distinta da associação, é a cooperativa. A
cooperativa é uma associação de pessoas que é autónoma, sendo voluntária a
congregação dessas pessoas, cujas necessidades e aspirações comuns (sejam elas
económicas, sociais ou culturais) prossegue. A cooperativa é materializada através
44 de uma empresa comum aos seus membros e democraticamente controlada por
eles (Namorado, 2001). Os princípios cooperativos advogados pela Aliança Coo­
perativa Internacional24 são sete:
1. adesão voluntária e livre;
2. gestão democrática pelos membros;
3. participação económica dos membros;
4. autonomia e independência;
5. educação, formação e informação;
6. intercooperação e
7. interesse pela comunidade.

O número de cooperativas a operar na área artística e cultural em Portugal é


pequeno quando comparado com o das associações, mas destaque­se a existência
de pelo menos uma cooperativa criada em torno de expressões artísticas baseadas
em música, incluindo a arte digital: a AUAUFEIOMAU. Esta cooperativa, iniciada
em 2010, é responsável pela dinamização do espaço GNRation, em Braga, e pela
organização do festival Semibreve na mesma cidade.
Das restantes cooperativas a operar no plano cultural, as atividades dividem­
se pela animação sociocultural e comunitária, incluindo a produção teatral (por
exemplo, Cooperativa de Produção Artística Teatro Animação O Bando CRL, Coope­
rativa de Intervenção Social e Cultural Mandacaru, Teatro do Elefante Cooperativa
Cultural, Teatro Estúdio de Arte Realista Cooperativa de Produção Artística CRL), pela
produção e edição multidisciplinar de artefactos originais, eventos e exposições (por
exemplo, Árvore, Cooperativa de Actividades Artísticas, Cooperativa de Comunica­
ção e Cultura, Cooperativa Arte Viral, A Filantrópica Cooperativa de Cultura, Zorra
Produções Artísticas – Cooperativa Cultural CRL, FWD Cooperativa CRL, 3+ Arte –
Cooperativa Artística e Cultural CRL) e também à ação educativa (por exemplo, Atlas
Cooperativa Cultural, Cooperativa de Ensino Superior Artístico do Porto).

Makers, FabLabs, Creative Hubs


Makers
Existem modos distintos de cooperar e colaborar, não necessariamente as­
sentes em projetos ideológicos ou formais, movidos por uma perspetiva de mer­
cado e fluidez de relacionamento, visando uma otimização de recursos e materiais.
24
https://www.ica.coop/en/cooperatives/cooperative­identity [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

O que os hackers e os artistas têm em comum é que são ambos fazedores, tal
como os compositores, arquitetos ou escritores. O movimento conhecido como
Makers deriva de uma tradição presente na maior parte das nossas vidas – o faça­
você­mesmo ou do it yourself (DIY) e, mais recentemente de um conceito com­
plementar – o do it with others (DIWO). A essência das ações destes coletivos
consiste na constituição de grupos de amadores e/ou profissionais, com valências 45
nas diferentes áreas ligadas à ciência, design e tecnologia, que se organizam com
o objetivo de se apoiarem mutuamente, para facilitar o desenvolvimento de pro­
jetos dos seus membros.
Os Makers identificam­se ainda como um movimento organizado, estrutu­
rado a partir da máxima recursos mínimos e máxima partilha (de ideias, projetos
e conceções), com vista à eventual rentabilização ou comercialização dos protóti­
pos assim concebidos e/ou construídos. De certa forma são comparáveis ao mo­
vimento Open Source, embora este se centre em desenvolvimentos imateriais, e
os Makers em vertentes materiais. Este movimento tem a capacidade de desen­
cadear um processo equivalente ao que foi a revolução industrial no século 19,
alterando as formas de produção, os modos de consumo e o conceito de proprie­
dade através dos ideais que lhe estão subjacentes (Anderson, 2012; Lallement,
2015; Eychenne & Neves, 2013).
Os Makers reúnem­se fisicamente em eventos pontuais, como as Makers Fai­
res25, e em espaços de convívio quotidiano conhecidos como makerspaces, hac­
kerspaces ou FabLabs. As faces visíveis deste movimento em Portugal são o
Movimento Maker26, os Portuguese Makers27 e o MakerSpace28, mas a verdade é
que os Makers também povoam o universo dos FabLabs.

Fablabs
A rede FabLab29 foi fundada no MIT e a sua génese está associada ao sucesso
obtido por um curso pouco convencional chamado How to Make (Almost) Any­
thing 30. As aulas foram estruturadas como oficinas experimentais onde os alunos
utilizavam máquinas digitais de fabrico, desenvolvidas no MIT, para a produção
dos mais variados objetos. Os produtos assim obtidos correspondiam a necessi­
dades específicas dos seus criadores individuais, não possuindo necessariamente
um qualquer apelo comercial.
Com o tempo, outros centros académicos e grupos de estudantes adotaram
este mesmo método e passaram a partilhar a tecnologia de fabrico, nascendo,
assim, a rede FabLab, que hoje soma mais de 300 laboratórios pelo mundo. Além
25
https://lisbon.makerfaire.com/ [2020/05/21]
26
http://www.movimentomaker.pt/ [2020/05/21]
27
https://www.portuguesemakers.com/ [2020/05/21]
28
http://www.makerspace.pt/ [2020/05/21]
29
Abreviatura de fabrication laboratory.
30
Curso disponível aqui: http://fab.cba.mit.edu/classes/MAS.863/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

de desenvolver e promover projetos, os FabLabs também oferecem uma rede de


apoio e partilha de informações, investem na formação de novos utilizadores para
que estes possam usar a infraestrutura, e o conhecimento é colocado à disposição
do coletivo, para que cada um possa conceber e conduzir os seus próprios projetos
(por exemplo, um conjunto detalhado de instruções para fabricar uma moldura
46
semelhante à de Banksy31) da forma mais autónoma possível.
Os FabLabs podem ainda especializar­se em áreas específicas, como é o caso
dos FabLabs Pro, orientados para profissionais em áreas específicas, ou criados
no interior de grandes empresas, como a Renault, Ford, Nissan, Air Bus e Bosch,
entre outras (Eychenne & Neves, 2013).

Figura 7: FabLab de OnePoint em Paris. Fonte: Anthony Bressy (CC BY­SA 2.0)

A aprendizagem nestes coletivos é estruturada de trás para a frente, ou seja,


tendo o produto final que se deseja construir como ponto de partida. Um ponto
essencial dos processos formativos desta natureza é a transformação vivida pelo
próprio, cuja trajetória segue um percurso delimitado pelas habilidades e capaci­
dades que possui. Um outro aspeto é a transformação do próprio conhecimento
partilhado pela comunidade. Cada indivíduo é, ou pode ser, um agente transfor­
mador, ao invés de um simples repetidor do processo, envolvendo assim constru­
ção e aquisição de conhecimento em duas dimensões: a individual e a coletiva.
31
https://www.instructables.com/id/Build­Your­Own­Banksys­Self­Destruct­Artwork­Frame/
[2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Em Portugal existe uma associação de FabLabs (FabLabs Portugal) e uma con­


sulta à lista de associados32 denota que o perfil dos mesmos se divide entre o ins­
titucional, empresarial, centro de ensino e/ou investigação científica e
municipal/autárquico. Os FabLabs ativos em Portugal são 21, em 2020. Na descri­
ção do leque de serviços prestados é possível encontrar ligações à arte, quer na
perspetiva do desenho e fabrico de objetos artísticos (utilizando para o efeito equi­ 47
pamentos como fresadoras de pequeno e grande porte, máquinas de corte a laser
e de corte de vinil, impressoras e scanners 3D, moldes de silicone, computadores
e respetivas ferramentas de programação informática suportadas por software
CAD e CAM, ou serviços de prototipagem rápida), quer na utilização de espaços
próprios para instalações artísticas, workshops, artist­talks33 ou seminários.

Creative Hubs
Os creative hubs são plataformas ou espaços de trabalho para artistas, mú­
sicos, designers, realizadores de cinema, programadores de sistemas e aplicações
para dispositivos móveis ou empreendedores de startups, entre outros. Caracte­
rizam­se por apresentarem organizações únicas e peculiares, diversificadas na es­
trutura, setor e serviços: podem tomar forma como cooperativas ou coletivos,
podem ser estáticos, móveis ou online. Um creative hub permite a convivência de
vários criativos, e permite a união que inspira e promove a comunidade.
O projeto European Creative Hubs Network34 (ECHN), cofundado pela Comis­
são Europeia, é um projeto em rede, gerido por pares e com a missão de aumentar
o impacto criativo, económico e social dos hubs, através da sua interligação, par­
tilha de recursos e melhores práticas, e lobbying visando a implementação de po­
líticas e a criação de oportunidades favoráveis à ampliação e consolidação da rede,
numa perspetiva de apoio às ICCs europeias. O ECHN fomenta a troca de expe­
riências, de sucessos e de fracassos entre os creative hubbers, e promove fóruns,
workshops e projetos peer­to­peer.
O Todos35 é um creative hub em Lisboa que alberga uma equipa multidiscipli­
nar, empresas de conteúdos e produção de media, que oferecem serviços integra­
dos e diferentes pontos de vista criativos. Outro creative hub português, o Centro
de Inovação da Mouraria36, assume­se como a única incubadora criativa acreditada
aos Vales de Incubação37, e presta apoio aos serviços de incubação, tais como ges­
tão, marketing, assessoria jurídica, desenvolvimento de produtos e serviços e fi­
nanciamento, e já incubou projetos de cinema, música, vídeo e design de moda,
32
http://www.fablabsportugal.pt/associados/ [2020/05/21]
33
Palestras proferidas por um artista.
34
http://www.creativehubs.eu [2020/05/21]
35
http://www.todos.pt [2020/05/21]
36
https://madeoflisboa.com/p/spot/centro­de­inovacao­da­mouraria [2020/05/21]
37
https://www.iapmei.pt/PRODUTOS­E­SERVICOS/Incentivos­Financiamento/Sistemas­de­
Incentivos/Incentivos­Portugal­2020/Vale­Incubacao.aspx [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

entre outros. Também o Hub Criativo do Beato38 está em fase de desenvolvimento,


e visa ocupar 20 edifícios, distribuídos por cerca de 35.000 m2, num antigo com­
plexo fabril do exército, na zona ribeirinha oriental da cidade, onde serão acolhidas
diversas instituições nas áreas da tecnologia, inovação e indústrias criativas.

48
ENSINO E INVESTIGAÇÃO
O ensino da MAD
Enzernsberger (1982) afirma que a industrialização da mente começa a partir
da educação, e o sistema educativo tende cada vez mais a assemelhar­se aos mass
media, repetindo as mesmas fórmulas, distinguindo­se cada vez mais pela base
tecnológica da oferta educativa, tornando­se progressivamente num negócio des­
tinado a alimentar negócios: todas as ofertas curriculares se preocupam com o
empreendedorismo, ignorando que muitos indivíduos poderão não ter essa vo­
cação, ou até mesmo os meios financeiros para alicerçarem um negócio em nome
próprio.
Este fascínio com o empreendedorismo não será certamente alheio ao fenó­
meno das empresas de edição e publicação de investigação científica, ou de orga­
nização de congressos e conferências. A verdade é que o ensino produz
mão­de­obra especializada, qualificada, destinada a um mercado de trabalho cres­
centemente precário e instável. O universo das artes, do ponto de vista de em­
prego, é particularmente mais volátil e instável, e o da MAD está (adicionalmente)
em constante mutação.
Mas nem todos os alunos das artes irão ser artistas com carreiras produtivas,
apoiando­se a tempo inteiro no trabalho criativo – e isso é normal. Então, os es­
tudantes deveriam ter a possibilidade de optar por ensinar, mediar e assessorar
negócios, curar, produzir, rentabilizar, promover, comercializar e entender os as­
petos técnicos, filosóficos, sociais e estéticos da média­arte digital, nas várias com­
posições e encontros de todas estas vertentes.
O conceito de escola, no ecossistema, é muito abrangente, e engloba aspetos
formais de ensino (cursos de média ou longa duração, ensino superior de 1º, 2º e
3º ciclos) mas também colóquios, seminários, conferências e workshops, já que o
seu papel é relacionar entre si – e relacionar­se com – outros agentes: audiência,
comunidades locais, comunidades artística e científica, sociedade civil, indústria
e empresas.
Os currículos académicos procuram, por um lado, a especialização, enquanto
forma mais rápida de obter resultados específicos, e por isso florescem os ciclos de
ensino de nicho, como forma de encontrar um posicionamento no mercado do en­
sino. Por outro lado, em áreas, como a arte, em que a teoria, a prática artística e o
treino técnico se fundem num currículo de desenvolvimento profissional, podem ser
38
https://www.hubcriativobeato.com/pt/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

criados currículos na ótica do referido mercado de trabalho, isto é, que abordem tam­
bém o planeamento estratégico, o marketing, a comunicação verbal e capacidades
de apresentação, a gestão financeira, negociação, divulgação e relações públicas.
Também a utilização de metodologias de investigação (como a a/r/cografia,
apresentada mais adiante) pode ser usada para o desenvolvimento das zonas de
fronteira e hibridização, através da sobreposição de papéis (artista/investigador/co­ 49
municador), e dessa forma enriquecer os currículos académicos.
Um papel crítico da educação formal é o de preparar para a aprendizagem
ao longo da vida, não apenas por acumulação, expansão ou aprofundamento de
conhecimento ou técnica, mas sobretudo pela aprendizagem de novas capacida­
des que permitam a adaptação e substituição de conhecimentos prévios, através
de uma postura de questionamento e de reflexão crítica estruturada (Thibodeau,
2007). Importa ainda assegurar à comunidade artística e científica a possibilidade
de evolução académica, nomeadamente através de uma oferta adequada ao nível
do ensino superior.
Apesar de existirem em Portugal licenciaturas com enfoque em multimédia, é,
contudo, nos mestrados e doutoramentos que o panorama nacional é mais rico e
interessante. Vários cursos afloram a área das artes digitais, por vezes de forma par­
celar ou secundarizada, frequentemente com uma abrangência discutível, deixando
de fora vários aspetos relevantes, quer na ótica generalista, quer na especialista.
Compreensivelmente, tratando­se de uma área relativamente nova, na con­
fluência de outras áreas potencialmente já existentes nas várias Universidade (artes
visuais, engenharia, eletrónica, informática, filosofia, comunicação, entre outras),
é frequentemente abordada de forma segmentada, em virtude da sua frequente
divisão entre Departamentos ou Faculdades (que não é o mesmo que uma visão
conjunta, consonante e direcionada). Contudo, estão neste momento já ativas as
primeiras gerações de artistas e investigadores doutorados na área, que poderão
vir a fazer parte do próprio sistema de ensino, com conhecimento direto e na pri­
meira pessoa, de muito do que é importante transmitir a futuros estudantes.

Doutoramentos
• Doutoramento em Média Arte Digital39 – Universidade Aberta e Universi­
dade do Algarve
• Doutoramento em Media Digitais40 – Universidade do Texas em Austin, Uni­
versidade Nova de Lisboa e Universidade do Porto
• Doutoramento em Estudos Artísticos – Arte e Mediações41 – Universidade
Nova de Lisboa
39
http://www2.uab.pt/guiainformativo/detailcursos.php?curso=65 [2020/05/21]
40
https://www.fct.unl.pt/ensino/curso/doutoramento­em­media­digitais [2020/05/21]
41
https://www.fcsh.unl.pt/cursos/doutoramento_em_estudos_artisticos/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

• Doutoramento em Ciência e Tecnologia das Artes42 – Universidade Católica


Portuguesa
• Doutoramento em Estudos de Comunicação: Tecnologia, Cultura e Socie­
dade43 – Instituto Universitário de Lisboa, Universidade do Minho, Univer­
sidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e Universidade da Beira
50 Interior
• Doutoramento em Filosofia da Ciência, Tecnologia, Arte e Sociedade44 –
Universidade de Lisboa
• Doutoramento em Arte dos Media45 – Universidade Lusófona

Mestrados
• Mestrado em Multimédia46 – Universidade do Porto
• Mestrado em Audiovisual e Multimédia47 – Escola Superior de Comunicação
Social – IPL
• Mestrado em Humanidades Digitais48 – Universidade do Minho
• Mestrado em Tecnologia e Arte Digital49 – Universidade do Minho
• Mestrado em Gestão de Indústrias Criativas50 – Universidade Católica, Porto

Pós­graduações
Vários doutoramentos e mestrados concedem pós­graduações após a con­
clusão da parte curricular (primeiro ano).

Centros de I&D em MAD


Se a formação avançada em MAD prepara os estudantes para determinados
aspetos específicos da sua criação, exposição, curadoria, divulgação ou coleção,
torna­se necessário também examinar as instituições que contribuem para que
42
http://www.porto.ucp.pt/pt/central­oferta­formativa/doutoramento­em­ciencia­e­tecnologia­das­
artes [2020/05/21]
43
https://www.ulusofona.pt/doutoramentos/estudos­de­comunicacao­tecnologia­cultura­e­sociedade
[2020/05/21]
44
https://fenix.ciencias.ulisboa.pt/degrees/filosofia­da­ciencia­tecnologia­arte­e­sociedade­
564500436615313 [2020/05/21]
45
https://www.ulusofona.pt/doutoramento/arte­dos­media [2020/05/21]
46
https://dei.fe.up.pt/mm/pt/ [2020/05/21]
47
https://www.escs.ipl.pt/cursos/mestrados/audiovisual­e­multimedia [2020/05/21]
48
https://www.ilch.uminho.pt/pt/Ensino/Paginas/Mestrado­em­Humanidades­Digitais.aspx
[2020/05/21]
49
https://www.eng.uminho.pt/pt/Estudar/_layouts/15/UMinho.PortaisUOEI.UI/Pages/CatalogoCurso
Detail.aspx?itemId=3140&catId=9 [2020/05/21]
50
http://artes.ucp.pt/industriascriativas/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

esse conhecimento possa ser aprofundado, debatido e disseminado: os centros


de investigação e desenvolvimento.
O paradigma da integração tecnológica com as artes tem vindo a alterar­se,
começando por encarar a tecnologia enquanto parceiro inteligente, passando de­
pois a vê­la como prótese e, finalmente, como catalisador.
A MAD também é vista como tendo o potencial de auxiliar na resolução de 51
problemas específicos, científicos e de engenharia, especialmente aqueles que têm
que ver com representações criativas, interagindo e raciocinando sobre dados. Mui­
tos artistas de MAD caracterizam o seu próprio trabalho como reflexão crítica sobre
a tecnologia, abraçando a tecnologia ao questionar as implicações do seu próprio
uso. Articular essas tensões multifacetadas entre as perspetivas artísticas e o en­
volvimento técnico em projetos interdisciplinares de arte, ciência e tecnologia,
pode ser complexo. O experimentalismo e a reflexividade que conduz os artistas a
interligarem a investigação criativa e a prática num processo altamente reativo e
iterativo, permite que novos conhecimentos e visões sejam rapidamente incorpo­
rados nos processos de desenvolvimento (Forbes, 2015; Edmonds et al., 2005).
Um criador, mais do que assumir a submissão a um certo número de possi­
bilidades impostas pelo aparato técnico, procura subverter continuamente a fun­
ção da máquina de que ele se utiliza, procura manipulá­la e utilizá­la de formas
não expectáveis. Este tipo de ação é convencionalmente designada por hacking
(Levy, 1984). O hacking representa uma parcela considerável da inovação produ­
zida atualmente, existindo sob a forma de eventos festivalizados (chamados hac­
kathons) que são frequentemente endossados ou patrocinados por empresas de
Silicon Valley, mas também são prática corrente na Índia ou até mesmo na ONU
(Irani, 2015).
É dentro deste amplo espectro de ação que os artistas de MAD contam com
o apoio de associações, centros especializados, laboratórios de investigação ou
outras estruturas vocacionadas para o ensino, a investigação e o desenvolvimento
de sistemas experimentais, no território nacional, e que é importante considerar
de forma detalhada.

CCD – Centro de Criatividade Digital – Escola das Artes51


Universidade Católica
O Centro de Criatividade Digital é um centro de competência e excelência
criativa com uma infraestrutura equipada com tecnologia de ponta nas áreas da
Arte Digital e Interativa, Música por Computador, Design de Som, Cinema e Artes
Audiovisuais e Animação por Computador. O Centro está localizado na Escola de
Artes da Universidade Católica do Porto.
51
http://artes.ucp.pt/ccd/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

O CCD integra o Centro de Experiência e Excelência Criativa, que inclui uma


unidade de produção, que usa tecnologia de ponta em Audiovisuais e Artes Digi­
tais. Articulado com o CITAR, o CCD fornece a infraestrutura que possibilita o de­
senvolvimento do Programa de Doutoramento em Ciência e Tecnologia das Artes.
Dedica­se ainda à incubação de negócios, que é o resultado do programa de
52 incubação criativa ARTSpin, e que permite o desenvolvimento de projetos inova­
dores de negócios tecnológicos e criativos, envolvendo professores, estudantes e
ex­alunos, bem como a formação centrada no Mestrado em Gestão para as Indús­
trias Criativas.
É um espaço interdisciplinar para reuniões criativas e convergência, forne­
cendo recursos para desenvolver eventos públicos, tais como projeções de grande
escala em edifícios e instalações multimédia interativas.

CIAC – Centro de Investigação em Artes e Comunicação52


Universidade do Algarve, Universidade Aberta, Instituto Politécnico da Maia,
Instituto Politécnico de Santarém
O CIAC surge em 2008 como resultado da fusão de dois centros de investiga­
ção não financiados: o Centro de Investigação em Ciências da Comunicação e Artes
(Universidade do Algarve) e o Centro de Investigação em Teatro e Cinema (Escola
Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa). Atualmente o Cen­
tro possui um polo na Universidade Aberta e agrega ainda investigadores do Ins­
tituto Superior da Maia e do Instituto Politécnico de Santarém.
O CIAC manteve desde sempre um caráter interdisciplinar, desenvolvendo
investigação na área dos estudos artísticos (artes, cinema, teatro) e comunicação
e, mais recentemente, na produção de plataformas e artefactos digitais, que
deram origem às três linhas fundamentais de investigação do centro.
A investigação centrada em Arquivos e Memória compreende a produção de
plataformas digitais, interligadas à plataforma base do centro, que acolhem o re­
sultado dos projetos desenvolvidos nas diversas linhas de investigação, no intuito
de promover a circulação e difusão dos conteúdos de arquivos materiais pré­exis­
tentes, por um lado e, por outro, a criação de arquivos de raiz, utilizando as tec­
nologias dos novos média.
A investigação centrada na Criação de Artefactos Digitais está voltada para a
produção de obras que promovem a interligação entre as artes e as tecnologias,
sendo que, parte dos produtos aqui desenvolvidos, resultam de projetos cuja ma­
triz se encontra nos cursos de formação avançada acolhidos ou participados pelo
CIAC.
52
https://ciac.pt/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

A produção de artefactos digitais está intimamente relacionada à ideia geral


de produção de arquivos e da preservação da memória, sobretudo no que diz res­
peito ao património imaterial. A investigação em Literacias desenvolve­se sobre
mecanismos de apropriação de princípios, técnicas/métodos, códigos/convenções
próprios das Artes ou dos Media, em contextos diferenciados.
53

CIC.DIGITAL – Centro de Investigação em Comunicação, Informação e Cultura Di­


gital53
Universidade Nova de Lisboa, Universidade do Porto, Universidade de Aveiro e
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia
O CIC.Digital – Centro de Investigação em Comunicação, Informação e Cultura
Digital é uma unidade de investigação e desenvolvimento que iniciou a sua atividade
em agosto de 2016 e se sustenta numa estrutura organizativa quadripolar. É coor­
denado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lis­
boa, e inclui ainda na estrutura a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a
Universidade de Aveiro e a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia.
O centro desenvolve investigação científica fundamental, aplicada e experi­
mental, nas áreas das Ciências da Informação e da Comunicação, das Ciências So­
ciais e Humanas, do Audiovisual e das Novas Tecnologias de informação e do
Conhecimento, numa perspetiva inter e transdisciplinar.
O aspeto transversal ao seu programa de trabalhos é, genericamente, o da
teoria, análise e produção dos media, centrando­se nos seguintes eixos: teoria
dos media, da linguagem e dos discursos que através deles se constituem; obser­
vação e análise dos processos de interação e de constituição da experiência a que
os media dão lugar (sociais, políticos e estéticos), em particular na âmbito das
redes contemporâneas da comunicação; a compreensão e participação crítica na
produção, receção e economia dos seus objetos industriais (textuais, audiovisuais,
e cinéticos); a experimentação e receção crítica da produção criativa no âmbito
das media arts, em particular com os media digitais.

CITAR – Centro de Investigação de Ciência e Tecnologia das Artes54


Universidade Católica
Criado em 2004, o CITAR é um Centro de Investigação Académico da Escola
das Artes – Universidade Católica Portuguesa, que fomenta a colaboração inter­
disciplinar e promove investigação teórica e aplicada na produção artística. O
53
https://novaresearch.unl.pt/en/organisations/centro­de­investiga%C3%A7%C3%A3o­em­comunica­
%C3%A7%C3%A3o­informa%C3%A7%C3%A3o­e­cultura­digita [2020/05/21]
54
http://citar.artes.porto.ucp.pt/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

CITAR assume­se como um centro de investigação com características que resul­


tam da pluralidade das áreas de investigação que congrega.
Desde 2015, o CITAR apresenta uma estrutura composta por 2 grupos de in­
vestigação: Criatividade Digital e Estudo e Conservação do Património Cultural. Os
grupos dedicam­se à produção artística entendida como investigação e com ela
54 identificada – dimensão desenvolvida pelos grupos Arte Visual e Interativa, e Com­
putação Musical e Sonora, que exploram todas as formas em que se cruzam arte,
ciência e tecnologia, num universo marcado pela afirmação da cultura digital.
Dedicam­se ainda à investigação histórica e do património, em áreas que vão
das artes decorativas à arte contemporânea, da arquitetura à arte pública; à con­
servação e ao restauro do património, com recurso a modelos de pesquisa e de
intervenção baseados em tecnologias de ponta; e à reflexão teórica em torno dos
problemas da arte, da comunicação, e das implicações éticas associadas.

DigiMedia55
Universidade de Aveiro
DigiMedia – Digital Media and Interaction, é um centro interdisciplinar da
Universidade de Aveiro que se dedica à investigação de novas abordagens de in­
teração para aplicações de média digitais centradas no ser humano. O centro
reúne investigadores séniores das áreas de Ciências da Comunicação e Tecnolo­
gias, Sociologia, Filosofia e Ciência da Computação, agrupados em seis grupos de
investigação.
O grupo de Cibercultura é responsável pela coordenação e dinamização do
Observatório de Média Digital, e está orientado para a investigação nos campos
da experiência cognitiva, envolvimento emocional, práticas de cidadania, relações
intergeracionais familiares, dialéctica entre cultura de software e modelação social
da tecnologia, interseções entre diferentes sistemas de media, cultura e tempo
de ecrã, e paradoxos da sociedade contemporânea.
O grupo ITV Social desenvolve as suas atividades no campo da TV e dos con­
teúdos interativos, estudando o novo ecossistema televisivo, incluindo a integra­
ção de características sociais nesse ecossistema, o desenvolvimento de soluções
multiplataforma e a conceptualização, desenvolvimento e avaliação da usabilidade
e experiência do utilizador de serviços.
O grupo das Tecnologias Avançadas desenvolve investigação baseada em tec­
nologias digitais, computação física e outras tecnologias emergentes (como IoT),
aplicadas em diferentes contextos de interação centrada no ser humano.
O grupo E­saúde e Bem­estar desenvolve investigação que conduz a soluções
inovadoras de média digitais para melhorar a saúde, o bem­estar, a qualidade de
55
http://digimedia.web.ua.pt/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

vida, a acessibilidade e o envelhecimento ativo, reconhecendo o papel da inclusão


digital e a diversidade das populações e condições de saúde que enquadram esta
área / tema.
O grupo Média­Sociais e Aprendizagem trabalha para a consolidação de uma
visão interdisciplinar para o desenvolvimento e validação de ferramentas e práticas
inovadoras em média sociais, com o objetivo de melhorar a comunicação e a in­ 55
teração das pessoas na construção de conhecimento em contextos de aprendiza­
gem formal, não formal e informal. O grupo Jogos e Transmedia desenvolve
investigação em jogos digitais e narrativas para novas experiências de utilizador,
melhorando o envolvimento destes através da exploração de abordagens trans­
media inovadoras e criativas.

engageLab56
Universidade do Minho
O engageLab é um laboratório posicionado na interseção das artes e tecno­
logia, e estabelecido por investigadores de dois centros de investigação da Uni­
versidade do Minho: o Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade e o Centro
Algoritmi.
O engageLab pretende ser um espaço de convergência de diferentes campos
e públicos, conduzindo a interseção de diferentes idiomas, integrando investiga­
dores de vários campos que contribuam para imaginar, investigar, projetar e im­
plementar a próxima geração de sistemas de interação homem­computador,
combinando a funcionalidade com a estética da experiência, aplicada a um amplo
conjunto de novas e idealmente inspiradoras atividades humanas.

ID+ – Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura57


Universidade de Aveiro, Universidade do Porto e Instituto Politécnico do Cávado
e do Ave
O ID+ Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura é uma estrutura
de investigação multidisciplinar ancorada em três instituições: Universidade de
Aveiro (UA/DeCA), Universidade do Porto (FBAUP) e o Instituto Politécnico do Cá­
vado e do Ave (IPCA/ESD).
O ID+ foi criado em 2007 e as suas principais atividades de pesquisa focam­
se nas áreas de Design, estudos de Media e Arte, Património e Museologia, Co­
municação e Ciências da Informação, e outras áreas culturais.
56
http://algoritmi.uminho.pt/research­teams/engagelab/ [2020/05/21]
57
http://www.idmais.org/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

O ID+ tem como missão proporcionar uma qualificação simbólica de artefac­


tos nos seus diversos âmbitos contextuais (local, regional, europeu, lusófono, mun­
dial), através de uma melhor compreensão da natureza da mediação cultural e
tecnológica que caracteriza o Design, ao mesmo tempo que mantém o questio­
namento social e a inovação poética que a arte provoca.
56 Por outro lado procura investigar e atestar a contemporaneidade do patri­
mónio cultural, superando o paradigma de uma identidade georreferenciada em
favor de um mapa de virtudes distintivas. Visa ainda ancorar o Design e a Arte
num nível estrutural na definição multidisciplinar dos cenários credíveis para o
crescimento sustentável e prosperidade, legitimando­os como premissas éticas
de uma cidadania exigente, crítica e participativa, e promovendo a sua apropriação
e tradução em níveis sociais, culturais e económicos.

UPTEC58
O UPTEC – Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto é a es­
trutura basilar de apoio à transferência de conhecimento entre a universidade e
o mercado, constituindo­se como um Parque de Ciência e Tecnologia, criado para
assegurar a valorização económica e social do conhecimento gerado, promovendo
a criação de empresas de base tecnológica, científica e criativa e atraindo centros
de inovação de empresas nacionais e internacionais.
A sua organização por Centros – Mar, Baixa, Asprela I e Asprela II – permite
seguir uma estratégia de cluster e partilha de recursos entre startups, centros de
inovação e projetos âncora.
Em 2010, o UPTEC abriu o seu Polo das Indústrias Criativas (UPTEC PINC) para
acolher e apoiar empresas que atuem, fundamentalmente, em áreas como o de­
sign, audiovisual, comunicação, arquitetura, artes visuais, artes performativas e
edição. O UPTEC PINC passou a designar­se UPTEC Baixa, e é o espaço de atração
e encontro entre pessoas que procuram experimentar, desenvolver e explorar a
sua criatividade a nível empresarial. O polo acolhe atualmente múltiplos projetos,
apoiando­se no conhecimento e competências da Universidade do Porto e res­
tantes clusters do UPTEC, contribuindo para o desenvolvimento de um verdadeiro
ecossistema criativo, em permanente articulação com as mais diversas áreas de
conhecimento e de negócio.

58
https://uptec.up.pt/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

PUBLICAÇÕES
Um dos temas mais polémicos da atualidade é a forma como o mercado das
publicações científicas está estruturado, e já muito foi escrito sobre este assunto59.
Existe uma pressão ilógica e eticamente questionável para que a investigação cien­
tífica financiada pelos Estados seja cedida de forma gratuita a algumas empresas.
57
Essas empresas recebem os conteúdos a título gratuito (algumas inclusivamente
exigem pagamentos aos autores), seguidamente pedem a outros investigadores
e docentes que revejam e atestem a qualidade daqueles conteúdos, e depois co­
bram valores, frequentemente exorbitantes, pelo acesso a essa mesma informa­
ção. A perfídia reside, sobretudo, na forma como os modelos de avaliação de
desempenho dos centros de investigação, apoiados pelo Estado, se suportam jus­
tamente na quantidade de artigos publicados, pelos investigadores dos vários cen­
tros e universidades, através dessas empresas. Em alternativa existe o modelo
Open Access (acesso aberto), no qual Portugal se destaca60 no panorama interna­
cional. Por opção assumida do autor, é apenas dentro deste modelo que se refe­
rem os repositórios científicos portugueses mais significativos. É ainda de salientar
que, devido à natureza transdisciplinar da MAD, existam publicações relevantes
sob a temática das Artes e Humanidades, das Ciências Sociais, da Engenharia In­
formática, da Comunicação e dos Média, apenas para referir as mais usadas em
Portugal.
• SARC – Serviço de Alojamento de Revistas Científicas61
• RCAAP – Repositórios Científicos de Acesso Aberto de Portugal62
• SciELO – Scientific Electronic Library Online63
• RepositoriUM64

PRINCIPAIS FONTES DE FINANCIAMENTO


Torna­se, também, fundamental aplicar a criatividade ao financiamento de
uma área já de si amplamente criativa, e em que as necessidades vão desde o in­
centivo financeiro e material à produção artística, até à criação e dotação de in­
fraestruturas, equipamento, distribuição e oportunidades de exibição / exposição
(Jennings, 2000, 2007). A criatividade nos media digitais não epitoma apenas a in­
terseção da arte, ciência e tecnologia, mas também a interseção do universo em­
presarial e do universo sem fins lucrativos.

59
Veja­se este artigo de Tim Crane, por exemplo: https://www.the­tls.co.uk/articles/public/peer­re­
view­industry­implausible­outrageous/ [2020/05/21]
60
https://er.educause.edu/articles/2013/5/up­and­away­open­access­in­portugal [2020/05/21]
61
https://revistas.rcaap.pt/ [2020/05/21]
62
https://www.rcaap.pt/ [2020/05/21]
63
http://www.scielo.mec.pt/ [2020/05/21]
64
https://repositorium.sdum.uminho.pt/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

O mundo dos financiamentos europeus é uma incógnita para muitos artistas


em Portugal e apresenta­se algo complexo, tanto em termos de linguagem como
de procedimentos. Nomes como Portugal 2020 e Portugal 2030, Europa Criativa,
Erasmus+, Horizonte 2020, Horizonte Europa ou Programas Operacionais podem
fazer parte do dia­a­dia, mas como beneficiar e proceder são desafios para a maior
58 parte dos artistas, que, além do mais, terão de estar organizados em entidades
coletivas como empresas ou associações, frequentemente estabelecendo parce­
rias nacionais e internacionais, muitas vezes com um histórico documentado su­
perior a dois anos e com demonstração de capacidade financeira autónoma, como
condições de candidatura à maioria dos apoios.
A própria categorização dos artistas de média­arte digital representa um de­
safio, pois não se enquadram em nenhuma das categorias previstas no Regime de
Contrato de Trabalho dos Profissionais de Espetáculo (RCTPE), que já por si encerra
vários pressupostos questionáveis, como a ideia de que estes profissionais exer­
cem a sua atividade de forma, por natureza, transitória (Neto, 2018: 8).
À data da escrita deste livro o Acordo de Parceria Portugal 2020 mantém­se
ativo e, embora já existam referências ao seu sucessor, Portugal 203065, o seu con­
teúdo detalhado ainda carece de definição, pelo que o autor optou por apresentar
os traços principais de ambos, assumindo a existência de linhas de continuidade
estruturantes.

Fontes de financiamento nacionais


DGARTES66
Em Portugal a Direção­Geral das Artes (DGARTES) é o serviço integrado e cen­
tral do Estado, responsável por atribuir os apoios financeiros ao terceiro setor, de­
tendo por isso um papel fulcral na garantia de condições estruturantes para a
estabilidade, consolidação e renovação da atividade artística profissional em Por­
tugal e da sua internacionalização. O Decreto­Lei nº 225/2006, de 13 de novembro,
alterado pelo Decreto­Lei nº 196/ 2008, de 6 de outubro, veio estabelecer o re­
gime de atribuição de apoios financeiros do Estado a entidades que exerçam ati­
vidades de caráter profissional de criação, de programação ou mistas, nas áreas
da arquitetura, do design, das artes digitais, das artes plásticas, da dança, da fo­
tografia, da música, do teatro e das áreas de cruzamento artístico, sendo excluídas
as atividades que, pela sua natureza ou pelo seu caráter exclusivamente lucrativo,
não se inserem nos objetivos de interesse público e de cumprimento do serviço
público. As diferentes modalidades de apoio e procedimentos estão também fi­
xadas na Portaria nº 1189­A/2010 de 17 de novembro.
65
https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21/governo/programa/portugal­2030.aspx [2020/05/21]
66
https://www.dgartes.gov.pt/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

A DGARTES apoia a criação, produção e difusão das artes através do financia­


mento público de atividades e de projetos que contribuam para consolidar e projetar
nacional e internacionalmente a criatividade e inovação artísticas, e desenvolver a
sensibilidade e o pensamento crítico das populações, promovendo, assim, a sua
qualificação, bem como a coesão social e territorial. Atualmente vigora um regime
originário de 2006, com revisão posterior de 2008, sob o qual são beneficiárias en­ 59
tidades e projetos por todo o país, nas áreas da arquitetura, artes digitais, artes plás­
ticas, dança, design, fotografia, música, teatro, e projetos de cruzamento disciplinar,
em vários domínios de atividade como a criação, programação, formação, edição e
circulação nacional e internacional. Em 2019 os concursos bienais de apoio às artes,
na área da criação, dispunham de um total de 18,7 milhões de euros, a aplicar no
período 2020­2021, e, na área da programação, de um total aproximado de 5,8 mi­
lhões, para 2020. Estes concursos dizem respeito a projetos de Artes Visuais, Circo
e Artes de Rua, Cruzamentos Disciplinares, Dança, Música e Teatro.

Portugal 2020 e Portugal 203067


Apesar de estarmos já no final do seu período de vigência, importa referir o
Acordo de Parceria adotado entre Portugal e a Comissão Europeia para o período
entre 2014 e 2020, que reuniu a atuação dos cinco Fundos Europeus Estruturais
e de Investimento – FEDER, Fundo de Coesão, FSE, FEADER e FEAMP – e no qual
se definem os princípios de programação que consagram a política de desenvol­
vimento económico, social e territorial a promover em Portugal.
Estes princípios de programação estão alinhados com o crescimento inteli­
gente, sustentável e inclusivo, prosseguindo a Estratégia Europa 2020.
Já o quadro do Portugal 2030 prevê o desenvolvimento em torno de oito eixos
principais, sendo os três primeiros transversais e os cinco seguintes territoriais:
1. Inovação e Conhecimento,
2. Qualificação, Formação e Emprego,
3. Sustentabilidade Demográfica,
4. Energia e Alterações Climáticas,
5. Economia do Mar,
6. Redes e Mercados Externos,
7. Competitividade e Coesão dos Territórios de Baixa Densidade,
8. Agricultura e Florestas.

Para o ecossistema da MAD, o eixo 1 adquire especial importância, embora


todos os restantes eixos possam ser relevantes, dependendo apenas das temáticas
que a MAD endereçar, já que esta pode assumir um papel transversal na educação,
sensibilização e formação do público. Nota­se, contudo, uma ausência militante
de qualquer referência à Arte e Cultura no discurso político em torno deste qua­
67
https://www.portugal2020.pt/content/o­que­e­o­portugal­2020 [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

dro, bem como dos Princípios Gerais da Posição de Portugal, divulgados pelo Go­
verno68, surgindo apenas referências secundarizadas à Cultura nos eixos 6 (Redes
e Mercados Externos, que endereça a competitividade externa dos espaços urba­
nos do litoral e interior) e 7 (Competitividade e Coesão dos Territórios de Baixa
Densidade, que endereça a rentabilização das zonas rurais envolventes das cidades
60 de média dimensão através da exploração de recursos endógenos).

Portugal #EntraEmCena
A plataforma Portugal #EntraEmCena69 foi lançada no final do mês de março
de 2020, durante o surto de Covid­19, procurando estabelecer­se como uma ponte
entre instituições e artistas, na qual empresas, entidades públicas e privadas lan­
çam projetos com orçamentos específicos aos quais os artistas podem candida­
tar­se. Apesar de contar com um número elevado de registos de artistas (mais de
2400) e cerca de trinta empresas e instituições, contando com nomes como a Fun­
dação Calouste Gulbenkian, o Centro Cultural de Belém, a Fundação EDP, para
além dos principais bancos, seguradoras, empresas de telecomunicações e outras
empresas de referência, o número de desafios (nome usado na plataforma para
os projetos lançados pelas instituições) é substancialmente reduzido, por contraste
com as ideias (designação dada às propostas dos artistas)70.
A plataforma não assume ainda qualquer papel nas contratualizações, facili­
tando apenas de contacto entre partes interessadas. O projeto foi desenvolvido
pela empresa Outsystems e contou com o apoio do Estado Português, através do
Ministério da Cultura.

Fontes de Financiamento Comunitárias


Os programas de apoio da União Europeia são caracterizados pela existência
de chamadas temáticas, com prazos e condicionantes específicas (por exemplo,
no número de parceiros e seus estados de origem, membros e ou não­membros).
De forma agregada, todas as chamadas podem ser consultados no portal Funding
and Tender Opportunities71, onde é possível realizar a pesquisa de forma segmen­
tada por palavra­chave. Mas para além dos programas abaixo mencionados exis­
tem outras iniciativas da União Europeia no âmbito da Cultura, como Europe for
Festivals, Festivals for Europe72; Circulation of European Films in the Digital Era73
ou ainda o European Culture Forum74.
68
http://www.portugal2030.pt/wp­content/uploads/2017/10/FUTURO_PC_Portugal2030_
rev20180115vf.pdf [2020/05/21]
69
https://www.portugalentraemcena.pt/PtEmCena/ [2020/05/21]
70
No dia 21 de maio de 2020 os desafios na plataforma eram apenas dois, na área da música e dança
(Renova) e música (Vodafone), enquanto que as ideias eram cento e treze, nas áreas artísticas pre­
vistas de música, dança, teatro, instalação e outras artes performativas.
71
https://ec.europa.eu/info/funding­tenders/opportunities/portal/screen/home [2020/05/21]
72
https://ec.europa.eu/culture/initiatives/pilot­project­festivals_en [2020/05/21]
73
https://europlan.pixel­online.org/news.php?id=173 [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Programa Europa Criativa75


Este é o programa da União Europeia de apoio aos setores cultural e criativo
que congrega os anteriores programas MEDIA, MEDIA Mundus e Culture, e são
seus objetivos gerais garantir a salvaguarda e a promoção da diversidade cultural
e linguística europeia e reforçar a competitividade dos setores cultural e criativo,
com vista a promover um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. 61
Desdobra­se nos subprogramas Culture, Media e Cross­sectoral, conferindo
apoios aos sectores audiovisual, cultural e criativo, privilegiando a sua distribuição
alargada na era digital como forma de desenvolver competências para a criação
de novos públicos.

Programa Erasmus+76
Este programa permite financiar projetos de colaboração que ajudam as or­
ganizações a melhorar a sua oferta educativa/formativa, e/ou a estudar e desen­
volver questões comuns, partilhando práticas e soluções inovadoras entre
parceiros.
O Erasmus+ é composto por 3 ações chave:
• KA1 – Mobilidade Individual para Fins de Aprendizagem, oferecendo opor­
tunidades aos indivíduos para que, enquadrados pelas instituições subven­
cionadas, possam melhorar as suas competências, melhorar a sua
empregabilidade e ganhar consciência cultural.
• KA2 – Cooperação para a Inovação e Boas Práticas, para que as organizações
possam trabalhar em conjunto, a fim de melhorar a oferta para os alunos
e partilhar práticas inovadoras.
• KA3 – Apoio às Reformas das Políticas, abrangendo qualquer tipo de ativi­
dade cujo objetivo seja apoiar e facilitar a modernização dos sistemas de
educação e formação.

Horizonte 2020 e Horizonte Europa77


O Horizonte 2020 (H2020) é o principal instrumento para financiar a investiga­
ção e a Inovação na Europa, com um orçamento global de 79 mil milhões de euros,
sendo substituído pelo Horizonte Europa após a sua conclusão. O H2020 apoia a in­
vestigação em áreas prioritárias e o seu principal objetivo é assegurar à União Eu­
ropeia a posição de líder mundial nesses setores. O H2020 é composto por três
Pilares programáticos com âmbitos diferentes: I – dedicado à excelência científica,
II – focado na liderança industrial, e III – vocacionado para os desafios societais.
74
https://cultureforum.eu/ [2020/05/21]
75
http://www.europacriativa.eu/ [2020/05/21]
76
https://erasmusmais.pt/ [2020/05/21]
77
http://www.gppq.fct.pt/h2020/ e https://ec.europa.eu/info/node/71880 [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Já o Horizonte Europa regista pequenas alterações nesses pilares: I – prosse­


gue com a dedicação à excelência científica, II – focado nos desafios da competi­
tividade da indústria europeia, incluindo referências explícitas à cultura, à
criatividade e à sociedade inclusiva, e III – vocacionado para os ecossistemas de
inovação tecnológica.
62 Tal como referido em relação ao Portugal 2030, a estratégia de implementa­
ção do Horizonte Europa78 não faz qualquer referência a Arte e Cultura, delegando
esse enquadramento nos programas e agentes especializados. Mesmo assim, é
possível enquadrar projetos de índole cultural e artística nos três pilares, através
da Excelência Científica no Pilar 1; do cluster Culture, Creativity and Inclusive So­
ciety, do Pilar 2; e de aspetos ligados à inovação tecnológica e respetivos ecossis­
temas no Pilar 3.

Figura 8: A estrutura prevista para o programa Horizonte Europa.


Fonte: https://ec.europa.eu/info/node/71880.

Nota: Convém salientar que todos os programas e linhas de financiamento nacio­


nais e comunitários acima referidos se destinam exclusivamente a instituições
(empresas, associações, cooperativas, entre outras entidades legalmente consti­
tuídas e financeiramente autónomas) e não a indivíduos, reforçando a necessidade
de uma maior aproximação e organização em estruturas associativas ou coopera­
tivas para deles poder usufruir.

Títulos de Impacto Social79


Em Portugal, os Títulos de Impacto Social estão disponíveis através do Balcão
2020, onde as entidades se devem registar e submeter o formulário de candida­
78
https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/research_and_innovation/strategy_on_research_and_in­
novation/documents/ec_rtd_implementation­strategy_he.pdf [2020/05/21]
79
http://inovacaosocial.portugal2020.pt/index.php/programas­de­financiamento/titulos­de­impacto­
social/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

tura. Na Plataforma de Formulários da Portugal Inovação Social podem ser des­


carregados ou preenchidos os vários formulários e documentos necessários à can­
didatura.
Destinam­se a apoiar projetos inovadores que respondam a problemas so­
ciais prioritários, da competência da política pública, numa lógica de pagamento
por resultados. 63
O projeto é implementado por uma ou mais entidades privadas e financiado
por um ou vários investidores sociais, propondo­se alcançar determinados resul­
tados sociais mensuráveis, cujos indicadores e métricas devem ser previamente
validados pela Entidade Pública responsável pela política setorial.
Se esses resultados contratualizados em candidatura forem alcançados, os in­
vestidores sociais são integralmente reembolsados. O risco de insucesso está, por
isso, do lado dos investidores sociais que suportam inicialmente os custos neces­
sários à implementação do projeto. Podem ser investidores sociais empresas pri­
vadas, Fundações e Associações, bem como consórcios de várias destas entidades.

Crowdfunding
O modelo de crowdfunding afirma­se cada vez mais como uma tendência
para os artistas, dado que está aberto a indivíduos. Ao criar uma campanha de
crowdfunding, abrem­se as possibilidades de contar com a contribuição do público
que aprecia o artista, trabalho ou conceito, e deseja apoiar a sua concretização,
podendo optar por manifestar esse apoio através de montantes pequenos ou ele­
vados, a que corresponderá sempre um reconhecimento por parte do artista,
desde a inclusão do nome dos apoiantes num site ou livro, uma reprodução de
determinada obra, eventualmente assinada pelo artista, ou tratamento VIP em
eventos relacionados, entre muitos outros modelos de reconhecimento.
A atividade nacional passou a ter enquadramento no regime jurídico do fi­
nanciamento colaborativo, Lei N.º 102/2015 – Diário da República N.º 164/2015,
Série I de 2015­08­2480. A lei abrange os vários tipos de plataformas: donativos,
recompensas, empréstimos e investimento em capital social. Define também obri­
gações para as pessoas que contribuem e para os projetos que procuram finan­
ciamento.
A plataforma mais popular em Portugal (em virtude do número de projetos
e montante angariado) é a PPL Crowdfunding Portugal81, que já angariou mais de
4 milhões de euros em mais de 1100 campanhas, com uma taxa de sucesso dos
projetos na ordem de 44%. As plataformas internacionais mais populares são In­
diegogo e Kickstarter.

80
https://dre.pt/application/file/70084426 [2020/05/21]
81
https://ppl.pt/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

FESTIVAIS
Foi levada a cabo uma pesquisa sobre os festivais que se realizam em Portu­
gal, e cuja temática incida, não necessariamente de forma exclusiva, sobre a MAD
ou em que a MAD surge com destaque ou autonomia.
Muitos dos festivais realizados em Portugal capitalizam na crescente visibili­
64
dade internacional que Portugal, Lisboa e Porto estão a ganhar, embora outros
não ultrapassem o ambiente geográfico em que operam, mas quase todos bran­
dem a bandeira do turismo, quase todos envolvem uma seleção internacional de
artistas – mesmo os que tratam de temas locais – e vários deles já alcançaram
projeção nos media internacionais.
Foram identificados os seguintes festivais, cuja temática inclui a MAD, quer
como foco principal de interesse, quer como foco secundário, mas, ainda assim,
relevante. Junto à designação do festival assinala­se ainda o ano da sua mais re­
cente realização, à data da escrita deste livro, não se realizando as edições de 2020
devido à pandemia do Covid­19.

Criatech82 – Criatividade Digital e Tecnologia (2020)


O Criatech é um programa promovido pela Câmara Municipal de Aveiro, des­
tinado a fomentar a criatividade nas interligações da arte e cultura com a tecno­
logia, através de exposições, seminários, performances e experiências.
É um projecto que existe desde 2017, e que se realiza presencialmente em
outubro, com enfoque especial na criatividade digital e na contemporaneidade
dos conteúdos, em espaços de interesse público, visando consolidar Aveiro como
território de excelência na área. Esta iniciativa surge no âmbito de uma candida­
tura da CIRA – Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro, para Programação
Cultural em Rede.
O Criatech deu origem ainda ao Aveiro Criatech Artistic Residences 2020 –
um programa de residências artísticas criativas no cruzamento das áreas da Ciên­
cia, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática (STEAM), destinando­se a indiví­
duos com ligações às indústrias criativas ou tecnológicas, criadores, artistas e
estudantes.
Ainda em 2020 foi tomada a opção de realizar o Criatech Online, numa ini­
ciativa liderada pelo Teatro Aveirense, e com o carimbo do projeto Aveiro 2027 ­
Cidade Candidata a Capital da Cultura. Nesta edição, que decorreu entre junho e
julho, foram usadas as redes sociais83 e o site do evento para suporte da sua di­
vulgação e realização. Os visitantes do Criatech Online puderam, assim, ver no
website a exposição de artes digitais, bem como acompanhar um conjunto de con­
versas, masterclasses e performances.
82
https://www.criatech.pt/ [2020/06/24]
83
https://www.facebook.com/criatechdigital e https://www.youtube.com/channel/UCH0uBJ8Q3TJ
Ot5s­Wv02wug [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

EVA84 – Festival de Vídeo e Artes Digitais (2019)


O EVA conheceu em 2019 a sua 9ª edição. É um evento anual criado por alu­
nos e docentes do curso de Design Gráfico e Multimédia da Escola Superior de
Artes e Design (ESAD) das Caldas da Rainha.
O festival tem como objetivo proporcionar um espaço de reflexão sobre o
65
design, tecnologia e multimédia, através de conferências e workshops, e ser um
espaço de experimentação e de contacto com a área do vídeo e das artes digitais,
em particular através de trabalhos de video­mapping, videoarte, motion graphics,
instalações multimédia e performances.
O EVA não só faculta a alunos e docentes da ESAD a oportunidade de exibir
os seus trabalhos, como também possibilita a interação com um conjunto de con­
vidados nacionais e estrangeiros em cada edição, repartindo­se por conferências,
workshops e exposições.

FEA Lisboa85 (2019)


O Festival dos Espaços dos Artistas de Lisboa nasceu a partir da experiência
italiana do Studi Festival, com o desejo de estimular um novo género de diálogo
entre os artistas e a cidade, procurando articular os espaços dos artistas espalha­
dos pela rede urbana da cidade, que abrem simultaneamente com projetos ex­
positivos inéditos, com a própria urbe.
Não sendo um festival específico da média­arte digital, está aberto à partici­
pação de todos os artistas da área, que serão convidados a realizar, nos próprios
estúdios, mostras, performances ou eventos envolvendo outros artistas.
A intenção é a de incentivar a autonomia artística e a renovação do sistema
da arte de forma colaborativa e recíproca através da criação de uma rede capaz
de restituir ao público e à crítica um mapeamento das forças criativas ativas na ci­
dade, mantendo a abertura a realidades independentes, incluindo espaços comu­
nitários e colaborativos, espaços sem fins lucrativos, ou lugares temporários no
tecido urbano, enfim, todos os espaços formais e informais onde a arte se mate­
rializa diariamente.
O FEA é gratuito para os participantes e para o público.

Festival Forte86 (2019)


O Festival Forte é um festival anual que se realiza no interior do Castelo de
Montemor­o­Velho, durante o mês de agosto, com o foco principal na música ele­
trónica. As primeiras edições do Forte utilizaram técnicas de video­mapping para
realçar as características físicas (históricas e arquitetónicas) do castelo. Nas edições
84
http://evafest.com/ [2020/06/24]
85
https://www.fealisboa.com/ [2020/06/24]
86
https://www.festivalforte.com [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

mais recentes ganharam protagonismo também a arte generativa e a glitch­art,


como componentes visuais de grande importância, merecendo destaque cres­
cente e ampla utilização na conceção e diferenciação do festival.
Os jardins, a capela e a estufa da fortaleza de Montemor­o­Velho tornam­se
campos de jogos digitais, celebrando a transformação da paisagem através de ins­
66 talações imersivas.
A arte generativa é uma forte componente da própria imagem visual do Fes­
tival, sendo ainda destacada no site87. Esta dualidade audiovisual foi assumida
como uma forma de diferenciação e posicionamento do Festival na cena da arte
experimental, no seu cruzamento com a tecnologia e a sociedade. O Festival tem
como base de organização a Soniculture, uma empresa que presta serviços de edi­
ção discográfica, agenciamento de artistas e consultoria na área da música, e que
pela sua natureza está mais ligada à curadoria musical do Festival, e é comple­
mentada com uma outra pequena equipa, que lida com todas as restantes ques­
tões – desde as instalações artísticas aos aspetos logísticos.

Figura 9: Exterior da Igreja de Santa Maria da Alcáçova, Montemor­o­Velho, durante o Festival Forte.
Fonte: Gener8ter (CC BY­SA 4.0)

A conceção do Festival enquanto ecossistema de artes, juntando música e


artes visuais, nem sempre encontrou a melhor receção a nível dos parceiros e in­
vestidores. Para a organização é algo que tem vindo a consolidar­se e conta com
melhor aceitação de ano para ano. A ideologia que move os membros da organi­
zação determina a sua postura e o tipo de comunidade artística de que se rodeiam,
em que a comunhão de valores tem mais peso do que outros fatores, como as
tendências artísticas ou as modas. A preocupação principal é a conceção do espaço
como um todo, em que o público se sinta imerso numa narrativa, ligada ao espaço
87
http://www.festivalforte.com/festival­forte/generative/ [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

histórico, mas também à natureza, como é o caso do jardim, onde a arte genera­
tiva e algorítmica – em particular, sistemas biotecnológicos e autómatos celulares
– se instala, com se fosse mais um elemento da paisagem viva.
As Forte Talks, com artistas convidados, próximos à ideologia da organização
de partilha de conhecimento e criação de redes colaborativas, foram também uma
forma de aproximar o festival da Academia (Universidade de Coimbra, Faculdade 67
de Belas Artes da Universidade de Lisboa, Universidade do Porto), e prevê­se a
sua continuidade. O design do palco permite que a transparência faça o enqua­
dramento dentro das paredes do castelo, onde são montadas grandes telas para
o suporte visual dos espetáculos. O resto do espaço também é usado como uma
instalação audiovisual, como é o caso da Igreja de Santa Maria da Alcáçova. O Fes­
tival cativa cerca de 5.000 pessoas por dia, num total de três dias, e o público é
maioritariamente estrangeiro (cerca de 70%), proveniente sobretudo de Espanha,
França, Reino Unido, Alemanha e Austrália.
Para os organizadores, a exclusividade da programação, aliada à experiência
audiovisual integrada no património arquitetónico, são os fatores principais que
colocam o Festival Forte nas agendas internacionais. Os cuidados na organização
ultrapassam a curadoria, e incluem a implementação das medidas no âmbito do
Sê­lo Verde, do Ministério do Ambiente, que passam pela utilização de bilhetes
eletrónicos, reutilização de copos, a não­utilização de papel na divulgação do Fes­
tival e a existência de casas de banho ecológicas.

Festival Fuso88 (2020)


Nascido em 2009, em Lisboa, o FUSO exibe uma programação de videoarte
nacional e internacional, confrontando diversas linguagens que cruzam as artes
plásticas, a performance, o cinema, a literatura e os meios digitais, propondo uma
nova abertura à contemporaneidade da imagem em movimento.
Agendado habitualmente para o final do mês de Agosto, e com entrada gra­
tuita, o FUSO ocupa jardins e claustros de museus de Lisboa para as apresentações
ao ar livre, mas também sai para as ruas da cidade, apresentando obras em painéis
de vídeo espalhados por locais estratégicos.
As obras são selecionadas por uma equipa de curadores, da qual fazem parte
membros nacionais e internacionais, cuja notoriedade e experiência garantem a
consistência, qualidade e excelência do programa, apresentando obras de artistas
reconhecidos internacionalmente mas também da nova criação nacional, através
de uma chamada aberta anual. O convívio diário dos curadores e artistas durante
a semana do festival proporciona o encontro e o estabelecimento de inúmeras
parcerias, gerando uma rede de conexões e colaborações, num verdadeiro espírito
de ecossistema.
88
https://fusovideoarte.com/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

A circulação das obras e a internacionalização dos artistas nacionais é uma


constante do FUSO desde a sua criação. No âmbito do festival são atribuídos dois
prémios: o Prémio Aquisição FUSO | Fundação EDP_MAAT, e o Prémio Incentivo
FUSO | RESTART.

68
Festival IN89 (2015)
O Festival IN – Inovação & Criatividade – foi um evento que agregou as mais
recentes tendências da economia criativa, pretendia ser o maior evento agregador
de inovação e criatividade realizado na Península Ibérica e assumia­se como uma
plataforma de promoção da inovação e criatividade das Indústrias Culturais e Cria­
tivas (ICCs). Organizado pela Fundação AIP e apoiado pelo Fundo Europeu de De­
senvolvimento Regional (FEDER), através do PORLisboa, o Festival IN suportou­se
uma candidatura aprovada de cerca de 3,5M€ dos quais 40% foram financiados
pelo PORLisboa.
O ambiente criado pelo Festival IN constituiu uma alavanca para a economia
das ICCs, quer na sua dinâmica de interação com investidores e potenciadores va­
riados – públicos, privados e do ensino – quer no reforço de internacionalização
da fileira criativa portuguesa. Uma conferência sobre propriedade intelectual, uma
feira de arte contemporânea ou uma demonstração de robôs da Lego, foram al­
gumas das realizações do festival.
A segunda e, até ao momento, última edição do Festival IN realizou­se na
Feira Internacional de Lisboa, entre 23 e 26 de abril de 2015, e teve como conceito
estruturante a Network Society. Nessa edição pretendeu­se cruzar temas interre­
lacionados, como: redes empresariais, inovação, cidades criativas, negócio e cul­
tura, criatividade e desenvolvimento. O festival visava acrescentar valor e construir
situações reais e virtuais de entrada em redes já existentes e de elevado potencial,
criando, para esse efeito, um ambiente singular de inovação intersectorial (cross­
innovation), contagiante e pleno de estímulos.
No plano das ICCs o festival tinha como objetivo central ligar as artes em rede,
sublinhando combinações organizacionais dinamizadoras da eficiência coletiva e
que reforçassem a internacionalização dos diferentes agentes nacionais, fossem
estes criadores, empresas, instituições ou marcas. A um nível mais macro, visando
a economia e sociedade portuguesas, o Festival IN tinha como objetivo central
propagar uma cultura de inovação e criatividade, incentivando a diferenciação e
a competitividade da economia nacional através da criação de valor e geração de
riqueza. A última edição do festival esteve dividida por quatro pavilhões, sendo
que o tema comum foi o empreendedorismo, traduzindo­se pelo apoio a empre­
sas na comunicação interna ou externa, pelos espaços de coworking, pelo desen­
volvimento de pequenas empresas ou através da sustentabilidade.
89
https://fundacaoaip.pt/festival/ [2020/06/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

No primeiro pavilhão, Cidade das Redes & Pessoas, estiveram presentes redes
nacionais e internacionais ligadas às ICCs, e diversas manifestações associativas e
organizativas do setor cultural, bem como apoios públicos e privados, business
angels, capital de risco e crowdfinance. Este espaço pretendia funcionar como ala­
vanca do empreendedorismo através de aceleradores de negócio, espaços de co­
work, FabLabs, incubadoras e startups. 69
No segundo pavilhão encontrava­se a Cidade do Marketing & Comunicação,
um espaço de estudos de caso de comunicação, marketing e de sucesso na inter­
nacionalização, incluindo projetos de gaming. Esta Cidade, onde se encontravam
os agentes provenientes de setores de design, marketing digital, media, multimé­
dia, publicidade e social media, incluiu também instituições de ensino técnico e
superior ligadas à comunicação e marketing, e os organismos de apoio à interna­
cionalização.
Na Cidade da Inovação & Produtividade, no terceiro pavilhão, encontravam­
se empresas de tecnologias de informação e comunicação, instituições de ensino
técnico e superior na área tecnológica, projetos e soluções tecnológicas de van­
guarda, telecomunicações e unidades de I&D.
Na Cidade dos Produtos & Serviços, no quarto pavilhão, estavam localizadas
empresas, empreendedores e profissionais com produtos e serviços inovadores,
com especial enfoque em estudos de caso de atividades criativas emergentes,
transdisciplinares, de vanguarda, e de cross­innovation, mas também espaços de
agentes musicais, castings, jovens criativos e novos talentos.
O Festival IN ia ao encontro das mais recentes tendências da economia cria­
tiva, apresentando­se como uma plataforma de inclusão, capacitação e promoção
das ICCs e da sua interação com investidores, organismos públicos e privados ou
instituições de ensino técnico e superior. Da sua vasta programação destacavam­
se diversos espaços temáticos, conferências, workshops, concertos, espetáculos,
performances e ações de dinamização do empreendedorismo, relativos aos dezas­
seis setores representados no Festival: Artes Visuais, Artes Performativas, Arquite­
tura, Arts & Crafts, Cinema e Vídeo, Património, TV e Rádio, Design, Videojogos,
Música, Edição e Criação Literária, Multimédia, TIC’s, Telecoms, Publicidade e I&D.

FONLAD – Vídeo & Performance Art Festival90 (2018)


O FONLAD, inicialmente designado como Festival Online de Artes Digitais, foi
criado em 2005, e tem como objetivos promover e incentivar a criação artística,
ao nível dos novos media, com especial destaque para a videoarte, através de
apresentações, exposições, mostras online, instalações, workshops, residências e
performances. É um evento organizado pelo Projeto Videolab, visando a promoção
de produções artísticas que abordem a relação das novas tecnologias com a arte
90
https://www.dn.pt/lusa/festival­de­video­arte­e­performance­fonlad­comeca­na­sexta­feira­em­
coimbra­9577860.html [2019/10/18]
PEDRO ALVES DA VEIGA

contemporânea. Videolab é um projeto de promoção e divulgação das artes mul­


timédia, e tem como objetivo principal a apresentação de trabalhos de qualidade,
sem restrições de tema, género, duração ou ano de produção, que reflitam a so­
ciedade e contribuam para o enriquecimento cultural do público.
A coleção do Festival FONLAD foi exibida em 2011 no MIDAC – Museu Inter­
70 nacional Dinâmico de Arte Contemporânea, em Belforte del Chienti, Itália. O
evento, apresentado sob a forma de instalação, foi comissariado por José Vieira e
promovido pelas associações IC Zero (de Coimbra) e Terra del Arte (Belforte del
Chienti). O festival passou, também, pelo Espaço de Artes, Multimédia e Perfor­
mance, que foi um projeto de experimentação artístico, gerido em parceria pelas
Associações IC Zero, Projeto Videolab e Alliance Française de Coimbra, e que se
desenvolveu entre outubro de 2012 e setembro 2013, nas instalações da Alliance
Française de Coimbra, procurando promover a reflexão, discussão e aprendizagem
das novas tecnologias artísticas, nomeadamente as ligadas à arte digital, fotogra­
fia, vídeo e performance e a sua apresentação informal através de exposições, re­
sidências, workshops e exibições de videoarte, entre outras.
Em 2015, ao celebrar 10 anos de existência, o FONLAD ocupou diversos es­
paços do centro histórico de Montemor­o­Velho com o intuito de promover as
artes digitais e também a performance e a videoarte, porque permitem uma maior
aproximação com o público, saindo, desta forma, do online e da Internet para a
rua. O festival é aberto a todos os artistas nacionais e estrangeiros que trabalhem
ao nível das artes contemporâneas, nomeadamente a videoarte e a performance.
O festival tem direção artística de José Vieira e Sérgio Gomes.

FuturePlaces91 (2017)
FuturePlaces é um evento que decorre na cidade do Porto desde 2008. Em
2013 adotou a designação de medialab for citizenship em detrimento da designa­
ção de festival, distanciando­se, assim, deste conceito e aproximando­se do con­
ceito de laboratório onde se acomodam outras iniciativas, sob a mesma marca,
ocorrendo ao longo de todo o ano. Com comissariado de Heitor Alvelos, Future­
Places tem abordado a dinâmica entre os novos média e o tecido sociocultural, e
mantém­se atento às possibilidades de entrosamento fértil entre os cidadãos e
os média, com foco nas ligações à cultura, sociedade, ciência e tecnologia.
O evento convida a pensar, falar e agir – no presente – sobre formas parti­
lhadas de imaginar o futuro, num processo reconciliador com o passado. O evento
surge de uma parceria entre a Universidade do Porto e a Universidade do Texas
em Austin, ao abrigo do programa UT Austin­Portugal, financiado pela Fundação
para a Ciência e Tecnologia, e assenta na cooperação de várias instituições nacio­
nais, envolvendo um diálogo multidisciplinar entre estudantes e investigadores
91
http://futureplaces.org [2020/06/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

na área da engenharia, das artes e das ciências sociais e de comunicação, em es­


treita colaboração com artistas nacionais e estrangeiros.
As suas atividades tiveram lugar em vários locais da cidade do Porto, desde
a Reitoria da Universidade do Porto, o Polo das Indústrias Criativas (UPTEC), o ci­
nema Passos Manuel, a Alfândega do Porto, a Associação Sonoscopia ou o espaço
de intervenção cultural Maus Hábitos. Uma variedade de workshops, projetos, pa­ 71
lestras, eventos criativos e think­tanks envolveu­se numa ampla rede com resso­
nância simultânea local e internacional.

Figura 10: Cartazes das edições de 2011, 2014 e 2015.


Fonte: Arquivo Ephemera92 de José Pacheco Pereira.

Entre a pesquisa criativa, o ativismo construtivo e o discurso transutópico,


FuturePlaces é e permanecerá livre/grátis – com a premissa de que todos os par­
ticipantes encontrem modos ativos de se envolver com o que é designado pelos
organizadores por fertilidade social. Tendo nascido no seio da Academia, Future­
Places está, desde a sua génese, virado para a sociedade, criando um território
que olha para as tecnologias sobretudo pelo seu contributo social e tecnológico,
mais do que pelo seu interesse intrínseco.
Na edição inaugural teve uma componente de exposição, com chamada
aberta internacional de onde foram selecionadas 30 participações, apresentadas
em 3 locais diferentes, e programação paralela, incluindo filmes, conferências,
workshops, e os citizen labs, abertos também a propostas. Nos anos seguintes o
festival incluía workshops em várias áreas (vídeo, gaming, entre outras), com con­
vidados em regime de intercâmbio entre universidades (ao abrigo do programa
UT Austin­Portugal), exposição, discussão e debate com a comunidade sobre os
impactos da cultura digital na cidadania e cultura locais.
92
https://ephemerajpp.com/2016/07/22/medialab­for­citizenship­future­places/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Posteriormente o evento especializou­se na componente dos laboratórios de


cidadania, com claro enfoque local, até como forma de afirmação de identidade
própria e diferenciação. Os citizen labs – laboratórios de cidadania funcionam si­
multaneamente como workshop e prova de conceito para projetos emergentes,
e juntam geeks, especialistas, artistas, curiosos e cidadãos comuns numa série de
72 oficinas práticas ao estilo DIWO. Na edição de 2016, destaque para os citizen labs
em áreas de conhecimento tão diversas como o hacking agrícola, o direito de autor
(copywrong), a manipulação da perceção ou o vídeo documental.
O trabalho de preparação do evento principal desenrola­se durante os meses
de verão, para acomodar as restantes ocupações, que restringem o calendário do
próprio evento. Existe a convicção de que os apoios existentes (financeiros ou ou­
tros), são adequados ao espírito e escala do evento, também porque ele é orga­
nizado estando os membros da equipa focados nas suas vidas profissionais, com
outros objetivos e trabalhos, não havendo uma equipa dedicada ao evento a
tempo inteiro.
O financiamento provém da Universidade, do UPTEC, do Ministério da Edu­
cação e do Ensino Superior, sobretudo em meios humanos e logísticos, que não
financeiros. A parte financeira, que começou em cerca de 60k€ e foi reduzida para
20k€ – à semelhança de todo o programa UT Austin­Portugal, que a suporta – é
direcionada para cobrir custos de viagens e estadias de convidados, bem como
para colaborações regulares.
As medidas de sucesso do projeto passam pela adesão do público – onde se
incluem várias turmas de escolas – e pela capacidade dos citizen labs se autono­
mizarem como projetos próprios, como a Rádio Manobras, CITADOCS ou o coletivo
dos músicos do centro comercial STOP, agindo o FuturePlaces, praticamente, como
uma incubadora.
Para a organização, tem sido mais produtivo criarem­se contactos pontuais
e funcionais de colaboração entre instituições, do que participar em redes abran­
gentes, que são na sua maioria mais formais do que verdadeiramente operacio­
nais. A colaboração mais proveitosa é, habitualmente, em dois sentidos, e grandes
diferenças de escala ou de envolvimento das equipas podem causar obstáculos
na sua operacionalização e entrosamento.
O grande desafio para o FuturePlaces foi identificar as pessoas certas dentro
das instituições parceiras, que viabilizassem essa colaboração. É fundamental exis­
tir proximidade de valores institucionais, mas é fulcral encontrar as pessoas certas
para se estabelecer empatia, que partilhem valores pessoais, de postura de vida,
e que vão de encontro à própria postura ideológica do festival. Tal tem sido o caso
da colaboração recorrente com os projetos ±maismenos± e Rádio Manobras, pos­
teriormente Rádio Manobras Futuras, Texas Archive of the Moving Image, Tuxedo
Moon, dentro do espírito de um ecossistema, já que todos os projetos são autó­
nomos, mas estão interligados e beneficiam mutuamente dessa interligação.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

73

Figura 11: Rádio Manobras Futuras, um dos spin­offs do FuturePlaces. Fonte: FuturePlaces.

Convidados ilustres e participantes em várias edições incluem Peter Sunde,


Nancy Schiesari, Siva Vaidhyanathan, Jon Phillips, Golan Levin, Caroline Frick, Deb­
bie Anzalone, Peter Principle, Jon Wozencroft, Blaine L. Reininger, Hiperbarrio Co­
lômbia, Jillian York, Hugh Forrest, David Trullo, GANA, Len Massey, Stephan
Baumann, Elizabeth Stark, Negativland, Laura Malacart, Bruce Geduldig, Philip
Dean, Andrew Poppy, Donato Ricci e Philip Marshall, entre muitos outros.

Image Play93 (2019)


Image Play – International Video Art Festival – surge a partir do objetivo de
promover e difundir a videoarte, enquanto forma de expressão da arte contem­
porânea, colocando a produção e curadoria nacionais no panorama artístico in­
ternacional. Assim, tem como propósito fomentar a experimentação, a
investigação, a produção e a difusão da criação vídeo artística de vanguarda, pro­
movendo um encontro entre as linguagens da videoarte em diferentes culturas e
contextos, propondo reflexões, explorando relações, experimentando tecnologias.
Para a primeira edição, em 2019, são apresentados 46 trabalhos oriundos de
Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Holanda, México, Canadá Cuba Ar­
gentina e Irão. Com organização da Câmara Municipal do Funchal e direção de
Hernando Urrutia, o festival prevê ainda a realização de colóquios e palestras em
língua portuguesa.
93
https://www.facebook.com/IMAGE­PLAY­International­Video­Art­Festival­111258250254787/
[2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

InShadow94 – Festival Internacional de Vídeo, Performance e Tecno­


logias (2020)
O InShadow é uma iniciativa da Vo’Arte, associação cultural para a produção/di­
vulgação da criação contemporânea, e é uma referência no território da criação con­
temporânea transdisciplinar, com destaque para a convergência entre a imagem e
74 o corpo e os processos de criação artística fundados na tecnologia. O evento explora
atmosferas interdisciplinares pela reflexão sobre soluções estéticas e técnicas de re­
presentação do corpo no ecrã, no palco e noutros espaços de atuação.
Géneros e linguagens cruzam­se em vídeos, espetáculos e performances, ins­
talações e exposições, com a vitalidade de um diálogo aberto pelo encontro da
experiência de artistas consagrados com as visões de criadores emergentes. Desde
a sua primeira edição o InShadow apresenta uma competição em vários géneros
(vídeo­dança, videoarte, vídeo­experimental e documentário), onde já contou com
participações oriundas de, entre outros, Singapura, Moçambique, E.U.A, Espanha,
Brasil, Canadá, Argentina, México, Portugal, Austrália, Venezuela, Irlanda, Pales­
tina, Grécia, Finlândia, França, Chile, Itália, Hungria, Reino Unido, Israel, Suécia,
Inglaterra, Bélgica e Egito. O Festival conta ainda com sessões de visionamento,
workshops e master­classes, bem como exposições.
O InShadow tem curadoria e direção artística de Ana Rita Barata e Pedro Sena
Nunes, e já passou por espaços como o Teatro Camões, o Museu do Oriente, o
Museu da Marioneta, a Fundação Portuguesa das Comunicações, o Teatro do
Bairro, a Galeria da Faculdade de Belas­Artes, o Espaço Santa Catarina, o Espaço
Cultural das Mercês, o Teatro São Luiz e a Cinemateca Nacional.

Jardins Efémeros95 (2018)


Os Jardins Efémeros são um projeto de caráter urbano, contemporâneo e ex­
perimental, que tem como principal objetivo envolver os artistas e curadores, locais
e internacionais, ciência e arte, com toda a comunidade local, estabelecendo pontes
de contacto entre diferentes formas de intervir na cidade. Do município às univer­
sidades, passando por associações culturais, sociais, de comércio ou turísticas, em­
presas, museus, cidadãos, escolas ou até mesmo visitantes, todos são convidados a
participar neste evento, que atrai anualmente a Viseu cerca de 100 mil visitantes.
Mantendo, ao mesmo tempo, a sua matriz social, artística e lúdica, a progra­
mação desenvolvida é um reflexo da tentativa de agregar diversas linguagens e
conteúdos no mesmo espaço urbano – o centro histórico de Viseu. Teatro, dança,
cinema, arquitetura, polis, conferências, exposições, oficinas, mercados e até
magia, completam o cartaz do festival, que oferece aos visitantes durante cerca
de dez dias, gratuitamente, mais de 300 iniciativas.
O festival ocupa espaços icónicos da cidade, como a Sé de Viseu, a Igreja da
Misericórdia ou os inúmeros museus e capelas. Mas decorre também em edifícios
94
http://www.voarte.com/pt/festvoarte/inshadow [2020/06/24]
95
http://jardinsefemeros.pt [2020/06/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

públicos, privados e devolutos, nos jardins, logradouros e praças, pelo casario anó­
nimo do centro histórico, em habitações, lojas e fábricas, que vão receber uma
vasta e ambiciosa programação. Mais do que fornecer entretenimento sem con­
teúdo ou significado, o festival procura estimular, em cada espetador, uma visão
contemporânea da vida e das suas complexas interseções.
A dimensão experimental deste acontecimento cultural obriga ao confronto 75
entre o passado – representado pelas ruas, praças, edifícios e espaços – o presente
– momento em que decorre a ação – e o futuro – as infinitas possibilidades abertas
de tudo a que assistimos. É também a ideia individual e coletiva de cidade, o res­
peito pela diferença e o intercâmbio das mais diversas vivências que nos motivam
e entusiasmam neste acontecimento cultural.
Em paralelo com toda a programação artística, decorrem mercados como
Indo Eu, dedicado às trocas diretas, e o Mercado de Proximidade, para produtos
biológicos e artesanais. Há ainda diversas popup stores, dedicadas à edição, e
ainda um mercado de Sons e Letras. Como também já é tradição, ainda fazem
parte da programação algumas dezenas de oficinas artísticas, com mais de três
mil vagas, para todas as idades.

LUMINA96 (2018)
O LUMINA é um evento que recria o espaço urbano da vila de Cascais, através
da exibição de cerca de 20 obras num percurso pelas ruas de Cascais, com espe­
táculos e performances de luz e cor, projeções multimédia e instalações interati­
vas. Sob o mote da inclusão e interação, o LUMINA já contou com obras
participativas – criadas a partir de workshops com a colaboração da comunidade
local – e interativas, onde os visitantes são chamados a fazer parte da própria
obra. Paralelamente às demonstrações, existem por vezes workshops, conferên­
cias e um concurso de fotografia.
É um evento de entrada livre, visitado anualmente por mais de 400 mil pes­
soas, e contou, em 2018, com 18 instalações oriundas de vários países como Por­
tugal, França, Holanda, Itália ou Japão. Todos eles aceitaram o desafio de criar
obras de luz, que homenageiam as cores e formas, o tema de 2018.
O Festival, considerado em 2014 pelo The Guardian um dos 10 melhores Fes­
tivais de Luz da Europa97, realça o património histórico através de um percurso ur­
bano, cobrindo espaços como a Baía de Cascais, o Centro Cultural, o Museu do
Mar, a Casa das Histórias Paula Rego ou o jardim da Igreja Paroquial. Cada ano as
instalações são distribuídas ao longo de um percurso distinto, pré­definido, que
os visitantes são encorajados a seguir, e ao longo do qual se encontra uma varie­
dade de comércio de rua, roulottes de street­food, pontos de venda de artigos de
96
https://www.lumina.pt [2020/06/24]
97
https://www.theguardian.com/travel/2014/sep/02/­sp­europe­top­10­light­art­shows [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

marca, dando ao evento uma clara matriz comercial, de atração de turismo ex­
terno, que quase o desvirtua.
Como curiosidade, e revelando o entrosamento com o comércio local, em
2015 foi lançado um gelado luminoso, de limão, pela gelataria Santini, apenas dis­
ponível durante o festival Lumina. Parte integrante de uma rede internacional de
76 Festivais de Luz, este evento foi criado e produzido pelo atelier OCUBO98 – com
direção artística de Nuno Maya e Carole Purnelle, referências nas áreas de video­
mapping e projeções interativas, com projetos internacionais. Ao longo dos anos,
o festival de luz recebeu 1,5 milhões de visitantes, mais de 150 instalações artís­
ticas de luz criadas por 122 artistas.

Figura 12: Magical Garden, instalação de Kari Kola durante o Festival Lumina de 2016.
Fonte: Bosc d’Anjou (CC BY 2.0).

Em 2019 foi anunciada99 a intenção da Câmara de Cascais de não lhe dar con­
tinuidade, confirmada posteriormente no próprio site do evento.

LUZA100 – Algarve International Festival Of Light (2019)


O festival de luzes algarvio pretende ser um evento diferenciador, e tornar­
se numa referência cultural, apostando em diversos formatos (exposições, insta­
lações, performances, conferências, workshops) marcados pela inovação,
criatividade e arrojo no universo da luz, tema premente na arte. Os artistas atuam
com a luz e a luz exalta o património, permite ir à descoberta de pormenores des­
conhecidos, em percursos e património, interações com atores vivos e reflexões.
98
https://www.ocubo.com/ [2020/06/24]
99
https://www.timeout.pt/lisboa/pt/noticias/lumina­despede­se­apos­sete­edicoes­o­evento­nao­
acontecera­em­cascais­071619 [2020/06/24]
100
https://www.luzafestival.com/ [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

O festival percorreu, através das suas instalações e outras iniciativas, vários


espaços indoor da cidade de Loulé, como o Cine­Teatro Louletano, bem como al­
guns contextos exteriores, afirmando assim o território louletano como espaço
(também) de modernidade, design e arte.
Trata­se de um projeto de parceria do ByBeau Studio – estúdio do designer
Beau McLellan, em Loulé – com a produtora Eventors Lab, contando ainda com o 77
apoio da Câmara Municipal de Loulé e 365 Algarve/Turismo de Portugal.
Nas três edições, de 2017 a 2019, Loulé recebeu mais de 60 mil visitantes,
que puderam admirar obras de artistas nacionais e internacionais, cuja matéria­
prima é a luz. O Festival inclui ainda o programa LUZA Lab, aberto a novos e jovens
artistas que podem apresentar e produzir as suas ideias no LUZA Festival.

MadeiraDIG Music Festival101 (2020)


O Festival MadeiraDig, apesar de ser orientado para a música eletrónica,
conta também com uma presença significativa de instalações híbridas audiovisuais
interativas que o tornam digno de menção. É um evento promovido em conjunto
por quatro entidades: o Museu de Arte Contemporânea da Madeira, a APCA –
Agência de Promoção da Cultura Atlântica, a Estalagem da Ponta do Sol e a pro­
dutora Digital Berlin.
Realizado anualmente desde 2004, na primeira semana de dezembro, o fes­
tival tem o seu epicentro no Centro das Artes / Casa das Mudas, Calheta, da Região
Autónoma da Madeira – espaço da autoria do arquiteto Paulo David, nomeado
para a edição de 2005 do prémio europeu de arquitetura contemporânea Mies
van der Rohe. Durante 4 dias a ilha da Madeira é transformada numa incubadora
de cultura digital, numa iniciativa cultural de referência e qualidade artística, ins­
pirada numa filosofia em prol da consciencialização ecológica, em que o relaxa­
mento na natureza e o divertimento combinam com a cultura e com um estilo de
vida urbano. Este festival veio preencher a oferta global turística da Madeira en­
quanto destino, reforçando o seu posicionamento e a sua atratividade no mercado
nacional e internacional, especificamente nas áreas culturais.
O Festival exibe um alinhamento de vanguarda através do mundo da música
séria, nova e contemporânea. O MadeiraDig não é um acontecimento de massas:
conta com um público de cerca de 200 pessoas, oriundas de países como a Ale­
manha, Inglaterra, Itália, França ou Noruega – e Portugal, sobretudo de Lisboa,
Porto e, claro, da Madeira. É um público que vem pela música, mas também
atraído pelo clima ameno e pelo ambiente dos quatro dias do evento.
Entre os artistas que passaram pelo Festival, destaque para Fennesz, AGF,
Stefan Lillevan, Cluster, Oval, Ryoichi Kurokawa, Scanner, Nuno Rebelo, Vítor Joa­
quim, Philip Jeck, Volker Schreiner, Marius Watz, Ruinman, Gustav Deutsch, Lia,
Radian, Quarteto Sei Miguel, Rafael Toral, Mocky, Jamie Lidell, Friedman/Liebe­
101
http://digitalinberlin.eu/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

zeit/Suchy, Frank Bretshneider, Hecker, Tina Frank, Colectivo +0, Emi Maeda, Pho­
nophani, Alog, Ran Slavin, Boiar, Hugo Olim, Carlos Caires e NNY.

Over & Out102 (2019)


78 O Over & Out é uma exibição anual dos melhores trabalhos produzidos pelos
alunos do Departamento de Cinema e Artes dos Media da Universidade Lusófona,
que engloba as Licenciaturas em Aplicações Multimédia e Videojogos, Animação
Digital, Artes Plásticas, Artes Performativas e Tecnologias, Cinema, Vídeo e Comu­
nicação Multimédia, Ciências e Tecnologias do Som, Design, Fotografia e Produção
Gráfica e dos Mestrados em Design e Estudos Cinematográficos.
Apesar de centrado (fechado) no universo da Universidade, o festival conse­
gue um conjunto significativo e interessante de patrocínios e colaborações, e pro­
jeta os trabalhos premiados para exibições externas, como é o caso de filmes que
já foram exibidos pela RTP. O festival já ocupou espaços como o Centro de Con­
gressos de Lisboa, o Teatro Turim, o Museu da Cidade (Pavilhão Preto), o Hospital
Militar na Estrela, o Convento de São Pedro de Alcântara, o Cinema S. Jorge, ou o
Museu de S. Roque, em Lisboa. Em 2017, durante o festival e nas instalações do
Museu Militar da Estrela, a Universidade Lusófona e a Santa Casa da Misericórdia
de Lisboa, assinaram um protocolo de colaboração para apresentar à população
soluções interativas e facilitadoras.

PLUNC103 (2016)
PLUNC – Festival de Artes Digitais e Novos Media – é um festival internacional
de Artes Digitais e Novos Media que decorre em ambas as margens do rio Tejo,
nas zonas ribeirinhas das cidades de Lisboa e Almada, nomeadamente no eixo
Cais do Sodré – Cacilhas. PLUNC é uma onomatopeia, uma pedrada nas águas do
Tejo. Assim é também visualização, audição, medição do seu impacto, da sua dis­
sipação para ambas as margens, e dos mais inesperados e experimentais salpicos.
O PLUNC apresenta, aos mais variados públicos, projetos e obras que fundem
e cruzam Arte, Ciência e Tecnologia (ACT), através de exposições, workshops, talks
e mesas redondas. Os organizadores desejam criar um espaço informal de perma­
nente diálogo e interação entre os criadores, os seus trabalhos e o público. São uti­
lizados espaços ocasionais, por vezes alugados para o efeito, variando de edição para
edição, contrastando esses espaços inusitados com os espaços formais da Academia.
O PLUNC é organizado pela associação do mesmo nome, PLUNC – Associação
Cultural, criada dentro do estatuto das associações culturais e recreativas, e dedi­
cada principalmente à organização do festival. A organização e programação/cu­
radoria são da responsabilidade de quatro elementos: Carlos Ramos, Rita Sá,
102
https://www.ulusofona.pt/agenda/over­and­out­2019 [2020/06/24]
103
http://www.plunc.pt [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Mónica Mendes e Nuno Correia, ficando a organização das conferências a cargo


de Fernando Nabais. O festival pretende integrar de forma sólida o contexto aca­
démico/científico com o contexto artístico, sendo organizado em colaboração com
o programa doutoral em Media Digitais da parceria UT Austin | Portugal. A cura­
doria segue um modelo misto, sendo realizada por elementos da equipa, mas tam­
bém por curadores convidados. 79
Os principais critérios utilizados na avaliação das propostas de participação
artística são o valor estético e artístico, bem como o seu potencial de entreteni­
mento. A Associação PLUNC é responsável por toda a produção do Festival, con­
tando com dois assistentes de produção, um elemento de apoio à montagem da
exposição e um gestor financeiro. Sendo uma equipa pequena, recorre a reforços
temporários na altura da realização do festival, envolvendo ao todo um máximo
de 50 pessoas entre artistas, criativos, curadores, oradores, apoio técnico e logís­
tico. Conta ainda com apoio logístico do COLAB@PORTUGAL (UT Austin / FCT). A
organização considera existirem vantagens na utilização de tecnologias que facili­
tem a circulação de obras e artistas em residências, e são suas preocupações con­
siderar a integração das componentes de ensino, formação e exposição com o
entretenimento.
O PLUNC visa reforçar a importância do papel da interatividade, enquanto
promotora de diálogos entre público e criadores, não só através da obra em si,
como também através do processo de criação. O conceito de interação, poten­
ciado pelos novos media e pela arte digital, surge aqui como motivador e amplia­
dor de uma mecânica de proximidade, refletido na tentativa de ligação e
aproximação entre as duas margens, usando o rio Tejo como uma metáfora para
a conectividade.
As ações de formação disponibilizadas durante o Festival incidem sobretudo
na vertente tecnológica, em particular na interatividade, interfaces, linguagens de
programação e tecnologias recentes. Existe uma proximidade às ICCs, que define
em grande parte o âmbito das ações desenvolvidas, e permite a obtenção de pa­
trocínios financeiros e não­financeiros, além de apoios institucionais e autárquicos.
A organização suporta as despesas de viagens e estadias dos artistas participantes,
e providencia apoios logísticos não­financeiros.
O PLUNC visa criar e desenvolver uma comunidade de artistas, suportada num
público recorrente e interessado, e promover a utilização de espaços físicos, distri­
buídos geograficamente nas duas margens do rio Tejo, entre Lisboa e Almada, para
o usufruto das artes digitais. Na última edição, o festival contou com uma partici­
pação de mais de 500 pessoas, distribuídas pelos vários dias e eventos, sendo as
componentes artísticas maioritariamente instalações e sistemas de performance.
PEDRO ALVES DA VEIGA

Post Screen FestivaL104 (2016)


O Post Screen Festival (PSF) – Festival Internacional de Arte, Novas Média e
Cibercultura – é um evento do projeto de investigação POST­SCREEN, projetado e
desenvolvido dentro da secção Cyberart do Centro de Investigação e de Estudos
em Belas­Artes da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (CIEBA),
80
com sede na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL).
Este projeto combina várias áreas de investigação prática e teórica, com base
na ideia de pós­ecrã. O prefixo post pretende propor uma reflexão ontológica
sobre o ecrã, como forma de questionar e fornecer múltiplas perspetivas sobre a
forma como a nossa cultura visual é afetada pelo uso de ecrãs na vida quotidiana,
seja nos espaços domésticos ou públicos, ou no caminho entre eles.
O PSF reflete a ideia de algo que está além, mas que ainda não foi necessa­
riamente superado, reconhecendo uma ideia de um momento subsequente, que
considera o passado, o presente e o futuro, em que o ecrã aparece como uma fi­
gura central, como um tema, como substância e veículo para práticas heterogé­
neas, relacionadas com a MAD e a cibercultura. O projeto de pesquisa pós­ecrã
consiste em várias atividades: conferências internacionais com perspetivas únicas
e plurais sobre o tema central da edição de cada ano, apresentados pelos oradores
principais convidados, bem como pelos autores selecionados por meio de cha­
mada de trabalhos; exposições que compreendem um conjunto de obras de arte,
que se destacam em expressões artísticas plurais, e que utilizam vários média e
tecnologias; publicações que compõem os resultados das investigações das ativi­
dades pós­ecrã; workshops concebidos para o público em geral, especialmente
para quem tem interesse em adquirir conhecimentos básicos ou expandir as suas
capacidades técnicas; projeções; mesas redondas e seminários.
Este evento envolve entre 6 a 30 pessoas, nas várias áreas (da curadoria à lo­
gística), sendo a equipa residente integralmente responsável pela sua concretiza­
ção. A curadoria é exercida em diálogo transdisciplinar por um responsável –
curador principal – com todos os restantes elementos envolvidos no processo, e
a participação de artistas é desencadeada por uma chamada aberta internacional,
com inscrição paga, e posterior seleção pelo curador e equipa de apoio. Os crité­
rios de seleção mais relevantes são o valor artístico, a tecnologia de vanguarda e
o valor científico das peças e dos artistas. As temáticas incidem maioritariamente
sobre vertentes artísticas (história, correntes, metodologias, tendências) e tecno­
lógicas (saber fazer, componentes práticas de eletrónica e informática). Os espaços
utilizados são decididos em cada edição, e podem ser muito distintos de ano para
ano, não dispondo de espaços próprios dedicados para o efeito.
Paralelamente à exposição são organizados seminários, conferências e works­
hops, abertos à comunidade, e estas ações de formação são ministradas também
104
http://www.belasartes.ulisboa.pt/post­screen­international­festival­of­art­new­media­and­
cybercultures­psf2016­intermittenceinterference/ [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

por convidados externos à organização. O suporte financeiro é obtido através de


mecenato, patrocínios financeiros e não financeiros (cedência de espaços, material
e equipamento) e também a partir de uma componente de investimento próprio.

Reboot Fest105 (2019)


81
O Reboot é um novo festival internacional de Artes Digitais e Novos Media,
com a sua primeira edição em 2019 realizada em outubro no Palácio Baldaya, em
Benfica, Lisboa. O festival é organizado pelo programa doutoral em Media Digitais,
fruto de uma colaboração de mais de 10 anos entre a Universidade do Porto e a
Universidade NOVA de Lisboa, através da NOVA FCSH e da NOVA FCT.
Apesar de toda a informação disponibilizada no site do evento estar em in­
glês, os artistas e oradores convidados são na sua maioria portugueses, tal como
a maioria das sessões são orientadas ao programa doutoral.

Semibreve106 (2020)
O Semibreve é organizado pela cooperativa artística AUAUFEIOMAU, com o
apoio da Câmara Municipal de Braga. Afirmou­se como um evento incontornável
no panorama da música eletrónica nacional e internacional, proporcionando es­
petáculos de alguns dos artistas mais relevantes da atualidade no domínio da mú­
sica eletrónica.
Contribui ainda para a divulgação de produção científica no campo das artes
digitais, produzida por instituições de referência, tais como a Universidade do
Minho, Universidade do Porto, Universidade Católica, Fundação Bienal de Cerveira
e Digitópia/Casa da Música. A fusão inesperada entre a formalidade e a imponên­
cia do Theatro Circo, o vanguardismo artístico do espaço GNRation, e a alta afluên­
cia de público, levaram a publicação inglesa Dazed and Confused a incluir o Festival
Semibreve na lista dos 26 festivais mais irreais do mundo107.
O festival utiliza o modelo de bilheteira para os concertos e eventos principais
e a curadoria é feita pela equipa interna, através de convite direto, em função de
critérios estéticos e técnicos, da relação entre som e imagem, da interação com o
público, do impacto mediático e reputação artística. O cartaz procura ser equili­
brado e interessante, para atrair um público já especializado e conhecedor, com­
binando nomes consagrados com artistas emergentes e/ou até mesmo
desconhecidos.
A equipa residente é pequena, mas conta com reforço temporário – num ho­
rizonte que pode ir até 6 meses – que inclui um designer, um public­relations (PR)
no Reino Unido e dois em Portugal, dois runners, dois assistentes de produção
105
https://www.fct.unl.pt/noticias/2019/10/reboot­e­o­novo­festival­em­artes­digitais­e­novos­media
[2020/06/24]
106
http://www.festivalsemibreve.com [2020/06/24]
107
http://www.dazeddigital.com/artsandculture/article/16060/1/the­da­zed­of­festivals [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

(merchandising e catering) e um fotógrafo. Todos os elementos da equipa base


têm as suas atividades profissionais regulares, e desenvolvem­nas paralelamente
ao festival.
O Semibreve conta ainda com as equipas técnicas residentes do Theatro Circo
e espaço GNRation, que apoiam todos os eventos respetivamente realizados na­
82 queles espaços. Por vezes são criados eventos especiais – concertos ou audiovisuais
únicos com colaborações únicas, mas também já foi feita uma experiência de co­
missionamento específico de uma obra, que envolveu uma equipa de músicos e ar­
tistas visuais portugueses, coordenados por um artista alemão, e que teve custos
significativos – para além de um tempo de produção considerável, incluindo ensaios.
O programa de música aposta sempre em, pelo menos, uma presença nacio­
nal, embora a larga maioria seja internacional, também como estratégia de pro­
jeção e atração de um público internacional. Nas instalações artísticas a presença
portuguesa é mais forte, sobretudo através da ligação a projetos experimentais
desenvolvidos na Academia. Neste setor a proporção inverte­se, e os estrangeiros
são habitualmente a minoria, também por questões logísticas, por dificuldades e
custos associados ao transporte dos artefactos.
É também para estas obras que o Semibreve promove a entrega do Edigma
Semibreve Award, prémio que visa estimular a criação artística digital, dando es­
pecial atenção a projetos artísticos que recorram à interatividade, ao som e à ima­
gem, contando com supervisão do engageLab da Universidade do Minho.
O modelo do Semibreve já contemplou sessões paralelas ao programa de
concertos e exposição, que incluíram palestras, sessões de perguntas e respostas
com a participação do público, e conduzidas pela revista Wired, e visitas guiadas
para escolas.
O evento atrai por dia entre 500 a 700 pessoas, muitas delas do estrangeiro
(sobretudo Reino Unido, Alemanha e Espanha – Galiza), e muitos portugueses que
vêm de fora da cidade de Braga, sendo uma parte significativa do público oriundo
do Porto. O Semibreve tem, assim, um forte impacto na cidade, sendo visível o
aumento de turistas durante a sua realização, especialmente em circulação entre
o Theatro Circo, o GNRation e a Casa Rolão, que são os palcos habituais do evento.
O espaço GNRation é um polo permanente de criatividade, dedicado à gera­
ção, produção e consumo de atividades artísticas, com vista a atrair e maximizar
talento, proporcionando o desenvolvimento de ideias e negócios nesta área. Pre­
tende, pois, fomentar as áreas do empreendedorismo, ACT, cultura e lazer, sempre
acompanhadas de criatividade e inovação, através dos vários espaços e salas dis­
ponibilizadas.
O projeto usou o conceito de ocupação como motivo, como uma área do con­
trapoder, contra a regra, o limite, a disciplina: simbolicamente contrapôs­se ao
seu uso anterior, pertencente à GNR. Cada espaço de eventos acolhe uma progra­
mação de espetáculos adequada à sua dimensão, como a sala Black Box, que pre­
tende ser um palco para os grupos emergentes.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

83

Figura 13: Instalação WIDE/SIDE (2015) de João Martinho Moura no GNRation.


Fonte: João Martinho Moura (CC BY­SA 2.0).

As seis lojas que existem no GNRation apostam no comércio diferenciado, e


existe uma área de trabalho, pronta a receber empreendedores com vontade de
implementar as suas ideias de negócio. Pelo seu caráter cultural, criativo e tecno­
lógico, será um espaço permeável às várias formas de arte e aos seus públicos, em
constante evolução, e procura ser, assim, um espaço non­stop, aberto 24h por dia.
Em virtude das sinergias existentes entre a Universidade do Minho e o enga­
geLab, o Semibreve e o espaço GNRation, a presença de empresas relevantes na
cidade, Braga foi selecionada como Cidade Criativa da UNESCO108, na área das
artes digitais, e neste contexto perspetiva­se também a profissionalização da
equipa organizadora do festival.

The New Art Fest109 (2020)


Em novembro de 2016 chegou a Lisboa o The New Art Fest, um novo festival
internacional de new media, post­internet art e IoT, explorando a inovação cogni­
tiva nas artes contemporâneas. Apresenta projetos artísticos realizados por artis­
tas portugueses e estrangeiros, que desenvolvem o seu trabalho tendo como
ponto de partida a tecnologia e a ciência, as estratégias da arte conceptual, e o
conhecimento, tomando como novos dados da nossa espécie a World Wide Web,
a IoT e a Quarta Revolução Industrial. Seres humanos, híbridos, robots e nano­ro­
bots, mais a variedade crescente de seres inteligentes pós­humanos, convergem
hoje rapidamente para uma nova terra incognita, o espaço do The New Art Fest.
108
http://www.bragamediaarts.com/pt/ [2020/06/21]
109
http://www.thenewartfest.com [2020/06/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

O festival conta com a curadoria (experimental, segundo o próprio) de Antó­


nio Cerveira Pinto, e a organização e produção da Ocupart – Arte em espaços im­
prováveis, e é o reflexo de uma geração de artistas que parte do contexto do
mundo virtual, digital e que vive este mundo de uma forma tão real quanto o
mundo material: artistas que criam para as novas infraestruturas de arte, os smart­
84 phones e os tablets, que vivem o seu dia­a­dia entre o Instagram e outras plata­
formas digitais, os seus atuais museus ou espaços expositivos, e que só
pontualmente traduzem para o mundo material o seu trabalho.
O festival já apresentou obras de arte em vários espaços, nomeadamente na
zona do Chiado, centro do eixo cultural que vai do Largo do Rato ao Cais do Sodré,
com presença em montras de lojas da Chiado, as primeiras caixas mágicas, inter­
faces (janelas) de comunicação da sociedade de consumo, no Museu Nacional da
História Natural e da Ciência (MUNHAC), e no Mercado TimeOut, entre outros, ir­
manando deste modo criativo o conteúdo de cada espaço participante no festival
com a intenção, imaginação e criação do artista convidado.
A participação no festival foi por convite, lançado a um conjunto de artistas,
em torno de uma lista de palavras­chave: 3D, actants, agency, animatronics, art,
artificial intelligence, augmented reality, autonomous agents, bending, big data,
bio, clouds, complexity, deep data, derive, digital, electronic, generative, glitch, il­
lustration, immersion, Industry 4.0, IoT, livecode, liquid, nano, network, neural,
pop, post­internet, psychogeography, robotics, social, sound, stochastic, street, va­
riable media, vídeo, virtual, e web.
O conceito que determinou a pré­seleção dos artistas centrou­se na nova cul­
tura POP (POP­eletrónica ou POP­online), que utiliza a tecnologia para a produção
artística em contexto urbano. O festival quis evitar o circuito das residências e a
visão académica, e procurou estar focado na vivência urbana, embora existisse in­
teresse em envolver escolas e universidades – desde o voluntariado dos estudan­
tes até à realização de seminários e workshops nas escolas, pelos convidados do
festival.
O projeto tomou forma a partir de um blog online – The Curator’s Blog110 –
aberto apenas aos artistas e equipa da organização e, só depois da conclusão de
cada edição do festival, tornado público. O curador queixa­se da falta de uma
classe de conhecedores e críticos de MAD, bem como da falta de um interesse
mais aprofundado dos media, que frequentemente se limitam a repetir comuni­
cados de imprensa, sem qualquer análise crítica.
O sucesso do evento funciona, assim, mais pela transmissão direta individual,
pela opinião de quem participa, mesmo até do ponto de vista da atração de fi­
nanciamento e patrocinadores. O festival aconteceu na mesma semana em que
chegou a Portugal o Web Summit, momento crucial para disseminar as artes de
110
https://thenewartfestival.wordpress.com/ [5/10/2017]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

base tecnológica e cognitiva em Portugal e potenciar novas sensações e experiên­


cias estéticas, e um debate cultural consequente.
A colaboração com o Web Summit foi, para o curador, uma feliz opção, que
deu origem a um networking intenso e interessante. À medida que o projeto cres­
ceu foram considerados espaços alternativos de exposição – a IoT e a realidade
aumentada – mas também os resultados culturais das migrações do virtual para 85
material, e o reencontro com a gravidade, ou a post­Internet art, longe de galerias
e museus.
Mas a localização no Chiado, zona nobre da cidade, e a ligação ao Web Sum­
mit, foram decisões conscientes para facilitar o posicionamento do festival, face
aos media e à imagem do festival junto do público­alvo. Foram apresentadas obras
no novo mobiliário eletrónico da cidade e nos seus ecrãs de smart signage – vídeo­
painéis e a rede de mupis digitais Tomi – aproveitando o facto de os conteúdos nos
mesmos serem habitualmente limitados, bem como na Internet e redes sociais.
Destaca­se neste segmento do Festival o lançamento de uma plataforma de
Realidade Aumentada denominada Second City: uma das bases iniciais e fortes
deste projeto foi decidir usar montras da Baixa­Chiado (as devantures ducham­
pianas), para exibir obras de arte, eventualmente renovando a ideia surrealista
do cadavre exquis, irmanando deste modo criativo o conteúdo de cada loja parti­
cipante no festival com a intenção, imaginação e criação do artista convidado.
Apenas alguns eventos do festival têm bilheteira própria, sendo que a maior
parte é de acesso livre, o que não significa que no futuro, caso se opte por um es­
paço dedicado para a maioria das ações/eventos do festival, não possa existir um
modelo diferente, até com componentes de merchandising 1.0 – como t­shirts e
posters – ou 2.0 – como apps, impressões 3D ou GIFs animados.
Para além da exposição de obras, o The New Art Fest apresenta ainda con­
certos de live coding e seminários, com a participação de vários oradores nacionais
e internacionais, artistas e empresas de tecnologia. Em futuras edições serão am­
pliadas várias vertentes, quer em termos de duração temporal, quer de atividades
desenvolvidas, havendo espaço para a integração de ações diretas dos próprios
patrocinadores da indústria (por exemplo, lançamento de produtos).

Trojan Horse was a Unicorn111 (2017112)


O Trojan Horse was a Unicorn assume­se, segundo os seus organizadores,
como um «centro de apoio psicológico, espiritual, técnico, educacional e legal»
para o artista digital global, e simultaneamente como um garante de que o mundo
compreenda e celebre a sua arte e técnica. Apresentado regularmente nos media
internacionais, tem sido divulgado a par do SIGGRAPH e FMX, e destacado tam­
bém noutros eventos de arte digital.
111
https://www.trojan­unicorn.com [2020/06/21]
112
Data da última realização do Festival em Portugal, sendo que a partir de 2018 se instalou em Malta.
PEDRO ALVES DA VEIGA

É um festival especializado, em que o conceito de artista de MAD está mais


ligado ao desenvolvimento e comercialização de software para plataformas lúdicas
e de entretenimento, 3D, VFX, jogos e Concept Art Industries, dirigido a um público
maioritariamente constituído por profissionais: produtores, animadores, game
developers, artistas 3D, profissionais dos efeitos de vídeo, digital painters e ilus­
86 tradores. Por este motivo também inclui na sua programação dois dias de sessões
de recrutamento para a indústria, para além de uma Galeria, um jantar VIP, festas
de final de noite, atividades pré­evento, e um canal de televisão/streaming com
conteúdos exclusivos. Entre os nomes trazidos a Portugal estão Scott Ross (traba­
lhou com George Lucas e cofundou a Digital Domain), Andrew Jones (vencedor
do Óscar para Efeitos Visuais com o filme Avatar, responsável pelos efeitos visuais
de Titanic), Syd Mead (criador do universo de ficção de Blade Runner), Sven Martin
(responsável pelos efeitos visuais da série Game of Thrones), Paul Briggs (autor
do filme de animação Frozen), Iain Mccaig e Doug Chiang (Guerra das Estrelas),
Ralph Eggleston (Pixar: À procura de Nemo, Monstros e companhia, Toy story),
Shane Mahan (proprietário da Legacy FX), e Robh Ruppel (videojogos Naughty
Dog). O festival foi visitado pelo então ministro da Economia, Manuel Caldeira Ca­
bral, e pelo então secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos, e funcionou
como plataforma de recrutamento para a Industrial Light and Magic, Riot Games,
CD Projekt Red, King, Social Point, Blue Dream Studio, Ilion Animation Studios, Ub­
nisoft, Axis, OPM e Lenovo, entre outros.
Em 2018 o festival deixou Portugal para se instalar em Malta.

UnPlace113 (2014)
O projeto UnPlace – Um Museu sem Lugar: Museografia Intangível e Exposi­
ções Virtuais, mais do que um festival, propunha­se discutir o conceito de museo­
grafia intangível, no campo das exposições de arte contemporânea,
especificamente produzidas para contextos virtuais e em rede.
Embora vários autores tenham proposto uma reflexão teórica sobre os novos
paradigmas conceptuais subjacentes à emergência dos museus virtuais, no plano
da arquitetura de museus e da museografia, a concretização prática tem privile­
giado a replicação de estereótipos tradicionais, relegando a experimentação de
novas soluções para situações episódicas. Numa época em que se assiste a uma
crescente valorização do património imaterial e, simultaneamente, ao desenvol­
vimento de várias práticas artísticas baseadas em processos digitais em rede, im­
porta investigar novos paradigmas arquitetónicos e expositivos. Neste contexto,
o projeto de investigação UnPlace pretendia, em primeiro lugar, compreender os
motivos para a persistência das referências materiais nas manifestações contem­
porâneas de uma museografia virtual. Num segundo momento, procurava­se ana­
lisar propostas inovadoras de superação destas referências convencionais e da
113
https://arquivo.pt/noFrame/replay/20170301141243/http://unplace.org/ [2020/06/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

ideia de réplica do existente, designadamente no campo das exposições virtuais


e das plataformas colaborativas ligadas à arte contemporânea. Finalmente, o pro­
jeto visava apontar um conjunto de hipóteses alternativas, para futuros desenvol­
vimentos no domínio da arquitetura de museus e exposições virtuais, em direção
a uma museografia que, embora fisicamente intangível, tem condições para ser
mais acessível do que qualquer outra. Nesse sentido, e através do envolvimento 87
do programa Próximo Futuro, da Fundação Calouste Gulbenkian, propunha­se a
constituição de uma rede de partilha e discussão de novos conceitos e práticas,
com a participação de artistas, curadores, designers, arquitetos e investigadores,
sediados em geografias múltiplas, mas convergentes na sua ubiquidade virtual.
Previa­se ainda que esta plataforma fosse acessível a um público alargado e
pudesse, posteriormente, fundamentar e motivar uma exposição de arte contem­
porânea totalmente web­specific. Assumindo a intenção, complexa e contraditória,
de preservação e difusão do património imaterial como valor cultural da contem­
poraneidade, pretendia­se assim dar um contributo para (re)formular o conceito
de museografia intangível, partindo de um campo singularmente revelador: o es­
paço de encontro, a um tempo real e virtual, entre a arquitetura, a arte contem­
porânea e as novas tecnologias.
No âmbito da Conferência Internacional Espaços Incertos: Configurações Vir­
tuais nos Museus e na Arte Contemporânea, os tópicos sugeridos para comunica­
ções incluíam arte digital e net art; exposições virtuais; coleções online; arquivos
e bases de dados; projetos colaborativos de arte contemporânea; conservação di­
gital / obsolescência dos média; comunidades e redes sociais; arte e pirataria; ro­
mantismo, empatia e afeto; políticas e ativismo; museus virtuais como arquitetura
utópica; museografia intangível e arte em rede: lugares­entre­lugares. A exposição
UnPlace online decorreu entre 19 de junho e 19 de novembro de 2015 e deu ori­
gem a um catálogo digital114. A partir da ideia de que «o lugar é em todo o lado e
em lado nenhum», esta exposição reuniu trabalhos de net art e projetos web­spe­
cific, que evidenciaram tensões entre espaços reais e virtuais, através de práticas
online que vão desde as geopoéticas, as ficções e o hacktivismo até projetos par­
ticipativos em rede.

CIDADES CRIATIVAS
Braga Media Arts
No início de 2018 Braga tornou­se Cidade Criativa UNESCO, no domínio das
Media Arts115, resultado de uma candidatura destacando as atividades e polos
criativos que cruzam arte, ciência, educação, tecnologia e investigação em planos
114
https://arquivo.pt/noFrame/replay/20170301142000/http://unplace.org/sites/default/files/un­
place_catalogo_pt.pdf [2020/06/21]
115
http://www.bragamediaarts.com/pt/ [2020/06/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

locais e cooperativos. Albergando o festival Semibreve, o espaço GNRation, o tra­


balho desenvolvido por João Martinho Moura, de alcance e reconhecimento in­
ternacionais, a cooperativa AUAFEIOMAU, Laboratório Ibérico Internacional de
Nanotecnologia (INL), um conjunto relevante de empresas de índole tecnológica,
centros de investigação, sobretudo ligados à Universidade do Minho, Instituto Po­
88 litécnico do Cávado e Ave, Universidade do Porto e Universidade Católica, Braga
constitui­se e projeta­se como um ecossistema de MAD em nome próprio, o único
deste tipo em Portugal e na Península Ibérica.
II PARTE – METODOLOGIA
O ESTUDO DA MÉDIA­ARTE DIGITAL
Dividir os domínios do conhecimento e a busca pela especialização são fenó­
menos relativamente recentes. Durante as grandes eras da criatividade humana,
como a Renascença, o conhecimento não se considerava dividido em arte, ciência
e filosofia, mas era antes considerado como um contínuo. Ser escultor, arquiteto,
91
pintor, engenheiro, poeta e anatomista como Michelangelo ou Leonardo, por mais
impressionantes que fossem no acumular de conhecimento, era visto como natu­
ral. Contudo, a aparente e crescente aproximação atual da arte e da ciência na
discurso político e na educação, bem como uma estetização da ciência – visível
na bioarte, arte computacional, nano­arte, neuroestética, landart, arte cinética
(baseada na física), apenas para citar algumas áreas – são encaradas como algo
de revolucionário e inovador.
Talvez isso aconteça por questionarem a igualmente crescente tendência para
a especialização em todas as áreas do conhecimento, e por ultrapassarem uma
certa banalização da arte digital democratizada, ao alcance de todos desde o final
do século passado, e cada vez mais presente na investigação científica (Rech,
2013). Para além da hibridização cultural, a MAD praticamente personifica (em­
bora não exclusivamente, no panorama artístico) o conceito de métissage – ou
seja, o cruzamento entre elementos heterogéneos, tecnológicos, semióticos e es­
téticos oriundos da evolução da técnica dos dois últimos séculos: a fotografia, a
gravação de sons e imagens em movimento, a recomposição livre de imagens ani­
madas ou sons, a sua (re)transmissão para uma audiência alargada, as experiências
em arte e tecnologia, a influência das ciências sociais, médicas, matemáticas e lin­
guísticas, e finalmente a representação digital/informática e a livre manipulação
através de software e a distribuição global pela internet (Couchot, 2005).
Torna­se assim evidente que, para conhecer o ecossistema, não basta elencar
os seus agentes, como se fossem entidades absolutamente independentes umas
das outras, e estudá­los de forma especializada. É imperativo compreender a
forma como os relacionamentos entre eles se estabelecem, e como atravessam
as várias disciplinas do conhecimento, tendo a capacidade específica de analisar
os cruzamentos da filosofia, arte, ciência e tecnologia e da acumulação de papéis
(investigador, artista, curador, comunicador, entre tantos outros).
A natureza do continuum artístico não suporta a distinção entre sujeito­ob­
jeto ou observador­observado, o que é uma vantagem para a investigação artística,
dado que as questões sobre a natureza do sujeito, do objeto, da observação e da
relação com o público estão no centro das práticas e técnicas de investigação em
arte: géneros esbatidos116, scholARTistry, a/r/tografia, ABR (Investigação Baseada
em Arte117), ABER (Investigação Educacional Baseada em Arte118) (Hannula, Suo­
ranta & Vadén, 2005).
116
Em inglês blurred genres.
117
Em inglês Art­Based Research.
118
Em inglês Art­Based Educational Research.
PEDRO ALVES DA VEIGA

92

Figura 14: A instalação Tuumo, de Rot8ion. Fonte: Rot8ion (CC BY­SA 4.0)

São tipos de investigação de orientação qualitativa, que utilizam procedimen­


tos artísticos, sejam estes literários, cénicos, visuais ou performativos, para dar
conta de práticas e experiências nas quais, tanto os diferentes intervenientes (in­
vestigador, leitor, observador, colaborador), como as interpretações sobre as suas
experiências, revelem aspetos que não são visíveis noutro tipo de investigação
(Oliveira, 2013). Comum a todas as abordagens é a ambição de esbater a fronteira
entre arte e ciência. Estes métodos utilizam o processo artístico para a inquirição,
criando várias obras de arte como forma de recolher dados, conduzir análise e/ou
representar investigação (Leavy, 2009).
Quando os artistas investigam e utilizam as tecnologias digitais como maté­
ria­prima, podem descobrir formas de ampliar a gama expressiva e comunicativa
de ferramentas, dispositivos e sistemas; podem explorar o potencial para novos
rumos de investigação e experiências, ao fazer conexões que nem são necessaria­
mente utilitárias ou lucrativas; e podem ainda realizar o trabalho cognitivo que
permite tornar as abstrações difíceis mais legíveis e fascinantes. O espaço da MAD
ultrapassa assim as fronteiras da criação, e as próprias obras de MAD questionam
sem descanso o lugar do sujeito: a sua humanidade ou a sua liberdade; o lugar do
corpo nos dispositivos tecnológicos, e vice­versa; ou até a ética da propriedade e
da partilha (Mons, 2014).
A MAD não somente interroga a Filosofia mas, mais do que isso, faz Filosofia.
A MAD articula­se sobre uma complexa rede de relações, em que os intervenientes
no circuito se ativam conforme as conexões que fazem para disponibilizar a infor­
mação. Já Ascott (2003) questionava os papéis tradicionais: nós possuímos a cria­
tividade ou é a criatividade que nos possui? O artista deve reclamar com firmeza
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

o significado do seu trabalho ou é a sua semiose investida no observador? A arte


não estará sempre, como o próprio conhecimento, no limiar da instabilidade, os­
cilando entre a certeza e a indeterminação, tal como o universo quântico? Uma
vez que o significado de uma obra de arte é o produto da negociação da visão do
observador com o sistema, o artista é responsável pelo seu conteúdo ou o seu
papel é providenciar contextos através dos quais o significado emerge? 93
Contudo, os papéis podem acumular­se ou alterar­se: um artista pode tam­
bém ser curador, crítico, espectador e consumidor, entre outras opções e combi­
nações. A segmentação de papéis (entre artista e investigador, por exemplo) é um
anacronismo e mais e novos papéis (compostos ou integrados) irão surgir (Wilson,
2002). Ascott prossegue e introduz o conceito de tecnoética (tec+noética), sus­
tentado no valor diferenciador que a aliança da tecnologia com a dimensão espi­
ritual representa na exploração da consciência e suas novas formas, nas novas
qualidades da mente, nas novas formas de cognição e perceção, de ciber­perceção.
Para o artista­tecnólogo, a consciência/perceção deve mais ser explorada do que
explicada, mais transformada do que compreendida, mais reenquadrada do que
reportada. O artista deve reconhecer a primazia da consciência/perceção en­
quanto contexto e conteúdo da arte, objeto e sujeito de estudo e que a própria
proveniência da arte conduz, através das suas aspirações psíquicas, espirituais e
conceptuais, a esta condição tecnoética.

Figura 15: A instalação Alchimia119, através de um mecanismo de deteção facial do observador, capta
a sua face (visível no canto superior esquerdo) e mistura­a com outras faces através de um algo­
ritmo generativo, usando uma biblioteca de imagens de rostos com diferentes idades, etnias e géne­
ros. A intenção da obra é de provocar um questionamento sobre a identidade e a relação com o
outro (se eu fosse outro/a). Fonte: autor.

119
https://pedroveiga.com/category/art/arte­gerativa/alchimia/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Fôramos já advertidos no século passado para os perigos potenciais que a


tecnologia representa para a prática artística (Benjamin, 1939; Heidegger, 1953),
e para Ascott o perigo ganha nova dimensão se, através da tecnologia digital e co­
municacional, a arte se reduz a uma forma de habilidade, ou capacidade tecnoló­
gica polida, através de programação sofisticada, conduzindo a efeitos especiais
94 deslumbrantes, que vêm substituir a criação de significado e de valor, pelo domínio
exímio das ferramentas tecnológicas, associado a uma aura de fascínio pela ino­
vação dos produtos e uma endémica falta de humanismo ou imaginação da parte
do artesão­tecnólogo (que não o artista); em suma, a abolição dos aspetos meta­
físicos da arte e a sua redução inexorável aos aspetos físicos.
Mas pela positiva refira­se também o papel da tecnologia no desejo de trans­
cender a linearidade de pensamento através da utilização de sistemas interativos,
pseudoaleatórios, virtuais, como forma de expandir a consciência e a mente indi­
vidual, abraçando um fluxo livre de estruturas associativas que definem uma nova
consciência coletiva. Assim, torna­se um imperativo artístico explorar todos os
novos aspetos da tecnologia que possam envolver criador e observador, em inte­
ração física ou virtual, colaborando na produção de significado e na criação de au­
tênticas experiências artísticas através deste relacionamento entre agentes, afinal,
deste ecossistema.
Gadamer (1989) sustenta que uma obra de arte (Werk) existe na sua expe­
riência/fruição, e que cada obra de arte pertence – e fala – a um universo humano,
numa tal extensão que a sua verdade não pode ser vivenciada quando abstraída
do seu contexto e tratada como um objeto autónomo. A experiência de uma obra
está, assim, sujeita à influência de vários fatores, desde os relacionados com a
criação artística, o seu estudo, a sua exibição, as tecnologias que utiliza, até uma
multiplicidade de fatores externos, podendo ser locais, sociais, culturais, históricos,
ambientais ou económicos.
A/R/COGRAFIA – ARTE, INVESTIGAÇÃO E COMUNICAÇÃO

É possível reter o que poderíamos chamar de liberdade de criação


artística e usá­la ao máximo, não apenas como um caminho de fuga,
mas como um meio necessário para descobrir e talvez até mudar as
características do mundo em que vivemos. (Feyerabend, 1975: 64) 95

O artista / investigador é sistematicamente confrontado com a necessidade


de escolher um paradigma – um sistema de postulados baseado em pressupostos
ontológicos, epistemológicos e metodológicos – no seio do qual o seu trabalho
pode desenvolver­se e prosperar. A Investigação Baseada em Artes120 está entre
os muitos paradigmas qualitativos que surgiram desde a década de 1990, e é ca­
racterizada principalmente por um relativismo ontológico, epistemologias transa­
cionais e subjetivistas e metodologias hermenêuticas e fenomenológicas (Guba &
Lincoln, 1994).
A a/r/tografia121 surgiu firmemente enraizada no paradigma da ABR, tendo sido
crescentemente adotada em todo o mundo. Neste paradigma o conhecimento
emerge do envolvimento entre a criação artística e o ensino/aprendizagem, através
da investigação vivida e da escrita reverberativa e reflexiva. Esta forma de investiga­
ção difere do tipo de pesquisa que coloca questões com o objetivo de definir limites
e descrever o que anteriormente já se sabia existir. A a/r/tografia sistematicamente
questiona as práticas criativas e artísticas em curso, a fim de criar conhecimento, ao
invés de descobrir e descrever realidades pré­existentes. Novos entendimentos – e
não descobertas – são partilhados após a reflexão sobre essa prática (LeBlanc et al.,
2015). Rita Irwin e os seus colegas apresentam os motivos subjacentes à introdução
da a/r/tografia, enquanto metodologia, no currículo académico:

Os nossos argumentos derivam da crença de que, se as formas de in­


vestigação baseadas nas artes devem ser levadas a sério, como cam­
pos emergentes da investigação educacional, talvez elas precisem de
ser entendidas como metodologias em si, não como extensões da in­
vestigação qualitativa [...] em direção a uma compreensão da inter­
disciplinaridade, não como uma manta de retalhos de diferentes
disciplinas e metodologias, mas como [...] uma mudança ou diver­
gência onde [...] novos cursos de ação se desdobram. (Springgay,
Irwin & Kind, 2005)

Enquanto a investigação baseada em artes pode ser aplicada a qualquer dis­


ciplina e é frequentemente usada em conjunto com outras formas de investigação
(como a etnografia), a a/r/tografia é uma extensão que reconhece a contribuição
120
Arts­Based Research (ABR) em inglês.
121
A/r/rtography = art/teaching/research + graphy, no original em inglês.
PEDRO ALVES DA VEIGA

específica que a investigação baseada em artes pode trazer à educação. Neste


sentido pode argumentar­se que o papel do professor na a/r/tografia é tanto uma
pedra angular quanto uma limitação, já que potencialmente diminui a aplicabili­
dade desta metodologia ao artista­investigador que não é professor. Mas essa res­
trição de aplicabilidade pode ser levantada por generalização, uma vez que o papel
96 do professor é também o de um comunicador, aquele que estrutura o conheci­
mento e o apresenta tanto aos alunos quanto aos colegas. Em consonância com
esta ideia, também o artista ultrapassa os limites da própria academia e envolve­
se em processos de comunicação com o público, curadores e colegas, entre tantos
outros agentes do ecossistema. Por isso, é seguro afirmar que tanto os artistas
como os investigadores se envolvem na comunicação com os seus públicos.

COMUNICAÇÃO
Sob este prisma, a comunicação pode ser entendida como um conceito bidi­
recional mais abrangente do que o ensino/aprendizagem e uma generalização
adequada ao tempo e contextos presentes. No passado nem sempre era possível
estabelecer uma comunicação direta entre artistas e público, principalmente de­
vido a limitações na literacia e no acesso à cultura e suas infraestruturas, mas
atualmente tudo se alterou: a comunicação direta entre artistas e público através
de redes sociais ou eventos culturais não só já não é limitativa, como se tornou
preponderante na e­sociedade. Este raciocínio é ainda apoiado por três observa­
ções já ancoradas na nossa cultura:
1. A comunicação é uma parte natural, não apenas dos processos criativos
na arte, mas também da própria arte (Beyer, 1996). Para Dewey, a arte é o
«modo de comunicação mais eficaz que existe», «a forma mais universal
e mais livre de comunicação» e «a comunicação na sua forma pura e ima­
culada» (Dewey, 1934).
2. O objetivo da investigação é produzir conhecimento, e sua disseminação
é alcançada através da comunicação. Isto é especialmente verdadeiro para
a investigação baseada em artes, porquanto

(...) a sua função curricular parece ser particularmente voltada para


a recepção de dados apresentados por performances, imagens ou
textos artisticamente concebidos pelo público. Os criadores de tais
obras esperam mudar os membros da audiência através da experiên­
cia de dados moldados por várias formas de arte. (Conle, 2003)

Como o acrónimo sugere, «a/r/tografia é uma união de arte e grafia, ou imagem


e palavra» (Springgay et al., 2008). A etimologia de ­grafia é o grego ­graphia, refe­
rindo­se ao processo de escrever ou gravar, que é a base para a comunicação humana
assíncrona e não verbal. Adicionalmente, e como já foi referido, nos processos de co­
municação envolvidos na a/r/tografia é possível identificar ligações bidirecionais que
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

ocorrem para além do âmbito da educação, como por exemplo, aqueles que conec­
tam os artistas a audiências, curadores, outros artistas e investigadores.
Proponho, assim, que se assuma a A/R/COGRAFIA – A(rt) + R(esearch) +
Co(mmunication) + Graphy = Arte + Investigação + Comunicação + Escrita – como
uma extensão ou ampliação adequada da a/r/tografia, assumindo a complexidade
e liberdade dos seus praticantes, e até mesmo sugerindo que este tipo investiga­ 97
ção deva, efetivamente, ser considerado como investigação baseada em artes e
comunicação.

ADEQUAÇÃO À MÉDIA­ARTE DIGITAL


O processo de criação de obras de média­arte digital depende frequente­
mente de trabalho interdisciplinar colaborativo, pois o artista pode precisar de
envolver uma equipa de programadores, designers ou outros técnicos na cons­
trução dos artefactos. Este tipo único de colaboração exige uma documentação
abrangente para criar um espaço comunicacional comum, incluindo a classificação
e organização eficazes dos media utilizados, fluxos de dados e informação. As pró­
prias obras mais recentes de MAD incorporam tecnologias de comunicação, seja
por via do processo criativo ou pela integração tecnológica física no próprio arte­
facto. Os artefactos digitais prosperam através de conexões, da comunicação e a
interação entre o virtual e o físico, entre conceito e experiência, entre público e
obra de arte. A utilização das tecnologias de comunicação visa uma maior capaci­
dade de ação e impacto junto do público, conduzindo à premissa de que os arte­
factos digitais são efetivamente disseminados ou exibidos predominantemente
através de redes tecnológicas de comunicação. Mas esta ligação umbilical à tec­
nologia e à comunicação ultrapassa a própria média­arte digital e é também ex­
tensível às metodologias de investigação.
Já o trabalho a/r/tográfico é desenvolvido através dos conceitos metodoló­
gicos de contiguidade, investigação viva, aberturas, reverberações, metáfora, me­
tonímia e excesso, encenados, apresentados ou executados sempre que uma
condição de investigação estética relacional é vista como um entendimento ma­
terializado e multidirecional entre arte e texto, e entre e entre as identidades
abrangentes de artista, investigador e professor.
Essa teia complexa de interdependências e relações é generativa, reflexiva,
responsiva, comunicativa e criativa, produzindo resultados afins à metáfora de­
leuziana de um rizoma, pois cada iteração/geração, entendida enquanto estágio
criativo, reverberativo, comunicativo ou analítico da investigação baseada em
artes, pode potencialmente levar a uma evolução mais refinada e esperada ou a
uma linha de trabalho nova e independente. Esta é uma situação familiar e fre­
quente para os artistas, acostumados a identificar o potencial para uma nova obra
de arte enquanto trabalham num projeto corrente, reservando­o assim para ex­
ploração futura.
PEDRO ALVES DA VEIGA

A a/r/cografia, enquanto indução da a/r/tografia, permite que o indivíduo se


mova simultaneamente em direções diferentes, facilitando potencialmente novas
evoluções, derivadas ou até mesmo novos projetos, todos originários de uma
única linha inicial de investigação.
Se a a/r/tografia já era considerada uma metodologia de situações pelos seus
98 criadores, então claramente a a/r/cografia é uma metodologia de generatividade,
podendo conduzir a mudanças imprevistas através de contribuições de amplas e
variadas audiências; passando por estágios através dos quais os próprios artistas
evoluem, através da comunicação – reflexivamente, através da escrita e autoaná­
lise; com o público, envolvendo­se em conversas, entrevistas ou questionários;
ou com outros artistas ou pares académicos, através de análises e visões com­
partilhadas. Desta forma os artistas refinam e fazem evoluir os seus artefactos ar­
tísticos enquanto reflexo dessa mesma comunicação, incorporando o processo
nas próprias obras de arte.
Esta situação é particularmente feliz e adequada para a média­arte digital, já
que a possibilidade de alteração é muito mais convidativa e não destrutiva, ao
contrário da escultura ou pintura, por exemplo, onde uma pincelada adicional irá
esconder (destruir) o que por baixo dela fica. Na média­arte digital múltiplas ge­
rações – ou versões – da mesma obra podem coexistir apenas com esforço incre­
mental, salvaguardando­se facilmente todas as versões intermédias, e reforçando
assim a metáfora do rizoma.

O ARCO
A criatividade subjacente à designação a/r/tografia é evidente no uso da sigla
para indicar a estreita relação com as artes, e a proposta a/r/cografia poderia ficar
aquém do brilhantismo da sua precedente, não fosse o facto do arco constituir
uma metáfora adequada para a não­linearidade associada à família de metodolo­
gias ABR.
Ao contrário do flâneur de Baudelaire e Benjamin, que parte numa jornada
de descoberta sem rota ou objetivo fixos, o a/r/cógrafo usa o arco para unir in­
tencionalmente os pontos de partida e chegada, mas permitindo desvios excên­
tricos e a exploração da periferia, muito em linha com o que acontece com a
criação artística e a experimentação.
O exercício torna­se mais relevante ainda numa época em que a linha reta é
a metáfora preferida para o caminho mais curto, mais eficiente, mais rápido, mais
barato –qualificativos pouco recomendados ou sequer indicados para as artes e
humanidades.
O arco é, portanto, um protocolo, «um modus operandi, um caminho para
dentro, através e com (...) como uma atração para sentir, fazer, conhecer e contar»
(Cutcher & Irwin, 2018). O arco também permite que o a/r/cógrafo regresse ao
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

ponto de partida através de uma rota diferente, incorporando novos conhecimen­


tos das observações produzidas ao longo desta rota, resultando efetivamente
numa nova geração/iteração, conforme se pode observar na figura 16.
A metáfora revela­se ainda adequada por motivos adicionais: é possível vi­
sualizar o progresso convergente num projeto de pesquisa como uma espiral, ilus­
99
trada na figura 17, centrando­se num objetivo final através de uma multiplicidade
generativa de arcos de conexão, fomentando a exploração e a interconexão de
uma ampla gama tópicos ou áreas, além do que a linearidade tradicional das me­
todologias científicas permitiriam.

Figura 16: Acima, o arco azul conecta os pontos de partida (D) e de chegada (A), através dos pontos
intermédios de exploração. Abaixo, retornando ao ponto de partida por uma rota diferente (laranja)
e incorporando mais pontos de exploração ao longo do caminho. Fonte: autor.

Figura 17: Convergência, ilustrada por uma espiral de Fibonacci desenhada com arcos. Fonte: autor.
PEDRO ALVES DA VEIGA

Poder­se­ia argumentar que o arco não é uma representação precisa do fluxo


errático de ideias e desvios que derivam da prática artística, mas como contra­ar­
gumento o autor postula que o arco é de facto uma metáfora adequada para des­
vio com intenção, não­linearidade com objetivo, flexibilidade com propósito.
Outro conceito geométrico ­ o do biarco122, ilustrado na figura 18, como uma
100 curva suave formada por dois arcos compartilhando uma tangente comum no
ponto de conexão ­ pode representar a excentricidade exploratória das rotas entre
os pontos A e B, e aparece como uma interessante e apropriada metáfora gráfica,
dado que ...

(...) a percepção e a experimentação obedecem a leis próprias que


não podem ser reduzidas a pressupostos teóricos e, portanto, estão
além do alcance de epistemologias ligadas à teoria. (Feyerabend,
1999: 290).

Figura 18: Divergência aparente, ilustrada por famílias de biarcos, ligando os pontos A e B.
Fonte: Wikimedia commons.

Na mesma obra, Paul Feyerabend fala ainda sobre a abundância da realidade e


a capacidade humana de se concentrar em porções muito pequenas dessa realidade.
É precisamente devido a essa capacidade seletiva de foco, interesse e análise
que a liberdade de criar e experimentar ganha importância, para permitir a diver­
gência da norma, procurar novas rotas e encontrar olhares diversos. O objeto da
pesquisa vai sendo construído através da escrita, em vez de ser descoberto e de­
122
No original, em inglês, biarc: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/001044857590086X
[2020/06/21]
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pois descrito. Os processos de investigação, criação e documentação acompa­


nham­se e complementam­se mutuamente.
O biarco representa essa liberdade de, aparentemente, se desviar do curso
previsível e, ainda assim, atingir a meta inicial por via de uma rota mais longa,
porém potencialmente mais enriquecedora. Ao contactar com a realidade que en­
volve a(s) sua(s) trajetória(s) o artista e o investigador reforçam o conhecimento 101
adquirido dessa mesma realidade.

ETAPAS DA A/R/COGRAFIA

Inspiração
A inspiração é um conceito vago e difuso, referido por vezes como uma forma
de iluminação religiosa, de discernimento artístico, de intuição cientificamente in­
fluenciada (Gotz, 1998) ou até como uma abstração caracterizada por evocação,
motivação e transcendência (Thrash & Elliot, 2003).
Na a/r/cografia a inspiração surge como o primeiro passo, o que pode parecer
um pouco paradoxal num modelo rizomático e não­linear, mas que, como vere­
mos, pode ser o resultado de outros conjuntos de atividades. Contudo, a inspira­
ção poderá não ser sempre consciente e identificável no processo de criação
artística, e não será surpresa que apenas em retrospetiva o artista/investigador
possa cabalmente identificá­la.
A inspiração por detrás de um projeto de a/r/cografia pode, assim, não ser
totalmente evidente desde o início e precisar de tempo para se instalar, desen­
volver e manifestar­se completamente, e pode até ser afetada pelas etapas se­
guintes. A inspiração funciona como uma semente, inicialmente adormecida, à
espera das condições certas para despertar, germinar e crescer. Ela pode não re­
sultar de uma única fonte ou semente, sendo nesse caso necessário que outras
sementes ou circunstâncias a acompanhem e, portanto, pode encontrar­se sujeita
a evolução e transformação.

Gatilho
Todos os projetos artísticos têm um gatilho, um evento interno (de uma pers­
pectiva neuro­psicológica), externo (suscitado por estímulos externos) ou uma
combinação de ambos. Para ilustrar a origem interna, atente­se na afirmação de
Donaldson, citado por Ward (2001: 350,353): «Assim que as duas ideias se junta­
ram, o meu cérebro incendiou­se... eu passei os três meses seguintes febrilmente
tomando notas, desenhando mapas, idealizando personagens, estudando as suas
implicações».
PEDRO ALVES DA VEIGA

Já no que respeita aos estímulos externos, eles podem assumir a forma de


uma pessoa ou objeto, despoletando sensações estéticas, éticas ou transcenden­
tais, ou até a vontade de intervir sobre o próprio gatilho, utilizando­o simultanea­
mente como fonte e objetivo. Exemplos deste último cenário consistem, por
exemplo, na observação de uma obra previamente realizada pelo próprio, e no
102 súbito desejo de a transformar, de a fazer evoluir para algo distinto ou novo (Trash
& Elliot, 2003; Galloway, Thacker & Wark, 2013).
O gatilho despoleta ou manifesta conexões entre a inspiração e a razão, ca­
naliza­as e conduz o artista à criação. Tal como a inspiração, o gatilho pode nem
sempre ser imediatamente reconhecido como tal mas, também como na inspira­
ção, o artista/investigador não terá grandes dúvidas ao analisar retrospetivamente
o processo criativo, depois da pesquisa e respetivas reverberações ocorrerem,
identificando dessa forma o momento em que a inspiração latente foi energizada
e potenciada, dando lugar ao início do processo criativo do projeto, criando a pos­
terior intenção.
Um gatilho pode ser potenciado pela motivação geral e contexto de vida do
artista, sendo o seu impacto função daqueles fatores. O gatilho é, do ponto de
vista da a/r/cografia, o evento que propulsiona o a/r/cógrafo a formular a questão
de investigação (artística e/ou académica), a vontade de perseguir uma determi­
nada linha de investigação teórica, estética ou técnica, que determinará de seguida
uma hipótese ou intenção de pesquisa.

Intenção
Um círculo preto sobre um fundo branco pode ser uma representação da lua,
de uma bola de bilhar ou a secção de um cilindro. O que ele realmente é depende
apenas da intenção do artista.

No ato criativo, o artista vai da intenção à realização através de uma


cadeia de reações totalmente subjetivas. A sua luta para atingir a rea­
lização é uma série de esforços, dores, satisfações, recusas, decisões,
que também não podem ser totalmente auto­conscientes, pelo
menos no plano estético. O resultado dessa luta é uma diferença
entre a intenção e sua realização, uma diferença da qual o artista não
se apercebe (Duchamp, 1957:28­29).

A intenção do a/r/cógrafo é complexa e funcionará como um guia através de


perguntas, processos sistemáticos de recolha, comparação, experimentação, con­
traste e interpretação de informações. A conceptualização é atingida através de
uma análise aprofundada, conduzindo à subsequente execução, por meio de re­
finamentos iterativos, e culminando na exibição pública e comunicação. Eventual­
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

mente poderá ocorrer a repetição integral ou parcial do processo, como forma


iterativa de refinamento e aproximação.
Na a/r/cografia, a intenção coincide com a questão de investigação ou
questão artística: ela é simultaneamente motivo e pergunta.

103

Conceptualização
Quando a intenção se torna clara, o a/r/cógrafo pode reivindicar um conceito,
formular uma hipótese de investigação, uma visão de onde a intenção conduzirá,
um protótipo conceptual do trabalho finalizado. Para ajudar a manifestar o con­
ceito, o a/r/cógrafo reunirá diferentes fontes de inspiração e tratará de as corre­
lacionar através de investigação e experimentação.
É importante ressaltar que, devido à natureza iterativa e generativa da a/r/co­
grafia, o conceito só irá aparecer na sua forma final após investigação, experimen­
tação e filtragem, um processo durante o qual o a/r/cógrafo irá descartar
determinados resultados (eventualmente mantendo parte deles como potencial
inspiração para outros trabalhos), validar a viabilidade do projeto, chegando assim
a uma formulação escrita inicial do conceito: a hipótese de investigação ou hipó­
tese artística.
Uma conclusão possível para este estágio é a de que o conceito não está su­
ficientemente amadurecido ou não é viável, e neste caso a inspiração retornará à
sua latência, esperando por um gatilho transformador num momento ulterior.

Prototipagem
Assim que o conceito assuma uma redação inicial, o a/r/cógrafo mergulha
num primeiro ciclo de processos interligados e mutuamente influenciáveis, con­
sistindo em desenho (design), execução e avaliação – que designaremos por pro­
totipagem. Esta etapa é desenvolvida principalmente através de investigação,
experimentação e interpretação fenomenológica hermenêutica, e os seus subpro­
cessos interligados são:
1. Investigação
2. Experimentação
3. Reverberação
4. Filtragem

O protótipo permite que o conceito do a/r/cógrafo seja confirmado ou ajustado


através da incorporação de novos conhecimentos (investigação de âmbito aberto)
e pelo teste e análise de versões experimentais (experimentação e reverberação).
O objetivo da investigação neste estágio é determinar, não apenas se projetos
semelhantes foram abordados por outros autores/artistas (um estudo de estado
PEDRO ALVES DA VEIGA

da arte, por exemplo), e assim averiguando a originalidade, mas também explorar


(em arco) variações, alternativas, desvios que possam contribuir para refinar, en­
riquecer e melhorar o próprio projeto. O a/r/cógrafo reverberará então sobre os
resultados, gerando processos de feedback que podem conduzir a investigação e
experimentação adicionais, potencialmente implicando ajustes do próprio con­
104 ceito. Estes ciclos poderão ter resultados distintos e, através da filtragem, o a/r/có­
grafo irá classificá­los em três categorias:
1. Resultados adequados para o projeto, que serão então incorporados no(s)
artefacto(s), na teoria, na comunicação ou nos próprios processos docu­
mentais inerentes.
2. Resultados que não se encaixam no projeto atual, mas têm um grau sufi­
ciente de interesse e, neste caso, devem ser documentados e mantidos para
uma exploração mais aprofundada num estágio diferente, tornando­se ins­
piração latente para outro projeto, como seria expectável, dada a natureza
generativa da a/r/cografia.
3. Resultados inadequados para o projeto atual e para qualquer outro projeto
em potencial, por estarem fora do âmbito do interesse estético ou cientí­
fico do a/r/cógrafo e que, assim, serão descartados.

Todos estes processos tendem a ocorrer em ambiente restrito, íntimo e iso­


lado, já que o feedback externo descontrolado pode ter efeitos adversos, muitas
vezes fazendo com que o relacionamento ainda frágil entre criador e criação se
quebre ou vacile, ou ainda desencadeando reacções e mecanismos de defesa no
criador.
As primeiras iterações serão quase sempre de natureza mais exploratória e
menos coesa, mas à medida que os ciclos decorrem tenderá a verificar­se uma
convergência crescente, iterativamente alcançada sobre a repetição e o refina­
mento metodológicos.
Este é também o momento em que os a/r/cógrafos fortalecerão a sua con­
fiança através da investigação, obtendo conhecimento substancial tanto central
como periférico, o que enriquecerá toda a comunicação futura.
Os achados periféricos podem incluir respostas a várias questões que só sur­
girão durante a própria investigação, ou como consequência desta. Algumas des­
sas questões podem até surgir como trivialidades, mas elas têm uma função
importante, que é a de ajudar a solidificar o projeto, capacitando o artista com
um conhecimento mais profundo do assunto e da sua periferia, sendo um bom
exemplo da metáfora do arco em ação. No plano estético, esse ganho de con­
fiança traduz­se no sucesso da convergência e coesão entre conceito, método e
resultado.
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Teste
Após a prototipagem, o a/r/cógrafo atinge um momento em que se sente
preparado para partilhar o seu trabalho e recolher informações de fontes externas,
embora controladas e limitadas: amigos, familiares, colegas da academia e do
mundo da arte. Esta fase é semelhante à anterior, de prototipagem, exceto no que
toca ao nível de preparação do a/r/cógrafo, à consideração de elementos externos 105
e à maturidade do projeto. O feedback externo pode agora influenciar positiva­
mente o projeto e fortalecer a confiança do a/r/cógrafo no seu trabalho.
Esta etapa baseia­se nos mesmos processos anteriormente ativos, mas agora
complementados por apresentações públicas e recolha de feedback do público,
sendo estes dois os mais relevantes desta etapa.
O feedback sobre a obra de arte pode ser essencialmente recolhido por três
métodos:
1. através da inclusão de mecanismos (programação e / ou sensores) no pró­
prio artefacto, visando registar fatores como a captura de atenção, número
de interações, tempo gasto com o artefacto por utilizador ou por sessão;
2. por sondagem e análise estatística, e
3. por entrevistas semiestruturadas com membros da audiência.

Assim que o feedback do público seja recolhido e analisado, poder­se­ão de­


finir e implementar eventuais alterações no artefacto e realizar um novo ciclo de
exposição/recolha.
1. Investigação
2. Experimentação
3. Reverberação
4. Apresentação pública
5. Feedback do público
6. Filtragem

O teste também pode ocorrer online, através de redes sociais, uma vez que
os a/r/cógrafos decidam exibir os respetivos artefactos para amigos e seguidores,
envolver­se em discussões e debates ou simplesmente auscultar as reações online
de um público relativamente restrito, embora geograficamente alargado. Assim
que o a/r/cógrafo se sinta suficientemente confiante com o seu protótipo, estará
preparado para passar para a próxima etapa: a intervenção.

Intervenção
Esta é uma etapa­objetivo num projeto a/r/cográfico, pois marca a exibição
e a comunicação públicas e formais do projeto. Mas pode não ser um estágio final,
já que o desenvolvimento contínuo do projeto pode fazer com que o a/r/cógrafo
revisite estágios anteriores e decida implementar e incorporar mudanças, para
PEDRO ALVES DA VEIGA

atingir um novo estágio de intervenção posterior e distinto (uma futura exposição,


um novo artigo, por exemplo), o que não só é expectável como natural, numa me­
todologia generativa como a a/r/cografia.
Esta etapa compreende três subprocessos, relacionados a cada função do
a/r/cógrafo, e dois processos herdados de etapas anteriores:
106 1. Exposição
2. Catalogação
3. Comunicação
4. Feedback do público
5. Filtragem

Como esperado, cada um dos três primeiros subprocessos está relacionado


com uma das principais áreas da a/r/cografia: o artista prepara e planeia a expo­
sição da obra de arte; o investigador organiza e classifica os media, reúne a biblio­
grafia e (auto) produz documentação escrita de suporte – meta­dados, artigos,
capítulos, livros – para uso posterior; e o comunicador prepara e entrega a apre­
sentação das conclusões e descobertas do projeto em formato escrito ou apre­
sentações orais e multimédia em seminários, conferências, palestras, vídeos
documentais, apenas para referir alguns dos mais comuns. Mas em todas essas
atividades o a/r/cógrafo ainda estará disposto a recolher e analisar o feedback do
público e a incorporá­lo no projeto, pelo que cada nova intervenção possa resultar
numa obra/projeto mais refinado.
Um projeto a/r/cográfico pode, assim, resultar em várias exposições indivi­
duais ou coletivas, livros, apresentações em seminários e na classificação e orga­
nização de arquivos de média, artigos científicos e protótipos de artefactos, para
que possam ser facilmente recuperados e reutilizados. Os elementos que consti­
tuem o projeto podem ser o resultado de iterações independentes, ou seja, inter­
venções distintas.
A palavra intervenção não é inocente, e está intimamente ligada ao impacto
que os a/r/cógrafos pretendem causar, ao entregar ao mundo os resultados do
seu trabalho – artefactos, documentação escrita, média, informação catalogada
e exposições. Desta forma pode afirmar­se que a intervenção constitui a tese do
projeto a/r/cográfico, pois valida a hipótese, ou seja, a intenção, e utiliza o espaço
tridimensional desenvolvido sobre os eixos da Estética, Aptidão e Função, que se
apresenta de seguida.

ESPAÇO ARTÍSTICO
A formulação da intenção e a análise da intervenção contemplam o desen­
volvimento de determinadas ações e impactos, e é importante poder planeá­los
e avaliá­los de forma qualitativa, mas objetiva.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Não há ideia, por mais antiga e absurda que seja, que não seja capaz
de melhorar/aumentar o nosso conhecimento. Toda a história do
pensamento é absorvida pela ciência e é usada para melhorar todas
as teorias. Nem a interferência política é rejeitada. Pode ser neces­
sário superar o chauvinismo da ciência que resiste a alternativas ao
status quo. (Feyerabend, 1975: 57).
107

Já se observou que, por exemplo, a estética do feio ou do grotesco demonstrou


que a (quiçá controversa) afirmação supra implica alguma verdade. Há um senti­
mento generalizado e contemporâneo de que tudo é possível e tudo é admissível,
especialmente no mundo da arte, devido a uma cultura que estimula a liberdade
de expressão individual. No entanto, uma grande quantidade dessa expressão indi­
vidual que é mostrada e partilhada online, especialmente através das redes sociais,
parece paradoxalmente carente de individualidade e obedece a uma certa norma
de arte desfuncionalizada ou cujo propósito é meramente o de entreter ou decorar.
Um dos desafios da a/r/cografia reside, portanto, em permitir que os seus
praticantes possam autoavaliar as intenções no seu trabalho, diferenciando­o e
inscrevendo­o como relevante na produção de conhecimento.
Para este efeito, o autor postula um modelo tridimensional de um espaço de
intenção/intervenção, apresentado na figura 19, fluindo ao longo de três eixos
principais:
1. Estética – cujos impactos variam desde a apatia ou indiferença até à paixão
­ que inclui quer uma forte e apaixonada aceitação, quer uma rejeição com­
prometida e visceral. Porquê esta escolha e não usar rejeição forte e acei­
tação apaixonada como limites alternativos, em sua substituição? Porque
os artistas podem procurar causar a rejeição intencional e deliberada, até
mesmo a repulsa, como parte da sua declaração de intenções. Se os artis­
tas conseguem criar uma resposta apaixonada no público, seja uma res­
posta planeada de rejeição ou aceitação, então isso é uma conquista, por
comparação com a total apatia.
2. Aptidão – no que se refere às capacidades artística, técnica e de investiga­
ção, variando desde a inépcia até à mestria. É importante que o a/r/cógrafo
ofereça as suas melhores capacidades para o projeto (seu ou da sua
equipa), e garanta, assim, que a sua intenção possa ser cabalmente imple­
mentada. Em resumo, o a/r/cógrafo tem de estar apto a executar da me­
lhor forma a sua intenção.
3. Função – que varia entre um apoio ao status quo, mesmo que implícito,
nada desafiando, ou produzindo mais do mesmo e, no extremo oposto, a
sua ruptura através do desafio e da inovação. Ao eliminar a função da prá­
tica artística ou, por outras palavras, ao estetizar a arte, está­se a promover
«a anulação violenta da sua aplicabilidade e eficiência práticas» (Groys,
2014), e portanto este eixo lida com um dos aspetos mais significativos da
produção artística na atualidade.
PEDRO ALVES DA VEIGA

108

Figura 19: O espaço tridimensional a/r/cográfico da intenção / intervenção e seus eixos.


Fonte: autor.

Consideremos agora o ponto central, na interseção destes eixos no espaço


tridimensional, que iremos designar por ponto OK. Um posicionamento negativo
em todos os eixos, abaixo do ponto OK, representa um forte sinal de alerta para
o a/r/cógrafo, pois indica conformidade (ausência de inovação), apatia (falta de
apelo estético) e inépcia (falta de capacidade de execução).
Quando todos os valores são positivos, acima do ponto OK, o projeto estará
na zona verde, considerado ideal em termos de sua intervenção a/r/cográfica, uma
vez que o seu autor terá criado uma obra hábil, que desafia o meio em que se insere
(estético, tecnológico, social, económico, político, histórico, ambiental ou geográ­
fico) de forma inovadora e apaixonada, através da prática artística, investigação e
comunicação. As zonas vermelha e verde estão assinaladas na figura 20.
As combinações de valores positivos e negativos nos diferentes eixos, distri­
buídos ao longo dos quadrantes restantes, poderão eventualmente ser aceitáveis.

Figura 20: A zona vermelha, do conformidade, inépcia e indiferença, e a zona verde, do desafio,
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

mestria e paixão. Fonte: autor.


Poderão surgir ainda situações curiosas neste modelo, nomeadamente
quando o artista entende criar um projeto aparentemente conformista, mas com
o propósito de desafiar o status quo. Neste caso estaríamos perante uma descon­
tinuidade do espaço, um espécie de wormhole que une aqueles dois pontos afas­
tados, o que é teoricamente admissível e aceitável. 109

CONCLUSÃO
Uma primeira conclusão é que a/r/cografia estimula a investigação e a prática
artística através de uma rede não­linear, sistémica, interdisciplinar ou até trans­
disciplinar de conhecimento, não apenas por causa da multiplicidade dos papéis
tipicamente encontrados nos projetos de arte digital (por exemplo: engenheiro,
artesão, cientista), mas especialmente devido à natureza da investigação que ela
implica, e como a exposição e a comunicação também afetam essa investigação.
Esta rede comporta­se como um rizoma, onde várias ligações se estabelecem a
cada momento; onde origem, fim, hierarquia e organização linear podem ser subs­
tituídas por um jogo de interdependências, conforme ilustrado na figura 21.
Todos os fluxos no diagrama são bidirecionais, exceto os dois fluxos de saída
(lixo e inspiração para outros projetos). Como até mesmo o suposto ponto de ori­
gem (inspiração) pode derivar de outro projeto, ocorrerão inevitavelmente várias
influências mútuas entre projetos aparentemente independentes, especialmente
quando existirem autores comuns.
A segunda conclusão importante é a de que o registo e catalogação apropria­
dos dos processos e fluxos de pesquisa, criação e comunicação, com toda a sua
informação contextual, é tão importante como o das próprias obras de arte, arti­
gos, capítulos e livros, pois todos são considerados objetos de trabalho/criação.
Desta forma o autor propõe que a a/r/cografia é uma metodologia adequada
para o atingimento dos seguintes objetivos:
1. Considerar as obras de arte, a prática artística e a pesquisa como ferra­
mentas funcionais de comunicação e intervenção.
2. Desenvolver métodos adequados para modelar, prototipar, avaliar, exibir,
apresentar, discutir e divulgar obras de MAD, bem como a investigação e
a comunicação a elas associadas e sobre elas desenvolvidas.
3. Compreender as ligações interdisciplinares da MAD aos seus contextos in­
dividuais, sociais, históricos, educacionais, políticos, económicos, tecnoló­
gicos e culturais.
4. Trabalhar dentro do potencial inter­ e transdisciplinar da média­arte digital
nos seus contextos, a fim de promover e fomentar intervenções artísticas
relevantes e impactantes.
5. Criar conhecimento que possa ser útil na prática a/r/cográfica atual e fu­
tura, tanto pelos respectivos autores como por terceiros.
PEDRO ALVES DA VEIGA

6. (Auto)Questionar constantemente o papel do a/r/cógrafo no ecossistema


das artes, visando a sua crescente adaptação e relevância.

A a/r/cografia apresenta­se assim como uma expansão válida da a/r/tografia,


consistindo numa metodologia de investigação criativa particularmente direcio­
110 nada para a média­arte digital. Ela desenvolve­se sobre um sistema de comunica­
ção aberto e interativo com características dinâmicas que permitem ao praticante
articular relações entre disciplinas, por meio de contextos, narrativas, memórias,
diálogos, reuniões e grupos, e desenvolver uma comunicação adequada.

Figura 21: Um ramo do rizoma da a/r/cografia. Fonte: autor.


III PARTE – EXPOSIÇÃO
PREÂMBULO
A relação entre artista, ferramenta, conteúdo e audiência é fulcral na cultura
digital, em que os papéis se tornam intermutáveis. As ferramentas de criação e
divulgação são as mesmas que condicionam e confundem: qualquer indivíduo
pode ser criador, audiência, produto consumido, ou todos simultaneamente. O 113
digital tornou­se instrumento, material e meio, assegurando a reprodução sem
custo e a distribuição instantânea.
A indústria de software e, posteriormente, a do entretenimento, cientes
deste facto, tecnicamente deixaram de vender produtos, passando a vender licen­
ças com caducidade determinada, válidas apenas em determinados territórios,
conseguindo, assim, limitar o seu uso temporal e geográfico.

Figura 22: Acesso, utilização e criação ­ os três passos subjacentes à produção artística. Fonte: Autor.

De um cenário onde se distinguiam três passos subjacentes à produção ar­


tística (figura 22) – o acesso (a possibilidade de adquirir, de estar na posse das fer­
ramentas), a utilização (a capacidade de utilizar as ferramentas, básica ou
sofisticada) e a criação (a utilização das ferramentas de forma qualitativa, relevante
e impactante,) – o processo criativo atual corre o risco de abolir o último passo,
centrando­se no acesso e utilização, sobrepondo­se o conceito de utilização ao de
criação, e aí se detendo (Veiga, 2016).
A maior parte do software, sobretudo o que está disponível nos dispositivos
móveis, funciona como uma caixa­negra (blackbox), que recebe inputs pré­forma­
tados e produz conteúdos – ou até mesmo os distribui pelas principais redes so­
ciais – destinados a uma audiência que lhes dedica cada vez menos atenção e
avaliação crítica. A falta de liberdade e a ausência de ligação direta entre os dois
extremos desta cadeia determina o seu controle – e o da sua utilização – pela in­
dústria da cultura (Mansoux & de Valk, 2008).
Esta situação tem vindo a ser contrariada pela criação de modelos abertos,
em que artistas e audiências recusam papéis passivos, e passam a utilizar as suas
PEDRO ALVES DA VEIGA

próprias ferramentas para dissecar, modificar, hackear e partilhar as criações –


dentro da legalidade desejável. Estes modelos têm por base a utilização de
FLOSS123 e copyleft, e constituem parte da filosofia Free Software Art (FLOSS+Art),
dirigida particularmente ao universo da MAD, advogando a livre integração, reu­
tilização e circulação para a criação de novas obras, definições e pensamento.
114 A MAD vê­se assim, também, implicada diretamente – pela sua própria na­
tureza – no debate sobre a comunicação, o direito autoral, a propriedade, a so­
ciedade e a economia.

123
Free Libre Open Source Software.
PROPAGANDA, CAIXAS­NEGRAS E SOBREPOSIÇÃO COGNITIVA
A segunda Guerra Mundial marcou indubitavelmente a utilização assumida
dos media pelos Estados, enquanto ferramenta de formação de percepção e opi­
nião públicas. Uma das figuras de referência no campo da comunicação (sem que
esta referência implique qualquer outro tipo de apreço) foi Joseph Goebbels, o 115
principal responsável pela retórica e propaganda do regime nazi, e objectivamente
considerado como um mestre na sua arte, provavelmente inspirando muita da co­
municação política que ainda hoje – ou talvez cada vez mais – se faz no mundo.
No seu discurso em Nuremberga, Goebbels (1934) apresentou os fundamentos
da propaganda, termo instituído pela Igreja Católica séculos antes (Huskinson,
1982), para designar a propagação da fé pelos não­cristãos. Desses fundamentos,
destacam­se as seguintes passagens124:

A propaganda política em princípio é ativa e revolucionária. Dirige­


se às amplas massas. Fala a linguagem do povo porque quer ser com­
preendida pelo povo. A sua tarefa é a mais elevada forma de arte de
transformar eventos e factos complicados de uma forma simples para
poderem ser compreendidos pelo povo nas ruas. [...] A propaganda
é um meio para um fim. O seu objectivo é conduzir o povo a um en­
tendimento que lhe permita de vontade própria e sem resistência
dedicar­se às tarefas e objectivos de uma liderança superior. [...] A
propaganda não é boa ou má. O seu valor moral é determinado pelo
objectivo a que se propõe. [...] A propaganda deve ser criativa. Não
deve ser entregue a burocratas ou administrativos, porque é um
tema de produção e fantasia. O genuíno propagandista deve ser um
verdadeiro artista. [...] A propaganda deve ser a ciência da alma do
povo. Requer um sistema organizado e objectivo se deseja ter su­
cesso. [...] O propagandista eficaz deve ser um mestre na arte do dis­
curso, da escrita, do jornalismo, do poster e do folheto. Deve ter a
habilidade de usar os maiores media para influenciar a opinião pú­
blica, como a imprensa, o cinema e a rádio, para servir os seus ideais
e objectivos. (Goebbels, 1934)

E também o princípio que norteou toda a sua ação de propaganda durante a


Guerra:

A boa propaganda não precisa de mentir, na verdade, não pode men­


tir. Não tem razão para ter medo da verdade. É um erro pensar que
as pessoas não aguentam a verdade. Elas aguentam. É apenas ques­
tão de apresentar a verdade às pessoas de uma forma que elas a
compreendam. (Goebbels, 1934)

124
Traduzidas pelo autor a partir do inglês, disponível em https://research.calvin.edu/german­propa­
ganda­archive/goeb59.htm [2020/06/20]
PEDRO ALVES DA VEIGA

A propaganda alemã foi considerada pelos Aliados um perigo para a opinião


pública, e por isso Goebbels era apresentado como um mestre da mentira. Mas
ao nível das cúpulas políticas e militares, os relatos alemães do campo de batalha
eram tidos como sintéticos e acertados (NSA, 1950).
Um dos exemplos mais polémicos foi o massacre de Katyn125, em que os ser­
116
viços secretos soviéticos dizimaram a elite dos oficiais polacos, enterrando os ca­
dáveres numa vala comum, perto da localidade de Katyn. Os alemães descobriram
essa sepultura e divulgaram o seu achado, com o intuito de semear a desconfiança
relativamente aos soviéticos, tendo convidado representantes dos Aliados para
examinar a vala comum.
Num momento em que os Aliados procuravam unir­se à União Soviética para
derrotar a Alemanha, a responsabilidade soviética acabou por ser ocultada da opi­
nião pública americana pela administração Roosevelt, e na Europa os Aliados de­
cidiram atribuir a autoria do crime à própria Alemanha. Os media americanos
fizeram eco deste ponto de vista e o The New York Times, entre outros, responsa­
bilizou os alemães pelo massacre126.
Só em 1990, com a abertura dos arquivos da polícia secreta soviética, ficou
provado, sem margem para dúvidas, que se tratou de facto de um ato da sua res­
ponsabilidade127. Assistimos, assim, ao emergir da manipulação da opinião pública
através dos media, ao serviço de uma causa maior, não se relacionando necessa­
riamente com a transmissão da notícia enquanto verdade, mas sim daquilo que
os propagandistas entendem ser necessário – tal como Goebbels havia enunciado.
Trata­se, pois, de uma sobreposição cognitiva, permitida e facilitada pelo fun­
cionamento dos media como uma caixa­negra, que recebe inputs (factos) e produz
outputs (notícias), sem que se vislumbre o seu funcionamento interno e não se
consiga determinar em primeira mão e com clareza a real relação entre input e
output. O funcionamento destas caixas­negras é sofisticado, admitindo falácias ló­
gicas, mas nunca falsidades óbvias.
Segundo o modelo da propaganda de Herman e Chomsky (Herman &
Chomsky, 1988), o século 20 caracteriza­se por três desenvolvimentos de grande
importância política:
1. o crescimento da democracia,
2. o crescimento do poder corporativo e
3. o crescimento da propaganda corporativa como meio de proteger o poder
corporativo contra a democracia.
125
https://en.wikipedia.org/wiki/Katyn_massacre [2020/06/20]
126
https://www.nytimes.com/1945/10/19/archives/germans­indicted­in­massacre­of­11000­poles­
in­katyn­forest­with.html [2020/06/20]
127
https://www.nytimes.com/1990/04/14/world/upheaval­in­the­east­gorbachev­hands­over­katyn­
papers.html [2020/06/20]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Este tipo de utilização dos media enquanto propaganda (ao serviço da política
e do poder) abre campo para a sua utilização ao serviço de qualquer causa, seja
ela cultural, artística, ideológica ou consumista.
A fina linha entre propaganda e publicidade esbate­se nos anos seguintes, já
que existe todo um racional por detrás de qualquer campanha, um objectivo claro
e firme em mente, servido pelos meios e métodos para o atingir. «A publicidade 117
pode apropriar­se não apenas de áreas reais de espaço e tempo e atribuir­lhes
um falso conteúdo, mas também necessidade e desejos reais das pessoas, conce­
dendo­lhes uma falsa satisfação» (Williamson, 1978, p. 169).
Tal como definido por Goebbels, a propaganda não é boa ou má: o seu valor é
determinado pelo objectivo a que se propõe. Por outras palavras, os fins justificam
os meios. Esta artificialização da realidade é já notada em 1939 por Greenberg, que
alertava para a oposição entre vanguarda e kitsch, personificando tudo o que foi ar­
tificialmente produzido pela industrialização. Para Greenberg os media são um pro­
duto direto do capitalismo, indústrias movidas apenas pelo lucro, e a cultura
mecânica que difundem pretende ser mais do que na realidade é (Greenberg, 1939).
Por exemplo, durante as décadas de 30 e 40, a indústria da publicidade adop­
tou muitas das referências visuais do surrealismo, como exemplificado na figura
23, mas isso não significa que as imagens publicitárias de então sejam realmente
surreais, uma vez que transmitem estilo sem substância.
De um lado está a criatividade vanguardista, do outro o mercado que impul­
siona as modas, através da apropriação de clichés e da inovação estilística super­
ficial, e as usa para reivindicar um estatuto privilegiado para essas formas quando,
na verdade, elas são apenas produtos da nova cultura de consumo.

Figura 23: Anúncio surrealista a camisas.


Fonte: Arquivo Ephemera, de José Pacheco Pereira.
PEDRO ALVES DA VEIGA

O sistema de negócio dos media globais é radical, no sentido em que não


respeita tradições ou costumes, caso estes interfiram com o lucro. Mas é também
politicamente conservador, porque os gigantes dos media são beneficiários signi­
ficativos da estrutura global social vigente, e qualquer alteração nas relações so­
ciais ou de propriedade – especialmente se elas interferem com o poder do
118 negócio – não é do seu interesse (McChesney, 1999).
Uma das formas de minorar as interferências com o poder corporativo é am­
pliar o próprio poder, e isso consegue­se através da concentração. Nos anos 80
existiam cerca de 50 corporações que dominavam os media nos Estados Unidos.
Esse número baixou para seis em 2011128, e muitas delas passaram, entretanto, a
operar à escala global.
Mas como os media dependiam de conteúdos gerados por terceiros, ou seja,
dos eventos que noticiavam, na prática não detinham poder direto sobre esses
mesmos conteúdos – e aqui residiu o ponto de viragem.
Uma parte considerável do que hoje se vê, lê e ouve é gerada pelos próprios
media, desde a imprensa/televisão cor­de­rosa que fabrica estrelas­sociais até ao
direto, que catapulta para o estatuto de notícia algo que é criado por entidades
conexas aos próprios media – festivais e prémios de cinema, televisão, música ou
figuras do ano; concursos de realidade; debates políticos, desportivos e culturais;
programas e colunas de opinião; a elevação dos próprios funcionários, apresen­
tadores ou colunistas ao estatuto de estrela; e todo o feedback mediático por eles
gerado, como as entrevistas aos entrevistadores, entre outros.
Definamos, então, o poder social dos media como o resultado da organização
dos recursos duma sociedade, por forma a granjear aos media o poder de nego­
ciação independente sobre – e contra – os outros setores­chave: Estados, corpo­
rações, elites políticas e culturais, entre outros.
Esta vertente de crescente poder sobre o que é efectivamente produzido e
comunicado, é o que atualmente mais contribui para o real poder social dos media
e para a sua transformação numa caixa­negra, cujos meandros permanecem ocul­
tos para o público.
E é na época da concentração de poder dos media que assistimos a um con­
tra­fenómeno de capilarização, em linha com o que já vem sendo verificado no
mundo da criatividade e da arte, promovido pela democratização do acesso às
ferramentas de comunicação digital e motivado pelo alcance que as caixas­negras
asseguram: o da sua utilização ao serviço de um número crescente de indivíduos
e grupos formais e informais, assente sobre as redes sociais. Frequentemente
apresentado como «determinismo tecnológico» ou «determinismo corporativo»,
este fenómeno assume a tecnologia enquanto o principal motor de mudança so­
128
https://www.businessinsider.com/these­6­corporations­control­90­of­the­media­in­america­2012­
6 [2020/06/20]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

cial, substituindo no poder as corporações de media pelas corporações tecnoló­


gicas, como Google, Apple, Facebook e Amazon (Natale, Bory, & Balbi, 2019).
Ao obscurecer o funcionamento interno, as caixas­negras tecnológicas pro­
porcionam um campo fértil para a disseminação de várias falácias lógicas, sobre­
tudo direcionadas às massas menos habituadas ao raciocínio lógico­dedutivo e,
consequentemente, menos preparadas para as detetar. A lista é extensa – Bennett 119
(2017) propõe mais de 300 – e inclui falácias de dispersão (ex.: falsos dilemas, ar­
gumentum ad ignorantiam, questões múltiplas interligadas), apelo à motivação
ou emoção, e não à razão (ex.: argumentum ad baculum, argumentum ad miser­
cordiam, argumentum ad consequentiam, argumentum ad populum), alvo errado
(ex.: argumentum ad hominem, argumentum ad verecundiam, autoridade anó­
nima, estilo sem substância, petitio principii, ignoratio elenchi), falácias indutivas
(ex.: generalização precipitada, amostra limitada, falsa analogia, indução pregui­
çosa, omissão de dados), falácias causais (ex.: post hoc ergo propter hoc, efeito
conjunto, causa genuína mas insignificante, causa complexa), falácias de ambigui­
dade (ex.: equívoco, anfibologia, ênfase), non sequitur (ex.: afirmação da conse­
quente, negação da antecedente, inconsistência, explicação, irrefutabilidade, ad
hoc, superficialidade), entre outras (Bennett, 2017). A extensão e variedade deste
tipo de falácias é utilizada não só na oratória populista, mas frequentemente por
via de caixas­negras em múltiplas áreas da sociedade, da política à arte.
Por exemplo, o mercado da arte promove como vanguarda os artistas que
comoditizou, superlativando arbitrariamente o valor das suas obras de arte, em
função da posse das mesmas por determinados agentes do sistema – e ignorando
tudo o mais que se desenvolve e cria fora da sua esfera de influência.
A falta de transparência nestes processos motiva a sua designação por black­
boxing, definido por Latour como o processo de tornar o trabalho científico e téc­
nico invisível através do seu próprio sucesso (Latour, 1999). Em suma, se o modelo
funciona, ocultem­se as suas engrenagens internas para que ele não possa ser dis­
putado e questionado. Se, por um lado, é fácil, elegante e atraente usar caixas­
negras para ocultar funcionalidades complexas, propósitos e limitações, por outro
elas representam um tipo de conhecimento sem conhecer, já amplamente disse­
cado por Stiegler (2010).
A possibilidade de se utilizar um determinado tipo de ferramenta, sabendo
qual o seu input e output, mas desconhecendo (e não questionando) o seu fun­
cionamento interno, está por detrás de muitos dos processos de codificação de
dados através de dispositivos e aplicativos móveis nos nossos dias, ultrapassando
já a simples disseminação de informação. As caixas­negras permitem que os indi­
víduos apreendam, consumam, capturem, gerem, transmitam, dupliquem, repro­
duzam, manipulem, armazenem e recuperem informações multissensoriais
codificadas digitalmente. A coberto da aparente neutralidade e apelo da tecnolo­
gia, as caixas­negras podem introduzir enviesamentos invisíveis no seu funciona­
mento, e se alguns parecem ser favoráveis (vejam­se os filtros de suavização de
PEDRO ALVES DA VEIGA

pele e aclaramento dos olhos incluídos na maior parte das câmaras digitais atuais,
que resultam em retratos mais polidos e, supostamente, apelativos, embora
menos fidedignos), outros podem implicar ameaças à segurança e privacidade129.
Recentemente um grupo de académicos da Universidade de Harrisburg de­
senvolveram um software de reconhecimento facial automatizado, alegadamente
120 capaz de prever as probabilidades de alguém vir a cometer um crime. Não é ficção,
apesar de remeter o imaginário coletivo para o filme Minority Report130. O anúncio
da sua aceitação para publicação foi recebido com elevada contestação, mere­
cendo uma carta aberta de repúdio, assinada por vários cientistas sob a designa­
ção de Coalition for Critical Technology (CCT) – incluindo o autor do presente texto
– e suportada nos seguintes argumentos:

Esta publicação merece uma resposta coletiva porque é representa­


tiva de um corpo maior de pesquisa computacional que afirma iden­
tificar ou prever «criminalidade» usando dados legais e/ou
biométricos. Tais alegações são baseadas em premissas científicas,
investigação e métodos falaciosos, que numerosos estudos nas nos­
sas respetivas áreas académicas foram expondo ao longo dos anos.
No entanto, essas alegações, embora desacreditadas, continuam a
ressurgir, muitas vezes sob o verniz de novos métodos estatísticos su­
postamente neutros, como machine learning, o principal método da
publicação em questão. [...] Parte do apelo das técnicas de machine
learning deve­se à sua alta maleabilidade ­ correlações úteis para pre­
visão ou deteção podem ser racionalizadas com qualquer número de
mecanismos causais plausíveis. No entanto, a forma como estes es­
tudos são representados e interpretados é profundamente moldada
pela economia política da ciência de dados e pelos seus contextos de
uso. Os programas de machine learning não são neutros; os conjun­
tos de dados e as intenções da investigação frequentemente herdam
crenças culturais dominantes sobre o mundo, que refletem os incen­
tivos e perspetivas daqueles que estão na posição privilegiada de de­
senvolver modelos de machine learning e os dados dos quais eles
dependem. A aceitação acrítica de hipóteses inevitavelmente conduz
a um design discriminatório em sistemas algorítmicos, reproduzindo
ideias que normalizam hierarquias sociais e legitimam a violência
contra grupos marginalizados. Este tipo de investigação não requer
malícia intencional ou preconceito racial por parte do investigador.
Pelo contrário, é o subproduto esperado de qualquer campo que ava­
lie a qualidade da sua investigação quase exclusivamente com base
no «desempenho preditivo». (CCT, 2020)

129
https://www.nytimes.com/2020/01/08/technology/tiktok­security­flaws.html [2020/06/20]
130
https://www.imdb.com/title/tt0181689/ [2020/06/20]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

A crença de que a criatividade e a expressão individuais são ilimitadas, em­


bora ao mesmo tempo dependa do uso destas caixas­negras, recheadas de ma­
chine learning e inteligência artificial é generalizada e fomentada.
O Adobe Photoshop é um exemplo apogístico de uma caixa­preta, sendo o
termo «photoshop» e seus derivativos usados livremente para designar uma al­
teração de uma imagem fotográfica, mesmo que as operações de baixo nível, exe­ 121
cutadas sobre os pixéis individuais, permaneçam um mistério para a maioria dos
seus utilizadores.
O campo da arte digital é, aliás, um bom exemplo pela notável e globalmente
disseminada utilização do blackboxing. Roger (1997) propôs o conceito de artiali­
zação131 in visu, que designa o processo de elevação da paisagem ao estatuto de
obra de arte, mas no presente texto propõe­se a sua generalização a todas as re­
presentações e apreciações visuais, culminando no que se poderia designar pela
artialização do mundano (Whitfield & Destefani, 2011).
A identidade convencional do artista, como alguém que desenvolve projetos
ou obras que se destinam a uma audiência meramente recetiva (ou seja, não cria­
tiva) é desafiada por gerações de indivíduos ativamente ocupados a usar caixas­
negras, para gerarem os seus próprios conteúdos artializados para exibição
pública. O poder do like nas redes sociais pressiona­os para se tornarem notados,
ansiando por comentários e expressões de agrado (Rosen, 2012). Centenas de mi­
lhões de conteúdos multimédia artializados podem ser encontrados, por exemplo,
nas redes YouTube, Instagram, Tumblr, Twitter, Flickr ou Soundcloud132. Mas...
serão arte?

Já não posso pensar o que quero pensar. Os meus pensamentos


foram substituídos por imagens em movimento. [...] E esta música?
Ouve­se sem escutar. [...] É música falsa. Música de conserva. Ela sai
do matadouro da música como as salsichas do pequeno­almoço
saíam do matadouro de porcos. [...] É música em caixas de conserva.
(Duhamel, 1934:24­29).

Mas, mais do que fazer­nos duvidar da integridade dos seus outputs, a utili­
zação das caixas­negras causa impactos pronunciados na auto­conceção humana,
nas interações mútuas entre indivíduos, no conceito metafísico de realidade e nas
formas de relacionamento com ela.
Cabe também aos artistas de MAD apoiar ou contrariar essa ação, usando as
mesmas ferramentas que a facilitam e propagam: as ferramentas digitais de co­
municação, que se comportam como caixas­negras. «Quando muitos elementos
são utilizados para agir como um, isto é o que chamarei de caixa­preta» (Latour,
1988, p. 131). Introduzimos A na caixa­preta sabendo que iremos obter B com o
131
Artialisation, no original em francês.
132
https://www.statista.com/ [2020/06/20]
PEDRO ALVES DA VEIGA

resultado, mas desconhecendo o que sucede no seu interior. Estas ferramentas


estão a ser utilizadas para tornar comum a ideia de sobreposição cognitiva, que
não é mais do que atribuir novos significados a conceitos e palavras já existentes,
confundindo­os. O processo é simples: parte­se de conceitos geralmente positivos
ou atraentes, e em seguida adapta­se o seu significado para designar algo subs­
122 tancialmente diferente, mas que se deseja venha a ser bem (ou mal) aceite. Pala­
vras como cookie, friend, like, tag, entre tantas outras, tiveram o seu significado
original sobreposto, redefinido para o mundo digital. Este fenómeno de sobrepo­
sição cognitiva é usado, por exemplo, na oratória política norte­americana, onde
«o vírus chinês»133 designa o SARS­CoV­2, visando atribuir, por proximidade, uma
conotação negativa a todas as utilizações subsequentes do termo «chinês», pro­
curando simultaneamente contribuir para a outrofobia e isentar o governo local
de responsabilidades .
O processo de sobrepor cognitivamente a virtualidade e a materialidade –
ou o humano, a máquina e a natureza (Floridi, 2015) – é semelhante, em funcio­
namento, à sobreposição cognitiva entre a autenticidade e a falsidade, e pode as­
sumir­se como um herdeiro direto da propaganda de Goebbels, visando uma
aceitação sem questionamentos, sem análise crítica, posicionando­se – para além
do bom ou do mau – como necessário.
Estas são as características principais de uma nova forma política e global de
manipulação da informação, populista por natureza, já plenamente instalada na
sociedade. Boyd afirma que os media são por ela formatados, enquanto grupos
descentralizados, cujos responsáveis permanecem ocultos, se aproveitam das
novas ferramentas e redes digitais para hackear a economia da atenção (Boyd,
2017).

133
https://theconversation.com/donald­trumps­chinese­virus­the­politics­of­naming­136796
[2020/06/20]
O CONTROLO DA ATENÇÃO
Todos os criadores de conteúdos devem agora disputar a atenção, num uni­
verso online saturado de informação digital, maioritariamente produzida por uti­
lizadores individuais, que já ultrapassaram largamente as organizações em termos
de capacidade geradora desses mesmos conteúdos e informação. Os dispositivos 123
móveis são atualmente responsáveis por mais da metade do tráfego da Internet134,
que é gerado através de aplicações blackboxed, em detrimento dos navegadores
convencionais. Cada uma dessas caixas­negras traz a sua bateria de notificações
e solicitações de atenção, transformando a experiência de utilização numa passa­
gem constante de aplicação em aplicação, de caixa­negra em caixa­negra.
A concentração e a distração formam polos opostos, e essa oposição é mais
acentuada na arte: um observador concentrado em frente a uma obra é absorvido
por ela. Por contraste, as massas distraídas/abstraídas absorvem a obra. Quanto
maior o declínio do significado social de uma forma de arte, maior o fosso entre
uma atitude crítica e o entretenimento, o meramente lúdico, por parte do público.
O habitual, o costumeiro, o familiar tende a ser usufruído de forma acrítica e ape­
nas o outro, o estranho, o incompreendido é criticado com veemência. Dar corpo
a esse outro é um exercício comum na política populista do nosso tempo, frequen­
temente transferindo para esse estranho, por flagrantes atividades de sobreposi­
ção cognitiva, as causas dos males da sociedade.
A forma como a atenção individual pode ser manipulada já tinha sido referida
por Münsterberg (1894), embora num contexto abrangente de estudos de psico­
logia, e de então para cá foi analisada também por vários outros autores (por
exemplo: Kahneman, 1973; Wickens, 1984; Tipper et al., 1989; Lang, 1995; Pashler,
2016), incluindo Guattari (1989), que defende que a atenção dos indivíduos é cap­
turada pelo seu ambiente, por ideias, gostos, modelos, formas de ser, e que as
imagens lhes são constantemente injetadas, até mesmo pelos refrões que se in­
sinuam e se instalam nas suas cabeças. Mais tarde, Guattari exemplifica esta divi­
são de atenção:

Quando vejo televisão, existo no cruzamento: (1) de um fascínio per­


cetivo provocado pela animação luminosa do ecrã, na fronteira com
o hipnótico; (2) de uma relação cativa com o conteúdo narrativo do
programa, associado a uma perceção lateral dos eventos circundan­
tes (água a ferver no fogão, choro de criança, telefone...); (3) de um
mundo de fantasmas que ocupam os meus devaneios. O meu senti­
mento de identidade pessoal é, portanto, puxado em direções dife­
rentes. Como posso manter um sentido relativo da unicidade, apesar
da diversidade de componentes de subjetivação que passam por
mim? (Guattari, 1995: 16)

134
http://ec.europa.eu/eurostat/cache/infographs/ict/bloc­1a.html [2020/06/06]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Numa análise mais recente, as formas de governar a captação da atenção


estão ligadas ao que Kelly (2008) designa por características generativas, de valor
intangível, e geradoras de atenção. Estas características generativas são qualidades
ou atributos que devem ser cultivados, nutridos, e não podem ser copiados, clo­
nados, falsificados, replicados ou reproduzidos.
124 São gerados exclusivamente, num lugar e tempo. No campo do digital, de
crucial relevância para a MAD, Kelly entende que as qualidades generativas agre­
gam valor a coisas/experiências frequentemente gratuitas e, portanto, transfor­
mam­nas em algo que pode ser vendido. Para ele, os valores generativos da
atenção são:
• Imediatismo / aqui e agora.
• Personalização / customização / exclusividade.
• Interpretação / tradução / simplificação.
• Autenticidade / realismo / unicidade.
• Disponibilidade / permanentemente acessível.
• Apropriação / utilização para outros contextos / remix.
• Patrocínio / valor baixo, direto ao artista / ligação e reconhecimento indi­
vidualizado.
• Potencial de descoberta / facilidade em ser encontrado.

O interesse pela desmaterialização das ofertas (económicas) reflete­se numa


quantidade crescente de teorias que afirmam a importância de encarar as relações
e trocas de forma diferente. Embora os nomes que os diferentes autores dão às
suas teorias variem – por exemplo, economia da atenção (Davenport & Beck,
2001), economia da experiência (Pine & Gilmore, 1999), economia da informação
(Porat, 1977), a era do acesso (Rifkin, 2001), a economia de suporte (Zuboff &
Maxim, 2002), a economia da emoção (Grindstaff & Murray, 2015), ou a economia
da mente (Wright & Aube, 1997) – todos parecem concordar com a necessidade
de levar em consideração os aspetos imateriais do consumo.
O principal motivo que é apresentado pelos autores para uma nova economia
é que, uma vez que muitas ofertas económicas são hoje em dia semelhantes em
características, qualidade e preço, a importância de outros aspetos diferenciado­
res, enquanto oportunidade de vantagem competitiva no mercado, aumenta. Bens
e serviços materiais continuarão a tornar­se cada vez mais abundantes, o que cau­
sará um padrão de redução de custos e comoditização (Pine & Gilmore, 1999).
A comoditização refere­se a uma situação em que os produtos se tornam tão
amplamente disponíveis e mutuamente intercambiáveis, que o público já não con­
segue distingui­los qualitativamente uns dos outros, e faz as suas escolhas ba­
seando­se apenas no preço. Pode parecer descabida esta definição, mas ela é tão
forte pelas implicações que encerra, que se torna necessário relê­la e compreen­
der as suas implicações na atualidade, sobretudo numa atualidade em que a arte
é exibida online e em eventos urbanos, onde se acumulam ofertas culturais, e nas
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

quais, frequentemente, não é cobrado acesso. Nesses casos existe o risco de o


valor percebido da arte, para o público, ser zero.
Segundo Crawford (2014) o debate sobre uma economia da informação de­
veria ser substituído por um debate sobre uma economia da atenção, se o termo
economia se aplica ao que é escasso e, portanto, valioso. A economia da atenção
sugere, então, que a nossa capacidade cognitiva é um recurso valioso mas limi­ 125
tado, e que devem ser tomadas decisões sobre a sua utilização, sendo que as más
decisões acarretam perdas.
Este fenómeno económico manifesta­se como uma crise de auto­proprie­
dade: a atenção do indivíduo não é sua pertença exclusiva para ele a poder dire­
cionar para onde quiser, e isso é motivo de frequentes reclamações. No entanto,
o indivíduo que reclama vai dar consigo próprio a verificar amiúde o seu e­mail,
em casa ou durante as férias, ou as mensagens e notificações a qualquer hora do
dia, e em qualquer situação. O ambiente tecnológico em mudança gera uma ne­
cessidade de estímulos cada vez maior, e o conteúdo dos estímulos quase se torna
irrelevante.
A atenção pode, no entanto, ser categorizada na sua orientação por objetivos
(ao serviço da vontade própria do indivíduo) ou por estímulos (independente da
vontade própria do indivíduo) (Crawford, 2014). Um artista que está focado no
seu trabalho, dedica­lhe a sua atenção executiva. Canaliza, portanto, a sua atenção
para um objetivo. Em contraste, se houver um estrondo repentino fora da sala em
que se encontra, a atenção é estimulada. Ele poderá sair para investigar o que se
passa, ou não, mas a reivindicação da atenção foi involuntária. A resposta exige
um esforço concertado de atenção executiva, se ele quiser resistir aos estímulos
externos, e a sua capacidade para tal resistência é finita.
Mesmo ao ar livre, a capacidade de apreciar a natureza é impactada pela me­
diação de smartphones, que incentivam o tratamento da experiência como uma
sequência de ações: captura, observação, publicação e arquivo/esquecimento.
A distração dos indivíduos parece indicar que são agnósticos sobre a questão
do que merece a sua atenção, sobre o que é, de facto, interessante. A distração
sistemática, enquanto resultado de um sobre­estímulo da atenção, pode ser con­
siderada como o equivalente mental da obesidade.
Em suma: o efeito duma economia de atenção na apreciação cognitiva, dado
que esta envolve a capacidade do observador processar a experiência, pode ser
entendido como a proporcionalidade direta da fluência do perceptor no proces­
samento de uma informação e da sua resposta a essa mesma informação (Reber,
Schwarz & Winkielman, 2004: 365).
Por exemplo, uma obra de arte com um título relacionado produz melhores
respostas do que a utilização de títulos não relacionados, ou sem título (Belke et
al., 2010). O contexto semântico melhora a fluência do processamento e, portanto,
a apreciação.
PEDRO ALVES DA VEIGA

A valorização estética ocorre em função da capacidade do observador de pro­


cessar mentalmente as propriedades do artefacto de forma significativa, sendo a
atenção do observador uma parte crítica da experiência estética. Ver uma obra e
dizer que é interessante, é uma experiência estética muito mais superficial do que
ver a mesma obra e observar que ela é interessante e que tem valor adicional em
126 virtude do seu lugar na história, das influências do artista e das técnicas e proces­
sos utilizados para a sua criação.
Assim, esses últimos aspetos da experiência estética são grandemente in­
fluenciados pela atenção e experiência do observador. Henkel (2014) examinou o
efeito de fotografar obras num museu sobre a memória subsequente daquelas
obras de arte e as suas localizações no próprio museu. Os participantes visitaram
um museu e viram alguns objetos e fotografaram outros. O desempenho de reco­
nhecimento subsequente (identificar como tendo sido visto anteriormente) foi
melhor para objetos apenas vistos (e não fotografados).
Dividir a atenção entre a tarefa de fotografar e a de visualizar uma obra de
arte leva a uma menor profundidade de processamento para a própria obra de
arte, e sugere que a apreciação da arte possa ser desta forma prejudicada. Con­
traste­se esta afirmação com a sede de selfies e arties135 que marca a realidade
de praticamente todos os museus e festivais na atualidade.

Figura 24: Uma artie – uma selfie contendo uma obra de arte.
Fonte: Sofia Quintas (foto cedida pela autora).

135
Uma selfie tirada em conjunto com uma obra de arte, como exemplificado na figura 24.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Tal como a fluência para as experiências estéticas é melhorada pelo acesso a


mais informações e conexões mais profundas entre a própria experiência e os pro­
cessos cognitivos do público, também a capacidade de pensar de forma criativa é
suportada pelo acesso a uma rede de conhecimento rica e ampla, que também
pode ser interrompida por um deficit de atenção. Isto sugere que a distração pode
prejudicar a produção criativa, ao interromper a capacidade de manter várias re­ 127
presentações em mente. Com efeito, a desconexão de dispositivos de distração e
a imersão em ambientes naturais durante um longo período de tempo pode au­
mentar a produção de associações verbais criativas em 50% (Atchley, Strayer &
Atchley, 2012).
No entanto, também é sugerido por outros autores que a distração pode me­
lhorar a criatividade disruptiva, tornando os indivíduos mais abertos a associações
remotas entre conceitos. Na criatividade verbal, não fixar o significado dominante
duma palavra permite que os significados subordinados permaneçam ativos, o
que pode promover conexões atípicas entre conceitos e, portanto, associações
criativas. Pode interpretar­se este fenómeno como uma distração, que impede o
indivíduo de se concentrar na interpretação mais provável dum estímulo, criando
assim interpretações e conexões pouco usuais. A descoberta de que o transtorno
de atenção ou hiperatividade – que pode ser interpretado como uma falha no con­
trole da atenção – pode estar ligado à criatividade, ao pensamento divergente, à
capacidade de foco muito direcionado, ao inconformismo, à aventura, à autoacei­
tação e à sublimação é algo consistente com essa visão (White & Shah, 2011; Sedg­
wick, Merwood, & Asherson, 2019).
Para os criativos artistas de MAD, a atenção do público é uma variável que,
mesmo que não se deseje controlar, deve pelo menos compreender­se. Bollo e
Dal Pozzolo (2005) enumeram indicadores úteis na quantificação da experiência
e atenção dedicadas pelos visitantes de um museu ou exposição:
• Poder de atração: indica a incidência relativa de pessoas que pararam
frente a um objeto / obra durante a visita à exposição. É calculado dividindo
o número de pessoas que param pelo número total de pessoas que visita­
ram o museu ou galeria. O indicador fornece uma ideia inicial do poder de
atração ou atenção exercida pelo objeto exibido. O índice varia de 0 a 1, e
quanto mais próximo for de 1, maior será o poder do elemento para atrair.
• Índice de atração136 = Nº pessoas que pararam / Nº pessoas observadas.
• Potencial de retenção: mede o tempo médio gasto frente a um elemento
de informação ou comunicação (por exemplo, um painel, um vídeo, uma
136
Sempre que possível, é importante aplicar ambos os indicadores – índice de atração e índice de re­
tenção – uma vez que a análise conjunta possibilita a realização de avaliações quantitativas e qua­
litativas. O painel de informações numa galeria, por exemplo, pode ter um índice de atração muito
alto, mas apenas um modesto índice de retenção, o que sugere que o painel está numa área de
grande visibilidade, mas que fornece muita informação, ou que o estilo e o conteúdo das informações
não incentivam a leitura.
PEDRO ALVES DA VEIGA

legenda). É calculado dividindo o tempo médio de permanência pelo tempo


necessário para apreender o elemento, sendo que este último valor é es­
tabelecido pelos investigadores e corresponde ao tempo essencial para que
toda a comunicação sobre um objeto específico seja apreendida. O índice
varia de 0 a 1 (pode ser maior que 1 se a média for maior do que o valor do
128 tempo inicialmente – e erradamente – considerado necessário). Quanto
mais perto for de 1, maior será a capacidade do elemento para manter a
atenção dos visitantes.
• Índice de retenção137 = tempo de paragem médio/tempo de apreensão ne­
cessário.
• Tempos de utilização: os tempos médios de utilização (para a visita com­
pleta, para secções específicas, por tipo de utilizador).
• Índice de Velocidade de Visita: este índice é calculado dividindo o tamanho
total da exposição, em metros quadrados, pelo tempo médio gasto pelos
visitantes nesta área de exibição. É usado para calcular se os visitantes se
movem devagar ou rapidamente através da exposição. Analisando cerca de
150 museus e exposições, os autores referem um índice médio entre 35
m2/minuto para pequenas exposições e 60 m²/minuto para grandes.
• Índice de Visita Diligente: este índice é obtido calculando a percentagem
de visitantes que pararam em frente de mais de metade dos elementos que
compõem a exposição. A percentagem de visitantes diligentes ajuda a ava­
liar até que ponto a exposição foi visitada na totalidade. O índice também
ajuda a avaliar se a razão entre a densidade de objetos e o tempo disponível
é adequada. Um valor baixo pode ser interpretado como indicando que a
exposição é muito longa ou muito densa para o tempo disponível, ou para
o período de atenção do visitante médio, mais do que indicar um baixo nível
de estudos ou interesse por parte dos visitantes.

A questão da atenção dedicada a obras de arte num espaço de exposição re­


laciona­se intimamente com o tempo disponibilizado para a visita, e o tempo do
visitante é também um recurso escasso. O tempo total dedicado à visita é muitas
vezes subestimado ou não é suficiente para uma visão ideal e completa dos tra­
balhos em exibição.
Para Bollo e Dal Pozzolo (2005), o uso de diferentes métodos de pesquisa du­
rante o estudo (observação e entrevistas presenciais) possibilitou uma compara­
ção relevante entre a duração real da visita e a perceção subjetiva dos visitantes.
53% das pessoas entrevistadas não avaliaram corretamente a duração da visita
ao museu, indicando um tempo estimado de visita que chegou a atingir uma va­
riância considerável face ao tempo real. Além disso, a discrepância entre perceção
e realidade, em termos de duração, não apresentou relação com a duração real
137
Ver nota anterior.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

da visita à exposição: se as visitas eram muito breves ou muito longas, a discre­


pância da estimativa do tempo percebido era sensivelmente a mesma.
Na grande maioria dos casos, as discrepâncias tendem a superestimar o
tempo atual: as pessoas pensam que passaram muito mais tempo no museu do
que realmente passaram. O fenómeno pode ser explicado considerando que a ex­
periência da visita, na maioria dos casos, é um processo desgastante em termos 129
de consumo de energia física e cognitiva, o que significa que o tempo dedicado
ao museu pode ser considerado um tempo denso e extraordinário. É denso porque
se caracteriza pela hiperestimulação sensorial e pela ativação de processos cog­
nitivos não habituais, e extraordinário porque uma visita a um museu, para muitos
indivíduos, é uma atividade singular, não relacionada com comportamentos e prá­
ticas de rotina quotidiana e, portanto, difícil de quantificar.
Elkins (2010) refere estudos realizados em museus: num caso os visitantes
olham (em termos médios) para uma obra durante dois segundos, depois leem a
informação sobre a obra durante dez segundos, relanceiam de novo a obra e pros­
seguem a visita; noutro caso o tempo médio por visitante, por obra, situa­se nos 17
segundos, e o próprio Louvre indica que a Mona Lisa apenas consegue prender a
atenção média de cada visitante por 15 segundos138. E talvez não seja surpreendente
que grande parte dos visitantes (35%, de ambos os sexos e todas as idades) dedi­
quem esse tempo de atenção mediada pelo seu smartphone, enquanto tiram uma
artie, mais do que a observar ou interagir com o objeto exposto, conforme foi re­
portado por investigadores do Art Institute of Chicago (Smith, Smith & Tinio, 2017).
Tomar consciência dos mecanismos que já são utilizados por terceiros para
gerir e captar a atenção das audiências é um passo importante para compreender
os seus efeitos. No âmbito da música popular, Gauvin (2017) referiu que a econo­
mia da atenção produz alterações significativas nos processos de criação e cons­
trução das obras, para poder lidar com um mercado de streaming, de fluxos, onde
a oferta é crescente e avassaladora, o que faz com que seja igualmente crescente
a possibilidade de ignorar rapidamente qualquer conteúdo que não revele inte­
resse logo desde os primeiros segundos de contacto.
A MAD é uma forma de arte que depende do fator tempo para a sua apre­
ciação, fruição ou consumo, em que a captação da atenção do público é um fator
crítico, não só para o seu sucesso mas, sobretudo, para a própria concretização
da obra em interação com a audiência. Propõe­se, então, a inferência de que,
desde o momento da conceção do artefacto, o artista deve considerar as formas
de envolver a audiência no menor espaço de tempo possível, usando componen­
tes materiais e digitais blended. Existe, assim, o risco de a obra ser ignorada pelo
público, por incapacidade estratégica de captar e prender a sua atenção. Imedia­
tismo, personalização, interpretação, autenticidade, disponibilidade, apropriação,
138
https://www.huffingtonpost.com/james­elkins/how­long­does­it­take­to­_b_779946.html
[2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

patrocínio e potencial de descoberta, são variáveis que podem ser usadas e ma­
nipuladas por artistas, mas também por curadores, programadores de festivais, e
– porque não – professores.
Editoras, estúdios, curadores, autores, galerias e museus nunca irão desapa­
recer, mesmo que já não sejam necessários para disseminar artefactos artísticos.
130 O seu novo papel é direcionar a atenção do público, cada vez mais dividida online
e off­line, para esses mesmos artefactos artísticos, possibilitando e proporcio­
nando as experiências.
A ASCENSÃO DO INDIVIDUALISMO
A era da Web 2.0 foi marcada pelo surgimento e popularização de sites como
MySpace, Flickr, LinkedIn e Facebook. Surgiram também nessa altura conceitos­
chave como: social, agregação, participação, e conteúdos gerados pelos utiliza­
dores (Anderson, 2007). Previa­se um paraíso de criatividade, totalmente gerado 131
pelos internautas.
Mas já anos antes se argumentava que toda a atividade económica devia ser
entendida como prática criativa – e, desta forma, todos se tornam artistas (Beuys,
1992). De facto, as tecnologias seduziram um novo grupo de criadores. Os artistas
digitais estão efetivamente libertos dos constrangimentos técnicos dos seus con­
géneres ditos tradicionais: não precisam de saber pintar, esculpir ou desenhar,
podem até ter impedimentos motores que limitem o acesso físico e manipulação
dos materiais de criação, e assentam a sua produção numa relação com a tecno­
logia (uma paixão dos dadaístas), quase puramente intelectual, através de pro­
gramação e controle automatizado de artefactos. São ainda abolidos os
constrangimentos de espaço e tempo, dado que, potencialmente, uma obra de
arte digital não está restrita a um lugar ou momento.
Décadas de televisão tornaram­nos especialistas na apreciação da imagem,
na construção de histórias, em design de produto. É a extensão a todas as áreas
criativas das revoluções do século 20: do desktop publishing dos anos 80, das câ­
maras de vídeo dos 70, das máquinas fotográficas dos 50.
Tal como os websites, jornais e estações de televisão pedem aos leitores e
espectadores para enviarem conteúdos, fotos, vídeos e artigos de opinião (Veiga,
Tavares & Alvelos, 2017). Anderson (2009) sugere duas motivações para este com­
portamento: dinheiro e reputação, sendo que esta última é o segredo para a co­
laboração espontânea, não­remunerada, numa sociedade em que exposição é
sinónimo de sucesso. Origgi (2018) fala da reputação como um sinal dos tempos:
à medida que a informação aumenta, também o nosso distanciamento da reali­
dade parece crescer proporcionalmente, levando a que as nossas avaliações e de­
cisões estejam cada vez mais incorporados em sistemas interligados de
caixas­negras, que nos fornecem classificações, likes e recomendações. Estes dis­
positivos proliferam numa sociedade onde a informação se tornou excessivamente
densa, e são usados para manipular e construir a reputação de indivíduos e insti­
tuições, com a justificação e propósito de conduzir a navegação num mar de in­
formação digital cujo valor é opaco para nós. E é através da reputação construída
nas redes que bloggers, vloggers, instagrammers e influencers ascendem ao es­
trelato, como timoneiros desta navegação.
A ascensão da cultura das celebridades não aconteceu por si só: tem sido
cultivada por agências, produtores e meios de comunicação. E tem uma função:
quanto mais distantes e impessoais são os gigantes multinacionais, mais eles de­
pendem de rostos conhecidos para incutir confiança e estabelecer uma ligação
PEDRO ALVES DA VEIGA

personalizada – cuja falácia comercial nem sempre é óbvia – com os seus clientes.
Se em épocas passadas este papel foi confiado a estrelas de cinema e da música,
atualmente são as estrelas da Internet que o assumem, atuando desde a escala
local à internacional.
Em 1997, os valores dominantes que atravessavam os programas mais po­
132 pulares de televisão entre os jovens de nove a onze anos, eram os sentimentos
comunitários, seguidos da benevolência. A fama estava em décimo quinto lugar
dos dezasseis valores testados. Em 2007, quando programas como Hannah Mon­
tana predominavam, a fama surge em primeiro lugar, seguida da realização139,
imagem, popularidade e sucesso financeiro. O sentimento comunitário caiu para
o décimo primeiro lugar e a benevolência para o décimo segundo (Uhls & Green­
field, 2011). Os jovens de hoje estão ainda mais obcecados pela fama e algumas
pesquisas sugerem que o narcisismo está a aumentar, com cada sucessiva geração
a ultrapassar os níveis de vaidade da anterior (Seigel, 2013). Também os valores
destacados nos conteúdos mediáticos direcionados a pré­adolescentes no século
21 fazem um apelo maior ao individualismo e ao sensacionalismo do que na dé­
cada de 1990, facilitando uma cultura pré­adolescente narcisista (Rosen, 2016).
Os apelos e afirmações repetidos exaustivamente em slogans de venda, ma­
nuais de motivação pessoal e palestras sobre criatividade, modelam e formatam
a opinião pública: o indivíduo criativo é enaltecido e anunciado como hipercapa­
citado, direcionado para a fama, usando miríades de caixas­negras, movendo­se
entre os universos físico e virtual.
A reality­TV catapulta para a fama completos desconhecidos, apenas com
base em critérios estéticos e programáticos dos próprios canais, levando à pro­
posta da designação celebridade­commodity substituível por Turner (2006: 161).
A perceção de que qualquer pessoa, aparentemente comum e semelhante a tan­
tas outras, pode tornar­se uma estrela mediática, é uma das causas prováveis do
anseio generalizado pela fama: uma pesquisa realizada com jovens de 16 anos no
Reino Unido revelou que 54% deles pretendem tornar­se celebridades140.
A fama é um estado solitário, procurado por indivíduos, mesmo que apoiados
por grandes infraestruturas. Mesmo os coletivos artísticos famosos, cujas deriva­
ções contemporâneas se materializam, sobretudo, no campo da música (sob a
forma de grupos, bandas, boybands e gilrbands) desmembram­se sistematica­
mente em buscas singularizadas desse estatuto, o que parece indicar que o fenó­
meno do individualismo é paralelo ao da fama.

139
Achievement, no original em inglês
140
http://www.independent.co.uk/news/education/education­news/fame­the­career­choice­for­half­
of­16­year­olds­1902338.html [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

133

Figura 25: A evolução, ao longo de 40 anos, da utilização dos pronomes I, you e we, em livros em inglês.
Fonte: Google Books Ngram Viewer.

Procurando outras correlações temporais, a análise da base de dados Google


Books com a ferramenta Ngram Viewer141, relativa a livros em inglês, publicados
num intervalo de 40 anos, entre 1968 e 2008, sobre a frequência com que surgem
os pronomes I, you e we (eu, tu e nós), dá origem ao gráfico exibido na figura 25.
Enquanto que o termo coletivo (we) manifesta estabilidade, os dois termos indi­
viduais (I, you) registam um crescimento assinalável.
Em linha com as inferências possíveis sobre a análise deste fenómeno, a re­
vista Time, no final de 2006, considerava que a pessoa do ano, com direito a des­
taque na capa, era You142, com uma fotografia de um computador cujo écran tinha
sido substituído por uma superfície espelhada.
A televisão e a Internet criaram especialistas domésticos na apreciação da
imagem, na construção de histórias, em design de produto. Neste processo, o pú­
blico é chamado a tornar­se crítico, a votar e eleger, e o público acha­se frequen­
temente capaz de fazer melhor do que lhe é oferecido – e decide frequentemente
fazê­lo, mesmo que os media os ridicularizem, como era característico do pro­
grama de televisão Ídolos143, por exemplo.
Vivemos numa época globalmente estetizada, artializada, desde a culinária
à decoração de interiores, dos espaços de trabalho à forma como ocupamos os
tempos livres, e à forma partilhada como nos (auto)retratamos, cobrindo a atua­
lidade política, económica e social (Groys, 2009). Tornámo­nos viciados na espec­
141
O serviço está disponível neste endereço: https://books.google.com/ngrams/ e os dados utilizados
podem ser vistos neste endereço: https://goo.gl/617fMs [2020/06/24]
142
http://content.time.com/time/covers/0,16641,20061225,00.html [2020/06/24]
143
https://zap.aeiou.pt/jovem­ridicularizado­pela­sic­exige­indemnizacao­100­mil­euros­174048
[2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

tacularização da realidade, e não apenas da política, dos seus congressos e mani­


festações, mas mesmo de situações do quotidiano.
A esta estetização corresponde uma produção artística massificada que se
espelha nos utilizadores inscritos em portais especializados como o YouTube (mais
de 500 horas de vídeo carregadas a cada minuto), Instagram (mil milhões de uti­
134 lizadores mensais ativos), TikTok (800 milhões de utilizadores mensais ativos),
Twitter (340 milhões de utilizadores mensais ativos) ou Pinterest (322 milhões de
utilizadores mensais ativos)144. #art é a décima­sexta hashtag mais popular no Ins­
tagram com mais de 621 milhões de ocorrências, acompanhada de 51 milhões
para #digitalart e 5 milhões para #digitalartist145. As redes sociais reconhecem a
atenção como um exercício de poder, e as suas principais estratégias de retenção
passam por conseguir que os seus utilizadores produzam e consumam mais con­
teúdos, mais frequentemente, com a atenção medida e registada em cliques, gos­
tos e visualizações, construindo simultaneamente o seu perfil de consumo e
registando outros dados pessoais. O fenómeno dos influencers digitais é um caso
particular do acima exposto, em que as compensações adicionais obtidas pelos
indivíduos são de índole financeira (remuneração de marcas e empresas a troco
de recomendações) e não­financeiras (status, fama e poder), podendo ainda as
marcas aferir da credibilidade e adequabilidade do influencer através do seu perfil
pessoal, traçado pelas próprias redes sociais (Smith & Taylor, 2017).
O capitalismo artístico é um termo sugerido por Lipovetsky e Serroy (2014)
para designar a abundância de imagens, design, narrativas, paisagismo, espetá­
culos, músicas, cosméticos, exposições, lugares turísticos e museus, enquanto pro­
dutos de consumo, resultado de uma exigência de que sejamos todos não só
criativos e inovadores como os artistas, mas também que as nossas vidas sejam
artísticas, espetaculares, partilhadas e reconhecidas (gostadas, comentadas).

Consumir significa queimar, usar e, portanto, há a necessidade de um


reabastecimento. À medida que fazemos imagens e as consumimos,
necessitamos de cada vez mais imagens; e ainda mais. Mas as ima­
gens não são um tesouro que possa ser saqueado do mundo; elas
são precisamente o que estiver à disposição, onde quer que recaia o
olhar. A posse de uma câmara pode inspirar algo próximo da luxúria.
E como todas as formas credíveis de luxúria, ela não pode ser satis­
feita: primeiro, porque as possibilidades da fotografia são infinitas e,
segundo, porque o projeto é autodevorador. (Sontag, 2009, p. 93)

Podemos considerar a análise de Sontag como extrapolável para pratica­


mente todas as formas de expressão artística, cuja tecnologia e meios de produção
foram tornados acessíveis, massificados, numa estratégia ditada por um mercado
144
https://www.statista.com/ [2020/06/24]
145
https://influencermarketinghub.com/25­most­popular­instagram­hashtags/ [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

global de consumo, suportada por uma estetização generalizada. Já não há reali­


dade que não possa ser transformada em obra e perceção estética: qualquer ob­
jeto ou ideia, ou até o próprio corpo, pode ser anexado ou absorvido na esfera da
arte, apenas por decisão do artista.
O artista digital é forçosamente multidisciplinar, não apenas na forma român­
tica tradicional com que frequentemente se idealiza o Homem do (re)Renasci­ 135
mento, mas também porque se torna empresário, marketeer, comunicador: ao
tentar elevar­se acima do patamar de ruído global, ele compra regalias nos portais
e universos virtuais onde se exibe, e usa técnicas de marketing e comunicação,
tantas delas tão ou mais digitais e complexas do que a própria arte que promove.
A estetização artística significa o retirar de função à arte, a anulação extrema
da sua aplicabilidade prática e eficácia (Groys, 2014). Para Baudrillard (2005) a
arte contemporânea perdeu o desejo de ilusão e tudo eleva à banalidade estética,
tornando­se transestética, tão superficial que nem consegue ser nula ou vazia.
Elevar a banalidade, o desperdício e a mediocridade ao patamar de ideologia, per­
vertendo o prazer estético, representa para ele a mediocridade ao quadrado: me­
diocridade de valores multiplicada por mediocridade estética. Contrapõe, ainda,
a este esvaziamento de valores, o frenesim dos mercados de arte: a arte já não
está só, faz­se acompanhar da política, da economia, das notícias – tudo em nome
dos consumidores. Este admirável mercado novo está densamente povoado pelos
mais variados gadgets eletrónicos, software blackboxed, de rápida aprendizagem
e ainda mais rápida utilização, apps para telemóveis, que se substituem quase in­
tegralmente às antigas ferramentas clássicas de criação artística e que, segundo
as mesmas profecias de Silicon Valley, colocam ao alcance de todos o potencial
criador, como se pode observar na figura 26.

Figura 26: Arte instantânea, criada em menos de 10 segundos com a blackbox Flowpaper para iPhone.
Fonte: autor.
PEDRO ALVES DA VEIGA

A tecnologia é anunciada como o veículo desta libertação, e se assim o é –


como duvidar de algo tão benévolo, que se tornou tão presente e insubstituível?
– não faz sentido impedir o seu avanço: repudiam­se os obstáculos ao maravilhoso
(sempre) futuro paraíso tecnológico. Este entrosamento sinuoso, crescente e om­
nipresente é, aliás, referido por Negroponte (1995: 6): «a computação já não é
136 sobre computadores, é sobre viver».
Ao implementar os ideais ultra­individualistas de Hayek, Friedman e outros
membros da Sociedade Mont Pelerin, foi surgindo uma série de literatura que de­
fendia que as pessoas deveriam ver­se como negócios – um conjunto de capaci­
dades, habilidades, recursos, qualidades, experiências e relacionamentos a serem
geridos e continuamente melhorados, que culmina na metáfora do indivíduo en­
quanto sócio­gerente ou CEO da Eu, Lda.146 (Simmons, 2014). Também Twenge
(2006) fala na Generation Me, e o seu aparecimento só é possível com a perda do
sentido de comunidade, associação, coletivo e colaboração, substituídos por (um
excesso de) confiança, assertividade e direitos, que se manifestam mais ao nível
da personalidade do que da realidade social.
Para o Critical Art Ensemble (CAE, 1998), as regras de mercado desencorajam
a atividade coletiva a tal ponto que ela praticamente se torna inviável. Na era da
inovação a qualquer custo, as comunidades correm o risco de serem construídas
unicamente em torno de mecanismos de crowdfunding, tecnologias ou géneros
artísticos, em vez de ideologias e conceitos, e são marcados pela comoditização
da arte (Rorimer, 2001).
Em 2014, o cofundador do navegador Netscape, Marc Andreessen, declarou
numa série de tweets que, pela primeira vez na História, a humanidade poderia
expressar livre e totalmente a sua verdadeira natureza: vamos ser quem quiser­
mos. E os principais focos de interesse deste querer seriam a cultura, as artes, as
ciências, a criatividade, a filosofia, a experimentação, a exploração e a aventura.
Mas os pressupostos iniciais deixaram de ser válidos: quando as estruturas co­
merciais e sociais da Web 2.0 estavam ainda numa fase incipiente, os pensadores
da altura construíram uma amostra distorcida da população, por desconhecerem
como a rede iria canalizar as energias das pessoas para um sistema de informação,
gerido de forma multicentral por um pequeno grupo de empresas e rigorosamente
organizado para as enriquecer, bem como aos seus proprietários.
As plataformas que constituem esse sistema de informação seguem uma
grande variedade de modelos organizacionais, oscilando entre a chamada econo­
mia da partilha, crowdsourcing ou produção de pares baseada em commons147,
às vezes diluindo a fronteira entre commodities e commons. As próprias platafor­
mas incorporam relações de poder na sua conceção e têm a capacidade de atuar
como curadoras da expressão pública, de acordo com as respetivas características
146
No original em inglês Me, Inc.
147
Em inglês commons­based peer production.
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técnicas. Por esse motivo se fala em governança, propriedade, relações e modelos


de negócios como dinâmicas estruturantes na interação de tecnologias, utilizado­
res e conteúdo em plataformas online (Rosnay & Musiani, 2016), independente­
mente dos seus conteúdos poderem ser artigos científicos, obras de arte digital
ou receitas de culinária. A estratégia de conferir a ilusão ao público de que tem o
poder de decisão nas suas mãos, na verdade retira­lhe a vontade de se desligar 137
desses mesmos sistemas, dado que se o fizesse perderia aquela ilusão.
Galbraith (2004) cunhou o termo fraude inocente para descrever uma men­
tira – ou uma meia verdade – que, por corresponder às necessidades ou visões
daqueles no poder, é apresentada como um facto. Após muita repetição, a ficção
torna­se conhecimento comum. É inocente porque a maioria dos que a invocam
e utilizam, o fazem sem culpa consciente, e é uma fraude porque está silenciosa­
mente ao serviço de um interesse especial. Se para muitos a ideia da Internet en­
quanto mecanismo de libertação pode ser considerada uma fraude inocente, já
menos inocente é a dissolução da cultura na civilização, potenciada pela Internet:

A cultura era o lugar dos sentimentos elevados onde conceitos como


liberdade e felicidade poderiam ser postulados. À civilização caberia
o papel de reprodutora de bens materiais. A ideologia burguesa do
fim do século XIX difundia a cultura, como uma promessa de futuro,
para que a população em geral não questionasse o sistema de pro­
dução, e distribuição, de bens materiais. As novas tecnologias per­
mitiriam que mais pessoas desfrutassem dos bens culturais, através
do seu processo de reprodução e difusão, aproximando todos do
mundo idílico da cultura. O que seria, à partida, um bom negócio
para todos. O problema, segundo Benjamin, é que a dissolução da
cultura na civilização, ou seja, a conversão de bens simbólicos em
bens materiais, não trouxe o prometido paraíso partilhado, mas, pelo
contrário, converteu a cultura em mercadoria, integrando­a no sis­
tema de valores capitalistas. (Tavares, 2014:55)

A própria ideia de disseminação de mercadoria por uma audiência global


torna­se pornográfica, e o termo é utilizado pela semelhança com as práticas que
a indústria do sexo utiliza online de forma pioneira (von Retzlaff, 2006: 111): um
utilizador de um site de pornografia faz uma seleção das imagens ou vídeos que
prefere. Existe um conjunto de mecanismos de registo e análise de histórico que
irão sugerir de imediato várias outras alternativas semelhantes à escolha, mas
que, mais do que por simples semelhança, irão afinar­se mediante a evolução do
histórico de utilização do sistema, por parte do utilizador.
Esta recolha de hábitos de utilização é, na maior parte dos casos, vista como
um serviço ao cliente, que de facto acaba por ver apenas o que mais procura ou
do que mais gosta, e que, simultaneamente, representa potencialmente maior
lucro para a organização. E a mesma metodologia está a ser transpornografica­
PEDRO ALVES DA VEIGA

mente aplicada a praticamente todos os serviços online, desde os supermercados


aos portais culturais. Se o utilizador gosta de A, o sistema vai inundá­lo com A’s –
para garantir a sua satisfação e fidelização – e vai escolher por ele os A’s que mais
interessam, do ponto de vista de negócio – o que não é a mesma coisa que esco­
lher os A’s que mais interessam ao utilizador do serviço. Se este esquema passa
138 maioritariamente despercebido em vários domínios, é quando chegamos às áreas
criativas que ele é exposto: ser confrontado com repetições de repetições de si­
mulacros, homenagens, remisturas e derivações das mesmas criações é a última
coisa que uma mente criativa deseja. E assim, o conteúdo que é entregue pelos
motores de busca e ferramentas de pesquisa reflete o que potencialmente será
mais rentável, e não necessariamente aquilo que mais interessará ao pesquisador.
Por este motivo, numa rede com um leque aparentemente crescente de op­
ções, na verdade, elas tenderão a reduzir­se. O poder económico consegue, assim,
tornar­se no árbitro redutor dos desejos de expansão de conhecimento do público.
Se estes considerandos parecem desviar o raciocínio para um território paralelo,
é apenas porque permitem estabelecer uma relação importante com outra ques­
tão fundamental: o fracionamento da atenção.
A atenção transforma­se em mais um conjunto de dados digitais genéricos,
capazes de ser modulados através de protocolos ideológicos, numa exibição cons­
truída em torno de uma sensação artificial de autonomia e individualismo, que
mascara a conversão da atenção dos utilizadores em lucro para as empresas.
O verdadeiro paradigma da vida na era moderna não é o movimento, mas a
atenção (Agamben, 2008). Até a atenção criativa é organizada e consumida, como
mais um produto de consumo: há reality shows, websites especializados e cursos
formativos, da música aos efeitos especiais cinematográficos. Mas não haja ilu­
sões: tal como com os produtos de consumo, a criatividade tem que ser marketá­
vel, divulgada, distribuída, fidelizada. Até o hacking artístico, inicialmente obscuro,
está organizado em hackathons promovidos pelas Universidades e parceiros da
indústria, permeando ainda as TED Talks (cuja sigla convém recordar: Tecnologia
+ Entretenimento + Design), fazendo as audiências reverberar com otimismo sobre
o papel do hacking, brainstorming e crowdsourcing na transformação da cidadania
(Irani, 2015). A proliferação de graduados artísticos nos últimos anos contribuiu
para o aumento da concorrência pelo financiamento e pelo acesso às organizações
e infraestruturas artísticas.
Existe uma maior dependência do financiamento pessoal do artista para con­
cretizar os seus projetos tecnológicos. Há oportunidades decrescentes para cada
artista exibir ou vender as suas obras, não necessariamente porque elas tenham
diminuído em número, mas apenas porque o número de interessados em exibir e
vender aumentou e o preço da tecnologia necessária para criar experiências (tec­
nológicas) memoráveis continua a ser elevado.
Assim, e de acordo com Bourdieu (1998), estabelecer o reino absoluto da fle­
xibilidade, apoiado em contratos precários e planos sociais, na concorrência pelos
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lugares e posições cimeiras, na individualização das relações de trabalho, na defi­


nição de objetivos individuais, entrevistas individuais de avaliação, aumentos sa­
lariais ou atribuição de prémios individualizados, construiu­se uma mentalidade
pervasiva de individualismo, de exigência de self, que converge para enfraquecer
ou abolir a solidariedade coletiva.
Olhamos para uma infinidade de ecrãs que se sucedem a um simples toque 139
ou passagem dos dedos, e cada um de nós sente a necessidade de se sentir espe­
cial. E cada um de nós fará, na medida da sua criatividade e do que os referidos
ecrãs lhe permitirem, o que for necessário.
A DOMESTICAÇÃO DA CRIATIVIDADE
A criatividade é frequentemente encarada como um processo individual, di­
zendo­se que o indivíduo A ou B é criativo, como uma característica genética. A
própria ciência determina uma relação ao nível genético entre a criatividade e a
140 psicose (Sánchez et al., 2017), sustentando a imagem do artista­génio­louco. Mas
a verdade é que o processo criativo raramente é totalmente espontâneo, e é des­
poletado por relações com indivíduos, ideias, ambientes ou objetos. Galloway,
Thacker e Wark (2013) propõem três modos de mediação criativa:
1. a troca, existente no contacto um a um, entre indivíduos;
2. a iluminação, correspondente ao momento de revelação ou descoberta,
dependente apenas do próprio indivíduo e da sua reação face a estímulos
externos;
3. a rede, proporcionando trocas e partilhas, da exploração conjunta, permi­
tindo a evolução em direções inesperadas e não planeadas e, também por
isso, potencialmente mais inovadoras.

Os ecossistemas das artes proporcionam ambientes criativos, ou facilitadores


da criatividade artística, onde fatores geográficos, sociais e culturais confluem para
esse efeito. Uma sociedade criativogénica proporciona esse tipo de ambiente
(Arieti, 1976): torna­se mais eficaz agir sobre a criatividade mudando as condições
do ambiente, do que tentar tornar as pessoas individualmente mais criativas
(Csikszentmihalyi, 1996).
Simonton (2004) propôs quatro características de um ambiente social de
apoio, que facilitam o florescimento da criatividade: atividade no domínio, rece­
tividade intelectual, diversidade étnica e abertura política. E essas características
agem conjuntamente com outros quatro fatores: sorte, lógica, zeitgeist (o espírito
do tempo, nas suas vertentes sociais, políticas e culturais) e génio, por esta ordem.
Mas a verdade intemporal é que as pessoas criativas tendem a escolher ou cons­
truir deliberadamente um ambiente propício à criatividade:

Pensadores como Confúcio vagueavam pela corte da China, em busca


de um príncipe que apoiasse as suas convicções. Peregrinações se­
melhantes são comuns na história da civilização. Filósofos gregos, ar­
tistas italianos do Renascimento, escritores americanos da «geração
perdida» e intelectuais da Europa nazi – todos procuraram ambientes
mais propícios. O mesmo acontece com os cientistas da antiga União
Soviética: muitos buscam um novo lar para exercer a sua ciência de
topo. Nestes casos, a pessoa escolhe o contexto em vez de permitir
que o contexto distorça a pessoa. Pode ser mesmo um sinal de um
génio que estas pessoas projetem o seu mundo para satisfazer as
suas necessidades. (Simonton, 1994: 417)
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Desde o nascimento da era digital, amplificado pelo o surgimento de Silicon


Valley nos anos 80, há um fascínio com as características das regiões altamente
criativas e inovadoras. Esta ideia ajudou a mudar as abordagens às políticas de
inovação tradicionais da indústria, centrando­se agora na criação de condições
que permitam o florescimento da inovação, em lugares, espaços, hotspots, clus­
ters, hubs, labs, cidades, regiões. Trata­se de criar ecossistemas cuja característica 141
principal desses sistemas é a de induzir a inovação: têm os meios e a capacidade
não só para gerar novas ideias, mas também para as colocar em prática. A espon­
taneidade é o verdadeiro modo de ser da criatividade individual, o início de tudo,
puro, isento e imune às ameaças de cooptação.
Se a distribuição da criatividade, no sentido abrangente, pode ser conside­
rada relativamente equilibrada, a espontaneidade parece limitar­se a uns poucos
eleitos, privilégio daqueles a quem uma longa resistência ao poder premiou com
a consciência do próprio valor como indivíduos (Vaneigem, 2012). Devido a esta
natureza intrínseca, mas também extrínseca ao indivíduo, os processos criativos
são sistemas comunicacionais interativos abertos, que incluem elementos de di­
versas naturezas, com características dinâmicas e articulando relações e potências
(contexto sociocultural, media, valores, indivíduos, grupos, narrativas, memórias,
diálogos, encontros, lugares e temporalidade) (Leão, 2011).
O estudo dos processos criativos pressupõe que o sistema não é a simples
soma das suas partes e que um conjunto dessas partes estabelece um jogo com­
plexo de implicações mútuas, no qual ações e reações se retroalimentam. Os pro­
cessos criativos são redes em permanente transformação, o que implica renunciar
a conceitos como origem e conclusão, hierarquia e métodos de organização linear
de uma obra. Os processos criativos são, pois, conjuntos de momentos com poten­
cial gerador, percursos e versões do desenvolvimento de um pensamento criador.
A criação/criatividade não pode ser entendida como um processo exclusivo
dos artistas, mas os artistas irão ser contagiados pelo ambiente criativo participado.
É por isso importante o papel de facilitação (ou de bloqueio) que as organizações
podem ter na criatividade dos indivíduos de forma abrangente, devendo apostar no
potencial para a competência, responsabilidade e produtividade, por via do reco­
nhecimento, apoio e segurança, evitando os estímulos à dependência e passividade.
Como medidas práticas, advoga­se a formulação de uma visão organizacional
– seja ela empresarial, associativa ou em qualquer outro tipo de coletivo – que
enfatize a importância da criatividade, insistindo na sua comunicação; a seleção
de pessoas flexíveis, com sólida preparação e uso de processos de pensamento
criativo; a formação contínua de conhecimentos; a criação de metas; o encoraja­
mento da discussão e a comunicação de ideias entre membros das várias equipas;
a premiação das ideias e produtos criativos, com ausência de punições a eventuais
fracassos (Alencar, 1998).
A MAD também estimula e facilita a criatividade, ao colocar o artista em con­
tacto com as inovações tecnológicas. Mas mais do que servir­se da inovação de
PEDRO ALVES DA VEIGA

terceiros, a MAD convida o artista a criar a inovação, a criar novos usos e formas
de ampliação do âmbito da tecnologia, de modo a que as obras produzidas não
se limitem a utilizar a tecnologia e os média, mas questionem e influenciem o fu­
turo dos mesmos.
Contudo, a afirmação de que a criatividade é, basicamente, um conceito de
142 negócio, alinhado com outros clichés que nos foram trazidos pelas escolas de gestão
de Silicon Valley – liderança, serviço, disrupção, inovação, transformação – não causa
estranheza, e torna­se importante distinguir entre formas distintas de criatividade.
Para o neoliberalismo, o conceito de criatividade não incide na metamorfose
dos indivíduos em artistas, mas sim na conceção de produtos, técnicas, soluções
e serviços inovadores – e se há uma solução, é porque o problema já é conhecido.
Basicamente pretende­se criar uma solução para ir do ponto A ao ponto B, ambos
já pré­determinados. A doutrina da época compele­nos a pensar que atingimos o
patamar final de evolução, e tudo o que há a fazer é ir de forma cada vez mais efi­
ciente, com o menor desperdício de atenção, de A a B.
O papel do ensino corre o risco de passar a ser apenas o de ir ao encontro
das necessidades de mão­de­obra do Estado (Deresiewicz et al., 2015). Mas haverá
ainda quem queira partir de A, numa deriva aberta, durante a qual, casualmente,
se pode encontrar B, bem como C, D e E, e toda a mudança que eles potencial­
mente podem acarretar?
As principais mudanças no ensino não são necessariamente estruturais, e
Negroponte (1995) avança uma comparação curiosa sobre a evolução do ensino
face a outras atividades: se um cirurgião do século 19 fosse transportado para um
bloco operatório do século 21, ficaria sem saber o que fazer, não reconhecendo
nenhum dos aparelhos presentes ou técnicas usadas, e se tentasse usar as suas
técnicas seria rapidamente impedido por um conjunto de profissionais horroriza­
dos. Se um professor do século 19 fosse transportado para uma sala de aula no
século 21, facilmente continuaria a ensinar da forma a que estava habituado, e
não causaria estranheza. Portanto, se algo mudou no ensino, não foi tão drástico
e profundo como nas restantes áreas.
De forma adversa poder­se­á argumentar que o blending do ensino veio al­
terar dogmas antigos, permitindo novas formas de acesso e de estudo. Mas
mesmo nos sistemas de e­learning ou b­learning observamos um mesmo fenó­
meno de transformação do ensino em produto, com p em Portugal temos ias,
izaçu foi a transformaçu no ensino, nnt Magic e Deco Sketch.úblico­alvo, taxas de
rentabilização, ciclo de vida e análise de custos.
Inclui­se nesta análise o ensino das artes, de forma geral, e o da MAD, com
as suas particularidades únicas, dividido entre as ciências exatas e as humanida­
des, como se uma simples mistura das duas componentes fosse a receita mágica.
Uma análise do plano curricular das licenciaturas, mestrados e doutoramentos
nas artes, e sobretudo na MAD, revela uma incidência crescente em temas como
o mercado da arte, a educação artística, a utilização de novas tecnologias ou o
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empreendedorismo artístico, e menor em temas curriculares como a intervenção


social, a intervenção política ou as comunidades artísticas.
A capacidade técnica e cognitiva do artista deve ser desenvolvida, dando­lhe
não só o domínio das ferramentas de criação, como também uma perspetiva his­
tórica e um enquadramento do estado da arte, incluindo as questões relativas às
economias da atenção e da experiência. 143
De igual forma deve ser desenvolvida a sua consciência de como transmitir
ao público, através das suas peças, tranquilidade e conformismo ou inquietação e
desafio. Finalmente o artista de MAD deve estar ciente da complexidade da apre­
ciação estética, considerando que na estética pós­moderna o feio já não é o oposto
do belo, que os limites atuais são definidos pela indiferença e pela paixão. Mais
do que encarar estes três conceitos – estética, aptidão e função (ver figura 19) –
como eixos tridimensionais disjuntos, evoluindo entre extremos opostos, eles
devem ser apreendidos, dominados, doseados, misturados, blended – porque
blended é a própria natureza da MAD e dos seus artistas.
O equilíbrio só se atinge conscientemente quando se conhecem bem os
pesos relativos. Porque crescemos com a Internet, temos a tendência de olhar
para a tecnologia como se ela estivesse amadurecida, quando muitas vezes é ape­
nas experimental. Educar para uma atitude de questionamento, de pensamento
crítico, de não assumir que a propaganda é equivalente a um facto, que qualquer
tecnologia não é limitada apenas à finalidade com que foi desenvolvida, que a ro­
bustez e a segurança advêm de um investimento em atenção, deveria ser uma
preocupação transversal no ensino, e não apenas das artes ou da MAD.
Apesar de permanentemente ligados, os jovens queixam­se de falta de aten­
ção, e não é de atenção da tecnologia. Para a nova geração, os dispositivos digitais
são extensões do próprio corpo, indissociáveis do sentimento de self (Turkle,
2011). Com todos os méritos que o ensino à distância e o e­learning trazem, de
facilidade e flexibilidade de acesso, nem eles conseguem resolver esta falta: pro­
vavelmente até a agravam.
Mas na atualidade a docência é encarada pelo Estado como (mais) uma ati­
vidade de gestão (de tempo, de atenção, de experiências, de resultados estatísti­
cos e financeiros), sujeita a métricas de sucesso económico, onde a transmissão
de conhecimento e a educação já não são a única preocupação. Pedir a docentes
que analisem e escrevam sobre a assiduidade dos alunos em referenciação cru­
zada com a tipologia dos módulos lecionados, envolvendo a análise financeira da
rentabilidade do curso, e que validem os resultados numa multiplicidade de pu­
blicações internacionais de referência, para além de fazer a gestão de equipamen­
tos e projetos de investigação, e assegurar o preenchimento de formulários
crípticos e extensos, entre tantas outras atividades suplementares, significa, cla­
ramente, que os alunos vão receber menos atenção por parte desses mesmos do­
centes, conforme ilustrado na figura 27.
PEDRO ALVES DA VEIGA

Numa economia que tanto preza a especialização, isto é um contrassenso


económico, cultural e, em simultâneo, uma particularmente má aplicação dos
princípios da economia da atenção.

144

Figura 27: Esquema ilustrativo da fragmentação da atenção dos docentes, e consequente degrada­
ção da transmissão de conhecimento aos estudantes, atualização de conhecimentos, investigação e
publicação. Fonte: autor.

Na pesquisa Eurobarómetro 399148 sobre valores culturais, os entrevistados


responderam a uma questão geral sobre as principais barreiras ao acesso e parti­
cipação em atividades culturais. As duas principais razões apontadas em Portugal
foram a falta de tempo (11%) e a falta de interesse (56%). A falta de interesse foi
apontada como razão principal, maioritariamente nas camadas mais jovens (15­
24 anos), com uma taxa de 60%), e também no grupo demográfico que abandonou
os estudos antes dos 15 anos (55%). Se a falta de tempo pode estar correlacionada
com os fatores subjacentes à fragmentação da atenção, caraterísticos da economia
da atenção, a falta de interesse pode relacionar­se com dois aspetos­limite, ou ser
uma combinação de ambos: ou a maior parte das produções culturais e artísticas
não tem, de facto, interesse, ou o interesse não está a ser educado, estimulado e
desperto na população. A confirmar­se esta última possibilidade a culpa recai fun­
damentalmente sobre o modelo de ensino e educação.
148
http://ec.europa.eu/commfrontoffice/publicopinion/archives/ebs/ebs_399_en.pdf [2020/06/24]
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A cultura do individualismo produz mais impulsividade e atividade, mas


menos pensamento estruturante da informação – porque não há tempo para or­
ganizar, digerir e processar toda a informação (Turkle, 2011). Os sistemas de noti­
ficação dos dispositivos móveis interrompem­nos a todo o momento, e torna­se
gradualmente mais difícil estar imerso num determinado conteúdo. A metáfora
do mergulho aplica­se: se nos solicitam a todo o momento à superfície, com cons­ 145
tantes pedidos de atenção, é impossível chegar ao fundo, e em breve esgota­se o
tempo alocado à tarefa.
As tensões entre as necessidades internas e as determinações externas au­
mentam, a sua resolução frustra­se e, em linguagem psicanalítica, passa a haver
menos recalcamento e menos deslocamento: tudo é pessoal, sentido como dire­
cionado ao indivíduo, e respondido de forma intensa. Diminuem também, por
isso, a paciência, a atenção e concentração, a tolerância à frustração, à espera e à
incerteza, de tal modo os estímulos são rápidos (Bilbao, 2016).
A ligação à Internet cria uma dependência tal que precisa ser contínua, e o
estar amarrado aos seus dispositivos não favorece nem a independência em rela­
ção ao objeto, nem a elaboração mental em virtude da sua ausência (Turkle, 2011;
Kardaras, 2016).
Mas a visão reformadora sobre a educação artística não deve incidir apenas
em aspetos metodológicos ou paramétricos. Refletindo especificamente sobre a
investigação ligada a práticas artísticas digitais, esta deve articular­se sobre o con­
texto da MAD, nacional e internacional; as metodologias apropriadas para fazer
evoluir a disciplina, combinando aspetos estéticos, tecnológicos, cognitivos e se­
mânticos; e a própria teorização sobre a MAD, o seu papel e valor. A visão redutora
do ensino da MAD como um meio de dotar as ICCs de recursos especializados é
outro ponto delicado, dado que há vozes muito críticas relativas a este setor, como,
por exemplo, a escritora e artista Regina Guimarães. Ela descreve as indústrias
culturais e criativas como um conjunto de atividades desenvolvidas por indivíduos,
entidades ou instituições inscritos no campo da cultura e da arte, que fabricam
produtos adaptados ao consumo das massas, moldando todos os produtos artís­
ticos de modo a que eles respeitem os padrões e imperativos comerciais, o que,
para ela, reflete a cobardia dos criadores e a preguiça do público, transformado
em consumidor (Guimarães, 2017).
Propõe­se que, ao falar de obras de arte, se substitua o termo criatividade
por criação, já que o ato criador (que não o ato de clonagem) pressupõe trazer­se
para o mundo uma entidade nova, com alma própria, distinta das que a precede­
ram e geraram – embora sua herdeira genética, e que chega com todo o potencial
de evolução, incluindo o conservadorismo, a revolução e todos os estados inter­
médios e blended.
Não é, contudo, o único ponto de preocupação: a articulação entre teoria e
história (da arte) é frequentemente feita por não­artistas. Os historiadores da arte,
os filósofos e os antropólogos têm visões frequentemente conflituantes com as
PEDRO ALVES DA VEIGA

dos artistas praticantes, habituados que estão a olhar para a arte exclusivamente
do ponto de vista da audiência e do crítico – e raras vezes como profissionais pra­
ticantes, sujeitos a todos os reais constrangimentos e pressões.
Os artistas são, assim, ensinados sobre a história e a teoria, as quais conti­
nuam a informar a prática artística, por quem não faz arte e por quem tem um
146 ponto de vista disciplinar (e, portanto, de interesse) diferente do seu. Não se trata
de menosprezar as contribuições de historiadores, filósofos e teóricos, mas
quando os próprios artistas aprendem a produzir investigação e a desenvolver teo­
ria, devem começar também a tomar a responsabilidade pelo conhecimento pro­
duzido e a transmiti­lo, nunca deixando de ser artistas.
O sistema de ensino deveria adequar­se a esta realidade: um professor de
arte deve criar, expor e expor­se, não apenas em publicações de índole científica,
mas também de índole artística. O exercício simples de aplicar princípios da eco­
nomia da experiência à área da educação – lato sensu – sugere que as experiências
memoráveis podem, e devem ter o seu lugar na sala de aula, que deve existir per­
sonalização e melhoria dos serviços (educativos), e que a transformação deve
ocorrer através da própria experiência. Se de igual forma aplicarmos os valores
generativos da economia da atenção149, o imediatismo, a disponibilidade cons­
tante, o potencial de descoberta (ou seja, a facilidade de acesso) aos materiais de
estudo parecem sugerir que um modelo de ensino em b­learning seja o mais in­
dicado, aliado à personalização dos conteúdos, indo ao encontro das especifici­
dades de cada perfil, de cada aluno. Adicionalmente, a interpretação pode ser
usada enquanto facilitadora no acesso aos conteúdos mais complexos, e sempre
suportada na autenticidade – há que acreditar no que se aprende. A apropriação
e o remix podem ser encarados como formas criativas de criar pensamento inter
e transdisciplinar, atravessando e cruzando conceitos e disciplinas de formas inu­
sitadas, criando novos significados. Por último, o conceito de patrocínio pode ser
aplicado aos melhores alunos/trabalhos, evidenciando os seus méritos e pre­
miando­os com o reconhecimento e o apreço merecidos: em suma, expondo­os.
Se um modelo de ensino com estas caraterísticas pode parecer utópico ou
naif, talvez mesmo impraticável, convém relembrar que ele se baseia na aplicação
simples de princípios económicos derivados do próprio neoliberalismo, parado­
xalmente responsável pela paisagem atual, onde o conhecimento é entendido
como orientado para o mercado, e onde o próprio mercado se torna o principal
mecanismo para a validação da verdade, suportando­se cada vez mais em estru­
turas e tecnologias algorítmicas.
Na paisagem atual, em vez das pessoas feitas de carne, sangue, vidas e so­
nhos, o interesse recai nas estatísticas elaboradas sobre big­data, também fruto
de processos algorítmicos. Nesta paisagem a noção humanista do sujeito racional,
149
Imediatismo, Personalização, Interpretação, Autenticidade, Disponibilidade, Apropriação, Patrocínio,
e Potencial de descoberta.
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capaz de criação, deliberação e escolha foi substituída pelo consumidor, que de­
libera e escolhe entre as opções que lhe são apresentadas, qual teste com per­
guntas de escolha múltipla ou self­service digital de fast­food.
Dar aos indivíduos a ideia de que eles são mestres do seu próprio destino, que
eles são livres para fazer o que quiserem, é apenas uma estratégia inteligente para
os manter envolvidos num número reduzido de redes sociais, em tudo semelhantes 147
a círculos­viciosos, dos quais a maioria não encontra – ou nem procura – escapa­
tória. Para quebrar o circuito, por vezes é preciso colocar areia na engrenagem.
O entendimento comum da mente criativa como o expoente da liberdade e
um mestre (na metáfora hegeliana do mestre/escravo da vontade/consciência) é
questionável (Hass, 2011). Ao encarar o artista (ou a mente criativa) como o es­
cravo, obtém­se uma melhor compreensão da atual ditadura da criatividade, em
todas as esferas da vida. A sedução dos indivíduos, engajando­os em redes de
comportamentos pré­determinados, fazendo­os acreditar que estão a abraçar a
liberdade, parece nada menos que uma situação kafkiana e politicamente ten­
denciosa, e contudo...
O ARTISTA EMPREENDEDOR
Ao entrar no novo milénio, no mundo dos negócios e tecnologia, a inovação
transformou­se num fetiche. A ambição de disromper em busca de inovação trans­
cendeu a política, alistando a esquerda e a direita. Os conservadores têm a possi­
148 bilidade de governar e reduzir impostos, em nome do empreendedorismo,
enquanto os liberais podem criar novos programas destinados a fomentar a inves­
tigação, em nome da inovação. A ideia de inovação é suficientemente vaga para se
poder fazer praticamente qualquer coisa em seu nome, sem originar o menor con­
flito, enquanto os CEOs das várias Eu, Lda. repetem o mantra: Inovação! Empreen­
dedorismo! E se a inovação falhar nos seus propósitos de rentabilizar novos
produtos, então pode–se sempre musealizar os fracassos mais significativos150.
A economia da atenção é relevante neste contexto, já que existem cada vez
mais canais para a distribuição e divisão da atenção. O artista de MAD, CEO da Eu,
Lda., está agora habituado e habilitado a alcançar uma ampla audiência, ao curar
e difundir os seus próprios conteúdos, frequentemente comentando os conteúdos
de outros como forma de os trazer até si.
Mas este processo também pode ter outros efeitos, mais especificamente
sobre a atenção de longo prazo, ao considerar a dedicação de cada indivíduo a
gerir as suas próprias interações com outros. Dedicar muita atenção a essas inte­
rações pode levar a uma sobrecarga de interação social, por exemplo, no contexto
de serviços de redes sociais. Toda a atenção dividida por essas tarefas, é menos
atenção concentrada nos processos criativos, o que leva a ponderar as vantagens
de cada um poder ser tudo o que quiser, por oposição a cada um ser bem o que
realmente é.
Hoje em dia pensar a arte como estando acima do capital é uma ilusão. O
papel do artista como empreendedor tem sido um dos grandes atributos do atual
modelo económico, justificado pela apresentação do empreendedorismo como
uma saída geral e global para a falta de oportunidades profissionais e emprego,
característicos também de um discurso de crise. É neste contexto que surge um
certo oportunismo ideológico, que, paradoxalmente, num cenário de apologia da
especialização, sugere que também as universidades abram espaço para discipli­
nas de empreendedorismo nas artes, pois o artista gestor de si mesmo pode via­
bilizar startups e outros modelos de negócio, alimentando a discussão antiga de
especialização versus integração (Manning, 2012).
Schumpeter (2000) defendeu a inovação e o seu conceito­parceiro, o em­
preendedorismo, e retratou o crescimento económico e a mudança no capitalismo
como um vendaval de destruição criativa, no qual as novas tecnologias e práticas
empresariais ultrapassariam ou destruiriam as antigas. O pensamento neo­schum­
peteriano deu origem a vários estudos subsequentes, contando­se os de Christen­

150
https://museumoffailure.com/ [2020/06/24]
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sen (1997) entre os mais influentes nas tecnologias ditas disruptivas, apesar de
questionado atualmente (Thompson, 2013; Lepore, 2014).
A inovação já é o eufemismo favorito do mundo da política, da economia e
da indústria. O termo design tem um tom demasiado cosmético e sujeito a modas,
evoca imagens de figuras andróginas em camisolas negras de gola alta, com longas
boquilhas e cigarros aromáticos. Por outro lado o termo inovação transmite ener­ 149
gia e essência, os inovadores podem ser geeks ou génios, mas vestem­se como as
pessoas comuns, não inovadoras. Se um bom design é um bom negócio, então é
porque há um design bom e um design mau, embora não existam processos algo­
rítmicos que permitam, com convicção e certeza, distinguir um do outro (Bierut,
2005). Mas por outro lado, é assumido como certo que a inovação – ao contrário
do design – é sempre boa. A inovação sempre proporcionou uma maneira de ce­
lebrar as realizações de uma era de alta tecnologia, sem a necessidade de ter de
produzir grandes impactos de melhoria social. Todos ganham no movimento da
inovação: qualquer empresário pode admitir que não tem sentido estético, mas
ninguém quer ser acusado de oposição à inovação.
Nussbaum (2013) propõe um novo tipo de capitalismo – Indie Capitalism –
onde a criatividade é a fonte de valor, o empreendedorismo é responsável pelo
crescimento (da economia) e as redes sociais são os blocos de interligação socioe­
conómica. Já Russel e Vinsel (2016) chamam a atenção para a distinção entre tec­
nologia e inovação, sendo que a inovação é apenas uma pequena parte do que
acontece com a tecnologia. E referem exemplos do que consideram um uso abu­
sivo do termo: em 2006, o periódico The Economist observou que as autoridades
chinesas fizeram da inovação uma buzzword nacional, mesmo constatando que o
sistema educacional da China enfatizava a conformidade e fazia pouco para fo­
mentar o pensamento independente. No mesmo ano a Businessweek mencionava
que a inovação corria o risco de se tornar na derradeira palavra da moda, em ex­
cesso. Mais uma vez na Businessweek, em 2008, se declarava que a inovação mor­
reu, eliminada por uso excessivo, indevido, estreiteza de vistas e falha em evoluir.
Afinal a inovação demonstrou ser fraca, tanto tática, como estrategicamente,
diante da turbulência económica e social. Em 2012, também o Wall Street Journal
observava que a palavra começava a perder significado. Na altura contabilizavam­
se mais de 250 livros, publicados nos últimos três meses, com a palavra inovação
no título, e a mesma foi apontada como servindo apenas para ocultar a falta de
substância. E apesar de toda a inovação, objetos comuns, como a ventoinha elé­
trica e muitas partes mecânicas dos automóveis, praticamente não mudam desde
há mais de um século (Edgerton, 2007). As histórias de inovação mais populariza­
das concentram­se em indivíduos caucasianos, bem­sucedidos, oriundos de gara­
gens e escritórios domésticos glorificados numa pequena região da Califórnia, mas
os seres humanos no resto do planeta também vivem com tecnologia, e utilizam
a tecnologia de que dispõem para fazer arte e cultura (Peña & Donoso, 2014).
PEDRO ALVES DA VEIGA

Na década de 40 surgiu uma expressão, utilizada pela primeira vez por Hor­
kheimer, em 1941, num ensaio sobre a arte e a cultura de massas, para designar
a nova forma de produção de bens culturais: Indústria Cultural (Adorno & Hor­
kheimer, 1944). Quase meio século depois, na Austrália, surge a expressão Indús­
trias Criativas, que abrange áreas de produção afins à criatividade, competência
150 e ao talento individual, enquanto potenciais geradores de trabalho e riqueza, so­
bretudo através da exploração da propriedade intelectual e do design (Tavares,
2014).
As tentativas sistemáticas de compreender os vínculos entre a cultura, as in­
dústrias criativas e a economia em geral, são complexas e algo difusas. Uma difi­
culdade no trabalho neste campo é a terminologia imprecisa e muitas vezes
ambivalente, sobretudo porque o termo cultura é amplamente reconhecido como
um termo problemático, e criatividade um termo pouco direto, pois denota um
cariz mais avaliativo do que descritivo. Assim, a questão – não serão, atualmente,
todas as indústrias criativas? – surge quase sempre ligada ao debate sobre as in­
dústrias criativas.
O argumento de que a cultura é cada vez mais uma parte importante de toda
a produção começa a ser recorrente (Lash & Urry, 1993). A diferença entre um
Mercedes e um modelo menos dispendioso é menos sobre a sua utilidade ou fia­
bilidade, e mais sobre aspetos intangíveis, como o estilo e a imagem, e estas dife­
renças são muitas vezes o produto do trabalho cultural.
Outros argumentam que os próprios objetos culturais proliferam em várias
formas, como informações, comunicações, produtos de marca, produtos de
média, serviços de transporte e lazer, e as entidades culturais já não são a exceção
– são a regra. Nestes tempos de aculturação, os produtos culturais já não são prin­
cipalmente simbólicos, mas tornam­se coisas, materializam­se em todos os senti­
dos do termo. Por exemplo, há filmes que se tornam jogos de computador; há
marcas que se tornam ambientes (de marca), assumindo o espaço de terminais
de aeroportos e reestruturando departamentos de lojas, outdoors e centros ur­
banos; há personagens de desenhos animados que se tornam bonecos de coleção
e figurinos de pronto­a­vestir; há música que é tocada em elevadores, e faz parte
de uma paisagem sonora móvel (Lash e Urry, 2007). Portanto, não só os produtos
culturais tradicionais – livros, música, filmes – aumentam em número, mas as
ideias e imagens culturais também são, cada vez mais, parte de produtos e serviços
não culturais.
A visão da cultura como alavanca para o desenvolvimento económico e ter­
ritorial é amplamente aceite atualmente, e a economia criativa segue a experiên­
cia da economia e da sociedade do conhecimento (Hall, 2000; Florida, 2002).
Brevemente resumida, a ideia básica postula que a transição do paradigma pro­
dutivo atual para um paradigma cultural e cognitivo, especificamente integrando
a dimensão criativa da ação, se desenvolve a par da afirmação de um sistema com­
petitivo, baseado na inovação e diferenciação. O novo sistema económico teria o
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

principal efeito de inscrever a economia cultural numa economia mais ampla, seja
ela a do conhecimento, da informação, da experiência ou da atenção. Num con­
texto de crescente concorrência, em parte devido ao desenvolvimento da globa­
lização do mercado, a aquisição de posições competitivas parece ser obtida por
esforços para aumentar a complexidade da oferta. A adoção deste tipo de estra­
tégia de diferenciação em direção ao topo, que depende menos de inovações tec­ 151
nológicas radicais do que incrementais, induz um aumento considerável nas
componentes culturais da produção (Kebir & Crevoisier, 2007).
O fortalecimento das atividades criativas nas economias contemporâneas e,
de forma relacionada, a extensão contínua dos domínios culturais (arte, cultura, pa­
trimónio, entre outros) são, então, explicados em grande parte pelo crescimento
contemporâneo da procura social pela cultura, sob a forma de produtos e serviços.
O último fenómeno seria corolário do surgimento de uma cultura de consumo, cada
vez mais heterogénea, diversificada e fragmentada. Há autores que atribuem a mu­
dança ao aumento do individualismo nas sociedades ocidentais contemporâneas e
à estilização resultante de estilos de vida vividos de acordo com o gosto individual
(Lash e Urry, 1993; Featherstone, 2007). Nesta visão, o aumento do turismo cultural
e o valor económico das práticas artísticas e património tornam­se dois temas es­
treitamente relacionados, tal como as indústrias de luxo, moda e arquitetura. O po­
tencial que oferecem para o crescimento económico e o desenvolvimento territorial
(com os impactos expressos em termos económicos, como a criação de empregos
ou as receitas fiscais, por exemplo) é valorizado ao nível do que ocorria em décadas
anteriores com as indústrias tecnológicas e de comunicações (Scott, 2004).
Na sua dimensão artística, a criatividade encontra­se, assim, na base do sis­
tema produtivo, não só como saída (isto é, a extremidade final do processo de
produção), mas também como entrada, ou como o produto do consumo interme­
diário. A totalidade dos produtos culturais constitui, de facto, um inventário de
ideias, referências, imagens e sons, nos quais se baseiam uma diversidade de se­
tores económicos (Howkins, 2001). Essa perceção económica da cultura como um
fator enriquecedor de produtos não­culturais, leva à predição de um forte poten­
cial de crescimento no setor do design industrial, de moda e digital. Também a
afirmação de uma economia de experiência em que os consumidores tentam mer­
gulhar em experiências extraordinárias, ao invés de adquirirem simples produtos
ou serviços, transforma as comunidades criativas em intermediários estratégicos
na circulação, transmissão e comercialização da criatividade artística em bens e
serviços comerciais. Assiste­se a uma fertilização cruzada e outras sinergias cria­
tivas entre indústrias, tanto no setor cultural / criativo como em outros setores
da vida económica.

A produtividade está em níveis recorde, a inovação nunca foi mais


rápida e, no entanto, ao mesmo tempo, temos um rendimento médio
decrescente e menos emprego. As pessoas estão a ficar para trás por­
PEDRO ALVES DA VEIGA

que a tecnologia está a avançar depressa demais, e as nossas capa­


cidades e organização não a conseguem acompanhar. Isto é o grande
paradoxo da nossa era. (Rotman, 2013: 1)

A cultura é também todo um modo de vida, englobando sensibilidade, valo­


152 res e práticas, bem como artefactos. É necessário pensar cultura e sociedade em
conjunto, e entender que o conceito de massa é demasiado condescendente, eli­
tista e homogeneizador, e mascara diferenças reais e importantes. Qiu (2017) de­
nuncia a nossa sociedade atual como sendo pouco respeitadora dos próprios seres
humanos, sobretudo dos que trabalham atrás das cortinas da cultura de consumo,
que designa por iSlave. Mas, para ele, o mais perturbador é a nossa própria cum­
plicidade: os gadgets contemporâneos são viciantes e o verdadeiro escravo é
aquele que fica voluntariamente acorrentado, aquele que anseia pela última no­
vidade tecnológica, enquanto consumidor ou criador – e está até disposto a ven­
der um rim para obtê­la151.
A cultura do consumo não é apenas responsável pela fabricação do iSlave,
mas também depende do iSlave fabricado. A mesma tecnologia pode ser usada
de forma criativa, para monitorizar e controlar a sociedade, ou para a questionar
e fazer avançar, mas quanto mais o Estado estiver ausente, enquanto mecanismo
de estímulo financeiro e social, mais a ética e as preocupações sociais correm o
risco de desaparecer, dado que são potenciais entraves ao mercado livre e ao em­
preendedorismo neoliberal.
Nos Estados Unidos foi lançada a DebtFair152 , uma iniciativa destinada em
especial a artistas e outros agentes culturais com dívidas financeiras. Através de
uma instalação artística, a DebtFair visa contrariar os sentimentos de vergonha e
exclusão que uma situação de dívida financeira podem frequentemente acarretar.
Segundo os organizadores da iniciativa, a dívida traz para o foco um mercado ar­
tístico paralelo em expansão, a par de uma geração de trabalhadores culturais a
caminho da ruína financeira. Todas as dívidas estão interligadas. O artista comum
hoje é um devedor; financiando as suas visões, incapaz de ver para além dos pa­
gamentos de empréstimos.
O artista é pressionado a adotar a estética – e a ideologia – mais adequada
ao mercado. Está condicionado a avançar cada vez mais no risco financeiro em
troca de aspirações empreendedoristas de sucesso no mercado da arte. A DebtFair
é um projeto participativo que expõe a camada oculta de dívida dentro do mer­
cado de arte e das suas instituições, tornando visível a relação entre a prática ar­
tística e a realidade financeira (norte­americana). Em meados de 2020 os
artistas/participantes no projeto totalizavam uma dívida superior a 57 milhões de
USD.

151
http://www.bbc.com/news/world­asia­pacific­13639934 [2020/06/24]
152
http://debtfair.org [2020/06/24]
A REINVENÇÃO DA CURADORIA
À medida que a relação entre utilizadores e aplicações de rede se desloca da
disseminação para a participação, do site pessoal de autoria única para o blog de
feedback mútuo, e da Diciopédia para a Wikipedia, coeditada por todos, a era da
Web 2.0 tem enfatizado a possibilidade da descentralização, da criação participa­ 153
tiva (não necessariamente colaborativa), da capacidade e quantidade de remis­
tura, e outros atributos da experiência dos utilizadores, em que estes
desempenham um papel central (Cheng, 2007). O termo participação designa
também a atividade cocriativa da audiência no processo artístico. A passagem de
um consumo passivo, característico da arte não­interativa, para um consumo in­
terativo, determina uma diferença significativa na perceção da obra e na manifes­
tação da própria obra de MAD que, para muitos autores, só existe em função da
audiência/público.
Existe uma relação entre a necessidade que as pessoas sentem por novas for­
mas e fontes de diversão, prazer, entretenimento e estilo de vida, e a sua capaci­
dade criativa. Através desta ligação entre a criatividade e a participação em
experiências artísticas, os artistas podem tentar cativar o público através da imer­
são, da multissensorialidade, captando e mantendo a sua atenção, empenhando­
se criativamente na forma, e relegando potencialmente para um plano secundário
o conteúdo – o que não significa que deva ser abandonado.
Muita da MAD abraça esta abordagem, centrada no formalismo, no deslum­
bramento tecnológico e dos efeitos especiais. Mas a maior parte das vezes não é
uma experiência memorável, e eis o paradoxo: intuitivamente sabemos que há
mais dimensões para a arte, e que encará­la apenas pelo lado estético mundano
é amputá­la. A MAD abre novas perspetivas de socialização e participação, po­
dendo distinguir­se quatro modelos de participação artística suportados pela In­
ternet (Cheng, 2007):
• A participação artística enquanto jogo – é um dos mecanismos de atração
de atenção e participação voluntária mais populares na Internet.
• A alteração da forma da obra de arte – enquanto arte pública, porque está
exposta na Internet, sem restrições – a obra de arte pode ser alterada na
sua forma pelo público, sentindo­se assim verdadeiramente tocada, como
no universo físico. A obra interativa é constantemente reestruturada e in­
corporada pela atividade dos seus interatores (onde o artista pode ainda
estar incluído, agora como público da sua própria obra).
• A verbalidade da arte – a arte deixa de ser apenas uma paleta de estímulos
sensoriais misteriosos, e transformou­se em experiências, partilha e diá­
logo. A arte torna­se um verbo.
• A transferência de autoria – os artistas responsáveis por criações colabora­
tivas tornam­se editores de projetos e, simultaneamente, os utilizadores par­
ticipantes no projeto tornam­se artistas. Quando o trabalho envolve artistas
PEDRO ALVES DA VEIGA

e participantes, a relação entre autor e obra torna­se desfocada. A criação


termina exatamente onde? Todos os que contribuem para o resultado – a
materialização da obra – em dado momento devem ser considerados coau­
tores?

154 O próprio público se encarrega de criar significados e conteúdos, se estes não


forem evidentes, e isso denota uma característica humana inata – a vontade de
encontrar significado, de perseguir histórias. Entre a obra inexplicada ou inexpli­
cável e a obra explicada ou explicável, a atenção prende­se na segunda, em detri­
mento da primeira, o que está em linha com um dos princípios generativos da
economia da atenção – a interpretação.
Os efeitos da Web 2.0 parecem coincidir com as teorias de Barthes (1977),
que professam a morte do autor e do texto que se escreve153. A teoria da morte
do autor enfatiza que os autores deixam de existir nas obras depois de serem fi­
nalizadas e, a partir daí, as atenções se centram na interação entre as próprias
obras e o público. Assim, os utilizadores / público tornam­se a força que impul­
siona as obras; este é o centro dos movimentos pós­modernistas e pós­estrutura­
listas e, também, a base e a referência para a estética da arte de criação
colaborativa e participativa. Podemos debater a qualidade das contribuições, e se
o que é produzido é coerente e sofisticado, mas não há dúvida de que este é mais
um tema ativo, que se junta à prática artística.
Encontram­se pontos de contacto relevantes com o modelo de design parti­
cipativo, nascido na Escandinávia nos anos 70. Trata­se de um conjunto de teorias,
práticas e estudos relativos a utilizadores finais, enquanto participantes de pleno
direito em atividades conducentes ao desenvolvimento de produtos informáticos
de hardware e software, e em atividades suportadas/baseadas em computadores
(Muller & Druin, 2010). É um modelo extraordinariamente abrangente, podendo
refletir­se em áreas como o design gráfico, a engenharia de software, a arquite­
tura, a psicologia, a medicina, a antropologia, a sociologia, as relações de trabalho,
a comunicação ou a ciência política, e ainda em experiências localizadas em di­
versos contextos culturais e nacionais.
Muitos investigadores são motivados por acreditarem no valor da democracia
aplicado a contextos cívicos, educacionais e comerciais, em que a participação de
todos é vista como de igual importância: um valor que pode ser traduzido no re­
forço de comunidades mais fragilizadas, incluindo crianças, idosos e desemprega­
dos. Mas também pela combinação de diversos tipos de conhecimento para
melhorar processos internos, serviços e produtos. Esta participação pode conduzir
a experiências híbridas, em que as práticas ocorrem num domínio que não é nem
o dos utilizadores, nem o dos tecnólogos, mas sim uma região intermédia, que
partilha atributos com ambos os espaços. Trabalhos recentes apontam este ter­
153
No original, em inglês, writerly text.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

ceiro espaço como um território fértil, onde todos os participantes podem com­
binar diversos tipos de conhecimento e produzir novas descobertas e planos de
ação. Esta combinação pode traduzir­se por uma articulação, clarificação ou in­
formação sobre as suas necessidades enquanto indivíduos, mas também das pes­
soas às quais eles estão ligados ou pelas quais são responsáveis – organizações,
instituições, famílias, escolas ou outras comunidades, segmentadas por depen­ 155
dências, deficiências, circunstâncias ou estigmas sociais. Atributos importantes
das experiências neste terceiro espaço são o desafio de preconceitos, a aprendi­
zagem recíproca, a criação de novas ideias que emergem através de negociação e
cocriação de identidades ou os debates a muitas vozes que atravessam e reduzem
as diferenças.
Contudo, também o design participativo tem evoluído, sobretudo com a pe­
netração maciça das tecnologias na vida quotidiana, e o modelo tem vindo a ser
questionado por autores como Beck (2002), sobretudo por considerar que a par­
ticipação simples não é uma condição suficiente para alterar o equilíbrio de po­
deres: existem inclusivamente formas de participação que servem para promover
e contribuir para o enraizamento dos poderes dominantes, sem os questionar.
Atualmente a análise dos papéis da comunicação e informação nos padrões
de controlo é um dos pontos fulcrais da investigação em design participativo, e o
seu cruzamento com a MAD pode ser enriquecedor. Quando Duchamp sugeriu
que a obra de arte é cocriada pelo observador (Charbonnier, 1994), num processo
despoletado pelo artista e finalizado pelo observador, mal sabia que, no final do
século, algumas obras de arte iriam depender literalmente do observador, não só
para as completar, mas – sobretudo – para as iniciar, para as trazer para a existên­
cia. A natureza interativa e participativa das obras de MAD, que permitem ao pú­
blico navegar, manipular ou contribuir para elas, de uma forma que ultrapassa o
processo mental de apreciação, é uma regra contrária à regra básica da maior
parte dos espaços expositivos clássicos: não tocar nos objetos expostos. A obra
de arte destinada a um papel ativo do seu público­alvo implica um segundo passo
no processo de produção artística, ao permitir que a interação entre o público e
a obra tenha impacto na sua forma e/ou conteúdo. Neste processo, a obra de arte
torna­se um tipo de trabalho colaborativo, participado pelo artista e por vários
destinatários. O artista torna­se, assim, um agente médio ou mediúnico (Du­
champ, 1981). A questão em relação à intenção da arte muda de direção, na me­
dida em que o público, segundo os postulados de Duchamp e Dewey, consuma a
obra de arte.
A interação pode ocorrer de diversos modos: através da forma de um objeto,
no contexto de uma situação, mediada por tecnologia, entre outros. No caso mais
simples, os destinatários podem modificar um objeto que foi criado pelo artista,
como ocorria na arte cinética dos anos 60. Estruturas de interação mais complexas
desenvolvem­se através da combinação de partes de texto ou sons, que, em forma
de objeto ou como pontuação, exigem a participação ativa do público para que a
PEDRO ALVES DA VEIGA

obra seja consumada. Assim, a obra de arte concluída e fechada é substituída por
um campo aberto de ação, gerado pela primeira vez pelo público­participante, o
qual interage dentro de um quadro de ação determinado, para que a comunicação
se torne o fator central da experiência estética. Pode obter­se até a remoção com­
pleta do limite entre autor e público­participante, assente em comunicação
156 homem­máquina ou homem­máquina­homem.
Tome­se como exemplo a instalação de Seiko Mikami, Desire of Codes154, com
90 câmaras montadas numa parede e seis braços robóticos articulados com câ­
maras, tudo para melhor vigiar o visitante – o centro da atenção – cuja imagem
processada é projetada num ecrã composto de hexágonos, reminiscente dos pa­
drões compostos dos olhos de alguns insetos. Ou ainda A truly magical moment155,
uma instalação interativa de Adam Basanta, de comunicação homem­máquina­
homem. E porque, numa sociedade mediatizada, as pessoas comunicam entre si
através de máquinas, a sobreposição destes dois campos (arte e comunicação) é
evidente. Por esta razão, o conceito de interatividade passa a aplicar­se a todas
as formas de comunicação e interação, mediadas pela tecnologia, que ocorrem
entre humanos e máquinas, bem como entre seres humanos (Daniels, 2008).
A interação do público com as obras de arte já era uma área de interesse em
expansão para artistas e teóricos nos anos 60 e 70. Burnham (1969), por exemplo,
defendia a importância de compreender as obras no seu contexto ambiental, e
ainda que tudo o que processa dados ou informação a partir da obra de arte é
também uma componente da mesma obra de arte. Perante este princípio, tam­
bém o público se torna parte da obra.
De igual forma, Ascott (1966) desenvolveu uma teoria em que a participação
e a interação entre o público e a obra de arte são centrais. Em 1966 utiliza o termo
comportamentismo156 para descrever uma tendência que domina a arte em todos
os aspetos: o artista, o artefacto e o espetador, todos ficam envolvidos num con­
texto comportamentista, cujo objetivo é atrair o espetador para uma participação
ativa no ato da criação, para lhe transmitir, através do artefacto, a oportunidade
de se envolver num comportamento criador em todos os níveis da experiência:
física, emocional e conceptual. Ascott compara o próprio ato de relacionamento
de artista/obra/público a um jogo no qual, antigamente, o artista ganhava sempre,
dado que ditava as regras, e o público tinha um conjunto de jogadas pré­determi­
nadas, sem estratégia própria. No campo da MAD, o jogo agora está permanen­
temente ativo e a sua evolução pode depender tanto do artista como da audiência.
Tal como os processos criativos de MAD, que evoluíram desde uma visão cen­
trada no artista para uma visão distribuída, também a curadoria se transformou
significativamente nas últimas décadas, e também aqui o paradigma da participa­
ção veio renovar a área.
154
https://www.youtube.com/watch?v=5PKT44tU658 [2020/06/24]
155
https://vimeo.com/172369238 [2020/06/24]
156
No original, em inglês, behaviourism.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Desde o século 17 que a curadoria se centrava na opinião de perito do cura­


dor, enquanto conhecedor educado e arquivista de variados trabalhos. O curador
era quem determinava habitualmente o valor (cultural) de uma obra, e por isso a
curadoria não era apenas considerada elitista, como também esteve profunda­
mente envolvida na própria criação das elites (Balzer, 2014). Por este motivo, a
sua abolição foi vista como (mais) uma consequência positiva do livre acesso à in­ 157
formação e do contacto direto que a Internet veio proporcionar.
A MAD é um campo artístico onde a novidade, a estranheza da estética digi­
tal, as formas participativas de autoria e as estratégias de investigação complexas
impedem a aplicação de critérios de valoração obsoletos. Adicionalmente, hoje
em dia é esperado que a curadoria de qualquer instituição cultural também de­
termine o valor de entretenimento de uma obra para as massas (Lichty, 2002).
A curadoria de MAD abrange todos os setores onde a produção artística pode
ocorrer: meios académicos, governamentais, empresariais e outros. Essa curadoria
poderá ser participada ou distribuída, já que o curador poderá estar envolvido tanto
nas redes, como nas comunidades de prática, nos espaços de trabalho, ou em or­
ganizações virtuais que atravessam fronteiras institucionais, nacionais e culturais.
Assumindo que muitas das comunidades de prática consistem em especia­
listas de várias disciplinas e áreas, um requisito básico da curadoria de MAD é
poder encetar diálogos informados com todos eles (Thibodeau, 2007). Existe uma
solicitação crescente para trazer as formas de arte imateriais/virtuais para os es­
paços expositivos convencionais, através de uma abordagem multidisciplinar em
que se procura definir um trabalho de curadoria, situado na interface entre um
espaço representacional, as formas de apresentação de formatos de arte tradi­
cionais, e os nichos da MAD.
Mas, por enquanto, ainda é mais fácil colocar toda a coleção de um museu
na Internet, do que exibir um único trabalho de net art num espaço museológico
convencional (Hochrieser et al., 2007). Os pressupostos da curadoria clássica pre­
cisam de ser alterados quando se lida com obras de MAD, especialmente com
obras de arte baseadas em processos trans­versos, que permitem que a obra de
arte funcione entre o material e o virtual.
O curador pode oferecer ao público a possibilidade de compreender a inves­
tigação e as estruturas artísticas conceptuais e estéticas, para que este aprecie e
se envolva, com conhecimento dos processos de produção e da obra final do ar­
tista. A arte que se baseia em investigação e compromissos interdisciplinares cien­
tíficos e tecnológicos, que varia da neuroestética à paleobiologia, da psicologia da
cor aos efeitos da pixelização transmediada, pode sair enriquecida ao dar também
uma visão do processo de produção do artista, entendendo que a produção não
é limitada ao processo físico de criação do artefacto: ela inclui a conceção e a in­
vestigação que sustentam, informam e inspiram os processos criativos. Estas são
questões que tocam tanto ao processo criativo artístico, quanto ao dever da cu­
PEDRO ALVES DA VEIGA

radoria, de facilitar o envolvimento entre o público e os artefactos artísticos, a sua


estética e os processos que conduziram à sua produção.
Mas a MAD é uma designação demasiado abrangente, e engloba obras que
resultam de interações com máquinas – onde o público ainda é frequentemente
um espetador passivo, ou encarado como uma fonte de dados, e muitas vezes
158 sem qualquer possibilidade de interagir de forma criativa e/ou crítica – ou obras
sem autores iniciais conhecidos, que são (re)produzidas pelo público através de
interações, de trabalho coletivo ou da exploração do desejo de participar e parti­
lhar como coautor (Francescutti, 2007).
O aumento da produção artística e a consequente disseminação pela Internet
trouxeram vários problemas para o público: ao facilitarem a partilha online gra­
tuita, incentivaram a cópia sem restrições; ao igualarem a exposição (nas redes
sociais) ao sucesso, dificultaram a asserção da qualidade – que corre o risco de
ser entendida como uma contabilidade de likes, visualizações e comentários, mui­
tos dos quais são comprados online a empresas especializadas157. E como conse­
gue o público navegar neste cenário intrincado, como consegue distinguir o
original do replicado, a inspiração do decalque – em suma, utilizar critérios quali­
tativos e fundamentados no direcionamento da atenção?

Não vejo forma de ultrapassar a chamada estrutura de legitimação


do mundo da arte; porque ultrapassar qualquer tipo de estrutura
criadora de contextos – como galerias, museus, curadores, revistas,
educação e tudo isto – dificulta muito saber quem encontra quem. É
uma boa ideia que os artistas possam contactar diretamente com o
seu público, mas temos um problema de excesso de informação em
geral, e não há filtros qualitativos incorporados nessa informação.
Perdemo­nos e não sabemos o que escolher e como encontrar o que
queremos porque tudo está acessível. A questão é: em que é que eu
devo interessar­me – no artista que vive ao lado ou num de outro
continente? (Cook, 2008: 32)

Cansado de uma navegação online sem rumo, de ligação para ligação, o pú­
blico dá de novo as boas­vindas ao aconselhamento, à asserção e seleção de qua­
lidade. Mas o curador tornou­se cocriador, deixou de ser (apenas) um garante da
apresentação, coleção e preservação. A sofreguidão pela novidade e inovação, e
a sua banalização, determinam o surgimento de um paradoxo: com a obsolescên­
cia acelerada dos média e tecnologias, a facilidade da criação é igualada pela fa­
cilidade da destruição. Se para McLuhan o meio era a mensagem, atualmente o
meio é o negócio, e a mensagem é algo que ajuda a vender o meio.
157
https://audiencegain.com/facebook­marketing/ ou http://buzzoid.com/buy­instagram­likes/ ou
ainda https://boostlikes.com/ [2020/06/24] entre outros
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

A pressão da rentabilização e a necessidade de captar um público com a aten­


ção cada vez mais fragmentada, cada vez menos interessado (capaz?) em investir
tempo na apreciação da arte e, simultaneamente, mais interessado na experiência
e na partilha social do momento, molda as comunidades e recria a curadoria. Para
a MAD, a curadoria teve de passar a lidar com a complexidade de sistemas que
envolvem engenheiros, artistas, cientistas, espaços físicos e virtuais, audiências 159
cultas e curiosas e uma sede permanente de entretenimento e diversão. O curador
trabalha frequentemente em colaboração com artistas e outros curadores, deixou
de ser apenas um filtro, preocupado com apresentação e preservação, para se tor­
nar um comissário de mediação entre artistas, instituições públicas e privadas, fi­
nanciadores, indústria e audiências, físicas e virtuais.
A MAD, mais do que outras formas de arte ditas estáticas ou não­interativas,
exige um público para se realizar em plenitude. No momento atual já existe um
excesso de ofertas culturais e artísticas, mesmo no campo da MAD, conforme se
vê pelo número de festivais. Não basta acenar com a possibilidade (gratuita ou
paga) de participar em seminários, workshops e exposições. As motivações do pú­
blico são complexas e envolvem uma mistura de entretenimento, escapismo, es­
tética e educação, às quais ainda se adiciona, para um público habituado a tudo
partilhar, o status proveniente dessa mesma partilha. A autenticidade é estabele­
cida pelo conhecimento interno, e a acessibilidade e a facilidade em encontrar
são asseguradas por uma divulgação que já não tem que quebrar tantas barreiras,
e que, pelo fenómeno de partilha e comunicação a terceiros, consegue, assim, ul­
trapassar também os limites físicos das instituições. O idealismo que pauta a di­
vulgação orgânica pela Internet e redes sociais não se revela suficiente. Os
resultados dos motores de busca são apresentados em função direta e indireta
de investimentos financeiros: através do pagamento direto de anúncios ou compra
de palavras­chave, que determinam a ocupação das posições cimeiras nas lista­
gens de resultados, ou através da criação de redes de conteúdos mutuamente re­
ferenciados em distintos sites de referência, o que implica a capacidade financeira,
técnica e temporal para os realizar. As experiências, tal como os produtos, estão
sujeitas a divulgação e marketing, de outra forma jamais chegarão ao público. É
manifestamente mais fácil atrair, para um local físico, um público imediatista e cu­
rioso, vizinho ao próprio local, através de comunicação local, do que um público
distante, mesmo que interessado, via Internet. Fixar esse público através dos ge­
nerativos da atenção é o passo seguinte que um curador atual e atuante deve ter
a capacidade de implementar: já não basta selecionar.
Mas mesmo no universo físico existem inúmeros modos alternativos de exer­
cer curadoria, com ligações mais ou menos ténues às instituições de arte tradicio­
nais. Os próprios festivais ou a MAL, enquanto arte­pública, permitem afiliações
comunitárias mais fortes e envolvimento em iniciativas de base política. Os labo­
ratórios também permitem uma maior experimentação e práticas colaborativas,
são mais flexíveis e permitem a negociação entre artistas e curadores, libertando­
PEDRO ALVES DA VEIGA

se de limites disciplinares. Cook (2008) refere três modelos distintos de curadoria,


adequados para a nova realidade da MAD: (1) iterativo/generativo; (2) modular e
(3) distributivo.
O modelo iterativo/generativo parte do desenvolvimento de uma exposição
em torno de um convite feito aos artistas para explorar determinado tópico. O cu­
160 rador aproveita então os projetos potencialmente mais interessantes ou bem­su­
cedidos e constrói outro evento em torno deles, que pode ser apresentado em
condições e lugares significativamente diferentes do primeiro. Os curadores, pro­
dutores e financiadores têm frequentemente dificuldade em aceitar o facto de
que uma audiência (enquanto utilizadora/interatora) pode afetar o desenvolvi­
mento de um projeto. A maior parte das instituições clássicas ainda prefere os
projetos chave­na­mão, querem resultados previamente documentados e previ­
síveis – sobretudo financeiramente previsíveis. O modelo iterativo tem como prin­
cipal desvantagem o tempo alargado de desenvolvimento, e exige financiamento
flexível para a construção de vários eventos iterativos. Como principal vantagem,
permite ao curador estabelecer relações duradouras com os artistas, que podem
de seguida desenvolver os seus projetos, adequando­os a mudanças tecnológicas
e de localização.
Por outro lado, o modelo modular permite uma maior flexibilização organi­
zacional. Quando as instituições ligadas à MAD lidam com produção e apresenta­
ção, as estruturas de exposição devem tomar em consideração a fluidez e
instabilidade dos media tecnológicos que suportam os artefactos. É frequente,
nestes casos, essas instituições recorrerem a um curador adjunto, para ajudar a
desenvolver as estruturas necessárias. A modularização manifesta­se quer nas es­
truturas de exibição, quer na metodologia dos curadores independentes, baseada
em nós, ou módulos colaborativos, entre várias entidades. A filosofia é simples:
se houver uma dificuldade numa área de um projeto, contacta­se o seu respon­
sável (artista, local de exibição, parceiro tecnológico), promove­se a solução ou
procura­se um novo fornecedor, em linha com o conceito inicial, e daí a seme­
lhança com um mercado profissional de serviços. O curador pode trabalhar com
os artistas para adicionar ou retirar um módulo a um artefacto, amplificando ou
reduzindo a sua interação, por exemplo, sem afetar a sua essência. Este modelo
de curadoria – ou de comissionamento e produção de MAD – questiona as carac­
terísticas colaborativas (o próprio ecossistema) da MAD. A tecnologia tem influên­
cia sobre o processo colaborativo criativo? Quem conduz a investigação, e quem
assume a parceria: o artista, o curador, o tecnólogo?
Finalmente, o modelo distributivo é um modelo adequado à negociação da
apresentação de MAD, em que os curadores estão localizados em pequenas ins­
tituições ou organizações, frequentemente criadas por eles próprios, e trabalham
com parcerias. Estas organizações, ou agências de arte, operam frequentemente
em contextos não museológicos e focam­se em levar os projetos ao encontro do
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

público, com um mínimo de interferências. É um modelo mais prevalente na Eu­


ropa do que nos Estados Unidos ou Canadá. É, contudo, um modelo complexo e
difícil, quando se tenta enquadrar projetos de muito curta duração ou projetos
evolutivos de muito longa duração, uma vez que o financiamento é habitualmente
atribuído caso a caso e exige resultados concretos. Para estas agências também
161
se torna mais complicado manter a atividade entre projetos sem financiamento
de raiz, o que conduz a cenários em que a opção por determinado projeto resulta
da perceção da existência de potenciais fontes de financiamento.
Por tudo isto, a capacidade provada de preservar e exibir MAD ainda reside
em grande parte num plano teórico, mas é uma questão aberta para um largo es­
pectro do trabalho artístico contemporâneo – pelo menos para os museus – a
menos que eles tomem o primeiro passo e colecionem, criticamente e assidua­
mente (Dietz, 2005).
Colecionar MAD é, acima de tudo, uma questão de curadoria: seleção, apre­
sentação e preservação. Para além dos modelos sugeridos por Cook, têm sido rea­
lizadas experiências em museus, em que a curadoria, que é habitualmente
delegada em especialistas, foi atribuída ao público, também como estratégia de
atração e envolvimento do mesmo. Mas atente­se que as instituições são já co­
nhecidas desse mesmo público, e a participação na curadoria – ou até numa ex­
posição – daquelas instituições pode encarada como capital simbólico.
Em 2014, o Frye Museum, de Seattle, produziu a exposição #SocialMedium158,
com curadoria do público, através das redes sociais, enquanto o Portland Art Mu­
seum lançava a iniciativa #captureParklandia159, composta por fotografias digitais
de parques da cidade, acompanhadas daquela hashtag. Mas a curadoria também
já evoluiu para fora dos contextos clássicos de galeria e museu.
Simon (2010) refere a utilização crescente de objetos, tecnológicos ou não,
materiais ou virtuais, como substituição dos contextos educacionais e das relações
interpessoais, para as interações sociais. Estes objetos tornam­se os nós de redes
de comunicação partilhada, tornam­se objetos sociais.
Coleções destes objetos sociais são reunidas em sites especializados, em que
cada utilizador se torna curador dos seus próprios interesses. O site Pinterest con­
tabiliza cerca de 175 milhões de utilizadores, com mais de 3.000 milhões de micro­
galerias160. Reforçando a ideia da curadoria ao alcance de todos, a Fondazione
Prada e o Qatar Museum organizaram em 2014 a competição Curate161, dando ên­
fase à figura não­profissional do curador. A chamada à participação abria com o
texto: «A competição reconhece que todos somos curadores» (Ghidini, 2019: 27).
158
https://fryemuseum.org/exhibition/5631/ [2020/06/24]
159
https://artmuseumteaching.com/2014/07/29/captureparklandia/ [2020/06/24]
160
https://www.omnicoreagency.com/pinterest­statistics/ [2020/06/24]
161
http://www.fondazioneprada.org/project/qma­fondazione­prada­curate/?lang=en [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

162

Figura 28: Visão parcial da galeria de média­arte digital, curada pelo autor, na rede social Pinterest.
Fonte: autor.

Também na conferência South by Soutwest – SXSW – no mesmo ano, no pai­


nel Everyone’s a Curator: Do Museums Still Matter?162 propunha­se a seguinte afir­
mação para debate: na idade das redes sociais todos são curadores (ou pelo
menos pensam que são). A Fundação Gulbenkian também lançou a iniciativa Cu­
rador Por Um Dia,163 para comemorar o Dia Internacional dos Museus, em 2020,
tendo obtido mais de 400 participações. Em suma: depois da massificação da cria­
ção artística, seguiu­se a massificação da curadoria.
E aqui levanta­se mais uma questão: como garantir a confiança, a autentici­
dade e a autoria de uma obra de arte na Internet? A tecnologia Blockchain veio
possibilitar uma ligação vinculativa entre criador e criação, permitindo assim au­
tenticar as obras e as suas transações, determinando a propriedade corrente. A
aquisição pelo centenário MAK, na Áustria, de um screensaver, Event Listeners,
de Harm van der Dorpel, autenticado por Blockchain e pago por Bitcoin é um bom
exemplo destes novos paradigmas164.
162
https://schedule.sxsw.com/2014/events/event_IAP20388 [2020/06/24]
163
https://gulbenkian.pt/museu/dia­internacional­dos­museus/exposicao­curador­por­um­dia/
[2020/06/24]
164
Ver aqui o comunicado de imprensa detalhado: http://www.mak.at/jart/prj3/mak­
resp/data/uploads//downloads/presse/2015/Harm_van_Dorpel_e.pdf [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

E se, aparentemente, o Blockchain está direcionado ao mundo digital, as obras


físicas também podem nela ser incluídas, através da uma sua representação digital
(por exemplo: fotografia, filme, registo composto). A Blockchain Art Collective165
garante este processo através de três componentes: um objeto, uma identidade fí­
sica segura e uma identidade digital segura. Este processo implica que uma obra
de arte imaterial passe a ficar associada à tecnologia física que permite uma sua 163
instanciação, facilitando também assim outro papel da curadoria: a preservação.
A temporalidade da MAD tem sido particularmente problemática desde o iní­
cio, no sentido de que muitos artefactos concebidos no século passado já foram
perdidos, devido à obsolescência de plataformas e ferramentas, deixando assim
que certas obras existam apenas na prática discursiva, ou em seus registos foto­
gráficos ou videográficos. Mas se tanta da MAD foi desenvolvida principalmente
fora das instituições de arte tradicionais, a tentativa de agora a incluir em circuitos
de museus e galerias levanta, naturalmente, dificuldades e obstáculos, até concep­
tuais. A curadoria deve também lidar com estas situações, bem como com even­
tuais choques políticos e ideológicos entre poderes instituídos e contrapoderes.
As razões históricas para uma tensão entre os artistas de MAD e o sistema
instituído podem remontar aos ideais da Web 2.0, da fraude inocente, que fez
com que muitos artistas se manifestassem publicamente contra as galerias e mu­
seus, mostrando sem reservas o seu desdém pelo sistema instituído do mercado
da arte contemporânea. A nova curadoria da MAD, para além de fomentar a re­
conciliação entre o velho e o novo mundo das artes, age também como uma forma
de agenciamento dos artistas, dentro da economia da atenção, e nesse sentido
convém relembrar os oito princípios generativos sugeridos por Kelly (2008): ime­
diatez, personalização, interpretação, autenticidade, acessibilidade, corporali­
zação, patrocínio e facilidade na localização. Esses princípios podem ser aplicados
aos artefactos, no próprio processo criativo, mas podem ir mais longe: porque não
considerá­los como possibilidades para os próprios artistas?
O olhar centrípeto, o fluxo de energia das margens de uma sociedade ao seu
centro de atenção, cria, pela sua natureza, a atenção, a fama, a exposição e, arris­
que­se, o sucesso. Warhol criou uma personalidade pública que funcionava como
uma armadilha de atenção166, tão (ou mais) eficaz do que as suas obras. Nas suas
palavras, «não estávamos apenas na exposição de arte – nós éramos a exposição»
(Bourdon, 1995: 213­214). O artista, transdisciplinar, auto­curado, CEO da Eu, Lda.,
e centro das atenções, pode seguir inclusivamente um conjunto de princípios, to­
talmente orientados ao mercado, para atingir este posicionamento:

Construir armadilhas de atenção: criar valor manipulando as estru­


turas de atenção vigentes. [...] Duchamp fez isso como provocação,
agora faz­se como estratégia de negócio. [...] utilizar o público como

165
https://blockchainartcollective.com/ [2020/06/24]
166
Attention trap, no original.
PEDRO ALVES DA VEIGA

inspiração, esquecer as musas. Manter contato com a audiência. O


cliente está sempre certo. Abandone­se o ego artístico olímpico. Apli­
car a «psicologia da obra­prima» da arte convencional ao contrário:
produção em massa, nunca trabalho técnico qualificado; audiência
em massa, nunca conhecedores; tendência, nunca intemporalidade;
repetição, nunca raridade. Dar atenção aos objetos. Não deixar o uni­
164
verso das coisas para trás enquanto se flutua no ciberespaço. A arte
conceptual não leva a lado nenhum. Criar coisas que se possam ven­
der. Viver o presente, é aqui que o valor é adicionado. Não construir
a casa na eternidade. As minhas obras não têm futuro. Eu sei disso.
Bastam alguns anos, e é claro que as minhas coisas não significarão
nada. (Lanham, 2006: 53­54)

Mas pode ir mais longe: pode evitar que dentro de alguns anos as suas obras
não signifiquem nada. Jacques (2017) considera a próxima iteração da sociedade,
depois da informação, como a do conhecimento mas, na verdade, poder­se­á pro­
por que a iteração do valor imediato já se instalou sem alarido. E este valor ime­
diato influencia de forma determinante a curadoria dos eventos, incluindo festivais
e bienais, de MAD.
Poder­se­ia assumir que este tipo de curadoria se desenvolve ao longo de um
eixo em cujos extremos estão, de um lado, o público, em função da pressão eco­
nómica, e do outro o ideal ou conceito artístico. Mas existem ainda algumas sin­
gularidades que colocam a própria curadoria no centro das atenções, mais do que
as obras de arte. Um exemplo deste tipo de singularidades é a Bienal de Bucareste
que, para a sua edição de 2022, conta com a curadoria de uma aplicação de inte­
ligência artificial. Batizada com o nome de Jarvis, ela irá aprender através de deep
learning consultando bases de dados de universidades, galerias ou centros de arte,
usando um conceito inicial como a estrutura­chave para as suas escolhas autóno­
mas curatoriais. No final do processo Jarvis selecionará os artistas e criadores para
a bienal com base na aprendizagem realizada. Isto implica que qualquer obra que
não esteja presente nas bases da dados de universidades, galerias ou centros de
arte não será considerada. Mas não deveria o objetivo de uma bienal de arte ser
o oposto, ou seja, mostrar o que de novo e incomparável se faz? Em suma, tudo
indica que Jarvis venha a ser a estrela da bienal, e não a arte por si selecionada.
A curadoria centrada no público preocupa­se com a rentabilização e, por isso,
procura maximizar o valor imediato, agradar a multidões, proporcionar experiên­
cias de entretenimento, escapismo, socialização e novidade, trazer algo de novo
a um mercado saturado de oferta – e assim se explica a existência de Jarvis. Mas
se se limitar a estes objetivos, a curadoria pode ficar reduzida à utilização da tec­
nologia enquanto demonstração e diversão, sem futuro (porque novos demons­
tradores, mais atuais, se seguirão).
Por outro lado, centrada sobre o ideal artístico, conseguirá certamente uma
reputação elevada entre pares, provavelmente até poderá inovar e causar impacto
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

académico e social. Mas os excessos conceptuais, sobretudo se aliados a uma con­


cretização empobrecida, irão dar origem a experiências dececionantes, que re­
dundarão na provável falta de investimento, de investidores e de público, e em
perspetivas pouco animadoras para o futuro.
Torna­se assim evidente que o blending dos dois extremos, da orientação
para o público – enquanto vetor multidimensional participativo dos processos de 165
cocriação, fruição e curadoria – e da orientação para o conceito, ditará certamente
o sucesso da curadoria, manifestada em experiências ricas em significado para a
audiência.
PROPRIEDADE VERSUS EXPERIÊNCIA
A experiência é definida como o resultado de encontrar, enfrentar ou viver
situações que proporcionaram valores sensoriais, emocionais, cognitivos, com­
portamentais, relacionais e funcionais (Schmitt, 1999). Uma experiência desejável,
166 que afetará as emoções, dura muito tempo na mente do indivíduo, e influenciará
subsequentes comportamentos, emoção e afeto (Allen, Machleit & Kleine, 1992;
Mano & Oliver, 1993; Westbrook & Oliver, 1991).
Fornecer experiências de alta qualidade é um objetivo primário para a indús­
tria de lazer (Knopf, 1988). As experiências desencadeiam um «fluxo constante de
fantasias, sentimentos e diversão» (Holbrook & Hirschman, 1982: 132). As pessoas
vão a eventos para satisfazer e cumprir determinados objetivos e necessidades.
Os eventos, sendo um tipo de atração turística, têm crescido rapidamente
em termos de número, diversidade e popularidade desde a década de 1980
(Crompton & McKay, 1997; Thrane, 2002). A economia da experiência (Pine & Gil­
more, 1999) marca uma mudança geral na mentalidade empresarial, ampliada à
MAD pelo modelo generalizado de festival e pela mudança de foco da propriedade
do objeto artístico para a experiência artística.
No contexto económico não existem artistas, existem produtores, e não
existe audiência, existem consumidores – uma realidade sublinhada pelo surgi­
mento das Indústrias Culturais e Criativas. Os consumidores procuram experiências
únicas, além do simples consumo de produtos e serviços, porque o nível consis­
tente e alto de qualidade de produtos e serviços já não pode ser usado para dife­
renciar as suas escolhas.
O surgimento da teoria da economia da experiência coincide com um maior
interesse no pensamento criativo, já que introduz uma necessidade real de maior
capacidade de improvisação e adaptação dos produtores, ambas vistas como cria­
tivas. Tanto a arte como a criatividade tornaram­se normas esperadas e necessá­
rias, tanto do ponto de vista da indústria como da perspetiva do consumidor. A
indústria e os indivíduos artializam­se e, como numa performance de palco, en­
cenada e produzida ao gosto de cada indivíduo, envolvem­se numa ação criativa
a que chamamos experiência. A atenção dos designers de produto passou a cen­
trar­se nos usos individuais do produto, e o foco mudou assim do produto para o
consumidor/utilizador: como o indivíduo funciona enquanto usa o produto.
É através desta alteração de foco que, nas últimas décadas, as ofertas eco­
nómicas das empresas em todo o mundo se tornaram intencionalmente mais ex­
perienciais, promovendo ofertas comerciais que envolvem os clientes de formas
memoráveis. As experiências suplantaram os serviços enquanto oferta económica
predominante em termos de PIB, emprego e valor real dos EUA (Pine & Gilmore,
2014), mas cada vez mais, para ter sucesso na experiência de evolução rápida, os
executivos da economia devem pensar de forma diferente sobre como criar valor
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

económico para os clientes, numa lógica de cascata ascendente, conforme se pode


observar na figura 29.

167

Figura 29: A evolução, desde os bens essenciais às experiências encenadas: cada patamar é cons­
truído sobre o anterior. Fonte: autor.

A economia da experiência é uma mudança de longo prazo, subjacente na


própria estrutura das economias avançadas. As forças criativas de destruição
levam tempo e exigem ação: o abandono de paradigmas antigos da economia in­
dustrial e de serviços, e a introdução de novas experiências e transformações. Esta
evolução poderá, inclusivamente, resultar na passagem da economia da experiên­
cia para a economia da transformação (Pine & Gilmore, 2014; Bentham, 2017).
Pine e Gilmore propõem cinco mecanismos de criação de valor na economia da
experiência:
1. Personalização.
2. Criação de uma nova camada de serviços.
3. Valorização financeira das experiências.
4. Fusão da tecnologia digital com a realidade.
5. Transformação do público através das experiências.

Uma oferta comercial é uma experiência, economicamente falando, quando


os clientes pagam pelo tempo/atenção gasto com o criador. Se para a teoria eco­
nómica, o criador é visto como o produtor, assuma­se então aqui o produtor como
o artista, e o consumidor como a audiência, não só para melhor compreender a
sua relevância para a criação de experiências no seio da MAD, mas também como
chave para a própria sobrevivência económica dos artistas.
PEDRO ALVES DA VEIGA

Davenport e Beck (2001) argumentam que a economia da experiência de Pine


e Gilmore está subjacente a uma economia da atenção, e Franck (1999) sugere,
inclusivamente, que um dia as transações de atenção irão substituir as transações
financeiras. Já McQuail (2003: 109) refere que «a tecnologia da comunicação terá
um efeito no próprio processo de comunicação, uma vez que cultura e comunica­
168 ção estão interligadas».
Há que evoluir e adaptar o ecossistema. A compra de música foi substituída
pela compra de leitores de mp3 e (eventuais) assinaturas de serviços de streaming
de música, que permitem a experiência da audição em qualquer situação. Os ál­
buns de fotografias impressas foram substituídos pelos smartphones, cartões de
memória ou drives externos, que permitem a experiência da evocação em qual­
quer local. Já não se adquirem filmes, substituídos que foram pelas subscrições
de serviços como o NetFlix, Apple TV ou HBO. O próprio software já é alugado –
modelo crescentemente explorado pela Adobe e Microsoft, entre outros gigantes
da indústria.
A empresa Meural167 é um fabricante de telas digitais, destinadas a serem
usadas como quadros decorativos em qualquer parede. O conteúdo é curado pelo
proprietário, podendo ser escolhido a partir de uma base existente, com obras de
museus e de artistas contemporâneos, ou carregado diretamente pelo utilizador.
O objetivo da empresa é tornar a arte universalmente acessível e, simultanea­
mente, uma parte da vida diária das pessoas, querendo por isso trazê­la para o
interior das casas. Assumem como missão – paradoxal – a democratização da arte
através de um objeto tecnológico apenas ao alcance de uma elite, que permite
descobrir, curar e criar o que irá estar nas suas paredes. Essencialmente a empresa
dá corpo ao mesmo fenómeno de mediação, já conhecido na música e no vídeo,
mas desta vez apontado ao mundo da arte visual digital. Em suma, a atenção tran­
sitou do objeto/artefacto artístico para o meio (medium tecnológico) que o su­
porta. Os iPhones dão mais status aos seus proprietários do que a qualidade do
conteúdo que encerram, tal como as televisões inteligentes provocam mais excla­
mações do que os filmes que exibem.
Os princípios de escassez, objetificação, valor e propriedade, caros ao mundo
tradicional da arte, perdem relevância no mundo digital e na Internet, devido à
introdução dos contra­princípios de acesso livre, imaterialidade, partilha não­con­
trolada e experiência. Mas estes extremos não são necessariamente ideologias
radicais que se anulam mutuamente, e sim pontos limite de uma realidade cada
vez mais híbrida – mais blended.
Atente­se como experiência se tornou na palavra­chave dos nossos dias, e
como as várias formas artísticas deixaram de ser objeto de posse para passarem
a ser objeto de experiência168.
167
https://meural.netgear.com/ [2020/06/24]
168
Até pela reinvenção dos clássicos como experiências, como por exemplo A Experiência Van Gogh
https://meetvincent.com/ ou a Experiência Escher https://mcescher.com/ [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

É interessante notar como, já em 1934, Dewey chamava a atenção para este


aspeto, distinguindo entre o artefacto desenvolvido e a obra de arte / experiência,
resultante do contacto do público com o artefacto. Para ele, centrar a atenção no
artefacto conduz­nos na direção errada, já que a verdadeira obra é a experiência.
O artefacto não é percebido enquanto obra de arte sem um ato de recriação, as­
sumindo assim esta ligação inseparável entre artista, artefacto e audiência – AAA 169
– o ADN fundador do ecossistema e definidor da experiência da MAD, qual có­
digo genético da experiência criada, com a capacidade e o potencial endógeno de
gerir a captação de atenção e o blending entre escapismo, educação, estética e
entretenimento.
Na economia da experiência, a personalização em massa é a rota da pro­
gressão do valor económico. Personalizar um bem transforma­o num serviço, per­
sonalizar um serviço transforma­o numa experiência e personalizar uma
experiência dá origem a uma transformação. A criação artística é, assim, conduzida
na direção da experiência individualizável, possibilitando a sensação de se estar
perante uma relação única entre o artefacto e cada membro da audiência.
O trabalho é teatro. Os artistas poderão ganhar uma perspetiva diferencia­
dora assumindo que as suas criações devem ser encenadas e apresentadas como
uma peça de teatro, conduzindo o público através de uma narrativa ou adereços,
por antítese à apresentação num palco nu. Existe assim a ideia de que através da
encenação se pode imbuir uma diferenciação significativa na exposição da obra
de arte, tornando a própria exposição memorável. Com a filosofia do teatro a per­
mear o modelo operacional, mesmo as ações mundanas podem contribuir para
o envolvimento do público de forma memorável.
A autenticidade é um dos novos focos de sensibilidade da audiência. Parale­
lamente à mudança para a economia da experiência existe uma mudança no cri­
tério primário pelo qual as pessoas escolhem o que consumir, incluindo a arte e a
cultura. Independentemente da oferta – commodity, bem, serviço, experiência ou
transformação – o público irá julgá­la com base na sua perceção de autenticidade.
Trata­se de um critério primário, que exclui de imediato toda a perceção de qua­
lidade que não vá ao encontro dos padrões do percebidos artísticos e estéticos,
do esforço necessário para o seu usufruto, incluindo custo financeiro, tempo in­
vestido e facilidade de acesso. Torna­se assim imperativo que os artistas assegu­
rem a correta perceção pública da autenticidade das suas obras, e ainda dos locais
de exposição, da comunicação a eles associada e do esforço de usufruto.
A experiência é o marketing. A forma mais eficaz de gerar procura por qual­
quer oferta na atual economia de experiência é através de uma experiência tão
sedutora que os clientes não podem deixar de lhe prestar atenção e de a consumir.
A publicidade tradicional já não é um garante de autenticidade, uma vez que se
tem vindo a tornar numa potencial máquina geradora de suspeita (O’Neil & Ei­
senmann, 2017). Os artistas, produtores e curadores devem, assim, procurar in­
vestir em locais de experiência que assegurem aquele grau de sedução, tanto reais
PEDRO ALVES DA VEIGA

como virtuais, para que simultaneamente possam criar a perceção de autentici­


dade e gerar procura.
O pagamento pelo acesso é a chave da sustentabilidade financeira na eco­
nomia da experiência. Sempre que há uma alteração dramática na natureza sub­
jacente da economia, as empresas procuram oferecer o nível seguinte de valor.
170 Na segunda metade do século 20, quando os bens começaram a ser comoditiza­
dos, os fabricantes começaram a oferecer serviços – instalação, reparação, up­
grade, entre outros – para criar preferência pelos seus produtos. Ao dar­se conta
de que os clientes valorizavam os serviços, por vezes mais do que os próprios bens,
começaram a cobrar por eles. Atualmente há fabricantes – a IBM, por exemplo –
a rentabilizar a sua oferta de serviços auxiliares acima da venda de produtos. De
igual modo as empresas de serviços passaram a oferecer elementos de experiência
para vender as suas ofertas. O que se cobra deve estar alinhado com o que os
clientes valorizam, o que implica cobrar pelo tempo/atenção.
As pessoas procuram experiências e participam em eventos por diferentes
motivos, e a maioria prefere um evento específico, pelo que ele oferece, e não
um evento generalista (Nicholson & Pearce, 2001). Saxena (2009) menciona as
quatro dimensões, ou reinos, das experiências de eventos: o entretenimento, a
educação, a estética e o escapismo (ver figura 30).

Figura 30: Os quatro reinos da experiência


Fonte: autor

Quando os eventos são projetados exclusivamente para criar uma experiência


educacional, espera­se que os visitantes aumentem o conhecimento e as capaci­
dades através do envolvimento ativado da mente e do corpo (Pine & Gilmore,
1999).
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Nas experiências estéticas, os visitantes gostam de estar presentes no evento


sem afetar ou mudar a natureza do meio ambiente que lhes é apresentado.
A experiência de escapismo exige que os visitantes afetem performances
reais no ambiente real ou virtual (Oh, Fiore, & Jeong, 2007). Para obter uma ex­
periência de escapismo, os visitantes participam num evento para fazer uma pausa
nas suas rotinas diárias e delas fugir durante um tempo. 171

Figura 31: The Culture Yard, Click Festival 2012, uma experiência de entretenimento.
Fonte: Rosa Menkman / Mathias Vejerslev, Flickr (CC BY­SA 2.0).

Por outro lado, o entretenimento é uma das mais antigas formas de expe­
riência, uma das mais desenvolvidas e entretecidas no ambiente empresarial (Pine
& Gilmore, 1999). A experiência de entretenimento acontece habitualmente
quando os visitantes observam atividades e performances de terceiros. O entre­
tenimento é visto como parte do subciclo dos tempos livres, encontrando­se assim
para além do trabalho, envolvendo relaxamento e diversão, podendo ainda estar
relacionado com a prevalência de comportamentos individualistas, ambivalentes
e paradoxais, tão característicos da contemporaneidade (Bauman, 1999; 2001).
Mas o lazer faz parte de uma contemporaneidade concreta e que revela um
conjunto de traços decorrentes de uma era do vazio (Lipovetsky, 1989), repleta
de meios de comunicação de massas, em que as ações e as opções humanas de­
notam uma particular apetência e recetividade pelas denominadas possibilidades
de acesso (Rifkin, 2001). Estas não têm propriamente correspondência na posse
efetiva ou material da realidade construída e vivida, encontrando­se cada vez mais
centradas nas experiências pessoais, muitas delas imateriais e virtuais (Lévy, 1998).
PEDRO ALVES DA VEIGA

A própria pandemia do Covid­19 veio evidenciar a natureza cada vez mais


imaterial da partilha das experiências de entretenimento, não só através da utili­
zação generalizada de sistemas de videoconferência, mas também pelos inúmeros
challenges lançados e aceites por indivíduos e instituições, incluindo, por exemplo,
a publicação de imagens (desprovidas de explicação) das 10 capas de livros e dis­
172 cos mais significativos; #BetweenArtandQuarantine, que implica a recriação de
obras de arte famosas, não apenas descontextualizando os originais mas recon­
textualizando as recriações em ambientes domésticos e com adereços inusitados;
o #PillowChallenge, cujo objetivo é a utilização de uma almofada enquanto peça
ou adereço de moda; ou até o controverso e muito criticado coronavirus chal­
lenge169, que implica lamber o assento de uma sanita num local público.
Porque as experiências se relacionam de perto com o entretenimento, os
jogos (materiais e virtuais) e a gamificação são presenças cada vez mais incontor­
náveis na nossa realidade. Prensky (2007) sugere um conjunto de doze elementos
estruturais para os jogos, que podem ser extrapolados para as experiências pro­
porcionadas pela MAD:
• Diversão e prazer.
• Envolvimento intenso.
• Regras e estrutura.
• Objetivos e motivação.
• Interação e sentido de realização/fazer.
• Adaptabilidade e fluxo.
• Resultados, feedback e aprendizagem.
• Estados de conseguimento, gratificação do ego.
• Conflito, oposição, desafio, adrenalina.
• Resolução de problemas, criatividade.
• Interação com outros indivíduos, sentido de grupo social, partilha.
• Emoção.

Ao associar o espírito de ludismo e desafio subjacente ao jogo (e à gamifica­


ção), a economia da experiência não só aposta no blurring dos conceitos de tra­
balho e lazer, mas como também contribui para legitimar esse blurring noutras
áreas onde as experiências possam ser exploradas comercialmente.
Com o advento do conceito de pós­humano, comum a vários autores (Hayles,
1999; Santaella, 2003; Bruno, 2012), analisa­se a experiência do homem que aban­
dona o seu corpo, como sendo o homem que faz técnica e é tecnológico, que se
desprende do aqui e agora das circunstâncias, das imposições do meio ou das ur­
gências vitais, e projeta e produz o que antes não existia. É, portanto, aquele que
estabelece com a natureza – com o seu corpo e com o seu meio – não uma simples
169
https://www.insider.com/ava­louise­larz­toilet­seat­licking­coronavirus­challenge­timeline­2020­3
[2020/05/11]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

relação de acomodação ou adaptação, mas uma experiência de transformação.


Desse modo, não é o corpo nu ou natural que estabelece a mediação ou a fronteira
entre o homem e o mundo, mas um corpo atravessado, modulado pela técnica – e
não é por acaso que esta também se define como mediação. Mas isso não deve
conduzir à suposição de que a técnica seja um mero prolongamento das funções do
corpo – aí compreendidas as cognitivas – já que ao disseminar as suas funções no 173
espaço externo nem o corpo nem o mundo permanecem os mesmos: o interior e o
exterior, bem como a mediação entre eles, ganham novos contornos (Bruno, 2012).
Também já começou a experiência comercial ciborgue, em que se pretende
que o público em geral se envolva, e anuncia­se que, num futuro próximo, todos
teremos dispositivos implantados, aumentando­nos com sentidos que nunca pen­
sámos ter. Ao contrário dos empreendimentos de pioneiros como Stelarc170,
Dekni171, Ribas e Harbisson172, cujas melhorias são únicas e personalizadas, o North
Sense173 permite a qualquer pessoa começar a sua existência enquanto ciborgue
– e partilhar essa experiência com outros transumanos. Trata­se de um dispositivo
externo que fica permanentemente em contacto com o corpo, mais especifica­
mente com a parte superior do peito, e permite que o indivíduo sinta o campo
eletromagnético do planeta através de uma vibração ligeira sempre que estiver
orientado para norte. O preço relativamente acessível de 425 USD contribuiu para
que o stock do dispositivo se esgotasse a 2018/10/24. Existe, assim, um grupo de
indivíduos que partilham a mesma experiência ciborgue e que, inclusivamente,
podem procurar lugares em que o campo magnético seja influenciado por fatores
locais. O enfoque não é colocado na propriedade do implante (esta é assumida
como patamar básico), mas sim na experiência proporcionada e partilhada, e no
sentido de comunidade que ela determina.
A teatralização das experiências é o conceito­chave da economia da expe­
riência, e constata­se, por observação direta em festivais e exposições, que as
obras de MAD com características cenográficas e performativas atraem, efetiva­
mente, mais atenções. É tão importante o espaço em que a obra é exposta como
a obra em si, e este é provavelmente o motor por detrás do fenómeno que leva
vários coletivos artísticos a optar pela (auto)gestão de espaços que podem ser
moldados de acordo com os conteúdos e as obras.
A economia da experiência advoga ainda a personalização, e a tradução deste
princípio para a MAD prende­se com as formas como o público pode passar a fazer
parte integrante da obra, não pela simples interação, mas doando uma parte de
si, sejam traços fisionómicos, silhueta corporal, voz, ou outra informação e suporte
biométricos.
170
http://stelarc.org/projects.php [2020/06/24]
171
https://i­d.vice.com/es/article/d3qqaq/ciborg­joe­dekni [2020/06/24]
172
https://www.cyborgarts.com/ [2020/06/24]
173
https://www.youtube.com/watch?v=VBXiWHJRnTQ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

A autenticidade da obra é ainda um fator que determina a legitimação de vários


agentes, desde o próprio artista, ao espaço que acolhe a obra, incluindo a curadoria
e organização da exposição. Se algo é percebido pelo público como falso – por exem­
plo, um ambiente deslocado, tecnologia demasiado básica, critérios estéticos duvi­
dosos – a experiência é invalidada e, consequentemente, a obra penalizada.
174 A experiência do público é o marketing do evento, dado que o próprio público
a irá partilhar e comentar socialmente – on e off­line. A obra à qual o público não
pode deixar de prestar atenção faz o seu próprio marketing e torna­se, assim, ne­
cessário criar envolventes, tanto reais como virtuais, que permitam uma expe­
riência socialmente partilhável. Mas uma obra que intrinsecamente permita a
partilha da experiência, de forma simples e direta, seguramente tem a sua divul­
gação assegurada. Entre os mecanismos de partilha mais populares contabilizam­
se a captação de selfies ou arties, o envio de e­mails e SMS.
A cobrança pelas experiências é a chave do sucesso financeiro na economia
da experiência, não apenas como fonte de rendimento dos artistas, mas sobretudo
como posicionamento, contribuindo para tornar a obra memorável. Se é certo
que não há eventos ou usufrutos gratuitos – ou é o artista que suporta o seu custo,
ou terá de encontrar forma dele ser suportado por outros agentes – na economia
da experiência assume­se que o pagamento por uma experiência teatralizada, per­
sonalizada e autêntica, contribui de forma vincada para que a sua memória futura
não se dilua tão facilmente, fomentando até a sua incorporação na construção do
status do visitante.
Na economia da experiência procura­se a sistematização da injeção de valor
especulativo em todas as experiências artísticas e culturais, e respetiva tecnologia
de mediação – e não necessariamente nos artefactos artísticos. As pessoas deixa­
ram de estar centradas na posse dos artefactos (artísticos) e procuram experiên­
cias, consomem novos símbolos e significados sociais. Para a economia da
experiência o artefacto não vale por si: deve ser enquadrado numa encenação,
uma teatralização do seu formalismo, significado ou contexto, que induza à parti­
cipação e cativação da audiência. Enquanto as anteriores ofertas económicas –
commodities, bens e serviços – são externos ao comprador, as experiências são
inerentemente pessoais, a nível emocional, físico, intelectual ou até espiritual.
Não há duas pessoas que tenham a mesma experiência, porque cada experiência
deriva da interação entre o evento encenado e o estado (mental, físico ou emo­
cional) do indivíduo.
GUETO E GLAMOUR, OU A IMPORTÂNCIA DO CONTEXTO
À medida que a arte migra do espaço privado e bem definido do museu, da
sala de concertos ou da galeria de arte, para o espaço público e turbulento da te­
levisão, da Internet, do clube noturno ou do ambiente urbano, onde passa a ser
fruída por audiências heterogéneas e difíceis de caracterizar, ela muda de estatuto 175
e alcance, configurando novas e estimulantes possibilidades de inserção social
(Machado, 2004).
Festivais, eventos online, montras de loja, quartos de hotel, apartamentos
AirBnB, exposições em casas particulares, bibliotecas, lugares públicos, espaços
culturais multiusos, galerias popup, todos os formatos alternativos que têm vindo
a ganhar popularidade, aliados a um certo sentido tribal urbano de diferenciação
e glamour retro, ciberpunk, eco­tech­friendly ou trashy­chic, influenciam a perce­
ção, o usufruto e o impacto das obras e das experiências. A MAD desenvolveu­se
e legitimou­se nestes nichos, frequentemente encarados como guetos, por con­
traste com a opulência dos espaços da arte mais tradicional, das emblemáticas
salas de concerto aos museus de referência. Mas este fenómeno é complexo e
contraditório, pois implica um gesto positivo de apropriação, compromisso e in­
serção numa sociedade de base tecnocrática e, ao mesmo tempo, uma postura
de rejeição, de crítica, quiçá de contestação da mesma sociedade.
No presente, a MAD enfrenta ainda o desafio suplementar de lidar com a dis­
solução desses guetos, através da sua invasão pelo glamour gentrificado e da rein­
venção da sua apresentação e fruição públicas enquanto experiência destinada
às massas.
Os artistas e as comunidades de arte são essenciais para a vida cultural das
cidades. Em Nova Iorque, uma das grandes cidades do mundo que mais galerias
comerciais e instituições de arte acolhe, os artistas criaram redes de galerias al­
ternativas em espaços improváveis, fora do sistema das galerias comerciais blue­
chip. No entanto, à medida que a cidade passa pelo processo de gentrificação e é
reestruturada por interesses financeiros e políticas urbanas neoliberais, os artistas
estão também entre os despejados e deslocados.
Se a produção criativa é um dos órgãos centrais da urbanidade, então o corpo
da cidade está a ser retalhado em função de uma classe crescente de consumido­
res que, muitas vezes, nem residem na própria cidade (Zukin, 2011). Para David
Byrne174, a predominância da arte corporativa, desinspirada e aborrecida, à venda
nas galerias mais caras de Chelsea, em Nova Iorque, bem como o aumento do
custo de vida – rendas, bens essenciais, transportes – podem ser uma indicação
de que os 1% estão potencialmente mais interessados em financiar unicamente
as instituições onde desejam ser vistos, ou às quais querem o seu nome associado,
por uma questão de status institucional e não pelo amor às artes.

174
http://creativetimereports.org/2013/10/07/david­byrne­will­work­for­inspiration/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Dentro dos níveis superiores do mundo das artes, comprar arte é um inves­
timento e, para um subconjunto de colecionadores (muito ricos), a arte é um dos
melhores artigos de consumo de luxo (Thompson, 2008). Thornton sugere que
este extrato social é povoado por personalidades sensíveis aos tabloides (e por
eles procuradas), incluindo estrelas do mundo das artes (sobretudo do cinema e
176 da música), celebridades, homens de negócios excêntricos e colecionadores bilio­
nários (2009, 2014).
Em plena época de pandemia do Covid­19, num momento em que o confi­
namento e a reclusão obrigavam ao encerramento de espaços públicos (incluindo
os das artes), Tarek Iskander, o CEO do Battersea Arts Centre, no Reino Unido, pu­
blicou um tweet175 onde reclamava que a maior parte dos responsáveis por insti­
tuições no mundo das artes deveriam deixar de se assumir como inexpugnáveis
torres de marfim, contribuindo para desigualdades sociais galopantes, e passar a
desenvolver esforços conjuntos para criar um serviço nacional dedicado às artes,
gratuito e acessível a todos os que dele venham a precisar.
Apesar de aparentemente bem intencionada, a mensagem confirma um es­
tatuto (conferido pelas torres de marfim) e peca por não ir mais longe: em vez de
deixar de contribuir para fomentar as desigualdades, porque não procurar ativa­
mente combatê­las? E no que diz respeito à universalidade do acesso ao serviço
de apoio ao desenvolvimento das artes, quem são, como se identificam e de que
forma são ajudados os que dele venham a precisar?
O reconhecimento de que a maior parte dos dirigentes de instituições ligadas
às artes se assumem como estando nas tais inexpugnáveis torres de marfim é in­
diciador do distanciamento do papel transversal na sociedade que a arte pode e
deve assumir, sobretudo numa perspetiva de desenvolvimento cultural, tanto a
nível regional como nacional.
A famosa selva urbana – a cidade vazia e financeiramente falida, que fertilizou
tantos artistas em início de carreira – está em via acelerada de extinção. No en­
tanto os artistas não desistiram das cidades. As cidades estão imbuídas com um
sentido histórico de lugar que ainda liga as pessoas, apesar das atuais realidades
políticas e económicas, como um cordão umbilical que une o passado e o pre­
sente. A maioria dos artistas não possui suporte institucional formal dentro do sis­
tema de galerias ou espaços de exposição institucionais.
Muitos ganham a vida trabalhando como artesãos (tecnológicos ou não) para
um pequeno punhado de outros artistas, que, esses sim, são representados por
galerias e cobiçados internacionalmente. Veja­se o caso de Joana Vasconcelos,
que em 2019176 contava com uma equipa de cerca de 60 pessoas – artesãos, cos­
tureiros, eletricistas, carpinteiros, pintores, arquitetos, fotógrafos, especialistas
175
https://twitter.com/TarekIskander1/status/1252873236682993665?s=20 [2020/06/24]
176
https://www.forbespt.com/lideres/visao­dos­artistas/?geo=pt [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

em relações públicas e gestores – reunidas numa estrutura empresarial unipessoal,


que faturou 3,4 milhões de euros em 2016.
Mas a maioria dos restantes artistas, Sem financiamento e com poucas opor­
tunidades para expor as suas obras ao público, adaptam­se criando circuitos al­
ternativos. Transformam lugares improváveis em espaços temporários de estúdio
colaborativo ou de exposição. 177
Há uma longa história de espaços de artistas na cidade de Nova Iorque que
remonta aos anos 50 e 60 do século passado. Havia espaços que estavam focados
em programação experimental, como o 10th Street Galleries (uma cooperativa de
galerias de artistas) ou o Judson Church, um híbrido interdisciplinar sem fins lu­
crativos, que albergou vários movimentos e produções vanguardistas. A Chas­
hama177 existe em Nova Iorque desde 1995, e já revitalizou mais de 80
propriedades, proporcionando oportunidades para mais de 15.000 artistas. A or­
ganização permite que artistas, em quaisquer fases das suas carreiras, tenham
acesso a espaços acessíveis para viver, criar e expor. Simultaneamente, a Chas­
hama produz uma programação artística estimulante para públicos de todas as
idades e origens, ao apresentar anualmente mais de 130 eventos públicos gratui­
tos, em diversos bairros, por toda a cidade de Nova Iorque. Os espaços contem­
porâneos criados pelos artistas partilham o mesmo espírito e estão
ideologicamente ligados a essa tradição, mas se grandes espaços de estúdio ou
galerias eram baratos e abundantes há 10 ou 20 anos, hoje estão a custos proibi­
tivos, ou nem sequer aparecem no mercado de arrendamento.

Figura 32: Graffiti anti­gentrificação em Évora. Fonte: autor.

177
https://chashama.org/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Este fenómeno também é visível em Lisboa, com a profusão de ateliers e pe­


quenas galerias que têm aparecido ultimamente na zona de Marvila, uma das pou­
cas áreas da capital portuguesa ainda relativamente ignoradas pela onda de
gentrificação da cidade, fugindo de bairros anteriormente mais ligados às artes,
como o Bairro Alto, Santos ou Alfama, por exemplo.
178 Apesar do fenómeno da gentrificação galopante que acossa a maior parte
das grandes cidades, eventos e acontecimentos dirigidos por artistas também
nelas vão surgindo. Podem ser eventos popup em quartos de hotel alugados, ou
apartamentos AirBnb178, mas mesmo que a maioria desses eventos artísticos não
estejam catalogados em publicações de referência, elas são anunciadas nas redes
sociais (sobretudo Instagram e Facebook) e são acompanhadas por uma legião de
entusiastas, incluindo outros artistas não vinculados pelas restrições de galerias
e curadores profissionais.
Em Lisboa, o Festival PopUp utilizou (temporariamente) um manancial de es­
paços da cidade em 2010, vários dos quais já não existem, ou não se encontram
disponíveis, estando ainda outros inacessíveis ao público. Entre os espaços utili­
zados refira­se o pavilhão 27 do Hospital Júlio de Matos, o espaço Nimas, o palácio
de Santa Catarina, a antiga discoteca Kapital, passando ainda pela decoração de
parquímetros da EMEL por toda a cidade com autocolantes de grandes dimensões.
Também existem espaços permanentes (ou, pelo menos, com alguma longe­
vidade) com programas de curadoria que vão ao encontro das necessidades dos
artistas. Se, para as artes tradicionais e performativas, encontrar um espaço alter­
nativo pode ser um desafio, para a MAD o cenário complica­se, uma vez que ha­
bitualmente existem requisitos de segurança (contra as intempéries, antirroubo
e antivandalismo), de iluminação (os ecrãs e projeções não convivem bem em am­
bientes com muita luz natural), ou de operacionalidade (ligação à corrente elétrica
e à Internet), entre outros.
Em 2014 abriu portas em Lisboa o EKA Palace179, um centro cultural que pre­
tendia albergar todos os tipos de expressões artísticas. A palavra EKA, em sâns­
crito, significa unidade, e ao ver todas as formas de expressão artística como uma
linguagem única, foi criado um projeto multidisciplinar, cujo objetivo era promover
a troca de conhecimentos e de serviços a nível internacional, assumindo­se como
um projeto de investigação em curso sobre ACT.
Em Lisboa e no Porto existem mais movimentos semelhantes, associados à
prática artística, como o Centro Comercial Stop180, no Porto, convertido numa gi­
gantesca sala de ensaios para vários grupos de músicos, ou a Fábrica Braço de
178
https://hyperallergic.com/169381/an­art­project­bringing­social­media­friends­together­irl/
[2020/06/24]
179
https://www.facebook.com/palace.EKA/ [2020/06/24]
180
https://www.rtp.pt/noticias/pais/centro­comercial­stop­e­agora­sala­de­ensaios­do­porto_v804412
[2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Prata181, em Lisboa, onde resiste uma diversificada, apesar de marginal, variedade


de expressões e manifestações artísticas.
Porque o sucesso destes espaços e projetos assenta na adesão do público,
uma estratégia de envolvimento possível é proposta por Dekker (2014) em que
analisa o entretenimento ou diversão (fun) enquanto metodologia de envolvi­
mento estético com os projetos computacionais, que exploram o inesperado, o 179
paradoxal, o absurdo, a irritação e o prazer. A diversão consiste na utilização (ou
parasitismo) dos gestos induzidos pelo software, pelos dispositivos de interação
e hábitos inculcados pelos media sociais e outras estruturas computacionais, per­
mitindo a construção de estratégias sobre o radicalismo relacional (que inclui o
non­sense, a estupidez, memes e a capacidade de se tornarem virais), onde a di­
versão se torna uma forma de envolvimento com a cultura digital.
Um dos exemplos fornecidos é o praticamente defunto F.A.T. Lab182. Esta es­
tética prospera nos meios que facilitam a troca, a partilha e a apropriação, o que
não significa que elas estejam ausentes de outras redes e plataformas comerciais
(como a publicidade).
A estética da diversão centra­se na exploração do meio informático e da In­
ternet, dos espaços e práticas que estão em permanente mutação e evolução,
gozando de uma dinâmica processual, enquanto estética computacional e prá­
tica coletiva, incidindo sobre preocupações políticas e sociais, e reclamando for­
mas de abertura que permitem múltiplos tipos de intervenção, circulação e
reutilização.
Mas se estas características dos espaços parecem propiciar o desenvolvi­
mento de determinadas práticas, não estarão então essas mesmas características
a condicionar o tipo de práticas e experiências que esses espaços podem oferecer
e, por consequência, o tipo de obras que neles poderão ser expostas?
McLuhan (1968) observou que o real significado das experiências de condi­
cionamento de comportamento de Pavlov, tal como entendido pelos russos, era
que o verdadeiro condicionamento ocorria no ambiente do laboratório (a tempe­
ratura correta, a iluminação certa, a hora indicada). Contudo, para a maior parte
dos observadores ocidentais, a atenção centrou­se no condicionamento do com­
portamento, e não no condicionamento do ambiente – o que poderia acender al­
guma polémica, devido ao elevado condicionamento dos ambientes urbanos no
Ocidente.
Para Marchessault (2005), McLuhan desenvolveu uma compreensão feno­
menológica da cultura, passando de uma noção da cultura enquanto paisagem
para uma noção de ambiente, de assistência para imersão. Neste sentido, os es­
paços onde o público (se) imerge são, também eles, um agente importante do
ecossistema.
181
https://www.bracodeprata.com/ [2020/06/24]
182
http://fffff.at/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Para reforçar esta ideia, vêm à memória dois episódios: um envolvendo


Banksy183, que em 2013 montou, incógnito, um posto de venda móvel em Central
Park, em Nova Iorque. Aí vendia as suas peças por 60 USD – um valor exagerada­
mente elevado quando comparado com os seus vizinhos, que vendiam recorda­
ções baratas da cidade. Num dia inteiro o total das suas vendas não ultrapassou
180 uma dezena, tendo faturado abaixo dos 600 USD – contrastando com os vários
milhares que essas mesmas obras teriam custado em leilões oficiais.
O segundo episódio envolveu o violinista Joshua Bell184 que, também incóg­
nito, numa estação de metro em Washington DC, com um violino Stradivarius ava­
liado em mais de 3,5 milhões de USD, conseguiu reunir pouco mais de 32 USD de
donativos, tendo unicamente 7 pessoas parado para o ouvir – depois de uma série
de concertos esgotados nas melhores salas do país.
Para Harvey (1985), os espaços sociais de diversão e exibição são hoje tão vi­
tais para a cultura urbana como os espaços de residência e trabalho, até pela au­
tenticação que conferem às obras e artistas que exibem, o que constitui um dos
aspetos cruciais da economia da experiência.
A arte é mais visível e impactante quando age sobre a sociedade, assumindo
o seu papel de intervenção e revitalização, mas também de captação de audiências
marginais (Froggett et al., 2011). Mas muitos espaços sociais foram já virtualizados,
com assinalável incremento durante os meses da pandemia que afeta o mundo
em 2020 e, portanto, devemos pensar em espaços físicos (como edifícios, salas
de exposição e exibição, auditórios, salas de conferência, salas de aula, entre ou­
tros) e também virtuais (por exemplo: websites, redes colaborativas online, redes
sociais, comunidades virtuais, repositórios de dados).
Se a Internet mudou a definição do que é o público de um museu, galeria ou
media­labs, também introduziu a questão mais complexa de como interagir com
esse público, criando assim terreno fértil para o desenvolvimento de meta­insti­
tuições sustentadas por websites, aplicações para telemóvel, blogs e outras pu­
blicações digitais, que envolvem e fidelizam este novo público.
Este fenómeno ditou também o aparecimento de muitas entidades virtuais,
substituindo­se às tradicionais, com presença física, ou porque se especializaram
na forma de diálogo com o público online, ou porque cobrem áreas não abrangidas
pelas organizações mais tradicionais, e que possibilitam a comercialização de bens
digitais (Lehdonvirta, 2010). Muita da atual produção de artefactos de média di­
gital destina­se a um mercado massificado de produtos lúdicos e de entreteni­
mento (por exemplo: jogos, apps de efeitos especiais, subscrições de serviços de
streaming de televisão, cinema e música), pelo que é imperativo considerar o en­
183
https://www.theguardian.com/artanddesign/2014/jun/12/banskey­prints­new­york­stall­fortune­
bonhams [2020/06/24]
184
https://www.washingtonpost.com/lifestyle/magazine/pearls­before­breakfast­can­one­of­the­
nations­great­musicians­cut­through­the­fog­of­a­dc­rush­hour­lets­find­out/2014/09/23/8a6d46da­
4331­11e4­b47c­f5889e061e5f_story.html [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

tretenimento – e os espaços reais e virtuais que o propiciam – como parte viva do


rizoma do ecossistema da MAD.
Dziekan (2005) propõe que a MAD deve ser repensada como um conglome­
rado de diferentes estados/fases de materialização. A exposição da MAD, en­
quanto fenómeno emergente, destacando­se do campo cultural, é uma articulação
significativa que facilita a perceção de aspetos virtuais, que de outra forma seriam 181
ignorados, e sem os quais ela não poderia existir, ou, pelo menos, teria a sua exis­
tência muito mais limitada. A MAD pede um espaço distribuído, de informação
viva, aberto à intervenção/interferência artística – um espaço para interação, cria­
ção colaborativa e apresentação, que seja transparente e flexível.
Isto não descreve certamente a infraestrutura convencional da maior parte
dos museus ou galerias e, de forma a estabelecer um compromisso com a média­
arte digital, as instituições precisam de desenvolver novas abordagens à apresen­
tação, coleção, documentação e preservação (Paul, 2007). Estas novas abordagens
passam pela criação de plataformas de interação, por exemplo, entre obras e au­
diências, ou entre espaços públicos físicos (como o de uma galeria de arte) e es­
paços públicos digitais (como o de uma comunidade virtual).
Os desafios práticos de criar estas plataformas incluem uma necessidade de
manutenção contínua e um ambiente flexível e dotado de um vasto equipamento
tecnológico, menos típico de um museu e mais facilmente localizável num centro
de I&D ou numa infraestrutura partilhada por ambos. Grande parte das obras de
média­arte digital desenvolvidas atualmente destinam­se a festivais, exposições
e eventos especializados, em suma: a espaços com características físicas e tecno­
lógicas próprias.
Artistas e designers podem posicionar­se, não apenas como utilizadores avan­
çados de tecnologia de ponta, mas como coinventores dessas mesmas tecnologias,
enriquecendo­as com perspetivas humanistas e pós­humanistas da investigação,
design e desenvolvimento tecnológico, alicerçando­as na cultura humana, no
mundo natural e no respeito por ambos. Os espaços de exposição da MAD podem
ser espaços onde os artistas também acedem, por experimentação e interação com
o público, a uma compreensão de, não apenas standards digitais, mas dos limites
dos mesmos, onde as novas tecnologias emergem e são imergidas, criando um ter­
ceiro espaço, na fronteira entre as várias áreas do conhecimento (Diamon, 2012).
Um equilíbrio interessante é proposto pela bienal de arte The Wrong, ao con­
siderar espaços duais, virtuais e físicos, designados por pavilhões e embaixadas,
respetivamente. Assim, uma exposição pode oferecer diferentes expressões e con­
ceitos, conforme o meio. Tome­se como exemplo a exposição Fixity=Death185, si­
multaneamente inaugurada online e num espaço físico, a galeria Space p11186,
situada dentro do Pedway, uma rede de espaços de fronteira, composta por túneis
185
https://holihollyday.github.io/fixityequalsdeath/index.html [2020/05/05]
186
https://space­p11.com/ [2020/05/05]
PEDRO ALVES DA VEIGA

e passagens de ligação, abrangendo vários quarteirões e conectando edifícios pri­


vados, lojas, hotéis e estações de comboio em todo o distrito comercial central
de Chicago. Os projetos de Fixity=Death, expostos no pavilhão (online) e na em­
baixada (Space p11), mais do que duplicarem­se ou complementarem­se, amplia­
vam­se mutuamente, já que foram concebidos com desdobramentos específicos
182 para cada meio expositivo, com manifestações distintas no plano digital e material.
Desta forma, a total apreensão estética e cognitiva das obras apenas era possível
visitando ambos os espaços. Esta dualidade é frequentemente acentuada pelo
jogo entre os acrónimos URL e IRL (Uniform Resource Locator e In Real Life, sendo
esta última uma expressão que entrou no léxico das redes sociais e comunidades
de jogos para se referir à vida off­line).
IMPLICAÇÕES DA FESTIVALIZAÇÃO
A herança da tradição popular de feiras e festivais trouxe até aos nossos dias
um conjunto de inversões simbólicas e transgressões da cultura institucional, um
favorecimento da excitação, das emoções descontroladas e dos prazeres diretos:
comida, bebida e socialização sexualizada. Os festivais chegam­nos como espaços 183
liminares, como o universo de Alice atrás do espelho, em que o fantástico se torna
possível e o limiar enfatiza as transgressões, atravessados por um sentido de co­
munidade não­mediada, numa fusão emocional e unidade extática em torno de
sensações intensas (Featherstone, 2007).
Para o público, o entretenimento artístico é uma forma de escapismo a um
modo de vida pouco natural, em que as realidades e aspirações interiores não são
muitas vezes compatíveis com as realidades e ocupações exteriores. Por sua vez,
a apreciação artística do público é condicionada por um sistema com fins lucrativos
– um mercado – que optou por esquecer a maior parte das suas funções e finali­
dades não lucrativas (Youngblood, 1970).
Os festivais são experiências especiais, porque podem produzir significados
a nível pessoal, social, cultural e económico. A experiência, em si, é ao mesmo
tempo pessoal e social, com cada forma e estilo de festival a produzir diferentes
potenciais (por exemplo: temático – música, artes, património; periódico – mensal,
anual ou único; participativo – aberto ou restrito), e onde a atenção é disputada
habitualmente por uma sobreposição e uma densidade de eventos sem paralelo
noutros contextos.
A área científica de Estudos de Eventos dedica­se a analisar a experiência do
evento (o fenómeno central do estudo) e os valores e significados a ele associados,
que podem ser comunitários, ideológicos, identitários ou de continuidade. Os fes­
tivais emergem como um subcampo distinto, em grande parte porque eles ocu­
pam um lugar especial em quase todas as culturas, associado ao seu alcance para
inspirar criatividade, atrair grandes multidões e gerar respostas emocionais, en­
quadrando­se também nas disciplinas de antropologia e sociologia.
Os festivais são ainda parte do negócio do entretenimento e são frequente­
mente apresentados no mercado do turismo, para além de se terem consolidado
como elementos permanentes na cultura popular – e até nas elites. O turismo de
festival é um elemento importante no turismo de eventos, tanto que o termo festi­
valização foi criado para sugerir uma sobre­comoditização de festivais explorados
pelo turismo, acarretando impactos nos lugares onde se realizam (Quinn, 2006; Ri­
chards, 2007). As funções dos festivais no turismo incluem atrair turistas para lugares
específicos, compensando ou ultrapassando a sazonalidade dos mesmos, contribuir
para o marketing de locais, incluindo a formação de imagem e marca de destino187,
criar atrações e locais de animação188, e atuar como catalisadores para outras formas

187
Veja­se o caso do impacto do festival Ars Electronica na cidade de Linz, na Áustria – https://ars.elec­
tronica.art/aeblog/en/2019/08/05/ars­and­the­city/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

de desenvolvimento (Iordanova & Stylidis, 2017). O turismo de festival é essencial­


mente instrumentalista, tratando os festivais como ferramentas de turismo e de­
senvolvimento económico. A afirmação de que

O turismo não é apenas um conjunto de atividades meramente co­


184 merciais, é também um enquadramento ideológico da história, da
natureza e da tradição, um enquadramento que tem o poder de re­
formar a cultura e a natureza para as suas próprias necessidades.
(MacCannell, 1992: 1)

corresponde a uma questão real, com impactos fortes sobre os festivais e as po­
líticas culturais. Coloca­se atualmente uma variedade crescente de questões
sobre os festivais, nomeadamente, sobre o seu papel no estabelecimento de
identidade de lugar e grupo; os seus impactos sociais e culturais; o seu contributo
para a criação de capital social e cultural; para a promoção das artes e a preser­
vação das tradições.
O interesse pelos festivais de artes, por parte do poder político, tem sido re­
duzido até muito recentemente, dado que eram vistos como um parente pobre
de outras atividades culturais e frequentemente considerados, em termos de po­
lítica cultural, como um primeiro passo para o desenvolvimento de atividades cul­
turais mais produtivas e sustentáveis (Quinn, 2013). Emoldurados por uma ampla
gama de estratégias de regeneração urbana neoliberal e norteados pela estetiza­
ção global, os festivais de artes – incluindo música, artes visuais e MAD – são agora
um pilar do turismo urbano e da formulação de políticas urbanas, alavancando
uma série de objetivos sociais e económicos, o que é mais evidente nas cidades
(Pejovic, 2009).
A MAD tem sido vista predominantemente numa variedade de contextos al­
ternativos, e pode ter encontrado a sua primeira audiência em grande escala no
circuito dos festivais de cinema e dos festivais de artes performativas, que come­
çaram a incorporar vídeo e outras formas de arte intermedia e multimédia nos
seus programas, já no final da década de 1970. Esta realidade permitiu evidenciar
certas características da MAD, tidas como problemáticas na sua entrada nos mu­
seus: a natureza temporal, participativa, transitória, interdisciplinar e internacio­
nalmente móvel (Cook, 2008).
No início da década de 80, a MAD conseguiu encontrar a sua audiência atra­
vés de festivais especializados (Krajewski, 2006). Esses eventos surgiram como um
fenómeno cultural para responder à necessidade de novos espaços de apresen­
tação para os projetos de MAD.
188
Considere­se também o caso do Festival Burning Man, que transforma o deserto de Black Rock,
Nevada, num parque de diversões co­criativo e participativo – https://www.insider.com/what­is­
burning­man­like­every­year­2019­8 [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Os festivais de MAD floresceram um pouco por todo o mundo, proporcio­


nando acesso a uma variedade caleidoscópica de espaços, maioritariamente em
meios urbanos, fora dos espaços convencionais, em várias configurações, que vão
desde fábricas e edifícios públicos desativados, até locais hipertecnológicos. Festi­
vais como NODE189, FutureEverything190, ElectroFringe191, STRP192, MUTEK193, Trans­
mediale194, FILE195, Japan Media Arts Festival196, The Wrong197, apenas para citar 185
alguns, têm vindo a celebrar a arte e a tecnologia, e constituem plataformas para
a apresentação de projetos de MAD, permitindo que as pessoas se encontrem em
espaços físicos e virtuais para partilhar, discutir e colaborar a nível internacional.
Também na Internet se assinala uma presença crescente de exposições, bie­
nais de arte e festivais online, conforme documentado no trabalho de Oliver Laric,
An Incomplete Timeline of Online Exhibitions and Biennials198. Este trabalho foi
criado como uma provocação, já que integrou a BiennaleOnline 2013, uma expo­
sição online organizada pela ARTPLUS em 2013, auto­descrita como «a primeira
exposição bienal exclusivamente online dedicada à arte contemporânea». Laric
desmontou aquela pretensão através da sua obra, já que a listagem, assumida­
mente incompleta, começa por registar um evento em 1991 (The Thing) até atingir
os catorze itens em 2012, testemunhando assim, também, a evolução crescente
ao longo do tempo do número de eventos exclusivamente online.
De 1970 a 2019 a estetização global atingiu proporções completamente dis­
tintas, o gosto comum sofisticou­se e a curadoria ultrapassou fronteiras, adotando
modelos alternativos. Os festivais materializam um ecossistema, um equilíbrio
entre criação e consumo, reunindo arte, cultura e entretenimento, onde a indús­
tria e as empresas marcam presença com tecnologia aparatosa em colaboração
com os artistas, e onde a Academia marca presença institucional, experimental
ou exercendo curadoria. São ainda um espelho da frequente natureza transitória
da MAD e da mobilidade e ubiquidade da sociedade atual.
A European Festivals Association199 (EFA) é uma rede europeia criada em 1952
e que reúne mais de 100 festivais de 40 países. A EFA disponibiliza ainda um motor
de busca de festivais – o FestivalFinder200. Apesar de contemplar uma categoria
dedicada às artes digitais, nenhum dos nomes mais sonantes, português ou euro­
peu, a integra201.
189
https://nodeforum.org/ [2020/06/24]
190
http://futureeverything.org/ [2020/06/24]
191
https://www.electrofringe.net/ [2020/06/24]
192
https://strp.nl/ [2020/06/24]
193
http://www.mutek.org/en [2020/06/24]
194
https://transmediale.de/ [2020/06/24]
195
https://file.org.br/ [2020/06/24]
196
http://festival.j­mediaarts.jp/en/ [2020/06/24]
197
https://thewrong.org/ [2020/06/24]
198
http://variants.artbase.rhizome.org/Q1277/timeline.html [2020/06/24]
199
https://www.efa­aef.eu/en/home/ [2020/05/21]
200
https://www.festivalfinder.eu/ [2020/05/21]
201
À data presente, de 2020/05/21.
PEDRO ALVES DA VEIGA

A profusão atual de festivais acaba por diluir a natural e espontânea excitação


a eles associada, e por isso as organizações procuram diferenciar os seus festivais
através do desenvolvimento de identidades únicas, através do comissionamento
de novas obras ou incentivando a participação do público na conceção e cocriação
temática, ou até na realização de obras de arte localizadas (Robinson, 2015). As
186 facetas sociais e experienciais dos festivais emergem como atrações importantes,
indicando que, nos festivais, o público tem um estado de espírito alterado e pro­
cura uma intensidade afetiva e simbólica no desenho e programa do evento, que
crie a diferença entre o tempo/local festivo e o tempo/local da vida quotidiana
(Cummings & Herbert, 2015; Lash, 2010).
Artistas e produtores culturais respondem a essas expectativas através da
criação de trabalhos multissensoriais, imersivos e espetaculares, que criem expe­
riências memoráveis, tanto para o crescente mercado de festivais, como para for­
mas não convencionais de exposição cultural. Apesar – ou talvez em função – da
festivalização atual, Getz (2010) sugere que o escapismo continua a levar as pes­
soas a eventos de vários tipos, incluindo conferências, para os benefícios genéricos
de entretenimento e diversão, socializando, aprendendo e fazendo algo novo, ou
seja, em busca de novidades. «Esta zona livre é uma necessidade para o capita­
lismo: na cultura, dá aos indivíduos a liberdade que lhes nega no trabalho» (Ebert,
2009: 11). Mas a maioria dos frequentadores de festivais de MAD são, na reali­
dade, conhecedores ou profissionais da área, e não especialmente diversificados
(Paul, 2005), como é fácil verificar através do número de rostos conhecidos – que
não apenas os dos artistas – nos vários festivais de MAD em Portugal.
Praticamente todos os festivais – mesmo os considerados de topo – cedem
à pressão, ou ao hábito, da experiência e do entretenimento, até porque se os fes­
tivais esperam atrair audiências maiores, devem apresentar conteúdos em forma­
tos apelativos – espetáculos, exposições, workshops, festas – como parte de um
processo de rentabilização, baseado frequentemente na venda de bilhetes a um
público, para quem o valor hedonista do entretenimento é superlativo.
Procura­se atingir um equilíbrio cuidadoso entre entretenimento e arte in­
terventiva: a viabilidade económica de cada festival depende da sua capacidade
de atrair público, enquanto a sua reputação artística e impacto social dependem
da sua capacidade de atrair artistas e obras de arte significativas. Também aqui
se fazem sentir várias influências da economia da experiência, não só no próprio
conceito de festival – que visa proporcionar experiências aos visitantes – mas tam­
bém nos modelos de rentabilização: eventos exclusivos, reservados apenas a con­
vidados VIP e a detentores de bilhetes premium; passes especiais que garantem
a entrada em todos os eventos durante todos os dias do festival; experiências com
benefícios distintos (cruzamento com outras áreas temáticas, acesso a merchan­
dising diverso, incluindo fotos ou reproduções de obras dos artistas representados,
acesso a sessões behind the scenes e passes backstage) ou a criação de parcerias
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

de longa duração, através de passes válidos para vários festivais de temática rela­
cionada, onde existe um público comum.
Devido ao facto de vários destes festivais estarem vinculados a instituições
culturais e a financiamento de terceiros, público e/ou privado, o principal pro­
blema com que se deparam é a perda da atitude crítica e foco analítico, que ti­
nham sido os elementos­chave diferenciadores aquando do seu surgimento na 187
cena artística. Muitos dos festivais de MAD mais estabelecidos transformaram­se
em eventos sociais glamorosos, cujo objetivo se centrou no entretenimento do
público, descurando um papel crítico, no questionamento da tecnologia e do seu
impacto social e político (Marletta, 2012).

A provocação do Ars Electronica é que compacta exposições de bou­


tique da mais recente tecnologia, críticas incisivas ao projeto pós­in­
dustrial, piadas e falhanços honestos. É um navio gigantesco
alimentado por entusiasmo, mas dirigido por nada remotamente pa­
recido com bom gosto. (Ings, 2016: 46)

A necessidade de apresentar tecnologia inovadora e agradar a parceiros da


indústria pode conduzir a um fenómeno que também o coletivo KissMyArs (2016)
denunciou, como juntando o pior dos campos da arte e tecnologia202, através de
criatividade do tipo hello world. Este tipo de obras são meras provas de conceito,
sem outra ambição do que servirem como simples (embora espetaculares) de­
monstradores tecnológicos, ignorando quase por inteiro o papel intervencionista
que a MAD pode ter na crítica dos impactos políticos, económicos ou sociais da
tecnologia.
Já na edição de 2018 do Ars Electronica Prix, e contrastando fortemente com
as edições anteriores (talvez por sensibilidade às críticas), foram atribuídos pré­
mios e distinções a vários projetos de índole social, etnográfica, comunitária e his­
tórica. Também em 2017, o prémio de ouro Lumen Prize203 tinha sido atribuído a
um trabalho com preocupações ambientais: Plastic Reflectic – uma instalação in­
terativa que aborda a poluição intensa do mar, e que, através da interação, de­
monstra ao público que o seu próprio comportamento pode afetar diretamente
os oceanos. Na edição de 2019 do Lumen Prize, o prémio The Rapoport Award for
Women in Art & Tech foi atribuído à obra Resurrecting the Sublime204, de Alexandra
Daisy Ginsberg, Christina Agapakis/Ginkgo Bioworks e Sissel Tolaas. Esta obra de
biotecnologia permitia reviver o aroma de duas flores extintas devido à atividade
colonial, transformando o que poderia ser uma simples experiência aromática –
apesar de complexa na sua produção – no reviver de um contexto histórico.
202
https://twitter.com/genekogan/status/789836711794585600 [2020/06/24]
203
https://lumenprize.com/artwork/plastic­reflectic/ [2020/06/24]
204
https://lumenprize.com/artwork/resurrecting­the­sublime­2019/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

De acordo com Simondon (1992: 306­310; 2010: 229) e Mumford (1963: 60­
106) é importante reconhecer que os valores políticos, éticos e sociais se podem
tornar protocolos em jogo na cadeia de modulação. O digital pode ser usado para
promulgar valores neoliberais (Schmidt & Cohen, 2013), da mesma forma que
pode ser usado para convidar à participação numa ética social igualitária e caris­
188 mática diversificada (Braidotti, 2014). Dar­se conta deste potencial implica uma
vantagem de poder sobre os que o ignoram. Talvez sejam os hackers, a comuni­
dade de software livre, os dissidentes do capitalismo digital e os remixers que, por
operarem na esfera da produção, da disseminação, da socialização e da organiza­
ção do saber, e terem a sua atividade fundada numa ética da cooperação volun­
tária, permitam a experimentação de outros modos de vida e de outras relações
sociais.

Há mais de 17 anos que a Furtherfield tem trabalhado práticas que


cruzam a arte, tecnologia e mudanças sociais. [...] As nossas linhas
artísticas de ação incluem net art, média arte, hacking, artivismo,
hacktivismo e cocuradoria. Sempre acreditámos que era essencial
que os indivíduos no cerne da Furtherfield exercessem a sua prática
em arte e tecnologia e estivessem envolvidos em inquirição crítica.
Para nós, «arte» não implica apenas gerir uma galeria ou criticar as
obras, apenas pelo seu valor artístico. O sentido da arte está no seu
fluxo perpétuo, e examinamos a evolução das suas relações com a
condição humana. O papel da Furtherfield e da sua direção, en­
quanto coletivo de arte, é moldado pelas afinidades que encontra­
mos entre vários pensadores independentes, indivíduos e grupos que
questionam a cultura através do seu trabalho. [...] Se nós, enquanto
organização artística, nos alhearmos do que as pessoas vivenciam no
seu dia­a­dia e não examinarmos, representarmos e respeitarmos as
suas histórias, então devemos ser considerados parte de uma elite
irrelevante e vistos como insignificantes para a maior parte das pes­
soas. (Garret, 2013:1)

A primeira regra da guerrilha é conhecer o terreno e usá­lo como vantagem.


O terreno político e social moderno é uma paisagem mediada por sinais e símbo­
los, história e espetáculo (Gotham, 2012). Para agir com eficácia nesta topografia
cultural, é necessário observar, analisar e responder criativamente, não apenas
centrando­se no conteúdo, mas também no próprio suporte de exposição do
mesmo e no entrosamento dos dois.
Um exemplo desta realidade é The Standing March205, uma projeção de gran­
des dimensões levada a cabo sobre a fachada da Assemblée Nationale, em Paris,
quando se encontravam em vigor medidas excecionais de segurança que impe­
diam a realização de protestos ou manifestações de formas convencionais. Este
205
http://www.thestandingmarch.com/ [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

foi o modelo encontrado pelos artistas JR e Darren Aronofsky, com sonorização


feita pelo grupo Massive Attack, mostrando uma multidão de observadores de
todas as etnias, idades e origens, com os olhos postos na Conferência das Nações
Unidas COP21 sobre o clima, esperando decisões e compromissos, numa altura
em que as marchas reais estavam proibidas em Paris, por questões de segurança.
Posteriormente, a obra foi levada e projetada noutros edifícios emblemáticos da 189
capital francesa (Musée d’Orsay, Panthéon, Mairie, entre outros), como se ela pró­
pria marchasse, desafiadora, pela cidade.
Em Espanha foi concretizado o primeiro protesto por holograma206. Na se­
quência da aprovação da que ficou conhecida como ley mordaza, que restringe o
direito à assembleia e ao protesto em espaços públicos, milhares de pessoas de
todo o mundo participaram numa manifestação de repúdio, desfilando na rua com
cartazes de protesto e palavras de ordem. Mas nenhuma dessas pessoas se en­
contrava fisicamente no local, tendo as suas imagens sido projetadas por holo­
grama: Hologramas por la Libertad.
Outro exemplo digno de nota é a vandalização, levada a cabo por Sebastian
Errazuriz, de uma obra de realidade aumentada de Jeff Koons. O projeto de Koons
foi desenvolvido em parceria com a rede social Snapchat207, para que a obra fosse
localizada em vários locais públicos espalhados pelo mundo, permitindo aos uti­
lizadores do Snapchat a captação de selfies junto à obra (arties), de forma em tudo
semelhante ao que faziam com os restantes filtros da aplicação para telemóvel
daquela rede social. Como forma de protesto contra a invasão corporativa do uni­
verso da realidade aumentada, Errazuriz criou um modelo idêntico a uma das
obras de Koons e localizou­o nas mesmas coordenadas GPS208, o que constitui,
provavelmente, o primeiro exemplo de vandalismo digital, no universo da reali­
dade aumentada. Pretendeu, desta forma, lançar o debate sobre o controle e a
privatização do território digital, e sobre o papel dos gigantes da indústria neste
processo.
Ainda digno de nota é o SeaNaps209, um festival de música, arte e tecnologia,
com concertos ao ar livre, workshops e conferências. Desde a primeira edição, em
2017, em Leipzig, os organizadores criaram um conceito experimental baseado
em Blockchain, para assegurar uma participação nas receitas em tempo real, atra­
vés de um modelo de pagamento próprio, com base em princípios de comércio
justo e economia social. Para isso criaram uma pulseira RFID para o festival,
atuando como um porta­moedas digital. Conseguiram assim garantir a transpa­
rência dos pagamentos, a distribuição de riscos e confiança, proteção e certificação
de identidade e propriedade intelectual, e a criação de contratos inteligentes para
206
https://www.publico.pt/2015/04/12/mundo/noticia/um­holograma­em­madrid­para­protestar­
pelo­direito­de­protestar­1692170 [2020/06/24]
207
https://moneyish.com/ish/heres­how­to­catch­the­jeff­koons­sculptures­snapchat­is­placing­all­
over­the­world/ [2020/06/24]
208
https://meetsebastian.com/public­augmented­reality­artwork­vandalized [2020/06/24]
209
http://www.seanaps.net/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

repartição de riqueza entre os diferentes contribuintes para o mesmo projeto.


Cada artista / grupo recebeu um pagamento mínimo fixo, acordado e garantido
em euros, e independente do sucesso do festival. Todos os pagamentos feitos du­
rante o festival foram executados sem contacto graças às pulseiras RFID fornecidas
aos visitantes, que depois eram usadas nos terminais dos vendedores. Antes do
190 festival, todos os participantes, organizadores do festival, voluntários, responsáveis
pela restauração, fornecedores de produtos e merchandising e artistas acordaram
numa chave de distribuição oficial, codificada num contrato inteligente sobre
Blockchain, que desencadeava o pagamento automático de receita sempre que o
pagamento era realizado com uma pulseira RFID, nas proporções decididas (por
exemplo: x% para os artistas, y% para os fornecedores da restauração, z% para a
empresa de segurança).
Um outro caso digno de menção é o do coletivo artístico Meow Wolf210 se­
diado em Santa Fé, Novo México. O grupo é atualmente composto por mais de
200 artistas de várias disciplinas, incluindo realidade virtual, aumentada e mista,
pintura, arquitetura, escultura, produção de vídeo, engenharia de áudio, escrita,
entre outros. Através da colaboração transdisciplinar desses diferentes artistas, o
coletivo desenvolve experiências de arte totalmente imersivas que visam a criação
de narrativas, experiências performativas e interativas. Em março de 2016, o co­
letivo Meow Wolf abriu a sua primeira exposição permanente num antigo espaço
de bowling, com mais de 1800 m2. Em apenas dois dias arrecadou mais de 1 mi­
lhão de USD através do site de crowdfunding Wefunder211, montante esse que
passado um ano rondava os 8 milhões, e que contava com investidores como
George R. R. Martin. O coletivo cria mundos imersivos, coloridos, mágicos e únicos
para o público explorar, uma combinação de exposição de arte interativa, parque
de diversões, romance de mistério e passagens secretas. The Meow Wolf Expe­
rience212 atraiu quase 500.000 visitantes e rendeu 8,8 milhões de USD em 2017.
O sucesso traz, contudo, alguma amargura, já que a organização não é imune a
acusações de contribuir para a gentrificação de zonas históricas da cidade de Den­
ver. Como resposta, criou em 2019 um fundo de 250 mil USD destinado a organi­
zações sem fins lucrativos e um outro, no montante de 215 mil USD, direcionado
a outros espaços comunitários DIY213.
A realidade quotidiana, contudo, rodeia­nos de iniciativas menos marcantes
ou individualizáveis – apesar dos estribilhos (massificados) da personalização, da
inovação ou da unicidade. Somos potencialmente influenciados, ou até mental­
mente manipulados, pela produção de uma subjetividade coletiva, característica
dos processos massificados de individualização (Guattari, 1989).
210
https://meowwolf.com/faq [2020/06/24]
211
https://wefunder.com/meow.wolf [2020/06/24]
212
https://youtu.be/lWFG9pRpDTA [2020/06/24]
213
https://www.rollingstone.com/culture/culture­features/meow­wolf­expansion­psych­art­728202/
[2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Existe um controle e neutralização do número máximo de refrações existen­


ciais, determinando os limites dentro dos quais pensamos, sentimos e vivemos:
um processo de contração existencial. Saímos para os mesmos locais, que estão
sobrelotados, viajamos em massa para os mesmos destinos, juntamente com mi­
lhares de outros turistas; tendemos a pensar o que outros pensam, sejam de es­
querda ou de direita, aparentemente sem mais opções; sentimos o mesmo que 191
os outros; vamos a festivais e exposições onde existem filas intermináveis para
cada atração; há uma estranha passividade que assombra as nossas vidas e que
se manifesta – também – na perpetuação de clichés estéticos, do que uma vida
culta, divertida e glamorosa deve ser.
No Instagram, o utilizador @insta_repeat214 documenta a profunda seme­
lhança visual entre imagens de diversos Instagrammers publicadas naquela rede,
contribuindo assim para a afirmação de que existe, efetivamente, uma visão es­
tetizada, global e padronizada, da realidade que nos envolve.

Figura 33: Qual o real papel do Instagram? Fonte: autor

214
https://www.instagram.com/insta_repeat/ [2020/06/24]
ARTE TERRITORIAL ANTROPOFÁGICA
À medida que o complexo tecnológico se torna mais inteligente, recolhendo
informação sobre os gostos, hábitos e dados biométricos, e gerando conhecimento
com esses dados, torna­se cada vez mais difícil dizer onde termina o ambiente e
192 começa a pessoa (Clark, 2003). Enzernsberger (1982) sustenta que o intelectual
deve tentar usar aquele complexo para os seus próprios fins, que são geralmente
incompatíveis com os propósitos da máquina industrial: o que ela sustenta, ele
deve subverter.
A pós­convergência da MAD (Nash, 2015) determina que ela pode mimeti­
zar­se em qualquer outra prática artística, podendo assim tornar­se também em
mais uma forma de embelezamento do quotidiano, gerando uma quantidade de
obras, frequentemente voláteis, efémeras, decorativas e pouco memoráveis.
Mas a pós­convergência pode também levar a MAD a seguir as pisadas da­
queles que insistem em questionar a dignidade, utilidade, democraticidade e aces­
sibilidade da arte, numa sociedade recheada de inutilidades, povoada de vidas
indignas, onde as assimetrias sociais são gritantes e onde existe toda uma Huma­
nidade invisível de vítimas colaterais do consumismo (Bauman, 2013).
Ora a MAD pode contribuir para essa visibilidade, com vantagem sobre as
outras formas e práticas artísticas, porque fala a linguagem da atualidade, porque
acede às suas redes de comunicação, porque se pode insinuar enquanto embele­
zamento, e questionar a seu coberto.
Espreitar para dentro das caixas­negras e alterar o seu funcionamento cons­
titui, até certo ponto, uma atividade ilegal conhecida como hacking, mas que tam­
bém é um processo criativo, um parente próximo da apropriação artística e remix.

Os hackers facultam a entrada de coisas novas no mundo. Nem sem­


pre serão coisas interessantes, e talvez nem boas, mas seguramente
novas. Na arte, na ciência, na filosofia e na cultura, em qualquer pro­
cesso de conhecimento onde se proceda à recolha de dados, de onde
se possa extrair informação, e se nessa informação existirem novas
possibilidades para o mundo, então existirão hackers extraindo o
novo do velho215. (Wark, 2004: 1).

Numa idade de excessos – de consumo, de selfies, de arties, de turismo in­


vasivo e superficial, do efémero (remixados na figura 34) – a MAD pode invadir
todos aqueles territórios, hackeá­los e, como nenhuma outra forma de arte, co­
locar perguntas, dar respostas, jogar jogos com revelações, contar histórias sem
fim, mas com propósito, fazer­nos olhar para nós próprios através dos ecrãs onde
não nos (re)vemos dias a fio, mas para os quais olhamos de minuto a minuto.

215
No original: hacking the new out of the old.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

193

Figura 34: Artie remix – Mona et la laitière immortalisent leur voyage chez le cri.
Fonte: Travailwiki (CC BY­SA 4.0).

O The New Art Fest utilizou o material eletrónico urbano da cidade de Lisboa,
conseguindo trazer uma série de obras e artistas ao encontro de um público que,
de outra forma, os ignoraria. Mas o impacto seria consideravelmente maior se as
próprias obras se relacionassem diretamente com as vidas reais das pessoas que
nelas se reveriam, estabelecendo uma relação entre artista, obra, público e terri­
tório, criando camadas adicionais de relevância, de intervenção, de interferência.
À medida que mais e mais ecrãs são colocados em aeroportos, museus, es­
colas, locais públicos de atendimento, restaurantes e bares, centros comerciais,
centros de conferências, receções de empresas, consultórios médicos, hotéis, tea­
tros e casinos, constituem também um potencial a explorar pela MAD, em parti­
cular a videoarte, mas também outros géneros interativos. Os artistas são atraídos
para a MAD em parte porque lhes interessa explorar a relação (em rápida e cons­
tante mudança) entre média, tecnologia, ciência, arte e sociedade.
Estas preocupações eram frequentemente evidentes no trabalho de artistas
associados aos movimentos de arte cinética e Fluxus durante a década de 60, mas
também mais recentemente é possível ver a continuação desta tradição crítica no
trabalho de uma geração mais jovem de artistas que trabalham com tecnologias
locativas, software para jogos e biotecnologia, entre outras.
PEDRO ALVES DA VEIGA

A proposta cultural do DIY tem origem no movimento Punk do final dos anos
70 e início dos 80. Vários autores associam o DIY Punk às experimentações artís­
ticas do dadaísmo e a Marcel Duchamp, dentro do mesmo espírito de transgressão
e crítica à sociedade. A ideia do DIY foi absorvida, mais tarde, por aqueles que de­
sejavam penetrar no, inicialmente inacessível, universo da tecnologia da informa­
194 ção digital.
O hacktivismo apropriou­se do conceito e influenciou, não apenas os grupos
próximos à cibercultura, mas também a própria indústria da tecnologia da infor­
mação (Leão et al., 2017). O artivismo­hacktivismo é um tipo de prática artística
que pode conter variações significativas na disposição do artista de se envolver
em atividades ilegais ou legalmente ambíguas. A orientação para fora da lei de­
terminará práticas como ataques de denial­of­service (DoS), descaracterizações,
sabotagens de sites ou roubo de informação, enquanto a orientação transgressora
apenas desafia a lei, sem extremar o desafio até ao ponto de ameaça legal ime­
diata (Samuel, 2004). Os artivistas digitais, por outro lado, operarão sempre dentro
da legalidade, principalmente através de interferências culturais e subversivas.
Ensler define o artivismo como:

Uma energia criativa que vem de dar o coração, a alma e a imagina­


ção à luta. Não é agressão, mas fúria. Não é dor, mas confronto. Não
viola, mas disrompe. Esta paixão tem todos os ingredientes do ati­
vismo, mas está carregada com as criações selvagens da arte. Arti­
vismo – onde os limites são empurrados, a imaginação é libertada, e
uma totalmente nova linguagem emerge. (Ensler, 2011: 5)

Enquanto a arte pode ficar limitada a museus e galerias, e o ativismo a ma­


nifestações de rua, assembleias e parlamentos, já o artivismo digital está à vontade
para ocupar praças de cidades, jardins e centros comerciais, outdoors e redes so­
ciais, mas também galerias e parlamentos, prateleiras de supermercado e bilhetes
de transportes públicos.
A MAD permite que esta ocupação ocorra em dois territórios – físico e virtual
– e a média­arte locativa (MAL) adequa­se particularmente às intervenções geo­
graficamente específicas. Este novo terreno, simultaneamente artístico e político,
é mais familiar e mais seguro para o público do que um museu ou uma manifes­
tação, e torna o artivismo mais atraente e acessível do que a arte tradicional ou
as práticas ativistas, e por isso é também válida a ocupação de festivais pelo arti­
vismo, a coberto do entretenimento e escapismo.
Mas, se o artivismo se tornar uma simulação de si próprio, transformando­
se num exercício de estilo ou estética, ou em festivais orquestrados por interesses
meramente economicistas, então passará apenas a ser mais uma buzzword, des­
provido de real conteúdo e eficácia. A capacidade do artivismo para surpreender
– aparecendo em lugares improváveis ou assumindo formas não­familiares – é
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

também a sua melhor característica para perturbar as noções preconcebidas de


arte e protesto público, e os preconceitos sobre as mensagens politizadas.
O artivismo cria uma oportunidade para ultrapassar ideais políticos e morais
rígidos e remapear padrões cognitivos. A surpresa é o momento em se pode tocar
corações e chegar às mentes, e mudar ambos. Ao proporcionar experiências, o
artivismo também é curiosamente adequado para a era da economia da experiên­ 195
cia e da atenção, da ubiquidade dos dispositivos móveis e das redes sociais. O pú­
blico não partilha documentos políticos, mas partilha uma experiência que pode
estar ligada a uma causa, a algo que o move.
O fenómeno do ativismo artístico é fundamental para o nosso tempo porque
difere do fenómeno da arte crítica. Os artivistas não querem simplesmente criticar
o sistema artístico, ou as condições políticas e sociais gerais sob as quais esse sis­
tema funciona. Eles procuram mudar essas condições por meio da arte, não tanto
dentro do sistema artístico, mas no mundo real e comum de todas as pessoas, no
seu território. Os artivistas tentam mudar as condições de vida em áreas econo­
micamente subdesenvolvidas, suscitar preocupações ecológicas, oferecer acesso
à cultura e educação para as populações de países e regiões pobres, atrair a aten­
ção para a situação dos imigrantes ilegais, melhorar as condições das pessoas que
trabalham em instituições artísticas, entre tantas outras causas. Os artivistas rea­
gem assim ao colapso crescente do estado social moderno, querem ser úteis, me­
lhorar o mundo, sem deixar de ser artistas.

Figura 35: Fotograma do projeto participativo artivista de arte generativa cinemática SAR ­ Specie­
sism | Ageism | Racism216 apresentado pelo autor no Festival Digital function(2019,»innocence»),
em Palma de Maiorca, Espanha. Fonte: autor.

216
https://pedroveiga.com/sar­speciesism­ageism­racism/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

E este é o ponto em que surgem problemas teóricos, políticos e, mesmo, pu­


ramente práticos, dado que as tentativas do artivismo de combinar arte e ação
social são atacáveis por duas perspetivas opostas – a tradicionalmente artística e
a tradicionalmente ativista (Groys, 2014):
• Por um lado, o ativismo artístico parece não ser suficientemente bom do
196 ponto de vista artístico: as intenções moralmente boas do artivismo subs­
tituem­se à qualidade artística. Por outro, no século 21 é praticamente im­
possível determinar a qualidade artística, os critérios clássicos de qualidade
e bom­gosto foram já abolidos: impôs­se o remix, o glitch e o noise, na
senda do culto da fealdade217 (Higgins, 2002).
• No entanto, a crítica do lado do ativismo é mais séria, e incide principal­
mente nas noções de estetização e espetacularidade. Uma tradição intelec­
tual enraizada nos escritos de Walter Benjamin e Guy Debord afirma que a
estética e a espetacularização da política, incluindo o protesto político, são
negativas, porque desviam a atenção para longe dos objetivos práticos do
próprio protesto. Para esta fação crítica, isso implica, então, que a arte não
possa ser usada como meio genuíno de protesto político porque, ao espe­
tacularizar essa ação, neutraliza o seu efeito prático. Ou seja, a componente
artística do artivismo é vista como a principal razão pela qual esse ativismo
falha ao nível pragmático e prático – ao nível do impacto social e político
imediato – desviando as atenções para o impacto estético (Gotham, 2012).

O artivismo move­se então entre estas duas visões críticas e se, por um lado,
o artivismo politiza a arte e usa a arte como design político, por outro lado a arte
é parte integrante da cultura, e não faz sentido proibir o seu uso por movimentos
politicamente oposicionistas, sob o pretexto de que esse uso leva à espetaculari­
zação (Tunalı, 2017). As práticas de artivismo contemporâneo, enquanto cultura
de movimentos sociais, não podem ser excluídas de uma consideração séria, en­
quanto práticas artísticas e enquanto expressões políticas.
Já em 1980, Lippard (1980: 364) comentava, relativamente à acusação de arte
má: «dada a história das vanguardas, o que raio significa hoje em dia arte má?»
Desde então, a arte tornou­se ainda mais porosa, informal, DIY, apropriando­se de
tudo (Bayley, 2012).
O conceito de antropofagia, cunhado pelo poeta e filósofo brasileiro Oswald
de Andrade no Manifesto Antropófago (Andrade, 1976), estabeleceu uma metá­
fora somática que liga a prática do canibalismo das tribos nativas, e os novos in­
vasores dos campos sociais e artísticos. A MAD artivista é antropófaga em alto
grau: afixação de ecrãs virtuais sobre espaços públicos em MAL, stencils de rua
com códigos QR, graffiti revolucionário em realidade aumentada, hashtags, vi­
217
Cult of ugliness, no original, em inglês.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

deoarte, culture jamming, subvertising, hacking e descaracterização218 de sites,


remix de vídeos e imagens digitais, legendagens, memes, performances públicas
com streaming ao vivo (DeLaure, Fink & Dery, 2017) e protestos contra multina­
cionais utilizando os próprios rótulos dos produtos219. Este é um vislumbre das ex­
pressões da MAD ligadas aos movimentos sociais do nosso tempo, a partir dos
quais é possível intervir poética, performativa e inteligentemente. 197
A MAD já sabe produzir poéticas e performances que interliguem o espaço
público e o ciberespaço, através da realidade aumentada e da MAL, e assim o ar­
tivismo encontra na MAD um território fértil para se disseminar e, simultanea­
mente, para se construir como performance política (Taylor, 2003).
O ativismo é uma prática (geralmente) coletiva, organizada e focada, apesar
de conviver também com os processos de individualização, e as organizações ar­
tivistas também produzem os seus próprios eventos (até exposições e festivais),
muitas vezes enquanto comunidades artísticas auto­curadas, como a Further­
field220, Guerilla Girls221 ou Sisters of Perpetual Resistance222, por exemplo.
Outro exemplo recente chega do Brasil, através do movimento #342 Artes,
que orquestra uma campanha de denúncia da perseguição movida às artes e cul­
tura no Brasil223. Mas porque o estribilho e a estética revolucionária têm apelo pró­
prio, outras comunidades existem que apenas se revestem da mesma roupagem,
perseguindo objetivos comerciais, como é o caso da Artivist Entertainment224.
Os 2 R’s (Resistência e Ressentimento) intensificam­se e entrelaçam­se. O re­
sultado é a amplificação de formas de imaginação social previamente não articu­
ladas, cuja ativação é excitante e perigosa. Em simultâneo, abre novos canais para
a expressão e participação criativa, e também dá acesso público a todas as formas
de pensamento e de conduta, exemplificadas pela crescente visibilidade da Frente
Nacional da França, do Partido Nacional e do Partido do Brexit, ambos Britânicos,
do Partido Popular Dinamarquês, do Partido da Liberdade na Holanda e Áustria,
do Aurora Dourada na Grécia, e das milícias nacionalistas Trumpistas nos EUA.
Mas nem só de causas distantes da classe média vive o artivismo. O coletivo
moddr.net criou em 2009 o projeto Web 2.0 Suicide Machine225, que permite ao
utilizador apagar o conteúdo dos seus perfis de redes sociais (Facebook, Linkedin,
MySpace e Twitter) e eliminar os seus amigos virtuais. Ao usar o site, a sua foto­
grafia nas várias redes é substituída por um nó de forca. A ideia da Web 2.0 Suicide
Machine é permitir abandonar a vida virtual para poder recuperar a vida real. De­
218
Defacing, no original em inglês.
219
https://www.organicconsumers.org/news/new­app­lets­you­boycott­koch­brothers­monsanto­and­
more­scanning­your­shopping­cart [2020/06/24]
220
https://www.furtherfield.org/ [2020/06/24]
221
https://www.guerrillagirls.com/ [2020/06/24]
222
https://www.instagram.com/sistersofperpetualresistance/ [2020/06/24]
223
https://www.facebook.com/342artes/videos/2173519692673969/ [2020/06/24]
224
http://artivistentertainment.com/ [2020/06/24]
225
http://suicidemachine.org/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

pois de ter ajudado a mais de 50.000 amigos serem removidos e mais de 500 «sui­
cídios», o Facebook bloqueou o acesso do Web 2.0 Suicide, alegando quebra dos
termos de serviço.
Outro projeto do artivista Ben Grosser, Tracing You226, exibido no Festival
PLUNC em 2016 em Lisboa, faculta uma visão do mundo em tempo real do ponto
198 de vista do visitante. Para isso procura câmaras de vigilância públicas, mais próxi­
mas do IP do visitante do site, e exibe os seus feeds, obtendo por vezes uma apro­
ximação assustadora. O projeto levanta várias questões, desde o grau de
conhecimento que um sistema informático pode ter sobre o nosso ambiente, ape­
nas com base nos indícios digitais que deixamos, quais os objetivos desse mesmo
sistema ao querer localizar­nos, qual a precisão das fontes de dados que usa e o
que se revela sobre quem (ou o que) navega na Internet, e o que se pode fazer
com essa informação.
Nesta mesma linha, e com preocupações redobradas durante os protestos
que se seguiram ao assassinato de George Floyd nos EUA, o artista Everest Pipkin
produziu e disponibilizou, não um projeto artístico, mas uma ferramenta – Image
Scrubber227 – que permite eliminar todas as informações EXIF, bem como desfocar
todos os rostos numa fotografia, antes dela ser publicada nas redes sociais. O pro­
jeto foi motivado pela utilização de imagens de manifestações, capturadas e par­
tilhadas nas redes sociais pelos próprios manifestantes, mas analisadas e utilizadas
pelas forças policiais para a identificação dos indivíduos que nelas figuravam, bem
como horas e locais onde os manifestantes se encontravam. Assim, utilizando o
Image Scrubber, toda a informação passível de identificar pessoas, locais e horas
é retirada das fotografias, tornando­as seguras.
Também o artista conhecido como American Artist228, um nome escolhido
pelo próprio para obliterar a sua identidade, tornando praticamente impossível
a pesquisa na Internet de informação sobre si, criou a aplicação 1956/2054229 para
a exposição My Blue Window no Queens Museum, em 2019. Trata­se de uma apli­
cação que imagina a experiência visual de uma ferramenta de inteligência artificial
que envia forças policiais para zonas consideradas de criminalidade de alto risco.
As imagens retratam ruas e bairros calmos, onde nada se passa, e chegam a ser
soporíferas. É uma crítica ao policiamento preditivo de um futuro imaginado, onde
a criminalidade negra não acontece porque os negros são preventivamente presos.
A capacidade que os nossos dispositivos digitais têm para interagir na Internet
– e, consequentemente, os vestígios que eles e nós deixamos – foram a base de
um ataque de hackers (crackers?), que se suportou em mais de um milhão de dis­
226
https://bengrosser.com/projects/tracing­you/ [2020/06/24]
227
Image Scrubber pode ser traduzido por limpa­imagens, e está disponível no site do seu autor:
https://everestpipkin.github.io/image­scrubber/ [2020/06/24]
228
https://americanartist.us/ [2020/06/24]
229
https://play.google.com/store/apps/details?id=com.americanartiststudio.mybluewindow
[2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

positivos da IoT: câmaras digitais, impressoras, lâmpadas e outros aparelhos (Con­


dliffe, 2016). Os objetos domésticos mais banais são agora capazes de comporta­
mentos inesperados.
É nesta fronteira dual que residem os caminhos relativamente inexplorados
da MAD, do hacking positivo e criativo (não do cracking), aliando função estética
e questionamento, social, político e cultural; entretendo e, simultaneamente, re­ 199
velando lados invisíveis da realidade que nos rodeia, suportados na capacidade
de desenvolver ideias originais e únicas e imaginar soluções múltiplas para um
problema. Este é um traço cognitivo que já Guilford (1956) considerava o ingre­
diente mais importante da criatividade: uma forma de pensar que não segue os
caminhos da conformidade ou da convenção, mas que os devora, transforma e
prossegue em direção a propostas incomuns, capazes de mudar pensamentos e
realidade.
Não sendo um projeto de raiz artística, o Code of Conscience230 materializa,
contudo, muito do que aqui foi apresentado. Trata­se de uma iniciativa que visa
inserir um código aberto, de distribuição gratuita, e que pode ser instalado em
equipamentos e maquinaria pesada de múltiplos fabricantes. Este código recebe
informação georreferenciada sobre zonas sensíveis e protegidas, com base na
World Database on Protected Areas, da ONU, e através de GPS impede o funcio­
namento desses equipamentos caso eles entrem ou sejam utilizados nessas zonas.
O convite pelos promotores foi enviado aos dez maiores fabricantes do mundo, e
esperam que através da divulgação da iniciativa possam surgir pressões concer­
tadas no sentido da sua implementação.
Ao considerarmos as ferramentas políticas de que dispomos para fazer ouvir
vozes coletivas, é provável e habitual que pensemos de imediato em petições e
manifestações. São ferramentas baseadas no confronto, o que não implica que o
confronto seja a única – ou a melhor – via. O facto de não considerarmos, como
primeira escolha, outro tipo de ferramentas, não significa que elas não sejam ne­
cessárias.
O artivismo digital pode, pois, assumir­se como veículo de amplificação da­
quelas vozes, mas que simultaneamente contextualiza, informa e ensina.

230
https://www.codeofconscience.org/ [2020/06/24]
REALIDADE REMIXED PÓS­FAKE
Fake: The Real Deal?231 é uma exposição na Science Gallery, em Dublin, que
explora o conceito de autenticidade, questionando o seu valor através de uma va­
riedade de pontos de vista: de carne falsa a emoções falsas, se o falso cumpre o
200 seu objetivo, quem é que se importa?
A morte em direto banalizou­se, através da cobertura televisiva de bombar­
deamentos, tiroteios ou execuções. Colocamos câmaras em gatos e cães e os dro­
nes são usados para filmar pornografia, como se fossem flagrantes espontâneos.
Simulamos a realidade e partilhamo­la como sendo o artigo genuíno.

Figura 36: Nanook of the North –


anunciado como «a história mais
humana e mais verdadeira das
Grandes Neves Brancas».
Fonte: Robert J. Flannery / Pathé
Picture, domínio público.

Já em 1922, no filme de Robert J. Flaherty, Nanook of the North, um ator inuk


é conduzido pelo realizador a desempenhar ações encenadas, como a caça de
focas com arpões (em vez de armas, como era já hábito na época), ou o uso exa­
geradamente inadequado dum gramofone, para ilustrar conceitos etnográficos,
de forma falaciosamente documental (Kara & Reestorff, 2015).

231
https://dublin.sciencegallery.com/fake/ [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Em maio de 2016 o suicídio da jovem Océane232 transmitido pela própria, em


direto, através do Periscope233 para uma audiência de mais de 1.000 utilizadores
da rede social, relançou o debate sobre a diferenciação entre fantasia e realidade,
quando ambas são mediadas pela mesma tecnologia. Várias pessoas que assistiam
à transmissão em direto assumiram que era uma encenação, enquanto que outras
esperavam o pior, algumas temendo­o e outras incitando ao seu desfecho. 201
Foi também nesta altura que se começou a falar do desafio da Baleia Azul,
que se supõe ter começado como um embuste234. A sua projeção e divulgação
universais aumentaram o seu impacto junto dos adolescentes, através de fenó­
menos de imitação, tribalismo e rituais de aceitação, e também do apelo do risco
e transgressão, levando várias redes sociais a alterar os seus mecanismos de busca
para procurar estancar a situação235.
Mais recentemente, em 2020, o coronavirus challenge, que consiste em lam­
ber o assento de uma sanita236 num espaço público, foi lançado na rede TikTok por
uma jovem influencer de 21 anos. Ava Louise, além de se filmar a si própria, ale­
gadamente numa casa­de­banho de um avião, contou também com a ajuda de
Larz, um amigo que se fez passar por um seguidor desconhecido, também filmado
a lamber um assento de sanita. Mais tarde, Larz disse nas redes sociais que tinha
contraído a doença, e chegou a exibir imagens do seu internamento hospitalar.
Só que o internamento ocorrera tempos antes e não tinha qualquer relação com
o Covid­19. Ava Louise desmontou posteriormente toda a situação como fake, as­
segurando que o fez apenas com o propósito – conseguido – de ganhar mais no­
toriedade. Quando confrontada com a multiplicidade de reações negativas em
várias redes sociais (e muitas positivas também) assumiu estar feliz com o resul­
tado, como inclusivamente demonstrou no programa televisivo Dr. Phil237.
Na era do prefixo pós (pós­real, pós­internet, pós­moderno), arrisque­se a
sugestão de mais um: pós­fake. Toda a criação falsa ou falaciosa que se deseja co­
municar como verdadeira, por forma a causar impactos (verídicos) na realidade,
pode ser designada como pós­fake. A designação mantém­se em inglês devido à
ampla divulgação que o termo fake sofreu, sobretudo a partir dos EUA, durante o
ano de 2017, e o termo real assume­se como o seu oposto (em vez de true), dado
que fake, neste contexto, pressupõe a não­existência, portanto, a não­realidade.
Algumas situações fake (fictícias) relacionadas com cinema, teatro ou televisão,
já originaram agressões (reais) aos atores nelas envolvidos238. O pós­fake é, então,
o resultado de através do fake se afetar e alterar o real.
232
http://www.bbc.com/portuguese/internacional/2016/05/160513_suicidio_periscope_df_if
[2020/06/20]
233
https://www.pscp.tv/ [2020/06/20]
234
https://www.irishtimes.com/news/social­affairs/no­proven­link­between­blue­whale­game­and­
suicides­says­expert­1.3084251 [2020/06/20]
235
https://www.wired.com/story/killing­the­blue­whale­challenge/ [2020/06/20]
236
https://twitter.com/realavalouiise/status/1238915362470625292 [2020/06/20]
237
https://www.youtube.com/watch?v=ayuS5W45LlE [2020/06/24]
238
Por exemplo, https://www.theguardian.com/uk­news/2019/jun/09/southampton­theatre­cancels­
lgbt­play­performances­after­actors­attacked [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Na campanha eleitoral acesamente disputada no Brasil e que culminou com


a eleição de Jair Bolsonaro, as redes digitais foram inundadas de memes forte­
mente politizados, assentes em várias falácias e com apelo emocional, desde a
colagem do conceito do moderno socialismo ao nacional­socialismo nazi, até à di­
vulgação de notícias falsas sobre vários candidatos.
202 A rede Whatsapp foi a mais utilizada para esse efeito, já que não existe –
ainda hoje – uma monitorização centralizada ou pública do que é partilhado: todas
as comunicações são encriptadas e, portanto, o tipo de escrutínio exercido sobre
o Twitter ou Facebook não pode aqui ser aplicado. Além disso, os grupos consti­
tuem­se de forma orgânica e livre, em que qualquer pessoa pode adicionar ami­
gos, colegas de profissão e familiares, não precisando da sua aceitação prévia.
O jornal El País conduziu uma investigação239 sobre o tópico e concluiu que 66%
dos eleitores brasileiros partilharam notícias sobre política utilizando o Whatsapp,
e 90% desses utilizadores fê­lo mais de 30 vezes por dia. Um outro muito relevante,
e subjacente ao trabalho do El País, é uma sondagem levada a cabo pela Ipsos240
onde se assinala o facto de 62% da população brasileira revelar já ter acreditado em
notícias falsas. Quando inquiridos sobre a principal razão de terem incorrido nesse
engano, a quase metade dos inquiridos culpabilizou os políticos e os media, que de­
liberadamente enganaram o povo. Contudo, 37% assumiram que isso se poderia
dever a uma sua visão enviesada da sociedade e do mundo, generalizada a partir
de uma experiência pessoal, ou devida à influência das redes sociais.
A aplicação Whatsapp funcionou, assim, como uma caixa­negra, obscure­
cendo a possibilidade de verificação dos factos nela transmitidos, possibilitando
a montagem de falácias como o «kit gay para crianças de seis anos241» atribuído a
Haddad – uma deturpação da iniciativa «Escola sem Homofobia» – ou ainda, em
sentido contrário, os rumores sobre um cancro terminal de Bolsonaro242, que o
impediria de terminar o mandato.
É ainda de assinalar o facto de muita desta informação circular sob a forma de
meme, alguns dos quais recorrendo a cuidado trabalho de edição e composição fo­
tográfica, extração de contexto e adulteração. Este fenómeno de comunicação atra­
vés de imagens, muitas vezes complementadas com utilização abundante de emojis,
corrobora ainda a natureza emocional – e não racional – da mensagem, e que o
texto não consegue transmitir com igual impacto (Kaye, Malone, & Wall, 2017).
O output desta caixa­negra foi a influência no sentido de voto. Neste exemplo,
considera­se como fake o conjunto de notícias e memes falaciosos produzidos e
divulgados pelos vários candidatos e respetivos apoiantes, com a intenção de
239
https://brasil.elpais.com/especiais/2018/eleicoes­brasil/conversacoes­whatsapp/ [2020/06/24]
240
https://www.ipsos.com/sites/default/files/ct/news/documents/2018­08/fake_news­report.pdf
[2020/06/24]
241
https://g1.globo.com/fato­ou­fake/noticia/2018/10/16/e­fake­que­haddad­criou­kit­gay­para­
criancas­de­seis­anos.ghtml [2020/06/20]
242
https://g1.globo.com/fato­ou­fake/noticia/2018/10/17/e­fake­mensagem­que­diz­que­bolsonaro­
simulou­ser­vitima­de­facada­para­disfarcar­cancer.ghtml [2020/06/20]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

minar as intenções de voto nos seus opositores; e designa­se por pós­fake o re­
sultado dessas ações: a eleição presidencial.
Definir o que é real é um ato de poder. Ser capaz de reinventar a realidade
pode ser também um ato de liberdade. A criação de experiências pós­fake pode
abrir portas a campos criativos relativamente pouco explorados, e de forma mais
positiva e interessante existem já projetos artísticos que adotaram esta abordagem 203
de diluição da fantasia com a realidade, criando cenários transmedia, onde as duas
se misturam.
Por exemplo, o Instituto Hereafter243 apresenta­se como um fornecedor de
serviços e cerimónias para a nossa segunda morte. Atualmente morremos duas
vezes: primeiro os nossos corpos são enterrados ou cremados e deixamos de exis­
tir no mundo material. Mas o que acontece à nossa presença virtual? A nossa
morte digital? O Instituto permite três abordagens: a remoção, a continuação e a
memorialização. Mas, apesar do website dedicado, do vídeo244 de apresentação
e de artigos em blogs, escritos por supostos visitantes do Instituto Hereafter245,
trata­se de um projeto artístico de Gabriel Barcia­Colombo, docente na Universi­
dade de Nova Iorque. Um visitante incauto que encontre o site, assista ao vídeo
de apresentação e preencha o formulário de contacto, não deixará de ficar vaga­
mente desapontado quando descobrir que, afinal, a organização é fictícia (mas
encontrará certamente consolo nas mais de vinte empresas que já prestam um
serviço semelhante246). Contudo, o Instituto Hereafter organiza experiências imer­
sivas reais como, por exemplo, no Los Angeles County Museum of Art, em que
sensibiliza as pessoas para a sua presença digital e alerta para o futuro, os rituais,
a preservação e a forma de lidar com a sobre­abundância de registos digitais que
vamos criando nas nossas vidas.
Outro exemplo paradigmático é a REFF247, uma instituição cultural falsa, que
nasceu em Itália, em 2008, e que tem a sua origem num protesto contra a organi­
zação de um concurso – RomaEuropa WebFactory – que proibia determinante­
mente o remix (hiperligação, modificação, interpretação, ligação, recorte,
sobreposição, entre outros), por receio de problemas relacionados com direitos
de autor. Mas essa mesma organização reservava­se o direito de poder usar os
trabalhos recebidos para remix próprio, e posterior exploração. Surgiu, então, a
ideia de ocupar o evento, através do registo duma designação semelhante (Ro­
maEuropa FakeFactory), com o correspondente domínio na Internet, e foi lançado
um concurso, onde era obrigatório utilizar toda a espécie de remix, salientando a
importância dos novos modelos de licenciamento aberto, commons, copyleft,
entre outros. Em resumo, o concurso da organização fake teve um tal sucesso, que
243
http://www.hereafterinstitute.com/welcome [2020/06/20]
244
https://vimeo.com/175742886 e https://vimeo.com/222143841 [2020/06/24]
245
http://circulationexchange.org/articles/Hereafter­Institute.html [2020/06/24]
246
http://www.thedigitalbeyond.com/online­services­list/ [2020/06/24]
247
http://www.romaeuropa.org/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

recebeu vários reconhecimentos oficiais em todo o mundo, sendo recebido na Co­


missão Cultural do Senado Italiano e constando das iniciativas oficiais do Ano da
Criatividade da Comunidade Europeia em 2009, ultrapassando em projeção me­
diática o concurso original. Ao fazer uma pesquisa online sobre o concurso original,
a maior parte dos resultados orgânicos apontavam, de facto, para o falso, ou seja:
204 o fake ultrapassou e transformou o real, dando origem ao pós­fake.
A REFF assumiu­se, a partir desse momento, como uma instituição cultural
fake, que promove políticas reais para as artes, criatividade e liberdade de expres­
são por todo o mundo, e tem continuamente usado a falácia, o remix, a reinven­
ção, a recontextualização, o plágio e a reconstituição como ferramentas para a
reinvenção sistemática da realidade.
A REFF começou por investigar temas em torno de políticas de propriedade
intelectual e culturais e, em seguida, expandiu a sua ação para os domínios da li­
berdade de expressão e para a ideia de que o uso de tecnologias e práticas orien­
tadas para a Internet pode, efetivamente, permitir às pessoas reinventar a
realidade. Inspiram­se nas tecnologias que permitem reconfigurar e escrever o
mundo, criando camadas de realidade adicionais que expressem a interpretação
individual e subjetiva das cidades em que vivemos, e das coisas que compramos
e usamos todos os dias.
Um dos seus projetos é uma droga de realidade aumentada – REFF AR248 –
que é um antidepressivo psicotrópico, administrado através da inter­medialidade,
e é usada para tratar a depressão social, o medo do futuro, a precariedade, a an­
gústia antropológica, a falta de oportunidades, o totalitarismo comunicacional, a
escassez de liberdades e os ecossistemas sociais intolerantes. Também é usada
para tratar outras condições, como a UFPS (Uncertainty for the Future of Publishing
Syndrome – Síndroma da Incerteza sobre o Futuro da Publicação) e o LDSBMS
(Lack of Decent Sustainable Business Models Syndrome – Síndroma da Falta de
Modelos Decentes de Negócios Sustentáveis). O coletivo colocou displicentemente
várias embalagens da REFF AR em supermercados249, como se se tratasse da venda
de artigos convencionais. Dado que é uma instituição fake, as notícias que veicula
podem ser fake também, tal como as suas intervenções.
Numa realidade pautada pela sobreposição cognitiva de uma cortina de cli­
chês, produzida e controlada pela cultura dominante para estabelecer hábitos e
consolidar poder, torna­se necessário desmontar essa «cortina de clichês, que se
tornou trivial e egoísta, de uma forma sem precedentes» (Berger, 1983: 279), e o
pós­fake pode ser utilizado de forma positiva para este efeito.

248
http://www.fakepress.it/FP/?p=1640&lang=en [2020/06/24]
249
https://www.youtube.com/watch?v=SXaoPPkpqUo [2020/06/24]
O BLENDING DA PRODUÇÃO E DA REPRODUÇÃO: A UBÍ­
QUA BLACKBOX
O ciberespaço surgiu com promessas de salvamento de uma realidade limi­
tadora, mas depressa se tornou num simulacro dessa realidade, constituindo­se
como mais uma cortina de clichês. Usado maioritariamente como forma de os­ 205
tentação daquilo que, provavelmente, não temos no mundo material, deu origem
a mundos virtuais como o World of Warcraft ou Second Life – que gerava o equi­
valente ao PIB de um pequeno país, 500 milhões de USD (Maiberg, 2016). Foram
editados manuais impressos (e pagos em USD) que ensinavam a lidar com a vir­
tualidade, como The Unofficial Guide to Building Your Business in the Second Life
Virtual World: Marketing and Selling Your Product, Services, and Brand In­World250
que, ao longo de 320 páginas, aborda espaços colaborativos de trabalho, startups
ou aulas na Universidade de Princeton. Para não falar nas epidemias que pratica­
mente aniquilaram comunidades inteiras de jogadores, como o incidente Corrup­
ted Blood251, no World of Warcraft. Este incidente começou em 13 de setembro
de 2015 e durou uma semana, daí resultando que as cidades (virtuais) ficassem
infestadas de cadáveres, e os jogadores sobreviventes (na verdade, os seus ava­
tares) tivessem que fugir para os campos desertos circundantes, para evitar o con­
tágio e o mesmo destino.
No espaço de pouco anos já se pode falar em comoditização da virtualidade,
e a ampla divulgação do hardware de visualização a preços muito acessíveis, fa­
cilmente verificável através de uma busca online, demonstra­o.
Outro exemplo desta comoditização é o lançamento comercial da Acute Art,
auto­descrita como a «primeira plataforma de arte em realidade virtual», usando
todas as buzzwords da moda: «experiência, inovadora, radical, interativa, criativa,
disruptiva, revolucionária»252. A esta lista impressionante de lugares­comuns jun­
taram­se três nomes importantes do mercado da arte contemporânea, como
sendo os primeiros artistas na plataforma, mas que não são propriamente conhe­
cidos inovadores digitais ou radicais criadores de MAD: Jeff Koons, Marina Abra­
movic e Olafur Eliasson. Depois de uma visita inicial constata­se que as suas obras
virtuais acabam por ser traduções quase literais digitais/virtuais de obras físicas.
A trivialização da virtualidade está na base do excesso de discursos e imagens que
proliferam no espaço público globalizado que, ao eliminar elementos de distinção,
de unicidade, de verdadeira inovação ou vanguarda, se vulgarizou, tornando­se
em nada mais do que uma curiosidade tecnológica.

250
h tt p s : / / w w w . a m a z o n . c o m / U n o ffi c i a l ­ B u i l d i n g ­ B u s i n e s s ­ S e c o n d ­ V i r t u a l ­
ebook/dp/B001UE7OV8/ref=sr11?s=books&ie=UTF8&qid=1474462304 [2020/06/24]
251
https://uk.reuters.com/article/us­flu­virtual/online­blood­plague­offers­lessons­for­pandemics­
idUKTRE53Q4HI20090427 [2020/06/24]
252
https://acuteart.com/home [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

206 Figura 37: Como uma fotografia


(real) é tratada em blackboxes de
retoque facial/composição grá­
fica, destinada principalmente a
ser partilhada nas redes sociais,
criando uma (real) imagem social
pós­fake. Em alternativa, um ava­
tar pode também ser personali­
zado para o mesmo efeito.
Fonte: autor

Se o material é copiado no virtual, o reverso está igualmente documentado,


com as hashtags a servirem de decoração para o lar253, ou os emojis em cupcakes254.
Mas o circuito de influência estabelece­se continuamente nos dois sentidos, com
mecanismos de feedback e interdependências: a nossa perceção da realidade e
materialidade é afetada pela virtualidade que, por sua vez, é construída sobre prin­
cípios da materialidade. Na verdade, a distinção já não é importante, o blending é
total, e até as imagens que partilhamos de nós próprios se revestem de grossas ca­
madas de virtualidade: avatarizamo­nos, como se pode ver na figura 37.
A virtualidade instalou­se também por uma outra via, mais insidiosa. Até
meados do século passado pode afirmar­se que existia uma separação entre a
vida profissional e a vida doméstica e familiar, ocorrendo cada uma delas em es­
paços disjuntos. À medida que as solicitações de uma sociedade crescentemente
virada para os aspetos de produção, competitividade e crescimento económicos,
sobretudo durante as décadas de 70, 80 e 90 do século passado, foram exacer­
bando a pressão de permanecer mais tempo num desses espaços, quase menos­
prezando o outro, a fórmula encontrada para resolver o que poderia ser um
problema foi através das novas tecnologias e do ciberespaço, que acenaram com
promessas de libertação e gratificação instantâneas.
Não é casuístico o surgimento de vários websites generalistas de encontros
e matchmaking que, através da virtualidade, garantiam não apenas uma libertação
da materialidade e dos seus constrangimentos físicos ou sociais, como ainda um
campo mais vasto de opções e possibilidades. Dos websites às aplicações para
smartphones foi apenas um passo, e atualmente os campos da produção e repro­
253
https://www.etsy.com/search?q=wooden%20hashtag [2020/06/24]
254
https://www.etsy.com/listing/636788308/fondant­emoji­cupcake­toppers­fondant [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

dução cruzam­se em aplicativos para dispositivos móveis. Por exemplo, ProWein


Matchmaking é uma aplicação que promete alinhar os conhecimentos pessoais
em feiras industriais e de negócios com os objetivos profissionais, permitindo criar
reuniões de trabalho e simultaneamente conhecer socialmente os rostos e dados
biográficos sucintos de outros participantes. Outro exemplo é Veggly, uma aplica­
ção destinada a encontros dentro da comunidade vegan e que, como seria de es­ 207
perar, fomenta o primeiro encontro durante uma refeição num restaurante
adequado, membro da rede de parceiros do projeto.
Mas numa época em que existem crescentes preocupações com a existência
de predadores sexuais online, chatbots, identidades deturpadas, em que doenças
e infeções sexualmente transmissíveis, previamente tidas como controladas, res­
surgem (como é o caso da clamídia e sífilis), ou pandemias, como a do Covid­19,
se instalam à escala planetária, a virtualidade também é encarada por muitos
como uma forma de se manterem seguros.
Wiederhold prevê, com otimismo, que «através da capacidade da IoT permitir
a leitura de sensores indicativos dos níveis de dopamina e oxitocina de um utili­
zador, a atração real se torna mais difícil de ser forjada» (2016: 297). Mas essa
mesma IoT pode, também em teoria, mais facilmente permitir o controlo de um
sistema artificial que garanta que aqueles níveis se mantêm elevados ou em pro­
gressão ascendente, criando a derradeira – e prazerosa – experiência instantânea
segura, sem necessidade de interação humana.
Contudo, os seres humanos são seres corporais, o que significa que a maneira
como pensamos, sentimos, percebemos e nos comportamos, está ligada ao facto
de que existimos como parte – e dentro – dos nossos corpos. Ao sequestrar a
nossa capacidade de propriocepção, a realidade virtual pode ampliar a nossa iden­
tificação com o avatar. É um pequeno passo daqui até realmente se conseguir ha­
bitar o corpo de outra pessoa na realidade virtual. Mas as consequências de uma
identificação tão completa são desconhecidas e existe o risco de que a encarnação
virtual possa modificar o self no mundo físico, originando psicoses ou criando sen­
sações de alienação nos corpos reais, ao regressar de uma estadia na virtualidade.
O efeito Proteu (Yee & Bailenson, 2007) descreve como as pessoas que apre­
sentavam personagens virtuais mais atraentes estavam mais dispostas à intimidade
com outras, enquanto que pessoas com avatares mais altos demonstravam mais
confiança e agressividade nas relações com terceiros. Existe o risco de que este
comportamento, desenvolvido no domínio virtual, possa contagiar o físico. A ilusão
da mão de borracha já demonstrou que, nas condições certas, é possível sentir um
apêndice prostético inerte como uma mão real (Tsakiris & Haggard, 2005).
Os dispositivos móveis são já extensões corporais para a Generation Me, e é
sem surpresa que se constata que um próximo passo, nomeadamente o do im­
plante cirúrgico, já não pertence ao campo da ficção científica. Segundo Davies
(2020), na Suécia, entre 2017 e 2020, mais de 3000 cidadãos optaram por implan­
tes subcutâneos de pequenos microchips – electronic tags – substituindo­se assim
PEDRO ALVES DA VEIGA

à utilização de cartões de acesso, passes para ginásios ou bilhetes de comboio. A


popularidade do sistema é tal que algumas empresas organizam festas do im­
plante255 para os empregados. Isto traduz um blending crescente do material e do
virtual, constituindo­se como facetas de um mesmo real.
Para esta geração qualquer experiência parece implicar partilha local e física,
208 mas também global e digital. Tão ou mais importante que a experiência material
é a recolha da selfie, da artie ou do vídeo para o Instagram ou TikTok como prova,
muitas vezes de curta duração, mas completamente blended: do material ao vir­
tual, do local ao global. Esta forma de validar e exibir o comprovativo também
contribui para uma afirmação de status, para a exposição pública do self.
Jacques Lacan fala de extimidade (extimité), como a necessidade natural de
expormos o nosso interior, do reencontro consigo próprio através dos outros
(Evans, 1996: 59), mas na cultura popular corrente trata­se de uma realidade di­
ferente, aproximada a um exibicionismo de status, e que ficará indexada a um
lugar, não só através das coordenadas GPS embebidas na informação EXIF da fo­
tografia partilhada, mas também a partir das localizações normalizadas, automa­
ticamente sugeridas pelo Facebook ou Instagram, como a Praia de Faro beach ou
o Old Town Square, em Albufeira.
Quando se visitar, fora de época, o local onde decorreu um evento sazonal,
ser­se­á confrontado com um vazio material – no limite restará apenas um chão
em terra batida e ervas – mas densamente povoado de imagens, vídeos e sons
georreferenciados, reminiscentes dos eventos passados, como verdadeiros fan­
tasmas digitais, destinados, talvez, a alimentar em anos futuros uma hipotética
disciplina de arqueologia digital. Não somos por isso apenas confrontados com
um espaço social, mas com muitos – na verdade com uma multiplicidade incon­
tável de espaços sociais. O Multiverso já existe e é digital. Nenhum espaço desa­
parece no processo de crescimento e desenvolvimento: o global não abole o local
(Lefebvre, 1991).
Na exposição I who have arrived in heaven, de Yayoi Kusama, cada visitante
dispunha apenas de 45 segundos (de atenção) para capturar o momento (a expe­
riência). Apenas uma pessoa de cada vez era autorizada a entrar no Infinity Mir­
rored Room – The Souls of Millions of Light Years Away (figura 38), e a fila de sete
horas para entrar na Galeria David Zwirner em Nova Iorque, ou a exigência de re­
serva prévia diária no The Broad, em Los Angeles, eram reveladoras do valor de
uma artie. No Instagram encontram­se mais de 845.000 publicações com a has­
htag #yayoikusama, mais de 1.500 com a hashtag #iwhohavearrivedinheaven e
mais de 7.000 publicações com a hashtag #infinitymirrorroom256, o que leva à
questão: afinal a verdadeira experiência é a visita à obra ou a recolha e partilha
da prova dessa visita? Ou o blending das duas?
255
No original, em inglês, implant parties.
256
Dados obtidos através do site http://instagram.com [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

209

Figura 38: Dentro do Infinity Mirror Room, de Yayoi Kusama. Fonte: Stig Nygaard, Flickr (CC BY 2.0).

Será então provavelmente interessante considerar a dotação sistemática das


próprias obras de MAD de mecanismos de partilha direta, como forma de garantir
mais atenção e divulgação. A tecnologia que se funde com o ambiente, de forma
natural, sem recorrer a procedimentos invasivos, é aquela que cedo se torna invi­
sível, perfeitamente enquadrada, omnipresente e viciante.
Weiser introduziu o conceito de ubiquidade, no sentido da «capacidade com­
putacional da tecnologia que se encontra integrada no nosso meio envolvente,
mas que passa maioritariamente despercebida. São computadores invisíveis, que
se entrosam de tal forma com o quotidiano que deixam de ser vistos como objetos
estranhos» (1999: 3). Para ele a ubiquidade é diametralmente oposta à virtuali­
dade, dado que «invisivelmente faz sobressair o mundo que já existe». Este é um
desvio que nos distancia da realidade virtual, que tentava «fazer um mundo dentro
do computador» (1999: 4).
Silva (2006) define os dispositivos móveis em rede como interfaces sociais.
Uma interface social interage com outras, reformulando tanto as relações de co­
municação como o espaço em que essas interações ocorrem. As interfaces sociais
promovem o surgimento dos chamados espaços híbridos que são espaços dinâ­
micos, criados pelo movimento contínuo de pessoas que transportam dispositivos
portáteis, constantemente ligados à Internet. O espaço social passa a ser distri­
buído, sem necessidade de deslocação física para encontrar determinada pessoa.
Qualquer espaço é um potencial espaço de encontro e partilha e, corresponden­
temente, espera­se que qualquer espaço permita a conectividade em qualquer
momento.
A onlineness implica que os utilizadores não sentem a perceção de entrar no
universo virtual e, como consequência, a distinção entre espaços físicos e virtuais
PEDRO ALVES DA VEIGA

torna­se desfocada, esbatida, cognitivamente sobreposta. Um espaço híbrido é


criado quando já não é necessário sair de um espaço físico para se interagir com
outras pessoas localizadas em áreas geográficas distintas. O real coloca­nos no cen­
tro de redes interconectadas, permanentemente acessíveis. Vivemos num mundo
pós­virtual e isso não implica uma nostalgia do analógico, mas sim o assumir que
210 as redes se tornaram tão presentes no quotidiano e que o processo de digitalização
da cultura é tão abrangente, que já é anacrónico pensar na dicotomia real/virtual
(Gasparetto et al., 2015), falando­se agora no espaço aumentado ou ampliado. Este
não é mais do que o espaço físico, sobreposto com a informação digital multimédia
personalizada e que muda dinamicamente (Pine & Gilmore, 1999).
O coletivo Manifest.AR assume­se como o primeiro coletivo artístico a utilizar
a realidade aumentada (RA), enquanto ferramenta de criação artística artivista, e
no seu AR Art Manifesto afirmam:

A Realidade Aumentada é uma nova forma de arte, mas é anti­arte.


É primitiva, o que amplifica a sua potência viral. É a má­pintura a de­
safiar a noção de boa­pintura. Aparece nos lugares errados. Sobre ao
palco sem licença. É arte relacional conceptual que se auto­atualiza.
A arte RA é anti­gravidade, está escondida e tem que ser encontrada.
É instável e inconstante. Ela é ser e tornar, real e imaterial. Ela está
ali e pode ser encontrada – se for procurada. (Manifest.AR, 2011)

É este blending de lugares e pessoas que permite a criação de espaços híbridos


abertos, que promovem novos modelos criativos colaborativos, amplificados pela
Internet of Things (Rifkin, 2014), que também pressupõem a necessidade de uma
série de mediadores, que vão desde a disponibilidade de redes elétricas e largura
de banda de tráfego de dados, passando por programas e aplicativos, até ao equi­
pamento pelo qual se faz a ligação – que é cada vez mais o dispositivo móvel. Isto
pode indiciar que, num futuro próximo, o sujeito socialmente excluído seja aquele
que não possui mobilidade com ligação permanente, podendo vir a ser definido
como o sujeito digitalmente imóvel: digitalmente antissocial (Beiguelman, 2013).
Paradoxalmente, o sujeito digitalmente social poderá ser fisicamente bas­
tante mais solitário, em virtude de mediar a sua atividade profissional e social pela
tecnologia, usando – e usado por – um dispositivo híbrido. Este dispositivo é cons­
tituído por redes wi­fi, câmaras de videovigilância, sensores e leitores RFID, e dis­
positivos de comunicação móvel, entre tantas outras componentes possíveis, e
instala­se invisivelmente nos espaços urbanos e, provavelmente, também se cons­
titui como um instrumento de controle e poder.
Foucault (1976) menciona este tipo de instrumento de poder, explicando
como um conjunto variado e heterogéneo de discursos, instituições, regulações,
planos urbanos, estruturas administrativas, afirmações científicas ou intenções fi­
lantrópicas podem condicionar e determinar o que é dito e o que fica (subjacente)
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

sem ser dito; para ele tudo isto constitui o dispositivo. Com uma estrutura de fun­
cionamento complexa, o dispositivo colonizador condiciona a perceção e a repre­
sentação e, simultaneamente, nega a possibilidade de uma externalidade – vive­se
dentro do dispositivo. O panóptico, cuja conceção é atribuída a Jeremy Bentham,
em 1785, é um símbolo de uma sociedade assente em mecanismos de vigilância,
onde existe uma consciência de observação permanente e omnipresente, indutora 211
de medo como forma de poder e disciplina, acompanhada da invisibilidade do ob­
servador. No panóptico a vigilância observa sem ser observada, e o indivíduo é o
objecto sistemático da informação. Se o panóptico original foi concebido como
uma prisão, este dispositivo foi alvo de uma transposição para as tecnologias di­
gitais no projeto The ICSI Haystack Panopticon 257. Agamben (2008), relaciona a
tecnologia com a política, assumindo que o dispositivo que condiciona, também
reprime e vigia, e é atualmente composto quer por motores físicos, quer virtuais,
sustentando que a sua própria criação resulta da interseção das relações de poder
com as relações do conhecimento.
Os espaços físicos são recriados por múltiplas camadas sobrepostas de infor­
mação digital apensa a lugares físicos por utilizadores de tecnologias móveis,
criando novos espaços blended, novas heterotopias (Foucault, 1984), suportados
por sistemas de comunicação. A escala física dos espaços urbanos contemporâ­
neos, a distribuição e heterogeneidade da população, as formas, velocidades e di­
nâmicas de circulação que caracterizam a vida urbana e social desestabilizaram
as hierarquias urbanas tradicionais, inaugurando um período de grande incerteza
quanto à função da cidade enquanto centro simbólico.
À medida que a mobilidade tecnológica se impõe, a cidade contemporânea
torna­se um complexo arquitetónico de média, com uma proliferação de platafor­
mas digitais de média localizadas: ecrãs citadinos, edifícios com grandes superfícies
das suas fachadas cobertas com matrizes de pixels, as redes Tomi e JCDecaux, entre
outros. Mas esta nova arquitetura desenha­se sobretudo sobre as novas formas de
copresença, geradas por dispositivos móveis sobre redes wi­fi (McQuire, 2009).
A presença da MAD nas cidades contemporâneas é determinada por um en­
quadramento mapeador – o artista irá escolher locais com redes wi­fi gratuitas para
instalar as suas obras de realidade aumentada ou MAL, e garantir o acesso às mes­
mas por parte de uma audiência alargada. Mas se essas redes gratuitas fizerem
parte de um dispositivo de monitorização e controle, como os descritos por Fou­
cault (1976) e Agamben (2008), então cabe também ao artista contribuir, conscien­
temente, através das suas criações, para perpetuar ou desestabilizar esse controle.

257
http://haystack.mobi/panopticon [2020/06/24]
ARTE URBANA DIGITAL
Kalnins (2002, 2004) utilizou a expressão location aware e posteriormente
locative media para se referir a produtos e processos artísticos ligados a um lugar
ou espaços físicos, que provocam interações e dinâmicas sociais. Não é em con­
212 textos comerciais ou técnicos que o termo surge, mas no campo da arte, comuni­
cação e cultura. Tuters e Varnelis (2006) classificam estes projetos como
anotadores e fenomenológicos. Por anotador referem­se à rotulação de localiza­
ções geográficas utilizando software comercial, como o Google Earth ou o Google
Maps. Consideram­nos fenomenológicos porque registam a ação dos indivíduos
vivos num espaço físico.
A hipótese básica de trabalho da média­arte locativa (MAL) relaciona­se dire­
tamente com as ideias do espaço propostas por Santos (1988), porque as pessoas
e o território interagem, como também afirmou Thompson (2008) e está funda­
mentado no trabalho de Lefebvre (1991) e Debord (1955). Esta visão da localização
é significativa para os artistas, permitindo­lhes amplificar as formas de interagir
com as suas obras e, simultaneamente, contextualizá­las num determinado espaço.
Lemos e Josgrilberg (2009) propõem cinco categorias para os projetos de MAL, re­
velando esta topologia um cariz predominantemente urbano da MAL:
• anotações geográficas;
• mapeamentos;
• redes sociais móveis;
• jogos computacionais pervasivos;
• mobilizações inteligentes (smart mobs e flash mobs).

A MAL está, assim, próxima da noção de jogo, como apresentada por Gada­
mer (1985), como um movimento, que poderá não estar ligado a uma finalidade
última; o símbolo, como aquilo que se reconhece de um encontro prévio (com
algo ou alguém) e como festa, simultaneamente enquanto coletivo e a sua repre­
sentação. Para ele, estes conceitos desempenham um papel de destaque para se
definir arte: o regresso ao jogo, a elaboração do conceito de símbolo, isto é, da
possibilidade de reconhecimento de nós mesmos, e finalmente a festa, como a
essência da comunicação recuperada de todos com todos (Gadamer, 1985: 38,
50, 61, 23).
Pode propor­se, então, uma definição de média­arte locativa como aquela
que utiliza dispositivos, sensores, redes de comunicação e respetivas bases de
dados, para desenvolver artefactos digitais que reagem a lugares e contextos,
compostos por pessoas, objetos e/ou informação, fixos ou em movimento, mas
que definem um território de ação.
É importante considerar estes últimos pontos, já que a MAL pode ser desen­
volvida num jardim, num edifício, mas também numa carruagem de comboio ou
num autocarro. A experiência do espaço físico é aumentada, em vez de ser difi­
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

cultada pela tecnologia (Savicic, 2012). Lefebvre (1991: 33) propõe uma tríade
para explicar como esse espaço aumentado é produzido:
• A prática espacial, que abrange a produção e a reprodução, e os locais par­
ticulares característicos de cada formação social. A prática espacial garante
a continuidade e um certo grau de coesão. Em termos de espaço social e
de cada membro da relação de uma determinada sociedade com esse es­ 213
paço, essa coesão implica um nível de competência garantido e um nível
específico de desempenho.
• Representações do espaço, ligadas às relações de produção e à ordem que
essas relações impõem e, portanto, ao conhecimento, sinais, códigos e re­
lações frontais.
• Espaços representativos, incorporando simbolismos complexos, às vezes
codificados, outras não, ligados ao lado clandestino ou subterrâneo da vida
social, como também à arte, que podem vir a ser definidos menos como
códigos de espaço e mais como códigos de espaços representacionais.

A tarefa da MAL, enquanto geografia experimental, será aproveitar as opor­


tunidades que se apresentam nas práticas espaciais da cultura, para ir além da re­
flexão crítica, da crítica pela crítica e das atitudes políticas, para o campo da
prática, para experimentar com a criação de novos espaços, novos modos de ser.
Na MAL, os mapas são representações pessoais e subjetivas de espaços que pro­
movem uma mudança de perspetiva. Portanto, os mapas deixam de ser um pro­
duto objetivo da ciência cartográfica para se assumirem como uma interface, para
representar visões pessoais ou coletivas de lugares. Tendo em conta este signifi­
cado alternativo, os mapas e as práticas de mapeamento tornam­se ferramentas­
chave dos artistas que trabalham com a localização (Paglen, 2008), como uma
nova forma de arte pública, só visível através da mediação tecnológica.
O uso das tecnologias móveis de localização, características da MAL, numa
primeira análise atuam como blending de espaço urbano/material e espaço digi­
tal/virtual, mas numa segunda análise como que assombram o território (Sample,
2014). Esse uso, longe de criar efeitos de desterritorialização e perda do sentido
dos lugares, propõe utilizações temporárias e criativas do espaço/local, criando
assim a reterritorialização e a recomposição das interações sociais, a partir do dis­
positivo.
Atualmente a tecnologia dedica­se a processar o meio físico envolvente, e é
utilizada por pessoas que o atravessam. Nos centros urbanos, a conectividade co­
moditizou­se, tornando­se semelhante à água e à eletricidade. Centros comerciais,
lojas, restaurantes, galerias de arte e museus reconheceram essa tendência, e a
maioria deles oferece acesso wi­fi gratuito como um meio para atrair mais visi­
tantes. No entanto, para os visitantes, muitas vezes haverá um preço (geralmente
oculto) a pagar, já que os seus próprios sinais e dados podem ser usados para con­
PEDRO ALVES DA VEIGA

trolar movimentos, ações, e preferências. Na era da globalização a localização ga­


nhou toda uma nova importância.
No mundo físico, a arte urbana é geralmente associada a um local específico,
e a designação street­art surgiu porque a sua relevância é afirmada nas próprias
ruas. Blanché claramente distingue entre graffiti, street­art e arte urbana. Ele pro­
214 põe o termo Arte Urbana como uma designação abrangente e adequada para
«qualquer tipo de arte do estilo de Street Art, Style Writing258 ou arte mural» (Blan­
ché, 2015: 38). Enquanto fenómeno recente, pode (no entanto e sem surpresa)
ser apreciado em museus, como Urban Nation259, The Museum of Urban and Con­
temporary Art260, Punto Urban Art Museum261, ou Underdogs262, bem como em
galerias de arte e leilões263. É, assim, no contexto original urbano, que o autor pro­
põe o conceito de arte urbana digital, para ser entendido como todo o conteúdo
digital esteticizado que está de alguma forma relacionado, por georreferenciação
ou geo­tagging, com locais físicos.
E se no mundo físico o tagging surgiu como uma forma de graffiti, seletiva­
mente usado como assinatura pessoal ou de grupo (crew), já no mundo digital o
tagging foi formalmente introduzido como um meio de organizar, gerir e pesquisar
conteúdos multimédia. Desde a sua introdução nas redes sociais, o tagging tam­
bém é usado como uma forma de conectar, comunicar, desenvolver e manter re­
lações, e a maioria das pessoas está acostumada a marcar amigos (tag) e a ser por
eles marcada. No mundo aumentado, os indivíduos usam as (hash)tags como clas­
sificação, comentário, humor ou protesto, e marcam os seus familiares, celebri­
dades ou alvos para que os seus graffiti digitais georreferenciados (geotagged)
gerem a maior auto­gratificação possível, mas também influência, popularidade,
entretenimento, afeto e conveniência (Dhir, Chen & Chen, 2015). Assim, a maré
de massificação tem usado o blackboxing e a sobreposição cognitiva para criar
vastas camadas artializadas de média digital, frequentemente tagged, como se
pode observar nas redes Instagram, Facebook ou YouTube, apenas para nomear
três das mais significativas.
As imagens digitais assim partilhadas podem conter ou alimentar amplifica­
ções que superam os seus atributos estéticos, como os dados EXIF de fotografia
digital, incluindo coordenadas GPS, data e hora, morphing, eye­tracking, deteção
e reconhecimento facial, dados biométricos, glitches, machine learning e redes
generativas adversariais (GAN), entre outras. Os atuais sistemas de vigilância ur­
bana já utilizam a maior parte destas técnicas, mas a total extensão do seu po­
tencial ainda é desconhecida da maioria dos cidadãos.
258
O Style Writing inclui o Graffiti e o Tagging.
259
https://urban­nation.com/ [2020/04/15].
260
https://www.muca.eu/en/ [2020/06/04].
261
http://puntourbanartmuseum.org/ [2020/06/04].
262
https://www.under­dogs.net/ [2020/06/04].
263
https://www.tateward.com/departments/urban­art [2020/06/04].
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Tudo isto pode ser tornado visível através de intervenções artísticas sobre
MAL, e por esta razão, mais do que considerar o seu uso como um fim em si
mesmo, o autor postula a utilização da MAL sobre a arte urbana digital para me­
lhorar a literacia locativa: a capacidade de ler, escrever, comunicar é vital para
qualquer pessoa que precise agir, assumir o poder, ter agência. A consciencializa­
ção de como os fluxos e as camadas de informação se cruzam e ampliam a agência 215
local do indivíduo, e a capacidade de intervir a esse nível é uma extensão adicional
dessa literacia e da sua agência.
Um caso particularmente interessante é o do edifício Magasins Généraux
Pantin (figura 39), no Canal de l’Ourcq em Paris. Fechado desde o início do século,
tornou­se conhecido como Graffiti Général, dado que os seus cinco andares se
encontravam totalmente cobertos de graffiti, constituindo uma das principais atra­
ções turísticas ligadas ao género. Em 2016 a agência de publicidade BETC renovou
e reabriu o edifício, transformando­o num hub criativo com espaços de cowork.
Na mesma altura criou também um projeto de preservação de toda a street­art
que cobria o edifício, usando mais de 5400 fotografias de alta resolução para o
efeito, e disponibilizou­o online264. É, assim, um projeto emblemático de arte ur­
bana digital sobre arte urbana real.

Figura 39: O edifício Pantin, antes da renovação, integralmente coberto de graffiti.


Fonte: Jeanne Menjoulet, Flickr (CC BY­ND 2.0)

264
http://www.graffitigeneral.com/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Os locais físicos são criativamente ampliados e gamificados por essas camadas,


e esse conjunto de intervenções digitais pode ser comparado a uma rede neuronal,
um cérebro global ou até mesmo a uma noosfera digital moderna (Ascott, 2007).
Uma maneira de obter uma semântica rica é através da análise cruzada de
diferentes tipos de conteúdo e das suas linhas temporais (criação, reação, partilha,
216 por exemplo), estabelecendo uma correlação entre esse conteúdo e sua localiza­
ção pela análise de dados textuais – que pode ser tão simples quanto a recolha
de hashtags e a sua categorização. Não é absurdo imaginar que análises seme­
lhantes já estejam em curso neste momento, alavancadas por mecanismos de vi­
gilância que operam na cidade móvel e no público móvel.
Em 2013, havia cerca de 600.000 publicações diárias georreferenciadas no
Twitter, enquanto o Flickr divulgou publicamente um conjunto de dados aludindo
a 49 milhões de fotos georreferenciadas (Tasse et al., 2017). Alguns navegadores
de realidade aumentada possibilitam a visualização e integração de várias destas
camadas de conteúdos georreferenciados, através de kits de desenvolvimento
(SDKs) como Wikitude265, Bilpbuilder266, Vuforia267 e Artoolkit268, já que a maioria
das empresas que desenvolvem aplicativos para plataformas móveis fornecem
APIs que permitirão a terceiros explorar os seus conteúdos. Dessa forma, essas
camadas digitais são transformadas em matéria­prima para outras utilizações. Já
existem estudos em áreas diversas, conduzidos sobre essa riqueza de conteúdos
georreferenciados e públicos, incidindo sobre dados demográficos e dinâmicas
sociais (Mohammady & Culotta, 2014), informações de marca (Nam, Joshi & Kan­
nan, 2017), determinação de locais de residência (Jurgens et al., 2015) e a infe­
rência de prováveis amigos (Crandall et al., 2010).
E também os artistas se apropriam já de várias práticas, incluindo a engenha­
ria, o design, a arquitetura e as comunicações, e trabalham a partir de centros
como o V2 em Roterdão, o Medialab em Madrid, o FACT em Liverpool, ou o Cons­
tant em Bruxelas, entre muitos outros.
A diversidade de temas é grande, desde a segurança das trabalhadoras do
sexo, como no Aphrodite Project269 (Ryan, 2014), às emoções humanas, como no
BioMapping270 (Nold, 2018), passando por conversas privadas, como no Convers­
nitch271 (Collins & Linsley, 2019), pelo questionamento das fronteiras nacionais,
como através do BorderBumping272 (Oliver, 2012) ou incidindo sobre esconderijos
de comida e água para migrantes, como o Transborder Immigrant Tool273 (Carde­
nas et al., 2009), apenas para citar alguns (bons) exemplos.
265
https://www.wikitude.com/ [2020/06/06]
266
https://www.blippar.com/build­ar [2020/06/06]
267
https://www.ptc.com/en/products/augmented­reality/vuforia [2020/06/06]
268
https://www.artoolworks.com/products/mobile/artoolkit­for­ios.html [2020/06/06]
269
http://www.theaphroditeproject.tv/ [2020/06/06]
272
https://borderbumping.net/ [2020/06/06]
273
https://dspace.library.uvic.ca/handle/1828/7136 [2020/06/06]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Através destes trabalhos os artistas convidam o público a reconhecer a sua


posição na cadeia de valor das empresas multinacionais e corporações interna­
cionais, ao mesmo tempo que recombinam tecnologias e redes em ferramentas
independentes de criação individual, questionam as suas finalidades originais, exi­
bem a riqueza de informação digital que paira sobre qualquer espaço urbano, es­
timulam e provocam as pessoas (Nash, 2015). 217

270
http://www.biomapping.net/ [2020/06/06]
271
https://brianhouse.net/works/conversnitch/ [2020/06/06]
IV PARTE – MUSEU
TENDÊNCIA VERSUS INTERFERÊNCIA: ARTE QUÂNTICA

Subitamente não há contradições desejadas (nem vividas) entre au­


tomação e expressão, não há fratura entre online e off­line, não há
separação entre viagem mental e geográfica, entre comunhão e in­
trospeção, entre entretenimento e iluminação. (Alvelos, 2015: xiii). 221

Assiste­se à total estetização do mundo à nossa volta (Lipovetsky & Serroy,


2014; Groys, 2009), desde os pratos servidos nos restaurantes gourmet aos edifí­
cios de assinatura, das intervenções nas melhores cidades para visitar, aos museus
com percursos e narrativas interativas, e mesmo assim existe tanta solidão, bana­
lidade, tristeza, conflito, pobreza, precariedade, e – lamentavelmente – as redes
interconectadas de comunicação digital parecem conduzir a um conformismo e
comodismo na vida real, contrastado com as petições, confrontos escritos e
memes online. Existe muito pouca ação – e arte – realmente transformadora, e o
blending generalizado, provocado pelas caixas­negras ubíquas, contribui para este
fenómeno.
Também o conceito de região já não é só geográfico, mas sim relativo a um
subconjunto da internet ou meio de comunicação. Há bloggers que são influencers
ou trend­setters274, indivíduos que no YouTube ascendem ao estrelato local de um
momento para o outro, mas que permanecem desconhecidos no Instagram ou no
TikTok. O fenómeno do trend­setting e do influencing manifesta­se também nas
artes, e não só nas digitais. A busca da next big thing275 instituiu­se como o Graal
das Indústrias Criativas e Culturais, ansiando pela sua identificação antecipada
que permita, com a maior celeridade, utilizá­la para captar atenções e transformá­
la em experiência geradora de lucro. Mas devido à proliferação crescente de po­
tenciais novidades, o tempo de vida de cada uma delas é cada vez menor, e a
pressão para encontrar a próxima inversamente maior.
Misturam­se chavões pseudo­sociais com outros tantos de pseudo­inovação
tecnológica na sofreguidão da busca pela novidade: fluidez de género e realidade
aumentada, wanderlust e inteligência artificial. Em 2018 anunciava­se que «a ne­
cessidade de silêncio e solidão está a dominar as tendências visuais de bem­
estar»276, a par de outras tendências como «segundo renascimento, realismo
conceptual e masculinidade desfeita»idem. Em 2019 abraçou­se a ideia de uma es­
tética global, reconhecendo que a maior parte dos negócios criativos espalhados
pelo mundo começam a parecer­se demasiado uns com os outros, e avançando­
se com a «personalização», a «provocação criativa», «camadas de interação» e
«minimalismo filosófico» como outras tendências277.
274
Pessoas que criam tendências, ou contribuem para as divulgar e afirmar.
275
A próxima grande novidade, o próximo sucesso no mercado.
276
https://www.digitalartsonline.co.uk/features/graphic­design/visual­trends­2018­this­years­must­
know­colour­design­branding­photography­tren/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA

[...] pode­se ser um abstracionista de manhã, um fotorrealista à


tarde, um minimalista à noite. Ou pode­se cortar bonecos de papel
ou fazer o que lhe apetecer. A era do pluralismo chegou. Já não inte­
ressa o que se faz, e é isto o que significa o pluralismo. Quando uma
direção é tão boa como outra qualquer, já não existe qualquer con­
ceito de direção para aplicar. (Danto, 1986: 115)
222

As vanguardas artísticas do século 20, interativas e cúmplices, recusavam a


aceitação passiva da autoridade criativa, estética e política das fontes distribuido­
ras, mas frequentemente utilizavam o material distribuído de forma adulterada e
criativa (ready­made, colagem, assemblage ou mail­art, por exemplo), para gera­
rem o seu próprio conjunto de ideais e valores, sem camuflar o conflito aberto
com a cultura de massas.
Por outro lado os atuais trend­setters e influencers estão na quase totalidade
das vezes ao serviço do mercado de consumo, e são disputados por empresas e
mass­media, e por eles também transformados em estrelas mediáticas.
A institucionalização do trend­setting designa­se por coolhunting. O cool hun­
ter procura ativamente as próximas tendências ao serviço de uma organização,
utiliza os mesmos métodos que os trend­setters, mas o seu objectivo deixou de
ser o estrelato, o ser considerado como um guru da moda, da arte ou da curadoria,
e passou a ser o lucro corporativo. Por este motivo é crucial que os cool hunters
atuem rapidamente, antes da concorrência, para ganhar o mercado durante uma
época, um mês, uma semana, inundando o mercado com produtos vagamente
semelhantes, na expectativa de que um deles possa ter sucesso destacado, dei­
xando de imediato cair os restantes. E entre esses produtos estão os artistas e as
obras de arte.
Com a introdução do conceito de timeline, a produção e publicação crescen­
tes de conteúdo e media digitais estetizados, incluindo a própria arte digital, fazem
parte de um paradoxo contemporâneo, incorporado na sua cada vez menor lon­
gevidade: para permanecerem presentes e visíveis nos feeds de amigos e segui­
dores, tanto os indivíduos como as instituições precisam de criar um número
crescente de publicações, buscando o envolvimento dos restantes utilizadores das
redes sociais através de respostas emocionais e do tão desejado efeito viral. Hauffa
e Groh (2019) estimam que no Facebook, em média, o envolvimento dos utiliza­
dores com as publicações desaparece por completo ao fim de treze dias, e que o
número de interações mais significativo ocorre nos primeiros dois dias. A elevada
velocidade e densidade do fluxo de informação digital acarreta assim, como con­
sequência, que a fruição de fotografias, vídeos, músicas ou opiniões nas redes so­
ciais seja, também paradoxalmente, um ato individual, realizado num curto
espaço de tempo – apenas o suficiente para emitir uma reação (gosto?) e avaliar
277
https://artplusmarketing.com/drawing­inspiration­from­9­visual­trends­for­2019­5259e4e6a571
[2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

a pertinência da sua partilha. A real fruição não é, assim, um ato coletivo, mesmo
quando origina um elevado número de partilhas.
Em 2014 uma das palavras candidatas a neologismo do ano pela Oxford Uni­
versity Press foi normcore, formada a partir de normal e hardcore, e que designa
a atitude de encontrar a liberdade em não ser nada de especial. Foi ainda a has­
htag mais utilizada em 2014. Segundo os criadores do conceito278 nós vivemos na 223
era mass­indie279. Este pastiche de buzzwords acaba por ser a materialização da
mensagem emblemática do consumismo do século 21: tu és único + tu és dife­
rente + tu és especial + tu és livre280, dirigindo­se aos muitos milhões de tu, con­
sumidor, todos únicos, especiais e alvo da mesma mensagem massificada. Ainda
segundo a K­HOLE, o mass­indie deitou fora a preocupação da vanguarda em eva­
dir­se da massa, e focou­se na celebração da diferença – em massa: todos somos
diferentes. E se em décadas passadas a mensagem era dirigida aos filhos, os pais
de hoje também a ouvem, que as idades, tal como as identidades, já não são mu­
tuamente exclusivas, e estão sempre preparadas para novas combinações: ténis
e fato Armani, esquerda­caviar, Rubens e Andy Warhol, MILF e DILF. A cultura
mass­indie mistura o estranho e o normal, até os dois estarem nivelados. Neste
cenário, dominar a diferença é uma forma de neutralizar ameaças e ampliar o sta­
tus no grupo dos seus pares. Existem contudo três problemas, que o normcore
ajuda a ultrapassar/reenquadrar:
1. A clonagem – os artefactos produzidos têm tão poucas diferenças entre si,
que até os nomes dos seus autores se confundem. Para o normcore isto é
perfeitamente aceitável. Há que estar integrado, fazer algo parecido com
o que todos os outros fazem, para poder ter o sentido de pertença a uma
comunidade.
2. O isolamento – se as obras são tão diferentes e especiais que ninguém as
compreende e/ou deseja, para o normcore não há isolamento, há integra­
ção. Se algo é diferente e especial, é­o apenas porque ainda não encontrou
a comunidade certa para se integrar. Fomente­se então a criação dessa co­
munidade e explore­se o mercado respetivo.
3. O excesso de informação – o fluxo constante de informação e novidade é
tão intenso que já não se distingue do spam, e há uma inevitável perda de
informação. Mas este problema acontece a todos, o que, por definição, o
torna aceitável. A solução é reter apenas os soundbites importantes para
construir um discurso normcored.
278
http://khole.net/ [2020/06/06]
279
Mass­indie = mistura de massa com indie, a abreviatura de independente, nascida no mundo da
música, referindo­se aos grupos que lançavam os seus discos através de editoras secundárias no
panorama musical.
280
Alusão a uma curta­metragem sobre estes clichés, com o título This is a Generic Millennial Ad, dis­
ponível em https://vimeo.com/231557692 [2020/06/06]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Normcore, cool hunting, trend­setting e influencing constituem­se assim


como mecanismos blackboxed (porque são invisíveis no seu funcionamento) de
sobreposição cognitiva e de supressão das vanguardas criativas e artísticas pela
sua diluição na massa.
A pós­modernidade é palco de representações e imagens com alta carga de
224 apelo emocional, de modas sucessivas auto­invocando­se como sendo o futuro,
mas de onde a inovação (e a renovação) ideológica está primordialmente ausente.
A forma precede a função parece ter­se tornado também o epíteto do
homem pós­moderno, aparentemente mais preocupado com o que parece do
que com o que é. Partilhar uma foto de uma pintura (possivelmente uma artie) é
mais importante do que a experiência estética proporcionada pela própria pintura,
tal como partilhar a fotografia da capa de um disco no Facebook aparenta ser mais
relevante do que apreciar o seu conteúdo musical.
E neste cenário atual será possível uma vanguarda de artistas de MAD de­
senvolver­se sem ser de imediato absorvida pela análise de tendências e trans­
formada em produto? Só escapando da cultura do clica & partilha, da ditadura
das redes sociais, do normcore, da análise de tendências, poderá existir espaço
para uma inovação artística independente da pressão do like. Mais do que sub­
meter­se a um certo número de possibilidades impostas pelo aparato técnico, os
criadores procuram subverter continuamente a função da caixa­negra de que ele
se utiliza, e manejá­la no sentido contrário da sua produtividade programada: em
suma, procuram hackeá­la (Machado, 1997).

Figura 40: O algoritmo de Paquet. Fonte: autor.

A expressão Culture Hacking (McCarthy & McCarthy, 2002) designa a utiliza­


ção dos princípios e metodologias de desenho de software como Scrum, Kanban,
Agile e Lean, aplicadas a áreas organizacionais e de gestão, para introduzir mu­
danças na organização da sociedade – algo semelhante ao que o Open Source
criou no desenvolvimento de software. Trata­se, pois, de infiltrar os sistemas cul­
turais e alterar a sua codificação de forma crítica e frequentemente subversiva,
quase como que num jogo, lidando com códigos, mensagens e valores culturais.
Para nos tornarmos Culture Hackers, Paquet281 sugere o seguinte algoritmo:
281
https://www.youtube.com/watch?v=ojQT6U­gRAM [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

• Começamos por observar (uma situação, um processo, uma política, por


exemplo).
• Seguidamente procuramos detetar uma falha, o nosso ponto de entrada.
• Nesse ponto devemos criar algo novo, conceber a obra de arte interventiva.
• Mas devemos também procurar os outros que encontraram a mesma falha
– os melhores de entre eles. 225
• Trabalhando em grupo, capitalizando nas diferentes valências, amplificamos
essa colaboração.
• Exploramos a codificação e a linguagem que melhor se adequam aos obje­
tivos traçados.
• Chega então o momento de institucionalizar a ação, de consumar as formas
definidas de (inter)ação.
• Assim que chega a sensação de conforto, de objetivo atingido, deve deixar­
se esse projeto e partir­se para um novo projeto, repetindo o algoritmo.

O cultural hacking pode ser mapeado nos ciclos de reverberação associados


à a/r/cografia, nomeadamente nas fases de desenvolvimento e teste, associando­
se o momento do abandono com aquele momento em que o a/r/cógrafo decide
encetar um novo projeto.
O hacking, que saiu da universidade pela porta dos dormitórios dos estudan­
tes, regressou pela porta grande: atualmente o MIT patrocina um programa cha­
mado Hacking Arts282, o departamento de arte da Universidade de Chicago tem
um Hack Arts Lab283 e o Instituto Superior Técnico organiza Hackathons284.
Para Garret (2013) o Hack Value traduz­se numa prática artística e cultural,
em que se incorporam na própria arte, como parte do seu medium, os mecanis­
mos estabelecidos e os contextos sociais com ressonâncias profundas, sobre eles
exercendo um olhar crítico. Ao procurar disromper aqueles mecanismos e con­
textos, procuram­se simultaneamente abordagens frescas, tanto para ver, como
para pensar a vida, o ser e a arte. Reclamam­se, assim, contextos artísticos e hu­
manos para além dos instituídos, cujo controle está fora do alcance dos indivíduos.
O Hack Value pode ser um jogo, um estímulo para a imaginação, um apelo para a
capacidade de nos deslumbrarmos, de ir para além do tédio de uma vida domi­
nada pelo consumo.
O que liga os seus praticantes não é só o sentido de aventura, de iniciar ex­
periências em diferentes formas de ver, ser e pensar; mas também as intenções
partilhadas de reduzir as restrições, distrações e interações que dominam as in­
terfaces culturais, as fachadas e estruturas sociais que nos rodeiam, seja ao nível
da nossa relação com a comida, o turismo, os museus, as galerias, a tecnologia,
as crenças ou a ética comunitária.
282
http://hackingarts.com/ [2020/06/30]
283
https://arts.uchicago.edu/hack­arts­lab­hal [2020/06/30]
284
https://tecnico.ulisboa.pt/pt/tag/hackathon/ [2020/06/30]
PEDRO ALVES DA VEIGA

É este potencial para viver a prática artística entre limites, entre perpetuação
ou disrupção, entre físico e virtual, entre real e fake, entre propriedade e expe­
riência, afetar e ser afetado, que tem o potencial de levar os artistas de MAD a as­
sumir, mais do que noutras áreas, uma indeterminação categórica essencial: ser
simultaneamente partícula e onda, como a luz – ser artista e hacker, gestor de um
226 centro de investigação e artivista, criador e docente universitário: é um mecanismo
mimético de sobrevivência, e usam­no porque na verdade eles podem ser tudo
isso.
Os artistas conceptuais podem ter aberto a porta para esta evasão ontológica
na década de 1960, quando declararam que iriam ser os seus próprios críticos e
teóricos, ou quando apresentavam equações matemáticas ou performances acús­
ticas como formas de arte, herdeiros de um certo espírito boémio, crítico do con­
formismo e da hierarquia burguesa no século 19 (Boltanski & Chiapello, 2005).
Contudo, essa crítica pode ter perdido a força, enquanto argumento antica­
pitalista, dado que também o hedonismo assaltou o mainstream (Heath & Potter,
2005). O estilo de vida boémio, celebrado por Florida (2002), tornou­se uma fonte
de novos bens e serviços. Na versão capitalista da boémia, o desejo de se destacar
da multidão ou expressar a própria individualidade é frequentemente articulado
através de compras e consumo.
No icónico anúncio (dos computadores pessoais Apple) 1984 285 o indivíduo
rebelde é aquele que rejeita as grandes marcas (na época simbolizadas pela IBM)
a favor de outro produto alternativo. Mas, ao aderir ao processo, o rebelde afinal
ajuda a transformar o produto alternativo numa grande marca e, neste exemplo
em particular, superando em penetração de mercado, dimensão e simbologia, o
próprio gigante que afirmava combater.
Desta forma a crítica da sociedade de massas tem sido uma das forças mais
poderosas e paradoxais que impulsionaram o consumismo nos últimos quarenta
anos (Heath & Potter, 2005), abrindo caminho para a especulação de que, qual­
quer ação crítica – incluindo o artivismo – que não seja planeada contemplando
todas as implicações, variáveis e reações, pode vir a ser efetivamente responsabi­
lizada pelo efeito oposto ao que pretende alcançar.
O glamour da fama confunde­se com o sucesso comercial e com a relevância
no panorama artístico. Se é conhecido, deve ser bom. Se fosse bom, devia ser co­
nhecido. Quando um artista passa a ser representado por uma galeria ou a rela­
cionar­se proximamente com curadores de espaços culturais, representativos e
com visibilidade, adquire um estatuto de estabilidade comercial, garantindo o re­
torno do investimento. O ciclo progride, com as pressões financeiras a levar os ar­
tistas à autocensura e a adequarem­se às tendências do mercado. As galerias,
festivais, circuitos de exposição/exibição e os próprios colecionadores incentivam
os artistas a produzir mais do que o mercado quer, aquilo que atrai o público (qual­
285
https://youtu.be/2zfqw8nhUwA [2020/06/30]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

quer que seja o público): académicos, investidores, colecionadores ou branquea­


dores de capitais.
Consegue­se, assim, distinguir entre uma orientação a produtos ou a proje­
tos. Os artistas orientados a produtos encaram uma obra de arte como um pro­
duto que responde a uma solicitação; os artistas orientados a projetos pensam
em desenvolvimentos mais longos e sustentados, com substância e ideologia. 227
Mas a verdade é que todos os artistas precisam de sobreviver, e há autores
que avançam a ideia de que só os artistas com bom suporte financeiro (habitual­
mente dinheiro familiar, herança ou pedigree e conexões que permitem o acesso
à estabilidade financeira) conseguem dedicar­se a projetos artísticos (Brook,
O’Brien & Taylor, 2015; Davis, 2016). Embora pareça que os empresários tendem
a ter uma propensão admirável para o risco, geralmente é o acesso ao dinheiro
que lhes permite correr riscos, e esse acesso não é tão facilitado para os artistas,
nem os artistas estão tão sensibilizados para se tornarem empresários. Afinal, a
ocupação de docente, gestor ou investigador assegura a sobrevivência, e é mais
fácil ser­se livremente criativo quando não se vive em privações e dificuldades
constantes, quando o esforço de sobrevivência não ocupa o espaço da criação,
nem ambos competem pelos mesmos recursos financeiros.
Há artistas que descrevem uma crescente sensação de crise (Brook, O’Brien
& Taylor, 2015), sendo que o clima económico atual tem semelhanças com a prá­
tica artística de há 300 anos: a diversão dos ricos, a decoração de espaços elitistas,
o entretenimento para quem pode pagar, ao invés de ser um imperativo cultural
e um direito universal.
Pensões e royalties para artistas visuais, tal como já existem para os músicos
e escritores, o direito a percentagens sobre as revendas das suas obras no mercado
de arte, ou o acesso a todos os tipos de seguros para artistas, só não são claras uto­
pias porque nem os próprios artistas acreditam que sejam possíveis – pese embora
o reconhecimento público da sua urgência, conforme fica patente no recente rela­
tório da Unesco Freedom & creativity: defending art, defending diversity, special
edition, contendo um capítulo inteiro dedicado ao tema (UNESCO, 2020a: 23­31).
Mas há situações em que os artistas

não querem simplesmente criticar o sistema artístico ou as condições


políticas e sociais gerais sob as quais esse sistema funciona. Em vez
disso, eles querem mudar essas condições por via da arte, não tanto
dentro do sistema artístico, mas fora dele, na realidade em si. [...]
querem ser úteis, mudar o mundo, fazer do mundo um lugar melhor
– mas, ao mesmo tempo, não querem deixar de ser artistas. (Groys,
2014: 1)

A MAD inspira sonhos sobre o futuro tecnológico, entre eles o sonho de re­
configurar espaços, museus e instituições artísticas. A MAD parece exigir um es­
PEDRO ALVES DA VEIGA

paço de exposição/exibição omnipresente ou um museu sem paredes, um espaço


de informação distribuído e vivo que esteja aberto a interferências artísticas, um
espaço de intercâmbio, criação coletiva e apresentação que seja transparente e
flexível, virtual e material, locativo, um espaço orgânico e organizado, pensado,
curado, refletido sobre si mesmo.
228 Já Foster (2015) tinha apresentado um pós­modernismo radicado na história
das vanguardas e na crítica social e política contemporânea, em oposição a uma
tendência crescente de absolutismo estético, guiada pela viabilidade comercial e
pelo entretecimento das redes de comunicação com mecanismos de captação de
atenção. Para ele, o fascínio e o êxtase destas redes aniquilam a paixão, é forçada
a extroversão de toda a interioridade e injetada à força toda a exterioridade, como
um imperativo categórico da comunicação. A ativação do público é vista como
mais uma fraude inocente, já que a verdadeira ativação que ocorre é a das insti­
tuições que a promovem:

A ativação do visitante tornou­se um fim, não um meio, e não é dada


atenção suficiente à qualidade da subjetividade e da socialidade
assim efetuada. Hoje, os museus não parecem deixar­nos em paz;
eles alertam­nos e programam­nos, como muitos de nós fazemos
com os nossos filhos. Como na cultura em geral, a comunicação e a
conectividade são promovidas, praticamente executadas, por e para
si próprias. Esta ativação contribui para validar o museu, tanto por
gestores como visitantes, como relevante, vital ou simplesmente di­
nâmico e atarefado, ainda que, mais do que o visitante, é o museu
que o próprio museu procura ativar. (Foster, 2015: 149)

A visão crítica de Foster entende o ecossistema como sendo povoado por


zombies artísticos (instituições, artistas e obras), muito semelhantes entre si, em
movimento constante, mas sem vida, no sentido mais nobre do termo, talvez por­
que se fale demais em criatividade, interatividade e tecnologia, e de menos em
pensamento crítico, ideologia e liberdade criativa (Jeanes, 2006; Taylor & Littleton,
2016).
Quando as obras de arte se tornam apenas commodities, quando todo e cada
empreendimento comercial se torna criativo e toda a gente é também criativa,
então a arte regride para o artesanato e os artistas para artesãos – uma palavra
que, na forma adjetiva artesanal, é recém­popularizada. Pepinos de conserva ar­
tesanais, poemas artesanais, jpegs artesanais: afinal qual é mesmo a diferença?
A instalação 10.000 Moving Cities ­ Same but Different, de Marc Lee, permite
explorar um conjunto significativo de cidades do mundo inteiro, de forma imersiva,
rodeando o público de imagens e sons obtidos em tempo real a partir da Internet
(ver figura 41). O seu título traduz, com ironia, o espírito da globalização: o mesmo
mas diferente.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

229

Figura 41: A obra 10.000 Moving Cities ­ Same but Different, exposta no National Museum of Mo­
dern and Contemporary Art, Seoul, Coreia. Fonte: Marc Lee (CC BY­SA 3.0).

Banksy e outros street artists criam obras para o que se pode chamar a era
da arte social e da fragmentação da atenção – arte que se pode partilhar num se­
gundo, porque (se) expõe de imediato todo o seu significado. Desenvolveram o
equivalente artístico a um tweet: vê­se e compreende­se. Não consome dema­
siada atenção, por isso torna­se popular, e permitindo uma experiência partilhável
através do humor e da crítica que a permeiam.
Mas será isso, realmente, tudo – e só – o que se deseja? Há um nebuloso
conceito de bem social, que tudo engloba, desde o entretenimento à angariação
de donativos para causas sociais meritórias.
Há também uma ambivalência em relação à originalidade, criatividade e ino­
vação:
• pela negativa, dado o abuso dos termos pelas teorias económicas;
• mas também pela positiva, porque cada artista deve encontrar a própria voz,
convivendo com as ideias da morte do autor e do fim do mito do génio criativo.

O objetivo das práticas que Guattari descreve (1989) é, afinal, ativar singula­
ridades isoladas e reprimidas, responder às experiências como o potencial porta­
dor de novas constelações de universos.

É necessário que se compreenda o papel que os artistas podem ter


no processo de apreensão/criação de imagens. Não há imagens ino­
centes e muito menos há inocência no discurso por elas construído.
(Tavares, 2008: 40)
PEDRO ALVES DA VEIGA

Extrapolemos das imagens para a MAD: ela tem a capacidade (também tec­
nológica) de discutir cada vez mais com a própria arte, pode corromper e ser cor­
rompida, degenerar e ser degenerada, regenerar e ser regenerada. Pode produzir
o que ainda não faz, e criar fendas, brechas e divisões dentro de si mesma. É capaz
de alterar o pensamento e as formas de envolvimento, captar a atenção de forma
230 malcomportada, subverter os oito princípios generativos da economia da atenção,
as cinco melhores práticas da economia da experiência, e tentar ser mais interes­
sante e magnetizante do que toda aquela arte que os segue cegamente. Ou então
segui­los a todos e ser desconcertante, produzir experiências personalizadas, mas
gratuitas, ou caras e soporíferas, mas todas inesquecíveis, baseando­se nas três
características mais importantes do pensamento divergente: a flexibilidade, a ori­
ginalidade e a fluência (Guilford, 1956).
Existem (pelo menos) duas formas através das quais a arte é capaz de influen­
ciar o mundo em que vivemos. A arte pode estimular a imaginação e mudar a
consciência das pessoas. Se a consciência das pessoas muda, então as pessoas
mudadas também mudarão o mundo em que vivem. A segunda possibilidade co­
loca­se não ao nível da produção de mensagens, mas sim da produção de objetos,
de coisas. Artistas e público partilham o mundo material em que vivem, e aqui a
meta não é mudar a alma das pessoas, mas sim mudar o mundo em que essas
pessoas vivem – e ao tentar acomodar­se às novas condições do seu ambiente,
as pessoas mudam sensibilidades e atitudes (Groys, 2016).

Um tipo diferente de consciência só pode emergir da resistência ao


tsunami psíquico da crise contínua. A desconexão da rede neuronal
neoliberal não significa ignorar factos emergentes, eventos com im­
pacto à escala planetária ou alterações instantâneas. Significa voltar
a sintonizar corpos e mentes com o tempo profundo de transforma­
ções necessárias e inevitáveis no sistema planetário. (Holmes, 2016)

Se a relação entre tecnologia e utopia atravessa diferentes épocas, a tríade


criatividade – design – ativismo tem implícita a adesão a novas utopias que fazem,
simultaneamente, uso dos valores da cultura estética e das possibilidades técnicas
de organização e de capacitação das novas tecnologias da informação.
Também Guertin (2012) propõe como pináculo da virtuosidade criadora
atual, a expressão política e a resistência ao espetáculo da cultura de consumismo,
através da reutilização inventiva de materiais existentes. O artista pode usar as
suas ferramentas para expor o jogo, perturbar o espetáculo, produzir o inesperado
e, portanto, torná­lo mais significativo (Benayoun, 2016).
Quebrem­se, então, as infinitas variações sobre uma matriz básica, que pro­
duz tanto artefacto parecido e inconsequente, como se todo o universo da MAD
se tratasse, afinal, de uma gigantesca obra meta­generativa.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Os novos média parecem ocupar­se a esculpir um paradoxo, onde a


promessa tácita e proclamada de autoexpressão infinita (e renovável
sem fim) se trai a si mesma numa catedral de determinismo algorít­
mico, numa banalidade pressentida – embora mantenha que sim,
que o céu é o limite, no que toca à preocupação existencial do indi­
víduo. O fascínio da conectividade ao ponto de um frenesim saturado
231
e alucinante não conhece inimigo ou redenção: paira hostil, inaca­
bado, como evidência pseudo­ontológica, bullying sedutor. Segmen­
tos instantâneos de estimulação hilariante, endorfinas em vez de
cognição. Adicione­se a espiral sempre crescente da complexidade
estatística, o fascínio de que «tudo está bem» face à evidência dolo­
rosa de que não está. (Alvelos, Canha & São Simão, 2015: 412)

A teoria do terceiro incluído (Nicolescu, 2005) opõe à lógica Aristoteliana a


existência de uma terceira opção, que não é nem A, nem a negação de A, mas sim
algo que é simultaneamente ambas. Por exemplo, realizar uma intervenção artís­
tica e interpretar os resultados dessa mesma intervenção, resulta num recorte do
real que afeta o próprio real. A obra de arte pode, desse modo, exibir aspectos
contraditórios, incompreensíveis do ponto de vista de uma lógica fundada sobre
o postulado da lógica binária. Esses aspectos contraditórios deixam de ser absur­
dos com o terceiro termo incluído: simultaneamente virtual e material, entrete­
nimento e ativismo, formal e conceptual.
A função da arte consiste em expandir a realidade, o conhecimento e a ex­
perimentação/fruição. Este processo pode desenvolver­se por consenso, diálogo,
ou sedução – ou por dogma, controlo ou coerção (Giannetti, 2004). A arte dos
novos média adquiriu uma natureza quântica: pode ser simultaneamente enten­
dida e usada como ideologia e tecnologia, pode contribuir para criar tendências e
no momento seguinte ser usada para nelas causar interferências, pode ambicionar
a criação de um espaço poética, crítica e visionariamente aumentado: a cidade
do terceiro incluído.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE
O Museu de Tudo em Qualquer Parte (MTQP) é a designação dada pelo autor
ao conjunto global, interconectado, georreferenciado e em constante crescimento,
de conteúdo digital estetizado, original e remixado, produzido por indivíduos, insti­
232 tuições e sistemas automatizados, em todas as redes sociais e espaços virtuais, pu­
blicamente disponível. A designação abrange ainda o projeto de investigação que
visa a sua real implementação, e cujo marco de lançamento é o presente trabalho.
Museu é uma palavra indutora de respeito, especialmente desde a institu­
cionalização da Museologia em 1977 (Soares, 2019). O termo evoca espaços mo­
numentais e vastas coleções de artefactos. A utilização deliberada do termo no
presente contexto não é apenas motivada pela potencial vastidão da coleção do
MTQP. É sobretudo inspirada pelo surgimento da Nouvelle Muséologie e pelo
questionamento do modelo tradicional de museu (Rodney, 2019), transposto para
uma orientação à transdisciplinaridade e serviço público e social (Hein, 1998), bem
como pela adoção de estratégias digitais pela maioria dos museus de referência
(Pagel & Donahue, 2013).
Atualmente os museus não são exclusivos das grandes cidades, e dificilmente
se encontra uma pequena localidade que não tenha o seu museu, como sinal de
afirmação identitária e, não menos importante, como atração turística e gerador
de receitas.
Nos EUA existiam em 1920 cerca de 1.200 museus; no início da década de
1980 cerca de 8.000; e em 2014 mais de 35.000 (IMLS, 2014). O European Group
on Museum Statistics286 estima que existam mais de 20.000 museus na Europa,
estando afiliados no site museums.eu cerca de 10.000, com cerca de 100.000 ex­
posições e eventos. Da Rede Portuguesa de Museus fazem parte 156287 museus,
mas o número global nacional ultrapassa os 380 (RTP, 2015; INE, 2015).
Em 1990, em Paris, contavam­se 330 galerias, e em Nova Iorque um número
semelhante. Em 2004 o número ultrapassava as 6.000. Em 2015, em Portugal, o
Instituto Nacional de Estatística contabilizava mais de 1.000 galerias e espaços de
exposição, com um total de exposições temporárias superior a 7.500, mais de
48.000 artistas nelas representados, com um número superior a 280.000 obras
(INE, 2015). Já em 2017 os museus portugueses receberam 17,2 milhões de visi­
tantes, mais 10,6% do que no ano anterior, devendo­se este aumento essencial­
mente aos visitantes estrangeiros (INE, 2017).
Existem mais de cem bienais e pelo menos 260 feiras de arte internacionais,
para além das menos conhecidas. A Art Basel, que atualmente opera em rede
como uma multinacional de arte, entre Basileia, Miami e Hong Kong, recebeu na
edição de 2015 em Miami mais de 4.000 artistas, representados por mais de 200
galerias, com uma afluência diária de 77.000 visitantes.
286
http://www.egmus.eu [2020/04/15]
287
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/museus­e­monumentos/rede­portuguesa/ [2020/06/30]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

É provável que estes números venham a ser significativamente alterados num


futuro próximo. A UNESCO estima que, à escala global, os museus tenham aumen­
tado em cerca de 60% desde 2012 até 2020. Contudo, em 2020 aproximadamente
90% dos 95000 museus de todo o mundo fecharam devido ao Covid­19, e espera­
se que cerca de 13% desses museus possam não voltar a abrir depois da pandemia
(UNESCO, 2020b). 233
Deleuze e Guattari (1988) sugerem que as dinâmicas de crescimento, já ve­
rificadas à época, surgem induzidas por sistemas económicos, passando estes a
ditar as regras sobre o mundo da arte – incluindo a MAD – mais do que as restan­
tes instituições do ecossistema. Dos números referidos nos parágrafos acima, ape­
nas uma fração se relaciona certamente com a MAD, já que ela apresenta maior
risco de manutenção e funcionamento, e é encarada pelo público mais como uma
experiência do que um objeto de cobiça e propriedade.
Também a verdade é que nem todos os museus são museus de arte, mas é
preciso notar que todos os museus transmitem uma visão estetizada de suas co­
leções, e cada vez são mais permeáveis a intervenções com média digitais. Pode
então afirmar­se que todos os museus – até mesmo os museus de ciências – são
hoje permeáveis às práticas artísticas, mas também que os museus deixaram de
ser repositórios de artefactos e se transformaram em repositórios de conheci­
mento (Marty, 2008), facultando acesso a informação sobre colecções, artefactos,
movimentos, teorias e tendências. O acesso a essa informação é atualmente uma
parte indissociável da exibição dos próprios artefactos, que são objetos de cultura,
de tradição e herança, objetos de poder tornados possíveis por combinações de
fatores sociais, ideológicos, cognitivos, económicos e políticos (Ames, 1994).
A proposta de definição de museu avançada em 2019 pelo International
Council of Museums (ICOM) rapidamente se tornou polémica e suscitou acusações
de politização. No texto da proposta pode ler­se:

Os museus são espaços democratizadores, inclusivos e polifónicos


para o diálogo crítico sobre os passados e os futuros. Reconhecendo
e endereçando os conflitos e desafios do presente, a eles são confia­
dos artefactos e espécimes pela sociedade, para salvaguarda de me­
mórias variadas para as gerações futuras, garantindo igualdade de
direitos e de acesso ao património cultural por toda a gente. Os mu­
seus não se destinam a gerar lucro. São participativos e transparentes
e trabalham em parceria ativa com e para as diversas comunidades
para colecionar, preservar, investigar, interpretar, exibir e amplificar
o conhecimento do mundo, com vista a contribuir para a dignidade
humana e a justiça social, igualdade global e bem­estar planetário.
(ICOM, 2019)

Se algum debate foi interno ao próprio ICOM, por parte de delegações nacionais
que não se sentiram representadas, a verdade é que no Twitter da instituição o ce­
PEDRO ALVES DA VEIGA

nário não foi mais pacífico288, com reclamações de vários utilizadores sobre a falta
de correspondência da definição proposta à realidade efetiva (espaços não­inclusivos,
com seletividade na admissão, através de preços elevados ou de política de escrutínio
de entradas, por exemplo), ou da omissão do papel educativo dos museus.
Para este cenário agitado contribui certamente o fenómeno de mediatização
234 e globalização das instituições museológicas, enquanto atrações turísticas e luga­
res de dinamização urbana e cultural, e ao longo das últimas duas décadas multi­
plicaram­se os projetos para museus e exposições virtuais, sediados na Internet.
Para além de meio indispensável de comunicação para os museus, a Internet
converteu­se num novo território de concretização de projetos de arquitetura, de­
sign de exposições e curadoria, designadamente com o desenvolvimento de mo­
vimentos artísticos baseados em processos digitais, como a MAD ou a net art.
Apesar do potencial criativo que a desmaterialização possibilita para os mu­
seus, tanto a nível do espaço físico de exposição e experimentação, como das co­
leções ou conteúdos expositivos, assiste­se a uma paradoxal prevalência da
reprodução da materialidade, através da digitalização de coleções de obras físicas,
em detrimento da criação de novos ambientes ou novas obras digitais. Os museus
de referência servem­se dos recursos digitais, preferencialmente como uma forma
de autorrepresentação e, embora possam promover projetos específicos para a
Internet, investem sobretudo na divulgação das respetivas coleções e das ativida­
des que têm lugar nos seus edifícios.
As principais plataformas colaborativas internacionais, como o Google Arts
& Culture289 ou, em Portugal, o MatrizNet290, seguem também esta linha, da re­
produção do preexistente, quando poderiam optar pelo cruzamento de patrimó­
nios multiterritoriais, multiculturais e multimodais.

As coleções digitais resultam de uma transposição para a rede dos


sistemas de gestão de coleções dos museus. De um modo geral, os
seus conteúdos são primordialmente pensados para consumo in­
terno e não para os públicos não especializados, oferecendo sobre­
tudo informação técnica e não mediada, o que pode ser considerado
menos relevante para os utilizadores não especializados. (...) apenas
30% dos sistemas de gestão de coleções dos museus portugueses
utilizam vocabulários controlados, sendo de notar que estes são ins­
trumentos essenciais para a recuperação de informação através de
motores de busca (...) e que a maioria dos conteúdos, uma vez pro­
duzidos, carecem de atualização regular. (...) Globalmente, estes fa­
tores contribuem para condicionar a qualidade das coleções digitais
enquanto ferramenta e, por conseguinte, a experiência dos utiliza­
dores. (Costa, 2018: 2)

288
https://twitter.com/MuseumsAssoc/status/1156940059209322501 [2020/06/30]
289
https://artsandculture.google.com/ [2020/06/30]
290
http://www.matriznet.dgpc.pt/matriznet/home.aspx [2020/06/30]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Constata­se também que muitos dos museus e galerias virtuais, criados de


raiz para o ciberespaço, se limitam a reproduzir modelos espaciais físicos, em que
os avatares deambulam de sala em sala, olhando para as reproduções digitais em
paredes virtuais.
Contudo há cada vez mais arte pública, mais práticas artísticas desmateriali­
zadas e baseadas em média­arte, mais intervenções in loco, arte social, instalações, 235
participação do público e interatividade. Há cada vez menos barreiras para se tornar
um artista digital e existe um excesso de produção de media digitais, enquanto veí­
culos de todas as formas de memória pessoal, geracional ou pública, potencial­
mente conduzindo a um processo acelerado de musealização (Huyssen, 2014).
A propósito da alteração de hábitos imposta pelo surto de Covid­19, The
Autry Museum of the American West anunciou a sua intenção de colecionar e ar­
quivar objetos que se revestiram de significado específico durante a época de con­
finamento291, como por exemplo máscaras caseiras, receitas de culinária ou
fotografias. Outros exemplos como The Museum of Bad Art292, Leila’s Hair Mu­
seum293, The Cup Noodles Museum294, The Museum Of Broken Relationships295 ,
Museo della Filosofia296, ou The Sulabh International Museum of Toilets297, são um
sinal claro de que tudo pode ser objeto de reflexão estética – longe de implicar
que tudo o que está num museu possa, ou deva, ser considerado como arte.
Talvez por isso o conceito de museu está ainda a ser desafiado quanto ao sig­
nificado formal e indutor de respeito que a palavra invoca e as instituições que
representa. Tome­se como exemplo o Covid Art Museum, uma iniciativa nascida
em Espanha durante a fase inicial da pandemia e inteiramente desenvolvida no
Instagram298, ou o Zoom Museum299, uma coleção de fundos artísticos que podem
ser utilizados durante as sessões de videoconferência com o aplicativo Zoom. Exis­
tem várias outras iniciativas comerciais, como The Museum of Selfies300, The Sweet
Art Museum301 ou The Museum of Feelings302, que se constituem apenas como
exemplos de criatividade corporativa, sem verdadeira relação com o objetivo pri­
mordial de um museu. Eles reforçam, no entanto, uma percepção comum real: os
museus podem ser especializar­se em qualquer temática e toda o planeta se trans­
formou em conteúdo e alvo da estética mundana.
291
https://autry.formstack.com/forms/collecting_community_history_initiative [2020/06/30]
292
http://museumofbadart.org/ [2020/06/30]
293
http://leilashairmuseum.net/ [2020/06/30]
294
https://www.cupnoodles­museum.jp/en/osaka_ikeda/ [2020/06/30]
295
https://brokenships.com/ [2020/06/30]
296
http://www.filosofia.unimi.it/museodellafilosofia/ [2020/06/30]
297
http://www.sulabhtoiletmuseum.org/ [2020/06/30]
298
https://www.instagram.com/covidartmuseum/ [2020/06/30]
299
https://zoommuseum.tumblr.com/ [2020/06/30]
300
http://themuseumofselfies.com/ [2020/06/30]
301
http://sweetartmuseum.com/ [2020/06/30]
302
https://www.radicalmedia.com/work/the­museum­of­feelings [2020/06/30]
PEDRO ALVES DA VEIGA

Uma rápida pesquisa no Google com a expressão digital art originou mais de
5.400 milhões de resultados303, incluindo complexas ilustrações digitais, manipu­
lações de fotografias, renderizações tridimensionais, anime, animações, memes e
cópias digitais de obras de arte famosas. A geração da Internet, herdando práticas
adaptadas dos anos 60, dos fenómenos de apropriação e pós­produção, está ati­
236 vamente empenhada em processos de pesquisa, coleção, arquivo, manipulação
e reutilização de enormes quantidades de material digital multimédia (visual, so­
noro ou fílmico) oriundo da cultura popular, de anunciantes e dos média (Qua­
ranta, 2011), partilhados posteriormente, e frequentemente de forma artializada.
Face a esta concorrência de milhões, as estratégias de promoção da arte lidam
em primeiro lugar com a captação da atenção; em segundo com a estética mun­
dana (Whitfield & Destefani, 2011) e só por fim – e não necessariamente – com
os fatores cognitivos. Convém notar que chamar a atenção do público e envolvê­
lo em experiências de entretenimento não é o mesmo que garantir a qualidade
estética ou cognitiva de uma obra de arte, ou sequer torná­la – bem como à sua
interpretação – mais acessível.

Figura 42: SEND ME SFMOMA


Fonte: autor

O San Francisco Museum Of Modern Art (SFMOMA) apresentou um serviço


que responde a cada SMS enviada para o número local 572­51 e que tenha o texto:
Send me * (em que * pode ser uma palavra, expressão ou mesmo um emoji). De­
pois de enviada a SMS recebe­se de volta uma imagem de uma obra do acervo do
303
https://www.google.com/ [2020/06/30]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

SFMOMA, relacionada com o termo *, processo ilustrado na figura 42, usando o


texto Send me dream.
É um passatempo que permite explorar o acervo, de cerca de 35.000 peças,
através de palavras ou emojis inusitados, resultando em entretenimento e diver­
são para os utilizadores, mas tratando as várias obras como commodities, redu­
zindo­as à sua identificação por um conjunto de hashtags e emojis, retirando­lhes 237
contexto e mensagem. Contudo, o argumentário da instituição vai em sentido in­
verso, invocando o pouco tempo que os visitantes dedicam a cada obra (no caso
do SFMOMA, sete segundos por obra, em média), a supersaturação de informação
e a criação de experiências mais personalizadas304. E o serviço está já a ser adap­
tado para outros museus nos EUA, Reino Unido, Nova Zelândia, China e Singapura.
Já Malraux, à época da escrita do Museu Imaginário, considerava que estas
instituições eram responsáveis por uma alteração profunda na forma de relacio­
namento entre o público e as obras de arte, não necessariamente benéfica para
a devida fruição das mesmas:

o museu suprime de quase todos os retratos (mesmo sendo eles de


um sonho) quase todos os modelos, ao mesmo tempo que extirpa
a função às obras de arte: não reconhece Paládio, nem santo, nem
Cristo, nem objeto de veneração, de semelhança, de imaginação, de
decoração, de posse; mas apenas imagens de coisas, diferentes das
próprias coisas, e retirando desta diferença específica a própria
razão de ser. O museu é um confronto de metamorfoses. (Malraux,
1965: 10)

A nossa relação com as imagens das coisas (diferentes das próprias coisas)
agudizou­se ao longo das últimas décadas e, paradoxalmente, os museus do nosso
tempo estão entre as instituições melhor posicionadas para orientar o progresso
da humanidade rumo a um futuro mais sustentável, por força de sua capacidade
de atingir públicos heterogéneos, oferecendo programas inovadores de aprendi­
zagem formal e informal, desenvolvendo o pensamento e a visão crítica através
da contextualização de obras e autores, dissecando ideologia e tecnologia.
É neste confronto de metamorfoses, imagens de coisas, ecos da materialidade
diferentes das próprias coisas, tornados coisas digitais, nativos ou híbridos, sempre
acessíveis, que se instala o Museu de Tudo em Qualquer Parte (MTQP). Trata­se de
um herdeiro dos Gabinetes de Curiosidades da Renascença, na verdade uma sua
versão desmaterializada e tecnologicamente amplificada. Ocupa o espaço urbano
ampliado, onde cada recanto da cidade está digitalmente repleto de dados, infor­
mações, camadas de conteúdo espontâneo ou ponderado, incluindo fotos, comen­
tários, vídeos, criações artísticas, opiniões, registos de projetos científicos ou de
memórias de férias, disponíveis para serem exibidos num dispositivo móvel. O con­
304
https://www.sfmoma.org/send­me­sfmoma/ [2020/06/30]
PEDRO ALVES DA VEIGA

ceito de museu dilui­se neste caso com o de projeto de investigação, dado que o
MTQP representa, acima de tudo, um potencial em grande parte inexplorado.
Se os museus já consolidados assumem um objetivo atual de alcançar um
público online, como atestam as mais de mil ofertas de exposições e visitas virtuais
disponibilizadas, por exemplo, no Google Arts & Culture (Sood, 2016), o MTQP é,
238 por natureza, um museu online que pode e deve ser desenvolvido através do es­
tímulo à utilização das camadas digitais já existentes como matéria­prima para
novos projetos artísticos, e também pelo exercício de uma curadoria dirigida e in­
tencional sobre o seu vasto acervo.
O espaço do MTQP é toda a superfície do planeta coberta por Internet móvel
ou wi­fi. O público da MTQP são todos os utilizadores de dispositivos móveis que,
em algum momento, visualizam conteúdo georreferenciado na respetiva localiza­
ção, como uma ampliação digital desse local físico específico. E ao fazê­lo, eles
também podem tornar­se parte da exposição, se os seus dados pessoais de con­
sulta ficarem registados.
A questão da georreferenciação é relevante, dado que, tal como num museu,
ao nos deslocarmos fisicamente no espaço urbano poderemos ver outros artefac­
tos digitais, ancorados em ruas, edifícios, praças ou coordenadas GPS.
Mas como o UnPlace já havia feito notar, o lugar é em todo o lado e em lado
nenhum, pelo que, mesmo quando não existem quaisquer camadas de informa­
ção georreferenciadas a um determinado local, será sempre possível aceder a
todas as outras que estão disponíveis à escala regional, nacional ou global, con­
forme a segmentação temática ou de acessos o determine.
O MTQP pode ainda ser uma exposição temporária, realizando­se por tempo
indeterminado, pois a sua existência depende da disponibilidade física das black­
boxes e dos servidores que alojam a informação digital – e da longevidade dos
respectivos proprietários, sejam eles indivíduos, empresas ou outras instituições.
Depende ainda de políticas institucionais de remoção de conteúdo considerado
obsoleto, incluindo a exclusão de utilizadores, conteúdos antigos ou sem registo
de atividade.
O MTQP levanta certamente problemas de privacidade, pois os
utilizadores/produtores podem não estar cientes da extensão da visibilidade pú­
blica do conteúdo que geram, bem como dos problemas de direitos autorais, já
que muitas empresas controlam ou reivindicam a propriedade de qualquer publi­
cação efetuada nas suas redes, e muitos dos utilizadores publicam conteúdos
sobre os quais não detêm legalmente direitos.
No entanto, o foco do mercado mudou do conteúdo (ou da obra de arte) para
a tecnologia que permite a sua fruição. Portanto, é legítimo levantar a suspeita de
que, na era da partilha e do remix, a propriedade e o direito de autor provavel­
mente tornar­se­ão irrelevantes para as redes sociais e para os fabricantes de tec­
nologia, desde que isso possa implicar novas formas de monetizar os seus produtos.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Situações como a que envolveu Rebekka Guðleifsdóttir305 e a venda não­au­


torizada e não­licenciada do seu trabalho por terceiros, ou o processo movido
contra a empresa Virgin Mobile da Austrália pela família de Alison Chang306, ou
ainda o caso de Richard Prince, da sua exposição e venda de ampliações de fotos
de fotos de outras pessoas, publicadas no Instagram, sem o consentimento dos
seus autores307, revelam o desequilíbrio entre a propriedade e o direito autoral 239
dos indivíduos anónimos, personalidades e artistas consagrados e das instituições
com fins lucrativos.
Um caso de estudo português relacionado com esta questão é o do Pestana
Hotel Group (PHG), que através de um comentário elogioso numa rede social,
pede ao autor da respetiva imagem que responda com a hashtag #YesPestana para
autorizar a sua utilização (User Generated Content – UGC), conforme se pode ver
na figura 43.

Figura 43: Comentário do Pestana Hotel Group numa fotografia do autor, publicada na rede Insta­
gram. Fonte: autor.

Sucede que a ligação para os termos e condições não é diretamente acessível,


devendo ser reescrita manualmente num navegador para se aceder à respetiva pá­
gina. Visitando­a308 torna­se claro que, através da resposta com a hashtag, o PHG se
305
http://rebekkagudleifs.com/blog/2007/05/17/official­apology­from­flickr­founder/ [2019/10/18]
https://www.ephotozine.com/article/flickr­in­censorship­row­5311 [2020/06/30]
306
h tt p s : / / w w w . s m h . c o m . a u / n e w s / t e c h n o l o g y / v i r g i n ­ s u e d ­ f o r ­ u s i n g ­ t e e n s ­
photo/2007/09/21/1189881735928.html [2020/06/30]
307
http://www.dailymail.co.uk/femail/article­3097994/Artist­fire­using­people­s­Instagram­photos­
exhibition­without­permission­selling ­prints­borrowed­images­100­000­EACH.html [2020/06/30]
308
https://www.pestana.com/pt/contents/ugc­termsandconditions­pestana­group [2020/06/30]
PEDRO ALVES DA VEIGA

concede a si próprio autorização «para reproduzir, publicar, executar, distribuir, mo­


dificar e utilizar o seu UGC nas suas redes sociais, website, e para outros fins de mar­
keting e comunicações com clientes», para poder ainda «publicar anúncios
relacionados com o seu UGC ou em páginas em que este possa ser publicado» e ainda
usar o «UGC para anunciar e promover as marcas do Pestana Hotel Group, ou web­
240 site». O pressuposto é claro: o utilizador irá ficar agradecido por ter sido escolhido
pela marca, não devendo ser remunerado por qualquer outro meio do que esse re­
conhecimento – ou oportunidade de exposição, um conceito que já a grande maioria
dos artistas visuais conhecem particularmente (e infelizmente) bem. Instala­se, então,
uma suspeita: se existe a possibilidade de dar utilizações questionáveis à coleção do
MTQP, será apenas uma questão de tempo até que elas de facto aconteçam?
O MTQP é, em grande parte, fruto do consumismo impulsionado pelo mer­
cado, mas não é necessariamente confinado ou controlado por ele – e aqui reside
a centelha mágica de esperança: exercer esse controle traduz­se no exercício de­
liberado e direcionado – por oposição a acidental ou casuístico – da curadoria
do MTQP.
O desenvolvimento conceptual do MTQP assenta num núcleo central, con­
sistindo de uma base de dados e web services, onde reside o catálogo do acervo,
classificado, categorizado e georreferenciado, conforme ilustrado na figura 44. A
partir desse núcleo será possível criar exposições temáticas ou georreferenciadas,
dotando os visitantes de ferramentas móveis específicas, de realidade aumentada,
bem como fomentar o desenvolvimento de novos projetos de arte urbana digital.
O esforço contínuo de levantamento e classificação será desenvolvido a partir de
interfaces públicas e de acesso reservado, permitindo a consulta, mas também o
trabalho colaborativo no desenvolvimento e curadoria do MTQP.

Figura 44: Arquitetura conceptual do Museu de Tudo em Qualquer Parte.


Fonte: autor.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Mais do que apresentar novas soluções para a classificação do acervo do


MTQP, incluindo aspetos taxinómicos, topológicos, tecnológicos e topográficos,
propõe­se a análise, adaptação e utilização de trabalhos já existentes neste domí­
nio, como o desenvolvido pela Fundação Getty, que conduziu à criação de Cate­
gories for the Description of Works of Art e Cultural Objects Name Authority 309,
bem como o trabalho de duas décadas já implementado no ARTstor310, apenas 241
para citar algumas referências incontornáveis.
Mas para além do levantamento e catalogação dos projetos artísticos rele­
vantes já existentes, o MTQP irá também fomentar o desenvolvimento de novos
projetos de arte urbana digital que permitam às audiências urbanas usufruir de
novas experiências e visitar instalações site­specific, explorando os respectivos lo­
cais e contextos através de curadoria temática (incluindo palavra­chave, autor, as­
sunto, tipo de média e data) e geográfica (criando percursos de visita ao nível
internacional, nacional, regional ou local ).
O MTQP irá ainda promover o desenvolvimento de novas aplicações de rea­
lidade aumentada para dispositivos móveis, possibilitando a transformação de ró­
tulos de produtos, fachadas de edifícios, sinais de trânsito, tampas de esgoto ou
semáforos em espaços para publicação autónoma, locais ou globais: basta, através
de um artefacto, efetuar o reconhecimento do elemento que despoleta a ação
(por exemplo, imagem, código QR ou coordenadas GPS), e exibir sobre ele o que
se quiser: desenhos, poesia, visualizações de dados, informações, críticas, análises
ou mensagens secretas, fazendo com que todo o espaço físico se possa tornar
num espaço público remisturado, no qual é possível construir e lançar debates es­
téticos, sociais, económicos e políticos.
Também neste campo o MTQP irá realizar uma análise comparativa dos tool­
kits de desenvolvimento de realidade aumentada mais populares, como Wiki­
tude311, Bilpbuilder312, Vuforia313 ou Artoolkit314, cruzando as suas potencialidades
com a facilidade de integração com as APIs das redes sociais mais relevantes, bem
como das garantias da sua longevidade.
Se é certo que a classificação do acervo e o desenvolvimento de aplicações
de realidade aumentada para o seu visionamento e experiência já encerram po­
tencial e complexidade de investigação suficientes, a maior missão do MTQP será
certamente a criação de conhecimento, reunindo esforços de artistas, curadores
e académicos para uma maior consciencialização pública, fomentando a criação
e o pensamento críticos, melhorando a compreensão da arte digital, dos seus im­
pactos e do seu potencial transformador na sociedade.

309
https://www.getty.edu/research/tools/vocabularies/ [2020/04/15]
310
https://www.artstor.org/ [2020/04/15]
311
https://www.wikitude.com/ [2020/04/15]
312
https://www.blippar.com/build­ar [2020/06/06]
313
https://www.ptc.com/en/products/augmented­reality/vuforia [2020/04/15]
314
https://www.artoolworks.com/products/mobile/artoolkit­for­ios.html [2020/04/15]
PEDRO ALVES DA VEIGA

A diversificação de metodologias curatoriais, teóricas e educacionais


é crucial para descobrir contextos, ambientes colaborativos e meios
de comunicação mais adequados para a arte digital. Essa diversifica­
ção tornou­se mais viável e eficaz devido a fatores como a acessibi­
lidade crescente a meios tecnológicos, o tratamento em larga escala
da informação, a velocidade e a facilidade da construção sistemati­
242
zada de recursos e o alcance das redes informáticas, que evoluíram
significativamente com as tecnologias digitais. Esses fatores decisivos
e camadas da cultura digital estabelecem um forte contexto para a
avaliação crítica de algumas práticas académicas que se tornaram po­
tencialmente inertes, contraproducentes e prejudiciais à promoção
da arte digital. (Grba, 2018: 91)

Assim, propõe­se o seguinte processo de desenvolvimento:


1. Levantamento e classificação de obras de arte e projetos artísticos existen­
tes que fazem uso de camadas de arte urbana digital pública.
2. Desenvolvimento de ferramentas móveis de RA para a exploração de ca­
madas arte urbana digital já existentes.
3. Seleção de locais­piloto onde as ferramentas de RA possam ser usadas para
o desenvolvimento de novos projetos­piloto de arte urbana digital em rea­
lidade aumentada.
4. Validação geral da metodologia de classificação do MTQP com base nas
etapas 1 e 3, com os ajustes decorrentes.
5. Lançamento de uma chamada aberta para a inscrição de obras de arte se­
melhantes a nível internacional.
6. Lançamento de uma plataforma online onde as informações acima serão
reunidas, selecionadas e disponibilizadas, promovendo o uso das ferra­
mentas de RA do MTQP por académicos, investigadores, artistas e público
em geral, de forma otimizada a cada perfil e sem restrições geográficas.

Desta forma permitir­se­á que o acervo do MTQP ganhe uma nova visibili­
dade, (re)utilização e destaque efetivos, e contribuir­se­á para a documentação
efetiva de uma época, de uma sociedade, dos seus hábitos e costumes, ligando
histórias individuais a lugares e refletindo sobre as formas de neles intervir.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

CONCLUSÃO

Não há tempo para o desespero, não há lugar para a autocomiseração,


não há necessidade de silêncio nem lugar para o medo. Nós falamos,
escrevemos, fazemos a língua. É assim que as civilizações se curam. Eu
243
sei que o mundo está ferido e sangra, e apesar de ser importante não
ignorar a sua dor, é também crítico recusar sucumbir à sua malevolên­
cia. Como o fracasso, o caos contém informação que pode conduzir ao
conhecimento – até à sabedoria. Como a arte. (Morrison, 2015)

Ao terminar uma visita a um museu, o visitante é conduzido a dois cenários


físicos – a loja de souvenirs e o livro de visitantes – e a uma multidão de destinos
virtuais – um comentário no Trip Advisor, um like no Facebook ou Instagram, entre
tantos outros.
O Museu de Tudo em Qualquer Parte desafia o modelo instituído, uma vez
que é a sua própria loja de souvenirs, o seu próprio livro de visitantes, englobando
todas as redes sociais. Tudo o que nele é transacionado, partilhado, apreciado ou
comentado reverte a favor do seu próprio acervo, inscrevendo­se de forma gene­
rativa, enquanto potencial matéria prima, obra ou remix, para artistas e visitantes
presentes e futuros.

Figura 45: O centro do ecossistema da media­arte digital ocupado pela cadeia genética AAA – Ar­
tista/Artefacto/Audiência. Fonte: autor.

No núcleo do ecossistema da média­arte digital está a cadeia genética AAA


(figura 45), e é sobre este núcleo que o Museu de Tudo em Qualquer Parte pros­
pera e se desenvolve. As suas relações são ampliadas por e para várias ações: cria­
ção, fruição, curadoria, entretenimento, educação, formação, investigação,
socialização, retorno económico e impacto social. Estas ações fluem, quase inces­
PEDRO ALVES DA VEIGA

santemente, entre os planos físico e virtual, e entretecem os espaços urbanos com


camadas digitais, potenciando experiências que questionam o sentido de pertença
à sociedade, ao lugar ou à época.
A prática artística e o usufruto da média­arte digital desenvolvem­se sobre a
mediação tecnológica, e grande parte do acervo do MTQP é cada vez mais me­
244 diada por dispositivos móveis. A importância destes dispositivos é indissociável
da sua importância para a vida moderna urbana, onde promovem a hibridização
do ser humano de forma discreta, impercetível para o próprio. Se até determinado
momento a tecnologia foi usada para criar espaços imateriais e imersivos, atual­
mente ela processa o meio envolvente físico e cria camadas adicionais de infor­
mação, muitas vezes ligadas aos locais onde é utilizada. Esta tecnologia
supervisiona a atividade humana, criando os registos virtuais que deixamos vo­
luntária e involuntariamente de experiências realizadas no plano material, fazendo
com que o nosso meio envolvente digital se reescreva e releia constantemente.
Este vínculo da digitalidade ao plano físico urbano, representa um dos maiores
potenciais de intervenção artística, e é o território por excelência do MTQP.
Os artistas de média­arte digital podem assumir vários posicionamentos para
o seu trabalho: cosmética urbana, recreio urbano e fusão crítica (Benayoun &
Bares, 2016). A última é assumida pelo artista que entende fazer um discurso crí­
tico no domínio público, uma prática próxima do hacking urbano, já que envolve
a manipulação dos mass media, criando narrativas paralelas, encaixando­se na
flexibilidade institucional, mas nunca comprometendo a intenção do artista. Con­
siste, assim, numa fusão crítica de realidade e ficção na paisagem digital urbana,
que visa criar relações diretas entre as pessoas, onde a mediação tecnológica ape­
nas cumpre o papel do gatilho que as desencadeia.
As economias da experiência e da atenção, de forma perigosamente invisível
e inexorável devido à sua natureza pervasiva, obrigam os artistas de média­arte
digital a optar por um posicionamento entre a exaltação e o questionamento do
status quo, da tecnologia, da sociedade, do belo, do formal e do conceptual, pas­
sando também pelo conformismo e pela indiferença.
Mas a média­arte digital pode ser um instrumento de guerra contra a repe­
tição e cópia inconsequentes, capaz de inter­ferir, para depois curar, duplos sen­
tidos intencionais. Só com a tomada de consciência, com o conhecimento e o
domínio das regras e das práticas os artistas poderão ajustar adequadamente o
seu blending e criar o seu espaço de fronteira. Para isso, o artista pode assumir­
se como CEO da Eu, Lda., desenvolver competências de webdesign, curadoria,
marketing e comunicação, networking social, engenharia e artesanato, gestão fi­
nanceira e de projeto (ou contratá­las, caso tenha recursos financeiros para tal);
ou então associar­se, cooperar e participar em coletivos que desenvolvam essas
componentes de forma colaborativa. Qualquer dos cenários é mais favorável ao
combate da exploração da exposição do trabalho do artista, tantas vezes encarada
como uma oportunidade que o artista deve agradecer sem ser remunerado, e pug­
nar por uma realidade em que o seu trabalho seja respeitado e valorizado.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Se o ideal romântico do artista que produz pelo amor à arte não é compatível
com a realidade empreendedorista atual (Garret & Jackson, 2016), contrapõe­se
então um novo ideal para o artista de média­arte digital, como sendo o amor à
arte e à tecnologia, à intervenção social através das suas obras, para a criação
de um mundo melhor, nunca esquecendo o respeito por si próprio, enquanto
criador e trabalhador. 245
E este ideal deverá ser seguido de perto por um (auto)escrutínio constante,
de estruturas e indivíduos, por uma relação de proximidade com o território, de
conhecimento pessoal e relações de escala direta, não intermediadas, procurando
a partilha de recursos, a criação de relações sustentáveis mas, acima de tudo, não
abdicando do discurso teórico fundamentado e do pensamento crítico, fomen­
tando o diálogo e a reflexão através da prática artística.
A criatividade artística não deverá estar limitada pelos imperativos e genera­
tivos da atenção e da experiência, da promiscuidade de estímulos e da sobre­ex­
posição informativa e comunicacional. Um dos desafios significativos da
média­arte digital é saber proporcionar novas formas de perceção e prazer através
da utilização inteligente da tecnologia digital, não confundindo a sua pós­conver­
gência com a obrigação de tudo integrar (Nash, 2015: 2).
Outro desafio é lidar com a visão da arte enquanto experiência e com a co­
moditização do artefacto, para conduzir a sua audiência a um estado de fluxo (Na­
kamura & Csikszentmihalyi, 2009), onde são geradas experiências cognitivas
significantes. Para contribuir para o atingimento de um novo patamar de bem­estar
social, escapando às lógicas principais do capitalismo estético e da artialização da
vida (Lipovetsky & Serroy, 2014), observem­se então os seguintes princípios:
• Evite­se a integração e generalização da ordem do estilo, da sedução e da
emoção nos bens destinados ao consumo comercial, à artialização da vida.
Os clichés da comunicação estão esgotados e são vazios de sentido real. É
altamente improvável que se seja mais feliz por usar champô da marca X,
ou que se faça melhores planos de negócios por ter comprado um compu­
tador da marca Y.
• Ultrapasse­se a dimensão empresarial das ICCs e do ensino. Os museus,
teatros, salas de exposição, escolas, universidades, laboratórios experimen­
tais e cinemas devem cumprir outras funções para além do lucro. Recupe­
rem­se os coletivos criativos, a iconoclastia, a crítica social e da atualidade,
a prática artística colaborativa e comunitária. O tempo e a atenção podem
dar­se, não precisam de ser sempre vendidos. As experiências gratuitas
também podem ser significativas e memoráveis, desde que não sejam fú­
teis. Pagar para as diferenciar e tornar mais desejáveis pode ser uma falácia.
Características como a efemeridade, intensidade e impacto pessoal e cole­
tivo podem contribuir para as tornar tão ou mais desejáveis. O pagamento
pela experiências artísticas deve ser um sinal de respeito e reconhecimento
pelo trabalho do artista, não um generativo da atenção ou experiência.
PEDRO ALVES DA VEIGA

• Escape­se à estetização global e à multinacionalização da harmonia. As gra­


vuras na parede, as imagens de fundo no computador e os padrões impres­
sos na roupa podem ter origens diversas, locais, ser únicos e irrepetíveis
mas, acima de tudo, podem ter significado individual. Encontrem­se alter­
nativas ao mercado da arte, centrado em compras de milhões, dos quais
246 uma diminuta fração alguma vez chega às mãos dos artistas, ou em festi­
vais, onde se comoditizam artistas e obras. Menos tecnologia, menos he­
donismo, mais ideologia, mais emoção, mais ligação entre pessoas.

Figura 46: Fotografia de microscópico eletrónico de transmissão do SARS­CoV­2 ­ também conhecido


como 2019­nCoV, o vírus causador da COVID­19. Fonte: NIAID­RML (CC BY 2.0)

Figura 47: Captura de ecrã da obra colaborativa Patient Zer0315, desenvolvida pelo autor como tri­
buto às vítimas do Covid­19, demonstrando a facilidade de contágio de toda uma população através
de um único indivíduo inicialmente infetado ­ o paciente zero. Fonte: autor.

315
A obra pode ser vista neste endereço: https://pedroveiga.com/patient­zero/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

Este livro deve, portanto, ser usado como uma ferramenta de incentivo à aná­
lise crítica, à escrita reflexiva, à criação artística e à produção de conhecimento,
consciente e deliberadamente posicionadas entre o lazer, o ativismo, o humor, a
expiação, a crítica, o ensino, o hacking, a escrita científica ou a curadoria de – e
para – o Museu de Tudo em Qualquer Parte. Neste pressuposto poderá todo o ar­
tista e criador de conteúdos para o seu acervo escolher uma função, eleger uma 247
técnica e procurar uma estética, do entretenimento ao ativismo, do meme à inte­
ração em P5.js, do conformismo satírico ao experimentalismo abstrato.
Ao apresentar a metodologia a/r/cografia, enquanto ferramenta de registo
e análise do processo criativo, da investigação a ele associada, e da comunicação
e exposição dos seus resultados generativos, pretende­se ainda sugerir formas de
preservar e divulgar o conhecimento associado a cada criação artística, consti­
tuindo­se assim, também, enquanto ferramenta de curadoria. Afinal, em que me­
dida gostaríamos nós, artistas e investigadores, que o MTQP do futuro se
distinguisse e diferisse do atual? E como promover essa mudança?
O artista de média­arte digital deverá assumir cada vez mais uma atitude
quântica – simultaneamente artística, tecnológica e ideológica – que o posicione
como uma peça não descartável ou decorativa do (e no) ecossistema, enquanto
hacker do próprio ecossistema, criando o sublime a partir do banal, empenhado
no cultural hacking.
Subverta­se o papel de animador tecnológico de espaços públicos e expo­
nham­se as regras, iluminem­se os bastidores durante os espetáculos, as vitrines
e os suportes nas galerias. Exiba­se o fio de cobre e os circuitos impressos, glamo­
rize­se a fita­adesiva e os ecrãs LED. Mas que nem os materiais, nem a tecnologia,
tomem conta do foco da atenção: esse deverá ser apontado aos ideais, à inter­
venção e à comunicação.

Figura 48: Urge contrariar a impotência cultural, e o hacking cultural pode ser a via para o fazer.
Fonte: autor.
PEDRO ALVES DA VEIGA

Assuma­se a tendência e nela cause­se interferência. Criem­se poéticas re­


combinantes e inventivas, baseadas em processos humanos – memória, pensa­
mento, associação, catalogação, categorização, enquadramento, contextualização,
descontextualização e recontextualização – em que a produção de objetos de fron­
teira, gramáticas de informação e atenção, constelações de média e a exploração
248 de princípios combinatórios, são variáveis potenciais para a criação de obras de
média­arte digital, interativas e generativas, dando cada uma delas nascimento a
tantas outras.
Crie­se o inusitado e o inesperado, usando os sentidos para criar sentido, tor­
nando­o simultaneamente significativo e memorável. Criem­se histórias mais com­
plexas e diferentes das que já foram contadas, por muito fascinantes que sejam.
Evite­se a reprodução de clichês de resistência e ativismo, porque também já
muito foi – e continua a ser – feito. Evitem­se as variações que produzem seme­
lhança e inconsequência: a criação da média­arte digital não pode ser reduzida à
operação de sistemas meta­generativos, quais gigantescos screensavers culturais,
distraindo a mente e queimando o tempo.
Se é assumido que os artistas de média­arte digital desenvolvem o seu tra­
balho num terceiro espaço, na fronteira entre várias áreas do conhecimento, então
o seu papel passa a ser definido pela sua capacidade de dominar e respeitar esse
conhecimento, e as próprias áreas que definem essas fronteiras, sob risco de, não
só não estarem no centro do ecossistema da média­arte digital, como de, even­
tualmente, se tornarem dispensáveis, substituíveis por automatismos de remis­
tura, ao agrado das tendências, com extensas interfaces de opções estéticas,
ideológicas e mediáticas.
Se não é expectável que um projeto artístico que critica os poderes instituídos
seja por eles financiado, o que é expectável então é que se encontrem formas
criativas, colaborativas e participativas de os possibilitar, fundando­os num sentido
de comunidade que, não só os acolha, mas os sinta e defenda como seus. Para
Zain Dada (2020) «as organizações comunitárias ligadas às artes estão no centro
da resposta à crise de Covid­19, mas os seus espaços físicos são ameaçados por
argumentos que se concentram no valor económico das artes. Está na hora de co­
meçarmos a medir o seu valor social».
Combata­se o individualismo tão característico e falacioso do self­made­neo­
liberal­man e fomente­se a criação assente na diversidade das valências individuais
e no enriquecimento do seu cruzamento, da pluralidade das mentes, para que as
vozes do todo se façam ouvir, e as suas mensagens sejam mais complexas e com­
pletas, por integrarem essa mesma diversidade. Exponha­se a exposição e os seus
mecanismos, processos e meandros ocultos: cure­se a curadoria.
A média­arte digital ocupa um espaço paralelo ao da arte contemporânea,
sendo esta última gerida através das regras de um mercado elitista e exclusivo,
contrastando com a acessibilidade e a (aparente e paradoxal) gratuitidade da
média­arte digital. Isto significa que ainda não foi estabelecido um diálogo sério
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR

entre os dois universos, e o MTQP é o espaço de eleição para promover esse en­
contro, dado que a sua produção­exposição se articula num espaço comunitário,
ocupando as redes digitais e os espaços urbanos, mas evitando tornar­se uma trin­
cheira – de proporções gigantescas – no mundo da arte.
O MTQP desenvolve­se sobre um sistema de marketing digital, cravejado de
processos de vigilância e recolha de dados pessoais, que já ultrapassa as fronteiras 249
da Internet. Usar o sinal dos telemóveis como forma de controlar os movimentos
dos cidadãos foi uma medida aplicada na China, durante a pandemia do Covid­
19, e cuja transposição para o Ocidente chegou a ser sugerida, embora tenha cau­
sado de imediato vários protestos, nomeadamente pela invasão de privacidade
que parecia implicar. Mas esses receios de uma invasão de privacidade são agora
normalizados com novos argumentos: não tenha medo de ter medo316! Possivel­
mente dentro de pouco tempo daremos de bom grado os dados biométricos re­
colhidos pelos nossos relógios inteligentes, que medem a temperatura e a batida
cardíaca, pela nossa segurança e pela nossa saúde. Mas serão esses dados usados
por organizações e Estados para uma efetiva melhoria de qualidade de vida dos
cidadão ou como forma de inferir condições médicas que possam limitar o acesso
a serviços, relegando­os para uma condição secundária face a outros indivíduos,
com melhores dados biométricos que os nossos? Mas os artistas de média­arte
digital também poderiam usar estes mesmos dados, e em termos técnicos já é
possível mapear num determinado espaço geográfico a média da pulsação ou da
temperatura corporal registadas pelos dispositivos individuais, podendo assim vi­
sualizar­se em realidade aumentada os trajetos urbanos mais tranquilos ou fres­
cos, bem como os mais stressantes e prejudiciais. É também possível que esta
visualização chamasse a atenção para algumas realidades inconvenientes, mas
esse é também o papel do artivismo.
Os artistas/investigadores de média­arte digital podem escolher a forma
como ocupam e exploram a Internet e as suas ligações ao mundo físico, contri­
buindo para desvelar cada vez mais as relações opacas do marketing (económico,
político, social). Estes artistas/investigadores podem ser simultaneamente captor
e resistência, motor e areia – em suma, ser o terceiro incluído. E só através da par­
tilha (coletiva) desse conhecimento é que se poderão gerar formas alternativas
de controlo e curadoria do MTQP, gerindo as confluências políticas entre arte e
sociedade.
É, pois, neste sentido que se conclui a presente obra, enumerando linhas pos­
síveis de desenvolvimentos futuros, para as quais o autor desde logo não só ma­
nifesta o seu profundo interesse, como se disponibiliza para317:
316
Campanha de outdoors em Cascais durante a pandemia do Covid­19, apresentada no Facebook:
https://www.facebook.com/maiscascais/photos/a.2083590038435589/2691801937614393/
[2020/05/21]
317
me@pedroveiga.com
PEDRO ALVES DA VEIGA

• A promoção da utilização da metodologia a/r/cografia aplicada a situações


reais de investigação criativa, construindo um acervo artístico e documental
de relevo que permita, também, melhorar a própria metodologia, através
da incorporação de conhecimento derivada da própria prática artística e de
investigação científica. Gostaria, assim, de ser contactado por todos os ar­
250 tistas/investigadores que utilizem a a/r/cografia como método de desen­
volvimento de projetos de investigação criativa e prática artística, e que
queiram contribuir com as suas experiências diretas ou refletindo de forma
crítica sobre a própria metodologia.
• A criação e desenvolvimento de uma rede colaborativa de artistas e inves­
tigadores interessados e empenhados em estudar, analisar, discutir a evo­
lução e trabalhar na implementação do Museu de Tudo em Qualquer Parte,
incluindo a sua curadoria. Esta rede pode adotar um de vários formalismos,
desde o projeto de investigação, à associação ou cooperativa, conforme os
interesses que o núcleo de fundadores (em aberto) possa entender desig­
nar como seus.
• Um conjunto de intervenções específicas aberto à sociedade em geral, in­
cluindo exposições, seminários, encontros, tertúlias e (porque não?) festi­
vais de – e sobre – o MTQP. Estas intervenções poderão assumir uma forma
física, digital ou ambas.

Esta operacionalização entende as pessoas como a finalidade, e não como o


meio de atingir objetivos (académicos, artísticos, políticos ou económicos). Assu­
mamos a curadoria do Museu de Tudo em Qualquer Parte: que ele se torne niti­
damente visível aos olhos de todos, bem como o funcionamento dos seus
mecanismos de controle e gestão, e que o seu conteúdo espelhe cada vez mais o
que é a nossa vida e a nossa realidade, e o que elas podem vir a ser.
E se esse espelho não revelar imagens, sensações e pessoas tão bonitas como
as que povoam as utopias do Instagram, está na hora de mudar a realidade, não
o espelho.
BIBLIOGRAFIA
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O Museu de Tudo em Qualquer Parte é a designação dada por Pedro Alves
da Veiga ao espaço real aumentado urbano, onde existe uma densidade
crescente de intervenções artísticas de arte digital e locativa, acompanha-
das de camadas de dados digitais e informação audiovisual associada a
hashtags, utilizadores, locais e eventos, originais ou remisturados, muitos
deles ancorados a lugares físicos. Partindo da apresentação do ecossistema
da média-arte digital, com enfoque no caso português, a obra debruça-se
sobre a evolução da produção de arte digital – no seu sentido mais amplo
– reconhecendo que a atual produção massificada de conteúdos estetiza-
dos, incluindo os registos de experiências artísticas, sociais, culturais ou lú-
dicas é o testemunho vivo de uma estetização global, que tudo permeia,
desde a vida quotidiana, incluindo moda, comida e a pandemia do COVID-
19, até áreas do conhecimento como a ciência ou a filosofia.
Este livro propõe uma metodologia para a produção de média-arte digital
interventiva e funcional – a a/r/cografia – e culmina com o apelo à curadoria
deliberada e consciente – em vez de acidental ou aleatória – destas cama-
das de arte urbana digital, trazendo-as para a luz, com elas e sobre elas pro-
duzindo conhecimento.

www.ruigracio.com

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