MTQP Dig
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O MUSEU DE TUDO
EM QUALQUER PARTE
arte e cultura digital:
inter-ferir e curar
Coleção
O MUSEU DE TUDO
EM QUALQUER PARTE
ARTE E CULTURA DIGITAL:
INTER-FERIR E CURAR
[Ficha Técnica]
Título
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE
arte e cultura digital: interferir e curar
Autor
Pedro Alves da Veiga
Coordenação Editorial
Mafalda Lalanda
Capa
Grácio Editor | Imagem da capa de Pedro Alves da Veiga
ISBN: 9789899023253
Esta obra foi financiada através do Projeto UIDB/04019/2020 da Fundação para a Ciência
e Tecnologia.
O AUTOR:
Pedro Alves da Veiga é um artista e investigador transdisciplinar, licenciado
em Engenharia Informática pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Uni
versidade Nova de Lisboa, pósgraduado em Estudos Avançados de Média
Arte Digital pela Universidade Aberta e doutorado em MédiaArte Digital
pela Universidade do Algarve e Universidade Aberta. É Professor Auxiliar
Convidado na Universidade Aberta, onde é Subdiretor do Doutoramento
em MédiaArte Digital. Esteve ligado à atividade empresarial durante mais
de duas décadas, e desenvolveu trabalhos premiados de webdesign e mul
timédia. É membro integrado do Centro de Investigação em Artes e Comu
nicação, colaborador do ID+ e partilha regularmente resultados da sua
investigação em conferências e publicações científicas especializadas sobre
o papel social e as influências das economias da atenção e experiência no
ecossistema da médiaarte digital. Desenvolve ainda atividade artística em
assemblage, programação criativa generativa e audiovisuais digitais. Tem
exposto as suas obras, individual e coletivamente, em Portugal, Espanha,
Holanda, Roménia, Rússia, China, Tailândia e Estados Unidos da América.
Tem participado em vários projetos de investigação no cruzamento da arte,
ciência e tecnologia, desenvolvendo o seu trabalho com interesse específico
nas áreas da arte e sociedade, artivismo e hactivismo, curadoria de média
arte digital e metodologias de investigação criativa baseada em arte.
A COLEÇÃO HUMANITAS:
A Humanitas do CIAC – Centro de Investigação em Artes e Comunicação,
em parceria com a Grácio Editor, é uma coleção ensaística de divulgação
dos resultados da investigação produzida neste centro. Pretende oferecer,
através das obras aqui publicadas, o nosso contributo no domínio científico
das Humanidades.
A saudável transversalidade caracterizadora da investigação do CIAC, que
abarca as Artes, a Comunicação e a Cultura, as Letras e a Cultura Digital,
constitui a justificação para a apresentação de uma coleção que acompanhe
esse espírito plural de reflexão. Este reside, no fundo, na capacidade para
abarcar o Homem enquanto ser que se exprime das mais variadas formas.
Celebrar o regresso aos estudos humanísticos, às Humanidades, portanto,
no sentido primordial e lato que os gregos e latinos lhes atribuíram, como
resposta aos constantes reptos que a contemporaneidade nos lança, é o
objetivo da Humanitas.
Deste modo, esta coleção espelha a desejável harmonia entre o estudo das
novas linguagens, dos novos processos e métodos e a solidez de saberes
que prolongam tradições teóricas e críticas. A revisitação de produtos ar
tísticos e culturais do passado, seja para os (re)questionar à luz do para
digma atual, seja para os (re)conhecer enquanto objetos humanísticos sem
tempo estimulará, por sua vez, o pensamento sobre os modos coetâneos
de expressão artística e cultural.
SUMÁRIO
Agradecimento ...................................................................................................13
Prefácio ...............................................................................................................17
Introdução ..........................................................................................................19
I PARTE – ACERVO.............................................................................................25
Médiaarte digital: uma definição.......................................................................27
Ecossistemas de médiaarte digital e seus agentes ............................................31
O ecossistema Português....................................................................................37
Artistas..........................................................................................................37
Associativismo e redes colaborativas em Portugal.......................................41
Ensino e investigação....................................................................................48
Publicações...................................................................................................57
Principais fontes de financiamento ..............................................................57
Festivais ........................................................................................................64
Cidades criativas ...........................................................................................87
II PARTE – METODOLOGIA...............................................................................89
O estudo da médiaarte digital ...........................................................................91
A/R/Cografia – Arte, investigação e comunicação ..............................................95
Comunicação ................................................................................................96
Adequação à médiaarte digital ...................................................................97
O arco ...........................................................................................................98
Etapas da a/r/cografia ................................................................................101
Espaço artístico...........................................................................................106
Conclusão ...................................................................................................109
Conclusão .........................................................................................................243
Bibliografia........................................................................................................251
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Uma captura de ecrã da obra de net.art de Teo Spiller – TeddyBear. ...................
Fonte: Teo Spiller (CC BYSA 4.0).........................................................................20
Figura 2: À esquerda, a visão não linear do arquipélago à superfície, .................................
aparentemente composto de ilhas isoladas. À direita, a visão .............................. 9
do mesmo arquipélago sobreposta ao complexo rizoma de .................................
interdependências e influências subjacente às várias ilhas. ..................................
Fonte: autor e AndréPh. D. Picard (CC BYSA 3.0) .............................................22
Figura 3: A obra de Johannes Theodor Baargeld – Typical Vertical Mess as ........................
Depiction of the Dada Baargeld, de 1920. Fonte: Johannes Theodor ..................
Baargeld, domínio público..................................................................................27
Figura 4: Ivan Sutherland usando o Sketchpad in 1962. Fonte: Sutherland, .......................
I. E. (1964). Sketchpad a manmachine graphical communication ......................
system. Simulation, 2(5), R3, p. 329. .................................................................29
Figura 5: A visão inicial do ecossistema da MAD. Fonte: autor. .......................................36
Figura 6: O mapa do ecossistema de médiaarte digital português, ....................................
disponibilizado online8. Fonte: autor. .................................................................40
Figura 7: FabLab de OnePoint em Paris. Fonte: Anthony Bressy (CC BYSA 2.0) ...............46
Figura 8: A estrutura prevista para o programa Horizonte Europa. .....................................
Fonte: https://ec.europa.eu/info/node/71880. .................................................62
Figura 9: Exterior da Igreja de Santa Maria da Alcáçova, MontemoroVelho, ....................
durante o Festival Forte. Fonte: Gener8ter (CC BYSA 4.0).................................66
Figura 10: Cartazes das edições de 2011, 2014 e 2015. .......................................................
Fonte: Arquivo Ephemera de José Pacheco Pereira. ........................................71
Figura 11: Rádio Manobras Futuras, um dos spinoffs do FuturePlaces. ..............................
Fonte: FuturePlaces..........................................................................................73
Figura 12: Magical Garden, instalação de Kari Kola durante o Festival Lumina ...................
de 2016. Fonte: Bosc d’Anjou (CC BY 2.0).........................................................76
Figura 13: Instalação WIDE/SIDE (2015) de João Martinho Moura no GNRation. ...............
Fonte: João Martinho Moura (CC BYSA 2.0). ...................................................83
Figura 14: A instalação Tuumo, de Rot8ion. Fonte: Rot8ion (CC BYSA 4.0) ......................92
Figura 15: A instalação Alchimia, através de um mecanismo de deteção facial ...................
do observador, capta a sua face (visível no canto superior esquerdo) ................
e misturaa com outras faces através de um algoritmo generativo, ...................
usando uma biblioteca de imagens de rostos com diferentes idades, ................
etnias e géneros. A intenção da obra é de provocar um questionamento ..........
sobre a identidade e a relação com o outro (se eu fosse outro/a). .....................
Fonte: autor. .....................................................................................................93
Figura 16: Acima, o arco azul conecta os pontos de partida (D) e de chegada (A), ..............
através dos pontos intermédios de exploração. Abaixo, retornando ao .............
ponto de partida por uma rota diferente (laranja) e incorporando ....................
mais pontos de exploração ao longo do caminho. Fonte: autor.......................99
Figura 17: Convergência, ilustrada por uma espiral de Fibonacci desenhada ......................
com arcos. Fonte: autor....................................................................................99
PEDRO ALVES DA VEIGA
Figura 18: Divergência aparente, ilustrada por famílias de biarcos, ligando ........................
os pontos A e B. Fonte: Wikimedia commons................................................100
Figura19: O espaço tridimensional a/r/cográfico da intenção / intervenção .......................
e seus eixos. Fonte: autor. ...............................................................................108
Figura 20: A zona vermelha, do conformidade, inépcia e indiferença, ................................
10 e a zona verde, do desafio, mestria e paixão. Fonte: autor. ...........................108
Figura 21: Um ramo do rizoma da a/r/cografia. Fonte: autor.........................................110
Figura 22: Acesso, utilização e criação os três passos subjacentes ....................................
à produção artística. Fonte: Autor. .................................................................113
Figura 23: Anúncio surrealista a camisas. Fonte: Arquivo Ephemera, ..................................
de José Pacheco Pereira. ................................................................................117
Figura 24: Uma artie – uma selfie contendo uma obra de arte. ..........................................
Fonte: Sofia Quintas (foto cedida pela autora)...............................................126
Figura 25: A evolução, ao longo de 40 anos, da utilização dos pronomes I, you ..................
e we, em livros em inglês. Fonte: Google Books Ngram Viewer.....................133
Figura 26: Arte instantânea, criada em menos de 10 segundos com a ................................
blackbox Flowpaper para iPhone. Fonte: autor. .............................................135
Figura 27: Esquema ilustrativo da fragmentação da atenção dos docentes, .......................
e consequente degradação da transmissão de conhecimento ...........................
aos estudantes, atualização de conhecimentos, investigação .............................
e publicação. Fonte: autor. .............................................................................144
Figura 28: Visão parcial da galeria de médiaarte digital, curada pelo autor, ......................
na rede social Pinterest. Fonte: autor.............................................................162
Figura 29: A evolução, desde os bens essenciais às experiências encenadas: .....................
cada patamar é construído sobre o anterior. Fonte: autor.............................167
Figura 30: Os quatro reinos da experiência Fonte: autor................................................170
Figura 31: The Culture Yard, Click Festival 2012, uma experiência de entretenimento. ......
Fonte: Rosa Menkman / Mathias Vejerslev, Flickr (CC BYSA 2.0) ..................171
Figura 32: Graffiti antigentrificação em Évora. Fonte: autor. .........................................177
Figura 33: Qual o real papel do Instagram? Fonte: autor................................................191
Figura 34: Artie remix – Mona et la laitière immortalisent leur voyage chez le cri. .............
Fonte: Travailwiki (CC BYSA 4.0) ....................................................................193
Figura 35: Fotograma do projeto participativo artivista de arte generativa .........................
cinemática SAR Speciesism | Ageism | Racism apresentado ............................
pelo autor no Festival Digital function(2019,»innocence»), em Palma ...............
de Maiorca, Espanha. Fonte: autor.................................................................195
Figura 36: Nanook of the North – anunciado como «a história mais humana .....................
e mais verdadeira das Grandes Neves Brancas». Fonte: Robert J. ......................
Flannery / Pathé Picture, domínio público .....................................................200
Figura 37: Como uma fotografia (real) é tratada em blackboxes de retoque .......................
facial/composição gráfica, destinada principalmente a ser partilhada ...............
nas redes sociais, criando uma (real) imagem social pósfake. ..........................
Em alternativa, um avatar pode também ser personalizado ...............................
para o mesmo efeito. Fonte: autor.................................................................206
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
13
20
dos artefactos digitais são uma fração da globalidade das infraestruturas exposi
tivas, para se perceber que estamos perante uma multiplicação de frações, ou
seja, uma seletividade com três níveis multiplicativos de segregação na fruição da
obra de médiaarte digital.
Este e outros desafios, colocados à MAD, são referidos por Christiane Paul3:
• A dificuldade do público não especializado em entender a estética. Embora 21
a arte contemporânea raramente seja fácil de compreender – e frequente
mente não queira ser compreendida – a arte digital apresenta um novo
conjunto de problemas: a dependência de código, algoritmos e observação
em tempo real muitas vezes exponencia a alienação, tornando assim difícil
um maior envolvimento que conduza à sua devida apreciação estética.
• A sua predominante imaterialidade, que não é um exclusivo da MAD. Mas
ao contrário da performance e da arte conceptual, a MAD ainda não tem
uma aceitação sem reservas no panorama (mercado?) global da arte.
• A associação imediatista dos média digitais com a tecnologia, frequente
mente conduz à sua sobreposição confusa, contribuindo para diluir a obra
no seu suporte. O público ainda está a aprender a responder: as obras tanto
podem ser vistas como entretenimento, como podem ser encaradas como
pertencentes a um museu de ciência, ou a uma galeria. Entender a MAD
como pertencente a um meio (medium) próprio, muitas vezes híbrido, é
ainda um desafio complexo de superar.
• A proliferação de imagens de alta definição e efeitos espetaculares em jogos
e filmes 3D pode contribuir para que as obras de MAD não atinjam as ex
pectativas do público generalista que, na sua busca rápida por novos focos
de atenção, pode optar por ignorar obras artísticas, em função do seu im
pacto lowtech, por comparação com a produção comercial profissional.
• O problema mais grave é, contudo, a obsolescência tecnológica, dado que,
se não forem tomadas as devidas cautelas, ela determina a volatilidade das
próprias obras.
Mesmo assim, e porque próprio título implica uma construção, este livro está
dividido em quatro partes principais:
1. o acervo do Museu de Tudo em Qualquer Parte, em que se identificam os
principais elementos do ecossistema da médiaarte digital,
2. a metodologia sugerida para a criação e análise das obras de médiaarte
digital, 23
3. a análise das várias formas expositivas de que o acervo se pode revestir,
4. e a materialização do museu.
I PARTE – ACERVO
MÉDIAARTE DIGITAL: UMA DEFINIÇÃO
Nascido na revolução industrial, o modernismo traduz a vontade de abraçar
a nova realidade e os novos materiais da era industrial, com tendência para simpli
ficar as formas, reduzir o detalhe decorativo e abandonar o realismo, dando cres
cente atenção aos materiais utilizados e respetivas qualidades visuais, aos símbolos 27
da revolução industrial, à maquinaria e tecnologia. Apesar da busca pela inovação
e pela reinvenção da arte, dois aspectos permanecem inalterados: o elitismo das
artes, artistas, patronos e críticos; e a valorização das obras de arte produzidas.
dores para a arte e desta para a sociedade, ou ainda do que podem as empresas
de alta tecnologia ganhar através do envolvimento dos artistas. E nas respostas
possíveis tornase visível também a importância das relações entre os diferentes
agentes, ultrapassando a simples soma dos contributos individuais. Cada um dos
agentes terá certamente uma visão específica, uma perspetiva dos seus relacio
32 namentos ao nível da criação, ensino, investigação, exposição, participação, inte
gração, comercialização, diversão ou usufruto da MAD, entre outros. Mas essa
visão não corresponde forçosamente à visão do sistema na sua totalidade, e daí
a importância das diferentes perspetivas.
Na MAD estes relacionamentos podem abarcar um largo espectro de disci
plinas, e importa por isso adotar uma visão baseada na primazia das atividades
que relacionam sujeitos e objetos em contextos tecnológicos, espaciais, temporais
e sociais, entre outros, em detrimento da visão de objetos de informação estáticos,
de meros artefactos.
Analisando os objetivos que levam, na atualidade, à criação e desenvolvi
mento de ecossistemas de artes (não só de MAD), encontramos traços comuns,
atravessando valores económicos, culturais e recreativos, mas também educacio
nais, estéticos, psicológicos, espirituais ou sociais. Contudo, a intangibilidade dos
ecossistemas culturais pode ser o maior impedimento da sua real avaliação (Milcu
et al., 2013). As avaliações ao nível de valor recreativo, cultural, estético e educa
cional geralmente não são devidamente acompanhadas por análises de indicadores
económicos, relacionandoos com aspetos como o turismo e o entretenimento,
por exemplo.
Estes ecossistemas ganharam ainda um relevo acrescido nos tempos da pan
demia do Covid19, com a migração em massa para os suportes digitais de distri
buição (o que não é o mesmo que assumir que a criação artística se tornou mais
digital), substituindose às salas de espetáculo e exposição públicas. Em função
desta alteração paradigmática surgiram novas expressões do ecossistema, mate
rializadas em plataformas agregadoras de iniciativas de apoio para as diversas for
mas de expressão artística e cultural5. Mencionese ainda as exposições online
que ocorreram neste período, grande parte delas com curadoria dos próprios ar
tistas, como a Art In Quarantine6, uma iniciativa dos artistas e académicos portu
gueses WR3AD1NG D1G1TS (Diogo Marques e Ana Gago), que registou 912
participações, durante os quarenta dias de chamada aberta à participação, com
obras oriundas de todo o mundo, incluindo poesia, ilustração, sonoplastia e arte
generativa, entre outros géneros.
A teia complexa de redes que se formam dentro e ao redor das artes deve,
por isso, ser abordada como um ecossistema, digno de estudos mais específicos
direcionados para «a compreensão e análise das ecologias culturais locais» (Hol
5
São disto exemplo as plataformas Creatives Unite (https://creativesunite.eu/) e a Portugal #En
traEmCena (https://www.portugalentraemcena.pt/ptemcena/) [2020/05/21]
6
https://wreadingdigits.com/artinquarantine/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
den, 2015: 32), e como uma forma de englobar todos os intervenientes e agentes
dos processos que relacionam artistas, fornecedores, distribuidores, teóricos, au
xiliares da produção, agências de comunicação especializadas, jornalistas culturais,
críticos de arte, diretores de galerias e museus, organizadores de exposições, im
portadores e exportadores de informação, agentes dos artistas, marchands, cole
cionadores e público (Becker, 1982; Cauquelin, 2005). 33
A visão colonizadora de que qualquer recurso existe apenas para ser explo
rado enquanto tal (seja ele biológico, natural, inorgânico, artificial, tecnológico ou
mediador) prima por ignorar os pontos de vista dos próprios recursos, também
eles agentes do ecossistema. Mas acima de tudo ignora as relações que se esta
belecem e a importância das mesmas. O ecossistema das artes está tradicional
mente alicerçado no poder dos media e do mercado, que não se limita apenas à
compra e venda de objetos artísticos, mas envolve o financiamento público e pri
vado de exposições, festivais, formação, publicações e um enumerável elenco de
atividades adicionais. Tratase de tendências que se desdobram e se aceleram em
função da expansão global das redes digitais móveis e ubíquas de comunicação,
informação e entretenimento. A par disso, também crescem nas universidades
cursos dedicados aos novos e imprevistos desafios tecnológicos que se enraízam
na cultura, e que as artes absorvem e transmutam (Santaella, 2016).
Existe ainda uma realidade festivalizada – uma proliferação de festivais de
arte e tecnologia – em que eventos interativos se misturam à dinâmica das cida
des, suportada por galerias de arte digital a céu aberto; Centros de Arte e Média,
como o ZKM7 e o Ars Electronica Center8; laboratórios, como o MIT Media Lab9
ou o Medialab da Universidade de Brasília10; revistas especializadas, como a Leo
nardo11 e a seLecT12; portais especializados, como o Rhizome13; equipas interdis
ciplinares, como a da SciArt Initiative14; comunidades em redes sociais; espaços
expositivos virtuais, como o DAM Museum15 ou a bienal The Wrong16; espaços fí
sicos construídos para atender às exigências da produção, como o espaço Tanks,
na Tate Modern17 (Gasparetto, 2013).
Estes são apenas exemplos que levam a crer que outras instâncias de legiti
mação são válidas e facilitam a entrada de outros agentes e instituições no campo
artístico, num espaço que extravasa a própria área de desenvolvimento e se en
tretece com a sociedade e a cultura digital, ou seja, o ecossistema da MAD. Ao
7
https://zkm.de/ [2020/06/06]
8
https://ars.electronica.art/center/de/ [2020/06/06]
9
https://www.media.mit.edu/ [2020/06/06]
10
http://medialab.unb.br/ [2020/06/06]
11
https://www.leonardo.info/ [2020/06/06]
12
https://www.select.art.br/ [2020/06/06]
13
https://rhizome.org/ [2020/06/06]
14
http://www.sciartinitiative.org/ [2020/06/06]
15
http://www.dam.org/ [2020/06/06]
16
https://thewrong.org/ [2020/06/06]
17
https://www.tate.org.uk/visit/tatemodern/tanks [2020/06/06]
PEDRO ALVES DA VEIGA
Estes três pontos contribuem para uma primeira formulação de objetivos ge
rais: o equilíbrio entre a procura e a oferta, o que equivale a dizer que a comuni
dade artística e o público, deverão ser considerados como pesos numa balança
em equilíbrio, considerando ambos com igual cuidado.
Do lado artístico, a formação, o incentivo à criatividade, a educação formal,
a exploração e investigação integrada com a indústria e tecnologia; e do lado do
público também a educação e formação, a legitimação, a aquisição direta (arte
factos) e indireta (eventos, performances), a participação e o entretenimento. A
infraestrutura existe para suportar todas estas componentes e serlhes transversal.
Já The National Endowment for the Arts (NEA) sugere a criação e a participa
ção, como sendo o núcleo do ecossistema, mas propõe ainda a designação de
multiplicadores de sistema, variáveis que atuam sobre as distintas componentes
do (ecos)sistema, em várias medidas e simultaneamente (NEA, 2012). Estes mul
tiplicadores de sistema são uma espécie de clima social: não mudam necessaria
mente o funcionamento global do sistema, mas podem mudar parâmetros de
funcionamento, ou afetar a duração de tarefas ou interações. O NEA aponta cinco
multiplicadores:
1. mercados e financiamentos,
2. política,
3. tecnologia,
4. demografia e tradições culturais e
5. espaço e tempo.
O Yerba Buena Center for the Arts19 define o seu ecossistema criativo como
sendo a forma a juntar diferentes parceiros num compromisso colaborativo e de
longotermo, em torno da ideia de que a arte não se resume à criação de um ob
jeto ou resultado, mas é um processo e uma oportunidade para criar comunidade.
Desta forma, o seu objetivo é transformar o envolvimento transacional da audiên
cia numa experiência colaborativa, evolutiva e de interesse mútuo. 35
Surge assim uma caracterização das relações entre a comunidade de artistas
e o público:
1. uma relação de experiência colaborativa (por oposição a uma mera ob
servação ou transação),
2. evolutiva (por oposição a um sistema estático)
3. e de interesse/benefício mútuo (por oposição a um interesse/benefício
unilateral).
Dado que não existe (ainda) um modelo único para o ecossistema da MAD,
pode ser proposto, como bloco fundador, um mapeamentotipo das relações e
agentes, com base nos modelos analisados:
• Criação – relacionando, por exemplo, artistas, tecnólogos, e criadores, fa
cilitando a inovação, o hacking, a métissage.
• Participação – relacionando, por exemplo, uma audiência participativa, in
formada e crescentemente envolvida/integrada e interessada nos proces
sos artísticos.
• Educação – relacionando o ensino e a formação contínuos de artistas e au
diência.
• Inovação – relacionando a investigação e desenvolvimento, a inovação e o
pioneirismo através da participação e colaboração entre agentes artísticos,
académicos, corporativos, institucionais, empresariais e industriais.
• Gestão – relacionando o controlo do equilíbrio financeiro, as infraestrutu
ras, os mecanismos de comunicação e marketing, a identificação de fontes
de financiamento e potencial rentabilização do investimento na infraestru
tura e os mecanismos e agentes de negócio nas áreas do turismo, entrete
nimento, mercado privado e público da arte e apoios institucionais, entre
outros.
• Fruição – relacionando as infraestruturas, os artistas, os académicos, as ins
tituições e as audiências com os espaços de exposição, apresentação, par
ticipação e interação.
• Ação – relacionando o meio social envolvente; a educação na – e através
da – arte; e os projetos com retorno cultural e financeiro para outras insti
tuições ou agentes de índole social e educacional.
19
https://ybca.org/about/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA
Este modelo pode ser visto na figura 5 e, com base nele, podemos definir,
então, o ecossistema da médiaarte digital como um conjunto de indivíduos e ins
tituições responsáveis pela criação, disseminação, fruição, exibição e consumo
de artefactos e eventos suportados por média e tecnologias digitais, por eles
mesmos rotulados como artísticos.
36
O ECOSSISTEMA PORTUGUÊS
Nota: o autor disponibiliza para consulta online20 uma versão resumida do
ecossistema que se apresenta de seguida.
37
ARTISTAS
Inovação é algo que, para Melo (2007), começa a fazerse sentir no panorama
da arte em Portugal a partir de 1974. É neste contexto que surgiram os Encontros
Internacionais de Arte, cuja organização estava a cargo do Grupo Alvarez do Porto
e de Jaime Isidoro. Ambicionavase estabelecer a criação de espaços livres de in
tervenção de rua, fomentando o contacto direto entre arte, população e artista.
Foi deste grupo que, em agosto de 1978, surgiu também a 1ª Bienal de Arte de
Vila Nova de Cerveira (5ª edição dos Encontros Internacionais de Arte), visando o
intercâmbio de ideias enquanto impulsionador de transformações e de uma ur
gente mudança económica, social e cultural.
Mas foi o nascimento de um circuito alternativo de exposição nos anos 90,
que se pode mais facilmente identificar a partir da criação da galeria ZDB, em Lis
boa, que veio traduzir uma diferença de posicionamento de artistas e curadores,
que iriam influenciar os anos seguintes. É também a partir daquela data que sur
gem alternativas ao ensino artístico, até então exclusivo – e cristalizado – da Aca
demia: Ar.Co, Aula do Risco, Maumaus, ETIC, entre outras. Os anos 90 marcam
ainda a tomada de decisão por um grupo autoorganizado de artistas – Paulo Car
mona, Pedro Cabral Santo, Tiago Batista e Paulo Mendes, entre outros – de tomar
nas suas próprias mãos as decisões relativas às modalidades de exposição. A co
letiva Set Up, apresentada na Faculdade de Letras de Lisboa, é a primeira instância
desse movimento, que posteriormente marca presença em vários eventos, como
Greenhouse Display, Estufa Fria, 1996; Jetlag, Reitoria da Universidade de Lisboa,
1996; XRated, ZDB, 1997; O Império ContraAtaca, ZDB, 1998; (A)casos (&)mate
riais, CAPC, 1999; Plano XXI, GMac, Glasgow, 2000; Urban Lab – Bienal da Maia,
2001; entre outros. Também em 1995, Alexandre Estrela e Miguel Soares organi
zavam a exposição de finalistas da Faculdade de Belas Artes da Universidade de
Lisboa, Wallmate, como um manifesto contra a própria instituição de ensino, cujas
posições obsoletas e incoerentes eram por eles expostas no catálogo da mesma.
Em 1997 surge a Virose, uma associação cultural sem fins lucrativos, impul
sionada por Miguel Leal, no Porto. É dedicada à arte e às suas contaminações com
a técnica. A Virose é vista como uma organização para a teoria e a prática dos ve
lhos e dos novos media (Virose – arte, teoria, prática), e reúne artistas, programa
dores e arquitetos, entre outros. A sua presença online fazse sentir através de um
20
https://pedroveiga.com/ecossistemaportuguesdemediaartedigital/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA
Neto, Miguel Santos, Miguel Soares, Nuno Correia, Nuno Lacerda, Pedro Alves da
Veiga, Rodrigo Carvalho, Rodrigo Gomes, Rudolfo Quintas, Sara Orsi, Sofia Caetano,
Tatiana Macedo, Tiago Rorke. Desta lista, Ana Gago, Diogo Marques, Miguel Car
valhais, Miguel Neto e Rodrigo Carvalho apresentamse em coletivos com nomes
distintos, como @C (Miguel Carvalhais e Pedro Tudela), WR3AD1NG D1G1TS (Ana
40
Gago e Diogo Marques) e BorisChimp 504 (Miguel Neto e Rodrigo Carvalho).
Grande parte das associações mais antigas gere espaços de encontro com
formatos e dimensões variáveis, muitos deles adequados para o ensino e/ou a
prática artística, e que lhes são frequentemente atribuídos pelas autarquias, em
função do relevo para a comunidade em que se inserem. A grande maioria destas
associações assume o caráter de coletividades de cultura, recreio e desporto
42 (71,9%), verificandose depois a presença minoritária de clubes desportivos
(11,9%), e bandas filarmónicas (4,2%) (Monteiro, 2004; Viegas, 2014). Num estudo
da Informa (2015) constatase que, do total de organizações ativas em junho de
2015, com fundos comunitários concedidos, 13% são associações, que receberam
11% do valor de fundos atribuídos. Apenas 4% do total das associações tiveram
um fundo atribuído. O valor médio do fundo atribuído por associação foi de 1,1
milhões de euros – montante superior ao valor médio por empresa, que rondou
os 731 mil euros. Das associações que receberam fundos, 64% são do tipo cultu
rais/sociais, e foilhes atribuído um valor médio de 677 mil euros. As 53.217 asso
ciações ativas em junho de 2015 representavam 92% das entidades do setor social.
Noutro estudo elaborado em 2013 (Santos, 2013) no território nacional, incidindo
sobre a prática artística, de forma global, pode observarse o seguinte, relativa
mente ao associativismo artístico:
• As atividades lúdicas, desportivas e ligadas à música são as mais frequentes
no seio das associações e é o ensino da música que se destaca no conjunto
das associações com atividades ligadas à formação.
• Há uma elevada percentagem de voluntários, sobretudo de pessoal dirigente.
• Assistese à tomada de protagonismo das estruturas da sociedade civil (ONG)
– a que corresponde uma emergência de novas formas de colaboração e coo
peração, como contraponto ao declínio do associativismo tradicional.
• Há limitações de recursos humanos e financeiros de várias associações lo
cais (reduto da oferta cultural local) na dinamização de atividades culturais,
mas existe uma associação positiva entre as práticas expressivas e os con
sumos culturais.
• Assinalamse diferenças significativas no nível de oferta de ensino artístico
profissionalizante proposto por várias associações reconhecidas (Chapitô,
CEM, NEXART, entre outras) e a oferta de ensino artístico amador por parte
de associações com forte dimensão local, bem como a importância das par
cerias geradas entre associações locais e autarquias na dinamização de prá
ticas artísticas amadoras e, ainda, a importância das iniciativas de
associações locais (por exemplo, O Bando em Palmela ou os TocáRufar no
Seixal), na dinamização de atividades que envolvem a população local.
Cooperativas
Uma outra estrutura colaborativa, distinta da associação, é a cooperativa. A
cooperativa é uma associação de pessoas que é autónoma, sendo voluntária a
congregação dessas pessoas, cujas necessidades e aspirações comuns (sejam elas
económicas, sociais ou culturais) prossegue. A cooperativa é materializada através
44 de uma empresa comum aos seus membros e democraticamente controlada por
eles (Namorado, 2001). Os princípios cooperativos advogados pela Aliança Coo
perativa Internacional24 são sete:
1. adesão voluntária e livre;
2. gestão democrática pelos membros;
3. participação económica dos membros;
4. autonomia e independência;
5. educação, formação e informação;
6. intercooperação e
7. interesse pela comunidade.
O que os hackers e os artistas têm em comum é que são ambos fazedores, tal
como os compositores, arquitetos ou escritores. O movimento conhecido como
Makers deriva de uma tradição presente na maior parte das nossas vidas – o faça
vocêmesmo ou do it yourself (DIY) e, mais recentemente de um conceito com
plementar – o do it with others (DIWO). A essência das ações destes coletivos
consiste na constituição de grupos de amadores e/ou profissionais, com valências 45
nas diferentes áreas ligadas à ciência, design e tecnologia, que se organizam com
o objetivo de se apoiarem mutuamente, para facilitar o desenvolvimento de pro
jetos dos seus membros.
Os Makers identificamse ainda como um movimento organizado, estrutu
rado a partir da máxima recursos mínimos e máxima partilha (de ideias, projetos
e conceções), com vista à eventual rentabilização ou comercialização dos protóti
pos assim concebidos e/ou construídos. De certa forma são comparáveis ao mo
vimento Open Source, embora este se centre em desenvolvimentos imateriais, e
os Makers em vertentes materiais. Este movimento tem a capacidade de desen
cadear um processo equivalente ao que foi a revolução industrial no século 19,
alterando as formas de produção, os modos de consumo e o conceito de proprie
dade através dos ideais que lhe estão subjacentes (Anderson, 2012; Lallement,
2015; Eychenne & Neves, 2013).
Os Makers reúnemse fisicamente em eventos pontuais, como as Makers Fai
res25, e em espaços de convívio quotidiano conhecidos como makerspaces, hac
kerspaces ou FabLabs. As faces visíveis deste movimento em Portugal são o
Movimento Maker26, os Portuguese Makers27 e o MakerSpace28, mas a verdade é
que os Makers também povoam o universo dos FabLabs.
Fablabs
A rede FabLab29 foi fundada no MIT e a sua génese está associada ao sucesso
obtido por um curso pouco convencional chamado How to Make (Almost) Any
thing 30. As aulas foram estruturadas como oficinas experimentais onde os alunos
utilizavam máquinas digitais de fabrico, desenvolvidas no MIT, para a produção
dos mais variados objetos. Os produtos assim obtidos correspondiam a necessi
dades específicas dos seus criadores individuais, não possuindo necessariamente
um qualquer apelo comercial.
Com o tempo, outros centros académicos e grupos de estudantes adotaram
este mesmo método e passaram a partilhar a tecnologia de fabrico, nascendo,
assim, a rede FabLab, que hoje soma mais de 300 laboratórios pelo mundo. Além
25
https://lisbon.makerfaire.com/ [2020/05/21]
26
http://www.movimentomaker.pt/ [2020/05/21]
27
https://www.portuguesemakers.com/ [2020/05/21]
28
http://www.makerspace.pt/ [2020/05/21]
29
Abreviatura de fabrication laboratory.
30
Curso disponível aqui: http://fab.cba.mit.edu/classes/MAS.863/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA
Figura 7: FabLab de OnePoint em Paris. Fonte: Anthony Bressy (CC BYSA 2.0)
Creative Hubs
Os creative hubs são plataformas ou espaços de trabalho para artistas, mú
sicos, designers, realizadores de cinema, programadores de sistemas e aplicações
para dispositivos móveis ou empreendedores de startups, entre outros. Caracte
rizamse por apresentarem organizações únicas e peculiares, diversificadas na es
trutura, setor e serviços: podem tomar forma como cooperativas ou coletivos,
podem ser estáticos, móveis ou online. Um creative hub permite a convivência de
vários criativos, e permite a união que inspira e promove a comunidade.
O projeto European Creative Hubs Network34 (ECHN), cofundado pela Comis
são Europeia, é um projeto em rede, gerido por pares e com a missão de aumentar
o impacto criativo, económico e social dos hubs, através da sua interligação, par
tilha de recursos e melhores práticas, e lobbying visando a implementação de po
líticas e a criação de oportunidades favoráveis à ampliação e consolidação da rede,
numa perspetiva de apoio às ICCs europeias. O ECHN fomenta a troca de expe
riências, de sucessos e de fracassos entre os creative hubbers, e promove fóruns,
workshops e projetos peertopeer.
O Todos35 é um creative hub em Lisboa que alberga uma equipa multidiscipli
nar, empresas de conteúdos e produção de media, que oferecem serviços integra
dos e diferentes pontos de vista criativos. Outro creative hub português, o Centro
de Inovação da Mouraria36, assumese como a única incubadora criativa acreditada
aos Vales de Incubação37, e presta apoio aos serviços de incubação, tais como ges
tão, marketing, assessoria jurídica, desenvolvimento de produtos e serviços e fi
nanciamento, e já incubou projetos de cinema, música, vídeo e design de moda,
32
http://www.fablabsportugal.pt/associados/ [2020/05/21]
33
Palestras proferidas por um artista.
34
http://www.creativehubs.eu [2020/05/21]
35
http://www.todos.pt [2020/05/21]
36
https://madeoflisboa.com/p/spot/centrodeinovacaodamouraria [2020/05/21]
37
https://www.iapmei.pt/PRODUTOSESERVICOS/IncentivosFinanciamento/Sistemasde
Incentivos/IncentivosPortugal2020/ValeIncubacao.aspx [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA
48
ENSINO E INVESTIGAÇÃO
O ensino da MAD
Enzernsberger (1982) afirma que a industrialização da mente começa a partir
da educação, e o sistema educativo tende cada vez mais a assemelharse aos mass
media, repetindo as mesmas fórmulas, distinguindose cada vez mais pela base
tecnológica da oferta educativa, tornandose progressivamente num negócio des
tinado a alimentar negócios: todas as ofertas curriculares se preocupam com o
empreendedorismo, ignorando que muitos indivíduos poderão não ter essa vo
cação, ou até mesmo os meios financeiros para alicerçarem um negócio em nome
próprio.
Este fascínio com o empreendedorismo não será certamente alheio ao fenó
meno das empresas de edição e publicação de investigação científica, ou de orga
nização de congressos e conferências. A verdade é que o ensino produz
mãodeobra especializada, qualificada, destinada a um mercado de trabalho cres
centemente precário e instável. O universo das artes, do ponto de vista de em
prego, é particularmente mais volátil e instável, e o da MAD está (adicionalmente)
em constante mutação.
Mas nem todos os alunos das artes irão ser artistas com carreiras produtivas,
apoiandose a tempo inteiro no trabalho criativo – e isso é normal. Então, os es
tudantes deveriam ter a possibilidade de optar por ensinar, mediar e assessorar
negócios, curar, produzir, rentabilizar, promover, comercializar e entender os as
petos técnicos, filosóficos, sociais e estéticos da médiaarte digital, nas várias com
posições e encontros de todas estas vertentes.
O conceito de escola, no ecossistema, é muito abrangente, e engloba aspetos
formais de ensino (cursos de média ou longa duração, ensino superior de 1º, 2º e
3º ciclos) mas também colóquios, seminários, conferências e workshops, já que o
seu papel é relacionar entre si – e relacionarse com – outros agentes: audiência,
comunidades locais, comunidades artística e científica, sociedade civil, indústria
e empresas.
Os currículos académicos procuram, por um lado, a especialização, enquanto
forma mais rápida de obter resultados específicos, e por isso florescem os ciclos de
ensino de nicho, como forma de encontrar um posicionamento no mercado do en
sino. Por outro lado, em áreas, como a arte, em que a teoria, a prática artística e o
treino técnico se fundem num currículo de desenvolvimento profissional, podem ser
38
https://www.hubcriativobeato.com/pt/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
criados currículos na ótica do referido mercado de trabalho, isto é, que abordem tam
bém o planeamento estratégico, o marketing, a comunicação verbal e capacidades
de apresentação, a gestão financeira, negociação, divulgação e relações públicas.
Também a utilização de metodologias de investigação (como a a/r/cografia,
apresentada mais adiante) pode ser usada para o desenvolvimento das zonas de
fronteira e hibridização, através da sobreposição de papéis (artista/investigador/co 49
municador), e dessa forma enriquecer os currículos académicos.
Um papel crítico da educação formal é o de preparar para a aprendizagem
ao longo da vida, não apenas por acumulação, expansão ou aprofundamento de
conhecimento ou técnica, mas sobretudo pela aprendizagem de novas capacida
des que permitam a adaptação e substituição de conhecimentos prévios, através
de uma postura de questionamento e de reflexão crítica estruturada (Thibodeau,
2007). Importa ainda assegurar à comunidade artística e científica a possibilidade
de evolução académica, nomeadamente através de uma oferta adequada ao nível
do ensino superior.
Apesar de existirem em Portugal licenciaturas com enfoque em multimédia, é,
contudo, nos mestrados e doutoramentos que o panorama nacional é mais rico e
interessante. Vários cursos afloram a área das artes digitais, por vezes de forma par
celar ou secundarizada, frequentemente com uma abrangência discutível, deixando
de fora vários aspetos relevantes, quer na ótica generalista, quer na especialista.
Compreensivelmente, tratandose de uma área relativamente nova, na con
fluência de outras áreas potencialmente já existentes nas várias Universidade (artes
visuais, engenharia, eletrónica, informática, filosofia, comunicação, entre outras),
é frequentemente abordada de forma segmentada, em virtude da sua frequente
divisão entre Departamentos ou Faculdades (que não é o mesmo que uma visão
conjunta, consonante e direcionada). Contudo, estão neste momento já ativas as
primeiras gerações de artistas e investigadores doutorados na área, que poderão
vir a fazer parte do próprio sistema de ensino, com conhecimento direto e na pri
meira pessoa, de muito do que é importante transmitir a futuros estudantes.
Doutoramentos
• Doutoramento em Média Arte Digital39 – Universidade Aberta e Universi
dade do Algarve
• Doutoramento em Media Digitais40 – Universidade do Texas em Austin, Uni
versidade Nova de Lisboa e Universidade do Porto
• Doutoramento em Estudos Artísticos – Arte e Mediações41 – Universidade
Nova de Lisboa
39
http://www2.uab.pt/guiainformativo/detailcursos.php?curso=65 [2020/05/21]
40
https://www.fct.unl.pt/ensino/curso/doutoramentoemmediadigitais [2020/05/21]
41
https://www.fcsh.unl.pt/cursos/doutoramento_em_estudos_artisticos/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA
Mestrados
• Mestrado em Multimédia46 – Universidade do Porto
• Mestrado em Audiovisual e Multimédia47 – Escola Superior de Comunicação
Social – IPL
• Mestrado em Humanidades Digitais48 – Universidade do Minho
• Mestrado em Tecnologia e Arte Digital49 – Universidade do Minho
• Mestrado em Gestão de Indústrias Criativas50 – Universidade Católica, Porto
Pósgraduações
Vários doutoramentos e mestrados concedem pósgraduações após a con
clusão da parte curricular (primeiro ano).
DigiMedia55
Universidade de Aveiro
DigiMedia – Digital Media and Interaction, é um centro interdisciplinar da
Universidade de Aveiro que se dedica à investigação de novas abordagens de in
teração para aplicações de média digitais centradas no ser humano. O centro
reúne investigadores séniores das áreas de Ciências da Comunicação e Tecnolo
gias, Sociologia, Filosofia e Ciência da Computação, agrupados em seis grupos de
investigação.
O grupo de Cibercultura é responsável pela coordenação e dinamização do
Observatório de Média Digital, e está orientado para a investigação nos campos
da experiência cognitiva, envolvimento emocional, práticas de cidadania, relações
intergeracionais familiares, dialéctica entre cultura de software e modelação social
da tecnologia, interseções entre diferentes sistemas de media, cultura e tempo
de ecrã, e paradoxos da sociedade contemporânea.
O grupo ITV Social desenvolve as suas atividades no campo da TV e dos con
teúdos interativos, estudando o novo ecossistema televisivo, incluindo a integra
ção de características sociais nesse ecossistema, o desenvolvimento de soluções
multiplataforma e a conceptualização, desenvolvimento e avaliação da usabilidade
e experiência do utilizador de serviços.
O grupo das Tecnologias Avançadas desenvolve investigação baseada em tec
nologias digitais, computação física e outras tecnologias emergentes (como IoT),
aplicadas em diferentes contextos de interação centrada no ser humano.
O grupo Esaúde e Bemestar desenvolve investigação que conduz a soluções
inovadoras de média digitais para melhorar a saúde, o bemestar, a qualidade de
55
http://digimedia.web.ua.pt/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
engageLab56
Universidade do Minho
O engageLab é um laboratório posicionado na interseção das artes e tecno
logia, e estabelecido por investigadores de dois centros de investigação da Uni
versidade do Minho: o Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade e o Centro
Algoritmi.
O engageLab pretende ser um espaço de convergência de diferentes campos
e públicos, conduzindo a interseção de diferentes idiomas, integrando investiga
dores de vários campos que contribuam para imaginar, investigar, projetar e im
plementar a próxima geração de sistemas de interação homemcomputador,
combinando a funcionalidade com a estética da experiência, aplicada a um amplo
conjunto de novas e idealmente inspiradoras atividades humanas.
UPTEC58
O UPTEC – Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto é a es
trutura basilar de apoio à transferência de conhecimento entre a universidade e
o mercado, constituindose como um Parque de Ciência e Tecnologia, criado para
assegurar a valorização económica e social do conhecimento gerado, promovendo
a criação de empresas de base tecnológica, científica e criativa e atraindo centros
de inovação de empresas nacionais e internacionais.
A sua organização por Centros – Mar, Baixa, Asprela I e Asprela II – permite
seguir uma estratégia de cluster e partilha de recursos entre startups, centros de
inovação e projetos âncora.
Em 2010, o UPTEC abriu o seu Polo das Indústrias Criativas (UPTEC PINC) para
acolher e apoiar empresas que atuem, fundamentalmente, em áreas como o de
sign, audiovisual, comunicação, arquitetura, artes visuais, artes performativas e
edição. O UPTEC PINC passou a designarse UPTEC Baixa, e é o espaço de atração
e encontro entre pessoas que procuram experimentar, desenvolver e explorar a
sua criatividade a nível empresarial. O polo acolhe atualmente múltiplos projetos,
apoiandose no conhecimento e competências da Universidade do Porto e res
tantes clusters do UPTEC, contribuindo para o desenvolvimento de um verdadeiro
ecossistema criativo, em permanente articulação com as mais diversas áreas de
conhecimento e de negócio.
58
https://uptec.up.pt/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
PUBLICAÇÕES
Um dos temas mais polémicos da atualidade é a forma como o mercado das
publicações científicas está estruturado, e já muito foi escrito sobre este assunto59.
Existe uma pressão ilógica e eticamente questionável para que a investigação cien
tífica financiada pelos Estados seja cedida de forma gratuita a algumas empresas.
57
Essas empresas recebem os conteúdos a título gratuito (algumas inclusivamente
exigem pagamentos aos autores), seguidamente pedem a outros investigadores
e docentes que revejam e atestem a qualidade daqueles conteúdos, e depois co
bram valores, frequentemente exorbitantes, pelo acesso a essa mesma informa
ção. A perfídia reside, sobretudo, na forma como os modelos de avaliação de
desempenho dos centros de investigação, apoiados pelo Estado, se suportam jus
tamente na quantidade de artigos publicados, pelos investigadores dos vários cen
tros e universidades, através dessas empresas. Em alternativa existe o modelo
Open Access (acesso aberto), no qual Portugal se destaca60 no panorama interna
cional. Por opção assumida do autor, é apenas dentro deste modelo que se refe
rem os repositórios científicos portugueses mais significativos. É ainda de salientar
que, devido à natureza transdisciplinar da MAD, existam publicações relevantes
sob a temática das Artes e Humanidades, das Ciências Sociais, da Engenharia In
formática, da Comunicação e dos Média, apenas para referir as mais usadas em
Portugal.
• SARC – Serviço de Alojamento de Revistas Científicas61
• RCAAP – Repositórios Científicos de Acesso Aberto de Portugal62
• SciELO – Scientific Electronic Library Online63
• RepositoriUM64
59
Vejase este artigo de Tim Crane, por exemplo: https://www.thetls.co.uk/articles/public/peerre
viewindustryimplausibleoutrageous/ [2020/05/21]
60
https://er.educause.edu/articles/2013/5/upandawayopenaccessinportugal [2020/05/21]
61
https://revistas.rcaap.pt/ [2020/05/21]
62
https://www.rcaap.pt/ [2020/05/21]
63
http://www.scielo.mec.pt/ [2020/05/21]
64
https://repositorium.sdum.uminho.pt/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA
dro, bem como dos Princípios Gerais da Posição de Portugal, divulgados pelo Go
verno68, surgindo apenas referências secundarizadas à Cultura nos eixos 6 (Redes
e Mercados Externos, que endereça a competitividade externa dos espaços urba
nos do litoral e interior) e 7 (Competitividade e Coesão dos Territórios de Baixa
Densidade, que endereça a rentabilização das zonas rurais envolventes das cidades
60 de média dimensão através da exploração de recursos endógenos).
Portugal #EntraEmCena
A plataforma Portugal #EntraEmCena69 foi lançada no final do mês de março
de 2020, durante o surto de Covid19, procurando estabelecerse como uma ponte
entre instituições e artistas, na qual empresas, entidades públicas e privadas lan
çam projetos com orçamentos específicos aos quais os artistas podem candida
tarse. Apesar de contar com um número elevado de registos de artistas (mais de
2400) e cerca de trinta empresas e instituições, contando com nomes como a Fun
dação Calouste Gulbenkian, o Centro Cultural de Belém, a Fundação EDP, para
além dos principais bancos, seguradoras, empresas de telecomunicações e outras
empresas de referência, o número de desafios (nome usado na plataforma para
os projetos lançados pelas instituições) é substancialmente reduzido, por contraste
com as ideias (designação dada às propostas dos artistas)70.
A plataforma não assume ainda qualquer papel nas contratualizações, facili
tando apenas de contacto entre partes interessadas. O projeto foi desenvolvido
pela empresa Outsystems e contou com o apoio do Estado Português, através do
Ministério da Cultura.
Programa Erasmus+76
Este programa permite financiar projetos de colaboração que ajudam as or
ganizações a melhorar a sua oferta educativa/formativa, e/ou a estudar e desen
volver questões comuns, partilhando práticas e soluções inovadoras entre
parceiros.
O Erasmus+ é composto por 3 ações chave:
• KA1 – Mobilidade Individual para Fins de Aprendizagem, oferecendo opor
tunidades aos indivíduos para que, enquadrados pelas instituições subven
cionadas, possam melhorar as suas competências, melhorar a sua
empregabilidade e ganhar consciência cultural.
• KA2 – Cooperação para a Inovação e Boas Práticas, para que as organizações
possam trabalhar em conjunto, a fim de melhorar a oferta para os alunos
e partilhar práticas inovadoras.
• KA3 – Apoio às Reformas das Políticas, abrangendo qualquer tipo de ativi
dade cujo objetivo seja apoiar e facilitar a modernização dos sistemas de
educação e formação.
Crowdfunding
O modelo de crowdfunding afirmase cada vez mais como uma tendência
para os artistas, dado que está aberto a indivíduos. Ao criar uma campanha de
crowdfunding, abremse as possibilidades de contar com a contribuição do público
que aprecia o artista, trabalho ou conceito, e deseja apoiar a sua concretização,
podendo optar por manifestar esse apoio através de montantes pequenos ou ele
vados, a que corresponderá sempre um reconhecimento por parte do artista,
desde a inclusão do nome dos apoiantes num site ou livro, uma reprodução de
determinada obra, eventualmente assinada pelo artista, ou tratamento VIP em
eventos relacionados, entre muitos outros modelos de reconhecimento.
A atividade nacional passou a ter enquadramento no regime jurídico do fi
nanciamento colaborativo, Lei N.º 102/2015 – Diário da República N.º 164/2015,
Série I de 2015082480. A lei abrange os vários tipos de plataformas: donativos,
recompensas, empréstimos e investimento em capital social. Define também obri
gações para as pessoas que contribuem e para os projetos que procuram finan
ciamento.
A plataforma mais popular em Portugal (em virtude do número de projetos
e montante angariado) é a PPL Crowdfunding Portugal81, que já angariou mais de
4 milhões de euros em mais de 1100 campanhas, com uma taxa de sucesso dos
projetos na ordem de 44%. As plataformas internacionais mais populares são In
diegogo e Kickstarter.
80
https://dre.pt/application/file/70084426 [2020/05/21]
81
https://ppl.pt/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA
FESTIVAIS
Foi levada a cabo uma pesquisa sobre os festivais que se realizam em Portu
gal, e cuja temática incida, não necessariamente de forma exclusiva, sobre a MAD
ou em que a MAD surge com destaque ou autonomia.
Muitos dos festivais realizados em Portugal capitalizam na crescente visibili
64
dade internacional que Portugal, Lisboa e Porto estão a ganhar, embora outros
não ultrapassem o ambiente geográfico em que operam, mas quase todos bran
dem a bandeira do turismo, quase todos envolvem uma seleção internacional de
artistas – mesmo os que tratam de temas locais – e vários deles já alcançaram
projeção nos media internacionais.
Foram identificados os seguintes festivais, cuja temática inclui a MAD, quer
como foco principal de interesse, quer como foco secundário, mas, ainda assim,
relevante. Junto à designação do festival assinalase ainda o ano da sua mais re
cente realização, à data da escrita deste livro, não se realizando as edições de 2020
devido à pandemia do Covid19.
Figura 9: Exterior da Igreja de Santa Maria da Alcáçova, MontemoroVelho, durante o Festival Forte.
Fonte: Gener8ter (CC BYSA 4.0)
histórico, mas também à natureza, como é o caso do jardim, onde a arte genera
tiva e algorítmica – em particular, sistemas biotecnológicos e autómatos celulares
– se instala, com se fosse mais um elemento da paisagem viva.
As Forte Talks, com artistas convidados, próximos à ideologia da organização
de partilha de conhecimento e criação de redes colaborativas, foram também uma
forma de aproximar o festival da Academia (Universidade de Coimbra, Faculdade 67
de Belas Artes da Universidade de Lisboa, Universidade do Porto), e prevêse a
sua continuidade. O design do palco permite que a transparência faça o enqua
dramento dentro das paredes do castelo, onde são montadas grandes telas para
o suporte visual dos espetáculos. O resto do espaço também é usado como uma
instalação audiovisual, como é o caso da Igreja de Santa Maria da Alcáçova. O Fes
tival cativa cerca de 5.000 pessoas por dia, num total de três dias, e o público é
maioritariamente estrangeiro (cerca de 70%), proveniente sobretudo de Espanha,
França, Reino Unido, Alemanha e Austrália.
Para os organizadores, a exclusividade da programação, aliada à experiência
audiovisual integrada no património arquitetónico, são os fatores principais que
colocam o Festival Forte nas agendas internacionais. Os cuidados na organização
ultrapassam a curadoria, e incluem a implementação das medidas no âmbito do
Sêlo Verde, do Ministério do Ambiente, que passam pela utilização de bilhetes
eletrónicos, reutilização de copos, a nãoutilização de papel na divulgação do Fes
tival e a existência de casas de banho ecológicas.
68
Festival IN89 (2015)
O Festival IN – Inovação & Criatividade – foi um evento que agregou as mais
recentes tendências da economia criativa, pretendia ser o maior evento agregador
de inovação e criatividade realizado na Península Ibérica e assumiase como uma
plataforma de promoção da inovação e criatividade das Indústrias Culturais e Cria
tivas (ICCs). Organizado pela Fundação AIP e apoiado pelo Fundo Europeu de De
senvolvimento Regional (FEDER), através do PORLisboa, o Festival IN suportouse
uma candidatura aprovada de cerca de 3,5M€ dos quais 40% foram financiados
pelo PORLisboa.
O ambiente criado pelo Festival IN constituiu uma alavanca para a economia
das ICCs, quer na sua dinâmica de interação com investidores e potenciadores va
riados – públicos, privados e do ensino – quer no reforço de internacionalização
da fileira criativa portuguesa. Uma conferência sobre propriedade intelectual, uma
feira de arte contemporânea ou uma demonstração de robôs da Lego, foram al
gumas das realizações do festival.
A segunda e, até ao momento, última edição do Festival IN realizouse na
Feira Internacional de Lisboa, entre 23 e 26 de abril de 2015, e teve como conceito
estruturante a Network Society. Nessa edição pretendeuse cruzar temas interre
lacionados, como: redes empresariais, inovação, cidades criativas, negócio e cul
tura, criatividade e desenvolvimento. O festival visava acrescentar valor e construir
situações reais e virtuais de entrada em redes já existentes e de elevado potencial,
criando, para esse efeito, um ambiente singular de inovação intersectorial (cross
innovation), contagiante e pleno de estímulos.
No plano das ICCs o festival tinha como objetivo central ligar as artes em rede,
sublinhando combinações organizacionais dinamizadoras da eficiência coletiva e
que reforçassem a internacionalização dos diferentes agentes nacionais, fossem
estes criadores, empresas, instituições ou marcas. A um nível mais macro, visando
a economia e sociedade portuguesas, o Festival IN tinha como objetivo central
propagar uma cultura de inovação e criatividade, incentivando a diferenciação e
a competitividade da economia nacional através da criação de valor e geração de
riqueza. A última edição do festival esteve dividida por quatro pavilhões, sendo
que o tema comum foi o empreendedorismo, traduzindose pelo apoio a empre
sas na comunicação interna ou externa, pelos espaços de coworking, pelo desen
volvimento de pequenas empresas ou através da sustentabilidade.
89
https://fundacaoaip.pt/festival/ [2020/06/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
No primeiro pavilhão, Cidade das Redes & Pessoas, estiveram presentes redes
nacionais e internacionais ligadas às ICCs, e diversas manifestações associativas e
organizativas do setor cultural, bem como apoios públicos e privados, business
angels, capital de risco e crowdfinance. Este espaço pretendia funcionar como ala
vanca do empreendedorismo através de aceleradores de negócio, espaços de co
work, FabLabs, incubadoras e startups. 69
No segundo pavilhão encontravase a Cidade do Marketing & Comunicação,
um espaço de estudos de caso de comunicação, marketing e de sucesso na inter
nacionalização, incluindo projetos de gaming. Esta Cidade, onde se encontravam
os agentes provenientes de setores de design, marketing digital, media, multimé
dia, publicidade e social media, incluiu também instituições de ensino técnico e
superior ligadas à comunicação e marketing, e os organismos de apoio à interna
cionalização.
Na Cidade da Inovação & Produtividade, no terceiro pavilhão, encontravam
se empresas de tecnologias de informação e comunicação, instituições de ensino
técnico e superior na área tecnológica, projetos e soluções tecnológicas de van
guarda, telecomunicações e unidades de I&D.
Na Cidade dos Produtos & Serviços, no quarto pavilhão, estavam localizadas
empresas, empreendedores e profissionais com produtos e serviços inovadores,
com especial enfoque em estudos de caso de atividades criativas emergentes,
transdisciplinares, de vanguarda, e de crossinnovation, mas também espaços de
agentes musicais, castings, jovens criativos e novos talentos.
O Festival IN ia ao encontro das mais recentes tendências da economia cria
tiva, apresentandose como uma plataforma de inclusão, capacitação e promoção
das ICCs e da sua interação com investidores, organismos públicos e privados ou
instituições de ensino técnico e superior. Da sua vasta programação destacavam
se diversos espaços temáticos, conferências, workshops, concertos, espetáculos,
performances e ações de dinamização do empreendedorismo, relativos aos dezas
seis setores representados no Festival: Artes Visuais, Artes Performativas, Arquite
tura, Arts & Crafts, Cinema e Vídeo, Património, TV e Rádio, Design, Videojogos,
Música, Edição e Criação Literária, Multimédia, TIC’s, Telecoms, Publicidade e I&D.
FuturePlaces91 (2017)
FuturePlaces é um evento que decorre na cidade do Porto desde 2008. Em
2013 adotou a designação de medialab for citizenship em detrimento da designa
ção de festival, distanciandose, assim, deste conceito e aproximandose do con
ceito de laboratório onde se acomodam outras iniciativas, sob a mesma marca,
ocorrendo ao longo de todo o ano. Com comissariado de Heitor Alvelos, Future
Places tem abordado a dinâmica entre os novos média e o tecido sociocultural, e
mantémse atento às possibilidades de entrosamento fértil entre os cidadãos e
os média, com foco nas ligações à cultura, sociedade, ciência e tecnologia.
O evento convida a pensar, falar e agir – no presente – sobre formas parti
lhadas de imaginar o futuro, num processo reconciliador com o passado. O evento
surge de uma parceria entre a Universidade do Porto e a Universidade do Texas
em Austin, ao abrigo do programa UT AustinPortugal, financiado pela Fundação
para a Ciência e Tecnologia, e assenta na cooperação de várias instituições nacio
nais, envolvendo um diálogo multidisciplinar entre estudantes e investigadores
91
http://futureplaces.org [2020/06/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
73
Figura 11: Rádio Manobras Futuras, um dos spinoffs do FuturePlaces. Fonte: FuturePlaces.
públicos, privados e devolutos, nos jardins, logradouros e praças, pelo casario anó
nimo do centro histórico, em habitações, lojas e fábricas, que vão receber uma
vasta e ambiciosa programação. Mais do que fornecer entretenimento sem con
teúdo ou significado, o festival procura estimular, em cada espetador, uma visão
contemporânea da vida e das suas complexas interseções.
A dimensão experimental deste acontecimento cultural obriga ao confronto 75
entre o passado – representado pelas ruas, praças, edifícios e espaços – o presente
– momento em que decorre a ação – e o futuro – as infinitas possibilidades abertas
de tudo a que assistimos. É também a ideia individual e coletiva de cidade, o res
peito pela diferença e o intercâmbio das mais diversas vivências que nos motivam
e entusiasmam neste acontecimento cultural.
Em paralelo com toda a programação artística, decorrem mercados como
Indo Eu, dedicado às trocas diretas, e o Mercado de Proximidade, para produtos
biológicos e artesanais. Há ainda diversas popup stores, dedicadas à edição, e
ainda um mercado de Sons e Letras. Como também já é tradição, ainda fazem
parte da programação algumas dezenas de oficinas artísticas, com mais de três
mil vagas, para todas as idades.
LUMINA96 (2018)
O LUMINA é um evento que recria o espaço urbano da vila de Cascais, através
da exibição de cerca de 20 obras num percurso pelas ruas de Cascais, com espe
táculos e performances de luz e cor, projeções multimédia e instalações interati
vas. Sob o mote da inclusão e interação, o LUMINA já contou com obras
participativas – criadas a partir de workshops com a colaboração da comunidade
local – e interativas, onde os visitantes são chamados a fazer parte da própria
obra. Paralelamente às demonstrações, existem por vezes workshops, conferên
cias e um concurso de fotografia.
É um evento de entrada livre, visitado anualmente por mais de 400 mil pes
soas, e contou, em 2018, com 18 instalações oriundas de vários países como Por
tugal, França, Holanda, Itália ou Japão. Todos eles aceitaram o desafio de criar
obras de luz, que homenageiam as cores e formas, o tema de 2018.
O Festival, considerado em 2014 pelo The Guardian um dos 10 melhores Fes
tivais de Luz da Europa97, realça o património histórico através de um percurso ur
bano, cobrindo espaços como a Baía de Cascais, o Centro Cultural, o Museu do
Mar, a Casa das Histórias Paula Rego ou o jardim da Igreja Paroquial. Cada ano as
instalações são distribuídas ao longo de um percurso distinto, prédefinido, que
os visitantes são encorajados a seguir, e ao longo do qual se encontra uma varie
dade de comércio de rua, roulottes de streetfood, pontos de venda de artigos de
96
https://www.lumina.pt [2020/06/24]
97
https://www.theguardian.com/travel/2014/sep/02/speuropetop10lightartshows [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA
marca, dando ao evento uma clara matriz comercial, de atração de turismo ex
terno, que quase o desvirtua.
Como curiosidade, e revelando o entrosamento com o comércio local, em
2015 foi lançado um gelado luminoso, de limão, pela gelataria Santini, apenas dis
ponível durante o festival Lumina. Parte integrante de uma rede internacional de
76 Festivais de Luz, este evento foi criado e produzido pelo atelier OCUBO98 – com
direção artística de Nuno Maya e Carole Purnelle, referências nas áreas de video
mapping e projeções interativas, com projetos internacionais. Ao longo dos anos,
o festival de luz recebeu 1,5 milhões de visitantes, mais de 150 instalações artís
ticas de luz criadas por 122 artistas.
Figura 12: Magical Garden, instalação de Kari Kola durante o Festival Lumina de 2016.
Fonte: Bosc d’Anjou (CC BY 2.0).
Em 2019 foi anunciada99 a intenção da Câmara de Cascais de não lhe dar con
tinuidade, confirmada posteriormente no próprio site do evento.
zeit/Suchy, Frank Bretshneider, Hecker, Tina Frank, Colectivo +0, Emi Maeda, Pho
nophani, Alog, Ran Slavin, Boiar, Hugo Olim, Carlos Caires e NNY.
PLUNC103 (2016)
PLUNC – Festival de Artes Digitais e Novos Media – é um festival internacional
de Artes Digitais e Novos Media que decorre em ambas as margens do rio Tejo,
nas zonas ribeirinhas das cidades de Lisboa e Almada, nomeadamente no eixo
Cais do Sodré – Cacilhas. PLUNC é uma onomatopeia, uma pedrada nas águas do
Tejo. Assim é também visualização, audição, medição do seu impacto, da sua dis
sipação para ambas as margens, e dos mais inesperados e experimentais salpicos.
O PLUNC apresenta, aos mais variados públicos, projetos e obras que fundem
e cruzam Arte, Ciência e Tecnologia (ACT), através de exposições, workshops, talks
e mesas redondas. Os organizadores desejam criar um espaço informal de perma
nente diálogo e interação entre os criadores, os seus trabalhos e o público. São uti
lizados espaços ocasionais, por vezes alugados para o efeito, variando de edição para
edição, contrastando esses espaços inusitados com os espaços formais da Academia.
O PLUNC é organizado pela associação do mesmo nome, PLUNC – Associação
Cultural, criada dentro do estatuto das associações culturais e recreativas, e dedi
cada principalmente à organização do festival. A organização e programação/cu
radoria são da responsabilidade de quatro elementos: Carlos Ramos, Rita Sá,
102
https://www.ulusofona.pt/agenda/overandout2019 [2020/06/24]
103
http://www.plunc.pt [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
Semibreve106 (2020)
O Semibreve é organizado pela cooperativa artística AUAUFEIOMAU, com o
apoio da Câmara Municipal de Braga. Afirmouse como um evento incontornável
no panorama da música eletrónica nacional e internacional, proporcionando es
petáculos de alguns dos artistas mais relevantes da atualidade no domínio da mú
sica eletrónica.
Contribui ainda para a divulgação de produção científica no campo das artes
digitais, produzida por instituições de referência, tais como a Universidade do
Minho, Universidade do Porto, Universidade Católica, Fundação Bienal de Cerveira
e Digitópia/Casa da Música. A fusão inesperada entre a formalidade e a imponên
cia do Theatro Circo, o vanguardismo artístico do espaço GNRation, e a alta afluên
cia de público, levaram a publicação inglesa Dazed and Confused a incluir o Festival
Semibreve na lista dos 26 festivais mais irreais do mundo107.
O festival utiliza o modelo de bilheteira para os concertos e eventos principais
e a curadoria é feita pela equipa interna, através de convite direto, em função de
critérios estéticos e técnicos, da relação entre som e imagem, da interação com o
público, do impacto mediático e reputação artística. O cartaz procura ser equili
brado e interessante, para atrair um público já especializado e conhecedor, com
binando nomes consagrados com artistas emergentes e/ou até mesmo
desconhecidos.
A equipa residente é pequena, mas conta com reforço temporário – num ho
rizonte que pode ir até 6 meses – que inclui um designer, um publicrelations (PR)
no Reino Unido e dois em Portugal, dois runners, dois assistentes de produção
105
https://www.fct.unl.pt/noticias/2019/10/rebooteonovofestivalemartesdigitaisenovosmedia
[2020/06/24]
106
http://www.festivalsemibreve.com [2020/06/24]
107
http://www.dazeddigital.com/artsandculture/article/16060/1/thedazedoffestivals [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA
83
UnPlace113 (2014)
O projeto UnPlace – Um Museu sem Lugar: Museografia Intangível e Exposi
ções Virtuais, mais do que um festival, propunhase discutir o conceito de museo
grafia intangível, no campo das exposições de arte contemporânea,
especificamente produzidas para contextos virtuais e em rede.
Embora vários autores tenham proposto uma reflexão teórica sobre os novos
paradigmas conceptuais subjacentes à emergência dos museus virtuais, no plano
da arquitetura de museus e da museografia, a concretização prática tem privile
giado a replicação de estereótipos tradicionais, relegando a experimentação de
novas soluções para situações episódicas. Numa época em que se assiste a uma
crescente valorização do património imaterial e, simultaneamente, ao desenvol
vimento de várias práticas artísticas baseadas em processos digitais em rede, im
porta investigar novos paradigmas arquitetónicos e expositivos. Neste contexto,
o projeto de investigação UnPlace pretendia, em primeiro lugar, compreender os
motivos para a persistência das referências materiais nas manifestações contem
porâneas de uma museografia virtual. Num segundo momento, procuravase ana
lisar propostas inovadoras de superação destas referências convencionais e da
113
https://arquivo.pt/noFrame/replay/20170301141243/http://unplace.org/ [2020/06/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
CIDADES CRIATIVAS
Braga Media Arts
No início de 2018 Braga tornouse Cidade Criativa UNESCO, no domínio das
Media Arts115, resultado de uma candidatura destacando as atividades e polos
criativos que cruzam arte, ciência, educação, tecnologia e investigação em planos
114
https://arquivo.pt/noFrame/replay/20170301142000/http://unplace.org/sites/default/files/un
place_catalogo_pt.pdf [2020/06/21]
115
http://www.bragamediaarts.com/pt/ [2020/06/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA
92
Figura 14: A instalação Tuumo, de Rot8ion. Fonte: Rot8ion (CC BYSA 4.0)
Figura 15: A instalação Alchimia119, através de um mecanismo de deteção facial do observador, capta
a sua face (visível no canto superior esquerdo) e misturaa com outras faces através de um algo
ritmo generativo, usando uma biblioteca de imagens de rostos com diferentes idades, etnias e géne
ros. A intenção da obra é de provocar um questionamento sobre a identidade e a relação com o
outro (se eu fosse outro/a). Fonte: autor.
119
https://pedroveiga.com/category/art/artegerativa/alchimia/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA
COMUNICAÇÃO
Sob este prisma, a comunicação pode ser entendida como um conceito bidi
recional mais abrangente do que o ensino/aprendizagem e uma generalização
adequada ao tempo e contextos presentes. No passado nem sempre era possível
estabelecer uma comunicação direta entre artistas e público, principalmente de
vido a limitações na literacia e no acesso à cultura e suas infraestruturas, mas
atualmente tudo se alterou: a comunicação direta entre artistas e público através
de redes sociais ou eventos culturais não só já não é limitativa, como se tornou
preponderante na esociedade. Este raciocínio é ainda apoiado por três observa
ções já ancoradas na nossa cultura:
1. A comunicação é uma parte natural, não apenas dos processos criativos
na arte, mas também da própria arte (Beyer, 1996). Para Dewey, a arte é o
«modo de comunicação mais eficaz que existe», «a forma mais universal
e mais livre de comunicação» e «a comunicação na sua forma pura e ima
culada» (Dewey, 1934).
2. O objetivo da investigação é produzir conhecimento, e sua disseminação
é alcançada através da comunicação. Isto é especialmente verdadeiro para
a investigação baseada em artes, porquanto
ocorrem para além do âmbito da educação, como por exemplo, aqueles que conec
tam os artistas a audiências, curadores, outros artistas e investigadores.
Proponho, assim, que se assuma a A/R/COGRAFIA – A(rt) + R(esearch) +
Co(mmunication) + Graphy = Arte + Investigação + Comunicação + Escrita – como
uma extensão ou ampliação adequada da a/r/tografia, assumindo a complexidade
e liberdade dos seus praticantes, e até mesmo sugerindo que este tipo investiga 97
ção deva, efetivamente, ser considerado como investigação baseada em artes e
comunicação.
O ARCO
A criatividade subjacente à designação a/r/tografia é evidente no uso da sigla
para indicar a estreita relação com as artes, e a proposta a/r/cografia poderia ficar
aquém do brilhantismo da sua precedente, não fosse o facto do arco constituir
uma metáfora adequada para a nãolinearidade associada à família de metodolo
gias ABR.
Ao contrário do flâneur de Baudelaire e Benjamin, que parte numa jornada
de descoberta sem rota ou objetivo fixos, o a/r/cógrafo usa o arco para unir in
tencionalmente os pontos de partida e chegada, mas permitindo desvios excên
tricos e a exploração da periferia, muito em linha com o que acontece com a
criação artística e a experimentação.
O exercício tornase mais relevante ainda numa época em que a linha reta é
a metáfora preferida para o caminho mais curto, mais eficiente, mais rápido, mais
barato –qualificativos pouco recomendados ou sequer indicados para as artes e
humanidades.
O arco é, portanto, um protocolo, «um modus operandi, um caminho para
dentro, através e com (...) como uma atração para sentir, fazer, conhecer e contar»
(Cutcher & Irwin, 2018). O arco também permite que o a/r/cógrafo regresse ao
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
Figura 16: Acima, o arco azul conecta os pontos de partida (D) e de chegada (A), através dos pontos
intermédios de exploração. Abaixo, retornando ao ponto de partida por uma rota diferente (laranja)
e incorporando mais pontos de exploração ao longo do caminho. Fonte: autor.
Figura 17: Convergência, ilustrada por uma espiral de Fibonacci desenhada com arcos. Fonte: autor.
PEDRO ALVES DA VEIGA
Figura 18: Divergência aparente, ilustrada por famílias de biarcos, ligando os pontos A e B.
Fonte: Wikimedia commons.
ETAPAS DA A/R/COGRAFIA
Inspiração
A inspiração é um conceito vago e difuso, referido por vezes como uma forma
de iluminação religiosa, de discernimento artístico, de intuição cientificamente in
fluenciada (Gotz, 1998) ou até como uma abstração caracterizada por evocação,
motivação e transcendência (Thrash & Elliot, 2003).
Na a/r/cografia a inspiração surge como o primeiro passo, o que pode parecer
um pouco paradoxal num modelo rizomático e nãolinear, mas que, como vere
mos, pode ser o resultado de outros conjuntos de atividades. Contudo, a inspira
ção poderá não ser sempre consciente e identificável no processo de criação
artística, e não será surpresa que apenas em retrospetiva o artista/investigador
possa cabalmente identificála.
A inspiração por detrás de um projeto de a/r/cografia pode, assim, não ser
totalmente evidente desde o início e precisar de tempo para se instalar, desen
volver e manifestarse completamente, e pode até ser afetada pelas etapas se
guintes. A inspiração funciona como uma semente, inicialmente adormecida, à
espera das condições certas para despertar, germinar e crescer. Ela pode não re
sultar de uma única fonte ou semente, sendo nesse caso necessário que outras
sementes ou circunstâncias a acompanhem e, portanto, pode encontrarse sujeita
a evolução e transformação.
Gatilho
Todos os projetos artísticos têm um gatilho, um evento interno (de uma pers
pectiva neuropsicológica), externo (suscitado por estímulos externos) ou uma
combinação de ambos. Para ilustrar a origem interna, atentese na afirmação de
Donaldson, citado por Ward (2001: 350,353): «Assim que as duas ideias se junta
ram, o meu cérebro incendiouse... eu passei os três meses seguintes febrilmente
tomando notas, desenhando mapas, idealizando personagens, estudando as suas
implicações».
PEDRO ALVES DA VEIGA
Intenção
Um círculo preto sobre um fundo branco pode ser uma representação da lua,
de uma bola de bilhar ou a secção de um cilindro. O que ele realmente é depende
apenas da intenção do artista.
103
Conceptualização
Quando a intenção se torna clara, o a/r/cógrafo pode reivindicar um conceito,
formular uma hipótese de investigação, uma visão de onde a intenção conduzirá,
um protótipo conceptual do trabalho finalizado. Para ajudar a manifestar o con
ceito, o a/r/cógrafo reunirá diferentes fontes de inspiração e tratará de as corre
lacionar através de investigação e experimentação.
É importante ressaltar que, devido à natureza iterativa e generativa da a/r/co
grafia, o conceito só irá aparecer na sua forma final após investigação, experimen
tação e filtragem, um processo durante o qual o a/r/cógrafo irá descartar
determinados resultados (eventualmente mantendo parte deles como potencial
inspiração para outros trabalhos), validar a viabilidade do projeto, chegando assim
a uma formulação escrita inicial do conceito: a hipótese de investigação ou hipó
tese artística.
Uma conclusão possível para este estágio é a de que o conceito não está su
ficientemente amadurecido ou não é viável, e neste caso a inspiração retornará à
sua latência, esperando por um gatilho transformador num momento ulterior.
Prototipagem
Assim que o conceito assuma uma redação inicial, o a/r/cógrafo mergulha
num primeiro ciclo de processos interligados e mutuamente influenciáveis, con
sistindo em desenho (design), execução e avaliação – que designaremos por pro
totipagem. Esta etapa é desenvolvida principalmente através de investigação,
experimentação e interpretação fenomenológica hermenêutica, e os seus subpro
cessos interligados são:
1. Investigação
2. Experimentação
3. Reverberação
4. Filtragem
Teste
Após a prototipagem, o a/r/cógrafo atinge um momento em que se sente
preparado para partilhar o seu trabalho e recolher informações de fontes externas,
embora controladas e limitadas: amigos, familiares, colegas da academia e do
mundo da arte. Esta fase é semelhante à anterior, de prototipagem, exceto no que
toca ao nível de preparação do a/r/cógrafo, à consideração de elementos externos 105
e à maturidade do projeto. O feedback externo pode agora influenciar positiva
mente o projeto e fortalecer a confiança do a/r/cógrafo no seu trabalho.
Esta etapa baseiase nos mesmos processos anteriormente ativos, mas agora
complementados por apresentações públicas e recolha de feedback do público,
sendo estes dois os mais relevantes desta etapa.
O feedback sobre a obra de arte pode ser essencialmente recolhido por três
métodos:
1. através da inclusão de mecanismos (programação e / ou sensores) no pró
prio artefacto, visando registar fatores como a captura de atenção, número
de interações, tempo gasto com o artefacto por utilizador ou por sessão;
2. por sondagem e análise estatística, e
3. por entrevistas semiestruturadas com membros da audiência.
O teste também pode ocorrer online, através de redes sociais, uma vez que
os a/r/cógrafos decidam exibir os respetivos artefactos para amigos e seguidores,
envolverse em discussões e debates ou simplesmente auscultar as reações online
de um público relativamente restrito, embora geograficamente alargado. Assim
que o a/r/cógrafo se sinta suficientemente confiante com o seu protótipo, estará
preparado para passar para a próxima etapa: a intervenção.
Intervenção
Esta é uma etapaobjetivo num projeto a/r/cográfico, pois marca a exibição
e a comunicação públicas e formais do projeto. Mas pode não ser um estágio final,
já que o desenvolvimento contínuo do projeto pode fazer com que o a/r/cógrafo
revisite estágios anteriores e decida implementar e incorporar mudanças, para
PEDRO ALVES DA VEIGA
ESPAÇO ARTÍSTICO
A formulação da intenção e a análise da intervenção contemplam o desen
volvimento de determinadas ações e impactos, e é importante poder planeálos
e avaliálos de forma qualitativa, mas objetiva.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
Não há ideia, por mais antiga e absurda que seja, que não seja capaz
de melhorar/aumentar o nosso conhecimento. Toda a história do
pensamento é absorvida pela ciência e é usada para melhorar todas
as teorias. Nem a interferência política é rejeitada. Pode ser neces
sário superar o chauvinismo da ciência que resiste a alternativas ao
status quo. (Feyerabend, 1975: 57).
107
108
Figura 20: A zona vermelha, do conformidade, inépcia e indiferença, e a zona verde, do desafio,
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
CONCLUSÃO
Uma primeira conclusão é que a/r/cografia estimula a investigação e a prática
artística através de uma rede nãolinear, sistémica, interdisciplinar ou até trans
disciplinar de conhecimento, não apenas por causa da multiplicidade dos papéis
tipicamente encontrados nos projetos de arte digital (por exemplo: engenheiro,
artesão, cientista), mas especialmente devido à natureza da investigação que ela
implica, e como a exposição e a comunicação também afetam essa investigação.
Esta rede comportase como um rizoma, onde várias ligações se estabelecem a
cada momento; onde origem, fim, hierarquia e organização linear podem ser subs
tituídas por um jogo de interdependências, conforme ilustrado na figura 21.
Todos os fluxos no diagrama são bidirecionais, exceto os dois fluxos de saída
(lixo e inspiração para outros projetos). Como até mesmo o suposto ponto de ori
gem (inspiração) pode derivar de outro projeto, ocorrerão inevitavelmente várias
influências mútuas entre projetos aparentemente independentes, especialmente
quando existirem autores comuns.
A segunda conclusão importante é a de que o registo e catalogação apropria
dos dos processos e fluxos de pesquisa, criação e comunicação, com toda a sua
informação contextual, é tão importante como o das próprias obras de arte, arti
gos, capítulos e livros, pois todos são considerados objetos de trabalho/criação.
Desta forma o autor propõe que a a/r/cografia é uma metodologia adequada
para o atingimento dos seguintes objetivos:
1. Considerar as obras de arte, a prática artística e a pesquisa como ferra
mentas funcionais de comunicação e intervenção.
2. Desenvolver métodos adequados para modelar, prototipar, avaliar, exibir,
apresentar, discutir e divulgar obras de MAD, bem como a investigação e
a comunicação a elas associadas e sobre elas desenvolvidas.
3. Compreender as ligações interdisciplinares da MAD aos seus contextos in
dividuais, sociais, históricos, educacionais, políticos, económicos, tecnoló
gicos e culturais.
4. Trabalhar dentro do potencial inter e transdisciplinar da médiaarte digital
nos seus contextos, a fim de promover e fomentar intervenções artísticas
relevantes e impactantes.
5. Criar conhecimento que possa ser útil na prática a/r/cográfica atual e fu
tura, tanto pelos respectivos autores como por terceiros.
PEDRO ALVES DA VEIGA
Figura 22: Acesso, utilização e criação os três passos subjacentes à produção artística. Fonte: Autor.
123
Free Libre Open Source Software.
PROPAGANDA, CAIXASNEGRAS E SOBREPOSIÇÃO COGNITIVA
A segunda Guerra Mundial marcou indubitavelmente a utilização assumida
dos media pelos Estados, enquanto ferramenta de formação de percepção e opi
nião públicas. Uma das figuras de referência no campo da comunicação (sem que
esta referência implique qualquer outro tipo de apreço) foi Joseph Goebbels, o 115
principal responsável pela retórica e propaganda do regime nazi, e objectivamente
considerado como um mestre na sua arte, provavelmente inspirando muita da co
municação política que ainda hoje – ou talvez cada vez mais – se faz no mundo.
No seu discurso em Nuremberga, Goebbels (1934) apresentou os fundamentos
da propaganda, termo instituído pela Igreja Católica séculos antes (Huskinson,
1982), para designar a propagação da fé pelos nãocristãos. Desses fundamentos,
destacamse as seguintes passagens124:
124
Traduzidas pelo autor a partir do inglês, disponível em https://research.calvin.edu/germanpropa
gandaarchive/goeb59.htm [2020/06/20]
PEDRO ALVES DA VEIGA
Este tipo de utilização dos media enquanto propaganda (ao serviço da política
e do poder) abre campo para a sua utilização ao serviço de qualquer causa, seja
ela cultural, artística, ideológica ou consumista.
A fina linha entre propaganda e publicidade esbatese nos anos seguintes, já
que existe todo um racional por detrás de qualquer campanha, um objectivo claro
e firme em mente, servido pelos meios e métodos para o atingir. «A publicidade 117
pode apropriarse não apenas de áreas reais de espaço e tempo e atribuirlhes
um falso conteúdo, mas também necessidade e desejos reais das pessoas, conce
dendolhes uma falsa satisfação» (Williamson, 1978, p. 169).
Tal como definido por Goebbels, a propaganda não é boa ou má: o seu valor é
determinado pelo objectivo a que se propõe. Por outras palavras, os fins justificam
os meios. Esta artificialização da realidade é já notada em 1939 por Greenberg, que
alertava para a oposição entre vanguarda e kitsch, personificando tudo o que foi ar
tificialmente produzido pela industrialização. Para Greenberg os media são um pro
duto direto do capitalismo, indústrias movidas apenas pelo lucro, e a cultura
mecânica que difundem pretende ser mais do que na realidade é (Greenberg, 1939).
Por exemplo, durante as décadas de 30 e 40, a indústria da publicidade adop
tou muitas das referências visuais do surrealismo, como exemplificado na figura
23, mas isso não significa que as imagens publicitárias de então sejam realmente
surreais, uma vez que transmitem estilo sem substância.
De um lado está a criatividade vanguardista, do outro o mercado que impul
siona as modas, através da apropriação de clichés e da inovação estilística super
ficial, e as usa para reivindicar um estatuto privilegiado para essas formas quando,
na verdade, elas são apenas produtos da nova cultura de consumo.
pele e aclaramento dos olhos incluídos na maior parte das câmaras digitais atuais,
que resultam em retratos mais polidos e, supostamente, apelativos, embora
menos fidedignos), outros podem implicar ameaças à segurança e privacidade129.
Recentemente um grupo de académicos da Universidade de Harrisburg de
senvolveram um software de reconhecimento facial automatizado, alegadamente
120 capaz de prever as probabilidades de alguém vir a cometer um crime. Não é ficção,
apesar de remeter o imaginário coletivo para o filme Minority Report130. O anúncio
da sua aceitação para publicação foi recebido com elevada contestação, mere
cendo uma carta aberta de repúdio, assinada por vários cientistas sob a designa
ção de Coalition for Critical Technology (CCT) – incluindo o autor do presente texto
– e suportada nos seguintes argumentos:
129
https://www.nytimes.com/2020/01/08/technology/tiktoksecurityflaws.html [2020/06/20]
130
https://www.imdb.com/title/tt0181689/ [2020/06/20]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
Mas, mais do que fazernos duvidar da integridade dos seus outputs, a utili
zação das caixasnegras causa impactos pronunciados na autoconceção humana,
nas interações mútuas entre indivíduos, no conceito metafísico de realidade e nas
formas de relacionamento com ela.
Cabe também aos artistas de MAD apoiar ou contrariar essa ação, usando as
mesmas ferramentas que a facilitam e propagam: as ferramentas digitais de co
municação, que se comportam como caixasnegras. «Quando muitos elementos
são utilizados para agir como um, isto é o que chamarei de caixapreta» (Latour,
1988, p. 131). Introduzimos A na caixapreta sabendo que iremos obter B com o
131
Artialisation, no original em francês.
132
https://www.statista.com/ [2020/06/20]
PEDRO ALVES DA VEIGA
133
https://theconversation.com/donaldtrumpschinesevirusthepoliticsofnaming136796
[2020/06/20]
O CONTROLO DA ATENÇÃO
Todos os criadores de conteúdos devem agora disputar a atenção, num uni
verso online saturado de informação digital, maioritariamente produzida por uti
lizadores individuais, que já ultrapassaram largamente as organizações em termos
de capacidade geradora desses mesmos conteúdos e informação. Os dispositivos 123
móveis são atualmente responsáveis por mais da metade do tráfego da Internet134,
que é gerado através de aplicações blackboxed, em detrimento dos navegadores
convencionais. Cada uma dessas caixasnegras traz a sua bateria de notificações
e solicitações de atenção, transformando a experiência de utilização numa passa
gem constante de aplicação em aplicação, de caixanegra em caixanegra.
A concentração e a distração formam polos opostos, e essa oposição é mais
acentuada na arte: um observador concentrado em frente a uma obra é absorvido
por ela. Por contraste, as massas distraídas/abstraídas absorvem a obra. Quanto
maior o declínio do significado social de uma forma de arte, maior o fosso entre
uma atitude crítica e o entretenimento, o meramente lúdico, por parte do público.
O habitual, o costumeiro, o familiar tende a ser usufruído de forma acrítica e ape
nas o outro, o estranho, o incompreendido é criticado com veemência. Dar corpo
a esse outro é um exercício comum na política populista do nosso tempo, frequen
temente transferindo para esse estranho, por flagrantes atividades de sobreposi
ção cognitiva, as causas dos males da sociedade.
A forma como a atenção individual pode ser manipulada já tinha sido referida
por Münsterberg (1894), embora num contexto abrangente de estudos de psico
logia, e de então para cá foi analisada também por vários outros autores (por
exemplo: Kahneman, 1973; Wickens, 1984; Tipper et al., 1989; Lang, 1995; Pashler,
2016), incluindo Guattari (1989), que defende que a atenção dos indivíduos é cap
turada pelo seu ambiente, por ideias, gostos, modelos, formas de ser, e que as
imagens lhes são constantemente injetadas, até mesmo pelos refrões que se in
sinuam e se instalam nas suas cabeças. Mais tarde, Guattari exemplifica esta divi
são de atenção:
134
http://ec.europa.eu/eurostat/cache/infographs/ict/bloc1a.html [2020/06/06]
PEDRO ALVES DA VEIGA
Figura 24: Uma artie – uma selfie contendo uma obra de arte.
Fonte: Sofia Quintas (foto cedida pela autora).
135
Uma selfie tirada em conjunto com uma obra de arte, como exemplificado na figura 24.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
patrocínio e potencial de descoberta, são variáveis que podem ser usadas e ma
nipuladas por artistas, mas também por curadores, programadores de festivais, e
– porque não – professores.
Editoras, estúdios, curadores, autores, galerias e museus nunca irão desapa
recer, mesmo que já não sejam necessários para disseminar artefactos artísticos.
130 O seu novo papel é direcionar a atenção do público, cada vez mais dividida online
e offline, para esses mesmos artefactos artísticos, possibilitando e proporcio
nando as experiências.
A ASCENSÃO DO INDIVIDUALISMO
A era da Web 2.0 foi marcada pelo surgimento e popularização de sites como
MySpace, Flickr, LinkedIn e Facebook. Surgiram também nessa altura conceitos
chave como: social, agregação, participação, e conteúdos gerados pelos utiliza
dores (Anderson, 2007). Previase um paraíso de criatividade, totalmente gerado 131
pelos internautas.
Mas já anos antes se argumentava que toda a atividade económica devia ser
entendida como prática criativa – e, desta forma, todos se tornam artistas (Beuys,
1992). De facto, as tecnologias seduziram um novo grupo de criadores. Os artistas
digitais estão efetivamente libertos dos constrangimentos técnicos dos seus con
géneres ditos tradicionais: não precisam de saber pintar, esculpir ou desenhar,
podem até ter impedimentos motores que limitem o acesso físico e manipulação
dos materiais de criação, e assentam a sua produção numa relação com a tecno
logia (uma paixão dos dadaístas), quase puramente intelectual, através de pro
gramação e controle automatizado de artefactos. São ainda abolidos os
constrangimentos de espaço e tempo, dado que, potencialmente, uma obra de
arte digital não está restrita a um lugar ou momento.
Décadas de televisão tornaramnos especialistas na apreciação da imagem,
na construção de histórias, em design de produto. É a extensão a todas as áreas
criativas das revoluções do século 20: do desktop publishing dos anos 80, das câ
maras de vídeo dos 70, das máquinas fotográficas dos 50.
Tal como os websites, jornais e estações de televisão pedem aos leitores e
espectadores para enviarem conteúdos, fotos, vídeos e artigos de opinião (Veiga,
Tavares & Alvelos, 2017). Anderson (2009) sugere duas motivações para este com
portamento: dinheiro e reputação, sendo que esta última é o segredo para a co
laboração espontânea, nãoremunerada, numa sociedade em que exposição é
sinónimo de sucesso. Origgi (2018) fala da reputação como um sinal dos tempos:
à medida que a informação aumenta, também o nosso distanciamento da reali
dade parece crescer proporcionalmente, levando a que as nossas avaliações e de
cisões estejam cada vez mais incorporados em sistemas interligados de
caixasnegras, que nos fornecem classificações, likes e recomendações. Estes dis
positivos proliferam numa sociedade onde a informação se tornou excessivamente
densa, e são usados para manipular e construir a reputação de indivíduos e insti
tuições, com a justificação e propósito de conduzir a navegação num mar de in
formação digital cujo valor é opaco para nós. E é através da reputação construída
nas redes que bloggers, vloggers, instagrammers e influencers ascendem ao es
trelato, como timoneiros desta navegação.
A ascensão da cultura das celebridades não aconteceu por si só: tem sido
cultivada por agências, produtores e meios de comunicação. E tem uma função:
quanto mais distantes e impessoais são os gigantes multinacionais, mais eles de
pendem de rostos conhecidos para incutir confiança e estabelecer uma ligação
PEDRO ALVES DA VEIGA
personalizada – cuja falácia comercial nem sempre é óbvia – com os seus clientes.
Se em épocas passadas este papel foi confiado a estrelas de cinema e da música,
atualmente são as estrelas da Internet que o assumem, atuando desde a escala
local à internacional.
Em 1997, os valores dominantes que atravessavam os programas mais po
132 pulares de televisão entre os jovens de nove a onze anos, eram os sentimentos
comunitários, seguidos da benevolência. A fama estava em décimo quinto lugar
dos dezasseis valores testados. Em 2007, quando programas como Hannah Mon
tana predominavam, a fama surge em primeiro lugar, seguida da realização139,
imagem, popularidade e sucesso financeiro. O sentimento comunitário caiu para
o décimo primeiro lugar e a benevolência para o décimo segundo (Uhls & Green
field, 2011). Os jovens de hoje estão ainda mais obcecados pela fama e algumas
pesquisas sugerem que o narcisismo está a aumentar, com cada sucessiva geração
a ultrapassar os níveis de vaidade da anterior (Seigel, 2013). Também os valores
destacados nos conteúdos mediáticos direcionados a préadolescentes no século
21 fazem um apelo maior ao individualismo e ao sensacionalismo do que na dé
cada de 1990, facilitando uma cultura préadolescente narcisista (Rosen, 2016).
Os apelos e afirmações repetidos exaustivamente em slogans de venda, ma
nuais de motivação pessoal e palestras sobre criatividade, modelam e formatam
a opinião pública: o indivíduo criativo é enaltecido e anunciado como hipercapa
citado, direcionado para a fama, usando miríades de caixasnegras, movendose
entre os universos físico e virtual.
A realityTV catapulta para a fama completos desconhecidos, apenas com
base em critérios estéticos e programáticos dos próprios canais, levando à pro
posta da designação celebridadecommodity substituível por Turner (2006: 161).
A perceção de que qualquer pessoa, aparentemente comum e semelhante a tan
tas outras, pode tornarse uma estrela mediática, é uma das causas prováveis do
anseio generalizado pela fama: uma pesquisa realizada com jovens de 16 anos no
Reino Unido revelou que 54% deles pretendem tornarse celebridades140.
A fama é um estado solitário, procurado por indivíduos, mesmo que apoiados
por grandes infraestruturas. Mesmo os coletivos artísticos famosos, cujas deriva
ções contemporâneas se materializam, sobretudo, no campo da música (sob a
forma de grupos, bandas, boybands e gilrbands) desmembramse sistematica
mente em buscas singularizadas desse estatuto, o que parece indicar que o fenó
meno do individualismo é paralelo ao da fama.
139
Achievement, no original em inglês
140
http://www.independent.co.uk/news/education/educationnews/famethecareerchoiceforhalf
of16yearolds1902338.html [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
133
Figura 25: A evolução, ao longo de 40 anos, da utilização dos pronomes I, you e we, em livros em inglês.
Fonte: Google Books Ngram Viewer.
Figura 26: Arte instantânea, criada em menos de 10 segundos com a blackbox Flowpaper para iPhone.
Fonte: autor.
PEDRO ALVES DA VEIGA
terceiros, a MAD convida o artista a criar a inovação, a criar novos usos e formas
de ampliação do âmbito da tecnologia, de modo a que as obras produzidas não
se limitem a utilizar a tecnologia e os média, mas questionem e influenciem o fu
turo dos mesmos.
Contudo, a afirmação de que a criatividade é, basicamente, um conceito de
142 negócio, alinhado com outros clichés que nos foram trazidos pelas escolas de gestão
de Silicon Valley – liderança, serviço, disrupção, inovação, transformação – não causa
estranheza, e tornase importante distinguir entre formas distintas de criatividade.
Para o neoliberalismo, o conceito de criatividade não incide na metamorfose
dos indivíduos em artistas, mas sim na conceção de produtos, técnicas, soluções
e serviços inovadores – e se há uma solução, é porque o problema já é conhecido.
Basicamente pretendese criar uma solução para ir do ponto A ao ponto B, ambos
já prédeterminados. A doutrina da época compelenos a pensar que atingimos o
patamar final de evolução, e tudo o que há a fazer é ir de forma cada vez mais efi
ciente, com o menor desperdício de atenção, de A a B.
O papel do ensino corre o risco de passar a ser apenas o de ir ao encontro
das necessidades de mãodeobra do Estado (Deresiewicz et al., 2015). Mas haverá
ainda quem queira partir de A, numa deriva aberta, durante a qual, casualmente,
se pode encontrar B, bem como C, D e E, e toda a mudança que eles potencial
mente podem acarretar?
As principais mudanças no ensino não são necessariamente estruturais, e
Negroponte (1995) avança uma comparação curiosa sobre a evolução do ensino
face a outras atividades: se um cirurgião do século 19 fosse transportado para um
bloco operatório do século 21, ficaria sem saber o que fazer, não reconhecendo
nenhum dos aparelhos presentes ou técnicas usadas, e se tentasse usar as suas
técnicas seria rapidamente impedido por um conjunto de profissionais horroriza
dos. Se um professor do século 19 fosse transportado para uma sala de aula no
século 21, facilmente continuaria a ensinar da forma a que estava habituado, e
não causaria estranheza. Portanto, se algo mudou no ensino, não foi tão drástico
e profundo como nas restantes áreas.
De forma adversa poderseá argumentar que o blending do ensino veio al
terar dogmas antigos, permitindo novas formas de acesso e de estudo. Mas
mesmo nos sistemas de elearning ou blearning observamos um mesmo fenó
meno de transformação do ensino em produto, com p em Portugal temos ias,
izaçu foi a transformaçu no ensino, nnt Magic e Deco Sketch.úblicoalvo, taxas de
rentabilização, ciclo de vida e análise de custos.
Incluise nesta análise o ensino das artes, de forma geral, e o da MAD, com
as suas particularidades únicas, dividido entre as ciências exatas e as humanida
des, como se uma simples mistura das duas componentes fosse a receita mágica.
Uma análise do plano curricular das licenciaturas, mestrados e doutoramentos
nas artes, e sobretudo na MAD, revela uma incidência crescente em temas como
o mercado da arte, a educação artística, a utilização de novas tecnologias ou o
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
144
Figura 27: Esquema ilustrativo da fragmentação da atenção dos docentes, e consequente degrada
ção da transmissão de conhecimento aos estudantes, atualização de conhecimentos, investigação e
publicação. Fonte: autor.
dos artistas praticantes, habituados que estão a olhar para a arte exclusivamente
do ponto de vista da audiência e do crítico – e raras vezes como profissionais pra
ticantes, sujeitos a todos os reais constrangimentos e pressões.
Os artistas são, assim, ensinados sobre a história e a teoria, as quais conti
nuam a informar a prática artística, por quem não faz arte e por quem tem um
146 ponto de vista disciplinar (e, portanto, de interesse) diferente do seu. Não se trata
de menosprezar as contribuições de historiadores, filósofos e teóricos, mas
quando os próprios artistas aprendem a produzir investigação e a desenvolver teo
ria, devem começar também a tomar a responsabilidade pelo conhecimento pro
duzido e a transmitilo, nunca deixando de ser artistas.
O sistema de ensino deveria adequarse a esta realidade: um professor de
arte deve criar, expor e exporse, não apenas em publicações de índole científica,
mas também de índole artística. O exercício simples de aplicar princípios da eco
nomia da experiência à área da educação – lato sensu – sugere que as experiências
memoráveis podem, e devem ter o seu lugar na sala de aula, que deve existir per
sonalização e melhoria dos serviços (educativos), e que a transformação deve
ocorrer através da própria experiência. Se de igual forma aplicarmos os valores
generativos da economia da atenção149, o imediatismo, a disponibilidade cons
tante, o potencial de descoberta (ou seja, a facilidade de acesso) aos materiais de
estudo parecem sugerir que um modelo de ensino em blearning seja o mais in
dicado, aliado à personalização dos conteúdos, indo ao encontro das especifici
dades de cada perfil, de cada aluno. Adicionalmente, a interpretação pode ser
usada enquanto facilitadora no acesso aos conteúdos mais complexos, e sempre
suportada na autenticidade – há que acreditar no que se aprende. A apropriação
e o remix podem ser encarados como formas criativas de criar pensamento inter
e transdisciplinar, atravessando e cruzando conceitos e disciplinas de formas inu
sitadas, criando novos significados. Por último, o conceito de patrocínio pode ser
aplicado aos melhores alunos/trabalhos, evidenciando os seus méritos e pre
miandoos com o reconhecimento e o apreço merecidos: em suma, expondoos.
Se um modelo de ensino com estas caraterísticas pode parecer utópico ou
naif, talvez mesmo impraticável, convém relembrar que ele se baseia na aplicação
simples de princípios económicos derivados do próprio neoliberalismo, parado
xalmente responsável pela paisagem atual, onde o conhecimento é entendido
como orientado para o mercado, e onde o próprio mercado se torna o principal
mecanismo para a validação da verdade, suportandose cada vez mais em estru
turas e tecnologias algorítmicas.
Na paisagem atual, em vez das pessoas feitas de carne, sangue, vidas e so
nhos, o interesse recai nas estatísticas elaboradas sobre bigdata, também fruto
de processos algorítmicos. Nesta paisagem a noção humanista do sujeito racional,
149
Imediatismo, Personalização, Interpretação, Autenticidade, Disponibilidade, Apropriação, Patrocínio,
e Potencial de descoberta.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
capaz de criação, deliberação e escolha foi substituída pelo consumidor, que de
libera e escolhe entre as opções que lhe são apresentadas, qual teste com per
guntas de escolha múltipla ou selfservice digital de fastfood.
Dar aos indivíduos a ideia de que eles são mestres do seu próprio destino, que
eles são livres para fazer o que quiserem, é apenas uma estratégia inteligente para
os manter envolvidos num número reduzido de redes sociais, em tudo semelhantes 147
a círculosviciosos, dos quais a maioria não encontra – ou nem procura – escapa
tória. Para quebrar o circuito, por vezes é preciso colocar areia na engrenagem.
O entendimento comum da mente criativa como o expoente da liberdade e
um mestre (na metáfora hegeliana do mestre/escravo da vontade/consciência) é
questionável (Hass, 2011). Ao encarar o artista (ou a mente criativa) como o es
cravo, obtémse uma melhor compreensão da atual ditadura da criatividade, em
todas as esferas da vida. A sedução dos indivíduos, engajandoos em redes de
comportamentos prédeterminados, fazendoos acreditar que estão a abraçar a
liberdade, parece nada menos que uma situação kafkiana e politicamente ten
denciosa, e contudo...
O ARTISTA EMPREENDEDOR
Ao entrar no novo milénio, no mundo dos negócios e tecnologia, a inovação
transformouse num fetiche. A ambição de disromper em busca de inovação trans
cendeu a política, alistando a esquerda e a direita. Os conservadores têm a possi
148 bilidade de governar e reduzir impostos, em nome do empreendedorismo,
enquanto os liberais podem criar novos programas destinados a fomentar a inves
tigação, em nome da inovação. A ideia de inovação é suficientemente vaga para se
poder fazer praticamente qualquer coisa em seu nome, sem originar o menor con
flito, enquanto os CEOs das várias Eu, Lda. repetem o mantra: Inovação! Empreen
dedorismo! E se a inovação falhar nos seus propósitos de rentabilizar novos
produtos, então pode–se sempre musealizar os fracassos mais significativos150.
A economia da atenção é relevante neste contexto, já que existem cada vez
mais canais para a distribuição e divisão da atenção. O artista de MAD, CEO da Eu,
Lda., está agora habituado e habilitado a alcançar uma ampla audiência, ao curar
e difundir os seus próprios conteúdos, frequentemente comentando os conteúdos
de outros como forma de os trazer até si.
Mas este processo também pode ter outros efeitos, mais especificamente
sobre a atenção de longo prazo, ao considerar a dedicação de cada indivíduo a
gerir as suas próprias interações com outros. Dedicar muita atenção a essas inte
rações pode levar a uma sobrecarga de interação social, por exemplo, no contexto
de serviços de redes sociais. Toda a atenção dividida por essas tarefas, é menos
atenção concentrada nos processos criativos, o que leva a ponderar as vantagens
de cada um poder ser tudo o que quiser, por oposição a cada um ser bem o que
realmente é.
Hoje em dia pensar a arte como estando acima do capital é uma ilusão. O
papel do artista como empreendedor tem sido um dos grandes atributos do atual
modelo económico, justificado pela apresentação do empreendedorismo como
uma saída geral e global para a falta de oportunidades profissionais e emprego,
característicos também de um discurso de crise. É neste contexto que surge um
certo oportunismo ideológico, que, paradoxalmente, num cenário de apologia da
especialização, sugere que também as universidades abram espaço para discipli
nas de empreendedorismo nas artes, pois o artista gestor de si mesmo pode via
bilizar startups e outros modelos de negócio, alimentando a discussão antiga de
especialização versus integração (Manning, 2012).
Schumpeter (2000) defendeu a inovação e o seu conceitoparceiro, o em
preendedorismo, e retratou o crescimento económico e a mudança no capitalismo
como um vendaval de destruição criativa, no qual as novas tecnologias e práticas
empresariais ultrapassariam ou destruiriam as antigas. O pensamento neoschum
peteriano deu origem a vários estudos subsequentes, contandose os de Christen
150
https://museumoffailure.com/ [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
sen (1997) entre os mais influentes nas tecnologias ditas disruptivas, apesar de
questionado atualmente (Thompson, 2013; Lepore, 2014).
A inovação já é o eufemismo favorito do mundo da política, da economia e
da indústria. O termo design tem um tom demasiado cosmético e sujeito a modas,
evoca imagens de figuras andróginas em camisolas negras de gola alta, com longas
boquilhas e cigarros aromáticos. Por outro lado o termo inovação transmite ener 149
gia e essência, os inovadores podem ser geeks ou génios, mas vestemse como as
pessoas comuns, não inovadoras. Se um bom design é um bom negócio, então é
porque há um design bom e um design mau, embora não existam processos algo
rítmicos que permitam, com convicção e certeza, distinguir um do outro (Bierut,
2005). Mas por outro lado, é assumido como certo que a inovação – ao contrário
do design – é sempre boa. A inovação sempre proporcionou uma maneira de ce
lebrar as realizações de uma era de alta tecnologia, sem a necessidade de ter de
produzir grandes impactos de melhoria social. Todos ganham no movimento da
inovação: qualquer empresário pode admitir que não tem sentido estético, mas
ninguém quer ser acusado de oposição à inovação.
Nussbaum (2013) propõe um novo tipo de capitalismo – Indie Capitalism –
onde a criatividade é a fonte de valor, o empreendedorismo é responsável pelo
crescimento (da economia) e as redes sociais são os blocos de interligação socioe
conómica. Já Russel e Vinsel (2016) chamam a atenção para a distinção entre tec
nologia e inovação, sendo que a inovação é apenas uma pequena parte do que
acontece com a tecnologia. E referem exemplos do que consideram um uso abu
sivo do termo: em 2006, o periódico The Economist observou que as autoridades
chinesas fizeram da inovação uma buzzword nacional, mesmo constatando que o
sistema educacional da China enfatizava a conformidade e fazia pouco para fo
mentar o pensamento independente. No mesmo ano a Businessweek mencionava
que a inovação corria o risco de se tornar na derradeira palavra da moda, em ex
cesso. Mais uma vez na Businessweek, em 2008, se declarava que a inovação mor
reu, eliminada por uso excessivo, indevido, estreiteza de vistas e falha em evoluir.
Afinal a inovação demonstrou ser fraca, tanto tática, como estrategicamente,
diante da turbulência económica e social. Em 2012, também o Wall Street Journal
observava que a palavra começava a perder significado. Na altura contabilizavam
se mais de 250 livros, publicados nos últimos três meses, com a palavra inovação
no título, e a mesma foi apontada como servindo apenas para ocultar a falta de
substância. E apesar de toda a inovação, objetos comuns, como a ventoinha elé
trica e muitas partes mecânicas dos automóveis, praticamente não mudam desde
há mais de um século (Edgerton, 2007). As histórias de inovação mais populariza
das concentramse em indivíduos caucasianos, bemsucedidos, oriundos de gara
gens e escritórios domésticos glorificados numa pequena região da Califórnia, mas
os seres humanos no resto do planeta também vivem com tecnologia, e utilizam
a tecnologia de que dispõem para fazer arte e cultura (Peña & Donoso, 2014).
PEDRO ALVES DA VEIGA
Na década de 40 surgiu uma expressão, utilizada pela primeira vez por Hor
kheimer, em 1941, num ensaio sobre a arte e a cultura de massas, para designar
a nova forma de produção de bens culturais: Indústria Cultural (Adorno & Hor
kheimer, 1944). Quase meio século depois, na Austrália, surge a expressão Indús
trias Criativas, que abrange áreas de produção afins à criatividade, competência
150 e ao talento individual, enquanto potenciais geradores de trabalho e riqueza, so
bretudo através da exploração da propriedade intelectual e do design (Tavares,
2014).
As tentativas sistemáticas de compreender os vínculos entre a cultura, as in
dústrias criativas e a economia em geral, são complexas e algo difusas. Uma difi
culdade no trabalho neste campo é a terminologia imprecisa e muitas vezes
ambivalente, sobretudo porque o termo cultura é amplamente reconhecido como
um termo problemático, e criatividade um termo pouco direto, pois denota um
cariz mais avaliativo do que descritivo. Assim, a questão – não serão, atualmente,
todas as indústrias criativas? – surge quase sempre ligada ao debate sobre as in
dústrias criativas.
O argumento de que a cultura é cada vez mais uma parte importante de toda
a produção começa a ser recorrente (Lash & Urry, 1993). A diferença entre um
Mercedes e um modelo menos dispendioso é menos sobre a sua utilidade ou fia
bilidade, e mais sobre aspetos intangíveis, como o estilo e a imagem, e estas dife
renças são muitas vezes o produto do trabalho cultural.
Outros argumentam que os próprios objetos culturais proliferam em várias
formas, como informações, comunicações, produtos de marca, produtos de
média, serviços de transporte e lazer, e as entidades culturais já não são a exceção
– são a regra. Nestes tempos de aculturação, os produtos culturais já não são prin
cipalmente simbólicos, mas tornamse coisas, materializamse em todos os senti
dos do termo. Por exemplo, há filmes que se tornam jogos de computador; há
marcas que se tornam ambientes (de marca), assumindo o espaço de terminais
de aeroportos e reestruturando departamentos de lojas, outdoors e centros ur
banos; há personagens de desenhos animados que se tornam bonecos de coleção
e figurinos de prontoavestir; há música que é tocada em elevadores, e faz parte
de uma paisagem sonora móvel (Lash e Urry, 2007). Portanto, não só os produtos
culturais tradicionais – livros, música, filmes – aumentam em número, mas as
ideias e imagens culturais também são, cada vez mais, parte de produtos e serviços
não culturais.
A visão da cultura como alavanca para o desenvolvimento económico e ter
ritorial é amplamente aceite atualmente, e a economia criativa segue a experiên
cia da economia e da sociedade do conhecimento (Hall, 2000; Florida, 2002).
Brevemente resumida, a ideia básica postula que a transição do paradigma pro
dutivo atual para um paradigma cultural e cognitivo, especificamente integrando
a dimensão criativa da ação, se desenvolve a par da afirmação de um sistema com
petitivo, baseado na inovação e diferenciação. O novo sistema económico teria o
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principal efeito de inscrever a economia cultural numa economia mais ampla, seja
ela a do conhecimento, da informação, da experiência ou da atenção. Num con
texto de crescente concorrência, em parte devido ao desenvolvimento da globa
lização do mercado, a aquisição de posições competitivas parece ser obtida por
esforços para aumentar a complexidade da oferta. A adoção deste tipo de estra
tégia de diferenciação em direção ao topo, que depende menos de inovações tec 151
nológicas radicais do que incrementais, induz um aumento considerável nas
componentes culturais da produção (Kebir & Crevoisier, 2007).
O fortalecimento das atividades criativas nas economias contemporâneas e,
de forma relacionada, a extensão contínua dos domínios culturais (arte, cultura, pa
trimónio, entre outros) são, então, explicados em grande parte pelo crescimento
contemporâneo da procura social pela cultura, sob a forma de produtos e serviços.
O último fenómeno seria corolário do surgimento de uma cultura de consumo, cada
vez mais heterogénea, diversificada e fragmentada. Há autores que atribuem a mu
dança ao aumento do individualismo nas sociedades ocidentais contemporâneas e
à estilização resultante de estilos de vida vividos de acordo com o gosto individual
(Lash e Urry, 1993; Featherstone, 2007). Nesta visão, o aumento do turismo cultural
e o valor económico das práticas artísticas e património tornamse dois temas es
treitamente relacionados, tal como as indústrias de luxo, moda e arquitetura. O po
tencial que oferecem para o crescimento económico e o desenvolvimento territorial
(com os impactos expressos em termos económicos, como a criação de empregos
ou as receitas fiscais, por exemplo) é valorizado ao nível do que ocorria em décadas
anteriores com as indústrias tecnológicas e de comunicações (Scott, 2004).
Na sua dimensão artística, a criatividade encontrase, assim, na base do sis
tema produtivo, não só como saída (isto é, a extremidade final do processo de
produção), mas também como entrada, ou como o produto do consumo interme
diário. A totalidade dos produtos culturais constitui, de facto, um inventário de
ideias, referências, imagens e sons, nos quais se baseiam uma diversidade de se
tores económicos (Howkins, 2001). Essa perceção económica da cultura como um
fator enriquecedor de produtos nãoculturais, leva à predição de um forte poten
cial de crescimento no setor do design industrial, de moda e digital. Também a
afirmação de uma economia de experiência em que os consumidores tentam mer
gulhar em experiências extraordinárias, ao invés de adquirirem simples produtos
ou serviços, transforma as comunidades criativas em intermediários estratégicos
na circulação, transmissão e comercialização da criatividade artística em bens e
serviços comerciais. Assistese a uma fertilização cruzada e outras sinergias cria
tivas entre indústrias, tanto no setor cultural / criativo como em outros setores
da vida económica.
151
http://www.bbc.com/news/worldasiapacific13639934 [2020/06/24]
152
http://debtfair.org [2020/06/24]
A REINVENÇÃO DA CURADORIA
À medida que a relação entre utilizadores e aplicações de rede se desloca da
disseminação para a participação, do site pessoal de autoria única para o blog de
feedback mútuo, e da Diciopédia para a Wikipedia, coeditada por todos, a era da
Web 2.0 tem enfatizado a possibilidade da descentralização, da criação participa 153
tiva (não necessariamente colaborativa), da capacidade e quantidade de remis
tura, e outros atributos da experiência dos utilizadores, em que estes
desempenham um papel central (Cheng, 2007). O termo participação designa
também a atividade cocriativa da audiência no processo artístico. A passagem de
um consumo passivo, característico da arte nãointerativa, para um consumo in
terativo, determina uma diferença significativa na perceção da obra e na manifes
tação da própria obra de MAD que, para muitos autores, só existe em função da
audiência/público.
Existe uma relação entre a necessidade que as pessoas sentem por novas for
mas e fontes de diversão, prazer, entretenimento e estilo de vida, e a sua capaci
dade criativa. Através desta ligação entre a criatividade e a participação em
experiências artísticas, os artistas podem tentar cativar o público através da imer
são, da multissensorialidade, captando e mantendo a sua atenção, empenhando
se criativamente na forma, e relegando potencialmente para um plano secundário
o conteúdo – o que não significa que deva ser abandonado.
Muita da MAD abraça esta abordagem, centrada no formalismo, no deslum
bramento tecnológico e dos efeitos especiais. Mas a maior parte das vezes não é
uma experiência memorável, e eis o paradoxo: intuitivamente sabemos que há
mais dimensões para a arte, e que encarála apenas pelo lado estético mundano
é amputála. A MAD abre novas perspetivas de socialização e participação, po
dendo distinguirse quatro modelos de participação artística suportados pela In
ternet (Cheng, 2007):
• A participação artística enquanto jogo – é um dos mecanismos de atração
de atenção e participação voluntária mais populares na Internet.
• A alteração da forma da obra de arte – enquanto arte pública, porque está
exposta na Internet, sem restrições – a obra de arte pode ser alterada na
sua forma pelo público, sentindose assim verdadeiramente tocada, como
no universo físico. A obra interativa é constantemente reestruturada e in
corporada pela atividade dos seus interatores (onde o artista pode ainda
estar incluído, agora como público da sua própria obra).
• A verbalidade da arte – a arte deixa de ser apenas uma paleta de estímulos
sensoriais misteriosos, e transformouse em experiências, partilha e diá
logo. A arte tornase um verbo.
• A transferência de autoria – os artistas responsáveis por criações colabora
tivas tornamse editores de projetos e, simultaneamente, os utilizadores par
ticipantes no projeto tornamse artistas. Quando o trabalho envolve artistas
PEDRO ALVES DA VEIGA
ceiro espaço como um território fértil, onde todos os participantes podem com
binar diversos tipos de conhecimento e produzir novas descobertas e planos de
ação. Esta combinação pode traduzirse por uma articulação, clarificação ou in
formação sobre as suas necessidades enquanto indivíduos, mas também das pes
soas às quais eles estão ligados ou pelas quais são responsáveis – organizações,
instituições, famílias, escolas ou outras comunidades, segmentadas por depen 155
dências, deficiências, circunstâncias ou estigmas sociais. Atributos importantes
das experiências neste terceiro espaço são o desafio de preconceitos, a aprendi
zagem recíproca, a criação de novas ideias que emergem através de negociação e
cocriação de identidades ou os debates a muitas vozes que atravessam e reduzem
as diferenças.
Contudo, também o design participativo tem evoluído, sobretudo com a pe
netração maciça das tecnologias na vida quotidiana, e o modelo tem vindo a ser
questionado por autores como Beck (2002), sobretudo por considerar que a par
ticipação simples não é uma condição suficiente para alterar o equilíbrio de po
deres: existem inclusivamente formas de participação que servem para promover
e contribuir para o enraizamento dos poderes dominantes, sem os questionar.
Atualmente a análise dos papéis da comunicação e informação nos padrões
de controlo é um dos pontos fulcrais da investigação em design participativo, e o
seu cruzamento com a MAD pode ser enriquecedor. Quando Duchamp sugeriu
que a obra de arte é cocriada pelo observador (Charbonnier, 1994), num processo
despoletado pelo artista e finalizado pelo observador, mal sabia que, no final do
século, algumas obras de arte iriam depender literalmente do observador, não só
para as completar, mas – sobretudo – para as iniciar, para as trazer para a existên
cia. A natureza interativa e participativa das obras de MAD, que permitem ao pú
blico navegar, manipular ou contribuir para elas, de uma forma que ultrapassa o
processo mental de apreciação, é uma regra contrária à regra básica da maior
parte dos espaços expositivos clássicos: não tocar nos objetos expostos. A obra
de arte destinada a um papel ativo do seu públicoalvo implica um segundo passo
no processo de produção artística, ao permitir que a interação entre o público e
a obra tenha impacto na sua forma e/ou conteúdo. Neste processo, a obra de arte
tornase um tipo de trabalho colaborativo, participado pelo artista e por vários
destinatários. O artista tornase, assim, um agente médio ou mediúnico (Du
champ, 1981). A questão em relação à intenção da arte muda de direção, na me
dida em que o público, segundo os postulados de Duchamp e Dewey, consuma a
obra de arte.
A interação pode ocorrer de diversos modos: através da forma de um objeto,
no contexto de uma situação, mediada por tecnologia, entre outros. No caso mais
simples, os destinatários podem modificar um objeto que foi criado pelo artista,
como ocorria na arte cinética dos anos 60. Estruturas de interação mais complexas
desenvolvemse através da combinação de partes de texto ou sons, que, em forma
de objeto ou como pontuação, exigem a participação ativa do público para que a
PEDRO ALVES DA VEIGA
obra seja consumada. Assim, a obra de arte concluída e fechada é substituída por
um campo aberto de ação, gerado pela primeira vez pelo públicoparticipante, o
qual interage dentro de um quadro de ação determinado, para que a comunicação
se torne o fator central da experiência estética. Pode obterse até a remoção com
pleta do limite entre autor e públicoparticipante, assente em comunicação
156 homemmáquina ou homemmáquinahomem.
Tomese como exemplo a instalação de Seiko Mikami, Desire of Codes154, com
90 câmaras montadas numa parede e seis braços robóticos articulados com câ
maras, tudo para melhor vigiar o visitante – o centro da atenção – cuja imagem
processada é projetada num ecrã composto de hexágonos, reminiscente dos pa
drões compostos dos olhos de alguns insetos. Ou ainda A truly magical moment155,
uma instalação interativa de Adam Basanta, de comunicação homemmáquina
homem. E porque, numa sociedade mediatizada, as pessoas comunicam entre si
através de máquinas, a sobreposição destes dois campos (arte e comunicação) é
evidente. Por esta razão, o conceito de interatividade passa a aplicarse a todas
as formas de comunicação e interação, mediadas pela tecnologia, que ocorrem
entre humanos e máquinas, bem como entre seres humanos (Daniels, 2008).
A interação do público com as obras de arte já era uma área de interesse em
expansão para artistas e teóricos nos anos 60 e 70. Burnham (1969), por exemplo,
defendia a importância de compreender as obras no seu contexto ambiental, e
ainda que tudo o que processa dados ou informação a partir da obra de arte é
também uma componente da mesma obra de arte. Perante este princípio, tam
bém o público se torna parte da obra.
De igual forma, Ascott (1966) desenvolveu uma teoria em que a participação
e a interação entre o público e a obra de arte são centrais. Em 1966 utiliza o termo
comportamentismo156 para descrever uma tendência que domina a arte em todos
os aspetos: o artista, o artefacto e o espetador, todos ficam envolvidos num con
texto comportamentista, cujo objetivo é atrair o espetador para uma participação
ativa no ato da criação, para lhe transmitir, através do artefacto, a oportunidade
de se envolver num comportamento criador em todos os níveis da experiência:
física, emocional e conceptual. Ascott compara o próprio ato de relacionamento
de artista/obra/público a um jogo no qual, antigamente, o artista ganhava sempre,
dado que ditava as regras, e o público tinha um conjunto de jogadas prédetermi
nadas, sem estratégia própria. No campo da MAD, o jogo agora está permanen
temente ativo e a sua evolução pode depender tanto do artista como da audiência.
Tal como os processos criativos de MAD, que evoluíram desde uma visão cen
trada no artista para uma visão distribuída, também a curadoria se transformou
significativamente nas últimas décadas, e também aqui o paradigma da participa
ção veio renovar a área.
154
https://www.youtube.com/watch?v=5PKT44tU658 [2020/06/24]
155
https://vimeo.com/172369238 [2020/06/24]
156
No original, em inglês, behaviourism.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
Cansado de uma navegação online sem rumo, de ligação para ligação, o pú
blico dá de novo as boasvindas ao aconselhamento, à asserção e seleção de qua
lidade. Mas o curador tornouse cocriador, deixou de ser (apenas) um garante da
apresentação, coleção e preservação. A sofreguidão pela novidade e inovação, e
a sua banalização, determinam o surgimento de um paradoxo: com a obsolescên
cia acelerada dos média e tecnologias, a facilidade da criação é igualada pela fa
cilidade da destruição. Se para McLuhan o meio era a mensagem, atualmente o
meio é o negócio, e a mensagem é algo que ajuda a vender o meio.
157
https://audiencegain.com/facebookmarketing/ ou http://buzzoid.com/buyinstagramlikes/ ou
ainda https://boostlikes.com/ [2020/06/24] entre outros
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
162
Figura 28: Visão parcial da galeria de médiaarte digital, curada pelo autor, na rede social Pinterest.
Fonte: autor.
165
https://blockchainartcollective.com/ [2020/06/24]
166
Attention trap, no original.
PEDRO ALVES DA VEIGA
Mas pode ir mais longe: pode evitar que dentro de alguns anos as suas obras
não signifiquem nada. Jacques (2017) considera a próxima iteração da sociedade,
depois da informação, como a do conhecimento mas, na verdade, poderseá pro
por que a iteração do valor imediato já se instalou sem alarido. E este valor ime
diato influencia de forma determinante a curadoria dos eventos, incluindo festivais
e bienais, de MAD.
Poderseia assumir que este tipo de curadoria se desenvolve ao longo de um
eixo em cujos extremos estão, de um lado, o público, em função da pressão eco
nómica, e do outro o ideal ou conceito artístico. Mas existem ainda algumas sin
gularidades que colocam a própria curadoria no centro das atenções, mais do que
as obras de arte. Um exemplo deste tipo de singularidades é a Bienal de Bucareste
que, para a sua edição de 2022, conta com a curadoria de uma aplicação de inte
ligência artificial. Batizada com o nome de Jarvis, ela irá aprender através de deep
learning consultando bases de dados de universidades, galerias ou centros de arte,
usando um conceito inicial como a estruturachave para as suas escolhas autóno
mas curatoriais. No final do processo Jarvis selecionará os artistas e criadores para
a bienal com base na aprendizagem realizada. Isto implica que qualquer obra que
não esteja presente nas bases da dados de universidades, galerias ou centros de
arte não será considerada. Mas não deveria o objetivo de uma bienal de arte ser
o oposto, ou seja, mostrar o que de novo e incomparável se faz? Em suma, tudo
indica que Jarvis venha a ser a estrela da bienal, e não a arte por si selecionada.
A curadoria centrada no público preocupase com a rentabilização e, por isso,
procura maximizar o valor imediato, agradar a multidões, proporcionar experiên
cias de entretenimento, escapismo, socialização e novidade, trazer algo de novo
a um mercado saturado de oferta – e assim se explica a existência de Jarvis. Mas
se se limitar a estes objetivos, a curadoria pode ficar reduzida à utilização da tec
nologia enquanto demonstração e diversão, sem futuro (porque novos demons
tradores, mais atuais, se seguirão).
Por outro lado, centrada sobre o ideal artístico, conseguirá certamente uma
reputação elevada entre pares, provavelmente até poderá inovar e causar impacto
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
167
Figura 29: A evolução, desde os bens essenciais às experiências encenadas: cada patamar é cons
truído sobre o anterior. Fonte: autor.
Figura 31: The Culture Yard, Click Festival 2012, uma experiência de entretenimento.
Fonte: Rosa Menkman / Mathias Vejerslev, Flickr (CC BYSA 2.0).
Por outro lado, o entretenimento é uma das mais antigas formas de expe
riência, uma das mais desenvolvidas e entretecidas no ambiente empresarial (Pine
& Gilmore, 1999). A experiência de entretenimento acontece habitualmente
quando os visitantes observam atividades e performances de terceiros. O entre
tenimento é visto como parte do subciclo dos tempos livres, encontrandose assim
para além do trabalho, envolvendo relaxamento e diversão, podendo ainda estar
relacionado com a prevalência de comportamentos individualistas, ambivalentes
e paradoxais, tão característicos da contemporaneidade (Bauman, 1999; 2001).
Mas o lazer faz parte de uma contemporaneidade concreta e que revela um
conjunto de traços decorrentes de uma era do vazio (Lipovetsky, 1989), repleta
de meios de comunicação de massas, em que as ações e as opções humanas de
notam uma particular apetência e recetividade pelas denominadas possibilidades
de acesso (Rifkin, 2001). Estas não têm propriamente correspondência na posse
efetiva ou material da realidade construída e vivida, encontrandose cada vez mais
centradas nas experiências pessoais, muitas delas imateriais e virtuais (Lévy, 1998).
PEDRO ALVES DA VEIGA
174
http://creativetimereports.org/2013/10/07/davidbyrnewillworkforinspiration/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA
Dentro dos níveis superiores do mundo das artes, comprar arte é um inves
timento e, para um subconjunto de colecionadores (muito ricos), a arte é um dos
melhores artigos de consumo de luxo (Thompson, 2008). Thornton sugere que
este extrato social é povoado por personalidades sensíveis aos tabloides (e por
eles procuradas), incluindo estrelas do mundo das artes (sobretudo do cinema e
176 da música), celebridades, homens de negócios excêntricos e colecionadores bilio
nários (2009, 2014).
Em plena época de pandemia do Covid19, num momento em que o confi
namento e a reclusão obrigavam ao encerramento de espaços públicos (incluindo
os das artes), Tarek Iskander, o CEO do Battersea Arts Centre, no Reino Unido, pu
blicou um tweet175 onde reclamava que a maior parte dos responsáveis por insti
tuições no mundo das artes deveriam deixar de se assumir como inexpugnáveis
torres de marfim, contribuindo para desigualdades sociais galopantes, e passar a
desenvolver esforços conjuntos para criar um serviço nacional dedicado às artes,
gratuito e acessível a todos os que dele venham a precisar.
Apesar de aparentemente bem intencionada, a mensagem confirma um es
tatuto (conferido pelas torres de marfim) e peca por não ir mais longe: em vez de
deixar de contribuir para fomentar as desigualdades, porque não procurar ativa
mente combatêlas? E no que diz respeito à universalidade do acesso ao serviço
de apoio ao desenvolvimento das artes, quem são, como se identificam e de que
forma são ajudados os que dele venham a precisar?
O reconhecimento de que a maior parte dos dirigentes de instituições ligadas
às artes se assumem como estando nas tais inexpugnáveis torres de marfim é in
diciador do distanciamento do papel transversal na sociedade que a arte pode e
deve assumir, sobretudo numa perspetiva de desenvolvimento cultural, tanto a
nível regional como nacional.
A famosa selva urbana – a cidade vazia e financeiramente falida, que fertilizou
tantos artistas em início de carreira – está em via acelerada de extinção. No en
tanto os artistas não desistiram das cidades. As cidades estão imbuídas com um
sentido histórico de lugar que ainda liga as pessoas, apesar das atuais realidades
políticas e económicas, como um cordão umbilical que une o passado e o pre
sente. A maioria dos artistas não possui suporte institucional formal dentro do sis
tema de galerias ou espaços de exposição institucionais.
Muitos ganham a vida trabalhando como artesãos (tecnológicos ou não) para
um pequeno punhado de outros artistas, que, esses sim, são representados por
galerias e cobiçados internacionalmente. Vejase o caso de Joana Vasconcelos,
que em 2019176 contava com uma equipa de cerca de 60 pessoas – artesãos, cos
tureiros, eletricistas, carpinteiros, pintores, arquitetos, fotógrafos, especialistas
175
https://twitter.com/TarekIskander1/status/1252873236682993665?s=20 [2020/06/24]
176
https://www.forbespt.com/lideres/visaodosartistas/?geo=pt [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
177
https://chashama.org/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA
187
Vejase o caso do impacto do festival Ars Electronica na cidade de Linz, na Áustria – https://ars.elec
tronica.art/aeblog/en/2019/08/05/arsandthecity/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA
corresponde a uma questão real, com impactos fortes sobre os festivais e as po
líticas culturais. Colocase atualmente uma variedade crescente de questões
sobre os festivais, nomeadamente, sobre o seu papel no estabelecimento de
identidade de lugar e grupo; os seus impactos sociais e culturais; o seu contributo
para a criação de capital social e cultural; para a promoção das artes e a preser
vação das tradições.
O interesse pelos festivais de artes, por parte do poder político, tem sido re
duzido até muito recentemente, dado que eram vistos como um parente pobre
de outras atividades culturais e frequentemente considerados, em termos de po
lítica cultural, como um primeiro passo para o desenvolvimento de atividades cul
turais mais produtivas e sustentáveis (Quinn, 2013). Emoldurados por uma ampla
gama de estratégias de regeneração urbana neoliberal e norteados pela estetiza
ção global, os festivais de artes – incluindo música, artes visuais e MAD – são agora
um pilar do turismo urbano e da formulação de políticas urbanas, alavancando
uma série de objetivos sociais e económicos, o que é mais evidente nas cidades
(Pejovic, 2009).
A MAD tem sido vista predominantemente numa variedade de contextos al
ternativos, e pode ter encontrado a sua primeira audiência em grande escala no
circuito dos festivais de cinema e dos festivais de artes performativas, que come
çaram a incorporar vídeo e outras formas de arte intermedia e multimédia nos
seus programas, já no final da década de 1970. Esta realidade permitiu evidenciar
certas características da MAD, tidas como problemáticas na sua entrada nos mu
seus: a natureza temporal, participativa, transitória, interdisciplinar e internacio
nalmente móvel (Cook, 2008).
No início da década de 80, a MAD conseguiu encontrar a sua audiência atra
vés de festivais especializados (Krajewski, 2006). Esses eventos surgiram como um
fenómeno cultural para responder à necessidade de novos espaços de apresen
tação para os projetos de MAD.
188
Considerese também o caso do Festival Burning Man, que transforma o deserto de Black Rock,
Nevada, num parque de diversões cocriativo e participativo – https://www.insider.com/whatis
burningmanlikeeveryyear20198 [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
de longa duração, através de passes válidos para vários festivais de temática rela
cionada, onde existe um público comum.
Devido ao facto de vários destes festivais estarem vinculados a instituições
culturais e a financiamento de terceiros, público e/ou privado, o principal pro
blema com que se deparam é a perda da atitude crítica e foco analítico, que ti
nham sido os elementoschave diferenciadores aquando do seu surgimento na 187
cena artística. Muitos dos festivais de MAD mais estabelecidos transformaramse
em eventos sociais glamorosos, cujo objetivo se centrou no entretenimento do
público, descurando um papel crítico, no questionamento da tecnologia e do seu
impacto social e político (Marletta, 2012).
De acordo com Simondon (1992: 306310; 2010: 229) e Mumford (1963: 60
106) é importante reconhecer que os valores políticos, éticos e sociais se podem
tornar protocolos em jogo na cadeia de modulação. O digital pode ser usado para
promulgar valores neoliberais (Schmidt & Cohen, 2013), da mesma forma que
pode ser usado para convidar à participação numa ética social igualitária e caris
188 mática diversificada (Braidotti, 2014). Darse conta deste potencial implica uma
vantagem de poder sobre os que o ignoram. Talvez sejam os hackers, a comuni
dade de software livre, os dissidentes do capitalismo digital e os remixers que, por
operarem na esfera da produção, da disseminação, da socialização e da organiza
ção do saber, e terem a sua atividade fundada numa ética da cooperação volun
tária, permitam a experimentação de outros modos de vida e de outras relações
sociais.
214
https://www.instagram.com/insta_repeat/ [2020/06/24]
ARTE TERRITORIAL ANTROPOFÁGICA
À medida que o complexo tecnológico se torna mais inteligente, recolhendo
informação sobre os gostos, hábitos e dados biométricos, e gerando conhecimento
com esses dados, tornase cada vez mais difícil dizer onde termina o ambiente e
192 começa a pessoa (Clark, 2003). Enzernsberger (1982) sustenta que o intelectual
deve tentar usar aquele complexo para os seus próprios fins, que são geralmente
incompatíveis com os propósitos da máquina industrial: o que ela sustenta, ele
deve subverter.
A pósconvergência da MAD (Nash, 2015) determina que ela pode mimeti
zarse em qualquer outra prática artística, podendo assim tornarse também em
mais uma forma de embelezamento do quotidiano, gerando uma quantidade de
obras, frequentemente voláteis, efémeras, decorativas e pouco memoráveis.
Mas a pósconvergência pode também levar a MAD a seguir as pisadas da
queles que insistem em questionar a dignidade, utilidade, democraticidade e aces
sibilidade da arte, numa sociedade recheada de inutilidades, povoada de vidas
indignas, onde as assimetrias sociais são gritantes e onde existe toda uma Huma
nidade invisível de vítimas colaterais do consumismo (Bauman, 2013).
Ora a MAD pode contribuir para essa visibilidade, com vantagem sobre as
outras formas e práticas artísticas, porque fala a linguagem da atualidade, porque
acede às suas redes de comunicação, porque se pode insinuar enquanto embele
zamento, e questionar a seu coberto.
Espreitar para dentro das caixasnegras e alterar o seu funcionamento cons
titui, até certo ponto, uma atividade ilegal conhecida como hacking, mas que tam
bém é um processo criativo, um parente próximo da apropriação artística e remix.
215
No original: hacking the new out of the old.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
193
Figura 34: Artie remix – Mona et la laitière immortalisent leur voyage chez le cri.
Fonte: Travailwiki (CC BYSA 4.0).
O The New Art Fest utilizou o material eletrónico urbano da cidade de Lisboa,
conseguindo trazer uma série de obras e artistas ao encontro de um público que,
de outra forma, os ignoraria. Mas o impacto seria consideravelmente maior se as
próprias obras se relacionassem diretamente com as vidas reais das pessoas que
nelas se reveriam, estabelecendo uma relação entre artista, obra, público e terri
tório, criando camadas adicionais de relevância, de intervenção, de interferência.
À medida que mais e mais ecrãs são colocados em aeroportos, museus, es
colas, locais públicos de atendimento, restaurantes e bares, centros comerciais,
centros de conferências, receções de empresas, consultórios médicos, hotéis, tea
tros e casinos, constituem também um potencial a explorar pela MAD, em parti
cular a videoarte, mas também outros géneros interativos. Os artistas são atraídos
para a MAD em parte porque lhes interessa explorar a relação (em rápida e cons
tante mudança) entre média, tecnologia, ciência, arte e sociedade.
Estas preocupações eram frequentemente evidentes no trabalho de artistas
associados aos movimentos de arte cinética e Fluxus durante a década de 60, mas
também mais recentemente é possível ver a continuação desta tradição crítica no
trabalho de uma geração mais jovem de artistas que trabalham com tecnologias
locativas, software para jogos e biotecnologia, entre outras.
PEDRO ALVES DA VEIGA
A proposta cultural do DIY tem origem no movimento Punk do final dos anos
70 e início dos 80. Vários autores associam o DIY Punk às experimentações artís
ticas do dadaísmo e a Marcel Duchamp, dentro do mesmo espírito de transgressão
e crítica à sociedade. A ideia do DIY foi absorvida, mais tarde, por aqueles que de
sejavam penetrar no, inicialmente inacessível, universo da tecnologia da informa
194 ção digital.
O hacktivismo apropriouse do conceito e influenciou, não apenas os grupos
próximos à cibercultura, mas também a própria indústria da tecnologia da infor
mação (Leão et al., 2017). O artivismohacktivismo é um tipo de prática artística
que pode conter variações significativas na disposição do artista de se envolver
em atividades ilegais ou legalmente ambíguas. A orientação para fora da lei de
terminará práticas como ataques de denialofservice (DoS), descaracterizações,
sabotagens de sites ou roubo de informação, enquanto a orientação transgressora
apenas desafia a lei, sem extremar o desafio até ao ponto de ameaça legal ime
diata (Samuel, 2004). Os artivistas digitais, por outro lado, operarão sempre dentro
da legalidade, principalmente através de interferências culturais e subversivas.
Ensler define o artivismo como:
Figura 35: Fotograma do projeto participativo artivista de arte generativa cinemática SAR Specie
sism | Ageism | Racism216 apresentado pelo autor no Festival Digital function(2019,»innocence»),
em Palma de Maiorca, Espanha. Fonte: autor.
216
https://pedroveiga.com/sarspeciesismageismracism/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA
O artivismo movese então entre estas duas visões críticas e se, por um lado,
o artivismo politiza a arte e usa a arte como design político, por outro lado a arte
é parte integrante da cultura, e não faz sentido proibir o seu uso por movimentos
politicamente oposicionistas, sob o pretexto de que esse uso leva à espetaculari
zação (Tunalı, 2017). As práticas de artivismo contemporâneo, enquanto cultura
de movimentos sociais, não podem ser excluídas de uma consideração séria, en
quanto práticas artísticas e enquanto expressões políticas.
Já em 1980, Lippard (1980: 364) comentava, relativamente à acusação de arte
má: «dada a história das vanguardas, o que raio significa hoje em dia arte má?»
Desde então, a arte tornouse ainda mais porosa, informal, DIY, apropriandose de
tudo (Bayley, 2012).
O conceito de antropofagia, cunhado pelo poeta e filósofo brasileiro Oswald
de Andrade no Manifesto Antropófago (Andrade, 1976), estabeleceu uma metá
fora somática que liga a prática do canibalismo das tribos nativas, e os novos in
vasores dos campos sociais e artísticos. A MAD artivista é antropófaga em alto
grau: afixação de ecrãs virtuais sobre espaços públicos em MAL, stencils de rua
com códigos QR, graffiti revolucionário em realidade aumentada, hashtags, vi
217
Cult of ugliness, no original, em inglês.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
pois de ter ajudado a mais de 50.000 amigos serem removidos e mais de 500 «sui
cídios», o Facebook bloqueou o acesso do Web 2.0 Suicide, alegando quebra dos
termos de serviço.
Outro projeto do artivista Ben Grosser, Tracing You226, exibido no Festival
PLUNC em 2016 em Lisboa, faculta uma visão do mundo em tempo real do ponto
198 de vista do visitante. Para isso procura câmaras de vigilância públicas, mais próxi
mas do IP do visitante do site, e exibe os seus feeds, obtendo por vezes uma apro
ximação assustadora. O projeto levanta várias questões, desde o grau de
conhecimento que um sistema informático pode ter sobre o nosso ambiente, ape
nas com base nos indícios digitais que deixamos, quais os objetivos desse mesmo
sistema ao querer localizarnos, qual a precisão das fontes de dados que usa e o
que se revela sobre quem (ou o que) navega na Internet, e o que se pode fazer
com essa informação.
Nesta mesma linha, e com preocupações redobradas durante os protestos
que se seguiram ao assassinato de George Floyd nos EUA, o artista Everest Pipkin
produziu e disponibilizou, não um projeto artístico, mas uma ferramenta – Image
Scrubber227 – que permite eliminar todas as informações EXIF, bem como desfocar
todos os rostos numa fotografia, antes dela ser publicada nas redes sociais. O pro
jeto foi motivado pela utilização de imagens de manifestações, capturadas e par
tilhadas nas redes sociais pelos próprios manifestantes, mas analisadas e utilizadas
pelas forças policiais para a identificação dos indivíduos que nelas figuravam, bem
como horas e locais onde os manifestantes se encontravam. Assim, utilizando o
Image Scrubber, toda a informação passível de identificar pessoas, locais e horas
é retirada das fotografias, tornandoas seguras.
Também o artista conhecido como American Artist228, um nome escolhido
pelo próprio para obliterar a sua identidade, tornando praticamente impossível
a pesquisa na Internet de informação sobre si, criou a aplicação 1956/2054229 para
a exposição My Blue Window no Queens Museum, em 2019. Tratase de uma apli
cação que imagina a experiência visual de uma ferramenta de inteligência artificial
que envia forças policiais para zonas consideradas de criminalidade de alto risco.
As imagens retratam ruas e bairros calmos, onde nada se passa, e chegam a ser
soporíferas. É uma crítica ao policiamento preditivo de um futuro imaginado, onde
a criminalidade negra não acontece porque os negros são preventivamente presos.
A capacidade que os nossos dispositivos digitais têm para interagir na Internet
– e, consequentemente, os vestígios que eles e nós deixamos – foram a base de
um ataque de hackers (crackers?), que se suportou em mais de um milhão de dis
226
https://bengrosser.com/projects/tracingyou/ [2020/06/24]
227
Image Scrubber pode ser traduzido por limpaimagens, e está disponível no site do seu autor:
https://everestpipkin.github.io/imagescrubber/ [2020/06/24]
228
https://americanartist.us/ [2020/06/24]
229
https://play.google.com/store/apps/details?id=com.americanartiststudio.mybluewindow
[2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
230
https://www.codeofconscience.org/ [2020/06/24]
REALIDADE REMIXED PÓSFAKE
Fake: The Real Deal?231 é uma exposição na Science Gallery, em Dublin, que
explora o conceito de autenticidade, questionando o seu valor através de uma va
riedade de pontos de vista: de carne falsa a emoções falsas, se o falso cumpre o
200 seu objetivo, quem é que se importa?
A morte em direto banalizouse, através da cobertura televisiva de bombar
deamentos, tiroteios ou execuções. Colocamos câmaras em gatos e cães e os dro
nes são usados para filmar pornografia, como se fossem flagrantes espontâneos.
Simulamos a realidade e partilhamola como sendo o artigo genuíno.
231
https://dublin.sciencegallery.com/fake/ [2020/06/24]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
minar as intenções de voto nos seus opositores; e designase por pósfake o re
sultado dessas ações: a eleição presidencial.
Definir o que é real é um ato de poder. Ser capaz de reinventar a realidade
pode ser também um ato de liberdade. A criação de experiências pósfake pode
abrir portas a campos criativos relativamente pouco explorados, e de forma mais
positiva e interessante existem já projetos artísticos que adotaram esta abordagem 203
de diluição da fantasia com a realidade, criando cenários transmedia, onde as duas
se misturam.
Por exemplo, o Instituto Hereafter243 apresentase como um fornecedor de
serviços e cerimónias para a nossa segunda morte. Atualmente morremos duas
vezes: primeiro os nossos corpos são enterrados ou cremados e deixamos de exis
tir no mundo material. Mas o que acontece à nossa presença virtual? A nossa
morte digital? O Instituto permite três abordagens: a remoção, a continuação e a
memorialização. Mas, apesar do website dedicado, do vídeo244 de apresentação
e de artigos em blogs, escritos por supostos visitantes do Instituto Hereafter245,
tratase de um projeto artístico de Gabriel BarciaColombo, docente na Universi
dade de Nova Iorque. Um visitante incauto que encontre o site, assista ao vídeo
de apresentação e preencha o formulário de contacto, não deixará de ficar vaga
mente desapontado quando descobrir que, afinal, a organização é fictícia (mas
encontrará certamente consolo nas mais de vinte empresas que já prestam um
serviço semelhante246). Contudo, o Instituto Hereafter organiza experiências imer
sivas reais como, por exemplo, no Los Angeles County Museum of Art, em que
sensibiliza as pessoas para a sua presença digital e alerta para o futuro, os rituais,
a preservação e a forma de lidar com a sobreabundância de registos digitais que
vamos criando nas nossas vidas.
Outro exemplo paradigmático é a REFF247, uma instituição cultural falsa, que
nasceu em Itália, em 2008, e que tem a sua origem num protesto contra a organi
zação de um concurso – RomaEuropa WebFactory – que proibia determinante
mente o remix (hiperligação, modificação, interpretação, ligação, recorte,
sobreposição, entre outros), por receio de problemas relacionados com direitos
de autor. Mas essa mesma organização reservavase o direito de poder usar os
trabalhos recebidos para remix próprio, e posterior exploração. Surgiu, então, a
ideia de ocupar o evento, através do registo duma designação semelhante (Ro
maEuropa FakeFactory), com o correspondente domínio na Internet, e foi lançado
um concurso, onde era obrigatório utilizar toda a espécie de remix, salientando a
importância dos novos modelos de licenciamento aberto, commons, copyleft,
entre outros. Em resumo, o concurso da organização fake teve um tal sucesso, que
243
http://www.hereafterinstitute.com/welcome [2020/06/20]
244
https://vimeo.com/175742886 e https://vimeo.com/222143841 [2020/06/24]
245
http://circulationexchange.org/articles/HereafterInstitute.html [2020/06/24]
246
http://www.thedigitalbeyond.com/onlineserviceslist/ [2020/06/24]
247
http://www.romaeuropa.org/ [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA
248
http://www.fakepress.it/FP/?p=1640&lang=en [2020/06/24]
249
https://www.youtube.com/watch?v=SXaoPPkpqUo [2020/06/24]
O BLENDING DA PRODUÇÃO E DA REPRODUÇÃO: A UBÍ
QUA BLACKBOX
O ciberespaço surgiu com promessas de salvamento de uma realidade limi
tadora, mas depressa se tornou num simulacro dessa realidade, constituindose
como mais uma cortina de clichês. Usado maioritariamente como forma de os 205
tentação daquilo que, provavelmente, não temos no mundo material, deu origem
a mundos virtuais como o World of Warcraft ou Second Life – que gerava o equi
valente ao PIB de um pequeno país, 500 milhões de USD (Maiberg, 2016). Foram
editados manuais impressos (e pagos em USD) que ensinavam a lidar com a vir
tualidade, como The Unofficial Guide to Building Your Business in the Second Life
Virtual World: Marketing and Selling Your Product, Services, and Brand InWorld250
que, ao longo de 320 páginas, aborda espaços colaborativos de trabalho, startups
ou aulas na Universidade de Princeton. Para não falar nas epidemias que pratica
mente aniquilaram comunidades inteiras de jogadores, como o incidente Corrup
ted Blood251, no World of Warcraft. Este incidente começou em 13 de setembro
de 2015 e durou uma semana, daí resultando que as cidades (virtuais) ficassem
infestadas de cadáveres, e os jogadores sobreviventes (na verdade, os seus ava
tares) tivessem que fugir para os campos desertos circundantes, para evitar o con
tágio e o mesmo destino.
No espaço de pouco anos já se pode falar em comoditização da virtualidade,
e a ampla divulgação do hardware de visualização a preços muito acessíveis, fa
cilmente verificável através de uma busca online, demonstrao.
Outro exemplo desta comoditização é o lançamento comercial da Acute Art,
autodescrita como a «primeira plataforma de arte em realidade virtual», usando
todas as buzzwords da moda: «experiência, inovadora, radical, interativa, criativa,
disruptiva, revolucionária»252. A esta lista impressionante de lugarescomuns jun
taramse três nomes importantes do mercado da arte contemporânea, como
sendo os primeiros artistas na plataforma, mas que não são propriamente conhe
cidos inovadores digitais ou radicais criadores de MAD: Jeff Koons, Marina Abra
movic e Olafur Eliasson. Depois de uma visita inicial constatase que as suas obras
virtuais acabam por ser traduções quase literais digitais/virtuais de obras físicas.
A trivialização da virtualidade está na base do excesso de discursos e imagens que
proliferam no espaço público globalizado que, ao eliminar elementos de distinção,
de unicidade, de verdadeira inovação ou vanguarda, se vulgarizou, tornandose
em nada mais do que uma curiosidade tecnológica.
250
h tt p s : / / w w w . a m a z o n . c o m / U n o ffi c i a l B u i l d i n g B u s i n e s s S e c o n d V i r t u a l
ebook/dp/B001UE7OV8/ref=sr11?s=books&ie=UTF8&qid=1474462304 [2020/06/24]
251
https://uk.reuters.com/article/usfluvirtual/onlinebloodplagueofferslessonsforpandemics
idUKTRE53Q4HI20090427 [2020/06/24]
252
https://acuteart.com/home [2020/06/24]
PEDRO ALVES DA VEIGA
209
Figura 38: Dentro do Infinity Mirror Room, de Yayoi Kusama. Fonte: Stig Nygaard, Flickr (CC BY 2.0).
sem ser dito; para ele tudo isto constitui o dispositivo. Com uma estrutura de fun
cionamento complexa, o dispositivo colonizador condiciona a perceção e a repre
sentação e, simultaneamente, nega a possibilidade de uma externalidade – vivese
dentro do dispositivo. O panóptico, cuja conceção é atribuída a Jeremy Bentham,
em 1785, é um símbolo de uma sociedade assente em mecanismos de vigilância,
onde existe uma consciência de observação permanente e omnipresente, indutora 211
de medo como forma de poder e disciplina, acompanhada da invisibilidade do ob
servador. No panóptico a vigilância observa sem ser observada, e o indivíduo é o
objecto sistemático da informação. Se o panóptico original foi concebido como
uma prisão, este dispositivo foi alvo de uma transposição para as tecnologias di
gitais no projeto The ICSI Haystack Panopticon 257. Agamben (2008), relaciona a
tecnologia com a política, assumindo que o dispositivo que condiciona, também
reprime e vigia, e é atualmente composto quer por motores físicos, quer virtuais,
sustentando que a sua própria criação resulta da interseção das relações de poder
com as relações do conhecimento.
Os espaços físicos são recriados por múltiplas camadas sobrepostas de infor
mação digital apensa a lugares físicos por utilizadores de tecnologias móveis,
criando novos espaços blended, novas heterotopias (Foucault, 1984), suportados
por sistemas de comunicação. A escala física dos espaços urbanos contemporâ
neos, a distribuição e heterogeneidade da população, as formas, velocidades e di
nâmicas de circulação que caracterizam a vida urbana e social desestabilizaram
as hierarquias urbanas tradicionais, inaugurando um período de grande incerteza
quanto à função da cidade enquanto centro simbólico.
À medida que a mobilidade tecnológica se impõe, a cidade contemporânea
tornase um complexo arquitetónico de média, com uma proliferação de platafor
mas digitais de média localizadas: ecrãs citadinos, edifícios com grandes superfícies
das suas fachadas cobertas com matrizes de pixels, as redes Tomi e JCDecaux, entre
outros. Mas esta nova arquitetura desenhase sobretudo sobre as novas formas de
copresença, geradas por dispositivos móveis sobre redes wifi (McQuire, 2009).
A presença da MAD nas cidades contemporâneas é determinada por um en
quadramento mapeador – o artista irá escolher locais com redes wifi gratuitas para
instalar as suas obras de realidade aumentada ou MAL, e garantir o acesso às mes
mas por parte de uma audiência alargada. Mas se essas redes gratuitas fizerem
parte de um dispositivo de monitorização e controle, como os descritos por Fou
cault (1976) e Agamben (2008), então cabe também ao artista contribuir, conscien
temente, através das suas criações, para perpetuar ou desestabilizar esse controle.
257
http://haystack.mobi/panopticon [2020/06/24]
ARTE URBANA DIGITAL
Kalnins (2002, 2004) utilizou a expressão location aware e posteriormente
locative media para se referir a produtos e processos artísticos ligados a um lugar
ou espaços físicos, que provocam interações e dinâmicas sociais. Não é em con
212 textos comerciais ou técnicos que o termo surge, mas no campo da arte, comuni
cação e cultura. Tuters e Varnelis (2006) classificam estes projetos como
anotadores e fenomenológicos. Por anotador referemse à rotulação de localiza
ções geográficas utilizando software comercial, como o Google Earth ou o Google
Maps. Consideramnos fenomenológicos porque registam a ação dos indivíduos
vivos num espaço físico.
A hipótese básica de trabalho da médiaarte locativa (MAL) relacionase dire
tamente com as ideias do espaço propostas por Santos (1988), porque as pessoas
e o território interagem, como também afirmou Thompson (2008) e está funda
mentado no trabalho de Lefebvre (1991) e Debord (1955). Esta visão da localização
é significativa para os artistas, permitindolhes amplificar as formas de interagir
com as suas obras e, simultaneamente, contextualizálas num determinado espaço.
Lemos e Josgrilberg (2009) propõem cinco categorias para os projetos de MAL, re
velando esta topologia um cariz predominantemente urbano da MAL:
• anotações geográficas;
• mapeamentos;
• redes sociais móveis;
• jogos computacionais pervasivos;
• mobilizações inteligentes (smart mobs e flash mobs).
A MAL está, assim, próxima da noção de jogo, como apresentada por Gada
mer (1985), como um movimento, que poderá não estar ligado a uma finalidade
última; o símbolo, como aquilo que se reconhece de um encontro prévio (com
algo ou alguém) e como festa, simultaneamente enquanto coletivo e a sua repre
sentação. Para ele, estes conceitos desempenham um papel de destaque para se
definir arte: o regresso ao jogo, a elaboração do conceito de símbolo, isto é, da
possibilidade de reconhecimento de nós mesmos, e finalmente a festa, como a
essência da comunicação recuperada de todos com todos (Gadamer, 1985: 38,
50, 61, 23).
Pode proporse, então, uma definição de médiaarte locativa como aquela
que utiliza dispositivos, sensores, redes de comunicação e respetivas bases de
dados, para desenvolver artefactos digitais que reagem a lugares e contextos,
compostos por pessoas, objetos e/ou informação, fixos ou em movimento, mas
que definem um território de ação.
É importante considerar estes últimos pontos, já que a MAL pode ser desen
volvida num jardim, num edifício, mas também numa carruagem de comboio ou
num autocarro. A experiência do espaço físico é aumentada, em vez de ser difi
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
cultada pela tecnologia (Savicic, 2012). Lefebvre (1991: 33) propõe uma tríade
para explicar como esse espaço aumentado é produzido:
• A prática espacial, que abrange a produção e a reprodução, e os locais par
ticulares característicos de cada formação social. A prática espacial garante
a continuidade e um certo grau de coesão. Em termos de espaço social e
de cada membro da relação de uma determinada sociedade com esse es 213
paço, essa coesão implica um nível de competência garantido e um nível
específico de desempenho.
• Representações do espaço, ligadas às relações de produção e à ordem que
essas relações impõem e, portanto, ao conhecimento, sinais, códigos e re
lações frontais.
• Espaços representativos, incorporando simbolismos complexos, às vezes
codificados, outras não, ligados ao lado clandestino ou subterrâneo da vida
social, como também à arte, que podem vir a ser definidos menos como
códigos de espaço e mais como códigos de espaços representacionais.
Tudo isto pode ser tornado visível através de intervenções artísticas sobre
MAL, e por esta razão, mais do que considerar o seu uso como um fim em si
mesmo, o autor postula a utilização da MAL sobre a arte urbana digital para me
lhorar a literacia locativa: a capacidade de ler, escrever, comunicar é vital para
qualquer pessoa que precise agir, assumir o poder, ter agência. A consciencializa
ção de como os fluxos e as camadas de informação se cruzam e ampliam a agência 215
local do indivíduo, e a capacidade de intervir a esse nível é uma extensão adicional
dessa literacia e da sua agência.
Um caso particularmente interessante é o do edifício Magasins Généraux
Pantin (figura 39), no Canal de l’Ourcq em Paris. Fechado desde o início do século,
tornouse conhecido como Graffiti Général, dado que os seus cinco andares se
encontravam totalmente cobertos de graffiti, constituindo uma das principais atra
ções turísticas ligadas ao género. Em 2016 a agência de publicidade BETC renovou
e reabriu o edifício, transformandoo num hub criativo com espaços de cowork.
Na mesma altura criou também um projeto de preservação de toda a streetart
que cobria o edifício, usando mais de 5400 fotografias de alta resolução para o
efeito, e disponibilizouo online264. É, assim, um projeto emblemático de arte ur
bana digital sobre arte urbana real.
264
http://www.graffitigeneral.com/ [2020/05/21]
PEDRO ALVES DA VEIGA
270
http://www.biomapping.net/ [2020/06/06]
271
https://brianhouse.net/works/conversnitch/ [2020/06/06]
IV PARTE – MUSEU
TENDÊNCIA VERSUS INTERFERÊNCIA: ARTE QUÂNTICA
a pertinência da sua partilha. A real fruição não é, assim, um ato coletivo, mesmo
quando origina um elevado número de partilhas.
Em 2014 uma das palavras candidatas a neologismo do ano pela Oxford Uni
versity Press foi normcore, formada a partir de normal e hardcore, e que designa
a atitude de encontrar a liberdade em não ser nada de especial. Foi ainda a has
htag mais utilizada em 2014. Segundo os criadores do conceito278 nós vivemos na 223
era massindie279. Este pastiche de buzzwords acaba por ser a materialização da
mensagem emblemática do consumismo do século 21: tu és único + tu és dife
rente + tu és especial + tu és livre280, dirigindose aos muitos milhões de tu, con
sumidor, todos únicos, especiais e alvo da mesma mensagem massificada. Ainda
segundo a KHOLE, o massindie deitou fora a preocupação da vanguarda em eva
dirse da massa, e focouse na celebração da diferença – em massa: todos somos
diferentes. E se em décadas passadas a mensagem era dirigida aos filhos, os pais
de hoje também a ouvem, que as idades, tal como as identidades, já não são mu
tuamente exclusivas, e estão sempre preparadas para novas combinações: ténis
e fato Armani, esquerdacaviar, Rubens e Andy Warhol, MILF e DILF. A cultura
massindie mistura o estranho e o normal, até os dois estarem nivelados. Neste
cenário, dominar a diferença é uma forma de neutralizar ameaças e ampliar o sta
tus no grupo dos seus pares. Existem contudo três problemas, que o normcore
ajuda a ultrapassar/reenquadrar:
1. A clonagem – os artefactos produzidos têm tão poucas diferenças entre si,
que até os nomes dos seus autores se confundem. Para o normcore isto é
perfeitamente aceitável. Há que estar integrado, fazer algo parecido com
o que todos os outros fazem, para poder ter o sentido de pertença a uma
comunidade.
2. O isolamento – se as obras são tão diferentes e especiais que ninguém as
compreende e/ou deseja, para o normcore não há isolamento, há integra
ção. Se algo é diferente e especial, éo apenas porque ainda não encontrou
a comunidade certa para se integrar. Fomentese então a criação dessa co
munidade e explorese o mercado respetivo.
3. O excesso de informação – o fluxo constante de informação e novidade é
tão intenso que já não se distingue do spam, e há uma inevitável perda de
informação. Mas este problema acontece a todos, o que, por definição, o
torna aceitável. A solução é reter apenas os soundbites importantes para
construir um discurso normcored.
278
http://khole.net/ [2020/06/06]
279
Massindie = mistura de massa com indie, a abreviatura de independente, nascida no mundo da
música, referindose aos grupos que lançavam os seus discos através de editoras secundárias no
panorama musical.
280
Alusão a uma curtametragem sobre estes clichés, com o título This is a Generic Millennial Ad, dis
ponível em https://vimeo.com/231557692 [2020/06/06]
PEDRO ALVES DA VEIGA
É este potencial para viver a prática artística entre limites, entre perpetuação
ou disrupção, entre físico e virtual, entre real e fake, entre propriedade e expe
riência, afetar e ser afetado, que tem o potencial de levar os artistas de MAD a as
sumir, mais do que noutras áreas, uma indeterminação categórica essencial: ser
simultaneamente partícula e onda, como a luz – ser artista e hacker, gestor de um
226 centro de investigação e artivista, criador e docente universitário: é um mecanismo
mimético de sobrevivência, e usamno porque na verdade eles podem ser tudo
isso.
Os artistas conceptuais podem ter aberto a porta para esta evasão ontológica
na década de 1960, quando declararam que iriam ser os seus próprios críticos e
teóricos, ou quando apresentavam equações matemáticas ou performances acús
ticas como formas de arte, herdeiros de um certo espírito boémio, crítico do con
formismo e da hierarquia burguesa no século 19 (Boltanski & Chiapello, 2005).
Contudo, essa crítica pode ter perdido a força, enquanto argumento antica
pitalista, dado que também o hedonismo assaltou o mainstream (Heath & Potter,
2005). O estilo de vida boémio, celebrado por Florida (2002), tornouse uma fonte
de novos bens e serviços. Na versão capitalista da boémia, o desejo de se destacar
da multidão ou expressar a própria individualidade é frequentemente articulado
através de compras e consumo.
No icónico anúncio (dos computadores pessoais Apple) 1984 285 o indivíduo
rebelde é aquele que rejeita as grandes marcas (na época simbolizadas pela IBM)
a favor de outro produto alternativo. Mas, ao aderir ao processo, o rebelde afinal
ajuda a transformar o produto alternativo numa grande marca e, neste exemplo
em particular, superando em penetração de mercado, dimensão e simbologia, o
próprio gigante que afirmava combater.
Desta forma a crítica da sociedade de massas tem sido uma das forças mais
poderosas e paradoxais que impulsionaram o consumismo nos últimos quarenta
anos (Heath & Potter, 2005), abrindo caminho para a especulação de que, qual
quer ação crítica – incluindo o artivismo – que não seja planeada contemplando
todas as implicações, variáveis e reações, pode vir a ser efetivamente responsabi
lizada pelo efeito oposto ao que pretende alcançar.
O glamour da fama confundese com o sucesso comercial e com a relevância
no panorama artístico. Se é conhecido, deve ser bom. Se fosse bom, devia ser co
nhecido. Quando um artista passa a ser representado por uma galeria ou a rela
cionarse proximamente com curadores de espaços culturais, representativos e
com visibilidade, adquire um estatuto de estabilidade comercial, garantindo o re
torno do investimento. O ciclo progride, com as pressões financeiras a levar os ar
tistas à autocensura e a adequaremse às tendências do mercado. As galerias,
festivais, circuitos de exposição/exibição e os próprios colecionadores incentivam
os artistas a produzir mais do que o mercado quer, aquilo que atrai o público (qual
285
https://youtu.be/2zfqw8nhUwA [2020/06/30]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
A MAD inspira sonhos sobre o futuro tecnológico, entre eles o sonho de re
configurar espaços, museus e instituições artísticas. A MAD parece exigir um es
PEDRO ALVES DA VEIGA
229
Figura 41: A obra 10.000 Moving Cities Same but Different, exposta no National Museum of Mo
dern and Contemporary Art, Seoul, Coreia. Fonte: Marc Lee (CC BYSA 3.0).
Banksy e outros street artists criam obras para o que se pode chamar a era
da arte social e da fragmentação da atenção – arte que se pode partilhar num se
gundo, porque (se) expõe de imediato todo o seu significado. Desenvolveram o
equivalente artístico a um tweet: vêse e compreendese. Não consome dema
siada atenção, por isso tornase popular, e permitindo uma experiência partilhável
através do humor e da crítica que a permeiam.
Mas será isso, realmente, tudo – e só – o que se deseja? Há um nebuloso
conceito de bem social, que tudo engloba, desde o entretenimento à angariação
de donativos para causas sociais meritórias.
Há também uma ambivalência em relação à originalidade, criatividade e ino
vação:
• pela negativa, dado o abuso dos termos pelas teorias económicas;
• mas também pela positiva, porque cada artista deve encontrar a própria voz,
convivendo com as ideias da morte do autor e do fim do mito do génio criativo.
O objetivo das práticas que Guattari descreve (1989) é, afinal, ativar singula
ridades isoladas e reprimidas, responder às experiências como o potencial porta
dor de novas constelações de universos.
Extrapolemos das imagens para a MAD: ela tem a capacidade (também tec
nológica) de discutir cada vez mais com a própria arte, pode corromper e ser cor
rompida, degenerar e ser degenerada, regenerar e ser regenerada. Pode produzir
o que ainda não faz, e criar fendas, brechas e divisões dentro de si mesma. É capaz
de alterar o pensamento e as formas de envolvimento, captar a atenção de forma
230 malcomportada, subverter os oito princípios generativos da economia da atenção,
as cinco melhores práticas da economia da experiência, e tentar ser mais interes
sante e magnetizante do que toda aquela arte que os segue cegamente. Ou então
seguilos a todos e ser desconcertante, produzir experiências personalizadas, mas
gratuitas, ou caras e soporíferas, mas todas inesquecíveis, baseandose nas três
características mais importantes do pensamento divergente: a flexibilidade, a ori
ginalidade e a fluência (Guilford, 1956).
Existem (pelo menos) duas formas através das quais a arte é capaz de influen
ciar o mundo em que vivemos. A arte pode estimular a imaginação e mudar a
consciência das pessoas. Se a consciência das pessoas muda, então as pessoas
mudadas também mudarão o mundo em que vivem. A segunda possibilidade co
locase não ao nível da produção de mensagens, mas sim da produção de objetos,
de coisas. Artistas e público partilham o mundo material em que vivem, e aqui a
meta não é mudar a alma das pessoas, mas sim mudar o mundo em que essas
pessoas vivem – e ao tentar acomodarse às novas condições do seu ambiente,
as pessoas mudam sensibilidades e atitudes (Groys, 2016).
Se algum debate foi interno ao próprio ICOM, por parte de delegações nacionais
que não se sentiram representadas, a verdade é que no Twitter da instituição o ce
PEDRO ALVES DA VEIGA
nário não foi mais pacífico288, com reclamações de vários utilizadores sobre a falta
de correspondência da definição proposta à realidade efetiva (espaços nãoinclusivos,
com seletividade na admissão, através de preços elevados ou de política de escrutínio
de entradas, por exemplo), ou da omissão do papel educativo dos museus.
Para este cenário agitado contribui certamente o fenómeno de mediatização
234 e globalização das instituições museológicas, enquanto atrações turísticas e luga
res de dinamização urbana e cultural, e ao longo das últimas duas décadas multi
plicaramse os projetos para museus e exposições virtuais, sediados na Internet.
Para além de meio indispensável de comunicação para os museus, a Internet
converteuse num novo território de concretização de projetos de arquitetura, de
sign de exposições e curadoria, designadamente com o desenvolvimento de mo
vimentos artísticos baseados em processos digitais, como a MAD ou a net art.
Apesar do potencial criativo que a desmaterialização possibilita para os mu
seus, tanto a nível do espaço físico de exposição e experimentação, como das co
leções ou conteúdos expositivos, assistese a uma paradoxal prevalência da
reprodução da materialidade, através da digitalização de coleções de obras físicas,
em detrimento da criação de novos ambientes ou novas obras digitais. Os museus
de referência servemse dos recursos digitais, preferencialmente como uma forma
de autorrepresentação e, embora possam promover projetos específicos para a
Internet, investem sobretudo na divulgação das respetivas coleções e das ativida
des que têm lugar nos seus edifícios.
As principais plataformas colaborativas internacionais, como o Google Arts
& Culture289 ou, em Portugal, o MatrizNet290, seguem também esta linha, da re
produção do preexistente, quando poderiam optar pelo cruzamento de patrimó
nios multiterritoriais, multiculturais e multimodais.
288
https://twitter.com/MuseumsAssoc/status/1156940059209322501 [2020/06/30]
289
https://artsandculture.google.com/ [2020/06/30]
290
http://www.matriznet.dgpc.pt/matriznet/home.aspx [2020/06/30]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
Uma rápida pesquisa no Google com a expressão digital art originou mais de
5.400 milhões de resultados303, incluindo complexas ilustrações digitais, manipu
lações de fotografias, renderizações tridimensionais, anime, animações, memes e
cópias digitais de obras de arte famosas. A geração da Internet, herdando práticas
adaptadas dos anos 60, dos fenómenos de apropriação e pósprodução, está ati
236 vamente empenhada em processos de pesquisa, coleção, arquivo, manipulação
e reutilização de enormes quantidades de material digital multimédia (visual, so
noro ou fílmico) oriundo da cultura popular, de anunciantes e dos média (Qua
ranta, 2011), partilhados posteriormente, e frequentemente de forma artializada.
Face a esta concorrência de milhões, as estratégias de promoção da arte lidam
em primeiro lugar com a captação da atenção; em segundo com a estética mun
dana (Whitfield & Destefani, 2011) e só por fim – e não necessariamente – com
os fatores cognitivos. Convém notar que chamar a atenção do público e envolvê
lo em experiências de entretenimento não é o mesmo que garantir a qualidade
estética ou cognitiva de uma obra de arte, ou sequer tornála – bem como à sua
interpretação – mais acessível.
A nossa relação com as imagens das coisas (diferentes das próprias coisas)
agudizouse ao longo das últimas décadas e, paradoxalmente, os museus do nosso
tempo estão entre as instituições melhor posicionadas para orientar o progresso
da humanidade rumo a um futuro mais sustentável, por força de sua capacidade
de atingir públicos heterogéneos, oferecendo programas inovadores de aprendi
zagem formal e informal, desenvolvendo o pensamento e a visão crítica através
da contextualização de obras e autores, dissecando ideologia e tecnologia.
É neste confronto de metamorfoses, imagens de coisas, ecos da materialidade
diferentes das próprias coisas, tornados coisas digitais, nativos ou híbridos, sempre
acessíveis, que se instala o Museu de Tudo em Qualquer Parte (MTQP). Tratase de
um herdeiro dos Gabinetes de Curiosidades da Renascença, na verdade uma sua
versão desmaterializada e tecnologicamente amplificada. Ocupa o espaço urbano
ampliado, onde cada recanto da cidade está digitalmente repleto de dados, infor
mações, camadas de conteúdo espontâneo ou ponderado, incluindo fotos, comen
tários, vídeos, criações artísticas, opiniões, registos de projetos científicos ou de
memórias de férias, disponíveis para serem exibidos num dispositivo móvel. O con
304
https://www.sfmoma.org/sendmesfmoma/ [2020/06/30]
PEDRO ALVES DA VEIGA
ceito de museu diluise neste caso com o de projeto de investigação, dado que o
MTQP representa, acima de tudo, um potencial em grande parte inexplorado.
Se os museus já consolidados assumem um objetivo atual de alcançar um
público online, como atestam as mais de mil ofertas de exposições e visitas virtuais
disponibilizadas, por exemplo, no Google Arts & Culture (Sood, 2016), o MTQP é,
238 por natureza, um museu online que pode e deve ser desenvolvido através do es
tímulo à utilização das camadas digitais já existentes como matériaprima para
novos projetos artísticos, e também pelo exercício de uma curadoria dirigida e in
tencional sobre o seu vasto acervo.
O espaço do MTQP é toda a superfície do planeta coberta por Internet móvel
ou wifi. O público da MTQP são todos os utilizadores de dispositivos móveis que,
em algum momento, visualizam conteúdo georreferenciado na respetiva localiza
ção, como uma ampliação digital desse local físico específico. E ao fazêlo, eles
também podem tornarse parte da exposição, se os seus dados pessoais de con
sulta ficarem registados.
A questão da georreferenciação é relevante, dado que, tal como num museu,
ao nos deslocarmos fisicamente no espaço urbano poderemos ver outros artefac
tos digitais, ancorados em ruas, edifícios, praças ou coordenadas GPS.
Mas como o UnPlace já havia feito notar, o lugar é em todo o lado e em lado
nenhum, pelo que, mesmo quando não existem quaisquer camadas de informa
ção georreferenciadas a um determinado local, será sempre possível aceder a
todas as outras que estão disponíveis à escala regional, nacional ou global, con
forme a segmentação temática ou de acessos o determine.
O MTQP pode ainda ser uma exposição temporária, realizandose por tempo
indeterminado, pois a sua existência depende da disponibilidade física das black
boxes e dos servidores que alojam a informação digital – e da longevidade dos
respectivos proprietários, sejam eles indivíduos, empresas ou outras instituições.
Depende ainda de políticas institucionais de remoção de conteúdo considerado
obsoleto, incluindo a exclusão de utilizadores, conteúdos antigos ou sem registo
de atividade.
O MTQP levanta certamente problemas de privacidade, pois os
utilizadores/produtores podem não estar cientes da extensão da visibilidade pú
blica do conteúdo que geram, bem como dos problemas de direitos autorais, já
que muitas empresas controlam ou reivindicam a propriedade de qualquer publi
cação efetuada nas suas redes, e muitos dos utilizadores publicam conteúdos
sobre os quais não detêm legalmente direitos.
No entanto, o foco do mercado mudou do conteúdo (ou da obra de arte) para
a tecnologia que permite a sua fruição. Portanto, é legítimo levantar a suspeita de
que, na era da partilha e do remix, a propriedade e o direito de autor provavel
mente tornarseão irrelevantes para as redes sociais e para os fabricantes de tec
nologia, desde que isso possa implicar novas formas de monetizar os seus produtos.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
Figura 43: Comentário do Pestana Hotel Group numa fotografia do autor, publicada na rede Insta
gram. Fonte: autor.
309
https://www.getty.edu/research/tools/vocabularies/ [2020/04/15]
310
https://www.artstor.org/ [2020/04/15]
311
https://www.wikitude.com/ [2020/04/15]
312
https://www.blippar.com/buildar [2020/06/06]
313
https://www.ptc.com/en/products/augmentedreality/vuforia [2020/04/15]
314
https://www.artoolworks.com/products/mobile/artoolkitforios.html [2020/04/15]
PEDRO ALVES DA VEIGA
Desta forma permitirseá que o acervo do MTQP ganhe uma nova visibili
dade, (re)utilização e destaque efetivos, e contribuirseá para a documentação
efetiva de uma época, de uma sociedade, dos seus hábitos e costumes, ligando
histórias individuais a lugares e refletindo sobre as formas de neles intervir.
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
CONCLUSÃO
Figura 45: O centro do ecossistema da mediaarte digital ocupado pela cadeia genética AAA – Ar
tista/Artefacto/Audiência. Fonte: autor.
Se o ideal romântico do artista que produz pelo amor à arte não é compatível
com a realidade empreendedorista atual (Garret & Jackson, 2016), contrapõese
então um novo ideal para o artista de médiaarte digital, como sendo o amor à
arte e à tecnologia, à intervenção social através das suas obras, para a criação
de um mundo melhor, nunca esquecendo o respeito por si próprio, enquanto
criador e trabalhador. 245
E este ideal deverá ser seguido de perto por um (auto)escrutínio constante,
de estruturas e indivíduos, por uma relação de proximidade com o território, de
conhecimento pessoal e relações de escala direta, não intermediadas, procurando
a partilha de recursos, a criação de relações sustentáveis mas, acima de tudo, não
abdicando do discurso teórico fundamentado e do pensamento crítico, fomen
tando o diálogo e a reflexão através da prática artística.
A criatividade artística não deverá estar limitada pelos imperativos e genera
tivos da atenção e da experiência, da promiscuidade de estímulos e da sobreex
posição informativa e comunicacional. Um dos desafios significativos da
médiaarte digital é saber proporcionar novas formas de perceção e prazer através
da utilização inteligente da tecnologia digital, não confundindo a sua pósconver
gência com a obrigação de tudo integrar (Nash, 2015: 2).
Outro desafio é lidar com a visão da arte enquanto experiência e com a co
moditização do artefacto, para conduzir a sua audiência a um estado de fluxo (Na
kamura & Csikszentmihalyi, 2009), onde são geradas experiências cognitivas
significantes. Para contribuir para o atingimento de um novo patamar de bemestar
social, escapando às lógicas principais do capitalismo estético e da artialização da
vida (Lipovetsky & Serroy, 2014), observemse então os seguintes princípios:
• Evitese a integração e generalização da ordem do estilo, da sedução e da
emoção nos bens destinados ao consumo comercial, à artialização da vida.
Os clichés da comunicação estão esgotados e são vazios de sentido real. É
altamente improvável que se seja mais feliz por usar champô da marca X,
ou que se faça melhores planos de negócios por ter comprado um compu
tador da marca Y.
• Ultrapassese a dimensão empresarial das ICCs e do ensino. Os museus,
teatros, salas de exposição, escolas, universidades, laboratórios experimen
tais e cinemas devem cumprir outras funções para além do lucro. Recupe
remse os coletivos criativos, a iconoclastia, a crítica social e da atualidade,
a prática artística colaborativa e comunitária. O tempo e a atenção podem
darse, não precisam de ser sempre vendidos. As experiências gratuitas
também podem ser significativas e memoráveis, desde que não sejam fú
teis. Pagar para as diferenciar e tornar mais desejáveis pode ser uma falácia.
Características como a efemeridade, intensidade e impacto pessoal e cole
tivo podem contribuir para as tornar tão ou mais desejáveis. O pagamento
pela experiências artísticas deve ser um sinal de respeito e reconhecimento
pelo trabalho do artista, não um generativo da atenção ou experiência.
PEDRO ALVES DA VEIGA
Figura 47: Captura de ecrã da obra colaborativa Patient Zer0315, desenvolvida pelo autor como tri
buto às vítimas do Covid19, demonstrando a facilidade de contágio de toda uma população através
de um único indivíduo inicialmente infetado o paciente zero. Fonte: autor.
315
A obra pode ser vista neste endereço: https://pedroveiga.com/patientzero/ [2020/05/21]
O MUSEU DE TUDO EM QUALQUER PARTE. ARTE E CULTURA DIGITAL: INTER-FERIR E CURAR
Este livro deve, portanto, ser usado como uma ferramenta de incentivo à aná
lise crítica, à escrita reflexiva, à criação artística e à produção de conhecimento,
consciente e deliberadamente posicionadas entre o lazer, o ativismo, o humor, a
expiação, a crítica, o ensino, o hacking, a escrita científica ou a curadoria de – e
para – o Museu de Tudo em Qualquer Parte. Neste pressuposto poderá todo o ar
tista e criador de conteúdos para o seu acervo escolher uma função, eleger uma 247
técnica e procurar uma estética, do entretenimento ao ativismo, do meme à inte
ração em P5.js, do conformismo satírico ao experimentalismo abstrato.
Ao apresentar a metodologia a/r/cografia, enquanto ferramenta de registo
e análise do processo criativo, da investigação a ele associada, e da comunicação
e exposição dos seus resultados generativos, pretendese ainda sugerir formas de
preservar e divulgar o conhecimento associado a cada criação artística, consti
tuindose assim, também, enquanto ferramenta de curadoria. Afinal, em que me
dida gostaríamos nós, artistas e investigadores, que o MTQP do futuro se
distinguisse e diferisse do atual? E como promover essa mudança?
O artista de médiaarte digital deverá assumir cada vez mais uma atitude
quântica – simultaneamente artística, tecnológica e ideológica – que o posicione
como uma peça não descartável ou decorativa do (e no) ecossistema, enquanto
hacker do próprio ecossistema, criando o sublime a partir do banal, empenhado
no cultural hacking.
Subvertase o papel de animador tecnológico de espaços públicos e expo
nhamse as regras, iluminemse os bastidores durante os espetáculos, as vitrines
e os suportes nas galerias. Exibase o fio de cobre e os circuitos impressos, glamo
rizese a fitaadesiva e os ecrãs LED. Mas que nem os materiais, nem a tecnologia,
tomem conta do foco da atenção: esse deverá ser apontado aos ideais, à inter
venção e à comunicação.
Figura 48: Urge contrariar a impotência cultural, e o hacking cultural pode ser a via para o fazer.
Fonte: autor.
PEDRO ALVES DA VEIGA
entre os dois universos, e o MTQP é o espaço de eleição para promover esse en
contro, dado que a sua produçãoexposição se articula num espaço comunitário,
ocupando as redes digitais e os espaços urbanos, mas evitando tornarse uma trin
cheira – de proporções gigantescas – no mundo da arte.
O MTQP desenvolvese sobre um sistema de marketing digital, cravejado de
processos de vigilância e recolha de dados pessoais, que já ultrapassa as fronteiras 249
da Internet. Usar o sinal dos telemóveis como forma de controlar os movimentos
dos cidadãos foi uma medida aplicada na China, durante a pandemia do Covid
19, e cuja transposição para o Ocidente chegou a ser sugerida, embora tenha cau
sado de imediato vários protestos, nomeadamente pela invasão de privacidade
que parecia implicar. Mas esses receios de uma invasão de privacidade são agora
normalizados com novos argumentos: não tenha medo de ter medo316! Possivel
mente dentro de pouco tempo daremos de bom grado os dados biométricos re
colhidos pelos nossos relógios inteligentes, que medem a temperatura e a batida
cardíaca, pela nossa segurança e pela nossa saúde. Mas serão esses dados usados
por organizações e Estados para uma efetiva melhoria de qualidade de vida dos
cidadão ou como forma de inferir condições médicas que possam limitar o acesso
a serviços, relegandoos para uma condição secundária face a outros indivíduos,
com melhores dados biométricos que os nossos? Mas os artistas de médiaarte
digital também poderiam usar estes mesmos dados, e em termos técnicos já é
possível mapear num determinado espaço geográfico a média da pulsação ou da
temperatura corporal registadas pelos dispositivos individuais, podendo assim vi
sualizarse em realidade aumentada os trajetos urbanos mais tranquilos ou fres
cos, bem como os mais stressantes e prejudiciais. É também possível que esta
visualização chamasse a atenção para algumas realidades inconvenientes, mas
esse é também o papel do artivismo.
Os artistas/investigadores de médiaarte digital podem escolher a forma
como ocupam e exploram a Internet e as suas ligações ao mundo físico, contri
buindo para desvelar cada vez mais as relações opacas do marketing (económico,
político, social). Estes artistas/investigadores podem ser simultaneamente captor
e resistência, motor e areia – em suma, ser o terceiro incluído. E só através da par
tilha (coletiva) desse conhecimento é que se poderão gerar formas alternativas
de controlo e curadoria do MTQP, gerindo as confluências políticas entre arte e
sociedade.
É, pois, neste sentido que se conclui a presente obra, enumerando linhas pos
síveis de desenvolvimentos futuros, para as quais o autor desde logo não só ma
nifesta o seu profundo interesse, como se disponibiliza para317:
316
Campanha de outdoors em Cascais durante a pandemia do Covid19, apresentada no Facebook:
https://www.facebook.com/maiscascais/photos/a.2083590038435589/2691801937614393/
[2020/05/21]
317
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