Linguagem e Silêncio
Linguagem e Silêncio
Linguagem e Silêncio
OS MOVIMENTOS DO SILÊNCIO:
UNESP
MARCO ANTONIO VILLARTA-NEDER
ARARAQUARA
2002
2
DEDICATÓRIA
À Neusa, muito mais do que esposa, minha iniciadora nos espelhos de Borges, e que
se faz presente como Outro que me dá a identidade necessária para viver intensamente.
3
Agradecimentos
apoio.
solidariedade.
trabalho.
4
René Magritte - “Reprodução Proibida
(Retrato de Edward James)”, 1973
5
RESUMO
Esta tese empreende uma reflexão sobre o silêncio em relação à produção dos
sentidos, tendo como corpus textos literários de Jorge Luís Borges, voltados para a
não dizer, e (2) excesso, que compreende a sobreposição que a palavra instaura
palavra e a relação dialética entre eles, tendo como objetivos: (a) Identificar e discutir
a existência de indícios (internos e/ou externos ao texto) que remetam o leitor para o
mostrada.
6
ABSTRACT
the senses, using as corpus literary texts of Jorge Luís Borges, related to the thematic
of the mirror, metaphor used in this work to represent the silent path of the movement
of the meanings.
The silence is assumed here in two categories: (1) absence, that represents the
non-saying, and (2) excess, which represents the superposition that the word
relationships with the silence, more than a deletion of the voices of the discourse, is a
word and the dialectic relationship among them. The work’s objectives are the
following: (a) to identify and to discuss the existence of indications (internal and/or
external to the text) that send the reader for the silence; (b) to discuss relationships
the universe of selected texts of the borgean production, to point out some specificities
They were still discussed the relationships among silence, authorship and the
author's and the reader’s functions, aspects directly linked to the conceptions and to
the aesthetic of the borgean work. Related to this last one, they were characterised as
7
ÍNDICE
RESUMO_____________________________________________________v
RESUMO ...................................................................................... 6
ABSTRACT ....................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO ............................................................................. 10
CAPÍTULO 1 ............................................................................... 19
8
4.2.2 – El espejo ...................................................................................................................................... 175
4.2.3 – Animais dos Espelhos .................................................................................................................. 191
4.2.4 – El espejo de los enigmas .............................................................................................................. 212
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................... 232
9
INTRODUÇÃO
Guimarães Rosa – O
Espelho
1
0
que diz. Em vez disso, sua tarefa é também constituir -se através do
de produção do silêncio .
pode ser caracterizado (1) como ausência e, como tal, torna -se difícil
1 Usa-se aqui a palavra “indício” porque permite, neste momento inicial da discussão, abranger tanto
estratégias marcadas textualmente, quanto situações não marcadas no texto, mas que contextualmente possam
remeter o sujeito a outras enunciações.
1
1
a) uma suspeita de que a interlocução via escrita apresenta
texto escrito;
1
2
Inscrita dentro de uma trajetória de reflexão sob o prisma da
silêncio.
aparentemente seguro.
silêncio.
1
3
Para que tal atividade seja possível, pretende -se em relação à
2 Umberto Eco em seu texto A poética da Obra aberta, em A Obra Aberta, ao discutir a possível
filiação desse tipo de concepção estética a uma epistemologia característica de um momento histórico
determinado, menciona, em forma de pergunta retórica, a noção, utilizada pela Física, de complementaridade,
que ilustra um pouco essa questão da alteridade epistemológica:
“Seria casual o fato de tais poéticas serem contemporâneas ao princípio físico da
complementaridade, segundo o qual não é possível indicar simultaneamente diversos comportamentos de uma
partícula elementar, e para descrever estes comportamentos diversos valem diversos modelos, que ‘são
portanto justos quando utilizados no lugar apropriado, mas se contradizem entre si e se chamam, por isso,
reciprocamente complementares ?” (p. 57)
3 Podemos exemplificar melhor essa afirmação com uma citação de Pêcheux & Fuchs (1975: 163-
164):
“(...) começaremos por apresentar, numa primeira parte, o quadro epistemológico geral deste
empreendimento.
1. o materialismo histórico, como teoria das formações sociais e de suas transformações,
compreendida aí a teoria das ideologias;
2. a lingüística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação ao
mesmo tempo;
3. a teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos processos semânticos.
Convém explicitar ainda que estas três regiões são, de certo modo, atravessadas e articuladas por
uma teoria da subjetividade (de natureza psicanalítica).”
1
4
enquanto fenômeno. Propor -se a analisar o silêncio é deter-se sobre
a intersubjetividade.
inicialmente como formulado por Pêcheu x & Fuchs (1990: 166 -167):
1
5
Assim, pode-se entender que a própria AD, nos movimentos de
que envia para o excesso o que lhe é exterior, exterior esse que
palavra.
1
6
conhecido por seus jogos: Jorge Luís Borges . Um desses jogos é
6 Se considerarmos o sujeito epistemológico, essa seria uma extensão no domínio do saber científico,
do esquecimento número 1, proposto por Pêcheux & Fuchs, 1975.
1
7
Quanto à organização formal, tal trabalho pretende estruturar -
relevantes.
1
8
CAPÍTULO 1
1
9
se necessário que esta tese assuma, como acarretamento 7 da
senso comum ,o que não existe ainda, o que não se tornou palavra,
linguagem:
2
0
transforma-se em sentidos virtuais, o que estabelece polissemia 9.
9 O que está sendo discutido aqui é a relação entre o silêncio e a palavra. A interpretação tende a
buscar no silêncio uma tradução de um conjunto de palavras. Enquanto o dizer não se realiza, tal atividade
interpretativa concebe uma virtualidade de sentidos (está-se querendo dizer “a” ou “b” ou outra coisa). Por
essa polissemia entende-se, nesta tese, essa virtualidade que abarca as possibilidades conhecidas de sentido,
mas que também abre oportunidade de se pensarem possibilidades ainda não criadas.
10 Ao utilizarmos o termo significante do silêncio, estamos concebendo um materialidade para ele.
Dentro da AD, Orlandi (1992) emprega-o quando diz que “(...) o silêncio é fundante. Quer dizer, o silêncio é a
matéria significante por excelência, um continuum significante.” (Orlandi, 1992: 31). Tal postura inscreve-se
numa tradição filosófica, a fenomenologia de Merleau-Ponty:
(...) se expulsarmos do espírito a idéia de um texto original, do qual a
linguagem seria a tradução ou a versão cifrada, veremos que a idéia de uma
expressão completa é um contra-senso, que toda linguagem é indireta e alusiva e,
se quisermos, silêncio. (MERLEAU-PONTY, 1989:92)
Em termos mais lingüísticos, podemos identificar como exemplo de significante so silêncio o caso do
morfema zero como marca de singular em português, como é observado na nota n. 13, à página 15.
11 Uma consideração importante a ser feita é que tal categoria tem implicações decisivas: ao dizermos
que tudo pode significar muitas coisas, ao mesmo tempo e inversamente estamos também dizendo que tudo
pode significar coisa alguma. Essa observação é importante, pois do ponto de vista da psicanálise, assume-se
o vazio de significação. Neste trabalho, um pouco diferentemente, não se nega a existência do vazio (alguém
pode considerar que algo não significa nada), mas pondera-se que mesmo este vazio, por intermédio do
desejo, significa através da relação que ocupa com o não-vazio nas relações discursivas. Postula-se, ainda,
uma materialidade simbólica e imaginária, social e histórica (entre outras) desse vazio.
2
1
da interação. Assim, o vazio significa não porque exista
não entenda nada. A questão que nos interes sa é que essa ausência
silêncio 12.
12 Não cabe pensar essa relação dinâmica em termos de anterioridade. Enquanto fenômeno, há um
interdependência: o silêncio não significa sem a palavra, nem a palavra sem o silêncio.
2
2
quer deste, quer da palavra sem uma relação fundamental de
reciprocidade.
2
3
atitude ocorre diante da produção do silêncio pelo excesso do dizer,
2
4
caráter único, inefável de cada situação enunciativa. O que ocorre,
imaginário social.
o silêncio.
uma cidade inteira numa b atalha, admite ter perdido apenas uma
15 Poderíamos citar os enfoques que supervalorizam a forma. Atualmente as teorias que atuam no
âmbito da Sintaxe Gerativo-Transformacional tendem a trabalhar quase que exclusivamente com enunciados
reduzidos ao limite da frase.
2
5
supuser que o locutor 16 respeitou a lei da exaustividade, acreditará na
interlocutor.
2
6
ser relatada. Se tal uso discurs ivo for pensado em uma situação
mais poderoso.
próprio fato das vozes que constituem o discurso não serem sempre
da heterogeneidade.
conflitos do que não se sabe, do que não se vê. Claro que esses
2
7
conflitos só se tornam possíveis através do contato polêmico com o
visível.
que coincide com o espaço do não -dito, por não ser conhecido, por
acima.
2
8
sentido apontaria (2) um silêncio (não-dizer) sobre esses sentidos
pelo texto), existem os dois tipos bási cos de silêncio. Um como uma
2
9
O segundo nível de apagamento (que está diretamente
um dizer através das palavras se deixa (ou não) substit uir por um
face 17. Não é a opção deste trabalho, uma vez que tal complexidade
3
0
tentativa de discussão de um gênero discursivo que apresenta, do
do doutorado.
desejo estabelece com seu objeto uma relação de desajuste, seja por
concepções, entende -se que essa falha atribu ída à literatura deve ser
3
1
pensada como uma dupla falha: em primeiro lugar, como qualquer
paradoxal e/ou uma recusa entre tomar partido pelo real ou pela
Cabe ainda uma última distin ção. Até esse momento, não houve
3
2
palavra, mas porque a expectativa do real não corresponderá nunca a
ele.
do silêncio.
19 Entendido aqui como manifestação concreta do discurso, enquanto materialidade lingüística, dentro
da enunciação.
3
3
Isso exige que se trabalhe não só com textos isoladamente,
mas com a relação entre eles; e não somente com um dado discurso ,
mas com as relações que este último estabelece e mantém com suas
3
4
dessa discussão. Depois de detalhadas, cabe um retorno a
3
5
1.2 – Outros olhares sobre o silêncio
breve resenha dos trabalhos que alguns autores têm feito para
classificação:
3
6
Considero pelo menos duas grandes divisões nas
formas do silêncio : a) o silêncio fundador e b) a
política do silêncio . O fundador é aquele que torna
toda significação possível, e a política do silêncio
dispõe as cisões entre o dizer e o não -dizer. A
política do silêncio distingue por sua ve z duas
subdivisões: a) constitutivo (todo dizer cala algum
sentido necessariamente) e b) local (a censura).
(Orlandi, 1992:105)
místico.
sujeito.
20 Outro autor, Dantas (1997) - que também se utiliza bastante das categorizações de Orlandi - faz
também uma coletânea de obras que tratam do silêncio. Quanto a tipologias sobre o silêncio, há uma
estabelecida por Le Breton (1997) e especialmente Rosalba-Torrelló (1996) que classifica o silêncio em: a)
epidérmico, b) interior, c) obstinado, d) da plenitude, e) ético, f) estético, g) imposto, h) massivo, i)
compassivo, j) cruel, k) criativo, l) místico, m) ascético, n) litúrgico, o) do recém-nascido, p) dos mortos. Tais
tipologias, no entanto, por seu caráter estritamente antropológico, não serão abordados nesta tese.
3
7
As posições epistemológicas de Orla ndi e Authier-Revuz são
censura.
borgeanos.
3
8
1.3 – O espelho como metáfora
necessário que esse espaço a ser percorrido pela luz esteja livre de
de deslocamento.
21 O que equivaleria discutir se essa condição física do olhar determina o olhar semiótico.
22 O texto escrito representa a soma de indícios desse deslocamento por esse espaço intermediário,
espaço que se torna silêncio.
3
9
abstrai desse espaço intermediário, mas que não o desconsidera na
remissão ao silêncio ).
entre Eu e Outro.
4
0
alusão a elas brevemente, colocando -as como pressupostos e
utilização que a AD faz de sua obra 24. Em linhas gerais, coloca como
229-230):
24 Na verdade, esta utilização dá-se preferencialmente via Authier-Revuz. O interesse mais direto por
parte de alguns autores da AD por Bakhtin é mais recente.
4
1
Assim, considerar que o discurso do Outro está presente no do
autora, o discurso não opera sobre a realidade das coisas, mas sobre
4
2
A heterogeneidade pode ser constitutiva ou mostrada. A
primeira é aquela que não se mostra no fio do discurso ;
a segunda é a inscrição do outro na cadeia discursiva,
alterando sua aparente unicidade. Naquela, o discurso
não revela a alteridade na sua manifestação; nesta a
alteridade exibe -se ao longo do processo discursivo. A
heterogeneidade mostrada pode ser marcada, quando
se circunscreve explicitamente, por meio de marcas
lingüísticas, a presença do outro (por exemplo, discurso
direto, discurso indireto, negação, aspas, metadiscurso
do enunciador), e não marcada, quando o outro está
inscrito no discurso , mas sua presença não é
explicitamente demarcada (por exemplo, discurso
indireto livre, imitação). (idem, ibidem)
4
3
O conceito de interdiscurso , já citado anteriormente, torna -se
mencionadas por Cou rtine & Marandin instauram o(s) silêncio (s) (por
4
4
1.5 – O espelho de Lacan
4
5
Depara-se aqui, portanto, com um silêncio sobre o silêncio ,
na imagem que dele (Eu) tem o Outro, silencia -se como efeito e
alteridade.
desejo. Assim, haveria uma primeira razão para afirmar que o silêncio
uma agressão).
Outro não se restringe a uma dicotomia, uma vez que esse Outro se
4
6
esse impulso, fruto da incompletude que necessita do Outro par a
tipos:
percepção do Outro.
4
7
humanos que o cercam. Tratam -se de necessidades biológicas,
sede e a fome são saciadas pelo seio materno, depara -se ainda com
aquilo que não seja o Eu. Quanto mais forte for a percepção, por
origem humana.
4
8
primordial (o de Narciso ): na face-espelho da água, superfície do
individuação.
25 Nas culturas ditas ocidentais, há uma tradição de apagamento do terceiro elemento, levando a um
binarismo. Não cabe a este trabalho discutir se há no horizonte visual da criança elementos que reforcem essa
percepção ou se ela é de outra natureza.
4
9
Se for aceita essa linha de análise, chegará a se acredit ar que
Eu é interno.
apreensão.
5
0
Essa apreensão remete a um terceiro elemento, que é a
5
1
1.6 – Diversidades de silêncios no movimento dos sentidos
que um código estabelece com outro, até onde o silêncio de/em uma
sobreposições e de silêncios.
5
2
A escrita literária do tipo que se está analisando ne sta tese
não existirá nenhuma situação em que cesse o ato inte rpretativo, por
5
3
nossas representações de autoria nos remetem a essa leitura. Se
dialógico.
5
4
imperativo silenciar a fala do outro presente na fala do Eu, sob a
29 A metáfora de concerto barroco, aqui, remete à sua estrutura, composta pela superposição de várias
melodias.
5
5
O primeiro refere -se ao fato de que cada FS recorta da
de Bakhtin(1988):
representação sígnica.
5
6
sendo, necessita dos apagamentos de sua gênese enquanto processo
anteriormente).
5
7
valor de seu corpo social. Na impo ssibilidade de apropriar -se
30 *
De alguma forma, essa ausência dos objetos, embora destituída do caráter ideológico já foi
antevista por Aristóteles, quanto este filósofo diz que o símbolo está para algo que não está presente.
31 Pode-se considerar que tal esquecimento esteja na base do esquecimento n.º 1, apontado por
Pêcheux & Fuchs (1975)
5
8
espelho para a reflexão (com os vários sentidos que essa palavra
também não diz e que silencia o outro, para, talvez, mantê -lo intacto
na imanência do Eu.
5
9
Brandão (1997: 287), no artigo Escrita, Leitura, Dialogicidade
Nesse sentido:
32 O texto de Eco comentado por Brandão é do Lector in Fabula. Em obras posteriores, o semioticista
italiano aprofunda algumas de suas posições teóricas, principalmente no que se refere aos limites da
interpretação. Esses contrapontos serão aprofundados no Capítulo 2.
6
0
seu reverso, para a intermediação dos silêncios como brechas
Cabe, por fim, fazer uma opção. Este trabalho privilegiará como
pela alteridade, concebe -se aqui que o silêncio constitui -se como
6
1
CAPÍTULO 2
6
2
proposta poética, feita por Emir Rodriguez Monegal , um dos maiores
borgeano.
internacional.
33 Observe-se que há inclusão de perspectivas às vezes contempladas por Monegal, às vezes não. No
caso de Blanchot e Genette, há essa coincidência. Há acréscimo de autores como Barnatán, Campos e a
própria obra crítica de Borges.
6
3
Blanchot procura demonstrar que "qualquer espaço limitad o pode
1980: 20)
Borges:
6
4
tem uma conseqüência inevitável: ofusca o olhar, através dos
fica, no interior deste jogo, abalado: como acreditar num sujeito que
6
5
Para Blanchot, “toda escritura é uma tradução”, embora ele
uma obra numa dupla lin guagem, percebe-se que a questão não é tão
que acredita. De uma outra perspectiva, não seria uma única obra,
6
6
Numa tradução, temos a mesma obra numa dupla
linguagem; na ficção de Borges, temos duas obras na
identidade da mesma linguagem e, nessa identidade que não
é una, o fascinante espelho da duplicidade dos possíveis.
Ora, onde há um duplo perfeito, o original é apagado, até
mesmo a origem. Assim, o mundo, se pudesse ser
exatamente traduzido e reduplicado num livro, perderia todo
começo, e todo fim tornar-se-ia esse volume esférico, finito e
sem limites, que todos os homens escrevem e no qual eles
são escritos: já não seria isto o mundo, seria, será o mundo
pervertido na soma infinita de seus possíveis. (Esta
perversão é provavelmente o prodigioso, o abominável
aleph) (p. 23 – Blanchot, p. 118-9)
34 O raciocínio aqui sustenta-se na óptica e não na lógica formal. Logicamente ~(~p) = p , o que daria
a ilusão de que a inversão recuperaria o “sujeito original”. Do ponto de vista óptico, no entanto, sempre há
algum grau de deformação no processo de reflexão/refração.
6
7
Como se espera que fique ainda mais claro no decorrer desta
6
8
numa linguagem imóvel e petrificada. Mesmo que seja numa
tradução 35.
dos séculos.”
todas as obras escritas por esse único autor . Genette aponta uma
35 Em Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, Jorge Luís Borges, ao descrever a filosofia e literatura de Tlön diz
que “Un libro que no encierra su contralibro es considerado incompleto. A crítica de Blanchot em essa
virtude. Monegal frisa essa característica: “O paradoxo radical da análise de Blanchot é que a literatura não é
um mero engano, mas sim ‘o perigoso poder de ir ao que é, pela infinita multiplicidade do imaginário’. No
imaginário reside o infinito.” (p. 24)
36 Sinto que durante toda a minha vida tenho estado escrevendo esse único livro. (p. 66)
6
9
vista da recepção da obra de Jorge Luís Borges, no entanto, o texto
del Quijote.
concepção de que
7
0
Cuando se acerca el fin, ya no quedan imágenes
del recuerdo; sólo quedan palabras. No es extraño
que el tiempo haya confundido las que alguna ve z
me representaron com las que fueron símbolos de
la suerte de quien me acompañó tantos siglos. Yo
he sido Homero; en breve, seré Nadie, como Ulises;
en breve, seré todos: estaré muerto. (1989: 543 -
544)
37 Outro texto de Borges que toca nesta questão do fato estético é o epílogo de La muralla y los libros:
“La musica, los estados de felicidad, la mitología, las caras trabajadas por el tiempo, ciertos crepúsculos y
ciertos lugares, quieren decirnos algo, o algo dijeron que ho hubiéramos debido perder, o están por decir algo;
esta inminencia de una revelación, que no se produce, es, quizá, el hecho estético. (1989: 635)
7
1
A idéia de um livro sagrado, do Corão ou da Bíblia,
ou dos Vedas – onde também se diz que os Vedas
criam o mundo – , pode ser coisa do passado, mas
o livro conserva ainda uma certa santidade que
devemos esforçar -nos por não perder. Pegar num
livro e abri -lo mantém a possibilidade do
acontecimento estético. O que são as palavras
encostadas umas às outras num li vro ? O que são
esses símbolos mortos ? Absolutamente nada. O
que é um livro, se o não abrimos ? É simplesmente
um cubo de papel e de couro, com folhas; mas se o
lemos acontece uma coisa extraordinária; creio que
não é a mesma de cada ve z que o fa zemos. 38
(1979: 28-29)
1972: 27)
espécie.
38 Essa idéia de mutabilidade da leitura será levada às últimas conseqüências no conto El libro de
arena.
7
2
Borges desenvolverá esta idéia, apoiando -se em conceitos
feita por Ricardou foge aos objetivos deste trabalho e, portanto, não
será pormenorizada.
39 Este texto encontra-se numa coletânea editada por Borges e que não consta de suas Obras
Completas. A edição brasileira chama-se Livro dos sonhos. São Paulo: Difel, 1985.
7
3
Já Claude Ollier debruça-se sobre o conto Tema del traidor y
traidor dos seus colegas, mas que não pode ser denunciado pois isto
abordagem:
7
4
ao discurso ideológico e algum desvendamento do mecanismo da
40 É oportuno reproduzir a citação de Wahl, com que Monegal encerra a análise da crítica de
Macherey:
“En choisissant les structures de l’ideíologie contre celles de l’écriture, Macherey ne décale pas, il
réduit: exactement comme Qui prétendrait fonder la science des rêves non das l’organisation de l’inconscient
mais dans ce Qui s’y réprésente du corps.” (p. 40)
7
5
Foucault vai além de Blanchot e de Genette, uma vez que eles
que, por sua vez, paradoxalmente, instaura uma nova literatura; uma
écriture que se volta para si mesma para recriar, com suas próprias
41 A idéia de ressurgimento das cinzas, ligado ao encontro com o extraordinário pode ser percebida na
trama do conto La Rosa de Paracelso, do livro La memoria de Shakespeare.
7
6
uma perspectiva teórico -epistemológica que é a Análise do Discurso
de linha francesa.
em Bakhtin.
7
7
1) reconhecem-se, a partir da perspectiva discursiva exposta acima,
7
8
total ou parcialmente ao sujeito, ainda quando esteja atuante na
função-autor 42).
uma trajetória dessas relações num espaço de tempo, tem que ser
“semelhanças de família”.
7
9
de jogo A a um B não implica que seja a mesma com um C. Por
num elemento (C) como o jogo de paciência. Pode -se encontrar como
mesmo para o outro (e do outro para o mesmo, por que não dizer ?),
8
0
Sob essa perspectiva, a própria concepção de obra se
assumido aqui.
8
1
do crítico. É o que Monegal percebe em Octavio Paz, segundo o qual
8
2
notadamente de Berkeley. Estas concepções podem ser encontradas
Otras Inquisiciones .
8
3
encontra-se em vários textos, atribuídos ora a Schopenhauer, ora a
uma das igrejas de Tlön (do conto Tlön, Uqbar, Orbis Tertius ) ou sem
citação acima, fornece -nos uma chave valiosa para este viés.
8
4
Pode-se, de uma perspectiva da AD francesa, entender que
inglês.
assinatura induz.
8
5
Quijote, cita uma versão do próprio Borges para o conto (ele não cita
a fonte):
8
6
CAPÍTULO 3
8
7
ser concebido com uma função capaz de determinar, sozinho, o
sentido de um texto.
conceito com a leitura em si, fica difícil, todavia, afirmar -se que o
8
8
Já a leitura, por sua vez, pressupõe um fazer, uma realização
fácil de romper com e ssa alteridade. Não existe nem autor nem leitor
Reciprocamente.
8
9
pela negação/reinterpretação do que está indiciado na superfície
assumem, por exemplo, que a palavra “peixe” não pode ser entendida
45 Esse fenômeno pode ser melhor compreendido pela explicação da teoria do alegorismo, neste
capítulo e pela análise do texto El espejo de los enigmas (4º Capítulo).
9
0
Essas considerações são importantes porque a análise de
secundário.
participante.
9
1
francesa, mas também pela relação estreita que têm com pontos
“b”. Ele terá que ser calculado como uma incidência numa zona de
probabilidade 46.
46 Para se ter uma idéia das implicações provocadas pelo elétron na epistemologia da Física, veja-se
este trecho de Gleiser (MAIS! , Domingo, 14/12/97):
O elétron criou sérias dores de cabeça para os físicos do início do século 20. Em 1924, o físico
francês Louis de Broglie propôs que, tal como Einstein havia sugerido para o fóton (partículas de radiação
eletromagnética) em 1905, elétrons também exibem a chamada dualidade onda-partícula, isto é, exibem
propriedades físicas de ondas, como a difração, e também propriedades de partículas. Tudo depende do
preparo do experimento. Essa dualidade de comportamento sugere que na realidade o elétron não é partícula
nem onda. Mas nós apenas sabemos representá-lo através dessas duas imagens concretas. E já que o elétron
exibe esta ou aquela propriedade, de acordo com os detalhes do experimento, o próprio observador tem um
papel na definição da realidade física do elétron. Não podemos dizer que um determinado elétron existe antes
de ele ser observado.
9
2
potência da outra, num movimento de constituição de sentidos, tal
47 Essa epistemologia encontra justificativa, por parte de Eco numa relação entre o modelo de análise e
as condições históricas:
“Fixar portanto a atenção, como temos feito, sobre a relação fruitiva obra-consumidor, como se
configura nas poéticas da obra aberta, não significa reduzir nossa relação com a arte aos termos de um puro
jogo tecnicista, como muitos gostariam. É, pelo contrário, um modo entre muitos, aquele que nos é permitido
por nossa específica vocação para a pesquisa, de reunir e coordenar os elementos necessários a um discurso
sobre o momento histórico em que vivemos.” (p. 36)
9
3
Mais adiante, esta opção epistemológica ficará mais evidente,
quando Umberto Eco afirma que “(...) uma obra é ao mesmo tempo o
da função-leitor.
anagógico.
48 Vide capítulo 4, onde há um texto de Borges que discute este trecho de São Paulo.
49 Eco cita a “Epístola a Cangrande della Scala (XIII)”, de Dante Alighieri, onde há um verso sobre o
fuga dos hebreus do Egito, analisado por Dante sob o enfoque da teoria do alegorismo medieval.
9
4
conversão da alma, do pecado para a graça e, finalmente, no sentido
epistemológica.
do autor e do leitor, Eco sugere que a obra tem que ser pensada
50 Nas palavras de Dante: “(...) si ad anagogicum, significatur exitus animae sanctae ab huius
corruptionis servitute ad aeternae gloriae libertatem.” Dante, Alighieri. Epístola a Cangrande della Scala. In:
http://www.fh-augsburg.de/~harsch/augusta.html#it Tradução sob responsabilidade da edição brasileira de
“Obra aberta” (op. cit.).
9
5
movimento 51. Embora no âmbito do estruturalismo, Eco, em vários
Umberto Eco não concorda, achando esse último que para se fazer
uma análise estruturalista não é necessário optar por essa rigidez 52.
51 “(...) o âmbito do discurso é o período do qual nós próprios somos ao mesmo tempo juízes e
produto, o jogo das relações entre fenômenos culturais e contexto histórico torna-se muito mais intrincado.”
(p. 35)
52 Eco tem o cuidado, para não negar uma validade estrutural de sua análise, de conceituar forma,
dentro da perspectiva da obra aberta:
“Uma forma é uma obra realizada, ponto de chegada de uma produção e ponto de partida de uma
consumação que – articulando-se – volta a dar vida, sempre e de novo, à forma inicial, através de perspectivas
diversas.” (p. 28)
9
6
(...) uma obra de arte é um objeto produzido por um
autor que organiza uma seção de efeitos
comunicativos de modo que cada possível fruidor
possa recompreender (através do jogo de respostas
à configuração de efeitos sentida como estímulo
pela sensibilidade e pela inteligência) a
mencionada obra, a forma or iginária imaginada pelo
autor. (1976: 40)
também leitor. O leitor, por sua vez, por mais direcionado q ue seja
9
7
produzem sozinhos 53. Impossível, portanto, pensar -se o autor sem o
autor, para que continuar trabalhando com tal distinção. Será que ela
leitor, por sua vez, já terá imedia tamente à sua disposição , como
53 Embora Eco não esteja inserido no mesmo contexto epistemológico da AD francesa, faz uma
observação sobre estética que apresenta um aspecto convergente com este ponto da discussão: “Em estética
(...) a relação entre intérprete e obra foi sempre uma relação de alteridade.” (p. 33)
54 Não se nega aqui a materialidade dos significantes da memória e do silêncio. O que se está dizendo
é que tais significantes são constitutivamente silenciados para o leitor.
9
8
significantes, tal leitor construirá outros (de memória, de silêncio ) e
Aires: “Si las páginas de este libro consienten algún verso feliz,
9
9
Bradley dijo que uno de los efectos de la poesia
debe ser darnos la impresión, no de descubrir algo
nuevo, sino de recordar algo olvidado. Cuando
leemos um buen poema pensamos que también
nosotros hubiéramos podido escribirlo; que ese
poema preexistia en nosotros. (1989: 257)
autor subtraiu ao leitor algo que era deste último, a partir deste
diz o autor. Isso pode ser relacionado com o a afirmação de Eco que
26)
1
0
0
diz a respeito do barro co, mas que se poderia utilizar muito
55 Também pode ser relacionado com a já supracitada “pedagogia do mistério” subjacente à alegoria,
tal como analisa Olivier Reboul.
1
0
1
Antecipa-se aqui uma análise sob a perspectiva de Lacan que
destaca:
cooperação interpretativa.
56 Relacionar o que se diz nessa citação com a nota n.º 2, quando se coloca o conceito de
complementaridade em Física.
1
0
2
Logo na introdução, Eco historia sua trajetória de estudo do
para a construção dos sentidos. Será visto mais adiante que tal
perversas daquele.
1
0
3
A análise privilegiará o capítulo “Leitor Modelo.” Neste ensaio,
estratégia, por parte do autor . Para que isso ocorra, do ponto de vista
considerações:
1
0
4
Baseado em posições como essa, e criticando o que ele
superfície do texto.
57 Em Obra Aberta, Eco faz um comentário sobre a arte que é da mesma natureza do que diz aqui:
“Se a arte reflete a realidade, é fato que reflete com muita antecipação. E não há antecipação – ou
vaticínio – que não contribua de algum modo a provocar o que anuncia." (p. 18)
1
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superpoderoso e uma leitura fechada ou um leitor onipotente e um
autor impotente:
fronteiras. Note -se, entretanto, que ao p ropor que possa existir uma
1
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6
O que interessa mais diretamente discutir, neste momento, é
representante:
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7
Kafka (ele cita O Processo). O pensador italiano argumenta que nada
evocados para explicar a não reciprocidade de usos anali sada aqui 58.
1
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8
A primeira parte deste trecho indica um tipo de reflexão que
leitor e leitor-autor).
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3.1.3 – Interpretação e Superinterpretação
demarcados.
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como foi-se deslocando para a crítica filosófica, notadamente
estética.
aristotélica e racionalista.
1
1
1
Ao escolher proporcionar um panorama histórico do hermetismo,
grau de suspeita neces sário para que se proceda a uma leitura mais
anterior. Uma leitura mais abrangente e atenta nega isso (a não ser
1
1
2
que se conceba, é claro, que se pode interpretar a obra dele como
se queira).
“criativas”.
1
1
3
mais atento para a discussão que Eco empreende é igualar sentidos
conferências de Eco .
obra não diz, pode -se dizer, talvez seja um dos aspectos analíticos
deste trabalho.
1
1
4
medida em que se busque sempre o sentido oculto, atrás de um o utro
ou ausência dela.
1
1
5
políticas, sociais, ideológicas que vive, juntamente com outros
sujeitos.
próprio texto.
Borges. No texto Pierre Menard, autor del Quijote , Jorge Luís Borges
inconsistências na leitura.
1
1
6
É óbvio que não poderia ser diferente. As razões para isso é
W ayne Booth) Borges . Neste aspecto cabe analisar uma das funções
propor que um texto seja lido como sendo de outra época e outro
1
1
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produz outra obra, diferente da de Cervantes, e que passa a ter um
borgeano, pois ela não leva em consideração que, tal como no s jogos
forma (jamais seria aceito que o texto fosse dele) porque, exatamente
1
1
8
como quando o Quijote foi escrito. Isso ocorre porque nos
um autor que lhe diga e lhe mostre isso, enquanto jogo, e que, diante
1
1
9
reconhecida como assinatura válida é uma mentira, quem é realme nte
ela seja válida. Não é um exercício fácil ou agradável como Eco diz
duplamente pelo fato de saber que enganará seu leitor e que ele
1
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0
O fato de Eco não aplicar a Borges a própria distinção já
segredo escondido atrás do úl timo véu, para Borges, atrás deste não
existe nada.
1
2
1
não pode, como qualquer outro, controlar sua obra. Mas já que o
tal impotência.
partir da leitura do Evangelho de São Lucas (Note -se que Borges faz
embaraçoso seria justificar tal leitura como apropriada. Veja -se que a
59 O próprio Eco reconhece isso ao fazer uma ponderação sobre seu conceito de intentio operis:
“Assim é possível falar da intenção do texto apenas em decorrência de uma leitura por parte do
leitor. A iniciativa do leitor consiste basicamente em fazer uma conjetura sobre a intenção do texto.”(p. 75)
60 Uma leitura extrema de temas religiosos pode ser vista também no filme A Carne, do diretor italiano
Marco Belocchio.
1
2
2
discussão é sobre o conceito de “interpretação”, desenvo lvido pelo
sobre autoria e função do leitor foram tratadas pelo viés de uma outra
1
2
3
Essa situação contrastava com a prática exercida desde a Idade
ume escopo religioso -idealista onde o autor supremo era Deus 61.
1
2
4
nesse contexto, os direitos do autor passaram a se constituir como
segundo Foucault :
1
2
5
Por outro lado, a iniciação de uma prática
discursiva é hetero gênea com respeito a suas
transformações ulteriores. Ampliar a prática
psicanalítica, tal como fora iniciada por Freud , não
é conjeturar uma generalidade formal não posta de
manifesto em seu começo; é explorar um número
de ampliações possívei s. Limitá -la é isolar nos
textos originais um pequeno grupo de proposições
ou afirmações às quais se lhes reconhece um valor
inaugural e que revelam a outros conceitos ou
teorias freudianas como derivados. Finalmente, não
há afirmações ‘falsas’ na obra des tes iniciadores;
aquelas afirmações consideradas não essenciais ou
‘prehistóricas’, por estarem associadas com outro
discurso, são simplesmente ignoradas em favor dos
aspectos mais pertinentes de sua obra. (ibidem)
1
2
6
se entender que visualiza aspectos constitutivos nessas omissões,
vai além:
1
2
7
Aqui se observa uma análise que pode equivaler à categoria de
signo é dialógico).
1
2
8
“A ‘função-autor’ é, assim, característica do modo
de existência, de circulação e de funcionamento
dos discursos no interior de uma sociedade, e, por
esse motivo, a reflexão sobre a autoria não pode
estar desvinculada, do nosso pon to de vista, da
discussão sobre os regimes de apropriação dos
textos e da construção da memória coletiva de uma
sociedade.”
circulam.
1
2
9
gêneros e de co mo eles acionam (ou deixam de acionar) os elos
discurso 63.
1
3
0
Esta série de não -coincidências mostra esse aspecto de
abordagem semelhante:
1
3
1
“A atribuição de uma assinatura de auto ria a um
texto constitui a escrita como expressão de uma
individualidade que fundamenta a autenticidade da
obra, atribuindo ao autor a idéia de invenção
individual e criação original.”
pensando-se na escrita.
1
3
2
mencionado, o silêncio pode ser entendido como um procedimento de
um sujeito não se constitui como tal somente pelo que diz, mas
não.
algumas considerações.
1
3
3
“Essa representação do sujeito, ou melhor, essa
sua função, tem seu pólo correspondente que é o
leitor. De tal modo isso é assim que cobra -se do
leitor um modo de leitura especificado pois ele
está, como o autor, afetado pela sua inserção no
social e na história. O leitor tem sua identidade
configurada enquanto tal pelo lugar s ocial em que
se define ‘sua’ leitura, pela qual, aliás, ele é
considerado responsável. Isso varia segundo a
forma histórica, tal como a autoria: não se é autor
(ou leitor) do mesmo modo que na Idade Média e
hoje. Entre outras coisas, porque a relação com a
interpretação é diferente nas diferentes épocas,
assim como também é diferente o modo de
constituição do sujeito nos modos como ele se
individualiza (se identifica) na relação com as
diferentes instituições, em diferentes formações
sociais, tomadas na hi stória.”
materialidades.
1
3
4
Gráfico 3
1
3
5
entre as narrativas orais e o olhar de leitor introjetado na funç ão do
autor.
por excesso.
exatamente o que diz não fazer, comportando -se como esse princípio
1
3
6
que estabelece completude e unidade ao discurso. Cumpre, com a
que está preso numa armadi lha, tomar sentidos anteriores como se
seus sentidos (dele, leitor) pelo apagamento dos já-ditos pela função -
Aires, ter roubado idéias e/ou impressões do leitor, rouba -lhe também
acreditar serem seus sentidos que ele (leitor) não acha no texto.
1
3
7
introjetando o olhar de um leitor qualquer. Essa especificidade do
Por outro lado, nem todo leitor pode ser autor. Será
participante, na dependência de uma série de
fatores: a relação que se estabelece entre o
cabedal de suas leituras e aquela do momento. Se
a intertextualidade, consciente ou não, na obra, é
um fato, só se torna evidência na leitura capacitada
a explicitá -la. Por isso, o título de participante, que
Borges outorga aos leitores de sua obra, não
poderá receber aval, senão mediante o
conhecimento de uma fração significativa dela, pelo
menos da que se relaciona ao assunto sob enfoque.
(...)
1
3
8
Possenti (1990:110), ao discutir as condições de legibilidade
1
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9
3.3 – Autoria e Estética do leitor em Borges
representativos:
1
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0
Embora para Borges a cronologia seja recusada em sua
estas palavras:
A QUIEN LEYERE
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4
1
Borges, ao discutir a preocupação excessiva que os autores têm com
como uma pobreza pelo leitor . O fundamental aqui é que esta visão
como tão inábil quanto o que deveria ser dito e não se diz. Dois
1
4
2
O texto seguinte é o prólogo da primeira edição de História
1
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3
sentidos (como se verá no texto “ O livro ”), identificar-se com esse
relevante. Para Borges , aliás, não poderia ser diferente. Tentar uma
ciclo de elos que forma a grande biblioteca que é para ele o universo,
Quijote. Todo o conto é uma proposta neste sentido, mas seu final
1
4
4
Monegal vai analisar o conto borgeano, no sentido de que é um
única obra, ditada pelo Espírito, seu único autor. No vamente está
1
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5
somente o leitor poderá dignificar e sacralizar a obra, materializá -la
enquanto texto.
essa relação autor-leitor e mesmo essa poética tem que ser vista
que um bom leitor (um cisne raro, talvez mais raro do que bons
1
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6
Em História Universal da Infâmia eu não queria
repetir o que Marcel Schwob fizera em suas Vidas
Imaginárias, inven tando biografias de homens reais
sobre os quais há escassa ou nenhuma informação.
Eu, ao contrário, li sobre a vida de pessoas
conhecidas e modifiquei e deformei tudo
deliberadamente, a meu bel -pra zer. Por exemplo,
depois de ler The Gangs of New York , de Herbert
Asbury, escrevi minha versão livre de Monk
Eastman, o pistoleiro judeu, em flagrante
contradição com a autoridade por mim escolhida.
Fiz o mesmo com Billy the Kid, com John Murrel
(que rebatizei de Lazarus Morell), com o Profeta
Velado do Kurassen, com o demandante Tichborne
e com vários outros. (...) (2000: 101 -102)
1
4
7
maliciosamente atrás de uma névoa de i ntertextos que estonteia e
no qual aparece pela primeira vez a frase que ficou mais conhecida
totalmente inventado.
quanto leitor. Mas que é habilmente urdido por um autor com falsa
64 Em Historia Universal de la Infamia, a frase, dita pelo profeta velado Hákim, é a seguinte:
“La tierra que habitamos es un error, una incompetente parodia. Los espejos y la paternidad son
abominables, porque la multiplican y afirman.” Também aparece modificada em Los espejos (El hacedor).
1
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8
Existem na obra borgeana aspectos, ora mais presentes, ora
Infâmia, Borges faz as suas infâmias verbais, talvez para que o lei tor
seus próprios limites (tais quais os do autor) sem que, para isso, ele
1
4
9
Pode-se vislumbrar algo nesse sentido no texto Nota sobre
65 Essas relações mais complexas e dinâmicas podem ser apreciadas igualmente em La biblioteca de
Babel, de Borges e no romance experimental de Osman Lins, Avalovara.
1
5
0
Nesse contexto de sacralização do livro (cf. O Livro, em Borges
leitor, ele (nem ninguém) poderia ter sido autor. Borges sabe que
novamente o interdiscurso.
muda sempre para cumprir sempre seu ciclo, Borges enxerga esse
moldes de continuar uma obra que o avô e/ou o pai, mais direta e
66 Cf. a afirmação de Borges: “A identidade pessoal é a memória.” (O pensamento vivo de Jorge Luís
Borges)
1
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1
maneira ampla, a perplexidade e o fascínio, sem os quais a literatura,
1
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2
Esse rigor da causalidade mágica, instaurador do fantástico, é
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3
Dessa perspectiva borgeana, autor e leitor são co-participantes
personifica no Espírito. 68
67 A poesia. In: Sete noites. São Paulo/SP: Ed. Max Limonad, 1987, p. 122.
68 Essa concepção insere-se na concepção metafísica expressa pela obra de Borges, também esta de
caráter profundamente inter-relacional: somos todos sonhados por outros, sonhos dentro de sonhos, jogos de
espelhos, labirintos sem portas nem trancas, enfim, uma eterna “inminencia de una revelación, que no se
produce, [y que] es, quizá, el hecho estético (La muralla de los libros. In: Otras inquisiciones, op. cit.).
1
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os leitores serão outros. Na introdução da tradução brasilei ra de
1
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Heráclito disse (demasiadas ve zes o tenho
repetido) que ninguém se banha duas ve zes nas
mesmas águas de um rio. Ninguém se banha duas
ve zes no mesmo rio porque as águas mudam, mas
o que mais terrível é que nós não somos menos
fluidos do que o rio. De cada ve z que lemos um
livro, o livro não é o mesmo, a conotação das
palavras é outra. (...)
(...) Hamlet não é exactamente o Hamlet que
Shakespeare concebeu no princípio do século XVII;
Hamlet é o Hamlet de Coleridge, de Goethe, e de
Bradley. Hamlet foi ressuscitado. (...) Os leitores
foram enriquecendo o livro.
Se lemos um livro antigo, é como se lêssemos todo
o tempo que transcorreu até nós desde o dia em
que ele foi escrito. (1979:29)
Não que o texto não esteja lá. Borges não nega jamais a escritura.
1
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ilusória. Pode ser um labirinto abstrato, um jogo de espelhos, mas
que não deixa de ser uma imensa rede de textos. A descoberta que o
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Existe uma contradição aparente: se nenhum texto, mesmo
mencionada aqui por ele ? A primeira chave para essa pergunta pode
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estática. Borges, ao propor um estética d a leitura, na verdade propõe
contínuo, se processará.
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CAPÍTULO 4
NO SILÊNCIO DO ESPELHO
4.1 – C o r p u s
na discussão em andamento.
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Oral, Jorge Luis Borges – Um ensaio autobiográfico e O Livro dos
original de publicação:
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1
As opções epistêmico -metodológicas já foram detalhadas nos
Los daguerreotipos
mienten su falsa cercanía
de tiempo detenido en un espejo
y ante nuestro examen se pierden
como fechas inútiles
de borrosos aniversarios
1
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2
Aqui o enunciador alude à questão da representação
filosófica 69.
ponto de vista, como “dizer algo oposto à verdade”. Tomando -se por
69 Não é intenção deste trabalho enumerar esses representantes. De um modo geral, há uma tendência a
se identificarem as perspectivas idealistas com a tradição platoniana.
1
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3
conclusão válida, sem contrariar a coerência interna do sistema. O
depois ser cotejada com a realidade – mesmo que como exercí cio
verdadeiro ou falso ?
70 Greimas (1977:184)
1
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4
VERDADEIRO
SER PARECER
R
SEGREDO MENTIRA
Não-parecer NÃO-SER
FALSO
Gráfico 4
negativo.
1
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Enquanto processo, não passa de um jogo de espelhos, pois, na
enunciador) não com a realidade em si, mas com algo muito mais
detém em um espelho ”.
insinua uma afirmação. Mentir a falsa proximidade pode ser lido como
1
6
6
em si, refletida e reduplicada na fotografia ou no espelho ; é o tempo.
superfície do espe lho para ser outro reflexo que atingirá o olho. O
que diz. E o que não é (tudo aquilo que a representação não é) deixa
1
6
7
de parecer (não parece ser) representação no jogo da simulação, na
veridicção.
enquanto excesso .
do interdiscurso.
nesse jogo de cabra -cega que o sujeito interpela seu outro como um
reflexo desdobrado, como imagem que parece ser a sua. Imagem que
1
6
8
muda a cada enunciação, mas cuja incessante mutabilidade oculta -se
percepção do olhar.
1
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ambigüidade ocorre com a palavra “examen”. Ela pode ser entendida
realidade.
71 Prefere-se, aqui, “eixo” a “centro”. Desse ponto de vista, a ilusão necessária do sujeito, discutida por
Pêcheux, poderia ser vista não necessariamente como um centramento do mesmo, no sentido de achar-se
“centro” e “origem” do dizer, mas como um eixo organizador, no sentido de que os dizeres deveriam passar
por seu olhar (do sujeito). Acreditamos que epistemologicamente tal diferença constitua-se como modelo
mais adequado para interpretar contextos nos quais o sujeito declara algum grau de consciência do processo
de interpelação ideológica. Ou seja: mesmo assumindo-se como não-fonte e não-origem do dizer, ele se
apropria de pré-construídos de diferentes FDs obrigando o Outro, no jogo enunciativo, a passar por suas
trilhas (dele, sujeito).
1
7
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O próprio anseio de perceber o movimento resulta numa
rastro de luz, mas que enquanto corpo, objeto, ficou para além da
representação ? 72
outros, externos.
filme Blade Runner , de Ridley Scott, que faz uma jogo discursivo com
72 Cf. nos Anexos, uma foto de exposição longa (domínio público) que exemplifica essa questão dos
traços.
1
7
1
aparelho, capta lugares ocultos, não retratados na imagem original,
realidade ? Até onde pode -se extrair de um olhar aquilo que ele não
74 Já existe, na Internet, um recurso que simula esse efeito, recurso esse chamado de Foto 360°. Ao
arrastar-se o mouse, pode-se descrever uma trajetória de 360° na paisagem escolhida. Claro que este recurso
difere ainda do artifício ficcional explorado no filme Blade Runner, pois neste último não havia ângulo
interditado à redefinição do olhar, podendo este adentrar espaços ocultos atrás de paredes, por exemplo (o
recurso da foto 360° pode ser encontrado em sites diversos, como do do Masp e em www.paraty.com.br).
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2
Mas se tudo isso pode ser dito a respeito da fotografia, cabe
que preenche a sala antes da luz do dia apagá -las; a luz, porque
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3
remete as vozes ao espaço da ausência , colocando -se também como
4.2.2 – El espejo
El espejo
do Eu e do Outro.
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4
intercalada “de niño” e a forma do ve rbo “temía”, no passado,
enunciador).
expectativa.
que só faz sentido o temor de que o espelho não reflita a própria face
1
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Do ponto de vista da construção da subjetividade, pode -se dizer
75 Lacan (1998)
1
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nomeação atribuído ao bebê. Expressões do adulto como “Olha o
ante seus olhos”, brincando de olhá -lo e ser olhado pelos olhos que
que bate diz ter sido batida; se ela vê alguém cair, chora (talvez
espelho não se trata de um ser real, mas de uma imagem. Não tenta
1
7
7
Em seguida ocorre a identificação dessa imagem do outro
só é possível ver -se como outro. Alie -se a essa circu nstância que
configuração sígnica:
(que seja assim, que aja desta ou daquela maneira, que queira ser
Lajonquiere diz:
1
7
8
O recém-nascido, como dissemos, já tem um
lugar reservado numa trama desiderativa que
começou a se tecer quem sabe quando. A
trama é infinita e onipresente na medida em
que o desejo não é (depois de Hegel) desejo
de nenhum objeto natural suscetível de ser
achado com maior ou menor sorte; o desejo
deseja o desejo do outro enquanto outro
desejante. Em outras palavras, o objeto do
desejo é o desejo do outro , que é mais ou
menos o mesmo que dizer que cada um de nós
deseja ser desejado pelo outro, exatamente
como supomos que o fomos naquela mítica
oportunidade. (...) (Lajonquiere , ibidem, 157)
que ele estará exposto e a maneira através da qual cada sentido será
1
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É esse momento que decisivamente faz todo o
saber humano bascular para a mediatização
pelo desejo do outro, constituir seus objetos
numa equivalência abstrata pela concorrência
de outrem, e que faz do [eu] esse aparelho
para o qual qualquer impulso dos instintos será
um perigo, ainda que corresponda a uma
maturação natural – passando desde então a
própria normalização dessa maturação a
depender, no homem, de uma intermediação
cultural (...)(Lacan , 1998:101-102)
face que não fosse a sua. Obviamente, esse ponto de vista só pode
opõe-se a uma face conhec ida, esperada. São, portanto, duas vozes,
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O temor seguinte também é digno de análise. O enunciador
teme que o espelho mostre outra face que não a sua própria 77 ou “una
constitui uma antítese, uma contrad ição e até uma ironia 78.
outros.
expressão “máscara impersonal ”: “que ocultaría algo sin duda atro z”.
pode ter tais tipos de temores po rque ainda não se julga uma
77 No poema Los espejos velados, publicado em El hacedor, Jorge Luís Borges explora outra
possibilidade semelhante. Relata uma história em que uma moça, conhecida sua, depois de saber do medo de
Borges na infância de que os espelhos não refletissem seu próprio rosto, anos mais tarde enlouquece e os
espelhos da casa dela têm que se manter velados, pois a moça alega que, por alguma conjuração mágica, ela
vê nos espelhos o reflexo de Borges e não o dela própria. No interior do Brasil, em algumas regiões rurais,
quando morria alguém era costume cobrir os espelhos para que a alma pudesse ir em paz e não ficasse
aprisionada neles.
78 Esta antítese acentua-se ainda mais se considerarmos que, embora a máscara recubra a face,
atribuindo outro papel ao sujeito, ele possui os orifícios dos olhos, por onde o olhar deste mesmo sujeito
encontra um espaço de constituição próprio (baseado em comunicação pessoal de Nascimento, E. 2001).
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1
unidade. Mergulhada no inconsciente, ela ainda não opera com
até esse momento, de olhar através do olhar do adulto e ver -se como
objeto do desejo.
de olhar com o olhar do Outro para ver -se desse lugar discursivo, à
jogo especular, pode -se dizer que ele teme constituir -se como Eu. É
Mas há uma pista que não deve ser desprezada e que constitui
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novo, do Outro, esse tempo diferente e assustador determina -se em
bachelardiana, de que
as imaginasse.
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no interior do espelho – intramoldura – não será exatamente em
sentido de contornos torna -se mais abstrato e refere -se aos limites
especular 79.
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ocorre nas imagens refletidas em espelhos. No âmbito discursivo,
enunciativas.
refere-se ao fato de que é falso afirmar -se que isso não foi dito. Se
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sustenta, pulsiona, o sujeito a viver
avançando. (Lajonquiere , ibidem, 159),
para constituir -se como sujeito, o menino teve de desejar esse olhar -
Outro que o via como tal. Para passar a existir como sujeito, em
pretexto para fazer acreditar que isso não foi dito. Mas o que se
discute que está silenciado aqui é que fora desse diálogo constitutivo
alto e bom som isso no poema. Senão, por que escrever um texto ?
1
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Finalmente, os quatro últimos versos tratam do tempo atual, do
circunstância de enunciação.
leitor esperará que agora sim seja mencionado qual é o tipo de rosto
da alma do enunciador.
esperada (daquela que o sujeito acredita ser a sua própria, por ser
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Essa alma, no entanto, extrapola o domínio exclusivo do sujeito.
alma é visto por Deus e – talvez esse seja um temor ainda maior,
sentida.
qual sua vida é avaliada pelo seu Eu (ou mais propriamente, pelo
80 Em outro texto, não analisado nesta tese, que é o Epílogo do livro O Fazedor, Borges, no último
parágrafo, utiliza uma concepção semelhante (a de que a face de um Homem é o resultado de suas
experiências):
Un hombre se propone la tarea de dibujar el mundo. A lo largo de los años
puebla un espacio com imágenes de provincias, de reinos, de montañas, de
bahias, de naves, de islas, de peces, de habitaciones, de instrumentos, de astros,
de caballos y de personas. Poco antes de morir, descubre que ese paciente
laberinto de lineas traza la imagen de su cara. (1989: 854)
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inconsciente, irrecuperáveis à consciência do Eu -sujeito (silêncio
que tornam possível a própria ilusão de que sentir -se um seja estar
1
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4.2.3 – Animais dos Espelhos
ser interpretado como “falso”, mas provoque o leitor para uma forma
1
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Trata-se, de acordo com diversas fontes citadas no texto, da
1
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1
e resplandecente que ninguém havia tocado, mas que muitos
visto o Peixe não o tocou apenas porque ele seria “um ser fugitivo”
Quijote).
1
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como uma superfície plana, bidimensional e meramente
representativa da realidade.
humano.
não repetirá nunca os atos dos homens, uma vez que, de alguma
1
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3
diferentes daqueles em um outro contexto de relato e que esse
constitui o discurso seja imaginado pelo sujeito como sua própria voz
e pode (e o que não deve e não pode) ser dito, como pensar o mundo
1
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que não corresponde necessariamente a um desejo de se saber como
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o olho), assim como está impedido de ver o movimento dos sentidos
sentidos participa)
olhar do sujeito)
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dinâmicos entre os dizeres, os silê ncios e entre ambos, assim como
onde se ouve.
nesse caso) ele sabe a respeito das escolhas que fez nesse
saber agir, saber olhar, saber saber etc. Uma metáfora útil, nesse
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No caso do autor, ele sabe que tem de criar um narrador para
daquele ato enunciativo (do contrário o autor teria uma única forma
deliberada.
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liberdade e autonom ia totais, também soa questionável uma leitura
que ela é eterna, entende -se, nesta tese, que ela tem história.
83 Para o próprio Althusser, a interpelação é um processo com contradições: ao mesmo tempo o sujeito
é e não é constitutivo de toda ideologia. (1985:93)
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dos sentidos” ? No sentido de que “sabe” col ocá-los ação,
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cores. As diferenças encontradas são 1) no poema El espejo, o
afirmativa.
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artigo “Sinais: Raízes de um Paradigma Indiciário” (1989) 84, ele cita
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elementos imponderáveis: faro, golpe de vista,
intuição.” (GINZBURG, 1989:179)
o que era social, geral. Optou -se, então, pela segunda, em nome de
85 O que traz algumas aproximações com Lacan e Peirce (neste último especificamente com relação ao
índice)
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piloto das ciências humanas” construiu -se sobre um alicerce
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pelo que é dito, mas pela convivência com formas de dizer e de fazer,
deve ser dito ou o que pode e deve ser feito (e, sempre por extensão,
não existe sem uma leitura prévia de seus limites entre o que indicia
e o que significa.
signo. Pensado como sintoma, ele não pode mais prescindir do gesto
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abordagens como a de Derrida ou Lacan podem ser problematizadas
nas interações.
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uma fingida compilação, ou o poema també m partilha a mesma
característica.
alguma forma, que o que ele faz é apenas recontar o que outros já
disseram. Mais ainda: para ele a literatura não deixa de ser isso.
que Borges como autor diz de seu fazer literário. No prefácio do Livro
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(é uma compilação, mas não parece ser), se não acreditar, diante de
uma mentira (parece ser uma compilação, mas não é). O que importa,
intertextual em função do que não foi dito, mas que se insinua nos
textos.
etc.
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anterior) o autor ter construído um dizer que atribui a um dos
– no ritmo do leitor .
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desta maneira seria ignorar a contradição como elemento constitutivo
ato de dizer, mas o que foi dito. A palavra compilação, a sintaxe dos
natureza.
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fatores como os essenciais a serem considerados
na descoberta do sentido.(...)
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Alexandria, os cabalistas, Emanuel Swedenborg. Apresenta outros
mayores 86”
12), que ele cita em latim no texto: “Videmus nunc per speculum in
86 Aqui a referência não declarada é a uma das obras basilares da tradição ocultista, a Tábua
Esmeraldina, atribuída a Hermes Trismegisto, segundo a qual o microcosmo é espelho do macrocosmo, “o
que ocorre em baixo, ocorre em cima”.
87 A tradução da Bíblia de Jerusalém é a seguinte: “Ag o ra ve mo s e m e sp el ho e d e ma nei ra
co n fu s a, ma s, d ep o i s, v er e mo s f ace a face. Ag o ra o me u co n h ec i me n t o é li mi tad o , ma s
d ep o i s, co n h ec er ei co mo so u co n h ec id o .”
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O autor seguinte, Cipriano de Valera recebe uma apreciação
desse versículo de São Paulo, cada uma delas traduzida por Borges.
desfecho do ensaio.
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A segunda, de novembro de 1894 (mesmo ano da anterior):
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angustiada) nosotros estamos en el cielo y Dios
sufre en la tierra.
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de unos y de otros es indeterminable y está
profundamente escondida.
bem menos provável que tenha dois ou três, mas que o método de
do jogo que vinha propondo ao leitor. Vale a pena saboreá -lo todo:
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Este ensaio (que também se comporta como um conto) pode ser
qualquer texto.
inconscientemente exercido).
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assim como somos conhecidos por Ele, temos de aplicar, segundo o
válida. Mas até que ponto o catolicismo permitiria, em sua FD (“o que
hermetista.
Borges espicaça com ironia sem fim: Ninguém como Bloy para ilustrar
essa ignorância íntima - que cada homem tem de não saber que é, já
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que pensava estar sendo um católico rigoroso e estava já irmanado
É a trajetória que Bloy faz nas seis menções que Borges cita.
León Bloy, por extensão), era no verbo “ver”. Assim, como aponta
quem somos.”
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conhecemos nenhuma imagem real, verdadeira, é porque vemos
invertido.
etc.
se tudo está invertido, não estamos vendo uma elevação, mas sim um
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mundo material e mundo espiritual. Se olho para o céu e vejo um céu
sentidos.
Borges. Nesta estratégia (estrata gema seria talvez uma palavra mais
ser visto de outra maneira. Lembremo -nos que o espelho inverte. Não
olhar que os outros lhe atribuíram e que (teme sempre) sabe que uma
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É o leitor Borges, conhecedor habilidoso do Latim, da história
Talvez por isso mesm o Borges reconheça que bons leitores são
cisnes ainda mais raros que bons autores. É, por outro lado, o prazer
caso Ariadne não acompanha. Seu fio está tecido juntamente com
decifrar.
descobertos como tais por comparação a outros textos que devem ser
processados.
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trata de assuntos relacionados a tais tradições, como é o caso da
estratégia ser consciente ou não, implica que o leitor deve ser capaz
gênero humano.
tornar-se grande entre vós seja aquele que serve, e o que quiser ser
o primeiro dentre vós, seja o vosso servo .” (Mt. 20, 26 -27);“Pois todo
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Note-se novamente um quadro de referências que é silenciado.
deve – é útil ler-se o verbo dever nos dois sentidos – saber isso),
ele também. Mas, para isso, esse leitor tem que também ser Borges,
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para uma exterioridade transgressora das memórias possíveis dentro
por uma inversão, tudo o que vemos é alegórico e portanto temos que
89 Talvez Umberto Eco apreciasse este trecho como uma metáfora de exageros interpretativos de
alguns desconstrutivistas.
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divindade sofre na terra e nós gozamos a glória divina (como Deus ?
celestes.
90 Cabe lembrar que Borges usou esta reductio ad absurdum, ligada a temas teológico-religiosos em
pelo menos três momentos mais representativos. Nos textos “Evangelio según Marcos”, “Tres versiones de
Judas” e “Los teologos”.
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por excesso quanto por ausência. A falta total de referência à
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divinos (!). Pelo mesmo princípio, os tiranos e piores homens seriam
Deus”.
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A sacralização da história e do mundo expressa na primeira
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Um analista do discurso faria talvez uma apreciação de que,
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sentimos o campo, o
verdor, o silêncio . Já o
fato de haver uma
palavra para designar o
silêncio parece-me uma
criação estética.
delas, bem como aquilo que foi dito através do silêncio e apagado por
faz-nos sentir que palavra e silên cio (e também cada uma delas e a
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No início desta tese, foram estabelecidos objetivos, que eram:
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por Jorge Luís Borges, apresentam, no mínimo, o silêncio enquanto
excesso.
pequena parte foi analisada aqui, o leitor é sempre levado a este jogo
Borges, o leitor, no entanto, torna -se refém de um autor que, tal como
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seja pela inversão da imagem , seja pela visualização lacaniana tal
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possíveis pela presença do Outro, pela alteridade. São os discursos
se pode ou deve dizer, o que não se pode, não se deve dizer ; o que
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Há que se considerar ainda a materialidade da língua. Se, como
ponto de vista deste trabalho, preferiu -se assumir tal silêncio como
fala.
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uso dos grafemas analisada aqui (os textos borgeanos) alguma
maneira mais rica. Nos inúmeros espelhos virtuais criados no inte rior
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Culturalmente, estamos habituados a manter momentos de
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participa, mesmo sem saber exatamente a sua função (“a máquina do
Levy, mas fica um laço comum. Há uma escritura que nos faz textos,
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realmente discutir aqui o que elas efetivamente são, uma vez que a
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sobrepõe sinais e indícios expressos na superfície do texto ou
esses redirecionamentos.
chama “Del rigor en la ciencia” e que é citado por Borges como sendo
a ironia:
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sem paredes só restam citações, como se conscientiza o antiquário
Os elos desses liames que art iculam esse ciclo existem apenas
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Borges, no texto “ Los dos reyes y los dos laberintos ”, relata o
coloca-o num labirinto no qual este último fica perdido por toda uma
galerías que recorrer, ni muros que te veden el paso ”. Após três dias
real, material, como são suas dunas, seus ventos, sua interminável
sempre presente.
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3
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9
VILLARTA-NEDER, Marco A. Memória do múltiplo e do descontínuo
2
6
0
ÍNDICE REMISSIVO E ONOMÁSTICO
A
Althusser ....................................................................................................................................................................... 74, 200, 235
apagamento .........................................................................................................................................................................133, 138
Apagamento(s) .............................................................................................6, 27, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 44, 49, 67, 100, 169, 180
Authier-Revuz ................................................................................................. 15, 24, 27, 31, 32, 35, 37, 38, 41, 42, 44, 57, 60, 70
Autor10, 15, 16, 18, 34, 37, 63, 66, 69, 70, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 111, 115, 11
B
Barthes ..................................................................................................................................................................................32, 106
Blanchot ............................................................................................................................................ 63, 64, 65, 66, 67, 69, 76, 242
Borges3, 5, 16, 17, 18, 19, 62, 63, 64, 65, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 82, 87, 88, 93, 94, 99, 100, 107, 116, 117, 119, 121, 122, 140, 141,
C
Courtine .......................................................................................................................................................................... 24, 44, 169
Courtine & Marandin ................................................................................................................................................................... 34
D
Discurso6, 11, 14, 16, 22, 27, 28, 33, 34, 35, 36, 41, 42, 43, 48, 57, 59, 60, 74, 75, 82, 89, 93, 95, 114, 121, 126, 170, 182, 183, 195, 196, 198, 200
Ducrot ............................................................................................................................................................................. 25, 26, 104
E
Eco14, 20, 59, 60, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 12
Eco, Umberto ......................................................................................................................................................................120, 226
Elliot .......................................................................................................................................................................................71, 72
Espelho16, 39, 40, 42, 45, 46, 48, 49, 58, 65, 67, 161, 167, 168, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 188, 189, 190, 192, 193, 194, 19
F
Fiorin.......................................................................................................................................................................................41, 42
Formações ................................................................................................................................................................. 24, 55, 57, 200
Formações ........................................................................................................................................................................................
discursivas .......................................................................................................................................................... 14, 27, 180, 198
Foucault .......................................................................................................... 54, 59, 75, 76, 79, 87, 123, 125, 126, 127, 128, 131
Freud ................................................................................................................................................................... 125, 126, 199, 250
G
Genette ............................................................................................................................................................ 69, 70, 71, 72, 75, 76
Ginzburg ..................................................................................................................................................................... 202, 204, 206
I
Interdiscurso..................................................... 29, 34, 35, 36, 44, 60, 127, 169, 170, 180, 183, 186, 190, 198, 200, 204, 236, 238
Iser ............................................................................................................................................................................................. 122
J
Jakobson..................................................................................................................................................................................... 103
L
Lacan........................................................................................................31, 45, 102, 177, 179, 180, 181, 193, 195, 199, 204, 206
Lajonquiere ......................................................................................................................................................... 178, 179, 180, 187
Laplantine .................................................................................................................................................................................. 184
Leitor6, 12, 18, 27, 59, 60, 63, 68, 70, 71, 72, 82, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 11
Lévis-Strauss ................................................................................................................................................................................ 96
Levy ........................................................................................................................................................................................... 240
M
Macherey ................................................................................................................................................................................74, 75
Maingueneau ................................................................................................................................................................................ 34
Marx ....................................................................................................................................................................................125, 235
Merleau-Ponty.............................................................................................................................................................................. 21
Monegal ............................................................................................... 63, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 87, 141, 149, 154, 157, 159, 242
O
Ollier ............................................................................................................................................................................................ 74
Orlandi .............................................................................................................................. 15, 20, 21, 28, 36, 37, 38, 127, 196, 237
P
Pêcheux .............................................................................................. 14, 15, 17, 24, 58, 65, 88, 159, 171, 187, 209, 234, 252, 260
Pessanha ....................................................................................................................................................................................... 47
Poe ............................................................................................................................................................................................... 73
Possenti ...............................................................................................................................................................................200, 211
R
2
6
1
Reboul ...................................................................................................................................................................................90, 101
Rey-Debove ................................................................................................................................................................................. 35
Ricardou ....................................................................................................................................................................................... 73
S
Schinelo ......................................................................................................................................................................................... 4
Schinelo & Villarta-Neder ..................................................................................................................................................134, 234
Silêncio6, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 44, 46, 49, 50, 51, 52, 54, 5
Silêncio ............................................................................................................................................................................................
ausência10, 11, 16, 20, 21, 22, 23, 27, 29, 30, 44, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 112, 115, 126, 143, 168, 169, 175, 186, 190, 193, 194 , 196, 208, 20
excesso...... 11, 16, 17, 24, 28, 29, 38, 44, 54, 55, 56, 59, 126, 128, 143, 169, 174, 175, 186, 193, 196, 207, 234, 236, 237, 243
T
Todorov...................................................................................................................................................................................... 239
V
Valéry ............................................................................................................................................................................. 71, 72, 154
Villarta-Neder .............................................................................................................................................................................. 44
W
Wittgenstein .............................................................................................................................................................. 79, 80, 81, 243
2
6
2
ANEXOS
2
6
3
SALA VACÍA 93
su tertulia de .siempre.
Los daguerrotipos
de borrosos aniversarios.
de los antepasados.
2
6
4
Animais dos Espelhos 94
havia tocado, mas que mui tos alegavam ter visto no fundo dos
viviam em paz; entrava -se e saía -se pelos espelhos. Uma noite, a
2
6
5
espécie de sonho, todos os atos dos homens. Privou -os de sua
criaturas da água.
2
6
6
EL ESPEJO 95
2
6
7
(foto de domínio público)
2
6
8