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2004 Agricultura Sustentabilidade

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Agricultura e sustentabilidade

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29

5 AUTHORS, INCLUDING:

Maria-Leonor Lopes Assad Jalcione Almeida


Universidade Federal de São Carlos Universidade Federal do Rio Grande do Sul
27 PUBLICATIONS 55 CITATIONS 24 PUBLICATIONS 12 CITATIONS

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Available from: Maria-Leonor Lopes Assad


Retrieved on: 25 September 2015
AGRICULTURA E SUSTENTABILIDADE
CONTEXTO, DESAFIOS E CENÁRIOS*

Maria Leonor Lopes Assad e Jalcione Almeida

Resumo

Forçoso é reconhecer que as propostas de agricultura sustentável


ainda são minoritárias e incipientes em certos contextos sociais
da produção agrícola brasileira, até mesmo marginalizadas,
mesmo se reconhecendo que em algumas regiões tem-se
avançado consideravelmente nesta direção com a implementação
de políticas públicas (de extensão e assistência técnica, de
pesquisa agrícola, de aporte de recursos financeiros em
programas específicos para a produção agrícola sustentável,
dentre outras). A generalização dessas propostas passa por
várias questões que ainda não estão sendo devidamente tratadas,
fazendo parte de um processo educativo e de uma ação coletiva
concertada necessários à construção de um movimento
sociopolítico mais amplo. No entanto, encontrar maneiras de
direcionar o desenvolvimento agrícola e rural para formas mais
sustentáveis, que atendam a exigências econômicas, sociais e
ambientais, constitui tarefa muito difícil e exige mudanças
estruturais de médio e longo prazos, especialmente dentro do
contexto agrícola atual francamente favorável ao agronegócio e
ao aprofundamento de certos princípios da “Revolução Verde”.
Este artigo reflete sobre os desafios e as condições sociopolíticas
para a consolidação da agricultura sustentável, concluindo com a
apresentação e breve discussão de três cenários para sua
efetivação.

Maria Leonor Lopes Assad é engenheira agrônoma, doutora em Ciência do Solo e


professora do Departamento de Recursos Naturais e Proteção Ambiental da
Universidade Federal de São Carlos, Campus de Araras, São Paulo. E-mail:
assad@cca.ufscar.br

Jalcione Almeida é engenheiro agrônomo, mestre e doutor em Sociologia e professor


do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural e da Faculdade de
Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande
do Sul. Líder de pesquisa do Grupo TEMAS – Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade
(UFRGS). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: jal@ufrgs.br.

* Artigo publicado em Ciência & Ambiente, n. 29, 2004. p.15-30.


2

Agriculturas no Brasil: diferentes padrões com resultados distintos

A atividade agrícola, enquanto produção de plantas e animais num local


determinado, visando a alimentação de uma comunidade, remonta há pelo menos
10.000 anos a.C (Mazoyer e Roudart, 1997; Diamond, 2003; Olson, 2003)1 . Na pré-
história, o uso do fogo para limpeza de áreas, de algumas ferramentas para cultivo da
terra e de plantios sem preparo do solo eram algumas das práticas que permitiram a
formação dos primeiros aglomerados humanos, mais ou menos fixos.
De lá para cá, muita coisa mudou. A agricultura se espalhou pelo mundo inteiro.
As plantas cultivadas e os animais criados passaram por modificações genéticas que
permitiram sua adaptação a diferentes ambientes, sem perdas drásticas de produtividade.
Aumentou-se a diversidade de produtos obtidos por meio da atividade agrícola. O
avanço do conhecimento sobre o funcionamento dos diferentes sistemas que compõem e
sustentam a vida na Terra permitiu o desenvolvimento de técnicas que possibilitaram o
aumento da oferta de alimentos e a melhoria da dieta humana, pelo menos para o
segmento da população mundial que dispõe de acesso à alimentação nutricionalmente
equilibrada. Mas duas coisas não mudaram: para produzir alimentos que atendam às
necessidades da população humana é necessário fazer agricultura e, praticá-la, causa
impactos no ambiente.
Ao longo da história da humanidade, a agricultura influencia e é influenciada por
mudanças políticas, sociais e culturais (Diamond, 2003; Olson, 2003)2 . O Brasil, país de
dimensões continentais, que guarda desigualdades sociais e econômicas acentuadas, tem
sua história marcada pela agricultura. Desde o século XVI, quando o Brasil colônia era
exportador de pau-brasil, até os dias de hoje, a riqueza do país se apóia em produtos
primários, com produtos agrícolas respondendo por parte importante do Produto Interno
Bruto (PIB).
Em 2000, a agricultura brasileira empregou cerca de 24% de toda a população do
país e participou com cerca de 7,6% da formação do PIB3 , o que correspondeu a R$86
bilhões. Desde a matéria-prima agrícola até sua industrialização e comercialização,
incluindo os setores fornecedores de insumos, máquinas e implementos, naquele ano a
contribuição da agricultura foi de cerca de 27% do PIB, ou seja, perto de R$306,86
bilhões4 .
Em 2002, o PIB primário da agricultura, que indica o desempenho da atividade
agrícola e pecuária, sem o cômputo da parcela referente aos insumos, processamento e
distribuição dos produtos, foi de R$125,79 bilhões, ou seja, cerca de 11,5% do PIB
total. A performance positiva do PIB total foi impulsionada basicamente pelo PIB
primário da agricultura, que teve recorde de crescimento em 2002, alcançando a taxa de
17,46%, isto é, cerca de duas vezes mais do que o resultado registrado em 2001, que
cresceu 8,65%5 . O PIB global da agricultura brasileira6 (lavouras e pecuária), com o
cômputo da parcela referente aos insumos, processamento e distribuição dos produtos,
cresceu 8,37% em 2002, fechando o ano com um total de R$424,32 bilhões. A preços
de 2002, o resultado reflete um ganho de R$32,79 bilhões na comparação com 2001.
Neste ano, a atividade agrícola representava 27% da renda nacional, sendo que em 2002
esse percentual fechou em 29%. Conforme dados de 2003, os chamados complexos da
soja e de carnes, juntos, contribuíram com cerca de 40% das exportações agrícolas, estas
aumentando em 23% se comparadas a 2002.7 Nos últimos dez anos constata-se que o
PIB brasileiro aumentou cerca de 20%, passando de cerca de R$1,37 trilhões em 1994
para cerca de R$1,65 trilhões em 2003, enquanto que o PIB do agronegócio aumentou
em mais de 21% no mesmo período, passando de R$419 bilhões para R$508 bilhões
(Figura 1).
3

Figura 1: Participação do agronegócio, da agricultura e da pecuária no PIB


brasileiro no período de 1994 a 2003, em bilhões de reais (valores corrigidos para
2003). Fonte: CNA/CEPEA/USP, 2003.

1.800
1.600
1.400
1.200
R$ bilhões

1.000
800
600
400
200
0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Ano
Total Agronegócio PIB Brasil Agricultura Pecuária

Conforme salientam Barros e Silva (2004), os aumentos de produtividade


contribuíram para a competitividade e eficiência do agronegócio brasileiro e foram
alcançados graças a uma verdadeira revolução tecnológica8 . Em termos de balança
comercial, a agricultura apresentou, em 2001, um superávit de US$19 bilhões, enquanto
a balança comercial brasileira não passou de US$2,6 bilhões.9 Isto significa que as
contas nacionais têm sido equilibradas pelos saldos positivos entre exportações e
importações que o setor agrícola apresenta. As exportações deste setor alcançaram
US$23,9 bilhões (15,8% acima de 2000) e as importações US$4,9 bilhões, dos quais
US$1,2 bilhão refere-se ao trigo. Do total de US$58,2 bilhões exportados pelo País em
2001, 41,1% referem-se a produtos oriundos da agricultura, com especial destaque para
o complexo soja (US$ 5,3 bilhões), carnes (US$ 2,5 bilhões), açúcar e álcool (US$2,4
bilhões) e calçados (US$ 1,4 bilhão). Para os anos de 2002 e 2003, os saldos agrícolas
na balança comercial foram de 20,3 e 25,3 bilhões de dólares, respectivamente10 . Se
considerarmos as barreiras não-tarifárias do comércio internacional, as medidas
protecionistas e os subsídios para o setor, praticados pelos países ricos, percebe-se que a
importância da agricultura brasileira torna-se ainda maior.

Agronegócio e agricultura familiar

Nos últimos anos, nos meios acadêmicos brasileiros e no debate social sobre o
papel do agronegócio e da agricultura familiar, tem sido comum apresentar esses dois
“setores” como tendo interesses muito antagônicos. Vários estudos têm provado que,
além de empregar um contingente significativo de pessoas, um segmento consolidado
4

da agricultura familiar tem contribuído muito para as exportações e para o atendimento


do mercado interno, em nada devendo às dinâmicas produtivas do agronegócio. Assim,
parece equivocado associar agronegócio unicamente à agricultura patronal, esta por
vezes pouco produtiva, bem como associar agricultura familiar exclusivamente à
produção de subsistência.
Estudos feitos pelo INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária, em convênio com a FAO – Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação, com base nos dados do Censo Agropecuário 1995-1996, revelam que do
total de 4.859.732 estabelecimentos rurais existentes àquela época no país, 85,2%
pertenciam a grupos familiares, enquanto que 11,4% pertenciam à categoria patronal11 .
Esses estabelecimentos familiares receberam 25,3% dos financiamentos agrícolas e
foram responsáveis por 37,9% do valor bruto da produção total (VBP) gerado pela
agricultura brasileira naquele ano. Por outro lado, os chamados estabelecimentos
patronais receberam 75% dos financiamentos e produziram 61% do VBP (Tabela 1).
Esse mesmo estudo aponta que os estabelecimentos familiares respondiam por 50,9% da
renda total agropecuária (RT) de todo o Brasil, equivalente a R$22 bilhões. A maior
participação dos agricultores familiares na RT do que no VBP pode ser explicada pelo
fato de a contabilização da renda desprezar os gastos de produção incorridos pelos
agricultores12 .
Outro dado revelador diz respeito à renda total por hectare, demonstrando que a
agricultura familiar é muito mais eficiente que a patronal, em todas as regiões
brasileiras, produzindo uma média de R$104/ha/ano contra apenas R$44/ha/ano dos
agricultores patronais13 (Figura 2).

Tabela 1: Número total, área total, valor bruto da produção (VBP) e


financiamento total (FT) por categorias de estabelecimentos rurais existentes no Brasil,
segundo os dados do Censo Agropecuário 1995-1996 (valor zero indica número
desprezível).
Número % Área %Área VBP total % FT %FT
Categorias Total Número Total Total (mil R$) VBP (mil R$)
Total (mil ha) total

Familiar 4.139.369 85,2 107.768 30,5 18.117.725 37,9 937.828 25,3

Patronal 554.501 11,4 240.042 67,9 29.139.850 61,0 2.735.276 73,8

Instituições 7.143 0,2 263 0,1 72.327 0,1 2.716 0,1


Religiosas

Entidades 158.719 3,2 5.530 1,5 465.608 1,0 31.280 0,8


Públicas

Não 132 0,0 8 0,0 959 0,0 12 0,0


identificado

Total 4.859.864 100,0 353.611 100,0 47.796.469 100,0 3.707.112 100,0


Fonte: Guanziroli, C.E e Cardim, S.E.C.S. (coord.) Relatório de Cooperação Técnica
INCRA/FAO. Brasília: INCRA. 1999. 87p.
5

Não resta dúvida, no entanto, que o processo histórico de modernização


tecnológica da agricultura brasileira tem natureza excludente e tem por face mais visível
o chamado apropriacionismo, ou seja, o processo progressivo de diminuição da fatia da
renda do valor agregado final operado dentro das unidades de produção rural14 . Por
outro lado, é crescente o reconhecimento de que, mesmo no extrato de agricultores
considerados como agricultores familiares, a agricultura não é mais vista como uma
atividade autônoma completamente dissociada de demandas externas, sejam impostas
por mercados locais, sejam pela conjuntura estruturada em torno do grande
agronegócio.

Figura 2: Renda total agrícola (RT) por hectare por ano (R$/ha/ano) dos
estabelecimentos rurais patronais e familiares, segundo dados do Censo Agropecuário
1995-1996. Fonte: Guanziroli, C.E e Cardim, S.E.C.S. op. cit.

300
241
250
R$ / ha / ano

200

150 129
99 104
100 85
70
51 48 44
50 37
25
12
0
Norte Nordeste Centro- Sudeste Sul Brasil
Oeste

Familiar Patronal

O caráter heterogêneo da agricultura brasileira, reflexo de ambientes15 diversos


num país de dimensões continentais, se expressa tanto nas categorias patronal quanto
familiar. No entanto, a agricultura familiar assume um caráter muito mais heterogêneo
do que a agricultura patronal, por ser estruturalmente mais dependente das limitações e
potencialidades do ambiente. Esse caráter heterogêneo da agricultura brasileira impede
a adoção de padrões homogêneos e impõe desafios distintos, que serão abordados aqui
apenas de forma genérica, para efeito de síntese.

Os desafios atuais da agricultura

O bom desempenho econômico da agricultura evidencia seu dinamismo e sua


importância no Brasil. Entretanto, é necessária uma análise mais detalhada da situação e
dos desafios impostos aos agricultores brasileiros, visto que seus resultados não têm
proporcionado, de imediato, uma efetiva e generalizada melhoria da qualidade de vida
no meio rural.
Em estudo realizado a partir da análise da evolução, entre 1985 e 1996, da
produção de alimentos da cesta básica (arroz, feijão, mandioca, milho e leite) nas
Mesorregiões Norte de Minas e Jequitinhonha, em Minas Gerais, que apresentam Índice
de Desenvolvimento Humano muito baixo, Fernandes Filho et al. (1999) mostram que a
6

indústria rural manteve e provavelmente aumentou a sua importância em termos de


geração de renda na agricultura regional, com significativa contribuição para a renda
monetária dos estabelecimentos familiares (com até 100 hectares), apesar de ter havido
queda da produção e do número de estabelecimentos que informaram desempenhar
atividades de transformação em bases artesanais de alimentos16 .
Por outro lado, estudos realizados pela Embrapa Soja sobre a área trabalhada
pelos produtores de soja nas diversas unidades da federação, na década de 1990,
indicam que a grande expansão deste cultivo no Centro-Oeste se realizou e está se
realizando de forma extensiva, aproveitando economias de escala, enquanto que no Sul
(Rio Grande do Sul e Paraná) houve e está havendo uma tendência de aumento da área
das unidades produtivas, pois a produção de grãos de soja não se sustenta mais em
pequenas unidades que procuram fazer dessa atividade a sua principal fonte de receita.17
Dados censitários indicam que houve uma diminuição de 177.206 estabelecimentos, que
a grande produção de soja nos anos 1990 estava concentrada em propriedades cuja área
era superior a 200 ha (65%) e que a tendência é dessa produção se concentrar cada vez
mais em propriedades acima dos 500 ha.
Barros (2003), discutindo o Plano de Safra 2001/2002, indica que este tinha por
estratégia concentrar apoio na esfera financeira e ajustar apenas moderadamente os
preços, contando com o câmbio para incrementar a rentabilidade do setor18 . Na safra
2000/2001, o arroz, por exemplo, que conta com estoques públicos elevados, teve seu
preço reduzido em 5%, enquanto que o milho foi reajustado em apenas 2%, apesar de
ter apresentado expansão de produção da ordem de 29%.
Esses fatos colocam em evidência mudanças no padrão agrícola brasileiro, que
vêm ocorrendo de meados da década de 1990 para cá. A agricultura não está mais sendo
vista como uma atividade primária isolada, estando cada vez mais associada aos setores
industriais e comerciais. Além disso, mudanças globais fazem com que países
dependam da importação de alimentos e que programas nacionais agrícolas, que antes
visavam a auto-suficiência, hoje contribuam para o excesso de produção.
Atualmente, um grande desafio para o agricultor-produtor de alimentos é
entender que não basta produzir. É necessário considerar toda a cadeia que leva o
produto ao consumidor e isto exige profissionalização da atividade agrícola. Os
tradicionais ciclos de preços de mercadorias perderam sua estabilidade (as fases de
preço baixo eram seguidas, com confiança relativa, por fases de preço alto). A
especialização cada vez maior de alguns segmentos da produção agrícola, como a
avicultura, suinocultura, fruticultura, cafeicultura e outros, e a diminuição de sistemas
de produção diversificados, de pequeno e médio porte, resultam em menor flexibilidade
para reduzir a produção, em resposta a baixos preços de um dado produto.
Conseqüentemente, as fases de preço baixo ficam mais longas e as de alto preço, mais
curtas, a não ser que se apliquem outros mecanismos reguladores de preço, além da
quantidade. Como resultado, muitos produtores tentam participar das cadeias de
produção de valor agregado. As cadeias de produção de alimento tentam estender a
transparência e a rastreabilidade do produto agrícola até a propriedade, e exigem
medidas de manejo ambiental, bem-estar de trabalhadores e de animais e segurança
alimentar, as quais criam novas tarefas e responsabilidades para os agricultores,
extensionistas e pesquisadores19 .
Consumidores dos países industrializados, importadores de produtos primários
de países como o Brasil, exigem uma variedade cada vez maior de critérios de qualidade
antes de comprar alimentos20 , alguns deles inatingíveis. Estas mudanças causam grandes
impactos na cadeia de produção de alimentos, com implicações mais drásticas na área
da produção agrícola, especialmente entre pequenos e médios agricultores que não
7

participam de organizações e/ou são pouco integrados em circuitos de


comercialização21 .
Duarte (1998), discutindo o desenvolvimento agrícola dos Cerrados, destaca que
no Brasil a globalização e a modernização da agricultura trouxeram como correlatos do
desenvolvimento econômico e tecnológico, a degradação e o esgotamento dos recursos
naturais, bem como a concentração fundiária e de renda e, conseqüentemente, a
exclusão e a violência no setor rural22 . Os cinco produtos agrícolas mais importantes
que contribuem para as exportações (67% em 2002 e 60% em 2003)23 são produzidos
por meio de práticas agrícolas, em geral, altamente sensíveis às relações entre meio
ambiente, agricultura e o desenvolvimento (rural e nacional), pois estão, de uma forma
ou de outra, associadas ao desmatamento, à erosão e à contaminação dos solos e dos
mananciais hídricos.
Embora a sustentabilidade da agricultura seja defendida e almejada por diferentes
setores produtivos e por diferentes segmentos sociais, ela ainda se apresenta utópica. As
alternativas de manejo agrícola sustentável, que permitem a minimização de danos
ambientais, esbarram muitas vezes em interesses econômicos distintos. Além disso,
mesmo quando se observa uma melhora na relação agricultura e ambiente, por meio de
tecnologias consideradas menos agressivas24 , esta nem sempre está associada a uma
sustentabilidade social. Ou seja, a sustentabilidade está se impondo muito mais pelo
aporte da questão ambiental do que pelo lado da justiça social25 .
Constata-se, pois, que a atividade agrícola, reconhecidamente essencial para a
produção de alimentos e de produtos de primeira necessidade para o bem-estar humano
(fibras, couros etc.), gera inúmeros desafios. De maneira geral, esses desafios são
colocados tanto para governos e sociedade como para os agricultores e podem ser
considerados a partir de cinco vertentes básicas:

a) desafio ambiental - considerando que a agricultura é uma atividade que causa


impactos ambientais, decorrentes da substituição de uma vegetação naturalmente
adaptada por outra que exige a contenção do processo de sucessão natural, visando
ganhos econômicos, o desafio consiste em buscar sistemas de produção agrícola
adaptados ao ambiente de tal forma que a dependência de insumos externos e de
recursos naturais não-renováveis seja mínima;
b) desafio econômico - considerando que a agricultura é uma atividade capaz de gerar, a
curto, médio e longo prazos, produtos de valor comercial tanto maior quanto maior for
o valor agregado, o desafio consiste em adotar sistemas de produção e de cultivo que
minimizem perdas e desperdícios, que apresentem produtividade compatível com os
investimentos feitos, e em estabelecer mecanismos que assegurem a competitividade
do produto agrícola no mercado interno e/ou externo, garantindo a economicidade da
cadeia produtiva e a qualidade do produto;
c) desafio social - considerando a capacidade da agricultura de gerar empregos diretos e
indiretos, e de contribuir para a contenção de fluxos migratórios, que favorecem a
urbanização acelerada e desorganizada, esse desafio consiste em adotar sistemas de
produção que assegurem geração de renda para o trabalhador rural e que este disponha
de condições dignas de trabalho com remuneração compatível com sua importância no
processo de produção. Considerando o número de famintos no planeta26 , e
particularmente no Brasil, é necessário que a produção de agrícola contribua para a
segurança alimentar e nutricional27 . Considerando ainda que o contexto social não é
uma externalidade de curto prazo do processo produtivo e, portanto, do
desenvolvimento, é necessário construir novos padrões de organização social da
8

produção agrícola por meio da implantação de reforma agrária compatível com as


necessidades locais e da gestação de novas formas de estruturas produtivas28 ;
d) desafio territorial – considerando que a agricultura é potencialmente uma atividade
capaz de integrar-se a outras atividades rurais, esse desafio consiste em buscar a
viabilização de uma efetiva integração agrícola com o espaço rural, por meio da
pluratividade e da multifuncionalidade desses espaços29 ;
e) desafio tecnológico – considerando que a agricultura é fortemente dependente de
tecnologias para o aumento da produção e da produtividade, e que muitas das
tecnologias, sobretudo aquelas intensivas em capital, são causadoras de impactos ao
ambiente, urge que se desenvolvam novos processos produtivos onde as tecnologias
sejam menos agressivas ambientalmente, mantendo uma adequada relação
produção/produtividade.
Esses desafios são tanto maiores e mais complexos quanto maior o número de
limitações impostas pelo ambiente e, para superá-los, é necessário um profundo
conhecimento sobre o meio, tanto em seus aspectos físicos e biológicos quanto em seus
aspectos humanos. É necessária uma nova (agri)cultura que concilie processos
biológicos (base do crescimento de plantas e animais) e processos geoquímicos e físicos
(base do funcionamento de solos que sustentam a produção agrícola) com os processos
produtivos, que envolvem componentes sociais, políticos, econômicos e culturais. Essa
abordagem deve se basear no conhecimento que se tem hoje do funcionamento dos
ecossistemas terrestres30 : i) o equilíbrio da natureza é extremamente delicado (e
instável) e o homem pode modificá-lo de maneira irreversível, pelo menos em termos de
escala de vida humana; ii) a Terra não é um reservatório ilimitado de recursos; iii) no
longo prazo, a sociedade jamais é indenizada pelos danos ambientais e pelos
desperdícios de recursos naturais, nem em termos econômicos, nem em termos sociais;
e iv) o fictício bem-estar de alguns segmentos sociais se dá à custa da exploração real e
atual de excluídos, que não usufruem vantagens econômicas e sociais mínimas, e pelo
comprometimento das novas gerações, que tendem a se deparar com problemas sociais
e econômicos cada vez mais complexos.

A agricultura sustentável e seus limites técnicos e sociais

Como tornar a agricultura brasileira mais sustentável, garantindo os ganhos de


produtividade agrícola atuais? Esta parece constituir uma questão de peso, sobre a qual
todos interessados no desenvolvimento devem se debruçar. Várias tentativas de resposta
já foram ensaiadas nos últimos anos, constituindo um movimento que originalmente se
chamou de “agricultura alternativa” (década de 1970) e que hoje se agrupa em torno das
iniciativas de “agricultura ecológica”.
As preocupações com as conseqüências da agricultura industrial implantada com
a Revolução Verde começaram a surgir no Brasil a partir de meados da década de 1970,
tendo assumido uma expressão mais visível no início da década de 1990, onde
diferentes iniciativas pretensamente mitigadoras de problemas socioambientais daquela
agricultura começaram a apresentar alguns resultados31 . Neste período, a sensibilidade
ecológica surge sob a forma de uma tomada de consciência sobre a destruição do capital
genético do planeta e da alteração dos equilíbrios próprios aos ecossistemas existentes.
Desde seus primórdios, as iniciativas em prol de uma agricultura mais sustentável
reservam um lugar importante à tecnologia, aos processos e métodos de produção. A
grande mutação que engendrou o processo de modernização da agricultura em curso nas
9

últimas quatro décadas desempenhou um papel na extensão da crítica feita à técnica e


aos processos produtivos.
A agricultura sustentável (AS) é uma noção nova, freqüentemente associada, no
debate social atual, à de desenvolvimento (rural) sustentável, tendo uma incidência em
espaços geográficos e sociais mais ou menos restritos, apesar da difusão desta noção.
No entanto, mesmo que se tenha intensificado o debate em torno do tema, a AS até
agora foi superficialmente definida. Dependendo da posição social do agente social que
a define, têm-se compreensões ou entendimentos diferentes a respeito. As posições
assumidas nesse debate têm se restringido, geralmente, ao uso normativo e ampliado da
noção, ou seja, através de grandes contornos de definição. No geral, incorporam idéias
ambientais (ecológicas, preservacionistas/conservacionistas do meio ambiente) e de
sentimento social acerca da agricultura, o que implica um conjunto de elementos ou
componentes sobre a sociedade e a produção agrícola que extrapola os limites do campo
da agricultura. Essa amplitude da noção traz, às vezes, alguns problemas, na medida,
por exemplo, que confunde os instrumentos técnico-científicos da AS com o processo
ou as políticas de desenvolvimento.
Nesse sentido, é marcante o grau de abrangência das concepções, indo do
técnico-produtivo à “construção de novas relações sociais entre os homens”, passando
pela agricultura familiar e pelo desenvolvimento sustentável32 .
Do ponto de vista metodológico, ainda não se conseguiu operacionalizar a noção
de AS. Esta compõe um sistema heterogêneo de intervenções, de variáveis, de
elementos que precisam ser privilegiados a todo momento. Não se consegue, dentro de
um sistema de produção, intervir em todas as variáveis. Deve-se ter bem claro, então,
que, ao interferir numa variável, num elemento ou mesmo na linha de produção (do
sistema de cultivo ou de criação), ou numa tecnologia qualquer dentro de um sistema, se
está interferindo no seu conjunto, e isso é algo muito importante a ser considerado.
Mesmo que ainda não se saiba muito bem como interferir nos sistemas, pelo
menos alguns agentes (individuais e coletivos) parecem demonstrar, do ponto de vista
geral e discursivo, como se deve idealmente fazê-lo. Falta, contudo, um maior domínio
teórico e prático sobre o funcionamento desses sistemas. A capacidade teórico-prática e
a formação, ao longo dos anos, dos técnicos parecem ainda não ter sido adequadas e
suficientes para atender a essas exigências. A estrutura de seu referencial teórico ainda
não está montada; falta à AS propor seus próprios paradigmas. Uma grande lacuna,
portanto, é observada nesse campo. A demora em responder a esses desafios teóricos e
metodológicos pode consolidar a percepção de que esta proposição é incapaz de
transformar seus princípios em ação.
É forçoso Forçoso é reconhecer que as propostas de agricultura sustentável ainda
são minoritárias e incipientes em certos contextos sociais da produção agrícola
brasileira, até mesmo marginalizada, mesmo se reconhecendo que em algumas regiões
tem-se avançado consideravelmente na implementação de algumas políticas públicas
(de extensão e assistência técnica, de pesquisa agrícola, de aporte de recursos
financeiros em programas específicos para a produção agrícola sustentável, dentre
outras). A massificação/generalização dessa proposta passa por várias questões que
ainda não estão sendo trabalhadas em espaços onde não se tem o poder suficiente para
intervir. Mas, por menores ou ínfimas que sejam as intervenções atuais, deve-se ter a
compreensão de que elas fazem parte de um processo educativo e de uma ação coletiva
concertada necessários à construção de um processo movimento social mais amplo.
As tecnologias defendidas/propostas pelo movimento de agricultura sustentável
supõem uma certa ruptura com as técnicas ditas convencionais ou “modernas” de
produção agrícola, de gestão e de acesso às matérias e recursos primários33 . Na maior
10

parte do tempo, essas tecnologias valorizam os meios mais adaptados técnica,


econômica e socialmente aos agricultores/produtores, situando-se numa gama de
técnicas e práticas que vão desde as destinadas à subsistência até as tecnologias mais
avançadas.
Neste contexto, pode-se considerar algumas grandes correntes de pensamento
que se estruturam essencialmente a partir da concepção de uma tecnologia agrícola mais
sustentável, recebendo denominações como agricultura ecológica, agroecologia,
agricultura biodinâmica, orgânica, regenerativa, permacultura, entre outras. Essas
correntes vão sustentar e subsidiar as críticas que tendem a redefinir os objetivos e as
opções tecnológicas, assim como os sistemas de produção. Convém destacar que na
maioria das concepções a tecnologia não é vista como um simples conjunto de
procedimentos próprios a uma ciência particular, mas como um conjunto de meios
colocados à disposição dos indivíduos a fim de organizar e aplicar os conhecimentos
visando objetivos específicos.
A abordagem energética da agricultura34 , por exemplo, é uma concepção que
começa a ser desenvolvida a partir do aporte de conhecimentos científicos e da
experimentação agrícola, podendo ajudar a estabelecer as bases científicas da
agricultura sustentável. Ela pode ser utilizada como importante via alternativa, situada
entre duas correntes polares no debate social atual: uma, que busca uma certa
maquiagem ecológica da agricultura “moderna”, oriunda da Revolução Verde, e outra
que visa difundir e implementar os princípios de funcionamento de uma agricultura
tradicional, não modernizada. A primeira corrente não conseguiu ainda abandonar a
visão “de produto” e a perspectiva setorial da agricultura, tendendo a beneficiar as
cadeias produtivas e seus mercados em detrimento da perspectiva de conjunto da
agricultura. A segunda abordagem tem dificuldades em promover uma maior
generalização de suas proposições, visto que se encontra circunscrita a espaços restritos
de experimentação, ainda sem um aporte científico capaz de consolidá-la, apesar de sua
recente abertura ao campo científico.
A abordagem energética da agricultura surge com possibilidades de unificar, do
ponto de vista técnico-científico, alguns princípios elementares da AS, podendo
potencialmente ajudar a: i) quebrar algumas resistências ideológicas da intervenção
técnica e social mais geral que se estabeleceram ao longo dos anos com as proposições
ditas “alternativas”, assim como aumentar o diálogo e intercâmbio entre agentes sociais
(individuais e coletivos) que atuam na mesma área, que trabalham com os mesmos
objetos e, muitas vezes, enfrentam os mesmos problemas; ii) diminuir os gargalos
tecnológicos, ou seja, os limites ou problemas que ainda não são bem solucionados nas
práticas de agricultura sustentável; e iii) fornecer bases para uma capacitação
profissional para o enfrentamento da complexidade dos sistemas produtivos.
A origem e a trajetória política e social, nos últimos 20 anos, dos principais
agentes que defendem a agricultura sustentável, nas suas distintas formas e ações mais
contestadoras, forjaram um discurso e uma ação coerente com os princípios de crítica à
sociedade industrial, influenciados também por segmentos progressistas da Igreja
Católica e pelos partidos de esquerda, politicamente bastante atuantes nesse período.
Isso leva à hipótese de existência de um “vínculo genético”, que explicaria a forte marca
ideológica observada até hoje no grande movimento por uma agricultura mais
sustentável, sobretudo naquelas vertentes de cunho “ecológico”. Mas essa histórica e
explícita vinculação com o campo político-ideológico trouxe problemas de
relacionamento e de afirmação para algumas proposições sustentáveis, na medida em
que a tentativa de sua universalização parece ter sido prejudicada, pois foi identificada
com um ideário político-partidário ou com grupos políticos específicos. Até mesmo o
11

entrosamento e a estreita relação a serem estabelecidos entre os agentes de uma AS


foram, ao longo do tempo, afetados, na medida em que persistiram algumas diferenças
de caráter político mais geral e, por conseguinte, de condução das principais ações e
iniciativas no seio de diversos grupos.
Do ponto de vista das tecnologias de base para uma agricultura sustentável,
constata-se freqüentemente dois tipos de obstáculos. O primeiro diz respeito às
tecnologias propriamente ditas, que, embora por vezes conhecida e testada com base
científica, não são devidamente inseridas nos sistemas produtivos, seja por falta de
difusão tecnológica apropriada, seja por desarticulação entre pesquisa e extensão rural
com segmentos produtivos que poderiam se beneficiar dessas tecnologias. Outro
obstáculo diz respeito à dificuldade, mais ou menos generalizada, de aprofundamento
do conhecimento sobre os sistemas agrícolas ou da falta de clareza a respeito de suas
dinâmicas.
Em relação à capacitação dos agentes de AS, esta ainda se mostra deficiente de
maneira geral. Pela dificuldade de penetração nos espaços acadêmicos mais
consolidados, a proposta fica se reciclando entre um número reduzido e permanente de
técnicos reconhecidos por sua alta contribuição ao tema. A intensificação e a
diversificação dessa capacitação dos agentes certamente deverão permitir uma
intervenção mais qualificada na prática, servindo-se das sistematizações que as
diferentes equipes deverão realizar, aportando, assim, elementos de conhecimento para
atender aos desafios tecnológicos crescentes. Em virtude da pouca sistematização das
experiências até agora, fica bastante prejudicada a aferição dos impactos das tecnologias
e das práticas agrícolas sustentáveis preconizadas, a avaliação/constatação empírica das
poucas experiências não permitindo uma verificação fidedigna.

Agricultura sustentável como movimento social: construindo cenários

Além de seu potencial unificador e técnico-científico, a mencionada abordagem


energética da agricultura pode se mostrar capaz de aglutinar forças para propor e
implementar novas políticas públicas, a fim de promover a mudança do padrão
tecnológico altamente impactante e desagregador da agricultura atual. Essas políticas,
alicerçadas em uma base tecnológica consistente e experimentada, poderão atender aos
desafios antes mencionados, trazendo maior inclusão social, garantindo os patamares
produtivos já conquistados (e em alguns casos até mesmo potencializando-os),
promovendo maior proteção ambiental e melhorando a distribuição da renda gerada na
agricultura.
Mas, para isso, não é suficiente um padrão tecnológico definido, fazendo falta a
agricultura sustentável se constituir enquanto um movimento social stricto sensu, ou
seja, numa ação social organizada contra a hegemonia do modo de desenvolvimento
agrícola atual. Por enquanto, a agricultura sustentável é a expressão de iniciativas de
grupos ou agentes sociais mais ou menos isolados, ainda pouco orgânicos, com
resultados técnicos e sociais em diferentes amplitudes, agentes estes que poderão vir a
integrar um movimento social, mas que, atualmente, não constituem e não representam
um movimento social.
No atual contexto sociopolítico brasileiro, o movimento pela agricultura
sustentável parece indicar três vias possíveis de concretização, três etapas de
desenvolvimento identificáveis no plano analítico, a saber: uma, concebida como sendo
a institucionalização da marginalização da agricultura alternativa ou ecológica; outra,
uma segunda que corresponde a uma certa "ecologização" da agricultura moderna ou
12

convencional; e uma última, onde em que a agricultura ecológica poderá ser apreendida
enquanto uma verdadeira alternativa técnico-científica global.
No curto prazo, as diferentes proposições de agricultura sustentável podem ser
bem apreendidas por um certo tipo de agricultores, de pequeno porte e de cunho
familiar, enfrentando “dificuldades", situados em regiões onde faltam recursos
materiais, físicos e financeiros, e produzindo, antes de tudo, para assegurar sua
subsistência. A médio e longo prazos, o segundo cenário aparece de forma muito
plausível. De fato, em se tratando de uma agricultura convencional de maneira
específica e de sua "ecologização", certos fatos já se manifestam de forma visível
através de práticas mais voltadas para a conservação ambiental, como, por exemplo, o
uso da compostagem, da adubação verde, enfim, do manejo ecológico dos solos, do
recurso à luta biológica integrada contra pragas e doenças, que implica no abandono de
produtos e práticas consideradas nocivas para as pessoas e para o ambiente.
No que se refere ao cenário de apreensão da agricultura sustentável ou ecológica
como alternativa técnico-produtiva global, é necessário escapar da lógica de ação
puramente contestadora, bem como do seu enclausuramento no interior de espaços
morais e socioculturais específicos. Além disso, é necessário que grupos e agentes de
agricultura ecológica sejam capazes de mostrar capacidade renovada para abrir novas
vias de afirmação no domínio das maneiras de produzir e de viver. Essa proposta,
enquanto projeto político, passa, necessariamente, por sua afirmação como “nova
ciência”, a qual, desde já, se propõe. É, portanto, também no espaço social configurado
pelo campo científico que essas proposições devem se afirmar. Para isso, devem
disputar “objetos científicos”, buscando legitimidade científica capaz de subsidiar/
sustentar a luta no campo político e social mais amplo, incorporando (e fazendo
incorporar) conceitos, valores e técnicas capazes de serem compartilhados por
determinada comunidade científica e utilizados para definir problemas e soluções. Não
é, pois, simplesmente negando a “velha ciência” e recusando-se ao jogo político no
campo científico que as diferentes formas de agricultura sustentável em pauta chegarão
a se afirmar ou a se generalizar. Em qualquer dos dois últimos cenários apresentados a
agricultura sustentável deverá garantir que, no mínimo: i) os frutos (produtos e renda)
sejam repartidos de forma mais igualitária entre a população; ii) sejam mantidos ou
potencializados os ganhos produtivos obtidos nos últimos anos, o que tornou a
agricultura peça-chave do desenvolvimento do País; iii) sejam ampliados os mercados
agrícolas, especialmente aqueles da demanda interna; e iv) se vise a uma melhor
proteção do meio ambiente.

Notas
1
Mazoyer, Marcel e Roudart, Laurence. Histoire des agricultures du monde, Paris,
Seuil, 1997; Diamond, Jared. Armas, germes e aço. Rio de Janeiro, Record, 2003;
Olson, Steve. A história da humanidade. Rio de Janeiro, Editora Campus, 2003.
2
Diamond, op. cit; Olson, op. cit.
3
CNA/CEPEA-USP. A evolução do PIB do Agronegócio no Brasil 1994 – 2001, 2002
(cepea.esalq.usp.br/pib/zip/artigo%20PIB.pdf). Consulta em 15.07.2004.
4
Presidência da República - Casa Civil - Secretaria de Estado de Comunicação de
Governo, 2002.
13

5
CNA/CEPEA-USP. PIB do Agronegócio: de janeiro a dezembro de 2002, 2003.
http://cepea.esalq.usp.br/ de 12/03/2003. Consulta em 15.07.2004.
6
CNA, 2003. Confederação Nacional de Agricultura - Indicadores Rurais. Edição
Janeiro/Fevereiro 2003.http://www.cna.org.br/IndicadoresRurais/2003/JanFev/PIB.htm
Consulta em 10.06.2004.
7
Delfin Neto, Antonio, citando dados do Mapa/Secex, 2004, em Carta Capital,
12.05.2004, p.35.
8
Barros, G.S.C. & Silva, S.F. O saldo comercial do agronegócio e o crescimento
da economia brasileira. http://www.cepea.esalq.usp.br/pdf/saldo_cresc.pdf
Consulta em 19.06.2004.
9
Presidência da República, op. cit.
10
Delfin Neto, Antonio. Op. cit. Esses resultados do agronegócio nos últimos anos têm
estimulado visões bastante otimistas em relação ao setor, originando matérias ufanistas
em jornais, revistas e na televisão (ver, por exemplo, o caderno especial n. 36 da revista
Veja, “Agronegócio & Exportação: as empresas e as estratégias do Brasil que dá certo”,
de outubro de 2004). Os meios políticos institucionais também têm exaltado
sobremaneira os resultados e a potencialidade do agronegócio.
11
Guanziroli, C.E e Cardim, S.E.C.S. (coord.). Relatório de Cooperação Técnica
INCRA/FAO. Brasília: INCRA. 1999. 89p.
12
Buainain, A.M.; Souza Filho, H.M.; Silveira, J.M. Inovação tecnológica na
agricultura e a agricultura familiar. In: Lima, D. M. A. e Wilkinson, J. (org.). Inovação
nas tradições da agricultura familiar. Brasília: CNPq/Paralelo15, 2002. p. 47-81.
13
Guanziroli, C.E e Cardim, S.E.C.S. (coord.).Op.cit.
14
Medeiros, J.X.; Wilkinson, J.; Lima, D.M.A. O desenvolvimento científico e
tecnológico e a agricultura familiar. In: Lima, D. M. A. e Wilkinson, J. (org.). op. cit. p.
23-38.
15
Adota-se aqui a noção de ambiente que considera os aspectos biológicos e físicos
constituintes da base natural do ambiente humano e que as dimensões socioculturais e
econômicas definem as orientações conceituais, os instrumentos técnicos e os
comportamentos práticos que permitem aos indivíduos e grupos sociais compreenderem
e utilizarem adequadamente os recursos da biosfera para satisfazer às suas necessidades.
16
Fernandes Filho, José Flôres; Campos, Flávia Rezende; Oliveira, Ivandro Mendes. A
indústria rural e a crise da agricultura mineira: o caso das regiões Norte de Minas e
Jequitinhonha. In: Seminário de Economia, Administração e Contabilidade da
FEA/USP-RP, Anais do I SEAC, Ribeirão Preto-SP, 1999.
17
Embrapa Soja. Agronegócio da soja no Brasil (última modificação: 24-Oct-2000).
http://www.cnpso.embrapa.br/rectec/ aspagro.htm . Consulta em 20.07.2004.
14

18
Barros, G. S. C. Agronegócio: uma lição de eficiência.
www.cepea.esalq.usp.br/artigomensal. Maio 2003. Consulta em 05.08.2004.
19
Blaha, T. G. Manejo de qualidade na granja, segurança alimentar pré-abate e
certificação da indústria suinícola. In: Conferência Internacional Virtual sobre
Qualidade de Carne Suína. Concórdia, SC. Anais... Concórdia: Embrapa Suínos e Aves,
2000. p.1-16. (Embrapa Suínos e Aves. Documentos, 65).
20
Blaha, T. G. op.cit.
21
Blaha, T. G. op.cit.
22
Duarte, Laura M. G. Globalização, agricultura e meio ambiente: o paradoxo do
desenvolvimento dos cerrados. In: Laura M. G. Duarte e Braga, M. L. de S. (orgs.).
Tristes Cerrados: sociedade e biodiversidade. Brasília: Paralelo 15. 1998. p. 11-22.
23
Delfín Neto, Antonio. op. cit.
24
Carmo (2003) destaca que o leque de tecnologias consideradas “sustentáveis”, no
senso comum, vão da engenharia genética às práticas indígenas primitivas, o que revela
que a transição para a chamada sustentabilidade da agricultura ainda não evidencia
claramente quais os rumos do salto tecnológico que está por vir (Carmo, M.S.
Assentamentos rurais em São Paulo e a agricultura sustentável em um enfoque de
redirecionamento de perspectivas. In: Bergamasco, S.M.P.P.; Aubrée, M.; Ferrante,
V.L.S.B. (org.) Dinâmicas familiar produtiva e cultural nos assentamentos rurais de São
Paulo. Campinas, SP: FEAGRI/UNICAMP; Araraquara, SP: UNIARA; São Paulo, SP:
INCRA. 2003. p. 295-318).
25
Carmo, M.S. op.cit.
26
A FAO estima que existam atualmente 800 milhões de pessoas passando fome no
mundo, concentrados principalmente na África e em alguns países da Ásia e da América
Latina. Existem divergências quanto ao número de pessoas no Brasil que passam fome.
Estimativas baseadas nos dados da PNAD de 1999 partem de um mesmo substrato para
delinear três avaliações diferentes para o número de pobres (e, portanto, submetidos a
um regime de fome): i) o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas indica que 34%
das famílias têm renda inferior à linha da pobreza (definida por uma cesta básica
hipotética), num total de 53,1 milhões de pessoas; ii) Marcelo Neri, da Fundação
Getúlio Vargas, formulou o Mapa do Fim da Fome no qual considera pobres 50 milhões
de brasileiros que ganham menos que uma cesta básica de R$80,00 por mês; iii)
finalmente, o Instituto Cidadania estimou no Projeto Fome Zero do Governo Federal
que existem 44 milhões de pobres no país com renda inferior a US$1.00/dia (valor de
setembro de 1999 para a região Nordeste, corrigido para as demais regiões por índices
do custo de vida).
27
Adota-se aqui o sentido amplo de segurança alimentar, proposto por Maluf, Renato S.
et al. (Ações públicas locais de segurança alimentar nutricional - Diretrizes para uma
política municipal. Polis, São Paulo, 2000): “Segurança alimentar e nutricional é a
15

garantia do direito de todos ao acesso a alimentos de qualidade, em quantidade


suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e
respeitando as características culturais de cada povo, manifestadas no ato de se
alimentar. Esta condição não pode comprometer o acesso a outras necessidades
essenciais, nem sequer o sistema alimentar futuro, devendo se realizar em bases
sustentáveis”.
28
Carmo, M.S. op.cit.
29
Para mais detalhes sobre a pluriatividade e a multifuncionalidade, ver,
respectivamente, Schneider, S., A pluriatividade na agricultura familiar. Porto Alegre,
Editora da UFRGS, 2003; e Maluf, R. S., op. cit. p. 301-328.
30
Os ecossistemas terrestres podem ser abordados em termos de “esferas” terrestres que
englobam, esquematicamente, a biosfera (organismos vivos, incluindo-se o homem), a
atmosfera (ar), a litosfera (rochas), a hidrosfera (águas) e a pedosfera (solos).
31
Para maiores detalhes sobre o surgimento e evolução das agriculturas ecológicas, ver
Almeida, Jalcione. A construção de uma nova agricultura. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 1999.
32
Almeida, Jalcione. Significados sociais da agroecologia e do desenvolvimento
sustentável no espaço agrícola e rural do Sul do Brasil. Relatório CNPq. Porto Alegre:
Programa de Pós-Graduação em Sociologia/UFRGS, set. 1995. 89p.
33
No plano técnico-produtivo geral, as tecnologias mais sustentáveis são aquelas que
vão na direção da harmonia entre solo, vida animal e vida vegetal.
34
A abordagem energética da agricultura propõe estimular a adição prioritária de fontes
renováveis de energia em substituição ao uso de combustíveis fósseis, o aproveitamento
de resíduos e a aplicação de tecnologias apropriadas que reduzam ao mínimo os fluxos
de energia dispersa (Tiezzi, E. Tempos históricos, tempos biológicos – a Terra ou a
morte: problema da “nova ecologia”. São Paulo: Nobel, 1988).

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