Tese - João Peixoto
Tese - João Peixoto
Tese - João Peixoto
ARTIGO DE REVISÃO
MARÇO/2017
FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
MEDICINA
Investigadores:
E-mail: joaodesousapeixoto@gmail.com
Resumo
O objetivo deste projeto é realizar uma breve revisão e atualização teórica dos
alteração graças a uma maior mobilidade das populações, observada nas últimas décadas, e
Para o cumprimento dos objetivos propostos, foi realizada uma revisão narrativa
2
Abstract
The purpose of this project is to revise and update the physiopathological processes
transmitted diseases of the entire world. Their global panorama is in constant change due to a
larger migration mass across populations, observed in the last decades, as due to the
idiopathic until now, as well as, achieving definitive diagnosis in a less invasive and more
effective way.
literature retrieved from searches of computerized databases, hand searches and books.
Every disease that is accompanied by hemolytic anemia was addressed, such as:
microangiopathies, and congenital diseritropoietic anemias, giving greater focus to all the
3
Índice
1. Introdução ..................................................................................................................... 7
3. Anemia hemolítica...................................................................................................... 12
4. Membranopatias ......................................................................................................... 21
5. Hemoglobinopatias .................................................................................................... 39
4
5.2.2.1. Anemia falciforme ............................................................................ 43
5.3.1. α-talassémia................................................................................................ 49
5.3.2. β-talassémia................................................................................................ 51
6. Enzimopatias .............................................................................................................. 54
............................................................................................................................ 57
5
6.4.3. 6-Fosfogluconato Desidrogenase (6PGD); γ-glutamil-cisteína-sintetase /
6
1. Introdução
valor da hemoglobina1. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define anemia como uma
mulheres adultas2.
doentes com anemia hemolítica. No entanto, apesar da hemólise, a anemia não ocorre em
todos os doentes2, -dado que a medula óssea (MO) é capaz de compensar pequenas
7
A anemia hemolítica pode ser classificada de acordo com o seu tempo de evolução
(agudo versus crónico), mecanismo (corpuscular versus extracorpuscular, imune versus não-
insuficiência hepática5.
IAT), ou através do título das crioglobulinas, para assim detetar a presença de anticorpos
uma entidade nosológica específica pode ser mais desafiante, uma vez que, por vezes, duas ou
mais entidades partilham a mesma apresentação clínica e hematológica7. Por este motivo, uma
membrana eritrocitária ou estudos moleculares que podem ser necessários para o diagnóstico
Apesar das anemias hemolíticas hereditárias estarem entre as etiologias menos comuns
de anemia2, afetam uma proporção substancial da população pediátrica global, sendo causa de
hospitalização de muitas crianças devido a sequelas da doença7. Ainda -não obstante à sua
8
Pretende-se com este projeto, fazer uma atualização dos mecanismos fisiopatológicos
deseritropoiéticas congénitas.
Para além disto, tem-se ainda como objetivo a realização de um algoritmo diagnóstico
que, de forma eficaz, permita fazer o diagnóstico de todas as patologias inseridas neste tema
de forma a minorar o seu atraso diagnóstico assim como diminuir o custo em exames
complementares desnecessários.
9
2. Materiais e métodos
na tabela 1.
no desenho do estudo (estudos de caso foram excluídos), assim como os artigos cujo principal
Pesquisas manuais das referências bibliográficas dos artigos usados, e selecionados aqueles
Livros de texto são ocasionalmente citados para providenciar mais detalhes, entre os quais: ‘’
Longo, D.L.; Fauci, A.S.; Kasper, D.L.; Hauser, S.L.; Jameson, J.; Loscalzo J. eds. Harrison's
Principles of Internal Medicine, 19e. New York, NY: McGraw-Hill; 2015’’, ‘’Hoffbrand, A.
10
Victor; Higgs, Douglas R.; Keeling, David M.; Mehta, Atul B. Postgraduate Haematology, 7e,
West Sussex: Wiley Blackwel; 2016.’’, e ‘’Hoffman, R., Edward J. Benz, J., Silberstein, L.
E., Heslop, H. E., Weitz, J. I., & Anastasi, J. (2013). Hematology: basic principles and
11
3. Anemia Hemolítica
3.1 Definição
O termo hemólise indica uma destruição periférica aumentada dos eritrócitos5,7 com
consequente diminuição da sua sobrevida5. Esta destruição pode ser devido a causas
a ausência de reticulocitose nem sempre pode excluir a existência de uma anemia hemolítica5.
ausente5,6, como é o caso das anemias deseritropoiéticas congénitas6. Por outro lado, a
existência de reticulocitose em sangue periférico, não pode ser vista como sinónimo de
hemólise, visto poder estar presente em outras patologias como na hipoxia crónica, na doença
12
eritrócitos: icterícia7, alteração na cor da urina (colúria)5, esplenomegalia4,7, litíase biliar;
morfológicas2,4; e ainda, relacionados com o processo principal pela qual a hemólise ocorre,
como por exemplo: acidente isquémico transitório ou acidente vascular cerebral, na anemia
falciforme4,7.
hereditária, em adultos6.
13
imune podem estar presentes na doença de Wilson; febre cíclica, esplenomegalia, anemia
hemolítica e trombocitopenia pode ser indicativo de infeção parasitária por Plasmodium (que
intravascular disseminada) 6.
A distinção entre causa adquirida e hereditária pode então ser conseguida através de
14
3.3 Abordagem laboratorial
específica.
3.3.1 Hemograma
função do sexo e da idade; em adultos define-se anemia com um valor de Hb inferior a 12g/dl
Um decréscimo rápido nos valores de hemoglobina origina sintomas relevantes ao passo que,
eritrocitária (RDW) é um outro índice, que reflete a variação do tamanho celular da população
15
marcada1,2,8 (por cada aumento de 1% de reticulócitos em sangue periférico haverá um
Os reticulócitos são os precursores imediatos dos GV (com maior volume que estes),
absolutos a ultrapassar 100x109 células por litro7,10. Nas condições hemolíticas hereditárias,
mais crónicas, o valor de reticulócitos pode estar ligeiramente aumentado, contudo pode
infeção por parvovirus B19, falência da MO1, défices nutricionais severos7, ou síndromes
deseritropoiéticas5.
ocorrer, como é o caso da hemorragia aguda, suplementação de ferro ou vitamina B12 e/ou
16
Tabela 3: Marcadores de hemólise em diferentes anemias hemolíticas, adaptado de [4]
Membranopatias/enzimopatias Anemia deseritropoiética congénita Microangiopatias trombóticas
Hemoglobina -/-- --/--- --/---
Reticulócitos + até +++ -/= +
Esquizócitos = = ++
LDH + + ++
Haptoglobina --- -- -
Bilirrubina ++ + +
Ferritina ++ +++ =/+
Plaquetas =/- = --
Contagem de Leucócitos = = =
Hemosiderinúria = = =/+
Os valores são expressos em formato semiquantitativo para indicar a diferente intensidade da alteração em várias sindromes
hemolíticas, como: "+"/"++"/"+++" indica um aumento de intermédio a severo, "-"/"--"/"---" indica uma redução, e "=" indica
valores dentro do intervalo de normalidade.
Devido a grande distribuição desta enzima, pode também estar elevada em contextos
miocárdio) 5.
deste modo, pode ser usada como um marcador indireto de hemólise extravascular (mediada
células fagocíticas)1, então a haptoglobina pode ser usada como marcador sensível de
17
antioxidantes e imunomodeladoras, e atua como uma proteína de limpeza, ligando-se
complexos formados são então removidos pelo SRE prevenindo a formação de radicais
lise intravascular de eritrócitos estruturalmente alterados que escapam à remoção pelo SER
pode ter lugar), esta pode estar também reduzida5. Por outro lado, e por se tratar de uma
hemólise, mascarando-a1,5.
severas5. É observado 3 a 4 dias após início do episódio hemolítico e persiste por várias
semanas5.
Finalmente, a ferritina, também uma proteína de fase aguda, intracelular, cuja função
hemolíticas hereditárias. Ainda que o mecanismo concreto deste aumento não seja claro,
sugere-se que o ferro libertado pela hemólise extravascular seja de eliminação difícil, e que a
18
Apesar de nenhum exame individual ser específico de hemólise, a combinação da
elevação de LDH com um nível baixo de haptoglobina, tem uma sensibilidade de 90% para a
confirmar. Por outro lado, LDH normal e haptoglobina com níveis superiores a 25mg/dl
utilidade, a haptoglobina não pode ser usada como um marcador fiável em crianças com
adquiridas, uma vez que uma proporção significativa das anemias hemolíticas de causa
IgG (típicos das anemias hemolíticas a quente) ou a fração C3 do complemento (típicas das
anemias hemolíticas a frio) que revestem os eritrócitos nestas doenças1,2,5,7,10. Este teste é
capaz de diagnosticar grande parte das anemias hemolíticas e a sua relevância é indiscutível,
porém aproximadamente de 0.1% da população geral e 8-10% dos doentes hospitalizados irão
obter testes positivos, mesmo sem evidência clínica de hemólise1,10. Contudo, um DAT
negativo não pode também excluir doença hemolítica imunologicamente mediada, visto que
em alguns casos, o uso de outros exames mais sensíveis terá resultados positivos10. Baixos
autoimunes DAT-negativas está para além do objetivo deste trabalho. Este subgrupo de
patologias pode ainda ser diagnosticado com base na resposta a terapêutica imunomodeladora
empírica1.
19
3.3.4 Esfregaço de sangue periférico (ESP)
Revela alterações morfológicas únicas que ocorrem com os vários tipos de distúrbios
muitas patologias, estão ao dispor do clínico, outros exames complementares mais complexos
que vão permitir um estudo mais aprofundado, como por exemplo: eletroforese das
20
4. Membranopatias
A membrana eritrocitária é uma das mais bem estudadas, quer em termos de estrutura,
função, ou distúrbios genéticos12. Não se trata de uma estrutura estática, mas sim, altamente
além do seu papel na estrutura celular, as proteínas de membrana tem ainda função de
realização das suas funções fisiológicas durante o seu tempo de vida, é feita à custa da sua
verticais são aquelas que são perpendiculares à bicamada lipídica, e tratam-se das proteínas
envolvidas nos complexos de banda 3, anquirina e 4.1R; a perda destas ligações leva à perda
ligações horizontais são aquelas paralelas à bicamada lipídica e incluiem o local de associação
dos heterodímeros de espectrina em tetrâmeros, assim como todas a interações que ocorrem
no complexo juncional10; as proteínas que formam o complexo juncional, têm um papel chave
Este modelo tem particular utilidade na caracterização dos distúrbios relacionados com
a membrana10.
21
A bicamada lipídica (ocasionalmente penetrada por outras proteínas) é assimétrica12,15
A, e pelo antigénio de Lansteiner Wiener. Para além destas, está presente ainda a proteína 4.2
22
Os mecanismos que permitem ao eritrócito manter a sua forma bicôncava ainda não
hemolítica; são múltiplas e heterogéneas, contudo, o seu efeito no fenótipo pode ser
classificado segundo quatro categorias: (i) esferocitose hereditária (HS), (ii) eliptocitose
hereditária (HE) e a sua forma severa, piropoiquilocitose hereditária (HPP), (iii) ovalocitose
sensivelmente 1% da população mundial, tenha um alelo mutado um defeito que cause HS,
A maior parte dos casos de HS são devido a um défice de banda 3, anquirina, proteína
anquirina (mais comum na europa); (3) deficiência da banda 3 (presente em um terço dos
doentes); (4) deficiência na proteína 4.2; (5) deficiência no complexo Rh (raro); (6) defeito
não identificado14.
23
vesiculação, traduzida por: diminuição do ratio superfície/volume (e formação de células em
forma de esfera9), desidratação (com aumento do CHGM para valores >360g/L11), e redução
se o defeito ocorrer na banda 3, as microvesículas vão ser deficitárias nesta molécula, levando
24
A expressão clínica desta patologia é relativamente uniforme entre a mesma família (a
não ser que esteja envolvido outro defeito co-herdado14), no entanto a severidade da doença
varia significativamente entre famílias18, devido à expressão desigual dos alelos mutados,6,14-
pode-se apresentar em qualquer idade (inclusive no período fetal, se doença severa9) mas é
mais frequentemente diagnosticada na infância9,11,16. Na maior parte dos recém nascidos, não
ano de vida14.
Cerca de dois terços dos doentes têm doença hemolítica moderada, palidez, icterícia (sinal
este subgrupo de doentes tem, quase invariavelmente, doença não dominante (tabela 4)14.
ocasionais anisopoiquilocitose
Hereditariedade AD AD AD AR
25
No hemograma, observa-se que a maioria dos doentes tem valores de hemoglobina
periférico e o VGM está normal -ou ligeiramente diminuído. Em situações de doença severa,
perda de membrana, que também explica o aumento da HGM (410g/l) e da CHGM (>360
g/l); o RDW encontra-se também elevado (>14)9,11,17. Dois outros parâmetros que poderão ser
ser complicada pela presença do síndrome de Gilbert, que aumenta a severidade e frequência
palidez central14) (figura 3), que apesar de auxiliarem o diagnóstico, não são específicos uma
vez que surgem também noutras situações mais frequentes como as anemias hemolíticas
26
complexo Rh e estomatócitos, mutação na β-espectrina e acantócitos (figura 3.), e mutação na
Figura 3: Esfregaço de sangue periférico em doente com HS. A) observa-se uma célula em cogumelo,
clássica da deficiência da banda-3 (seta verde), associadas a células esferocítica típicas (setas pretas), alguns
acantócicos (setas vermelhas) e um eritrócito basofílico (seta azul), devido ao stress hematopoiético. B)
defeitos na β-espectrina com numerosos acantócitos (setas vermelhas) em associação a esferócitos (setas
pretas). Adaptado de [13]
esfregaço de sangue periférico, conta-se também com testes especializados para auxiliar o
diagnóstico desta entidade9,11. Estes exames são particularmente importantes quando não
dos doentes com HS têm resultados normais (com amostras de sangue fresco), e pode-se obter
limitando a sua utilidade11,14. Atualmente, o uso rotineiro deste, não está recomendado9,18.
necessário para que a lise de 50% das células em amostra ocorra, em soluções de glicerol com
pH de 6.8515,16. À semelhança do teste OF, este não distingue HS de outras patologias que
27
cursem com a formação de esferócitos16, mas a sua sensibilidade é comparável com o teste da
hemólise em soluções hipertónicas quando ocorre rápida descida da temperatura de 37ºC para
0ºC16. É um bom teste de rastreio para a HS pelos seus altos valores preditivos18.
que se baseia na quantificação relativa de fluorescência média, que vai depender do número
entanto este cut-off é motivo de muito debate). Valores de diminuição de fluorescência >15%
de salientar que existem outras patologias que reduzem a intensidade da fluorescência emitida
piropoiquilocitose hereditária)11, que fazem diagnóstico diferencial com a HS pelo ESP, pelo
que este exame permanece como a ferramenta de diagnóstico de escolha no rastreio de HS13.
em que a deformabilidade das células é avaliada como uma equação contínua, que varia em
função da osmolalidade9 (figura 5). Na HS, o índice de alongamento máximo (EImax) está
direita e a osmolalidade no ponto igual a EImax/2 (O’) sofre um desvio para a esquerda
celular)9,13,19. Para se poder firmar o diagnóstico de HS, o Omin tem que sofrer um desvio
para a direita por mais de 21.5% e o AUC (área sobre a curva) tem que diminuir pelo menos
enorme desvantagem de só processarem amostras a fresco (< 16h após a colheita) o que se
permite detetar a proteína atingida na maior parte dos casos de HS9. A sua utilização está
indicada quando: os testes de screening são equívocos, se pretende fazer diagnóstico pré-natal
deve ser avaliado em conjunto com a contagem de reticulócitos, pois estas células apresentam
(polymerase chain reaction), é também possível em doentes não diagnosticados, com doença
severa; porém, uma vez que a maior parte das proteínas envolvidas são codificadas por genes
de grandes dimensões, e com múltiplos exões, esta análise nem sempre é exequível14.
DNA genómico e mRNA reticulocitário (sob a forma de cDNA); este método é útil na
envolvido18.
Apesar de muitos exames distintos estarem ao alcance do clínico, não existe nenhum
que consiga diagnosticar 100% dos casos de HS16 e, a positividade num destes, deve ser
sempre confrontada com a clínica e com o ESP18 (tabela 5). Segundo as guidelines
internacionais devem ser usados dois testes de screening em conjunto15: o EMA e o AGLT ou
30
Tabela 5: testes de rastreio no diagnóstico diferencial da HS e outras doenças do eritrócito associadas à
membrana. Adaptado de [15, 16, 18]
Fixação de
Diagnóstico OF AGLT Ectacitometria Criohemólise
EMA
Diminuição do
Esferocitose
Aumento tempo de lise Perfil HS Aumento Diminuído
hereditária
(<900s)
Esferocitose
Hereditária (não Normal Normal Perfil HE ? Normal
hemolítica)
Muito
diminuído
Piropoiquilocitose Diminuição do
Aumento Perfil distinto ? (abaixo do
hereditária tempo de lise
intervalo da
HS)
Estomatocitose
hereditária Aumento ? Perfil distinto ? Aumentado
hiperhidratada
Estomatocitose
Tempo de lise Normal/Aumen
hereditária Diminuída Perfil distinto ?
normal to
desidratada
Diminuído
?15/Perfil
Criohidrocitose ? ? ? (dentro do
distinto
intervalo HS)
31
4.3 Eliptocitose Hereditária (HE)
mutações de novo11.
exuberante ESP, a vasta maioria dos doentes são assintomáticos, e o diagnóstico feito
marcada icterícia e anemia6, que regridem passadas algumas semanas a meses6. Neste período
32
Apenas 10% apresentarão doença hemolítica, com anemia leve a moderada e,
VGM13.
No ESP, 10-100% dos GV observados são elíticos11,15. A forma destes pode ser
exageradamente alongada, caso a mutação em causa seja a da proteína 4.19,12. Na minoria dos
doentes com HE e sintomas hemolíticos, podem ser observados esquizócitos, para além dos
eliptócitos, no ESP.11.
Por ectacitometria encontramos uma curva trapezóide, com padrão específico de HE,
A eletroforese em gel (em doentes com mutações na proteína 4.1) revela uma ausência
desta, da p55 e sensivelmente apenas 30% do conteúdo normal de glicoforina C/D9. Caso a
mutação seja nos genes da espectrina, observa-se uma diminuição nesta12, e um aumento do
33
mutado da α-espectrina)16 para mutações que causam eliptocitose hereditária6,9,15,16. Existe
então uma forte associação entre a HE e a HPP, com aproximadamente um terço dos
Contrariamente à HE, quase todos os doentes vão apresentar sintomas e sinais compatíveis
com hemólise11.
muito diminuído (entre 50-60 fl) à custa da extensa fragmentação eritrocitária (característica
Alguns fragmentos podem ser contabilizados como plaquetas, dando origem a uma
manualmente9.
superiores a 21%, contudo, esta diminuição pode ser explicado pela fragmentação eritrocitária
(“células” com área de superfície muito reduzida); não obstante a esta redução, se os
membrana13, sendo portanto dispensável, este exame, na avaliação de um doente com suspeita
de HE ou HPP13,20.
34
HPP. Este polimorfismo é extremamente comum, sendo encontrado em heterozigotia e
alelo αLELY, mesmo em homozigotia, não é suficiente para causar doença -uma vez que a
Estudos moleculares não são necessários para o diagnóstico, mas podem ser úteis em
É causada por uma única deleção -transmitida de forma dominante- no gene SLC4A1,
que codifica a banda 36,9,21. Esta deleção condiciona uma alteração no transporte de
bicarbonato e cloro no GV, assim como, a formação oligómeros lineares únicos na membrana
duração)9.
ESP surgem ovalócitos (células de morfologia oval com uma banda transversa de palor21) e
35
Esta entidade nosológica apresenta um padrão de deformabilidade distinto ao
Ainda não foi completamente explicada a discrepância que se observa entre o fenótipo
leve e o robusto efeito que o defeito genético tem sobre a rigidez da membrana9,12.
A HSt é um espectro de doenças, cerca de 30-40 vezes menos comuns que a HS,
ou sintomas de hemólise)15,16.
A forma mais rara é a HSt hiperhidratada (OHSt), estando apenas descritos vinte casos
a nível mundial9. Pode ser causada por mutações na proteína banda 3, na glicoproteína
36
estomatócitos não deformáveis3,6. O número de estomatócitos (forma de boca) no ESP é
A mais comum é a HSt desidratada (xerocitose ou DHSt), causada por uma mutação
no gene PIEZO1 levando a um ganho de função nas proteínas PIEZO (são subunidades
(células de tamanho normal com a aparência de uma fenda ao longo de toda a célula) no
ESP9,12,15. Pseudohipercalémia pode estar presente, devido à perda e potássio dos eritrócitos
armazenados a temperatura ambiente, sem quaisquer consequências clínicas6,16. Para além dos
sintomas típicos de doença hemolítica, podem surgir edemas perinatais que resolvem
fazer acompanhar por hemólise. Esta patologia é descrita em doentes com mutações que
até 70% das células armazenadas em temperatura de refrigeração (4-8ºC), após 48h15,16. A
efluxo de iões de potássio que ocorrem nos GV armazenados por várias horas 15. O
hemograma é normal16.
O diagnóstico da OHSt e da DHSt pode ser conseguido pelos seus padrões específicos
37
diagnóstico da DHSt prende-se com o facto destes doentes não serem candidatos a
contraindicada15.
envolvidos, ou pela fotometria de emissão de chama para quantificar [K+] plasmático, e [K+] e
refrigeração) e frescas15.
38
5. Hemoglobinopatias
proteína tetramérica composta por dois pares de cadeias globínicas diferentes3. No adulto
saudável, a maior parte das moléculas de hemoglobina são do tipo A (constituídas por duas
cadeias α e duas cadeias β), e uma pequena parte do tipo A2 (constituídas por duas cadeias α e
duas cadeias 𝛿) e do tipo F3,22. Durante o período fetal, a hemoglobina predominante é do tipo
F (constituída por duas cadeias α e duas cadeias γ)22. As cadeias α-globínicas são codificadas
por dois genes altamente homólogos localizados no braço curto do cromossoma 16; as cadeias
globínicas β, 𝛿, e γ são codificadas pelos seus respetivos genes localizados no braço curto do
com a ordem com a qual são expressos durante o desenvolvimento, para produzir tetrâmeros
de Hb23. O switch da HbF para HbA e HbA2 é extremamente complexo e resulta da interação
principal função3.
dos genes das cadeias globínicas10. Com cerca de 7% da população portadora destas
problemas de saúde a nível mundial24. Ocorrem com incidência particularmente alta em países
39
adotar programas para identificar portadores adultos e rastreios neonatais para identificar
hemoglobinopatias qualitativas (sendo que a maioria não tem tradução fenotípica), mais de
330 que causam β-talassémia e mais de 200 que causam α-talassémia22. O fenótipo clínico,
originado por mutações nos genes das cadeias globínicas, vai depender não só do tipo de
mutação em causa, assim como, o local da molécula onde estas ocorrem: deleções, e mutações
(superfície, bolso heme, ou pontos de contacto) levam a alterações qualitativas, que estão
hemolítica hereditária são: as que têm alteração na solubilidade (HbS), as que oxidam
dos casos descritos parecem tratar-se de mutações de novo6), são causadas por defeitos
40
hemoglobina24. Estas são causa rara de anemia hemolítica e levam a um quadro clínico severo
homozigotia24.
localizadas próximas do bolso do heme, ou, no contacto entre as cadeias α1-β1 (maior
parte6)25.
intermitentes, por vezes precipitadas por infeções virais, ou fármacos24,26. Estão presentes
corpos de Heinz (que vão ser o reflexo da instabilidade da hemoglobina mutada que
precipita)26.
instável (HbX) em cerca de 50% dos casos. Independentemente da sua identificação no HPLC
o estudo molecular é obrigatório e inicia-se pelo gene da cadeia β-globínica (bastante mais
O diagnóstico deve ser suspeitado quando perante doentes com anemia hemolítica
crónica, inexplicada por outras patologias mais comuns26, e, se observa no ESP, corpos de
Heinz com o uso de coloração supra-vital. O estudo da família pode ser de extrema
41
confirmam o diagnóstico (tendo em atenção que valores superiores a 3% de HbF podem levar
As variantes clinicamente mais relevantes, e comuns, são a HbS, HbE, HbC, HbD-
Punjab
, e HbO-Arab, cada uma delas causada por substituições de nucleosídeos específicos no
gene que codifica a cadeia β-globínica (HBB)22. Estas patologias são raras e, em
menos severa22,24.
alvo no ESP e >81% de HbE no estudo de hemoglobinas por HPLC24,27. Além disso, visto
tratar-se ainda de uma molécula instável, podem ocorrer fenómenos hemolíticos na presença
O diagnóstico destas variantes pode ser feito através de estudos das diferentes
hemoglobinas, por HPLC ou por cromatografia de fase inversa (que permite o estudo das
cadeias globínicas de forma individual)25. Estes estudos não fornecem o diagnóstico definitivo
pelo que outros métodos (confirmatórios) devem ser utilizados para especificar a variante
nucleotídea presente, uma vez que variantes menos comuns podem não ter tempos de retenção
42
comummente utilizado nas variantes de Hb é o estudo molecular com recurso à sequenciação
do gene HBB22.
doença falciforme, sendo que os restantes são representados pela doença HbSC, ou pela co-
fenótipo falciforme, no entanto, são raros24,28. Salvo invulgares exceções, indivíduos com
apenas um alelo βS, são assintomáticos, clínica e hematologicamente3,24. Uma vez que tanto a
anemia falciforme, como os restantes síndromes falciformes são semelhantes, serão discutidos
indivíduos portadores pela sua resistência à malária -cujo mecanismo ainda não está
maior na África subsariana, onde cerca de 0.74% dos nados vivos são afetados pela doença28.
Estima-se que em Portugal, 0.5-1% da população seja portadora de um alelo βS, e que esta
A HbS é causada por uma mutação no 17º nucleosídeo -timina para adenina- que leva
hidrofílico, para valina, hidrofóbica)28,29. Esta mutação resulta numa nova ligação entre as
43
qual a cristalização ocorre depende principalmente da concentração de HbS, mas também do
A formação destes longos polímeros ativa uma cascata de alterações celulares, entre as
na lise do GV29.
fenómenos: oclusão vascular com lesão isquémica (causada pela deformação dos GV e
motivo de estudo28,29.
Novas evidências sugerem que a própria hemólise pode ser também um fator
disfunção vascular, e alterações proliferativas na íntima dos vasos), uma vez que, estas
hemoglobina livre no plasma gera espécies reativas de oxigénio que esgotam as reservas de
óxido nítrico (NO)28–30. A depleção crónica de NO leva à perda do seu efeito vasodilatador, e
44
intravascular e subsequente libertação de ferro livre, pelo heme, é também fonte de stresse
oxidativo, que, por via da ativação de múltiplos fatores de transcrição, permite o aumento da
reportam episódios de dor, contudo, 1% reporta mais de seis episódios por ano. Esta
variabilidade fenotípica pode ser parcialmente explicada pelos dois modificadores genéticos
α-talassémico pode ser observado em até 30% dos doentes de origem africana e até 50% dos
anemia falciforme varia entre 1% e 30% e esta variação vai explicar a parece explicar a
45
Figura 6: Fisiopatologia da anemia falciforme. NO = oxido nítrico; VCAM-1 = molécula de adesão celular vascular. Adaptado de [39].
46
O valor de hemoglobina dos doentes com drepanocitose está compreendido entre 60-
90g/l, e o VGM está dentro de parâmetros normais, traduzindo assim a presença de uma
anemia normocítica24. Os doentes com anemia falciforme têm leucocitose com neutrofilia, de
previsivelmente, aumentados30.
conjugação do quadro clínico (crises álgicas, síndromes agudas de órgão, e anemia hemolítica
foice-6, e pelo teste de falciformização eritrocitária26. Este último não deve ser realizado em
crianças com menos de 6 meses de vida uma vez que a maior concentração de HbF levará a
quantificação da HbS quer através da eletroforese (HPLC) e da sua confirmação por um teste
HBB28. O padrão da hemoglobina desta entidade por eletroforese ou HPLC mostra-se com
55-90% de HbS24.
fenótipo severo24.
De notar que existem pelo menos 13 outras variantes hemoglobínicas que resultam de
mutações adicionais, para além daquela presente na anemia falciforme, e que mantêm a
47
capacidade de polimerização. O seu padrão eletroforético, contudo, pode ser diferente daquele
5.3 Talassémias
As talassémias são das doenças genéticas mais comuns em todo o mundo, com mais
hemoglobina3,31.
capacidade de transporte de O2), mas mais importante, do desequilíbrio que se observa entre
Ao nível dos precursores eritrocitários, a rápida destruição de cadeias globínicas livres resulta
na destruição destes, na MO, o que significa que o quadro clínico da anemia por uma
48
5.3.1 α-talassémia
gene da α-globina, que levam a uma diminuição ou ausência de síntese24,31. Estão descritas
sensivelmente 200 mutações/deleções deste gene22. Em cada cromossoma 16, existem 2 alelos
que codificam a α-globina e a gravidade clínica vai depender do número de alelos afetados,
assim como do tipo de mutação presente31. As deleções eliminam total (α0) ou parcialmente
(α+) a produção de α-globina num determinado cromossoma (em Portugal as mais comuns são
mais grave31,32.
produzidas. Assim, indivíduos com apenas um alelo mutado, são portadores silenciosos, ou
apresentam índices eritrocitários borderline; indivíduos com dois alelos mutados (traço α-
Deleção dos quatro alelos da α-globina resulta em Hb Bart hidrópsia fetal, uma
cadeias γ em excesso vão formar homotetrâmeros (γ4), chamados de Hb de Bart; 6 meses após
o nascimento, são as cadeias β que formam tais homotetrâmeros (β4), a HbH, que devido à sua
instabilidade, precipitam nas células ainda em desenvolvimento31. A maior parte dos doentes
com HbH não irá depender de transfusões sanguíneas, mas o seu uso poderá ser necessário em
49
anemia variável (26-133 g/l) e quantidades variáveis de HbH (0.8-40%), esplenomegalia,
icterícia , úlceras nos membros inferiores, cálculos biliares, sobrecarga de ferro, e episódios
devido a uma mutação pontual no codão STOP do gene α2 (aquele que tem maior expressão),
apenas baixas quantidades de HbCS são produzidas34. Portadores desta mutação tendem a ter
manifestações ligeiramente mais graves da doença, uma vez que, para além da redução da
Os doentes com doença da HbH irão ter anemia de gravidade variável, com redução
período fetal, quando os níveis de cadeias α caem abaixo dos 70%, Hb Bart pode ser detetada.
No adulto, no ESP, podem ser identificadas as moléculas de HbH (corpos de inclusão) através
do uso do azul de cresil brilhante, e, se em quantidade suficiente, esta pode ser detetada
concentração de Hb e o valor do VGM vão ser tão mais baixos, quanto o número de alelos α
mutados24.
50
HbH mais tarde na vida31. Estudos moleculares do DNA (sequenciação) são essenciais para
5.3.2 β-talassémia
Existem mais de 300 alelos β-talassémicos, na sua maior parte, causados por mutações
pontuais no gene ou nas regiões que o flanqueiam, contudo, deleções removendo o gene β
também podem ocorrer22,23. Quando a β-globina é abolida pela mutação, estamos perante uma
talassémia β0 ao passo que, uma mutação que apenas reduza a síntese da cadeia, produz uma
mutações β+ idênticas podem ter uma extraordinária variação fenotípica: há doentes que são
Uma mutação que afete apenas um alelo, normalmente não terá importância clínica,
porém, indivíduos com dois alelos mutados sofrerão de anemia severa (β-talassémia
desequilíbrio que ocorre entre as cadeias α e β: as cadeias α em excesso irão precipitar nos
51
Numa β-talassémia major, o hemograma, evidencia uma diminuição da concentração
de Hb (<80g/l), com hipocromia (HGM <20pg) e microcitose (VGM <70 fl); se se tratar de
Doentes com β-talassémia minor (β0 ou β+ em heterozigotia, geralmente) têm apenas uma
ligeira anemia microcítica e elevação da HbA2 ao estudo eletroforético23; uma exceção a esta
regra ocorre quando, para além da mutação que condiciona uma alelo β0 ou β+, o doente herda
talassémia intermédia, o doente é normalmente uma criança mais velha, que se apresenta com
observação do ESP, e pela análise da hemoglobina: há um aumento das HbF e HbA2 (>3.5%)
com diminuição ou ausência de HbA; a HbE pode ser detetada em doentes com HbE/β-
5.3.3 δβ-talassémia
Ocorre devido a uma grande deleção no locus do gene da β-globina formando uma
na população de GV, cujo número absoluto pode estar aumentado. O estudo eletroforético
52
5.3.4 Variantes talassémicas – HbE/β-talassémia
clínica, e com enorme variabilidade fenotípica34. A HbE é uma variante estrutural β-globínica
que resulta tanto em diminuição da síntese da β-globina, como na formação de cadeias com
determinadas populações, até 50% dos indivíduos com β-talassémia major têm o genótipo
βE/β+ ou βE/β0.23,31,34
número absoluto pode estar aumentado. O estudo eletroforético revela níveis elevados de
53
6. Enzimopatias
relativamente limitadas, ainda assim, são capazes de o manter viável durante cerca de 120
nucleosídeos3,6,35. Têm como objetivo a manutenção da função adequada das bombas Na+/ K+,
manutenção da hemoglobina no seu estado reduzido e da sua afinidade pelo O2, manutenção
também a produção de NADH, cofator ao citocromo b5 redutase, que, por sua vez, é
pela via EMP para produzir ATP, e a restante metabolizada através da via das pentoses-
fosfato, cuja principal função é a síntese de NADPH35. O NADPH atua como cofator da
54
Figura 7: Vias metabólicas do eritrócito. Adaptado de [22] 55
No GV maduro, o conteúdo de nucleosídeos é regulado principalmente pelo
hemolítica, podem ser classificadas -arbitrariamente- segundo três tipos: (i) enzimopatias da
(tabela 6).
56
Tabela 6: Disturbios enzimáticos do eritócito. Adaptado de [22]
suscetibilidade a infeções6.
policitémia, uma vez que é alterada a afinidade da hemoglobina pelo oxigénio6, como tal, o
estudo das suas alterações está para além dos objetivos deste projeto. Todas as enzimopatias
consequente melhoria dos sintomas de anemia e maior tolerância aos esforços; este efeito
57
6.2.1 Piruvato Cinase (PK)
hemolítica causada por défices enzimáticos e condiciona doença de severidade variável, que
a relativa boa tolerância à anemia (habitualmente severa), uma vez que compensa
aos doentes tolerar valores de Hb mais baixos com menor sintomatologia, a acumulação de
2,3-DPG pode prejudicar ainda mais a glicólise devido à sua ação inibitória sobre a
hexocinase37.
A maior parte dos casos é causada pela herança de uma mutação missense (70%) na
180 mutações distintas que levam a anemia hemolítica por alteração da PK37.
58
melhorar com o envelhecimento e é relativamente constante na idade adulta, havendo
O mecanismo pelo qual o défice de ATP causa hemólise ainda não está
gravidade da clínica35.
sempre abaixo de 25% do normal, podendo estar próxima de zero35. Apesar deste ser um teste
relativamente simples, existem múltiplas situações que podem levar a falsos negativos ou
avaliação de qualquer enzima cuja concertação varie com a idade da célula deve ser
59
mutações em regiões regulatórias, e mutações que levem a splicing alternativo poderão não
diagnóstico é feito através da análise da sua atividade, tendo em conta que esta molécula está
aumentada em GV mais jovens -reticulócitos-, e que é uma mas enzimas com menor atividade
enzimática in vitro35,36.
O défice em GPI é a segunda causa de enzimopatia mais comum da via EMP 35; é uma
doença transmitida de forma recessiva e as mutações que a causam são, na sua maioria,
missense36,38.
hidrópsia fetal parece ser a complicação mais comum do défice de G6PI, em comparação com
as restantes enzimopatias; foram ainda descritas alterações em tecidos não eritróides levando
60
Analiticamente, estes doentes apresentam os sinais típicos de anemia hemolítica com
para menos de 25% da atividade normal, e não é influenciada pela presença de reticulocitose
em sangue periférico35,36.
envolvam a subunidade L vão levar apenas a anemia hemolítica crónica -normalmente ligeira-
6.2.5 Aldolase
A aldolase é uma enzima presente tanto no GV, como no tecido muscular, e permite a
hidroxiacetona36.
Anemia hemolítica crónica moderada a severa estava associada em todos35. Para além da
61
anemia estão associados outros sintomas como: oligofrenia, miopatia, e alterações
psicomotoras36.
Esta é a enzima com maior atividade in vitro e esta não está dependente do estado de
também aquela que está associada a maior severidade de sintomas; esta não está relacionada
com a diminuição da atividade enzimática, mas sim com a instabilidade da enzima em si39.
Dada a sua alta atividade enzimática, mesmo quando esta está severamente reduzida, é
infância precoce35,39.
que este aumento possa contribuir para o desenvolvimento dos sintomas neurológicos39.
Rapoport36.
62
O gene responsável pela codificação desta enzima está presente no cromossoma X,
deste modo, esta é das únicas enzimopatias associadas a uma mutação ligada ao X35,36.
variável uma vez que é raro os doentes exibirem estas três alterações35,36.
A atividade da enzima pode variar entre 0-20% do normal, porém, não existe
fosfoglicerato mutase, ou não causam hemólise, ou ainda não foi estabelecida uma relação
causal definitiva com esta6,35,36, uma vez que não há casos identificados na literatura.
cinase e a adenosina deaminase (metabolismo das purinas)35. Defeitos nestas vão levar a
dando origem a compostos solúveis e grupos fosfato35. A atividade da P5N reduz rapidamente
maturação eritrocitária, a muito rápida queda da atividade nos primeiros dias de maturação é
63
A deficiência em P5N é uma entidade transmitida recessivamente, com anemia
mecanismos precisos que levam à lise eritrocitária ainda não são totalmente conhecidos 40.
Sugere-se que o efeito metabólico exercido por estes compostos possa levar à alteração na
que o usam como cofator; a interferência do fluxo glicolítico através da competição pelos
locais de ligação do ATP das enzimas glicolíticas; o comprometimento do shunt das pentoses
devido à diminuição do pH intracelular que inibe a ação da G6PD; aumento dos níveis de
glutationa reduzida40.
hemólise crónica. A hemólise pode ser totalmente compensada em casos raros, mas é
com reticulocitose persistente e não relacionada com o grau da anemia40. Ao ESP observam-
se até 12% dos eritrócitos com ponteado basófilo grosseiro devido a precipitação intracelular
64
atividade enzimática desta40. Existem múltiplos procedimentos que permitem quantificar a
atividade enzimática desta, que se varia entre 1% e 64% da sua atividade normal. A atividade
residual não se correlaciona nem com o fenótipo clínico, nem com o número de reticulócitos
em sangue periférico40.
É uma doença autossómica recessiva rara -com apenas 12 famílias identificadas- que
das suas propriedades catabólicas, no entanto, o mecanismo fisiopatológico que leva a anemia
ainda não foi esclarecido e o fenótipo clínico correlaciona-se mais fortemente com o tipo de
alcançar o estado reduzido desta molécula, o eritrócito usa o desvio das pentoses-fosfato para
produzir NADPH35. Em condições normais, apenas uma minoria das moléculas de glicose é
desviada para a vias das pentoses-fosfato, porém, em situações de stresse, o fluxo de glicose-
6-fosfato por este shunt pode aumentar vinte vezes, por influência das enzimas TPI e
Distúrbios das enzimas associadas a estas vias normalmente causam hemólise apenas
aguda35.
65
6.4.1 Glicose-6-fosfato Desidrogenase (G6PD)
afeta mais de 400 milhões de pessoas a nível mundial35,43,44. Apesar de ser uma patologia
ocorrer em mulheres a partir dos 40 anos e pode levar ao desenvolvimento do fenótipo típico
raro a ocorrência de doentes do sexo feminino com homozigotia para alelos mutados43,44.
A razão pela qual esta patologia é tão prevalente é explicada pela vantagem seletiva
dos afetados à infeção por plasmodium, no entanto, os mecanismos pela qual esta vantagem
Clinicamente, esta patologia pode ser dividida em 5 classes, sendo que a maior parte
dos afetados pertence à classe II, III, e IV e estão associados apenas a episódios agudos de
contraste, a classe I tem níveis de atividade enzimática inferior a 1%, e está associada a
hemólise crónica não esferocítica, para além das crises hemolíticas supramencionadas35. A
classe V é composta por indivíduos que vêm a sua atividade enzimática de G6PD
aumentada44.
de G6PD, afetando principalmente aqueles com as variantes mais severas da doença, como a
66
As crises hemolíticas manifestam-se como episódios agudos de hemólise intravascular
chamadas de bite cells) que são GV com aspeto de mordedura, e com coloração supra-vital
Apesar da sua potencial gravidade, a maior parte das crises hemolíticas são autolimitadas,
uma vez que à medida que as células mais antigas lisam -devido ao stresse oxidativo-, são
substituídas por células mais jovens, com níveis maiores de atividade enzimática43.
doentes com atividade enzimática extremamente baixa; estes indivíduos apresentam-se com
hiperferritinémia). Para além da doença crónica, as crises agudas são também possíveis e com
sinais e sintomas não hematológicos, como doença granulomatosa crónica, devido a disfunção
neutrofilica. A relativa não afeção das células nucleadas é explicada pela sua constante
produção enzimática43.
67
Existe um elevado número de mutações associadas a esta patologia, algumas das
quais, com frequência superior a 1%, passando então a chamar-se variantes polimórficas43.
responsável pela vasta maioria de défice de G6PD em África43. Estas variantes polimórficas
vão são incluídas na classe II (atividade enzimática entre 1-10%44) e III (atividade enzimática
entre 10-60%44)43.
causadas maioritariamente por mutações missense; estão associadas a hemólise crónica, e são
de classe I43. Não existem mutações nonsense ou frameshift desta enzima especulando-se que
podendo ambos serem falsamente negativos, se o indivíduo em causa estiver na fase de estado
68
6.4.3 6-Fosfogluconato Desidrogenase (6PGD); γ-glutamil-cisteína-sintetase / Glutamato
As deficiências nestas enzimas são raras e condicionam apenas hemólise ligeira, sendo
69
7. Microangiopatias Trombóticas Hereditárias (TMA) hereditárias / Anemia
proteínas-controlo do complemento em até dois terços dos doentes com síndrome hemolítico
urémico atípico, surge a necessidade de separar estas duas entidades, que têm fisiopatologia,
O diagnóstico destas duas patologias passa pela exclusão de outras causas de hemólise
pancreatite, hipertensão severa (não exclui formas frustes de aHUS), fármacos (ticlopidina,
70
7.1 Púrpura Trombocitopénica Trombótica Congénita
menos de 10% dos casos de TTP49,50. As mutações (maior parte missense50) são herdadas
recessivamente51, podem ocorrer dispersadas por todo o gene (não sendo conhecidos
-secretados pelas células endoteliais- em formas mais pequenas, hemostaticamente ativas, mas
não protrombóticas51.
agregados depende de vários fatores, sendo que o mais importante é o perfil tensional de
ser suficiente para ativar o VWF e a sua interação com a plaqueta não irá ocorrer (mesmo
perante deficiência severa da ADAMTS13): este fenómeno irá explicar a grande variabilidade
clínica encontrada46. Existem doentes que têm a sua primeira manifestação da doença na
(definida por uma atividade da protéase menor que 10%); estes doentes têm acumulação de
multímetros VWF ultra-grandes, não clivados, e estes, podem fazer parte do principal
mecanismo fisiopatológico neste grupo de doentes49. Estes indivíduos têm um risco de 41%
atividade superior a 10%49. Doentes com alguma atividade residual da ADAMTS13 estão
71
relativamente protegidos até que algum evento desafie o seu precário equilíbrio (gravidez,
Estudos sugerem que doentes com baixos níveis de ADAMTS13 (<5%) têm tendência
creatinina sérica (≤ 2.26 mg/dl), e anticorpos antinucleares positivos: a combinação destes três
critérios obteve uma especificidade de 98.1% na identificação de doentes com baixos níveis
da protease47,52. O uso da contagem das plaquetas e da creatinina sérica poderá assim prever
alterações neurológicas (25-79% dos doentes52), dor abdominal, pancreatite, enfarte agudo do
reduzida da ADAMTS13 (<10%) e não tem presentes anticorpos inibitórios para esta
proteína53.
De notar que os afetados podem apresentar lesão renal aguda e ser erroneamente
diagnosticados com aHUS até que seja realizado o teste da atividade da ADAMTS1346,47. Da
72
causas alternativas que possam explicar estes achados), redução da atividade da ADAMTS13,
clássica, da lectina, e alternativa. As vias clássica e da lectina são ativadas por complexos
(C5b-9) e de toxinas anafilactóides (C3a e C5a). A via alternativa, tem como função a
amplificação das anteriores, e está regulada por múltiplas proteínas (fator I, fator H, CD46, e
73
A aHUS resulta da deficiente regulação do sistema complemento46. Pode resultar de
ganho de função (do fator B, do C3), ou ainda da presença de autoanticorpos para o fator H
(extremamente raros55) 46, cujo estudo está para além do objetivo deste projeto. Porque a lista
aHUS46,47,54.
consequente edema de múltiplos órgãos; clinicamente, este edema reflete-se por: lesão renal,
Doentes que apresentem lesão renal irão ter um prognóstico menos favorável: cerca de metade
chegarão a um estádio de doença renal terminal no primeiro episódio de aHUS e dois terços
neurológicos, pelo que a presença/ausência destes não podem ser usados na distinção entre
sensíveis no diagnóstico desta patologia, inobstante, o uso deste teste tem ainda utilidade na
74
Biomarcadores que traduzem a ativação desregulada do complemento, como o C3,
fator H ou C4, são de utilidade limitada, uma vez que apenas um terço dos doentes (com
O diagnóstico de aHUS pode ser sugerido num doente com MAHA, atividade não
plaquetas mais altas que na entidade anterior, sendo que alguns doentes podem apresentar
uma contagem normal56), ausência de outra patologia que possa explicar o quadro clínico, e
definitivo pode necessitar do sequenciamento de múltiplos genes (em até 50% doentes, o
diagnóstico é apenas inferido com base na sua melhoria clínica após tratamento
Atualmente, a procura por novos MCD para a aHUS são uma área de intensa investigação.
75
8. Anemia Deseritropoiética Congénita (CDA)
(tipo 1, tipo 2, e tipo 3) baseado na morfologia dos eritroblastos a nível medular 57. Em geral,
o diagnóstico destas entidades faz-se pela presença de quatro critérios: presença de anemia
exame da MO, e exclusão de outras síndromes que preenchem os dois primeiros critérios
(talassémias)57.
nos genes envolvidos, sugere-se que a CDA-1 resulta de defeitos na replicação de DNA e da
organização da cromatina58.
alterações esqueléticas (polidactilia ou sindactilia), e, nos casos mais severos, expansão dos
ossos frontal e parietal. Praticamente todos os doentes irão desenvolver sobrecarga de ferro57.
O valor da hemoglobina varia entre 70-111 g/l e a anemia é macrocítica (VGM 100-
120 fl), o RDW encontra-se aumentado e o número de reticulócitos está abaixo daquele que se
76
aumentados57,59. Ao ESP observa-se anisopoiquilocitose, ponteado basófilo em alguns GV, e
precursores eritróides57,60.
estes doentes apresentam eritroblastos com heterocromatina com aspeto de “queijo suíço”61.
O diagnóstico da CDA-1 pode ainda ser alcançado através da sequenciação dos genes
afetados60,61.
20q11.260, mais especificamente no gene SEC23B (cuja proteína está envolvida nas vias
indicam que a fisiopatologia desta doença está relacionada com defeitos na glicosilação das
O diagnóstico desta patologia costuma ser mais tardio, devido à menor severidade da
59
anemia associada (Hb (g/l): 95±7 ); para além desta, os doentes apresentam-se ictéricos,
clínica semelhante à HS, pelo que uma correta avaliação do número de reticulócitos (normal
77
ou ligeiramente aumentado, e inapropriadamente baixo para o valor de Hb59) e do valor da
ferritina, são essenciais para o diagnóstico diferencial entre estas duas entidades61.
endoplasmático)57,60.
Os eritrócitos dos doentes com CDA-2 sofrem lise em soro acidificado (teste de Ham),
destes61 .O teste de Ham tem alta especificidade no diagnóstico da CDA-2, porém, devido à
aglutinam em soro contendo anticorpos anti-antigénio i e, apesar desta resposta ser altamente
provou-se extremamente importante uma vez que identifica um perfil típico da proteína de
do gene mutado, não sendo necessários outros testes como a microscopia eletrónica da MO ou
o SDS-PAGE58.
também descritos mutações de novo57,58,60. É causada por uma mutação no gene KIF23
78
A clínica é menos severa que os restantes subtipos, e a anemia é ligeira. Os doentes
apresentam-se com alterações oculares, não têm sobrecarga de ferro (porque têm anemia
O valor da hemoglobina varia entre 80-140g/l, o VGM está aumentado e o RDW está
multinucleadas ou com poliploidia (conteúdo de DNA pode ser até 48 vezes mais que o
normal)60.
São outras formas de CDA que não se enquadram em nenhumas das patologias
supracitadas, (refletindo a grande variabilidade que existe neste grupo de doenças) causadas
por defeitos em múltiplos outros genes incluindo os fatores de transcrição específicos da linha
eritrocitária (GATA-1 e KLF1) e noutros onde a CDA faz parte de uma síndrome clínica mais
alargada58.
79
9. Conclusão E Proposta De Um Algoritmo De Diagnóstico
exaustiva.
e tecnicamente exigentes, não devemos descurar os meios mais básicos, por sua vez, mais
irrefletido destes, que tornam apenas mais moroso e dispendioso, o correto diagnóstico do
doente.
determinados fatores que podem conduzir a suspeição para determinadas doenças, e afastar
definitivo. O diagnóstico exato é crucial uma vez que não existem medidas terapêuticas que
não estejam isentas de riscos de agravamento da saúde do doente. De notar, que não estão
contempladas no algoritmo, situações onde mais de uma entidade nosológica está presente,
assim como doentes com múltiplas comorbilidades com potencial de mascarar o diagnóstico.
80
Futuramente, pesquisas adicionais devem ser levadas a cargo de forma a testar e
81
Figura 9: Proposta de algoritmo diagnóstico para as anemias hemolíticas hereditárias
82
10. Agradecimentos
Aos meus pais, Renato e Rosalina, e à minha irmã Ana, pelo incansável apoio.
Aos meus amigos e colegas, Filipe, André, e Patrícia por me terem acompanhado nesta
83
11. Referências bibliográficas
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