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A2 - História Contemporanea Das RI

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HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

AULA 1

Profª Dayane Rúbila Lobo Hessmann


CONVERSA INICIAL

Eric Hobsbawm, importante historiador inglês, escreveu o clássico livro A


Era das Revoluções (1962), no qual ele aborda a Revolução Industrial e a
Revolução Francesa, sinalizando-as como um marco do início do mundo
contemporâneo e consolidando um projeto político e econômico dos burgueses.
Portanto, é sobre ambas que nos dedicaremos nesta etapa. Interessa-nos
entender os processos, as fases, as permanências e as rupturas de cada
revolução, bem como entender de que maneira essas revoluções modularam
importantes aspectos da sociedade atual.

TEMA 1 – REVOLUÇÃO FRANCESA

A França no final do século XVIII, assim como boa da Europa, era,


sobretudo, rural. Esse dado é extremamente relevante para compreendermos o
processo que desencadeou a Revolução Francesa.
A estrutura feudal ainda estava muito presente França em 1789, baseada
na economia agrária e na sociedade estamental, que dividia os franceses em
três grupos, chamado de três ordens ou três Estados: o Clero (primeiro Estado),
a nobreza (segundo Estado) e o povo (terceiro Estado).
O Clero, grupo no qual se encontravam os religiosos da Igreja Católica,
era formado por cerca de 120 mil pessoas e se dividia entre Alto Clero e Baixo
Clero. O primeiro era composto especialmente por bispos, de origem nobre,
portanto, viviam uma vida de luxo e ostentação, boa parte deles vivam na corte
e não precisavam pagar impostos. Já os membros do baixo clero eram os
vigários de aldeias, recrutados entre o povo, e que, portanto, vivam uma vida
humilde e partilhavam as mazelas das pessoas pobres.
Calcula-se que em torno de 850 mil pessoas faziam parte da nobreza.
Este grupo social se caracterizava como os privilegiados, na medida em que não
pagavam impostos, obtinham os cargos mais altos do Estado, além de manter
direitos feudais. Viviam uma vida extravagante. Porém, mesmo dentro da
nobreza havia uma hierarquia, uma diferenciação de status social entre a
nobreza da corte e do campo. Ademais, havia uma diferença entre os nobres de
espada ou de sangue, descendentes das antigas famílias feudais e os nobres de
toga ou de serviço, oriundos da burguesia, que haviam conquistados tal título.
O terceiro Estado era formado pelo povo, representava a maioria

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esmagadora da população, com aproximadamente 24 milhões de pessoas. No
entanto, este grupo também não era homogêneo, era composto pela alta
burguesia (empresários, grandes comerciantes, banqueiros), pela média
burguesia (burocratas, médicos, advogados) e pela pequena burguesia
artesões, pequenos lojistas) e também pelos trabalhares do campo e das
cidades. Trata-se de um grupo bastante diverso, com aspirações e interesses
divergentes, no entanto todos eles pagavam impostos.

Figura 1 – Charge de 1789 que critica a desigualdade entre os grupos sociais da


França. A nobreza e o clero estão montados nas costas de um camponês

Crédito: Biblioteca Digital Gallica – CC/PD

Em 1774, seguindo a linhagem absolutista monárquica, Luís XVI, neto do


famoso rei Sol Luís XIV, assumiu o poder. Cabe mencionar que Luís XIV foi o
grande expoente do absolutismo francês. Durante seu reinado, que durou mais
de setenta anos, ele construiu o Palácio de Versalhes, grande símbolo do
absolutismo na França.

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Figura 2 – Palácio de Versalhes, 1668

Crédito: Pierre Patel-CC/PD.

Quando Luís XVI assumiu o trono, o país passava por uma crise financeira
significativa, que perdurou bastante tempo. A crise econômica tinha múltiplas
razões. A participação na Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e na Guerra de
Independência dos Estados Unidos (1775-1783) afetou demasiadamente os
cofres do Estado. Somado a isso, os nobres, com suas pensões e gratificações,
consumiam uma parte expressiva dos gastos públicos. Além disso, o estilo de
vida extravagante do rei e da sua Maria Antonita também contribuíam para
aumentar os gastos públicos.

Saiba mais
Guerra dos Sete Anos (1756-1763): conflito entre a Inglaterra e França
que disputavam terras na América do Norte e no continente asiático e que
envolveu ainda outros reinos, como a Prússia, Áustria, Portugal e Espanha.

Para somar ao déficit econômico,

Uma má safra em 1788 9e 1798) e um inverno muito difícil tornaram


aguda a crise. As más safras faziam sofrer o campesinato [...]
Obviamente também [...] faziam sofrer os pobres das cidades, cujo
custo de vida – o pão era o alimento principal- podia duplicar.
(Hobsbawm, 2005, p. 93).

Para tentar contornar essa situação, os ministros da economia


aumentaram os impostos, o que acarretou numa carestia de vida ainda maior

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para o povo. Ainda, tentaram criar uma arrecadação de impostos sobre as
propriedades fundiárias, mas essa ideia foi rechaçada pelo clero e pela alta
nobreza, que não estavam dispostos a perder nenhum privilégio. Porém, o rei
Luís XVI precisava encontrar uma solução para melhorar os cofres públicos.
Assim, decidiu convocar os Estados Gerais para se discutir sobre o assunto.
Havia mais de século que ele não era consultado.
Os Estados Gerais eram um antigo órgão consultivo da monarquia,
constituído pelos três estados: clero, nobreza e povo. Todavia, cada ordem tinha
direito apenas a um voto, de maneira que, frequentemente, o clero e a nobreza
se uniam, totalizando dois votos. Assim, o voto do povo se tornava indiferente.
A primeira Assembleia dos Estados Gerais aconteceu no Palácio de
Versalhes e já foi bastante tensa. Líderes do povo reivindicavam que o voto fosse
por cabeça e não por Estado. A partir daí, a convocação dos Estados Gerais
serviu para escancarar os abusos, as desigualdades, as injustiças sociais
presentes na sociedade francesa.
Diante desse cenário hostil, o rei ficou com medo de perder sua autoridade
e resolveu suspender a Assembleia. Em reação, os representantes do Terceiro
Estado ocuparam o salão de jogos do palácio e determinaram que continuariam
em Assembleia e só sairiam dali quando fosse votada uma nova Constituição
para o reino. Assim, naquele momento, foi criada a Assembleia Nacional, que foi
transformada em Assembleia Constituinte.
A partir daí, o clima na França ficou cada dia mais dramático, a população
se mobilizou e em 14 de julho de 1789 a invadiram a Bastilha, prisão de Paris,
onde ficavam encarcerados os inimigos políticos do rei. Sobre esse episódio, o
historiador Eric Hobsbawm pontua que

O resultado mais sensacional de sua mobilização foi a queda da


Bastilha, uma prisão estatal que simbolizava a autoridade real e onde
os revolucionários esperavam encontrar armas. Em tempos de
revolução nada é mais poderoso do que a queda de símbolos. A queda
da Bastilha, que fez do 14 de julho a festa nacional francesa, ratificou
a queda do despotismo e foi saudada em todo o mundo como o
princípio de libertação. [...] O que é mais certo é que a queda da
Bastilha levou a revolução para as cidades provincianas e para o
campo. (Hobsbawm, 2005, p. 94)

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Figura 3 – Tomada da Bastilha. Jean-Pierre Houël, 1789

Crédito: Jean-Pierre Houël-CC/PD

Nesse processo inicial revolucionário, os sans-culottes merecem um


destaque. Eles faziam parte do terceiro Estado. Tratava-se do proletariado
urbano, como artesões, jornaleiros, assalariados em geral que, quando atingidos
pela fome, miséria e carestia, se revoltavam contra o governo e sempre eram
reprimidos. Tinham esse nome em função da roupa que vestiam, usavam uma
calça de modelo diferente da burguesia e nobreza. Sua marca registrada era
calça comprida e boina vermelha. No início da Revolução Francesa os sans-
cullotes foram fundamentais, na medida em que radicalizaram todas as ações.

TEMA 2 – RUPTURAS E PERMANÊNCIAS

Com a queda da Bastilha a Revolução Francesa se iniciou de fato, pois a


partir deste evento, o levante se espalhou para o interior da França, tanto para
área rural, quanto para pequenas cidades. Propriedades foram saqueadas,
castelos queimados. Neste momento, muitos nobres deixaram a França e
buscaram abrigo e apoio em outras monarquias absolutistas pela Europa. Esses
acontecimentos ficaram conhecidos como o Grande Medo, que assombrou a
aristocracia entre os meses de julho e agosto de 1789.
Nesse contexto de caos e desordem, foi criada ainda no ano de 1789 a
Guarda Nacional, que consistia numa milícia formada por cidadãos de cada
município francês, cuja função era fazer a defesa militar da região num momento
de guerra e garantir a ordem em tempo de paz. Cabe destacar que a Guarda
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Nacional não era subordinada ao Exército, ela existiu até 1871.
Enquanto redigiam a Constituição francesa, a Assembleia Nacional tomou
algumas decisões importantes: aboliu os privilégios feudais e confiscou os bens
da Igreja Católica, colocando fim as marcas feudais que ainda permaneciam na
sociedade.
Outro acontecimento relevante foi a promulgação da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão em 26 de agosto de 1789, documento
composto de um preâmbulo e 17 artigos referentes ao indivíduo e à Nação,
definindo direitos “naturais e imprescritíveis” como a liberdade, a propriedade, a
segurança e a resistência à opressão. A igualdade é destacada, sobretudo
perante a lei e a justiça. A ideia da separação dos poderes também ficou
registrada. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tem influência
direta dos ideais iluministas.
Cabe salientar ainda que este documento serviu de preambulo à primeira
Constituição da Revolução Francesa, que foi aprovada em 1791. Confira a seguir
alguns artigos importantes da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:

Art.1.º - Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As


distinções sociais só podem ter como fundamento a utilidade comum.
Art. 2.º - A finalidade de toda associação política é a preservação dos
direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a
liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão.
Art. 3.º - O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na
nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade
que dela não emane expressamente.
Art. 4.º - A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique
o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não
tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da
sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites só podem ser
determinados pela lei.
Art. 5.º - A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo o
que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser
constrangido a fazer o que ela não ordene.
[...]
Art. 9.º - Todo acusado é considerado inocente até ser declarado
culpado e, caso seja considerado indispensável prendê-lo, todo o rigor
desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
reprimido pela lei.
Art. 10.º - Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo
opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem
pública estabelecida pela lei.
[...]
Art. 15.º - A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público
pela sua administração.
[...]
Art. 17.º - Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém
dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública
legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia
indenização. (Declaração..., 2017)

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Em setembro de 1791 a Constituição foi aprovada, consolidando as
decisões revolucionários como a abolição dos dízimos eclesiásticos, proibição
de venda de cargos públicos e a suspensão dos privilégios da nobreza. O voto
era censitário, ou seja, somente homens com comprovada renda ou propriedade
poderiam votar, de modo que muitos trabalhadores e mulheres foram excluídos.
A França não era mais uma país absolutista, agora se tornava uma monarquia
constitucional, com divisão dos poderes, isto é, o rei deveria se submeter à
Constituição.
Luís XVI teve seu poder drasticamente reduzido, o que o levou a conspirar
com outros nobres de países absolutistas vizinhos, visando retomar seu poder
centralizador. Em junho de 1791 ele tentou fugir para Áustria, mas foi descoberto
e obrigado a retornar para Paris.
A Assembleia manteve-se ativa até 1792, entretanto dentro dela havia
duas forças políticas distintas: aqueles que eram favoráveis a profundas
mudanças e aqueles que não desejavam grandes transformações sociais. Os
mais radicais sentavam-se à esquerda do plenário e os mais conservadores
sentavam-se ao lado direito. Foi daí que nasceu o conceito de direita e esquerda
na política ainda em voga até os dias atuais, todavia cabe ressaltar que
atualmente estas definições são polissêmicas.
Cada vez mais esses grupos foram se diferenciando. Nessa esteira,
nasceram os Girondinos, que defendiam interesses mais moderados e eram em
sua maioria membros da alta burguesia e os Jacobinos, representado pelos
trabalhadores que defendiam ideias mais radicais. Georges Danton, Jean-Paul
Marat, Louis-Antoine Saint-Just e Maximilien Robespierre foram importantes
líderes dos Jacobinos.
Uma coligação estrangeira se uniu na tentativa de ajudar o rei e retomar
o poder centralizado. Assim, em agosto 1791 os governos da Prússia e da
Áustria assinaram a Declaração de Pillnitz, anunciando a intervenção militar na
França afim de conter a revolução. Desse modo, a França começou a ser
atacada, inicialmente ocorreram algumas derrotas, mas ao final os franceses
obtiveram êxito, devido, sobretudo, à adesão entusiástica dos sans-culottes
(trabalhadores urbanos) que formaram um exército popular vitorioso.
Diante desse cenário o rei foi acusado de conspiração, e por isso foi preso.
Visando melhorar a segurança do Estado e a defesa da Revolução, foi criado
pelos jacobinos em Paris um centro do poder revolucionário, chamado de

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Comuna.
A Assembleia Nacional foi abolida e no seu lugar foi criada a Convenção
Nacional, eleita por sufrágio universal. Os girondinos comandavam a Convenção
e tentavam elaborar uma constituição republicana, além de procurar solucionar
os problemas internos que a França vinha enfrentando como dissipação do
tesouro público, guerra externas e revoltas internas. A República foi
conclamada e junto disso a Convenção decidiu julgar Luís XVI pelo crime de
traição à pátria, condenando-o a morte. Assim, no início do ano de 1793 o rei, e
depois sua esposa Maria Antonieta, foram guilhotinados em praça pública.

Figura 4 – Execução do rei francês Luís XVI, 1793

Crédito: Georg Heinrich Sieveking-CC/PD

A revolução e a disputa entre jacobinos e girondinos continuava. Em


março de 1793, os Jacobinos tomaram o poder e radicalizaram o processo
revolucionário. Nesse contexto, foram criados o Comitê de Salvação Nacional,
responsável por conter as revoltas internas; o Comitê de Salvação Pública, que
comandava os exércitos e administrava as finanças públicas; e o Tribunal
Revolucionário, que prendia e julgava os traidores da revolução, comandado por
Robespierre.
Essa fase da revolução ficou conhecida como o período do terror, devido
a milhares de pessoas (de todos os grupos sociais, inclusive entre os próprios
jacobinos) que foram decapitados pela guilhotina. Esse período marcado pela
violência, perseguições extremas e intolerância foi se desgastando, de modo que
os jacobinos foram se enfraquecendo.
A reação termidoriana foi uma convenção que se utilizou da violência para

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colocar fim aquele período do terror, assim Robespierre e mais de 70 jacobinos
foram guilhotinados. Esse evento sinalizava a retomada do poder pelos
girondinos.
Em agosto de 1795 uma nova constituição foi aprovada, menos radical,
sob a perspectiva da burguesia, retomando algumas medidas que haviam sido
suspensas anteriormente. Tratava-se de uma constituição com características
acentuadamente burguesas como o direito à propriedade e ao lucro.
Nesta constituição o poder executivo foi transformado num diretório
composto por cinco diretores e oito ministros. Nesse momento, a França passou
por um período de crise interna e externa, o que levou os girondinos a endurecer
o governo. Os jacobinos continuavam disputando o poder. Assim, a burguesia
com receio de que os jacobinos tomassem o poder novamente, investiu no
fortalecimento do exército.
Em 9 de novembro de 1799, conhecido como 18 de Brumário no
calendário revolucionário francês, alguns membros do Diretório deram um golpe
e promulgaram uma nova constituição, estabelecendo um Consulado, no qual a
França passaria a ser governada por três cônsules, dos quais o mais poderoso
era Napoleão Bonaparte, que pouco tempo depois assumiu o poder de maneira
integral na França, tornando-se imperador e colocando fim, depois de uma
década, ao processo revolucionário francês.

TEMA 3 – REVOLUÇÃO INSDUSTRIAL

Sobre a Revolução industrial, o historiador Eric Hobsbawm afirma que


“sob qualquer aspecto, este foi provavelmente o mais importante acontecimento
na história da humanidade, pelo menos desde a invenção das agriculturas das
cidades” (Hobsbawm, 2005, p. 52).
Mas como que se desenvolveu a Revolução Industrial? Quais os seus
antecedentes? É sobre esse assunto que vamos nos debruçar agora: entender
a conjuntura inglesa que antecede a Revolução.
Em 1688, a Inglaterra passou por um acontecimento denominado
Revolução Gloriosa, que consistiu na restrição dos poderes do rei. A partir de um
documento intitulado Bill of Rights o rei inglês reinava, mas não governava. Essa
revolução que aconteceu de maneira pacífica deu fim ao absolutismo e instaurou
o parlamentarismo. Além disso, importantes medidas políticas e jurídicas foram
estabelecidas, tais como: foram estabelecidos direitos individuais, direito à
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propriedade privada, a autonomia do Poder Judiciário, a liberdade de imprensa,
a liberdade de expressão, proibição de impostos excessivos e punições cruéis,
extinção de monopólios, promoção do livre comércio etc. Portanto, a Revolução
Gloriosa criou as estruturas legais para posterior ascensão da burguesia na
Inglaterra. ⠀
Em meados do século XVIII, Inglaterra era a maior potência da Europa,
considerada a rainha dos mares devido à sua marinha imbatível. Após vencer a
Guerra dos Sete Anos contra a França, os ingleses aumentaram ainda mais seus
domínios coloniais.
Alguns fatores explicam o acúmulo de capital inglês: a burguesia
conseguiu significativo capital realizando comércio com as colônias; os ingleses
investiram nas redes fluviais, alterando o curso dos rios e abrindo canais, e desse
modo viabilizaram um eficiente e rápido sistema de transporte de mercadorias.
Tudo isso contribui para o fortalecimento do capitalismo inglês. Calcula-se que a
Inglaterra tinha em torno de 6 milhões de habitantes, vivendo, sobretudo, no
campo. Londres que era considerada uma grande cidade, tinha
aproximadamente 1 milhão de habitantes em 1789. Com uma população
majoritariamente rural, a produção agrícola sofreu importantes mudanças no
século XVIII, com o cultivo de outras culturas e o uso de novas práticas e
tecnologias que qualificou e otimizou o trabalho no campo. Ao mesmo tempo,
um processo estava em curso. O governo inglês autorizou os cercamentos
(enclosures), ou seja, que as terras comuns poderiam ser vendidas e
arrendadas.
Tradicionalmente na Inglaterra, os camponeses, mesmo não sendo os
proprietários da terra, tinham o direito de usar as terras para caçar, pescar, retirar
lenha e madeira e usar como pasto. A partir dos cercamentos, eles perdem esse
direito, o que afetou de maneira profunda seu trabalho e seu modo de vida. Sobre
este assunto o historiador Sergio Moliterno pontua:

Até meados do século XVIII, vigoraram na Inglaterra leis proibindo que


as terras comuns fossem fechadas com cercas e ocupadas por
particulares [...] Em 1760, porém, o Parlamento Britânico aprovou a
chamada “Lei de Cercamentos” (Enclosure Act) [...] A partir de então,
intensificou-se o processo de concentração das propriedades rurais
nas mãos dos aristocratas e ricos comerciantes burgueses que
passaram a fazer grandes investimentos na aquisição de terras. Em
sua maior parte, essas terras foram destinadas por seus novos
proprietários a uma atividade bastante lucrativa: a criação de rebanhos
de ovinos para produção de lã. (Moliterno, 1973, p. 144).

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Esse processo de cercamentos desvinculou o homem da terra. Assim,
sem trabalho no campo, milhares de famílias de camponeses precisaram partir
para as cidades em busca de trabalho. Desse modo, a Inglaterra passou por um
intenso êxodo rural, o que consequentemente impactou as cidades que não
estavam preparadas para receber todas essas pessoas, gerando superlotação,
promovendo um crescimento desenfreado nas cidades, aumentando a violência
urbana, além da massa de desempregados, pois era impossível emprego para
todos.
Já fazia algumas décadas que os ingleses queriam criar uma máquina de
vapor, porém foi somente em 1769 que James Watt criou uma máquina eficiente,
barata e que pôde ser adaptada para diferentes usos industriais. Essa máquina
foi usada especialmente para a fabricação de tecidos de lã e de algodão, o que
alavancou a produção têxtil no país. Com o passar do tempo, cada vez essas
máquinas foram aperfeiçoadas, tornando-se mais rápidas e eficientes,
possibilitando a produção em larga escala.

Figura 5 – Máquina a vapor do tipo Watt da mina de prata Alte Elisabeth,


Freiberg, Alemanha

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Crédito: Akg-images/Album/ Fotoarena.

Do exposto, verifica-se que a Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra


por essa soma de motivos que elencamos, o que possibilitou que os ingleses
fossem a principal economia do mundo naquele momento. Portanto, a
Revolução Gloriosa, os cercamentos, o acúmulo de capital entre os burgueses,
as redes fluviais e as inovações das tecnologias nos ajudam a entender como e
por que a Revolução Industrial ocorreu.

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TEMA 4 – PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

Durante muito tempo, ao se estudar sobre Revolução Industrial, era


comum atrelar o nascimento das fábricas ao surgimento das máquinas. No
entanto, o pesquisador e economista americano Stephan Marglin trouxe uma
importante contribuição quando afirmou que o nascimento das fábricas não é
decorrência da ascensão das máquinas, mas, sobretudo, porque os burgueses
precisavam controlar o tempo e os corpos dos trabalhadores.

A origem e o sucesso da fábrica não se explica por uma superioridade


tecnológica, mas pelo fato dela despojar o operário de qualquer
controle e de dar ao capitalista o poder de prescrever a natureza do
trabalho e a quantidade a produzir. (Marglin, 1996, p. 41)

Ou seja, Marglin defende que a adoção das fábricas é uma estratégia dos
burgueses para lucrar mais, para ter um controle direto dos trabalhadores. Para
tanto, era necessário, controle, disciplina, fiscalização e divisão do trabalho.
Segundo ele, “não foi a fábrica a vapor que nos deu o capitalismo; foi o
capitalismo que produziu a fábrica a vapor” (Marglin, 1996, p. 77)
É importante salientar que, mesmo com o surgimento das máquinas,
muitos trabalhadores ainda realizavam o trabalho de casa, o trabalho manual e
doméstico ainda era necessário. Desse modo, ainda havia uma certa autonomia
do trabalhador no controle do tempo e da produção. Daí então surgiu a
necessidade do burguês de criar as fábricas, lugares nos quais os trabalhadores
teriam horário, seriam vigiados em relação ao desperdício da matéria-prima,
teriam seus corpos controlados a fim de aumentar a produção.
Outro aspecto importante que merece destaque é a divisão de trabalho
que foi uma estratégia dos burgueses de dominação. Cada trabalhador passou
a realizar apenas uma parte específica da produção, perdendo o controle de todo
o processo da produção da mercadoria. Assim, os trabalhadores se tornavam
mais facilmente dispensáveis.
No final do século XVIII e início do século XIX, observou-se o crescimento
vertiginoso de fábricas por toda a Inglaterra, especialmente na região de
Manchester. Essas primeiras fábricas apresentavam péssimas estruturas, o
ambiente era insalubre, não havia nenhuma regulamentação de leis e direitos
trabalhistas. A jornada de trabalho era extenuante, superando 12 horas diárias.
Os salários eram baixíssimos. Abusos, maus tratos, acidentes de trabalho,
exploração da mão de obra infantil faziam parte do dia a dia das fábricas.

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O historiador Edward Thompson, pesquisador da classe trabalhadora e
do mundo do trabalho, afirma, baseado em fontes históricas da época, que a
primeira geração de trabalhadores das fábricas resistiu com afinco a se dobrar
ao sistema fabril, faltavam ao trabalho, chegavam atrasados, bebiam antes de ir
trabalhar, trabalhavam lentamente, conversavam e cantavam durante o trabalho.
Foi necessário, portanto, um trabalho disciplinar árduo, envolvendo punições e
descontos salariais para construir o perfil de trabalhador disciplinado, assíduo e
responsável almejado pelos patrões.
Muitos trabalhadores indignados com horrível situação das fábricas
resolveram protestar, daí nasceu o movimento ludista, que consistia em invadir
as fábricas e quebrar as máquinas. Os ludistas eram contrários à
industrialização, alegavam que os homens foram substituídos pelas máquinas e
que, portanto, o desemprego era culpa das máquinas.

Figura 6 – Gravura da época, mostrando dois ludistas destruindo uma máquina


de fiar, 1812

Crédito: Christopher Sunde-CC/PD.

Depois, surgiu o cartismo, movimento que se tornou bastante popular na


Inglaterra e que defendia que os trabalhadores deveriam participar da política, a
fim de conquistar seus direitos. Assim, os cartistas pressionavam o Parlamento
para conquistar melhores condições de vida.
Paralelamente a isso, os trabalhadores formaram as Trades Unions,
associações de trabalhadores para ajuda mútua. As Trades Unios tinham o
objetivo de organizar as reivindicações dos profissionais de cada área. Foram
essas associações que deram origens aos primeiros sindicatos. Desse modo, se
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a primeira geração de trabalhadores resistiu as fábricas, a segunda geração
lutou por leis trabalhistas.
As primeiras leis trabalhistas, depois de muita luta do movimento de
trabalhadores, surgiram somente em 1847, estipulando a jornada em 10 horas
por dia. Em 1850, uma outra lei colocou o sábado depois das 14h e o domingo
como dias de descanso.
O sistema fabril não alterou somente o modo de produção e de trabalho,
afetou a sociedade de diferentes maneiras, mudando as relações familiares, as
relações de consumo, a relação do homem com a natureza, a relação do homem
com o tempo.

Nas sociedades pré-industriais o tempo era contado, medido e


organizado em unção das tarefas que se deviam realizar, ou seja,
ligava-se aos ritmos da natureza, como o dia e a noite, o período das
chuvas e de secas, o fluxo das marés, as fases da Lua, época de
semear e de colher etc. [...] Antes do aparecimento das fábricas,
portanto, o relógio não era necessário”. (Decca; Meneguello, 1999, p.
34-35.

O historiador Edgar de Deca destaca que a fábrica mudou a relação das


pessoas com o tempo. O ditado popular “tempo é dinheiro” nasceu a partir desse
momento. Simultaneamente aos horários das jornadas de trabalho, os relógios
começaram a se popularizar.
Como já mencionamos no decorrer do texto, as cidades também foram
amplamente impactadas pela expansão das fábricas, pois cada vez mais havia
uma massa de gente migrando do campo para a cidade em busca de empregos,
gerando um “exercito” de desempregados. As cidades não estavam preparadas
para essa demanda, assim havia ruas não pavimentadas, lixo por toda parte,
casas minúsculas abarrotadas de gente, doenças, epidemias, baderna, furtos,
violência.

NA PRÁTICA

Vimos dois importantes momentos da história contemporânea, a


Revolução Francesa e a Revolução Industrial, e pudemos perceber que esses
movimentos alteram profundamente a forma como as sociedades se organizam.
A proposta então é que você desenvolva um mapa mental sobre as alterações
mais importantes trazidas por ambas as revoluções.

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FINALIZANDO

As Revoluções Francesa e Industrial formataram a sociedade


contemporânea: a Revolução Francesa trouxe importantes transformações
políticas, na medida em que forneceu o vocabulário e os temas da política liberal
e democrática para boa parte dos países ocidentais; a Revolução Industrial
mudou a maneira de produção e, com isso, alterou o modo de vida e de trabalho
da humanidade. Ressalta-se ainda que essas duas revoluções criaram o cenário
ideal para a consolidação do capitalismo que já estava em curso.

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REFERÊNCIAS

DECLARAÇÃO dos Direitos do Homem e do Cidadão. AMBASSADE DE


FRANCE AU BRÉSIL, 13 JAN. 2017. Disponível em:
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Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. v. 3.

VOUVELE, M. A Revolução Francesa e seu eco. In: CONGRESSO


INTERNACIONAL DAS LUZES, 7., Budapeste, 26 jul.- 2 ago. 1987.

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HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
AULA 2

Profª Dayane Rúbila Lobo Hessmann


CONVERSA INICIAL

Após a Revolução Industrial, novos mercados consumidores passaram a


ser fundamentais, todos os olhos se voltaram, novamente, para o exterior e uma
nova onda expansionista se desenvolveu. A corrida para a expansão foi acirrada
e alguns países se sentiram injustiçados, de modo que o clima bélico era cada
vez mais evidente. Essas tensões latentes ocasionaram a Primeira Grande
Guerra Mundial e suas consequências podem ser sentidas até a atualidade.
Portanto, nosso objetivo, nesta etapa, é compreender os antecedentes da
Primeira Grande Guerra Mundial, suas nuances e seus desdobramentos. Para
tanto, vamos tratar do liberalismo político e econômico, da Primeira Guerra
Mundial, da Revolução Russa e da hegemonia norte-americana ao final da
guerra.

TEMA 1 – LIBERALISMO ECONÔMICO, LIBERALISMO POLÍTICO

É impossível entender a Primeira Grande Guerra e todos os seus


desdobramentos sem levar em consideração o desenvolvimento do capitalismo.
Para que o capitalismo se desenvolvesse, a construção de um cabedal teórico
liberal foi de suma importância. Afinal, era necessário, para consolidar as
modificações necessárias para o desenvolvimento do capital, que vários
entraves da sociedade (rural, nobre, agrária) fossem eliminados e, para isso, os
liberalismos (tanto políticos como econômicos) foram essenciais.
Até o século XIX, muitos países europeus ainda conservavam
características feudais ou absolutistas, marcado pela forte desigualdade social e
econômica entre as pessoas. Os impostos recaíam, sobretudo, sob a população
pobre, o governo intervia fortemente na economia e não havia direitos políticos,
como votar e participar da política ativamente.
Portanto, diante deste cenário, tornava-se difícil o desenvolvimento do
capitalismo. Com a ascensão da burguesia, a partir das revoluções burguesas
(Revolução Inglesa e Revolução Francesa) e da Revolução Industrial, os
burgueses que já detinham o poder econômico desejavam o poder político.
Desde o Iluminismo, filósofos importantes como Voltaire, Rousseau,
Montesquieu já discutiam como a racionalidade e a objetividade deveriam
assumir a centralidade nas operações sociais.
Os iluministas tiraram as discussões do plano divino e trouxeram para a

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realidade, baseados na razão e na ciência. Todavia, cabe salientar que os
iluministas não eram ateus, apenas anticlericais, ou seja, criticavam a instituição
católica. Eles eram considerados deístas, ou seja, acreditavam em Deus, na
natureza e nos Homens.
As ideias defendidas por estes filósofos traziam em seu bojo muitos
aspectos que a burguesia almejava, como defesa da propriedade privada e a
liberdade política, econômica, religiosa e de expressão, criticando
veementemente a sociedade do Antigo Regime, permeada pelo Absolutismo,
pela intolerância religiosa e pelo mercantilismo.
Diante disso, nasceu o liberalismo político, pautado na defesa da divisão
de poderes, da meritocracia, da representatividade; e o liberalismo econômico,
cuja premissa era diminuir as intervenções do Estado na economia, de modo
que os Estados pudessem buscar novos mercados consumidores para os
produtos resultantes da expansão da revolução industrial, tendo livre
concorrência.
O historiador Daniel Gomes de Carvalho chama atenção para a história
deste conceito:

Na segunda metade do século XVIII, nota-se uma clara inflexão: as


expressões em inglês “liberal policy” (“política liberal”), “liberal plan”
(“plano liberal”), “liberal system” (“sistema liberal”) “liberal views” (“visões
liberais”), “liberal ideas” (“ideias liberais”) e “liberal principles” (“princípios
liberais”) passam a ser muito utilizadas, sobretudo pelos Iluministas
britânicos (sobretudo, escoceses), como Jeremy Bentham e Adam
Smith. O uso da palavra liberal neste contexto histórico refere-se a uma
ideia vaga de não interferência do Estado. Por exemplo, Adam Smith,
em A Riqueza das Nações (1776), passa a falar em um “sistema liberal
de livre exportação e importação”. (Carvalho, 2020)

Para os limites desta etapa nos interessa destacar alguns pensadores,


cujas ideias são importantes apara entendermos a lógica capitalista, como Adam
Smith, Thomas Malthus e David Ricardo.
O filósofo escocês Adam Smith (1723-1790), que é considerado o “pai da
economia moderna”, certamente é um dos nomes mais relevantes quando se
trata de liberalismo. Em 1776, escreveu o livro A riqueza das nações, no qual
traz a ideia anti-intervencionista. Para ele o Estado não deveria intervir na
economia, de modo que o mercado pudesse ser livre e se autorregular, o que
ele chamou de mão invisível. Ademais, Smith acreditava que o que movia a
economia eram os interesses individuais das pessoas, em busca de vantagens
próprias.

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O economista e pastor anglicano, o inglês Thomas Malthus (1766-1834),
se preocupou com o crescimento populacional, afirmando que chegaria em um
ponto que não haveria mais alimento para toda a população. Assim, ele defendia
que as doenças, as guerras e as epidemias eram bem-vindas, na medida em
que diminuiriam a população. Ainda nessa esteira, era contrário à elaboração de
leis protetoras às pessoas mais carentes, alegando que isso só traria ainda mais
problemas, porque não iria diminuir o número de pessoas pobres. Dessa
maneira, ele propunha, como maneira de diminuir a pobreza, que o casamento
das classes populares fosse tardio e uma houvesse um rígido controle sexual.

Figura 1 – Thomas Malthus

Crédito: John Linnell/CC-PD.

O economista e político inglês David Ricardo (1772-1823) é considerado


um dos fundadores da escola clássica inglesa da economia política, juntamente
com Adam Smith e Thomas Malthus, já citados acima. David Ricardo tratou de
assuntos como: a teoria do valor-trabalho, a teoria da distribuição (as relações
entre o lucro e os salários), o comércio internacional e temas monetários. Ele
defendia que a produção industrial necessitava de um incentivo maior, pois,
segundo ele, a produção industrial era o que verdadeiramente gerava riquezas.

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TEMA 2 – O PRIMEIRO ATO – UMA GUERRA E SUA RACIONALIDADE

O historiador Eric Hobsbawm assinala o início da Primeira Guerra Mundial


em 1914 como o início do “breve século XX”, que, para ele, termina em 1991,
com o colapso da União Soviética. O historiador define esse período como “era
dos extremos” ou “era das catástrofes (Hobsbawn, 1995, p. 15), uma vez que foi
uma época marcada por guerras, autoritarismos e crise econômica. Os motivos
que levaram à Primeira Guerra Mundial são amplos e complexos. Para entendê-
los precisamos retomar alguns fatos que aconteceram anteriormente.
O fim do Império Napoleônico exigia uma nova remodelação do mapa
geográfico europeu, devido a isso, entre 1814 a 1815, aconteceu o Congresso
de Viena, cujo objetivo era equilibrar o poder político e econômico dos países
europeus, buscando uma política de aliados e de compensações territoriais.

Figura 2 – Mapa da Europa após o Congresso de Viena

Crédito: João Miguel.

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Com a revolução industrial, a procura por mercados se tornou essencial,
o que resultou numa nova onda expansionista, conhecida por Neocolonialismo
ou Imperialismo, que consistiu em explorar pessoas e recursos dos continentes
africanos e asiáticos.
Neste contexto, alguns países, como a Itália e a Alemanha, estavam
passando por um processo de unificação, o que acabou tardando suas entradas
na corrida imperialista.
Ademais, havia muitos conflitos internos ocorrendo, principalmente no
leste europeu, na região dos Balcãs. Os impérios da Áustria-Hungria e o
Otomano passavam por diversas conturbações internas. Além disso, havia,
ainda, diversas rusgas entre os países centrais, as quais surgiram em conflitos
anteriores, principalmente entre a Alemanha e a França.
O imbróglio envolvendo a França e a Alemanha remete ao conflito
ocorrido na década de 1870, a chamada guerra franco-prussiana, na qual a
Prússia saiu vitoriosa contra a França, inclusive dominando parte de seu
território, a Alsácia-Lorena, e criando o chamado Segundo Império Alemão. Essa
situação gerou nos franceses um forte sentimento de revanche.
A Prússia era um reino que existiu na Europa entre 1701 e 1918, e seu
território cobria a maior parte da Alemanha atual. Juntamente com outros reinos
alemãs eles formaram, após a guerra Franco-prussiana, o Segundo Império
Alemão. O reino da Prússia foi dissolvido após a derrota na Primeira Guerra.
Essa disputa entre alemães e franceses gerou, ainda no final do século
XIX, uma política de alianças que foram fundamentais na Primeira Guerra.
Enquanto a Alemanha buscava se aliar com a Áustria-Hungria e com a Itália, a
França usava a sua diplomacia para se aproximar da Rússia e da Inglaterra.
Esses esforços diplomáticos deram origens às chamadas Tríplice Entente e
Tríplice Aliança.
A Tríplice Entente era formada pela França, Grã-Bretanha e pelo Império
Russo, já a Tríplice Aliança foi formada pela Alemanha, Áustria-Hungria e pela
Itália.
No caso do leste europeu, ocorriam diversas disputas políticas e militares,
e a região era conhecida como o barril de pólvora da Europa. A Áustria-Hungria
tentava manter o controle sobre diversos territórios, enquanto isso o Império
Russo instigava diferentes movimentos pela independência. Ficava cada vez

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mais evidente que se avizinhava uma guerra, a questão era saber quando ela
começaria.
Mesmo com este cenário tenso, havia, antes da guerra, um clima de
otimismo e uma crença de que o progresso só poderia trazer alegria e
prosperidade. No entanto, a guerra devastou com essas ideias.
Esse momento histórico, pautado pela positividade e crença no progresso,
que antecedeu o início da Primeira Guerra, ficou conhecido como a Belle
Époque, termo francês para Bela Época, marcada por uma série de inovações
tecnológicas, como o advento da luz elétrica, do cinema, do carro, do avião, entre
tantas outras invenções.

Figura 3 – Ford T, grande símbolo progressista da Belle Époque

Crédito: Jon Sullivan/CC/PD.

Os avanços tecnológicos da Belle Époque também repercutiram na


indústria bélica, produzindo armas de guerra, como canhões, carros blindados,
metralhadoras e gases tóxicos de última geração. Desse modo, as principais
potências europeias passaram a investir significativamente na indústria bélica, e
esse fato ficou conhecido como paz armada. Ou seja, num contexto anterior à
guerra, os países já estavam investindo pesado em armas, realizando uma
corrida armamentista. Tratava-se de um período de paz, no qual as potências
estavam super armadas e prontas para um iminente conflito.

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Como mencionado anteriormente, foi justamente por causa dessas
disputas políticas, marcadas por múltiplos nacionalismos, que teve início a
Primeira Guerra. Um jovem sérvio, em 28 de junho de 1914, assassinou o
príncipe da Áustria-Hungria na cidade de Sarajevo. Esse fato desencadeou uma
série de acusações entre os países e declarações de guerra.
No dia primeiro de agosto a Alemanha declara guerra contra a Rússia e,
dois dias depois, também declarou guerra contra a França e a Bélgica. No quarto
dia, a Grã-Bretanha, seguindo os princípios das alianças, declarou guerra contra
a Alemanha.
Nos primeiros meses a guerra se desenvolveu em movimento. A
Alemanha atacou em duas frentes. Na frente ocidental as tropas alemãs
avançaram contra a Bélgica com objetivo de chegar ao norte da França. Com
isso chegaram a se aproximar de Paris. Entretanto, mudando seu objetivo inicial,
acabaram sendo repelidos pelos franceses que contavam com o apoio do
exército britânico. Na frente oriental, rapidamente os alemães avançaram contra
os russos, impondo severas derrotas ao exército do Czar Nicolau II.
No início do conflito em 1914, a Primeira Guerra tinha caraterísticas muito
similares com os conflitos do século XIX, como o uso de cavalos, por exemplo.
Todavia, em pouco tempo novas armas foram adicionadas ao conflito, o que
modificou completamente as estratégias de guerra. Entre as novas tecnologias
empregadas, pode-se destacar os canhões cada vez mais poderosos e capazes
de atingir locais mais distantes com maior precisão. Os aviões que a princípio
serviam para espionar o inimigo passaram a carregar bombas, as granadas de
mão se tornaram cada vez mais recorrentes, assim como o uso de diversos tipos
de gases, os quais levavam o inimigo à morte e ao sofrimento.
Além disso, as metralhadoras foram melhoradas e se tornaram
imprescindíveis durante o conflito, provavelmente a arma que mais fez estragos
na Primeira Guerra. No mais, foi nesse momento que os navios foram
aprimorados para as batalhas, e começou a testar submarinos. E, por fim, no
final da guerra surgiu como um elemento importante o tanque de guerra.
Todas essas novas armas foram fruto de um enorme desenvolvimento
tecnológico, porém foram responsáveis por uma carnificina nunca vista na
história da humanidade, a qual jogou por terra todas as esperanças e sonhos
dos europeus. Vale dizer que, no início do conflito, era esperado que a guerra
não durasse mais que poucos meses.

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Figura 4 – Mark I, o primeiro tanque de guerra da história, utilizado na Primeira
Guerra Mundial

Crédito: CC/PD.

Depois de algumas vitórias francesas e britânicas, iniciou-se, na frente


ocidental, em 1915, a famosa guerra de trincheira, sendo que a principal
trincheira tinha mais de 800 km de extensão. Os dois lados construíram grandes
buracos nos quais os soldados ficavam esperando o momento para atacar. Entre
as duas trincheiras havia a chamada terra de ninguém, local que deveria ser
atravessado para chegar ao inimigo, ao longo da frente ocidental a distância
entre as duas trincheiras variava de 50 metros a 500 metros.

Figura 5 – Trincheira alemã ocupada por soldados britânicos em julho de 1916,


na batalha de Somme

Crédito: John Warwick Brooke/CC/PD.

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Durante os três anos que durou a guerra de trincheiras, milhares de
soldados, dos dois lados, morreram na tentativa de atravessar a terra de
ninguém para chegar na trincheira inimiga. Era nesse momento que as
metralhadoras mais trabalhavam.
A vida nas trincheiras era extremamente caótica e sem condições
sanitárias. As acomodações eram péssimas e havia pouca comida. Além dos
bombardeios constantes, havia o perigo das granadas inimigas e dos gases.
O combatente francês Émile Moniotte, relata a Alain Pigeard, especialista
em história militar, as suas lembranças das trincheiras:

Nosso regimento dirigiu-se a Craonne. Era dezembro de 1916, e a terra


cobria-se de neve. Foi então que conheci a realidade das trincheiras,
sua miséria. A chuva era um terror, desesperava os homens. Os
capotes pesavam por causa da lama grudada neles; nos setores mais
lamacentos, os soldados cortavam a parte de baixo do casaco para
evitar o incômodo. Todas as manhãs, ou quase todas, por volta das 6
h no inverno e um pouco mais cedo no verão, chegavam os homens
da sopa'. Foi assim que apelidamos os que traziam a comida do dia,
em geral um café preto, pão e carne em conserva. O que comemos de
carne em conserva, batata cozida, lentilha ou feijão! Não faltava o
camembert! Mais meio litro de vinho, por homem, aguardente para
quem quisesse e fumo. Era proibido fumar nas trincheiras, por isso
muitos soldados criaram o hábito de mascar. O serviço da ‘sopa'
também trazia a correspondência e as encomendas que nos enviavam:
salsicha, toucinho cozido, luvas para o inverno. Nós dividíamos tudo,
éramos muito unidos. Quando as coisas se acalmavam, podíamos
descansar, mas era terminantemente proibido tirar o uniforme ou livrar-
se dos equipamentos; só podíamos nos separar do capacete e da
mochila. Para dormir no abrigo, quatro vigas sustentavam um estrado
que servia como beliche. Os ‘antigos' dormiam na parte de cima, os
mais novos embaixo. Não demorou para eu entender por quê: no meio
da noite, acordei com algo se mexendo na minha barriga; era um rato
enorme atrás de comida. Tomar banho ou se lavar, não existia: não
havia água! (Pigeard, 2008)

O ano de 1917 foi bastante decisivo para os rumos do conflito, marcado


por dois acontecimentos cruciais: a entrada dos Estados Unidos e a saída da
Rússia do conflito.
Em abril de 1917, os Estados Unidos declararam guerra à Alemanha e
entraram para guerra ao lado da Tríplice Entente. Vale ressaltar que os Estados
Unidos vendiam armas e alimentos para a Inglaterra e França, ou seja, havia
uma afinidade política, cultural e comercial entre eles. Todavia, a Alemanha,
utilizando seus submarinos alvejou navios americanos, e tal provocação levou
os Estados Unidos a entrar no conflito.
Em outubro de 1917, eclodiu em solo russo uma revolução de cunho
socialista, da qual falaremos com mais profundidade no próximo tópico. Diante
do seu cenário revolucionário interno era inviável a Rússia continuar na guerra,
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portanto, em dezembro de 1917, o país anunciou sua retirada do conflito.
Inicialmente, os países da Tríplice Aliança e da Tríplice Entente
acreditavam que a guerra seria rápida e a vitória seria fácil, no entanto ocorreu
exatamente o oposto disso. Assim, em 1918, a população já estava cansada, os
soldados exaustos, somado a isso a entrada dos EUA foi uma injeção de
dinheiro, de armamentos, de suplementos e de soldados, o que foi decisivo para
as vitórias em combate. Em contrapartida, a Tríplice Aliança vinha de derrotas
sucessivas.
Diante deste cenário, em novembro de 1918, o governo alemão assinou
um armistício, colocando fim ao conflito. Em janeiro de 1919 foi realizado o
Tratado de Versalhes, documento que oficializava o término do conflito e
reconfigurava a sociedade europeia pós-guerra. Neste tratado, a Alemanha foi
considerada culpada pela Guerra, por isso a ela foram imputadas duras penas,
como perda territorial, pagamento de uma indenização pesada aos vencedores
e uma redução drástica de seu exército, sendo proibida de produzir armamentos.

Saiba mais

Armistício: acordo formal, no qual as partes envolvidas no conflito decidem


suspender os embates.
Quando a guerra chegou ao fim, em 1918, mais de 10 milhões de
pessoas, entre soldados e civis, haviam morrido, outros 21 milhões ficaram
feridos e tiveram que conviver não apenas com as cicatrizes no corpo, mas
também com o horror em suas memórias.

TEMA 3 – NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA REVOLUÇÃO – A


REVOLUÇÃO RUSSA

A revolução Russa é, sem dúvidas, um dos acontecimentos mais


determinantes do século XX, afinal, toda a disputa entre o capitalismo e o
socialismo subsequente advém dela.
Para entendermos como culminou e se desenvolveu a Revolução Russa,
é necessário compreendermos como era a Rússia pré-revolucionária. No início
do século XX, a Rússia era o país mais populoso da Europa, um vasto e disforme
império, comandada pelo czar Nicolau II. A Rússia, nesse momento, ainda era
fortemente feudal. Assim, calcula-se que cerca de 85% da população vivia no
campo, num sistema de ferrenha exploração dos camponeses por parte da

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aristocracia rural.
Já a população que vivia nos centros urbanos também passava por sérios
problemas, como desemprego, fome e péssimas condições de vida. O país ainda
era bastante atrasado industrialmente. Nas incipientes indústrias russas, a
situação dos trabalhadores era horrível: péssimos salários, maus tratos,
extensas jornadas de trabalho etc.
Desse modo, os grupos sociais se dividiam da seguinte maneira: de um
lado, os privilegiados, formados pela aristocracia rural, o alto clero da Igreja
Ortodoxa Russa, os militares de alta patente, a nobreza imperial e a alta
burguesia (donos das indústrias e comércios); e do outro lado encontravam-se
os camponeses e operários vivendo em extrema pobreza.
Diante desta conjuntura injusta, em 1905 os operários decidiram protestar,
pedindo por melhorias de vida. Uma concentração enorme de pessoas se
estabeleceu, de maneira pacífica, em frente ao Palácio de inverno do czar em
São Petersburgo. A reação da polícia czarista foi violentíssima, abriram fogo
contra os revoltosos e mataram mais de 90 pessoas e milhares de operários
ficaram feridos. Este episódio ficou conhecido como o Domingo Sangrento.

Figura 6 – O massacre do Domingo Sangrento em São Petersburgo no dia 22


de janeiro de 1905

Crédito: Ivan Vladimirov-CC/PD.

Este acontecimento foi determinante para a eclosão da Revolução Russa,


anos mais tarde. Afinal, depois deste trágico evento, greves de operários e
revoltas camponesas começaram a explodir, a organização dos trabalhadores
urbanos e rurais se intensificavam, de modo que, cada vez mais, o governo do
czar se tornava insustentável.

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Um exemplo disso é que, numa pequena cidade próxima de Moscou, os
trabalhadores de uma fábrica criaram uma maneira de organização bastante
original, que funcionava da seguinte forma: os trabalhadores elegiam
representantes que não tinham mandato fixo, cuja função eram manter os
colegas informados e preparar a mobilização, caso necessário. Surgia aí o
primeiro soviet, que rapidamente se espalhou por toda a Rússia. Portanto, os
soviets eram espécies de sindicatos, onde os trabalhadores exerciam, ao mesmo
tempo, o poder executivo e legislativo. Mais tarde, em 1912, foi formado o Partido
Bolchevique, que representava os operários, cujo líder era Vladimir Lenin.
Para agravar ainda mais a situação, o czar Nicolau II decidiu entrar na
Primeira Guerra Mundial. Todavia, tal decisão foi catastrófica. A Rússia não
estava preparada, de modo que somou várias derrotas, com aproximadamente
4 milhões de soldados mortos no final de 1915. Sem contar que faltavam
alimentos, armas e munições, o que revoltou os soldados russos.
Além disso, a guerra gerou aumento os impostos, resultando numa
carestia de mercadorias e muito desemprego. Assim, em 1916, ocorreram muitas
revoltas criticando a guerra. Iniciava-se um discurso, que cada dia se tornou mais
forte, que pregava “paz, pão e terra”, isto é, desejavam a saída imediata da
Rússia da Guerra e uma vida digna.
Soldados desertando, miséria, revoltas, greves, a situação estava
insustentável, diante desse momento de instabilidade, os bolcheviques,
comandado por Vladimir Lenin, aproveitaram para radicalizar e colocar em curso
a ideia da revolução operária.

Figura 7 – Pintura de Lenin na frente do Instituto Smolny, feita por Isaak Brodski

Crédito: Isaak Brodsky/CC/PD.

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Assim, em meados dos anos de 1917, os camponeses tomaram posse
das terras de grandes latifundiários, distribuindo entre si de maneira igualitárias.
Nas cidades, os operários ocuparam o Palácio de Inverno do Czar e somou-se
a luta os soldados, que desistiram da Guerra e foram lutar ao lado da população.
Era o início da Revolução Russa, que em 25 de outubro de 1917 colocou os
bolcheviques no poder.
Uma das primeiras medidas foi retirar a Rússia da guerra, depois, os
bolcheviques aprovaram uma nova constituição. Lenin estatizou a marinha
Mercante e os bancos, criou tribunais revolucionários em substituição às
instituições judiciárias, acabou com os latifúndios, desapropriando as terras e
dividindo-as entre os camponeses. As fábricas também foram estatizadas e
passaram a ser controladas pelos trabalhadores. Houve ainda confisco dos bens
da Igreja Ortodoxa e extinção dos privilégios clerical. A educação se tronou laica.
Portanto, os bolcheviques colocaram em prática, pela primeira vez na
história, um governo socialista. Em 1918, os bolcheviques mudaram de nome e
se tornaram Partido Comunista.
É importante mencionar que, entre os anos 1917 e 1921, a Rússia se
transformou num palco de guerras, pois, internamente, o conflito entre os
bolcheviques (trabalhadores) e mencheviques (burgueses/conservadores)
continuaram latentes.
Em 1921, foi criada a NEP, Nova Política Econômica, cujo objetivo era
estimular a produção agrícola e as pequenas indústrias, que foram reativadas,
momentaneamente, de maneira privada. Em 1922, a Rússia se expandiu e
formou um bloco com outros países vizinhos, formando a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas, a URSS.

Figura 8 – Emblema da União Soviética

Crédito: CC/PD.
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Em 1924, Lenin veio a óbito em decorrência de um derrame cerebral. Era
necessário, portanto, estabelecer quem assumiria seu lugar na liderança da
URSS. A disputa se deu entre Josef Stalin e Leon Trotsky, membros ativos do
Partido Comunista e figuras de destaque durante todo o processo revolucionário.
O embate entre Stalin e Trotsky colocava em xeque a disputa de dois
projetos: Stalin defendia o fortalecimento da revolução internamente, para depois
se estender a outros países. Já Trotsky acreditava que era necessário
internacionalizar o movimento para somar forças contra o capitalismo.
Stalin dominava a máquina burocrática do partido, de modo que não foi
difícil para dar um golpe e assumir o poder. Com esta nova realidade, Trotsky foi
expulso do partido e mandado para fora do país. Daí em diante, andou fugitivo
por diversos países, até que 1940 foi morto, a mando de Stalin, em sua casa no
México.
Stálin ocupou o governo da URSS durante décadas, entre 1924 e 1953,
ano da morte. O Stalinismo se caracterizou como um governo totalitário,
marcado por expurgos de camaradas, perseguições políticas, torturas,
repressão, vigilância estatal, espionagem, censura e culto à personalidade.
Ademais, aqueles considerados inimigos eram mortos, mandados para
hospitais psiquiátricos ou levados para os gulags, campos de trabalho forçado.
Estima-se que mais de um milhão de pessoas morreram nos gulags soviéticos.
No que se refere à economia, a partir de 1927 Stalin lançou o Plano
Quinquenais, que foram implementados a cada cinco anos e cujo objetivo era
fortalecer a indústria, a agricultura, as universidades etc. Assim, milhares de
pessoas foram beneficiadas por essa política pública estatal.
O historiador Angelo Segrillo realiza um panorama de como a Revolução
Russa foi retratada pela historiografia, desde 1917 até os dias atuais. É muito
interessante notar que no período em que a revolução ocorria, já estava sendo
produzidas versões histográficas sobre ela, escrito por participes do evento, e
obviamente, influenciadas pelo calor do momento. Mais tarde, com a queda do
Muro de Berlim, o fim da União Soviética e a abertura de novos arquivos, muitos
estudos foram realizados privilegiando diferentes temáticas como a vida social e
política das comunidades soviéticas do interior,

a principal consequência (e benefício) destes estudos regionais tem sido


o alargamento da compreensão de como a vida social e a política se
mesclavam nos ambientes mais provinciais, rurais ou periféricos e como

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a população local comum se inseria neste espaço de jogo de poder
(Segrillo. 2010, p. 82-83).

Mais recentemente, há estudos sobre a Revolução Russa realizados sob


o prisma da Virada Linguística e do Pós-modernismo, trazendo contribuições
importantes para o campo historiográfico.

TEMA 4 – QUEM É O DONO DO MUNDO?

A Primeira Guerra Mundial gerou uma profunda mudança na sociedade


global, suas marcas foram sentidas por muito tempo e seus desdobramentos
geraram inúmeras transformações para o mundo – principalmente no continente
europeu. Assim, a Primeira Guerra deixou, sobretudo na Europa, implicações
sociais, políticas, econômicas, geográficas, tecnológicas e culturais.
Durante a guerra, o Império Russo foi palco da primeira revolução
socialista da história. Este acontecimento é crucial para compreender o século
XX, pois boa parte dos eventos ocorridos adiante estão diretamente ou
indiretamente relacionados com a Revolução Russa e implementação do
socialismo.
Já o Império da Áustria-Hungria foi desfeito e se transformou em vários
países, assim como também o Império Otomano. Diversas colônias que
pertenciam aos perdedores foram incorporadas pelos vitoriosos. Desse modo, a
geografia da Europa no pós-guerra se modificou completamente.
Os alemães, considerados os grandes responsáveis pela guerra segundo
o Tratado de Versalhes em 1919, foram severamente punidos. Essas punições
ajudam, em parte, a explicar o êxito da ascensão do governo nazista, bem como
se apresentam como um dos fatores que impactaram na ocorrência da Segunda
Guerra Mundial, como veremos mais adiante.
Cabe ainda salientar que, ao final da Primeira Guerra, incorporado ao
Tratado de Versalhes foi criada a Liga das Nações, com sede em Genebra, na
Suíça. Tratou-se de uma organização internacional composta por vários Estados
soberanos, cujo objetivo principal era, por meio da cooperação mútua, assegurar
a paz, para que conflitos como a Primeira Guerra não voltassem a ocorrer.
Entretanto, com a eclosão da Segunda Guerra em 1939, esta organização
praticamente deixou de funcionar, sendo extinta oficialmente em 1946.
Os Estados Unidos, que até 1917 estavam neutros no conflito, tiveram
uma importante participação na vitória da Tríplice Entente e no final da guerra se

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afirmaram como uma das maiores potências, considerado por muitos como os
“donos do mundo”, desse modo, o “velho mundo” perdeu sua centralidade e
protagonismo.
Devido a sua rápida industrialização no final do século XIX, o que
acarretou numa aceleração econômica, os Estados Unidos ofereceram
empréstimos para os países envolvidos no conflito, sobretudo para Tríplice
Entente para reconstruir financeiramente seus países.
Com o final da guerra, as ideias liberais sofreram muitas críticas e, nesse
cenário, as ideologias autoritárias começaram a se fortalecer. Portanto, é visível
que a reorganização pós-guerra não sanou todos os conflitos que haviam
originado a guerra. Mais que isso, estes conflitos foram somados a outros novos,
resultantes da própria guerra. Desse modo, a reconstrução do mundo pós-guerra
se transformou, na verdade, em um descanso temporário, uma espécie de
intervalo entre atos, onde os atores estavam apenas descansando e se
preparando para a segunda parte do espetáculo, ou seja, a Segunda Grande
Guerra.

NA PRÁTICA

Como vimos, uma série de fatores acabaram fazendo com que o mundo
entrasse em um grande conflito mundial. No início dessa discussão, afirmamos
que os liberalismos (que criam o cenário para o desenvolvimento do capitalismo)
foram essenciais no período. Apoiando-se no que você já estudou, faça uma
dissertação (entre 20-30 linhas) sobre o tema, relacionando o desenvolvimento
do capitalismo com os liberalismos e a Primeira Grande Guerra Mundial.

FINALIZANDO

As revoluções burguesas (Inglesa e Francesa), somadas especialmente


com a Revolução Industrial, serviram para consolidar o capital. A partir daí,
encontrou-se em vigor uma nova maneira de produção. Desse modo, os países
europeus precisavam de matérias-primas e novos mercados, o que resultou no
Imperialismo.
O Imperialismo e as tensões pré-existente na Europa resultaram na
Primeira Guerra Mundial, que foi marcada, sobretudo, pela guerra de trincheiras.
Este conflito mostrou que o progresso nem sempre conduz à felicidade, pois,

17
neste caso, o desenvolvimento tecnológico foi utilizado para exterminar seres
humanos em menos tempo.
Durante a Primeira Guerra, ocorreu a Revolução Russa, instaurando o
primeiro governo socialista da história. Era o início de uma disputa que vai
permear quase todo o século XX, o capitalismo versus o socialismo.
Atualmente, os Estados Unidos são uma das maiores potências mundiais
e esse título nasceu ao final da Primeira Guerra, quando os norte-americanos
emprestaram dinheiro aos países europeus e se tornaram aos maiores
exportadores de mercadorias.
Todavia, a Primeira Guerra não se encerrou definitivamente com o
armistício, pois seu resultado final foi mais uma espécie de entreatos que uma
finalização efetiva. Os acordos não satisfizeram a todos e um certo ar de
revanchismo permanecia fortemente.

18
REFERÊNCIAS

BEAUD, M. História do Capitalismo de 1500 até nossos dias. Editora


brasiliense, 1987.

BOBBIO, N. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 2000.

BRUE, Stanley. História do Pensamento Econômico. SP: Thonson Learning,


2006.

CARVALHO, D. G. O que é o liberalismo? O que significa ser liberal? (Artigo).


Café História – história feita com cliques. Disponível
em: <https://www.cafehistoria.com.br/o-que-e-o-liberalismo-o-que-significa-ser-
liberal>. Acesso em: 5 set. 2022.

FERGUSON, N. O Horror da Guerra: uma provocativa análise da Primeira


Guerra Mundial. São Paulo: Editora Planeta, 2014.

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HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX: 1914- 1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.

HOBSBAWM, E. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e


realidade. São Paulo: Paz e terra, 1990.

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MAGNOLI, D. (Org.). História das guerras. São Paulo: Contexto, 2006.


SONDHAUS, L. A Primeira Guerra Mundial: história completa. São Paulo:
Contexto, 2013.

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Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

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2008.

SEGRILLO, A. Historiografia da Revolução Russa: antigas e novas


abordagens. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados
de História, [S.l.], v. 41, p. 63-92, 2010. Disponível em:
http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/6535/4734. Acesso em: 21
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19
_____. Historiografia da Revolução Russa: antigas e novas abordagens. Projeto
História, n. 4.

SONDHAUS, L. A Primeira Guerra Mundial: história completa. São Paulo:


Contexto, 2013.

TRAGTENBERG, M. A Revolução Russa. São Paulo: Unesp, 2007.

20
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
AULA 3

Profª Dayane Rúbila Lobo Hessmann


CONVERSA INICIAL

Como diz o título de uma obra clássica (Huxley, 2014), um admirável


mundo novo se abriu após o final da Primeira Guerra Mundial. Duas décadas
separaram a Primeira da Segunda Guerra, em um período que foi marcado pela
reconstrução da Europa, pelo surgimento de totalitarismos, pela crise de 1929 e
pelo acirramento de conflitos, fatos que contribuíram significativamente para a
eclosão da Segunda Guerra Mundial. Assim, nesta etapa interessa-nos
compreender o nazifascismo, bem como os motivos e desdobramentos da crise
de 1929. Ademais, enfocaremos a Segunda Guerra Mundial e,
consequentemente, a Guerra Fria.

TEMA 1 – UM MUNDO ENTREGUERRAS

A Primeira Guerra Mundial causou profundas mudanças em todas as


esferas do mundo ocidental. Suas marcas foram sentidas por muito tempo e seus
desdobramentos geraram inúmeras transformações para o mundo e
principalmente para a Europa. O dito velho mundo, que até o século XIX foi o
grande protagonista global, perdeu sua hegemonia, pois encontrava-se
devastado, abalado territorial, política, econômica e emocionalmente. Nesse
novo cenário, os Estados Unidos, que ganharam relevância ao término da
Primeira Guerra, se consolidaram como uma grande potência, destacando-se
como o epicentro do capitalismo mundial. Na conjuntura de crise europeia pós-
guerra, os EUA emprestaram dinheiro para os países europeus se
reestabelecerem.
Com a crise europeia, os norte-americanos aproveitaram para assumir a
liderança das exportações de todo o mundo, o que carretou um veloz
crescimento industrial e um acentuado consumismo interno, nos países. Tal
prosperidade econômica propiciou uma política de crédito bancário livre do
controle estatal, levando milhares de pessoas a aplicarem sua renda no mercado
de ações, em busca de enriquecerem de maneira fácil. Porém, passada quase
uma década do final da Primeira Guerra, no final da década de 1920, os países
europeus estavam recuperando sua capacidade de produção industrial e
agrícola, o que gerou uma significativa redução das importações. Assim, uma
crise de superprodução rapidamente chegou aos EUA. Com a quebra da Bolsa
de Valores de Nova York, em 1929, as ações das empresas perderam quase

2
todo o seu valor, levando milhares de pessoas, que haviam investido dinheiro
nelas, à falência. Muitas fábricas, comércios e bancos entraram em colapso e
faliram. A quebra da Bolsa de Nova York teve reflexos imediatamente, uma vez
que, logo em seguida, o número de desempregados cresceu expressivamente,
gerando pobreza e miséria. Além da questão financeira, a crise gerou também
significativos problemas psicológicos, vide o crescimento do alcoolismo e muitos
casos de suicídio.

Figura 1 – Uma mãe migrante e seus filhos, durante a Grande Depressão

Crédito: Dorothea Lange/CC-PD.

3
Diante desse panorama de profunda recessão, os norte-americanos
suspenderam as importações e cortaram os empréstimos aos países europeus,
o que, por sua vez, desencadeou também uma crise na Europa e em outros
países americanos e até mesmo na Ásia. O historiador René Rémond (1974, p.
71) ressalta que essa crise, quase que mundial, acarretou importantes
consequências políticas, pois a opinião pública perdeu a confiança nas
instituições democráticas capitalistas, bem como afetou a concepção de
liberalismo econômico, levando os governos a intervirem na economia. Cabe
destacar, todavia, que a União Soviética saiu intacta dessa crise. Ou seja:
enquanto o capitalismo fracassava, o socialismo prosperava.
O contexto intitulado entreguerras ainda foi palco do surgimento do
fascismo italiano. A Itália perdeu cerca de 2 milhões de homens na Grande
Guerra, isso lhe gerando um trauma coletivo. Somou-se a isso uma grave crise
econômica, que acarretou, por sua vez, uma intensa crise social. Ou seja, no
início da década de 1920, a Itália encontrava-se com sérios problemas. Nessa
conjuntura de crise, os movimentos de esquerda cresceram, o que causava
pavor na burguesia italiana, temerosa de que algo similar à Revolução Russa
acontecesse ali. Ainda sobre esSe cenário, é conveniente lembrar que A
Alemanha foi considerada culpada pela Primeira Guerra e, por isso, foRA
penalizada. Assim, perdeu 13,5% do seu território, foi obrigada a pagar uma
indenização aos países vitoriosos e, ainda, teve seu Exército e Marinha limitados
e sua força aérea suprimida.
As exigências do Tratado de Versalhes acarretaram um significativo
impacto econômico e moral à população alemã. Além do luto da perda de quase
2 milhões de homens e 4 milhões de feridos e inválidos, os alemães ainda
precisavam lidar com o sentimento da derrota e, sobretudo, com o da humilhação
imposta pelo acordo de paz. O exorbitante gasto na indenização do Tratado de
Versalhes gerou uma profunda crise econômica no país, com crescimento
exorbitante da dívida externa da Alemanha. Somou-se a isso o desemprego, o
que acarretou um empobrecimento de boa parte da sociedade alemã. Foi nesse
contexto de densa fragilidade da população que nasceu o Partido Nacional
Socialista dos Trabalhadores Alemães, o Partido Nazista, em 1919.
Portanto, foi diante desse momento de incertezas e vulnerabilidades que
surgiram o fascismo italiano e o nazismo alemão, os quais estudaremos com
mais profundidade no próximo tópico.

4
TEMA 2 – OS TOTALITARISMOS

Uma consequência da grave crise econômica e política do período pós-


Primeira Guerra foi o desenvolvimento de Estados totalitários. Em que pese as
particularidades de cada caso, em geral eles possuem características em
comum, tais como serem:

• avessos à democracia, ao liberalismo econômico e ao socialismo;


• não aceitarem ideias de igualdade, de luta de classe, nem ideias
internacionalistas;
• nacionalistas;
• extremamente bélicos;
• defenderem a resolução armada de conflitos;
• acreditarem num Estado forte e na necessidade de haver uma liderança
determinada ao alcance de seus objetivos.

Benito Mussolini (1883-1945) criou, em 1919, um grupo paramilitar


chamado Fasci Italiani di Combattimento, cujo intuito era combater os socialistas.
Com um forte discurso nacionalista, seus integrantes faziam uso da violência
para reprimir os ditos inimigos. Esse grupo, que cresceu de forma rápida e
espantosamente, recebeu o apoio de ex-soldados da Primeira Guerra, da
burguesia e da Igreja Católica, temerosos com o possível avanço socialista.

Saiba mais
Fascismo vem de fascio, termo italiano que significa feixe e remete a
fasces, palavra latina usada na época dos romanos para designar um machado
amarrado com um feixe de varetas. Na época do Império Romano, o fascio era
utilizado para abrir caminhos para a passagem dos magistrados. Assim, o fascio
era atrelado à ideia de poder e autoridade. Esse objeto foi retomado e usado por
Mussolini como símbolo do fascismo italiano.

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Figura 2 – Emblema do Partido Nacional Fascista

Crédito: NsMn/CC-PD.

Em 1921, esse grupo se tornou um partido de extrema direita, o Partido


Fascista Italiano, tendo Mussolini como o grande líder do partido. Os fascistas
prometiam reestabelecer a ordem social, gerar um crescimento econômico e
conquistar novos territórios, afirmando que a Itália, tal como já havia sido no
período da Roma Antiga, se tornaria um grande e poderoso império, novamente.
Para tanto, defendiam um Estado centralizador e autoritário. Em 1922, os
fascistas organizaram a Marcha sobre Roma, uma grande manifestação cujo
objetivo era pressionar e conquistar a tomada do poder à força. Devido à grande
pressão, o rei italiano Vitor Emanuel III (1869-1847) convidou Mussolini para se
tornar o primeiro-ministro italiano. A partir de então, os fascistas passaram a
controlar o Estado.
Hannah Arendt (2009), em As origens do totalitarismo, de 1951, destaca
que o fascismo italiano inaugurou uma nova e inédita forma de governo, o
totalitarismo. Nessa esteira, o historiador Robert Paxton (2007, p. 68) afirma que

6
Fascismo [...] era uma invenção nova, criada a partir do zero para a era
da política das massas. Ele tentava apelar sobretudo às emoções,
pelos rituais, de cerimônias cuidadosamente encenadas e de retórica
intensamente carregada. [...] o fascismo não se baseia de forma
explícita num sistema filosófico complexo, e sim no sentimento popular.

A propaganda foi um dos pilares de sustentação do fascismo. Frases


como Mussolini tem sempre razão eram repetidas em todos os lugares, nos
jornais, nas escolas, nos prédios públicos, nas rádios. Além disso, os ideais do
fascismo, como pátria, família e trabalho, eram constantemente divulgados. O
intuito era convencer e receber a aprovação da população.

Figura 3 – Benito Mussolini dirigindo-se à multidão, em 1938

Crédito: Shawshots/Alamy/Fotoarena.

O militarismo era utilizado como instrumento para disciplinar e organizar


toda a sociedade. Além disso, o fascismo tinha como características: ódio à
razão e aversão aos intelectuais, aos artistas e aos cientistas; uso de força e
violência; forte propaganda; culto à personalidade; censura; oposição e
perseguição aos ditos inimigos políticos: socialistas, anarquistas e sindicalistas;
presença de um partido único; extremo controle da população; catolicismo como
religião oficial do Estado; visão imperialista.
Quase dez anos depois da promoção do fascismo italiano, inaugurava-se
na Alemanha um regime similar: o nazismo. Como vimos anteriormente, o
7
nazismo surgiu num contexto de profunda crise social, econômica e emocional
da população alemã, tal como salienta a historiadora Jeanine Poock de Almeida
Drumond (2017, p. 29):

Após a derrota na Primeira Guerra Mundial em 1918 pelas forças


aliadas (França, Grã-Bretanha, Itália e Estados Unidos), a Alemanha
estava arrasada e humilhada e seu exército em retirada. Suas fábricas
estavam paralisadas, suas cidades invadidas por soldados e operários
insuflados pela revolução comunista. A conjuntura da Europa havia
mudado, pois em função de acordos firmados em 1919 surgiram novos
países: Polônia, Tchecoslováquia, Áustria, Hungria e países bálticos.
Em questões territoriais a Alemanha foi muito prejudicada com esses
acordos, pois perdeu parte do território para Tchecoslováquia onde
viviam cerca de três milhões de cidadãos de origem alemã. Além disso,
o território polonês se formou dividindo a Alemanha pelo “corredor
polonês”. O Tratado de Versalhes imposto à Alemanha, firmado na
ocasião do encontro dos países vitoriosos, considerou-a a grande
responsável pela guerra.

Assim, foi nessa conjuntura que surgiu o Partido dos Trabalhadores


Alemães (DAP), em janeiro de 1919. Adolf Hitler, um jovem entusiasta, não foi o
fundador do partido, porém, em pouco tempo, se tornou uma figura bastante
relevante dele. Em fevereiro de 1920, o então DAP teve seu nome modificado
para Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nsdap). No seu
programa, o partido apresentava características marcadamente de extrema
direita: nacionalista, autoritário e intolerante.

Saiba mais
Em 1932, o líder nazista disse: “Socialismo é a ciência de lidar com o bem
comum. Comunismo não é socialismo. Marxismo não é socialismo. Os marxistas
roubaram o termo e confundiram seu significado. Eu irei tomar o socialismo dos
socialistas”. Cabe destacar que, no contexto do final da Primeira Guerra Mundial,
a palavra socialismo estava na moda e atraía os trabalhadores. Hitler se
aproveitou dessa popularidade e também da própria estética socialista, ao usar
a cor vermelha, por exemplo, em panfletos e cartazes, para conquistar grupos
de esquerda e trabalhadores.

Em 1922, Hitler alcançou o posto de liderança no Partido Nazista. Em


1923, Hitler tentou dar um golpe, todavia fracassado. Por conta disso, acusado
de traidor da pátria, ele foi preso e, nos oito meses em que ficou na cadeia, ele
escreveu Mein Kampf, livro-base do nazismo. Nessa obra, Hitler conceituou
todos os ideais nazistas, como o nacionalismo exacerbado, o antissemitismo, o
antiliberalismo, o anticomunismo e a pretensa supremacia da raça ariana.

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Figura 4 – Retrato de Adolf Hitler, 1938

Crédito: Elzbieta Sekowska/Shutterstock.

Devido à forte pressão popular, em 1933 Hitler foi convidado pelo


presidente alemão para assumir o cargo público mais alto do posto executivo, de
chanceler, isto é, chefe do governo alemão. Em 1934, o presidente faleceu e
9
Hitler então se declarou Führer: chefe do Partido Nazista Alemão, chefe do
Estado alemão e o grande líder da população, tudo isso com o apoio do
Parlamento. Em seguida, foi realizado um plebiscito para a aceitação ou não de
Hitler para o cargo, cujo resultado foi de 89,9% de aprovação da sociedade
alemã.
Conforme Hannah Arendt (2009), o governo nazista, juntamente com o
fascismo italiano e o stalinismo soviético, se configura um governo totalitário, que
se trata de um sistema de governo singular e específico ao século XX. Ademais,
devemos salientar quem embora com traços em comum, esses regimes
pertencem a espectros ideológicos diferentes. O nazismo se estabeleceu como
um governo totalitário na medida em que centralizou todos os poderes políticos
e administrativos, não permitindo a existência de outros grupos ou partidos
políticos. Nele, além disso, havia um controle total da vida pública e privada da
população, a qual devia lealdade total, irrestrita e incondicional ao Partido
Nazista. A propaganda e o terror foram os pilares do governo totalitário; mais
que censura, havia um monopólio da verdade.
Norbert Elias, Zygmunt Bauman, Hannah Arendt (2009) e tantos outros
pesquisadores da área das ciências humanas já se debruçaram sobre a temática
nazista, buscando explicar como os nazistas chegaram de maneira tão rápida ao
poder e como obtiveram tão facilmente o apoio da população. Certamente, a
crise de 1929 e o discurso de salvação da economia contribuíram para a
popularização de Hitler, mas a economia não foi o único motivo que nos ajuda a
compreender esse fenômeno. Hitler soube valer-se de características da história
do povo alemão. Maria Luiza Tucci Carneiro (2000) alega que Hitler soube se
aproveitar do histórico do povo alemão especialmente no que diz respeito ao
ódio aos judeus. A historiadora ressalta que o ódio aos judeus na sociedade
alemã vinha de longa data, de modo que o antissemitismo não foi uma invenção
de Hitler. Assim, desde 1933, quando Hitler assumiu o poder, os judeus já
passaram a viver sob um regime de terror, com ataques físicos e psicológicos. A
propaganda antissemita transformou os judeus em verdadeiros bodes
expiatórios, num símbolo do mal, num inimigo em comum, que precisava ser
destruído. Tudo de ruim que já havia acontecido a Alemanha era culpa dos
judeus, que seriam verdadeiras “pragas” a serem eliminadas daquela nação.
Paralelemente a isso, se intensificava a ideia de que a população
germânica formava a raça ariana: uma raça pura, superior e escolhida. É

10
importante salientar que a ideia da raça ariana se tratava de uma classificação
ideológica e não científica. Em 1935 foram promulgadas as Leis de Nuremberg,
que oficializaram a perseguição sistemática aos judeus e os transformaram em
inimigo número 1 do regime nazista. Milhares de judeus foram presos pelo crime
de serem judeus, bem como tiveram seus bens (negócios, comércios, joias,
carros, obras de arte) confiscados pelos nazistas. Iniciou-se assim a segregação
dos judeus da sociedade alemã, pois a partir daquele momento eles estavam
proibidos de frequentar qualquer lugar público, como praças, museus, piscinas,
parques, escolas, restaurantes.
Numericamente, os judeus foram os inimigos mais penalizados durante o
governo nazista, porém eles não foram os únicos. Homossexuais, negros,
ciganos, testemunhas de Jeová, inimigos políticos (comunistas, socialistas,
sindicalistas, anarquistas ou qualquer pessoa contra o Partido Nazista), pessoas
com problemas físicos e mentais também foram classificados como seres
racialmente inferiores e, portanto, passíveis de eliminação. Além do
antissemitismo, da crença na superioridade da raça ariana, o nazismo também
se caracterizou pela defesa do espaço vital, isto é, pelo domínio de um vasto
território para que os alemães puros pudessem viver e se desenvolver
plenamente, livres das raças inferiores. Portanto, nitidamente, havia uma
pretensão de dominar o mundo, expandir o nazismo para além das fronteiras
alemãs, o que ficará visível na Segunda Guerra Mundial.
Por fim, não tem como falar sobre nazismo sem abordar os campos de
concentração, que foram, infelizmente, uma marca registrada do governo
nazista. Os alemães construíram tais campos com diferentes desígnios: havia
campos de trânsito, campos para prisioneiros de guerra, campos para
prisioneiros civis e, depois, campos de trabalho e de extermínio. Os campos de
concentração foram fundamentais para a economia de guerra alemã, na medida
em que toda a logística necessária para a guerra era produzida com mão de obra
escrava. Além disso, os alemães vendiam essa mão de obra escrava para outras
empresas interessadas.

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Figura 5 – Prisioneiro tendo a cabeça raspada no campo de concentração de
Sachsenhausen, Alemanha, 1942

Crédito: Acervo Museu do Holocausto.

Ademais, os campos de concentração eram também laboratórios de


experimentos onde tudo era possível. Tanto assim que a indústria farmacêutica
realizou muitos experimentos utilizando os prisioneiros como cobaias. Os
12
campos eram lugares de violência gratuita, onde todos os abusos e absurdos
inimagináveis poderiam acontecer.
A partir de 1942, os nazistas começaram a executar seus inimigos,
especialmente os judeus, em larga escala, de uma maneira rápida, barata e
lucrativa. Para tanto, desenvolveram as câmaras de gás como método para
assassinar centenas pessoas ao mesmo tempo, poupando derramamento de
sangue e economizando em balas. Depois, os corpos das vítimas eram retirados
por prisioneiros saudáveis, para aproveitar o que deles fosse possível, antes de
incinerá-los. Todo esse processo foi denominado indústria da morte.

TEMA 3 – COMEÇA O SEGUNDO ATO: UMA GUERRA, VÁRIAS RAZÕES

Segundo o historiador Eric Hobsbawm (1995, p. 51-52), a Segunda


Guerra consolidou a definição de guerra moderna, ou seja, uma guerra total, a
envolver uma quantidade de arsenal bélico inimaginável, muita organização e
administração, milhares de soldados e que transforma, direta ou diretamente, a
vida de todos os países envolvidos. Tratou-se essa de uma guerra de massas,
que envolveu não somente os combatentes, mas também toda a população civil
mundial.
O historiador Williams da Silva Gonçalves (2000) afirma que, até fins da
década de 1950, havia um consenso, na historiografia, de que Adolf Hitler foi o
grande responsável pela Segunda Guerra Mundial. Nesse consenso, havia duas
correntes interpretativas: a liberal, cujo enfoque se dava na questão do
totalitarismo desumano e antidemocrático; e a marxista, que privilegiava a
abordagem do imperialismo capitalista, cruel e agressivo.
Em 1961, o historiador britânico Alan John Percival Taylor (1991) lançou
The Origen Of the Second War, no qual questionava a visão historiográfica da
época. Para Taylor (1991), Hitler deu continuidade a uma estratégia política que
já havia sido definida anteriormente, de tal modo que o povo alemão também
deveria ganhar sua parcela de responsabilidade pelos acontecimentos. Taylor
(1991) abriu uma nova possibilidade de se pensar a Segunda Guerra, que não
parou por aí.

Seja como for, o debate não se encerrou e a pergunta sobre o porquê


da guerra continua a ser feita. Para nós, parece razoável afirmar que
não há uma resposta objetiva para esta pergunta. A guerra foi um
resultado perverso de uma conjunção de fatores. Dentre esses fatores,

13
a devastadora crise econômica de 1929 desempenhou um papel
central. (Gonçalves, 2000, p. 168)

A Alemanha, que teve sua economia totalmente devastada durante a


Primeira Guerra e sofreu muito com a crise de 1929, adotou, após a ascensão
de Hitler, uma política belicosa e expansionista. Algo muito parecido aconteceu
na Itália de Mussolini. Como resultado, teremos a união dessas duas nações e
o início da Segunda Guerra. Sobre isso, o historiador Pedro Tota (2006, p. 360)
destaca que é “[...] interessante notar que o mesmo fenômeno acontecia na Itália
e no Japão sob os governos de ministros militaristas. Ambos os países, cada um
a seu modo, modernizaram a indústria pesada e construíram armas, aviões e
navios para suas respectivas Forças Armadas.”
Os interesses expansionistas da Alemanha, da Itália e do Japão (o Eixo)
são importantes para se compreender a Segunda Guerra Mundial. O Japão foi
pioneiro na expansão territorial ao invadir a Manchúria, uma província chinesa,
em 1931. Logo depois, avançou sobre a China, chegando a Xangai. Em 1935,
Mussolini autorizou a invasão da Etiópia, na África. Em 1938, a Alemanha
anexou a Áustria e passou a reivindicar algumas regiões da Tchecoslováquia.

A anexação alemã da Áustria marcou uma quebra significativa da


ordem internacional do período após a Primeira Guerra Mundial.
Apenas seis meses depois, a Alemanha nazista forjou uma crise nos
Sudetos, que era uma região da Tchecoslováquia. Em setembro de
1938, líderes da Itália, da França e da Grã-Bretanha se encontraram
com Hitler em Munique para discutir a questão. Eles aplacaram Hitler
ao ceder aquela região à Alemanha nazista, sob a condição de que o
resto da Tchecoslováquia permanecesse intocado. Em março de 1939,
a Alemanha nazista quebrou este acordo e ocupou as terras tchecas,
incluindo sua capital, Praga. (Agressão, 2022)

Vale lembrar que, ao final da Primeira Guerra Mundial, com o Tratado de


Versalhes, a Alemanha fora obrigada a transferir uma faixa de terra, à Polônia,
que garantia ao país acesso ao Mar Báltico. Essa faixa de terra ficou conhecida
como corredor polonês. Em março de 1939, a Alemanha pediu a devolução de
parte desse território, o que foi recusado pelos poloneses. A partir disso, Hitler
resolveu invadir a Polônia. Em 1º de setembro de 1939 Hitler ordenou a invasão
da Polônia, utilizando a estratégia chamada blitzkrieg, isto é, guerra-relâmpago,
que consistia em pegar o inimigo de surpresa, atacando por todas as frentes, por
terra, por mar e pelo ar. No decorrer da Segunda Guerra, essa estratégia foi
bastante explorada. A invasão da Polônia foi um ato de agressão e expansão
territorial, sinalizando o estopim para o início da Segunda Guerra Mundial.

14
Figura 6 – Tropas alemãs desfilam em Varsóvia, depois da rendição da Polônia

Crédito: World History Archive/Alamy/Fotoarena.

Diante dessa invasão, a França e a Grã-Bretanha tiveram que se


posicionar, pois tinham um compromisso de ajuda aos poloneses caso a
Alemanha os ameaçasse. Desse modo, formaram o bloco chamado de Aliados,
que mais tarde contaria com a união de outros países.
O conflito pode ser dividido em três etapas, a primeira marcada por um
rápido avanço do Eixo, a segunda marcada pelo início das derrotas do Eixo e a
terceira na qual se destaca a entrada dos EUA na guerra, como veremos a
seguir. Nos primeiros anos da guerra, os nazistas obtiveram êxito, pois contavam
com uma excelente força aérea (Luftwaffe) e com um exército bem equipado e
muito bem treinado. Em abril de 1940, o exército alemão invadiu a Dinamarca e
a Noruega e, no mês seguinte, conquistaram a Holanda, a Bélgica e
Luxemburgo, abrindo caminho para seu próximo alvo: a França. As tropas
nazistas conseguiram dominar a França sem muito esforço e com pouca
15
resistência. Depois da França, o plano dos nazistas era dominar a Inglaterra. A
força aérea alemã começou a bombardear fortemente as terras inglesas,
contudo encontraram resistência da força aérea inglesa, a Royal Air Force (RAF).
Após essa tentativa frustrada, mas com boa parte da Europa Ocidental
sucumbida, Hitler voltou sua atenção à Europa Oriental, rompendo
definitivamente o pacto de não agressão antes estabelecido com a União
Soviética.

O Pacto Germano-Soviético foi um acordo assinado pela Alemanha


nazista e pela União Soviética no dia 23 de agosto de 1939. Ele foi
negociado pelo ministro de relações exteriores alemão, Joachim von
Ribbentrop, e pelo ministro de relações exteriores soviético,
Vyacheslav Molotov. Popularmente chamado de Pacto Nazi-Soviético
ou Pacto Molotov-Ribbentrop, também é conhecido como Pacto Hitler-
Stalin.
O Pacto Germano-Soviético possuía duas versões, uma pública e uma
secreta. A parte pública era um pacto de não agressão em que cada
signatário prometia não atacar o outro. Além disso, o Pacto também
estabelecia que, caso uma das duas potências fosse atacada por um
terceiro país, o outro signatário não forneceria assistência de qualquer
tipo para o país atacador. Cada um ainda concordou em não participar
de tratados com outras potências que, direta ou indiretamente,
prejudicassem o outro. O acordo de não-agressão deveria durar dez
anos e seria automaticamente renovado por cinco anos adicionais caso
nenhum dos signatários quisesse rescindi-lo.
A parte secreta do acordo era um protocolo que estabelecia as
respectivas esferas de influência soviética e alemã na Europa Oriental.
Esse protocolo reconhecia a Estônia, Letônia e Bessarábia como
estando dentro da área de influência soviética. Os signatários
concordaram em dividir a Polônia seguindo as linhas dos rios Narev,
Vistula e San. (Pacto, 2022)

As tropas nazistas elaboraram o plano chamado de Operação


Barbarossa, cujo objetivo era dominar a URSS. Em junho de 1941, com milhares
blindados, canhões, aviões e mais de 3 milhões de soldados, os alemães
iniciaram a invasão à URSS: em menos de um mês, os nazistas percorreram
quase 800 km em território soviético e, inicialmente, obtiveram um saldo bastante
positivo. Foi nesse momento que a União Soviética entrou no conflito, ao lado
dos Aliados. Para se defender, Stalin usou da estratégia da terra arrasada, ou
seja, destruir as plantações e a infraestrutura local que pudessem ser úteis ao
inimigo. O fator climático foi essencial para tirar a invencibilidade alemã, pois o
rigoroso inverno soviético, com temperaturas abaixo dos 40 graus negativos, foi
um grande desafio para os nazistas. Hitler imaginou que as forças nazistas
conseguiriam fácil e rapidamente dominar a URSS, mas não foi isso que
aconteceu.

16
Figura 7 – Soldados do Exército Vermelho num telhado em Stalingrado, em
janeiro de 1943

Crédito: Vintage_Space/Alamy/Fotoarena.

O Japão tinha interesses econômicos nas mesmas regiões da Ásia que


os Estados Unidos, por isso atacaram a base aeronaval em Pearl Harbor, situada
no Havaí, região do Pacífico, matando aproximadamente 2,4 mil soldados
americanos e afundando vários navios de guerra. Diante desse fato, os Estados
Unidos, que até então estava neutro no conflito, foi obrigado a tomar uma
postura, declarando guerra ao Japão e entrando no conflito ao lado dos Aliados,
em 7 de dezembro de 1941. Sobre a atuação japonesa na guerra, cabe
mencionar a estratégia singular dos pilotos kamikazes, cuja missão era matar e
morrer ao mesmo tempo. Isto é, os kamikazes eram pilotos suicidas, que
deveriam jogar sua aeronave cheia de explosivos em cima do alvo desejado,
geralmente navios porta-aviões. Estima-se que mais de 3 mil pilotos japoneses
se suicidaram, nessas missões.
A partir de 1943, a Marinha e a Aeronáutica norte-americanas começaram
a retomar, paulatinamente, os territórios ocupados pelos japoneses: Ilhas
Marshall, Marianas, Filipinas e outras ilhas na região do Pacífico. Paralelamente
a isso, na Europa Ocidental, a outra frente da guerra também obteve sucesso.
As tropas britânicas e americanas conseguiram expulsar os italianos e alemães
do norte da África. Essa vitória facilitou o avanço dos aliados em direção ao norte
17
da Itália e a derrubada de Mussolini. Em 6 de junho de 1944, conhecido como O
Dia D, os aliados atacaram a Normandia, norte da França, para retomar o
controle da região que estava nas mãos dos nazistas.
Após a derrota nazista em solo soviético, o Exército Vermelho iniciou o
avanço em direção a Berlim, em abril de 1945. Assim, a Batalha de Berlim foi a
última grande batalha entre soviéticos e nazistas. Conquistar Berlim era muito
alegórico, pois denotava a queda, em definitivo, de Hitler. Para defender a
cidade, Hitler convocou idosos e adolescentes a lutar, mas isso não foi suficiente:
o poderoso e temido Exército Alemão sucumbiu. Em menos de um mês, Berlim
foi ocupada pelos soviéticos, isso obrigando à rendição alemã. Após a derrocada
do Exército Alemão na Batalha de Berlim, Hitler e sua esposa, Eva Braum,
cometeram suicídio. Mussolini já havia sido capturado e morto. Ou seja: na
Europa, a guerra já tinha, então, chegado ao fim. Não obstante, no Pacífico, ela
ainda continuava, pois o Japão se recusava a aceitar a derrota do Eixo.
A guerra já tinha se dado por encerrada, a Organização das Nações
Unidas (ONU) já havia sido criada e, no Pacífico, o Japão ainda insistia no
conflito. Sendo assim, os Estados Unidos decidiram exibir todo o seu poder
militar lançando duas bombas atômicas no Japão, nas cidades de Hiroshima e
Nagasaki, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, respectivamente.

18
Figura 8 – Nuvens de cogumelo sobre Hiroshima (esquerda) e Nagasaki (direita),
após o lançamento das bombas atômicas nas duas cidades, nos dias 6 e 9 de
agosto de 1945, respectivamente

Crédito: George R. Caron/CC-PD; Charles Levy /CC-PD.

As bombas mataram instantaneamente milhares de pessoas – civis e


militares –, deixaram milhares de feridos e inválidos devido à radiação e
destruíram as duas cidades, levando à rendição total japonesa, dias depois,
colocando fim à Segunda Guerra Mundial.

TEMA 4 – UM MUNDO BIPOLAR

A Guerra Fria, como ficou conhecida a disputa pela hegemonia mundial


entre os Estados Unidos e a União Soviética, começou mesmo antes do fim
efetivo da Segunda Guerra Mundial, pois, nas conferências realizadas entre os
países vencedores para tratar dos acordos e negociações referentes ao pós-
guerra, já se observavam fortes tensões e discordâncias entre ambos os países.
O historiador Eric Hobsbawm (1995) salienta que a União Soviética era
economicamente e militarmente mais precária que os Estados Unidos, de modo
que não oferecia um perigo real para uma possível supremacia mundial
daqueles, mas que

[...] a histeria em Washington não se baseava, claro, num raciocínio


realista. Em termos reais, o poder americano, ao contrário do seu
prestígio, continuava decisivamente maior que o soviético. Quanto às

19
economias e tecnologias dos dois campos, a superioridade ocidental
[...] superava qualquer cálculo. (Hobsbawm, 1995, p. 243-244)

Desse modo, Hobsbawm (1995) defende a ideia de que foi a histeria dos Estados
Unidos, a crença de que o capitalismo estava ameaçado que deram origem à
Guerra Fria. Como mencionamos anteriormente, a Guerra Fria foi o nome dado
à disputa entre duas superpotências, EUA e URSS. Todavia, essa não se
concretizou num enfrentamento direto entre os países, mas numa rivalidade
ideológica, armamentista e espacial. Logo após o fim da Segunda Guerra, os
Estados Unidos se comprometeram a prestar ajuda a todo e qualquer país que
precisasse conter o avanço comunista. Esse fato deu início à Doutrina Truman,
que se constituiu numa ofensiva americana contra a expansão do comunismo no
mundo. Além disso, os EUA lançaram o Plano Marshall, que objetivava a
recuperação europeia por meio de empréstimos a baixíssimos juros, aos países
arruinados pela Segunda Guerra. Nesse contexto, a Organização do Tratado do
Atlântico Norte (Otan) foi criada e consistia numa aliança militar permanente,
contra a dita ameaça soviética, que reunia os Estados Unidos, os países da
Europa Ocidental e o Canadá.
Em contrapartida, a URSS criou o Comitê de Informações dos Partidos
Comunistas e Operários (Cominform), com o intuito de coordenar e controlar as
ações dos partidos comunistas da Europa Oriental. Ademais, reuniu os países
socialistas do Leste Europeu e criou o Pacto de Varsóvia, uma aliança militar
cuja finalidade era a autoproteção. Cabe lembrar que foi a Alemanha Nazista
que deu o pontapé inicial da Segunda Guerra Mundial, além de ser responsável
por milhões de mortes no conflito e nos campos de concentração. Sendo assim,
ao fim do conflito, em 1945, os Aliados decidiram dividir a Alemanha e Berlim em
quatro zonas de ocupação sob o comando de franceses, ingleses, americanos e
soviéticos. Ressalta-se, ainda, que Stalin nutria uma grande desconfiança em
relação aos alemães, sobretudo a partir do Cerco de Berlim, que criara inúmeros
bolsões de resistência nazista na Alemanha e em outras regiões da Europa.
Ademais, Stalin estava obstinado a dominar Berlim, para concretizar sua
vingança contra os nazistas, que, durante a guerra, haviam destruído alguns
territórios soviéticos. Somado a isso, Stalin almejava controlar os alemães de
perto, para sondar se não havia, em território alemão, a construção de armas
atômicas.

20
Figura 9 – As zonas de Berlim, por responsáveis pela sua ocupação externa

Crédito: Jefferson Schnaider.

Em 1949, a cidade de Berlim ficou dividida assim: o seu lado oeste ficou
sob o domínio dos países capitalistas, enquanto o seu lado leste, comandado
pelos soviéticos. No seu lado oeste surgiu a República Federal da Alemanha
(RFA); já no seu lado oeste, foi criada a República Democrática Alemã (RDA).
Apesar de haver bastante tensão entre as partes, inicialmente a população
alemã podia circular livremente pelos dois territórios. Porém, em 1961, a URSS
decidiu construir uma barreira física para impedir a passagem das pessoas entre
os lados: o famoso Muro de Berlim. O Muro de Berlim acabou se tornando o
grande símbolo da Guerra Fria, na medida em que uma única cidade fora dividida
entre a ideologia capitalista e a ideologia socialista. Durante 28 anos (1961-
1989), ele dividiu não somente um território, mas separou inúmeras famílias.

21
Figura 10 – Localização do Muro de Berlim em frente ao Portão de
Brandemburgo, em 1961

Crédito: DPA Picture Alliance/Alamy/Fotoarena.

O Muro de Berlim era composto por centenas de torres de vigilância, redes


metálicas eletrificadas, cães ferozes, fossos e guardas de fronteira com licença
para matar quem tentasse ultrapassar as fronteiras ali estabelecidas. O muro
perpassava toda a capital, com aproximadamente 155 km de extensão e pouco
mais de 3 metros de altura. Muitas pessoas tentaram fugir e foram mortas
tentando cruzar a fronteira: calcula-se que mais de 1 centena de pessoas
morreram tentando atravessar os limites do muro.
A corrida armamentista foi outra marca da Guerra Fria: EUA e URSS
investiram pesado na indústria bélica, buscando produzir novas tecnologias e
possuir armas sofisticadas e altamente destrutivas. A ideia era se armar para se
proteger de um possível ataque do inimigo, formando um círculo vicioso de
fabricação de armas. A corrida armamentista também se atrelava a uma
estratégia de dominação de outros lugares, na qual se realizavam alianças
regionais para instalação de bases militares de ambos os países, em diversos
lugares do mundo. A União Soviética procurara, rapidamente, se igualar, em
22
poderio, ao seu oponente, sobretudo, em relação a armas nucleares, para não
ficar em desvantagem, gerando o famoso equilíbrio do terror. Ou seja: ambos os
países tinham armamentos igualmente potentes, portanto, ao mesmo tempo,
nenhum dos dois queria iniciar o ataque, pois cada um sabia do risco de
destruição em massa diante do armamento que ambos possuíam.
A disputa entre EUA e URSS, durante a Guerra Fria, ultrapassou os limites
terrestres, pois eles competiram até no espaço. Afinal, conquistar o espaço se
traduzia em sinônimo de força, poder, inteligência, tecnologia e
desenvolvimento. Em outubro de 1957, os soviéticos lançaram o primeiro satélite
artificial ao espaço, o Sputnik. Meses depois, em novembro, lançaram o Sputnik
2, com uma novidade: a presença de uma cachorrinha a bordo da espaçonave
– Laika foi o primeiro ser vivo lançado num voo espacial. Tratava-se de um teste
para verificar os padrões de segurança necessários para mandar, futuramente,
um ser humano ao espaço. Então, em abril de 1961, os soviéticos enviaram o
primeiro homem ao espaço, quando o astronauta Yuri Gagarin tripulou a nave
espacial Vostok I, num voo orbital de 108 minutos. Gagarin ganhou grande
projeção internacional, estrelando a capa de várias revistas. Em contrapartida,
no dia 20 de julho de 1969, os EUA surpreenderam o mundo mandando homens
para a Lua: a missão Apollo 11 levou os astronautas Neil Armstrong, Edwin Buzz
Aldrin e Michael Collins ao solo lunar. Esse episódio foi amplamente
televisionado, se transformando num verdadeiro espetáculo.

23
Figura 11 – Os Estados Unidos e a chegada do homem à Lua, em 1969

Crédito: Nasa/Neil A. Armstrong/CCPD.

Existem muitos filmes de espionagem sobre a Guerra Fria e isso não é à


toa, pois a espionagem foi um elemento central naquela época. Os americanos
tinham a Agência Central de Inteligência (CIA); já os soviéticos, o seu Comitê de
Segurança do Estado (KGB). Esses órgãos atuavam, secretamente, dentro e
fora dos seus respectivos países, com espiões espalhados pelo mundo todo com
o objetivo de buscar informações de relevância nacional. Havia uma vigilância
não somente dos considerados suspeitos, mas de toda a população mundo
afora.
A partir de 1950, o então senador norte-americano Joseph McCarthy
liderou uma verdadeira caça aos comunistas: foi presidente do Comitê de
Atividades Antiamericanas do Senado e perseguiu inúmeros políticos,
jornalistas, intelectuais e artistas por suspeita de serem comunistas. Esse
24
período de intensa perseguição foi chamado de macartismo. A disputa também
se deu por meio da propaganda, que foi amplamente utilizada pelos dois países,
com uma dupla função: traçar uma imagem negativa do inimigo; e, ao mesmo
tempo, exaltar a ideologia defendida. Ainda que ambos os governos
demonizassem seu adversário, o historiador Eric Hobsbawm (1995, p. 232)
destaca que a presença do anticomunismo nos EUA era muito maior do que a
presença do antiamericanismo na URSS, uma vez que a democracia americana
precisava eleger seus políticos e a criação de um perigoso inimigo externo era
útil e conveniente, pois angariava votos.
Em 1989, o Muro de Berlim foi derrubado. Sua queda pode ser explicada
devido à crise econômica e administrativa da URSS. Dois anos depois, em
1991, a Guerra Fria chegou ao fim com a desintegração da União Soviética,
marcando a vitória do capitalismo e uma nova reconfiguração geográfica, com a
criação de novos países. Entretanto, o fim da Guerra Fria não colocou fim ao
perigo das armas nucleares, pois ogivas nucleares ainda existem até hoje.

NA PRÁTICA

Discussões recentes apontam que podemos estar diante de uma nova


Guerra Fria, agora protagonizada pelos Estados Unidos e pela China. Busque
artigos, textos e reportagens sobre essa temática e elabore um flashcard
destacando seus aspectos mais relevantes.

FINALIZANDO

Ao final da Primeira Guerra Mundial, os países envolvidos não saíram


satisfeitos do conflito, restando um clima de revanche no ar. Nesse contexto
entreguerras surgiu, ainda, o nazifascismo. Embora o fascismo italiano e o
nazismo alemão tenham muitos traços em comum – Mussolini também
perseguiu ferozmente seus opositores –, é preciso salientar que apenas no
nazismo ocorreu o genocídio de judeus e outros inimigos do governo. As ideias
nazistas, infelizmente, não se encerraram com a morte de Adolf Hitler. Mesmo
tantos anos após o fim do governo nazista alemão, o neonazismo ainda se faz
presente em diferentes sociedades, em vários lugares do mundo.
A grave crise econômica de 1929, somada aos problemas ainda
existentes da Primeira Guerra, levaram à eclosão da Segunda Guerra Mundial.

25
Esse foi o conflito mais traumático da história: deixou um saldo de 60 milhões de
mortos e mais de 20 milhões de mutilados. Milhares de crianças perderam suas
famílias, e muitas cidades foram destruídas. A Segunda Guerra envolveu, de
maneira direta ou indireta, todos os países do globo. Após o seu fim, um novo
conflito surgiu: um mundo bipolarizado entre Estados Unidos e União Soviética,
em uma disputa, entre o capitalismo e o socialismo, que pautou a metade do
século XX.

26
REFERÊNCIAS

AGRESSÃO territorial nazista: a Anschluss. Enciclopédia do Holocausto, 11


jul. 2022. Disponível em: <https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-
br/article/nazi-territorial-aggression-the-anschluss>. Acesso em: 20 set. 2022.

ARENDT, H. O totalitarismo no poder. In: _____. As origens do totalitarismo.


São Paulo: Civilização Brasileira, 2009.

CARNEIRO, M. L. T. Holocausto: crime contra a humanidade. São Paulo: Ática,


2000.

COGGIOLA, O. Segunda Guerra Mundial: um balanço histórico. São Paulo:


Xamã, 1995. (Série Eventos).

DRUMOND, J. P. de A. O nazismo na percepção dos apoiadores de Hitler:


um estudo sobre as cartas enviadas ao Nsdap e ao Estado Nazista (1925-1939).
269 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Goiás,
Goiânia, 2017.

GONÇALVES, W. da S. A Segunda Guerra Mundial. In REIS FILHO, D. A.;


FERREIRA, J.; ZENHA, C. (Org.). O século XX: o tempo das dúvidas. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. (Coleção História, v. 3). p. 35-64.

HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo:


Companhia das Letras, 1995.

HUXLEY, A. Admirável mundo novo. Rio de Janeiro: Biblioteca Azul, 2014.

PACTO Germano-Soviético. Enciclopédia do Holocausto, 11 jul. 2022.


Disponível em: <https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/german-
soviet-pact>. Acesso em: 20 set. 2022.

PAXTON, R. O. A anatomia do fascismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.

RÉMOND, R. O século XX: de 1914 aos nossos dias. São Paulo: Editora Cultrix,
1974.

TAYLOR, A. J. P. The Origins of the Second World War. Londres: Penguin


Books, 1991.

TOTA, P. Segunda Guerra Mundial. In: MAGNOLI, D. (Org.). Histórias das


guerras. São Paulo: Contexto, 2006.

27
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
AULA 4

Profª Dayane Rúbila Lobo Hessmann


CONVERSA INICIAL

Nesta unidade, estudaremos os desdobramentos da Guerra Fria,


enfocando o processo de desenvolvimento da Revolução Chinesa e da
Revolução Cubana. Ademais, compreenderemos como esse contexto bipolar
impactou na América do Sul, gerando um cenário de ditaduras, e, por fim, vamos
acompanhar o deslocamento das tensões das Américas para o Oriente, como
decorrência da relevância do petróleo.

TEMA 1 – ELAS VOLTARAM: REVOLUÇÃO CHINESA, REVOLUÇÃO CUBANA

Atualmente, é impossível pensar em potência econômica e militar, em


novas tecnologias sem lembrar da China. Todavia, é importante destacar que a
China possui uma história milenar.
Em que pese todo esse aparato tecnológico moderno, durante séculos a
China foi tradicionalmente agrícola. Desde o século XV houve tentativas
sistêmicas por parte os europeus de ocupar o território chinês.
Em meados do século XIX, entre 1840 a 1860 ocorreu a Guerra do Ópio,
conflito entre a China e a Grã-Bretanha, numa disputa pelo monopólio do ópio.
Essa guerra se dividiu em dois momentos distintos e a China foi derrotada em
todas as fases. Afinal, o poder naval inglês era inatingível.
O insucesso da guerra trouxe muitas consequências negativas para a
China, que foi obrigada a abrir os portos, a realizar comércio externo, a abrir
embaixadas, entre tantas outras mudanças.
No início do século XX, a grande maioria da população chinesa vivia no
campo e era extremamente pobre. Os camponeses realizaram diversas revoltas
contra a ordem vigente no país, o que influenciou outros grupos a lutar contra o
governo imperial e a dominação estrangeira.
Entre 1911 e 1912 diversas revoltas sociais explodiram no país e levaram
ao fim do império e a criação de uma república. Entretanto, isso não alterou o
domínio estrangeiro e manteve uma grande concentração de terras nas mãos de
poucos. Assim, em 1919 foi criado o Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês)
cujo objetivo era criar uma unidade no país e lutar contra os estrangeiros. As
ideias socialistas trazidas pela Revolução Russa chegaram até a China. Assim,
em 1921 foi criado o Partido Comunista da China (PCC). Essas duas forças

2
políticas, apesar de ideais diferentes, se uniram com o mesmo propósito: lutar
contra dos senhores da guerra que controlavam o país.
Até 1927 essa aliança obteve êxito, de modo que os nacionalistas e os
comunistas tinham controle sobre grande parte do país. Todavia, nesse ano
ocorreu uma grave traição, o Partido Nacionalista (Kuomintang), sob o comando
de Chiang Kai-shek, matou milhares de comunistas, mas ainda assim não
conseguiram destruir sua organização.
A partir desse episódio, iniciou-se uma guerra civil entre os dois grupos
políticos. Em 1934, depois de diversas derrotas do exército comunista, viram-se
obrigados a se retirar para fugir à perseguição do exército do Kuomintang.
Assim, iniciou o que ficou conhecido como a Grande Marcha: em um ano os
comunistas percorreram mais de 10 mil quilômetros pelo interior da China. Em
1935 Mao Tsé-Tung (1893 – 1976) assumiu a direção do Partido, consolidando-
se como o grande líder dos comunistas e inaugurando uma nova fase política e
estratégica.

Figura 1 – Mao Tsé-Tung, 1959

Crédito- Meng Qingbiao-CC/PD

3
Paralelamente à guerra civil, os japoneses se aproveitaram da situação
de instabilidade para invadir a China, almejando torná-la sua colônia. Portanto,
tendo em vista essa ameaça externa, em 1936 o PCC e o Kuomintang entram
em um acordo para interromper a guerra civil e enfrentar os japoneses.
A luta contra o exército nipônico se estendeu até o final da Segunda
Guerra em 1945. Nesse meio tempo, parte do país foi liderado pelo Exército
Vermelho do Partido Comunista, que cada vez mais ganhava a confiança e a
simpatia da sociedade chinesa.
Ao término da guerra, com o aniquilamento do Japão, os comunistas
propuseram uma unidade com o Partido Nacionalista, entretanto essa proposta
não foi aceita e houve um retorno da guerra civil. Todavia, tratava-se de um outro
cenário, no qual o Partido Comunista contava com muito mais apoio e prestígio
popular, principalmente entre os camponeses.
A guerra civil chegou ao fim apenas em 1949 com a derrota do Partido
Nacionalista e a tomada de poder pelos comunistas. A partir deste momento a
China se tornava República Popular da China, um governo marcadamente
socialista. Porém, uma guerra longa como essa deixou muitos problemas para o
novo governo que começava. O jornalista Wladimir Pomar destaca que

Em 1950, com cerca de quinhentos milhões de habitantes, a China


estava destruída. Suas ferrovias e rodovias encontravam-se sem
condições de uso. As indústrias, além de poucas e atrasadas,
encontravam-se inoperantes. Grande parte da colheita de outono havia
se perdido e os estoques tinham sido transportados pelas tropas do
Kuomintang em fuga. Milhões de pessoas encontravam-se
desempregadas. O novo governo tinha diante de si uma China à beira
da anarquia, isolada e ameaçada militarmente”. (Pomar, 2003. p. 83)

Após a sua vitória, o Partido Comunista implementou uma nova política


econômica, realizou reforma agrária e estatizou empresas, comércios e fábricas
estrangeiras. Ainda nesse período o governo chinês realizou tribunais populares
com o julgamento de antigos proprietários de terra. A partir de 1953 iniciaram-se
os famosos planos quinquenais, que são os planejamentos econômicos de 5
anos feito pelo PCC, utilizados até os dias atuais.
Entre 1958 a 1960 Mao lançou a campanha chamada de Grande Salto
Adiainte, que almejava, em tempo recorde, tornar a República Popular da
China uma nação desenvolvida e socialmente igualitária, acelerando
a coletivização do campo por meio de uma Reforma Agrária forçada e investindo
na industrialização urbana. Todavia, esse plano foi um verdadeiro fracasso e
acabou gerando um período de muita miséria, conhecido como a Grande Fome
4
Chinesa. Para somar a isso, durante as décadas de 1950 e 60 os chineses
romperam relações com a URSS, devido a visões diferentes sobre a expansão
comunista no mundo.
Em 1966 Mao deu início a Revolução Cultural, que consistiu num projeto
cuja finalidade era endurecer os ideais da Revolução de 1949 e banir da
sociedade qualquer pensamento contrário ao comunismo, o que levou muitas
pessoas para a prisão ou para o trabalho forçado no campo. Um dos principais
instrumentos de publicização das ideias comunistas foi o Livro vermelho,
pequeno texto com frases de Mao distribuído para toda a sociedade chinesa, o
qual, inclusive, era obrigatório nas escolas.

Figura 2 – Jovens seguram o Livro vermelho em suas mãos

Crédito: Lou-Foto/Alamy/Fotoarena

Em 1976 Mao Tsé-Tung faleceu e, a partir de então, começaram a ocorrer


algumas mudanças na política, na economia e na sociedade chinesa,
objetivando modernizar a sociedade chinesa. Assim, pela primeira vez desde
1949, surgiram iniciativas do setor privado, e o país se abriu ao capital
estrangeiro.

5
Dez anos mais tarde, em 1959, do outro lado do mundo, uma ilha também
passou por um processo de luta que culminou num governo socialista. Cuba,
localizada na América central, é a maior ilha do Caribe. Foi colonizada no final
do século XV pelos espanhóis, que passaram a dominar a região, investindo na
produção de café e açúcar.
No final do século XIX, Cuba passou por uma intensa guerra para
conquistar sua independência. Em 1902 formalizou-se a Soberania Cubana, no
entanto, a paz ainda não reinava no país. Internamente, havia disputa entre
diferentes grupos pelo poder.
Cabe ainda destacar o papel dos EUA no contexto de independência
cubana. Os norte-americanos participaram ativamente do processo, pois tinham
interesses econômicos na ilha. Desse modo, os EUA se sentiam os provedores
da independência cubana, a ponto de aprovarem a Emenda Platt que funcionava
como um dispositivo legal que estabelecia que os EUA poderiam interferir em
Cuba, caso se sentissem ameaçados. Além dessa interferência política e
econômica, a emenda Platt ofereceu aos norte-americanos uma área de 117
quilômetros quadrados para a construção de uma base militar na baía de
Guantánamo.

Saiba mais
A base militar norte-americana de Guantánamo ainda funciona em
território cubano. No decorrer do tempo, ela serviu de prisão para vários
terroristas e líderes políticos que ameaçaram a hegemonia política dos Estados
Unidos. Hoje, há uma forte campanha que defende a extinção dessa base militar.
O atual presidente dos EUA, Joe Biden, sinalizou o desejo de fechar
Guantánamo, mas isso ainda não ocorreu.

No ano de 1952, Fulgêncio Batista (1901-1973), senador e integrante do


exército cubano, com apoio dos militares e, sobretudo, do governo americano,
realizou um golpe de Estado e implementou um governo ditatorial no país.
Batista planejava construir hotéis de luxos e casinos, os quais eram de
grande interesse para investidores dos Estados Unidos, inclusive para grupos
mafiosos. Nesse momento, muitos diziam que Cuba havia se tornado um parque
de diversões para os americanos, na medida em que os americanos haviam
comprado casa, comércio, empresas e estavam por todo lado na ilha.

6
Parte da elite cubana legitimou o governo ditatorial, porém surgiram outros
grupos de oposição, entre os quais a juventude universitária, que cada vez mais
acreditava que era preciso radicalizar. Era nesse grupo que estava o futuro líder
da Revolução Cubana, Fidel Castro (1926 – 2016), o qual já defendia a
necessidade de uma revolução, meses após a chegada de Batista ao poder.
Diante disso, Castro formou com alguns colegas universitários o MNR
(Movimento Nacional Revolucionário), objetivando iniciar um processo
revolucionário para derrubar a ditadura de Batista. Para tanto, decidiram tomar
o quartel general de Moncada, localizado em Santiago de Cuba no dia 26 de
julho. O plano fracassou e Fidel Castro e seu irmão Raul Castro foram presos.
Em 1955, foram soltos, mas com a condição de censura, ou seja, não podiam
falar em redes de rádio ou escrever em jornais. Assim, foram se exilar no México
para organizar uma nova tentativa de revolução.
Durante a sua estada no México, os irmãos Castro conheceram Ernesto
Guevara de La Serna (1928-1967), jovem médico argentino, que ficou conhecido
posteriormente como Che Guevara. No México, rebatizaram seu grupo, que
passou a ser denominado Movimento 26 de Julho (M-26-7) e contaram com o
apoio de Guevara.
Descontentes com o governo ditatorial de Batista e com a influência
americana na ilha, no final de 1956, com mais de 80 homens abordo do barco
Granma, os revolucionários do M-26-7 chegaram ao litoral de Cuba dispostos a
fazer a revolução. Nesse primeiro momento sofreram um ataque, culminando em
muitas mortes. Os sobreviventes precisaram se esconder nas montanhas de
Sierra Maestra.

7
Figura 3 – Che Guevara e Fidel Castro, 1961

Crédito: Alberto Korda-CC/PD.

Durante mais de dois anos, os revolucionários receberam a ajuda de


diversos grupos contrários ao governo de Batista, mas também procuraram obter
apoio da população pobre que vivia na região.

8
Os guerrilheiros souberam conquistar a confiança dos camponeses,
tratando-os com uma atenção a qual não estavam habituados.
Pagavam regularmente tudo o que recebiam. Expunham
pacientemente os princípios da reforma agrária que planejavam
realizar, explicando que essa medida correspondia aos interesses e
necessidades dos camponeses. No tempo livre, entre combates e
caminhadas, ocupavam-se da alfabetização de adultos e crianças.
(Blanco; Dória, 1982. p. 75)

Com isso, e utilizando táticas de guerrilha, que consistia em atacar com


pequenos grupos quando o inimigo estava vulnerável, e depois se esconder nas
matas, eles conseguiram ganhar território e fortalecer o exército revolucionário.
Assim, em dois anos conseguiram avançar até a capital Havana. Na noite
anterior a 1º de janeiro de 1959, depois de muitos conflitos, Batista abandonou
a ilha, enquanto os revolucionários conquistavam suas últimas vitórias. No dia
seguinte, parte das tropas chegavam exitosas a Havana.
Vale dizer que, inicialmente, a revolução não tinha um caráter socialista.
Fidel desejava tirar Cuba das mãos de um governo ditatorial e devolver a
democracia para o país. Todavia, é importante lembrar que se tratava do
contexto da Guerra Fria, ou seja, o mundo estava bipolarizado entre o
capitalismo americano e o socialismo soviético e era necessário tomar um lado.
Desse modo, como Fidel e os revolucionários eram contra os americanos, que
há muito tempo exploravam a ilha, só lhes restou alinhar-se com o URSS.
Em 1961, com a ajuda dos americanos, alguns cubanos, apoiadores de
Batista, tentaram uma contrarrevolução, mas foram rapidamente derrotados pelo
exército revolucionário, num evento que ficou conhecido como A invasão da baía
dos Porcos. Em represália, em 1962, o governo dos Estados Unidos criou um
embargo determinando que nada do que fosse de origem norte-americana
poderia ser comercializado com Cuba. Esse boicote econômico ainda perdura
atualmente.
Certamente, a Revolução Cubana foi um marco na história da América
Latina por ser a primeira revolução de caráter socialista. Ela serviu de inspiração
e de influência para vários outros países latino-americanos.

TEMA 2 – O QUE HÁ DE FRIO NA GUERRA FRIA?

Já falamos anteriormente que, ao final da 2ª Guerra Mundial, países


europeus que tradicionalmente foram grandes potências mundiais, se
enfraqueceram política e economicamente, de modo que o protagonismo passou

9
a ser exercido pelos EUA e pela URSS, gerando uma bipolaridade mundial onde
capitalistas e socialistas buscavam aumentar suas áreas de influência.
O período foi marcado por uma forte tensão e, embora não tenha existido
nenhum confronto direto entre EUA e URSS, o clima foi bastante belicoso,
marcado por uma corrida armamentista e uma corrida espacial; dois processos
revolucionários (Cuba e China), conflitos na Coreia e no Vietnã; por ditaduras na
América Latina, pelo Muro de Berlim, que dividiu de maneira concreta o lado
capitalista do lado socialista.
Ao tratar da Guerra Fria, é importante salientarmos também a vida das
pessoas comuns, que estavam vivendo aqueles tensos anos polarizados. O
medo certamente foi um sentimento presente entre a população, não só dos
países envolvidos, mas do mundo todo, que temiam a iminência de uma guerra
real entre ambas potências. As tirinhas da personagem argentina Mafalda,
criadas no contexto da Guerra Fria, servem como exemplo disso, pois retratam
como o medo da guerra nuclear estava presente no seu cotidiano.
Nesse período, especialmente nos EUA, foram rotineiros treinamentos de
como reagir caso houvesse um ataque nuclear. Essa ação gerava um
engajamento da população e fortalecia a ideia de um inimigo a combater.
Se não houve um combate diretamente entre americanos e soviéticos,
ocorreram outros conflitos, nos quais ambos países estavam envolvidos. Um
exemplo disso foi a Guerra do Vietnã.

Saiba mais
É importante mencionar também a Guerra da Coreia (1950-1953), divisora
de águas no conjunto de fases da Guerra Fria, que foi a primeira “guerra quente”
do contexto.

Depois de décadas de exploração francesa, o Vietnã se tornou


independente em 1945, o que não significou uma unificação e muito menos o fim
pela disputa pelo poder. Desse modo, o Vietnã estava rachado entre o Vietnã do
Norte, comandado por Ho Chi Minh (chamados de vietcongs) e aliado da União
Soviética e o Vietnã do Sul, alinhado aos Estados Unidos. Em 1959, explodiu
uma guerra civil entre ambos os lados.

10
Figura 4 – Mapa mostrando a divisão do país em 1954

Crédito: João Miguel.

A partir de 1965, o governo americano decidiu apoiar o Vietnã do Sul, com


o discurso de que não queriam uma nova Cuba. Assim, enviaram muitos
armamentos, soldados e investiram pesado no conflito.
Os vietcongs se valeram da guerra de guerrilha e do apoio popular, já os
americanos utilizaram aviões bombardeiros, helicópteros, bombas incendiárias,
milhões de soldados. Para se ter uma dimensão do que foi esse conflito e da
tamanha disparidade entre os exércitos, no Vietnã do Norte foram jogadas mais
bombas que em toda a Segunda Guerra Mundial, sendo uma grande parte delas
bombas incendiárias que queimavam as florestas, onde se escondiam os
vietcongs, mas também milhares de civis.
Porém, ainda que superior belicamente, o exército americano se mostrou
ineficiente, pois os vietcongs conheciam melhor o território, tinham apoio da
11
sociedade e eram exímios construtores de esconderijos e armadilhas. A morte
de milhares de soldados no Vietnã e a violência contra os civis vietnamitas levou
a sociedade americana, sobretudo os jovens, a protestar contra a guerra a partir
de 1968.
Dessa forma, sem conseguir derrotar os vietcongs, com um crescente
descontentamento da opinião pública norte-americana, em 1973 iniciaram-se os
acordos de paz e a retirada de muitas tropas, todavia esta só ocorreu
definitivamente em 1975. As consequências dessa guerra são sentidas até hoje
no Vietnã, uma vez que o país enfrenta sérios problemas sociais, econômicos e
de saúde.

TEMA 3 – ENQUANTO ISSO, AO SUL DA AMÉRICA...

Como já mencionamos acima, a Guerra Fria é definida como uma disputa


ideológica entre EUA e URSS, no entanto, como já vimos no caso do Vietnã,
outros países foram palcos para essa disputa. Desse modo, diversas outras
regiões, as quais estavam sendo disputadas pelos dois lados dessa guerra,
tiveram conflitos reais, que levaram, inclusive, a milhares de mortos e feridos.
As Ditadura Militares que ocorreram em grande parte da América Latina
a partir de meados do século XX são, em grande medida, frutos da Guerra Fria.
Principalmente após a Revolução Cubana, os Estados Unidos contribuíram para
que os militares de diversos países assumissem o poder de maneira autoritária
com objetivo de conter qualquer possibilidade de uma nova revolução socialista
no continente. Por muito tempo, havia uma suspeita sobre a participação dos
Estados Unidos nos golpes militares no continente latino-americano. Nas últimas
décadas, com a liberação de muitos documentos, ficou flagrante a interferência
norte-americana nos golpes e na manutenção das ditaduras na América Latina.
Pois, na ótica deles, era importante que não houvesse outra Cuba no continente.
A partir da década de 1970, os governos ditatoriais da América do Sul,
Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai e Bolívia, criaram a chamada
Operação Condor, um sistema secreto de cooperação, cujo objetivo era trocar
informação sobre grupos de esquerda e prender opositores que pudessem estar
nos países vizinhos.
Desse modo, entre as décadas de 1960 e 1970, vários países latino-
americanos passaram por golpes militares, que resultaram em governos
autoritários. Em ordem cronológica, podemos citar:
12
• 1954- Guatemala e Paraguai;
• 1964 – Brasil e Bolívia;
• 1966- Argentina;
• 1968 – Peru;
• 1973 – Uruguai e Chile.

Para os limites desta etapa, vamos enfocar com mais profundidade as


ditaduras na Argentina, Uruguai, Chile e Brasil.
A Ditadura na Argentina teve início com um golpe militar no ano de 1966
que durou até 1973. Depois de um curto período democrático, em 1976, um novo
golpe de estado colocou no poder o general Jorge Rafael Videla (1925-2013).
As historiadoras Maria Ligia Prado e Gabriela Pellegrino (2019, p. 175-176)
destacam que

O ideário militar insistia que a sociedade tinha de ser salva do caos e


da degeneração pela ação política. No papel de árbitros e vigilantes –
conferido por sua tradição de rigidez, disciplina, respeito à hierarquia e
distanciamento aos interesses particulares presentes na sociedade –
os militares ofereciam a resposta ao desgoverno e às forças
desagregadoras da nação. O exército encarnava a intransigente
defesa do nacional, o que tornava legítima sua ação repressora sobre
os inimigos internos. Caberia aos militares a missão de redimir o país
e fazer cumprir o “destino argentino de grande nação”. (Prado;
Pellegrino, 2019. p. 175-176)

Apesar dessas ideias, o novo governo foi marcado pela violência de


estado e repressão contra os que eram considerados inimigos da nação.
Milhares foram presos, muitos torturados; outros mortos ou desaparecidos.

13
Figura 5 – Marcha das Madres de Plaza de Mayo em 1982

Crédito: Daniel Muzio/AP Photo/Imageplus.

O Uruguai também enfrentou uma ditadura, entretanto com algumas


diferenças peculiares. Em 1972 foi eleito o presidente Juan Maria Bordaberry
(1928-2011); no ano seguinte, em 1973, ele fez um acordo com os militares para
que estes participassem mais ativamente de seu governo. Como consequência,
o presidente fechou o parlamento e limitou as liberdades individuais, como as de
expressão. Assim, o Uruguai começou sua ditadura com um presidente civil,
eleito democraticamente.
Os militares passaram a ter uma grande força dentro do governo. Entre
os seus maiores objetivos estava o de acabar com os grupos de esquerda,
principalmente os guerrilheiros – os Tupamaros – cujo principal líder era José
Mujica, que décadas mais tarde se tornou presidente do Uruguai.

14
Figura 6 – José Mujica, 2009

Crédito: Ymphotos/Shutterstock.

O Chile era considerado um país com uma sólida democracia, na qual as


eleições sempre eram respeitadas, indiferente do partido político que assumia o
poder. Contudo, isso se modificou na década de 1970. Em meio à Guerra Fria
que afetava todo o mundo, partidos de esquerda no Chile se organizaram e
criaram a UP (Unidade Popular), cujo objetivo era implantar um sistema
socialista utilizando-se, para isso, dos meios democráticos e não por uma
revolução armada, como ocorreu em Cuba.
Nas eleições de 1970, o então candidato da UP, Salvador Allende (1908
– 1973), médico e político, foi eleito democraticamente com a maioria dos votos.
A partir disso, buscou colocar em prática seu plano de governo, que tinha como
principais objetivos a justiça social, com maior participação da classe
trabalhadora nas fábricas, aumento salarial e o desenvolvimento nacional com o
controle estatal de alguns setores importantes da economia.

15
Figura 7 – Presidente Salvador Allende com a faixa presidencial

Crédito: Naul Ojeda/Fsa/DPA/Zuma Press/Imageplus.

Logo após a eleição, alguns setores militares tentaram aplicar um golpe,


entretanto foram retaliados por generais que defendiam a legalidade da eleição.
Em 11 de setembro de 1973, os militares, comandados por Augusto Pinochet
(1915 – 2006), aplicaram um golpe, cujo desfecho foi o bombardeio o Palácio
Presidencial de La Moneda e o suicídio de Allende.

16
A ditadura chilena, comandada com mãos de ferro por Pinochet, durou até
1990. As duas principais características desse governo autoritário foram a
extrema violência governamental e as medidas econômicas, que, diferente dos
vizinhos latino-americanos, tinham como princípio ideias liberais e a diminuição
do papel do Estado na economia, realizando diversas privatizações.
No Brasil, João Goulart (Jango), depois de um conflituoso período,
conseguiu assumir plenamente a presidência que lhe era de direito em 1963.
Tão logo assumiu a presidência, Jango lançou seu programa das Reformas de
Base, programa composto por medidas econômicas e sociais com teor
nacionalista que previam uma maior intervenção do Estado na economia.
As reformas anunciadas por Jango causaram muita polêmica, sobretudo
aquelas que versavam sobre reforma agrária e reforma tributária. A sociedade
brasileira se dividiu entre a favor e contra. A partir desse momento, a sociedade
foi ficando bipolarizada: de um lado, estudantes, operários, servidores públicos
que defendiam as reformas; de outro, os empresários, e setores conservadores
civis e militares que acusavam Jango de comunista.
O historiador Rodrigo Motta afirma que foi essa crise política que
desencadeou o golpe civil-militar de 1964. Portanto, a “ameaça comunista” foi
um argumento político decisivo para justificar os possíveis golpes e para
convencer a sociedade da necessidade da repressão contra a esquerda (Motta,
2002, p. XXII).
Assim, no dia 31 de março de 1964, instaurou-se um golpe civil-militar no
Brasil, que deu início a uma ditadura que vigorou durante vinte e um anos,
período durante o qual houve a ausência de eleições diretas. Para dar uma ilusão
de normalidade e uma falsa impressão de que havia legalidade, a ditadura
brasileira foi gerida por diferentes presidentes, de modo que ocorreu uma
alternância de poder, todavia todos eram membros das Forças Armadas.
Logo que assumiram o poder, os militares laçaram o primeiro Ato
Institucional, o AI-1, que estabelecia poderes excepcionais ao presidente e
suspendia os direitos individuais e as garantias constitucionais. Por meio desse
Ato, o governo poderia cassar os mandatos e suspender direitos políticos de
diversas personalidades da oposição.
Os Atos 2, 3 e 4 determinavam eleições indiretas para presidência e
governador; conferiam poderes para o presidente interferir nos estados e demitir
funcionários civis e militares; baixaram decretos-leis; extinguiram os inúmeros

17
partidos políticos existentes; suspenderam eleições de prefeitos que passaram
a ser indicados pelos governadores, entre outras medidas. Sendo assim, a partir
destas medidas a população perdeu o direito do voto, da liberdade de escolha
dos seus governantes.

Figura 8 – Tanques na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, em 2 de


abril de 1964

Crédito: Arquivo Nacional Brasileiro-CC/PD.

Em 13 de dezembro de 1968, foi instaurado o AI-5, considerado o Ato


Institucional mais violento e arbitrário de todos. Com esse Ato, o Congresso
Nacional foi dissolvido; possibilitou-se a intervenção presidencial direta nos
estados e municípios; permitiu a cassação de mandatos parlamentares, bem
como consentiu a suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão por dez
anos e suspendeu a garantia do habeas-corpus.
Na prática, o AI-5 concedeu amplos poderes ao presidente e intensificou
ainda mais a espionagem, a censura e a repressão, possibilitando ações

18
arbitrárias sem nenhum questionamento. Tanto assim que entre 1969-1974 o
Brasil viveu o auge da repressão, com a criação de novos órgãos repressivos,
que perseguiram, prenderam, torturaram e mataram milhares de pessoas.
No Brasil, a saída de cena dos militares foi um processo “lento, gradual e
seguro”, para que os militares não perdessem o controle da sociedade. A Lei da
Anistia (n. 6.683/79), em 28 de agosto de 1979, que estabelecia perdão aos
presos políticos e permitia a volta dos exilados para o país, o que foi um marco
importante no processo de redemocratização. Ainda nesse ano ocorreu a volta
dos partidos políticos, o pluripartidarismo.
Em 1985, a ditadura militar brasileira chegou ao fim e pouco tempo depois
foi formada uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova Constituição.
Finalmente, depois desse longo processo de abertura, da luta pelas Diretas, da
construção de uma nova constituição, o povo brasileiro pôde votar de maneira
direta para presidente em novembro de 1989.

TEMA 4 – O QUE A GASOLINA TEM A VER COM ISSO TUDO?

O uso de petróleo cru existe desde a Antiguidade, entretanto é apenas em


meados do século XIX que esse precioso líquido passou a ser extraído e
transformado de modo industrial. Nesse primeiro momento, o refino do petróleo
servia para a produção de querosene, muito utilizada como líquido para
lamparinas.
É na década de 1870 que surge uma das empresas que se tornará uma
das mais valiosas do mundo, a Standard Oil, fundada pelo magnata
estadunidense John D. Rockefeller. No final do século XIX, com as inovações
dos motores à combustão e a invenção dos carros, a indústria do petróleo
passou a ganhar ainda mais importância.
No entanto, foi no início do século XX que surgiram muitas empresas que
extraiam o líquido cru e refinavam. Algumas delas foram criadas a partir da
Standard Oil, como a Exxon, a Mobil e a Chevron. Essas três empresas, mais a
Gulf Oil e a Texaco, também fundadas nessa mesma época, eram baseadas nos
Estados Unidos.
Além delas, foram criadas mais duas grandes empresas petrolíferas na
Inglaterra, todas no início do século XX: a Shell e a atual British Petroleum, além
de outras empresas de outros países. Algumas dessas empresas foram criadas
para extrair petróleo de territórios no Oriente Médio, que naquele momento
19
histórico viviam sob o imperialismo dos países europeus. Primeiro se encontrou
petróleo no Irã, posteriormente no Iraque e antes da década de 1940, na Arábia
Saudita.
Após a Segunda Guerra Mundial, o petróleo tornou-se o principal
combustível global, deixando para trás o carvão, lembrando que petróleo
também é utilizado para movimentar usinas termoelétricas.
Apesar de a maioria das jazidas de petróleo estar em diversos territórios
do Oriente Médio, apenas algumas empresas tinham o direito de extrair e refinar
o petróleo.
Em meados do século XX, as sete maiores empresas petrolíferas do
mundo (Exxon Mobil, Chevron, Gulf Oil, Texaco, Shell, British Petroleum) foram
apelidadas de Sete irmãs, pois tinham controle sob quase toda produção
petrolífera do planeta.
Em 1960, os maiores países produtores de petróleo, Arábia Saudita,
Iraque, Irã, Kuwait e Venezuela, único fora do Oriente Médio, decidiram formar
uma aliança estratégica para obter mais controle sob o petróleo que estava em
suas terras. Dessa forma, foi criada a OPEP (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo). Essa organização contribuiu para que esses países
tivessem mais poder para controlar a extração, exportação e preços do petróleo.
A primeira atitude mais drástica tomada pela OPEP envolveu não apenas
o petróleo, mas questões geopolíticas. Em 1973, ocorreu mais um confronto
entre países muçulmanos e o Estado de Israel, a chamada Guerra do Yom
Kippur. Nesse conflito, como outros anteriores, os Estados Unidos e países
ocidentais apoiaram mais uma vez Israel.
Entretanto, esse apoio acabou gerando uma revolta dos países árabes
que faziam parte da OPEP, e de acordo com o historiador Eric Hobsbawm (1995,
p. 242):

através da OPEP, os Estados árabes do Oriente Médio tinham feito o


possível para impedir o apoio a Israel, cortando fornecimentos de
petróleo e ameaçando com embargos. Ao fazer isso, descobriram sua
capacidade de multiplicar o preço do petróleo no mundo. E os
ministérios das Relações Exteriores do mundo todo não podiam deixar
de observar que os todo-poderosos EUA não faziam nem podiam fazer
nada imediatamente a respeito.

Esse acontecimento ficou conhecido como a Crise do petróleo de 1973.


Com o corte no fornecimento de combustíveis, o preço subiu como nunca antes
na história. O capitalismo global entrou em crise, e a OPEP, como muito bem

20
afirmou Hobsbawm (1995), percebeu que tinha um poder muito grande em suas
mãos. Esse fato mudou o jogo de forças no Ocidente, que precisou criar
mecanismos para lidar com esse novo cenário internacional.

NA PRÁTICA

Saiba mais
No link a seguir você encontrará na íntegra o Ato Institucional I, de 09 de
abril de 1964.
Ato Institucional n. 1, de 9 de abril de 1964. Diário Oficial da União, Poder
Legislativo, Brasília, DF, 9 abr. 1964. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-01-64.htm>. Acesso em: 21 set.
2022.
Leia com bastante atenção e cite os trechos que evidenciam o caráter
autoritário do regime militar que se instaurou a partir de 1 de abril de 1964.

FINALIZANDO

Como vimos, a Guerra Fria teve consequências sérias em todo o mundo,


e tanto capitalistas quanto socialistas procuravam aumentar sua área de
influência, para assim alterar a balança das relações internacionais. Nesse bojo,
ocorreram dois grandes processos revolucionários – China e Cuba – bem como
a instalação de ditaduras militares em quase todos os países do Cone Sul. A
tensão constante entre os dois blocos só foi desviada pela grave crise do
petróleo dos anos 70 do século XX, trazendo novos atores com disposições
políticas diferenciadas ao jogo.

21
REFERÊNCIAS

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Estado e as graves violações de direitos humanos. Brasília: CNV – Comissão
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da Guerra Fria e o impacto da Administração Eisenhower. Trabalho de conclusão
de curso (Graduação em Relações Internacionais) – Universidade Federal da
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22
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A Revolução Chinesa. São Paulo: Ed. da Unesp, 2003.

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REIS FILHO, D. A. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à


Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

VESENTINI, P. F. História mundial contemporânea (1776-1991): da


independência dos Estados Unidos ao colapso da União Soviética. 3. ed. ver. e
atualizada. Brasília: Funag, 2012.

VELLOSO, J. P. R. et al. A Nova Ordem Mundial em Questão. 2. ed. Rio de


Janeiro: José Olympio, 1993.

23
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
AULA 5

Profª Dayane Rúbila Lobo Hessmann


CONVERSA INICIAL

Nesta etapa, vamos refletir sobre o final das utopias representada pela
queda do muro de Berlim. Somada a isso veremos a releitura do liberalismo,
denominado de Neoliberalismo, e a suas consequências econômicas, políticas
e culturais. Abordaremos ainda os novos sujeitos da história, buscando
compreender a lógica de organização dos movimentos sociais, finalmente,
acompanhando mais de perto o movimento feminista.

TEMA 1 – UM MURO, UMA QUEDA E O FIM DAS CERTEZAS

Atualmente, em qualquer loja de souvenirs em Berlim, há pedacinhos do


Muro de Berlim para vender. Ao andar pela cidade, facilmente se observa no
chão a marca que dividiu o local em “duas Alemanhas” durante 28 anos. Hoje, o
Muro de Berlim é lugar de memória, é história, mas faz parte de um passado
recente que ainda deixa marcas na sociedade alemã.

Figura 1 – Placa no chão que indica por onde o Muro de Berlim passava. Berlim,
2019

Crédito: Dayane Rúbila Lobo Hessmann.

2
Devemos relembrar que, ao final da Segunda Guerra Mundial, os países
aliados, grandes vencedores do conflito, dividiram a Alemanha em quatro zonas
de ocupação: francesa, inglesa, americana e soviética. A justificativa para tanto
era de que a Alemanha, depois dos absurdos crimes nazistas, deveria ficar sob
tutela.
Anos depois, em 1961, a União Soviética construiu, do dia para a noite, o
Muro de Berlim, uma barreira física para separar concretamente a Alemanha
comandada pelos Estados Unidos, situada no lado oeste (República Federal da
Alemanha, RFA), e a Alemanha comanda pela URSS, localizada no lado leste
(República Democrática Alemã, RDA).
Já tratamos de mais detalhes sobre o Muro de Berlim em outra etapa, por
ora, basta-nos lembrar que o muro durou quase três décadas (1961-1989) e foi
o grande símbolo da Guerra Fria. Nosso objetivo aqui é focar no processo que
levou à queda do Muro em 1989.

Figura 2 – Imagem de satélite de Berlim, com a localização do Muro em amarelo

Crédito: Nasa – DP.

3
Cabe destacar que, entre os anos 1969 e 1975, a política de disputa entre
os EUA e a URSS passou por um momento de relaxamento, uma redução das
tensões entre essas superpotências, que ficou conhecido na historiografia como
deténte. Durante esses anos, buscou-se uma abordagem mais diplomática entre
os EUA e a URSS, tanto assim que, em 1971, houve a tentativa de
negociações para que as Alemanhas reatassem as relações diplomáticas.
Ainda nessa esteira, em 1972 foi assinado o plano Salt I (Conversações sobre
Limites para Armas Estratégicas). Esse acordo colocava um limite, pela primeira
vez, para o número de armas intercontinentais com mais de 5 mil quilômetros.
A partir de 1980, iniciou-se um acirramento de políticas neoliberais, assim,
se durante a década de 1970, a URSS e os seus países satélites conseguiram
um grande desenvolvimento econômico e uma enorme melhora nas condições
de vida de sua população, com esse novo cenário, o modelo econômico e político
soviético começou a entrar em colapso.
Sobre isso, o historiador Eric Hobsbawm pontua que

Na década de 1970 era claro que não só o crescimento econômico


estava ficando para trás, mas mesmo os indicadores sociais básicos,
como o da mortalidade, estavam deixando de melhorar. Isso minou a
confiança no socialismo talvez mais que qualquer outra coisa, pois sua
capacidade de melhorar a vida da gente comum através de maior
justiça social não dependia basicamente de sua capacidade de gerar
maior riqueza. (Hobsbawn, 1995, p. 457)

Diante desse panorama de instabilidade, em meados da década de 1980,


um novo líder assumiu o poder na URSS, Mikhail Gorbachev. Visando ao
contexto de estagnação da União Soviética, Gorbachev tinha como propósito
realizar reformas na política, na economia e nas liberdades individuais. Desse
modo, seu intuito era reformar as estruturas soviéticas, desde o Partido
Comunista, que era quem detinha o poder político, até a abertura da economia,
que estava na mão do estado; e possibilitar mais liberdade aos cidadãos. Essas
medidas ficaram conhecidas como Perestroika (reestruturação) e Glasnost
(transparência).
Esse clima de mudança e otimismo foi interrompido por um grave
acidente. Em 26 de abril de 1986, ocorreu uma grande explosão na Usina
Nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, umas das repúblicas soviéticas.
Esse acontecimento configurou-se como o maior desastre radioativo da
humanidade. Inicialmente, o governo soviético não assumiu o acidente, isso
aconteceu somente alguns dias depois.

4
Crédito: Zef art/Shutterstock.

Crédito: Eight Photo/Shutterstock.

A maneira como a União Soviética conduziu o caso gerou inúmeras


criticas, pois, além da censura inicial, que escondeu o acidente do mundo, houve

5
também falhas significativas ao lidar com o acidente, causando ainda mais
mortes e feridos e deixando sequelas gravíssimas na sociedade.
Estipula-se que, diretamente, o acidente causou a morte de 31 pessoas,
porém, indiretamente, milhares de pessoas morreram, vítimas de doenças, como
diferentes tipos de câncer que podem ter sido causados pelo contato com a
radiação.
Além do descrédito em relação à condução das medidas de segurança,
da crítica em relação à censura, o acidente afetou seriamente a economia
soviética, pois foi necessário gastar muito para conter os estragos, o que
prejudicou demasiadamente o país que já estava enfrentando uma crise
financeira.
Desse modo, o acidente de Chernobyl lançou uma sombra de descrédito
sobre o governo soviético e afetou severamente a economia desse país, uma
vez que somas altíssimas tiveram de ser gastas para conter os estragos.
Portanto, com base no exposto, verifica-se que o acidente de Chernobyl foi
fundamental para a antecipação do fim da União Soviética.
Cabe, ainda, salientar que, durante a Guerra Fria, em 1979, a União
Soviética interveio militarmente no Afeganistão, participando de uma guerra que
durou dez anos. Os soviéticos apoiavam o governo afegão socialista
implementado por meio de um golpe, que, por sua vez, recebia forte resistência
dos mujahedins, povos islâmicos que se opunham às medidas adotadas pelo
governo socialista. Objetivando enfraquecer a União Soviética, os EUA,
sobretudo no governo de Ronald Reagan, decidiram financiar os mujahedins,
fornecendo aos guerrilheiros unidades portáteis Stinger de lançamento de
mísseis. Portanto, Reagan investiu pesado em armas para vencer os soviéticos.
Com tais armas, os guerrilheiros passaram a se esconder nas montanhas e
destruir helicópteros soviéticos, de modo que não demorou muito para que a
URSS fosse derrotada.

6
Figura 3 – Presidente Reagan encontra-se com os combatentes da Liberdade
Afegãos para discutir as atrocidades soviéticas no Afeganistão. 2/2/83

Crédito: Pictoral Press Ltd/Alamy/Fotoarena.

A retirada das forças soviéticas do Afeganistão também pode ser vista


como prelúdio da queda da União Soviética e do fim da Guerra Fria, pois, além
da derrota ter sido uma vergonha mundialmente, a guerra lesou muito a URSS
economicamente. Em contrapartida, na década de 1990, os Estados Unidos
viveram o auge de seu poder como grande potência.
O ano de 1989 foi decisivo, pois praticamente em todas as repúblicas
soviéticas ocorrem manifestações e revoltas exigindo liberdade e democracia.
Tudo isso fez com que diversos países do bloco socialista se distanciassem da
URSS.
Nesse cenário de efervescência, o Muro de Berlim foi derrubado em 9 de
novembro. Um ano depois, as duas Alemanhas reunificaram-se.

7
Figura 4 – Alemães estão no topo do muro em frente ao Portão de Brandemburgo
nos dias antes de ele ser derrubado, 1989

Crédito: Klaus Lehnartz/Süddeutsche Zeitung Photo/Fotoarena.

Cada dia mais, os países que faziam parte da URSS conclamavam por
liberdade e autonomia e, em 1991, ocorreu um referendo para que a população
decidisse sobre a manutenção da União Soviética. Diversos países boicotaram
essa votação, em outros, grande parte da população votou a favor da unidade,
assim, houve tentativa de criar uma nova união, porém, sem sucesso. Nos
últimos meses de 1991, os países que compunham a URSS declaravam as suas
independências.
Assim, em 21 de dezembro de 1991, dirigentes das repúblicas
independentes assinaram um documento declarando extinta a União Soviética.
O fim da União Soviética acarretou também o fim da Guerra Fria. O socialismo
real havia desmoronado. Nesse sentido, a abertura do primeiro McDonalds em
Moscou, ainda em 1990, foi muito simbólico. As pessoas fizeram filas espantosas
para provar um dos maiores ícones do capitalismo global.
A dissolução da URSS teve várias consequências além das econômico-
políticas, trazendo também influências subjetivas muito importantes, na medida
em que trouxe consigo o final das utopias e certezas que dividiam o mundo em

8
dois. A multilateralização tornou o mundo, novamente, um lugar inseguro, já que
não é possível mais definir com clareza quais são os jogadores, o jogo e as
regras na disputa pelo poder.

TEMA 2 – NEOLIBERALISMO

Com a desintegração da União Soviética e, por conseguinte, o fim da


Guerra Fria, os Estados Unidos consolidaram-se como uma superpotência
mundial. Assim, o mundo bipolarizado entre o capitalismo e o socialismo foi
substituído, a partir de 1991, por um mundo multipolar, em que a disputa ocorre
dentro do próprio mundo capitalista.
Em outra etapa, discutimos o surgimento do liberalismo econômico, que
pregava a não intervenção do Estado na economia, defendendo que o mercado
tinha leis próprias – oferta e procura – que o autorregulavam e que, portanto, as
relações entre trabalho e capital deveriam ficar à margem de qualquer regulação
estatal e que os problemas sociais eram problemas de polícia, e não de políticas
públicas.
A partir do final da década de 1970, uma nova leitura do liberalismo
começou a tomar corpo, chamado neoliberalismo. Assim, houve uma retomada
dos princípios liberais, reafirmando a prática do livre comércio, a diminuição do
Estado e o reforço do mercado.
Vale dizer que o neoliberalismo surgiu naquele momento para fazer um
contraponto ao estado de bem-estar social que ofereceu mecanismos de
proteção e regulamentação da economia, mas que entrava em colapso. Havia
uma crítica de que o Estado impediria a competição saudável, necessária e
efetiva entre os indivíduos, impedindo-os de desenvolver seus potenciais.
Portanto, os neoliberais retomavam a ideia da necessidade das
desigualdades para funcionamento do mercado e afirmavam que as eliminar era
disfuncional para o desenvolvimento da economia.
Com a queda do muro de Berlim, o neoliberalismo que já estava em curso
em alguns países capitalistas e ganhou mais consistência, na medida em que o
Fundo Monetário Internacional e alguns economistas da Escola de Chicago,
como Milton Friedman, e da Escola Suíça, como Friedrich August von Hayek, o
defendiam como uma solução para sanar todos os problemas econômicos
mundiais, como a redução da pobreza e o desenvolvimento global.

9
Ao se tratar de neoliberalismo, os nomes de Ronald Reagan e Margaret
Thatcher merecem destaque. A primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher
assumiu o poder em 1979 e governou o país com “mãos de ferro” até 1990.
Durante seu governo, promoveu um programa de privatizações das empresas
estatais, combatendo veementemente os movimentos sindicais trabalhistas.
Com sua atuação, houve estabilização do valor da libra, redução de impostos e
dinamização da economia. Todavia, rapidamente se percebeu que o efeito
benéfico atingia apenas as classes mais abastadas da sociedade inglesa, de
modo que as desigualdades sociais aumentaram, os indicadores ligados à
qualidade de vida regrediram, e o nível de desemprego manteve-se elevado.
Se muitos consideram Thatcher a “mãe do neoliberalismo”, sem dúvidas
o presidente norte-americano Ronald Reagan pode ser considerado o “pai do
neoliberalismo”. Em 1980, Reagan assumiu o poder e colocou em prática a
política neoliberal com as seguintes medidas: redução nos gastos públicos
(programas sociais); reforma na legislação trabalhista e nos direitos sindicais;
política de privatização e diminuição de direitos sociais. Rapidamente, verificou-
se uma diminuição nos números dos indicadores de qualidade de vida, e a
recessão intensificou-se, ao passo que a desigualdade social avançou.

Figura 5 – Ronald Reagan e Margaret Thatcher, 1988

Crédito: Niday Picture Library/Alamy/Fotoarena.

10
Ainda no tocante à política neoliberal, na América Latina, merece
destaque o exemplo chileno. Como vimos em outra etapa, em 1973, o Chile
passou por um golpe no qual o ditador Augusto Pinochet tomou o poder.
Alinhado à Escola de Chicago, Pinochet permitiu que o Chile se tornasse um
verdadeiro laboratório das experiências neoliberais. Assim, o Chile reduziu
drasticamente o tamanho e as funções do Estado, eliminando qualquer
obstáculo para a “liberdade do capital”.
Realizou-se uma série de privatizações que retirou inúmeros benefícios
sociais que eram concedidos à população pelo Estado, com o objetivo de reduzir
os gastos estatais. A política neoliberal de Pinochet deixou marcas até os dias
atuais na sociedade chilena, tanto assim que, recentemente, em 2019-2020,
milhares de pessoas foram às ruas protestar contra o elevado custo de vida, as
baixas pensões, os altos preços de medicamentos e a falta de tratamentos de
saúde.

Figura 6 – Protesto no Monumento ao General Baquedano, na praça de mesmo


nome, Providencia, Grande Santiago, 2019

Crédito: Chomen/Shutterstock.

A partir das décadas de 1990 e 2000, vários países passaram a seguir a


cartilha neoliberal, principalmente na América Latina. Além do Chile de Pinochet,

11
como já vimos acima, o México no governo de Salinas, a Venezuela no governo
de Carlos Andrés Perez, o Peru no governo de Fujimori, a Argentina no governo
de Menem. No Brasil, a implementação de um governo neoliberal iniciou-se com
Fernando Collor de Melo e deu continuidade com o governo de Fernando
Henrique Cardoso. Entretanto, cabe salientar que o neoliberalismo é bastante
criticado, sobretudo pelos grupos e partidos de esquerda.

TEMA 3 – NOVOS SUJEITOS DA HISTÓRIA

Ao longo da história da humanidade, revoltas sempre ocorreram. Todavia,


o conceito de movimentos sociais é mais recente. Foi com a Revolução Industrial
que nasceu esse conceito, pois o modo capitalista alterou as relações sociais,
colocando patrões e operários de lados opostos. Nessa esteira, surgiu o
movimento operário, lutando por melhores condições de trabalho. Desse modo,
pode-se entender o movimento operário como o pioneiro do movimento social,
ainda no século XIX.
Todavia, certamente o século XX destaca-se como o século dos
movimentos sociais, em que novos sujeitos vão protagonizar a luta por direitos.
Os movimentos sociais podem ser entendidos como ação coletiva de um
determinado grupo que tem identidade em comum, que pode atuar de diferentes
maneiras, como organização de protestos, manifestações, passeatas, comícios,
ocupações ou qualquer tipo de evento que visibilize para o restante da população
um tema, um problema ou uma situação com o(a) qual esse grupo se identifique
ou se contraponha.
A historiadora Celia Maria Taborda da Silva afirma que

a partir da década de 60, do século XX, os movimentos sociais na


Europa são chamados de novos, são derivados da pós-
industrialização, já não centrados nos movimentos laborais e na sua
luta pela transformação económica e política, nem enquadrados pelo
sindicalismo, mas baseados noutros sistemas de valores
«estruturantes das consciências e das identidades dos indivíduos e dos
grupos» (Fernandes, 1993: 811); os conflitos passaram a ser sociais e
culturais. (Silva, 2016, p. 80)

Como exemplo de movimentos sociais relevantes da década de 1960,


podemos citar o movimento negro norte-americano, que, desde o episódio da
prisão da Rosa Parks, ganhou relevo, sobretudo sob o comando de Martin Luther
King (via pacífica) e Malcom-X (via violenta). O movimento negro lutava por
igualdade, justiça e direitos civis.

12
Figura 7 – Protesto realizado pelo movimento negro norte-americano com a frase
“Eu sou um homem”, 1968

Crédito: Museum of Fine Arts, Houston/Museum purchase funded by the African American Art
Advisory Association/Bridgeman/Fotoarena.

Nessa direção, o ano de 1968 foi bastante emblemático, com a explosão


de manifestações estudantis na França, nos Estados Unidos, no México e no
Brasil. A partir daí, o movimento LGBT e o movimento feminista começaram,
paulatinamente, a ganhar notoriedade.
Nas últimas décadas do século XXI, existe uma enorme diversidade de
movimentos sociais, tais como: movimento pacifista, movimento vegano,
movimento ecológico, movimento LGBTQIA+, movimento negro, movimento
sem-terra, movimento estudantil, entre tantos outros.

TEMA 4 – OLHANDO DE PERTO

Como salientamos anteriormente, foi na década de 1960 que o movimento


feminista ganhou destaque. No entanto, a trajetória do movimento feminista
começou muito antes disso.
O embrião do movimento feminista nasceu na conjuntura da Revolução
Francesa, com a publicação da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã,
redigido por Olympe de Gouges em 1791. Esse documento versava sobre a
igualde de direitos entre homens e mulheres, tais como o direito a voto, ao direito
de possuir propriedades, a ter acesso a cargos públicos, a ter liberdade
13
profissional, entre outros aspectos. Obviamente, o documento foi rechaçado na
época, porém, ele é muito alegórico, pois representava ideias feministas, mesmo
que naquele período ainda não existisse esse conceito.
Mais tarde, no final do século XIX e início o século XX, o movimento
sufragista nos Estados Unidos e na Europa tornou-se forte e organizado, lutando
pelo direito das mulheres ao voto. Assim, combinou-se de chamar esse
movimento como a primeira onda do feminismo. Portanto, inicialmente, o
movimento feminista lutava por igualdade de participação na política e na vida
pública.

Figura 8 – Annie Kenney e Christabel Pankhurst, duas ativistas em favor do voto


feminino, 1908

Crédito: Tom Marshall/Media Drum/Mary Evans/Imageplus.

O século XX foi marcado pelas duas grandes guerras mundiais que


afetaram o mundo em diversos aspectos, inclusive em relação às mulheres.

No período das duas guerras mundiais, milhares de mulheres


assumiram postos de trabalho considerados masculinos, tanto na
Europa quanto nos EUA. Atuaram como bombeiras, mineiras,
condutoras de transporte público, mecânicas, metalúrgicas, além de
14
produzirem alimentos, atuarem na indústria têxtil e no campo da saúde.
No intervalo entre as guerras, políticas natalistas foram implementadas
e o tema da maternidade ocupou um lugar central nas discussões
públicas e feministas de muitos países, dividindo opiniões. As lutas
feministas ora avançavam, ora estagnavam. (Zirbel, 2021, p. 15)

Portanto, depois da valiosa contribuição das mulheres para as guerras,


com a luta feminista já existente, muitos países proclamaram o direito ao voto
feminino a partir de 1945. Paralelamente a isso, houve uma tentativa de
convencer as mulheres a retornar à sua antiga posição de esposas, mães e
donas de casa. Nesse mesmo contexto pós-segunda Guerra,

algo inédito ocorria nos países que investiram em um projeto de ensino


universal e no qual inúmeras mulheres haviam se inserido: uma nova
geração de moças minimamente ou muito instruídas circulava por
essas realidades sociais. Livros e textos com conteúdo feminista
atingiam um número crescente de pessoas. Estudos sobre as mulheres
e Estudos Feministas começavam a ser organizados, propondo novos
temas e questionando os conteúdos tradicionais. (Zirbel, 2021, p. 16)

O movimento de contracultura da década de 1960, caracterizado pelo


espírito da rebeldia e da contestação, inspirou diretamente a segunda onda do
movimento feminista, cujo foco recaiu sobre a sexualidade feminina, os direitos
de reprodução e a objetificação e opressão da mulher na sociedade. É
importante frisar que o movimento feminista da década de 1960 incluiu no bojo
de suas reivindicações muitas demandas das mulheres da classe trabalhadora
e mulheres negras.

Grupos de conscientização e atividades coletivas foram organizados


em praticamente todos os continentes a fim de apoiar mulheres e
motivá-las à lutar por melhorias de suas condições de vida. As pautas
dos grupos foram ricas e diversas: anticolonialismo, luta anti-racista,
valorização do trabalho doméstico, segurança no trabalho, educação,
creches, licença-maternidade, lesbianismo, direitos reprodutivos
(acesso a métodos contraceptivos, direito a aborto seguro, lutas contra
programas de esterilização compulsória de mulheres negras e pobres),
violência doméstica, assédio, estupro, etc. Em meio a essa
diversidade, é possível perceber dois pontos comuns, como bem
pontuou Jo Freeman (1972): a crítica feminista da sociedade e a ideia
de opressão. (Zirbel, 2021, p. 16)

15
Figura 9 – A artista holandesa Phil Bloom em 1967, conhecida como a primeira
pessoa que ficou completamente nua em um programa de televisão

Crédito: Penta Springs/Alamy/Fotoarena.

O início dos anos 1990 causou significativas mudanças no mundo: queda


do muro de Berlim, fim da União Soviética e redemocratização de muitos países
latino-americanos, de modo que todo esse contexto influenciou também nas
discussões feministas.
Disso decorre a terceira onda do feminismo, que trouxe em seu bojo o
conceito de interseccionalidade, que significa que as mulheres são marcadas por
diferentes opressões de acordo com sua raça/etnia, classe, orientação sexual,
geração, de modo que há uma pluralidade de experiências, de identidades e de
performances entre as mulheres, ou seja, elas têm necessidades diferentes e isso
deve ser levado em consideração na construção da luta feminista.

16
Figura 10 – Marcha das Vadias, Curitiba, 14 de julho de 2012

Crédito: Dayane Rúbila Lobo Hessmann.

Nos últimos anos, com a popularização da internet e o intenso uso das


redes sociais (Twitter, Instagram, Facebook etc.), há uma sinalização para uma
quarta onda do feminismo, cuja principal característica é o ativismo digital. As
atuações das feministas nas redes mobilizam debates e enfrentamentos em
relação a assédio (na rua, no trabalho, no transporte público, nos espaços de
lazer); misoginia; agressões sexuais; aborto legal, seguro e gratuito, entre tantas
outras questões.
Desse modo, as redes sociais destacam-se

como um elemento importante na esfera política, causando um


alargamento no padrão da comunicação, que se torna mais autônoma
e democrática, além de potencializar mobilizações que, em primeira
instância, parecem ter um caráter individual, mas tornam-se coletivas
ao serem difundidas na rede, trazendo para o campo político aquilo que
é de ordem pessoal. (Ribeiro; Nogueira; Magalhães, 2021, p. 69)

Como exemplo disso, podemos citar as narrativas em primeira pessoa,


pois, atualmente, é bastante comum observamos nas redes sociais mulheres
compartilhando suas experiências com a opressão e a marginalização. A internet

17
possibilitou que as mulheres possam escrever sua própria história, criando redes
de apoio e de comunicação.

Desse modo, os protestos que até pouco tempo ocorriam apenas nas ruas
agora ganham espaço também online com campanhas de hashtags (#) que
ampliam o protagonismo das mulheres. Por fim, é relevante mencionar que
contar a trajetória do movimento feminista por meios dessas ondas pode causar
alguns problemas, podendo ressaltar ou menosprezar algum grupo e/ou fato
histórico. Por outro lado, a metáfora das ondas é valiosa porque possibilita criar
uma visão imagética das feministas ao longo da história, nas diferentes
gerações, permitindo uma conexão com o passado e o futuro, mostrando que o
feminismo foi atuante nos diferentes momentos históricos e que essa luta ainda
continua.

NA PRÁTICA

Após estudar sobre as mudanças advindas nas últimas décadas, a


proposta é que você organize, em um texto resumido, uma reflexão acerca da
relação entre o liberalismo e o neoliberalismo e como esse último tem
consequências na contemporaneidade.

FINALIZANDO

Vimos, nesta etapa, o final das utopias, marcado pela queda do muro de
Berlim. Acompanhamos, ainda, o surgimento de um movimento de releitura do
liberalismo – Neoliberalismo, que apresentava um modelo bastante restritivo
para o Estado. Estudamos os movimentos sociais como uma forma de buscar
garantir a manutenção e a expansão dos direitos dos indivíduos frente ao Estado
e, finalmente, acompanhamos o movimento feminista – seus avanços e suas
perspectivas.

18
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ZIRBEL, I. Ondas do feminismo. Blogs de Ciência da Universidade Estadual


de Campinas: Mulheres na Filosofia, v. 7, p.10-31, 2021.

20
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
AULA 6

Prof.ª Dayane Rúbila Lobo Hessmann


1
CONVERSA INICIAL

Nesta abordagem, vamos refletir sobre a modernidade e a pós-


modernidade. Para tanto, trataremos de alguns episódios utópicos, sobretudo o
emblemático maio de 1968, no qual a juventude protagonizou o sonho de uma
sociedade mais justa e igualitária. Na sequência, discutiremos o mundo líquido
e, ao final, abordaremos a diversidade em oposição aos fundamentalismos
cada vez mais frequentes na atualidade.

TEMA 1 – AS CRISES PÓS-MODERNAS

A partir do século XVIII, na Europa Ocidental, presenciamos a chamada


“modernidade”, que se refere a uma forma de organização política, econômica
e social que influenciou boa parte do mundo. A socióloga Ana Lucia Martins
afirma que

o conceito de Modernidade está associado a transformações nas


instituições políticas, econômicas e na vida cotidiana derivadas de
revoluções políticas e econômicas, como por exemplo a Revolução
Francesa e a Revolução Industrial Inglesa que marcou o
desenvolvimento do capitalismo. O capitalismo criou um novo modo
de vida que produziu mudanças profundas no trabalho, nas cidades,
na vida rural, na relação sociedade e natureza, no consumo de
mercadorias, nas subjetividades humanas e distinguiu a vida social
moderna da vida social de outras culturas consideradas tradicionais,
antigas. (Martins, 2021)

Desse modo, a modernidade rompeu com o modo de vida feudal, com o


predomínio da Igreja Católica e com o pensamento escolástico. Assim, a
modernidade trouxe em seu bojo alguns elementos centrais: a razão, a
tecnologia, a ciência, um Estado eficiente e um capitalismo produtivo. Outra
característica da modernidade que merece destaque é a busca pela ordem, o
que determinou o que era comum e o que não era, gerando uma série de
segregações e conflitos, como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, o
holocausto, o apartheid, as guerras da Coreia e do Vietnã, as guerras de
independência no continente africano etc. Nessa esteira, o sociólogo Anthony
Giddens destaca que

O século XX é o século da guerra, com um número de conflitos


militares sérios envolvendo perdas substanciais de vidas,
consideravelmente mais alto do que em qualquer um dos dois séculos
precedentes. No presente século, até agora, mais de 100 milhões de
pessoas foram mortas em guerras, uma proporção mais alta da
população do mundo do que no século XIX, mesmo considerando-se o
2
crescimento geral da população. Se um conflito militar ainda que
limitado eclodisse, a perda de vidas seria estarrecedora, e um conflito
total entre superpotências pode erradicar completamente a
humanidade. (Giddens, 1991, p. 15)

Em decorrência da busca pela ordem, buscou-se também o progresso.


Por progresso entende-se a ideia de acúmulo e síntese do passado e também
como uma profecia a se cumprir em um futuro próximo. Desse modo, a
concepção de progresso explica a humanidade como uma grande estrutura
que, ao longo do tempo que caminha, paulatinamente, em direção a um
desenvolvimento glorioso e esplendoroso, e que, para se efetivar, precisa estar
associado à área técnica-científica. Passou-se a acreditar que o progresso
levaria, indubitavelmente, à felicidade. Assim, no final do século XIX e início do
século XX, a Europa viveu o período conhecido como belle époque, ou seja,
uma fase próspera, pautada na positividade, marcada por uma série de
inovações tecnológicas, como o advento da luz elétrica, do cinema, do carro,
do avião, entre tantas outras invenções. Nessa direção, a Exposição Universal,
que aconteceu em Paris em outubro de 1889, teve como objetivo mostrar ao
mundo o progresso da época. Tanto assim que a famosa Torre Eiffel foi
construída especialmente para o evento, celebrando o centenário
da Revolução Francesa (1789). Até 1930, a Torre Eiffel foi a maior edificação
do mundo, com exatos 300 metros. A Exposição Universal atraiu milhares de
expositores, exibindo suas invenções e inovações.

3
Figura 1 – Vista aérea de Paris, França, de balão, mostrando a Torre Eiffel em
primeiro plano no centro, tirada durante a Exposição de Paris de 1889

Crédito: History and Art Collection/Alamy/Fotoarena.

Todavia, com os estragos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e,


sobretudo, com o horror e a barbárie da Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
a ideia da tecnologia como algo que levaria tão somente ao progresso passou
a ser reavaliada. Afinal, durante esses conflitos, a tecnologia esteve em favor
da morte e da destruição, ou seja, a ciência também poderia ser letal.
Ademais, ambas as guerras provocaram efeitos a longo prazo: em
decorrência da Primeira Guerra, tivemos a Segunda Guerra. Em consequência
da Segunda Guerra, o mundo assistiu à disputa de poder entre o capitalismo
norte-americano e o socialismo soviético, e todas as implicações que este
mundo bipolarizado trouxe em um aspecto mundial. Este mundo pós Segunda
Guerra Mundial passou por significativas mudanças, gerando rupturas em
todas as esferas. Muitos estudiosos, de diferentes áreas do conhecimento,
buscam entender essa nova fase: alguns a chamam de “sociedade de rede” ou
“sociedade de informação”, outros a nomeiam como “pós-modernidade”; há
também o conceito “modernidade líquida”. Particularmente, optamos por esta
última denominação do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, da qual
trataremos de maneira enfática mais adiante.
4
Por fim, o projeto civilizatório inaugurado na modernidade, cuja premissa
se pautava no fundamento humanista, racionalista e científico, de cunho liberal,
ocidental e europeu, entrou em colapso com a queda o muro de Berlim e a
desintegração da União Soviética.

TEMA 2 – O FIM DAS UTOPIAS

A sociedade moderna estava atada a utopias e projetos de criação de


sociedades mais prósperas e felizes. Muito já se falou sobre utopia, mas, a
grosso modo, ela pode ser definida como: “Plano ou sonho irrealizável; ideia
generosa, porém impossível; fantasia, quimera” (Michaelis Dicionário Online,
2022). Portanto, utopias são projetos de sociedade idealizada e perfeita. Nos
projetos utópicos, as sociedades idealizadas são retratos paradisíacos de
igualdade, fraternidade e liberdade.
Em contraposição, a utopia surgiu da ideia de distopia, isto é,
sociedades sombrias, assustadoras, permeadas por graves problemas, como
governos autoritários, violência, censura, corrupção, miséria, entre outros
aspectos. Seriam sociedades muito negativas, nas quais ninguém gostaria de
viver. Assim, nas distopias, os mesmos elementos apontados como
emancipadores da humanidade – ciência, e racionalidade – são os pontos
focais do desenvolvimento das distopias. Dois grandes clássicos da literatura
mundial sobre essa temática são as obras 1984, de George Orwell (1948), e
Admirável mundo novo (1932), de Aldous Huxley. Ambas retratam regimes
totalitários e o mundo dividido em grandes blocos de pensamento ideológico
divergentes. Tanto a utopia quanto a distopia são reações à realidade, ou seja,
quando o mundo atual não é satisfatório, as pessoas buscam projetar o futuro
positivamente ou negativamente. No decorrer do século XX, existiram alguns
movimentos que poderiam ser caraterizados como uma tentativa de busca de
uma sociedade utópica, são eles: o movimento de contracultura,
protagonizado, especialmente, pelos hippies; maio francês de 1968 e a
Primavera de Praga. O movimento intitulado contracultura surgiu nos Estados
Unidos a partir da década de 1960. Esse movimento assim foi chamado por ter
como figuras centrais jovens que questionavam e criticavam a cultura vigente e
propunham novas maneiras de viver. Estes jovens eram

filhos do chamado “baby boom” (expressão que define os


aproximadamente 86 milhões de nascimentos entre 1946 e 1964,

5
apenas nos Estados Unidos), criados na prosperidade econômica que
os países desenvolvidos atingiram depois da Segunda Guerra
Mundial. Esses jovens - diferentemente de seus pais, que precisaram
sujeitar-se ao trabalho quer pela depressão econômica ou pela guerra
- desejavam ficar jovens eternamente. Para esses “jovens mimados”
e criados na abundância, não acostumados às convenções sociais
(muito mais suaves nas suas casas, nas escolas e nas
universidades), a sociedade tinha de ser mudada para a busca do
prazer que tais convenções sociais impediam. (1972: 15-53) Assim,
procurou-se criar uma nova cultura, ou seja, uma Contracultura.
(Biagi, 2009, p.165)

Nesse movimento de contracultura, os hippies merecem destaque. Com


suas longas barbas e cabelos, roupas espalhafatosas e coloridas, os hippies
defendiam o amor livre, a paz, a liberdade, o uso de drogas, o contato com a
natureza, entre outros aspectos. Eles criticavam o american way of life, ou seja,
o estilo de vida norte-americano pautado pelo consumismo, em um modelo
familiar muito engessado e no ideal do emprego estável.

Figura 2 – Músico trajando vestuário hippie

Crédito: Kuznetsov Alexey/Shutterstock.

Vale ainda mencionar que

A defesa do uso de drogas (a música de San Francisco ficaria


conhecida como “Acid Rock”, ou seja, música produzida a partir do
ácido lisérgico, LSD) e a liberdade sexual dos jovens (vivendo ou não
em comunidades alternativas) deixavam a maior parte do “mundo

6
adulto” apreensivo, quando não apavorado. O consumo de drogas e
o “amor livre” talvez tenham sido muito mais falados do que
executados, mas as imagens de jovens drogados e pervertidos
tomando conta do poder eram fortes demais para qualquer sociedade
tolerar. No final dos anos 60, podemos verificar a ascensão de
políticos conservadores que enfatizavam o combate à “imoralidade”
dos jovens nos seus programas, como, por exemplo, Richard Nixon e
Ronald Reagan. A “maioria silenciosa” atacava a “minoria
barulhenta”. (Biagi, 2009, p.175)

Um dos grandes símbolos da geração contestatória norte-americana foi


o Festival de Woodstook. Entre os dias 15 e 18 agosto de 1969, os Estados
Unidos foram palco do evento, um festival de música, cultura e arte e em
defesa da paz. Artistas como Jimi Hendrix, The Who, Jefferson Airplane e Janis
Joplin se apresentaram pregando paz, amor e liberdade. Estima-se que mais
de 400 mil pessoas participaram do festival, em sua maioria jovens hippies.

Figura 3 – Cartaz de propaganda para o Festival de Woodstock

Crédito: Sammlung Rauch/Interfoto/Fotoarena.

7
O ano de 1968 com certeza foi singular na história do século XX, pois a
sociedade ocidental foi abalada por uma forte onda de contestação, na qual a
juventude conclamava por profundas mudanças.

Paris, Praga, México, Tóquio, Los Angeles, Berlim, Rio de Janeiro e


tantas outras cidades foram palcos de luta, barricadas e ocupação das
ruas e campis. Maoístas, trotskistas, libertários, marxista-leninistas,
guevaristas e reformistas foram algumas das tendências que
disputaram espaço e liderança em cada um dos casos específicos. [...]
A contestação, a rebeldia e a insatisfação foram traços comuns nas
múltiplas manifestações. (Holzmann, Padrós, Serra, 2003, p.10-11)

Entre os tantos acontecimentos de 1968, vamos destacar aqui, para os


limites deste texto, o maio francês e a Primavera de Praga, eventos notáveis
em razão da densidade política, social e cultural. O famoso maio de 1968
francês começou quando os estudantes ocuparam a Sorbonne, uma das
universidades mais tradicionais da França, conclamando por mudanças na
educação. Os estudantes exigiam uma reforma administrativa, eram contrários
ao conservadorismo nas relações entre professor e aluno e pediam por mais
direitos estudantis.

Figura 4 – Barricadas em Bordéus, França, maio de 1968

Crédito: TANGOPASO/CC-PD.

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O governo do general De Gaulle lidou com os manifestantes de maneira
violenta, escolhendo alguns líderes estudantis para serem punidos e
suspendendo as aulas. Além disso, os estudantes foram duramente reprimidos,
inclusive muitos foram feridos pela brutalidade policial. Essa atitude truculenta
do governo só gerou ainda mais revolta e ampliou o movimento. De modo que
milhares de estudantes foram às ruas pedir por mudanças na política
educacional do país. Nessa esteira, os jovens pregavam ainda contra o
capitalismo, o imperialismo norte-americano, o consumismo e o desemprego.
Durante os intensos dias de maio de 1968, os muros da cidade de Paris foram
tomados por grafites e cartazes com as frases dos estudantes, tais como:
“Sejam realistas, exijam o impossível”; “É proibido proibir” e
“A imaginação ao poder”.

Figura 5 – “Seja realista, exija o impossível”, cartaz francês, maio de 1968

Crédito: Bibliothèque nationale de France – CC-PD.

As reivindicações extrapolaram o campo educacional, e os trabalhadores


se uniram à luta, organizando a maior greve geral da história, com milhões de
grevistas. Os grevistas exigiam aumento salarial, regularização da jornada de
trabalho para 40 horas semanais, aposentadoria aos 60 anos, igualdade de
salário entre os gêneros e uma universidade livre e democrática. Todavia, a
greve ultrapassou a luta meramente sindical e estudantil e os revoltosos
começaram a entoar “Fora De Gaulle”, exigindo a saída do governo e negando

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sua legitimidade. Paris ficou impraticável: sem ônibus, metrô, telefone e demais
serviços, mais de 50 empresas foram ocupadas.

[...] o ponto é que ninguém esperava uma crise com a escala e a


dramaticidade de maio de 68, em meio a uma França mais rica e
mais aburguesada, com a classe operária acomodada e todo mundo
sonhando e usufruindo as delícias da sociedade de consumo. E eis
que, de repente, sem que ninguém esperasse, sobrevém o maio
fatídico, em plena primavera e o país sorridente, e, junto com o maio,
o grande abalo sísmico e o país de joelhos frente aos estudantes.
(Domingues, 2021, p. p.187)

Os dias do mês de maio de 1968 realmente foram bastante turbulentos


na capital francesa, marcada por diversos embates violentos entre policiais e
estudantes. A mídia, nacional e internacional, noticiava diariamente a situação,
de modo que os estudantes ganharam apoiadores pelo mundo todo, além de
servir de inspiração para a juventude da época. O ano de 1968 não foi somente
de combate ao capitalismo, mas também palco de uma crítica profunda ao
socialismo real e aos limites desse socialismo para construir uma ordem nova
(Holzmann; Padrós; Serra, 2003, p.10-12). Assim, nessa mesma época, na
Europa Oriental, na Tchecoslováquia – atual República Tcheca, aconteceu um
movimento intitulado Primavera de Praga, o qual consistiu em uma tentativa de
deixar o socialismo mais humano, buscando inserir elementos democráticas na
sociedade, tais como: liberdade de imprensa, liberdade de culto religioso e
liberdade para formação de novos partidos políticos.
Todavia, é importante salientar que a Tchecoslováquia era alinhada à
União Soviética – portanto, o governo soviético não ficou nada contente com
essas novas orientações. Diante desse cenário, uma tropa da União Soviética
invadiu o país para dissolver essas mudanças e controlar a situação. Em
contrapartida, a população tcheca, que já estava insatisfeita, ficou ainda mais
revoltada com a repressão dos soviéticos e iniciou uma série de protestos,
tendo a juventude como principal liderança.

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Figura 6 – Em Praga, os tchecoslovacos carregam sua bandeira nacional em
frente a um tanque soviético em chamas

Crédito: AGÊNCIA CENTRAL DE INTELIGÊNCIA/CC-PD.

Uma cena dramática marcou esses protestos: o estudante Jan Palach se


matou ateando fogo no próprio corpo, em praça pública. Atualmente, o local
onde o estudante se suicidou se tornou um lugar de memória. As
manifestações na Tchecoslováquia, apesar de terem sido reprimidas pelo
governo soviético, serviu de esperança para outros países socialistas que
desejavam renovação e mudança. Como vimos, 1968 foi um ano emblemático.
Embora os jovens tenham sido reprimidos por seus governos, não podemos
entender esses movimentos como fracassados. Afinal, mais do que mudanças
políticas, foi no campo comportamental que os jovens obtiveram êxito.

Não há dúvidas de que, enquanto revolução no sentido de destruir as


estruturas de poder vigente e derrotar o modo de produção
capitalista, não foi vitoriosa. (Melchionna, 2018, p. 131)

Porém, por outro lado, os jovens conquistaram a liberdade sexual, de


expressão, na música, no cinema e nas artes. Liberdade de lutar por um
mundo contra o preconceito, o racismo, o machismo e qualquer tipo de
exclusão e discriminação.

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TEMA 3 – UM MUNDO LÍQUIDO

Como já mencionamos anteriormente, nas últimas décadas, muitos


estudiosos, sobretudo na área das ciências humanas, vêm se dedicando em
estudar o mundo após a queda do muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, um
período em que as grandes narrativas entraram em crise e há uma centralidade
no indivíduo. Assim, muitos cientistas sociais chamam esse tempo que
estamos vivendo como pós-modernidade, ou, ainda, “hipermodernidade” (Gilles
Lipovetsky); “segunda modernidade” ou “modernidade reflexiva” (Ulrich Beck);
“alta-modernidade” (Anthony Giddens). Nessa mesma esteira, o sociólogo
polonês Zygmunt Bauman cunhou o conceito de “modernidade líquida” para se
referir a essa nova realidade. Zygmunt Bauman é de origem judaica, nasceu
em 1925 na Polônia e morreu em 2017 na Inglaterra, aos 91 anos. Estudou
sociologia, filiou-se ao partido comunista e fugiu do nazismo, refugiando-se na
Rússia. Os temas abordados por Bauman foram amplos e variados:
holocausto, globalização, amor, sociedade de consumo, comunidade,
individualidade são alguns assuntos que foram tratados pelo sociólogo
(Pallares-Burke, 2004).

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Figura 7 – Zygmunt Bauman, 2013

Crédito: Andersphoto/Shutterstock.

Bauman escolheu a metáfora da “liquidez” para se referir ao momento


presente, entendendo que a fluidez é a principal característica da atualidade.
Afinal, um líquido sofre constates mudanças, de modo que não consegue
conservar por muito tempo sua forma original, molda-se conforme o recipiente
em que é inserido. Diferentemente do que acontecia na modernidade sólida, na
qual os conceitos, ideias e estruturas sociais eram mais rígidos e inflexíveis.

O que todas essas características dos fluidos mostram, em linguagem


simples, é que os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm
sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não fixam o
espaço nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões
espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a
significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam
irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão
constantemente prontos (e propensos) a mudá-la; assim, para eles, o
que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar;
espaço que, afinal, preenchem apenas “por um momento”. Em certo
sentido, os sólidos suprimem o tempo; para os líquidos, ao contrário,
o tempo é o que importa. Ao descrever os sólidos, podemos ignorar
inteiramente o tempo; ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora
seria um grave erro. Descrições de líquidos são fotos instantâneas,
que precisam ser datadas. (Bauman, 2001, p. 2)

Portanto, na modernidade líquida, nada mais é permanente, pelo oposto:


tudo é permanentemente desmontado e reconstruído. As instituições, as
relações pessoais e de trabalho, os estilos de vida, as crenças e os valores
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mudam antes mesmo de terem tempo de se plasmarem. Tudo se torna volátil,
flexível e imprevisível. Assim, a incerteza é a única certeza que os indivíduos
podem ter nesse mundo líquido. Nesse mundo líquido, os indivíduos associam
liberdade com consumismo. Tudo se tornou consumível. As pessoas
consomem alimentos, produtos e até mesmo as relações. Ser feliz depende de
consumir, o que gera constantemente um sentimento de frustação e ansiedade.
Por fim, Bauman destaca que o consumidor é um inimigo do cidadão, pois o
consumismo acarreta uma apatia e uma ignorância política, o que se constitui
em um perigo para a democracia.

TEMA 4 – IGUAIS, MAS DIFERENTES

Na modernidade, observou-se uma visibilização e o reconhecimento das


diferenças. Desse modo, a multiplicidade de “diferentes” deu origem aos
movimentos sociais, tais como o movimento feminista, o movimento LGB e o
movimento negro. Todavia, a pós-modernidade/modernidade líquida trouxe o
acirramento de disputas e a centralidade no indivíduo, de modo que a
coletividade perdeu espaço para conquistas individuais. Assim, as práticas
como a judicialização das relações sociais dão o tom dos encaminhamentos às
demandas individuais. Como exemplo, podemos citar o caso de pessoas que
buscam judicialização para exigir remédios que não são oferecidos pelo SUS
nem cadastrados na Anvisa, mas que possuem eficácia para o tratamento de
algumas doenças raras.
Portanto, os indivíduos passaram a buscar o sistema de justiça para
garantir para si mesmos direitos, o que fragiliza ainda mais as questões
relativas ao coletivo, ocorrendo um esvaziamento da ação política coletiva
como forma de conquista. A pesquisadora Camila Brandão destaca que o uso
de tecnologias pelo Poder Judiciário, com a possibilidade de abrir processos
eletrônicos, contribuiu significativamente, nos últimos anos, para um aumento
exponencial para a judicialização das relações sociais (Brandão, 2021, p. 36-
37). Ao mesmo tempo que as diferenças são acentuadas e buscam por direitos
e visibilidades, verifica-se também, nos últimos anos, um fundamentalismo,
uma intolerância frente à diversidade. Esse fundamentalismo se apresenta
como uma incompreensão da necessidade de expansão dos direitos a todos os
cidadãos e na não aceitação das diferenças. Desse modo, para esses
fundamentalistas, os direitos das mulheres, dos negros e dos LGBTQIA+ são
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entendidos como “privilégios”, aos quais somente uma parcela da população
deve ter acesso.
É interessante pensar na trajetória do conceito de fundamentalismo:

Desde a década de 1970, com a revolução iraniana (islâmica), os


ataques de 11 de setembro de 2001, e a entrada no século 21, com
os novos contornos da relação entre cristãos/ãs; e política na América
Latina, a noção de “fundamentalismo” foi ressignificada. A origem do
termo remonta à tendência ultraconservadora de um segmento
protestante dos Estados Unidos, na virada do século 19 para o 20,
enraizado na interpretação literal da Bíblia, classificada como
inerrante, em reação à modernidade, (encarnada na teologia liberal e
no estudo bíblico contextual com mediação das ciências humanas e
sociais), em defesa dos fundamentos imutáveis da fé cristã. De lá
para cá, a perspectiva fundamentalista foi se transformando, no
interior do evangelicalismo mesmo, e ultrapassou as fronteiras da
religião. Torna-se uma matriz de pensamento, uma postura, ancorada
defesa de uma verdade e na imposição dela à sociedade. É fato que,
nas últimas décadas, grupos religiosos e não religiosos surgiram no
espaço público, em diferentes contextos do mundo, com ações que
podem ser classificadas como «fundamentalistas», caracterizadas
como reativas e reacionárias às mudanças sociais. Nesse sentido,
observa-se que o fundamentalismo se torna um fenômeno social que
ultrapassa a dimensão religiosa, ganha um perfil mais diversificado e
adquire caráter político, econômico, ambiental e cultural. Nessas
ações, certos “fundamentos” são escolhidos para persuadir a
sociedade, a fim de estabelecer fronteiras e lutar contra “inimigos”, o
que frequentemente resulta em um movimento polarizador e
separatista, que nega o diálogo, a democracia e estabelece um
pensamento único que visa direcionar as ações no espaço público.
(Cunha, 2020.p. 5)

Sendo assim, entendemos como fundamentalismo posturas de


autoritarismo, de intolerância, de preconceito, de recusa ao diálogo, de
negação da diversidade e dos direitos humanos. Nos últimos anos, discursos e
práticas fundamentalistas têm aumentado, sobretudo no continente europeu e
americano.

NA PRÁTICA

Produza um podcast sobre a modernidade líquida atualmente. Para dar


uma maior consistência aos seus argumentos, você pode assistir aos vídeos
indicados a seguir.
<https://www.youtube.com/watch?v=GTu_bycoEEw>
<https://www.youtube.com/watch?v=LoxeltkRspY>
Sobre como fazer um podcast, leia:
<https://gamarevista.uol.com.br/semana/qual-podcast-ouvir/como-fazer-
um-podcast-processos-e-dicas>/
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FINALIZANDO

Nesta unidade, vimos que a contemporaneidade apresenta algumas


transformações profundas. Somado ao final das utopias, tem-se um processo
de “liquefação” de uma boa parte das tradições e das estruturas sociais, o que
apresenta vantagens e problemas: se nunca fomos tão livres, nunca estivemos
tão perdidos. A vida nessa tensão nos é cotidiana e, por isso mesmo, ao
mesmo tempo em que temos, por alguns, a aceitação das diferenças, teremos,
por outro lado, a reação a isso, em uma busca de retorno à “tradição”, em que
cada um sabia qual era o seu lugar. Como resolveremos essa “tensão” é o
desafio que temos que enfrentar com urgência.

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