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Marise Ramos
ramosmn@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-5439-3258
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Rio de Janeiro, Brasil.
Jonas Magalhães
jonasemanuel@id.uff.br
https://orcid.org/ 0000-0001-6144-9854
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Rio de Janeiro, Brasil.
Recebido: 31/03/2022 Aceito: 01/07/2022
Resumen
Este artículo tiene como objetivo recuperar el proceso de incorporación de la noción de
competencias en la educación brasileña, a partir de las reformas realizadas en la década de
1990, exponiendo analíticamente sus fundamentos e inconsistencias, considerando su
recuperación actual por las políticas curriculares resultantes de la Ley n. 13.415/2017 y
normas conexas. Se argumenta que, a partir de 2014, organismos internacionales, gobiernos
locales y organizaciones no gubernamentales construyen una agenda encaminada a la
incorporación de habilidades socioemocionales en la educación. Luego, se explica la
extrapolación de esta noción, previamente construida en el dominio cognitivo, al dominio
socioemocional, demostrando que esta proposición tiene una matriz epistémica distinta a la
formulación original. El camino analítico conduce a la conclusión sobre la intensificación
de las incongruencias teóricas y prácticas, con compromisos éticos aún más graves en el
momento contemporáneo.
Palabras clave: Competencias. Competencias socioemocionales. Escuela secundaria.
Educación profesional.
Resumo
Este artigo tem como propósito recuperar o processo de incorporação da noção de
competências na educação brasileira, a partir das reformas realizadas nos anos 1990,
expondo analiticamente seus fundamentos e incongruências, considerando sua atual
recuperação pelas políticas curriculares decorrentes da Lei n. 13.415/2017 e
regulamentações correlatas. Discute-se que, a partir de 2014, organismos internacionais,
governos locais e organizações não-governamentais constroem uma agenda voltada para a
incorporação na educação das competências socioemocionais. Explicita-se, então, a
extrapolação dessa noção, antes construída no domínio cognitivo, para o socioemocional,
demonstrando que esta proposição tem matriz epistêmica distinta da formulação original. O
caminho analítico leva à conclusão sobre o acirramento das incongruências teóricas e
práticas, com comprometimentos éticos ainda mais graves no momento contemporâneo.
Palavras-chave: Competências. Competências socioemocionais. Ensino Médio. Educação
Profissional.
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Marise Ramos; Jonas Magalhães
What was no longer solid blows up in the air: the unsustainability of the pedagogy of
cognitive and socio-emotional skills
Abstract
This article aims to recover the process of incorporation of the notion of competences in
Brazilian education, from the reforms carried out in the 1990s, analytically exposing its
foundations and inconsistencies, considering its current recovery by the curricular policies
resulting from Law n. 13,415/2017 and related regulations. It is argued that, as of 2014,
international organizations, local governments and non-governmental organizations build an
agenda aimed at the incorporation of socio-emotional skills in education. Then, the
extrapolation of this notion, previously constructed in the cognitive domain, to the socio-
emotional domain is explained, demonstrating that this proposition has an epistemic matrix
distinct from the original formulation. The analytical path leads to the conclusion about the
intensification of theoretical and practical incongruities, with ethical commitments even
more serious in the contemporary moment.
Key words: Skills. Socio-emotional skills. High school. Vocational education.
Introdução
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pela reforma trabalhista e da previdência, até chegar à educação. Trata-se de um pacote que
atinge de morte a Constituição que mereceu, um dia, o título de “cidadã”, e assola
dramaticamente direitos histórica e duramente conquistados pela classe trabalhadora. Mais
uma vez o ensino médio e a educação profissional são alvos precisos e as políticas
curriculares que se seguem nos mostram que a pedagogia das competências nunca saiu da
pauta de educadores, intelectuais e políticos vinculados ao neoliberalismo. Retomam-se seus
preceitos, ampliando-se seu espectro para o domínio “socioemocional”.
Este artigo tem como propósito recuperar o processo de incorporação da noção de
competências na educação brasileira, expondo analiticamente seus fundamentos e
incongruências. Em seguida, faz-se o mesmo movimento no sentido de explicitamos a
extrapolação dessa noção para o domínio “socioemocional”, demonstrando que esta
proposição tem matriz epistêmica distinta da formulação original. O caminho analítico nos
levará a concluir sobre o acirramento das incongruências teóricas e práticas, com
comprometimentos éticos ainda mais graves no momento contemporâneo.
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campo propício ao aprender a conhecer (ênfase a ser dada na educação básica) e ao aprender
a fazer (ênfase apropriada à educação profissional), A política da igualdade refere-se ao
plano do aprender a conviver. A ética da identidade seria o princípio do aprender a ser, pelo
reconhecimento da identidade própria e do outro.
O Ministério da Educação (MEC) publicou, ainda, os Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), de caráter não obrigatório, que enunciavam as
competências associadas a disciplinas ou a componentes curriculares mais específicos. Essas
seriam de “representação e comunicação”; “investigação e compreensão”; e
“contextualização sócio-cultural”. O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), por sua
vez, avaliaria o desenvolvimento dessas competências pelos estudantes baseando-se em
indicadores ou descritores – as habilidades – que seriam evidenciadas no desempenho.
A educação profissional técnica seguiria os mesmos princípios axiológicos e
pedagógicos do ensino médio. Este contemplaria o desenvolvimento de competências de
suporte à educação profissional, por meio da “preparação básica para o trabalho”. As
competências profissionais seriam descritas na forma de perfis, mediante estudos das
atividades profissionais. (BRASIL, 1997)
Ruy Berger (1998), à época titular da Secretaria de Educação Média e Tecnológica
(SEMTEC), apontou as principais etapas de construção curricular baseada em competência:
a) análise do processo de trabalho; b) construção de uma matriz referencial de competências;
c) elaboração de um projeto pedagógico e dos respectivos planos de curso, mediante a
transposição didática da matriz referencial de competências, adotando-se a organização
curricular modular; e d) uma abordagem metodológica baseada em projetos ou resolução de
problemas.
As duas primeiras etapas foram realizadas pela SEMTEC, por meio de comissões
técnicas compostas por professores e profissionais do setor ou área de produção. Definiram-
se áreas profissionais mediante classificação e agrupamento das atividades econômicas, com
base na análise funcional dos processos típicos de trabalho. Originaram-se, assim, as
matrizes referenciais de competências que organizou, de forma interrelacionada, funções,
subfunções, competências, habilidades e bases tecnológicas, orientadoras do currículo. Por
se referirem à área profissional, as competências definidoras dos respectivos perfis foram de
designadas como gerais, às quais deveriam ser acrescidas competências profissionais
específicas da habilitação.
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Ramos (2001), com base nas dimensões da qualificação discutidas por Schwartz
(1995)1, concluiu que a ênfase na dimensão experimental da qualificação foi o que permitiu
tomar a noção de competências como referência no trabalho e na educação, entendendo-a
como capaz de aproximar escola e produção, em resposta à crítica de que a formação escolar
não atende às necessidades das empresas. Daí o enfraquecimento da dimensão conceitual da
qualificação que se define pelos conhecimentos sistematizados que estão na base das
profissões.
A conotação individual dessa noção, por sua vez, tende a despolitizar as relações de
trabalho – enfraquecimento da dimensão social da qualificação. De acordo com as DCN, os
trabalhadores formados sob a lógica das competências estariam preparados para as
instabilidades do mercado de trabalho e teriam construído seu projeto próprio de vida para
se adaptarem autonomamente a tal realidade. Valorizou-se, assim, a subjetividade dos
trabalhadores num processo de “psicologização das questões sociais”. (RAMOS, 2001)
1
As dimensões da qualificação são: conceitual, referente aos diplomas que atestam a aprendizagem de
conceitos; social, que expressa a organização corporativa e/ou política de trabalhadores com a mesma
qualificação; e experimental, relativa à demonstração prática da qualificação no exercício do trabalho.
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possibilidades que as estruturas mentais (por Piaget) ou a gramática interna (por Chomsky),
permitem em potencial.
Ainda que Piaget considere inato apenas o funcionamento geral da inteligência, a
referência teórica do significado conferido à noção de competências tem como base o
princípio que efetivamente converge o pensamento de ambos os autores: a construtividade
do conhecimento, seja por uma determinação inata, seja pelos estímulos do meio exterior.
Por essa perspectiva, as competências seriam as estruturas ou esquemas mentais
responsáveis pela interação dinâmica entre os próprios saberes do indivíduo – construídos
mediante as experiências – e os saberes já construídos pela humanidade, adquiridos por meio
das transposições didáticas. Por ser dinâmica, essa interação, motivada pela ação dos
indivíduos diante de situações desafiadoras, possibilitaria a construção de novas
competências. Encontramos, então, a seguinte definição: “Entendemos por competências os
esquemas mentais, ou seja, as ações e operações mentais de caráter cognitivo, socioafetivo
ou psicomotor que mobilizadas e associada a saberes teóricos ou experiências geram
habilidades, ou seja, um saber-fazer”. (BERGER, 1998, p. 8)
Com o mesmo significado, o texto básico de 2000 do ENEM faz a seguinte
formulação:
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contextos distintos, Zabala e Arnau (2010) acrescentam elementos mais próximos aos
conteúdos escolares tais como conhecimentos (fatos e conceitos), habilidades e atitudes.
Perrenoud reconhece que a competência se apoia em conhecimentos, mas sem se
limitar a eles, integrando e mobilizando conjuntamente outros recursos na tomada de decisão
e no desenrolar da ação (saber em uso). Por essa concepção, a relação entre competências e
desempenho não é de identificação absoluta (resultado/produto), mas de interdependência
relativa (processo/contexto da ação). De fato, a noção de desempenho acompanha a de
competências, sendo sistematizada principalmente no campo da avaliação. Por exemplo, a
avaliação do desempenho do estudante ao final da escolaridade básica visaria “aferir o
desenvolvimento de competências fundamentais”. (BRASIL, 1999, p. 5)
Em se tratando da educação profissional, a noção de competências é abordada sempre
de forma relacionada à autonomia e à mobilidade que deve ter o trabalhador contemporâneo
diante da instabilidade do mundo do trabalho. Numa das primeiras referências ao termo,
chama-se a atenção para que “a competência não se limita ao conhecer, mas vai além porque
envolve o agir numa situação determinada”. Precisamente, a competência profissional foi
definida como “a capacidade de mobilizar, articular e colocar em ação valores,
conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades
requeridas pela natureza do trabalho”. (BRASIL, 1999, p. 32-33)
Desenvolvidas em função de um universo profissional, os conteúdos de ensino são
tratados como “insumos” geradores das competências profissionais. Esses teriam um caráter
técnico-científico definidos em função do contexto e da atividade profissional, sendo
mobilizados para a obtenção de resultados produtivos compatíveis com as normas de
qualidade ou os critérios de desempenho solicitados pelas produções da respectiva área. São
essas as competências que se pretendeu apresentar nas Diretrizes e nos Referenciais
Curriculares Nacionais da educação profissional.
Não obstante, pelo aporte na psicologia construtivista, a noção de competência
resistiria a uma objetivação tal como se faz ao se tentar institucionalizá-la. Nos documentos
associados ao ensino médio, ela toma uma conotação próxima ao que foi prescrito pelo artigo
no 36 da LDB, isto é, como domínio de conhecimentos científico-tecnológicos, das
linguagens e das ciências sociais. Na educação profissional, os perfis de competências
acabam descrevendo as “atividades requeridas pela natureza do trabalho”. Portanto, referem-
se a uma ação, a um comportamento ou a um resultado que o trabalhador deve demonstrar.
Essa questão foi enfrentada na Argentina, na Austrália e na França, reinterpretando-
se o perfil de competência gerado pela análise funcional em termos pedagógicos,
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das competências enunciadas nos níveis iniciais da cognição dessa taxonomia (56,
“conhecer”; 30, “compreender”).
Enquanto a categoria “conhecimento” corresponde à habilidade de lembrar
informações e conteúdos previamente abordados como fatos, datas, palavras, teorias,
métodos, classificações, lugares, regras, critérios, procedimentos etc., ou seja, trazer à
consciência conhecimentos prévios, “compreensão” é entendida como a habilidade de dar
significado ao conteúdo, sabendo utilizá-lo em contextos diferentes ao da aprendizagem. Na
Taxonomia de Bloom (FERRAZ; BELLOT, 2010), a essas categorias segue a “aplicação”,
definida como a habilidade de usar informações, métodos e conteúdos aprendidos em novas
situações. No currículo analisado, encontramos somente o verbo “desenvolver”, uma vez,
vinculada à aplicação.
A “análise” é a quarta categoria na ordem de complexidade. Ela é entendida como a
habilidade de subdividir o conteúdo em partes menores com a finalidade de entender a
estrutura final. Para isto, é necessário não apenas compreender o conteúdo, mas também a
estrutura do objeto de estudo. Temos quatro ocorrências nesse plano, sendo uma o próprio
verbo “analisar”; duas, o verbo “relacionar” e mais uma, o “solucionar”.
Finalmente, tem-se a categoria “síntese”, definida como a habilidade de agregar e
juntar partes com a finalidade de criar um novo todo. Os verbos interessantes que constam
dos quadros são “propor” e “contribuir” cada um deles se manifestando uma vez. No nível
mais complexo da taxonomia, encontra-se o objetivo “avaliar”, uma vez, correspondente à
habilidade de julgar o valor de um material.
O exposto mostra que a matriz curricular do curso analisado enuncia objetivos
designados como competências, comprovando-se a tendência de a pedagogia das
competências reproduzir, na verdade, a pedagogia por objetivos e o que lhe é correlato: o
condutivismo e o tecnicismo. Portanto, concordamos com Malglaive (1994) quanto ao fato
de a pedagogia das competências não enfrentar a questão fundamental sobre “o que” e
“como” ensinar. Tal questão não interessa a essa abordagem, pois o que se espera é realizar
uma guinada da finalidade da educação como aprendizagem do conhecimento sistematizado
para a demonstração de condutas e desempenhos esperados: “na pedagogia das competências,
o conteúdo de ensino se reduz a recurso ou insumo para o desenvolvimento de competências,
enquanto os campos de referência de seleção dos conteúdos passam a ser as situações cotidianas, de
vida ou de trabalho, ao invés das ciências clássicas” (LAVOURA; RAMOS, 2020, p. 57).
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Nota-se aqui o recurso aos projetos de vida e o apelo à ideia de formação integral,
dois dos pressupostos político-pedagógicos preconizados pelo currículo socioemocional do
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2.2. A dimensão socioemocional das competências nos anos 2010: possíveis bases
epistemológicas
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Essa definição, que não remete, a princípio, a nenhuma das definições dadas pelas
abordagens francesas e americana da noção de competências, na verdade sintetiza a função
operacional desse constructo nas políticas educacionais: 1) incorporar diferentes
competências nos currículos com a finalidade de promover o bem estar individual e o
progresso socioeconômico; 2) desenvolvê-las partindo do pressuposto de que são maleáveis
e podem ser desenvolvidas em diferentes momentos da vida; 3) avaliá-las com instrumentos
precisos para que possam garantir as evidências necessárias à sua legitimação e consolidação
nos currículos, já que se entende que elas poderiam predizer a melhoria em indicadores
sociais e econômicos. Trata-se de uma concepção explicitamente tecnicista e economicista,
embora seja revestida de um discurso humanista e socialmente responsável.
Quanto às competências socioemocionais, o relatório da OCDE as define de maneira
superficial. Ressaltando que também são denominadas como competências não-cognitivas,
de caráter ou como qualidades pessoais, as competências socioemocionais seriam “o tipo de
habilidade envolvida na obtenção de objetivos, no trabalho em grupo e no controle
emocional”. (OCDE, 2015, p.34) Equiparam-se aqui competências com habilidades e
competências socioemocionais com qualidade pessoais ou de caráter, o que remete a
constructos próprios de teorias da personalidade.
Embora as inconsistências conceituais possam ser vistas como incoerentes em
relação à noção típica de competências, tal como desenvolvida pelas perspectivas teóricas
que tradicionalmente operam com esse conceito, de fato, as definições de competências e
competências socioemocionais apresentadas pela OCDE no seu relatório mais representativo
e persuasivo acerca dessa nova pauta educacional, guardam coerência com os referenciais
teóricos que fundamentam a construção e promoção dessa agenda em âmbito internacional.
Assim, além da afiliação à teoria do capital humano, atestada pelas inúmeras referências aos
estudos do economista James Heckam e seus colaboradores sobre os efeitos tardios e
positivos do desenvolvimento das “habilidades não-cognitivas” em crianças que
participaram de programas de educação pré-escolar de caráter compensatório, o relatório
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também é claro ao dizer que a estrutura apresentada, que conjuga competências cognitivas e
socioemocionais, toma como base a taxonomia de personalidade do Big Five. Além desta,
são mencionadas ainda outras referências como a psicologia positiva, a estrutura do caráter
desenvolvida pelo Center for Curriculm and Redesign e a Aprendizagem Social e Emocional
(SEL), cujo conceito e modelo foram elaborados pela CASEL.
Não há no relatório qualquer justificativa ou explicação teórica-epistemológica para
a adoção desses referenciais e, menos ainda, para conversão das competências em traços de
personalidade. O argumento de força são os estudos longitudinais desenvolvidos pela OCDE
junto aos países membros e parceiros que apontam para a melhoria de uma série de
indicadores sociais, educacionais e econômicos nos países em que, supostamente, há maior
investimento no desenvolvimento dessas competências, tanto em nível educacional quanto
individual. As mesmas incongruências observadas no relatório da OCDE podem ser
identificadas nos documentos do IAS, já que ambos vêm atuando conjunta e
colaborativamente desde 2014. Na literatura utilizada como referência nos documentos da
OCDE e do IAS os termos competências não-cognitivas, habilidades leves, soft-skills e
educação do caráter são tomados como sinônimos de competências e/ou habilidades
socioemocionais, termos que tem se firmado no campo educacional. Essa profusão de termos
dificulta perceber que as competências socioemocionais seriam afetas às teorias da
personalidade e não às dos domínios de aprendizagem.
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desempenhos são categorias conjugadas, mas uma não se reduz a outra; pois, enquanto a
primeira é de caráter implícito, a segunda é de caráter explícito. Aspecto semelhante ocorre
na relação entre conhecimentos e competências, pois, enquanto os primeiros têm dimensões
objetivas e formais, as segundas implicariam mobilizações de ordem subjetiva não
formalizáveis ou mensuráveis. Dessa compreensão se aproximam análises, por exemplo, de
Perrenoud (1999) e Zarifian (1999). Essas questões evidenciam incongruências das
tentativas de se elaborar uma teoria pedagógica baseada em competências, o que Dias (2010,
p. 74) também reforça:
(1) os saberes fazem parte da competência, mas não se podem confundir com ela;
(2) as competências são descritas como acções, mas não é o facto de descrever as
acções que explica ou que possibilita a acção ou o êxito; (3) as competências estão
directamente relacionadas com o contexto e o saber ser não tem implícito esse
contexto.
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Autores
Marise Ramos
Licenciada em Química pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Mestrado e Doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense).
Atualmente é pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professora da UERJ
Tem experiencia em educação profissional e tecnológica e educação profissional em saúde.
Correio eletrônico: ramosmn@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/ 0000-0001-5439-3258
Jonas Magalhães
Pedagogo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Mestrado e Doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ.
Atualmente é pedagogo da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Tem experiência nas áreas de estudos de educação de adultos e pedagogia.
Correio eletrônico: jonasemanuel@id.uff.br
https://orcid.org/ 0000-0001-6144-9854
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