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Rodrigo Herles Santos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - PPGEO

RODRIGO HERLES DOS SANTOS

ENTRE ÁGUAS E GENTES: VIVÊNCIAS E (IN)VISIBILIDADES


NOS TERRITÓRIOS DO LITORAL DE SERGIPE

Fonte: GOVERNO DE SERGIPE. Primeiro mapa


da capitania de Sergipe Del Rey – Cartógrafo
Joan Blaeu, Holanda, 1665. Aracaju: Segrase, s/d.

São Cristóvão/SE
2015
RODRIGO HERLES DOS SANTOS

ENTRE ÁGUAS E GENTES: VIVÊNCIAS E (IN)VISIBILIDADES NOS


TERRITÓRIOS DO LITORAL DE SERGIPE

Tese de doutorado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal de Sergipe, sob a
orientação da Profª Drª Maria Augusta Mundim
Vargas, como requisito à obtenção do título de
Doutor em Geografia.

Área de concentração: Organização e


dinâmica do Espaço Agrário e Regional.

São Cristóvão/SE
2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Santos, Rodrigo Herles dos

S237e Entre águas e gentes : vivências e (in)visibilidades nos


territórios do litoral de Sergipe / Rodrigo Herles dos Santos ;
orientadora Maria Augusta Mundim Vargas. – São Cristóvão,
2015.

334 f. : il.

Tese (doutorado em Geografia) – Universidade Federal de


Sergipe, 2015.

1. Território. 2. Comunidades tradicionais. 3. Posse da


terra. 4. Identidade. 5. Sergipe (SE). I. Vargas, Maria
Augusta Mundim, orient. II. Título.

CDU: 911.373(813.7)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

RODRIGO HERLES DOS SANTOS

ENTRE ÁGUAS E GENTES: VIVÊNCIAS E (IN)VISIBILIDADES NOS


TERRITÓRIOS DO LITORAL DE SERGIPE

BANCA EXAMINADORA

Profª. Dr.ª Maria Augusta Mundim Vargas - Orientadora - UFS

Profª. Dr.ª Andréa M. N. Rocha de Paula - Examinadora Externa - UNIMONTES

Prof. Dr. Carlos Rodrigues Brandão – Examinador Externo – UNICAMP

Profª. Dr.ª Maria Geralda de Almeida – Examinadora Interna - UFS

Profª. Dr.ª Sônia Mendonça Menezes - Examinadora Interna - UFS

Aprovado com Louvor

São Cristóvão/SE
2015
AGRADEÇO...

Agradecer é sempre bom! Ao agradecer percebo que se agradeço é porque


algo de bom aconteceu e, para que esse algo tenha se realizado foi necessária a
participação de muitas pessoas em diversos e distintos momentos. Então de fato,
meus agradecimentos são necessários, pois nessa trajetória não faltaram a meu
lado boas pessoas e amigos queridos que além de apoio, ofereciam seu carinho.
Por isso início agradecendo às pessoas que inspiraram a minha trajetória
desde o início da Graduação em Pirapora nos idos de 2001. Duas dessas pessoas,
consegui reunir nesse momento.
A minha querida amiga, quase mãe e eterna professora, Andréa Narciso, que
além de me apresentar à ciência, me inspirou a buscar e lutar pelos sonhos e, a ser
valente e corajoso frente às adversidades que sempre existirão em nossa trajetória
de vida. Ela me abriu às portas de sua casa, compartilhei alegrias com o admirável
Fábio e os pequenos Matheus (hoje não tão pequeno), Nate e Binha. Meu carinho e
amor sempre.
Ao brilhante e generoso Carlos Brandão, carioca-mineiro, professor nato,
pessoa humilde, amigo carinhoso. Devo a você lições, sentidos e sentimentos de
vida e inspiração que me acompanharão por toda a vida.
Agradeço a Professora Maria Augusta Mundim Vargas, pela sua orientação,
pela sua paciência e pelo carinho. Mais do que orientação acadêmica, recebi
orientações de vida e de vivências. Tenha certeza do meu carinho e da minha
profunda admiração por essa Geógrafa.
Ao mestre Ivo das Chagas, muito mais do que meu professor, um grande
amigo, um exemplo de vida e de dedicação. Muito obrigado por tudo, o senhor me
fez Geógrafo.
A competente Professora Maria Geralda de Almeida, a quem sempre admirei
à distância, mas que quando esteve por perto se mostrou mais admirável ainda.
Obrigado por tudo.
A Luciene Rodrigues, pessoa linda, da qual nunca esquecerei. A quem sou
grato e admiro pela coragem, força e entrega.
Ao talentoso amigo Geraldo Martins. Companheiro de primeiras aventuras de
pesquisa e, agora jovem e promissor professor. Agradeço imensamente pela
amizade e pela inspiração em vários momentos. Essa tese tem muita contribuição e
inspiração sua.
Aos “Abidos”. Minha querida amiga Auceia Matos, baiana arretada de ser
gente boa e competente. A divertidíssima companheira de viagem, de risadas, de
estudos Daniella Pereira e, a Sol, que agora está longe, mais do que gostaríamos,
mas nunca distante.
Ao Cesar França, você foi mais do que um estagiário nessa tese. Devo às
suas desconcertantes e inteligentes perguntas vários momentos de reflexões e
avanços. Tenho certeza que seu futuro será brilhante, basta seguir em frente.
Aos amigos do grupo Sociedade e Cultura, DaniSan, Eliete, Jorgenaldo,
Ninha, Rodrigo Lima, Ivan, Edvaldo. Muito obrigada pela companhia nestes 4 anos.
Meu carinho e agradecimento a todos. Abro um parêntese para agradecer muito
especialmente a Roseane (mui desordenada) que se mostrou uma amiga sensível e
sensata.
Aos amigos do IBAMA Daniel (joga muito), Neinho e Beal. Agradeço ambos
pela colaboração e apoio.
Agradeço ao IBAMA de forma institucional e às pessoas amigas Gisela e
Thomaz, pelo incentivo que me foi dado, ter a oportunidade e as condições de
estudar é uma dádiva que não tem preço e sim gratidão e reconhecimento.
Ao grupo de professores e funcionários do NPGEO, muito obrigada pelas
valiosas lições que me foram prestadas. Tenho o maior orgulho de ter sido formado
nesse Programa. Agradeço especialmente à Professora Josefa e ao querido Francis.
A Sônia Menezes, grande professora, divertida colega de viagem e amiga
atenta. Obrigada por tudo.
À minha família. A Sônia, minha mãe, que sempre acreditou em mim e soube
entender todas as minhas escolhas e travessias. A ela que me ensinou o valor do
trabalho e da dedicação, dedico tudo que sou e tudo de bom que podemos fazer.
Aos meus sobrinhos queridos, que lhes possa servir de inspiração e motivações.
Lembro a vocês que podemos alcançar tudo aquilo que sonhamos, por mais difícil
que pareça ser, basta dar o primeiro passo, seguir no caminho certo e não
esmorecer. Agradeço a meus irmãos Renívia, Renivaldo, Renilsom e Rose.
Gostaria de lembrar e reconhecer a importância alguns amigos especiais
como Joycelaine Aparecida de Oliveira, Graça, Sandrinha, Paola, João Cita,
Antônia, Henrique, Samuel do Carmo Lima, João Cleps, Marcelo Chelloti, Dieter,
Robson, Surya, Mari, Ingrid, Valentina e tantos outros.
A Angela Fagna, minha esposa, meu amor, meu bem querer. Você me
inspira com seu talento, generosidade, dedicação e alegria. Com você o amor existe,
a vida é mais alegre e a felicidade dura um pouquinho mais. Te amo!. Ao querido
Nick, companheiro de longas tardes de escrita.
Sempre podemos esquecer alguém, portanto, agradeço às todos que de uma
forma ou de outra me ajudaram. Sou muito grato. Agradecer é reconhecer.
Nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de
sabedoria, e o máximo de sabor!

Roland Barthes
RESUMO

Esta pesquisa aborda a formação do Litoral sergipano. Esse espaço que foi
historicamente constituído e socialmente apropriado. O intuito primeiro é refletir
sobre espaço da comunidade tradicional na perspectiva de sua constituição como
uma formação territorial, verificando os espaços referenciados pelos moradores e a
articulação destes na conformação de identidades sociais e territoriais no Litoral. Em
termos metodológicos, nossa escolha foi por inscrever a pesquisa em uma
abordagem qualitativa, cujo arcabouço de investigação, se adere a natureza
relacional e fenomênica das interações entre natureza, cultura, espaço e território
que exploramos. O desenvolvimento da tese iniciou-se pela apreciação dos
elementos teóricos sobre as categorias utilizadas na análise, especialmente a
discussão sobre território, identidade e representação. Na sequência,
estabelecemos uma análise sobre fatos e processos históricos que ajudam a
compreender a formação territorial de Sergipe de maneira mais ampla e, a do Litoral,
de maneira mais especifica, com foco na constituição das comunidades tradicionais
de pesca. Neste ponto, nos interessamos em fornecer elementos para o
entendimento de como a população tradicional, geralmente excluída de processos
políticos e econômicos hegemônicos, acabou por ocupar ambientes raros e
valorizados do espaço sergipano. O processo de apropriação do espaço e sua
representação foram analisados levando-se em consideração os elementos
espaciais referenciados pelos sujeitos do Litoral. Para tanto, situamos nosso locus
de pesquisa em três comunidades tradicionais de Terra Caída, Pedreiras e
Tigre/Junça entre Litoral Sul, Central e Norte, respectivamente. Adotamos
procedimentos e instrumentos de pesquisa para captar a representação que fora
feita do território em cada comunidade, levando em consideração a distribuição entre
crianças e jovens, adultos e idosos. Nesse sentido, examinamos a constituição das
identidades dos sujeitos, a narrativa da historicidade dele com o seu espaço de
vivência e referência e verificamos a existência de identidade com os espaços e
ambientes litorâneos. A relação entre identidade e território se expressa justamente
na perspectiva de ficar no território, como ato e um sentimento de permanência e de
enraizamento naquilo me pertence na mesma medida que pertenço a esse território.
Por fim, entre a condição de refúgio no vazio do Litoral e a relação de moradia e lar
estabelecido nos territórios, refletimos sobre as identidades e territórios das
comunidades tradicionais do Litoral de Sergipe entre as vivências, as práticas de
trabalho e as “in-visibilidades”.

Palavras-chaves: território; identidade; apropriação; representação; comunidades


tradicionais.
ABSTRACT

This research addresses the territorial formation of the Coast Sergipe. This space
was historically constituted and socially appropriate. The first aim is to reflect on the
traditional community space in view of its constitution as a territorial formation,
checking the spaces, referred to by residents and their articulation in the formation of
social and territorial identities in the Coast. In terms of methodology, our choice was
up by qualitative approach, whose research framework, gives grip to the relational
nature and phenomenal interactions between nature, culture, space and territory we
explored. The development of the thesis was initiated by the constitution of the
theoretical elements of the categories used in the analysis, especially the discussion
of territory, identity and representation. Following, we established an analysis of
historical facts and processes that help to understand the territorial formation of
Sergipe more broadly and, the Coastline, so more specific, focusing on the
establishment of traditional fishing communities. At this point, we are interested in
providing elements for understanding how the traditional population, generally
excluded from political and economic processes hegemonic occupied rare and
valued environments of Sergipe territory. The appropriation process of space and its
representation was analyzed taking into account the spatial elements referenced by
the subjects of the Coastline. Therefore, we set our research locus in three traditional
communities of “Terra Caída”, “Pedreiras” e “Tigre/Junça” between the south, center
and north, respectively. We adopt procedures and research instruments to capture
the representation of the territory in each community, taking into account the
distribution among children and youth, adults and seniors. In this sense, we examine
the constitution of the identities of the subjects, the narrative of his historicity with
your experience space and reference, and, We verify the existence of identity with
the spaces and coastal environments. The relationship between identity and territory
is expressed in the prospect of staying in the territory, as an act and a sense of
permanence and rooting what belongs to me to the same extent that I belong to that
territory. Finally, between the refuge condition in empty coastline and home
established in the territories we reflect on the identities and territories of traditional
communities coastline of Sergipe between the experiences, work practices and
invisibilities.

Keywords: territory; identity; appropriation; representation; traditional communities.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BSFS – Baixo Sertão do São Francisco.

CIRM – Comissão Interministerial para Recursos do Mar

CODEVAFS – Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco.

COHIDRO - Companhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Irrigação de


Sergipe.

EMDAGRO - Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe.

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

GERCO – Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro

NPGEO – Núcleo de Pós-graduação em Geografia.

PIBIC - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica.

PEAC – Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras

PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PNGC – Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro

PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária.

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento.

PPGEO – Programa de Pós Graduação em Geografia

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

UFS – Universidade Federal de Sergipe


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Esquema metodológico ............................................................................... 25

Figura 2 Esquema da feição atual da zona costeira de Sergipe ............................. 148

Figura 3 Representação do território da comunidade de Terra Caída .................... 249

Figura 4 Representação do território da comunidade Pedreiras ............................. 250

Figura 5 Representação do território em Tigre/Junça ............................................. 251

Figura 6 Esquema de tipologias de sujeitos do Litoral de Sergipe .......................... 256

LISTA DE FOTOS

Foto 1 Placa de identificação do povoado Terra Caída .......................................... 178

Foto 2 Coleta de Massunim, povoado Terra Caída ................................................ 182

Foto 3 Embarcação para o traslado de Turistas..................................................... 183

Foto 4 Atracadouro de Balsas desativado no povoado Terra Caída ...................... 184

Foto 5 Ponte Gilberto Amado, SE 100 trecho Sul .................................................. 184

Foto 6 Vista de casa de veraneio em Terra Caída ................................................ 185

Foto 7 Pescadores artesanais em canoa de remo e vela ...................................... 188

Foto 8 Associação de Desenvolvimento Comunitário ............................................ 190

Foto 9 Casa de taipa no povoado Pedreiras .......................................................... 191

Foto 10 Vista de arruamento e alvenaria na comunidade Pedreiras ...................... 192

Foto 11 Vista da Ilha Grande a partir de Pedreiras ................................................ 193

Foto 12 Estação coletora nas proximidades em..................................................... 195

Foto 13 Extração de petróleo em Tigre/Junça........................................................ 196

Foto 14 Artesã em Tigre/Junça .............................................................................. 198

Foto 15 Vista do Centro Comunitário, Tigre/Junça ................................................. 199

Foto 16 Reunião na sede da associação em Pedreiras ......................................... 220

Foto 17 Sede da associação na comunidade Tigre/Junça, .................................... 221


Foto 18 A igreja como referência espacial para moradores de Pedreiras .............. 222

Foto 19 Espaço de comercialização dos produtos ................................................ 232

Foto 20 Paisagem fotografada por pescadora aposentada .................................... 241

Foto 21 Instalação de extração de petróleo (cavalo de pau) .................................. 243

Foto 22 Oficio de marisqueira, Terra Caída ........................................................... 265

Foto 23 Pescadora e aposentada, 76 anos, Pedreiras .......................................... 279

Foto 24 Ponto de pesca no rio das Pedreiras ........................................................ 281

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Municípios Litorâneos na área de Estudo .................................................. 42

Mapa 2 Formação territorial de Sergipe até 1698 ................................................... 104

Mapa 3 Evolução da formação territorial de Sergipe até 1820 ................................ 109

Mapa 4 Evolução da formação territorial de Sergipe até 1920 ................................ 120

Mapa 5 Evolução da formação territorial de Sergipe até 1950 ................................ 128

Mapa 6 Formação territorial de Sergipe em 2010 ................................................... 133

Mapa 7 Distribuição das comunidades no Litoral de Sergipe, 2014 ....................... 176

LISTA DE DESENHOS

Desenho 1 Representação de casa e quintal por aluno ......................................... 206

Desenho 2 Representação elaborada por aluno do 3º ano do Ensino


Fundamental, Terra Caída ...................................................................................... 207

Desenho 3 Representação elaborada por aluno do 4º ano do Ensino


Fundamental, Terra Caída ...................................................................................... 208

Desenho 4 Representação elaborada por aluno 4º ano do Ensino


Fundamental , Tigre/Junça ...................................................................................... 210

Desenho 5 Representação elaborada por aluno do 4º ano, Terra Caída ................ 210

Desenho 6 Representação elaborada por aluno do 5º ano, Pedreiras ................... 211

Desenho 7 Representação elaborada por aluno do 5º ano, Ensino


Fundamental, Terra Caída ...................................................................................... 212
Desenho 8 Representação elaborada por aluno do 5º ano, Ensino
Fundamental, comunidade Pedreiras ...................................................................... 213

Desenho 9 Representação elaborada por aluno do 3º ano, Ensino


Fundamental, Terra Caída ...................................................................................... 214

Desenho 10 Representação elaborada por homem adulto, pescador e


morador de Pedreiras .............................................................................................. 222

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Participação do pescado na composição do VAB agrícola ...................... 174

Gráfico 2 Distribuição de elementos representados por jovens e crianças


em Terra Caída ....................................................................................................... 234

Gráfico 3 Distribuição de elementos representados por adultos e idosos em


Pedreiras ................................................................................................................. 236

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Esquema de pesquisa .............................................................................. 52

Quadro 2 Tipos de indústrias em Sergipe no final do século XX............................ 126

Quadro 3 Comunidades quilombolas certificadas em Sergipe até 2014 ................ 139

Quadro 4 Toponímia das comunidades do Litoral de Sergipe................................ 140

Quadro 5 Elementos referenciados pelas crianças nas comunidades ................... 204

Quadro 6 Elementos referenciados pelos adultos .................................................. 215

Quadro 7 da paisagem ao território nos povoados ................................................ 227

Quadro 8 Sistema de referência de Portos, comunidade Pedreiras ....................... 228

Quadro 9 Atividades da base socioeconômica por comunidade ............................ 229

Quadro 10 Tipos de pesca no Litoral de Sergipe ................................................... 230

Quadro 11 Dimensões do território comunitário ..................................................... 247

Quadro 12 Representação da rotina diária da marisqueira em Terra Caída .......... 263

Quadro 13 Imaginário do sujeito do Litoral ............................................................. 285


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Estimativa de população no final do século XVIII ..................................... 110

Tabela 2 Evolução dos engenhos de Sergipe 1723 – 1902 .................................... 112

Tabela 3 Evolução das populações livre e escrava em Sergipe até 1802-1888 ..... 113

Tabela 4 Distribuição da População segundo a Cor-Etnia em 1825 ....................... 114

Tabela 5 Distribuição da População segundo situação Jurídico-Social em 1825.... 115

Tabela 6 Caracterização dos municípios litorâneos na área de estudo .................. 172

Tabela 7 Quantidade de Povoados entre 1820-1959 .............................................. 175

Tabela 8 Principais pescados em Terra Caída, 2014 .............................................. 179

Tabela 9 Embarcações existentes em Terra Caída, 2012 ...................................... 180

Tabela 10 Participação de artes pesca na produção em Terra Caída, 2014 .......... 181

Tabela 11 Espécie e participação no tipo de catado encontrado em Sergipe,


2014 ........................................................................................................................ 264
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – PENSAR A REALIDADE: PROPOR UMA PESQUISA ............... 17

1 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA ........................................................................ 32

1.1O fazer pesquisar ................................................................................................. 34

1.2 Ferramentas e consertos..................................................................................... 37

1.3 Dimensões do fazer-pesquisar ............................................................................ 39

1.4 Os diversos momentos do ir ao campo ............................................................... 40

1.5 Aprendizados sobre olhares e observações........................................................ 47

1.6 Voltar de “lá”: entre a observação e a sistematização ......................................... 53

2 ITINERÁRIOS SOBRE TERRITÓRIO E IDENTIDADE: APROXIMAÇÕES .......... 55

2.1 O sentido do território .......................................................................................... 57

2.2 Territorialidades na formação social do território ................................................. 67

2.3 A identidade como processo socioespacial ......................................................... 77

2.4 Representação social e a identidade: uma aproximação .................................... 84

2.5 Seguindo o itinerário: entre a representação e a construção da identidade


com o território tradicional ......................................................................................... 89

3 DO LITORAL AO SERTÃO: UMA LEITURA GEOGRÁFICA DOS FATOS


HISTÓRICOS SOBRE A FORMAÇÃO TERRITORIAL DE SERGIPE ..................... 95

3.1 A conquista e a formação de um território ........................................................... 99

3.2 Depois da “conquista” vem à colonização e o povoamento .............................. 100

3.3 Século XVIII: colonização, povoamento e os engenhos de açúcar na


economia sergipana ................................................................................................ 105

3.4 O engenho, o algodão e a manufatura no início do século XX.......................... 111

3.5 A diversificação territorial: o poder agrário, êxodo rural e o crescimento do


setor industrial ......................................................................................................... 122

3.6 Uma interpretação geográfica da formação territorial de Sergipe e a questão


do Litoral.................................................................................................................. 129

4 LITORAL, LITORAIS: EM BUSCA DE UM RECORTE ....................................... 143


4.1 O processo territorial no Litoral de Sergipe ....................................................... 149

4.2 O Litoral interditado: elementos para um debate sobre as condições de


territorialização das comunidades tradicionais no Litoral de Sergipe ...................... 152

4.3 As terras de marinha como instituição colonial ................................................. 162

4.4 O Litoral ocupado: caracterização geral da economia, população e dos


territórios estudados ................................................................................................ 171

4.5 Sobre Terra Caída ............................................................................................. 177

4.6 sobre Pedreiras ................................................................................................. 186

4.7 Sobre Tigre e Junça .......................................................................................... 193

5 TRABALHAR, BRINCAR E LEMBRAR: O COMPLEXO TERRITORIAL DAS


COMUNIDADES TRADICIONAIS DO LITORAL SERGIPANO ............................. 201

5.1 A casa e a rua: primeiros espaços de apropriação ........................................... 205

5.2 O território de “fora” da casa: trabalho e convivência ........................................ 214

5.3 Da paisagem ao território .................................................................................. 223

5.4 Território na memória ........................................................................................ 238

5.5 Elementos “in-visíveis” no território ................................................................... 242

5.6 O ajustamento entre o lugar social e o complexo ecológico-territorial .............. 246

6 CONSTRUINDO SENTIDOS COM O TERRITÓRIO ........................................... 253

6.1 A natureza no homem: os sujeitos do Litoral..................................................... 258

6.2 A sociedade no sujeito: etnia e lideranças sociais ............................................ 271

6.3 Perto da água tudo é fartura: elementos da identidade no Litoral ..................... 277

6.4 O lugar de vida e morada: o sentimento de pertencer ...................................... 286

CONSIDERAÇÕES - DO REFÚGIO AO LAR:


DO ESPAÇO AOS TERRITÓRIOS ......................................................................... 296

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 308

APENDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA ......................................................... 320

APÊNDICE B – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO E ENTREVISTAS ......................... 326

APÊNDICE C - TERMO DE CONCESSÃO DE INFORMAÇÕES .......................... 329

APÊNDICE D – LISTA DE COMUNIDADES NOS MUNICIPIOS ESTUDADOS..... 330


17

INTRODUÇÃO

PENSAR A REALIDADE:
PROPOR UMA PESQUISA
18

INTRODUÇÃO – PENSAR A REALIDADE: PROPOR UMA PESQUISA

Certamente o exercício de se colocar a pensar sobre a uma realidade será


sempre uma obra ingrata e incompleta. Uma definição do Aurélio sugere que a
realidade é aquilo que condiz com o real, aquilo que é verdadeiro, as coisas como
de fato o são, o real seria uma condição de aderência a aquilo que existe, percebido
ou não. Guimarães Rosa (1986), com sua sensibilidade criativa, disse em uma
passagem que o real se estabelece na travessia, quando diz que o real não está na
saída nem na chegada, ele se faz no caminhar. Penso que a pesquisa social se
aproxima da questão filosófica do exame sobre a realidade: ela é sempre uma
aproximação! Melhor dizendo, a pesquisa deve ser aproximativa e interpretativa.
De início, isso nos faz lembrar uma aula de química analítica há alguns anos,
cujo experimento consistia em determinar o teor de Fósforo (P) em uma amostra de
Silício metálico (Si), usado na fabricação de ligas especiais como um semicondutor
de energia. Usamos um espectrofotômetro, equipamento sofisticado, que mede
emissão de luz, para em contraposição ao comprimento de onda detectar a
presença e a quantidade do Fósforo. Na primeira medição encontramos um
determinado valor. Por curiosidade repeti o procedimento mais uma vez e encontrei
outro valor como resultado.
Procedemos mais algumas vezes e não obtivemos, em nenhuma medição,
um valor exatamente igual entre si. Os valores eram muito próximos, mas nunca
exatamente iguais. Espantado, perguntei ao professor de Química por que isso
ocorreria com um equipamento tão sofisticado, cujo procedimento analítico era muito
controlado. Ele respondeu que nas análises, por esse método e pela maioria dos
métodos, jamais se obteria um resultado absolutamente preciso. Nunca teríamos a
certeza última de quanto de Fósforo existia ali. No máximo teríamos uma leitura
aproximada, ainda sim, sem uma reprodutibilidade absoluta. Essa é uma lição que
cabe bem nesse momento.
Qualquer que seja a definição ou premissa que nos filiarmos é inevitável que
algo nos escape, em virtude da própria qualidade total da realidade. Grande ou
pequeno, em algum detalhe os resultados terão um nível qualquer de incerteza.
Talvez esse seja também o grande mérito de uma pesquisa: reconhecer a
grandiosidade do real e de imediato, perceber humildemente, que as teorias,
19

instrumentos e procedimentos, em resumo, não conseguem, modelar e apreender o


real na totalidade de sua complexidade ontológica. Contudo, o lado bom dessa
aparente limitação é que a busca por novas abordagens e outras aproximações é a
força renovadora que move as ciências das humanidades.
A ciência vista desse pressuposto é sempre um processo de construção em
permanente fazer, avançar, retroceder e se reinventar: um constante renovar em si
mesma, frente ao estímulo do novo até então não observado na realidade.
Pensemos na renovação, energia e inspiração que incidiram sobre a própria
Geografia quando o desenvolvimento das tecnologias da informação e dos meios de
transportes proporcionaram elementos até então nunca observados na duração dos
deslocamentos de informações, pessoas e de produtos. A partir dessas
transformações toda uma nova relação tempo-espaço pode ser pensada.
Considerando essas transformações como “metamorfoses”, as Ciências Humanas,
incluindo a Geografia, se encontram em posição privilegiada (e complexada) ao ter
seu campo de estudo em constante cambiar-se.
Há algo de dual na realidade: concretude e ficção. Um pouco dessa dualidade
Martins (2011, p. 25) captou ao dizer que: “A pesquisa é antes de tudo o momento
de encontro e desencontros(...) Encontro com possibilidades e impossibilidades”.
Logo, nossas pesquisas são um exercício de aproximação que, por isso mesmo,
devem guardar o máximo compromisso com a liberdade criativa e a sensibilidade
para captar os elementos mais imponderáveis, aqueles que se escondem, porque
são construções entrecruzadas pela realidade mais material e pela concepção mais
simbólica do indivíduo: seu modo de vida, a representação, o imaginário, a
sensibilidade.
Pensar a realidade e realizar uma pesquisa significa esse trilhar do saber
fazer da pesquisa, em seu curso prático, desde a leitura de um determinado aspecto
da realidade, a partir de questões, hipóteses e conceitos postos a priori, e seus
distanciamentos, passando por estabelecer os limites para que seja possível uma
compreensão viável de determinados fenômenos, até a busca pela construção de
uma atitude crítica e motivada do pesquisador em inter(ação) na pesquisa.
Essa tarefa de se pensar uma realidade, não se constitui irrelevante, pois toda
pesquisa tem em si mesmo um mérito fundador, o de ser um exercício, um caminho
e de si constituir uma alternativa para se pensar algo e desvelar algum aspecto do
real.
20

Ao iniciarmos nossas atividades, imaginamos ter alguns dados imediatos


sobre comunidades de Litoral. Sabíamos que elas se constituíam em unidades
territoriais, com alguma forma de gestão coletiva local tradicional, diferente do
sistema político das cidades e que, elas estavam dispersas em toda a extensão da
faixa litorânea de Sergipe. Tínhamos o conhecimento de que nelas moravam
pessoas e essas praticavam a pesca como atividade predominante.
Muitas comunidades estavam “lá” no mesmo lugar há muito tempo, até antes
de existir um espaço territorial-administrativo chamado estado de Sergipe e, talvez
antes mesmo de uma sociedade brasileira estabelecida com costumes e alguma
identificação com o território.
Taís noções, tomadas isoladamente, pouco nos diziam sobre o lugar Litoral e
a existência de algum traço unificador de identidade. Tampouco nos autorizavam a
traçar ideias mais gerais sobre a formação social do Litoral, em especial, não nos
mostravam os processos e as histórias “ali” vivenciadas.
Os dados de pesquisa que dispunhamos a priori, não nos mostravam um
Litoral com identidade, mas sim, um Litoral de recorte, de escala de análise.
Composto de cidades, algumas grandes como é o caso de Aracaju, urbana,
moderna e, outras, como Pacatuba, com baixa “atividade econômica”. Em síntese,
víamos um arranjo de formas variadas, com pouco significado quando confrontado
ao nosso interesse.
Processos, conexões, historicidades, tramas, malhas, tessituras, rupturas,
sucessões, tempos, espaços, silêncios e pausas nos escapavam. Foram com essas
carências que passamos a refletir: o que é o Litoral sergipano? O que os
povoados/comunidades representam para a forma territorial do estado de Sergipe?
Eles sempre foram apreendidos da mesma forma? Porque os sujeitos sociais do
Litoral vivem da forma que vivem? Qual o papel da atividade pesqueira na
identidade do vivente no Litoral? Como os sujeitos sentem, percebem e imaginam
viver em uma comunidade de Litoral?
Nessa altura já pensávamos que deveríamos mergulhar naquilo que não
estava aparente, visitar os aspectos “(in)visíveis” dos fenômenos que estudávamos.
E que de alguma maneira deveríamos tatear uma realidade.
Nesse sentido, o próprio ato de pensar sobre as questões, levando-as sempre
a níveis mais profundos, por isso mais complexos e concretos é, em si, um exercício
21

de delimitação da problemática da pesquisa e de constituição de um objeto


científico:

A totalidade concreta como totalidade pensada, concreto pensado, é


de fato, um produto do pensamento, do ato de conceber. Tal como
aparece na mente, como um todo pensado, a totalidade é um
produto do cérebro pensante que se apropria do mundo da única
maneira possível (BOURDIEU, 2010, p. 45).

Na medida em que tornamos as questões mais profundas e problemáticas,


mais desafios se impunham. Era evidente a necessidade de estabelecer algum tipo
de ordenamento mais coerente, explicável do ponto de vista do campo científico em
que nos movemos. Pensamos então uma maneira de cercar e construir o nosso
objeto de pesquisa.
A construção do objeto de pesquisa a que nos referimos é uma ideia que nos
vem de Bourdieu (2010) e significa correlacionar às noções conceituais que
trazemos ao que o objeto nos mostra, como possibilidades de leituras até então não
apreendidas ou de possíveis releituras criativas.
No nosso caso, não se tratava de saber como o Litoral está hoje e, sim
entendê-lo em processo, nas relações estabelecidas entre sujeitos e os espaços
como me(di)ações e, quais os efeitos dessas relações e interações na natureza
constitutiva dos sujeitos e dos espaços. De um lado as múltiplas escalas do espaço
e de outro a totalidade do lugar.
Ao cercarmos e construirmos o objeto de pesquisa, tomamos e
circunscrevemo-lo como um fenômeno sistematizável, objeto pensado, reflexivo na
sua natureza, como produto do ato de pensar científico a respeito. Apreendido então
como uma construção mental. Destarte, dotado de existência científica, pois se torna
nessa operação de pensar e refletir um objeto da ciência, criado propositalmente
para esse fim: o de ser cuidadosamente examinado segundo uma ação mental
metodologicamente sistematizada.
Com a construção do objeto, seguindo os pressupostos indicados por
Bourdieu (2010), em que pese à consciência das especificidades do ofício do
sociólogo em relação ao nosso trabalho geográfico, visamos entender as relações
sociedade-natureza na apropriação do espaço, evitando algumas inconsistências.
Em primeiro lugar, podemos afastar os riscos de um empirismo ingênuo, que
toma o dado empírico como uma verdade derradeira em si mesma, porquanto,
22

pensamos a realidade que buscamos como verdade ou resultado, contudo não é a


mesma que comanda o processo de sua própria inteligibilidade.
Em segundo, a realidade só se torna objeto na condição de coisa pensada,
como sugere Cardoso (1971). Se fosse ao contrário, de certo, bastaria ir ao campo
para que o real se desvelasse sem a necessidade de um exame mental e o
confronto com a problemática da pesquisa e com o campo teórico em que se situa o
pesquisador. Muitos erros praticados por cientistas sociais, incluindo alguns que
recorrem à abordagem qualitativa, caminho este que proponho seguir, decorrem
desta relação sempre complexa entre o dado empírico, como ele é, e a sua
interpretação a luz de um quadro conceitual.
Em nossa pesquisa lidamos com sujeitos sociais e a sua relação com seus
espaços de vida. “Gentes” que são produzidas nas relações e produzem relações.
Logo, o exame em campo é fundamental. Isso não é uma contradição com o
enunciado acima, o que buscamos no campo não é a explicação voluntária e em si
mesma dos fenômenos, mas um aspecto, uma qualidade da natureza do fenômeno
que precisa ser explicada.
Por fim, quando temos clareza sobre a natureza do objeto, tomada como
característica do que se estuda, evitamos a possibilidade de teorização pela
teorização. Dos excessos de teoria. Muitas vezes somos tentados a fazer
referências a grandes autores, grandes teorias e, nesse exercício podemos incorrer
em riscos tautológicos imensos.
Não é que as grandes teorizações sejam desnecessárias, absolutamente! As
opções teóricas que tomamos é que não podem ser determinadas exclusivamente
pela leitura da teoria pela teoria, mas ela deve ser tomada em relação ao objeto
construído cientificamente e o comportamento empírico observado.
Ao estudarmos a identidade local sergipana, dificilmente encontraríamos
grande aderência e similitude em macro teorias da identidade como, por exemplo,
da identidade nacional, pois são fenômenos de qualidades diferentes. As teorias
servem para entendermos as diferenças, mas e por vezes, fornecem o material
vertente para o entendimento do fenômeno.
Desvios são facilitados quando se tem clareza da natureza do fato ou
fenômeno que estudamos. Vejamos: se questionássemos como se apresenta o
Litoral hoje? Certamente, tentaríamos fornecer uma análise usando reflexões
proporcionadas pela leitura de dados e informações obtidos segundo métodos,
23

técnicas e procedimentos que medem a população, os tipos de práticas econômicas,


a infraestrutura disponível dentre outros.
Mas, como nossas perguntas seguem na direção de entender como o Litoral
foi socialmente delimitado e vivenciado nas relações entre as comunidades
tradicionais e o espaço do Litoral, a natureza da reflexão em torno das qualidades do
fenômeno sugere o entendimento de que no campo das relações entre natureza e
cultura na qualificação do espaço, estão envolvidos sentimentos, valores, atitudes,
crenças, motivações, códigos sociais, condutas, representações que de certa
maneira já nos orienta o caminho de leituras teóricas coerentes.
Como a natureza dos fenômenos por nós estudados se situam no campo das
relações e envolvem em certo grau motivações, que até podem se expressar
materialmente, como exemplo, tipologia das habitações, elementos da dieta; ela,
sobretudo, envolve um sentido e um sentimento simbólico.
O contorno do objeto científico, uma espécie de primeira aproximação entre o
que eu conheço do fenômeno e o que eu não conheço dele, figura que me parece tal
como os primeiros rabiscos de um desenho, indica o caminho metodológico a ser
seguido: no nosso caso uma ancoragem e abordagem qualitativa de pesquisa.
Ao rabiscarmos o desenho, vimos que nossas questões nos direcionavam
para um olhar mais aprofundado nas relações entre comunidade – historicidade –
espacialidade – e o espaço construído.
Dito de outra forma, o que nos interessou de início não foi olhar o espaço
como ele se mostra em sua aparência fenotípica: materialmente expostas em termos
de uma área habitada, quantidade de casas, formas econômicas. Mas, sim,
entender a espacialidade das comunidades tradicionais na sua essência e na
essência com o espaço, entendendo-as como formas socioespaciais dotadas de
uma historicidade e de uma geograficidade peculiar.
Ver o espaço produzido na essência das relações seguramente passa por
entender como malhas, tramas, interações sociais, aberturas e fechamentos são
elaborados, tradicionalizados e traduzidos para o tempo presente da vida cotidiana.
De fato, teríamos que mergulhar em verticalidades temporais para entender o
dinamismo ainda manifestado nas horizontalidades das relações comunitárias frente
às complexidades da relação tempo-espaço.
Essas complexidades ora denominadas de horizontais e verticais se
desdobram como espaço e espacialidade, onde a vida se desenrola segundo as
24

condições do momento e, no tempo, como produto histórico que se manifesta no


espaço. A complexidade das relações advém das múltiplas interações entre
temporalidades e espacialidades. Tempos desiguais presentes em formas espaciais
diferentes.
Para Milton Santos (2008), o espaço geográfico atual é formado nas
horizontalidades das relações solidárias no local e nas verticalidades dos processos
e seus tempos desiguais e as desencontrados nos lugares. Para ele as relações
tempos-espaços se expressam em sistemas de “objetos” técnicos, como a
materialidade da natureza transformada em objetos da cultura e na técnica, por meio
da qual, os objetos são produzidos por produtores, sociedade em suas relações,
permeadas de intenções e intencionalidades.
Estas complexidades tempo-espaço se entrecruzam, se entrecortam, atuam
uma sobre a outra, formando assim, um emaranhado que “(...) só uma boa
metodologia pode esclarecer”, (LEFEBVRE, 1971, p. 63). Ora, a espacialização das
comunidades como um produto acabado pouco revela sobre a natureza fundamental
das relações espaciais. Os territórios criados por essas comunidades possuem uma
trajetória que não é linear.
A vida dos sujeitos e os espaços socialmente elaborados são, portanto, ao
seu termo, modos de representações e percepções situados no tempo-espaço e em
constante devir, de modo que o tradicional, mesmo mantendo uma regularidade
visível no tempo, possível de ser apreendida, não é a reprodução idêntica e imutável
das formas herdadas. É nessa relação que pretendemos atuar. Nestes termos,
observar, registrar, descrever, representar e compreender são trilhas, rotas, rumos e
itinerários de nossa pesquisa.
Não se pode tomar um rumo em pesquisa se não se sabe onde se deseja
chegar. O ponto de partida é o ato de pensar e a chegada é o aspecto da realidade
geográfica que se deseja compreender, mas o trilhar são opções, são construções
teórico metodológicas. A trilha jamais estará acabada, terminada, ela pressupõe
também um esforço intelectual de afinamento e refinamento.
As “Trilhas da pesquisa” constituem uma boa metáfora para refletirmos sobre
o “direcionamento” que tomamos. Falamos direcionamento e não em direção,
porque a pesquisa é, sobretudo, um processo de: reflexão, experimentação,
sistematização e novas reflexões, por isso fugas, desvios e reencontros não são
fragilidades, mas se constituem o próprio amadurecimento do fazer pesquisar. Neste
25

sentido, elaboramos um esquema com o qual encaminhamos nossa tese entre a


abordagem teórico-metodológica, instrumentos de coleta de dados e sistematização
de campo:

Figura 1 Esquema metodológico

Projeto de Tese

A Construção do Objeto:
b Recorte espacial e Temporal
o
r
d
a
Coleta de Informações
g
e
m

Q
u Formação Pesquisa em Dados
a Histórica Campo Secundários:
l IBGE
i IBAMA
t PEAC
a
t
i
v 1 - Oficinas: a) Minha vida na
a comunidade
b) Nossas Referências
2 – Registros fotográficos
3 – Observação
4 - Entrevistas

Sistematização das informações: Gráficos, tabelas, quadros,


croquis, mapas, acervo fotográfico e auditivo

Análise e discussão

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles. Adaptado de Chelloti (2009).

A ciência evolui sem amarras e limitações. Ela exige uma atitude de liberdade
ao se abrir para conhecer o novo. Neste sentido, o método que usamos em nossas
reflexões, consiste em uma constante avaliação crítica sobre o objeto, tal como ele
26

se mostra e pode ser alcançado com segurança e adequação frente aos postulados,
como nos sugere Cardoso (1971), deve-se suspeitar da complexidade dos métodos.
Por mais que sejam definidos, os passos da investigação não apresentam
ordenação severamente rígida. Lembremos aqui, que métodos e instrumentos tem
uma história e são o fruto de ações intelectuais de cientistas, os quais também são
situados em termos históricos e filosóficos. Fazendo-se ciência, a renovação é um
estado permanente da teoria, do método, da técnica e do objeto.
A rigor a consistência do método resulta do entrelaçamento das técnicas e
procedimentos pelos quais o objeto cientificamente construído possa ser inteligível,
alcançado e submetido a uma verificação constante. Logo, o método adequado é
aquele em que os procedimentos e instrumentos são cuidadosamente associados e
situados frente ao fenômeno estudado e sobre os quais possamos: refletir, criticar e
repensar. Esse processo metodológico é ainda mais sensível nas ciências sociais,
pois lidamos com o “fato social” nas suas múltiplas e cambiantes conexões.
Não há como se pensar esquemas metodológicos absolutamente rígidos e
canonizados, pois a realidade acabaria deformada por consequência, como nos
alerta Bachelard (1996).
Em nossa pesquisa falamos de realidade social e espacial e não de
determinismos, como asseverou Chelotti (2009), ao ressaltar o rigor da atitude
cientifica na pesquisa qualitativa na observação dos fenômenos. Antes de
prosseguirmos é conveniente fixarmos aqui alguns elementos que nos ajudaram a
construir nossa pesquisa:

 pensamos o espaço como processos em meio à temporalidades, ou seja, o


concreto que se mostra na atualidade, deve ser compreendido por meio de
uma leitura teórica e de uma compreensão de que formas, usos, arranjos
pertencem ao seu tempo-espaço.
 a história social do espaço litorâneo de Sergipe não deve ser tomada na
linearidade dos acontecimentos que se explicam simplesmente pela análise
de fatos. As relações socioespaciais são situadas em um tempo-espaço que
se articulam dinamicamente e se renovam;
 existe uma historicidade socioespacial, o que de pronto indica que as formas
“tradicionais” não são artefatos sem valor, que existem apenas como
referência sem conteúdo social atual.
27

 ocorrem processos de ressignificações e “traduções”1 que atualizam o sentido


social de práticas e espaços ao tempo presente. O espaço concreto atual é
criado socialmente nessas condições de ressignificações e traduções.
Processos de conflitos envolvendo múltiplas escalas espaciais de relações de
poder repercutem na comunidade tradicional, influenciando e modificando o
próprio espaço local e por consequência alterando práticas sociais.
 conflitos são uma expressão das múltiplas dimensões e escalas das relações
no Litoral de Sergipe. Essa expressão varia de acordo com a qualidade e a
natureza das relações e da atuação de seus agentes, como, por exemplo, na
atuação histórica do poder legitimador do “Estado”, que atuou na
conformação territorial que conhecemos atualmente; ou ainda na atualidade
da atuação do poder econômico, que se articula ao poder político, para fazer
avançar em nível regional, seus interesses sobre a faixa litorânea, com a
criação de espaços destinados ao turismo. Mas as relações de poder ocorrem
também como uma dimensão qualitativa do poder local, que se difere do
poder econômico e busca legitimidade no poder político.
 não há um princípio único que articule e defina um conteúdo geral nos
processos locais. Como escreveu Geertz (1989): a cultura é contexto,
portanto sujeito a dinâmicas específicas em seu próprio transcurso e devir vir
a ser.

Nosso trilhar na pesquisa e a busca pelos objetivos levou em consideração o


entendimento sobre a construção das identidades no Litoral de Sergipe a partir do
território da comunidade como espaço de referência social, cultural, simbólica e
econômica.
Ao pensarmos o território de comunidades tradicionais, os pequenos
territórios, constituídos e vivenciados ao longo de décadas pelos moradores, os
quais exibem pouca capacidade de influência política e econômica, percebemos que
a dinâmica de forma (ação) do território é perpassada por outros sentidos e
sentimentos internos que mobilizam forças de solidariedade e de reciprocidade para
organizar as relações sociais no sentido mais amplo, como também, para pensar,
1
Tal como analisado por Hall (2011) ao tratar as traduções e das tradições para o tempo presente e
para um “conteúdo” social atual. Para ele existe uma oscilação entre a tradição e a elaboração das
traduções. Algumas identidades gravitam em torno da tradição “pura” e outras aceitam que estão sujeitas
as nuances da história, da política e da representação .
28

experimentar e comunicar o seu espaço, na medida em que se apropriam dele e o


incorporam em repertório sociocultural por meio da representação.
Assim, consideramos que a representação social pensa e confere significado
ao espaço e a apropriação atua e absorve seus elementos significantes (material e
simbólico), para reter o referente espacial do grupo ou sociedade. A consciência
socioespacial de pertencimento é constituída nas práticas e, suas reapresentações
espaciais. Ela movimenta a um só tempo a posse funcional-estratégica sobre um
determinado espaço (finalidades) e a apropriação simbólico/expressiva do espaço
como afinidades, afetividades e historicidades, desenvolvidas nas vivências dos
sujeitos, como vamos demonstrar ao longo desta tese.
Nosso caminho metodológico foi facilitado pela realização de pesquisa
intitulada “Grandes projetos e identidades locais: possibilidades e desafios das
pequenas comunidades costeiras”. Essa atividade foi desenvolvida entre os anos de
2012 e 2015 pelo grupo de pesquisa Sociedade e Cultura-PPGEO/UFS, do qual sou
membro. A pesquisa consistiu em visita as comunidades de Litoral, bem como
aplicação de instrumentos de coletas de dados, como entrevistas e oficinas. Tudo
isso contribuiu muito para execução favorável de nossa pesquisa, pois contou com a
colaboração e o envolvimento de pesquisadores do grupo.
Além desta introdução, a tese apresenta 06 capítulos, considerações finais,
bibliografia utilizada e consultada, além de apêndices e anexos. A organização visou
uma apresentação didática do conteúdo de nosso trabalho.
O primeiro capítulo intitulado “Os caminhos e o caminhar desta pesquisa”, foi
delineado para o enlaçamento dos aspectos metodológicos que nortearam essa
tese, em especial tentamos demonstrar nossas perspectivas para a “construção do
objeto”, relacionando as motivações e questões, às premissas que estruturam nossa
tese a cerca do objeto. Procuramos fornecer nesse capítulo uma exposição sobre a
metodologia como guia, bem como os instrumentos e procedimentos que adotamos
para consecução de nossa empreitada. Nesse sentido, nossa ênfase centrou-se nos
caminhos, alguns “des-caminhos” e nas “trilhas” que percorremos, bem como em
apontar os desvios eventualmente tomados.
No segundo capítulo apresentamos as perspectivas teóricas e balizamentos
conceituais iniciais que nos ajudaram como itinerários para situar nosso objeto em
relação à realidade empírica que encontramos. Ele encontra-se intitulado “Itinerários
29

sobre território e identidade: aproximações”. De fato, adotamos os elementos


teóricos nessa perspectiva de nos aproximar à realidade.
Devemos pontuar, que essas concepções teóricas nos foram úteis e
profícuas, pois além do embasamento sobre o comportamento até então conhecido
dos fenômenos que estudamos, elas nos forneceram elementos para novas
observações, novos questionamentos e novos rumos. Nesse ponto a teoria é
também um exercício de liberdade criativa.
Destarte, não procuramos com esse capítulo estabelecer noções fechadas e
acabadas em si mesmas, mas sim, procuramos diálogos entre o conhecido e as
inquietações que nos movem, pois novos questionamentos nos acompanharam ao
longo do estudo. Foi desta maneira, que construímos entendimentos sobre território,
territorialidades, identidades e representações, como categorias e elementos de
análise em constante processo e devir, entre permanências e transformações,
mutações e novas significações.
“Do litoral ao Sertão: uma leitura geográfica dos fatos históricos sobre a
formação territorial de Sergipe” é a denominação do terceiro capítulo. Ele é um
esforço para fornecer uma interpretação sobre a constituição de Sergipe como
território político, econômico, social e cultural, ou melhor, como um sistema territorial
entre pontos, nós, malhas e espaços aparentemente “vazios”. Essa leitura foi
motivada pela necessidade de um sujeito “de fora” em conhecer mais sobre o lugar
que se deseja pesquisar. Contudo, ela se tornou fundamental para que pudéssemos
compreender os processos que atuaram na escala do Litoral, permitindo que as
comunidades se constituíssem territórios tradicionais.
O quarto capítulo “Litoral, litorais: em busca de um recorte” é dedicado à
continuidade do exame de fatos históricos sobre o Litoral Sergipano para constituir
uma discussão fundamental para estrutura da tese, em torno da existência de um
processo de interdição espacial. Nesse capítulo, o Litoral habitado e os sujeitos são
apresentados, entre pescadores e pescadoras, marisqueiras, extrativistas e
agricultores, contemplando a apresentação inicial de seus contextos de vida,
economia e formas de trabalho.
Apesar de nossos esforços, nos capítulos III e IV, transpareceram, em alguns
momentos, trechos mais factuais sobre situações históricas. Contudo, a constituição
de ambos capítulos foi fundamental para apreendermos elementos para discussão
de quais fatores propiciaram condições para que uma população marginalizada dos
30

circuitos econômicos e sociais hegemônicos da sociedade sergipana da época


pudessem ter atualmente a posse de paisagens “desejadas” e de espaços raros e,
disputados.
Reafirmamos que nossa perspectiva de história é não linear, mas sim
processual e dinâmica. Mesmo não sendo nossa pesquisa um Estudo de Caso
clássico, muito comum à tradição sociológica, antropológica e geográfica recente, foi
necessário delimitarmos um locus, para que de um lado pudéssemos concentrar
nossos procedimentos de investigação, de forma a interagir mais profundamente
com os sujeitos e de outro conferir viabilidade logística e temporal. Foram com essas
premissas que nos debruçamos empiricamente nos territórios das comunidades
Terra Caída – Indiaroba, Pedreiras – São Cristóvão e Tigre/Junça em Pacatuba.
Nos capítulos seguintes, discutiremos a constituição da historicidade de vida
dos sujeitos, de seus territórios e de suas identidades constituídas na apropriação e
representação dos espaços de referências. A discussão é construída entre imagens,
narrativas e discursos colhidos na interação com os sujeitos. As histórias, memórias,
caminhos e trajetórias desses homens e mulheres do Litoral foram observadas
naquilo que constituem suas vivências, sentidos e signos.
Assim o capítulo V, “Trabalhar, brincar e lembrar: o complexo territorial das
comunidades tradicionais do Litoral sergipano” foi elaborado com o intuito de
descrever o processo de apropriação que o sujeito faz com seu território tradicional.
Exploramos imagens, símbolos e signos representados por homens, mulheres e
crianças como elementos que usamos para captar, decodificar e interpretar as
representações que os sujeitos fazem de seu território e para analisar o processo de
apropriação e de representação social no espaço comunitário.
Procuramos situar às ligações entre o território e a identidade, suturadas e
ancoradas no processo social que indivíduos e os grupos estão vivenciando
cotidianamente. A vivência que se dá tanto na presença do poder e nas suas
tensões, mas também nos seus intervalos e nas cenas mais comuns e singelas do
viver, habitar, trabalhar, brincar e lembrar.
Como o objeto de estudo é a formação territorial das comunidades do Litoral
de Sergipe enxergamos na ação cotidiana dos sujeitos que o habitam, a produção
de significados e conteúdos que conformam a relação entre os sujeitos e o seu
espaço de vivência. Desta maneira, o território identitário deve ser pensado também
como produto de um ajustamento entre o espaço – representado e simbolizado – e o
31

conteúdo social do grupo que o habita, criando e engendrando laços e sentidos de


pertencimento e de enraizamento a um território que se configura muito além do
conjunto de espaços dispersos. Ele (o território) é de fato um complexo de
interações entre os sujeitos, os lugares de vida e os ambientes e paisagens de
entorno.
Assim chegamos ao sexto capítulo, designado “Construindo sentidos com o
território”. Dedicamos especial atenção às análises sobre as gentes que estudamos
ao longo dessa tese. O foco foi, sobretudo a relação entre sujeito, natureza e o
território. Analisamos processos que suturam essa relação, com foco para a
constituição do sujeito e as múltiplas influências que estruturam a historicidade
dessas gentes, bem como a importância do Litoral como lugar de vida e morada.
Enfatizamos e demonstramos a constituição da relação entre identidade e
território, justamente na expressão e na perspectiva de ficar no território, como um
sentido de estar no espaço, de permanência e de enraizamento naquilo que é seu,
sua comunidade. Entender essa relação é o ponto de chegada de nossa travessia
que mostra o Litoral entre o refúgio de muitos antepassados aos lares de muitos
pescadores, marisqueiras, extrativistas, lideranças, quilombolas.
Por fim, apresentamos considerações que procuram articular os elementos
estudados. Pensamos que essas considerações “finais” poderiam consistir em um
ensaio sobre o “refúgio no vazio e o lar estabelecido nos territórios”, para refletirmos
sobre as identidades e territórios das comunidades tradicionais do Litoral de Sergipe
entre as vivências e as práticas de trabalho e as “in-visibilidades”, como uma
estratégia territorial.
32

A CONSTRUÇÃO DA
PESQUISA
33

1 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

Nossa temática de pesquisa incide sobre a formação do Litoral sergipano


socialmente apropriado. Com o intuito de refletir o espaço da comunidade tradicional
de Litoral como uma formação territorial e verificar a existência de uma identidade
formada na apropriação tradicionalmente exercida e na historicidade dos sujeitos
sociais que habitam esse espaço.
Partimos da premissa de que a comunidade tradicional de Litoral, como
forma, é uma construção geográfica que se delineia pelo entrecruzamento do
manejo dos elementos da sua ecologia de entorno, representado socialmente, e, no
ajustamento de práticas tradicionais estabelecidas no território, elementos presentes
na construção de uma identidade territorial estabelecida na apropriação da
comunidade como espaço referência, na representação social deste espaço e nos
sentidos atribuídos na cotidianidade do modo de vida tradicional.
Sobre a premissa que orienta a pesquisa, podemos apresentar algumas
formulações:
1. Existe uma história da formação territorial do Litoral sergipano, que ajuda a
explicar as condições de espacialização de comunidades;
2. A comunidade tradicional de Litoral é uma construção espacial que se
estabeleceu nos interstícios do poder legitimador, que orientou a formação
territorial do atual estado de Sergipe;
3. O fluxo histórico das relações tradicionais de trabalho, como a pesca, o
extrativismo, consolidou uma base socioeconômica que atualmente é
reproduzida na historicidade dos lugares habitados e dos sujeitos sociais do
Litoral;
4. A comunidade tradicional continua se reproduzindo pela manutenção das
relações tradicionais, mas o sentido da tradicionalidade é atualizado por meio
de traduções culturais, como ressignificações de práticas;
5. Existe uma identidade territorial fundamentada na apropriação dos elementos
do espaço, nas práticas de trabalho tradicionais, no sentimento de
enraizamento com espaço e no sentido de pertencimento.
34

1.1 O fazer pesquisar

A escolha de inscrever nossa pesquisa em uma abordagem qualitativa


observa uma tendência dos estudos nos campos das Ciências Humanas e Sociais,
sendo esse um pressuposto teórico metodológico fundamental, conforme apontado
por Souza (2013). A autora indica que o processo de utilização da pesquisa
qualitativa tem origem na Antropologia, que introduziu os estudos etnográficos como
um instrumento para a explicação dos fenômenos sociais e, simbólicos, tendo como
precursores autores como Franz Boas (2010) e Bronislaw Malinowski (1978).
Nossa aproximação e simpatia com esse arcabouço de investigação se deve
pela própria natureza relacional e fenomênica das interações entre natureza, cultura,
espaço e território. Sendo assim, nossa opção não é por modismo simplista, mas se
dá, sobretudo, pela coerência epistêmica que a escolha qualitativa nos fornece.
Sabemos que pesquisas quantitativas e as experimentais se servem de um
esquema rigoroso e, muitas vezes rígido de análise, hipóteses, experimentação,
medições, verificação e explicação. De tal maneira, que os fenômenos científicos
devem ser justapostos ao método. Assim a epistemologia se prende a precisão do
uso de normas, protocolos e comprovações como princípio de sua própria
cientificidade que afasta cientista de seu objeto de investigação.
A pesquisa qualitativa adota a premissa de que a realidade é contraditória,
multidimensional e cambiante, dessa forma, não seria lícito pensar em padronização
absoluta, mas sim em caminhos a serem seguidos e em estratégias de pesquisa,
técnicas e métodos mais adequados e ajustados, Chizzotti (2008). A simples ideia
de qualidade para substantivar e qualificar a pesquisa já implica na adoção de uma
interação pesquisador-fenômeno-sujeitos, ou seja, pressupõe estabelecer uma
partilha densa entre fatos, representações e lugares, que são a razão de ser de
nossa investigação. Para o autor, essa qualidade só pode ser extraída no convívio
dos significados visíveis e latentes, perceptíveis apenas quando em contato com
uma atitude sensível para com os fenômenos humanos, situados no
entrecruzamento de razões, liberdades e vontades específicas, manifestadas no
cotidiano, na cotidianidade e não para além dele.
É no cotidiano prático da vida que se situam as vivências e a realidade do
Ser com sujeito portador de uma cultura. Identidades e territorialidades são aspectos
dados à observação e descrição postos nos contextos sociais em que são
35

vivenciados e não fora deles. Eles estão lá, mas a explicação dos fatos exige um
esforço intelectual concatenado ao campo teórico.
A atitude do pesquisador é elemento central em nossa pesquisa. Ele não é
neutro, como uma peça mecânica determinada a executar movimentos calculados.
Apesar de se admitir diversas formas de investigação, na pesquisa qualitativa, o
preparo, a criatividade e a sensibilidade do pesquisador são qualidades
fundamentais, pois é ele o instrumento mais confiável de observação, seleção,
análise e interpretação dos dados coletados. De modo, que o conhecimento é um
constructo da inteligência e não mero resultado de procedimentos e técnicas
controladas. Premissas, indagações, reflexões são tão relevantes quanto o produto
final exposto em um relatório.
Nesse sentido, estabelecemos alguns pressupostos de nossa pesquisa:

a) Percepção, representação, significado e sentido são preocupações de nossa


pesquisa. Sendo o homem-sujeito um “ser” que se distancia da “coisa”,
colocada entre uma coisa e os outros entes – já que é para Heidegger (2009)
o único que é “ser”, que existe plenamente, que interroga sobre si mesmo e
sobre o sentido da existência: de ser e de existir. O enfoque fenomenológico
privilegiou esta análise porque considerou, desde sempre, que significados
atribuídos pelos sujeitos aos fenômenos dependiam de suas culturas e
revelavam os aspectos dessa cultura. De forma que, atitudes, valores,
motivações só podem ser compreendidos como sistemas sociais. Assim
sendo, percepção, representação, significado e sentido são elementos
fundamentais para entender o sujeito, suas identidades e territorialidades.
b) A pesquisa se desdobra nos contextos locais, como fonte dos “dados”. Os
fenômenos, os fatos e as relações tem uma base espacial. Um lugar de
coexistência específica entre sociedade e natureza. Logo o campo é o locus
privilegiado da observação e interação na pesquisa.
c) A descrição como procedimento e método de campo. Sendo fenômenos, atos,
fatos, ações e relações sociais dinâmicas e vivenciadas, a prática qualitativa
prima pela descrição como forma de registro. Descrever cuidadosamente é
parte do ato de observar para posterior sistematização. Segundo Dourado
(2014), os resultados são expressos, em narrativas e esquemas ilustrados
com declarações dos sujeitos para dar o fundamento concreto necessário,
36

com registro fotográfico e iconografias acompanhadas de documentos


pessoais, fragmentos de entrevistas.
d) O pesquisador deve ter postura ativa, sensibilidade e prudência. O
pesquisador solitário ou em conjunto, desenvolve os procedimentos, elabora
os instrumentos e se coloca em campo como elemento do esforço pensante.
Sua atitude frente ao fenômeno, com perspicácia, atenção e sensibilidade e
muitas outras qualidades é a chave para o bom andamento e acurácia na
pesquisa qualitativa. É o pesquisador que se coloca em situação de interação.
É ele quem se envolve, observa, percebe, registra e interpreta. Para Souza
(2013), o ato de olhar, ouvir e escrever é essencial em uma pesquisa que
busca a descrição e a “apreensão”. Sendo necessária uma articulação entre a
vivência e a experiência. Consequentemente, não é apenas estar no lugar,
mas sim, estar no lugar na relação com o outro, para apreender e entender
gestos e cenas que se mostram nos detalhes quase escondidos.
e) A riqueza também está no processo de pesquisa e não somente nos
resultados e produtos. A apreensão e um entendimento dos fenômenos são
processos que permeiam a observação e a descrição. Os resultados são
importantes, pois expressam a relação com os objetivos construídos ao
contornar os objetos como real científico. Geralmente, no decorrer de uma
pesquisa qualitativa, gera-se significativa quantidade de informações ou
“dados”, que eventualmente, ao final, não serão incorporados ao corpo do
trabalho final por razões de forma. Esses fragmentos de realidade constituem
elementos primordiais do conhecimento.
f) Os “dados” obtidos são descritos e analisados de forma etnográfica, como
aspectos da realidade socialmente construída. Assim, os fenômenos sociais
se desenrolam muitas vezes sem uma base teórica empiricamente testada ou
desenvolvida a priori. Razão maior dos avanços proporcionados pelo campo
qualitativo, que busca no real os fatos a serem explicados. Sentidos e
significados devem ser interpretados a partir do fenômeno observado.
37

1.2 Ferramentas e consertos

O processo de construção metódico da pesquisa, as ferramentas e os


“consertos”, instrumentos e procedimentos, se deu por um duplo empenho: em
primeiro lugar, a necessidade de refletir e sistematizar a riqueza que é a experiência
de uma pesquisa, em termos de alegrias, de angústias e de construção sensível e
compartilhada do conhecimento; em segundo lugar, para informar ao leitor quais os
procedimentos escolhidos e os quais foram adotados segundo a natureza do
fenômeno observado. Enfim, foram percalços, dificuldades e soluções encontradas
no transcorrer dessa caminhada.
Dado o desafio de estudar as relações entre comunidade, sua cultura e o
território construído socialmente, como dimensões das relações cultura e ambiente,
as técnicas e instrumentos de pesquisa foram estabelecidos segundo os objetivos
traçados.
De uma maneira geral buscamos inspiração nos estudos e reflexões
produzidos por Brandão (1995, 1999, 2003), no qual o autor faz considerações
acerca da pesquisa, enquanto um processo, em que o pesquisador interage com e
na pesquisa, isto é, como “eu” participo da pesquisa que desenvolvo, levando em
consideração que a pesquisa qualitativa ao abordar os fenômenos da vida social,
coloca-se sempre na relação com o outro, que pensa, sente, age segundo intenções
e motivações, e tem propósitos próprios definidos, segundo seus contextos de vida.
Cabe ao pesquisador a sensibilidade de entender e de se portar adequadamente no
lugar de sua pesquisa.
Mesmo levando em consideração os ajustes de rumos, que são inevitáveis no
transcorrer da atividade científica, nossa busca pelos “dados” como fatos
socioespaciais, foi precedida de um planejamento minucioso. Devemos reconhecer
que o transcurso das atividades foi muito facilitado, pela realização em conjunto do
projeto de pesquisa intitulado “Grandes projetos e Identidades Locais: possibilidades
e desafios das pequenas comunidades costeiras”, que referencio na introdução.
Além de facilitar a logística de deslocamentos e materiais, em grande parte, o
desenrolar do nosso trabalho caminhou metodologicamente pari passo aos
procedimentos mais amplos da pesquisa institucional, dela se aproveitando e com
38

ela contribuindo, uma relação de mutualismo científico, pela qual sou muito
agradecido.
Sobre a fase de planejamento e concepção de nossa pesquisa referenciamos
a influência continua de Malinowski (1978), em seu estudo clássico sobre o Kula no
livro Argonautas do Pacífico Ocidental. Apesar de ser um estudo mais do que
secular, ele continua atual, por ser um clássico da literatura antropológica, mas,
sobretudo, porque seus ensinamentos de pesquisa me acompanham desde a
graduação e ainda me são úteis e valiosos e, também, porque, segue influenciando
uma nova geração de pesquisadores, incluindo os da própria Geografia.
O autor sugere que um estudo, como o nosso, que visa incidir sobre o
universo da cultura, em suas múltiplas interfaces, relações espaciais, e suas
interações históricas, econômicas e sociológicas pode se servir do esquema
metodológico formulado por ele para abarcar as dimensões da vida comunitária,
situadas e relacionadas em três aspectos:

 O esqueleto, estabelecido como o conhecimento e o entendimento dos


“fatos” concretos e imediatos: demografia, organização do espaço, modo
de produção.
 A carne e o sangue, o estudo do modo de vida cotidiano, tipologias de
sujeitos sociais, práticas de trabalho, organização social, conflitos e
processos territoriais.
 O espírito, neste trabalho, tomamo-lo como o nível do percebido e do
representado, como reflexões e estratégias vividas pelos sujeitos sociais,
expressando suas traduções das tradições.

Tendo em vista o esquema formulado, constituímos como fonte a obtenção de


dados secundários. No primeiro nível, do “esqueleto”, formulamos um estudo sobre
o histórico da formação territorial do Litoral regional, como um fato concreto.
Entre a carne, o sangue e o espirito do modo de vida no Litoral,
compreendemos e averiguamos as historicidades dos sujeitos nos processos. Nessa
compreensão que vai entre o vivido concreto e o vivido representado tivemos a
oportunidades de refletir as verticalidades temporais que são de alguma forma
processadas entre rupturas e continuidades, é caso da interdição espacial que
39

refletimos no capítulo 4 . Por outro lado, mergulhamos no processo vivido, buscando


compreender a dinâmica de apropriação e a representação do território.
Assim, a partir do nosso trabalho de pesquisador, que inclui a preparação
cuidadosa do ir “lá” procurar, a obtenção de material coletado em campo, as leituras
e as interpretações, nos conduziram para a compreensão de como essas três
dimensões da vida social e comunitária se integram e nos fornecem elementos para
pensar o espaço social, o modo de vida e a identidade no Litoral.

1.3 Dimensões do fazer-pesquisar

A dimensão investigadora desta pesquisa inicia-se, de fato, muito antes do


próprio fazer pesquisar no curso da ação. Ela se estabelece no momento da tese
como projeto de pesquisa. Passa pela necessidade de um intenso processo de
leitura e elaboração de arcabouço teórico, como forma de conceber o objeto como
uma criação científica. Envolve a formulação de hipóteses e esquemas explicativos,
delineamento de objetivos, métodos e procedimentos: em síntese a formatação de
um projeto a pesquisar.
A pesquisa em seu método seguiu esse trilhar. Em um primeiro passo,
levantamos material secundário que nos permitisse um reconhecimento com um
zoom menos aproximado sobre o Litoral, sua composição demográfica, distribuição
de população.
Utilizamos as tradicionais fontes de dados secundários, tal como IBGE e, em
especial, os estudos históricos disponíveis nas bibliotecas do Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe e na biblioteca Epifânio Dória. Foram semanas de leituras,
chegando às 09:00 e saindo às 16:00, sempre acompanhado de uma garrafa de
café e sujeito a ataques de um belo gavião a defender seu “espaço”. Essas horas
valiosas me renderam um capítulo da tese e a formulação de um ponto de vista
sobre o porquê de comunidades tradicionais no espaço Litoral.
Reconheço ainda como parte de esforço de pesquisar o estabelecimento de
uma fonte de informações proporcionada pelo encontro com um grupo de
pesquisadores do Departamento de Serviço Social da UFS. Esse grupo coordena
um projeto de intervenção chamado Programa de Educação Ambiental com
40

Comunidades Costeiras - PEAC, o qual forneceu a mim elementos essências sobre


a “caracterização” de 59 comunidades situadas no Litoral.
Esse encontro não foi por acaso e apesar de ter ocorrido numa fase bastante
avançada da tese, no ano de 2012, essas informações mudaram a forma de planejar
de meu trabalho, agregando elementos importantes, não só para garantir minha
inserção no campo, mas também no entendimento sobre processos “políticos” locais
e as formas de organização social em cada comunidade.
O Litoral agora nos aparecia de uma forma completamente nova: ajustávamos
a lente de nossos métodos e aproximávamos o zoom. Além de enxergar o nome dos
povoados, já víamos os sujeitos que lá se encontravam, informados, mesmo que
parcialmente de seus dramas, desejos e esperanças.

1.4 Os diversos momentos do ir ao campo

Apesar de já reunirmos muitas informações sobre os locais pesquisados, os


momentos que antecedem as inserções de campo são sempre de questionamento
e de refinamento de instrumentos de obtenção de dados e o momento de pensar em
quais procedimentos e cuidados que deveríamos observar em campo.
Em nossas atividades adotamos a pesquisa de campo, com destaque para
observação (antropológica) direta dos fenômenos, como procedimento chave para
enlaçar discussões teóricas e dado empírico. A pesquisa em campo se desenvolveu
em quatro momentos2, que vou tratar aqui como campanhas, pois em cada uma
tínhamos objetivos específicos.
Momento 1: realizamos uma pesquisa exploratória para fazer o
reconhecimento das comunidades situadas no Litoral. Para entender, ao menos
preliminarmente, o modo de vida local, a organização de cada comunidade, a
facilidade de acesso e etc. Nessa fase percorremos 32 comunidades de Norte a Sul
do Litoral, nos municípios de Indiaroba, Santa Luzia do Itanhy, Estância, Itaporanga
D´Ájuda, São Cristovão, Aracaju, Barra dos Coqueiros, Pirambu, Pacatuba e Brejo
Grande.

2
Essa sistemática foi adotada pela pesquisa: Grandes Projetos e Identidades Locais, a qual aderimos
para execução da tese.
41

Tomamos o cuidado de programar e organizar nosso roteiro com maior


antecedência possível. Para sistematizar as informações adotamos uma ficha de
caracterização, com um roteiro de entrevista contendo os aspectos a serem
observados em cada povoado (Apêndice A). No geral este roteiro priorizou:

a) O inventário do que tem “lá”, desde a observação da paisagem cultural e


patrimonial (prédios, construções históricas); as tradições do local; ocorrência
de festas populares;
b) A percepção dos sujeitos sobre o patrimônio cultural, categorizando em
patrimônio que mobiliza, que se constitui referência, que retrata a comunidade
e; importância.
c) A descrição do modo de vida na comunidade, em termos de práticas de
trabalho, historicidade da comunidade, expressões culturais, geração de
renda e; relação entre a comunidade e o município sede.

Após a obtenção dos dados e posterior confecção de relatório, com


sistematização em matriz de análise, com as características das informações,
visando também estabelecer um recorte mais específico e viável para o
aprofundamento da nossa pesquisa, obtivemos também, o registro fotográfico de
todas as comunidades visitadas nessa campanha.
Momento 2: uma vez vencida essa etapa mais exploratória de
reconhecimento e de estabelecer alguma familiaridade com as comunidades, por
imposições logísticas e por critérios de seleção que diziam respeito a necessidade
do Projeto de Pesquisa e também as nossas de doutoramento, focamos nossos
esforços em 04 comunidades: Terra Caída – município de Indiaroba, Litoral Sul do
estado; Pedreiras – Município de São Cristóvão, Litoral Central do estado; Tigre e
Junça – município de Pacatuba, Litoral Norte do estado, conforme especializado no
mapa 1.
A escolha destas comunidades foi fundamentada nos seguintes aspectos: (i)
pela constituição de sua base socioeconômica fortemente ligada à tradicionalidade
da pesca, em termos de prática social, economia e cultura; (ii) pela distribuição
geográfica cobrindo: Sul, Centro e Norte do Litoral sergipano; (iii) pela variabilidade
paisagística com a presença de estuários, mangues, dunas, lagoas, lagos, mares,
rios que nos garantiram presença de formas variadas e tipologias de práticas
42

pesqueiras; (iv) pelo tempo de existência, desde comunidades seculares e uma mais
recente, que pensamos nos auxiliar no entendimento da identidade territorial e
pertencimento.

Mapa 1 Municípios Litorâneos na área de Estudo, 2014

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos, Out. 2014.


43

Neste momento optou-se por aprofundar o entendimento da constituição da


base socioeconômica nessas comunidades. Ao refletirmos sobre aspectos sobre a
tradicionalidade de suas relações, ou seja, buscou-se verificar no tempo se há um
sentido de permanência de práticas de trabalho, como pesca e sua lógica social.
Essa razão nos impeliu a não incidimos nosso foco sobre Estiva, que já sabíamos
em processo de transformação das relações de trabalho para uma forma menos
tradicionalizada das relações em que a população se desloca da prática da pesca
para o emprego formal.
Momento 3: conhecida minimamente a “base socioeconômica” e a dinâmica
organizativa das comunidades estudadas, procedemos duas atividades diferentes
em tempos diferentes: a primeira foi a realização de oficina de representação,
intitulada de “Meu povoado em minha vida”, com crianças das escolas: (i) Escola
João D‟Ávila Chaves, povoado Terra Caída, com a participação de 100 alunos do 1º
ao 5º anos do Ensino Fundamental; (ii) na Escola Municipal Thomaz Bispo –
Povoado Tigre e Junça, com 35 alunos do 3º, 4º e 5º anos do Ensino Fundamental
e; (iii) Escola Municipal professora Terezita de Paiva Lima – Povoado Pedreiras, com
a participação de 53 alunos do 3º, 4º e 5º anos do Ensino Fundamental.
As crianças foram estimuladas a representar suas vidas em cada comunidade
e a cotidianidade vivida nos povoados, eles se expressaram por meio de desenhos,
tiveram ao seu alcance lápis de cor e papel A3. Após, foi realizada uma exposição
dos desenhos elaborados, com a oportunidade para que todos falassem sobre a
experiência. De volta ao laboratório na UFS, as representações foram interpretadas
segundo proposta metodológica apresentada por Kozel (2007,2006), identificando e
separando os elementos usados na representação, de forma a decodificar as
funções, os valores, os signos, as linguagens e os enunciados expressos na
representação. A partir desta sistematização foram elaborados quadros e gráficos
que nos ajudaram a compreender melhor o sistema de referência adotas pelos
sujeitos.
Na etapa seguinte, a dinâmica foi repetida com: jovens, adultos e idosos dos
povoados Tigre/Junça e Pedreiras, chamada de Oficina “Nossas Referências”.
Concentramos essa atividade nas duas comunidades citadas em razão do nível de
organização dos moradores, muito forte em Tigre/Junça e pela divisão interna que
observamos em Pedreiras; pela diferença paisagística observada, a presença de
lagoas, dunas e praias na primeira e o estuário na outra. Assim, nessa etapa não
44

desenvolvemos atividades em Terra Caída, pois observamos dificuldades de atrair,


organizar e reunir os sujeitos locais em torno dessa atividade de pesquisa que
alterava sua rotina diária.
No Tigre/Junça a oficina “Nossas referências” estabeleceu o debate e a
partilha em relação aos diversos e diferentes olhares e conceitos dos habitantes do
povoado estudado e, por esse motivo, foi realizada na sede da Associação
Comunitária, um espaço aberto e comum aos muitos moradores. Os 14
(quatorze) participantes chegaram de forma muito tímida e, pelos comentários
iniciais durante as apresentações, motivados: (i) pela expectativa de uma atividade
da Associação; ii) pela observação da chegada da equipe ao povoado.
Por sua vez a oficina realizada no povoado Pedreiras, contou com a
participação de 19 pessoas, entre pescadores, pescadoras, marisqueiras, lideranças
locais e aposentados. A atividade foi realizada na sede da Associação de
Desenvolvimento Comunitário do Povoado Pedreiras.
Os participantes, motivados com a possibilidade de expor suas referências,
puderam escolher entre o registro fotográfico e a elaboração de desenhos ou textos.
A equipe disponibilizou papel, lápis de cor, máquinas fotográficas e o carro em caso
de algum participante se interessar pelo registro de locais mais distantes e ou para
auxiliar sujeitos mais idosos que tivessem dificuldades de locomoção. Optamos em
diversificada a forma de expressão dada à realidade do grupo com que estávamos
interagindo. Neste sentido, algumas pessoas sentiram se mais confortáveis com a
elaboração de um desenho ou com o processo fotográfico.
Esta atividade constou da projeção das fotos com uso de data show e da
exposição dos desenhos e textos num “varal” montado na sala. Constituiu-se um
momento significativo, pois propiciou um espaço de interação entre nós e eles e,
também, revelou-se uma oportunidade para que todos e cada um pudessem se
manifestar a respeito às referências do “outro”, do “Meu” e do “nosso”, tanto em
termos de espaço quanto convivência em comunidade, seus interesses, disputas e
conflitos.
Além dos desenhos, eles puderam expressar suas representações das
comunidades por meio de um passeio fotográfico livre, textos e depoimentos. Esse
material foi submetido a um processo de reflexão em que os participantes eram
convidados a falar do sua representação. Os depoimentos foram gravados e
posteriormente transcritos e decodificados segundo seu conteúdo.
45

Nessa oficina adotamos como estratégia de conteúdos transversais – uso do


patrimônio cultural e identidade territorial – importantes para a análise da base
socioeconômica das comunidades e para reflexão sobre território, apropriação e
territorialidades. As oficinas foram uma das formas de aproximação entre o
pesquisador e as comunidades para atingir o objetivo do projeto de pesquisa. Além
das entrevistas e oficinas, visitas de campo subsidiaram a estruturação de um
acervo fotográfico das comunidades que propiciaram materiais para análise e
reflexão de nossa tese.
Nas oficinas com os adultos, o público atraído apresentou uma composição
bastante variada e representativa em termos de profissões exercidas: como
pescadores, marisqueiras, artesãs, aposentados, estudantes e donas de casas com
idade entre 16 a 70 anos. A maior parcela são moradores com bastante tempo de
residência ou como a maioria nascidos no povoado ou nos arredores.
No entanto, obtiveram-se também registros de pessoas que moravam em
outros locais, mas voltaram para o povoado porque gostam do lugar. Quanto ao
gênero destaca-se a participação tanto feminina quanto masculina, a amostra dos
participantes foi, a nosso ver, satisfatória dado o interesse da pesquisa.
Momento 4: tratou de um processo de entrevista realizado com moradores,
pensando especificamente em construir discursos que os mesmos verbalizavam a
respeito de questões sobre identidade, apropriação, organização e sentidos do
território, previamente estabelecidos em um roteiro (APÊNDICE B). Esse roteiro foi
elaborado na busca por responder aos objetivos da tese. Organizado em 05 blocos
temáticos para contemplar os seguintes pontos:

a) A pessoa como sujeito: identificação do entrevistado, sua trajetória de vida -


local de nascimento? Tempo de residência na comunidade? constituição da
unidade familiar?
b) Sujeito do conhecimento e reconhecimento na comunidade: aprofunda
questões da trajetória de vida até o sentido de morar no povoado: o porquê
da escolha da comunidade? como é habitar o espaço-comunidade?
Sentimento pelo povoado?
c) O sujeito com o espaço de referência: O sentido de morar no Litoral?
Problemas e dificuldades? Se tem vontade de mudar de comunidade? a
relação com a paisagem de entorno? O Litoral em oposição ao Sertão? As
46

questões foram pensadas para permitir ao entrevistado refletir e mergulhar na


sua relação com o local de vida, trabalho, luta, participação;
d) Sujeito e o sentido de pertencimento: Neste bloco abordamos os aspectos
fundamentais que ligam o sujeito a seu espaço de referência. Indagamos
sobre sonhos, planos, tradições, permanência no lugar. Além de reflexões no
campo das emoções subjetivas, refletimos pontos mais concretos como
projetos para o futuro na comunidade e a perspectiva dos jovens;
e) Sujeito no envolvimento, como práticas de trabalho e cotidianidade:
pensado para estimular o discurso e depoimentos sobre elementos de
apropriação do espaço de referência, como as práticas de trabalho (o que faz,
como faz, onde faz e porque faz); organização social do trabalho (sentido de
organização coletiva, divisão sexual do trabalho, o trabalho dos jovens, a
produção);
f) O sujeito nas relações: com o outro, como o coletivo, com a família;
g) O sujeito e suas traduções: expectativas de futuro, os novos conteúdos da
tradição, a pesca como tradição;
h) O sujeito no seu território: o sentido do território (“meu”, do “outro” e do
“nosso”) e o valor do seu território.
i) A identidade com o território: as perspectivas de enlace entre um sujeito e
seu espaço de referência tomado como sentido de um processo de
identificação com esses territórios.

As entrevistas nos possibilitaram entender a percepção, os sentidos e


representação dos moradores sobre aspectos de sua realidade local. O roteiro foi
estruturado em conformidade com os elementos teórico-metodológicos com os quais
pensamos categorias como identidade social, identidade territorial, território,
apropriação, territorialidade, pertencimento e representação social. No capítulo 02
apresentamos uma abordagem sobre essas categorias que, a nosso ver, nos
sinalizam o território socialmente construído pelas comunidades de Litoral como um
ajustamento entre as práticas sociais, especialmente o trabalho, e o espaço
tradicionalmente habitado, incluindo (complexo ecológico-territorial) os ambientes de
entorno, constituindo uma identidade territorial.
Embora cuidadosamente estabelecido como um roteiro de temas a serem
abordados, o transcurso da entrevista foi, de fato, o mais livre possível. Em vários
47

momentos os entrevistados exerciam a liberdade de falar sobre outros assuntos de


seu interesse. Dessa forma, esse foi um exercício, muitas vezes demorado e, em
alguns casos, frustrante, porque alguns não estavam interessados em falar.
A seleção dos sujeitos se deu de acordo com a oportunidade, contudo, eles
eram categoricamente selecionados. Interessava-nos abordar os diversos sujeitos
sociais dos lugares: pescadores, pescadoras, artesãos, agricultores, lideres sociais,
jovens, de forma que pudéssemos cobrir um espectro amplo de categorias, sem a
necessidade obsessiva de fazê-lo rigidamente.
Neste aspecto, contamos com um nível de reconhecimento pessoal e de
interação que já tínhamos desenvolvido nas comunidades em virtude das outras
etapas, por isso, ela foi pensada para ser executada nesse momento. Foram
realizadas 16 entrevistas livres, sendo 06 na comunidade de Terra Caída, 05 em
Pedreiras e 05 em Tigre/Junça.
Obviamente, nessas etapas procedíamos à observação dos fatos, registros
fotográficos e uma sistematização de cada entrevista para pensarmos o significado
da fala em seu contexto. Tomamos o cuidado de fazer um registro de áudio,
sistematizando ainda no percurso de volta o que estávamos percebendo em campo.
Adotando essa técnica e observando alguns cuidados nos procedimentos
conseguimos êxito no levantamento de informação e na troca de saberes com os
sujeitos. O fato de estarmos diretamente com os envolvidos no ambiente das
comunidades, não somente entrevistando e perguntando, mas, sobretudo,
observando a cotidianidade da dinâmica local nos permitiu um mergulho no mundo
vivido, facilitando a descrição mais “densa” e compreensão mais profunda do
universo de vida das comunidades. Por outro lado, é importante ter clareza que o
pesquisador está numa posição dialética, que ao mesmo tempo envolve
cumplicidade e proximidade e distanciamento e estranhamento à de uma realidade
que se deseja investigar.

1.5 Aprendizados sobre olhares e observações

Não é mister para os geógrafos que a nossa “ciência” é profundamente


ligada, desde sua origem, a uma tradição salutar da realização de inserções in loco,
48

para descrever, medir, mensurar, mapear e explicar. Esse procedimento inicialmente


foi ligado aos estudos no campo da Geografia Física e da própria Cartografia.
Contudo, nas últimas décadas do século XX, em algum sentido, a Geografia
se desviou de sua identidade em relação a um “espírito aventureiro” da observação
e do estar no campo, em especial pelo surgimento e pelo acirramento ideológico
entre Geografia Quantitativa e Teorética e, também, pela influência hegemônica da
corrente crítica ou de cunho neo-marxista no cenário brasileiro, apontados por
(AMORIM FILHO, 2007). Deflagrou-se um processo de fragilização dos instrumentos
de coleta de dados em campo, com repercussões na formação técnica do geógrafo,
que ficou prejudicada.
Felizmente nos últimos anos, há uma renovação de trabalhos com foco na
pesquisa de campo, impulsionados pela abordagem da Geografia Cultural. De fato
ocorreu uma renovação, pois as pesquisas não remontaram a forma inicial em que
eram conduzidas, a subjetividade e as motivações humanas se colocaram na linha
de frente de um pensamento epistemológico diferente das correntes neo-positivista e
estruturalistas que dominavam a produção científica no campo das ciências sociais.
As fronteiras epistemológicas estabelecidas no campo das humanidades pareciam
mais permeáveis e mais discutíveis sob o prisma da abordagem culturalista.
Claval (2011 e 1997) designou esse movimento de um virada Geografia
cultural, que se baseou em outras três viradas, em que: (i) o espaço, categoria e
conceito fundamental ganhar maior peso na análise da vida social. A diversidade
dos lugares surge como elemento de interesse dos cientistas sociais; (ii) a virada
linguística, na qual a diversidade das culturas no tempo e no espaço fornecem
elementos para compreensão e formulações renovadas da relação sociedade e
natureza; (iii) uma mudança no sentido de se fazer história, alterando o quadro de
análises baseados na preeminência da sucessão dos tempos, de uma limitação para
o entendimento do espaço social e a atenção demasiada às culturas dominantes.
No campo epistemológico a Geografia Cultural reforça o entendimento de que
a “totalidade” dos saberes geográficos tem uma dimensão cultural de acordo com
sua época, seu lugar e sua área (CLAVAL, 2010). O ressurgimento da vertente
cultural na Geografia significou também a reformulação dos procedimentos de
pesquisa, especialmente o trabalho de campo.
Souza (2011, 2013), aponta o entrecruzamento de procedimentos e técnicas
que vem de outros campos das ciências como a Antropologia no caso da autora,
49

mas também Sociologia, Economia, História, que estão sendo adotados como forma
de aprimorar a ciência geográfica na sua tarefa de compreender a produção social e
cultural do espaço.
A essa renovação do trabalho de campo como procedimento e técnica,
aderimos com grande entusiasmo desde o mestrado. Contudo, apesar de nossa
inclinação a essa prática de pesquisa, ela exige treinamento, experiência e
sensibilidade, em especial, porque lidamos com sujeitos reais, homens, mulheres,
crianças, idosos em situações reais de vida, com dramas, conflitos, suspeitas,
medos e interesses muito reais.
“Eles”, os sujeitos estudados, não são simples objetos de pesquisa, em que
me interessa apenas interrogar e retirar algum “dado”. Os nossos “dados” muitas
vezes são depoimentos emocionados e carregados de sentimentos e frustações. Por
mais de uma vez tivemos que interromper as entrevistas porque as pessoas
estavam emocionadas ou concluímo-las em meio aos olhos cheios de lágrimas,
porque aquilo nos tocava. Devemos estar preparados para lidar com emoções e ter
a sensibilidade para captá-las como expressão dos sentidos atribuídos na formação
socioespacial.
Logo, nosso trabalho empírico, visando adentrar no campo das relações entre
os sujeitos e a natureza, é mesmo uma pesquisa interativa, no exato teor do termo,
pois tanto o pesquisador quanto objeto científico, por ele formulado e
cuidadosamente estruturado, estão em interação com o “outro”.
Não se trata apenas de estabelecer relações, selecionar informações,
transcrever uma entrevista, mapear campos, obter dados e manter um diário.
Pensamos a observação como um esforço intelectual, para ver fatos em processo,
mas enxergá-los como eles são e se mostram.
Neste aspecto, o trabalho de campo é um tempo-espaço do estabelecimento
das relações entre “nós” e “eles”. A interação se estabelece em vetor de duplo
sentido. Envolve nossa disposição e sentido de interagir, de nos expor como
pesquisadores e sujeitos, portadores de uma visão de mundo e a visão “deles”, de
um interesse e curiosidade, somos tanto pesquisadores, como também somos
pesquisados pelos sujeitos. A interação pressupõe estabelecer compromissos de
sociabilidade que ultrapassam as fronteiras da pesquisa.
Conhecemos as dificuldades clássicas relatadas por Malinowski (1978) e
Geertz (1989) para penetrar no universo dos “sujeitos”, por exemplo, diferenças de
50

costumes e língua. Há que se considerar também, que a relação entre pesquisador


e morador no campo pressupõe expectativas e desconfianças de ambas as partes.
O pesquisador é muitas vezes para o morador um sujeito “estranho” que
chega e modifica o cotidiano. Que aparece cheio de pressa e fora da temporalidade
do cotidiano, perguntando sobre assuntos que às vezes eles não querem falar ou
cujo objetivo não entenderam.
Quanto mais tempo passávamos em campo, mais fácil conhecer o local e
estabelecer interações. Neste aspecto, a sucessão de diversos momentos, como
estratégia de pesquisa, foi fundamental para facilitar o desenvolvimento de etapas
mais “sensíveis” e “críticas”.
Nossa estratégia observou em parte as orientações propostas por Foot-Whyte
(1990), no que diz respeito ao estabelecimento de relações com os líderes sociais,
entendidos como observadores privilegiados, que garantiriam uma melhor condição
na execução da prática de observação.
Valemo-nos do estabelecimento de relações com o outro, pensados não
como meros informantes que de quem desejamos algo, mas como pessoas dotadas
de afinidades, conforme orienta (BRANDÃO, 1999). Essa é uma relação de
envolvimento mútuo.
Esses sujeitos, além de entrevistados chave, foram também facilitadores de
nosso trabalho. Não nos limitamos a líderes comunitários, mas nos envolvemos com
pessoas que em geral se dispuseram a percorrer as comunidades conosco. Eles
não atuaram como portadores de um saber diferente, especial, mas sim, como um
elo que abria as portas e nos levavam a “lugares” e pessoas que nos interessavam,
justamente porque se sentiam interessados e envolvidos com o pesquisador e com o
trabalho acadêmico.
Deve-se estabelecer um cuidado para que sua pesquisa não se torne a
pesquisa conduzida a partir do olhar do outro que lhe ajuda, a partir de suas
representações particulares. Geralmente, uma boa dose de conversa e bom senso
ajudam.
Lembramo-nos do exemplo de uma situação que vivemos em campo.
Percebemos em determinada comunidade, um senhor tecendo sua rede na varanda
de sua casa. Esse fato ocorreu em um dos primeiros momentos de entrevista.
Nessa comunidade, apesar de sempre se referirem à pesca, como a base de
sua economia, não conseguíamos notá-la como prática cotidiana. Enfim, estávamos
51

com esse aspecto. Aproximei e me apresentei, como estudante e pedi a ele para
conversar. O senhor, sem pensar, me disse de imediato: não quero falar, eu não sei
falar. Agradeci e me afastei. Depois de alguns contatos estabelecidos na
comunidade, voltei na companhia de um morador que me ajudou muito no decorrer
do trabalho, realizei uma ótima conversa com ele, que me ajudou a entender um
pouco da territorialidade local e as questões envolvendo as restrições sobre a pesca.
Dentre todas as dificuldades, a mais complexa é não se perder em campo. As
incursões, no nosso caso envolveram atividades diárias, com deslocamentos
constantes. A realização das oficinas temáticas, que pressupunham uma
organização preestabelecida com convites, mobilização, disponibilização de espaço
e definição de programação de atividades requer uma dose de objetividade implícita,
mas as atividades de observações e a realização de entrevistas livres merecem
cuidados.
É muito fácil se perder e se desviar dos objetivos. Para evitar isso é
fundamental saber o que se quer ver e onde se deve olhar. Não é o caso de
restringir o seu olhar, mas treiná-lo, para ver aspectos relevantes para compreensão
de seu fenômeno. Não basta olhar, mas, sobretudo, saber para onde e o que olhar.
Nesse sentido os estudos etnográficos de Brandão (1995, 2006) fornecem
esquema interessante para ser seguido neste trabalho. Segundo o autor é preciso
estabelecer e observar as dimensões cotidianas em quatro eixos:

(i) As práticas do fazer, como as práticas de trabalho concreto, pescar,


comer, rezar. Neste caso, lidando com a descrição do ato;
(ii) As éticas do agir, como se faz as coisas sobre que tipo de conduta e
normas sociais;
(iii) As lógicas do pensar, vista como um sistema social, que confere
sentido e significado tanto as representações sociais como ao próprio conteúdo
identitário e;
(iv) A constituição do universo simbólico, interpretada como a forma de se
pensar e elaborar seu modo vida simbólico e imaginário, isto é, a elaboração de
rituais, a permanência de fatos religiosos. Tudo isso são aspectos a serem
observados e interpretados em interação.
52

Foi com esse roteiro que vivenciamos os momentos de campo, muito mais
interessados em observar um sentido de cotidiano e cotidianidade que implica em
estabelecer certos vínculos pessoais, que sugere saltar a sala de entrada da casa,
como espaço de uma entrevista formal, com cadeiras delicadamente colocadas para
que “nós” ficássemos a certa distância do mundo “deles”, mas andar lado a lado,
estabelecendo os papos entre um lugar e outro.
Pensamos que a melhor atividade de pesquisa é aquela que estabelecida
nos entre “lugares”, no caminho, cercado de crianças e com “papos” difíceis de
serem transcritos. Aí também estão os fatos imponderáveis que desejamos explicar.
Valiosas lições que tomamos nos cursos de Antropologia e Prática de
Pesquisa, ministrados pelo Prof. Carlos Brandão no curso Pós-graduação em
Geografia na UFU, em especial, a possibilidade de contextualizar sua pesquisa
como um roteiro de um filme ou uma peça de teatro estabelecendo os cenários, os
atores e as cenas. Foi assim que pensamos nossa pesquisa conforme exposto no
quadro 01, a seguir:

Quadro 1 Esquema de pesquisa


História: formação territorial e territórios
Litoral: Paisagens: mangues, praias, dunas, restingas, lagos, mares
cenários Territórios das comunidades tradicionais de pesca
Comunidade na historicidade nos lugares
Vivências no território: na interação dos sujeitos com o ambiente
Território/ como espaço de brincadeiras, divertimentos, socialização e
territórios: convivência
vivências Relações com o território na interação dos sujeitos com o ambiente
como espaço de trabalho, mediação entre o espaço natural e cultural
Memórias a partir do território na interação dos sujeitos como
memória social do que não se pode mais fazer
Ator principal a pessoa como sujeito: crianças, jovens, adultos e
Cotidiano: cenas idosos
de sujeitos em Ator principal o sujeito como identidade social: pescadores,
interação pescadoras, agricultores, extrativistas
Ator coadjuvante a representação social: lideranças, associações,
politica, Estado
Percepção das relações: individual com o trabalho e coletivo na
Representação: participação social
comunhão e Interações com o ambiente e com a sociedade
reconhecimento Transformações sociais: no espaço vivido e nas pessoas que vivem
no espaço
Identidade territorial: com território (complexo de interações, espaços
cotidianos e ecologia de entorno)
Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Baseado em De Paula (2009).
53

Tendo em vista a forma que pensamos nosso campo exposto no quadro 1,


procuramos estabelecer então o campo como modo de investigação conectando
técnicas de pesquisa. As dificuldades apresentadas e as soluções alcançadas se
apresentaram ao longo do fazer-pesquisar.

1.6 Voltar de “lá”: entre a observação e a sistematização

Consideramos o voltar do campo um passo importante de distanciamento


relativo do universo empírico. As impressões, observações, os estranhamentos e os
enigmas tudo ainda está vivo na memória do pesquisador.
Em nosso caso, nos momentos de realização de oficinas foi sucedido de um
exercício coletivo de formulação e sistematização dos resultados. Todo “material”
iconográfico coletado e produzido foi revisto em relação aos objetivos metodológicos
desejados. As representações realizadas pelas crianças foram decodificados em
termos dos elementos que apareciam e em termos do conteúdo retratado. Foram
confeccionadas tabelas analíticas e um relatório de cada atividade.
O mesmo procedimento foi observado para as oficinas realizadas com, jovens
e adultos. Além da decodificação, acrescentamos a análise das narrativas obtidas
com depoimentos que conseguimos colher em grupo. Mais uma vez foi
confeccionado um relatório da atividade, para facilitar a posterior retomada da
temática.
Este momento intermediário é de relativo afastamento, pois em seguida
retomamos atividades de entrevistas, foi fundamental para o afinamento dos
procedimentos, o roteiro de observação e de entrevistas (APÊNDICE B) foi ajustado
com base no que era percebido empiricamente.
No que concerne às entrevistas, todas foram coletadas em gravador de áudio
e posteriormente transcritas e organizadas segundo o conteúdo de cada fala em
categorias analíticas que permitiam uma análise posterior, de forma, que
conseguíssemos categorizar os discursos segundo a temática de nossa
investigação.
As observações de campo também foram cuidadosamente registradas em
narrativas gravadas como arquivo de áudio, às quais recorremos no momento da
54

análise dos resultados para compreensão dos aspectos observados, bem como para
redação da tese.
No decorrer de todo trabalho, em paralelo com a execução de momentos de
imersão em campo, os produtos fotográficos foram cuidadosamente armazenados e
legendados para facilitar seu uso futuro. Foi produzido material cartográfico de cada
comunidade, a fim de retratar o uso do território.
Nossa abordagem qualitativa, em seu desenvolvimento, procurou integrar as
dimensões de análises, entre: a descrição das atividades cotidianas como práticas
espaciais em nível individual; as relações como mediações entre a sociedade,
ambiente e território; as percepções individuais e coletivas sobre o ambiente, sobre
o espaço que se faz território e; as representações, como sentido de valores e
imaginários criados no contexto social de sua espacialização, conforme sugerido por
(DE PAULA 2009).
Por fim, a última sistematização, compreende a forma e a redação do trabalho
como tese a ser apresentada. A apresentação da pesquisa trata-se da forma que se
dá ao conteúdo e aos resultados. Essa forma final revela que já não somos mais os
mesmos pesquisadores que começamos. A travessia da pesquisa não se reduz ao
entrecruzamento de uma lista de procedimentos técnicos mais ou menos
adequados, ela se conecta a uma realidade.
Os territórios que buscamos apreender são também lugares de vidas e
dramas, e os nossos sujeitos tem rostos e uma trajetória. Temos a consciência que
provavelmente nossa pesquisa pouco mudará as suas vidas, mas eles marcaram
nossa trajetória de pesquisador.
Entre a pesquisa imaginada e a realizada, apreendemos lições de vida,
modos de vida, experiências, cenas, gestos, festas, desafios, conflitos, ritos e cultura
que tornaram mais densas nossas observações. A pesquisa geográfica nos
proporcionou encontros e interações, relações colocadas no palco dos espaços, que
nos propusemos investigar de forma aproximativa, densa, interativa e interpretativa.
55

ITINERÁRIOS SOBRE
TERRITÓRIO E
IDENTIDADE:
APROXIMAÇÕES
56

2 ITINERÁRIOS SOBRE TERRITÓRIO E IDENTIDADE: APROXIMAÇÕES

Sabemos que o território é uma construção estabelecida nas relações entre


os homens (sociedade e comunidade), e entre os mesmos e a natureza (paisagens
e ecologia) na sucessão, arranjo e integração de tempos diversos. Nas relações o
espaço geográfico é qualificado, ganha formas e conteúdos variados. A cada escala
do espaço, podemos observar um zoom de relações da sociedade com a natureza,
portanto, estabelecem-se múltiplas “escalaridades” no território.
A “escalaridade” não se refere somente à extensão do território, pois pode ser
compreendida desde uma perspectiva regional, tanto quanto em territórios
específicos. A perspectiva escalar refere-se também às nuances temporais. A cada
escala temporal, temos, uma forma-território que lhe é peculiar, ou seja, um forma-
(ação) territorial. É este efeito temporal “dissincrônico” que vai permitir a “co-
habitação de tempos3” e a compreensão do arranjo espacial que visualizamos
atualmente.
Adotamos a premissa de que a sociedade se “geografiza”. Ela inscreve as
marcas de sua ação no espaço, criando prédios, ruas, estradas. Essas marcas,
impressas no espaço, são dotadas de uma funcionalidade que asseguram condições
materiais e imateriais de vida, mas, sobretudo, exprimem as relações de uso,
ocupação, controle, sentidos, visões de mundo em que a sociedade mantém com o
“seu” espaço em dado contexto.
Neste capitulo abordaremos questões que envolvem o território, o sentido do
território nas comunidades, como acumulação de tempos sociais e, ainda, o
ajustamento que existe entre a natureza e as práticas humanas na formação de
tempos e transformações dos espaços. Bem como repercutir a interação entre
representações sociais e identidades delineadas em um espaço-tempo determinado.

3
Uso termo co-habitação como sugerido por Martins (2011).
57

2.1 O sentido do território

Consideramos inicialmente o território das comunidades litorâneas um


permanente estado de viver numa situação de intervalo, de um lado habitando
territórios e paisagens secularmente e, de outro em constante devir4 por habitar um
espaço que é especulado, desejado, sujeito a transformações cotidianas pela
dinâmica natural de marés e estuários, mas também pressionado por
transformações ambientais e de usos sociais que fragilizam todo esse sensível
complexo ecológico territorial.
No limiar, o território das comunidades litorâneas continua em situação de
intervalo, que em um primeiro momento propiciaram as condições para
territorialização. Atualmente essa condição intersticial encontra-se em um contexto
mais de ameaças do que de seguranças, devido às mudanças de usos e novos
interesses estabelecidos mais recentemente.
O território é indissociavelmente material e imaterial. Mas, é na apropriação
que ele é forjado. E, como sugere Haesbaert, “dentro da dimensão “material” do
território é necessário considerar a dimensão “natural”, que em alguns casos revela
um dos componentes fundamentais” (HAESBAERT, 2012). A natureza se apresenta
qualitativamente diferente para cada grupo social, mesmo que para os sujeitos do
Litoral a dimensão “natural” da paisagem e sua ecologia sejam intrínsecas ao
conteúdo do território.
A ação espacial da sociedade é eminentemente territorialista:

Na sociedade tradicional, o território responde por duas funções


principais: uma de ordem política - a segurança -, outra de ordem
mais especificamente cultural – identidade. Segundo épocas
históricas e os tipos de civilização, os problemas de identidade e
segurança se colocam em termos diferentes e, por conseguinte, o
desenho do território, sua ocorrência e sistemas de polarização se
modificam. [...]

[...] O espaço dos homens parece ser de natureza territorial: ele


muda, morre e renasce segundo a vida e o destino dos grupos
culturais que o compõem. (BONNEMAISON, 2002, p. 105, grifos
nossos).

4
Nos termos apresentados por Martins (2011).
58

Nas primeiras formulações da Geografia, o território foi entendido por uma


forte influência das concepções biológicas, nesta altura, muito ligadas aos estudos
sobre comportamentos dos animais – em especial, grandes mamíferos, mas não só
eles, que geralmente usavam e “controlavam” grandes áreas espaciais quase que
de forma exclusiva ou ligado ao domínio de uma porção do espaço com presença de
fortes mecanismos de controle, de demarcação de fronteiras e limites para que
outros concorrentes se mantivessem afastados.
Atualmente, o conceito de território e sua construção enquanto categoria de
análise deriva das definições estabelecidas por Raffestin (1993), que apreende o
território, marcado pelas relações de poder. Para ele o espaço original por assim
dizer é transformado em território como resultado da apropriação realizada por
“atores sintagmáticos”, que geralmente podem se constituir em instituições “oficiais”
como forças armada ou aparelhos de administração, conforme discutiremos no
capítulo a seguir sobre a produção do espaço nacional pela metrópole Portuguesa.
Mas, outros agentes “privados” com frequência exercem funções de atores
sintagmáticos, foi o caso dos senhores de Engenho em Sergipe na construção da
empresa moderna.
Na visão da Raffestin (op. cit) os atores a executarem sua “programação
territorial” apropriam-se de pontos do espaço, estabelecendo-se relações de
controle, administração e vigilância, tal como ocorreu em Sergipe. O funcionamento
sistemático do território estatal, por exemplo, é garantido pela capacidade de
integração e conexão desses pontos, constituindo-se redes, malhas e nós do
sistema territorial.
Neste aspecto, o estabelecimento de rotas confiáveis e um modal de
transporte regular é condição para o exercício de administração territorial. Vemos
que o território é na opinião desse autor um constructo das relações de poder em
diversos níveis, pensado como uma ação com finalidade geopolítica, qual seja: criar
um espaço para o exercício político de poder e de soberania no caso do Estado.

O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um


trabalho, seja sinergia e informação, e que por consequência, revela
relações marcadas pelo poder. O espaço é a “prisão original”, o
território é a prisão que os homens constroem para si. (RAFFESTIN,
1993, p. 143-144).
59

Ao longo da obra de Rogério Haesbaert, reconhecido como um dos geógrafos


mais importantes do Brasil na atualidade, a produção do território está interligada ao
processo de apropriação, como sistemática de relações socioespaciais, no qual o
homem na sua coletividade qualifica porções do espaço simbólica e funcionalmente.
Para Haesbaert (2005) a interligação entre a face material e imaterial,
aparece desde cedo na própria origem da palavra território, identificada na essência
da palavra terra de “terra-territoriun” quanto do “terreo-territor” (terror, aterrorizar), ou
seja, tem a ver com controle (político administrativo e jurídico em última instância).
Neste caso, tem-se aí a origem do controle da “terra” como primeiro elemento para
dominar os demais, sobretudo, como argumenta o autor, aqueles que ficavam
alijados da terra estavam também “impedidos” de entrar.
Entendemos que o território da comunidade tradicional no Litoral de Sergipe é
um devir, pois ele é o resultado da intencional ação humana sobre o espaço. Assim
se podemos enxergar o território no espaço, a simples existência de um espaço ou
de uma área, não pressupõem construção territorial na escala local. Para existir
territórios é preciso que ocorra apropriação e territorialização. A territorialização se
faz nas ações do homem, em termos de sociedade, para criar e obter os meios de
vida sociais, culturais e econômicos.
Territorializar-se significa estabelecer relações com o espaço (linear ou zonal)
em um dado contexto histórico, logo não há território sem sociedade e não há
território fora do tempo. A historicidade é uma qualidade inerente a territorialização,
mas não é a única qualidade.
Martins (2011) expõe quatro pontos, para se pensar o movimento de
territorialização: (i) a territorialização envolve um processo de conhecimento do
espaço; (ii) o conhecimento permite a significação; (iii) conhecimento e significação
são cumulativos no tempo-espaço, que ao longo tempo conduz a uma
representação dos ritmos do tempo-espaço; (iv) a territorialização contém a
historicidade da produção das relações humanas. Acrescentamos a essas
premissas a própria noção de representação social que se faz do espaço em
territorialização, um elemento fundamental para entender e apreender o conteúdo
território ao longo de sua historicidade.
Para Haesbaert (2004) a territorialização envolve o estabelecimento de
“mediações” no espaço, por exemplo, o componente político necessário para a
formação de um assentamento de reforma agrária. Por meio de mediações são
60

criados os instrumentos necessários para a obtenção de meio de vida no território.


As mediações, tanto quanto a territorialização tem implicações históricas e
geográficas, como mostraremos no processo de territorialização de Sergipe no
capitulo III. A imbricação de situações geográficas, históricas e sociológicas da
época foram decisivas para a obtenção da produção territorial que vislumbramos no
Litoral hoje em dia.
Na concepção de Haesbaert as mediações são estabelecidas de acordo com
os contextos e necessidades sociais, as estratégias, as territorializações e a própria
formação territorial têm formas, conteúdos, sentidos e significados diferentes. Para
tanto a territorialização quanto o território é um constante processo de reelaboração
e transformação, um longo fluir de desejos, sonhos, trabalhos e ações: um
ininterrupto devir humano!
Os grupos sociais, indivíduos, comunidades e no limite a sociedade humana
atuam em contexto histórico-geográfico para efetivar processos de territorialização:

A territorialização pode ser definida como a historicidade das


relações humanas na apropriação do espaço geográfico no intuito de
criar sistemas de controle, acesso e significação do espaço. O que
define o território não é o que ele contém ou produz, mas a
intensidade e qualidade das relações envolvidas na sua elaboração,
ou seja, o quão efetivo é a historicidade do processo de
territorialização. (MARTINS, 2011, p. 121).

Vê-se que para o autor interessa mais examinar e compreender a natureza


das relações que foram estabelecidas para qualificar determinado território, do que,
observar as formas de um território como um produto acabado, ou o como ele é
hoje. Complementando o raciocínio do autor, tanto a natureza das relações com
espaço é variável, quanto os processos de territorialização têm variadas formas e
geoestratégias. Grandes eventos situados no tempo ajudam a compor a perspectiva
histórica de determinada região. Por exemplo, o arranjo social e econômico que
caracterizou a produção de açúcar em Sergipe é tomado como um evento de
conteúdo histórico que explica determinados macro processos no espaço.
A historicidade de que fala o autor está situada na cotidianidade do significado
dos fatos para os sujeitos. Se a história como processo reflete o fato histórico e
demonstra os processos hegemônicos que cria o fato como história, pela
historicidade entendemos a qualidade fenomênica do fato para o sujeito e para
coletiva. A territorialização como devir implica no estabelecimento de relações com
61

perspectivas históricas (macro) e historicidades objetivas e subjetivas. O sujeito na


sua trajetória de vida se alimenta de sua historicidade ao produzir relações
significantes com espaço, especialmente por sua ação como prática de trabalho.
Consideramos o trabalho, como um elemento importante, especialmente na
fase adulta da vida, como um mediador das relações humanas, compreendendo o
tempo-espaço da natureza, como produzido e produtor da natureza. “Assim que
começa o processo de trabalho, começa a simbolização do espaço, ou a
“culturalização” da natureza” (WOORTMANN & WOORTAMNN, 1997). É neste
sentido que acontece a interpretação e a simbolização dos espaços e da natureza
do Litoral.
À medida que os sujeitos se situam nessas terras de abrigo e estabelecem
seus sistemas de regras sociais, conhecimentos do manejo que advém tanto dos
indígenas quanto dos ex-escravos fugidos, a natureza é paulatinamente
decodificada, conhecida e comunicada e sociabilizada. Ao se sociabilizar a natureza
se atribui nomes e representações, ela deixa de ser em parte completamente
“natural”, sendo incorporada ao mundo da cultura, embora ela ainda seja habitada
em parte por mitos e lendas.
A definição de território que atribui importância central as relações de poder
não se limita às análises no âmbito do Estado-Nação, antes o contrário, ela é válida
também, e em especial, para o entendimento das ações que os grupos sociais
exercem em múltiplas porções de um território nacional, de forma a estabelecer um
relativo domínio sobre o espaço.
Dizemos relativo, pois esse controle está em grande parte submetido e de
alguma forma precarizado, pela formação de um aparato jurídico e normativo que
centralizado na figura de um Estado – como representante do interesse coletivo –
um ator que atua na irradiação do seu próprio poder e na legitimação e proteção de
poderes econômicos. Essa é exatamente a premissa que nos interessa e que
dedicaremos esforços.
Para esta abordagem é importante considerar a construção do território,
segundo alguns aspectos. Em primeiro lugar, a existência de um território não está
necessariamente restrita a delimitação de um espaço territorial.
Raffestin (1993) e Haesbaert (2008) demonstraram a possibilidade da
construção de territórios redes, nos quais se podem obter vários tipos de tessituras,
articulações, junções que ligam e unem pontos não contíguos em redes, em outras
62

palavras, o território não necessita de uma contiguidade espacial para existir, ele
pode ser articulado em pontos, nós e redes.
Segundo ele, isto ocorre porque a ideia de limite ou de fronteira – se
preferirmos -, não deve ser considerada exclusivamente pelo ponto de vista linear,
mas também em sua possibilidade zonal, no qual não existiria um recorte linear, um
limite, ou um ponto limite em que um território acaba para que outro se inicie.
Logo, o território é segundo Haesbaert (2012) uma espécie de “continuum” de
relações entre a sociedade e espaço. Essa é a visão de território que pretendemos
adotar, ou seja, fixar o entendimento que uma formação territorial não está confinada
a uma única porção espacial situada, mas ela pode se estender em territórios de
diversas formas e configurações possíveis.
É preciso levar em consideração também, que o território é constituído de
uma área que confina certas qualidades intrínsecas que podem ser tomadas em
vários casos como “recursos” a serem usados, isto é, ele pode ser fisicamente
estabelecido como uma base referencial e concreta de elementos materiais para
obtenção de “meios de vida” ou de “mínimos vitais”; quanto pode ser pensado em
termos simbólicos.
Para Haesbaert (2007, p. 38) “o território deve ser visto numa perspectiva que
valoriza as relações e os processos: o território num sentido relacional e processual,
devendo-se mesmo falar mais em processos de territorialização do que território
como entidade estabilizada”. Esse referente simbólico do território, diz respeito à
operação de apropriação e valorização dos elementos simbólicos elaborados pelos
grupos em relação ao seu espaço de vida cotidiana.
A vivência com o território geraria práticas culturais, afetivas e significantes
entre o grupo e o seu lugar de vida. Em outras palavras a cultura quando pensada
em termos do espaço por ela produzida historicamente, revela também a produção
de território com “s”, territórios, pois em contextos socioespaciais distintos, cada
cultura tem seu tempo, que corresponde um modo de agir com o espaço e
pressupõe relações de controle material e simbólico sobre seu espaço de inscrição,
portanto, produção territorial, como assinala Bonnemaison (2002, p. 101-102): “É pela
existência de uma cultura que se cria o território e é por ele que se fortalece e se
exprime a relação simbólica existente entre a cultura e o espaço”.
O território ou os territórios não são obrigatoriamente fechados, não se
constituem um tecido espacial unido que induz um comportamento necessariamente
63

estável. Para o autor, o espaço social é produzido; o espaço cultural é vivenciado. O


primeiro é concebido em termos de organização e produção; o segundo em termos
de significação e relação simbólica.
Almeida (2005a, 2008), entende que o território atende tanto as necessidades
mais concretas da vida social (necessidades econômicas, materiais, sociais e
políticas das sociedades) e também, a dimensão simbólica da vida. Para autora:

O território é, antes de tudo, uma convivialidade, uma espécie de


relação social, política e simbólica que liga o homem à sua terra e,
simultaneamente, estabelece sua identidade cultural. Nestas
condições, compreende-se de que maneira o significado político do
território traduz um modo de recorte e de controle do espaço,
garantindo sua especificidade e se serve como instrumento ou
argumento para a permanência e a reprodução de grupos humanos
que o ocupam. (ALMEIDA 2008, p. 58).

Contudo, qualquer que seja o enfoque que se queira abordar a construção


territorial, seja ela econômica, política, simbólica, ela é uma operação que resulta de
uma espacialização da relação da sociedade com o espaço, conforme destacado
por (RAFFESTIN, 1993). É quase consenso atualmente, associar de forma direta a
existência do território (forma e ação) ao fenômeno do poder e da política – no nosso
ponto de vista - aplicados ou vivenciados na produção espacial.
Neste aspecto, a ideia de poder adotada inicialmente pelas Ciências Sociais e
também pela Geografia, para pensar o território, se referia a uma qualidade de poder
derivada da legitimidade presumida e exercida monopolisticamente pelo Estado-
Nação em face de sua autoridade sobre um espaço social, jurídico e
administrativamente estabelecido.
Atualmente e, sobretudo, com o pensamento de Foucault (1979), as
concepções e aplicação do poder, como categoria de análise, foram deslocadas
para as diversas escalas do espaço e para os níveis sociais. Desta forma, a questão
do poder deixa de ser examinada exclusivamente no âmbito da figura do Estado e,
passa a admitir formas de exercício do poder que se expandem por toda sociedade,
penetrando na vida cotidiana.
Esse deslocamento inaugurou a oportunidade de visitarmos e analisarmos as
diversas formas como o poder é exercido concretamente e em detalhes, com suas
especificidades, suas técnicas e táticas. Isso implicou em considerar não o poder
propriamente dito, mas suas manifestações nas relações entre sujeitos e sujeitos
64

nas suas desigualdades e diferenças culturais, sujeitos e instituições na vida social e


sujeitos e seus espaços na escala local. Como o poder é inerente à formação das
sociedades e está em curso permeando as relações, o poder exercido na escala
local, das relações mais cotidianas, o pequeno poder do dia-a-dia chama nossa
atenção do ponto de vista epistemológico e do ponto de vista de suas
manifestações, características e contra movimentos.
Para Foucault (1979), não existe um poder concreto, mas relações de poder,
as quais não se reduzem somente à opressão e à dominação. Existem, na visão
dele, outros elementos sutis e eficazes de controle e sujeição nas relações entre
pessoas, na família, no grupo de amigos e nas instituições. Entre as ideias de
Foucault (1979) sobre o poder nas instituições e de Raffestin (1993) sobre o poder
no território, Bonnemaison acrescenta a perspectiva cultural com esse território, para
eles a própria dinâmica de reprodução espacial dos grupos e das sociedades
(contextos culturais) revelam as estruturas de poder que as permeiam.

Paralelamente, devem ser consideradas a organização social e


hierárquica, as funções políticas, sociais e econômicas do grupo ou
da sociedade estudada. Reproduzindo-se no espaço, elas revelam
as estruturas de poder e enquadramento. [...]
[...] O território é, ao mesmo tempo “espaço social” e “espaço
cultural”: ele está associado tanto à função social quanto à função
simbólica. (BONNEMAISON, 2002, p. 103).

As formações sociais, a exemplo das comunidades tradicionais do Litoral


sergipano, são um modo de vida peculiar e tradicionalmente estabelecido, além de
uma produção material, exibem formas próprias de organização do espaço, de
organicidade cultural e de relações sociais. Assim, em suas trajetórias de
constituição como formas socioespaciais, construíram sistemas de significações
próprios e estabeleceram suas hierarquias sociais e culturais internas tacitamente
obedecidas em termos de códigos de condutas e regras socais, por exemplo, nas
relações de gênero e ou etárias, mas também nas relações com o outro.
As relações de poder que foram prioritariamente pensadas como nexo causal
frente aos processos da produção, da estratificação e das desigualdades sociais,
resulta em análises sobre a exploração e subordinação social. Por outro lado, como
as relações são vividas de formas diferentes nas diversas escalas do espaço, outras
modalidades e abordagens de exercício de poder, de seus interstícios e de
estratégias se revelaram nos movimentos de “in-visibilidades” que constituíram
65

historicamente a estratégia territorial das comunidades tradicionais do Litoral de


Sergipe.
Assim, a análise do movimento do espaço ao território inclui como própria
organização social é reproduzida em suas instituições, hábitos, costumes, práticas:
“No interior desse espaço-território, os grupos e as etnias vivem uma certa relação
entre o enraizamento e as viagens [...]” (BONNEMAISON, 2002, p. 99). A relação
entre uma parcela de fixação territorial e outra de mobilidade de experiências é a
dosagem dos sentidos advindos de duas noções aparentemente contrárias:
enraizamento e mobilidade na opinião do autor.
Evidentemente elas são variáveis de acordo com os estatutos e as relações
sociais, os modos de vida e a experiência tempo-espaço. A territorialidade, para o
autor, se situa na junção dessas duas atitudes, ela engloba simultaneamente aquilo
que é fixação e aquilo que é mobilidade – dito de outra maneira, os itinerários e os
lugares.
O território deve ser compreendido em uma abordagem mais ampla e
integradora, já que segundo o autor este é um domínio politicamente estruturado e
também resultado da apropriação simbólica. Segundo Saquet e Briskievicz (2009),
sob esta ótica, há uma conjugação de processos políticos e culturais – que traduzo
aqui como simbólicos – como principais definidores de cada território. Na opinião
dos autores, o território envolve, em diferentes graus de correspondência e
intensidade, uma dimensão simbólica, através da identidade atribuída pelos grupos
sociais ao espaço onde vivem e, uma dimensão mais concreta, de caráter mais
político-disciplinar – chamarei de governança e controle político - destinado ao
controle do espaço como forma e exercício da gestão política deste espaço, formas
de uso do espaço.
O uso e o valor atribuídos ao território são elementos importantes para análise
geográfica e para a definição de tipologia dos territórios. A valorização que cada
sociedade atribui a seu espaço de referência revela o conteúdo dinâmico de seus
contextos sociais e, de certa maneira, releva as formas peculiares de suas
concepções de tempo-espaço responsáveis pela particularização do território. Se em
um dado momento, para determinadas sociedade, ele significou abrigo ou refúgio,
atualmente pode ser visto como fonte material de sobrevivência, como ocorreu nas
sociedades tradicionais (pescadores, quilombolas e etc) e para outros como
recursos a serem explorados.
66

Outro elemento de análise significativo para pensar e exemplificar a tipologia


de dinâmicas com o território consiste em considerar que pessoas percebem o
território a partir do ponto de vista de seu modo de vida, para a grande maioria ele é
“urbano-industrial” atualmente. Neste vigora uma perspectiva de atomização dos
sujeitos tomados como um Ser individual, confinados em microterritórios.
A experiência vivida nas cidades, especialmente, nas médias e grandes
cidades, conduz a uma forma de organização e organicidade do espaço, em que a
casa é o refúgio e o “enclausuramento” moderno, sobretudo em tempos de violência,
em que as ruas estão cada vez mais vazias e os muros são sempre mais altos.
Essa realidade reforça o raciocínio de que valorização e uso do espaço é
variável, tanto quanto o é a forma de organização e a organicidade do território.
Nesse caminho, é válido distinguir os territórios em relação às ações e aos
conteúdos atribuídos pelos sujeitos sociais que os constroem.
Para Haesbaert (2007) há mesmo uma ligação psicológica, individual do Ser
ao território, no mesmo nível em que vislumbramos dimensões materiais
responsáveis por contornos territoriais: “O território é organizado pela sociedade
que transforma (humaniza) a natureza controlando certas áreas e atividades,
política e economicamente”, (SAQUET 2007, p. 51).
Nesta linha de pensamento é permitido analisar as ações políticas,
econômicas, simbólicas, administrativas sob o prisma de estratégias adotadas para
organizar o território. O homem, como Ser, age de acordo com as idealizações e os
sistemas de representações situados em um quadro de referência elaborado
socialmente, que envolve desejos, experiências, intencionalidade, interesses.
Logo o território em qualquer que seja o contexto, expressa nuances e
escalas variadas de relações homem/homem, homem em sociedade e entre a
sociedade e a natureza. Assim, o território é o devir a que nos referimos: uma
criação! Nas palavras de Martins (2011, p. 125).

A natureza se faz cultura, a cultura se faz da natureza, uma é sempre


fonte e condição da outra. As práticas humanas, por mais ideais que
sejam tem um ponto de origem, a sociabilização da natureza. Todos
os mitos, crenças e representações surgem quando homem apropria
simbólica e funcionalmente dela.

Cremos que a expressão mais apropriada seja que a cultura fez da natureza a
natureza como a conhecemos e nos relacionamos. Ao mesmo passo que a cultura
67

se faz a partir da natureza e na natureza. Homem, territórios e identidades são


produtos e se produzem na relação cultura e natureza. É uma relação de
pertencimento na mesma medida de que é o pertencer ao território.
O território que nos interessa compreende uma abordagem ampla que supera
a simples noção de fronteira e controle/dominação do espaço, exercido
exclusivamente pela ação de atores (sintagmáticos) que seguem um programa
territorial.
Pensamos no território então, como um palco para relações sociais, o qual é
construído na convivência e na apropriação social, encerrando relações como
práticas de produção no espaço, de caráter multidimensional em que processos de
vida se territorializam, resultando no plano tático e estratégico, em formas de
normatização, regras sociais, significados simbólicos, condutas morais e em normas
que definem o uso, governo, controle político e simbólico sobre o território na escala
local.

2.2 Territorialidades na formação social do território

Atualmente Geógrafos, Antropólogos, Sociólogos e Biólogos, têm se


debruçado a entender o elo entre território e identidade, compreendido em termos da
territorialidade.
A aplicação jurídica do conceito indica que a territorialidade é qualidade
territorial de um determinado país sobre a extensão do espaço, sujeito ao exercício
político de administração. Assim se pode falar de águas territoriais, da ficção jurídica
que torna as embarcações, residências e embaixadas parte de uma jurisdição. A
territorialidade das leis é o princípio segundo o qual, a lei é imposta às pessoas que
pertencem a um território em que tal lei vigora.
As territorialidades, adotadas como conceito, nas ciências das humanidades,
têm uso inicial pela geografia política, posteriormente absorvidas e, desenvolvidas
no campo das ciências sociais, segundo interesses e ao sabor de orientações
teórico-metodológicas que lhe são inerentes, para análises aplicadas ao território.
Nas ciências sociais as territorialidades podem ser definidas, grosso modo,
como a síntese das relações que dão substância e conferem função a um dado
68

território. Pode-se dizer, adotando essa premissa, que as territorialidades são a


“razão de ser” dos territórios, conferindo-lhe existência: material e imaterial.
A territorialidade é uma ação social racional5 destinada a organização do
espaço em esferas de influência ou em territórios nitidamente diferenciados,
considerados distintos e exclusivos, ao menos parcialmente, por seus ocupantes ou
pelos que os definem. Segundo, Raffestin (1993):

[...] a territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações


que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-
tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível
com os recursos do sistema. (RAFFESTIN, 1993, p. 160).

A territorialidade, nessa perspectiva, encerra as características da


manifestação humana em relação a uma porção do território, tanto em termos
espaciais quanto sociais. Ela se manifesta em todas as escalas espaciais e sociais.
Entende-se então por que vários autores identificam as territorialidades na
diversidade de formas em que ela se apresenta. Tanto se pode observá-la na
atuação do Estado, por meio do exercício político e legal de instituições criadas para
esse fim. Tanto quanto nas ações mais cotidianas das comunidades de pescadores
do Litoral de Sergipe, com suas práticas de trabalho no espaço do entorno.
A territorialidade pode ser compreendida então, como a expressão que um
determinado grupo confere ao seu território. A territorialidade apresenta uma
dimensão política, no que diz respeito às ações de governança no espaço, em
qualquer que seja a escala, mas envolve também dimensões econômicas e
culturais, como processo ligado ao modo segundo o qual as sociedades utilizam,
organizam e significam seu espaço (HAESBAERT, 2007).
Raffestin (1993, p. 162), aponta que a territorialidade é composta por três
elementos: pelo reconhecimento de uma identidade espacial, que vamos tratar como
identidade territorial; o estabelecimento de senso de exclusividade; e a
compartimentação da interação humana no espaço. Esses elementos interagem
quando há a intenção de garantir a manutenção do território, ou seja, sua defesa,
estabelecendo uma espécie de equilíbrio entre as sociedades e a natureza.
Ela pode ser tomada como uma inscrição espacial destinada a evidenciar
para o grupo social a que pertence e, sobretudo, aos grupos “de fora” que aquela

5
Refiro-me ao conceito de ação social racional conforme formulado por Marx Weber, a esse respeito
consultar (COHN, 1997)
69

porção do espaço é “controlada”, ao exprimir uma ação no espaço, logo a


territorialidade ainda que seja considerada uma relação social: como se alimentar,
casar, sindicalizar-se e estudar, a qualidade que a diferencia das outras relações
sociais é seu papel como elemento espacial com o território. Se não existe território
sem contexto social, tampouco existe território e sociedade sem territorialidades.
O referido autor afirma que a territorialidade é a “face vivida” da “face agida”
do poder. A despeito do papel das relações de poder na trama territorial,
entendemos que a territorialidade se constitui antes de tudo como a face, a marca, a
inscrição e a impressão que mostra ao outro, que um determinado espaço tem dono
e que nele é exercitada alguma forma de controle. O autor chama atenção, ainda,
para a necessidade de se considerar na análise da territorialidade os aspectos
históricos e espaço-temporal das relações reais evidenciadas.
Para o estudo da territorialidade humana, além de atentar para as qualidades
da ação de controle para as relações que determinados grupos expressam nos
espaços, é importante compreender ainda que o exercício do controle e uso
territorial, pode se revelar justamente na relação de evitação, permissão de usos e
de frequentamento de um território. Assim a análise da territorialidade humana deve
levar em consideração a apreensão das relações em seu contexto social e histórico
e o resultado e articulação destas relações no espaço-tempo a que pertencem.
Nas palavras de Raffestin (1993), trata-se da questão de inclusão e
exclusão de acesso ou de níveis de acesso ao território. O próprio autor apontou a
relação de alteridade como relevante para a compreensão de territorialidades.
A alteridade é entendida no limite, como a característica do exercício e da
prática cotidiana para demonstrar aos “de fora” a existência de uma unidade
espacial reservada, limitada, controlada, administrada segundo o propósito de um
determinado grupo ou até mesmo de uma dada sociedade.
Como dinâmica de inclusão/exclusão, a territorialidade, entre grupos sociais,
pode revelar o acesso ou o nível de acesso concedido a determinado território. No
que concerne à relação entre alteridade e territorialidade, Almeida (2005a), destaca:

A alteridade compreendida não só como o reconhecimento da


existência do Outro, o semelhante, mas tudo que é exterior ao Eu. A
fronteira é, portanto, principalmente o espaço de alteridade do Eu e
do Outro, no qual se observam, se comparam, identificam suas
diferenças, criam opiniões sobre si mesmo e sobre o Outro como,
conscientemente cada um pode adotar ou não traços do Outro;
70

porém, cada um também pode afirmar sua própria identidade.


(ALMEIDA, 2005a, p. 111).

A alteridade é então uma característica que se presta a “priori”, ao exercício


de diferenciação para com o Outro, que é visto e percebido como um “de fora”, o
diferente do “Eu do grupo”, ou seja, é uma perspectiva que pensa a territorialidade
inerente ao Ser indivíduo na relação com o Outro. É um viver na fronteira, como
espaço de con-vivência, lugar de encontro de diferentes lógicas sociais e diferentes
relações com o espaço. De certa forma, a fronteira pensada como espaços de
territorialidades é um espaço intersticial, entre o ato de representação do seu modo
de agir para o Outro e o sentido de comunidade que lhe dá segurança.
Essa é uma diferença – par e oposto da identidade, que se manifesta no nível
de acesso ao território, isto é, evidencia aquilo que não lhe é permitido, tendo como
marca visível à expressividade de uma territorialidade distinta à sua. Nesse aspecto,
os grupos sociais que exercem poder sobre determinado território permitem acesso
apenas parcial ao conteúdo do seu território vivenciado.
Na mesma direção Bonnemaison (2002) avalia que a análise da
territorialidade deve ser direcionada para a compreensão das relações internas e
externas do território, de forma a não reduzi-la ao entendimento do sistema territorial
concreto.
A malha territorial criada com seus pontos, nos e redes é a forma-território,
resultado de uma apropriação que pode ser politica, no caso da formação territorial
nacional, mas muito frequentemente ela é econômica. A territorialidade é ação social
sobre o espaço. Ela é a expressão de um comportamento: ela engloba, ao mesmo
tempo, a relação com o território e, a partir dela, a relação com o espaço
“estrangeiro” o “de fora”. Esse de fora é o diferente, é aquele com quem se
estabelece uma relação de diferença e de estranhamento na diferença de costumes
e práticas. Diferença é diferente de desigualdade, não nos custa lembrar. A
territorialidade inclui aquilo que fixa o homem aos lugares que são seus e aquilo que
o impele para fora do território, lá onde começa “o espaço”.

Portanto, toda a análise de territorialidade se apoia sobre uma


relação interna e sobre uma relação externa: a territorialidade é uma
oscilação continua entre o fixo e o móvel, entre o território “que dá
segurança”, símbolo de identidade, e o espaço que se abra para a
liberdade, ás vezes também para alienação. (BONNEMAISON, 2002,
p. 107, grifos nossos).
71

Ao analisar as características da territorialidade entre fixo e móvel, o autor


sugere uma aproximação entre território e identidade. Para Claval (1999), os
problemas relacionados ao território e a questão da identidade – e porque não da
cultura - estão fortemente ligados. A construção das representações de porções do
espaço humanizado e dos territórios é inseparável da constituição das identidades.
Saquet e Briskievicz (2009) compreendem a territorialidade como um
processo de relações sociais, tanto econômicas, como políticas e culturais, de um
indivíduo ou de um grupo de indivíduos. Para o autor, a territorialidade é o resultado
do processo de formação de cada território, sendo fundamental para a construção
da identidade e para a vivência cotidiana.
A territorialidade é um atributo humano, fruto das relações sociais que criam,
regulam e constrangem a vida social. A territorialidade se insere no rol das normas
sociais e dos valores culturais mais amplos, que variam de acordo com os contextos
sociais.
Da formação social do território, do pequeno território do cotidiano até a sua
vivência na prática, a territorialidade é permeada de elementos que dão significado a
vida na sua expressão mais densa, a representação do eu, do meu e do nosso
espaço significante.
Entre o fixo e móvel, a permanência e o cambio, aparecem como meio termo
para pensar o que de fato está em jogo, no caso da territorialidade e sua função no
território, liberdade e segurança6. Ou seja, aquilo que pode ou não penetrar, adentrar
no meu território porque não coloca em risco o eu, o meu e o nosso sentido de
representação.
Little (2002, p. 3), identificou a territorialidade “como o esforço coletivo de um
grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela especifica
de seu ambiente”. Nas palavras do autor existe uma identificação do sujeito com o
território, isto é, na mesma medida em que os grupos deixam suas expressões no
espaço, criando territorialidades, o território fornece elementos que caracterizam os
grupos sociais.
Essa relação dinâmica de interação constante, como vetor que opera em dois
sentidos, ou seja, o criador que cria marcas, também é de certa forma, criado pelas

6
Sobre liberdade e segurança, Bauman (2003), faz uma perturbadora e estimulante reflexão sobre os
aspectos que envolvem os sentimentos de se estar em comunidade. O autor refere-se exatamente ao
sentimento de segurança, como imaginário de bem estar na comunidade e a perda de liberdade
como preço a se pagar por estar em comunidade.
72

marcas que ele mesmo cria, talvez seja um aspecto perturbador que cause enormes
confusões em relação à análise e apreensão da territorialidade como categoria, no
limite como a expressão apontada por Dourado (2014), para se referir a essa
categoria: “quase uma categoria fantasmagórica”, tamanha a dificuldade de se obter
uma caracterização clara do que seria concretamente.
Muitos autores fazem uso do termo territorialidade para expressar processos
de territorialização, por exemplo, para se referir aos sistemas territoriais criados pela
a atuação da igreja católica em termos de suas dioceses e paróquias. A forma que a
instituição e seus personagens agem no espaço é uma territorialidade, mas a
presença física como um elemento é a própria territorialização da igreja.
De fato, a territorialidade entendida por Little (2002) é uma relação social da
sociedade no, com e pelo espaço. Nas palavras de Bonnemaison (2002, p. 99 -
100), a territorialidade se estabelece na relação entre cada grupo, sua cultura e o
repertório de lugares, itinerários que constituem o território.
Neste sentido conceitos habituais de apropriação “biológica do espaço” e de
fronteira rígidas são colocadas em segundo plano, numa perspectiva mais tênue e
sutil. Para o autor é por essa ração que existem povos para quem a noção de
fronteira é praticamente inexistente, sem que isso signifique que eles não tenham
um território.
Identificamos que a territorialidade apresenta tons muito sutis e complexos de
socialização da relação com espaço, da psicologia individual e coletiva e da
interação entre indivíduos mediada pelo e no espaço. Ela remete algo singular e
único, ancorada no sentimento que os sujeitos desenvolvem com seus espaços de
referência. O sentimento de “pertencer àquilo que nos pertence”. Perspectiva
dialética, eu sou daquilo e aquilo também sou eu.
Sentimento de pertencer não significa imobilidade absoluta, condição que
seria contra a perspectiva territorializante do Ser. A (re) criação de territórios em
novas bases é uma característica de vários grupos. Por exemplo, da experiência da
“errância” e da migração, pela qual podemos verificar a possibilidade de novas
apropriações e o estabelecimento de relações de identificação territorial em novos
espaços.

A territorialidade reflete, então, o vivido territorial em toda sua


abrangência e em suas múltiplas dimensões – cultural, política,
econômica e social. Os homens vivem, ao mesmo tempo, o processo
73

territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de


relações existenciais e ou produtivistas [...]. (ALBAGLI, 2004, p. 29).

Almeida (2008, p. 59-61) compreende que “é inevitável à conclusão que


muitos laços de identidade se manifestam na convivência com o lugar, com o
território”. Logo o conceito de territorialidade engloba o conteúdo simbólico-cultural
que une a identidade e o território, podendo mesmo afirmar “que a identidade
cultural dá sentido ao território e delineia as territorialidades”. A territorialidade
evidencia o conteúdo simbólico-identitário do grupo social com o seu território:

Territorialidade, além de condição genérica para existência de um


território, enfatiza a sua dimensão simbólico-identitária e, assim,
depreendemos que a multiterritorialidade também pode ser, a nível
epistemológico, dissociada – uma multiterritorialidade mais funcional,
no sentido da mobilidade concreta através de diversos territórios, e
uma multiterritorialidade no sentido mais simbólico, não
obrigatoriamente coincidentes. (HAESBAERT, 2008, p. 403).

Essa imbricação cultura e território, estabelecida na apropriação do espaço


revela o caráter da multiplicidade possível para o estabelecimento de identidades,
como forma de ligação entre sociedade e espaço; cultura e ambiente. Se
considerarmos por meio da cultura que as “coisas” da sociedade contêm
simbolismos – signos, significados e mensagens – a serem interpretados, veremos
revelar também nas territorialidades, a mesma característica múltipla das
classificações e divisões da sociedade em seu sentido mais amplo, (ALMEIDA,
2008).
Pensemos a territorialidade indígena, defendida por Little (2002), ou a sempre
injustamente questionada identidade quilombola, situada nos termos de sua
especificidade totalizante, que unifica um sentido da ligação entre o descendente de
escravo, seja qual for o processo de origem e seu espaço de refúgio e segurança
em várias partes do país. Por outro lado, a mesma designação de quilombola
comporta uma variação muito representativa de formas próprias de territorialidades
em cada contexto particular, regional e linguístico.
Por exemplo, Almeida (2008), usando o termo “etnoterritorialidade”,
demonstrou que no Sertão brasileiro, existe uma multiplicidade de sujeitos sociais,
cujo processo de identificação tem como referência as tipologias paisagísticas do
Cerrado e da Caatinga. Para ela a natureza é tomada pelo sertanejo como um
elemento central na construção da identidade territorial sertaneja.
74

A autora sintetizou, ao menos provisoriamente, a existência de quatro grupos


identitários: (i) Geraizeiros e/ou Cerradeiros; (ii) Caatingueiros; (iii) Barranqueiros e;
(iv) Vazanteiros e irrigantes modernos. Há na opinião da autora uma herança cultural
que permeia a relação com o território, já que é em meio à cultura que os grupos
fazem a mediação (representação e apropriação) com o mundo e constroem um
modo de vida particular e o enraizamento com o território.
Em outro estudo sobre comunidade, de orientação teórico-metodológica
“geoetnografica”, Souza (2011), acrescenta tipologias/termos que indicam a
referência ao território das ilhas do trecho médio do rio São Francisco, como
elemento principal no processo de identificação dos sujeitos sociais com o território
que constroem. Segundo autora, a categoria “ilheiro”, tomada em termos de uma
singularidade, define as pessoas e os tipos sociais que habitam essas ilhas.
Ilha e ilheiro coexistem na relação espacial entre eles, um espaço e outro
sujeito social naquele espaço de referência. Se come, se habita, se trabalha e se
vive ao estabelecer vínculos com o território, considerados pela autora em trabalho
mais recente7.
Tanto num caso quanto noutro, Brandão (1999), ressalta que em
determinadas circunstâncias, essas identificações são evocadas como categorias
“endo” (de dentro da comunidade ou do lugar), ou seja, definidas a partir do que
“eles” dizem sobre o que “são”, sendo então, uma forma de representação e
significação muito consciente da importância do território e de suas praticas de
territorialidades na sua constituição enquanto sujeito de uma ação no espaço.
Numa interessante exposição Almeida (2005b) demonstra que esse caráter
da classificação pode ser inclusive apropriado de fora para dentro, como por
exemplo, o uso do termo “nativo” no Norte Goiano, forjado pelos ambientalistas e
rejeitado inicialmente pela população local, que depois acabou utilizando-o, porque
passou a representar um tipo de recurso discursivo sobre o conhecimento
tradicional, ou seja, como símbolo de uma territorialidade que só quem é do lugar
detém, tornando-se útil e estratégico para mediar as relações com o de “fora”.
No Litoral sergipano os sujeitos são denominados em virtude do tipo de
trabalho que executam. Identifica-se a ocorrência de uma pluralidade de grupos
ligados às práticas sociais como, por exemplo: pescadores, caranguejeiros,

7
Ver Souza (2013) em sua tese de doutorado aborda a existência e as especificidades de uma
cultura ligada ao Rio São Francisco, bem como de suas territorialidades.
75

marisqueiras, mangabeiras, artesãos, trabalhadores assalariados e outros. A cada


tipo de identidade corresponde a uma prática de trabalho, mas também, significa
processo ocupação, controle e apropriação espacial, distintas.
Notamos em nossa pesquisa que a diferença entre os sujeitos se dá no plano
do trabalho. Assim, a identidade se estabelece também na distinção funcional, como
nos sugere (DIEGUES,1994, 2001)
Haesbaert (1999, p.173) entende que “toda identidade social é definida
fundamentalmente através do território, ou seja, dentro de uma relação de
apropriação que se ocorre tanto no campo das ideias quanto no da realidade
concreta”.
Concorda-se com Haesbaert (1999, 2007) que a identidade é relacional e
assim, está inserida em uma relação social dentro do território, define, a um só
tempo a identidade “social” dos grupos e a identidade dos grupos com o território,
uma espécie de identidade territorial com tons de territorialidades de que falamos.
Nesse caminho, Claval (1999) aponta:

Vê-se então, porque os problemas do território e a questão da


identidade estão indissociavelmente ligados: a construção das
representações que fazem certas poções do espaço humanizado dos
territórios é inseparável da construção das identidades. Uma e outra
estas categorias são produtos da cultura, em certo momento, num
certo ambiente: os dados objetivos permitiriam, no mesmo quadro,
definir outras identidades e outros territórios. (CLAVAL, 1999, p. 16).

Para Haesbaert (2007) toda identidade territorial se constitui também, uma


identidade social. A identidade territorial, para o autor, se caracteriza pela
centralidade que o referente espacial exerce em face de determinado processo de
apropriação cultural e política ativado por um grupo social, por exemplo, o
Movimento Sem-Terra. Assim a existência de uma identidade territorial pressupõe
ter o espaço como o elemento mais importante de atribuição de referência e
identificação do Ser. Essa identificação se impõe e de certa maneira antecede a
identidades sociais de trabalho, de classe ou de gênero. Assim, a identidade
territorial se manifesta em expressões sou sergipano, mesmo residindo por anos a
fio em São Paulo ou outro centro urbano para o qual se viu migrar.
A identidade territorial se efetiva e é usada quando o referente espacial é
acionado como elemento central para a identificação e ação política do grupo,
76

justificando e legitimando projeto de reivindicação política, estabelecida na diferença


cultural em face de territorialidades próprias e culturas particulares. Em vários casos
as diferenças estão inclusive expressas na gramatica jurídica, estabelecida por meio
de processos políticos amplos, como é o caso do estatuto indígena e quilombola.
Haesbaert (2007a) e Cruz (2011), propõem que a construção de uma
identidade territorial perpassa, necessariamente, dois elementos fundamentais: (i) a
existência de um espaço de referência identitária, como um referencial espacial no
sentido concreto e simbólico onde se ancora a construção de uma determinada
identidade social e cultural; (ii) a consciência socioespacial de pertencimento, isto é,
o sentido de pertença, os laços de solidariedade e de unidade que constituem os
sentimentos de pertencimento e de reconhecimento do indivíduo ou grupo em
relação a uma comunidade, a um lugar, a um território e de sua territorialidade.
As identidades territoriais podem ser construídas de formas diferentes, umas
mais ligadas ao domínio funcional do espaço pelo poder econômico e político, sendo
construída como “espaço concebido”. Outras mais ligadas a uma apropriação mais
simbólico-expressiva, cujo referencial é mais ligado à subjetividade e a experiência
do “espaço vivido”.
Atualmente os grupos sociais, até mesmo, os mais enraizados, estão em
graus variados de contatos com ideias, discursos, experiências, valores e crenças,
advindos de diferentes origens que influenciam a própria natureza de suas
organizações socioespaciais e seus ideais de projetos.
Este nível crescente de contato (de ideias, valores e informações) a que o
mundo está submetido, tem sido à base dos entendimentos e conceitos sobre o
processo de hibridização cultural ou de formação de “culturas hibridas”, apontado
por Canclini (2003), que sem dúvida tem rebatimento na configuração e
conformação do território e das territorialidades. Hall (2011) demonstra, por exemplo,
movimentos, até mesmo violentos, de reivindicação e de fechamento de territórios
como o crescimento de grupos fundamentalistas na Europa e no mundo mulçumano.
Destaca-se aqui, a compreensão de identidade que buscamos demonstrar,
que se refere ao processo de identificação dos grupos sociais, cujos referenciais
posicionam o indivíduo em relação ao outro externo e é mediado por aspectos
culturais ligados aos fatores simbólicos e aos processos sociais da dinâmica de vida
e de vivência das pessoas em relação ao grupo social que pertencem.
77

Esses referenciais respondem tanto a questões de ordem puramente


econômico-material, no plano da realização material econômica e, também, aos
aspectos de ordem simbólicos. Conforme destacado, estes aspectos do campo do
simbolismo estão sendo construídos continuadamente, nas operações da
representação de conteúdos, símbolos e significados, processados no cotidiano das
relações sociais dos grupos. Esse cotidiano que no pensamento de Certau (2012) é
aquilo que é dado a cada dia ou que nos cabe em partilha”, que chega as vezes de
forma inocente e que nos “pressiona nos oprime e nos prende intimamente”.

2.3 A identidade como processo socioespacial

A identidade é um processo de construção histórica, ela tem aparecido


na literatura especializada ligada à ideia de diferença. De início vamos nos
concentrar em dois elementos distintivos nas concepções sobre identidade e
diferença: (i) identidade e diferença aparecem como elementos indissociáveis na
formação da identidade, ou seja, um par em processo, que na medida em que se
manifesta certa identificação social, surge imediatamente seu par processo oposto, a
diferença, (HALL, 2011; HAESBAERT, 2007) (ii) que a identidade surge na
afirmação da diferença, exposta em (DE PAULA, 2009).
Para De Paula (2009), a identidade é constituída na afirmação da diferença e
no exercício da alteridade. Segundo a autora, ao nos identificarmos com os outros,
somos apenas mais um em relação ao coletivo (um nordestino, um professor, um
operário), já que: a identidade “nos torna geral”. E a alteridade nos torna: “únicos”.
A autora entende que identidade nos faz gerais, pois situa cada sujeito
individual e suas características, como mais um sujeito estabelecido, cuja existência
se estabelece na relação com outros; por outro lado a diferença/alteridade no
individualiza, quando somos vistos a partir de nossas qualidades, características em
relação ao “outro” também de caráter individual. Neste pensamento, a identidade
nos generaliza, ou seja, não somos tanto um sujeito em si, mas um sujeito como
outros. Enquanto a diferença trataria de realçar os elementos mais singulares do
indivíduo, por isso a autora associa alteridade e diferença:
78

Na vida social, tudo se complica ainda mais, pois identidade refere-


se ao reconhecimento especular de um outro significativo – essa
preposição, de, guarda o sentido de “relativo a” e “proporcionado
por”. Isto é, em sociedade, identidade é sempre a identidade a ou
com, antes de ser identidade de. Quer dizer, não é algo que se
possua, na gaveta mais intima da alma, mas uma superposição que
se supõe. Identidade e identidade com alguém, com alguma postura,
com algum modo de ser. Depende, portanto, de uma dupla
interpretação, sobre si e sobre o “outro significativo”, esse objeto do
reconhecimento especular. (SOARES, 2002, p. 133).

Cruz (2011) sugere que ambos, identidade e diferença, sejam tomados como
processos, para tanto, nessa concepção de identidade e diferença, como um par em
processo, a diferença deixaria de ser apenas um produto da identidade, passaria ela
mesma a ter, também, um movimento gerador e incessante. Identidade e diferença,
para Haesbaert (2007, p.36) é uma relação que estabelece no cruzamento “intimo”,
pois nas palavras do autor, “não há como “identificar-se” algo sem que sua
“diferenciação” (em relação ao “outro”) seja construída, a ponto de “diferenciar-se” e
“identificar-se” tornarem-se completamente indissociáveis”, esse jogo entre diferença
e identidade mostra o caráter relacional que envolve a identidade em processo.
Segundo Hall (2011, p.87), a “identidade e diferença são indissociavelmente
articuladas e/ou entrelaçadas em identidades diferentes, sendo que uma nunca
anula completamente a outra”.
Para De Paula (2007, 2009), algumas identidades giram em torno da tradição
buscando a reapropriação de uma pureza anterior, unidades e certezas tidas como
perdidas. Outras identidades estão sujeitas a história, a política, a representação e a
diferença, não havendo possibilidade de que sejam unitárias ou puras e elas se
constroem em torno da tradução.
Devemos aqui nos reter no caráter histórico da formação das identidades, isto
é, como já dissemos acima, a identidade é sempre uma possibilidade, uma
construção, situada num tempo e num espaço. As identidades são antes de
qualquer coisa um processo de identificação, que pressupõem “articulação, uma
sutura, uma sobre determinação, e não uma subsunção. Há sempre “demasiado” ou
“muito pouco” - uma sobre determinação ou uma falta, mas nunca um ajuste
completo, uma totalidade” (HALL, 2004, p.106)
Identificar-se é estabelecer relações de identificações com trabalho, com
outros sujeitos em grupos, com territórios. Como processo relacional, identificação
está sujeito ao campo de disputas políticas, econômicas e espaciais, pois isto
79

envolve uma elaboração discursiva coerente, o fechamento e a marcação de


fronteiras simbólicas, a produção dos “efeitos de fronteira” entre o meu e outro
diferente de mim. Para consolidar o processo, ela requer aquilo de que è deixado de
fora – o exterior que a constitui.
Esse processo de identificação é, por natureza, aberto e dinâmico, portanto,
pressupõe a todo o momento novas interpretações e significações, construídas no
tempo histórico e dentro do campo social em que se move e é produzida, operando
como uma estratégia discursiva entre indivíduos e grupo. O processo de
identificação está diretamente inserido no jogo e nas disputas do grupo social a qual
se identifica. Seu conteúdo é por assim dizer negociado, se traduz em um arranjo de
forças, passível então, de apropriação e de manipulações inerentes às disputas de
poder.

Elas surgem da narrativização do eu, mas a natureza


necessariamente ficcional desse processo não diminui, de forma
alguma, sua eficácia discursiva, material ou política, mesmo que a
sensação de pertencimento, ou seja, a “suturação à história” por
meio da qual as identidades surgem, esteja, em parte, no imaginário
(assim como simbólico) e, portanto, sempre, em parte, construída na
fantasia ou, ao menos, no interior de um campo fantasmático. (HALL,
2004, p. 109).

As identidades se consolidam como configurações de auto-referências, cujo


sentido seria percebido nas relações transfiguradas – porque não dizer
representadas - por grupos, comunidades, famílias e sujeitos que ao mesmo tempo
constroem um campo de relações sociais e espaciais e se conflitam dentro dele.

[...] as relações sociais e de poder, produtoras de localização e


transgressão social, não obedecem a uma lógica imanente e
tampouco se reduzem aos seus fatores externos. Isso quer dizer
que os processos identitários não se explicam apenas a partir dos
atores sociais que mantêm relações do tipo face a face ou apenas
por sobre determinações que agem sobre eles a partir do exterior,
mas estão implicados por ambos os fatores, bem como são
experimentados e significados de diferentes modos pelos sujeitos.
(ENNES; MARCON, 2014, p. 16).

Para os autores, o estudo da identidade ou das identidades apresentaria


melhor roupagem analítica, caso aplicado ao entendimento de um processo de
identificação e não um de conteúdo atribuído ao indivíduo que supostamente a
detêm. Desta maneira, os processos de localização social do indivíduo comportam a
80

produção de diferenças e o sentimento de pertencimento de indivíduos e grupos,


que no limite são a origem das relações de identificação.
Na opinião dos autores esse movimento de compreender os processos
identitários pressuporia a ampliação do escopo de análise que geralmente incide
sobre identidade/alteridade para a tríade pertencimento/alteridade/desigualdade.
A atribuição da identidade só é possível no reconhecimento mútuo no
território, na percepção de unidade e da territorialidade que engendra as fronteiras
demarcadas pelo próprio grupo.
Concordamos com Woodward (2004), que a cultura molda a identidade social
ao conferir sentido ou sentidos à experiência, conformando o conteúdo identitário
por meio da atuação cotidiana dos sistemas de representação que gera códigos
sociais (sentidos e significados) às práticas sociais. As identidades tomam sentido
por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos que orientam, regulam e
constrangem os indivíduos e os grupos, no qual são criadas as representações
sociais. Para a autora, a identidade é assim relacional e também marcada pela
diferença.
Como as identidades são produzidas dentro de um campo social, elas devem
ser compreendidas a partir dos sistemas de significação (códigos e representações
sociais) em que são criadas. Woodward (2004) indica que a análise das identidades
deve partir do sistema de representação e das práticas discursivas que situam os
lugares nos quais os indivíduos podem se posicionar (como lócus da identidade) e
dos quais podem falar (como elemento discursivo), lembremos aqui das ideias de
Penna (1992) sobre a identidade nordestina, que analisaremos com maiores
detalhes em seguida.
Nesse campo de representação e de práticas discursivas, que em última
análise é o próprio campo social “total”, espacial e temporalmente situado pelo
grupo, operam relações nas vivências cotidianas (campo de força e vetores). De
forma que as identidades são construídas em meio a processos sociais que colocam
indivíduos, sistemas de representação (concepção de mundo e conjunto de
significados que integram práticas sociais) e práticas discursivas em constante
movimento em busca de legitimar-se cotidianamente como representação
predominante. Desta maneira e antes de tudo, toda identidade é uma identidade que
foi estabilizada, reconhecida, hegemonizada e comunicada.
81

Se toda identidade é uma identidade hegemonizada, na qual os processos de


poder (vetor e fluxo discursivo) atua, sempre “co-existem” outras concepções
identitárias que não alcançaram esse status, ou seja, outras formações discursivas
(como forma de representação de quem somos e o que podemos nos tornar) que
em um dado momento histórico não se tornaram hegemônicas, mas que sobrevivem
e circulam nos grupos e nos indivíduos, conforme aponta (HALL, 2004).
Quando falamos de hegemonia e estabilidade não queremos dar um sentido
incorreto à identidade, atribuindo-lhe um conteúdo que faz sugerir uma
uniformização generalizada e uma permanência essencializada; se assim o fosse, a
identidade não estaria situada no mundo dos fenômenos sociais. Ser estável não é
estar/ser estático, inerte, que não reage a estímulos, que não promove estímulos.
Por outro lado, ser hegemônico não é o ser/estar padronizado, uniformizado,
como uma única roupagem possível e amplamente distribuída. Como nos lembra
Cruz (2011), as identidades não são nunca completamente unificadas, estáveis,
fixas. O mesmo “discurso performático”, que repetidamente tende a fixar e a
estabilizar uma identidade, silenciando outras, pode também subvertê-la,
desestabilizá-la e trazê-la à tona. Para o autor é importante percebermos com
clareza que cada “posição” é sempre construída de forma relacional em cada
contexto específico. Segundo Claval (1999, p. 15):

A identidade aparece como uma construção cultural. Ela responde a


uma necessidade existencial profunda, a de responder à questão:
quem sou eu? Ela o faz selecionando um certo número de elementos
que caracteriza, ao mesmo tempo, o indivíduo e o grupo: artefatos,
costumes, gêneros de vida, meio, mas também sistemas de relações
institucionalizadas, concepções da natureza, do indivíduo e do grupo,
como lembra Françoise Héritier a respeito dos Samo.

Os traços que caracterizam as pessoas, costumes, hábitos alimentares,


língua, são tão numerosos que somente uma parte é retida para definir a identidade.
Isto significa que, a partir da mesma situação, outras conceituações seriam
possíveis. Mas a identidade, uma vez definida, contribui para fixar a constelação de
traços que ela reteve, e subtraí-los dos desgastes do tempo. A identidade então
estabilizaria o sujeito com base em certos traços que o caracteriza.
Penna (1992) na obra “O que faz ser nordestino?” formula quatro hipóteses
para explicar a identidade e a identificação social a um espaço regional: (i) a
naturalidade, em referência ao local de nascimento; (ii) a vivência, como experiência
82

de vida na região Nordeste; (iii) a cultura, referente as práticas culturais tradicionais;


(iv) auto-atribuição, o processo de reconhecimento do indivíduo sobre si mesmo.
Desta maneira, a autora entende que se deve abandonar a concepção de identidade
enquanto um fenômeno monolítico e estável, pois na sua perspectiva, trata-se de um
processo complexo, que envolve múltiplas possibilidades de abordagem e de
constituição.
Logo a concepção de identidade exposta por Penna, por ser um fenômeno
social, não pode ter apenas uma origem constitutiva, ela é essencialmente um
produto da diversidade de possibilidades, tendo como ancora o sentido de
pertencimento no indivíduo agente de sua própria identidade.
Por esta concepção de pertencimento ligado ao núcleo mais significativo e
figurativo que cada indivíduo estabelece com o seu lugar de referência, torna-se
possível conceber e exibir o regionalismo mais enraizado do Ser nordestino, cujo
conteúdo referencial está ligado ao local de origem e de nascimento, mas também
ao senso profundo de pertencimento a uma cultura regional amplamente
reconhecida e comunicada: culinária, cantigas, poesias, sofrimentos, trajetória
social.
O sentido de pertencimento, vamos dizer interior e fruto da experiência de
vida, engendra também, a existência da transfiguração narrada por Penna (1992),
como possibilidade de uma atribuição identitária, em que a nordestina Erundina8
assume uma identidade paulistana, muito mais ligada ao campo das estratégias
(políticas) e ao senso de vivência, não mais da vivência no Nordeste, mas,
sobretudo, na cidade de São Paulo, a qual ela mesma viria a ser prefeita na década
de 1990.
Entre os sujeitos por nós estudados, atributos como naturalidade, vivência,
cultura e auto atribuição podem ser observadas nas manifestações discursivas sobre
a formação identitária do Litoral sergipano como vamos mostrar nos capítulos V e VI.
No plano da política abordada por Castells (1999), a identidade seria então
distinguida em três formas e origens de construção: (i) identidade legitimadora,
introduzida pelas instituições dominantes; (ii) identidade de resistência, criada por
atores que se encontram em posições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela
lógica da dominação; (iii) identidade de projeto, quando atores sociais, utilizando-se

8
Refere-se a figura de Luiza Erundina ex-prefeita de São Paulo na década de 1990 e que
desempenha outras funções políticas atualmente.
83

de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade
capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a
transformação de toda a estrutura social.
Obviamente o autor se preocupa com a identidade atribuída no plano do
Estado Nação, ou seja, uma identidade nacional. Mas em nossa concepção, bem
próxima de Penna, pelo menos em parte, o que estamos tratando é de uma
concepção de identidade, em que o processo de identificação se faz utilizando
elementos políticos, econômicos, religiosos, jurídicos, em termos estratégicos (no
plano das táticas de controle e administração do Estado e das instituições
religiosas), para formar e forjar identidades sociais, não raras vezes seculares.
Por outro lado, o autor expõe também a possibilidade de movimentos que
ganham força ao atuar no sentido contrário de uma hegemonia dominante
aproveitando sentidos, sentimentos, discursos e símbolos para propor uma
resistência contra a ordem vigente, redefinindo papeis e instituições. Também nesse
caso, estamos vendo a identidade no seu conteúdo mais político, estratégico e
posicional.
Segundo Ennes e Marcon (2014), as estratégias identitárias são
desenvolvidas pelos sujeitos como meio de encontrar o melhor posicionamento nas
interações sociais. Trata-se de uma dinâmica semelhante à evidenciada por
Goffman (2008) ao estudar a produção do estigma e de como este é absorvido ou
rechaçado pelos grupos e indivíduos.
Para o entendimento da identidade, suas concepções e usos políticos, mais
do que apresentar os autores, suas similitudes e suas divergências, pretendemos
para nosso estudo reter algumas noções:

I. a identidade é um processo, ela está acontecendo a todo instante: se


formando, se transformando, se alterando, permanecendo, se ajustando, se
impondo. Logo ela não é um fenômeno de conteúdo estático e imutável, o ser
nordestino de que fala Penna (1992), traz, por debaixo de uma pele secular,
uma epiderme de conteúdo, símbolos, costumes que já se alteraram
enormemente ao longo do tempo e que tende a ajustamentos aos contextos
sociais sempre cambiantes no tempo presente, sem que isso signifique deixar
de ser nordestino, ainda mais em tempos de globalização e de hibridização
cultural;
84

II. a identidade é fenômeno, além de ser processual é eminentemente


complexo, desde as múltiplas possibilidade de constituição histórica e, sujeito
à manipulações, tanto com vetores de cima para baixo – vetor de instituições
dominantes e centralizadoras; quanto na sua forma de baixo para cima, fruto
da organização social e do sentido político dos grupos locais na busca por
alterar uma realidade vivenciada;
III. a identidade é relacional, examinar a relação entre identidade e diferença se
constitui um ponto fundamental de análise, sobretudo, se quisermos
compreender o sentido mais territorial da identidade, isto é, aqueles
processos de identificação em que o referente espaço/território é central.
Neste ponto, o pertencimento, enraizamento, cotidiano e a representação
social são categorias chaves para nossas abordagens. Especialmente porque
tomamos a identidade não somente em seu conteúdo sociológico, de
natureza ontológica da constituição das identidades, campo às vezes muito
escorregadio, sujeito a riscos como o de “essencialização”, mas enxergamos
as identidades como processos em ligação com espaço. Assim podemos reter
e compreender as formas espaciais decorrentes, como referências e sentido
de identificação do eu, do outro e do nosso.

2.4 Representação social e a identidade: uma aproximação

Conforme pontuamos anteriormente a identidade deve ser entendida como


um processo aberto e dinâmico, posicional e estratégico que situa os sujeitos e os
grupos de sujeitos em relação a outros diferentes. Nessa perspectiva a identidade é
sempre relacional, ou melhor, dizendo ela (a identidade) é um processo social de
localização do indivíduo ou grupo. Quando um processo de territorialização é um
aspecto forte suficiente para forjar a identidade, podemos entender então, que há
uma identidade territorial, um laço de pertença que une o sujeito ao seu espaço de
referência, (HAESBAERT, 2007).
Na medida em que o processo de identificação do sujeito se refere a outras
distinções, como de classe ou de gênero sem relação do espaço de referência,
estamos diante de uma identidade social no sentido mais amplo do termo, a
85

identificação de pertencimento à classe de professor, por exemplo. Mas, em detalhe,


qual elemento ou elementos que sutura (m) o indivíduo (s) ao espaço?
Cremos que a resposta nos obriga a adentrar ao campo das representações
sociais sobre o espaço de vida, no qual o espaço é vivido, percebido e finalmente
representado nas mais diversas dimensões, cimentando e solidificando a relação
entre o sujeito e o seu lugar (referente espacial de vida), tornando um símbolo de
pertença de um ao outro, quase inseparável.
Para Cruz (2011), o território entendido como mediação espacial das relações
do poder, em suas múltiplas escalas e dimensões, define-se por um jogo
ambivalente e contraditório entre desigualdades sociais e diferenças culturais,
realizando-se de maneira concreta e simbólica, sendo, ao mesmo tempo, vivido,
concebido e representado de maneira funcional e/ou expressiva pelos indivíduos ou
grupos.
Segundo o autor, o território em processo corresponde a um sistema de
classificação que é, ao mesmo tempo, funcional e simbólico, que age incluindo e
excluindo indivíduos e grupos por suas fronteiras, (re)forçando as desigualdades
sociais (“diferenças de grau”) e as diferenças culturais (“diferenças de natureza”). O
processo de territorialização, funcional e simbólico, constrói diferenças e
identificações de grupos e indivíduos.
Essa ligação individual e coletiva ao espaço, que posiciona o sujeito no seu
contexto sócio político e que serve como estratégia de afirmação dos atores sociais,
é utilizada como recurso discursivo, sendo, produto e fonte de disputas sociais de
poder (lutas), que ocorrem por meio da realização individual e coletiva das práticas
sociais diárias e cotidianas e, implicam em experimentação, aprendizado,
apropriação (manejo) e transmissão de conhecimento sobre o espaço.
O espaço de vida e de vivência é incorporado como repertório patrimonial do
indivíduo e grupo, tanto discursivamente, como recurso político de legitimação do
controle e do exercício, apropriando-se funcional e simbolicamente do espaço
criando seu território cotidiano, ajustado às suas práticas sociais, produtivas
simbólicas e ritualísticas.
Nesta altura, convêm pontuar como pensamos a ação da representação
social como prática cotidiana de experimentação, reconhecimento, aprendizado
(conhecimento), manejo e transmissão de conhecimento para a construção social do
espaço territorial. Em primeiro lugar, entendemos a representação social como forma
86

de conhecimento vivido tendo como base a experiência de vida cotidiana, isto é, um


sistema complexo de reconhecimento e entendimento (interpretação da realidade)
que gera conhecimento prático e cotidiano, orientado para a compressão do mundo
como realidade comum: coisas e fenômenos.
Segundo Jodelet (1985), as representações sociais são modalidades de
conhecimento prático, orientado para a comunicação e compreensão do contexto
social, material e ideativo em que se vive. Em outras palavras, é o processo pelo
qual se formam ideias, conceitos e entendimentos sociais do mundo em que se vive.
As representações sociais são manifestadas como forma de conhecimento cognitivo,
conceitos, imagens, categorias e teorias, socialmente elaboradas e compartilhadas.
A construção do território incluída no campo das representações é um produto
social por excelência. É um resultado da ação social que o representa, o modela, o
cria e o valoriza. Moscovici (1988) aponta um poder criativo como elaborador das
representações sociais, segundo o autor há um duplo caráter nesse campo de
conhecimento-ação, que residem na sua força estruturante (mutável, cambiante) e
na sua força estruturada (que fixa e sedimenta). Isso significa compreender as
representações sociais nesse caráter entre o que permanece como tradição e aquilo
que é constantemente reelaborado e criado.
Neste caminho, para Spink (1993, p. 305), “as representações sociais são
entendidas como expressão de permanências culturais e ao mesmo tempo como o
lócus da multiplicidade, da diversidade e da contradição, as representações sociais
são campos socialmente estruturados na interface de contextos sociais de curto e
longo alcance histórico”.
A formação de um imaginário social, segundo a autora, se expressaria assim,
como um conjunto de criações e produtos culturais que circulam em uma sociedade
sob a forma de: literatura, canções, mitos, lendas, iconografia. Essas produções
populares são filtradas nas condições sociais vigentes (tensão e contradição) de
determinado tempo, formando o que se pode chamar de sua visão de mundo.
Segundo Spink (1993), as representações sociais podem e são
reinterpretadas a todo tempo, pelo habitus9 do grupo e, consequentemente são

9
Habitus é entendido como: um princípio gerador que impõe um esquema durável e, não obstante,
suficientemente flexível a ponto de possibilitar improvisações reguladas. Em outras palavras, tende,
ao mesmo tempo, a reproduzir as regularidades inscritas nas condições objetivas e estruturais que
presidem a seu princípio gerador, e a permitir ajustamentos e inovações às exigências postas pelas
situações concretas que põem à prova sua eficácia. A mediação operada pelo habitus entre, de um
87

naturalizadas e re-transmitidas, constituindo o seu repertório de saber e de suas


práticas sociais. A possibilidade da existência simultânea de novidades (novos
conteúdos sociais) e a reprodução de conteúdos tradicionais (permanências) em um
campo socialmente estruturado são a base do entendimento da questão da
diversidade no campo cultural.
Logo para o estudo da ligação entre identidade e território, como um sistema
de representação social, temos que pressupor a existência de uma variabilidade de
formas de visão, de conceituação e de discurso sobre um mesmo território.
Tal entendimento nos serve para relativizar o papel primordial que é atribuído
a ação do poder na construção do território, como se somente as relações de poder
forjassem territórios. Cremos que as relações de poder são a expressão do controle
do território situado na relação com o outro sujeito, de extrema importância para
entender movimentos da sociedade, no todo e em grupos internos, que visam à
incorporação, conquista ou exclusividade de um território.
Não obstante, a construção social e cotidiana do território, que nos interessa,
envolve outras dimensões da vida social, em especial a ideia de apropriação,
enquanto experiência e ação com, no e a partir do território, obviamente não
negligenciamos a importância das relações de poder na estabilização dos discursos
hegemônicos sobre uma ou outra forma de reivindicação territorial.
Moscovici (1978), defende o duplo caráter de “estrutura-estruturada” e
“estrutura-estruturante” das representações sociais, pelas quais ocorre a
naturalização das práticas sociais novas e desconhecidas, como resultado da ação
do núcleo estruturante do conhecimento social sobre determinado fenômeno,
normatizando aquilo que é mutável e cambiante à cultura, permitindo a passagem de
algo que pode ser estranho-ameaçador a algo familiar - compreensível no repertório
cultural e a partir de então, retransmitido interna e externamente.
A variabilidade a que nos referimos, entendida como diversidade de visões e
contradições (tensões entre visões distintas) de determinado fenômeno, conduzem o
estudo no campo das representações para o entendimento dos objetos e fatos da

lado, as estruturas e suas condições objetivas, e de outro, as situações conjunturais com as práticas
por elas exigidas, acabam por conferir à práxis social um espaço de liberdade que, embora restrito e
mensurável porque obedece aos limites impostos pelas condições objetivas a partir das quais se
constitui e se expressa, encerra potencialidades objetivas de inovação e transformações sociais. O
habitus vem a ser, portanto, um princípio operador que leva a cabo a interação entre dois sistemas de
relações, as estruturas objetivas e as práticas. O habitus completa o movimento de interiorização de
estruturas exteriores, ao passo que as práticas dos agentes exteriorizam os sistemas de disposições
incorporadas. Ver Bourdieu (1983, p. XLI), introdução de Sergio Miceli.
88

sociedade como processos (abertos e dinâmicos). Representar não é mero


processamento de informações e elaboração de entendimentos, mas como exame
da funcionalidade desses fatos e objetos na criação e manutenção de uma ordem
social e espacial, se entendida com resultado da ação social sobre espaço.
Uma ideia que nos vem alhures de Brandão (2008) nos faz lembrar que os
outros animais vivem no espaço, mas não o representam ao menos em um nível tão
complexo como o ser-humano, enquanto, nós os humanos, vivemos no e com o
espaço. Nos dizeres de Milton Santos (2008), construímos o espaço geográfico ao
estabelecer relações como sistemas de ações e sistemas de objetos:
intencionalidade e materialidade.
Essa dinamicidade inerente ao processo da representação social inclui a
própria característica do Ser-humano no seu processo de humanização, como
pensador-criador de ideias e como agente. Pois Habitamos o mundo, vivemos e
convivemos – hoje em dia em menor harmonia - com outros seres, entre espaços.
Mas, somos a única espécie que constrói e reflete sobre o espaço que habita.
Pensamos, construímos e representamos o nosso espaço. Entretanto, como
nos ensina Brandão (2008), além de nossas casas, de nossas ruas, de nossos
lugares, construímos também, teorias e conceitos a respeito do espaço. Vivemos
sabendo. Sabemo-nos sabendo. E sabemos que sabemos algo a respeito de algo:
isso é representação!
A condição de representar um espaço, um território, um lugar é um ato entre a
ideia e o projeto. Entre o pensamento e o material disponível à manipulação. Ação
concreta de criar o espaço é antecedida pelo ato de pensar sobre aquele espaço:
representá-lo para depois alterá-lo no momento seguinte. O ser humano cria na
mente um conhecimento antes de transformá-lo em realidade em termos de objetos
e ações.
Segundo Spink (1993), as representações sociais apresentam as seguintes
funções: (i) orientação das condutas e das comunicações (função social); (ii)
proteção e legitimação de identidades sociais (função afetiva); (iii) e naturalização da
novidade (função cognitiva).
A elaboração de uma representação social obedece a dois processos
básicos, segundo Moscovici (1978): (i) ancoragem, como a paulatina inserção
orgânica e mediada do novo-estranho no pensamento social vigente (aprendizado),
segundo o autor é um “processo de domesticação do novo nos valores do grupo”; (ii)
89

objetivação, pensada como uma operação social formadora de imagens, no qual a


representação mais abstrata (conceito-ideia) vai se tornando algo concreto e
comunicável.
O ato reflexivo sobre espaço e a ação de representação não só confere
tessitura a experiência de vida na medida em que se criam territórios, mas é antes
de tudo um ato de apreensão das tramas situadas entre o espaço constituído e a
fluidez do tempo, espaço no movimento do tempo: sincrônico e anacrônico,
historicidade! Cada representação é no seu tempo a expressão da relação tempo-
espaço do existir.
Tempo e espaço em devir são categorias essenciais para entender o
espaço/território do ponto de vista ontológico-original, bem como pensar sua
apreensão epistêmica, como fenômeno do espaço e do Ser no Espaço.

2.5 Seguindo o itinerário: entre a representação e a construção da identidade


com o território tradicional

Depois de termos apresentados os elementos que nos ajudam a pensar


teoricamente as aproximações entre território, identidade e representação, para
concluir esse capitulo e seguir refletindo as questões que norteiam essa tese,
cremos ser importante nos retermos nos elementos que constituem o território da
comunidade tradicional. Nossa intenção é aproximar as concepções teóricas que
expomos acima aos elementos que observamos empiricamente no decorrer da
pesquisa.
Em nossa abordagem os elementos constitutivos do território, identidades e
representação foram analisados a partir do cotidiano em referência as vivência com
um espaço. Eles foram observados e analisados em consonância a ação social e os
modos de expressão produzidos na experiência de vida, às vezes fluída e provisória,
da constituição dos sujeitos litorâneos e a identificação destes como um espaço de
referência, que carrega um conteúdo histórico regional e que ao mesmo tempo
abriga a possibilidades da constituição de historicidades, como narrativas das
trajetórias dos sujeitos que o vivenciam.
Como trabalhamos ao longo deste capítulo explorar as conexões entre
identidade, representação e território, implica em considerar o papel da cultura e de
90

suas manifestações em termos concretos, instituições, valores e normas. Neste


sentido, devemos pensar as relações estabelecidas entre comunidade tradicional e
seu espaço de referência cultural, material, econômica e ecológica como um
processo que põem em movimento diversos aspectos da vida cotidiana, nos quais
os sujeitos experimentam e vivenciam formas distintas de acordo com os variados
contextos sociais que se inserem.
Propomos levar em consideração: os sujeitos sociais sua história e
historicidades, o que está em disputa, quais as normas, os discursos e as narrativas
sobre a natureza dos fatos que mediam as relações nos contextos sociais nos quais
se inserem. Com estes elementos mostraremos as relações por meio das quais os
sujeitos produzem sentimento de pertencimento, alteridade, a hierarquização e a
transgressão social, além dos processos dinâmicos, tensos, ambíguos e
ambivalentes de classificação e de nomeação de sujeitos e lugares. As questões
colocadas levam em consideração os sujeitos, as formas e os embates através dos
quais eles elaboram seus entendimentos sobre si mesmos e sobre os outros em
condições específicas, com foco nas perdas e ganhos oriundos desse processo.
Iniciamos essa caminhada pelos elementos da análise da produção do
território que apontamos na seção inicial deste capítulo. Propomos então um jogo de
palavras em termos de sentido e complementariedade que buscaremos observar
empiricamente.
Entre os elementos apontamos a dinâmica de inclusão e exclusão, em
termos do que pertence ou não e de quem pode ou não acessar ao território e a
reflexão sobre territorialidades que podem ser operadas no nível local para
expressar uma relação de controle e ocupação no território. Nessa linha enxergamos
como expressão de organização de um território os elementos entre aquilo que é
fixo, pois encerra uma relação de posse sobre aquilo que faz parte de “nosso”
espaço e o que é móvel, sujeito à liberdade e a disputa. Essa compreensão aponta
para identificação do que é externo e interno ao território.
Nossas análises levaram em consideração o conceito de alteridade no
território situados em três níveis de representação que vai do individuo, do outro e
do coletivo. O comportamento com o território se coloca no movimento desses três
níveis de compreensão do individuo, situado entre o aquilo que me pertence como
Ser individual, aquilo que não é meu, pois é do outro Ser e, daquilo que me
pertence, mas me pertence na interação com outro, que são os nossos espaços,
91

constituído na representação dos nossos espaços, que não é só meu. Logo a


representação feita pelos sujeitos no território pressupõe a existência de uma Eu e o
meu território e de um outro que é coletivo, por pertencer a todos os sujeitos.
O movimento entre o Eu, o Outro e o Nosso faz a percepção dos sujeitos
pendularem entre o que é fixo e móvel, entre a permanência de formas e a mudança
no seu espaço, entre aquilo que é interno e o que externo a si mesmo, pois definem
a compreensão sobre os aspectos mais densamente importante do significado do
território para o sujeito: liberdade e segurança. A liberdade de si colocar num espaço
que é seu e a segurança de partilhar com os outros a posse desse espaço.
Em busca de um contexto cultural, social e político e de um espaço que
garanta a liberdade e a segurança, os sujeitos do Litoral sergipano estabelecem
relações com seu território tradicional definindo os conteúdos, entre perdas e ganhos
sociais, as territorialidades tradicionais que intentamos observar, como as exibidas
na prática da pesca e nas atividades ligadas ao extrativismo.
Esses conteúdos conformam no sentido da apropriação social, da
ocupação e da posse como expressão do controle exercido sobre um território,
bem como estabelecem níveis de relações internas às comunidades definidas e
entendidas no prisma da análise sobre as instituições locais, normas, condutas e
valores morais.
Para explorarmos a ligação entre a identidade e o território apontamos para
observação de alguns elementos do processo de identificação. Nesse plano
entendemos a identidade que se manifesta em termos do Eu, como Ser que se
relaciona com o Outro; a alteridade que se expressa na singularidade de minha
visão sobre o outro. Assim, a relações que estudamos são observadas nas
identidades e na diferença como processos vivos e vividos. Assim, vislumbramos a
identidades que são comuns e as identidades que são diferentes da minha
identidade, justamente porque, mostram elementos que não são reconhecidos como
comuns ao sujeito que pensa sobre si mesmo.
Nesse jogo de oposições observamos as identidades na construção
discursiva, entre relações de poder, dinâmicas politicas e elementos históricos que
acentuam as singularidades de um sujeito histórico em contraposição a outros
sujeitos. Mas, procuramos observar também as manifestações narrativas das
identidades que percebem e expressam os sujeitos naquilo que são suas vivências,
92

experiências e hábitos ao constituírem a sua historicidade com o lugar que é


território para ele.
Observamos então no cotidiano de sujeitos como pescadores e marisqueiras
à formação do sentimento de pertencimento ao lugar, a alteridade como expressão e
discurso que localiza as diferenças ente os sujeitos de uma relação espacial e a
desigualdade entre os diversos sujeitos. Estivemos atentos para captar os sentidos,
significados, códigos e representações que apontam a dinâmica e o processo em
que se desenvolvem as relações entre os sujeitos nas comunidades e entre eles e
os outros nas manifestações de sua identidade com o espaço comunitário e com o
Litoral, como território de paisagens múltiplas e diversas.
A ligação entre os sujeitos e suas identidades com o território é vista de forma
mais evidente na construção de representações que vão do nível mais relacional da
identificação dos sujeitos e da legitimação de uma apropriação do território.
Destacamos ao longo do texto as formas de representação do sentimento de
pertencimento como um campo de relações próprias dos sujeitos, imbuído de um
caráter individual que comporta distinções entre sujeitos: os que dizem pertencer e;
os outros, que não dizem se sentir pertencentes àquele território.
Evidentemente representar uma ligação entre território e sujeitos pressupõe a
manifestação de uma atitude simpática a esse espaço. Enxergamos a comunhão
entre os diversos sujeitos ao invés da expressão de distinções de classes, divisão
politica e ou de gênero – não que essas questões não ocorram. A simpatia com
espaço foi demonstrada no sentido de organicidade do espaço vivido, expressas
como visões e motivação da organização e gestão do espaço local. Desta maneira,
a comunhão se estabelece na construção das identidades a partir dos espaços e
nas representações que dele são elaboradas.
Essa ligação sujeito-comunidade território estão sedimentadas na
experiência imediata com espaço fonte de vivência e de historicidades e possuem a
densidade, textura e espessura de um cotidiano experimentado entre múltiplos
espaços e tempos.
No que concerne a relação à representação sobre o espaço nos discursos, o
vimos incorporado para a constituição de um repertório patrimonial, localizado em
torno de um discurso que legitima culturalmente o controle político dos lugares e dos
ambientes, perpassando o entendimento do reconhecimento de direitos
93

tradicionalmente estabelecidos na apropriação social, por isso, imbuído de um


sentido de legitimidade identitária.
Como analisamos teoricamente na seção anterior, o repertório patrimonial se
baseia, em muitos casos, na existência de laços históricos com território que foram
estabelecidos por ancestrais. O território como lugar possuído lhe pertence por uma
espécie de herança de conhecimentos e um sistema social de posse de um espaço
que não tinha dono. Logo esse território que é conhecido, pertence ao sujeito e a
sua comunidade justamente no reconhecimento que é estabelecido com ele, entre
lugares significantes e ambientes diversificados. “Eu me sinto dono disso, porque
vivo aqui”.
Por se tratar de uma herança do tempo passado que vem ao sujeito do tempo
presente, o território que é apreendido desde muito cedo pelo jovem pescador é
carregado de uma longa história que muitas vezes envolve a história de vida de um
parente. Ao mesmo que o território carrega uma história, a própria vivência cultural,
como experiência de viver, brincar, trabalhar, morar pressupõe uma trajetória
singular dos sujeitos que nele habita.
Essa espécie de fenomenologia do habitar o espaço e produzir fatos de vida a
serem narrados, se apresenta como as historicidades dos sujeitos, ou seja, suas
narrativas marcadas por fatos que são significativos para si mesmos. Quando
evocadas pela memória, a herança histórica e a historicidade cotidiana se justapõem
na perspectiva de um sentido de continuar as raízes que me foram trazidas por
meus antepassados.
Obviamente o sujeito cria uma representação com seu espaço, expressado
como um sentimento de enraizamento estabelecido no desejo de permanência e de
fixação no território. Contudo, mesmos as tradições mais enraizadas estão sujeitas a
novas interpretações e atualizações, sem que isso signifique perdas ou rupturas das
identidades nelas ancoradas. Ao contrário, as traduções que abordaremos mais
adiante, são de fato, uma naturalização das novidades, daquilo que é novo. O novo
pode ser o tradicional com uma roupagem (representação) atualizada que funciona
justamente para garantir a permanência do sujeito em seu território.
O estabelecimento de vínculos de pertencimento por meio de relações
afetivas arraigadas nas práticas e táticas cotidianas do falar, comer, trabalhar,
brincar e lembrar, no exato teor analisado por Certeau (2012), são vividas em um
território, logo, as práticas que recebem a sedimentação do tempo (tradição) e da
94

memória para suturar uma adesão as narrativas dos sujeitos, modelando uma
consciência do pertencimento a esse próprio espaço.
As representações, novas ou tradicionais, em seu turno implicam em
negociações, tensões, normas e valores que inseridas nas dinâmicas das relações
sociais mais amplas, resultam em movimentos e contradições internas que
exemplificam o próprio campo de relações por nós estudadas. Nesse sentido, nas
comunidades observamos as distinções e convergências estabelecidas entre os
discursos das identidades historicamente legitimadas e as narrativas das trajetórias
cotidianas; examinamos as expressões do controle sobre território, em termos da
ideia de uma posse, da construção da apropriação culturalmente exercida e do
exercício da organização do território que nos pertence.
Procuramos entender a orientação e a compreensão das condutas com
espaço, vistas nas representações individuais e socialmente estabelecidas do que é
meu, do que é do outro e daquilo que é o nosso espaço. Estendemos nosso olhar ao
sentido das diversas formas de identificação social presentes no Litoral, bem como
os processos que levam a legitimação de algumas identidades e a proteção de
elementos de outras identidades, bem como na ausência de um discurso
regionalmente situado sobre os traços que ligam os sujeitos do Litoral.
É seguindo esse itinerário de elementos que os quatro (04) próximos
capítulos dessa tese são apresentados. Nos capítulos 03 e 04 trataremos da
constituição histórica do Litoral de Sergipe, com ênfase nas condições que nos
ajudam entender como se constituíram os territórios das comunidades tradicionais
do Litoral. Nos capítulos 05 e 06 abordaremos a historicidade dos sujeitos do Litoral,
entre as gentes litorâneas, apropriação e representação espacial e o
estabelecimento dos sentidos e dos sentimentos com o território.
95

DO LITORAL AO SERTÃO:
UMA LEITURA GEOGRÁFICA
DOS FATOS HISTÓRICOS
SOBRE A FORMAÇÃO
TERRITORIAL DE SERGIPE
96

3 DO LITORAL AO SERTÃO: UMA LEITURA GEOGRÁFICA DOS FATOS


HISTÓRICOS SOBRE A FORMAÇÃO TERRITORIAL DE SERGIPE

Em meio às dificuldades de se começar a escrever um texto sobre a formação


social e territorial de Sergipe, procuramos refletir e entender os movimentos e
ajustes que no transcorrer do tempo moldaram o Estado, tal como conhecemos
atualmente, para desta maneira, compreender o espaço que chamamos de Litoral.
Inicialmente, nos perguntamos como o Litoral é delimitado e foi constituído?
Nesta busca, encontramos uma definição em um livro de história que nos
intrigou bastante, segundo a qual: “[...] o Litoral corresponde à faixa costeira, onde
está a capital. Identifica-se principalmente pela produção de coco [...]”, (SANTOS;
ANDRADE, 1998). Essa descrição sintética exposta pelos autores nos chamou
atenção para o fato de como uma região com 163 km de extensão de praias, na qual
existem ao menos 162 comunidades pode ser descrita de forma homogênea.
De início pensamos em três explicações possíveis para compreender essa
ocupação do Litoral: (i) O Litoral de Sergipe por se constituir por solos areno-
argilosos, ácidos, com alto teor de salinidade, pouco profundos, tendo baixa
fertilidade e alta porosidade, que facilita a drenagem, não sustentou nenhuma
atividade econômica agrícola expressiva, sendo aproveitada apenas por um
extrativismo de baixa tecnologia, desenvolvida inicialmente pela presença indígena
e, em seguida, relegada à sorte, criatividade e rebeldia de populações não inseridas
nos ciclos econômicos importantes; (ii) a formação inicial da capitania de Sergipe
envolveu desde o início a necessidade de expulsão de “invasores” estrangeiros que
aportavam na costa para comercializar com os indígenas. Pensamos ser essa uma
razão para que a colonização tenha se constituído apenas tardiamente no Litoral,
representada por sua faixa costeira, como ocorreu com o Recife, Salvador, Rio de
Janeiro, dentre outras; (iii) o predomínio da atividade canavieira que se concentrou
nas bacias dos rios Piauí, Vaza Barris, Cotinguiba e Sergipe, a montante de seus
estuários, foi o pilar do sistema econômico colonial que atuou fortemente inibindo o
desenvolvimento de outras atividades na zona canavieira.
De certa maneira, essa última hipótese pode ser comprovada quando se leva
em consideração o processo de deslocamento que a atividade pecuária viveu.
Segundo o historiador Felisbelo Freire (1995), a formação social, econômica e
97

territorial de Sergipe se iniciou com atividade de pastoreio, inclusive na região


agreste, na qual mais tarde veio a predominar o cultivo da cana de açúcar,
empurrando o gado rumo às terras mais áridas, contribuindo para a formação do que
conhecemos hoje como Sertão e o sujeito social, adaptado às condições ambientais,
ao manejo da caatinga e ao trato dos animais.
Constitui-se um bom exemplo desse evento, a própria existência da Carta
Régia de 1701, que proibiu a criação de rebanhos até 10 léguas do Litoral na área
canavieira e também deliberou sobre os recorrentes conflitos e disputas envolvendo
criadores de gado e produtores de cana, com decisões favoráveis aos senhores de
engenho, aspectos que vamos comentar de forma pontual mais adiante.
Podemos constatar que as condições de formação territorial e social do Litoral
do estado e dos sujeitos sociais que nele habitam estão ligadas às condições
históricas estabelecidas em meio a um processo de territorialização que atuou no
espaço de Sergipe como um todo, com amplas iniciativas para consolidar a prática
econômica do sistema açucareiro em detrimento de outros espaços que foram
colocados às margens do processo hegemônico.
Essa situação parece ter vigorado nos territórios das comunidades
tradicionais no Litoral, podendo ser inclusive uma questão de desinteresse do
sistema econômico predominante, que relegou ao Litoral uma condição de “vazio”,
não um vazio demográfico como vamos demonstrar, mas um “vazio de interesses”
do território-Litoral que perdurou por muito tempo.
Essa condição conferiu estabilidade para que uma população desfavorecida,
constituída basicamente por negros e miscigenados, pudessem formar povoados,
unidades territoriais quilombolas, vilas de pescadores, de forma a desenvolver uma
cultura típica do Litoral sergipano, bastante ligada aos elementos da cultura indígena
assentada na prática da pesca, coleta e extrativismo. Só recentemente essas
condições estão sendo transformadas, de forma que os espaços-paisagens do
Litoral tornam se atrativas e valorizadas em função de sua localização, processo que
descreveremos mais adiante.
De início devemos ressaltar o entendimento e objeto de estudo nesse
contexto mais histórico de nossa abordagem: a formação territorial de Sergipe. Pois
compreendemos que o espaço social, tal como conhecemos hoje, é resultado do
processo de apropriação da natureza sobre determinadas condições territoriais,
políticas, econômicas, culturais e ecológicas. Podemos mesmo dizer que o homem
98

constrói o espaço na medida em que ele, sujeito social, é construído na relação com
a natureza.
Concordamos com Moraes (2000), pois esse é o caráter pleno do processo
social que se desenrola no espaço, mediado por movimento da sociedade,
reconhecendo desde início que a história, como descreve o autor, é uma
progressiva, continuada e reiterada apropriação e transformação do espaço em
diversas escalas. Reconhecemos também, que tanto os processos sociais em si,
quanto a apropriação do espaço se transformam e variam historicamente.
Logo as condições econômicas, sociais e culturais devem ser vistas como
uma realidade localizada em um tempo-espaço que lhe é próprio. O lugar é então
mediação (ecológica e territorial) e a espacialidade é o elemento que particulariza os
fenômenos no tempo histórico.
Se o espaço é campo e horizonte de um tratamento teórico geral e genérico,
sujeito às indagações e limitações da própria teoria e dos conceitos frente ao real, a
formação territorial pode se colocar como objeto empírico, capaz de mostrar os
ajustes de foco na ótica do movimento histórico: um ajuste de lentes que permite um
zoom mais aproximado.
Segundo Moraes (2000, p. 18), este ajuste entre “espaço e historia” se
inscreve em dois polos: “de um lado, as determinações genéricas, que fornecem os
macro-indicadores que delimitam grandes períodos e lógicas de funcionamento da
sociedade no espaço, de outro, a malha fina do desenrolar das conjunturas”,
permitindo identificar vontades, sentidos, significados, atitudes e interesses
específicos, enfim, singularidades.
Decorre deste pensamento a nossa necessidade de abordar o processo
histórico como elemento de análise para entender os territórios das comunidades do
Litoral atualmente.
Nossa intenção neste capítulo é demonstrar que ao longo do tempo ocorreu
um esforço que resultou na formação de um território de Sergipe. Esse esforço a
nosso ver passou por diversos momentos históricos e por processos geográficos
culminando em uma rede de cidades, vilas, povoados e comunidades. Neste
sentido, ele pode parecer até certo ponto um capítulo construído como leitura
inocente desses fatos históricos, já que por de trás da formação de uma vila ou de
uma comunidade pescadora pode existir e em muitos casos existe, todo um drama
99

histórico social, envolvendo o eficiente extermínio das tribos indígenas pelos


colonizadores ou os conflitos entre escravos e senhores.

3.1 A conquista e a formação de um território

Não é exagero falar de conquista do território sergipano, pois de fato tratou-se


de um empreendimento cujo objetivo foi além de assegurar o controle territorial,
melhorar a comunicação terrestre, expulsar a influência francesa que se fazia
presente neste espaço. Some-se a isso a existência de grupos indígenas, muito
receosos do contato com os portugueses, que precisavam ser “apaziguados” e
domesticados.
Desta forma, a delimitação territorial de Sergipe foi inicialmente descrita na
doação que o Rei D. João III fez a Francisco Pereira Coutinho em 1534, com terras
da Capitania Geral da Bahia, estabelecendo então, a “distância de cinquenta léguas,
da barra do rio São Francisco à ponta da Bahia de Todos os Santos”, (FREIRE,
1977, p. 67).
Contudo, a área além do rio Real não fora objeto de reconhecimento e
integração pelos colonizadores até o governo de Luís de Brito (1572/1578). Segundo
Santos e Andrade (1992), os franceses se aproveitaram deste abandono para extrair
pau-brasil, madeira e outros produtos, contando inclusive com a cooperação de
grupos indígenas, já que ao contrário dos portugueses, os franceses obtiveram mais
simpatia junto aos indígenas, possivelmente não os escravizavam e, além disso,
ofereciam trocas comerciais que os satisfaziam.
O primeiro esboço de colonização ficou a cargo de dois jesuítas, Gaspar
Lourenço e João Salônio, que já em 1575 chegam às terras do atual Sergipe e
fundaram uma vila que levou o nome de São Tomé, distante seis léguas do rio Real,
nas imediações do rio Piauí.
Apesar da desconfiança, obtiveram êxito conseguindo se aproximar de grupos
indígenas liderados por figuras históricas como os caciques: Serigi, Surubi e
Aperipê, personagens e referências da história sergipana10. O relativo sucesso inicial

10
O indígena sergipano a grosso modo era do ramo tupinambá, pertencentes aos Tupis. Exceções
feitas aos Kiriris, que devido suas práticas e sistemas de crenças, não se encaixariam nessa
classificação como Tupi, (SEDEC, 1973).
100

desta missão pode ser explicado pela mudança de estratégia adotada pelos
religiosos em oferecer: “Evangelho e não às armas; à paz e não à guerra, entregou-
se à conquista da nova capitania”, (FREIRE, 1977, p. 69).
O insucesso definitivo dessa primeira tentativa deveu-se, segundo o
historiador Freire (1977, 1995), às tensões entre o poder na Bahia (Luís Brito) e os
indígenas, percebidos como hostis. A desconfiança do colonizador era estimulada
pela cooperação que os indígenas dispensavam aos franceses, inclusive segundo o
historiador, já se temia naquela época a possibilidade dos nativos se aliarem aos
invasores estrangeiros em um ataque ao poder central em Salvador.
A consolidação da “conquista” só seria concluída em 1590 por Cristóvão de
Barros, já no reinado e por ordem de Felipe II. Seu êxito significou a expulsão dos
franceses, a morte de 1.600 indígenas, dentre eles alguns dos famosos caciques e a
prisão de outros 4.000 índios. Importante situar o movimento e atuação espacial de
empreendida por Barros. Essa conquista territorial se deu exclusivamente no Litoral,
o espaço do interior não fora objeto desta conquista. O sentido de atuação de Barros
se deu de Norte para Sul, iniciando-se nas terras situadas entre o São Francisco e o
rio Japaratuba, em especial na aldeia Japaratuba, local onde hoje situa-se o
município que herdou o nome indígena, palco dos conflitos mais violentos.
Na sequência e na esteira de suas vitórias e conquistas, Cristóvão de Barros
ergueu uma fortificação e fundou um arraial, que mais tarde ficou conhecida como
cidade de São Cristóvão11, primeira capital do estado e uma das quatro cidades
mais antiga do país.

3.2 Depois da “conquista” vem à colonização e o povoamento

Vencidos os franceses e os indígenas e, uma vez assegurada a “conquista”


de Cristóvão por Barros, Sergipe Del Rey12 precisava existir de fato, e isso incluiria a
necessidade da instituição de um aparato administrativo e de se formar uma
11
Segundo Santos e Andrade (1992, p, 21) apresentam as mudanças dessa povoação: “desocupada
a terra dos bárbaros, fundou Cristovão de Barros a Cidade, junto do rio Sergipe perto da barra, com o
nome de S. Cristovão, do qual o sítio o mudarão os moradores para a barra do rio Poxim em um
outeiro escalavado e por experimentarem seu lugar insuficiente o transladarão para este onde está”,
registrou Frei Jaboatão”.
12
O historiador Felisbelo Freire (1977) presume que o nome de Sergipe Del Rey deve-se ao fato de
que tanto a ordem para conquista foi uma ordem régia, tanto quanto o dinheiro necessário à
empreitada correu à custa da coroa, nada mais justo de que homenagear o Rei.
101

“sociedade” local. Para tanto, a primeira medida necessária seria a implantação de


um mecanismo de governo, cabendo ao próprio conquistador a incumbência de
montá-la. Segundo Freire (1995), a primeira doação de terras em Sergipe ocorreu
em favor do próprio filho de Barros, Antônio Cardoso de Barros, cujas terras
situavam-se entre os rios Japaratuba e São Francisco, mais ou menos os territórios
“conquistados” pelo pai.
Montada a máquina de governo, cujo procedimento adotado assemelhou-se
ao que já era largamente praticado em outras capitanias da jovem colônia e em
outras colônias portuguesas, com a doação de sesmarias, iniciou-se então o
trabalho de colonização e povoamento.
É praticamente consenso entre os pesquisadores do tema, que apesar da
conquista territorial ter ocorrido de Norte para Sul, o sentido de colonização em
Sergipe Del Rey predominou de Sul para Norte, em geral seguindo os cursos dos
rios, com início provavelmente no estuário do rio Real como aponta Souto (2003) e,
depois, em seguindo os cursos de outros rios como Piauí e o Vaza-Barris. Devemos
lembrar que a “colonização” portuguesa em Sergipe irradiou-se a partir de Salvador,
logo é compreensível que por questões de proximidade o sentido de povoamento
tem sido predominante a partir do Sul do atual território sergipano.
Freire (1995) após expor um número considerável de documentos de doação
de terras, resume que até o ano de 1607 a colonização teria chegado até a atual
Simão Dias, pelos colonos. “Em toda esta zona, fez-se criação do gado. Nela, como
na do Rio Real, cuja colonização é mais antiga, nasceu à indústria pastoril em
Sergipe” (FREIRE 1977, p.35). Contudo não eram os donatários ou donos que
estavam à frente da tarefa de levar o gado e a sociedade ao território:

Os pontos de parada, para descanso das reses, os animais


estropiados, que eram deixados pelos tangedores e que davam
nascimento mais tarde a fazendolas; os pontos de encontro dos
boiadeiros, tudo isso concorreria para expansão do nosso território,
episódio complementar do leste e nordeste interiores, e tem seu
inapagável testemunho na toponímia local.
Como, na maioria dos casos, o proprietário não estava à frente do
empreendimento da ocupação terra, eram os prepostos ou os
rendeiros que a realizavam. Pelo sistema de compensação de
serviço comumente usado, o quarto ou a quarta (de quatro reses, o
vaqueiro tinha direito a um como pagamento), se foram multiplicando
as fazendas pelo Sertão, onde era impossível demarcar os limites
das propriedades contribuindo para a fragmentação dos grandes
latifúndios pastoris iniciais. (SANTOS; ANDRADE, 1992, p. 22).
102

A pecuária existente naquele momento incluía muares, equinos e o gado


miúdo. Mas não só a pecuária era produto desta época, o couro, a tropa e a
fabricação de ferramentas e utensílios de trabalho deram origem a uma verdadeira
“sociedade do couro13”, produto e processo de criação cultural local e vetor da
formação de hábitos, costumes e modo de vida que hoje em dia encontram-se
expostos em nossos museus.
As sesmarias compreendiam grandes extensões de terras. Segundo Souto
(2003), existiam áreas de 200 braças em quadro e uma com 30 léguas em quadro.
Segundo o autor, o mais comum foi a doação com até 3 léguas (uma légua
equivaleria a 6 quilômetros quadrados). A considerável extensão das doações de
terras e os pastos de ótima qualidade, presentes no Estado, contribuíram de forma
positiva para o desenvolvimento econômico da pequena capitania, pois encorajavam
os recém-moradores a soltar gado e expandir as divisas do povoamento.
Nesse movimento o gado abria o caminho, seguido pelo o homem, tangendo
rumos e uma cultura no local. Notemos: homens livres, já que o trabalho previa o
pagamento, mesmo que não em pecúnia, fato, aliás, que se manteve mesmo com
advento da mão de obra escrava, com a chegada da atividade açucareira.
Freire (1977) argumenta que mesmo em tempo de escravidão, em Sergipe, o
trabalho livre se manteve como condição necessária, dada a escassez de escravos,
naquele tempo um “produto” muito nobre, raro e caro para pequena capitania fazer
frente à demanda de outras áreas mais tradicionais como Bahia e Pernambuco e
posteriormente no sudeste cafeeiro.
A convivência entre o sistema escravista e uma mão de obra livre
(arrendamentos, meeiros) foi necessária. Não demorou muito para a nova e
promissora capitania abastecer de bois vivos, para tração e carnes, os engenhos da
Bahia até Pernambuco. Freire (1977, p. 96) indica que se em “[...] 1601 as rendas da
capitania eram oriundas do comércio de Pau-Brasil e do dízimo de Portugal dera a
Gabriel Ribeiro, em 1612 a rendas da província vinha do gado e meunças”.
A atividade canavieira teve início por volta de 1602 com a doação e ocupação
das terras no vale do rio Cotinguiba, onde segundo Freire (1995), floresceu a lavoura
de cana em Sergipe. Contudo, a marcha de distribuição de terras, sua ocupação e

13
A esse respeito consultar Abreu (1930)
103

povoamento presenciou uma interrupção devido à invasão holandesa de 1637-


164514.
A dominação holandesa deixou um rastro de morte, sangue e abandono,
atrasando os primeiros passos da incipiente capitania. Um exemplo dessa
destruição foi registrado na cidade e capital São Cristóvão, que foi saqueada,
incendiada e os pastos arruinados.
A capitania ficou relativamente abandonada pela coroa nesse período de
ocupação, conforme registrado por Almeida (1984). A expulsão definitiva dos
holandeses15 ocorreu em 1645. A partir de 1655 com os fundamentos econômicos
ainda apoiados na pecuária, as concessões de sesmarias na capitania foram
retomadas, já no rumo do Oeste e Noroeste. Desde a ocupação holandesa, a
preocupação das autoridades portuguesas em preencher os espaços do território
sergipano era evidente, como demonstra (Freire, 1995).
As sesmarias doadas eram mais extensas e avançavam para regiões mais
áridas. “Durante o século (XVII) a colonização estendeu-se por quase toda a
extensão da capitania. Pelo rio Vaza Barris, foi até Geremoabo (atualmente
Jeremoabo/BA); pelo São Francisco, transpôs a serra Negra” (FREIRE, op. cit, p.
42).
Em 1698 foram criadas as primeiras vilas: Itabaiana, Lagarto, Santa Luzia e
Vila Nova do rio São Francisco. As duas primeiras localizadas em zona semi-úmida
e as outras em faixa mais úmida, conforme mapa 02 exposto a seguir:

14
Santos e Andrade (1992), narram epopeia liderada pela figura muito conhecida de Belchior Dias
Moréia, fazendeiro das margens do rio Real que acompanhou Cristovão de Barros na vitória de 1590.
Ele teria percorrido os sertões da Bahia e de Sergipe, durante longos oito anos, e disse ter
descoberto minas de ouro e prata “numa área de sessenta léguas dentro do Rio São Francisco até a
confluência do rio Jacoipe com o Peroaçu, entrando nele sete léguas que tem no Litoral do rio
Pajaype até o rio Itapauma”. Belchior tentou por 02 anos obter sem sucesso financiamento junto às
cortes em Madrid para a exploração das minas e depois novamente tentou em Lisboa, também sem
sucesso. As histórias desse personagem envolvem roteiro digno de Indiana Jones e outros
exploradores, com mapas do tesouro, indicações codificadas. Nada tendo se provado sobre a
existência de tais minas, ao menos suas história serviram de inspiração para o reconhecimento do
território e para plantar a cobiça em outros aventureiros.
15
Moraes (2000) analisa que do ponto de vista da formação territorial, o episódio da ocupação
holandesa implicou antes de tudo, uma imensa destruição do capital fixado na colônia, no período
mais intenso do desenvolvimento da economia açucareira. Acarretando a fuga de população e de
capitais das zonas invadidas para Bahia, no caso de Sergipe também para paragens do Sertão. Os
ataques mútuos às instalações produtivas propiciaram elevado índice de evasão de escravos,
tornando essa época a de maior relevo no que tange á formação de comunidades livres de africanos.
104

Mapa 2 Formação territorial de Sergipe até 1698

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Adaptado de (SANTOS; ANDRADE, 1992).


105

O texto transcrito abaixo mostra a portaria de D. João de Lancastro de 20 de


outubro de 1697, instruindo o ouvidor de Sergipe a proceder à fundação de vilas:

Tanto que Vmce, receber esta, vá logo ao lugar denominado


Itabaiana e Lagarto a formar duas vilas, escolhendo para isso os
sítios mais acomodados e fazendo com que os moradores dessa
Capitania queiram fazer a casa da Câmara e cadeia a sua custa. E
porque me dizem que no porto de Cotinguiba se pode fazer uma
vila, V.M mandará chamar à casa da câmara dessa cidade os oficiais
dela com as primeiras pessoas desse povo, para que com toda
ponderação vejam se o dito é capaz de forma-se nela a dita vila ou
se há mais lugares no distrito da jurisdição dessa capitania em que
se formem outras. (FREIRE, 1995, p. 45).

A necessidade de ocupar territorialmente a capitania se traduzia na


emergência e urgência da criação das vilas, paralisadas por quase um século e com
o reforço dos traumas da ocupação holandesa, lembrando que a criação da primeira
e única vila até então e depois cidade de São Cristóvão ocorreu mais de um século
antes, em 1590.

3.3 Século XVIII: colonização, povoamento e os engenhos de açúcar na


economia sergipana

No início do século após, a expulsão dos holandeses e a consolidação do


sistema de doação de terras sobre os vales dos rios da capitania, os esforços para
povoar a terra e desenvolver um sistema econômico foram constantes, segundo
Freire (1995) com objetivo claro de preencher espaços “vazios” que tinham restado
do século anterior, alcançando inclusive a ocupação pelo Sertão.
Nessa altura os canaviais começavam a ocupar os vales dos rios,
especialmente, o Vaza-Barris, o Poxim, Cotinguiba, aproveitando-se do ótimo solo
presente nestas zonas e uma crescente valorização do produto derivado do
processamento da cana: o açúcar. Este experimentará alta valorização no mercado
internacional, em face do crescimento de consumo e das transformações estruturais
oriundas da revolução comercial. Santos; Andrade (1992, p. 28) explicam que:

Impulsionado pelos lucros, pela prosperidade geral, o engenho


invade todos os rios sergipenses, partindo a princípio, do rio Real, ao
Sul da Capitania, atingindo depois o Piauí, o Vasa-barris, Poxim, o
Cotinguiba, o Sergipe, o Ganhamoroba, o Siriri e o Japaratuba. Vales
106

férteis, ricos de massapês, abundantes aguadas, eram requisitos


exigidos pelos colonizadores para a fundação dos seus engenhos,
empurrando assim os currais para as cabeceiras daqueles rios para
o Sertão enfim.

Conforme comentamos no inicio desse capítulo, a tensão entre criadores de


gado – feito na larga, sem limites – e os plantadores de cana, ajuda explicar o
processo de transformação ocorrida na sociedade sergipana do período colonial.
Conforme apontado por Freire (1977), a capitania de Sergipe nasce pastoreia,
apoiada em um trabalho não escravo, acomodando formas parciais de
assalariamento, formas apontadas por Martins (1975) como: meia e quarta, que de
certa forma propiciou condições para o desenvolvimento de uma mão de obra livre e
com algum recurso que se instalou inicialmente em todo território e mais tarde seria
empurrada para o Sertão.
Esse trabalhador rural depois veio a ser importante e ativo no funcionamento
dos engenhos da capitania, em face da escassez de escravos e, até mesmo, teve
participação institucional, ocupando postos na igreja, na administração e nas forças
armadas da época como apontou Mott (1986). Paulatinamente, pela força da riqueza
gerada pelo açúcar, personificada na figura dos senhores de engenho, a franja de
criação de gado foi sendo substituída.
Santos e Andrade (1992) comentam esse processo de expansão dos plantios
de canaviais. Segundo os autores, os rebanhos foram progressivamente
empurrados para as terras de Agreste e para o Sertão, desde quando os canaviais
passaram a ser protegidos pela Carta Régia de 1701, que proibia a criação em até
10 léguas no Litoral, como comentamos no inicio deste capítulo.
Os rebanhos por sua vez, também serviam para suprir as necessidades
econômicas e materiais dos engenhos locais, abastecendo-os de carnes, animais
para tração e subprodutos, sem comprometer o atendimento à demanda da Bahia e
de Pernambuco.
Nos sertões apareciam novas povoações ou prosperavam outras paragens
mais antigas em função das fazendas de gado. Foi assim que no século XVIII,
começa a se destacar as povoações de Campos do Rio Real (Tobias Barreto),
Riachão do Dantas, Simão Dias, Aquidabã, Malhada dos Bois, Divina Pastora,
107

Curral de Pedras (Gararu), Porto da Folha, Nossa Senhora da Glória, Nossa


Senhora das Dores, Malhador, Campo do Brito e Carira16.
Essa forte proteção ao sistema canavieiro não só teve resultados práticos no
campo econômico, evitando concorrência de outras lavouras, como também teve
consequências no campo sociológico e espacial, sendo fator importante para a
formação da sociedade sergipana dos séculos XIX e XX.
Ao interditar essa faixa de terras para usos exclusivos da economia
canavieira, além de empurrar a tradicional criação de gado para terras mais áridas,
empurrou-se também toda uma sociedade cultural e econômica do gado. Junto com
o gado migrou-se também os sistemas de trabalho livre nele praticado e toda gama
de sujeitos e seus labores que caracterizava a sociedade pastoreia envolvida na
criação, como beneficiamento, produção de vestimenta, instrumentos de trabalho.
Enfim, criou-se aqui também em terras sergipanas um modo de vida
específico, com valores, práticas e costumes assentados no trabalho e na
convivência com a caatinga e com o gado.
Não é de se estranhar, por exemplo, que os tradicionais produtores de
material pastoril, como arreios, selas, vestimentas estejam situados atualmente em
regiões como Carira, Simão Dias, Nossa Senhora da Glória e em Poço Redondo.
Contudo, observa-se uma tendência de redução na produção em Sergipe em face
da concorrência com a produção de outros municípios de fora do Estado como
Cachoeirinha/PE.
Mas, além desse efeito espacial, muitos estudiosos apontam que a pecuária
tal como praticada em Sergipe, era francamente mais democrática do que o sistema
canavieiro que a ela sucedeu, pois era desempenhada por pessoas com menos
recursos que tiveram acesso a terra. Sendo a atividade desenvolvida com base em
trabalho livre, criou se, como resultado, uma sociedade rústica, pouco hierarquizada
e mais democrática, bastante diferente da economia canavieira.
Todo esse legado de igualdade foi igualmente empurrado para o Sertão,
conforme aponta Nunes (1978). Muito embora Mott (1986) sugira também uma
16
Segundo os autores Santos e Andrade (1992), nas vilas de Lagarto e Itabaiana, embora também
ligadas à expansão de pecuária, muito desenvolveu-se a agricultura de subsistência, destacando-se a
cultura da mandioca, feijão, legumes e hortaliças e do fumo. Aí dominam as pequenas propriedades,
os sítios, desenvolvendo-se uma sociedade de trabalhadores livres. Essa base social de pequenos
produtores que lidam com a terra e uma base econômica da atividade agrícola permanece foi
fundamental para o desenvolvimento da economia algodoeira mais adiante e permanece até hoje
como tradicional nesta porção do atual Estado. Não é difícil entender porque essa região produz boa
parte dos produtos consumidos no Estado como amendoim.
108

participação relevante de trabalhadores livres nos próprios engenhos de Sergipe, a


base social predominante foi à adoção da mão de obra escrava.
A marcha de ocupação e a crescente valorização do açúcar trouxeram
prosperidade e a crescente necessidade de aumento do aparelho de administração,
a criação de novas vilas e a formação de distritos militares para manter a vigilância e
o controle sobre a capitania. Até o final do século XVIII, a capitania contava com seis
vilas: Santa Luzia (1698), Tomar (1750), Lagarto (1698), Itabaiana (1698), Santo
Amaro (1720) e Villa Nova – Propriá (1698). Além das vilas possuía também quatro
povoações que mais tarde seriam transformadas em vilas e cidades: Laranjeiras,
Pacatuba, Japaratuba e São Pedro (antigas Missões).
O resultado territorial foi o surgimento de várias vilas concentradas na região
açucareira predominantemente, conforme expomos na figura abaixo, que evidencia
a evolução da ocupação e consolidação do território sergipano, em especial a
concentração de vilas e cidades no Litoral no ano de 1820.
Destaca-se que a situação da dinâmica urbana alcançada no esforço de
povoamento da Capitania permaneceria inalterada por quase um século. Segundo
Almeida (1984, p.216), o que reflete os incipientes movimentos econômicos da
região, por exemplo: “Cedro, Lagarto e Itabaiana tornaram-se centros de passagem
de caminhos interiores ligando Pernambuco à Bahia. Por elas passavam trilhas
seculares que atravessavam o interior sergipano, trilhas de tropeiros e boiadas, de
viajantes, comerciantes e mercadorias”.
109

Mapa 3 Evolução da formação territorial de Sergipe até 1820

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Adaptado de (SANTOS; ANDRADE, 1992).


110

A população total estimada no final XVIII do século era de 55.600 habitantes,


com predominância de pretos e pardos. Destacavam-se como mais populosos os
municípios de Santo Amaro, Santa Luzia, Itabaiana, São Cristóvão, Nossa Senhora
do Socorro e Laranjeiras.

Tabela 1 Estimativa de população no final do século XVIII

POPULAÇÃO – SEC XVIII QUANTIDADE PERCENTUAL %


Pardos 20.849 37,5
Pretos 19.893 35,8
Brancos 13.217 23,7
Índios 1.641 3,0

Total 55.600 100

Fonte: SANTOS, Rodrigo H. Sistematização a partir dos dados apresentados por Freire (1995, p. 68).

Se no campo econômico a recém-capitania dava passos promissores, no


campo político-institucional a relação de subordinação à capitania da Bahia limitava
o desenvolvimento pleno do local, inclusive pairando dúvidas sobre os limites
territoriais a ela devida17. A situação piorou muito em virtude da mudança da Capital
do Vice-reinado do Brasil, da Bahia para o Rio de Janeiro, em 1763, pois, no ano
seguinte a capitania de Sergipe foi anexada ao Governo Geral da Bahia.
A situação administrativa nessa ocasião era muito confusa como descreveu
Freire (1995), havia na província problemas de agitação política e desmandos que
caracterizavam abuso de poder. Além disso, os pleitos necessários à consolidação
do sistema territorial nesse período teriam solução favorável a depender da
capacidade de influência do reclamante.

17
Decorrentes do ato de anexação da capitania de Sergipe, Ilheus e Porto Seguro à Capitania da
Bahia, perderam sentido as reinvindicações das Câmaras Municipais das regiões onde pairavam
dúvidas se pertenciam a Sergipe ou a Bahia. Considerando à fronteira setentrional do Vasa-Barris a
colonização caminhou até esses limites ocidentais pela fronteira meridional do mesmo rio, ainda que
não chegasse a um ponto correspondente, que se pudesse unir uma paralela a Geremoabo como
Pombal ou Tucano, todavia ela muito estende-se até além das matas de Simão Dias. Caso tivesse
respeitado o tratado de Uti possidetis a região semi-árida de Sergipe seria mais ampla. Embora
Candido Mendes de Almeida e outros estudiosos da formação brasileira no século passado
atribuíssem à Província de Sergipe uma superfície 54.000 km2, em realidade o atual Estado de
Sergipe com 21,994 km2, ver Santos; Andrade (1992, p.28-29).
111

Essa situação evidenciava certa crise de autoridade que se abatia na


Capitania, em especial na fase final da sujeição institucional de Sergipe à Bahia 18. A
vida político-administrativa da Província de Sergipe começou a ser normalizada em
1824, com a posse do Brigadeiro Manuel Fernandes da Silveira, primeiro Presidente
nomeado por D. Pedro I, (SANTOS E ANDRADE, 1992). O século XIX então se
iniciará para a pequena Província.

3.4 O engenho, o algodão e a manufatura no início do século XX

Neste tempo a formação territorial de Sergipe toma novo impulso. Ocorreu a


consolidação do poder do engenho e os novos governos atuavam para favorecer a
organização econômica do sistema açucareiro. Em Sergipe, diferentemente do
quadro de outras capitanias, não existiam grandes potentados ou donos de imensas
áreas territoriais como em outras províncias do país, inclusive as nordestinas.
O poder vindo do engenho era uma condição muito recente, uma novidade na
formação social sergipana. Pois como já expomos foi o sistema econômico da
criação de gado que predominou que atuou inicialmente. Em síntese, os donos de
engenhos eram portugueses e outros desbravadores que em tempos de pujança do
sistema canavieiro ascenderam socialmente. Essa era a elite socioeconômica que
contribui com a formação da sociedade sergipana do século XVIII e XIX.
Lembremos bem que o século XVIII assistiu mudanças estruturais
importantes na Europa e nos EUA que repercutiram no mundo ou em parte dele,
notadamente no Brasil. Esse período coincide com o final da era Napoleônica e suas
guerras, cujo saldo final resultou na substituição de boa parte das monarquias
tradicionais no velho continente. Nesse contexto de transformações podemos
destacar a transferência da Corte portuguesa para o Brasil em 1808 e as rápidas

18
Devemos lembrar que essa crise institucional em Sergipe se deve a aspectos mais amplos da vida
política no Brasil pré e pós independência, já que a Bahia, ou melhor dizendo Salvador se manteve
fiel às ordens de Lisboa, que se opunha ao projeto do Príncipe D. Pedro I. Salvador foi o reduto mais
importante da resistência Portuguesa no Brasil. De toda forma, não era exatamente a viabilidade da
independência de Sergipe que estava em jogo, mas a oposição ao Brasil independente. Lembrando
que a expulsão das tropas portuguesas de Salvador ocorreu no dia 02 de julho de 1823, mesmo
período da crise em Sergipe. Ver Laurentino Gomes (2010). Obviamente, às paixões e os vícios
locais contribuíram para esse período conturbado da vida política de Sergipe, com todo tipo de
intrigas, difamações, armações e violências que se possam imaginar, como muito bem narrado por
Freire (1977).
112

transformações institucionais e sociológicas por ela introduzida, como o surgimento


de bancos, de museus, o erguimento de palácios, dentre outras.
Ainda assim o crescimento de ideias liberais, como a busca por novas formas
de governo, novos princípios sociais e ideais de igualdade e crescente
questionamento da validade do poder real, como direito divino, continuavam a
florescer na Europa. O próprio imperador D. Pedro I tinha consciência dessas
transformações19 e das consequências que essas mudanças poderiam ocasionar
nas terras do Além Mar.
Os EUA por sua vez, se consolidavam como democracia e apresentavam
uma constituição extremamente avançada, mas não só isso, o nível de vida da
população americana melhorara exponencialmente.
No Brasil, além de melhorias institucionais, com a promulgação por D. Pedro I
de uma constituição também muito avançada (25 de março de 1824), o mercado
internacional estava muito aquecido, favorecendo a produção de açúcar, agora o
pilar da economia sergipana. Na tabela 2 apresentamos o comportamento e
evolução do número de estabelecimentos de engenho.

Tabela 2 Evolução dos engenhos de Sergipe 1723 – 1902

PERÍODO Nº ENGENHOS EVOLUÇÃO %

Até 1723 25
Até 1807 114 456 % (+)
Até 1817 Mais de 300 263 % (=)
1824 226 25% (-)
1852 680 300 % (+)
1884 800 117% (+)
1902 692 13,5 % (-)

Fonte: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Adaptação baseada em dados apresentados em Mott (1986);
Santos e Andrade (1992).

19
Em meado do século XIX, o efeito da revolução havia-se espraiado como uma onda sísmica pelo
mundo. Todos os governos europeus tinham sido afetados por convulsões políticas, incluindo a
conservadora Inglaterra. As únicas exceções eram os dois grandes impérios na franja oriental, a
Rússia e o Império Otomano, mas esses também cairiam de forma ruidosa nas primeiras décadas do
século seguinte. Os demais haviam sido obrigados pela pressão das ruas a fazer concessões até
então consideradas inadmissíveis. A igreja, sólido pilar da velha ordem, foi perseguida e expropriada
em vários países. Só na França, entre 2.000 e 3.000 padres e freiras foram executados [...], Gomes
(2010, p.46).
113

Conforme exposto no quadro acima, a evolução dos engenhos em Sergipe se


processou de modo crescente e mais intensamente no século XIX. Ela se manteve
mais estável por um período de 60 anos, entre 1824 e 1884, num período que
atravessa a consolidação da independência político-administrativa da província e
culmina com o final da vigência da escravidão20 legalizada no Brasil.
Essa fase áurea da economia sergipana consolidou uma elite econômica 21,
cuja influência política circulava na zona canavieira, entre São Cristóvão (até então
capital), Laranjeiras e Santo Amaro das Brotas. Esse período também foi marcado
pela difusão do trabalho escravo, sistema amplamente praticado na colônia, como o
mostra a tabela 03, na qual o número total de escravos praticamente triplica22 em 50
anos (1802- 1850).

Tabela 3 Evolução das populações livre e escrava em Sergipe até 1802-1888

PERÍODO LIVRES ESCRAVOS TOTAL % ESCRAVOS

1802 36.234 19.434 55.668 34,9


1823 88.000 32.000 120.000 26,7
1850 163.696 55.924 219,620 25,5
1872 153.620 22.623 176.243 12,8
1888 283.112 16.888 300.000 5,6

Fonte: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Adaptação baseada em dados apresentados em Mott (1986, p.
140-141).

Por outro lado, mesmo quando observamos a evolução absoluta de escravos


no período mais expressivo do ciclo da cana-de-açúcar, convém lembrar que
diferentemente do que ocorria na maioria das outras províncias, em Sergipe, a mão
de obra escrava quase sempre esteve acompanhada de outras modalidades de

20
A Lei Áurea (Lei Imperial nº 3.353), sancionada em 13 de maio 1888, pela princesa regente Dona
Isabel. Essa Lei completou o quadro iniciado pelas leis nº 2040 (lei do ventre livre) de 20 de setembro
de 1871; Lei nº 3270 (Lei Sairava Felipe) de 20 de setembro 1885, que regulava a extinção gradual
do elemento servil.
21
É interessante observar que essa riqueza econômica do período, ao contrário do que aconteceu
em outras províncias, não se converteu em patrimônio arquitetônico exuberante nas principais
cidades da época. Exceto São Cristovão, cujo perímetro mais histórico encontra-se tombado como
patrimônio mundial, mas convenhamos bastante modesto em relação à outras cidades importantes,
como Salvador, Recife, Penedo e de Ouro Preto (em outra escala). A pesquisadora Maria Augusta
Mundim Vargas (notas de aula), indica que tal riqueza teria ficado circunscritas aos engenhos, com
casas grandes e igrejas locais bem ornamentadas.
22
Considerando as condições precárias a que esses escravos eram submetidos é de estimar que
para cada grupo de 50.000 muitos outros tenham chegado em não sobrevivido, uma espécie de turn
over macabro, que tanto nos envergonha.
114

relações de trabalho (agregados, meeiros, diaristas), conforme apontado por Mott


(1986)23, mas como mostrado na tabela 03, essa mão de obra escrava foi maioria
nesse período.
Segundo o autor, em um levantamento realizado em 58% das propriedades
de Sergipe, a média de escravos por engenho se expressava na razão de 20,
enquanto nas mesmas propriedades os agregados constituíam uma cifra 5,7
pessoas por engenho, sem contar outras relações de trabalho. Essa nova estrutura
social sergipana também se distribuiu de forma diversa no espaço, como nos
mostram as tabelas 4 e 5:

Tabela 4 Distribuição da População segundo a Cor-Etnia em 1825


POPULAÇÃO ZONA DE CANA ZONA PECUÁRIA ZONA
S. CRISTOVÃO LAGARTO POLICULTURA
E STº AMARO PROPRIÁ
Brancos 21,1% 17,1% 29,0%
Pardos 44,8% 45,0% 51,5%
Pretos 32,8% 36,6% 17,6%
Índios 1,3% 1,3% 1,9%

Total 100% 100% 100%

Fonte: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Adaptação baseada em dados apresentados em Mott (1986).

Neste aspecto, observamos a presença representativa de negros nas três


zonas de população e especialização econômica, contudo a tabela 5 nos mostra
que na medida em que se adentra o Sertão a participação dos negros cativos é
menos significativa. Por conseguinte, na zona de policultura a mão-de-obra
predominante não foi a do negro cativo, mas a do pardo livre.

23
Segundo Mott (1986), inúmeras fontes comprovam fartamente que durante a primeira metade do
século XIX, a população livre de cor representava mais de 50,5% dos habitantes desta Província. Ou
seja, mais da metade da população não era nem senhor, nem escravo. Ele questiona como viviam?
O que faziam? Do que viviam?. A hipótese formulada por ele é que homens de cor livres, constituíam
importante mão de obra nos diversos setores econômicos de Sergipe Del Rey.
115

Tabela 5 Distribuição da População segundo situação Jurídico-Social em 1825


POPULAÇÃO ZONA DE CANA ZONA ZONA POLICULTURA
S. CRISTOVÃO PECUÁRIA PROPRIÁ
E STº AMARO LAGARTO
Ingênuos24 44,1% 34,1% 47,1%
Libertos 1,7% 23,1% 4,9%
Cativos 31,8% 24,4% 17,1%
Brancos/Indios 22,4% 18,4% 30,9%

Total 100 100% 100%

Fonte: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Adaptação baseada em dados apresentados em Mott (1986).

Essa situação é interpretada por Mott (1986)25, como o exemplo do


comportamento demográfico entre as zonas econômicas, ou seja, existiu um
predomínio de trabalho escravo na zona produtora de cana. Essa predominância se
torna menos evidente na zona de pecuária e na área de ocorrência de policultura.
Do ponto de vista da formação territorial e cultural, podemos entender que de
fato as regiões mais áridas, experimentaram modalidades de relação de trabalho
livre, sobretudo em virtude da cultura de criação de gado que antecedeu o
desenvolvimento do sistema e, posteriormente na produção de algodão como
veremos adiante.
Essa situação perdurou até pelo menos meados da década de 1980, com a
manutenção nas regiões de gado de formas de trabalhos parciais, como a troca de
dias, o estabelecimento de divisões baseadas na produção, como a quarta e, a
existência de meeiros, como demonstram as pesquisas de (WOORTMANN, 1983).
A conjuntura internacional que determinou o crescimento notável do sistema
canavieiro, com forte alta de preços, nos fins do século XIX e início do século XX,

24 Ingênuos foi a designação atribuída aos filhos livres de mães escravas após a promulgação a Lei
do Ventre Livre em 1871.
25
Sobre aspectos entre estrutura demográfica e especialização da economia em nível regional, Mott
(1986), apresenta algumas análises interessantes: A zona da cana apresentava menor índice de
miscigenação e menor número de libertos. Sendo a área economicamente mais ativa e que mais
dependia do trabalho escravo, não havia lugar na estrutura social local para os saídos da escravidão,
segundo ele ou por serem indesejados ou por sentirem-se ameaçados pela estrutura de poder local.
Na zona de pecuária, supreendentemente aparece o menor número de brancos, e a maior
concentração porcentual de negros. Conforme observado tabela 5 é no Sertão que se concentra a
maior porcentagem de libertos, enquanto na zona da cana apenas 1,7% dos indivíduos saíram da
escravidão por alforria, na zona de policultura, os libertos são 4,9% da totalidade da população e em
lagarto, 23,1 % dos pardos e pretos eram libertos. É importante lembrarmos que o autor não analisa a
estrutura demográfica absoluta da capitania, não é possível saber qual a representatividade de cada
zona na composição demográfica da capitania, o que dificulta análises mais gerais.
116

também impôs dificuldades enormes à produção no país e na pequena província,


com a retomada da concorrência internacional, em virtude do aparecimento de
novas regiões produtoras.
Essa concorrência se valia, sobretudo de melhorias técnicas na produção do
açúcar, com a introdução de máquinas a vapor, bem mais eficientes que a
tecnologia disponível em Sergipe e para a qual a economia provincial e brasileira
não estavam preparadas.
Segundo Santos e Andrade (1992), em 1923 restavam apenas 329 engenhos
em operação em Sergipe, dos quais pouco mais de um terço ainda eram movidos
pela tração animal. Depois desses episódios a economia açucareira sergipana
nunca mais recuperou sua importância no contexto regional.
No quadro da formação territorial26, nesse período, os canaviais se
consolidaram espacialmente, aprofundando o quadro anterior em que as outras
atividades econômicas foram progressivamente afastadas para os sertões,
alcançando o extremo oeste da província em Canindé do São Francisco.
Nessa seara algumas localidades foram transformadas em vilas: (i) Divina
Pastora (1831); (ii) Porto da Folha (1841); (iii) Simão Dias (1850); (iv) N Sra. Das
Dores (1859); (v) Riachão do Dantas (1864); (vi) Gararu (1877); (vii) Aquidabã
(1882) e Campo do Brito (1894), conforme levantamento contido em Santos e
Andrade (1992).
Algumas vilas foram elevadas à condição de cidades, foram elas: (a) São
Cristóvão em 8 de abril de 1823; (b) Estância e Laranjeiras em 4 de maio de 1848;
(c) Maruim em 5 de maio de 1854; (d) Aracaju em 17 de março de 1855 27; (e)
Propriá de 21 de fevereiro de 1866; (f) Lagarto em 20 de abril de 1880, Freire (1995).

26
Almeida (1984, p.220) analisa as condições de formação de algumas cidades na província: Entre
1832 e 1837, o Ato Adicional permitindo às Assembleia Provinciais a iniciativa da formação dos
quadros administrativos propiciou a elevação à categoria de vila das povoação mais florescentes.
Entretanto, urbanisticamente elas não estavam preparadas para representar sua nova função:
faltavam-lhes os recursos pecuniários para atender às mínimas necessidades da comunidade.
Inexistiam prédios e alojamentos para acolher os próprios serviços públicos: Câmara Municipal,
cadeia, fontes de água potável, açougue. A igreja matriz representava, ontem como hoje, o ponto
referencial do centro urbano.
27
Outra importante medida em nível territorial foi a transferência da capital da província de São
Cristóvão para recém criada cidade de Aracaju em 1855, visando criar um centro administrativo que
se integra-se com a região do Cotinguiba, zona mais prospera. Aracaju deveria exercer o papel
comercial e marítimo propiciando condições de inserir Sergipe nas relações internacionais de
comércio, Almeida (1984). Fazia sentido já que São Cristóvão na desempenhava a função urbana
que se esperava dela e tão pouco era necessária exercer as funções de cidade fortaleza como
outrora. Em 1837 a então capital apresentava apenas 4.012 fogos, menor que Laranjeiras.
117

Acrescentam-se a essas: (g) Itabaianinha (1891); (h) Capela (1888); (i)


Itabaiana (1888); (j) Riachuelo (1890) e; (l) Porto da Folha (1896), relação
completada por (SANTOS E ANDRADE, 1992).
Nesse contexto podemos apontar em síntese até 1890 a existência de 26
vilas, 12 cidades e 33 paróquias, espalhadas em 33 municípios, quase a metade do
que se tem hoje. O que demonstra o papel muito importante que a atividade
canavieira desempenhou na formação territorial do atual estado de Sergipe.
Dessa lista, poucas cidades ou vilas experimentaram algum
“desenvolvimento” econômico e crescimento demográfico mais duradouro ou
expressivo.
Se o sistema canavieiro aos poucos foi perdendo força, a partir do final do
século XIX, a cultura do algodão passa a ocupar um espaço importante na economia
sergipana, suprindo em parte a relevância econômica outrora devida ao açúcar.
O cultivo de algodão já era praticado e conhecido há muito tempo, mas não
apresentava grande relevância enquanto atividade econômica em relação á
composição das riquezas geradas em Sergipe. Vargas (1999) indica que essa
atividade fora praticada especialmente por agricultores pobres, geralmente
produtores sem terra ou pequenos proprietários sem capacidade de acumulação de
capital que pudesse sustentar uma unidade produtiva mais organizada e
competitiva.
Apenas na década de 1860, essa atividade entra na agenda de primeira linha
da economia local e também se constitui um fator de integração territorial,
especialmente ocupando áreas sazonalmente atingidas pelas secas.
Santos e Andrade (1992, p. 32), descrevem a distribuição da cultura
algodoeira no final do século XVIII, enfatizando sua importância territorial:

Já nos fins do século XVIII, também Sergipe fora atingido pela


política da metrópole portuguesa de estímulo à cultura do algodão,
quando a Guerra da Independência norte-americana dificultou o
abastecimento dos teares britânicos com essa matéria-prima. Assim,
segundo o depoimento de Dom Marcos Antônio Souza, já se cultiva o
algodão em diversas áreas sergipanas: na Vila Nova, “do qual a
grande cultura por todos os terrenos próximos ao rio de S.
Francisco”, e “ficariam felicitados estes povos se acaso entre eles se
estabelecessem manufacturas”: na Vila de Santo Amaro, onde “a
vizinhança das praias é fertilíssima em algodão e colhem mais de
quatro mil arrobas”; na Vila de Itabaiana, “em quantidade que
permitia as mulheres da região fazerem grosseiras manufacturas”
que constituíam “o principal commercio de seos maridos e toda a
118

vantagem de seo paiz. Levam os Itabaianistas para os sertões altos


vinte mil varas de pano de algodão [...] menos importante era a
presença do algodão na Vila de Lagarto, “cujo produto chega a mil e
quinhentas arrobas quando as terras de Simão Dias são as mais
próprias para esta plantação”, a Vila de Propriá com plantação
diminuta.

Esse cenário novo e promissor para a cultura algodoeira deveu-se muito,


segundo pesquisadores como Silva (2001) e Passos Subrinho (2001), ao temporário
afastamento dos EUA do mercado mundial, que até então era o maior fornecedor de
algodão para o mundo. Sob a perspectiva do sistema territorial, a retomada do
cultivo e processamento do algodão resultou no avanço desta cultura para o Agreste
e para os sertões. Localidades até então envolvidas com pecuária viram os solos
ficarem tingidos de branco28.
Segundo Santos e Andrade (1992, p.32), Simão Dias, Nossa Senhora das
Dores, Propriá, Gararu e Itabaiana foram os principais expoentes dessa plantação,
“[...] nesta última vila, que possuía uma tradição de cultivo, logo alguns proprietários
chegaram a colher de 6 a 9.000 arrobas de algodão em caroço em uma safra”. Na
esteira dessa situação, a referida vila obteve a rapidamente sua condição de cidade,
já em 1888.
As transformações tecnológicas também repercutem e chegam à Sergipe,
pois em 1869 já havia 127 descaroçadores de algodão na província, dos quais 69
eram movidos a vapor. A perspectiva de lucro foi tão intensa, como já frisamos, que
áreas tradicionalmente ocupadas pela criação de gado se converteram e até mesmo
produtores de açúcar, sobretudo aquelas mais distantes do centro dinâmico da
atividade, também aderiram ao algodão.
Entre 1869 e 1872 as exportações de cana- de-açúcar e algodão
praticamente se equipararam, demonstrando o quão importante foi a economia
algodoeira para Sergipe naquele período.
As condições conjunturais mudaram na década de 1870, com o aumento da
participação dos EUA no mercador mundial de algodão e o incremento de novas

28
A cultura algodoeira era vista como importante elemento para desenvolvimento econômico das
áreas mais castigadas por intempéries climáticas, como produto tinha bom valor de mercado naquele
momento e como cultura se adaptava bem ao Agreste e ao Sertão, sem necessariamente concorrer
com a cana-de-açúcar na zona úmida. “A opinião geral é de que o algodão nasce nas terras próximas
ao Litoral e que as frequentes mudanças atmosféricas lhe são prejudiciais. As estações do inverno e
do estio são mais regularmente marcadas a certas distâncias do mar, e nessas regiões as variações
sucessivas dependem menos da superabundância de chuva do que sua escassez”, Santos e
Andrade (1992, p.33).
119

áreas produtoras na África e Ásia. Essa nova conjuntura repercutiu negativamente


no plano local, tal como também ocorrera com a cana-de-açúcar anteriormente.
A condição estrutural, econômica e social da pequena província foi
fortemente modificada por ocasião e desenvolvimento do sistema de produção da
indústria algodoeira, justamente por que permitiu o florescimento e a constituição de
um parque manufatureiro mais ou menos forte e integrado às necessidades internas.
Segundo Passos Subrinho (1987), isso permitiu, na falta de mercados
externos, suprir as necessidades de um mercado consumidor nacional, ainda que
pequeno. A cultura algodoeira passou por um único e forte período de exportação e
em seguida por um momento de grande retração. O desenvolvimento da indústria de
processamento têxtil, bastante dinâmica no sudeste do País, impediu a decadência
completa da cultura algodoeira em Sergipe.
Apenas no final da primeira guerra mundial (1914 - 1917), cujo período
coincidiu com os problemas estruturais de fornecimento vivenciados na Europa e
aumento da demanda interna, houve uma nova valorização do algodão, estimulando
novamente uma expansão de plantio, bem como melhorias nas técnicas de
produção local, (PASSOS SUBRINHO, 2001)
Nessa altura os algodoais ajudaram a fortalecer o sistema territorial local no
Norte e no Sul do estado, com registros de plantações em: Muribeca, São Francisco,
Jaboatão, Cedro de São João, Canhoba, Capela, N. Sra das Dores, Boquim,
Riachão do Dantas, Tobias Barreto (antigo Campos), Arauá e Salgado, conforme
evidenciamos na figura a seguir, essa fase correspondeu ao desenvolvimento e
diversificação da base econômica em Sergipe que contribui para o surgimento de
novos municípios, consolidando o “sistema territorial”, com a o surgimento de
unidades administrativas em termos de municípios no Sertão no início do século XX.
120

Mapa 4 Evolução da formação territorial de Sergipe até 1920

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Adaptado de (SANTOS; ANDRADE, 1992).


121

Contudo, o declínio da produção algodoeira se mostrou uma tendência,


tornando-se acentuado a partir de 1940, culminando com a decadência e
desestruturação de uma das atividades mais promissoras para economia local
(VARGAS, 1999), pois estava situada em uma zona até então pouco dinâmica se
comparada à zona da prática açucareira.
As implicações desse processo de encolhimento foram ainda mais
desastrosas porque coincidiu com um período de crise do setor açucareiro,
contribuindo para forte êxodo rural no semiárido com destino ao Sul do país
(migrações regionais) e para a capital Aracaju (intra-regional).
Neste aspecto, Almeida (1984, p. 225) indica que o período entre 1872 e
1892, com pico em 1890, a província conhece a mais séria crise econômica vinda do
campo (algodão e açúcar) e elenca alguns fatores que explicam o desempenho da
capital:

 tratando se de uma cidade nova, seus índices de crescimento se relacionam


com o impulso inicial de um centro adaptado ao novo desempenho político,
econômico e social da Província;
 o processo de crescimento demográfico da Província revela-se harmonioso,
com a sua capital se identificando com os índices do próprio crescimento
total;
 a crise agrícola, com a venda de propriedades e deslocamento da população
rural para a capital;
 a formação de usina a partir do processo de acumulação de terras e a
expulsão da mão de obra agrícola;
 a valorização do ideal de vida na cidade, pelas melhores perspectivas de
empregos e função dos serviços urbanos organizados;
 a vinda de escravos para a capital em busca de alternativas de trabalho,
testemunhada na formação de “becos” periféricos.

Acrescenta-se a esses fatores, a ocorrência de graves e sucessivas secas em


Sergipe e em todo o Nordeste, que deflagrou na opinião Passos Subrinho (1992),
um dos maiores eventos migratórios já registrados, tanto intra-regional quanto inter-
regional . Em Sergipe essa migração foi direcionada em parte para jovem capital em
processo de crescimento urbano.
122

A população, das cidades e da capital, acompanhou a tendência de


crescimento populacional nacional entre 1872 e 1890. Vinte e cinco anos de sua
fundação, Aracaju se colocaria entre as quatro capitais brasileiras que conseguiram
maior crescimento populacional no período. Tal processo consolidou o exercício das
funções administrativas, sociais e econômicas da nova capital, com repercussão em
todo mundo provincial da época.
O desempenho de Aracaju, como receptor de fluxos migratórios e de
mercadorias, intensificou-se no século XX, como demonstraremos mais a frente. É
importante ressaltar que a então vila de pouco mais 5.286 habitantes e 1493 casas
em 1870, absorveu as expectativas dos sergipanos, tornando-se uma capital
dinâmica ainda no século XIX.

3.5 A diversificação territorial: o poder agrário, êxodo rural e o crescimento do


setor industrial

A formação de Sergipe do ponto de vista territorial até o século XX é bem


documentada, autores como Mott (1986); Santos e Andrade (1992), Freire (1977,
1995), demonstraram, com riqueza de detalhes, como a colonização e a ocupação
do espaço foram instrumentos, meio e fim para a criação de um sistema econômico,
baseado na criação de gado, na ocupação cuidadosa e protegida de áreas próprias
para o cultivo da cana-de-açúcar e, posteriormente, na plantação e processamento
do algodão no Agreste e no Sertão. Sob esse aspecto não se pode olvidar o papel
da pecuária na formação territorial de Sergipe, como atividade econômica presente
desde o século XVI.
A história territorial de Sergipe até aqui pode ser entendida como o resultado
da territorialização desses sistemas econômicos e consolidação de uma sociedade
local. Povoações, vilas e cidades foram surgindo e sendo reconhecidas em virtude
do sistema econômico que melhor aproveitara.
Se no final do século XIX, os autores indicam a existência de 26 vilas, 12
cidades e 33 paróquias, espalhadas em 33 municípios, no século XX os
desmembramentos que ocorreram em vários municípios parece ser o processo que
mais contribuiu para configuração do estado atualmente, principalmente por ocasião
da promulgação da lei orgânica dos municípios de Sergipe, Lei nº 525 A de 25 de
123

novembro de 1953, momento de maior fervor na configuração dos atuais municípios,


pois após essa data, foi criado apenas um município, Santana do São Francisco em
1993.
Tal circunstância indica a nosso ver o resultado de um processo de divisão do
poder que resultou na proliferação de municípios, obviamente sem contar as
mudanças estruturais no quadro político, econômico e espacial que o estado viveu
no novo século, com exceção de Aracaju que “[...] foi criada por estar aberta para o
mar, ela soube principalmente ser o ponto catalisador do seu mundo próximo,
terrestre”, (ALMEIDA, 1984, p.225).
A cidade abrigou, nos dizeres da autora, o homem rural bem sucedido, o
deslocado com as crises do campo, o produtor açucareiro para exportação, o
pequeno plantador de cereais para consumo da sua crescente população, os
empreendedores e os aventureiros.
De todas as mudanças que ocorreram entre o final do século XIX e o início do
século XX com repercussão no processo de organização do estado, o fim da
monarquia e o início da vida republicana (1889 – 1930) foram sobremaneira
importantes.
Contudo, apesar das transformações institucionais, já que as instituições
remanescentes do período monárquico não atendiam mais a nova conjuntura,
sinalizando a necessidade de mudanças, a exemplo da própria constituição em
vigor, os interesses e o controle do aparelho administrativo ainda obedeciam aos
desejos dos senhores do açúcar.
Mudanças como a transferência da capital de São Cristóvão para Aracaju
deixaram marcas profundas. Sergipe nessa fase torna-se um estado, agora com
mais autonomia para resolver seus problemas, (SANTOS E OLIVA, 1998).
Conforme descrevemos na seção anterior, as primeiras décadas do século
XX foram de crises nas atividades econômicas mais importantes para Sergipe.
Contudo, apesar das crises, expressas, sobretudo, na diminuição da participação do
algodão na pauta de exportações, a atividade criou condições para o
estabelecimento de unidades manufatureiras, para atender a demanda interna,
garantindo certa sustentação no período.
No setor do açúcar, o plantio fora separado da produção industrial, com o
aparecimento de usinas e “meias usinas”. A proliferação destas plantas industriais
fez com que o estado exibisse, em determinado período, a maior concentração de
124

unidades industriais de açúcar dentre todos os estados do País, mesmo que isso
não representasse melhorias consistentes na organização da atividade como um
todo.
A grande diferença entre os engenhos tradicionais se deu apenas pela
substituição dos maquinários usados na produção, pois tanto as usinas quanto a
lavoura pertenciam ao mesmo dono.
Esse início de século XX também foi marcado por sucessivas crises agrícolas,
que deflagraram um processo intenso de migração campo-cidade, cujo destino
principal foi a capital do estado, conforme apontado anteriormente. A população de
Sergipe ainda se mostrava predominantemente rural.
Contudo a busca por melhores condições de vida e a fuga do campo,
determinou uma marcha crescente aos centros urbanos, especialmente à Aracaju,
que após um tímido início desde a sua criação, passou por um processo de
modernização, recebendo também os grandes proprietários rurais.
Estes senhores importantes da sociedade da época transferiam suas
residências e parte de suas riquezas para a capital, além de acesso a educação
para os seus filhos, eles buscavam também um modo de vida urbano, que
significava cultura, lazer e modernidade.
Lembrando que do ponto de vista do emprego, Aracaju29 se consolidava como
uma cidade industrial com presença da indústria têxtil30 (Confiança e Sergipe
Industrial), e foi em torno das mesmas que surgiram os primeiros núcleos operários.
Assim como em todo o Brasil, o processo de crescimento urbano em Sergipe
manteve-se mais ou menos lento até 1950, intensificando-se fortemente na década
de 1970, superando pela primeira vez o número de habitantes da zona rural, sendo
a Aracaju a cidade mais dinâmica desse quadro:

29
A população das cidades e da capital acompanhou o crescimento populacional entre 1872 e 1890.
Vinte e cinco anos de sua fundação, Aracaju se colocaria entre as quatro capitais brasileiras que
conseguiram maior crescimento populacional. Ver Almeida (1984)
30
A medida que a cidade era procurada ela também mudava:[...] Aracaju começou a ser dotada água
encanada, luz elétrica, esgotos, ruas calçadas e construções luxuosas [...] As primeiras casas de
cinema, o bonde puxado por animais, a circulação de automóveis em suas ruas, o aparecimento dos
primeiro bairros [...] A continuação desse processo de modernização da capital permitiu, que nas
décadas de 1920 e 1930, o bonde puxado por burro fosse substituído pelo bonde elétrico e Aracaju
passasse a dispor de serviço telefônico, jardins, praças e outros benefícios. Santos e Oliva (1998,
p.82).
125

Como Aracaju foi a cidade que mais atraiu habitantes que migraram
de outras, inclusive de fora do Estado, sua população chegou aos
402.000 habitantes no ano de 1991, mais de um terço da população
de Sergipe que naquele ano era de 1.002.877 habitantes, para
488.999 habitante da zona rural. (SANTOS E OLIVA, 1998, p. 84).

Em 2014 a população da era estimada pelo IBGE em aproximadamente


610.000 habitantes, Outros municípios como Nossa Senhora do Socorro, São
Cristóvão, Estância, Lagarto, Itabaiana, Tobias Barreto, Simão Dias e Itabaianinha
também apresentaram incremento importante de população.
As autoras supracitadas indicam que o crescimento de Nossa Senhora do
Socorro e São Cristóvão (região metropolitana de Aracaju) não são resultados de
processos de estímulos internos e melhoria de infraestrutura urbana, mas sim, um
reflexo do crescimento de Aracaju.
Autores como França (1997) e Santos e Andrade (1992) relacionam alguns
fatores que explicam as transformações na dinâmica da população e sua distribuição
espacial:

a) mudança no tipo de povoamento rural;


b) crescente concentração fundiária;
c) mudança do uso do sol rural;
d) legislação visando atender ao homem do campo;
e) problemas de crédito agrícola;
f) falta de orientação e planejamento para atividades rurais;
g) importação de tecnologias sem atendimento às especificidades do meio
ambiente da região;
h) instalação de polos industriais;
i) mito da melhor qualidade de vida nas cidades; e
j) falta de ações políticas adequadas à região que visem realmente resolver os
problemas regionais e melhorar a qualidade de vida de seus habitantes.

Vemos que os fatores apontados pelos autores, em sua grande maioria dizem
respeito às questões conjunturais da vida tradicional no campo brasileiro, que pouco
tem se alterado ao longo do tempo. Algumas delas, como as mudanças de
legislação trabalhista, pensadas como solução para melhoria das relações de
trabalho, em favor da proteção e extensão de direitos ao próprio homem do campo,
mas que se revelou problemática e os resultados decorrentes de sua aplicação
126

foram objeto de crítica, em que pese ainda a persistências de relações de trabalho


bastante questionáveis, como relações de trabalho escravo e adoção do trabalho
infantil ainda hoje.
Desse quadro estrutural, a nova política industrial em curso a partir dos
governos militares entre 1964-1984, nos parece o último grande ato que merece
destaque para retratar o processo de consolidação populacional e formação
territorial do estado.
O setor industrial até as últimas décadas do século XX tinha pouca relevância
na economia sergipana, predominantemente agrária e agrícola até então. A partir de
197031 com a implantação de um modelo de desenvolvimento econômico baseado
na atividade industrial com apoio em capital nacional e estrangeiro e forte ação das
políticas de incentivos fiscais, ajudaram a diversificar a atividade industrial no
estado, conforme mostra o quadro 02.

Quadro 2 Tipos de indústrias em Sergipe no final do século XX


INDÚSTRIA ESPACIALIZAÇÃO
Têxtil e de vestuário Estância, Neopólis, Riachuelo e Aracaju
Alimentícia Ampla ocorrência destacam-se: Estância, Aracaju,
Itaporanga, Laranjeiras
Madeireira e mobiliária Aracaju e Itabaiana
Mineral – petróleo Carmopólis, Siriri, Rosário do Catete, Riachuelo, Japaratuba,
Estância e Aracaju
Mineral – Cimenteira, Nossa Senhora do Socorro e Laranjeiras, Rosário do Catete,
potássio
Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Adaptado de (SANTOS; ANDRADE, 1998); (SANTOS; OLIVA,
1998).

O setor industrial avança nesse período, o que significou o crescimento do


número de estabelecimentos, o aumento do número de pessoas ocupadas, mas,
sobretudo, a participação crescente do setor na composição do PIB do estado. A
espacialização das atividades industriais permitiu a formatação de uma estratégia
espacial de concentração e especialização das atividades, cujos exemplos mais
claros são, a formação dos Distritos Industriais, primeiro em Aracaju /DIA, no final da
década de 1970, depois em Propriá, Estância e Nossa Senhora do Socorro.

31
Considerar a importância desempenhada pela Superintendência para o Desenvolvimento do
Nordeste – SUDENE criada em 1959, cujo papel de agente financiador, com progressiva
transferência de capitais produtivos das regiões mais industrializadas para as periféricas, o que
Guimarães Neto (1989) chamou de fase de “Integração Produtiva”.
127

Em Sergipe destacou-se o setor de bens intermediários, as atividades de


extração de petróleo – capitaneadas pela instalação da Petrobrás (em 1973) e
recentes descobertas de petróleo – e, a indústria da construção civil, aproveitando o
calcário na região do Cotinguiba.
Sobre o desenvolvimento da indústria sergipana, Feitosa (2013) ressaltou a
criação da Petrobrás Mineração S/A (Petromisa) em 1977, subsidiária da Petrobrás,
posteriormente extinta.
A implantação desta unidade viabilizaria a primeira experiência de exploração
de potássio no hemisfério Sul, com estimativa de produção de 500 mil toneladas/ano
de cloreto de potássio, com mina e usina localizadas no munícipio de Rosário do
Catete e; a presença do Projeto Fertilizantes Nitrogenados do Nordeste
(NITROFERTIL). As atividades iniciaram-se na fábrica denominada Fábrica de
Fertilizantes Nitrogenados - FAFEN no município de Laranjeiras em 1983, com
investimentos que cerca U$ 230 milhões de dólares na época.
Nos últimos anos do século XX, a política de expansão industrial perdeu
fôlego em decorrência de crise na década de 1980 e de certa maneira sua
continuidade em 199032, que limitou fortemente a capacidade de investimento do
estado. Ainda assim, no estado de Sergipe essa política foi suficiente para alterar o
panorama econômico, com maior participação das atividades industriais.
No que concerne ao movimento industrial, a descoberta de importantes
reservas de “recursos” mineiras principalmente petróleo e potássio e a consequente
instalação de plantas industriais, localizadas no Litoral, para aproveitamento desses
“recursos”: (i) Petrobrás em Carmopólis; Nitrofertil em Laranjeiras e; Petromisa em
Rosário do Catete, significou em primeiro lugar, um “re-descobrimento” do Litoral
como território/região e uma tendência de reforço à centralidade exercida pela
capital Aracaju
Desta forma, consolidou-se quadro com a tendência urbano-industrial da
população, além de Aracaju, que de longe foi à cidade mais buscada pela população
engajada em atividades industriais, munícipios como: Estância, Itabaiana,
Itaporanga, Carmópolis e Lagarto também se destacam.

32
Sobre esse período consultar valiosa análise realizada por Feitosa (2013).
128

Mapa 5 Evolução da formação territorial de Sergipe até 1950

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Adaptado de (SANTOS; ANDRADE, 1992).


129

3.6 Uma interpretação geográfica da formação territorial de Sergipe e a


questão do Litoral

Apontamos nas páginas anteriores que na formação territorial de Sergipe


predominava certa dominação dos aspectos econômicos e de suas crises em
detrimento de uma visão geográfica dos fatos espaciais que explicassem a atual
organização territorial do estado. Pesquisadores que consultamos, dentre eles
historiadores, economistas e geógrafos procuram elaborar esse quadro da formação
do espaço sergipano tendo como base a sucessão33 das atividades econômicas, por
isso encontramos divisões como: ciclo da cana-de-açúcar; expansão do gado;
economia algodoeira; fase da industrialização.
Obviamente não é o caso de refutar totalmente os estudos de cunho
historiográfico da economia, mas, intentamos direcionar o foco para o processo
geográfico que resultou na incorporação e conversão dessa parcela de espaço, até
então “esquecida” em unidade geográfica com caráter político-administrativo e uma
formação social peculiar, pois sem essa luz, corre-se o risco de uma análise
econômica deslocada de seu espaço de inscrição.
Tal análise seria por si mesma incompleta e preocupante, pois bem como
destacou Moraes (2000), a conquista de um território é um elemento estruturante de
um sentido de ações em dada formação socioespacial. Os sentidos e significados
demonstram um jogo claro de apropriação e domínio dos espaços. Pode-se dizer
que não haveria Sergipe se não houvesse também um espaço de referência, que
tornou possível inscrever uma sociedade. A formação da unidade política, territorial
e social da capitania de Sergipe obedeceu a uma clara intencionalidade geopolítica
do período colonial executada sobre auspícios de uma hegemônica territorialidade
portuguesa.
Com base nos fatos históricos levantados ao longo deste capítulo
apresentaremos um ensaio geográfico de como o espaço sergipano foi apropriado e
nele montado o sistema territorial como conhecemos. Cumpre salientar algumas
premissas.

33
Essas sucessões de ciclos não significa a ideia de ruptura, devemos lembrar que o
desenvolvimento de uma atividade econômica não necessariamente se faz por anulação de outra, ao
contrário em vários casos as atividades econômicas de que falamos se desenvolveram
concomitantemente a manutenção de outras atividades.
130

O território sergipano foi de fato conquistado, já que não é novidade que


tribos indígenas, com aldeamentos mais ou menos complexos, já ocupavam este
espaço, alguns mantinham relações de comércio até certo ponto estáveis com
europeus, especialmente franceses.
A tomada do território indígena se deu por dois processos básicos: guerra e
destruição e; por contatos e acordos. Nesse período de conquista, o maior inimigo
não foi indígena bravo, arredio, mas os franceses que restaram da ocupação no
Litoral do Brasil. Esses em muitos casos tinham conquistado a simpatia e apoio de
parte das tribos indígenas presentes em Sergipe.
Essa fase de conquista teve seu momento derradeiro com a vitória de
Cristóvão de Barros e foi um empreendimento não lusitano em grande medida, pois
se desdobrou no período da União Ibérica, adotando estratégia espanhola de
conquista, ordenada pelo Rei Felipe II.
A conquista de Sergipe fora também um empreendimento profundamente
geopolítico, pois de um lado visava proteger Salvador de um ataque estrangeiro, fato
que quase ocorreu e, de outro assegurar uma ligação estável por terra entre a Bahia
e Pernambuco, principais centros econômicos da época.
Não se pode falar de um domínio lusitano nesse Estado, pois, territorialmente
apenas a cidade de São Cristóvão é um resultado direto desse período. Concluída a
tomada relativa desse território, era necessário dotá-lo de ocupação e de
organização administrativa. A sesmaria se constituiu um elemento da territorialização
portuguesa.
Lembremos aqui que Sergipe Del Rey orbitava em torno da Capitania da
Bahia, “proto-região” de influência nesse período e, a qual irradiaria os braços e a
orientação para exploração e incorporação deste pequeno espaço.
Se a Bahia foi o centro difusor para o processo de reconhecimento do espaço
sergipano, a territorialização foi exercida por meio da doação de terras, pelo instituto
da sesmaria, observemos então que a formação territorial a que nos referimos é um
elemento da criação da colônia e posteriormente, elementos da formação de um
Estado-Nacional brasileiro.
Em Sergipe, a pecuária foi um propulsor da territorialização naquele momento
histórico. A incursão do gado não só criou uma atividade econômica, como resultou
no rápido reconhecimento de quase todo território desta capitania.
131

É bem verdade que dessa fase da pecuária não se tenha estabelecido um


sistema territorial de fato, esse aspecto territorial é um resultado que vai aparecer
mais fortemente apenas no século XVIII, inclusive porque a população que
acompanhava o gado era bastante pequena, resultando apenas presença rarefeita
de povoamento.
Contudo, a expansão do gado em Sergipe implicou no reconhecimento e no
alargamento das fronteiras, bem como na fixação de pontos que mais tarde seriam
interligados e articulados em uma rede territorial capaz de organizar, comandar e
hierarquizar o espaço.
Posteriormente e concomitantemente a esse processo de reconhecimento do
espaço, por meio da criação extensiva de gado, a capitania experimentou uma fase
mais intensa de instalação aguda de um sistema administrativo e depois político
territorial, que consiste na doação efetiva de sesmarias, ocupando as terras férteis
dos vales dos rios: Poxim, Vaza-Barris, Sergipe, principalmente depois da
restauração portuguesa e da expulsão holandesa.
As unidades para produção e processamento da cana-de-açúcar, cumpriram
a função de ocupar densamente essas porções do estado. Inicialmente, as unidades
de produção de açúcar também desempenharam o papel de formação de núcleos
de povoação em seu entorno. Não foram poucas as povoações que surgiram tendo
o engenho como unidade territorial de referência, sem esquecer que esse processo
obedeceu a uma lógica de difusão comandada pela inicialmente Bahia e que
passava obrigatoriamente pela capital São Cristóvão.
Se por um lado a consolidação de um sistema econômico impôs um
movimento constante de interdição da área mais úmida à pecuária, exigindo que
essa atividade procurasse ocupar áreas cada vez mais distantes, sendo empurrada
para os sertões mais áridos. De outro modo, essa fase significou um momento
geográfico de consolidação e integração territorial, tanto do ponto de vista da
atração e fixação da população local, quanto da necessidade de exercitar um
processo de relações econômicas intraregional e inter-regional. Assim, a zona
pecuarista fornecia insumos (gado em pé, carne e couro) à área de produção de
açúcar, mais dinâmica e enriquecida.
Essa solidariedade e complementariedade econômica e produtiva
concorreram para o fortalecimento de núcleos pioneiros que foram surgindo na
capitania, inicialmente como paragens para o gado e a tropa e depois como pontos
132

de rotas comerciais, protótipos urbanos que favoreciam um processo mais recente


de divisão do território, com a instalação de vários municípios que hoje compõem o
estado, como é o caso de Itabaiana, Salgado, Lagarto, Simão Dias, Carira dentre
outros.
A consolidação do sistema territorial também corresponde a um momento de
intenso crescimento demográfico do estado. Os núcleos populacionais foram
dinamizados e, paulatinamente, passaram a exercer funções urbanas, como
comércio, política, administração, lazer e cultura. É exemplo deste momento o
surgimento de Estância, Laranjeiras, Itabaiana, Santo Amaro das Brotas e outras.
Pertenceu a essa fase de consolidação e integração territorial, um surto
econômico representado pelo desenvolvimento da atividade algodoeira, pois ela se
inseriu numa área até então ocupada pela pecuária e, em parte pela agricultura de
pequena escala, estabelecendo as condições socioeconômicas necessárias para a
dinamização de núcleos urbanos, povoações e cidades.
Datam desta época o desenvolvimento e a consolidação de núcleos como:
Muribeca, São Francisco, Jaboatã, Cedro de São João, Canhoba, Capela, Nossa.
Senhora das Dores, Boquim, Riachão do Dantas, Tobias Barreto (antigo Campos),
Arauá e Salgado. Esse processo de surgimento e reconhecimento de novos
municípios reforçou o processo de diversificação territorial de Sergipe,
principalmente tratando de prover alguma estrutura político-administrativa,
fortalecendo as malhas e nós dos pontos territoriais em áreas menos habitadas
como no Sertão.
Além do efeito local da atividade algodoeira, ela também se mostrou eficiente
em promover a integração e complementariedade econômica e de fluxos de
transporte entre a área produtora (agrícola predominantemente) e a área
processadora, localizada principalmente em Aracaju.
Por fim, apontamos uma fase geográfica de diversificação territorial.
Especialmente marcada pelo aumento da presença da indústria e do setor de
serviços na base econômica; pelo forte processo de concentração da população nas
áreas urbanas, notadamente em Aracaju e no seu entorno; por um processo amplo
de surgimento por desmembramento de novos municípios a maioria com fortes laços
nos setores, agrícola e pecuarista, conforme mostraremos na figura a seguir que
exibe a divisão administrativa atual do Estado com destaque para o surgimento de
133

municípios no Sertão, como Canindé do São Francisco, Monte Alegre e Poço


Redondo.

Mapa 6 Formação territorial de Sergipe em 2010

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Out. 2014.


134

Notemos no mapa 06 que a “regularização” da situação administrativa com o


reconhecimento do status de município ocorre com maior intensidade no século XX,
mas o surgimento de vilas e povoações se deu de fato no século de XIX.
Em síntese a dinâmica de territorialização atuante na formação de Sergipe
resultou num amplo processo de reconhecimento do espaço, que em certo modo
excedeu a delimitação colonial previamente estabelecida. O desenrolar da formação
territorial sergipana alcançou terras baianas em Jeremoabo e na divisa a sudoeste
do rio Real, estabelecendo “conflitos” relacionados a essas terras limítrofes com o
atual estado Bahia, capítulo controverso ainda hoje.
Podemos afirmar que o processo de territorialização se deu por meio da
adoção de estratégias coloniais e depois movido pelo poder do Estado-nacional,
fruto das condições históricas em que atuaram. Além de um território proveniente do
exercício político-administrativo, desenvolveu-se também uma sociedade sergipana,
cujos elementos identitários são, ao mesmo tempo, resultado e produto das
condições dessa territorialização. Mesmo que o discurso político dominante tenha
conduzido uma perspectiva de identidade mais alinhada ao nível da região Nordeste,
ligada a uma narrativa do sujeito nordestino se sobre pondo a ideia da existência de
uma sergipanidade autêntica e autóctone, conforme apontado com precisão por
Vargas e Costa Neves (2011).
Esse processo de territorialização descrito evidencia a atuação articulada em
termos de um plano territorial, cujos atores sintagmáticos podem ser exemplificados
pelas instituições coloniais – ouvidor, presidente de colônia; o fazendeiro e o
vaqueiro na expansão do gado; pelo senhor de engenho e pela instituição engenho;
pelos fazendeiros do algodão e pelas manufaturas que a eles se articulavam; pela
igreja e sua lógica territorial.
Os personagens agiram como tentáculos de um poder colonial, depois
imperial e finalmente estatal em busca de legitimação. Obviamente, o poder
legitimador não pode ser pensado como um sistema de ações absolutamente
coerente, em especial em termos históricos, quando ele de fato tenta ser
hegemônico, usando muitas vezes de instrumentos de dominação ocorre registros
de conflitos que perturbam o sistema territorial, a exemplo da existência de levantes,
insubordinações e movimentos de insurgência por outros personagens
marginalizados da atuação territorial hegemônica.
135

Contudo, a hegemonia não significa homogeneidade. Esse sistema


territorial34, “oficial”, que funcionou antes de tudo, como um sistema de pontos
dispersos no território, dentre os quais poderiam ou não haver algum nível de
conexão, conseguiu inscrever e delimitar um espaço de atuação administrativa,
econômica, militar e política, mas não funcionou em termos de uma homogeneidade
absoluta. Podemos observar que o sistema territorial não obteve êxito em termos de
cobertura total, praticamente todo o espaço foi visitado e rapidamente reconhecido,
mas não necessariamente integrado ao sistema territorial.
Em relação à capacidade de preenchimento e organização do espaço no
sistema territorial, várias porções dele se mantiveram como “vazios” ou não foram
comandados ou alcançados, ao menos em nível estratégico, por esse sistema
territorial “oficial”. Moraes (2000) chamou de áreas “intersticiais” dentro do sistema
territorial, esses espaços em que o poder e a territorialidade oficial pouco ou quase
não penetrou e ocupou.
Em síntese, podemos apontar que a ocupação territorial de Sergipe foi um
empreendimento “geopolítico”, uma estratégia territorial colonial com
desdobramentos tanto na fase do império, quanto na vida republicana e atual.
Contraditoriamente, a ocupação territorial iniciada pelo Litoral de Sergipe
alcançou uma difusão ampla pelo estado, mas o próprio Litoral e sua faixa costeira,
constituído pelas faixas de praias e unidades de paisagem tipicamente litorâneas
como dunas, estuários, lagoas e manguezais, de certa maneira escaparam a esse
processo.
Boa parte do espaço litorâneo ficou à margem de um processo de
incorporação mais hegemônico e comandado por interesses de Estado. Poucas
atividades econômicas foram estimuladas e estabelecidas nesses espaços. De certa
maneira, nunca houve uma política econômica específica para o Litoral.
Do ponto vista sociocultural e de constituição da população, o espaço Litoral
foi tradicionalmente ocupado por populações marginais aos processos econômicos
predominantes, como por exemplo: descendentes de escravos que encontravam

34
Alguns autores consultados, como Santos e Andrade (1992) e Moraes (2000) usam o termo alemão
hinterland ou hinterlândia, para designar esse sistema territorial de contato ou fluxo de produtos e
pessoas, ver Milton Santos (2008b) em seu Manual de geografia urbana. Contudo, não creio que o
uso do termo seja absolutamente preciso, porque as cidades só predominaram como executoras de
funções urbanas apenas recentemente e como preenchimento mais denso na “zona canavieira”, no
restante do espaço sergipano, tanto a densidade populacional quanto a ocorrência de cidades foi
bastante rarefeito.
136

nesses espaços evitados, locais de refúgio que garantiam a segurança e os meios


de vida que necessitavam.
Em termos históricos devemos lembrar que a população autóctone presente
no espaço do atual Sergipe, não se constituiu naquele momento uma formação
geográfica em que se pudesse verificar a presença de unidade identitária e política
correspondente ao que hoje podemos chamar de uma “nação”, ao contrário se
apresentavam geralmente divididos em pequenos grupos que se combatiam com
frequência, bem diferente dos impérios e complexas sociedades andinas,
exemplificado por Moraes (2000) e Fausto (1992).
Essas populações constituíam mais um conjunto de territórios dispersos do
que uma unidade territorial orgânica. Isso não quer dizer que esses grupos não
executassem estratégias de apropriação e desenvolvessem territorialidades
próprias. É de amplo conhecimento, por exemplo, que muitas etnias adotavam
sistema de aldeamento e ou até mesmo territórios móveis e, constantemente se
envolviam em disputa com outras tribos, fato, aliás, que foi usado pelos portugueses
na conquista do território de várias delas.
Se a territorialidade indígena, reclamada contemporaneamente por Little
(2002), antecede e de certa forma sobreviveu como vimos à empresa colonizadora
no Brasil, a formação dos mocambos ou quilombos, especialmente em territórios de
Sergipe e Alagoas é um produto genuíno desse processo de formação territorial
colonial, com avanços, pausas e contra movimentos. Segundo Moraes (2000) a fuga
de escravos dos engenhos e outras fazendas e, a constituição e organização de
unidades territoriais mais ou menos isoladas e de difícil acesso, teria se constituído
prática que atravessou todo período de escravidão no Brasil e até mesmo após a
ele. Mas, a ocorrência mais intensa, ao menos no Nordeste, teria se dado por volta
do período de expulsão dos holandeses na costa do Brasil, assim:

[..;] pode-se dizer que os quilombos tenderam a se localizar em áreas


marginais da colonização europeia, nos interstícios dos espaços
ocupados pelos colonizadores “brancos”, nas zonas de fronteira do
povoamento por eles consolidado. (MORAES, 2000, p. 377).

O mais famoso destes quilombos, “cimarron” ou territórios rebeldes, foi sem


dúvida o de Palmares, que atravessou quase todo o século XVII e se constitui uma
organização social e territorial específica e muito estruturada, desenvolvendo um
137

sistema econômico que permitia mesmo vender excedentes agrícolas tanto para
portugueses quanto para os holandeses (na fase de ocupação), (MORAES, op. Cit).
Tratava-se, sobretudo, do exercício de organização e controle de um amplo
território comandado por uma rede de núcleos populacionais, polarizados pela
aglomeração urbana de Macaco, que funcionava nos dizeres do autor como uma
verdadeira da capital palmaria. Após a expulsão holandesa a destruição desse
“inimigo” interno tornou-se uma prioridade geopolítica, aliás, destino semelhante
tiveram as tribos indígenas, também consideradas “rebeldes”, mais uma estratégia
territorial muito clara.
Não nos convém seguir narrando os desdobramentos das formações
quilombolas no período colonial e pós-colonial. Os quilombos se difundiram em
praticamente todos os pontos nos quais ocorreu a escravidão: Minas Gerais, São
Paulo, Bahia, Pernambuco, Maranhão e Sergipe também. Por hora, para nossa
argumentação convém ressaltar o aspecto de uma extra-territorialidade em relação
ao sistema colonial, depois imperial e finalmente estatal que se instalou.
Sob nosso ponto de vista, essas não foram às únicas expressões de
extraterritorialidades, as comunidades tradicionais que habitavam outras porções do
espaço, fracamente articuladas ao sistema territorial predominante, como
vazanteiros, comunidades de fundo de pastos, geralistas, veredeiros entre outras,
exemplificam também do ponto de vista territorial, experiências de territorialidades
localizadas em espaços intersticiais do exercício hegemônico de um sistema
territorial oficial, conforme interpretações contidas nos trabalhos, por exemplo, de
Brandão (2012); Little (2002); Almeida (2005); Costa (2005); Souza (2013); Diegues
e Arruda (2001).
Em resumo os autores citados apontam alguns elementos que ajudam
explicar elementos das territorialidades em comunidades, que sejam: (i) forte relação
de simbiose ou troca com a natureza – ambiente que lhe envolve e com os ciclos
naturais com os quais se constrói o modo de vida; (ii) o desenvolvimento de
conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos, como resultado. Isso
reflete na elaboração de percepção, regras e normas de conduta no uso e no
manejo deles.
Esses conhecimentos são acessíveis e transmitidos predominantemente com
base na oralidade como costume e de geração para geração; (iii) forte
reconhecimento do território onde o grupo social se reproduz econômica e
138

socialmente; (iv) moradia e ocupação de um território por várias gerações; (v) pela
importância dos símbolos, mitos e rituais associados à caça, à pesca e atividades
extrativistas e; (vi) pelo fraco poder político em relação ao poder proveniente de
centros urbanos, em especial, o poder econômico, considerado por muitos como o
“poder” de fato.
Em nossa abordagem consideramos que o Litoral sergipano, que abrange
desde a faixa de praia até as áreas alagadas – maré e mangues – foi apropriado por
comunidades que desenvolveram sistemas socioespaciais peculiares, ajustando
práticas culturais e de trabalho ao ambiente de entorno.
Em geral, essas comunidades se instalaram numa faixa de território marginal,
locais de difícil acesso e inacessíveis ao sistema econômico hegemônico,
representado pela cultura da cana-de-açúcar, vetor principal da territorialização
colonial e pós-colonial.
A interdição de que falamos foi expressa pela proibição de desenvolvimento
de atividades econômicas numa faixa conhecida como terra de marinha, combinada
com pouca capacidade de gestão, uso e controle da própria marinha. Tal situação
resultou em verdadeiros territórios do “vazio” ou se quisermos mais precisão: áreas
de interstícios.
Devemos lembrar que a ocupação desta faixa de Litoral antecede a existência
de um território nacional ou mesmo à constituição de Sergipe, com suas cidades.
Essas modalidades de território, como forma geográfica, são diferentes daquelas
adotadas pela estratégia do poder colonial, constituídas inicialmente por como os
aldeamentos indígenas e sucedidas no tempo por povoações de ex-escravos em
busca de abrigos.
Vários povoados de Sergipe, de Norte a Sul do Litoral, atualmente pleiteiam
ou já obtiveram reconhecimento de suas posses territoriais como unidades
quilombolas. Segundo levantamento obtido em consulta à Fundação Cultural
Palmares, nos munícipios litorâneos confrontantes com o mar, concentram 12 dos
27 territórios quilombolas certificados no estado de Sergipe, conforme quadro 03:
139

Quadro 3 Comunidades quilombolas certificadas em Sergipe até 2014

MUNICÍPIO COMUNIDADE CERTIFICADA


Aracaju Maloca
Aquidabã Mucambo
Amparo do São Francisco Lagoa dos campinhos
Barra dos Coqueiros Pontal da Barra
Brejo Grande Brejão dos Negros
Canhoba Caraíbas
Canindé do São Francisco Rua dos Negros
Capela Fazenda Pirangi
Capela Terra Dura e Coqueiral
Capela Canta Galo
Cumbe Povoado Forte
Estância Curuanha
Estância Porto D´Areia
Frei Paulo Catuabo
Indiaroba Desterro
Ilha das Flores Bongue
Japaratuba Patioba
Japoatã Ladeiras
Laranjeiras Mussuca
Pirambu Alagamar
Pirambu Aninguas
Poço Redondo Serra da Guia
Poço Verde Lagoa do Junco
Porto da Folha Mocambo
Propriá Santo Antônio Canafistula
Riachuelo Quebra Chifre
Santa Luzia do Itanhy Rua da Palha
Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Adaptado da Fundação Cultural Palmares, 2014.
 Sublinhado os municípios litorâneos confrontantes com o mar.

Ainda hoje, na maior parcela das comunidades/povoados do Litoral sergipano


predomina população negra, mesmo passado mais de um século da “abolição” do
regime de escravidão em nosso país.
Isso nos leva crer que as populações negras, tanto fugidas de áreas de
escravidão, tanto as que foram afastadas do mercado de trabalho pós-escravidão se
apropriaram dessa faixa de terras e ajustaram um sistema cultural de trabalho à
oferta ecológica que o ambiente lhes proporcionava.
Falamos de ajustes para designar o desenvolvimento de um processo cultural
de trabalho que procurou extrair “mínimos vitais” dos ambientes: marítimo, ao menos
até onde a técnica disponível permitia acesso; estuários dos rios; alagados; lagoas e
140

mangues, em consonância aos termos formulado por Gimenez (1999), ao designar


complexo-ecológico-territorial.
Ligados à variedade paisagística do Litoral sergipano, surgiram uma gama de
produtos inseridos na dieta ao longo do Litoral, como o hábito de comer caranguejo,
por exemplo, e, um sistema também vasto e amplo de territorialidades e de
elementos identitários dispersos ao longo desses ambientes. Essa territorialidade
imbricada entre os lugares e ambientes do Litoral se mostra visível também no
sistema de nomeação das comunidades litorâneas. Vejamos o exemplo no quadro
04 em que apresentamos a origem da toponímia das comunidades do Litoral entre:
Natureza (NAT); Indigena (INDIG); Portuguesa (PORT) e; Africana (AFRIC):

Quadro 4 Toponímia das comunidades do Litoral de Sergipe

MUNICIPIOS COMUNIDADE NAT. INDÍG. PORT. AFRIC.


Areia Branca
Bode
Santa Luzia do Cajazeiras
Intanhy Crasto
Rua da Palha
Taboa
Pontal
Preguiça
Indiaroba Preguiça de Cima
Saguim
Santa Terezinha
Terra Caída
Abaís
Farnaval
Litoral
Massadiço
Estância Ourucuri
Porto Cavalo
Porto do Mato
Porto Nangolá
Saco
Caueira
Gravatá
Itaporanga D´Ajuda Ilha Mem de Sá
Nova Descoberta
Varzéa Grande
Apicum
Arame 1
Arame 2
São Cristóvão Candial
Ilha Grande
141

Pedreiras
Tinharé
Aracaju Mosqueiro
Matapuã
Atalaia Nova
Canal
Jatobá
Barra dos Coqueiros Olhos D´água
Praia da Costa
Praia do Jatobá
Touro
Aguilhadas
Pirambu Alagamar
Aningas
Catinguinhas
Aracaré
Boca da Barra
Estiva do Raposo
Estiva Funda
Fazenda Nova
Pacatuba Guaratuba
Oitizeiro
Ponta dos Mangues
Tigre/Junça
Brejão dos Negros
Brejo Grande Carapitanga
Resina
Saramém
Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos.
Fonte: Pesquisa de campo/2014.

Como podemos observar no quadro acima grande parte das nomeações


atribuídas às comunidades são de origem popular, ou seja, foram atribuídos pela
população local, observando a relações com algum elemento da natureza que
tornaria típica aquele lugar, como é o caso de Ponta de Mangues ou ainda algum
processo natural local, como é o caso de Alagamar, que se refere às inundações
sazonais da comunidade. Notamos também a forte influência indígena nesse
processo de nomeação das comunidades.
Esse sistema de nomeação demostra o processo de ajustamento
sociocultural entre o vivente e o a natureza do Litoral, entre o sujeito que dá o nome
ao lugar e o lugar que identifica o sujeito. Voltaremos nesse ponto mais adiante.
Registramos poucas referências a atribuições de outras origens como da cultura
africana.
142

Dessa maneira, ressaltamos o nosso entendimento até aqui ensaiado, de que


a presença dessas comunidades no Litoral de Sergipe é o resultado de um
processo, em que a possibilidade de acesso da população a uma zona interditada
ao sistema econômico predominante ajudou a constituir um quadro histórico da
territorialização tradicional no Litoral sergipano.
Dessa forma, os ambientes litorâneos, ocupados por comunidades
tradicionais, por se situarem inicialmente fora da lógica territorial da expansão
colonial e terem sido apropriados segundo as condições históricas de
territorialização das comunidades, permitiu que uma população “marginal” e
“excluída” obtivesse êxito em se fixar numa faixa de terras considerada de nobre
valor e alta valorização imobiliária.
Atualmente a localização litorânea, como um fator de valorização é de
máximo interesse, tanto para o sistema econômico, por exemplo, sobre as
valorizadíssimas faixas de praias e suas áreas lindeiras para construção de
condomínios exclusivos, resorts, equipamentos de turismo, quanto, para a formação
de áreas protegidas de interesse ambiental: REBIO Santa Izabel – Litoral norte do
Estado; APA Litoral Sul e; Parque Estadual das Dunas – Litoral Norte,
contraditoriamente outra forma de interdição espacial.
143

LITORAL, LITORAIS:
EM BUSCA DE UM RECORTE
144

4 LITORAL, LITORAIS: EM BUSCA DE UM RECORTE

Viver à beira mar, morar no Litoral, ter uma residência na praia, passar férias
no Litoral, caminhar na orla, morar numa cidade costeira. São situações que
denotam alguma experiência com o lugar Litoral. São muitas designação
“costumeiras” para se referir aos espaços específicos do que se convencionou
chamar de Litoral no singular.
Quando refletimos o que cada experiência citada acima quer fazer
representar, percebemos uma polissemia de formas de valoração do espaço, que
resultam numa valorização do lugar comum do Litoral. Por Litoral pode se entender
comumente os espaços próximos ao mar e a praia, como um conjunto paisagístico
incluindo faixa de areia e ambientes alagados.
A forma com que a sociedade percebe e usa o Litoral se alterou muito nas
últimas décadas. Dos espaços considerados impróprios, sujos e sem valor social à
contexto histórico em que a praia, a beira a mar, a orla, o Litoral no plural são
lugares de prazer e de deleite, que por suas qualidades “naturais”, motiva usos de
recreação e contemplação e o valor atribuído a esses espaços é cada vez mais alto.
Ocorre que o Litoral envolve muitos outros ambientes. Estar numa praça, em
um bairro periférico ou em uma fazenda que produz cana-de-açúcar, também pode
significar estar em um lugar no Litoral.
Então como pensar o Litoral como uma categoria analítica capaz de fornecer
coerência interna no campo da Geografia para entender processos de relação
sociedade e natureza situada num tempo-espaço histórico?
A resposta para essa questão é complexa. Muitos esforços, inclusive
internacionais, foram realizados para se tentar estabelecer uma delimitação mais
precisa para Litoral. Vamos adentrar nessa questão para demonstrar que ela permite
muitas respostas se considerarmos a pluralidades de situações possíveis de se
desenrolar nesse espaço.
Em primeiro lugar, cabe contextualizar o uso amplo de dois termos: Litoral e
zona costeira, que são adotados hoje em dia quase como sinônimos. O primeiro
decorre de um uso amplo e popular. Como adjetivo para se referir a lugares, é
adotado para apontar espaços muito próximos ao mar, como a praia ou a beira-mar
145

e, não muito raro é adotado como expressão oposta àquilo que é do interior. Neste
termo, ser do Litoral se contrapõe ao ser do interior.
Como conceito, tem uso farto no meio jurídico internacional. Por exemplo,
Litoral designa uma faixa de terras junto à costa marítima que englobaria cerca de
50 km para o interior, segundo nuances especifica de cada legislação nacional.
Por zona costeira, compreende-se um recorte para designar o conjunto de
todos os espaços e ambientes existentes na interação entre “meios terrestres,
marinhos e atmosféricos”35.
O conceito de zona deriva em grande parte do uso feito pela biologia
marinha, com intuito acadêmico de designar o conjunto de ecossistemas localizados
em um espaço cuja dinâmica está ligada ao comportamento do mar e das variações
das marés. Nele encontram-se praias, costões rochosos, mangues, estuários e
dunas como paisagens que a caracterizam.
Ambos conceitos se referem ao menos como arcabouço teórico, a um quadro
natural, que ao possuir uma compartimentação mais ou menos delimitada, serviria
então como uma base de divisão com limites fisionomicamente bem definidos. Tal
conceituação seria precisamente adotada, se o Litoral compreendesse apenas a
porção do sudeste brasileiro. Visto que, no trecho em que a serra do Mar se constitui
uma barreira física, os ambientes litorâneos são claramente delimitados. Contudo, a
diversidade espacial no Brasil é grande, não existindo apenas uma face de Litoral,
mas vários Litorais.
Em Sergipe, por exemplo, onde a influência marinha estende se por vários
quilômetros continente adentro, essa conceituação restaria confusa. Nesse sentido,
a própria noção de zona costeira não se apresenta como um recorte natural
favorável. Já que ambientes costeiros estariam envoltos e interagindo
biologicamente com ambientes não costeiros, sem influência da dinâmica oceânica e
sem limites claramente estabelecíveis.
A situação se complica quando entra em cena o recorte do município como
unidade de exercício político e de planejamento. Pois a conformação territorial dos
municípios brasileiros é desconforme no que diz respeito ao arranjo espacial.
Existem estados em que os municípios apresentam baixa extensão territorial e

35
Sobre esse tema consultar Moares (1999).
146

outros, como Norte do país em que um município confrontante com oceano pode
alcançar mais 300 km de extensão, como ocorre em municípios do Amapá.
Segundo Morares (1999) já em 1991 o IBGE observando o recorte da “linha
de costa”, portanto, sem considerar os ambientes que são influenciados pela
dinâmica de maré continente adentro, identificou 258 munícipios litorâneos, destes
07 em Sergipe.
Todavia o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC II36, lista a
existência de 317 munícipios costeiros, sendo 18 em Sergipe37. O PNGC adota
como conceito que a zona costeira é aquela que abriga um mosaico de
ecossistemas de alta relevância ambiental, cuja diversidade é marcada pela
transição de ambientes terrestres e marinhos, com interações que lhe conferem um
caráter de fragilidade. Para o PNGC II (1997) zona costeira é o espaço geográfico
de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos ambientais,
abrangendo as seguintes faixas:

 Faixa marítima – faixa que se estende por 12 milhas marítimas,


compreendendo a totalidade do Mar Territorial;
 Faixa terrestre – é a faixa de continente formada pelos municípios que
sofrem influência dos fenômenos ocorrentes na Zona Costeira. Sendo
os municípios defrontantes com mar; os não defrontantes que se
localizam nas regiões metropolitanas; municípios contíguos às grandes
cidades e às capitais estaduais litorâneas que apresentam processo de
conurbação; municípios próximos ao Litoral, até 50 km da linha da
costa, que aloquem infraestruturas de grande impacto ambiental;
munícipios estuarinos-lagunares, mesmo que não defrontantes com o
mar, dada a relevância do ecossistema.

As diferenças entre o IBGE (1991), atualizado em 2010 e o PGNC II (1997)


residem no arcabouço conceitual aplicado, enquanto o primeiro se baseia na linha
de costa e não considera as reentrâncias da influência do mar no continente, o

36
O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC, derivou da atuação da Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar – CIRM. O Plano se desdobrou em duas etapa, o PNGC I e
o II de 1997, que se constituiu uma revisão da primeira fase.
37
Segundo PNGC II (1997), 18 munícipios de Sergipe são classificados como litorâneos: Brejo
Grande, Pacatuba, Indiaroba, Pirambu, Santa Luzia do Itanhy, Barra dos Coqueiros, Laranjeiras,
Santo Amaro das Brotas, Riachuelo, Aracaju, Maruim, Nossa Senhora do Socorro, Rosário do Catete,
São Cristóvão, Itaporanga D ´Ajuda, Estância, Ilha das Flores e Neópolis.
147

segundo aplica um conceito mais amplo, levando em consideração tanto aspectos


do recorte político do município quanto a influência dos fenômenos decorrentes das
oscilações marítimas.
Ambos conceitos apresentam complicadores para operar a categoria Litoral.
O Recorte do IBGE se aplicado rigidamente não considera ambientes marinhos
situados no interior do continente, como, por exemplo, os complexos manguezais-
estuarinos que adentram por muitos quilômetros pelo continente, ultrapassando
divisas de municípios. No caso PNGC II pode ocorrer o inverso, ao considerar
municípios litorâneos adotando fatores de localização, acabar por estender a
categoria Litoral por áreas em que cujos vários ambientes não apresentam interação
com Mar.
Vemos então que o Litoral para o PNGC II é um espaço que reflete usos
variados. Nele é possível encontrar formas de uso e ocupação variadas, expressões
de diferentes formas de relação sociedade e natureza ao longo do tempo histórico.
Em Sergipe, como vamos demonstrar mais detalhadamente adiante, o Litoral exibe
feições diversificadas de ocupação e apropriação do território.
No espaço Litoral do estado observamos a presença de cidades modernas e
urbanizadas como a capital Aracaju; plantas industriais como FAFEN e Petrobras;
pequenas cidades; comunidades quilombolas dispersas e diversas comunidades de
pescadores.
Esse universo demonstra a diversidade e a convivência de padrões de
ocupação e de estruturas produtivas. A mudança nos vetores de ocupação do Litoral
com o crescimento nas últimas décadas da urbanização na região metropolitana de
Aracaju e da indústria do turismo, aí incluída o estabelecimento de moradias de
segundas residências em várias comunidades no Litoral de Sergipe. Algumas delas
viram a vida comunitária tradicional lastreada na atividade da pesca ser
completamente alteradas como é o caso da praia do Saco, da Caueira e do Abais.
Preferimos adotar o recorte do PGNC II, por ser mais amplo e por refletir
melhor a espacialização e territorialização das formas tradicionais de uso e
ocupação do solo.
Neste sentido, interessamo-nos pelos ambientes litorâneos em Sergipe e
suas paisagens típicas: estuários, lagos, dunas, praias, marés, lagoas, restingas e
manguezais, pois nelas observamos as formas tradicionais de trabalho e modos vida
como qualificadores desses lugares e como formações territoriais.
148

Esses ambientes cujas feições morfológicas observamos atualmente são o


resultado, segundo Araújo (2010) de um processo de evolução do relevo costeiro.
Em síntese a última transgressão, ocorrida à cerca 5.100 anos, quando os terraços
marinhos pleistocênicos foram em parte erodidos pelo mar, e as falésias do Grupo
Barreiras, em alguns locais, mais uma vez foram retrabalhadas pela ação marítima.
Esse evento correspondeu ao máximo da última transgressão, período em
que os rios foram afogados e formaram-se lagoas paralelas a linha do mar, a partir
do afogamento da parte inferior dos vales entalhados no Grupo Barreiras e da rede
de drenagem instalada nos terraços marinhos pleistocênicos durante a regressão
subsequente, que ocorreu no holoceno. Durante essa regressão o modelado da
costa sergipana se desenvolveu mostrando as formas que vislumbramos
atualmente.
A figura 02 mostra os estuários perpendiculares à linha de praia e, ao fundo,
as falésias do grupo Barreiras. Entre estes compartimentos ocorrem mangues,
terraços, dunas e leques aluviais, que constituem ambientes propícios ao
desenvolvimento dos complexos ecossistemas litorâneos de manguezal e restingas.

Figura 2 Esquema da feição atual da zona costeira de Sergipe

Legenda: 1- Falésias do grupo Barreiras; 2- Leques aluviais; 3- Campo de dunas; 4- Terrações


marinhos pleistocênicos; 5- Depósitos fluviolagunares; 6- Terraços marinhos holecênicos; 7-
Mangues.
Fonte: Mapa Geológico de Sergipe. Disponível em:
http://www.cprm.gov.br/arquivos/pdf/sergipe/sergipe_geologia.pdf.
149

Essas paisagens constituíram em dado momento histórico o que chamamos


neste trabalho de Litoral interditado38, pois se estabeleceram às margens do uso e
ocupação do solo de interesse do poder econômico hegemônico desde a
colonização.

4.1 O processo territorial no Litoral de Sergipe

Como uma população atualmente considerada “pobre”, constituída


predominantemente por negros e pardos, descendentes de escravos, ocupa hoje um
espaço, cuja paisagem é uma das mais valorizadas do estado? Quais processos
espaciais e sociais explicam essa aparente contradição?
Para responder tais questões e apresentar a situação espacial do Litoral de
Sergipe, cabe-nos reafirmar, como dito anteriormente, que a configuração territorial
do estado, ao menos de forma predominante, é resultado das estratégias de
territorialização empreendidas desde a formação colonial, cujos vetores operaram
com base na doação de terras com a instituição de sesmaria; o reconhecimento e
exploração do espaço pela prática pecuária; o adensamento populacional e a forte
ocupação da faixa úmida com desenvolvimento do sistema açucareiro e; por fim,
pelo estabelecimento de um sistema territorial, com a maior conectividade entre os
pontos de povoamento, incluindo a melhoria na rede viária, de transportes e
comunicação, garantindo um espaço de exercício político-administrativo para um
aparelhamento colonial e depois Estatal, e um espaço de referência societário e
cultural.
Do ponto de vista geográfico toda essa sistemática, por meio da qual o
espaço foi criado, pode ser entendida como uma territorialidade oficial, que se
baseia na legitimidade presumida do poder central da metrópole num primeiro
momento, depois da coroa portuguesa no Brasil, do império em determinada fase e,
atualmente, do Estado republicano. É oficial mesmo com a participação de atores
privados, “sintagmáticos”, na formação territorial. Ainda que essa ação de setores
privados da sociedade signifique em vários momentos a adoção de posições
conflitantes aos interesses “oficiais”.

38
Como veremos no item 4.2 deste capítulo.
150

Pensamos ter demonstrado argumentos de que a influência “oficial”, apesar


de uma ampla cobertura espacial, não obteve êxito em articular e submeter
totalmente e de forma absoluta o espaço da unidade geográfica Sergipe.
O exemplo mais contundente dessa afirmativa é a existência e persistência de
núcleos “rebeldes” como quilombos e, até mesmo, povoamentos indígenas que
ainda hoje se fazem presentes. Como testemunho de outra organização territorial
que pouco se deveu ao poder colonial, embora, atualmente a organização jurídica-
administrativa presente no Estado nacional reconheça e de certa forma absorva
essas expressões territoriais.
Certo mesmo é que essas formas diversas de territorialização são expressões
de uma extraterritorialidade frente a oficial e não são as únicas. Nas últimas décadas
aparecem em número crescente os estudos de bases etnográficas, sociológicas,
históricas e geográficas que descrevem e revelam uma diversidade considerável de
formas territoriais e de territorialidades especificas como: veredeiros; geraizeiros;
comunidades de fundo de pasto; beradeiros, dentre outros dos sertões, bem como
os pescadores, caranguejeiros, catadores de mangaba e tantos outros sujeitos do
Litoral.
Essas formações socioespaciais apresentam como característica o trabalho
como elemento mediador das relações entre a sociedade e natureza, de forma a
desenvolver aspectos culturais e territoriais específicos a uma porção do espaço,
ajustando técnicas e modos de vida ao ambiente que os rodeia, territorializando-se e
estabelecendo territorialidades.
Para que essas territorialidades surjam e se desenvolvam é preciso levar em
consideração a necessidade de existência de um contexto cultural que permita o
desenvolvimento com autonomia, mesmo que relativa, sobre o manejo do espaço.
Pois, de certo não haveria a implantação de sistema canavieiro, se não
houvesse mecanismos e instituições que permitissem o controle do espaço, nesse
exemplo, o poder tanto veio por meio da força, quanto da legitimação legal.
No caso das comunidades de territorialização mais tradicionais que nos
ocupamos, nos parece que um processo básico predominante se sustenta na
invisibilidade social e territorial. Contrariamente a essa ideia poderia se argumentar
que os quilombos e as terras indígenas fogem a esse processo, já que tanto um
quanto o outro em muitos casos se envolveram em conflitos e foram até dizimados.
Mas, o sucesso da estratégia territorial ocorreu nos casos em que esses contextos
151

culturais se mantiveram até certo ponto, desinteressantes do poder hegemônico e,


assim, camuflados social e geograficamente.
Não foram poucos grupos indígenas que se afastaram da zona populacional e
da frente econômica, para constituir refúgios seguros, lembremo-nos do caso dos
“Kalungas” em Goiás que apenas na segunda metade do século XX, foram
“descobertos”. Não devemos esquecer que grupos indígenas até hoje tentam se
manter “invisíveis” ao contato humano, utilizando da estratégia de migração e do
nomadismo, circulando em áreas em que podem continuar longe dos territórios dos
“brancos”. Muitos desses grupos já experimentaram contato em tempos passados, e
optaram por essa estratégia de afastamento e evitação. Citamos casos recentes
noticiados de grupos isolados na região amazônica. A FUNAI estima que cerca de
77 grupos apenas no território da Amazônia brasileira.
A invisibilidade de que falamos tanto se aplica no sentido concreto do termo,
pelo desconhecimento físico da existência de tais formações socioespaciais, tanto
quanto a um sentido sociológico, que se refere à marginalidade e exclusão do
sistema econômico e social vigente, no qual se desvaloriza o sujeito e ao mesmo
tempo se relaciona com ele para usufruir de seu modo de produção “arcaico” e
rudimentar que produz a abaixo a custo, porque é regido por outras lógicas de
produção. No relacionamento econômico aproveitam-se produtos de baixo custo,
cujos circuitos econômicos mais formais não se interessavam em fazê-lo, tais como
os crustáceos e os frutos da restinga.
Trata-se assim, de uma situação político-econômica e desta maneira, o Litoral
contém nos intervalos das relações de poder esses espaços tradicionais pouco ou
nada atraentes a formação territorial predominante.
Cremos que foi exatamente a articulação desses dois fatores, sociológico e o
espacial que atuaram. Na confluência de um hiato de abrangência do poder
estabelecido, liberando porções do espaço dos mecanismos de “vigilância, controle”
e gestão e, de outro pela existência de uma população suficientemente afastada dos
meios de trabalho: por renúncia ao tipo de situação social a que seriam submetidos;
por não ter acesso a ele; ou pelo componente da tradicionalidade de práticas de
trabalho que eles se vinculam.
Observa-se a apreensão multiescalar das articulações sociológicas e
espaciais, pois ora, as comunidades tradicionais econômica e politicamente são
“invisíveis” e “camufladas” ora enquanto espaços de vivência são totalidade.
152

4.2 O Litoral interditado: elementos para um debate sobre as condições de


territorialização das comunidades tradicionais no Litoral de Sergipe

Em relação ao espaço litorâneo de Sergipe, creio que podemos do ponto de


vista espacial analisá-lo de maneira análoga ao esquema que apresentamos acima.
Considerando a escala nacional, o Litoral foi povoado inicialmente em meio a um
processo histórico padrão de ocupação empreendido pela geopolítica portuguesa s.
Na perspectiva estatal sergipana, foi predominante o povoamento no sentido
Sul/Norte, ocupando os vales e rios existentes, de Santa Luzia de Itanhy, no Sul à
Pacatuba, no Norte; entre há São Cristóvão, única cidade fortaleza em Sergipe. As
demais zonas de povoamento que possuíam infraestrutura administrativa e relativa
urbanização encontravam-se mais longínquas à praia, devido ao receio de possíveis
invasões pelo mar.
Dito isto, seguimos analisando: Mott (1986) expõe a existência de uma
população livre na capitânia de Sergipe de mais de 50% do total. Segundo o autor,
não é possível acreditar que esse contingente populacional era composto
exclusivamente por senhores de engenho. Logo, havia uma população disponível
que era composta de pardos e posteriormente, de negros livres. O autor não
esclarece a origem da população dessa população, todavia, ela se encontrava às
margens da zona úmida canavieira, ou seja, no Sertão e nos estuários e; nos
serviços das vilas do sistema canavieiro: Santo Amaro das Brotas, Santa Luzia da
Itanhy, São Cristóvão, Vila Nova, Maruim, Laranjeiras, dentre outras.
O autor esclarece ainda que parte dessa população deveria ser empregada
num sistema de trabalho não escravo, por remuneração ou outras formas de relação
de trabalho. Não devemos esquecer que a tradição de trabalho e organização
socioespacial diversa ao que se praticava na zona canavieira principalmente, é
atração inerente a formação social do Sergipe, tanto derivado do indígena em que
parte foi assimilado e parte foi aniquilado, tanto no escravo africano, que conhecia
outro contexto civilizatório, em que a territorialidade “oficial” lhe era estranha.
Acrescentamos a constatação apresentada por Moraes (2000) que reconhece
a existência em Sergipe e em Alagoas de comunidades territoriais constituídas de
negros fugidos principalmente da dura realidade da Bahia e de Pernambuco, mesmo
antes da ocupação holandesa. Acrescenta ainda que a quantidade de escravos
153

fugidos aumentou muito na fase de ocupação holandesa e muitas delas se


refugiaram e constituíram núcleos de povoação na área litorânea de ambos estados,
às margens dos rios, bem como no Sertão, no vale do São Francisco e nas serras
de Sergipe e Alagoas.
Porque no Litoral? Do ponto de vista espacial, a hipótese que se apresenta é
de que essa área seria refúgio seguro, ao menos inicialmente, pois não se
apresentava densamente povoada. Constituído por rios, mangues, dunas, restingas
e lagos, o Litoral do atual estado oferecia abrigo devido à dificuldade de acesso, e
também condições para obtenção de “mínimos vitais39”, pois, tratava se de um
ecossistema altamente produtivo em peixes, mariscos, frutos, cujo consumo já era
comum na tradição indígena. A dificuldade de acesso imposta por um ambiente
alagado e pouco atrativo à economia da época, tornavam as formações espaciais
praticamente invisíveis socialmente e economicamente “camuflados” do ponto de
vista da cobiça e do interesse.
Segurança e alimento foram aspectos fundamentais para o empreendimento
daqueles que a este espaço recorriam, garantindo lhes as condições para
transformar paulatinamente o refúgio em lar.
Se a disponibilidade de abrigo e o fornecimento de alimentos foram condições
iniciais de atração de uma população para os “refúgios” de Litoral é preciso também
explicar o porquê esta faixa litorânea não tenha sido pela incorporada pela
territorialização “oficial” no período colonial e pós-colonial.
O receio de um ataque ou invasão estrangeira pode ser apontado, como fator
precípuo que inibiu a maior fixação de população mais abastada nessa área. De
fato, esse quadro de temor se constituiu verdadeiro num primeiro momento, até o
século XVIII.
Em Sergipe ocorreu desde o início de sua ocupação ataques de povos
“estrangeiros” como os franceses e uma longa ocupação holandesa40, fora o risco de
ataques em empreendimentos de pirataria e o Litoral foi ponto de acesso de muitas
dessas empreitadas.

39 Usamos o termo “mínimos vitais” de acordo com a proposição de Antônio Candido (2003), para
expressar os objetivos sociais de produção em cultura rústica ou caipira (como o autor usa). Para ele
os tipos culturais, caipiras, camponeses, pescadores, ou seja as culturas tradicionais estabelecem em
seu modo de vida um sistema de produção que visa obter um equilíbrio entre essas condições
mínimas e as condições sociais ecológicas locais.
40 Ambos os países dispunham de melhores condições navais do que Portugal naquele momento.
Ver Moraes (2000).
154

Acrescentamos também o aspecto sobre a formação de um imaginário social


em torno dos ambientes litorâneos. Lembremos aqui que uma praia, uma beira de
rio ou uma lagoa, em tempos mais recuados, foram vistos pela sociedade como
espaços “sujos” e não habitáveis, exceto pelos “nativos”. Uma mudança em termos
de valores e atitudes que transformaram as terras de Litoral em um lugar
paradisíaco e valorizado socialmente é contemporânea.
O deleite, o romantismo, o prazer, a fruição e o lazer são valores de uma
sociedade urbana industrial diferente do que se pensava na sociedade colonial da
época, que buscava na fazenda o bucolismo de uma vida mais pacata. A esse
propósito Alain Corbin (1989) apresentou argumentos interessantes no seu livro
Territórios do Vazio: a praia e o imaginário ocidental, mostrando como esse
processo de transformação de valores frente à praia foi se alterando na Europa.
Mesmo no Brasil, o hábito e a valorização dos espaços costeiros foram de certa
maneira importados da Europa.
No Rio de Janeiro, existiu, por exemplo, um decreto regulamentando o
período exato que era permitido a prática de banho, bem como uma rigorosa
descrição das formas de se vestir e agir nesse espaço. Isso já no século XX,
conforme demonstrado por (RAMOS, 2009). Em nosso caso, essa análise será
considerada apenas em paralelo.
A relação entre sergipanos com Sergipe, não é diferente de outras regiões do
país. A cidade de Aracaju, por exemplo, foi planejada e assentada entre rios, por
causa do porto, em uma área com água em abundância. Localizada à beira do rio
Sergipe e tendo como limite sul o rio Vaza Barris, era constituída e entrecortada por
emaranhado de canais ao redor, um cenário típico de estuário tropical. A viabilização
“técnica” do assentamento citadino se deu com ideia da substituição dos espaços
naturais (canais, lagoas e mangues) com o progressivo aterramento dos mesmos,
processo que Vargas (2001) intitulou de “no sítio das águas a cidade dos aterros”,
padrão que ainda segue sendo replicado século XX e XXI afora.
Essa racionalidade que chega aos formuladores de projeto tem origem no
próprio imaginário social que representavam os ambientes, especialmente os
mangues, as lagoas e os canais, como espaços de degradação, por isso são
imundos e impróprios. É muito interessante que essa representação é transposta de
imediato para o plano social e reflete a própria divisão social no espaço. As áreas
socialmente impróprias, mas socialmente necessárias, como os prostíbulos vão se
155

localizar exatamente nesses espaços ambientais e socialmente “degradados”, como


bem mostram (SANTOS E OLIVA, 1998).
Creio que esse aspecto da formação de um imaginário sobre o Litoral é
apenas parte de uma hipótese mais ampla que explica espacialmente a situação de
quase “invisibilidade” desenvolvida pelas comunidades de Litoral.
Enfatizamos a quase “invisibilidade”, porque tudo indica que esses
territórios/comunidades estabeleciam uma rede de trocas de “excedentes” entre eles
mesmos e, entre eles e os territórios “oficiais”. Essa relação pode ser verificada na
ocorrência de feiras do Litoral Norte, como instituições econômicas que garantiam o
fornecimento de produtos da pesca e outros mais extrativistas, estudados por Mott
(1975) e, pela ampla dispersão de uma culinária litorânea, que inclui produtos que
oriundos dessa faixa do território, como os mariscos, caranguejos, peixes, frutas,
coco e etc.
Á medida em que o território colonial foi se consolidando e a economia
canavieira ocupava de forma progressivamente mais densa as áreas úmidas
adjacentes à faixa litorânea, as cidades do açúcar começavam a desempenhar
função urbana nos moldes atuais. Os riscos e os perigos de uma invasão
“estrangeira” também diminuíram.
Ainda assim, os territórios do Litoral se mantiveram praticamente intocados,
tanto que não há registros de conflitos em Sergipe entre moradores de cidades e
desses territórios mais tradicionais por disputa de terras.
Curiosamente as áreas constituídas por ambientes costeiros de contato direto
com o oceano não foram inicialmente objeto de doações por Sesmarias e, esse fato
é muito importante para entendermos as condições espaciais que operavam naquele
período sobre a faixa de terras constituída por praias, dunas, mangues e ambientes
alagados. Nesse contexto que eles foram territorializados por comunidades
“marginais” do processo econômico e social dominante.
Desta forma, o espaço frequentado e habitado por escravos fugidos ou por
gente de cor, de “classe baixa e inferior” manteve-se fora e à margem de um
processo de territorialização “oficial” e do alcance de suas territorialidades, em
termos institucionais de administração, vigilância e controle.
Admitamos que as condições paisagísticas dos sítios, presentes ao longo do
Litoral sergipano, atraiu populações, cuja estratégia de existência consistiu, em
grande medida, passar despercebida dos centros dinâmicos da vida social, mais
156

sujeita a vigilância e controle. Devemos nos perguntar também o que impediu gente
poderosa, capaz de dirigir-se à coroa no Rio de Janeiro de reivindicar posse sobre
as terras do Litoral.
Observamos de início, que boa parte desse espaço do Litoral esteve
“interditado” à “política” de territorialização, para usar um termo moderno, praticado
desde o inicio da consolidação do espaço Brasil. Constituindo área intersticial, onde
predominava um “vazio”, mas não um “vazio demográfico”. Esse nos parece ser o
elemento espacial mais coerente para explicar o sucesso de formações territoriais,
baseado no relativo controle de territórios coletivos.
Antes de prosseguirmos explicando como se constituiu uma área intersticial
no Litoral de Sergipe, julgamos ser relevante revisitar as bases teóricas para
pensarmos uma área como “vazios de poder”.
A formulação do conceito de “vazio de poder” foi apresentada originalmente
por Parsons (1964), cuja aplicação se deu no campo do poder político na face
moderna do Estado-Nação em que analisava predominantemente as implicações
das trocas recíprocas entre governos e governados.
O autor avaliou as trocas e a manutenção da confiança nos governantes
pelos governados, como condição da governabilidade num sistema político, de
forma que a limitação destas trocas bem como a incredibilidade dos governados nos
governantes caracterizaria um “vazio de poder”.
Giddens (2001) admite parcialmente a formulação de Parsons (op. Cit),
reconhecendo a possibilidade de reciprocidade na dialética do controle
administrativo no Estado-Nação moderno. Ele discorda de Parsons apenas no que
se refere à generalização da reciprocidade das relações de confiança entre um
poder central, por assim dizer, e a sociedade de uma forma geral. Para esse autor, a
relação de poder se estabelece sem necessariamente envolver a “confiança” como
esquema geral, tão somente seria necessário uma “aceitação” tácita de obrigações
ou uma submissão pragmática a este poder estabelecido na forma de governo.
Daí que o uso da violência poderia ser legalmente acionado como uma forma
de controle nos casos em que se constituem vazios de poder, mais uma vez torna-
se compreensível o enorme esforço militar para subjugar Palmares e Canudos em
tempos mais recentes.
As condições para formação de vazios de poder decorrem geralmente,
segundo Giddens (op. cit), de lutas em relação a direitos, incluindo: civis, políticos e
157

econômicos. Em última análise o próprio território, como meio de vida, pode ser
entendido como um direito, principalmente num período em que a exploração física
era a regra.
Reconhecemos que tais formulações são muito genéricas e filosóficas e
foram estabelecidas no campo das relações sociais envolvidas nos direitos e
cidadania. Contudo, vale ressaltar que tais teorias foram desenvolvidas observando
à constituição de um Estado-nacional aplicado ao contexto Europeu, cujas nações,
já apresentavam contornos mais ou menos claros antes mesmo do Estado-Nação
moderno.
Destacamos esse ponto, porque no caso do território nacional Brasileiro, o
Estado antecede à sociedade brasileira como conhecemos os símbolos de
brasilidade só foram forjados muito tempo depois do controle territorial.
A busca pela conformação territorial ocorre mesmo sem uma nação para
enraizar seus costumes, crenças e relações territoriais tradicionais. Isso é
fundamental para compreender que a formação territorial nacional Brasileira é fruto
de geopolítica de expansão e alargamento do território, cujo padrão foi determinante
no exercício do controle territorial baseada em pontos, constituindo um território
rede.
No Brasil colonial não se lutava por reconhecimento de direitos – essa é uma
luta muito recente – se buscava a sobrevivência, ou seja, alcançar as mínimas
condições de sobreviver em um sistema socioeconômico fortemente hierarquizado e
excludente.
A organização de um dado território pelo poder legitimador (figura do Estado)
envolve a criação de meios e de uma infraestrutura administrativa para atender as
demandas sociais e estabelecer controle sobre a sociedade e o território.
A figura moderna do Estado adotou recursos políticos e materiais para
efetivar o “seu poder”, é o caso das sesmarias como exemplo da territorialidade
oficial no período colonial. O poder está “relacionado aos recursos que os agentes
empregam ao longo de suas atividades para concluir o que se quer fazer”,
(GIDDENS, 2001, p. 33).
É a partir da capacidade de intervir nas dinâmicas sociais e pela “dominação
sobre as facilidades materiais, incluindo os bens materiais e as forças naturais que
passam a ser subordinadas a sua produção” que o Estado conclui o que se quer
fazer com a organização do território. Mas é pelo domínio dos meios e das
158

atividades dos seres humanos que se consegue a regulação do tempo e do espaço,


(GIDDENS, 2001, p. 33).
Estejamos atentos às categorias de recursos, materiais e políticos, que o
agente hegemônico necessita para criar uma rede de poderes fundamentais para
organização do território como propõe (GIDDENS, 2001). O Estado como
organizador do território mobiliza categorias de recursos, materiais e políticos para
estabelecer uma rede de poderes distribuídos no espaço/território. O autor classifica
os recursos da seguinte forma: vigilância, burocracia, violência e ideologia.
a) O primeiro recurso, a vigilância, ou como prefere o autor “acumulação de
informação” sobre uma dada sociedade, utilizada “para administrar as atividades dos
indivíduos a ela associada”. Por vigilância entende-se a capacidade do de
monopolizar informação e supervisionar os “indivíduos numa posição de autoridade”
Giddens (2001, p. 39). É um recurso essencial, considerando que “todos os estados
incluem o monitoramento reflexivo dos aspectos da reprodução dos sistemas
sociais”, (GIDDENS, 2001, p. 43).
b) O estabelecimento de uma burocracia, ou um corpo administrativo
agrupado dentro de suas características específicas. Tal corpo administrativo não
tem a função da produção material em si, mas a regulação de toda a produção
social.
A burocracia é a representação do próprio Estado em setores específicos com
agentes de poder especializado, cuja fonte de “remuneração” é retirada do próprio
cargo oficial. “As formas de aparato do Estado constituem em uma pluralidade de
organizações”, em que a função primordial é levar o poder disciplinatório a
sociedade, (GIDDENS, 2001, p. 43).
c) O terceiro recurso é a violência. O Estado é a única instituição que possui o
monopólio da violência legitima e, por isso, ele pode impor sanções ao corpo da
sociedade. Sendo assim, quaisquer que sejam as interpretações a respeito do
conteúdo da violência, o Estado é soberano e contém para si todos os meios de
exercer essa função. Isso pode ser representado pelo poder militar ou mesmo pelo
“preceito legal e todas as formas de leis”. O Estado é uma instituição que administra
legitimamente a violência.
d) Por fim a ideologia. Este é o recurso que legitima o uso e a monopolização
dos recursos precedentes e mesmo a hegemonia do Estado sobre a sociedade. A
ideologia é uma ordem simbólica que leva a sociedade a aceitar o Estado como
159

“órgão do pensamento social”. Ela ganha configuração e se materializa “em prédios


públicos e religiosos”. Isso é a representação visual do poder. A história do Estado,
da nação e do povo, tanto de forma escrita como no pensamento social é a
manifestação da ideologia que o Estado impõe a sociedade.
A complexidade maior dessa formulação reside em pensar o território como
foco de análise, ao invés de “locais” como sugere a própria análise de (GIDDENS,
2001). O território é dimensional. É um recurso político e ao mesmo tempo material e
imaterial, simbólico e identitário. O que varia de um território para outro são os
arranjos, as intensidades, os símbolos, as formas e os conteúdos.
Logo burocracia, vigilância, a ideologia e a violência só existem enquanto tais,
se geograficamente atreladas a um território apropriado político, cultural e
simbolicamente por uma sociedade em movimento. É no território e pelo território
que se fazem a totalidade das relações sociais, ou como nos diz Raffestin (1993) o
“território é a prisão que homem constrói para si”.
Admitindo essas formulações e transpondo-as para campo da relação
espacial de controle do território nacional, percebemos que no plano conceitual a
noção de “espaços vazio de poder legitimador” é perfeitamente aplicável, já que são
muitos exemplos de espaços específicos em que o poder oficial não penetrou e se
hegemonizou, pelo menos em um dado período.
Essa situação de intervalos ou vazios pode ser muito facilmente visualizada
pela ausência de instituições administrativas que encarnam também a ideologia do
Estado, ou inclusive pela subversão do predomínio da violência, utilizados em favor
de uma rebeldia local.
Não é de se estranhar que uma condição básica a constituição dos
quilombos, por exemplo, fosse manter um isolamento relativo de zonas povoadas ou
de frentes econômicas, pois não se tratava simplesmente fugir da escravidão,
significava, sobretudo, manter-se à margem de um sistema burocrático-
administrativo que legitimava oficialmente a escravidão. De forma análoga, sejam
próxima ou distante da situação quilombola se constituíram as comunidades
tradicionais do Litoral de Sergipe.
Desta feita, Moraes (2000; 1999) apontou o Litoral, notadamente o de
Sergipe e o de Alagoas, como espaços “intersticiais”, situados entre as zonas
econômicas e as fronteias de povoamento.
160

Vejamos, pois: primeiramente um território nacional não existiu no plano real,


a não ser após um esforço geopolítico de posse e controle do território que se
desdobrou em mais de um século, desde o reconhecimento do espaço como um
todo, passando por um amplo esforço de dotá-lo de certa unidade político-
administrativa; o território nacional como conhecemos hoje passou por mudanças de
configuração, em determinado momento ficando inclusive sobre o domínio de
estrangeiros (ocupação holandesa, por exemplo) ou com perdas territoriais como no
caso da guerra da cisplatina; o modelo de ocupação territorial no Brasil, apesar dos
êxitos, nunca conseguiu um controle homogêneo do território, houve, por exemplo, a
formação de verdadeiros territórios “hostis” infra-Território nacional, destacando-se:
quilombo dos Palmares e aldeamentos indígenas em boa parte do território.
Sob esse ultimo ponto, mas não exclusivamente, em várias oportunidades
houve a necessidade de uso da violência como estratégia para manter a integridade
territorial. É exemplo a forte campanha militar organizada pelo império para sufocar
a revolução Farroupilha e a confederação do equador.
Assim que reafirmamos que a territorialização empreendida no período
colonial e pós-colonial, com fins geopolíticos, ter obtido êxito relativo, estabelecido
pontos “fortes” de um sistema territorial em rede, que lhe garantiu um espaço
administrativo, a presença de unidades territoriais como quilombos, aldeamento
indígenas, comunidades de pescadores e agricultores no Litoral sergipano, são
evidências de limitações de alcance no exercício do poder legitimador.
Ainda que a integridade do território colonial não fosse severamente
comprometida pela existência dessas unidades territoriais dispersas, a presença
delas é prova de uma incapacidade temporal do poder central em exercer sua
autoridade “legitimada”, homogeneamente em todo território nacional.
Avaliamos que nas diversas porções do território nacional brasileiro, onde o
poder legitimador não alcançava, vigorou por muito tempo um quadro de “vazio”,
evidente pela relativa inexistência de instituições capazes de executar um programa
territorial que a geopolítica colonial, imperial e até mesmo republicana em dias mais
avançados engendrava.
Deste modo, é compreensível porque a situação fundiária no Litoral sergipano
permanece indefinida do ponto de vista da titulação de terras. A população residente
em praticamente todas as comunidades do Litoral não possui titulação de suas
terras, e consequentemente não alcançam segurança jurídica de suas moradias,
161

sendo o instituto da posse a forma através da qual os sujeitos do Litoral, obtêm seus
territórios ainda hoje.
Muitas delas procuram justamente no reconhecimento da diferença cultural
um estatuto legal capaz de lhes garantirem segurança e posse do território, como é
o caso dos territórios quilombolas como unidade territorial.
Se fizermos uma análise mais abrangente de comunidades tradicionais e as
questões da posse em relação à propriedade privada do território está presente em
quase a totalidade dos conflitos territoriais, em especial quando envolvem terras
“públicas” ou “devolutas”, Brandão (2012) – cujas designações podem se estender
às veredas, as beiras de rio, ao fundo de pasto ou as ilhas do rio do São Francisco
ou; a uma comunidade pescadora e marisqueira do Litoral sergipano, frente a atual
expansão do turismo41 que as têm como “terras de ninguém”, (MORAES, 2000).
No nosso caso em particular, essa condição de “vazio de poder”, se
estabeleceu por um processo de interdição espacial, que teve na instituição dos
terrenos de marinha, compreendidos inicialmente como a faixa de praia e as áreas
alagadas, nas quais não se poderiam conceder sesmarias.
A faixa de terras que se denominou como de “marinha” visava dar condições
à marinha de guerra para exercer suas funções de defesa do espaço marítimo,
construindo fortes e instalações militares. Essa restrição parece ter funcionado de
fato para expansão do sistema territorial oficial da colônia.
Podemos entender melhor essa questão se considerarmos alguns aspectos.
Em primeiro lugar o objetivo inicial da geopolítica portuguesa para o Litoral, inclusive
o de Sergipe foi estabelecer um nível de controle territorial, que afastasse outros
concorrentes. Não havia no país uma “sociedade” unificada em termos de tradições
e nem a presença de instituições reconhecidas, tudo era eminentemente novo e,
como vamos demonstrar esse quadro institucional primordial para o funcionamento
da territorialização oficial, praticamente não alcançou essa área litorânea mais
imediata, exceto pontualmente.
Se é verdade que inicialmente o medo de invasões predominou como motivo
da instalação de cidades fortificadas mais ou menos distante do Litoral, o medo por
si mesmo não explica a manutenção desse quadro ao longo do tempo. Algum outro

41
Turismo no contexto da especulação imobiliária, das políticas da Embratur e da forte indução do
turismo de sol e praia
162

fator espacial atuou para afastar a incorporação do Litoral mais imediato na dinâmica
econômica.
Em nossa análise entendemos que interdição espacial pode explicar esse
quadro, tendo na figura das terras de marinha a instituição pela qual o espaço se
tornou inacessível ao estabelecimento de organização econômica similar ao que
ocorreu em outras sub-regiões do Estado, especialmente na zona da cana de
açúcar, mas também no Agreste e no Sertão.

4.3 As terras de marinha como instituição colonial

No contexto da conquista territorial e consolidação do poder colonial sobre o


espaço do atual país, as maiores ameaças como demonstramos vinham dos mares.
A costa do atual território nacional era já bastante frequentada por holandeses,
ingleses e franceses.
A defesa territorial da metrópole sobre a colônia se baseava, sobretudo, na
proteção da área litorânea. Seguindo a estratégia de conquista e ocupação do
território era no Litoral encontravam-se os portos e as fortalezas fundamentais à
proteção da colônia e posteriormente do Império do Brasil.
É bem verdade que a marinha de guerra genuinamente “nacional” é uma ação
bem mais recente, instituída no período do reinado de Dom Pedro I, em face do
processo de independência nacional, (GOMES, 2010). Inicialmente a defesa da
costa ficou a cargo da própria marinha portuguesa.
A imposição de uma restrição territorial, em favor das necessidades militares
e operacionais da marinha, data de 21 de outubro de 1710, por meio de uma Ordem
Régia que proibia a doação de sesmarias nas chamadas terras de marinha. Elas
deveriam ser liberadas e desocupadas para que se pudessem executar serviços da
coroa e de defesa, (DINIZ; et ali, 2007).
A compreensão que predominou nessa ordem era que os terrenos então
considerados necessários aos serviços de defesa e ações da marinha seriam áreas
de domínio público, de propriedade naquele momento da Coroa Portuguesa, nos
quais era vedado o uso para fins particulares.
Diniz et ali (2007), apresenta uma pequena cronologia da conceituação e
aperfeiçoamento jurídico do instituto dos terrenos de marinha. O primeiro trecho de
163

texto se refere à criação do instituto jurídico dos terrenos de marinha em 1811 e o


segundo um aviso de 18 de novembro de 1818:

terrenos de marinha e seus acrescidos, sob a denominação de


„MARINHAS‟, determinando que: „tudo o que toca a água do mar e
acresce sobre ela é da Coroa, na forma da Ordenação do Reino‟; e
que „da linha d‟água para dentro sempre são reservadas 15 braças
craveiras pela borda do mar para serviço público. (DINIZ; et al.,
2007, p. 07)
Que da linha d‟água para dentro sempre são reservadas 15 braças
pela borda do mar para serviço público, nem entram em propriedade
alguma dos confinantes com a marinha, e tudo quanto alegarem para
se apropriar do terreno é abuso inatendível. (DINIZ; et al., 2007, p.
07).

Notemos nos trechos transcritos que além das transformações jurídicas


próprias das mudanças normativas na gestão do território, transcorridos mais de um
século entre a primeira formulação de 1710 e o diploma de 1811, a introdução do
conceito terreno de marinhas como um instituto legal a ser respeitado, mas em
especial, que deveria haver naquele momento uma tensão envolvendo essa porção
de terras. Restando desta forma, mais uma vez afirmar a proibição que já vigorava
que leio aqui como interdição desse espaço.
Conforme dissemos linhas acima, a própria marinha de guerra “nacional” é
uma instituição bastante recente. Sua organização como uma instituição é
característica da fase de independência do país. Nesta ocasião diversas
modificações legais e institucionais foram promovidas. Nestes termos, a própria
legislação que incidia também fora modificada.
Segundo Diniz; et al. (2007) identifica-se que na Provisão da Mesa do
Desembargo do Paço de 21 de fevereiro de 1826, segundo a qual em marinhas e
barras de rios navegáveis não há domínio nem senhorio particular e que elas são de
direito público.
Conforme destacado no trecho: “deve limitar a obra que se acha construindo
naquele sítio à distância de 15 braças do bater do mar em marés vivas, de forma
que fique desembaraçado o terreno intermediário, que compreende o que se chama
propriamente marinha”, demonstrando o conflito de entendimento e de identificação
no campo do que seriam essas terras de marinhas, além disso, dando ordem para
atuar um sistema de limitação dessa determinada obra, a qual o autor não detalha a
localização.
164

As mudanças institucionais a que mencionamos para o período, revelam em


síntese uma mudança também na mentalidade que orienta a administração dos
negócios “públicos” do período colonial para o período imperial. Nesses terrenos que
eram tratados como propriedade da coroa, aos pouco vai se admitindo o direito de
uso, com o advento do pagamento de Foro ao Estado. Diniz; et al. (2007),
apresenta alguns trechos da lei orçamentária de 1831 de 15/11/1831 que
evidenciam essas transformações:

14ª Serão postos à disposição das Camaras Municipaes, os terrenos


de marinha, que estas reclamarem do Ministro da Fazenda, ou dos
Presidentes das Provicias, para logradouros públicos, e o mesmo
Ministro na Côrte, e nas Provincias dos Presidentes, em Conselho,
poderão afora a particulares aquelles de taes terrenos, que julgarem
conveniente, e segundo o maior interesse da Fazenda, estipulando
também, segundo fôr justo, o fôro daqueles dos mesmos terrenos,
onde já se tenha edificado sem concessão, ou que, tendo já sido
concedidos condicionalmente, são obrigados a eles desde a época
da concessão, no que se procederá à arrecadação. O Ministro da
Fazenda no seu relatório da sessão de 1832, mencionará tudo o que
ocorrer sobre este objeto. (DINIZ; et al., 2007, p. 9).

Em outro documento destacado, o autor aponta a existência de conflitos, que


ele chamou de distúrbios sócio-ambientais na zona costeira. Segundo o autor estas
ocorrências exigiram intervenções da coroa para tentar resolve-las, trata-se da
ordem régia de número 375 de 1831:

Sobre os terrenos de marinha que pretende a Camara Municipal


desta Côrte e remoção das barracas da praia de D. Manoel.
Sendo presente à Regência o officio da Câmara Municipal desta
Cidade, com a data de 12 do corrente, em que, expondo a dúvida em
que se acha, se lhe pertencem ou não as marinhas, pede
providências para poder remover e fazer cessar os prejuízos que
causam à comodidade e sossego público as barracas situadas na
praia de D. Manoel, as quais, além de impedirem o embarque e
desembarque das pessoas e gêneros que ali aportam, embaraçam a
venda pública dos mesmo gêneros, e servem de esconderijo a
vadios, malfeitores e ladrões: manda a mesma Regencia, em nome
do Imperador, pela Secretaria de Estado dos Negócios do Império,
participa à dita Camara, que, abstraindo da duvida de lhe
pertencerem ou não as marinhas, está ela autorizada a dar todas as
providencias sobre aquele local ou quaisquer outras, a fim de
promover o commodo dos cidadãos, desobstruir e desempachar tais
sítios, e por esta forma dar fim ao asilo que nele procuram os
malfeitores e vadios.

Palácio do Rio de Janeiro em 15 de Novembro d 1831 – José Lino


Coutinho (DINIZ; et al., 2007, p. 9).
165

Notemos que o distúrbio ora relatado, não é tanto um conflito ambiental nos
termos em que entendemos hoje, mas um distúrbio de ocupação extra-oficial de um
espaço/território. Segundo o autor, podemos notar o “velho e novo”, ou seja, a antiga
ideia de as marinhas serem áreas reservadas, dentre outros, para fins portuários, e
a nova ideia estatal de aforar as terras sob a outorga das câmaras municipais e
anuência da Coroa. Observa-se então, problemas entre o patrimônio público e a
apropriação de terras pelos comerciantes que se estabelecem nas praias, no caso
D. Manoel na Corte Imperial do Brasil.
No ano de 1832 a possibilidade de utilização destes terrenos é reafirmada, a
previsão de uso agora se baseia no recolhimento de um Foro42, uma espécie de
aluguel a ser recolhido aos cofres públicos em retribuição à concessão para uso:

Nicoláo Pereira de campos Vergueiro, Presidente interino do


Tribunal do Thesouro Público Nacional, para bem se executar
a disposição da Lei de 15 de novembro de 1831 no art. 51 §
14, ordena que se observem as instruções seguintes:
Art. 1.º O inspector das obras públicas fica encarregado de
fazer reconhecer, medir, e demarcar os terrenos de marinhas,
compreendidos no termo desta cidade:
1.º Os que devem ser reservados para logradouros públicos.
2.º Os que têm sido concedidos a particulares, ou por estes
têm sido ocupados sem concessão.
3.º Os que ainda atualmente se acham devolutos.
(BRASIL, 1832) (DINIZ; et al., 2007, p. 10).

Para Diniz; et al. (2007) os terrenos de marinha poderiam então ser aforados,
e os “enfiteutas”43 pagariam foro de 2,5% do valor da avaliação feita pelo estado,
essa avaliação seria custeada pela parte interessada na avaliação.

42
O aforamento é espécie de contrato através do qual se transfere direito real sobre bem imóvel
alheio. Nele, ocorre o desdobramento do domínio entre o efetivo proprietário, apelidado de senhorio,
e aquele que recebe o direito real sobre o imóvel, apelidado de foreiro ou enfiteuta. O senhorio é
titular do domínio direto, enquanto o foreiro do domínio útil, o que outorga a ele amplos poderes sobre
a coisa, podendo aproveitá-la como se ela o pertencesse. O foreiro conserva esses direitos
perpetuamente, podendo transferi-los aos seus herdeiros ou a terceiros, de modo gratuito ou
oneroso. Em contrapartida, o foreiro deve pagar anualmente à União o foro correspondente a 0,6%
(seis décimos por cento) do valor do respectivo domínio pleno (...), bem como, em caso de
transferência onerosa do aforamento - que deve contar com o assentimento da União, que inclusive
exerce direito de preferência (...) -, deve pagar o laudêmio correspondente a 5% (cinco por cento)
sobre o valor do domínio pleno e benfeitorias (...). A inadimplência do foreiro por 3 (três) anos
consecutivos ou 4 (quatro) anos intercalados importa na caducidade do aforamento, Diniz; et al.
(2007)
43
Uma espécie de arrendatário de longo prazo, que obtém um direito real, o domínio útil de um
imóvel (terras não cultivadas, terrenos destinados à edificação), mediante pagamento de uma pensão
anual, chamada foro; aforamento.
166

Os terrenos de marinha seriam também uma fonte de arrecadação para a


Coroa, para os governos provinciais e câmaras municipais, já que o estado como um
todo necessitava de recursos para manter a máquina pública, aliás, situação que
ainda persiste até os dias atuais, sobre a qual comentaremos adiante.
Do ano de 1831 surge à demarcação do governo nacional mais especifica
sobre as medidas a serem observadas em relação aos terrenos de marinha:

Hão de considerar-se terrenos de marinhas todos os que, banhados


pelas águas do mar, ou dos rios navegáveis, vão até a distância de
15 braças craveiras para parte da terra, contadas estas desde os
pontos a que chega o preamar médio. (BRASIL, 1832).

Essa foi a primeira demarcação do governo brasileiro, já que a anterior de


1811 tinha se realizado sob ordens da Coroa Portuguesa. Ela é também a lei de
referência para a demarcação das marinhas até os dias atuais, outras leis foram
editadas, porém sem mudar a medida no espaço-tempo, que é de 33 metros a partir
da preamar média de 1831.
No ano seguinte nova lei ressalta que o aforamento de tais terrenos seria
perpétuo (Brasil, 1833, art. 3º). Em 1834 os rendimentos dos foros das marinhas da
capital são declarados como pertencentes à Câmara Municipal da Corte (Brasil,
1834, Art 37. § 2.º).
Dom Pedro II emitiu decreto em 1860 no qual estabelece que governo ficasse
então autorizado a aforar terrenos de aluvião onde existissem marinhas (Brasil,
1860, Art. 11. § 7.º), demonstrando mais uma vez a continuidade da política iniciada
no período regencial, a de o estado estar disposto a ceder direitos de uso ou mesmo
de vender terras públicas em benefício do Tesouro da Coroa. Nesse período as
contas públicas encontravam-se mais equilibradas, fruto da mudança de política
fiscal e de arrecadação do novo Imperador em relação aos governos que o
precederam, (DINIZ, op cit).
Em 1867 os foros de marinhas são novamente mencionados como fonte de
arrecadação no decreto que fixava a despesa e orçava a receita geral do Império
(Brasil, 1867, Art. 34 § 33). A última manifestação Imperial sobre a pauta registrada
pelo autor, refere-se a um decreto de 1868 (Figura 04) que dispõem de elementos
normativos sobre os procedimentos a serem adotados quanto ao uso e demarcação
dos terrenos de marinha.
167

No texto é demonstrado o interesse da coroa de tornar essas terras de


marinha produtivas, as que não forem ocupadas diretamente por organismos do
império, porém a Coroa continua a ser o senhorio direto dos terrenos, por eles terem
caráter estratégico, jamais serão de posse definitiva do pagador do foro.
Essa intenção ratifica a situação que vislumbramos no Litoral em Sergipe, boa
parte destes terrenos ficou então, à disposição de uma população que se encontrava
precariamente inserida ou até mesmo à margem do sistema econômico “oficial”,
constituindo as “chamadas terras ninguém”, porque a marinha, tampouco o “Estado”
por meio de suas instituições tinha controle efetivo sobre elas. Nesse sentido, o texto
de decreto 4105 de 22 de fevereiro de 1868, que dispõem sobre procedimentos
sobre usos das terras de marinha:

Regula a concessão dos terrenos de marinha, dos reservas nas


margens dos rios e dos acrescidos natural ou artificialmente.

Visto o art. 51 inciso 14 da lei de 15 de novembro de 1831; 3º da de


12 de outubro de 1833; 37º inciso 2º da 3º de outubro de 1834; 11º
inciso 7º da de 27 de setembro de 1860; 34º inciso 33 e 39 da de 26
de setembro de 1867, relativos à concessão de terrenos de marinha
e outros de domínio público, de acrescidos natural ou artificialmente,
e para aterros ou obras particulares sobre o mar, rios navegáveis e
seus braços.
Reconhecendo quanto é importante semelhante concessão, a qual
além de conferir direitos de propriedade as concessionários, torna os
ditos terrenos produtivos e favorecem, com o augimento das
povoações, o das rendas públicas;
Attendendo à necessidade de regular a forma da mesma concessão
no interesse, não só do domínio nacional e privado, como na defesa
militar, alinhamento e regularidade dos cais e edificações, servidão
pública, navegação e bom estado dos portos, rios navegáveis e seus
braços.
Tendo ouvido o parecer das Secções reunidas de Fazenda e
Marinha de Guerra do Conselho de Estado, e usando da faculdade
que Me confere o art. 102 da Constituição:
Hei por bem Decretar o seguinte:
Art. 1º A concessão direta ou em hasta pública dos terrenos de
marinha, dos reservados para a servidão pública nas margens dos
rios navegáveis e do que se fazem navegáveis, e dos acrescidos
natural ou artificialmente aos ditos terrenos, regular-se-há pelas
disposições do presente Decreto.
Inciso1º são terrenos da marinha todos os que banhados pelas
águas do mar ou dos rios navegáveis vão até a distancia de 15
braças craveiras (33 metros) para a parte da terra contadas desde o
ponto a que chega o preamar médio.
Este ponto refere-se ao Estado no lugar no tempo da execução da lei
de 15 de novembro de 1831. Art 51 inciso 14. (DINIZ; et al., 2007, p.
12).
168

As medidas e o marco histórico para as medições são os mesmos até os dias


atuais. Este decreto normatiza como devem proceder aos representantes do poder
público e, particulares que pretendessem aos terrenos de marinha, com quem
ficariam os foros arrecadados, quais as entidades ou pessoas que teriam prioridade
em caso de mais de um alegar direito, ou interesse sobre o direito de uso.
Importante ressaltar que desde que o enfiteuta fosse adimplente, o
aforamento seria perpétuo e hereditário, mais a propriedade, a final, continuaria
sendo da Coroa como é o regime enfiteuse até o presente. São mencionados os
diversos interesses privados ou da Coroa, como o de tornar os terrenos produtivos,
defesa nacional, logradouros públicos, acesso às praias, portos e demais
edificações próximas ao oceano.
Do período republicano a referência legal que ainda dispõe sobre o tema dos
terrenos de marinha aparece no Decreto-Lei n. 9.760/1946. Ele é a norma que
ainda, traça o conceito de terreno de marinha:

Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e


três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da
posição da linha do preamar44-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos
rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a
influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é
caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo
menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

Em síntese podemos constatar, pela exposição que traçamos acima, que o


instituto das terras de marinhas sempre funcionou no país e até meados do século
XIX sua aplicação previa a interdição e a exclusividade desta faixa de terras. O
conceito envolvendo a interdição total perdurou até meados do século XIX, tempo
em que novas leis trouxeram a possibilidade de uso para fins particulares e uma
nova orientação sobre domínio delas.
Neste tempo, os terrenos de marinha se abrem, mesmo que parcialmente,
para introdução de mecanismos de mercado, envolvendo compra e venda de

44
O conceito de preamar, designa a medida máxima da influência da linha d´água do mar exerce na
condição de maré alta, de tal sorte que, para se identificar um terreno de marinha de forma apenas
aproximada, basta se contar 33 metros em um dia de maré cheia. A exata definição adveio com a
demarcação da LPM – Linha Preamar Média – no ano de 1831. Estas medidas são bastante
questionadas por supostamente estarem desatualizada, dada elevação do nível do mar ao longo dos
dois últimos séculos.
169

direitos, como forma de apropriação do espaço em toda a faixa de Litoral presente


no país.
Não nos restam dúvidas de que este instituto funcionou plenamente em
território sergipano, já que inclusive até hoje, ele é motivo de enorme controvérsia
envolvendo o pagamento de taxas de aforamentos e boa parte da atual capital do
Estado. Aracaju encontra-se situada nesses terrenos, cujos ocupantes de imóveis
são pagadores de taxas anuais.
Resta-nos evidenciar o funcionamento restritivo das terras de marinha. Neste
sentido, o documento exposto por Freire (1995) nos parece um bom exemplo do
conhecimento e reconhecimento social das regras inerentes aos terrenos de
marinha. No documento o autor narra uma petição de um proprietário de engenho,
que está sendo perseguido por um ex-sócio, o qual usa de vários artifícios para
prejudicar o outrora parceiro de negócios, vejamos o relato da época:

Manoel Rodrigues Figueiredo, cidadão brasileiro, proprietário do


engenho Maruim de baixo, termo da vila de Santo Amaro das Brotas,
Província de Sergipe de El Rei, mais com lágrimas, do que com
vozes, vem por meio da presente súplica prostar ante este
respeitável asylo da Equidade e Justiça [...]

O suplicante é legítimo senhor e possuidor de uma propriedade


engenho de fazer açúcar, moente e corrente com a necessária
fábrica de escravos, e gado vacuns e cavalares, para seu laboratório,
a qual a propriedade houve por título de arrematação, que dela fez
em hasta pública naquela vila, com todas as suas terras divididas e
demarcadas que as possui livres e desembaraçadas, conservando
nelas posse mansa e pacificamente por si, e seus antepossuidores
de mais de cem anos [...]

[...] e acontecendo chegar àquela província José Pinto de Carvalho,


que suposto fosse indigente, era e é, contudo especulador e
calculista, ao qual constatando a franqueza do suplicante e gênio
agasalhador e bemfazejo, procurou consentir fazer em luar daquele
armazém (já erguido pelo suplicante) um trapiche, prometendo-lhe
pagar renda, e outras vantagens, convidando para esse fim sócios,
uma vez que ele só podia entrar com a sua administração, ao que o
suplicante anuiu com vistas de beneficiar aquele, que tanto o
engodava, sem prevenir o mal [...] Passados alguns tempos, depois
de pronta aquela obra, e que seu autor foi melhorando de sorte,
deixou não só de cumprir as vantagens prometidas ao suplicante
como até se declarou seu inimigo, e crescendo cada vez mais a sua
desmarcada ambição, tem procurado todos os meios de o incomodar
e prejudica-lo [...]
[...] Documento nº 6: Não parou aqui o ódio do dito José Pinto de
Carvalho, que reconcentra contra o suplicante e desejoso de não só
o incomodar, como até de perde-lo, e deixa-lo de rastos com a
170

pesada família de mulher, filhos e netos, de que é onerado, por


quanto inventou, que na propriedade do suplicante havia terrenos de
Marinha em razão de entrar a maré salgada por aquele rio d´água
doce – Ganhamoroba – devendo por isso arrendar-se a particulares
aquele terreno, que ficasse além da face do dito rio, 15 braças, e por
tais formas traçou o seu enredo, que obtém arrendamento sem o
suplicante ser ouvido para si, porém, em nome de seu cunhado, e
sobrinho o tenente coronel Sebastião Gaspar d´Almeida Boto, e o
capitão Gonçalo Paes d´Azevedo e Almeida, de 300 ou mais braças
em quadra do mesmo terreno do suplicante [...]

[...] quanto à 1ª parte de sua representação e quanto à segunda lei


de 15 de novembro de 1831, Art 14 e 15, que somente manda
arrendar os terrenos de Marinhas e próprios nacionais: o terreno do
suplicante não é de Marinha e menos nacional: não é de Marinha,
porque, como já se disse, só chega maré grande, que sobre pelo rio
d´água doce denominado – Ganhamoroba – e pelo que está
demonstrado no citado documento nº 7; e menos nacional, porquanto
o referido terreno não está devoluto, e sim na posse do suplicante de
mais de cem anos, que lhe foi conferida pelos seus antecedentes
possuidores, e com títulos legais, e está todo ocupado de casas de
seus inquilinos, que lhe pagam foro anualmente e; nenhum terreno
devoluto há no termo, como prova o documento nº 8 e ainda no
negado caso de ser o dito terreno daqueles, que a lei reputa de
Marinha, ou próprio nacional, em tal caso sempre o suplicante como
posseiro deveria ter a preferência, que em tais casos a lei concede, e
não ser ignominiosamente esbulhado como foi [...]. (FREIRE, 1995,
p. 82-88).

Esse é um longo trecho transcrito na integra pelo autor, optamos em resumir


apenas os fatos que referenciam o uso de terras de marinha, ainda que pese uma
que a situação envolve o contexto de várias perseguições narradas no texto
completo. Sobre o instituto das terras de marinhas podemos notar:

I. em primeiro lugar, o trecho acima não deixa dúvida, havia um bloqueio de uso
em relação aos terrenos de marinha em Sergipe e esse instituto era
reconhecido legalmente e socialmente;
II. nesse tempo parece existir alguma dificuldade em se apontar com precisão
onde seria ou não esses terrenos. Depreendemos que deveria haver muitas
dúvidas in locu para analisar os critérios técnicos que definiam os limites a
serem observados. Tanto que o suposto perseguidor aproveitou-se dessa
dificuldade de delimitação para causar constrangimentos territoriais ao
suplicante;
III. por outro lado, como se trata de uma questão de delimitação de terrenos que
envolvia o interesse do império, nota-se a ausência de uma burocracia
171

administrativa que pudesse pacificar o assunto, a exemplo do que ocorreria


hoje nesse campo, que certamente exigiria a presença de um órgão da
administração do tipo Secretaria do Patrimônio da União – SPU, bem como a
maior interessada a Marinha, parece não se fazer efetivamente presente na
administração desses terrenos. Talvez por isso tenha sido tão fácil criar
embaraços que prejudicavam o suplicante.

Em favor de nosso argumento, de que as terras de marinha funcionaram


como uma barreira que impediu a incorporação destes terrenos ao circuito
econômico açucareiro e que desta maneira, também não vigorou desde o inicio a
territorialização oficial do período colonial e imperial, é conveniente lembrar e
explorar dois aspectos: a inexistência de uma rede institucional de burocracia
administrativa no Litoral e; a ocupação da faixa litorânea por comunidades
“tradicionais”.

4.4 O Litoral ocupado: caracterização geral da economia, população e dos


territórios estudados

A delimitação litorânea em Sergipe apresenta uma extensão de 163 km e uma


área 5.514,7 km2. Do ponto de vista regional, o Litoral de Sergipe pode ser dividido
em Norte, Sul e Centro. Para nosso interesse mais empírico, vamos abordar em
nossas análises as comunidades/povoados, situados nos municípios confrontantes
com oceano, pois são essas áreas que expressam um processo de formação e
transformação territorial que nos interessam primordialmente.
A ocupação do espaço sergipano se deu com mais expressividade no sentido
Sul-Norte, iniciando-se com a atividade pecuarista que serviu para o reconhecimento
territorial e posteriormente, a cana-de-açúcar e a atividade algodoeira constituíram
os elementos econômicos que ajudaram a estabelecer a conformação do território
como conhecemos hoje.
Essas atividades como sistemas econômicos foram responsáveis pela
atração e fixação de população na faixa mais úmida, no caso da cana e; pelo
reconhecimento de um território mais amplo e pela difusão de pontos de
172

povoamento no caso do gado e da atividade algodoeira, principalmente na área mais


árida e no Sertão propriamente dito.
A faixa litorânea sergipana por nós estudada é composta pelos 10 municípios
confrontantes: (i) Litoral Sul: Indiaroba, Santa Luzia do Itanhy, Estância, Itaporanga
D´Ajuda e São Cristóvão; (ii) Centro: Aracaju e Barra dos Coqueiros e; (iii) Litoral
Norte: Pirambu; Pacatuba e Brejo Grande.
Atualmente esses munícipios apresentam uma dinâmica econômica e
populacional diversificada. Destacamos os municípios de Itaporanga D´Ajuda,
Estância, e Barra dos Coqueiros com alta participação do setor industrial e baixa
importância do setor agrícola, incluindo a pesca. Citamos também os exemplos de
Pirambu, São Cristóvão e Aracaju, cujo setor de serviços apresenta importância
bastante significativa, refletindo no bom desempenho quando analisamos o IDHM.
Apesar de na capital Aracaju a participação relativa do setor industrial não ser
muito expressiva na composição do PIB local, o montante financeiro absoluto gerado
nesse setor é significativo, praticamente superando o PIB industrial de todos os
demais municípios juntos. Munícipios como Pacatuba, Brejo Grande e Indiaroba
apresentam baixa atividade econômica e maior participação do setor agrícola,
incluindo a atividade pesqueira, conforme dados apresentados na tabela 06 a seguir:

Tabela 6 Caracterização dos municípios litorâneos na área de estudo

% % %
AGRO INDUS SERV
MUNICÍPIOS POP. IDHM PIB (R$)*

Litoral Norte
Pacatuba 13.137 0,55 136.569,00 14,6 33,5 48,9
Pirambu 8.369 0,60 69.274,00 6,7 31,1 60,0
Brejo Grande 7.742 0,54 53.007,00 11,2 2,1 63,0
Litoral Central
Aracaju 571.149 0,77 9.222.818,00 0,1 16,5 70,0
Itaporanga D'Ajuda 30.419 0,56 598.646,00 3,1 50,5 35,6
Barra dos Coqueiros 24.976 0,65 320.447,00 1,1 40,0 51,1
Litoral Sul
São Cristóvão 78.864 0,66 557.339,00 3,1 21,3 68,6
Estância 64.409 0,65 1.132.534,00 2,1 38,0 43,0
Indiaroba 15.831 0,58 93.04,00 13,1 8,3 75,0
Santa Luzia do Itanhy 13.733 0,54 105.047,00 20,0 7,0 66,0

Fonte: IBGE 2010. Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos/ jun.2014.


*Na composição do PIB inclui-se também o valor de impostos sobre produtos líquidos, que não representamos nessa tabela.
173

Sob a perspectiva de (re)significação do Litoral, ressaltamos a importância e


os novos interesses em relação a faixa territorial, com ênfase na situação
correspondente a faixa de litigio entre os Munícipios de Pirambu e Pacatuba,
abrange uma área de 130 km2 “sem dono”.
O trecho em questão se encontra as luzes do palco de uma disputa política
entre governos municipais, em que o pano de fundo é o território com ocorrência de
petróleo no subsolo e no mar, o que implica em aumento de arrecadação pelo
pagamento de royalties e participações especiais.
Soma-se a esse quadro exposto que factualmente, o Litoral sergipano, é a
faixa territorial mais valorizada do estado, contraditoriamente, à outros tempos,
conforme argumentação que desenvolvemos nos tópicos iniciais. Além de ser a mais
habitada, facilitando processos econômicos e relações espaciais industriais e
sociais, é capaz de fornecer, paradoxalmente, produtos „rurais‟ que elevam a
arrecadação dessas cidades.
Tal afirmativa se confirma quando considerados o IDHM e a influencia de
atividades e produtos, ditos litorâneos, no PIB das cidades que se encontram nessa
região.
Os municípios são compostos por uma quantidade significativa de
comunidades/povoados, que se revelam formações socioespaciais muito variadas,
pois vão desde uma comunidade pesqueira e/ou agrícola, como um ajuntamento de
casas e/ou sítios, que praticam a pesca e a agricultura de pequena escala no
entorno muito próximo ou mesmo nos quintais, com população variada e; as
comunidades autóctones por excelência, como é o caso de algumas comunidades
que reivindicam reconhecimento de suas práticas tradicionais e direito de posse
sobre seus territórios. É exemplo disso as comunidades de Brejão dos Negros,
município de Brejo Grande, no Litoral Norte e de Crasto, no município de Santa
Luzia do Itanhy, no Litoral Sul.
Pela designação de comunidades pesqueiras, incluímos uma variedade de
práticas, em termos de tecnologia e de produtos obtidos e até mesmo pela variação
de ambientes explorados: desde a pesca de mar aberto, à pesca estuarina –
predominante; ao aproveitamento de marisco – do sururu, caranguejo, siri, aratu – e;
a pesca de lagoa.
A importância da pesca tradicional é bastante significativa para a economia
dos municípios. Na maioria deles, a pesca representa mais de 90% do Valor
174

Adicionado Bruto – VAB da agricultura, ou seja, dentre toda riqueza gerada pela
agricultura parte expressiva tem como origem a comercialização do pescado.

Gráfico 1 Participação do pescado na composição do VAB agrícola

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos/ jun.2014.


45
Fonte: Sistematização a partir de dados contidos no relatório do Projeto
de Monitoramento Participativo do Desembarque Pesqueiro
– PMPDP/Petrobrás/ Ibama (2012)

Boa parte da produção pesqueira é obtida nos povoados, unidades


socioespaciais que tradicionalmente sobrevivem da atividade pesqueira quase
secularmente, construindo territórios e identidades ligadas aos ambientes litorâneos.
As comunidades de pesca que exploram os ambientes mais costeiros são as
que nos interessam, pois como formações socioespaciais, ocupam a área de Litoral,
incluindo a faixa de praia, exploram ambientes mais variados e do ponto de vista
territorial, em via-de-regra, são ocupantes de área sem titulação legal.
As comunidades/povoados do Litoral sergipano são bem mais numerosas
com base no IBGE e em levantamentos de campo, catalogamos a existência de 162
comunidades dispersas nos 10 municípios estudados, exposto no Apêndice D.
Desse total, uma parte considerável são formações seculares. No levantamento a
seguir encontramos a existência de uma quantidade significativa de povoados nos
municípios costeiros entre 1820-1920, complementados com dados do IBGE de
1959, pois os municípios Brejo Grande, Barra dos Coqueiros, Indiaroba e Pirambu

45
Não incluímos São Cristóvão e Santa Luzia do Itanhy nesse gráfico pela indisponibilidade de dados
sobre esses municípios.
175

ainda não haviam se emancipado. Alguns desses povoados são formações


populacionais que existem desde antes mesmo do período do levantamento:

Tabela 7 Quantidade de Povoados entre 1820-1959

MUNICÍPIOS QTD. POV.


POVOADOS LITORÂNEOS1

Pacatuba 24 05
Brejo Grande2 07 07
Japaratuba 08 02
Barra dos Coqueiros 03 02
Aracaju 07 05
São Cristóvão 34 12
Itaporanga D´Ájuda 22 05
Estância 03 03
Indiaroba 03 03
Santa Luzia do Itanhy 03 01

Total 1083 40

Fonte: ALVES, C. (mimeo, S/D); IBGE (1959).

Podemos apontar a existência atualmente de 59 povoados ligados à dinâmica


pesqueira e litorânea nos municípios considerados. O povoado a que nos referimos
é uma formação social e espacial que desenvolveu um processo de ajustamento de
práticas culturais, econômicas e politicas às paisagens que usam e manejam e que
mantem uma dinâmica socioeconômica ligada ao Litoral, conforme distribuição
exposta no mapa46 07:

46
As comunidades e povoados que constituem o Apêndice D, apesar de ainda incompleto,
representam um banco de dados fruto de levantamentos secundários, incluindo consulta às
bases de 1820-1920 e de trabalhos de campo.
176

Mapa 7 Distribuição das comunidades no Litoral de Sergipe, 2014

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Out. 2014.

O sistema pesqueiro, complementado por iniciativas de agricultura de


pequena escala e por novas formas de trabalho recentes (como artesanato) é o
ponto de mediação entre a cultura do Litoral (hábitos, sistemas alimentares, práticas
de trabalho) e a apropriação espacial dos ambientes tomados como territórios do
cotidiano.
A presença de comunidades no Litoral de Sergipe, conforme expusemos na
figura acima, pode ser analisada como o resultado de um processo quase invisível
de territorialização, pois em termos de estrutura de vigilância, controle e
monitoramento estatal, pouca atenção foi atribuída a esse espaço regional. Essa
invisibilidade territorial, propiciada pela posição ocupada, à margem do sistema
econômico central (açúcar – algodão – gado e indústria), permitiu às comunidades
177

de Litoral o desenvolvimento de estratégias territoriais e de suas territorialidades, por


meio da apropriação social dos ambientes.

4.5 Sobre Terra Caída

O Litoral Sergipe começou a ser ocupado na sua porção Sul, coincidindo com
o território do atual povoado Saco do Rio Real. No ano de 1575, com a chegada dos
jesuítas Gaspar Lourenço e João Salônio criaram uma feitoria às margens do rio
Piauí, que mais tarde deu lugar a atual cidade de Santa Luzia do Itanhy. A ocupação
das terras sergipanas, conforme demonstramos páginas atrás e no capitulo 03,
iniciou-se pelo Litoral aproveitando os cursos dos rios e avançando em direção ao
interior.
Mesmo antes da presença sistemática de ocupação portuguesa, pequenos
portos, surgiram na costa e nos estuários sergipanos para darem suporte às
atividades comerciais, especialmente às trocas envolvendo a extração de pau Brasil.
Essa parece ter sido a característica que circunda o pequeno lugarejo de Terra
Caída, que nos primórdios pode ter abrigado barcos franceses frequentadores da
costa sergipana.
O pequeno povoado secular encontra-se distante cerca de 100 km de ao Sul
de Aracaju, bem na divisa dos municípios de Santa Luzia do Itanhy, Estância e
Indiaroba, numa situação entre águas. Politica- administrativamente ao município de
Indiaroba.
O nome “oficial” do povoado é Praia São José, só que quase ninguém,
inclusive os moradores, adotam essa designação. Até as placas de sinalização
possuem o nome “popular” pelo qual é conhecido, conforme demonstra foto 01 a
seguir:
178

Foto 1 Placa de identificação do povoado Terra Caída

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura, 2013.

Com cerca de 3.569 habitantes segundo o IBGE, cuja maioria se liga a fé no


santo padroeiro São José, Terra Caída tem se constituído um reduto de turistas,
especialmente de veraneio, como segunda residência ou que usam a localidade
para ter acesso a passeios, dentre os quais com mais destaque o roteiro à Mangue
Seco, famosa praia do Litoral Norte da Bahia.
Sobre a origem do nome existem basicamente três versões. A primeira diz
que entre o final do século XIX e início do XX, o lugar era uma pequena vila de
pescadores, com cerca de oito casas de taipa e telhado de palha, e era apelidado de
Cajueirinho, devido à grande quantidade desse tipo de árvore ao redor. Segundo
relatos de moradores existia um sítio a aproximadamente um quilômetro dali que se
chamava Coqueiro, cujos pescadores de ambos vilarejos estabeleceram uma
rivalidade e "para menosprezar os pescadores do Cajueirinho, os do Coqueiro
apelidaram a vila deles de Terra Caída. Usavam a palavra caída para depreciar, os
então, adversários".
A segunda versão diz respeito aos aspectos geográficos, pois “Aquelas terras
são as mais baixas da região Sul - é tanto que no inverno a região fica alagada -, e a
sensação é que, saindo da rodovia no sentido do povoado, as terras vão descendo”.
Segundo os moradores “as pessoas começaram a dizer que as terras iam caindo".
179

A terceira hipótese, a mais difundida, é que "Na época em que a igreja


governava, um padre veio rezar uma missa e poucas pessoas compareceram. Ele
ficou chateado e quando ia embora rogou uma praga. Subiu na canoa, bateu os
chinelos e disse que estas terras iam continuar sempre caídas". Qualquer que seja a
origem do nome, a designação Terra Caída está enraizada no sentimento do
morador da comunidade, que prefere o nome popular à designação oficial.
O povoado de Terra Caída conta apenas com um posto de saúde (Posto de
Saúde Maria Lessa do Nascimento), que segundo os moradores com funcionamento
precário e sazonal. Além dele, a presença dos serviços públicos é vista apenas na
existência de uma escola (Escola João D‟Ávila Chaves), que atende cerca de 220
alunos matriculados em três turnos. A comunidade apresenta a maioria de suas ruas
calçadas e asfaltadas, mas existem algumas que ainda estão sem nenhum tipo de
calçamento.
A comunidade do povoado de Terra Caída sobrevive, basicamente, da prática
da atividade artesanal da pesca. O que chamamos de pesca, compreende, além da
atividade vamos dizer “principal”, praticada pelos homens, uma gama de outras
atividades que compõem a base socioeconômica desses povoados.
A pesca é praticada envolvendo um sistema rio e complexo estuarino Piauí-
Fundo-Real, além da pratica em alto mar. Os principais pescados obtidos são a
tainha, a corvina, a pescada e o robalo.

Tabela 8 Principais pescados em Terra Caída, 2014


PESCADO PRODUÇÃO (KG)
Tainha 10.724
Corvina 9.410
Pescada 6.256
Robalo 4.422
Arraia 4.140
Siri 4.009
Catana 3.931
Roncador 3.703
Sardinha 3.655
Bagre 3.621
Total 53.871
Fonte: Sistematização dos dados do relatório IBAMA, 2014.
180

A produção total de pesca é bastante significativa, segundo relatório do


IBAMA (2014) a soma dos 10 (dez) principais “recursos” pescados é da ordem de 53
toneladas anual, conforme mostramos na tabela 08.
Em termos de modalidade, as diferenças entre os tipos de pesca praticados
no mar e no estuário envolvem basicamente as características das embarcações, os
apetrechos usados e a tipologia de relações de trabalho.
A pesca no mar obedece a organização de trabalho do tipo mais formal, já
que as embarcações de pesca em mar aberto são mais equipadas e sofisticadas e
por isso, mais caras e sua operação é mais onerosa, o que pressupõe um
investimento de risco com expectativa de retorno. Geralmente, essas embarcações
são de um “investidor” de fora da comunidade, que corre o risco mínimo. Ele
arregimenta pescadores para operarem as embarcações e fornece gelo, combustível
e mantimentos, para ficar, obviamente, com a maior parte da produção.
Em Terra Caída existem 92 embarcações cadastradas pelo IBAMA (2012),
distribuídas da seguinte forma:

Tabela 9 Embarcações existentes em Terra Caída, 2012

TIPO DE EMBARCAÇÃO QUANTIDADE


Canoa (CAN) 36
Canoa Motorizada (CAM) 45
Canoa de Mar Aberto (CAM) 11

Total 92

Fonte: IBAMA (2012).

A pesca em alto mar é mais produtiva, responde por cerca de 43% do total do
pescado e mais rentável em termos de retorno financeiro, apesar de representar
apenas 12% da frota local e absorver uma quantidade limitada de pessoas. As
principais artes de pesca utilizadas no povoado são:
181

Tabela 10 Participação de artes pesca na produção em Terra Caída, 2014

ARTES DE PESCA % NA PRODUÇÃO AMBIENTE EXPLORADO

Rede de emalhar 77,9 Mar aberto/estuário


Linha 9,3 Mar aberto/estuário
Coleta Manual 5,8 Manguezal
Coleta de Aratu 2,3 Manguezal/estuário
Tarrafa 2,2 Estuário
Gamboa 2,1 Manguezal
Coleta de Caranguejo 0,3 Manguezal
Ratoeira 0,1 Manguezal

Total 100,0

Fonte: Relatório do IBAMA (2014).


Obs: Dentre as artes de pesca não há registro de coletas de ostra e rede de calão

A variedade de tipologias das artes de pesca no povoado corresponde à


diversidade de ambientes explorados no povoado. Paisagens como estuário, o mar
e o mangue são espaços incorporados ao próprio repertório cultural do lugar. A
localização estratégica em um complexo estuarino ainda bem preservado
proporciona condições para que os pescadores permaneçam praticando a pesca
artesanal, desenvolvida tradicionalmente desde os tempos mais recuados.
No caso de Terra Caída, o sistema envolve a pesca de rio e também a
atividade extrativa nos mangues (mariscos como aratu) ou na maré como preferem
os moradores locais. A atividade de coleta de mariscos, conhecida como
mariscagem, é uma prática atribuída predominante às mulheres, embora tenhamos
observados o envolvimento de toda unidade familiar, incluindo filhos, especialmente
no trabalho pós-coleta, realizado em casa.
Constitui-se a base da alimentação local, incorporada na culinária como é o
caso do famoso catado de aratu que a população de tanto valoriza, como uma
tradição elaborada mais recentemente. Essa “invenção” de uma tradição culinária do
local ocorre em sabor de um processo de valorização do Litoral pelo advento do
turismo nas últimas décadas.
Além da paisagem, o turista demanda a comida como expressão da cultura
genuína do lugar que se visita. Essa demanda costuma ser formulada pela
necessidade da existência de um prato típico em cada lugar, desta maneira o que se
182

pode chamar da gastronomia litorânea é reinventada para atender o turista. O efeito


positivo desse processo é a geração de renda para a população que pratica a coleta
de moluscos e crustáceos.

Foto 2 Coleta de Massunim, povoado Terra Caída

Autor: SANTOS, Rodrigo Herles dos, 2014.


Fonte: Pesquisa de campo 2014.

Apesar de predominante, a pesca geralmente não se constitui como


atividade homogênea, geralmente se estabelece sempre um sistema de
complementaridade econômica e produtiva. Nessas comunidades de pescadores,
estão presentes outras atividades como agricultura e extrativismo.
Tal como nas demais comunidades estudadas, o pagamento de seguro
defeso é uma fonte de renda importante para grande parcela da população de Terra
Caída. Essa fonte de renda é temporária, paga por um tempo de determinado, mas
fundamental para reprodução econômica de pescadores e marisqueiras.
Segundo Gomes (2014, p. 186) outra atividade econômica que caracteriza a
comunidade em questão é a “coleta da mangaba, do coco e da manga tanto para
consumo como para venda na feira do município de Estância. Há ainda, a produção
de artesanato a partir de produtos extraídos da natureza, como a palha e casca de
coco”.
No povoado em tela, a variabilidade observada diz respeito à presença da
agricultura de pequena escala, praticada nos arredores – cultivo de macaxeira - e o
183

engajamento em tempo parcial, de pequena parcela da população, nas atividades de


turismo, em especial como guias ou como barqueiros, aproveitando a infraestrutura
de lanchas e “Know how” da condução de barcos pelos rios e estuários locais.

Foto 3 Embarcação para o traslado de Turistas

Foto: SOUZA, Angela Fagna Gomes de, 2014.


Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura, 2013.

Esse povoado secular, aliás, parece oscilar entre a tradição e a perspectiva


de projetos de mudanças. Terra Caída foi durante muito tempo um porto de
travessia de balsa sobre o rio Piauí, entre Sergipe e o acesso à Bahia.
A comunidade desenvolveu certo aparato de serviço, incluindo a própria
oferta de traslado até pontos turísticos mais conhecidos e a disponibilização de
restaurantes e bares. Essa tradição de receber viajantes e turistas despertou a
perspectiva e um saber fazer ligado à prestação de serviços, ainda que em parcela
restrita da população.
184

Foto 4 Atracadouro de balsas desativado - Povoado Terra Caída

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

Contudo, nos últimos anos, foi estabelecido acesso terrestre regular sobre rio
Piauí com a construção da Ponte Gilberto Amado (foto 05). Com isso a
exclusividade exercida pelo povo como ponto de passagem e parada obrigatória foi
interrompida, gerando enormes preocupações. Pois agora com a ponte as pessoas
não precisariam obrigatoriamente passar ou parar no povoado, tudo isso provocou
temores de possíveis prejuízos à frágil estrutura de serviços lá instalada.

Foto 5 Ponte Gilberto Amado, SE 100 trecho Sul

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.
185

Atualmente verifica-se uma presença crescente de moradores sazonais, isto


é, veranistas, com suas moradias de segunda residência, fato comum em regiões de
beleza paisagística. Os veranistas adquirem ou constroem casas no povoado, as
quais costumam frequentar apenas nos finais de semana, feriados ou períodos de
férias.
Não é difícil distinguir entre casas de pessoas do “lugar” e a dos veranistas,
em geral os de “fora” possuem casas de padrão construtivo muito mais sofisticado
do que as dos moradores, visto que possuem padrão de renda mais elevado.
Geralmente ocupam os espaços mais próximos dos atrativos territoriais como: a
beira do rio. Outro bom indício para identificar essas moradias reside no fato de que
elas estão quase sempre fechadas.

Foto 6 Vista de casa de veraneio em Terra Caída

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

Segundo informado pelos entrevistados a convivência entre os moradores


permanentes ou do “lugar” e os veranistas costuma ser boa “eles vem, ficam finais
de semana, comem e bebem nos restaurantes locais, fazem feiras e compram
nossos peixes”. Outra “contribuição” citada pelos entrevistados é de que os
veranistas contratam moradores locais para tomarem conta das propriedades nos
períodos em que eles estão na sua moradia principal, contribuindo com a geração
de renda.
186

4.6 sobre Pedreiras

Pedreiras localiza-se a 8 km da sede do município de São Cristóvão. O


povoado possui área aproximada de 1.900 ha e conta com uma população 1.055
habitantes (TORRES, 2014) e encontra-se distante da capital Aracaju 33 km.
O acesso ao povoado se dá pela estrada municipal São Cristóvão-Pedreiras,
cujo traçado aproveitou o leito da estrada carroçável e foi construída em meados da
década de 1970 pela Petrobrás para que máquinas e caminhões pudessem ter
acesso à base da subestação coletora instalada no povoado.
No percurso sentido São Cristóvão-Pedreiras a estrada corta aos povoados
Chica e Tinharé, que assim como Pedreiras, assentados sobre elevados terraços do
rio Vaza Barris, proporcionam uma visão exuberante do rio que acompanha o trajeto.
O nome do povoado Pedreiras surgiu como uma referência à navegação,
possivelmente com essa denominação, desde o inicio da colonização. Segundo
relatório do Banco do Brasil (1993) na localidade existiu o primeiro porto atracadouro
de Sergipe, denominado “Porto das Pedras”. Navios com grandes cargas de carne,
sabão, alcatrão, breu e louças finas, entre outros produtos adentravam no estuário
do rio Vaza-Barris e atravancavam neste porto; em seguida os produtos eram
levados até a sede do município, na época capital de Sergipe, por pequenas
embarcações (BANCO DO BRASIL, 1993) e os navios por sua vez, saiam
carregados de produtos do local.
Tal informação parece consistente, pois as pedras no leito do rio neste local
realmente constituem obstáculo à passagem de embarcações de porte e podem ser
observadas ainda hoje. Ainda sobre a existência das pedras e de seu
aproveitamento, os moradores relataram (pela historia oral de seus antepassados)
que “muitas pedras foram tiradas daqui para a construção de casas de São
Cristóvão”.
Segundo relatos de moradores mais antigos e do documento Diagnostico do
Povoado Pedreiras (BANCO DO BRASIL, 1993) o povoado surge em meados do
século XIX, a partir do povoamento de duas propriedades: Tinharé e Pedreiras, esta
última de propriedade de “Dona Iaiá” que foi a primeira a ser loteada e posta venda,
(TORRES, 2014).
187

Posteriormente, a propriedade Tinharé também foi loteada e vendida. Estes


lotes foram adquiridos por famílias que construíram as primeiras casas na
localidade, que mais tarde se transformaram nos povoados citados.
Naquela época a comunicação com a sede de São Cristóvão se dava pelo rio.
Todo trajeto era feito por canoas, incluindo a baldeação dos produtos que chegavam
nos navios, conforme destacamos. Há relatos que a estrada só foi construída em
meados de 1940. Ela era bastante precária, carroçável: foi aberta “a mando de um
„poderoso‟ da região”, descendente de um dos fundadores do povoado, aberta
“pelas mãos dos próprios moradores”.
Do ponto de vista socioeconômico, tal como os outros povoados, em
Pedreiras a prática da pesca é predominante como ocupação principal dos
moradores. Estima-se que 95% da população adulta está envolvida com a atividade.
O povoado situa-se a apenas 12 km do mar-aberto. Desta maneira, os
pescadores locais, assim como ocorre em Terra Caída exploram uma diversidade
grande de ambientes, entre estuarinos com a prática da pesca, os manguezais, para
coletas de mariscos e o mar aberto de curto alcance.
Segundo dados do IBAMA (2012), existem 53 embarcações na comunidade
sendo: 18 canoas (CAN) movidas a remo e vela, de curto alcance e tração manual e;
35 canoas motorizadas (CAM) que exploram o estuário, o rio e o mar de curto
alcance.
Da diversidade de ambientes no entorno da comunidade, resulta uma
variedade também grande de práticas pesqueiras e de produtos obtidos. As
principais práticas pesqueiras desenvolvidas na comunidade são a pesca de rede de
arrasto, geralmente praticada no rio e no estuário; a pesca de tarrafa; de rede de
emalhar e a coleta de mariscos, siris e de caranguejos.
Em termos de produtos das atividades de pesca destacam-se47 em 2014 a
pesca de: sardinha, catana, tainha, robalo, tinga, curimã, paru, pescadinha, arraia.
Além de catados como aratu, ostra, caranguejo, siri, massunim.

47
Não foi possível inferir a produção total no povoado.
188

Foto 7 Pescadores artesanais em canoa de remo e vela

Foto: SOUZA, Angela Fagna Gomes de, 2014.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

Quando indagamos sobre a pesca, quem prática, porque prática? Os


moradores, em especial os mais antigos demonstram muita espontaneidade nas
respostas, desde criança já pescam siri, peixe, às vezes camarão. A pesca é
praticada nos moldes artesanais, envolvendo geralmente a unidade familiar: o casal
e os filhos e família lateral como tios, primos; parcerias entre pessoas que usam os
barcos dividindo a produção.
Desde cedo os pescadores já sabem tratar o pescado, pois tem que vender
na feira, principalmente na sede do município. A parcela do pescado que não é
consumida diretamente pela família que participa da atividade é direcionada para a
comercialização na feira da sede de São Cristóvão ou entregue a intermediários. De
toda sorte a comercializavam dos excedentes responde por boa parte da entrada de
capital (em espécie) na economia local para a aquisição no mercado de bens
complementares, necessários às famílias.
Nesse sentido é importante destacar que uma parte considerável dos
rendimentos econômicos provém do recebimento do seguro-defeso, beneficio social
pago aos pescadores cadastrados, por 04 meses, pela impossibilidade de praticar
pesca no período. Essa é renda principal de boa parte da população local.
189

Em seguida destaca-se a agricultura de pequenas roças de subsistência de


feijão, milho, macaxeira e mandioca e fruteiras como mangueiras, jaqueiras,
cajueiros e coqueiros dentre outras.
Em relação aos aspectos estruturais da prestação de serviços públicos, o
povoado é dotado de uma Unidade de Saúde da Família “Alice Freire”, que oferece
o PSF – Programa de Saúde da Família; uma Escola Municipal de Ensino
Fundamental “Terezita de Paiva Lima”, que oferece apenas o ensino fundamental,
do 1º ao 5º ano.
Para completar a formação os estudantes migram definitivamente ou se
deslocam diariamente para a sede municipal. Há dificuldades também no campo do
transporte público, devido a precariedade da estrada de terra; no acesso à internet
e; em especial no acesso regular à água tratada.
O abastecimento de água é precário e constitui-se um problema antigo e
muito relevante para a comunidade. A empresa responsável está ligada ao poder
municipal a SAEE – Serviço Autônomo de Água e Esgoto.
De acordo com os moradores ela não atende a demanda e as necessidades
da população, pois falta água todos os dias no povoado. Esta situação se arrasta há
anos e até o momento não tem solução em vista. Com relação ao fornecimento de
energia elétrica a Energisa é a responsável pelo abastecimento do povoado.
Na comunidade existe uma associação chamada de ADCPP – Associação de
Desenvolvimento Comunitário do Povoado Pedreiras, que é o local onde acontecem
os encontros dos pescadores com a Colônia de Pescadores de São Cristóvão – Z2,
na ocasião do recadastramento da pesca ou para empréstimos, reuniões e até
mesmo festas.
190

Foto 8 Associação de Desenvolvimento Comunitário

Foto: Ronilse Torres.


Fonte: Acervo do grupo Sociedade e Cultura, 2014.

Nesse sentido, existem dificuldades no processo de atração, articulação


participação dos moradores das discussões de caráter mais geral na comunidade.
Disso resulta um quadro de pouca efetividade da associação frente aos assuntos de
interesse coletivo, como geração de renda.
Notamos uma divisão muito acentuada na composição religiosa na
comunidade. A existência de duas vertentes religiosas, a católica tradicional e a
evangélica, divide a população no que concerne o debate de aspectos como direitos
e melhorias do trabalho organizativo da pesca. Soma-se a esse quadro religioso
divergência expressas na sucessão politica da Associação local.
As demais construções no povoado são: Igreja Católica de Santa Cruz; Igreja
Evangélica Assembleia de Deus. A Estação Coletora da Petrobrás, IP-02 (Campo
Petrolífero de Ilha Pequena) destaca-se na paisagem no final da rua principal.
Existem pontos comerciais de pequenas mercearias que vendem produtos
básicos de higiene e alimentação, além de alguns bares e pequenos restaurantes
que servem comida caseira, principalmente para funcionários e terceirizados da
Petrobrás. O povoado não possui cemitério servindo-se do existente no povoado
Tinharé.
Segundo Torres (2014) quanto à situação e tipos de domicílios existentes no
povoado Pedreiras, a maioria encontra-se na área urbana e, são do tipo particular
permanente.
191

As construções são na maioria de alvenaria, mas ainda existem casas de


taipa, principalmente as construções mais antigas. A forma de construção dessas
casas e a presença de quintais e pequenas plantações, demonstram um passado
rural da comunidade. Nas áreas mais afastadas da área urbana, também
encontramos casas de taipa, algumas bastantes deterioradas pela ação do tempo
(Foto 09):

Foto 9 Casa de taipa no povoado Pedreiras

Foto: Ronilse Torres.


Fonte: Acervo do Grupo Sociedade e Cultura, 2014.

A rua principal do povoado é uma continuação da estrada. Salientamos que


somente a rua principal que começa em frente à igreja católica e termina na
bifurcação entre a subestação da Petrobrás e a estrada de acesso ao porto do
Maninho possui calçamento.
A rua é calçada de paralelepípedo, mesmo assim precariamente, pois devido
ao fluxo de caminhões e de máquinas pesadas da Petrobrás apresenta buracos e
pedras soltas. Existem outras duas ruas que cortam o barranco do rio, onde algumas
casas foram assentadas de forma a compor o arruamento do povoado.
192

Foto 10 Vista de arruamento na comunidade Pedreiras

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

Segundo Torres (2014), embora predomine casas com fachada frontal e com
poucos metros – 5 a 7 metros, a grande maioria possui quintais, com criação de
aves e fruteiras. São poucas as casas com recuo, mas em todas, arbustos e
pequenas plantas ornamentais enfeitam as fachadas.
Os sítios e as casas de “veraneio” são identificadas por seu porte, geralmente
são maiores; pelo o acabamento mais requintado se comparadas as casas simples
dos pescadores; e por estarem quase sempre com portas e janelas fechadas, em
face de sua utilização sazonal. Ao lado da casa grande sempre existe um anexo
para o caseiro, geralmente um pescador com sua família que fica encarregada de
zelar pela casa do morador temporário.
Outro aspecto relevante sobre o povoado é a simplicidade do arranjo
“urbanístico” em conformidade com sua beleza cênica. Constata-se a presença de
jardins floridos, muitas cores, texturas, cheiros; cenas de um cotidiano carregado de
significados e singularidades como: pescadores tecendo suas redes em suas
varandas; crianças aqui e acolá brincando na rua, subindo em árvores, barcos
ancorados nos portos, ou saindo para a pescaria.
A paisagem do rio vista de cima do barranco, de onde se avistam as ilhas
Grande e Pequena, os apicuns e a exuberância dos manguezais, completam a
193

tranquilidade que reina no ambiente e tão valorizada pela gente do lugar: “gosto da
tranquilidade de morar aqui, posso sair e deixar a porta de casa aberta”:

Foto 11 Vista da Ilha Grande a partir de Pedreiras

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

4.7 Sobre Tigre e Junça

As comunidades de Tigre e Junça localizam-se no município de Pacatuba, no


Litoral Norte do estado de Sergipe, distante cerca de 80 km da capital Aracaju,
contíguos dos pontos de vista territorial, paisagístico e urbanístico. Eles se
desenvolveram as margens da Rodovia Estadual SE-100 trecho Norte,
aproveitando-se do fluxo da rodovia e da melhoria de acesso por ela proporcionada.
Na prática é bastante difícil apontar com precisão os limites de cada uma. A
população de ambos povoados é composta 1178 pessoas.
De acordo com relado dos moradores o significado do nome do povoado
Tigre está relacionado ao temperamento, considerado “bravo” da população que
vivia no local em tempos mais remotos. Seria uma espécie de designação para se
referir à valentia dos que ali residiam, talvez, como uma estratégia territorial para
evitar a presença de estranhos.
A comunidade surgiu às margens de uma lagoa ocupada com atividades da
agricultura e da pesca e, em um segundo momento com a abertura da estrada as
194

pessoas que viviam por lá se deslocaram e fixaram residências às suas margens,


visto que facilitaria o acesso aos meios de transporte.
A origem do nome do povoado Junça, por sua vez, vem do junco 48, planta
semelhante às gramíneas que crescem nas lagoas existentes no entorno da
comunidade. A partir do aproveitamento junco muitas famílias desenvolvem o
artesanato, criam várias peças destinadas à venda e geram renda para
sobreviverem.
A população do Junça também se originou do povoamento das margens de
lagoas, de onde se tirava o junco para confecção de peças artesanais. Porém, no
passado as comunidades estavam espacialmente separadas, apenas com a
abertura da estrada e o descolamento dos moradores para suas margens, é que os
dois povoados cresceram demograficamente e se uniram espacialmente, com
formato que conhecemos hoje. Isso ocorreu após a década de 1960 quando a
Petrobras construiu a estrada para facilitar os trabalhos de prospecção.
Assim, no contexto de transformações espaciais a abertura da SE-100 marca
uma grande mudança para os povoados Tigre e Junça, relacionada à transferência
dos locais de residência, e também a melhoria do acesso às comunidades.
Os povoados tornaram-se pontos de passagem de excursões turísticas com
destino às praias do Litoral Norte do estado, o que desencadeou o aparecimento de
um restaurante e duas pousadas à beira da estrada.
A extração de petróleo realizada diretamente pela Petrobrás e mais
recentemente por empresas terceirizadas também trouxe mudanças para as
localidades. Alguns moradores consideram que a chegada da Petrobrás foi o
empreendimento que mais beneficiou os povoados, porém por outro lado a
segurança envolvendo as faixas ou as linhas de gás da empresa é motivo de
preocupação para boa parte dos moradores.

48
Conhecida cientificamente como: Juncus effusus, planta aquática da família Juncaceae
195

Foto 12 Estação coletora nas proximidades de Tigre/Junça

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

Pode se dizer que instalação de atividades de extração de petróleo no Tigre e


no Junça não alavancou um desenvolvimento econômico local expressivo, visto que
na prática pouco beneficiou aos moradores, pois, ela não aproveita a mão de obra
local, recrutando trabalhadores “mais” qualificados para desenvolver as atividades
nos postos de extração de petróleo fora da região de sua inserção. Os poucos
moradores, estimados em apenas 05, que atuam nas empresas, desempenham
função menos nobre, que requerem baixa qualificação.
Todavia, foi em decorrência das atividades de extração de petróleo que a
própria Petrobras construiu a estrada há aproximadamente 45 anos, posteriormente
melhorada e assumida pelo governo do estado como a rodovia SE (trecho Norte).
Possivelmente o restaurante “Do Juarez” foi um dos poucos, se não o único
estabelecimento a se beneficiar com a instalação da Petrobras nos dois povoados.
Este restaurante fornece almoço para os trabalhadores fixos e para aqueles que
esporadicamente chegam para exercer alguma atividade nos postos da Petrobras e
das demais empresas.
Anexo ao restaurante existe uma pousada do mesmo proprietário que não
atende todos os públicos. Ela está alugada por uma das empresas produtoras de
petróleo para o descanso dos seus trabalhadores eventualmente após o almoço e
quando há necessidade de pernoite.
196

Foto 13 Extração de petróleo em Tigre/Junça

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

A maioria das pessoas que moram no Tigre e no Junça vive principalmente da


agricultura da mandioca, macaxeira e feijão; da pesca nas lagoas e no rio Poxim do
Norte; do artesanato feito da taboa e junco que são retirados das lagoas e; mais
recentemente do extrativismo da mangaba. Poucas trabalham na sede do município
de Pacatuba como servidores públicos. Em alguns períodos do ano as safras de
mangaba e de coco são uma fonte secundária de renda para os moradores.
Durante quatro meses do ano a população cadastrada como pescadora
recebe o benefício social pago pelo governo no período de defeso, seguro defeso.
Pago na época de reprodução de peixes e mariscos quando a pesca torna-se
proibida, realidade muito parecida com as outras comunidades de pescadores no
Litoral sergipano.
Chama a atenção o fato de que apesar de parcela significativa da população
afirmar que vive da prática da atividade pesqueira atestada pela existência de uma
associação de pescadores, não observamos a presença intensa da prática da
atividade no cotidiano da comunidade. Em alguns poucos momentos da pesquisa
197

registramos sujeitos confeccionando malhas e “covos”, que justifica a afirmação da


origem pesqueira das comunidades e a existência da associação.
O artesanato como atividade sistematizada foi introduzido nos povoados há
aproximadamente 15 anos, com a oferta de capacitação e estímulos às mulheres,
em especial. No Tigre/Junça a ideia prosperou, sobretudo, pela possibilidade do
aproveitamento de materiais primas nos arredores da comunidade, a saber: taboa e
junco.
Com a taboa os artesões confeccionam chapéus, bolsas, cintos, carteiras e
estojos; e o artesanato do junco está relacionado à confecção de esteiras e pufs.
Tanto a taboa49 quanto o junco são espécies de gramíneas que crescem nas lagoas.
Esses produtos são comercializados na sede da associação de artesanato local,
como também se inserem com destaque nas feiras e eventos regional e estadual.
A maioria dos que praticam o artesanato com regularidade são mulheres.
Elas retiram das lagoas existentes nos arredores a matéria prima que depois de
seca é usada no artesanato. A atividade além de envolver um contato continuado
com ambientes de entorno, garantido o reconhecimento e a utilização do território de
alguma maneira, remonta a autonomia do trabalho característica análoga à prática
pesqueira.
As artesãs organizam sua rotina cotidiana e não se afastam das outras
atividades como o próprio cuidado dos filhos e a participação como membro da
unidade familiar, sejam com a pesca nas lagoas ou coleta de mangaba quando no
período de safra. A autonomia e a complementaridade das atividades são
primordiais para a manutenção do modo de vida tradicional nas comunidades.

49
Nomenclatura cientifica: Typha domingensis.
198

Foto 14 Artesã em Tigre/Junça

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

Neste sentido as organizações sociais existentes nas duas comunidades são


a Associação de Pesca criada na década de 1990, e a Associação de Artesanato,
Moradores e Apicultores que é mais recente, com aproximadamente oito anos de
funcionamento.
No âmbito desse universo da organização social das comunidades,
Tigre/Junça possuem uma “dinâmica” muito interessante de atuação das lideranças
sociais. Existem basicamente três lideranças sociais estabelecidas: Sra Josiete
presidente da associação de pesca e conselheira do PEAC; Domingos Ferreira
também conselheiro do PEAC e; Eneas líder do assentamento Serigy. Há uma
sintonia e uma convivência bem articulada entre elas, o que é fato raro em se
tratando de comunidades tradicionais, em que a disputa por liderança local
geralmente é fator de desagregação e conflitos internos.
O povoado Junça possuía um centro comunitário que recentemente foi
transferido para um novo local, agora no Tigre, fruto do projeto de compensação das
199

atividades da Petrobras (PEAC) em parceria com o IBAMA. Nese espaço são


desenvolvidas as atividades relacionadas às associações comunitárias, conforme
mostramos na foto 15. A associação dos pescadores também recebeu do projeto
uma nova sede, igualmente localizada no Tigre.

Foto 15 Vista do Centro Comunitário, Tigre/Junça

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

A Escola Municipal Thomaz Bispo localizada no Povoado Tigre atende as


crianças dos povoados. Oferece uma estrutura com três salas de aula, secretaria e
banheiros que funcionam em dois turnos para atender a crianças e adolescentes
que cursam o ensino fundamental, a situação estrutural do prédio é bastante
precária, carecendo de reformas. O ensino médio é disponível apenas na sede
municipal de Pacatuba e aqueles que precisam se descolar para a cidade contam
com a disponibilidade do transporte escolar cedido pela Prefeitura Municipal.
Existe uma Unidade de Saúde localizada no povoado Tigre, que também
atende os moradores do Junça. Ela funciona provisoriamente em uma casa alugada
pela Prefeitura Municipal de Pacatuba com médico a cada trinta dias e enfermeiro a
cada quatorze dias. Caso necessite de atendimento médico entre estes intervalos os
moradores precisam se deslocar até as cidades de Pacatuba ou Pirambu.
200

A população dos dois povoados vive de forma muito simples em pequenas


casas que não tem acesso ao saneamento básico. A água consumida é oriunda de
poços artesianos particulares e o lixo é disposto nos quintais.
Com o advento da energia elétrica há aproximadamente dez anos,
possibilitou-se retirar a água dos reservatórios com a ajuda de bombas elétricas,
facilitando a empreitada.
O Povoado Junça possui uma igreja católica cujo padroeiro é São Pedro e as
celebrações festivas deste santo são realizadas no mês de junho com novenário,
cavalgada, pequenos leilões e algumas bandas. Outros dias de santos também são
festejados como Nossa Senhora do Bom Parto em agosto, Nossa Senhora da
Conceição e Santa Luzia no mês de dezembro. Todas as comemorações são
concretizadas na frente da igreja com a participação dos moradores do Tigre e do
Junça. O natal e o réveillon também são comemorados na igreja e depois cada um
se dirige as suas casas.
Os povoados realizam outras festas populares, com destaque para o
envolvimento da escola. No São João a escola organiza uma festa com cavalgada,
barracas de comidas típicas e quadrilha. Os pais acompanham as crianças e as
demais pessoas também participam destas brincadeiras. À noite a maioria acendem
fogueiras e vão para os forros que acontecem nos bares. Durante o carnaval a
escola organiza uma comemoração com distribuição de mascaras para as crianças.
Mas muitos vão para Pirambu Pirambu onde são realizados vários shows.
Além do São João e do carnaval, a escola comemora a páscoa com as
crianças que ganham ovos e pinturas, presentes e se pitam de coelho; no dia das
mães e dos pais é feita uma festa na escola para comemorar junto com eles, e 7 de
setembro é celebrado com um pequeno desfile cívico.
A culinária local é caracterizada por uma diversidade de moquecas e fritadas
de peixes em decorrência da importância da pesca para os dois povoados. As
comidas a base de coco também são típicas assim como canjica, pamonha, quebra
queixo entre outros pratos que tem como um dos principais ingredientes o coco que
juntamente com a mangaba sustentam o extrativismo local.
201

TRABALHAR, BRINCAR E
LEMBRAR: O COMPLEXO
TERRITORIAL DAS
COMUNIDADES
TRADICIONAIS
DO LITORAL
SERGIPANO
202

5 TRABALHAR, BRINCAR E LEMBRAR: O COMPLEXO TERRITORIAL DAS


COMUNIDADES TRADICIONAIS DO LITORAL SERGIPANO

Parece trivial para um geógrafo afirmar que o mundo consiste de espaços e


que esses espaços são apropriados de formas diferentes. Tal assertiva é a base
epistêmica de nossa ciência. Menos trivial é a constatação de que as relações entre
a sociedade e o espaço contêm marcas de usos, símbolos, signos, sentidos e
sentimentos que suturam e substantivam as dimensões material e simbólica do
espaço social.
Reafirmamos que o homem vive e se relaciona em um tempo-espaço
específico, produzindo marcas e construindo novas formas. Essa produção e
construção se dá entre formas e marcas herdadas, que são constantemente
ressignificadas em novas geo-grafias
A disposição e o sentido dos elementos espaciais variam não só entre
espaços de regiões diferentes, diferenças regionais, mas também mudam de valor e
de uso conforme varia o sistema cultural, o modo de vida e até mesmo o tempo
histórico. De fato, como pontuado por Sahr (2007), no fundo existem tantas
geografias como existem múltiplos sistemas culturais.
Existem tantos processos e formas de se relacionar com o espaço, tanto
quanto existem variadas formas e expressões culturais, cada qual comportando um
sistema de códigos, de valores, de representação e de significação próprios.
Façamos o seguinte questionamento: como apreender os sentidos, linguagens,
funções, valores e relações com espaço?
O sujeito do Litoral, entre pescadores, marisqueiras, extrativistas,
caranguejeiros, artesãs, homens, mulheres, velhos e crianças, viventes em
comunidades tradicionais como formações historicamente construídas, se
relacionam com seu espaço de referência na medida em que dele se apropriam
cotidianamente. Ao apropriar-se, segundo valores e normas, constroem signos,
sentidos e relações espaciais socialmente referendadas, passíveis de se apresentar
como construções sociais. Essas construções sociais individuais podem ser
pictoricamente representadas e interpretadas segundo seus elementos e signos
(KOZEL, 2007).
203

A Geografia, as imagens, símbolos e signos sempre tiveram uma estreita


ligação. Na perspectiva técnico/científica serviam para transmitir informações sobre
o espaço conhecido e cartografado. No plano social, imagens ao longo da história
deram suporte para referenciar as rotas, caminhos, itinerários, segundo a
experiência vivida e as práticas culturais de cada grupo humano. No nosso caso a
imagem permite observar e analisar as experiências dos sujeitos na construção de
territórios, analisando sentidos, sentimentos e valores.
Partindo desse pressuposto, empreendemos uma proposta metodológica para
captar, decodificar e interpretar as representações que os sujeitos sociais fazem de
seu território e analisar o processo de apropriação e de representação social no
espaço comunitário. Lembrando como assevera Kozel (2007, p. 115), essas
construções e representações estão inseridas num sistema social situado no tempo-
espaço, portanto, pertencem a um “(...) contexto social, espacial e histórico coletivo,
referenciando particularidades e singularidades”.
Nesse sentido, conforme descrito no capítulo I, foram realizadas cinco
oficinas, sendo três com o título “Minha vida no povoado”, uma em cada
comunidade estudada, Terra Caída, Tigre/Junça e Pedreiras, envolvendo crianças
das escolas municipais de Ensino Fundamental e; duas denominadas “Nossas
referências”, com jovens e adultos nas associações e centros comunitários
existentes nos povoados das comunidades de Pedreiras e Tigre/Junça. As oficinas
obedeceram a uma sistemática pensada didaticamente para expressar aspectos e
elementos da vivência dos sujeitos com o seu espaço de referência cultural.
No primeiro momento de apresentação e motivação, nos apresentamos
como pesquisadores que gostariam de saber como é a vida no povoado pelos
“olhos” de quem vive nele. Em seguida, solicitamos a participação com frases ou
palavras que descrevessem e sintetizassem como é “viver no povoado” e o que ele
tem de mais importante, o que mais gostam, suas “referências”.
Na sequência com os participantes já munidos de papel e lápis colorido,
solicitamos que desenhassem a sua comunidade, suas referências no local, o quê
mais gostam, aquilo que é o mais importante na vida de cada um.
Por fim, os desenhos (representações) foram expostos em longos varais e
todos puderam verbalizar o que eles expressavam. As frases e palavras ditas no
segundo momento ganharam corpo de narrativas que expressaram memórias,
pertencimentos, afinidades, reconhecimentos, mas também, conflitos e tensões.
204

As representações foram tomadas como expressão das referencias à


paisagem do cotidiano. Para Santos (2008a), essa paisagem mostra os objetos e
elementos contidos numa porção do espaço, possibilitando analisar a organização
espacial dos elementos, no nosso caso, aqueles que traduzem o pertencimento e a
identidade com o território. As mesmas foram organizadas, separando cada
elemento da representação: árvore, casa, rua, igreja, rio, maré, conforme indicado
por (KOZEL, 2006 e 2007). No quadro 05 a seguir, sintetizamos os elementos de
representação expostos por cada sujeito:

Quadro 5 Elementos referenciados pelas crianças nas comunidades


Comunidades Terra Caída Pedreiras Tigre/Junça
Elementos

Entorno da paisagem
Sol/céu
Casa (minha)
Árvores
Rio
Coqueiro
Animais
Cotidiano
Campo de futebol
Brincadeiras
Rio/maré; mar
Escola
Outras referências
Pessoas (família)
Escola
Carro e motos
Barco
Igreja
Animais
Peixe, rio, mar
Posto de saúde
Centro social
Ponte
Estrada
Legenda:
Predominante no desenho Compõem o desenho

Fonte: Vargas (2014).

Uma vez decodificado (identificado) cada elemento representado, os mesmos


organizados e analisados segundo o tipo de referencial que expressava: paisagem
de entorno; cotidiano e; referências mais amplas, de forma a permitir uma análise do
205

processo de uso, significado e sentido que cada elemento desempenha na


representação do espaço e da vida do sujeito na sua fase de infância na
comunidade. Os elementos foram analisados conforme a importância atribuída pelo
sujeito, se predominante ou se apenas uma composição que acompanha e
embeleza a representação.

5.1 A casa e a rua50: primeiros espaços de apropriação

O ato de apropriar é um fenômeno social multiescalar no espaço. Ele


perpassa também múltiplas dimensões e tempos da vida. Entretanto, na maior parte
dos estudos dedicados a interpretação dos momentos e dos espaços da vida, é
dada quase exclusividade sobre o mundo do trabalho, conforme aponta (LEAL,
2012).
Quase sempre são pessoas adultas, geralmente homens, os reais “sujeitos”
representados nas pesquisas. Contudo, acrescenta a autora, sabemos que das mais
simples às mais complexas, todas as sociedades criam, em sua geografia do
cotidiano, espaços e lugares destinados à multiplicidade de sujeitos, atentando se
para o fato que um sujeito no decorrer da vida se posiciona de maneiras diferentes
frente a um mesmo espaço. Por essa razão procuramos retratar nesse capítulo o
sujeito em sua trajetória do nascer, crescer, viver, conviver e envelhecer.
Os elementos da representação, presentes no quadro 05 mostram em
primeiro plano que o espaço social da comunidade é estabelecido a partir da casa
como um território do “meu”. Esse Ser vai se descobrindo nas fases de sua vida, na
mesma medida em que amplia o alcance e a cobertura do seu conhecimento sobre
os espaços. A casa aparece como o primeiro lugar da manifestação do Ser
individual na sua relação com o espaço. Buscamos então, compreender a criança na
sua vivência entre lugares reais, concretamente vivenciados e aqueles que sua
imaginação livre e criativa, manipula e referencia também de forma concreta.
A criança parte da casa e do quintal e logo experimenta o sentido do “meu”,
do individual: minha casa, minha família, meu lugar de segurança. Nos lugares
sociais, como a igreja e a escola nos relacionamos nos espaços do “eu com o outro”,

50
Uso esse título de empréstimo e em referência ao excelente e basilar livro de Roberto Damatta
(1997) A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil.
206

o sentido de convivência e participação no futuro. Já na paisagem e nos ambientes


de entorno, temos os “nossos” espaços, que situa-se entre a porção do meu espaço
e o espaço do outro, espaço este onde se estabelecem relações de reconhecimento
dos direitos do nosso território coletivo.

Desenho 1 Representação de casa e quintal


por aluno do 3º ano fundamental, Terra Caída

Fonte: Oficina Minha vida em Terra Caída, 2013.

Na comunidade tradicional, a casa e seus compartimentos adjacentes, como


os quintais, geralmente arborizados, é o primeiro espaço de referência para um
sujeito em sua fase inicial de vida, conforme é expresso na representação contida no
Desenho 01.
O espaço da casa significa as experiências do brincar, do conviver com os
outros, ao mesmo tempo, significa o abrigo e a segurança. Lembramos que nos
primeiros anos de vida as crianças são mantidas no convívio da unidade familiar
mais restrita aos cuidados da mãe e tem na casa o elemento espacial prioritário
(ARIES, 1981).
Não é de se estranhar que a casa apareça então como o elemento mais
representado pelas crianças. Mas não é simples a representação de um objeto
técnico e suas várias formas e possíveis arquiteturas, a casa é o mundo de
vivências, significados e sentidos.
207

Desenho 2 Representação elaborada por aluno


do 3º ano do Ensino Fundamental, Terra Caída

Fonte: Oficina Minha vida em Terra Caída, 2013.

No desenho 02 a criança exibe a casa com predomínio no espaço, mas


acrescenta outros elementos como as nuvens, a chuva. O detalhe mais marcante
são os enfeites juninos que decoram o desenho. Para muitos sujeitos, mesmo
depois de ter trilhado outros de tempos de vida, a casa continua sendo uma espécie
de seu “reino”, um espaço seu por natureza, dos seus e para os seus. É onde se
busca o abrigo, onde se vive em segurança, na companhia de pessoas com as quais
se compartilha vínculos familiares.
Apesar da casa se constituir um elemento central na referência espacial das
crianças, geralmente as representações da casa aparecem acompanhados de
outros elementos, tanto dos que localizam o conteúdo das relações de socialização
como a escola, a igreja e a rua; quanto os elementos da paisagem como as árvores,
o céu e as estrelas.
Tomando essas duas representações, podemos verificar a presença de
outros elementos do espaço e da vida na comunidade para além da casa. Aos
poucos as escolas, as ruas e os campinhos de futebol aparecem e povoam o
referencial. O mundo da casa aos poucos deixa de ser exclusivo e a rua, os espaços
de fora vão sendo incorporados ao sistema de representação do sujeito.
Nesse lugar do infantil, a criança experimenta o movimento de proximidade e
progressiva lateralização das relações, que se inicia a partir dos laços de
208

parentesco, abarcar a parentela próxima, primos e tios e alcança a vizinhança


comunitária, como aponta Brandão (1995, p.136) “ (...) alargam os limites da ordem
familiar cotidiana e se constituem como primeiros espaços extra-núcleos-familiares
de convivência e sociabilidade”, e o quintal, a rua e a escola são espaços
preferências do desdobramento dessas relações.

Desenho 3 Representação elaborada por aluno


do 4º ano do Ensino Fundamental, Terra Caída

Fonte: Oficina Minha vida na comunidade Terra Caída, 2013.

Devemos lembrar que a representação tem um sentido e um significado,


como podemos ver no desenho 03. As crianças representam as praças, as ruas e a
escola como lugares que gostam de estar. E gostam desses espaços, porque eles
significam divertimento e brincadeira.
A primeira forma de conhecer o espaço e dele se apropriar é por meio das
atividades lúdicas, das brincadeiras infantis. Brincar é uma relação social
estabelecida com outras crianças, geralmente vizinhos, no qual em conjunto ou
sozinho se brinca. A brincadeira além do conteúdo psicológico da interação com
outro, a socialização, é também o meio pelo qual os espaços vão sendo
descortinados e reconhecidos.
Quando perguntamos para uma criança do povoado porque você “desenhou”
uma árvore? Ela respondeu: “(...) essa é arvore que subo para brincar, para me
esconder”. Sendo assim, não é uma simples árvore que está sendo retratada, é a
209

“minha árvore”, aquela que tem significado e um sentido para aquela criança. Existe
um sentido na função brincadeira, mas existe ainda um significado do prazer e da
emoção. Contudo, não é só árvore que importa, é a representação do espaço da
árvore e o conjunto de usos que a criança faz dela como um espaço.
A criança não só conhece, mas reconhece o espaço que passa a fazer parte
do seu espaço de referência cotidiana. Dele gosta e dele se lembra. Função espacial
e sentimento se fundem no reconhecimento do território, tal como apontado por Leal
(2012) com base em Tuan (2013, p. 43):

À medida que a criança cresce vai se apegando a objetos, às


pessoas importantes e finalmente a localidades. A curiosidade pelos
lugares faz parte de uma curiosidade geral sobre as coisas, surge da
necessidade de qualificar as experiências que adquirem maior grau
de permanência.

A presença de elementos da natureza como árvores, rios, peixes se tornam


mais frequentes à medida que avança a idade do sujeito. Representações da casa,
da rua e da escola ficam mais escassas e passam a aparecer o rio, a lagoa, a maré
e mangue.
A natureza é aos poucos incorporada aos elementos do cotidiano. O rio é
aquele que se banha ou a lagoa que se vai escondido da mãe e do pai. O tipo de
uso que se faz ainda é o da brincadeira, tal como as representações expostas a
seguir que retratam, respectivamente o complexo de dunas e lagos em Tigre/Junça
e a praia de banho em Terra Caída:
210

Desenho 4 Representação elaborada por aluno


do 4º ano do Ensino Fundamental , Tigre/Junça

Fonte: Oficina Minha vida na comunidade Tigre/Junça.

Desenho 5 Representação elaborada por aluno do 4º ano, Terra Caída

Fonte: Oficina Minha vida na comunidade Terra Caída, 2013.

Paisagens como o rio, a lagoa ou a duna, como aparecem nos desenhos 04 e


05, são apresentadas como locais onde se vai para se divertir, para mudar a rotina,
alterar o ritmo e a intensidade dos acontecimentos. A diversão de um banho na maré
com os colegas é a possibilidade de transgressão do tempo da família e da escola.
211

Por isso, o cenário é retratado com detalhes e carinho, “ (...) lá é bom para tomar
banho, pular do porto, mergulhar na maré”.
Esse “lá é bom” coloca-se em oposição à obrigação de ficar em casa, de
participar do cotidiano da casa ou da escola. É a maneira de ser criança na
comunidade sem shoppings ou playgrounds. Muito embora esses espaços seduzam
e povoem a imaginação das crianças, essas referências que chamamos do
imaginário como piscinas, shoppings, parques também chegam aos jovens das
comunidades do Litoral pelas antenas de TVs, geralmente parabólicas, as mesmas
que afastam e rareiam os mitos culturais como lobisomem.
Segundo Tuan (2013) o horizonte geográfico da criança expande à medida
que ela cresce, mas não necessariamente em direção a uma apropriação escalar
mais ampla. O interesse imediato é pela sua comunidade local, representada pelos
parentes e colegas. A criança pode saltar inclusive localidades próximas e
conhecidas e se fixar em referências mais amplas, incluindo elementos que não ele
conhece apenas no imaginário, como foram o caso das diversas representações de
pés de maçãs, que não compõe a flora das comunidades estudadas ou, até mesmo
elaborados campos de futebol, conforme desenho 06, que são o oposto dos
campinhos esburacados dessas comunidades.

Desenho 6 Representação elaborada por aluno do 5º ano, Pedreiras

Fonte: Oficina Minha vida na comunidade Pedreiras, 2013.


212

Há também representações de práticas sociais como a pesca, a agricultura ou


o extrativismo entre as crianças, mas, o sentido da representação quase sempre não
se refere ao valor ou ao conceito de trabalho. É importante ressaltarmos esse
aspecto, conforme exposto por Tuan (2013), pois a criança não consegue
representar a organização socioeconômica ou relações políticas. As crianças e os
jovens não vêm na pesca uma obrigação ou uma forma de obter renda, uma relação
imposta socialmente. Para eles, pescar é apreender o sentido da tradição com os
pais, os tios, os avós ou frequentemente com outros da sua idade.
Existem situações em que a possibilidade de acompanhar o pai pescador
apresenta à criança a um mundo de águas e aventuras, que tanto lhe fascina. É
nesse contexto que se aprende, por observação, a pescar. Para Leal (2012) a
criatividade inventiva aliada à vontade de ser como o pai, a mãe ou como um irmão
mais velho, frequentemente possibilita a construção e o reconhecimento de novos
espaços, muitas vezes espaços subjetivamente imaginados.

Desenho 7 Representação elaborada por aluno do 5º ano,


Ensino Fundamental, Terra Caída

Fonte: Oficina Minha vida em Terra Caída, 2013.

Geralmente as crianças são levadas pela família ou em companhia de outras


crianças aos espaços e ambientes do entorno da comunidade. É o caso da
marisqueira que leva seus filhos para a coleta dos mariscos ou dos filhos que
acompanham os pais na prática da pesca. Nesse sentido a criança com idade
213

suficiente já participa da unidade familiar, mesmo que por diversão. É a família que a
introduz nos ambientes em que se pratica as atividades tradicionais, mostrando-a
como se faz, transmitindo lhes saberes, ensinando-as os conhecimentos populares e
tradicionais e principalmente, estimulando-as a explorar novas faixas de território,
aumentando, desta maneira, o repertório espacial de referência do sujeito, conforme
retratado no desenho 07 acima.
Porém, para a criança, o sentido contido nessas primeiras experiências de
pesca não é de trabalho, mas sim, de participar de um tempo-espaço de deleite, de
aprendizado, de novidades. A pesca, em especial, exerce um fascínio sobre os
jovens pescadores. Poucos vão obrigados, por força da coerção da família, ao
contrário, em muitos casos, os pais não querem que os filhos sigam esses caminhos
da pesca, “ (...) porque isso não dá futuro”.

Desenho 8 Representação elaborada por aluno do 5º ano,


Ensino Fundamental, comunidade Pedreiras

Fonte: Oficina Minha vida em Pedreiras, 2013.

O que se impõe ao jovem pescador é a força da tradição que move a criança


no rumo a um modo de vida, como singelamente a criança retrata nesse desenho
08: a cena é de um barquinho contendo, provavelmente, os membros de sua família,
deixando o porto para voltar horas depois. Ou, os vários barcos retratados, como
este do desenho 09, sobre a referência do pai pescador e da corrida de barcos nos
festejos de São Pedro.
214

Desenho 9 Representação elaborada por aluno do 3º ano,


Ensino Fundamental, Terra Caída

Fonte: Oficina Minha vida em Terra Caída, 2013.

Visto pela criança, como sujeito, este barquinho leva e traz nos ciclos da água
um modo de vida tradicional. A tradição não se constitui desta forma, uma opção, a
qual se adere ou não. Na tradição se nasce e se vive, ela é um meridiano que
atravessa a vida. Mesmo em algum momento dela (vida) se possa afastar por
situações sociais, como no processo de migrações ou como em mudanças nas
relações de trabalhos.
É dessa forma, pela tradição que a criança é inserida no território de vivência
na comunidade, conhecendo e se reconhecendo nesse espaço, em especial, por
meio de sua apropriação, na diversão e nas brincadeiras, mas também na prática
das atividades. Nesse sentido, não há limites para a imaginação infantil que
transforma um lugar às vezes proibido em uma representação de um lugar
imaginado (LEAL, 2012).

5.2 O território de “fora” da casa: trabalho e convivência

Reafirmamos que para a compreensão das relações entre o sujeito e seus


espaços de referência é central o entendimento do tempo-espaço da brincadeira
215

como um fato cultural que atua primordialmente no processo de apropriação


territorial realizada pelo sujeito social na fase da infância.
O adulto por sua vez, representa os espaços, mas o conteúdo significante não
é mais a brincadeira e o deleite, esses valores de lazer praticamente desparecem
nas representações do território e quase não são referenciados pelos sujeitos
sociais em sua fase “ativa”. Nessa altura o trabalho passa a ser o vetor
predominante da apropriação cultural.
Por sua vez os “adultos” em suas representações e entrevistas expressaram
um quadro de referências do espaço que parte do cotidiano do trabalho no entorno,
passando por elementos do território que indicam o uso dos espaços de participação
social, tais como as igrejas, as associações e os centros comunitários, bem como,
fazem referência a elementos simbólicos das festas e folguedos.
Neste aspecto o quadro 06 foi sistematizado com os elementos representados
pelo grupo de adultos participantes das oficinas: Nossas Referências, conforme
apresentado no capítulo I:

Quadro 6 Elementos referenciados pelos adultos


Comunidades Terra Caída Pedreiras Tigre/Junça
Referências

Pesca
Igreja/festa padroeiros
Extrativismo vegetal
Pratos típicos
Roça
Artesanato
Centro Comunitário
Vegetação
Escola
Posto de saúde
Festas populares
Folguedos
Porto* *
* Em branco não foi citado

Legenda: Muito importante Importante

Fonte: VARGAS (2013).


216

A exposição dos elementos de referências para o sujeito indica que na


medida em que ele exerce novas funções sociais na sua comunidade, os elementos
do espaço vão sendo mais fortemente apropriados. O entorno da comunidade é
incorporado como o espaço de referência cultural. Isso significa que o mangue, o rio,
a duna, a lagoa tornam-se centrais para as práticas de trabalho e para o modo de
vida da comunidade.
O ambiente, os espaços e os lugares da prática de trabalho, outrora do
tempo-espaço do divertimento, são nomeados e reconhecidos segundo suas
qualidades e seus valores relativos às atividades que lá são desenvolvidas. Por essa
razão afirmações do tipo: “Esse lugar aqui é bom para pescar, aqui dá peixe”, tem
um significado importante para a comunidade, pois ela expressa o saber tradicional,
o reconhecimento e o manejo do ambiente.
A apropriação espacial nesta fase da vida envolve principalmente a prática
cotidiana do trabalho. O ir e vir à roça, a procura pelo fruto na época da colheita, o
tempo da pesca são práticas que os situam no tempo-espaço do trabalho. Alguns
autores como Diegues (1994, 1999) e Brandão (2012) corroboram sobre a
importância que as práticas de trabalho representam no modo de vida tradicional.
Se alguns sujeitos conhecem um território tradicional desde a sua fase de
infância por práticas cotidianas próprias dessa idade, o reconhecimento e o
envolvimento com território se consolidam na fase adulta, sobretudo por meio do
exercício do trabalho cotidiano. As práticas de trabalho diárias envolvem o
conhecimento tradicional do espaço, dos seus ambientes e ecologia e o manejo
social desses espaços.
O conhecimento sobre o manejo do ambiente, especialmente entre
pescadores, mas não somente restrito a eles, advém segundo Marques (1995), de
dois sentidos: um vertical, adquirido com oralidade da transmissão do saber-fazer
tradicional e; outro na horizontalidade das relações cotidianas com o meio,
envolvendo o trabalho e as representações sociais criadas na historicidade das
relações vivenciadas.
Além da classificação ecológica dos espaços, as práticas tradicionais de
trabalho se estabelecem na organização social da comunidade. Quem faz parte,
quem está incluído, quem pode usar, como usar, como dividir o espaço? Esse poder
de nomear e dizer o que pode e quem pode e, de reconhecer direitos, envolve um
código socialmente compartilhado e reconhecido pela comunidade.
217

Esse poder de classificar, de qualificar é base para o entendimento da


constituição dos espaços possuídos estudados por (MARQUES, 1995). Ao dividir
socialmente, qualificando a natureza da posse, se estabelece mais do que uma
delimitação territorial grosso modo, pois o ato de separar e relacionar pessoas e
práticas a um espaço carrega um sentido de controle, acesso, exclusão e inclusão.
O uso dos elementos de representação para unir espaços e sujeitos reconhecidos
equivale a estabelecer regulações espaciais nesse caminho. Os espaços possuídos
são de fato, verdadeiros territórios, tendo a pesca como elemento espacial, o que
indica a territorialidade tradicional contida nas práticas cotidianas de uso desses
espaços e no reconhecimento do respeito ao espaço do outro. Esse processo é
também observado nas regulações espaciais das lagoas para extração do junco e
taboa e com menor nitidez nos territórios da mangaba.
Antecipemos aqui que o “entorno” das comunidades é composto por espaços
e lugares sociais comunais, ou seja, não se constituem ao menos em princípio,
como propriedades individuais no sentido mercadológico. Como são espaços
comuns, sem a imposição de títulos legais, o uso também é comunitário, contudo
regulado. Essa regulação é realizada por meio de normas e princípios socialmente
reconhecidos e respeitados.
A prática do extrativismo na coleta de mariscos, por exemplo, é uma atividade
que envolve grande contingente de homens e mulheres. Todos têm direito a ocupar
temporalmente os espaços de coleta de massunim, mas cada pessoa ou grupo
familiar ocupa apenas uma porção que satisfaça suas necessidades ou ocupam a
porção de espaço adequado à sua capacidade de trabalho, respeitando o espaço
necessário ao outro. Essa lógica carregada de sentido normativo está distante da
lógica da propriedade privada clássica, em que o espaço é tomado como mercadoria
individual.
Independente da qualidade da regulação, que é variável, a depender da
disponibilidade de recursos nos lugares e da quantidade de pessoas para explorá-lo,
participar da regulação social comunitária implica em aceitar tais códigos de
condutas e assumir um compromisso mútuo com a sua comunidade.
Esse envolvimento resulta em uma dupla dimensão de compromissos: do eu
com outro em minha comunidade, respeitando direitos e; do eu com meu espaço,
criando laços com o território. Lembremos também, que essas regras, não se
constituem leis no sentido jurídico do Estado-nação, pois também não há instituições
218

de vigilância e controle destinadas a punir eventuais transgressões, por isso o


caráter de envolvimento mútuo.
Geralmente, a transgressão de algum pescador que não respeita o direito ao
espaço do outro ou, no limite situações de roubo, pode gerar conflitos que são
frequentemente solucionados pelo constrangimento social. Registramos relatos nas
três comunidades que envolve desde a transgressão dos espaços da pesca até
pequenos “furtos” de frutas e pequenos animais.
Além do conteúdo sociológico da prática da transgressão perante o grupo, o
conteúdo territorial é importante, pois demonstra a existência do comprometimento
de uso e a existência de regras tácitas. Mesmo não existindo uma instituição com
poderes delegados fora das relações comunitárias, por exemplo, uma polícia, há
uma legitimação presumida do direito de uso de um território comunitário.
A presunção e o reconhecimento da existência de direitos de uso, na figura da
posse útil são fundamentais para entender a extensão do trabalho como qualificador
do espaço e como criador de territórios. Apesar dos mangues, rios, dunas e lagoas
se constituírem como espaços de “todos”, geralmente são ambientes legalmente
protegidos e, portanto, não sujeitos, em tese, às apropriações privadas.
Contudo, é cada vez mais crescente, nos espaços litorâneos, o avanço de um
vetor de apropriação da natureza, seja para fins de uso turísticos ou de recreação,
seja para fins de moradia (também sem titulação legal), seja para fins econômicos
privados como, por exemplo, grandes fazendas, que às vezes cercam as
comunidades e impõe uma lógica completamente diferente do sistema de
representação comunitário que a população desenvolveu. Tal situação é mais nítida
no Tigre/Junça no que se refere a extração do junco, taboa e mangaba. Os
proprietários das terras vêm crescentemente “limpando” as lagoas e impedindo a
entrada dos extrativistas em suas terras.
Fora da casa, no meio do caminho para os lugares de trabalho, situado no
entorno, os espaços de interações sociais são elementos de apropriação muito
retratados nas representações espaciais obtidas nas atividades que realizamos.
Grande parte da rotina de um pescador ou de uma artesã envolve a
cotidianidade e “convivialidade” no e pelo trabalho. Esse mundo vivido, do trabalho e
de seus espaços é onde se passa a maior parte da vida. Neste lugar de trabalho é
possível verificar com maior intensidade a geograficidade dos diferentes tipos de
sujeitos sociais. Assim, o trabalho é matéria vertente para a territorialidade
219

tradicional. O trabalho significa percorrer itinerários cotidianos que atravessam


paisagens distintas e que implicam no desenvolvimento de um estado de percepção
próprio, envolvendo o ambiente e as práticas de trabalho enquanto técnica e
tecnologia.
A (geo)graficidade é a expressão no espaço de uma relação de profunda
intimidade entre o ambiente e o sujeito, revelando sua condição humana no tempo-
espaço, ou seja, a natureza cria o sujeito, na medida em que ele toma consciência
de si.
Os ciclos dos tempos da vida em comunidade como constata Brandão
(1995), envolve um tempo da participação social. São momentos de interação e
participação em comunidade, geralmente associados ao mundo do trabalho ou a
participação em ciclos sociais de organização do trabalho, como membro de
associação de moradores, de pescadores, de marisqueira, de artesanato.
O fato e o ato de participar além de preencher o tempo social em comunidade
e simbolizar os compromissos mútuos nas sociedades tradicionais, repercutem e se
ligam ao aspecto territorial, não só porque os espaços de participação como as
sedes de associação, uma igreja, uma escola, constituem espaços territoriais
comunitários e para esse fim são normatizados, mas, sobretudo, porque expressam
um conteúdo específico na fenomenologia da apropriação espacial na comunidade
tradicional. Eles são espaços de todos, diferentemente da casa, o espaço privado da
família e dos lugares de trabalho, comuns na garantia de direitos, mas geralmente
privado no tempo de uso.
Para frequentar os espaços da associação, da igreja ou do centro comunitário
muda-se o tipo de roupa que se veste habitualmente em casa e no trabalho. Uma
reunião de associação tem uma organização específica e se constitui um aspecto
quase ritual, trata-se de um evento cuidadosamente planejado, com pauta definida e
realizado em horário diverso ao trabalho cotidiano.
220

Foto 16 Reunião na sede da associação em Pedreiras

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura, 2014.

Frequentar a reunião é uma obrigação comunitária, mas também é um


momento social quando se afasta da rotina do cotidiano e do trabalho diário. Apesar
de social, o espaço da associação é seletivo e selecionável, só frequenta as
atividades quem tem interesse ou assuntos comuns. Nessa perspectiva é
compreensível a importante referência atribuída às sedes de associação, conforme
exposto na foto 17, capturada por um participante da oficina em Tigre/Junça. Para
ele há um certo orgulho pelo bom funcionamento da associação como elemento
social relevante para a vida comunitária, mas também pelo “valor” do prédio como
estrutura arquitetônica, visto que ela difere do padrão de construções do local, se
constituindo na visão dos moradores como um símbolo de prosperidade da própria
comunidade.
221

Foto 17 Sede da associação na comunidade Tigre/Junça

Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura, 2014.

Outro elemento referenciado que merece destaque é o espaço da igreja ou


das igrejas. A maioria da população das comunidades estudadas apresenta-se como
praticantes da religião católica, muitas delas têm santo padroeiro ou até mesmo tem
seus nomes derivados de alguma influência religiosa.
Ainda que registrássemos a presença de outras instituições religiosas,
notadamente, o aparecimento de grupos evangélicos e a maior visibilidade social
conferida recentemente aos praticantes do candomblé, a referência espacial que
mais se destaca é da figura da igreja católica, como presente no desenho 09.
Apenas na comunidade Pedreiras e somente em uma referência a igreja evangélica
foi retratada.
O espaço religioso é apropriado em pelo menos duas dimensões: (i) o espaço
do sagrado, da prática do ritual religioso; (ii) espaço de participação, com atividades
sociais da comunidade, com reuniões. De certa maneira, a instituição igreja também
participa da vida comunitária, muitas vezes cumprindo funções de organização
coletiva e se aproximando da vida social, o que explica a pluralidade de referência à
igreja, nesse aspecto a igreja é mais missionária do que devota.
A referência ao espaço da igreja como espaço sagrado do ritual religioso
favorece a que ela seja apropriada como paisagem cultural nas comunidades,
conforme retratado no desenho 10.
222

Desenho 10 Representação elaborada por homem adulto,


pescador e morador de Pedreiras

Fonte: Oficina Nossas Referências, Pedreiras, 2014.

Além de sua referência como templo da prática da fé católica, ocorre a


referência arquitetônica como um bem, uma paisagem que tem significado e é uma
forma herdada do passado, pois ela foi construída no início do século XX, foi isso
que tentou demonstrar o morador e pescador na foto 18. Para esse morador trata-se
de uma referência de patrimônio histórico de Pedreiras, como uma forma espacial
herdada.

Foto 18 A igreja como referência espacial para moradores de Pedreiras

Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura, 2014.


223

Por isso, sedes de associações, igrejas e outros espaços que se prestam


para os fins das atividades de interação social são lembrados com frequência para
expressar os espaços da comunidade. A participação reforça o compromisso e o
reconhecimento do território, mas resulta em maior envolvimento dos sujeitos com o
espaço de referência. As associações cumprem uma função institucional importante
na organização e regulação do território. É para estas instituições que muitos
conflitos territoriais são direcionados.
O exame do vivido, suas instituições, condutas, cenas e valores permite
compreender o sujeito no espaço. Esse mundo das vivências e da experiência é um
conjunto de coisas, objetos, valores, mitos, ritos, como um fato cultural, portador de
sentidos e significados. Desta maneira, trabalho, divertimento, memória, instituições
e sentidos são fatos culturais que narram à experiência do Ser no seu contexto
social e no espaço.

5.3 Da paisagem ao território

Ao representar um território somos também representados por ele: quem


somos, de onde falamos, como falamos, em que círculo falamos, de que espaço
falamos, são cenas das representações sociais que os sujeitos fazem tendo o
espaço do Litoral como cenário de inscrição da vida comunitária cotidiana.
Nas experiências cotidianas desenroladas como formas de vivências,
concretas e simbólicas, isto é, na maneira intensa e profunda com que um sujeito,
seja ele um pescador ou uma artesã que retira taboa em uma lagoa no entorno de
sua comunidade, se relaciona com o espaço e com ele aprende, é que se
estabelecem conhecimentos, que se criam conceitos e que se formam os conteúdos
por meio dos quais o Ser social e individual organiza e compõe um quadro de
referências do seu espaço no mundo. Muitas vezes esse quadro referencial é
próprio e peculiar sobre o seu território ou sobre um território coletivo,
comunitariamente partilhado e socialmente apropriado.
Na teoria sobre representações de abordagem psicossocial, Moscovici
(1978) denomina esse processo de aprendizagem e atribuição de conceitos sociais
aos aspectos apreendidos na relação com o meio ou mesmo na relação entre
224

sujeitos, como “objetivações”51 do real. É nesse processo de criação de sentidos no


território que podemos repartir os “momentos da vida em comum”. Assim sendo, a
apropriação do espaço nas comunidades que estudamos envolve a experiência com
o ambiente de entorno explorado socialmente.
A representação que as comunidades tradicionais do Litoral de Sergipe fazem
sobre espaço de referência cultural perpassa a dimensão do cotidiano de suas
práticas de trabalho, das brincadeiras da infância e da memória:

O nosso cotidiano é organizado segundo uma relação móvel, mas


permanente, de aqui e agora. Cada um dos momentos de minha vida
é uma encruzilhada entre um aqui (espaço ocupado pelo meu corpo
em meu mundo) e um agora (momento que eu vivo em um
determinado espaço do mundo) (BRANDÃO, 2008, p. 14).

As representações envolvem sempre a presença e a ausência, um movimento


dialético de como percebemos o mundo, de como o concebemos e como afinal o
representamos, no processo vivido. Para representar o espaço elaboramos e re-
elaboramos uma interpretação permanente da relação sociedade e natureza. O
próprio ato de pensar sobre o espaço em si mesmo é uma operação de
representação:

Pelo trabalho o ser humano domina a natureza e se apropria


parcialmente dela. O trabalho não pertence à natureza. Ele chega a
ser “contra a natureza” em dois sentidos: enquanto labor exige o
esforço e disciplina - modifica a natureza em torno do homem e
dentro do homem. [...] O trabalho é produtor de objetos e de
instrumentos de trabalho. Mas ele é também produtor de novas
necessidades; necessidades na produção e da produção. Assim,
pouco a pouco, a necessidade atinge formas mais altas e mais
profundas, mais sutis e mais perigosas: desejo de presença (e
presença do desejo), poder do desejo (e desejo do poder).
(LEFEBVRE, 1994, p. 182).

A apropriação-valoração (significado e significante), que o autor refere-se,


pode ter um duplo caráter: podendo operar no nível da apropriação instrumental-
funcional (atribuindo valor de uso, fonte de recursos econômicos, suporte material
das relações sociais) em que o território consistiu-se como base, fornecedor de
suporte físico-econômico, para expressar lógicas de organização econômica das
atividades cotidianas, (onde se pesca, se coleta mariscos, se extrai mangaba, taboa,

51
Objetivações entendidas a partir das ideias de Moscovici (1978) sobre a formação das
representações sociais, envolvendo a formulação e assimilação de um novo conteúdo e sua
objetivação e cristalização em determinado contexto cultural.
225

junco, se planta, quem faz, o espaço que cada um pode ocupar em cada período de
tempo), ou ainda; como simbólico-expressivo (valor cultural, suporte simbólico-
ideativo das práticas sociais e culturais), no qual o território corresponde ao
elemento gerador de crenças, mitos, ritos, costumes, o que corresponde a um
território como fundamento das relações que organizam o mundo simbólico.
Afinal, o mundo social com suas representações, contém espaços vividos por
diferentes grupos, neles são expressos suas vivências, mas, também seus conflitos
e tensões. O processo que responde a formação de objetos culturais ancora-se nos
fatores culturais já mencionados, alimentando-se e retroalimentando-se na
apropriação espacial cotidiana e tradicionalmente estabelecida suturando formas e
modos de ver no espaço.
Essas formas de apropriação são separadas apenas como recurso analítico,
pois, no que concerne a vivência cotidiana elas estão absolutamente indissociáveis,
estão imbricadas uma na outra, sendo desta maneira, o território a base material e
também fonte de símbolos, ritos e mitos.
O conhecimento que confere significado ao território, às paisagens parece
obedecer a um regime cíclico que se inicia na infância, na qual os sujeitos exploram
o ambiente desde a casa, a escola e o entorno mais imediato com uso para fins de
lazer e brincadeiras.
Nas comunidades litorâneas, como pontuamos, o alcance do uso do espaço
vai se alargando na mesma medida em que as experiências sociais também são
ampliadas quando os jovens pescadores assumem e desempenham papéis e
funções sociais mais amplas. Na perspectiva do jovem e do adulto, o sentido do
trabalho determina a incorporação dos espaços que convertem paisagens antes
ligadas ao deleite e a diversão em espaços onde se desempenham papéis e funções
de trabalho e de reprodução da vida, em última medida em lugares onde se realiza
cotidianamente o trabalho.
O conhecimento profundo da paisagem e do ambiente é fundamental para a
estratégia de obtenção de meios de vida. Os sujeitos sociais se estabelecem e se
especializam de acordo com o componente da paisagem que é apropriado. O
mangue oferece o caranguejo, os sujeitos sociais que se identificam socialmente
com a atividade são conhecidos como caranguejeiros. A faixa de areia entre o
mangue e o rio é rica no massunim, essa faixa é ocupada cotidianamente por
marisqueiras que revolvem a areia em busca do pequeno marisco e o levam para
226

casa para completar o trabalho de limpeza e preparo. Em maior quantidade o peixe


é pescado no estuário e no mar, essa atividade absorve a maior parcela da
população.
A ocupação e o controle social da paisagem indica seu uso como a função de
território. O espaço social da comunidade se alarga: dunas, praias, rios, marés,
restingas e mangues são apropriados segundo suas qualidades naturais e sua
capacidade de receber as práticas de trabalho tradicionais para obtenção de meio
de vida.
Os territórios das comunidades litorâneas estudadas são frutos da
apropriação que se realiza entre espaços e ambientes. Nesse sentido, o território é
sempre múltiplo. De fato, o território é apropriado como um complexo que se
estabelece entre o sítio urbanístico, lugar de morada e de convivência e o entorno
paisagístico no qual se pratica trabalho, lugar de trabalho. Nesse aspecto a cultura
e os objetos culturais, materiais e simbólicos conferem densidade e tessitura à
relação entre espaço e sociedade, entre cultura e território, criando sujeitos, histórias
e geografias.
Segundo Gimenez (1999), a cultura, pensada como feixe de relações, resulta
na apropriação: (i) como espaço de inscrição da cultura, no qual o território carrega
marca da história objetivada por meio do trabalho, do divertimento, da memória, ou
seja, como a significação e singularização dos lugares bem retratadas nas
representações que apresentamos anteriormente; (ii) como marco ou área de
distribuição com a presença de instituições e práticas culturais determinadas, por
exemplo, na distribuição das casas ou na presença sempre referenciada das igrejas
e templos. São, portanto, elementos culturais fixados (normatizado e perenizados),
pois estão inscritos no território e existem segundo um sentido e um significado
próprio, caracterizando e comunicando padrões distintos e peculiares de
comportamentos, trajes típicos, festas tradicionais e rituais; (iii) como objeto de
representação e de apego afetivo, sobretudo como símbolo de pertencimento sócio
territorial. É a forma mais expressiva de como os sujeitos (individuais e coletivos)
interiorizam o espaço e o integram ao sistema cultural de seu tempo.
Para o autor, esse modo peculiar de apropriação permite que uma realidade
territorial “externa”, culturalmente marcada, passe a uma realidade territorial
“interna”, como resultado da “filtragem” subjetiva da primeira, com a qual coexiste –
227

representações. Esta dicotomia reproduz a distinção entre formas objetivadas e


subjetivadas da cultura, conforme exemplo exposto no quadro 07 a seguir:

Quadro 7 relação da paisagem ao território nas comunidades tradicionais estudadas

FASES DA USOS DA PAISAGEM DA PAISAGEM AO TERRITÓRIO


VIDA
Brincadeiras, divertimento, Trabalho como membro da unidade
Infância
sociabilização Familiar
Lazer – esporádico e Práticas de trabalho, organização
Adulto
restrito econômica e sociabilização
Práticas de trabalho quando as condições
Idoso Contemplação, memória
físicas permitem e; território como
lembranças, como memória
Org.: SANTOS, Rodrigo H. Sistematização a partir de dados de pesquisa de campo do projeto:
“Grandes Projetos e Identidades Locais”, 2013.

Neste quadro intentamos mostrar as relações sugeridas pelo autor nas


comunidades estudadas. Ele foi elaborado a partir da observação e depoimentos de
moradores colhidos nas três comunidades que estudamos no Litoral de Sergipe. Sua
análise aponta que o processo de apropriação do território na comunidade
tradicional não se desdobra por um efeito de segmentação de classe social de
tipologia de trabalho, por exemplo, espaços de pescadores em oposição a espaços
da pequena agricultura.
A apropriação do espaço e usos que qualificam certas porções da paisagem
como territórios se estabelece em função dos usos e dos significados atribuídos
pelos sujeitos sociais nas diversas fases da vida. Ainda que existam diferenças de
valorização social de classes de trabalho entre pescador, extrativista e agricultor,
nas comunidades tradicionais, o sujeito social, com raras exceções, praticam
múltiplas atividades, o pescador que entra na canoa e navega, tanto pesca quanto
cata marisco: “(...) depende da maré e do dia, se sair peixe a gente pesca, se não
sair peixe pegamos o massunim e o aratu, o importante é não voltar com a canoa
vazia, porque tem de alimentar a família”.
Neste caminho, Torres (2014) inventariou o sistema de representação de uso
do espaço na comunidade de Pedreiras, em especial, como referencial para o
estabelecimento de portos individuais. A maioria deles é conhecido pelo nome do
morador que o criou. Mais do que isso, esse sistema de referências indica um
complexo estabelecimento de pontos ao longo do percurso do território que é
228

utilizado como meio de transporte, no passado e, como apoio à prática da pesca no


atual.

Quadro 8 Sistema de referência de Portos, comunidade Pedreiras

RIO MARÉ PONTOS DE “PORTOS”


REFERÊNCIA
Vaza Barris, Em São Cristóvão: Porto do Maninho;
rio das Pedreiras, Ilha Mém de Sá Sarafina Grande Porto do Dedé;
rio de Dentro Ilha Paraíso Porto de Elze;
Ilha do Veiga Porto de Josenite;
No Mosqueiro: Boca da Porto do Finado
Barra; Ponta da Veia; Chicão;
Santa Maria
Baleia; Ribeira; Caju; Porto de Miguelzinho;
Taipú Porto de Matias;
Parauí Outros: Ponta do Davi; Porto do Finado Paulo;
Caruara; Malacabado; Porto do Finado Pedro
Água Boa Purga e Chica de Malta;
Tejubeba Porto do Zequinha;
Porto do Trapiche
Coqueiro
Riacho do Carmo
Rio do Dendê

Fonte: Torres (2014, p. 75).

O sentido e o significado de cada espaço pode variar, segundo a fase de vida


e o alcance da experiência do sujeito. O rio do “mergulho” com os amigos se
transforma em território de pesca quando o que está em jogo é o sustento da família.
A possibilidade de existir diferenças territoriais envolvendo gênero e grupos
diferentes, o valor trabalho, divertimento ou memória permanecem.
Reafirmamos a importância das práticas de trabalho, neste caso as
tradicionais, com destaque para a pesca e a agricultura de pequena escala, nas
quais os elementos da paisagem (dunas, mangues, lagoas, rios) são tomados como
espaços-territórios de usos comuns, que ao mesmo tempo é produto e produtor de
uma cultura de pesca litorânea propriamente dita. Nesses termos, o ambiente tanto
cria um sujeito social, pescador tradicional, tanto quanto é territorializado por ele.
A composição de uma base socioeconômica das comunidades estudadas
reforça a importância da atividade pesqueira e a articulação dela com a existência
de outras atividades complementares. Essa prática social é considerada muito
importante ou central nas comunidades litorâneas do Estado. A importância atribuída
229

significa que a maior parte da população pratica ou se considera pescador e a


produção material econômica dela decorrente é a mais expressiva dentre todas as
outras atividades. Compõe a base socioeconômica dessas comunidades a prática
agrícola e extrativista tradicionais, bem como observamos o surgimento de “novas”
formas de trabalho ligadas ao mercado formal, bem como a ressignificação de
práticas extrativistas, que podemos chamar “novas atividades tradicionais”, como
caranguejeiro, as marisqueiras, mangabeiras e artesãs de palha, conforme
exemplificamos no quadro 09 :

Quadro 9 Atividades da base socioeconômica por comunidade


FORMAS TRADICIONAIS NOVAS FORMAS DE
Atividades TRABALHO
Const.
Comunidades Pesca Agric. Ext.(1) Civil (2) Serviços Autôn.(4)
(3)

Terra Caída
Tigre/Junça
Pedreiras
Legenda: Muito Importante Importante
(1) Mangaba, coco e palha (artesanato); (2) Pedreiro, eletricista, encanador, marceneiro, etc; (3) doméstico, vigilante,
funcionário público; (4) bar, pousada e restaurante, atravessador, piloto de barco.

Fonte: VARGAS, 2013.

A atividade de pesca no Litoral pode ser entendida como um sistema geral em


que se inclui a pesca tanto no rio/estuário como no mar – atividade
predominantemente praticada por homens. A mariscagem – extrativismo praticado
no mangue ou na maré como preferem os moradores locais, que tem como produto
o aratu, mariscos em geral e caranguejos, em via-de-regra é uma atividade praticada
por mulheres.
A arte pesqueira envolve um saber fazer, cuja transmissão de conhecimento
sobre regras sociais de pesca, sobre a técnica, o manejo do ambiente e os
significados culturais perpassa a oralidade como elemento primordial de difusão. Tal
situação garante certa autonomia na relação de trabalho, fundamento que tem sido
lembrado pelos teóricos como um dos traços que caracterizam o sentido da
230

tradicionalidade presente nessas comunidades, (BRANDÃO, 2012)52. Catalogamos


uma grande variedade de formas de pescar, conforme apresentamos no quadro 10 a
seguir:

Quadro 10 Tipos de pesca no Litoral de Sergipe

ARTE DE PESCA TIPOLOGIA DE DESCRIÇÃO DA PRÁTICA


ARTE
Arte usada na captura do camarão, tanto o
Coleta de camarão Armadilha marinho, como o de água doce. Podem ser
usados covo, puçá ou jererê
Coleta manual exclusiva da espécie sururu
Coleta sururu Arte manual
Coleta manual exclusiva da espécie
Coleta caranguejo Arte manual
caranguejo ou guaiamum
Coleta ostra Arte manual Coleta manual exclusiva da espécie ostra
Captura exclusiva da espécie aratu, podendo
Armadilha ou arte
Coleta de aratu ser realizada tanto com "vara e linha" como
manual
por covos
Captura exclusiva das espécies siri, lambreta
Coleta manual Arte manual
e Massunim
É uma rede nylon, usada por pescadores
artesanais. Geralmente o arrasto é realizado
Arrasto Rede de arrasto em praias, envolve vários pescadores e a
ajuda de canoas para apoitá a rede.
Arrasto duplo realizado pelas lanchas
Arrasto duplo Rede de arrasto motorizadas que capturam o camarão
marinho
Pequena rede de arrasto (geralmente menor
que 10 de comprimento), tracionada por duas
Rede de calão Rede de arrasto pessoas na suas extremidades, através de
uma vara de madeira, também chamada de
“calão
É qualquer tipo de rede de emalhe. Pode ser
Rede de emalhar Rede de emalhar fixa ou à deriva, é conhecida também como
rede de caceia
Rede de encobrir que se abre quando
Tarrafa Rede de arrasto lançada (formando um círculo) e se fecha
naturalmente quando recolhida. É usada nas
margens dos estuários e/ou no mar
Refere-se a qualquer tipo de pesca que
Linha Linha de mão envolva uma linha, anzol e uma isca.
Exemplo: grosseira. Praticada individual com
ou sem apoio de barcos.
Rede de emalhar usada exclusivamente para
Caceia pilombeta Rede de emalhar
a captura da pilombeta
Rede usada para cercar as margens do
Camboa Armadilha manguezal. Aprisionando assim, várias

52
BRANDÃO, C. R. A comunidade tradicional. In: COSTA, João Batista; OLIVEIRA, Claúdia Luz de.
Cerrado, gerais, Sertão: comunidades tradicionais nos sertões roseanos (Orgs.). São Paulo:
Intermeios, 2012.
231

espécies de peixes que serão capturados na


maré de vazante
Armadilha montada no mangue usada na
Ratoeira Armadilha
captura do caranguejo ou guaiamum
Covos usadas exclusivamente na captura da
Covo de peixe Armadilha
amoreia.
Fonte: SANTOS, Rodrigo H. Sistematizado a partir Relatório do IBAMA (2014) e da realização de
pesquisa de campo, 2014.

Não se pesca apenas como atividade técnica de lançar uma rede e recolhê-la.
A pesca envolve um universo social e territorial extenso e complexo, que começa
muito antes do barco deixar o porto do Dedé nas Pedreiras. Ela começa muitas
vezes na fabricação de apetrechos, na preparação do barco, na limpeza e no
tratamento do pescado e, por fim, na comercialização.
A pesca como atividade sociológica é uma ação social, envolve todas as
dimensões da vida comunitária, desde o jovem pescador que imita o pai, até a
economia das trocas simbólicas e os laços de reciprocidade estabelecidos com os
“companheiros de pesca”. Na pesca não se pega somente peixes, se cria relações.
Essa centralidade que ainda persiste em torno da prática pesqueira contribui
para a manutenção das características tradicionais, mesmo com o avanço de outras
práticas de trabalho, especialmente as que envolvem a formalização do trabalho e a
perda de autonomia. Contribui ainda para a permanência e o sentido tradicional do
modo de vida, pois permanecem as lógicas próprias do mundo tradicional e os
sentidos de práticas sociais.
A obtenção de produtos para realizar a reprodução social e econômica nas
comunidades inclui também a prática de outras atividades como agricultura de
pequena escala (macaxeira, arroz, etc.) e o extrativismo do coco, de forma
complementar por outros membros do povoado ou como segunda atividade
praticada pelos próprios pescadores, conforme apontado no quadro 09.
O sujeito que pesca, também cata o aratu e ele vive segundo o que a
natureza oferece. “Se não sair peixe pegamos aratu, o importante é não voltar sem
nada”, reafirma um pescador que entrevistamos. Essa polivalência em se transitar
entre várias técnicas de pesca estende-se também para uma múltipla funcionalidade
de trabalhos, ou seja, o pescador também coleta ou planta uma pequena roça. Ser
um sujeito que exerce várias atividades garante autonomia e liberdade.
232

A unidade familiar é a base social da produção econômica, pois mães, pais,


filhos e a “parentada” se unem para viabilizar o sustento da família. “Catar massunim
é fácil, o problema é na hora que chega em casa, ai tem que ferver, descascar, todo
mundo tem que ajudar”. Desde o filho ou filha, passando pelos tios e vizinhos todos
se unem para dar conta da dura tarefa.
Sobre a base socioeconômica exposta no quadro-09 destacamos ainda, a
importância atribuída ao artesanato na comunidade Tigre/Junça. Nos últimos anos
essa atividade, como prática de trabalho vem crescendo. Atualmente ela absorve um
número considerável de mulheres da comunidade e representa um fator de geração
de renda e de manutenção da autonomia de trabalho. Sobre o aparecimento e
importância dessa atividade ressaltamos duas questões.
A primeira diz respeito à forma como a atividade foi introduzida nas
comunidades. O artesanato como atividade é algo recente, sua introdução foi feita a
partir da oferta de cursos de capacitação pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas – SEBRAE, no final da década de 1990. Dessa iniciativa um
grupo de mulheres continua lidando com a atividade e comercializa esses produtos
em feiras regionais como um produto tradicional.

Foto 19 Espaço de comercialização dos produtos

Fonte: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Ago., 2014.

Nesse sentido, vale lembrar que o artesanato em termos de processo de


trabalho como vimos é uma iniciativa recente. Algumas mulheres da comunidade
233

portavam um saber-fazer que incluía a habilidade de manejar a taboa e o junco,


visando produzir utensílios domésticos ou de trabalho, mas não o aproveitamento do
material como um produto a ser comercializado.
Nesse sentido, o processo de produção do artesanato de fibra se constitui
uma “tradição” recentemente “inventada” nos termos consagrados por Hobsbawn
(1983), mas efetiva ao se consolidar como uma alternativa de ocupação e renda
para uma parcela das populações, especialmente para as mulheres.
A segunda observação refere-se aos espaços as dimensões espaciais da
produção do artesanato de taboa e junco principalmente. Nas comunidades de
Tigre/Junça, a produção artesanal de produtos das fibras envolvem três segmentos
de processos de trabalho: a retirada de material “bruto” dos ambientes alagados no
entorno da comunidade; o tratamento do material bruto e a confecção de peças na
sede da associação; a comercialização realizada em feiras regionais, conforme foto
19 e na sede da associação.
Além da já apontada consequência sobre a manutenção da autonomia do
trabalho, verificamos também, a possibilidade de articulação entre os espaços de
produção e os ambientes de entorno da comunidade.
O processo de trabalho para confecção de artesanato reconstrói o movimento
cotidiano de frequentar os espaços de entorno, de reconhecê-lo, inclusive de criar
um sistema de representação que indica os sítios mais propícios para a retirada de
insumos necessários. Não é só um produto que é coletado, mas recria-se todo um
processo social que envolve o estabelecimento de regras sociais e o
estabelecimento de relações com os ambientes de entorno, como pontos territoriais
comunitários. O movimento constante que leva o território ao ambiente e que traz o
ambiente, na figura dos elementos necessários – taboa e junco, para o espaço
social da comunidade.
Verifica-se nesses termos, que a apropriação humana, resultado do trabalho
cotidiano, individual e familiar, é percebida ao longo do tempo como uma
apropriação funcional e simbólica do espaço. É uma forma(ação) socioespacial
destinada à transformação/alteração dos elementos da natureza, por meio do
trabalho como técnica e processo social, em “objetos” e meios para satisfazer as
necessidades alimentares, econômicas e culturais.
O trabalho por sua centralidade desempenha a função social de qualificar de
forma mais marcante o espaço, por meio do uso funcional dos ambientes nesses
234

povoados, caracterizando a situação de forte ligação e constituição de vínculos


territoriais apontados por (SOUZA, 2013).
De um modo geral podemos entender que os elementos do cotidiano povoam
o cenário da vida dos jovens, a exemplo da casa e do mundo da rua. A presença de
referências a elementos da paisagem natural como as árvores, os rios, os peixes e a
maré indicam a relação de uso e de significação para a criança.
Reforçamos que a referência à paisagem, como a do rio, da duna, da maré
representa o espaço do deleite, das brincadeiras e das alegrias que vão permanecer
no imaginário individual, talvez para o resto da vida, mesmo depois de uma longa
experiência de migração, tão comum no estado de Sergipe, conforme distribuição
que apresentamos no gráfico 02 a seguir:

Gráfico 2 Distribuição de elementos representados por jovens e crianças


em Terra Caída

Org.: Sistematização a partir de dados da pesquisa de campo pelo Projeto: Grandes Projetos e
Identidades Locais, 2013.

Segundo, Gimenez (1999) esse processo de apropriação-valor (ação) que


transforma espaço em território, se desenrola em um contexto de aproximação muito
estreita com a cultura, ou seja, a apropriação é um processo pelo qual uma
formação social se relaciona com um espaço de referência tendo na cultura o meio e
o vetor desse processo, cristalizando relações socioespaciais em forma das
estruturas-estruturadas (permanências) e estruturas-estruturantes (novidades)
abordadas por Bassand (1981) e Moscovici (1978) no campo da Psicologia Social.
235

Na medida em que o reconhecimento do ambiente de entorno vai se tornando


mais largo para a comunidade, com a incorporação de elementos da paisagem em
espaços referenciáveis no plano social, o território da comunidade também se torna
mais amplo. Paisagens até então ligadas à representação de cenas de diversão, a
momentos de brincadeira ou a um deleite, na fase adulta são tomadas como
espaços do labor, experimentados cotidianamente e culturalmente apropriados, são
“nossos” territórios, nossos lugares, aqueles que conhecemos e frequentamos
diariamente e sobre os quais nos lembraremos no futuro.
As marés, mangues, lagoas e dunas são territórios de práticas de trabalho
diárias e continuas em que se conhece socialmente e de forma detalhada a ecologia
dos lugares, a ocorrência de espécies de peixes, os melhores horários para pesca, o
regime de cheias e vazantes, a existência de plantas aproveitáveis.
O povoado não é somente um lugar de morada com seus quintais percorridos
dia-a-dia, do “meu espaço” por excelência, mas engloba também, todo o sistema
ecológico de entorno, que é vivenciado e apropriado como um complexo territorial
ecológico, sujeito a um ajustamento funcional e simbólico bastante coerente em
relação à comunidade que o explora.
É por meio da apropriação social que se confere conteúdo de território às
paisagens de entorno, pois ela é o resultado do uso, dos valores e do significado dos
espaços apreendidos pela comunidade por meio de seu processo histórico
(memória) e da historicidade dos sujeitos, estabelecidos como a vivência cotidiana
em diversas fases da vida.
Concordamos com Moraes (2002) e Brandão (2008a), pois entendemos que a
apropriação é o processo pelo qual os espaços socialmente valorizados, usados,
manejados, vivenciados são qualificados como território.
As qualidades de uso dos espaços e as paisagens resultam na configuração
de um território tradicional de inscrição da cultura em um dado contexto, em outras
palavras, conferem a uma porção de área qualquer, uma significância para um
determinado grupo, em face da espacialidade e da espacialização de uma
organização social local.
A constituição do território é um processo em contínuo devir, pois tanto resulta
de formas e referências herdadas, que trazem ao presente formas e conteúdos
socioculturais de tempos históricos, quanto está sujeito a um constante movimento
236

de novas assimilações, interdições e negações do tempo presente, historicidades


novas e geograficidades atuantes.
Nesse sentido, as representações que os sujeitos fazem sobre seu território é
fundamental para entender os elos entre território e sujeito. Para De Paula (2009) as
representações do espaço transformam ao mesmo tempo as pessoas e os sujeitos
sociais e, as paisagens, os cenários, os lugares que se transformam em territórios,
nos quais os grupos e os indivíduos imprimem e exibem suas territorialidades. A
construção a que se refere a autora ocorre em meio a uma relação entre construção
e desconstrução, dominantes e dominados; hegemônicos e subalternos; incluídos e
excluídos.
Se, enquanto sujeitos, somos os criadores, os transformadores dos lugares
através da cultura, podemos ser também transformados no e através dos espaços
que habitamos. Cada vez mais os sujeitos são tanto produtores de espaços, quanto
produtos deles.
As representações e discursos produzidos pelas pessoas adultas e idosas, a
maioria, pescadores e marisqueiras, muitos vivendo toda a vida na mesma
comunidade, exemplificam bem essa relação. Por exemplo, na comunidade de
Pedreiras, Litoral central do Estado, encontramos entre adultos e idosos, um quadro
de referência que demonstra diferenças de valores e sentidos entre as
representações feitas por crianças, conforme demonstraremos gráfico 03, a seguir:

Gráfico 3 Distribuição de elementos representados por adultos e idosos em


Pedreiras

Org.: Sistematização a partir de dados da pesquisa de campo pelo Projeto:


Grandes Projetos e Identidades Locais, 2013.
237

Nas referências à paisagem, a exemplo das representações feitas pelas


crianças, predominaram elementos que indicam processos socialização em espaços
como igrejas, bares, casas e pessoas, mas, no “mundo” dos adultos, surgiram
referências às reinvindicações de melhorias nas condições de acesso e a serviços
que os sujeitos julgam necessários ao povoado, como a estrada por eles
reivindicada, posto de saúde e comunicação. Esses espaços não são puramente do
imaginário, se comparado com as representações feitas pelas crianças da
comunidade. Para o adulto, a melhoria de infraestrutura social é fundamental para a
continuidade de seu modo de vida no seu lugar.
Os elementos do imaginário, piscinas, televisões comuns na fase da infância,
praticamente desaparecem nessa fase da vida. Lazer e divertimento já não são
práticas sociais retratadas para pescadores, elas sequer existem como conceito ou
como ideia que consiga ser representado em um espaço referenciável. Alguns
entrevistados citaram churrascos de fim de semana em praias ou nos rios locais,
contudo, ainda é o trabalho que toma a centralidade do processo de apropriação.
Processos políticos e econômicos de melhoria de sua comunidade fazem parte do
discurso que se estabelece tanto em nível individual das lideranças como no
discurso coletivo dos sujeitos situados em espaços sociais.
A paisagem muda de sentido em relação ao atribuído pelo grupo formado
pelas crianças. Ela agora é representada não como deleite, mas como espaço das
atividades cotidianas. Ainda que em alguns casos estejamos lidando com a memória
de um tempo em que o vigor físico permitia a prática diária do trabalho entre os mais
idosos, as imagens adotadas como referências retrataram o mangue, a maré, os
barcos e os apetrechos de pesca como elementos do labor cotidiano:

(...) todo mundo aqui sabe pescar peixe e marisco, quando não tem o
peixe a gente tira um marisco. É homem e é mulher que tira o
marisco. As marisqueiras ficam só na maré não tira peixe, é difícil,
tem que pular nos galhos e raízes para pegar a ostra, o caranguejo e
o aratu. (Entrevista concedida pelos senhores Vanderlei, presidente
da associação, José Cristóvão, pescador e Senhora Zélia,
pescadora, no povoado Pedreiras).

Se para as crianças os elementos como rios, marés e mangues expressavam


valores de uso para divertimento e o sentido carregava um apego e até mesmo uma
emoção, para os adultos e idosos esses mesmos elementos são cuidadosamente
incorporados ao repertório comunitário como fonte de vida e como fonte de signos.
238

5.4 Território na memória

Se o trabalho é a prática social que, nas sociedades “tradicionais”, tem


importância destacada no processo de conhecimento, reconhecimento e
envolvimento com um espaço de referência cultural e social, entendido aqui como o
território da comunidade tradicional, uma vez que o sujeito tem uma idade mais
avançada e o contato cotidiano com o espaço é mais limitado, a memória dos
tempos que se passaram, é, muitas vezes, o elemento de apropriação ativada para
expressar uma relação entre o sujeito e o seu território.
O antigo pescador, a marisqueira, a artesã, o artesão mantém atividades
diárias com seu território ou com seus territórios, de muitas pescarias, de outras
tantas pescarias ruins, de sair cedo para catar marisco, de entrar num barco às
vezes sozinho, atravessar um rio ou de catar frutos da estação na mata próxima.
Depois de atravessar décadas, cotidianamente repetindo a rotina de trabalho
e labor, de construir espaços, de se apropriar desses espaços, muitos não
conseguem mais continuar suas atividades, pois para alguns faltam força e vigor. A
fase da velhice significa o afastamento físico do rio, da lagoa, da maré ou do
mangue. Mas, a memória de outrora, de outros tempos é o recurso pelo qual a
relação com as paisagens do cotidiano e com o território segue ativa, tanto na
memória vivida quanto na memória apreendida.
A memória, ato de lembrar ou de recordar é um elemento importante para a
construção das identidades, seja coletiva ou individual. Segundo Le Goof (1992) por
meio da memória53 pode-se “reconstituir” identidades, seus signos e símbolos. A
lembrança dos velhos ajuda a organizar o quadro de referência espacial, além de
uma participação familiar. Nesse sentido, a memória habita um lugar no curso da
historicidade cotidiana, em que o movimento se dá em espaços e tempos outros.
O velho pescador e a velha marisqueira representam seu território por meio
da lembrança detalhada de outros tempos. A lembrança estimula a memória e gera
a saudade de quando se “estava lá”, fazendo, trabalhando, plantando, colhendo,
pescando.
A imaginação que povoa as representações das crianças e dos jovens é
substituída pelas lembranças, pelas experiências e vivências. Esse processo de
53
No campo da memória devemos referenciar os trabalhos de Ecléa Bosi, especialmente seu textos
basilar Memória e Sociedade de 2004.
239

lembrar também reforça os vínculos com o território. Segundo Brandão (1998, p.12)
nós pensamos os nossos pensamentos, mas a memória revela quem somos nós, as
nossas identidades. “Lembrar refere-se ao de onde se veio. Antes com os outros, os
meus, minha gente; depois sozinho, minha alma, sua vida, minhas vidas: a de agora
e as passadas, o meu eu”.
Há um lirismo que muitas vezes aproxima o imaginário infantil à lembrança do
velho. As doces lembranças de uma realidade, muitas vezes, dura e áspera, são
traduções para expressar a alegria contida nas situações vivenciadas com
dificuldade e a durezas do viver em outro tempo, em que faltava toda sorte de
recursos, mas que não é suficiente para apagar um mundo da pesca do passado.
Vejamos o depoimento de uma pescadora já aposentada que nasceu e cresceu nas
Pedreiras:

Eu nasci e me criei aqui. Aqui me casei, minha mãe também casou-


se e foi morar lá no Caípe Velho e depois pra “aqui” porque não deu
certo e com oito anos de nascida meu pai faleceu e fui crescendo e
me criando mais minha mãe e mais meus avós minha mãe cuidando
de três idosos: que eram meu avo meu, minha avô e uma tia de
minha mãe [...] depois me casei e muitas coisas mudaram né?! E
muitas coisas mudaram[....] Aqui na comunidade não era como antes
não, mudou assim, na segurança. Naquele tempo a gente vivia aqui,
você acredita eu vinha pra aqui pra igreja, para as festas para as
novenas rezava as novenas nessas casas todas que naquele tempo
era muito diferente hoje tá essa maioria é tudo evangélico né? E a
gente rezava mais ela mesma, a gente era as cantoras e rezava
nessas casas descia aí ia para minha casa vocês já estiveram lá.
duas horas da manhã....um hora....três horas. E ainda ficava se
divertindo porque o samba de coco naquele tempo era todo animado,
mas hoje em dia é muito diferente, a segurança aqui a gente dormia
até na área no lado de fora na calçada quando estava fazendo muito
calor, mas hoje em dia é assim “ói” a primeira segurança é a de Deus
né?(...)[a segurança foi uma....? e o trabalho?] “trabalho?
Trabalhando mais minha mãe. Estudei. Trabalhando na maré, na
roça. Minha mãe ficou viúva, tá vendo? A mãe do meu esposo
também ficou viúva diferença assim de um ano de um para outro, tá
vendo? E elas começaram a trabalhar juntas as duas viúvas
trabalhava lá no sítio plantando mandioca, plantando feijão,
macaxeira, tá vendo? E minha tia ia para maré e a gente ia pesca
mais ela mesma mais comadre Inês. pescava, pegava era tudo,
tirava ostra nesse movimento daqui do interior e eu mais o meu
esposo começamos ali junto né? Trabalhando.... as mães
trabalhando e ele tirava as frutas de lá do sítio piscando o olho
aquele namorisco muito oculto pra mãe não saber né? Minha mãe
não podia saber. Minha mãe dizia assim: no dia que eu souber que
você tem um namorado você vai ver que surra eu li dou. Você vai
levar uma surra que não vai ser fácil. Eu sei que deu certo. Quando
ele completou vinte e dois anos e eu completei vinte, ele é mais
240

velho do que eu dois anos, se casamos. Foi naquele piscadinho(...)e


me casei com ele graças a Deus e até hoje não estou arrependida e
trabalhando. Até hoje continuo trabalhando.[ a senhora pescou a vida
toda...] pescava, tirava ostra, pegava aratu, travessava aqui esse rio
pra faxiar porque acho que vocês não sabem o que é faxiar não[não
sei o quê que é faxiar?] pois ali na ilha pequena enxia a cano de
mussinha, não era minha comadre? “era”** aí ia a gente, ia aquela
turma faxiar(...)da palha do coqueiro faz aquele faxo: pega duas
partes da palha vai marrando aqueles trechinhos assim ói, uma
pindoba e aí pra li fazer aqueles fexes enormes pra faxiar. Pegava
siri, pegava moreia, não sei se vocês conhecem por nome
demoreia?[conheço] naquela época era muito bom pegava muita
coisa, muita coisa...e me criei aqui comendo aratu, comendo siri,
comendo ostra, camarão, tudo, tudo tudo. Tudo fruto daqui. Aí minha
avó criava porco, a gente criava muita cabra, tá vendo? Últimamente
eu criava muita ovelha é porque acabamos. O terreno era pequeno.
Naquela época a gente criava muita cabra mais minha mãe, a gente
vinha marrar até por aqui. Tudo era aberto né? Era tudo na corda...
10 12 cabeças de cabra daí amarrava de manhã e cedo a gente
vinha cinco horas da manhã quando dava 10 horas a gente vinha
tudo pra cá e ficava lá no sítio. Eu nasci e me criei trabalhando,
graças a Deus. (Entrevista concedida pela pescadora Maria do
Socorro, 68 anos, comunidade Pedreiras).

Percebemos que tempo-espaço da velhice é o tempo-espaço da memória


transportado para o território de hoje. É a lembrança do trabalho e da infância que se
misturam e são traduzidas para o tempo presente. A memória com o território enlaça
descrições muito detalhadas do território, do que se fazia, como se fazia e porque se
fazia. Pela memória o passado vem à tona, misturando-se com as percepções mais
imediatas do tempo presente (BOSI, 1994). A memória é ativada como um ato de
profundo devir entre experiências antigas e novas representações.
Outro aspecto a se destacar na relação entre o sujeito e seu território na fase
da velhice se estabelece na contemplação da paisagem, como prática entre a
memória e o território atual. Frequentemente, as práticas cotidianas do trabalho e da
vivência cedem lugar à contemplação, o sujeito se põe a mirar as paisagens,
espaços religiosos, com os quais se relacionou por toda uma vida. Concordamos
então com Oliveira (2009), o tempo é a essência da memória, mas o espaço é a sua
referência. O tempo age sobre os corpos, o corpo, segundo a autora, é a memória
que fala por meio da imagem.
O trabalho da memória é também atual, ele se processa no tempo presente.
Lembrar é sentir pela segunda vez e é uma sensação mediada pelo repertório
cultural vivido:
241

Eis que os seus homens e mulheres, desobrigados de conviver sob o


imperativo da memória – hábito – ou porque já utilizaram demais, ou
porque não precisam mais tanto dela, como antes, para o exercício
da vida cotidiana – podem entregar-se, diante dela e para eles
mesmos, como moradores de si, como evocadores (BRANDÃO,
1998, p. 62).

A análise das entrevistas, das representações e das imagens expressas pelos


sujeitos pesquisados indica uma constante referência à paisagem como portadora
de uma beleza que se presta à admiração e que não são retratadas em outras fases
da vida. Vejamos a fotografia registrada pela pescadora Darcilene em Pedreiras:

Foto 20 Paisagem fotografada por pescadora aposentada

Fonte: Arquivo do grupo Sociedade e Cultura, 2013.

Análogo ao que ocorre na fase da infância, o território e suas paisagens não


são representados apenas como espaços de trabalho, no qual se conhece em face
das atividades que lá se pratica, mas como portador de um sentido e de um
significado completamente novo, o da beleza e o da memória. Questionada sobre
razão de ter registrado essa cena, a pescadora afirma ter pretendido mostrar o rio
das Pedreiras que ela gosta de admirar no final da tarde e pela manhã. Ele carrega
o valor da contemplação do prazer dado ao olhar, volta a ser uma paisagem, agora
permeada de um conteúdo cultural.
Devemos lembrar como bem pontuou Oliveira (2009), que as nossas
vivências, as nossas experiências vividas e guardadas como lembranças estão em
242

nós como um constante movimento. A lembrança é uma imagem construída pelos


elementos que se dispõem no conjunto de representações do tempo presente.
Assim, ocorre também com outros espaços, como é o caso das paisagens
culturais transformadas em patrimônios, como componentes arquitetônicos de uma
igreja em determinadas comunidades ou de um prédio da minha infância, como a
antiga sede de uma escolinha em que se aprendeu as primeiras letras e que não
existe mais.
A lembrança e a memória recriam territorialmente espaços e lugares que
podem ou não existir fisicamente per si, daí o caminho para o enraizamento
tradicional e o apego ao seu lugar de vida.

Um homem não sabe o que ele é se não for capaz de sair das
determinações atuais. Uma lembrança é diamante bruto que precisa
ser lapidado pelo Espirito. Sem o trabalho da reflexão e da
localização, seria uma imagem fugidia (BOSI, 1994, p. 81).

Concordamos com Kozel (2007, p. 117), o espaço não é apreendido somente


através de um sentido, visual ou tátil. “Ele se coloca como referência da relação ou
das relações estabelecidas pelo ser humano, emocionalmente, simbolicamente e
economicamente, de acordo com suas experiências”. Assim, o espaço é percebido,
sentido, representado e vivenciado. As imagens que os sujeitos construíram estão
impregnadas de significados, experiências e lembranças que ativam a memória
afetiva e suas recordações mais significantes.

5.5 Elementos “in-visíveis” no território

Ao tempo que a memória foi facilmente ativada, acolhendo às nossas


expectativas, curiosamente, elementos espaciais que de antemão nos pareciam ser
importantes para as comunidades estudadas não foram retratados com a
intensidade e a frequência que imaginávamos. É o caso: (i) da estrada reivindicada e
dos poços de petróleo em Pedreiras; (ii) da estrada a ser pavimentada, dos poços de
petróleo, e da reserva Santa Izabel em Tigre/Junça; (iii) da suntuosa ponte Gilberto
Amado, recentemente inaugurada e socialmente temida, pelo receio de causar
prejuízos econômicos e ocasionar alterações negativas em Terra Caída.
243

Ressaltamos que todos se constituem elementos “externos” ao ambiente ecológico,


mas intrinsecamente ativos no cotidiano das comunidades.
Analisemos cada exemplo, comecemos por Pedreiras. Essa comunidade
protagonizou uma situação de mobilização social considerável, para reivindicar o
direito a uma melhoria nas condições de acesso, com manifestações populares
expressivas, incluindo em determinado tempo o fechamento da estrada em um
protesto bastante noticiado pela mídia54. A pavimentação da estrada foi uma
reinvindicação bastante presente nos discursos e nas reuniões de associação que
frequentamos. Contudo, esse conteúdo praticamente não apareceu nas
representações de crianças e idosos e, também não se mostrou nas representações
dos adultos.
Fato semelhante ocorreu com as instalações de petróleo (Foto 21) na
comunidade. São estruturas grandes, bastante visíveis, mas que também não foram
representadas pelos moradores do povoado.

Foto 21 Instalação de extração de petróleo (cavalo de pau)

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo/2014.
Em Tigre/Junça a realidade é muito semelhante quanto à presença de
estruturas de exploração e escoamento de petróleo dentro e nos arredores do
povoado, acrescido da presença de faixas de etenodutos, que posicionam as

54
Ver notícia: Moradores da Pedreira bloqueiam estrada em São Cristóvão, disponível em
http://www.infonet.com.br/cidade/ler.asp?id=146997, acesso em 01/11/2014. Pode verificar também
matéria: Comunidade volta a protestar por afasto, disponível em
http://www.jornaldodiase.com.br/noticias_ler.php?id=13611, acesso em 02/11/2014.
244

comunidades bem próximas à faixa sujeita a elevados riscos. Apenas 03 referências


expostas por adultos, reforçam a baixa visibilidade territorial desses elementos de
um lado e de outro, a quase inexistência de relação horizontal das empresas com a
comunidade no território.
Ainda em Tigre/Junça a “in-visibilidade” da Reserva Biológica Santa Izabel –
REBIO Santa Izabel, nas representações das referências territoriais é algo
importante a ser destacado. A Rebio circunda a comunidade. Ela foi instituída em
1988 como Unidade de Proteção Integral. A sua presença impõe restrições
territoriais e de acesso ao mar às comunidades de entorno. Há relatos de conflitos e
descontentamento das populações que usavam o espaço, que depois de criada a
unidade ficou interditado para uso da população.
Contudo, apesar das narrativas colhidas na comunidade expressarem uma
tensão em relação à presença da unidade de conservação como elemento no
território e da ação dos órgãos de gestão ambiental, as representações sobre o
território local não incluem esses elementos espaciais, tanto por adultos como por
crianças.
Os outros ambientes existentes no entorno das comunidades e que foram
incluídos na delimitação da unidade de conservação, como as lagoas e as dunas
continuam sendo retratados como espaços de uso cotidiano pelas crianças,
indicando que, ao menos, para elas as brincadeiras, os banhos e o divertimento
continuam sendo praticados, bem ao gosto que caracteriza a infância, incluso,
banhos nas lagoas e brincadeiras nas dunas.
Para os adultos, por sua vez, a relação com esses espaços mostram uma
tendência a diminuição de importância no sistema de referências espaciais.
Possivelmente, no futuro a lagoa, a duna e a praia de outrora restarão apenas na
memória. A pesca nas lagoas já não mais referencia “todos” como em Pedreiras que
ainda afirmam “todos pescam”. Com essa realidade já se constata, uma ruptura
entre o sujeito, seu território, suas práticas de trabalho e a territorialidade tradicional
da pesca que constitui o núcleo do Ser pescador em Tigre-Junça.
Esse processo é similar ao da recém-inaugurada Ponte Gilberto localizada na
SE-100 trecho Sul sob o complexo estuarino do rio Piauí-Fundo-Real, que esteve no
centro das discussões, gerando tensões e conflitos envolvendo a comunidade de
Terra Caída. A ponte com estrutura imponente foi construída para estabelecer o
acesso terrestre regular entre Sergipe e a Bahia. A perspectiva de construção da
245

ponte na opinião dos moradores de Terra Caída poderia incidir sobre um nicho de
atuação muito caro à parte da comunidade.
Ao estabelecer outra forma de transpor o rio, a ponte romperia a
especialização econômica propiciada pela operação de balsa que realizava a
intermediação de transportes, ajudando a vencer o estuário até então obstáculo aos
carros, sendo que a comunidade de Terra Caída se beneficiava como um dos
pontos estratégicos para o atracadouro.
Além da operação direta das balsas, o fluxo ordinário e regular de carros e
viajantes que passavam pela localidade, ajudou a uma relativa segmentação de
atividades de apoio, com a presença de restaurantes e outros prestadores de
serviços.
Uma parcela da comunidade, principalmente os interessados diretamente na
manutenção das condições de comércio, defendia que a ponte poderia significar a
depleção econômica de Terra Caída. Esse cenário durou todo período de
construção da ponte (2010-2013) e marcou as falas da população: “Terra Caída vai
ficar invisível depois dessa ponte”, “(...) ninguém vai parar aqui”.
Curiosamente, ocorreu o inverso do esperado, a ponte apareceu apenas
secundariamente e em apenas uma representação. Esses exemplos sugerem que a
comunidade não representa elementos com os quais não mantêm relações
cotidianas, sejam simbólicas, funcionais ou econômicas. Ocorreu um distanciamento
entre a narrativa, da ponte em Terra Caída e da estrada em Pedreiras, realizadas
por lideranças e agentes econômicos específicos e, a apropriação e representação
social das referências espaciais nas respectivas comunidades.
Por outro lado, a inserção da REBIO Santa Izabel ao promover restrição
territorial resultou em uma dupla consequência. Em primeiro lugar a restrição
imposta significa a ruptura da relação sujeito-território-prática social, apartando, em
parte, pela interrupção da pesca de mar, o sujeito social, nesse caso o pescador, da
reprodução cotidiana de sua atividade social de trabalho.
De tal sorte, que ao longo do tempo o sujeito social se coloca (des)conectado
do seu modo-de-vida, compreendido como repertório sociocultural. Esse
(des)centramento entre o sujeito e o cotidiano tem implicações importantes na
própria reprodução do sujeito pescador e da manutenção material e simbólica da
atividade.
246

Por tal razão é que apesar de encontrarmos várias narrativas de sujeitos que
se vêm e se entendem como pescador, a prática cotidiana da pesca em Tigre/Junça
se mostra em declínio, tanto em número de praticantes, quanto em termos de
produção do pescado e do tempo dedicado a prática.
Mesmo considerando que os territórios das comunidades do Litoral são
formas seculares, e ainda que os sujeitos representem sentimentos de
pertencimento aos seus territórios e que em suas narrativas e discursos apontem a
existência de uma consciência desse sentimento de pertencimento, as relações de
poder que criam e engendram elementos nos território seguem sendo muitas vezes “
in-visíveis” e sutis. Essa assertiva é verdadeira quando analisamos a imposição de
interdições operadas em nível territorial com o a introdução REBIO, que limitou a
representação e a prática pesqueira na comunidade de Tigre/Junça.
A restrição opera em um nível muito sutil, praticamente imperceptível, pois os
sujeitos pesquisados não incluíram a Unidade de Conservação como elemento
espacial importante na sua vida e, também não problematizaram os efeitos de sua
restrição no cotidiano da, até então, principal atividade socioeconômica da
comunidade.
Exemplos menos emblemáticos dessa sutileza na conformação territorial são
a ponte Gilberto Amado na comunidade Terra Caída e a exploração de petróleo e
gás nas três comunidades estudadas. Essas incursões nos territórios comunitários,
seja pela legitimidade do poder estatal na imposição de UCs, sejam nas ações
privadas para apropriação econômica do espaço denotam ainda fragilidade e “in-
visibilidade” das comunidades tradicionais frente às tramas e aos processos
territoriais em suas múltiplas escalas de relações.
Mesmo que o jovem morador de Tigre/Junça não perceba a restrição
territorial em sua rotina de infância, como mostrado nos desenhos, ela certamente
implica, com o passar do tempo, em uma interrupção da transmissão do saber
tradicional do pescador nessas comunidades. Tal fato pode vir a ocorrer em
Pedreiras e em Terra Caída, mas o ambiente da pesca e a representação de seus
elementos, como barcos, pelas crianças e adultos, ainda foram retratados de forma
viva.

5.6 O ajustamento entre o lugar social e o complexo ecológico-territorial


247

O sujeito ao habitar um espaço estabelece relações com a paisagem que o


circunda, principalmente por meio do trabalho, convertendo-a em espaço social de
territorialização de sua cultura, de uma cultura tradicional litorânea.
Em síntese o processo de apropriação que narramos nesse capítulo evidencia
a existência pelo menos três distinções de espaços:
1 – espaço urbanístico: composto por território de moradia e de participação
social, que inclui o sítio urbanístico com a presença de casas, escolas, ruas, prédios
de serviços (escola, posto de saúde), igrejas.
2 – espaços de trabalho: espaços apropriados pelo trabalho, que incluem
locais de agricultura que envolve um nível maior de manejo da natureza,
frequentemente com a preparação do solo e manutenção do mesmo para fins de
colheita;
3 – Entorno paisagístico-territorial extrativista: ambientes de entorno e sua
ecologia, que são apropriados para exercício de práticas de trabalho (pesca,
extrativismo), mas onde o nível de manejo do ambiente praticado é baixo. Limitado à
apenas uma limpeza ou a colocação de armadilha, utilizado com frequência por
jovens e raramente por adultos usos como lazer e divertimento.

Quadro 11 Dimensões do território comunitário

DIMENSÕES DO ESPAÇOS USOS


TERRITÓRIO CONTIDOS
Casas; - Espaços de uso familiar, social e de
Arruamentos; convivência;
Sítio urbano: local Escolas; - Lazer e divertimento;
de morada e Igrejas; - Práticas de trabalho que não requerem
convivência Sede de associações; manejo direto natureza;
Campos de futebol;
Praças
Pequenos ranchos; - Espaços de uso familiar,
Quintas; esporadicamente de uso social e de
Sítios; convivência;
“roça” - Práticas de trabalho que requerem
Roça manejo de solo;
- Médio nível alteração do espaço que
oscila entre a presença de espaços de
cultura e espaços de natureza;
Mangues; Mata; - Espaços individuais, familiares e de
Rios; Mar; Lagoas; convivência: o meu, o do outro, o do
Estuário; Maré; nosso.
Dunas; Apicuns; - Espaço do trabalho: instrumental-
Entorno paisagístico Mangabeiras e funcional e simbólico;
248

territorial extrativista Coqueirais; - Predomina a interação com a ecologia


*Equipamentos da local
Petrobras e Unidade
de Conservação
Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.
*Estes apontados como rupturas na paisagem

Este processo revela que o espaço apropriado como território de uso


cotidiano é tomado em três dimensões, apontadas por (GIMENEZ, 1999): (i) espaço
de inscrição das práticas sociais da comunidade, representado pelo lugar de morada
como o sítio urbanístico da comunidade; (ii) da presença e distribuição de
instituições e; (iii) como fonte de símbolos e signos para a comunidade.
Com essa formulação compreendemos que o território da comunidade
tradicional do Litoral de Sergipe é composto pela existência e apropriação de
múltiplos espaços, lugares e ambientes. Ele é constituído por um complexo que
envolve um sistema territorial estabelecido na interação entre a comunidade –
território – ambiente do entorno e sua ecologia (águas, solo, flora e fauna).
Nesse sentido observando os apontamentos de Gimenez (1999), podemos
afirmar que a comunidade tradicional caracteriza-se pela existência e vivência em
um complexo ecológico-territorial incluído nele os ambientes de entorno como
essenciais para a manutenção do modo de vida tradicional.
Nas figuras a seguir obtivemos, com base em levantamento de campo, uma
representação do território das comunidades estudadas. Notamos em Terra Caída
que a apropriação social consolidou um território referenciado, incluindo o sítio
urbano com suas casas, igrejas, praças, escolas e portos e o ambiente de entorno
com paisagens que vão do estuário, manguezais e faixa de areia que fornecem
catados.
Em Pedreira a constituição territorial abarca o lugar de morada, com casas
ruas, igrejas escolas e o espaço de entorno, principalmente os rios das Pedreiras e o
Vaza Barris, onde se pesca e os manguezais que fornece os mariscos para
completar a dieta local. Em Tigre/Junça, por sua vez, não há presença de estuários
ou de mangues, mas a apropriação territorial ocorre também pelo aproveitamento
dos ambientes de entorno, especialmente as dunas e as lagoas, que é o principal
local, que fornece além do pescado, a matéria-prima do junco e taboa para prática
do artesanato nessa comunidade.
249

Figura 3 Representação do território da comunidade de Terra Caída

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Baseado em pesquisa de campo, 2014.


250

Figura 4 Representação do território da comunidade Pedreiras

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Baseado em pesquisa de campo, 2014.


251

Figura 5 Representação do território em Tigre/Junça

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos. Baseado em pesquisa de campo, 2014.


252

Não se trata de apontar aqui uma relação meramente determinista da


influência da natureza sobre o sujeito. O que enxergarmos é que a natureza é ao
mesmo tempo apropriada instrumental e funcionalmente, na medida em que tomada
como meio para obtenção de produto e, valorada simbólica-expressivamente, pois
fornece elementos materiais e simbólicos para a configuração da identidade da
gente litorânea, como constituinte do próprio Ser.
A condição ao de objeto fornecedor e de sujeito material e simbólico implica
em representações estabelecidas pelos sujeitos do Litoral em seus contextos
culturais de vivência com a natureza e na apropriação de um território, que vimos ser
complexo e variado.
Para o estabelecimento de um complexo territorial-ecológico, fonte de bens e
de cultura, talvez nenhum elemento tenha contribuído tanto para a estratégia e a
efetividade da territorialização das comunidades tradicionais do Litoral de Sergipe
quanto à presença da água, das águas em variadas formas e meio, substância que
fornece vida e que vivenciada na cultura do sujeito do Litoral. Não é apenas estar
perto da água como um fator de localização, mercantilizável como um produto raro,
mas sim como um elemento que substantiva a qualidade da vida.
A existência de água, a presença do pescado dela tirado e a possibilidade de
se obter uma variedade significativa de produtos cuidadosamente aproveitados na
dieta e na cultura local é um primordial quando se trata de entender o modo de vida
tradicional litorâneo. Podemos mesmo dizer que o sujeito do Litoral se constrói
territorialmente na presença desse complexo ecológico-territorial envolvido pelas
águas, como vamos mostra no capítulo seguinte.
253

CONSTRUINDO SENTIDOS
COM O TERRITÓRIO
254

6 CONSTRUINDO SENTIDOS COM O TERRITÓRIO

Uma abordagem muito adotada para o entendimento da sociedade atual é


análise que assume a totalidade da influência que o modo de “produção capitalista”
exerce sobre o modo de vida da sociedade nos últimos séculos. Marx ao analisar o
ser humano e suas relações com a natureza destaca a dialética da ação do ser
humano no mundo e em si mesmo com a centralidade do trabalho.
A teoria social, em especial a literatura de cunho marxista e neomarxista,
define que o trabalho é antes de tudo um processo entre o homem e a natureza, um
processo no qual o homem por sua atividade realiza, regula e controla suas trocas
com a natureza. O trabalho põe em movimento as forças naturais que pertencem à
sua natureza corporal, braços e pernas, cabeças e mãos, para se apropriar de
elementos da natureza como produtos utilizáveis para sua própria vida. Desta
maneira, ao realizar o trabalho e seus movimentos sobre a natureza exterior,
transformando-a, o homem transforma também a sua própria natureza, (MARX,
2000).
A relação entre o ser humano e natureza pressupõe sua existência e, sua
sobrevivência, estabelecendo ao longo da história uma relação de transformações
do meio ambiente. A relação entre humano e natureza se estabelece na realização
do trabalho como relação social que envolve múltiplos aspectos da vida, um trabalho
que domina e se transforma para atender as necessidades individuais e coletivas
(ARENDT, 2003).
Assim, a sociedade à proporção que atingiu certo nível de desenvolvimento
histórico e industrial, exigiu processos de trabalho mais elaborados e
tecnologicamente mais avançados, acentuada divisão social do trabalho, que incidiu
em mudanças nas relações entre o homem e a natureza.
Contudo, as sociedades tradicionais, nos termos expressados por Brandão
(2012) e Diegues (2001), são caracterizadas dentre outros aspectos pela existência
de um sistema de representação que garante a autonomia do trabalho em primeiro
lugar, a existência de um baixo nível de divisão social do trabalho, um modo de vida
peculiar e uma produção voltada para a subsistência, geração de excedentes e para
reprodução do seu modo de vida, com baixa integração e dependência de um
255

mercado “formal”, identificado pela centralidade da troca monetária como meio


prioritário da mediação das relações comerciais.
O objetivo primordial para ditas sociedades tradicionais é a obtenção de
produtos necessários para garantir as condições de sobrevivência nos padrões
possíveis e ajustados ao sistema ecológico no qual está inserido e o trabalho é
dimensionado para obter tal fim.
Nesse sentido, não só a relação com a natureza é um ponto de diferença
entre “as comunidades tradicionais” e sociedades urbano-industrial, como a própria
influência da natureza sobre a organização socioespacial das comunidades
tradicionais também é naturalmente diferente e mais intensa.
Esse entendimento nos ajuda a compreender as comunidades litorâneas de
Sergipe como comunidades tradicionais, pois situadas em ambientes
ecologicamente e em paisagens diversificadas, expressam um sistema
socioespacial historicamente construído pela apropriação dos ambientes de
interação oceano-continente, como já exposto.
Essa dinâmica de interação entre cultura, sociedade e natureza na
apropriação e uso de espaços e territórios tradicionais, responde pela constituição
histórica de uma multiplicidade de sujeitos sociais do Litoral sergipano, os quais
exibem variadas formas e processos de identificação que vamos demonstrar ao
longo desse capítulo.
Basicamente, os processos de identificação estão ligados ao exercício
funcional do trabalho comunitário, seja ele expresso por formas tradicionais, como é
o caso da pesca, ou até mesmo pela tradução recente de formas de trabalho como
elemento identitário, como é o caso das catadoras de mangaba. Registra-se também
processos identitários ligados às questões étnicas e a novos processos de
identificação como as lideranças sociais.
Neste sentido, ao longo de nossa pesquisa registramos uma variedade de
tipologias de sujeitos sociais existentes nas comunidades litorâneas. Essa
multiplicidade de sujeitos constituem as gentes do Litoral entre pescadores,
marisqueiras, quilombolas, catadores de mangaba, artesãs dentre outros. Para
melhor entendimento elaboramos classificação em duas categorias que expressam,
a nosso ver, a relação entre os sujeitos, a natureza e a sociedade:
256

Figura 6 Esquema de tipologias de sujeitos do Litoral de Sergipe

Org.: SANTOS, Rodrigo Herles dos., 2014.

A primeira categoria expressa a relação entre natureza e sujeito, como um


processo de múltiplas influências entre os dois pólos desta relação, entre um e outro
como uma via de mão dupla. De forma que se o sujeito se “geografiza” deixando
marcas simbólicas no território, como a construção de um pequeno porto ou mesmo
a localização de um ponto de pesca, a natureza também imprime marcas profundas
na própria constituição dos seres humanos do Litoral.
Essas marcas são múltiplas e diversas, tanto diz respeito aos variados
processos de trabalho decorrentes dos usos que culturais que se faz da natureza,
quanto às próprias referências simbólicas, sociológicas e econômicas que os
sujeitos expressam. Por isso, a “via” que une natureza e sujeito do Litoral é de mão
dupla e, contém várias faixas que permitem o fluxo regular de “conteúdo” entre
natureza e sujeito e; entre sujeito e natureza.
257

A segunda dimensão diz respeito a natureza da influência exercida pela


sociedade, como sistema de representação e significados na constituição das
representações sociais sobre os sujeitos do Litoral, incluindo as representações
elaboradas pelos próprios sujeitos.
Nessa dimensão a sociedade no sujeito, ou como escreveram Berger &
Luckmann (1978), aquela relação em que a sociedade e suas estruturas sociais
penetram no sujeito até o nível de funcionamento de seu organismo e mentalidade,
inclui-se os processos de identificação contida nos processos de afirmação de
identidades étnicas, em especial a quilombola e, os “novos sujeitos” de Litoral, como
representações da atual dinâmica de ocupação dos espaços.
Convém lembrar, que essas identidades “novas”, são exercidas em grande
parte por pessoas pretas e ou pardas. Quero dizer aqui, que o interessante não é
tanto ver a identidade de um ou de outra maneira concreta e nas suas diferenças,
mas perceber como e por que as opções por um ou outro processo de identificação
são estabelecidas, em um contexto sociocultural dentro de um tempo espaço
especifico.
Nesse sentido, concordamos com Lefebvre (1969), ao afirmar que o homem
desdobra-se em “natureza” e “história”, uma e outra, em territórios e a partir da
conjugação destas duas dimensões as identidades são forjadas. Esse pressuposto
se funda no entendimento de que a natureza, enquanto um elemento dado a priori,
influi diretamente no comportamento humano e na construção social de um território,
na mesma medida em que a sociedade e suas instituições também o fazem. O
conteúdo do território se revela por meio da natureza apropriada, dos elementos que
constituem a cultura, das condições históricas desta apropriação, da produção
econômica como fruto das relações e da organização política da sociedade.
Lembramos mais uma vez as palavras de Berger & Luckmann (1978), o
homem cumpre sua missão de construir e habitar o mundo com os outros. O mundo
é para ele uma realidade definitiva, mesmo que em um tempo e em um espaço
fluídos. Porém, seus limites são estabelecidos pela natureza, uma vez construídos
tais limites, o mundo social atua de retorno sobre a natureza. Assim, existe de fato
uma multiplicidade de relações e interações entre o mundo socialmente constituído e
a natureza, nessa dialética o homem produz uma realidade e com isso se produz a
si mesmo.
258

6.1 A natureza no homem55: os sujeitos do Litoral

Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se


estivesse agradável, porque o meu ser adequado à existência
das cousas. O natural é o agradável só por ser natural.

Aceito as dificuldades da vida porque são o destino, como


aceito o frio excessivo no alto do inverno – calmamente, sem
me queixar, como quem meramente aceita, e encontra uma
alegria no fato de aceitar – No fato sublimemente científico e
difícil de aceita o natural inevitável.

Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me


acontece senão o inverno da minha pessoa e da minha vida? O
inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço, mas
que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,
da mesma inevitável exterioridade a mim, que o calor da terra
no alto do verão e o frio da terra no cimo do inverno.

Aceito por personalidade. Nasci sujeito como os outros a


erros e a defeitos, mas nunca ao erro de querer
compreender demais, nunca ao erro de querer
compreender só corri a inteligência, nunca ao defeito de
exigir do mundo que fosse qualquer cousa que não fosse
o mundo.

(Alberto Caeiro In: Poemas inconjuntos, 1925)

Como vimos, nas comunidades tradicionais do Litoral sergipano constituíram-


se uma diversidade de sujeitos, em meio a uma apropriação historicamente situada
entre espaços e ambientes variados, ecologicamente sensíveis e frágeis. Desse
processo de apropriação resultaram formas e estratégias de territorialização e
territorialidades próprias.
Para as comunidades tradicionais, a natureza se constituiu um símbolo da
fartura, que tem como resultado a sobrevivência e a manutenção das formas de
trabalho tradicional representada muitas vezes como uma dádiva que oferecida pela
natureza. Mas, a natureza como dissemos linhas acima não significa apenas um
meio para realização da vida material e simbólica para essas comunidades, mais do

55
Adoto os termos natureza no sujeito e sociedade no sujeito nos termos formulados por Peter
Berger no seu livro “Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística”, capítulos I e II (2010), no
qual o autor demonstra do ponto de vista sociológico as múltiplas influências da sociedade e da
natureza no sujeito social.
259

que isso, ela mesma nos diz muita coisa sobre a natureza dos sujeitos sociais do
Litoral.
Podemos afirmar que se existisse uma matriz sociológica original do sujeito
litorâneo, hegemonicamente ela se expressaria na figura do sujeito pescador. O
pescador é aquele sujeito social que pratica a pesca, utilizando-se de técnicas,
instrumentos, métodos variados e se vale do conhecimento ecológico tradicional do
local e das espécies a serem capturadas. Esse tipo geral de pescador, que
representa a maioria dos sujeitos do Litoral, apresenta algumas subdivisões
importantes, em especial sobre duas dimensões: (i) da abrangência espacial dos
ambientes explorados; (ii) em torno das organização social como uma categoria de
trabalho.
No que diz respeito à abrangência, podemos encontrar pescadores que
exploram estuário e lagoas. Eles praticam suas atividades, adotando principalmente
canoas de remo e canoas de propulsão a motor, com apetrechos como rede de
arrasto, tarrafas, linhas e anzóis.
Encontramos também os pescadores de mar, especialmente em Terra Caída
e Pedreiras, que adotam embarcações de maior porte e autonomia e praticam
pesca, em ambientes de mar aberto. Estes se diferenciam dos pescadores de rio
adentro, além do aspecto territorial, pela forma que organizam suas atividades, pois
apresenta uma racionalidade do tipo empresarial, com objetivo de maximizar as
capturas, dado alto custo envolvido na operação da pesca em alto mar.
No que concerne a organização social da pesca, entre os pescadores é
estabelecida uma diferenciação que envolve a representação da legitimidade da
prática perante órgãos públicos, qual seja: o pescador artesanal profissional, aquele
que possui o Registro Geral de Pesca, que está registrado na Colônia de
Pescadores e, que faz jus ao seguro defeso e; o pescador amador, aquele que
pesca eventualmente ou de forma esportiva.
Desta maneira, o sujeito pescador apresenta na sua constituição um duplo
processo apontado por Silva (1988): (i) no que diz respeito à cultura da pesca como
modo de vida, processo de trabalho, símbolos e signos culturais; (ii) o processo de
institucionalização e organização do sujeito social promovida pelo Estado a partir do
início do século XX com a criação das colônias de pesca.
Podemos entender o sujeito pescador atual como o imbricamento entre o
sujeito cultural, que carrega uma história de adaptação e um modo de vida, incluindo
260

formas de moradia tradicional na comunidade pescadora, e, o sujeito organizado a


partir da imposição de certos critérios de identificação estabelecidos fora do mundo
da pesca, como sugere Castells (1999), uma identidade legitimadora, externa e
impositiva. Definir o que é ou não um pescador, quem merece ser reconhecido como
pescador artesanal é um processo tenso e que provoca conflitos entre os sujeitos:

Claro, eu acabei de dizer, criei meu filho foi pescando no oceano,


pescando nas lagoas, tá entendo? E criei todinhos aqui foi na pesca
[...] pescando. Agora essa menina, minha filha, me acompanhava
também pescando, mas quando ela foi fazer a carteirinha disseram
que ela não fazia. Como que pode, ela sabe e pesca mais do que a
maioria desse povo, como pode dizer que ela não pode receber
carteira de pescador. Eu não acho isso certo. Ela é pescadora.
[...] Quer dizer que toda vez que eu for pescar eu tenho que vim aqui
na sua casa pra dizer que pescar. Eu também disse logo. Não
porque tem pessoas amigo e tem pessoas inocente que as vezes
precisa também, eu não sei das necessidades todo povo. Eu fiquei
na minha mas eu vou...quando eu ficar sabendo que está renovando
a carteirinha eu vou chegar lá no meio dos mesário, sei lá quem e
vou perguntar porque quero que ele me diga que eu não posso. Aí o
cão vai piar porque eu perguntar e fulano, fulano e fulano. Eu tenho
anzol pra pescar, eu tenho rede de travessa, eu tinha rede de pescar
lá no oceano, porque eu saia mais ela e a outra menina ali e a gente
pescava no oceano. Ela entrava pra o lado do oceano, aquelas onda.
(Depoimento concedido pela pescadora aposentada dona Maria
Célia, 77 anos, moradora no Tigre/Junça).

Para o entendimento desse segundo ponto é importante entender o papel das


colônias de pescadores, como instituição criada para regular a atividade de
pescador. Ao longo do tempo estas se tornaram uma extensão das secretarias e
órgãos do Estado, contribuindo com essas instituições no cumprimento de suas
funções. Na maior parte dos casos, as colônias são percebidas pela maioria dos
pescadores como um meio para obtenção de benefícios econômicos do que como
uma organização política da categoria, instituída para o enfrentamento dos
problemas e desafios inerentes ao trabalho na pesca.
A instituição colônia se tornou fortemente presente na vida social e como
meio necessário à sobrevivência, em virtude da dependência dos pescadores aos
benefícios sociais, como o seguro defeso. Ela é o caminho e meio conhecido para
acessá-los. A percepção predominante é de que, esta se apresenta como o único
modelo viável e, portanto, hegemônica e de caráter coercitiva na mediação das
relações entre o sujeito e as instituições que lhes beneficiam.
261

As consequências de sua atuação são ainda mais sérias, as colônias de certa


maneira passaram a legitimar quem poderia ou não ser considerado pescador via
registro e pagamento de contribuição a elas, nesse caso detinham o poder de
nomear um sujeito social que se constituirá histórica e culturalmente antes de sua
criação, pescador é pescador registrado, porque os outros simplesmente não
existiam. As colônias reproduziram relações de gênero entre masculino e feminino,
comuns no mundo da pesca, de forma a colocar na quase invisibilidade o trabalho
feminino da pesca e outras formas de trabalho na pesca.
As implicações de uma nova forma controle e poder sintetizada na figura das
colônias de pescadores teria alcançado o nível de representação cultural, conforme
exemplifica Silva (1993), ao demonstrar mudanças no sistema de crença no Litoral
Norte de São Paulo representada pela passagem do Divino Espirito Santo para festa
de São Pedro, como uma festa máxima, significando não só que a interseção mar-
terra do mundo caiçara deveria referenciar apenas um dos seus pólos - o mar, tanto
quanto significou a introdução de uma religiosidade não apenas oficializada, mas
também imbuída de valores oriundos do mundo hierárquico instituído por meio da
das colônias.
A atuação das colônias56 como legitimadoras de uma identidade de pescador
serviu para encobrir enormes conflitos internos às comunidades, em especial no que
diz respeito ao próprio papel da mulher pescadora e outras manifestações culturais
de identidade, que ficavam excluídas dos quadros de pescadores e
consequentemente, não faziam jus ao direito de receber o seguro defeso – pago a
partir de 1986, quando não submetidos aos interesses políticos dos presidentes de
colônias.
Chamamos a atenção para a existência de um duplo processo de
identificação de pescadores, em especial a atuação institucional das colônias,
porque vislumbramos que a fixação de um tipo ideal de pescador exigido pelas
colônias de alguma forma homogeneizou. Por um período de tempo, a
representação do sujeito do Litoral, atraiu adeptos e passou a existir uma
identificação com essa categoria, todo mundo queria ser pescador, em detrimento
de outras formas de expressão de identidades, em especial, aquelas ligadas à
própria natureza da combinação de múltiplas atividades exercidas pelo sujeito do

56
Informações colhidas na Federação dos Pescadores de Sergipe dão conta que a primeira colônia
de pescadores foi a atual colônia Z5 Pirambu pelos idos de 1911.
262

Litoral em relação ao seu território tradicional o pescador que planta uma “rocinha”
ou que pratica atividades extrativistas no período em que maré está ruim.
Nesse sentido podemos destacar a existência de um grupo social,
especialmente em áreas que apresentam manguezais, os caranguejeiros, homens
que desenvolvem a cata do caranguejo Uçá (ucidis cordatos).
Segundo Vargas (1987), a atividade consiste em uma rotina diária regulada
pelo ciclo da maré: “(...) a hora da entrada e da saída ou levantar e deitar”, do
período do estudo da autora até hoje, apesar de esforços para melhorar as
condições técnicas das atividades, pouca coisa se alterou, a atividade ainda é
realizada sobre duras condições.
Os ambientes propícios para a cata do caranguejo caracterizam por ser
“lodosos”, no qual o sujeito permanece por 10 horas ininterruptas, exigindo do
praticante não só conhecimento, mas também energia. A captura do caranguejo
segundo a autora consistia, durante o verão (período de outubro a março), na
introdução dos braços nas tocas até encontrar o animal através do tato e da
disposição do sol. No período de chuva entre abril e setembro, as tocas estão mais
profundas, os caranguejeiros são obrigados a um esforço adicional de tapar os
buracos forçando o caranguejo a procurar a saída.
Como a pesquisa não foi direcionada para esse grupo, os caranguejeiros,
foram para nós quase “invisíveis”. Foi o pescador que nos disse sobre usa
existência. “Também catam caranguejo”, ou seja, tem que o faça. Apesar do
consumo do caranguejo manter-se como um costume internalizado pelo sergipano e
de ter atingido um valor comercial crescente nas últimas décadas, o caranguejeiro
segue sendo um sujeito não reconhecido em sua comunidade, principalmente, se
comparado ao pescador e à marisqueira. Daí a sua “invisibilidade” em nossa
pesquisa.
Uma categoria sujeito que obteve grande visibilidade social nos últimos anos
são as marisqueiras ou, catadoras de mariscos. Trata-se da extração de crustáceos
e moluscos das áreas de mangues. Segundo Oliveira (1993) é uma atividade na
qual a dinâmica ambiental influência no processo de reprodução social, incluindo o
estabelecimento de uma rotina diária dos grupos domésticos, por extensão
influenciando na organização da vida comunitária.
O processo de trabalho inicia-se no mangue com a “captura” e se estende às
residências, com o beneficiamento dos mariscos. Os dias da semana ocupados com
263

a atividade e a quantidade de horas que se dedicam à captura variam segundo as


condições da maré e a estação do ano. No verão, a demanda por mariscos aumenta
com a presença de turistas e ocupantes de praia.
Em média, a ocupação com a mariscagem abrange de 03 a 07 dias por
semana. Para conseguir uma quantidade satisfatória de mariscos, a maioria das
mulheres marisqueiras dedica entre 05 a 08 horas de trabalho diário apenas à
captura do produto, sendo que essa jornada por chegar às 16 horas levando-se em
consideração o beneficiamento do produto (OLIVEIRA, 1993).
A dedicação a essa carga de trabalho é expressa em uma rotina de diária
que obedece em primeiro lugar o ciclo da maré e as atividades de preparo do
produto. Mas a atividade não é solitária, mesmo a captura envolve uma relação de
companheirismo com outras mulheres e o preparo requer a participação e
cooperação do núcleo familiar.

Quadro 12 Representação da rotina diária da marisqueira em Terra Caída

CICLOS/TEMPO HORAS ATIVIDADE QUEM PARTICIPA


Maré Baixa Entre 04 e 08 Captura Família, vizinhos e
colegas
Família (marido e
Maré Alta Entre 05 e 10 Limpeza do catado filhos), família
(primas, irmãs) e
vizinhança
- Limpeza do catado e Família (marido e
Noite descanso filhos), família
(primas, irmãs) e
vizinhança
Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

Vemos nesse quadro que a rotina da mariscagem é longa durante o dia e


extensa ao longo da semana. Este é realmente o meio de sobrevivência dessas
trabalhadoras e de suas famílias; uma forma de trabalho que remonta às práticas de
trabalho muito antigas no Litoral de Sergipe, desde quando a pesca constitui uma
importante fonte de alimentos. Essa é uma sobrevivência cotidiana.
O mangue é a fonte para obter os recursos necessários para vida e essa
uma tarefa diária, quer seja “catar” para comer, quer seja catar/vender/comprar.
264

Eu vou lá no mangue e pego. Essa semana peguei quase cem reais


fui na budega e comprei coisa pra comer, se não tivesse o aratuzinho
pra vender ia passar necessidade, porque meu marido trabalha mais
não é, então esse jeito que a gente dá para viver. A gente pesca,
vende e compra as coisas para dentro de casa. (Depoimento
concedido pela marisqueira Ana Cristina, 47 anos, moradora de
Terra Caída).

O aratu é o marisco que aparece com maior frequência, por sua abundância
nos bosques de mangues. Praticamente todos os entrevistados que se dizem
praticantes de mariscagem, afirmam capturar essa espécie, seguida do sururu, siri e
massunim, conforme dados apesentados na tabela 11 a seguir. Apesar de não ser
uma produção elevada frente à produtividade na pesca no estuário e no mar, a
mariscagem tem uma importância grande, porque ela é complementar à pesca, é
utilizada fortemente na dieta das famílias e absorve principalmente a mão de obra
feminina.

Tabela 11 Espécie e participação no tipo de catado encontrado em Sergipe,2014

ESPÉCIE % ESPÉCIE QUE TOTAL PRODUZIDO NO


PESCA ESTADO EM TONELADAS
Aratu 95,0% 104,4
Sururu 42,0% 60,0
Siri 35,0% 14,9
Massunim 23,3% 18.9
Ostra 26,6% 31,9

Org: Sistematização partir de relatório IBAMA, 2014.

A prática da mariscagem, grosso modo, envolve o trabalho em péssimas


condições retratadas por Martins (2008), desde a rotina extenuante de captura
passando pela limpeza e tratamento das diversas espécies capturadas, que envolve
um trabalho longo e também precarizado, tal como demonstramos na foto a seguir:
265

Foto 22 Ofício de marisqueira, Terra Caída

Foto: SOUZA, Angela Fagna Gomes de.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

Destarte, tal situação também se insere nas complexas questões de gênero,


divisão sexual do trabalho e nas relações de família no universo da comunidade
tradicional, relegando à mulher essas atividades de preparo, já que o beneficiamento
do marisco preenche os requisitos de uma tarefa socialmente atribuída às mulheres,
considerada mais minuciosa, exigindo paciência e cuidado, além de não implicar em
maior afastamento do lar, embora vários membros da família e da vizinhança
participem.
Entre as relações tradicionais de trabalho com a natureza destaca-se a
existência de uma ligação entre os habitantes do Litoral e a produção e consumo de
coco57 e seus derivados. Ela é histórica. Em Sergipe essa ligação é intensa e a
presença dos coqueirais na paisagem é destacada de Norte a Sul do Litoral.
A produção de coco constitui-se numa das mais importantes culturas
praticadas na maioria dos estados brasileiros, principalmente, por se uma planta
tropical, adaptadas às baixas altitudes. O Coqueiro requer um clima quente, com
intensidade de luz solar e necessita de cálcio e fósforo, o que de pronto demonstra
sua preferência pelas areias das praias, ricas cálcio devido á presença de resíduos
de conchas marinhas. É bem verdade que a produção de coco atualmente se baseia

57
(Cocos nucifera)
266

no cultivo em escala comercial para atender à demanda de in natura água de coco


principalmente.
Contudo, do ponto de vista sociocultural a relação entre os sujeitos e uma
cultura do coco é mais ampla e profunda, pois compreende o estabelecimento
tradicional do trato cultural, o aproveitamento dá água, de sua massa, do leite dele
extraído e da própria planta para fins de construção de residências, com raízes na
prática extrativista que caracterizou a relação sujeito e natureza no Litoral sergipano.
Destarte, que os sujeitos pesquisados ainda se referem a essa prática
extrativa como elemento que caracteriza a identidade do sujeito litorâneo,
especialmente em Tigre/Junça, mas também em Terra Caída.
O aproveitamento econômico do coqueiral para oferta de água de coco no
circuito econômico do turismo é o intuito primordial da produção, contudo, o seu
aproveitamento tradicional continua sendo elemento importante para a segurança
alimentar dessas comunidades e para manutenção de receitas tradicionais. Entre
essas receitas destacam-se a produção de doces vendidos nas feiras, como a
cocada e, uso em comidas, na preparação de todas as receitas de peixes e
mariscos, como moquecas e peixes ensopados, na produção de cuscuz e outros.
Essa ligação entre o extrativismo de coco e a identidade do sujeito do Litoral
continua atuante na constituição cultural da gente litorânea, mesmo com as
mudanças recentes nos processos organizativos da cadeia de produção do coco e
derivado, cuja “modernização” tem levado a produção e o cultivo para o nível
industrial, como ressaltamos. Ainda assim, muitos sujeitos entrevistas baseiam sua
renda no aproveitamento dos coqueirais.
De outro modo, em processo recente de exposição e de visibilidade social
podemos apontar os sujeitos que se dizem catadores de mangaba, ou melhor, o
movimento de mulheres catadoras de Mangaba.
Jesus (2010) estimou a existência de pelo menos 5.000 pessoas no Litoral de
Sergipe que desenvolvem o extrativismo de mangaba, segundo a autora:

A mangabeira é a árvore símbolo deste Estado desde 20 de janeiro


de 1992, com o Decreto nº 12.723, o que mostra a importância desta
fruta para a cultura da população. Foi mapeado pela EMBRAPA, em
267

2009, 600 famílias extrativistas em 758 municípios distribuídos em 24


povoados em todo o Estado. (JESUS, 2010, p. 19).

A atividade extrativista da mangaba é desenvolvida predominantemente pelas


mulheres que trabalham desde a cata (coleta) até a comercialização, o que sinaliza
uma contribuição na participação da renda familiar. Aos homens cabem a função
auxiliar, o que, segundo a autora, representa uma inversão de atribuições e valores,
se considerarmos as relações de gênero que se desenvolvem na sociedade.
A notoriedade da atividade e o surgimento de um processo de identificação da
mangaba como um signo de identidade do sujeito social ocorreu em meio a um
crescente aumento do valor das terras no Litoral sergipano nas últimas décadas, o
que tem gerado conflitos entre diferentes atores que disputam o acesso às plantas e
a terra. A coleta da mangaba por sua vez, sempre fora realizada em terras alheias
privadas e ou em devolutas.
Decorrente da valorização e especulação imobiliária, os donos de terras
passam a impor uma proibição à coleta do fruto, seja por medo de invasão das
mesmas, seja com o propósito de se apropriar dos frutos ou, mesmo, para destinar
os terrenos às incorporadoras, conforme sinaliza (JESUS, op. cit).
No âmbito desse processo conflituoso e com apoio Universidade Federal de
Sergipe – UFS, no que concerne ao desenvolvimento de ações visando o
fortalecimento organizacional dos diversos grupos sociais envolvidos, em 2007 foi
criado o Movimento das Catadoras de Mangabas.
Para Jesus (op. cit) as mulheres catadoras de mangaba já exercitam formas
de poder e, muitas vezes, provocam conflitos, porque assumem posturas que o
padrão de representação social delegou sempre para os homens.
Destaca-se que a organização do trabalho na produção da mangaba envolve
o núcleo familiar, pois filhos e companheiros quase sempre acompanham as
mulheres, a depender do turno de estudo dos filhos e das condições de desemprego
dos homens.
A colheita de mangaba no Litoral sergipano realiza-se entre os meses de
novembro a julho, sendo que a safra de verão abarca de dezembro a abril, e a de
inverno, de maio a julho. Pesquisadores destacam que no verão, a produção é maior

58
Os munícipios que integram o movimento das catadoras de mangaba são (i) Estância; (ii)
Itaporanga D´ájuda; (iii) Barra dos Coqueiros; (iv) Indiaroba; (v) Japaratuba; (vi) Japoatã; (vii)
Pirambu. Todos situados no Litoral sergipano.
268

e os frutos têm melhor aparência, apresentando uma coloração amarelada, com


pequenas pintas vermelhas. No inverno, a produção é menor e os frutos têm
manchas mais escuras, que mudam a aparência, apesar de não comprometerem o
sabor.
Segundo Jesus (op. cit), nenhum trato cultural é realizado nas árvores
produtoras, uma vez que há uma compreensão de que não é necessário,
considerando que, no decorrer dos anos, as plantas sempre produziram
satisfatoriamente. Segundo a autora, Sergipe responde a 42% da produção total do
país e figura como maior produtor de mangaba com cerca de 520 toneladas em
relação a uma produção nacional estimada em 1222 toneladas.
Interessante que as catadoras de mangaba como grupo social que se
identifica com um processo de trabalho em comunidades, outrora eram identificadas
como marisqueiras. A despeito, de reconhecermos a capacidade da execução de
múltiplas atividades do pescador e das marisqueiras, já exemplificada na literatura
especializada e nessa pesquisa, ocorre que tanto no caso da marisqueira quanto
das catadoras de mangaba, há um processo de apropriação de uma nova identidade
territorial que de certa maneira, coloca uma outra identidade em situação de in-
visibilidade, a de marisqueira.
Esse processo que consiste em externalizar a identidade tradicional de
catadora de mangaba decorre muitas vezes de motivações exógenas, em especial
por razões econômicas, devido à valorização dos produtos derivados da mangaba
que do ponto de vista comercial se tornou bastante aceito nas últimas décadas e;
por questões políticas que aliam motivações ambientais e; por razões culturais na
busca pelo reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades tradicionais.
Tudo isso contribui para uma maior visibilidade da categoria das catadoras de
mangaba e para a legitimação de um discurso sobre sua identidade, como um
processo exógeno análogo ao demonstrado por Souza (2013) ao analisar a
construção exógena da identidade dos vazanteiros do médio São Francisco. Ao
mesmo tempo o novo processo de identificação das catadoras de mangaba, que
internalizam na pratica extrativista o sentido de pertencer e de se reconhecer sujeito
no seu complexo ecológico-territorial.
Outro processo de trabalho, introduzido recentemente em algumas
comunidades do Litoral de Sergipe, que últimamente vem sendo adotado para
269

designar e identificar certos grupos, especialmente de mulheres é a identidade de


artesã. Depoimento da artesã Luzineide 51 anos, comunidade Tigre/Junça.

A ideia é a senhora contar as coisas que a senhora mais gosta


no povoado. Vejo que a senhora está mexendo com esse
artesanato a senhora sempre mexeu com isso? Eu acho que hoje
sou mais artesã do que pescadora, porque hoje eu faço mais
artesanato, passo mais tempo no artesanato. Mas nem sempre eu
mexi com isso. É uma coisa nova. Começou com a mãe de
Domingos, foi ela quem ensinou a gente a fazer. Eu acho que já tem
mais de 5 anos. Tem sim. Deu curso pra vocês? Ela começou a
fazer e depois o SEBRAE foi que veio dá curso. E o que a senhora
produz aqui? Chapéu, tapete, bolsa, porta moeda, porta lápis. A
gente vende por encomenda e vende na feira. Quais são as
principais dificuldades de viver aqui no povoado? Trabalho né,
que não tem mas a senhora tá fazendo artesanato mas nem todo
mundo aprendeu, tem mais dificuldade pra quem não tem nada, que
não trabalha no artesanato, quem não tem outro trabalho. (Entrevista
concedida pela artesã Luzineide, 51 anos, comunidade Tigre/Junça).

Essas artesãs são produtoras e comercializadoras de produtos


confeccionados artesanalmente, principalmente no aproveitamento de materiais
presentes no ambiente de entorno, como: fibras, madeiras e conchas de mariscos.
Devemos pontuar que esse é um processo de trabalho que se funda na existência
de um saber-fazer tradicional, como por exemplo, em técnicas de trama e tratamento
de material, antes usados na confecção de produtos de uso cotidiano como
utensílios domésticos e objetos de uso extraordinário na vida social como em rituais
e as festas.
Sobre a designação de artesanato, o saber-fazer tradicional recebe uma
roupagem e uma lógica completamente nova, por meio da introdução sistematizada
de cursos de capacitação formalmente instituídos. Os trabalhos no artesanato
modificam a lógica dos espaços tradicionais e o tempo do trabalho, pois primeiro,
desloca o local da produção do espaço da casa para o galpão da associação de uso
coletivo, como no caso de Tigre/Junça e segundo, introduz o tempo e a lógica da
comercialização como estratégia.

É, vou pescar de manhã, quando eu chego em casa, eu torro


camarão, faço alguma coisinha na casa e depois venho trabalhar
aqui nesse galpão de tarde. Aí quando eu chego muito cansada eu
não venho não, venho no outro dia, porque tem que sair de casa no
sol quente e caminhar. (Entrevista concedida pela artesã Luzineide,
51 anos, comunidade Tigre/Junça).
270

Em que pese os riscos já devidamente formulados em estudos mais


específicos que alertam para a possibilidade excessiva de interferência e
padronização no processo de criação de bens culturais, a introdução do artesanato e
a constituição de sujeitos artesãos mostra se relevante quando se pensa do ponto
de vista da articulação territorial estabelecida na relação destes produtos com o
lugar no qual são produzidos.
Há um processo de valorização do lugar tradicional, construídos e
comunicados nestes processos de trânsito intercultural, ampliando cada vez mais a
percepção e os discursos em fluxos – representações sobre representações – da
própria territorialidade, enquanto categoria fundamental para a conceituação destes
artefatos, por exemplo, um sentido de reconhecimento em dizer: “(...) esse
artesanato é do Tigre/Junça”.

Nas feiras, onde que levamos os artesanatos para vender o povo


pergunta esse Puff foi produzido onde. Nós falamos esse é de taboa
produzida lá no povoado Junça. Dá até um orgulho, porque o povo
que quer comprar muitas vezes compra porque é fabricado aqui, no
nosso lugarzinho, aí ficamos conhecidos né. (Entrevista concedida
pela Artesã Luzineide, 51 anos, comunidade Tigre/Junça).

Ao enfatizarem a sua relação com o outro, no processo de construção dos


valores dos produtos, geralmente em territórios fora da comunidade, as artesãs
assumem a possibilidade de trânsito de suas identidades, considerando aspectos
internos e externos a elas, e também considerando as representações do
outro/diferente – consumidores e mediadores das cadeias produtivas. Esse trânsito
cultural de inclusão/exclusão acaba por reforçar o sentido e o valor do local, como
um sentimento de pertencimento e como uma categoria de identificação com o
território.
Desta forma, as identidades no artesanato e das catadoras de mangaba são
construídas pela articulação de valores, em uma negociação entre as diversas
representações dos agentes envolvidos no processo de troca e estabelece-se como,
nas palavras de Stuart Hall (2003), uma „‟produção‟‟ que nunca se completa, que
está sempre em processo e é sempre constituída interna e não externamente à
representação.
271

6.2 A sociedade no sujeito: etnia e lideranças sociais

Um movimento identitário que vem se apresentando no Brasil como um todo


e, também no Litoral de Sergipe diz respeito a reinvindicação de identificação
relacionado ao direito às diferenças culturais de uma etnia ou de um grupo étnico, no
nossa caso o Quilombola como “marcador59” identitário.
È importante lembrar que a existência das formações territoriais e
comunitárias de grupos quilombolas são bastante antigas no Brasil, tanto quanto o
desenvolvimento da instituição escravidão. No caso do Litoral de Sergipe e Alagoas
esse fato remete ao século XVIII como mostramos desde o capítulo 03. Segundo
Schmitt et ali (2002) a definição de quilombo está presente em textos oficiais desde
1740.
Contudo, sua qualificação como um atributo usado para designar um grupo de
identidade é algo mais recente e se deve em muito a um dispositivo legal expresso
na constituição de 1988 no artigo n.º 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias sob o enunciado: “Aos remanescentes das comunidades de quilombos
que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo
o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Segundo pontua Schmitt; et ali (op. cit), os grupos considerados
remanescentes de comunidades de quilombos se constituíram a partir de uma
grande diversidade de processos, que incluem as fugas com ocupação de terras
livres e geralmente isoladas, mas também as heranças, as doações, o recebimento
de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, a simples permanência
nas terras que ocupavam e cultivavam no interior das grandes propriedades, bem
como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto
após a sua extinção.
Se considerarmos as diversas origens, histórias e trajetória sociocultural
destes grupos, encontraríamos outras denominações para estes agrupamentos
identificados como remanescentes de quilombo, tais como, terras de pretos, ou
território negro, largamente encontrada na literatura cientifica. De uma forma geral,
essa designação enfatiza uma condição de vivência e um sentido de coletividade,

59
Nos termos formulados por Ennes; Marcon (2014).
272

muito próximo ou quase sinônimo de comunidades camponesas, definida pelo


compartilhamento de um território e de uma identidade.
Uso e estratégias identitárias indica na opinião de Schmitt; et al. (2002, p. 04)
a situação presente “(...) dos segmentos negros em diferentes regiões e contextos
e é utilizado para designar um legado, uma herança cultural e material que lhe
confere referência presencial no sentimento de ser e pertencer a um lugar
especifico”. Como demonstramos no capítulo III no Litoral sergipano um movimento
de reconhecimento de territórios quilombolas está em curso e responde por mais da
metade dos territórios já homologados.
A despeito de outras discussões sobre o movimento, intentamos demonstrar
alguns aspectos da existência do sujeito quilombola. A construção de uma
identidade quilombola no Litoral de Sergipe tem se baseado em sistema de lutas dos
povos tradicionais, em especial em defesa do reconhecimento e segurança da
integridade do seu território, que tem no instituto da homologação e demarcação de
terras um instrumento para esse fim.
Devemos reiterar o que expusemos no capítulo anterior, uma das grandes
fragilidades que ameaça a comunidade tradicional é a falta de segurança jurídica60
envolvendo seus territórios, já que grande parte desses se baseia na apropriação
tradicional consolidada no regime de posse e não de propriedade formal.
Nesse sentido, além de um conteúdo cultural de tradições, ritos e memórias, o
uso do termo quilombola apresenta um conteúdo político bastante significativo
corroborando a expressão identidade de projeto elaborada por (CASTELLS, 1999).
Assim, a partir de uma posição historicamente desfavorável no jogo das
relações de poder, inerentes à formação social brasileira no sentido mais amplo, as
comunidades que se assumem quilombola, por exemplo, adotam o discurso
identitário para se posicionar estrategicamente na luta pela terra, primordialmente, e,
no limite, pelo próprio resgate de sua existência cultural historicamente situada,
conforme apontado por (HAESBAERT, 1999) e (CRUZ, 2011).

60
Sobre segurança em termos jurídicos, tento fazer uma aproximação com ideia de segurança
expressa por Bauman (2003). O autor indica que a busca por segurança é um sentido importante
para identificação a uma comunidade ou as diversas formas de relações comunitárias em sentido
mais próximo ao analisado por ele. A insegurança proporcionada pelas fragilidades de direitos
“legais” sobre seu território aumenta a busca pela conformidade e identificação com sua comunidade
“Não seremos humanos sem segurança ou sem liberdade” (p. 11). Pertencer a comunidade resulta
em segurança e a liberdade está no território.
273

Aqui adentramos no segundo ponto que nos interessa sobre o sujeito


quilombola, essa identificação é parte de uma estratégia identitária, mas não é a
única identificação assumida, pois o sujeito quilombola do Litoral sergipano se
constitui em uma perfeita articulação com outros processos de identificação
derivados da apropriação da natureza.
Ressaltamos que o sujeito ao se identificar como Quilombola não exclui o uso
de outras “roupagens” identitárias. Logo, o quilombola se apresenta também como
pescador, marisqueira, agricultor, extrativista. Isso produz uma mesclagem de
conteúdos identitários, entre o político que situa na interação com o outro e o
tradicional que fixa normas e valores sociais, culturais e territoriais.
A própria constituição dos elementos culturais do Ser pescador no Litoral de
Sergipe se deve em parte a presença de elementos culturais dos vários povos
negros que para cá foram trazidos, bem como dos hábitos indígenas de manejo da
pesca. Desta maneira, a relação constituinte presente entre o Ser quilombola e o
pescador, demonstra mais uma vez o caráter de permanente construção da
identidade como conceito e categoria.
A existência do Ser quilombola em articulação com outros processos de
identificação reafirma sua natureza territorial, como uma comunidade tradicional de
Litoral. Ela é uma formação socioespacial historicamente situada, e tal como as
outras comunidades tradicionais, tem na apropriação territorial tradicionalmente
estabelecida, um elemento central de sua identificação e do exercício de suas
territorialidades.
Se o sujeito quilombola expressa essa complexidade de formação, chamou
nossa atenção a crescente importância dada à liderança comunitária. Alguns
estudos procuram compreender a função e o papel da liderança na ação
organizativa e social. Neste sentido, acabam separando a natureza do sujeito de sua
ação como líder, pois enfatizam que a liderança é em si uma atribuição, um papel
social a ser desempenhado.
De alguma maneira, essa abordagem é parcialmente correta, sendo a
liderança uma representação social construída pelo grupo ou comunidade, o líder
acaba assumindo uma personagem que desempenha funções, às vezes por tempo
determinado, mesmo reconhecendo que capacidade de liderar, considerada uma
qualidade intrínseca ao sujeito, a abordagens que definem lideres como atores
sociais e não sujeitos.
274

Lerbach (2012), observa que os “líderes” geralmente são considerados


“informantes privilegiados” pelos pesquisadores das áreas das ciências sociais,
contudo seu papel enquanto agente e gente, é, frequentemente desconsiderada,
sendo desta forma a constituição do sujeito liderança pouco estudada.
Essa discussão assume relevância nesse estudo, justamente porque, em
duas das três situações comunitárias estudadas, alguns sujeitos se apresentaram
como lideranças, isto é, agentes destinados a se dedicar à comunidade. Neste
sentido, não se apresentaram como um ator desempenhando um papel, mas um Ser
portador de história de vida, de historicidades e de geograficidades que o ligam
àquele espaço social, sua comunidade.
Vamos narrar trechos da história de vida de uma dessas jovens “lideranças”
para apresentar os elementos que o caracteriza:

Me conta um pouco a história de sua vida? Eu fui para a cidade


como muitos jovens foram, em busca de melhorar. Primeiro de uma
educação melhor, estudar. Só que aí a gente foi pra lá e o meu avô
estava doente e a gente veio de volta pra cá. Aí a gente voltou a
estudar aqui. Quando nós voltamos tinha melhorado um pouquinho a
questão da educação, mas ainda não estava boa, não está hoje
ainda a educação de qualidade, falta avançar muita coisa. Então nós
voltamos eu fiquei por aqui, comecei a estudar aí terminei o nível
médio. Minha mãe é uma pessoa que eu admiro muito, eu entrei
nessa vida (de associação) por causa dela. Entrei na luta por causa
dela. Minha luta começou quando ela criou um trabalho de
artesanato e aí tinha a preocupação de estar gerando alguma renda
a taboa, antigamente a taboa era uma praga aqui e as pessoas
tocavam fogo porque era um praga, tinha muito. E aí ela descobriu
esse trabalho de artesanato com a palha da taboa. Ela na época era
professora de um programa chamado PETI, não sei se você já ouviu
falar(...) e tinha esse lado social de capacitar algumas pessoas pra
elas poder estar gerando alguma renda. (Entrevista concedida por
Domingos Ferreira, liderança comunitária, 29 anos, Tigre/Junça).

Primeiro ponto a observar é que a referência que justifica o início dele nessa
“vida” de associação e organização comunitária se dá por inspiração e influência de
sua mãe, responsável local pela introdução de cursos de capacitação oferecidos
pelo SEBRAE visando o desenvolvimento de artesanato no Tigre/Junça.

Aí eu comecei a me envolver no PETI (Programa de Erradicação do


Trabalho Infantil) né, ela foi afastada e também o contrato terminou.
Acho que foi na época de três anos de duração, aí terminou o
contrato a recebi alguns convites pra trabalhar fora e buscar coisas
maiores na época. Só que aí eu pensei duas vezes o que era melhor
e aí iniciou o processo de criação da associação. Houve uma
275

discussão com a comunidade para que servia uma associação, como


é processo de criação e em 5 de outubro de 2003 ela foi registrada,
vai fazer 11 anos agora. Na época da criação da associação, para
vocês terem uma ideia hoje o município tem 33 associações dessas
são pouquíssimas que realmente funcionam, assim ativamente. E a
gente tinha um histórico na região ruim com relação a associação, as
pessoas não acreditavam. Aqui mesmo acho que já tinham sido três
que foram criadas e não tinha êxito, o pessoal acabava saindo. Eu
sei que não vingava, não acontecia o que deveria ser. A gente com
um pouquinho de dificuldade por conta disso porque as pessoas, até
que se acordassem e começassem a confiar era um pouco
complicado. Na época eu comecei como sócio da associação, aí
passaram-se o primeiro presidente, depois o segundo, o terceiro e eu
sou o quarto gestor. A gente como equipe tem mais de 10 anos e
ainda continua. (Entrevista concedida por Domingos Ferreira,
liderança comunitária, 29 anos, Tigre/Junça).

Notemos que a trajetória inicia diretamente com exercício de atividades


ligadas à associação, incluindo alguma forma de remuneração pelo trabalho. Essa
situação difere um pouco do modo mais comum, pois geralmente as lideranças são
pessoas ligadas ao mundo do trabalho na pesca, por exemplo, que se valendo de
qualidades individuais, como carisma e simpatia, assumem o papel de liderança.
Neste caso, o nosso sujeito liderança inicia sua vida de trabalho ligado à própria
instituição associação se envolvendo nos projetos que ela executa.

E eu comecei a me envolver em vários espaços de discussões:


conselho municipal de saúde, conselho municipal de educação,
conselho municipal de desenvolvimento sustentável, PEAC, foi nele
que começou a discussão aqui e até eu brincava que iria me
aposentar no PEAC, mas eu sou o conselheiro mais antigo no PEAC,
eu e a menina de Brejo Grande, Lucilene. Foi um espaço também
que eu aprendi muita coisa, aprendi a lidar com pessoas, lidar com
instituições porque às vezes você não pode bater de frente, tem a
hora de você bater e tem a hora de você recuar, porque existe o jogo
de interesse, tanto por parte da sociedade como por parte das
entidades públicas. Então, assim, a gente aprendeu muita coisa no
PEAC. Comecei também uma discussão no território da cidadania
que é um espaço de discussão que abrange hoje 14 municípios do
baixo São Francisco, onde a gente tá até hoje em discussão e em
busca de melhorias para a região. Aconteceram várias políticas
públicas dentro do território, da região. E a gente tá até hoje nessa
discussão, hoje a gente faz parte do núcleo de objetivo do território.
Então, na criação dessa associação tivemos o apoio do SEBRAE e
aí o SEBRAE é um ótimo parceiro, só que em determinados
momentos o SEBRAE ficou assim ele queria tipo tomar as rédeas da
associação e em determinado momento a gente percebeu isso, eu
percebi. Só que assim eu nunca briguei ou fechei as portas. O
SEBRAE é um ótimo parceiro, mas você tem sabe tratar, como todos
os parceiros, tem que sabe colocar no lugar dele. Porque às vezes
você deixa o parceiro solto e acaba que quer tomar conta da
276

situação, da comunidade. Com o SEBRAE, trouxemos várias


capacitações, cooperativismo, associativismo, capacitação rural,
administração rural, um monte de capacitação, foram mais de 10
capacitação pelo SEBRAE, foi um espaço muito bom. Então o que
impulsionou a associação de inicio foi essas duas atividades: o
artesanato e a apicultura. E até sempre eu falo o seguinte, pra hoje
uma instituição, principalmente no meio rural, é bom você ter uma
atividade produtiva, você está lidando com pessoas e muita das
vezes as pessoas são imediatistas.

(...) Tivemos uma parte negativa e uma parte boa, positiva. A parte
negativa que nós tivemos que devolver metade do recurso porque no
inicio a gente não estava acostuma da a lidar com prestação de
contas. Mas a parte positiva foi essa que, com relação a prestação
de contas eu aprendi muita coisa, porque é um troço que dá dor de
cabeça. Chato, chato, chato. Para vocês terem uma ideia nós
recebemos um recurso em 2009,2010. Passamos um ano porque eu
coloquei em parcelas nós passamos um ano pra realizar a prestação
de contas da primeira parcela. Então isso atrasou um pouco o
processo, os objetivos do projeto. Aí eram pra ser 10 parcelas e nós
só conseguimos receber 4 parcelas porque aí nós fizemos as quatro
prestações de contas. (Entrevista concedida por Domingos Ferreira,
liderança comunitária, 29 anos, Tigre/Junça).

Nesse ponto ele expõe o avanço de suas atividades como liderança


representativa da comunidade, frequentando e participando de vários espaços de
organização social. Notemos que nesse trecho ele demonstra ter adquirido
capacidades e sabedoria que o qualificam a exercer bem a função de liderança.
Ao assumir um discurso no qual se identifica como uma liderança social cuja
missão é desempenhar atividades em nome do coletivo, consequentemente em
nome de um bem maior de obter benefícios para o coletivo comunitário. No entanto,
somente se assumir como uma liderança não é suficiente para de fato ser um sujeito
portador de liderança. Nesse aspecto a natureza do sujeito é oposta ao que se
requer dos quilombolas em que o simples fato de autodenominação já seria o
bastante para o reconhecimento da identidade do ponto de vista legal.
A natureza do sujeito como liderança social exige outro processo mais
complexo, nesse caso em primeiro lugar é necessário haver qualidades e
habilidades individuais mutuamente evidentes e reconhecidas, uma trajetória de vida
que o dota de um saber-fazer em relação a técnica dos processos organizativos –
qualidades adquiridas na vivência, na participação e na qualificação formal e a
legitimação e reconhecimento comunitário. Essa última característica também é
manifestada pelos moradores:
277

A bolsa família também ajuda. Depois de Lula para cá foi uma


benção de Deus. Foi à sorte nossa. Dele pra cá mudou tudo. Agora
na parte de pescaria não tá bom. Só tem os peixes que nascem nas
lagoas (com a introdução de alevinos). Assim do rio que tá devagar.
Agora a sorte da gente também é porque tem o Domingos
(liderança). Ele fez uma parceria com CODEVASF e arruma um
peixe que da para gente. A sorte da gente também que a gente tanto
come quando que quando dá vender um pouquinho. Ajuda nós
também. Tem esse artesanato, outra vez através do Domingos que
ajuda. Esse (Domingos) foi outro que caiu do céu também para
ajudar a gente da nossa região e também é bom. (Entrevista
concedida pelo pescador Eneas, 65 anos, comunidade Tigre/Junça).

Nesse trecho, é sintomático o nível de aceitação conferido à liderança. O


entrevistado narra os benefícios e rapidamente os associa à pessoa de Domingos,
comparando-o ao ex-presidente, figura muito carismática e reconhecida. Nesse
sentido, as características da história de vida da liderança e a representação social
do que seria um líder são perfeitamente compatíveis e reconhecidas.
É importante retomarmos a abordagem que intencionamos empreender aqui,
sendo a liderança um sujeito que construído no âmbito das relações e
representações comunitárias, pois evidencia um conteúdo que identifica a influência
da sociedade na constituição do sujeito.

6.3 Perto da água tudo é fartura: elementos da identidade no Litoral

A água é o objeto de umas das maiores valorizações do pensamento


humano: a valorização da pureza. Que seria da ideia de pureza sem
a imagem de uma água límpida e cristalina, sem esse belo
pleonasmo que nos fala de uma água pura? A água acolhe todas as
imagens da pureza. (BACHELARD, 1997, p. 15).

Defendemos nessa tese a existência de um traço identitário que une as


identidades dos sujeitos no Litoral, esse traço passa pela relação desenvolvida pelas
populações com as diversas formas de águas. Viver dentro e perto de águas é sem
dúvida um elemento da identidade no Litoral. As gentes são muitas como as águas
também o são, diria Bachelard:

A água leva-nos.
A água embala-nos.
Agua adormece-nos.
A água devolve-nos a nossa mãe.
A água convida-nos à viagem imaginária
(BACHELARD, 1997, p. 136-137).
278

No cenário do Litoral existem as água dos rios, o ciclo das águas da maré,
água turva e agitada do estuário, a água calma da lagoa, a água que se transforma
em lama quando a maré fica baixa e quando não há ali é o apicum, ali é o barranco,
ali é a duna. Suas diversas formas e paisagens indicam não só uma relação
funcional de uso, mas a própria essência da vida no Litoral.
As referências múltiplas à água retratam bem a importância central que ela
desempenha para a existência das comunidades. Na água se brinca e da água se
tira sustento e elementos sociais e simbólicos. Basta um pouco de tempo a beira do
canal para ver a algazarra das crianças pulando dentro da água, o rio que reflete no
riso e no olhar, na festa dentro da água.
A identidade dos sujeitos litorâneos está intensamente relacionada como a
própria representação que esses sujeitos fazem de sua vida perto da água. Ela é um
elemento territorializante, é uma matéria para composição do Ser litorâneo e é
também um território - múltiplos territórios.
Citamos a história de vida da pescadora retratada na foto 23. Viúva,
aposentada, mas que diariamente embarca em sua canoa e adentra no estuário do
rio Vaza-Barris para pescar. Não é a necessidade material que a move, mas a
própria essência da natureza da identidade pescadora realizando na atividade
cotidiana: “ (...) enquanto Deus me der forças eu vou pescar. Eu gosto de ir pro rio,
me sinto feliz lá dentro, pegando meus peixinhos para comer e meus Aratus”.
279

Foto 23 Pescadora e aposentada, 76 anos, Pedreiras

Foto: SANTOS, Rodrigo Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

A influência da maré com seus ciclos estabelecem as condições e alternância


dos tempos de vida nas comunidades. A alternância dos tempos das águas está
ligada às práticas sociais de trabalho e dos ritmos de vida, quer seja diário, pela
imposição do comportamento da maré, semanal, pelo dia da maré, mensal e anual,
pela alternância entre o que se faz no inverno chuvoso ou no verão quente e seco.
O pulsar da vida segue o ritmo da maré.

Fui trabalhar na roça pra ajudar meu pai! Carregar coco! Carregar
manga, carregava manga até dez horas da noite onze, ali era pau
viu, tinha uns 12 anos! Ai foi quando apareceu pescar de tarrafa! Foi
quando apareceu essa tal dessa rede de televisão! Naquele tempo
não existia IBAMA era a SUDEPE! Ai a SUDEPE atraia aqueles
pescador mais velhos. Ai vendeu duzentos metros de rede pra cada
um pescador, aquele que pudia né? Comprava!” Mas era pelo
governo? “não!”Pela Sudepe mesmo? “Pela Sudepe, vinha com cem
metros de altura! Ai comprou, finado Berto comprou duzentos, finado
Miguezinho comprou duzentos, finado primo de Diva comprou
duzentos e Luiz comprou duzentos! Então seu pai já tinha né, ele
ficava no rio né? Ai o tio passou e ficou com a rede impacada. Ai, tio
Luiz, você sabe que tio Luiz tinha né. Se você puder comprar as
cordas e as curtias e, eu fico com a rede, naquele tempo eu
trabalhava não bebia, só fazia fumar escondido quando ia trabalhar.
Um dia de hoje como esse, quando eu chegava eu dava o dinheiro a
minha mãe, oi aqui minha mãe! Ai ela pegava pra inteirar a feira né?
Ai me dava aquele “dinheirozinho” e eu tome dentro do sapato, no
bico do sapato, lá não cabia, ai eu botava debaixo do coxão e uma
vez perdi! Ai lá vai! Quando a minha mãe diz vá toma um dinheiro
280

emprestado para comprar coisa assim. Eu disse nunca tomei nem


um real nenhum! Eu vou entregar (fazer) é a rede de Milson. Aí eu
disse disse quanto é que gasta (para fazer) pai? Ele disse: trinta,
trinta mirreis! Eu, peguei e disse tome o dinheiro (para comprar). Ai
meu pais, onde é que tava esse dinheiro? Eu digo: Guardado! Ai
contei aquela ruma de papel da peste! Eu sei que quando foi numa
madrugada e não tinha transporte que aqui oi. Eu fui pra Aracaju
comprar o material, dessas corda ruim! Ajudei ele nesse tempo! Isso
ai num presta pra ajeitar a rede! Ai comprou e começamos a pescar!
Ave-Maria! Ai o negocio melhorou né? Camboa, eu ponhei camboa!
Ai eu voltei com cem camarão! Passava a semana toda num engodo,
essa hora tava lá no rio! Se eu quisesse dormi, dormia porque eu
saia de casa uma hora da tarde pra pegar o ponto até quando chega
oito hora, nove hora da noite, passava o dia todo dentro da água,
minha vida sempre foi dentro do rio. No final vinha com aquela ruma
de camarão, aquele tempo tinha fartura, hoje não tem mais não! Hoje
é uma uzura da peste! Pescador, pra pescador, você tá aqui no
ponto pra botar sua redezinha e chega um e pá! Um joga por cima de
outro e é uma bagaçada da peste! Tem hora que eu volto! Rapaz... ai
eu vou voltar de lá! Peste com cada usura, rapaz! Quando Deus quer
dá, dá! Quando Deus não quer dá, não dá! Ai vem tudo azedo,
pegando meus peixinhos e vem para casa! Ai marezinha boa
amanhã! “Má” rapaz jogar um tarrafada lá pra pegar catado! Aquele
dia faz quinze dias amanhã? Peguei uma pancada boa! (Entrevista
com o senhor Joel, antigo pescador de Pedreiras).

Concordamos com Oliveira (2009) ao afirmar que o espaço é aberto e ele é


também um símbolo da liberdade que nos fala Yi-Fu-Tuan (2013), é como se fosse
uma folha branca na qual se pode imprimir qualquer significado. E o lugar,
comparado ao espaço, é um centro calmo de valores estabelecidos, pois o lugar é
marcado pela permanência o viver e o conviver todos os dias, numa rua, num bairro,
numa casa.
No entanto, como seres, necessitamos de espaço e lugar, pois a história de
vida se faz de movimento, entre refúgio e aventura, dependência e liberdade.
Espaço e lugar não podem ser pensados separadamente. E o cotidiano se inscreve
no espaço, pela repetição dos gestos, dos hábitos e costumes de um viver.
O homem, ao produzir o espaço como um processo histórico e continuado
segue redesenhando a superfície terrestre e vai atribuindo novas formas de
relações, re-significando o meio em que vive, por meio de representações
transitórias que são metamorfoseadas pelo próprio processo de travessia histórica.
Se o espaço sofre continuas e constantes mutações, o mesmo pode ser dito das
paisagens, dos lugares, dos territórios e das regiões: são diversos os modos de se
fazer ou se perceber o uso do espaço e de atribuir a ele significações.
281

Eu gosto de ir pra orla dar um mergulhinho na maré. Vivo na maré


mas é da lei tomar um banhinho né? É da lei. Tem hora que nois
duas se abraça e cai na agua tomando banho, mas o mais gostoso é
ir lá de baixo da ponte (...) um dia de domingo é um dia de descanso.
Um dia de sábado”(...). (Entrevista com a jovem marisqueira
Cassiane Ramos, 26 anos, moradora em Terra Caída).

Desde a hora de acordar e se preparar para sair para o “trabalho”, a rotina


diária está associada ao movimento das águas, das marés. A catadora de massunim
e os caranguejeiros aproveitam toda a maré baixa para fazerem a coleta e somente
retornam para a casa quando a maré enche.
Enquanto a maré está cheia, as catadoras de massunim limpam e preparam o
material coletado e, no outro dia, tudo se inicia novamente. Essa mesma lógica pode
ser observada em todas as práticas de trabalho que envolve a pescaria e a coleta
em ambientes de interação com água, exceto para o grupo de caranguejeiros, cuja
rotina foi descrita acima, esses se constituem uma minoria no universo do trabalho
tradicional no Litoral sergipano. Esses caranguejeiros exploram alguns pontos
produtivos do estuário do Vaza-Barris e do Piauí-Fundo-Real, leia-se com bosques
mais preservados e extensos, eles permanecem nos manguezais em ranchos
precários nos apicuns por até 05 07 dias, retornam aos “portos” de origem com a
produção, entregue imediatamente ao atravessador.
A água é território, o espaço do rio, o mangue, o mar, as lagoas são lugares
socialmente conhecidos, reconhecidos e cuidadosamente repartidos em pontos
propícios para a coleta do marisco ou para pesca.

Foto 24 Ponto de pesca no rio das Pedreiras

Foto: SOUZA, Angela Fagna Gomes de.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.
282

As comunidades do Litoral sergipano se constituem um modo de viver com e


a partir das diversas águas, como sujeitos de vidas molhadas, umedecidas. Habitar
o lugar Litoral é estabelecer vínculos com os espaços e paisagens de águas e ou
rodeados por ela. A presença de água é fundamental para a reprodução social do
sujeito do Litoral. As comunidades do Litoral de Sergipe usufruem de uma posição
estratégica e rara, sempre tendem a se estabelecerem em localizações que
oferecem condição de acesso à água.
Nos encontros dos rios com o mar, nas dinâmicas e movediças de subidas e
descidas da maré ampliam-se as possibilidades de sobrevivência com maior
abundância de espécies para a pesca e a catação de crustáceos e moluscos nas
áreas de mangue. Essa relação é permeada por lendas e mitos sobre seres
sobrenaturais que guardam os recursos naturais existentes e disciplinam o seu uso.
As marisqueiras, por exemplo, catadoras de mariscos nas terras umedecidas
entre mangues e o estuário, pelo vai e vem das marés, são personificações de
mulheres guerreiras que contribuem para o sustento da família. Viver nas águas,
entre águas, vidas molhadas. Encharcadas de símbolos que criam o sujeito na
natureza entre a água e a sociedade que ajudou a criar.
O imaginário litorâneo associa a presença de água a uma espécie de dádiva
ou fartura natural oferecida àqueles que vivem nesses ambientes. Os depoimentos
que se seguem, questionamos aos entrevistados sobre uma possível comparação
entre o Sertão e o Litoral, vejamos:

Eu não gosto do Sertão. O que a senhora vê de melhor no Litoral


do que no Sertão? A água e comida. Porque eu vejo na televisão a
seca eu vejo as necessidades do povo, comendo palha de banana
coitados e passando necessidade água. A senhora acha que é
melhor morar no Litoral do quê no Sertão? Não é o quê, pra mim
é. Aqui é tenho a maré que vou pescar todo dia. A comida é boa, tem
meu aratuzinho, dá para fazer uma moqueca, comer um peixinho e
no Sertão é só seca. (Entrevista concedida pela Marisqueira Ana
Cristina, 47 anos, moradora de Terra Caída).

No trecho a entrevistada declara não gostar do Sertão, mesmo sem conhecê-


lo pessoalmente. È importante ressaltar que nossa intenção não foi a de opor o
Litoral como um lugar bom ao Sertão como um lugar ruim. Pretendemos com esses
questionamentos estimular a construção discursiva de um imaginário sobre o Litoral.
Pontuamos ainda que vários de nossos entrevistados não tiveram contato com o
283

cenário do Sertão, de fato o imaginário sobre o viver no Sertão é construído a partir


de uma visão fornecida primordialmente pela televisão e essa visão é quase sempre
parcial, pois geralmente destaca os aspectos negativos da região. Contudo, para
nosso interesse o questionamento nos foi útil justamente para evidenciarmos a
valorização do meu lugar Litoral. É o caso de nossa entrevista, para ela o Litoral
como lugar de morada é bom, porque significa a existência de água e comida,
facilmente coletada.
Os atributos paisagísticos ecológicos, incluindo a disponibilidade de mariscos
e pescados compõem a representação sobre habitar o Litoral. Vejamos o que nos
fala a pescadora e artesão moradora de Tigre/Junça:

Aqui sempre tem água, se aqui falta água, Meu Deus, porque aqui é
difícil faltar água. Mesmo que seque, mas sempre tem lagoa que não
seca. E aqui é muito fácil pra água. E como é que a senhora
imagina que é a vida no Sertão por exemplo ? É difícil né? Porque
a maior dificuldade do lugar é não ter água, eu acho. Trabalho tudo é
ruim, mas sem água é pior. Porque a pessoa não pode plantar, não
pode fazer nada. Aqui eu faço tudo, tudo que eu quero. (Entrevista
concedida por Luzineide dos Santos, 51 anos, pescadora e artesã
em Tigre/Junça).

Ela enfatiza a possibilidade de morar perto da água como algo inerente e bom
do Litoral. Em oposição ao Sertão, no Litoral a percepção é de que não existe seca e
assim, não haveria escassez do elemento fundamental para vida. Ela ainda associa
a água à possibilidade de trabalho, bastante semelhante ao enfatizado por
Bachelard (1997, p. 15, grifos nossos).

A água é uma matéria que vemos nascer e crescer em toda parte. A


fonte é um nascimento irresistível, um nascimento contínuo.
Imagens tão grandiosas marcam para sempre o inconsciente que as
ama. Suscitam devaneios sem fim.

A água é essa matéria que nutre as representações de sentidos sobre o


habitar territórios no Litoral, fartura, chuva, generosidade da terra, disponibilidade de
água e de trabalho, se colocando em contraponto à escassez do Sertão imaginado.
Vejamos o que acrescenta uma dupla de pescadoras de Pedreiras.

Nós temos água aqui com abundância e graças a Deus nunca faltou
água, mesmo com esse verão que teve aqui seco, não é minha
comadre?! Mas não faltou. Aqui mesmo, eu moro aqui e o cano
passa aqui, oi! Mas, aqui mesmo nunca faltou água. Graças a Deus!
E muita gente por ai, está sem água. E nos aqui, oi! Temos água
284

com abundância. A senhora acha que conseguiria morar no


Sertão, por exemplo? Não. Porque? – porque não tenho essa
vontade, não. Lá eu vejo que o pessoal de lá, sofre muito, né.
“Escacidão”, principalmente de seca porque sem agua a gente não
pode passar (...) água é vida! Não pode! A pessoa quer tomar um
banho lavar uma roupa e não tem. Como eu vejo passar aí na
televisão (...) meu Deus, as vezes eu até choro de ver como eles
passam, como ele sofrem coitados! As vezes perde os animais com
a gente vê nos pastos os animais tudo morto. As vezes eles criam
pra sobreviver daquilo e no fim perde e vão passar necessidade [e
aqui não passa necessidade...] não, aqui não, graças a Deus! Tudo
que a gente cria depois a gente tem. Cria uma galinha, ela tem um
ovo...a gente come, vende, dá. Se cria outro animal qualquer,
principalmente como um boi ou um carneiro, uma cabra, um porco,
sempre vai adiante. Eu já criei muito porco. Essa casa aqui foi
dinheiro de porco que eu vendia, criava dois porcos na corda. Meu
marido fazia chiqueiro aí no fundo do quintal e eu criava. Tinha muita
mandioca, ele trazia, botava pra eles. Tinha farinha com abundância
naquele tempo eu dava era farinha, agora que está criando com
farelo né? Mas naquele tempo meus porcos era com mandioca e a
farinha, é uma carne gostosa né? Manga quando tinha, jaca. Agora
que estão criando até com a ração de galinha né? Mas naquele
tempo a carne do porco era outra. E a senhora dona socorro sobre
o Sertão e o Litoral? Eu não queria morar lá não, Deus me livre. Lá
é muito difícil! Eu conheci. Conheço uma família que vieram do
Sertão, do Sertão de Pernambuco pra aqui. Moravam aí em frente à
Igreja ainda tem os pais deles, do casal que moram aí, o irmão o
cunhado e ele vieram pra aqui porque quando eles vieram estava
com quatro anos que não chovia lá e aí vieram em um carro baú,
trouxeram tanta ovelha, o resto morreu e também deram. Os bois
venderam por pouco, mais um nada por causa da seca. Então
quando ela chegou aqui, chegou um carro baú cheio de ovelha e
uma família que veio do Sertão. É Moxotó o nome do lugar onde eles
moravam. Eles vieram pra aqui e ainda tiveram um filho aqui, parece
que eles passaram seis anos aqui e depois descontrolou mais os
pais dele e tudo e voltaram pra lá, pra esse mesmo lugar – mais meu
Deus como é que vocês vão voltar pra esse lugar que vocês já
saíram porque não servia- nasceram e se criaram lá sofrendo. Um
lugar que passa quatro (...) cinco anos sem chover (...) é
brincadeira?(...) e assim(...) Deus me livre quero ficar aqui no meu
povoado Pedreiras mesmo, aguinha perto, a maré ali. Aqui passa
necessidade quem é preguiçoso, quem não tem coragem de
trabalhar. Porque aqui se planta a batata, dá. A macaxeira dá. A
mandioca ninguém quer mais fazer farinha (...) só quem tem casa de
farinha aqui somos nós. Tinha muita casa de farinha ela tinha uma
mesmo. Tem a farinha, tem a mandioca, tem a tapioca, faz a puba
pra fazer o cuscuz e chega ali ói pega o siri, pega o aratu, pega
ostra, o que for... (Entrevistas concedida pelas marisqueiras e
pescadoras aposentadas Maria do Socorro, 68 anos e Inês de 70
anos, moradoras de Pedreiras).

As entrevistas realçam a percepção de que perto da água, no Litoral, tudo é


abundância, tem peixe, tem o aratu, tem o camarão, “(...) tem a farinha, tem a
285

mandioca, tem a tapioca, faz a puba pra fazer o cuscuz e chega ali ói pega o siri,
pega o aratu, pega ostra, o que for(...)”. A natureza presente no Litoral sergipano é
percebida como portadora de uma generosidade natural. O sujeito então recebe
aquilo que tem na natureza quase como uma dádiva. No imaginário da população no
Litoral a vida se torna mais fácil.

Quadro 13 Imaginário do sujeito do Litoral

SOBRE O LITORAL SOBRE O SERTÃO

Água Seca, Aridez


Abundância, generosidade Escassez
Alimento/comida Necessidade
Trabalho Fome
Fartura Perdas
Facilidade, beleza Dureza, dificuldades
Felicidade Dificuldade, Sofrimento

Org.: SANTOS, Rodrigos Herles dos.


Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

Nessa leitura cruzada que estabelecemos entre o Litoral e o Sertão,


percebemos uma valorização da água como matéria fundamental para
representação do sujeito do Litoral. A constituição do sujeito do Litoral se coloca na
relação entre água e as gentes. A percepção sobre a água se mostra como sinônimo
de fartura, de abundância, de generosidade e de disponibilidade gratuita. Assim ela
é rapidamente associada ao sentido de viver no Litoral e ao sentimento com o lugar
de morada, o território da comunidade tradicional:

chegar em casa...porque muitas vezes aí dizia – poxa zequinha, hoje


não tem nada. Vamos pegar uns aratu?- aí eu dizia para minha mãe
– minha mãe faça um feijão de coco que nós vamos buscar uns aratu
pra gente almoçar – chegava, sai com ele e enxia uma lata de aratu.
Quando chegava em casa minha irmã aí o feijão estava lá uma
panelada de feijão de coco , muito gostosa, que minha mãe fazia. Aí
era só cozinhar os aratus e sentar na mesa(...) e enxia tudo a barriga
e depois chupava uma manguinha. Oh que sobremesa gostosa, tá
vendo? Ficava todo mundo de barriga cheia, o que sobrava aí
quebrava para fazer aquele ensopado pra comer no outro dia.
Pronto! Aqui não tem ninguém pobre não e mais agora depois desse
defeso, que todo mundo recebe de seis em seis meses seu
salariozinho aí vai na maré pega o aratu, quebra e vai vender em
Aracaju, vende em São Cristóvão(...) não tem ninguém pobre mais
286

não. Só quem não quer mesmo! A vida aqui é muito boa. Você vê
todo mundo aqui tem suas casinhas, não tem mais casa de taipa,
naquele tempo era tudo de taipa, coberta de palha. Agora é de telha,
de alvenaria(...) tudo arrumadinho(...) as Pedreiras é uma maravilha!
(Entrevistas concedidas pelas marisqueiras e pescadoras
aposentadas Maria do Socorro de 68 anos e Inês de 70 anos,
moradoras de Pedreiras).

Ao contrário do Litoral o imaginário projeta esse Sertão “desconhecido” como


um lugar de dificuldade e sofrimento. A simples ideia de habitar o Sertão é
prontamente rechaçada pelas entrevistadas.
Mesmo cientes de todas as dificuldades de renda e acesso a serviços neste
Litoral que registramos nos discursos colhidos ao longo da nossa pesquisa, a
simples possibilidade de se imaginar em outro espaço ativa o sentimento com o
lugar, que se torna uma “maravilha” na narrativa do sujeito: “A vida aqui é muito boa.
Você vê todo mundo aqui tem suas casinhas, não tem mais casa de taipa, naquele
tempo era tudo de taipa, coberta de palha. Agora é de telha, de alvenaria, tudo
arrumadinho. as pedreiras é uma maravilha” (grifos nossos). Como bem refletiu
Bachelard (1997, p.121) “(...) quando amamos uma realidade com toda nossa alma,
é porque essa realidade é já uma alma, é porque essa realidade é uma lembrança.”

6.4 O lugar de vida e morada: o sentimento de pertencer

Tönnies e Weber definiram o pertencimento social como fundamento-coesão


da comunidade em laços pessoais de reconhecimento mútuo e no sentimento de
adesão a princípios e visões de mundo comuns, que fazem com que as pessoas se
sintam participantes de um espaço-tempo (origem e território) comum, (MOURÃO,
2005). O pertencimento implica em inclusão de indivíduos em nível de coletividade,
dentre os quais em termos de reciprocidade desfrutam um sentimento de lealdade.
A identidade, como elemento de caráter coletivo, mas vivida também no plano da
individualidade, carrega um conteúdo que é inerente ao Ser individual, é tomada como
um sentido de pertencer a algo ou a um lugar-território, que identifica e liga o individuo
ao grupo social.
287

Essa ligação entre individuo e território e entre território e a coletividade é


efetivada a partir da elaboração e do uso do seu sistema de classificação61 social e
territorial. O sistema a que nos referimos é um léxico de atribuição de significados a
sujeitos e a territórios, que como tal responde a critérios e códigos de conduta
estabelecidos e comunicados para situar o que “serve” e se identifica com o grupo e
que com ele partilha o sentimento de lealdade, de que falamos acima. Ora, pelo que
expomos estabelece nesse sistema sentimento de segurança mútua, definindo-se como
pertencente ou não a comunidade e ao território, dito em outras palavras o sentimento
de pertencimento.
Do ponto vista cultural é o espaço que testemunhou lutas e que forneceu
mitos, religiosidades e crenças para o repertório cultural de sua comunidade. E é
também, o espaço de seus ancestrais, palco original de resistência do povo negro,
símbolo maior de um processo de resistência étnica que forja identidades.
Viver a experiência cotidiana em um território pressupõe estabelecer os
vínculos territoriais de que falam Heidrich, (2004) e Souza (2013), e a construção de
territorialidades tradicionais. A apropriação material e simbólica resulta no
ajustamento histórico entre a cultura litorânea ao espaço social que lhe envolve.
A vivência e a historicidade estabelecida no território fortalece o sentido e o
“(...) sentimento de pertença, o que implica em o reconhecimento de si em
pertencimento a um grupo e a um território específico.” (CRUZ, 2006, p. 39). Isto é, o
sentir pertencer implica na existência e no reconhecimento ao menos subjetivo de
uma consciência socioespacial, de uma consciência do Ser no seu espaço, que
resulta em práticas, vivências e “(...) representações espaciais envolvendo um
espaço (finalidades), seu espaço e, a apropriação simbólico/expressiva dessa
porção que lhe pertence e a qual o sujeito também pertence
(afinidades/afetividades/historicidades)”, (DOURADO, 2014, p. 42).
Essas características são bem exemplificadas nos trechos a seguir, são uma
pescadora ativa, uma pescadora que não pesca mais e um morador que já pescou
na infância:

61
Segundo Costa (2005) as classificações sociais, nas quais se incluem o sentido de pertencer, tem como
objeto fazer compreender, tornar inteligíveis as relações entre os seres.
288

Para a senhora como que é o sentimento de morar aqui no


povoado? Ah, meu sentimento é muito grande. É gostoso! Eu gosto
muito daqui, eu nasci e me criei aqui e nunca tive vontade de sair
daqui e nem tenho. Às vezes eu digo assim por brincadeira ao meu
marido: José vamos sair daqui? – pra onde nós vamos? Daqui eu só
saio quando eu morrer - aí paro porque eu digo assim é brincando.
Eu gosto muito daqui e estou acostumada. Nasci e me criei, já criei
meus filhos, até meus netos. Meus filhos quando quiser passar um
dia ou dois, vem com meus netos. Tem onde ficar né?! Fico olhando
aqui essa vista tão bonita. (Depoimento de Dona Inês, Pedreiras).

Olhe(..).eu tenho grande amor por aqui. Tenho bom sentimento tenho
amor por aqui. Porque nasci e me criei. Meus antepassados tudo
daqui, apesar de hoje dia ta(...) tem muita violência, tem muita coisa
né mulher mas mesmo assim (...) eu quero, eu gosto daqui, eu quero
bem. As vezes eu penso assim: a gente devia ir embora né zequinha
daqui e ele diz „pra onde?‟ Morar em São Cristóvão? Deixar aqui o
nosso sitio, aa gente tem a jacá, tem a manga, tem a banana, tem
tudo tudo( ...)tem a goiaba. Uma goiaba tão gostosa. (Depoimento
Dona Socorro, Pedreiras).

A senhora tem vontade de morar em outro lugar? Não, nem no


meu lugar eu tenho vontade, que eu morei nasci e tudo mais. Eu
tenho vontade morar aqui para sempre! Mas só quem sabe o destino
da gente é Deus. A senhora se considera uma pessoa de Terra
Caída ou uma pessoa de fora? Daqui, eu moro aqui. Porque eu
pertenço a aqui. Meus parentes moram perto, assim a família de meu
esposo é em Estancia, mas minha família toda aqui é perto então me
considero morador de Terra Caída. (Depoimento de Cassiane, Terra
Caída).

O senhor tem vontade de sair de Pedreiras, deixar de morar lá? -


Não! - Como eu disse, a tranquilidade de lá é boa demais. Eu
podendo criar minha filha lá, eu vou criar lá. Tem que vir pra aqui
(São Cristóvão) por uma educação melhor, que eu pretendo dar uma
educação melhor a ela. Que não é a que o município dá, que não é
de boa qualidade, mas que eu pretendo sair de lá: não!. - Para mim é
muito significativo morar no meu lugar, assim quando a gente acorda
que sai de casa que vai comprar um pão que vê aquela beleza(...)
aquilo ali a gente já ganha o dia. Aquele ar livre assim(...) fresco(...)
6h da manhã(...) 5h da manhã(...) pra mim já vale a pena morar ali.
Não tem nem o que discutir. (Entrevista concedida pelo Senhor
Vanderley, ex pescador, presidente da associação dos moradores e
funcionário público atualmente, 42 anos, morador de Pedreiras).

Percebamos que os depoimentos indicam um contexto comum. Eles narram a


existência de um sentimento com o seu lugar de morada. Todas transparecem, ao
menos implicitamente, o curso de uma trajetória de vida, que contém histórias e
historicidades do sujeito individual com a comunidade com que partilha momentos
de vida e um território.
289

Nas narrativas os sujeitos atribuem um valor ao lugar para reafirmar o desejo


de ali permanecerem. Em uma passagem da entrevista, o sujeito até diz que
pertence ao lugar. Esse pertencer tem um sentido diametralmente oposto de ter um
lugar como sua propriedade – o que seria designado por esse lugar me pertence.
Pertencer ao lugar equivale a expressam e me sinto parte de. O sujeito sente-se
incluído ao seu lugar, qualificado como lugar de morada e de vida.
O conteúdo expresso nas entrevistas corrobora o entendimento de Gimenez
(1999) sobre assunto, ao indicar que a inclusão em uma comunidade com que
partilha um território pressupõe a aceitação e o ajuste do individuo no âmbito de uma
coletividade, sua comunidade, porém e, sobretudo, implica em compartilhar um
mesmo complexo simbólico-cultural.
Esse envolvimento pode se manifestar num simples reconhecimento formal
do próprio pertencimento até se expressar em um compromisso ativo do sujeito com
o seu território é o caso da construção da liderança Sr. Domingos em Tigre/Junça.
Segundo o autor:

(...) En todos estos casos, el territorio desempeña un papel simbólico


relevante en el contexto de la acción y de las relaciones humanas y,
no simplemente el papel de "condición", de "contenedor", de "recurso
instrumental o de "fricción". Digamos entonces que, cuando se trata
de pertenencias socio-territorial, la misma territorialidad se integra en
el simbolismo expresivo-evaluativo de la comunidad como uno de
sus componentes o elementos. (GIMENEZ, 1999, p. 11).

A partilha do mesmo complexo simbólico-cultural-territorial pressupõe


relações simbólicas e materiais que ponha em movimento a cultura, apropriação
territorial (funcional e simbólica) e a identidade com o território. O território como
palco e ator desempenha um papel central, na mesma medida em que se constrói
pela apropriação, práticas no espaço; ele também impulsiona a vinculação sujeito-
território fortalecendo-se pelo sentimento do individuo e do grupo que o vivencia.
O pertencimento, sendo, uma ação de sentimento, estabelecido no ato de
sentir algo em relação a alguma coisa, é compreensível que os sujeitos
distintamente percebam se e sintam de forma diferente as suas visões de mundo.
Mas ainda assim, nas comunidades tradicionais do Litoral sergipano, o
pertencimento pode ser expresso pela ideia de apego. Os sujeitos desenvolvem um
sentimento de apego ao seu lugar. O apego ao lugar refere-se à existência de uma
simpatia, de um bem querer que o sujeito sente por sua comunidade e por seu
290

espaço. No limite significa uma espécie de união como uma ação de fixar-se no
território e de estar a ele ligado, grudado, fixado, aderido.
Esse sentimento contém mesmo uma dupla dimensão que está imbricada
uma na outra. Ela se refere ao apego à comunidade tanto quanto ao território.
Vejamos bem esses trechos:

Vou fazer uma última pergunta pra senhora, todo mundo gosta
muito do lugar, todas as pessoas com quem conversei no povo,
dizem que gostam daqui, mas entre o povo e o local o que a
senhora acha que é mais importante? O lugar. O lugar aqui é rico,
esse lugar aqui é rico, agora porque a gente não sabe é distribuir o
que tem, porque a gente não entende de nada, mas aqui é rico, esse
lugar é rico, é muito rico aqui. Saia aqui nas dunas aqui atrás, pra
você vê, quanta coisa linda você vê. Aquelas dunas, aqueles morro,
tudo. Lagoas, tudo, mas é que aqui é uma paz que é tudo
sossegado, mas agora que é pobre o lugar. Mas o lugar é rico e o
povo, como é que faz? O povo é pobre, mas o terreno tem
prosperidade de ser tudo de bom, agora nos que não prospera nada
porque nos não tem o poder. Nos não tem o conhecimento de
prosperar nada. Como é que esse lugar vai melhorar cada vez mais.
Mas o lugar aqui é muito bom, quem vem de fora dá valor e sabe,
nos que tá aqui nos não dá valor [...]. (Entrevista com a pescadora
Maria Célia, moradora de Tigre/Junça).

O que é mais importante as pessoas ou o lugar? Tudo é


importante, porque se for falar que o lugar é mais importante que as
pessoas fica difícil e falar que as pessoa é mais importante de que o
lugar também fica difícil. Tudo aqui é importante. (...) com o tempo a
gente vai aprendendo e vai se respeitando e respeitando o lugar.
(Entrevista com o pescador e migrante Daniel Raimundo, morador de
Terra Caída).

Vê-se bem que as duas narrativas tendem a valorizar tanto a dimensão do


lugar como ponto que media a relação com sujeito na sua perspectiva com outro,
tanto quanto as relações com a comunidade, pois o sujeito ao se relacionar cria
significado ao lugar.
O binômio território-comunidade é relacional e de múltiplas possibilidades de
interação como colocado por Tuan (2013), evidenciando a relação estabelecida com
espaço de referência, como fonte de bens, recursos e matéria social, na medida em
que o território é vivido, é percebido e representado – na apropriação, funcional e
simbólica. Ele (o território) influencia e é influenciado pelo simbolismo-expressivo
que emana das relações sociais, como criação de ideias, representações, músicas,
mitos, lendas, que por sua vez, também interage dinâmica e continuadamente com
os demais conteúdos sociais da comunidade.
291

De outro modo, as relações também formam, moldam e estabilizam as


identidades, que sofrem influências e influenciam o território e a comunidade,
pensada por Gimenez (1999) coletivo no território. Para ele as relações ecológicas
com o entorno territorial criam ao mesmo tempo interconexões simbólicas e
materiais e nas representações estabelecidas entre comunidade e o território, entre
a comunidade e o sujeito que habita entre o território e a comunidade:

(...) mediante la socialización primaria de los individuos en el ámbito


de múltiples colectividades de pertenencia territorialmente
caracterizadas. En efecto, através del proceso de socialización los
actores individuales interiorizan progresivamente una variedad de
elementos simbólicos hasta llegar a adquirir el sentimiento y el status
de pertenencia socio-territorial. De este modo coronan de significado
social sus propias relaciones ecológicas con el entorno territorial. A
propósito de este tipo de pertenencia las investigaciones empíricas
revelan la importancia de variables tales como la relativa
homogeneidadd e valores y costumbres locales; la intensidad de los
vínculos familiares, amicales y asociativos; y, finalmente, el grado de
integración y solidaridad de la colectividad de referencia, Por lo que
toca a lãs motivaciones, éstas son múltiples. Se puede tener el
sentimiento de pertenecer a una región sociocultural por nacimiento,
por habitación prolongada, por integración social, por radicación
generacional, por actividad professional (...).(GIMENEZ, 1999, p.
37).

É o que Haesbaert (2012) traz-nos para o sentido de continuum e que


Dourado (2014) observou ao estudar a identidade construída nos assentamentos
rurais e as relações que ligam os sujeitos entre si e entre o território, constituindo se
um fluir de interações. Para a autora de um lado está a imagem daquilo que se
formou com o tempo, os valores, a memória, os símbolos e do outro, a imagem
prospectiva do que se quer transmitir e projetar.
Os vínculos de pertencimento se aderem e suturam tanto nas tradições,
passado, heranças, raízes e quanto nas traduções62, as possibilidades e o devir
(HALL, 2011). Segundo ele as identidades culturais não podem ser mais pensadas
como fixas, mas devem ser vistas como suspensas, sempre em transição, entre
diferentes posições, que se ancoram em diferentes tradições e traduções culturais.
Atentemos para o depoimento transcrito abaixo, ele sintetiza bem essa
compreensão pendular ele entre a tradição e as traduções do pertencimento:

62
Para Hall as identidades podem oscilar entre as tradições e as traduções. Segundo ele as
identidades culturais não podem ser mais pensadas como fixas, mas devem ser vistas como
suspensas, sempre em transição, entre diferentes posições, que se ancoram em diferentes tradições
culturais e suas traduções.
292

Qual é o seu sentimento de morar nesse povoado? Meu


sentimento de pertencimento mesmo, eu acho que morar em Terra
Caída significa viver a vida como a gente quer viver. O sonho é viver
essa vida. É um sentimento de valorização da minha terra e da
minha própria identidade e, principalmente com a responsabilidade,
acho que esse é o principal sentimento, de preservar tudo isso ou de
melhorar tudo isso. Quais são seus sonhos em relação ao
povoado Gil? A preservação, principalmente. Porque é um povo
sem história, é um povo sem identidade. Não chega em lugar
nenhum e nem se orgulha, e nem preserva o que tem. É necessário
ter a preservação do que foi construído pelo nosso povo, pelos
nossos pescadores até agora, para que essa preservação nos leve a
ter orgulho de Terra Caída. A nossa história não é o espaço
fisicamente apenas, mas o que foi construído nesse espaço, as
relações que se deram nesse espaço. (...) Partindo desse principio:
povo educado. Educar nossa população acho que o sonho partiria
daí, da educação. Eu acho que a educação, ela faria e faz a
diferença para a continuidade e expansão. A gente não quer que
Terra Caída meramente cresça, crescimento sendo faz sustentável
parte do nosso sonho, o desenvolvimento sim. O desenvolvimento
sustentável, com a manutenção principalmente da nossa juventude
aqui. Nosso sonho é criar condições do nosso povo continuar
vivendo onde quer viver. Principalmente a juventude aqui da nossa
comunidade, tendo acesso a educação, tendo acesso a saúde, tendo
acesso ao trabalho. (Entrevista concedida pelo Senhor Gil, pescador,
líder comunitário e vereador da comunidade de Terra Caída).

Se nos parece claro que a apropriação territorial tradicional é o processo


histórico pelo qual as comunidades litorâneas forjam seu modo de vida e se
constituem como uma unidade territorialmente situada, as identidades, as
territorialidades e os vínculos estabelecidos são componentes essenciais para
suturar essa relação.
Para a jovem liderança entrevistada, o sentimento de pertencimento é
ancorado na valorização do que é tradicional, sendo necessário valorizar o sentido
da raiz tradicional, ou seja, “(...) preservar aquilo que foi construído pelo nosso povo,
nossos pescadores”.
Por outro lado, as projeções de futuro indicam traduções, simbolizadas nas
necessidades de melhorias para a comunidade e para os sujeitos. O entrevistado
indica projetivamente a busca por uma educação de qualidade para que a
comunidade cresça e se desenvolva.
Nesse aspecto, a relação entre identidade e território é expressa pela
perspectiva de ficar no território, como um sentido de estar no espaço, de
permanência e de enraizamento naquilo que é seu, sua comunidade. Por outro lado,
existe no imaginário o que se pode chamar de um desejo de melhorias, traduzido
293

nas perspectivas de construção das condições necessárias para o desenvolvimento


do seu local para a permanência de sua família e descendência, como bem ilustrado
na fala do nosso entrevistado: “O desenvolvimento sustentável, com a manutenção
principalmente da nossa juventude aqui. Nosso sonho é criar condições do nosso
povo continuar vivendo onde quer viver”.
As traduções desse pertencimento são evidenciadas nas diversas
perspectivas que registramos em nossa pesquisa quando os sujeitos enfatizam a
necessidade de fortalecimento dos laços de solidariedade comunitária, valorização
da cultura da pesca, o fortalecimento das politicas, das organizações e das
associações locais, melhoria do acesso e melhoria na infraestrutura de serviços,
educação e geração de emprego e renda no local para os mais jovens.

É bom sim, mas agora depende dos estudos e se vai trabalhar em


outro lugar. Eu prefiro que tenha outro destino; um emprego bom, só
tenho essa de filha, vamos ver o destino dela aonde vai. A senhora
tem algum sonho pra cá? Tenho um sonho sim, ter minha casa! E,
tem alguma coisa que a senhora gostaria que melhorasse no
povoado? Queria melhora assim pra nos marisqueira, melhorar um
pouco né. Uma coisa boa pra gente é ter mais emprego né.
(depoimento da Marisqueira Cassiane, moradora de Terra Caída)

Pode me falar sobre seu sonho para a comunidade? Um deles é


a estrada, o asfalto da estrada. Que não é de agora que estamos
lutando. É pra mais de quatro anos, como você me conhece que eu
faço parte do PEAC(...) já reivindiquei várias vezes e venho
continuando e estamos quase chegando no ideal(...) estou indo
amanhã lá pra ver...não sei se o projeto tá concreto o projeto da
estrada. O sonho de lá da Pedreira: o asfalto da estrada; um posto
de saúde funcionando completo, para toda a comunidade se servir;
uma escola de qualidade, porque tem escola de qualidade mas
precisa água, a água lá é pouca porque o sistema é complicado da
empresa, de quem toma conta. Porque tem água até cinco horas da
tarde, mas nas residências não chega água. Mas quando você passa
lá caixa d'agua, que você já viu a caixa dá água, quando é quatro e
meia cinco horas a água está derramando, mas nos lar depois da
igreja não chega água. É onde eu digo que a empresa é complicada,
porque tinha que ter dado um jeito nisso aí. Entendi. Mais um sonho,
é meio complicado, mas de ver o manguezal todo conservado sem o
pessoal tá degradando o meio ambiente. Tudo isso é um sonho que
eu sei que é meio complicado. (Entrevista concedida pelo Senhor
Vanderley, ex-pescador, funcionário público e atual presidente de
associação de moradores de Pedreiras).

Qual o sonho do senhor para a comunidade? Nosso sonho é criar


condições do nosso povo continuar vivendo onde quer viver.
Principalmente a juventude aqui da nossa comunidade, tendo acesso
a educação, tendo acesso a saúde, tendo acesso ao trabalho.
294

(Depoimento do Senhor Gil, pescador, líder comunitário e vereador


da comunidade de Terra Caída).

Tem algo que você queria ver ser concretizado, algum sonho
para a comunidade? “Essa região aqui sempre foi uma região
muito esquecida pelo poder publico, não tem saneamento básico,
energia chegou a depois. Há pouco tempo, acho que tem uns 10
anos ou 13 anos, foi em 2000 que chegou. Para uma comunidade
que tem mais de 50 anos, chegou agora. Saneamento básico não
existe, os jovens não tem oportunidade de nada aqui. Você tem o
potencial no artesanato, da agricultura aqui. O turismo rural, o
turismo ecológico de aventura é um potencial enorme aqui, você
pode ver os mangue nessa região toda e você não vê nenhuma ação
do poder publico estadual ou municipal nesse sentido. O que
acontece aqui, geralmente os jovens fazem aquela questão do êxodo
rural e o jovem que sai daqui ele só vai pra um lugar, pra favela.

(...) Ele não vai pra zona sul, ele só vai pra favela. Favela, o que você
vê de favela hoje é o quê? Então eles saem com o pensamento de
tentar melhorar de vida, mas na verdade ele acaba se frustrando
porque ele não teve aqui uma qualificação. Lá ele não vai ter essa
oportunidade por mais que trabalhe de tarde, são poucos o que vai
qualificar. Então ele sai daqui e vai pra uma favela, lá tem droga que
aqui também já chegou. (Entrevista concedida por Domingos
Ferreira, 29 anos, líder comunitário, morador de Tigre/Junça).

Esses desejos e sonhos “traduzidos” dizem respeito às experiências que os


homens vivenciam ao participarem de um grupo, construindo outras “rotas” outros
“rumos”. São ações que refletem os processos de territorialização, tanto do ponto de
vista coletivo quanto individual.
As traduções são uma parte conectada e atuante do próprio sujeito na
dinâmica e movimento de suas identificações. Nestas traduções culturais os sujeitos
processam novas leituras de suas relações de trabalhos e até constroem novos
conteúdos para suas relações, mobilizando e elaborando nos conceitos sobre o
mundo em que vivem, ressignificando relações e naturalizando as novidades.
Assim entre águas e gentes a construção do sentido com o território passa
pela apreensão e o entendimento de que:

 as relações com a comunidade tradicional são estabelecidas a partir da casa


como primeiro elemento referencia, incluindo a apreensão deste com signo da
constituição do espaço individual do sujeito;
 a comunidade é o espaço das relações entre os indivíduos e do
estabelecimento da consciência do outro que existe como sujeito;
295

 o pertencimento é um categoria processual, que diz respeito à manutenção de


um laço de compartilhamento e de segurança efetivado na mediação
(convivência e cotidiano) com os pares com os quais se relacionam
historicamente;
 esse sentimento de pertencimento se inicia na comunidade (solidariedade e
reciprocidade) e também é exercido e processado na interação com o
território – no qual se vive e se relaciona por meio de representações, sendo
que o território é experimentado, simbolizado e, é comunicado;
 a interação território-comunidade é expressa como formas de apego a um
território que o sujeito assume como seu lugar de morada e de vida;
 o território da comunidade tradicional do litoral de Sergipe é representado e
vivido entre espaços, expressos como um complexo ecológico-territorial;
 o pertencimento e a representação do território, naquilo em que expressam a
ligação e a sutura entre identidade e território, se ancoram em raízes
tradicionais, isto é, na compreensão de que existem heranças tradicionais que
unem o sujeito ao território, mas também em traduções, simbolizadas pelo
desejo de melhorias e sonhos de futuro.
296

CONSIDERAÇÕES

DO REFÚGIO AO LAR:
DO ESPAÇO AOS TERRITÓRIOS
297

CONSIDERAÇÕES - DO REFÚGIO AO LAR: DO ESPAÇO AOS TERRITÓRIOS

As indagações que nos acompanharam ao longo dessa pesquisa conduziram-


nos a compreender a formação e apropriação do Litoral sergipano. Com esse intuito,
refletimos sobre os espaços da comunidade tradicional, examinando então, a
existência de uma identidade na apropriação tradicionalmente exercida e na
historicidade dos sujeitos que habitam esse espaço.
Nossa busca foi orientada e facilitada pela abordagem qualitativa para
compreensão dos fenômenos que desejávamos estudar. Entre o ato de formular
hipóteses e premissas sobre o Litoral sergipano e suas gentes como ponto de
partida e, a realização empírica da pesquisa, como ponto de chegada, percorremos
um longo caminho de reflexão.
Ferramentas, caminhos, desvios e consertos foram tomados para entender as
relações que situavam em níveis cada vez mais complexos e sutis. Nossas
conquistas, avanços e saltos qualitativos do entendimento daquilo que
procurávamos, ocorreram, na mesma medida em que nos situávamos mais próximos
e envolvidos no ambiente das comunidades, não somente entrevistando,
298

perguntando e aplicando procedimentos, mas quando nos colocamos ativos a


observar a cotidianidade da vivência local.
Essa relação de proximidade e os afastamentos reflexivos nos permitiram um
mergulho no vivido, de forma que foi possível estabelecer uma descrição mais
“densa” e uma compreensão mais profunda do universo de vida das comunidades.
Ressaltamos que a relação sobre um fenômeno que se dispõe a entender e
um “objeto” cientificamente pensado e criado, se mostra pleno no dinamismo da
pesquisa. O valor epistêmico da busca para o entendimento de “fenômenos
complexos” situados no entrecruzamento de razões, motivações, crenças e
vontades específicas, manifestadas no cotidiano, na cotidianidade reside na
perspectiva de fazer interagir o raciocínio teórico e as realidades vividas.
Devemos reconhecer as dificuldades de lidar no campo das representações
sociais per si, pois tudo o que se sabe no mundo vivido, pode ser de alguma
maneira, uma representação social. Nossa tarefa foi facilitada pela construção do
objeto de pesquisa e pela forma que tateamos a realidade espacial das
representações que os sujeitos fazem sobre seu território. Assim, nossa pesquisa
situou-se na correspondência entre o pensamento social da comunidade e a
expressão de suas representações, como práticas espaciais, que contém elementos
a serem exibidos e um conteúdo a ser explorado.
Nessa trajetória, procuramos analisar o território das comunidades
tradicionais do Litoral, mergulhando e tateando os aspectos “in-visíveis” da sua
construção, tanto na apropriação de elementos quanto na representação do
território.
Apesar de não dedicarmos um capítulo exclusivo ao tema das “in-
visibilidades”, apontamos aqui, que essa análise está subliminar em toda a
discussão empreendida ao longo da tese. Em nossa perspectiva a constituição do
espaço da comunidade como território e das gentes do Litoral como sujeitos é
intercruzada de relações em que a “in-visibilidade” é uma estratégia territorial e uma
situação social. Em nosso entendimento os aspectos da “in-visibilidade” estão em
todas as direções, escalas e dimensões de análise.
Por isso, em determinados momentos do texto, a abordagem escalar tanto
histórica quanto espacial, nos impôs, quase a obrigação, de adotarmos uma
organização mais didática e factual dos conteúdos, daí a necessidade da construção
do longo capítulo III.
299

Assim, pontuamos que os aspectos das “in-visibilidades” estão contidos na


análise da trajetória histórica dos povos litorâneos, os quais não se constituem em
um primeiro momento, como sujeitos históricos dos seus destinos. Do ponto de vista
sociológico inclusive, não se tem clareza do papel dos pretos e dos pardos na
formação social sergipana, mesmo sendo eles a maior parcela da população. São os
mesmos pretos e pardos que ocuparam o espaço litorâneo e em uma trajetória
cultural de adaptações e ajustes socioespaciais constituem as gentes que
estudamos, entre pescadores, marisqueiras, catadoras de mangaba, quilombolas,
caranguejeiros.
Discutimos desta maneira, os processos e as relações de poder, os
intervalos, as interdições e as “invisibilidades” na construção do Litoral em escala
regional frente a hegemonia e centralidade da economia e da sociedade do açúcar
na formação territorial de Sergipe.
A construção da identidade do sujeito do Litoral se mostra historicamente
invisível na escala macro da constituição de uma identidade mais ampla nos
diversos Litorais; na escala intermediária, quando se analisa os elementos
identitários dos sujeitos em comparação ao discurso de uma identidade sergipana, a
qual desconhece e ignora os povos e as gentes do Litoral e; na escala dos sujeitos
no local, refletindo sobre suas trajetórias de “in-visibildade”, ascendência,
hegemonização e ocultação de identidades, ancoradas nas especificidades e nas
funcionalidades do trabalho tradicional.
Ao tempo que chegamos ao final de nossa trajetória, pensamos ser
necessária uma reflexão sobre alguns pontos discutidos. Não pretendemos oferecer
uma conclusão acabada. Desejamos apontar indícios, construir reflexões sobre o
viver e o habitar o Litoral de Sergipe e, tecer outras indagações, pois devemos
lembrar, que o próprio transcorrer da vida dos sujeitos que estudamos constituem se
uma travessia, um processo inacabado, sempre inconcluso e por vir a ser.
Destarte, pontuamos que o Litoral se constituía inicialmente para nós, muito
mais uma escala de análise, um o recorte biogeográfico que contém paisagens do
que um espaço identitário. Em parte, essa aparência inicial é uma assertiva correta
e, em boa medida, ainda segue válida.
Contudo, ao tempo em que investigamos mais detidamente quais relações,
espaços e sujeitos contidos no Litoral, apreendemo-lo como complexo e carregado
de uma trajetória histórica que se move entre a conquista, o “desinteresse” e a
300

valorização atual. Assim, o Litoral permaneceu um recorte analítico importante, mas


aos poucos foi se revelando um conteúdo identitário, histórico e atual, que se
mostrava nos intervalos de múltiplas escalas.
A formação territorial do Litoral de Sergipe tem uma longa história como
dissemos. É correto afirmar que a “ocupação” do território do atual estado de
Sergipe se inicia por esse espaço, com a conquista da costa e que a trajetória de
povoamento se consolidou principalmente na zona canavieira. Foi nesse “espaço
denso” da cana, que surgiram a maioria das “cidades e povoações” entre os XVI e
XX, como mostramos no capítulo III e IV.
As cidades e os engenhos constituíram se centros do poder local do que se
pode designar a sociedade sergipana da época. Entre senhores de engenho,
escravos e a uma população livre moldaram se costumes e signos sociais. O Litoral
sergipano por sua vez, se manteve praticamente inalterado nos primeiros séculos de
ocupação, constituindo-se praticamente um “vazio” do sistema territorial que se
formava século após século.
Ao contrário da faixa de terras ocupada pela cana, as lagoas, as dunas, os
mangues, as restingas não acomodaram atividades expressivas à composição
econômica do Estado, tampouco abrigaram cidades importantes, exceto pela
“construção” de Aracaju, já no final do século XIX. Mostramos que o espaço do
Litoral não orbitava no centro do interesse hegemônico, este seguia produzindo um
sistema territorial que incluía o Agreste e o Sertão, principalmente com o plantio e
processamento de algodão e a criação de gado.
A busca pela expressão de controle político e administrativo do Litoral
sergipano ocorreu ao longo do tempo de maneira descontinua e com efeito seletivo
sobre o espaço. O primeiro ato para disciplinar o uso dos espaços litorâneos datam
do início do século XVIII com a vinculação de alguns espaços exclusivos para uso
da Marinha. Essa tentativa de controle reforçou um quadro de interdição espacial do
Litoral. O marco dessa expressão de controle é ilustrada pela instituição em diploma
legal, das terras de Marinha em 1831. Ressaltamos que o controle político-
administrativo da estrutura federativa é consolidado em Sergipe em 1953 pela
divisão política do território em vista do reconhecimento e criação em grande
quantidade de municípios63 no Estado.

63
Pontuamos que o município de Santana do São Francisco (1989) foi último a ser emancipado em
Sergipe.
301

A existência e predominância de um quadro de “vazio” no Litoral referia-se


mais ao interesse econômico e societário da época, do que propriamente
demográfico. Ao contrário, ao longo do tempo o Litoral abrigou populações marginais
à dinâmica econômica predominante. Entre pretos e pardos principalmente, as
paisagens litorâneas serviram de refúgio e de abrigo, oferecendo-lhes segurança e
meios de sobrevivência.
Consideramos que a condição de “vazio” foi uma situação espacial, a qual
propiciou meios e oportunidades para que essa população ocupasse os espaços e
constituíssem neles, seus lugares de vida e morada, desenvolvendo relações de uso
e de apropriação que permitiram as configurações de seus territórios.
Aos poucos, o lugar da comunidade se tornou territórios das comunidades
tradicionais. E, a pesca foi elemento primordial na qualificação desses lugares em
territórios. A comunidade como lugar de sentimento e território de vida e trabalho é
uma formação social historicamente constituída. É histórica porque, como
mostramos a comunidade na sua forma geográfica, existe desde sempre no território
sergipano. Alguns povoados do Litoral são formas seculares. É histórica também,
porque durante o transcurso do tempo outras formas foram construídas, algumas
herdadas e outras ressignificadas, atualizando-se conteúdos, mas mantendo-se o
fluxo das relações tradicionais.
As comunidades tradicionais do Litoral sergipano se estabeleceram na
dinâmica de uma dupla dimensão de “in-visibilidade”, geográfica e social, tomadas
como estratégias de acesso e de permanência em seus territórios. A primeira, de
ordem geográfica, está relacionada tanto com fatores de acesso e localização dos
espaços ocupados, quanto por processo de interdição espacial, leia-se desinteresse
econômico por aquele espaço. A segunda, da ordem sociológica, refere-se a
posição de invisibilidade social dos sujeitos pardos e negros no âmbito de uma
sociedade sergipana, cujas relações de poder emanavam prioritariamente do
engenho.
Ocorre que no transcurso histórico as circunstâncias e as condições alteraram
essas dimensões de “in-visibilidade”. Fatores como a condição de visibilidade
econômica do Litoral, associadas a uma mudança de atitudes e de valor social do
lugar Litoral, determinaram uma crescente valorização e procura dos espaços, nos
quais as comunidades se territorializaram.
302

O vetor mais importante dessa mudança é sem dúvida o movimento


crescente da busca do Litoral como lugar de turismo, de consumo turístico, de
descanso e de deleite. Por outro lado, alguns sujeitos do Litoral em decorrência da
valorização de sua cultura tradicional e/ou dos produtos por eles obtidos, tornam-se
mais visíveis como sujeitos culturais e políticos, são exemplos disso as catadoras de
mangabas, as marisqueiras e os quilombolas que de Norte a Sul do Litoral do
Estado, ao se mostrarem personagens mais ativos na construção de suas
identidades.
Desta maneira, o Litoral sergipano se mostrou um espaço de identidades.
Constatamos a existência de diversidade de sujeitos do Litoral, entre pescadores,
marisqueiras, caranguejeiros, quilombolas, catadoras de mangaba, extrativistas e
agricultores. Esses sujeitos derivam de uma “matriz” cultural que tem no pescador o
sujeito central.
Apesar dos elementos das identidades no Litoral estarem postos nas formas
de trabalhos, nos processos culturais, nos hábitos alimentares, na forma de falar a
identificação como sujeito histórico ainda encontra-se em situação de “in-visibilidade”
em várias escalas da manifestação identitária.
A escala histórica levará Mott (1986) a se perguntar quem eram e, qual era o
papel dos pretos e pardos na sociedade sergipana? Esse questionamento nos
mostra que o habitante do Litoral ao longo dos anos desempenhou um papel figura e
não de sujeito histórico protagonista de sua própria cultura.
Essa posição entre a “in-visibilidade” geográfica e social se manifesta na
escala intermediária na própria ideia de uma identidade sergipana. A construção do
discurso sobre a formação de um ser sergipano, traços, costumes, hábitos e valores
não se lastreia no reconhecimento e na partilha de elementos das
compartimentações geográficas da unidade territorial que vai do Litoral ao Sertão.
Em outras palavras, a diversidade regional não é acionada quando se trata da
conformação identitária do Ser sergipano. Logo, pelas relações envolvidas nos
discursos sobre a identidade, o sergipano ignora o seu Litoral como fornecedor de
elementos para sua identidade. O que claro, não significa que o sergipano não
possua diversidade de culturas e de identificação em processos locais.
Ocorre a exemplo da discursão estabelecida por Vargas e Costa Neves
(2011), que a identidade sergipana tem sido construída com base nos discursos da
cultura nordestina, leia-se, nordestina e sertaneja. Por isso, notamos que os
303

processos de identificação que situam o sergipano como sujeito, são ancorados no


traço comum do nordestino sertanejo, jeito de vestir, lutas politicas e econômicas,
hábitos alimentares, produção musical. Logo, como bem atentaram os autores, o
sergipano é tomado como culturalmente nordestino e apenas politicamente como
sergipano.
Essa “in-visibilidade” opera em tons sutis e em intervalos no nível do local e
na dinâmica socioespacial do próprio sujeito e comunidades do Litoral. Isso é
perceptível quando olhamos a trajetória e a constituição dos personagens e das
gentes litorâneas.
Desde a crescente a valorização e exposição das catadoras de mangabas,
que ora se constituem entre afirmar-se marisqueiras ou catadoras de mangaba,
transitando entre um processo de identificação e o silêncio de outra forma identitária.
Até mesmo, nas relações de gêneros, que tradicionalmente colocavam o feminino
em posição de “in-visibilidade” e submissão, e, que para essas categorias estão
ocupando posição de destaque no processo de identificação, por exemplo, no
movimento de “mulheres catadoras de mangaba”. O homem exerce função auxiliar,
pois a identidade é construída como uma identidade feminina. Tal analise aplica-se
na compreensão da afirmação das marisqueiras, como sujeitos, em que o
protagonismo de gênero altera a significação costumeira das relações homem e
mulher. Homens também praticam mariscagem, mas não se identificam como tal.
As relações na escala do sujeito-sujeito e, do sujeito com seu território são
vivenciadas de forma finamente elaborada e, são permeadas de tons muito sutis de
submissão, quase imperceptíveis para o sujeito situado na dinâmica do “jogo”
interno da comunidade nas relações estabelecidas entre eles. O poder de dar nome,
de reconhecer uma identidade e até de escondê-la, são interações que são
“jogadas” em intervalos.
Essa invisibilidade relacional se manifesta mais evidentemente na sempre
desvalorizada posição que o caranguejeiro ocupa na hierarquia social comunitária.
Sabemos que eles existem, mas não conseguimos vê-los, porque é raro assumir-se
como sujeito nesta atividade que posiciona o sujeito na última camada social das
comunidades.
Assim, a identidade na comunidade tradicional do Litoral sergipano se
estabelece em termos históricos, pela tradicionalidade cultural e, funcional pelo tipo
304

de trabalho exercido. Podemos afirmar que sujeito do Litoral configura sua


identidade na relação estabelecida com a “natureza” e os ambientes de entorno.
É pela apropriação do mundo litorâneo, seus espaços e paisagens que o
sujeito se faz gente do Litoral e desta forma, se torna sujeito cultural. Ele carrega na
sua história um processo de adaptação ao ambiente que o envolve e constrói com
ele um modo de vida que produz signos e sentidos com seu território.
Entendemos que o sujeito ao habitar o espaço do Litoral, usa, apropria e
representa a paisagem que o circunda, por meio do trabalho, convertendo-a em
espaço social de territorialização de sua cultura. Este processo revela a existência
um espaço apropriado como território de uso cotidiano e também, como lugar da
inscrição de sua cultura e das instituições sociais, bem como, local das práticas
sociais da comunidade. As paisagens como os mangues, rios e marés são
elementos do próprio território das comunidades tradicionais como vimos no capítulo
V.
Afirmamos, pois, que as gentes do Litoral conformam sua identidade na
relação com a natureza. Pela apropriação e representação do complexo ecológico
territorial os sujeitos criam relações com o território. A relação sujeito-território não é
de oposição como vimos, mas em interconexões elaboradas na história herdada e
nas historicidades e “geograficidades” cotidianas. Com isso, entre diversidades e
paisagens, os sujeitos constituem relações identitárias e um modo de vida peculiar e
tradicional, representação no e com o território, expressões de ser e de agir.
A comunidade tradicional representa seu território em três dimensões: (i) o
lugar de morada e convivência, entre o sitio urbano, ruas, casas, lugares sociais; (ii)
o espaço da roça, dos pequenos sítios, lugares de plantio e; (iii) seu entorno
paisagístico-territorial extrativista, formado por um complexo de paisagens que
compõe o cenário do Litoral.
A experiência com esse território representado é mediada em uma dimensão
da conduta social, que envolve a relação entre sociedade e natureza, caracterizando
e significando o modo de agir com o ambiente. Neste sentido, os diversos processos
de identificação referenciam-se no trabalho, na natureza e nas práticas. Trabalho,
natureza e paisagens fornecem os elementos para diversidade de sujeitos do Litoral.
O binômio das relações entre pessoas e o território, pressupõe a emergência
de processos de afirmação da identidade como forma de reconhecimento social e de
vinculação com um espaço que foi territorializado. São territórios de vida, de
305

vivências, de trabalho, de lazer, sobre o qual não estabelecem, a priori, relações do


tipo propriedade privada, mas sim de posse. A posse configura-se o regime mais
geral de uso e controle do território entra as comunidades do Litoral sergipano.
Neste aspecto, as territorialidades exibidas por elas reforçam o sentido de posse e
de controle do território.
Neste território apropriado, usado, controlado e referenciado nos processos
de trabalho, na vivência do lazer e no trabalho da memória, há algo que situa além
da concretude material das coisas possuídas. Há uma relação que se estabelece
entre os sujeitos e o seu espaço. Essa relação só existe na condição sentimento e
pensamento captado nas narrativas da trajetória de vida dos sujeitos que as
constroem.
Entre o sujeito, a sua identidade e o seu espaço, existe uma ligação
processada no campo do sentir algo em relação ao seu lugar. Este é o sentimento
de pertencimento. Esse sentimento é também relacional, pois se revela no plano do
sentir e do pertencente ao seu lugar-território. O pertencimento socioterritorial é uma
ligação que sutura o sujeito e sua identidade a um território.
Assim, cremos que os laços de pertencimento territorial, aqueles capazes de
gerarem manifestações discursivas do tipo: “eu sou de Pedreiras, eu sou do
Tigre/Junça ou eu sou de Terra Caída”, são o resultado dos processos de
apropriação e vivência do território, instrumental-funcional e simbólico-expressiva,
que geram conhecimento, aprendizado, apropriação (manejo) e transmissão de
conhecimentos sobre o território.
O território-chão, base física materialmente situada, contêm em sua
delimitação os ambientes e os processos ecológicos nos quais se busca alimentos,
materiais para a construção de casas, e, nele, também, encontra-se o palco das
relações de trabalho, das brincadeiras de crianças e das memórias dos antigos. Por
sua vez é tomado como palco das vivências cotidianas, da solidariedade
estabelecida com a parentela e dos processos políticos locais e regionais.
Quando olhamos para a comunidade tradicional do Litoral como uma
formação territorial, vemos que o processo de apropriação se funda no manejo
tradicional do espaço e sua ecologia de entorno. Logo o território significa fonte de
símbolos e de vida, abrigo e segurança e, também é fonte de referências locais,
espaciais e simbólicas, no qual as identidades são elaboradas, afirmadas e postas
em movimento de sua própria historicidade.
306

Devemos refletir que o território é passível de uma perspectiva de mudança,


uma jovialidade sujeita às transformações contidas nas vivências dos processos,
muitas vezes situados entre tensões e ambiguidades dos jogos de uso e apropriação
que se manifestam nas múltiplas escalas das relações. Assim, o território é dado ao
que pode vir a ser.
Dessa forma, as identidades com os territórios são construídas entre
vivências e práticas na apropriação dos elementos do espaço, nos processos de
trabalhos tradicionais, no sentimento de enraizamento com espaço e no
pertencimento socioterritorial.
Assim, para finalizar, fazemos referência ao desenho que expomos no inicio
dessas considerações. Ele é uma representação elaborada por filho de pescador
das Pedreiras, que retratou um cuidado cartográfico como seu território comunitário
é. Mais do que um simples desenho, essa representação é uma indicação clara de
como as relações com um espaço seguem vivas e o seu conteúdo é
permanentemente atualizado. Entre essa representação e o mapa histórico que está
na capa da tese, percebemos que esse Litoral quase “vazio” se tornou entre gentes
e águas, o “lar” dos sujeitos que estabelecem nele suas vidas, vivências,
experiências, signos e sentidos.
O sujeito do Litoral estabelece suas identidades transitando entre aquilo que o
ancora na base de suas relações mais seguras e profundas: as suas tradições.
Nestes termos a segurança, a permanência e a estabilidade das relações
tradicionais de trabalho, do modo de se relacionar, das formas de se alimentar e
falar são postas em movimento para a reprodução do modo de vida tradicional.
De outro lado, mas não de forma oposta e antagônica, e sim, como uma
parte conectada e atuante de si mesmos, estes sujeitos processam suas
identificações por meio de traduções culturais das relações de trabalho e até
elaborando novos conteúdos sociais e ressignificando relações, naturalizando assim
as novidades sem alterar substancialmente o sentido tradicional de suas vidas.
Nessa perspectiva, podemos entender como as identidades oscilam entre esses
dois polos: as tradições e as traduções.
Desta maneira, afirmamos que as identidades dos sujeitos do Litoral
sergipano é uma construção histórica fruto das relações tradicionalmente vividas e, é
uma construção em constante movimento pela historicidade das relações cotidianas
entre aspectos materiais, simbólicos, visíveis e “in-visíveis”.
307

REFERÊNCIAS
308

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319

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WOORTMANN, Ellen; WOORTMANN, Klaas. O trabalho da terra: a lógica e a


simbólica da lavoura camponesa. Brasília: Editora UNB, 1997.
320

APÊNDICES
321

APENDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


Núcleo Pós–Graduação em Geografia

Grupo de pesquisa Sociedade e Cultura

Pesquisador:_______________________________________________
Data:_____/_____/_______
Comunidade:_________________________
Município:______________________________________

Entrevistado_______________________________________________________________
Idade:______________________ Profissão/ocupação: ________________________

BLOCO I

O QUE TEM?

1 – Prédios e construções antigos:

2 - Prédios e construções mais importantes:

3 - Lugares mais significativos: (praça, morro, campo de futebol, vegetação,


denominação do lugar)

Nomenclatura: enumerar o nome dos prédios lugares: ex1: Escola Maria Furtado
(não sabe quem é)? Ex2: Igreja N. Sra. Imaculada Conceição – Padroeira do lugar?

4 – Especialidade de comida – qual? Quais? quem faz?

5 – Artesanato - qual? quais? quem faz?

6 – Fazer/ Atividade mais importante: (pesca, agricultura, turismo) Quem? Onde?

6 - Grupo e ou artista de música: (o quê - cantor, sanfoneiro, pífano, coral? Quem

7 - Grupo de dança: (o quê – quadrilhas, capoeira, samba de roda? Quais? O


que?)
322

8 - Artistas plásticos: (quê – pintor, escultor, poeta, cordelista - quem? Onde?)

9 - Artesanato tradicional: (cestos, redes)

10 – Artesanato moderno/resignificado: (pet, durepox, biscuit, bonecas, pano de


prato, almofadas)

11 - Festas religiosas: (católica, evangélica, protestante, indígena, protestante)


Quais? Quando? O que tem? O que faz?

12 - Festas populares: (Forro, cavalgada, micareta) Quais? Quando? O que tem? O


que faz?

13 – Outras festas: (nas escolas, data cívica) Quais? Quando? O que tem? O que
faz?

14- Outras manifestações:


323

BLOCO II

Ficha síntese: ordenação pela importância

Representação do Patrimônio

Tipologia / patrimônio Mobiliza Referencia Imagem Muito Tradição Passado


importante do lugar
324

BLOCO III

Lembrete ao pesquisador: iniciar a descrição de acordo com a ordem de


importância estabelecida pelo entrevistado no bloco II. Elaborar o texto de forma
objetiva favorecendo sua transcrição para uma matriz. Caso não seja possível no
momento refazer o texto e entregar com a ordem abaixo sugerida

Pesquisador:
Data:
Comunidade:
Município:

Trazer a identificação do entrevistado

1 – Quem produz: características, participantes, gênero, raça etc de cada uma das
expressões citadas de acordo com a ordem de importância atribuída.

- Definição/descrição
- Características: forma da produção e transferência do saber (dificuldade,
habilidade), forma do aprendizado, comercialização e matéria prima no caso de
artesanato.
- Participantes ou produtores: número, quantitativo aproximado, composição
(familiar, homem, mulher, criança, raça, cor)
- Data período de apresentação: data período de produção e comercialização

2 – Onde ocorre: data de ocorrência, período, onde (sede, povoado) de cada uma
das expressões citadas de acordo com a ordem de importância atribuída
- Distinguir sede de povoados
- data período de apresentação; data período de produção e comercialização

3 – Origem e evolução : diferenças/semelhanças do passado e presente de cada


umas das expressões
- origem: se uma pessoa, se um grupo, se desconhecida ou tradição que sempre
ocorreu
325

- diferenças de manifestação ou do tipo de produção e entre o passado e o presente


– tentar captar quando ocorreu as mudanças/rupturas e em que (forma, composição,
numero, significado)

4 – Situação/Dinamismo: Estágio atual significado para os participantes, para os


produtores, para o município
- o que significa para os produtores/participantes
- se enfrenta dificuldades, quais
- estratégias autuais para a manutenção (apoio, mudanças, adaptações)

5– Geração de renda, envolvimento dos participantes/produtores e dos demais


munícipes, importância para o município, participação de pessoas/grupos externos
da produção de eventos, por exemplo: participação de público externo com
assistentes/turistas.
- gera renda para os participantes/ produtores – extra ou sobrevivência?
- gera renda para a comunidade (cadeia de fornecedor, produtor,
comprador/cambista do lugar, venda em feira do lugar – identificar se a
produção/manifestação conforma um arranjo produtivo).

Lembrete para o pesquisador: atenção na identificação de arranjos,


distinguindo produção continua de eventos e festas ocasionais. A intenção é
captar e distinguir a geração de renda entre atividades continuas e
esporádicas, mas também captar o impacto dos eventos/festas na renda do
lugar

6 – O que o município é para você?


7 – Descrição sucinta do município?
8 – outras observações
326

APÊNDICE B – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO E ENTREVISTAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


Núcleo Pós–Graduação em Geografia

Grupo de pesquisa Sociedade e Cultura

Local: Data: ________________

Identificação e perfil do entrevistado – os sujeitos (eu, o meu, o nosso)

1. Nome completo:
2. Idade:
3. Sexo: ( ) masculino ( ) feminino
4. Nível de Escolaridade: primário completo e incompleto( ) fundamental ( )
médio ( ) superior ( ) pós-graduado
5. Estado civil: ( ) solteiro ( xx) casado ( ) viúvo ( ) outro
__________________
6. Local de nascimento:
7. Tempo de residência na localidade:
8. Quantos membros da família?
9. Quantos membros da família residem em sua casa?

Conhecimento e reconhecimento

1. Possui casa própria? Foi o primeiro a construir a casa? É herança de família?


Programa de governo? (pertencimento e enraizamento). A história de sua
família tem relação com o povoado?
2. Já morou em algum outro local (detalhar tempo, onde, porque saiu)?
3. Por que você mora aqui (focar no trabalho, no sentimento)?
4. Como é morar nesse povoado?
5. Qual é o seu sentimento pelo povoado?
6. Estar perto do litoral faz diferença se comparado com os povoados do
Sertão?
7. Quais as principais dificuldades para viver nesse povoado?
327

8. Quais as vantagens de viver nesse povoado?


9. Atualmente quais são os principais problemas?
10. Quais foram as principais mudanças que ocorreram aqui? (antigas e novas).
11. Você consegue diferenciar as ações dos governos e dos políticos no
povoado?
12. Afora as roças e a pesca, teve ou tem um domínio econômico das terras?
Qual atividade?
13. A paisagem que o senhor vê, tem qual importância e significado para você?
14. Você tem vontade de morar em outro lugar?
15. Possui alguma relação com associação ou sindicado (se pertinente)?
16. Qual sua atuação e desde quando?
17. Acha importante o trabalho da associação/sindicato?
18. O que a associação/sindicato faz para ajudar o povoado?
Pertencimento

1. Como as pessoas do povoado gostam de serem chamadas (pescadores,


marisqueiras, agricultores)?
2. Como é para o senhor a sensação de pertencer a esse povoado?
3. O que você mais gosta aqui?
4. Tem vontade de permanecer aqui?
5. Gostaria que seus filhos permanecessem aqui? Por quê?
6. Quais são seus sonhos em relação ao povoado?
7. Quais os seus projetos para o futuro do povoado (o que precisa para
melhorar)?
8. O senhor tem alguma preocupação ao morar aqui?
9. O que você faz como atividade de lazer/descanso?
10. Você acha que existe uma valorização dos mais jovens em relação às
atividades tradicionais que são praticadas no povoado?
11. Quis as tradições do lugar (comida, festas, ritos).
12. Você passa/recebe algum ensinamento, que considera importante? (valores,
trabalho, vida comunitária).
13. Você se sente representado pela associação/sindicato (nas reinvindicações,
nos direitos, orgulho, liderança, na visibilidade do povoado, na relação com a
sede)
328

Práticas de trabalho e vivências cotidianas

1. Qual ou quais atividades pratica (observar entre as quatro atividades


tradicionais: roça, criação, pesca e artesanato? (desenvolver: perceber se
exerce mais de uma atividade, pesca e agricultura, pesca e artesanato)
2. Sempre lidou com a atividade (atividades)? Desde quando?
3. Como trabalha nessas atividades (coletivo/divisão de tarefas entre homens,
mulheres e jovens, familiar ou mão de obra contratada, troca de dias, divisão
de produção, pagamento). Se roça, se proprietário, de meia ou alugado.
4. Tem um tempo certo ou um período para exercer cada atividade (manhã tarde
ou época do ano).
5. Exerce ou exerceu algum outro tipo de atividade fora as já identificadas?
6. Como é a organização do trabalho nos períodos de chuva e na seca?
7. Como é a relação entre as famílias; pessoas; trabalho; atividades coletivas?
8. Onde são comercializados os produtos (caso haja excedente)?
9. A atividade (s) praticada (s) é suficiente para o sustento da família?
10. Caso exerça atividade de serviços e outras, detalhar desde quando, motivo da
opção, se no povoado ou fora, satisfação, se suficiente para o sustento da
família.
Território

1. O quê no povoado você pode dizer que é seu? Porquê?


2. O quê no povoado você pode dizer que pertence a outro morador? Porquê?
3. O quê no povoado pode se dizer que pertence a todos? Porquê?
4. Quem defende/protege o povoado? E como ele é defendido nos interesses
comuns?
5. O senhor vê interesses de fora com relação ao povoado? De quem?
6. Qual a cidade mais importante para as relações do povoado? (com educação,
com saúde, com transporte, com água, com energia, com segurança)
7. Em quê esse povoado é importante para a região? (na produção econômica,
na localização, para política).
329

APÊNDICE C - TERMO DE CONCESSÃO DE INFORMAÇÕES

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


Núcleo de Programa de Pós–Graduação em
Geografia
Organização do Espaço Agrário e Regional.

Termo de Concessão de Informações

Estou ciente dos objetivos do trabalho de pesquisa realizado pelo discente


RODRIGO HERLES DOS SANTOS, portador do R.G: 11.246.541 SSP/MG,
doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (NPGEO) da
Universidade Federal de Sergipe, tendo como orientadora a Profª. Drª. Maria
Augusta Mundim Vargas. Autorizo a gravação das informações por mim prestadas
nesta entrevista. Concordo com a divulgação dos resultados de tais informações
para utilização científica em congressos, encontros, textos, artigos, entre outros.
Autorizo ainda a divulgação da minha imagem e/ou informações por mim prestadas.
Estou também ciente que posso abandonar minha participação nesta pesquisa em
qualquer momento.

___________________________________________________________

Assinatura do Entrevistado (a)


330

APÊNDICE D – LISTA DE COMUNIDADES NOS MUNICIPIOS ESTUDADOS

Município Comunidade Litoral


1 Santa Luzia do Itanhy Areia Branca Sim
2 Santa Luzia do Itanhy Bode sim
3 Santa Luzia do Itanhy Bom Viver não
4 Santa Luzia do Itanhy botequim Não
5 Santa Luzia do Itanhy Cajazeiras sim
6 Santa Luzia do Itanhy Cambuí Não
7 Santa Luzia do Itanhy Cedro Não
8 Santa Luzia do Itanhy Coqueiro Não
9 Santa Luzia do Itanhy Crasto sim
10 Santa Luzia do Itanhy Fumo Bravo Não
11 Santa Luzia do Itanhy Novo Jardim Não
12 Santa Luzia do Itanhy PA Cleonice Alves Não
13 Santa Luzia do Itanhy PA Vitória da União Não
14 Santa Luzia do Itanhy Pau Torto Não
15 Santa Luzia do Itanhy Piçarreira Não
16 Santa Luzia do Itanhy Pedra Furada Não
17 Santa Luzia do Itanhy Priapu Não
18 Santa Luzia do Itanhy Rua da Palha sim
19 Santa Luzia do Itanhy Taboa sim
20 Santa Luzia do Itanhy Tapera Não
21 Indiaroba Alto Alegre Não
22 Indiaroba Amargoso Não
23 Indiaroba Botequim Não
24 Indiaroba Colônia Retiro Não
25 Indiaroba Colônia Sergipe Não
26 Indiaroba Convento Não
27 Indiaroba Mangabeiras Não
28 Indiaroba Muriçoca Não
29 Indiaroba PA Sete Brejos Não
30 Indiaroba Pedra do Rumo Não
31 Indiaroba Pontal sim
32 Indiaroba Preguiça sim
33 Indiaroba Preguiça de Cima sim
34 Indiaroba Saguim sim
35 Indiaroba Santa Terezinha sim
36 Indiaroba Tabuleiro dos Cagados Não
37 Indiaroba Terra Caída sim
38 Estância Abaís sim
39 Estância Agrovila Rio Fundo Não
40 Estância Alecrim Não
41 Estância Araça Não
42 Estância Bica Não
43 Estância Col. Entre-Rios Não
44 Estância Col. Vertente Não
45 Estância Colônia do Rio Fundo Não
46 Estância Colônia São Jose Não
47 Estância Conj. Albano Franco Não
48 Estância Disilena Não
331

49 Estância Entre Rios Não


50 Estância Farnaval sim
51 Estância Fonte Nova Não
52 Estância Gravatá Não
53 Estância Grotão Não
54 Estância Grotão 2 Não
55 Estância João Dias Não
56 Estância Lagoa Azul Não
57 Estância Litoral sim
58 Estância Massadiço Sim
59 Estância Ourucuri sim
60 Estância Porto Cavalo sim
61 Estância Porto do Mato sim
62 Estância Porto Nangola sim
63 Estância Saco sim
64 Estância Sete Casas Não
65 Itaporanga D'Ájuda PA 8 de Março Não
66 Itaporanga D'Ájuda Cajueiro Não
67 Itaporanga D'Ájuda Camaçari Mirim Não
68 Itaporanga D'Ájuda Campos Não
69 Itaporanga D'Ájuda Caueira sim
70 Itaporanga D'Ájuda Conta do Pau D'árco Não
71 Itaporanga D'Ájuda Duro Não
72 Itaporanga D'Ájuda Garoba Não
73 Itaporanga D'Ájuda Gravatá sim
74 Itaporanga D'Ájuda Ilha Mem de Sá sim
75 Itaporanga D'Ájuda Ipanema Não
76 Itaporanga D'Ájuda Iraque Não
77 Itaporanga D'Ájuda Manoel Dias Não
78 Itaporanga D'Ájuda Mata do Alecrim Não
79 Itaporanga D'Ájuda Moita Formosa Não
80 Itaporanga D'Ájuda Nó Cego Não
81 Itaporanga D'Ájuda Nova Descoberta sim
82 Itaporanga D'Ájuda PA Dorcelina Folador Não
83 Itaporanga D'Ájuda Rio Fundo Não
84 Itaporanga D'Ájuda Salvador Não
85 Itaporanga D'Ájuda Sapé Não
86 Itaporanga D'Ájuda Tapera Não
87 Itaporanga D'Ájuda Tejupeba Não
88 Itaporanga D'Ájuda Várzea Grande sim
89 São Cristovão PA Florestan Fernandes Não
90 São Cristovão Aningas Não
91 São Cristovão Apicum Sim
92 São Cristovão Arame 1 sim
93 São Cristovão Arame 2 sim
94 São Cristovão Bom Jardim Não
95 São Cristovão Brasilinha Não
96 São Cristovão Cabrita Não
97 São Cristovão Caipe Velho Não
98 São Cristovão Candial sim
99 São Cristovão Cardoso Não
100 São Cristovão Carmo Não
101 São Cristovão Chica Não
332

102 São Cristovão Colinas Não


103 São Cristovão Colônia Miranda Não
104 São Cristovão Coqueiro Não
105 São Cristovão Curralinho Não
106 São Cristovão Ilha Grande Sim
107 São Cristovão Luiz Alves Não
108 São Cristovão Parque Santa Rita Não
109 São Cristovão Pedreiras sim
110 São Cristovão Recanto Não
111 São Cristovão Rita Cacete Não
112 São Cristovão Rosa Else Não
113 São Cristovão Sitio Novo Não
114 São Cristovão Tabua Não
115 São Cristovão Terra Dura Não
116 São Cristovão Tinharé sim
117 Aracaju Mosqueiro sim
118 Aracaju Matapuã sim
119 Barra dos Coqueiros Areia branca Não
120 Barra dos Coqueiros Atalaia Nova sim
121 Barra dos Coqueiros Canal sim
122 Barra dos Coqueiros Capuã Não
123 Barra dos Coqueiros Jatobá sim
124 Barra dos Coqueiros Olhos D´água sim
125 Barra dos Coqueiros Praia da Costa sim
126 Barra dos Coqueiros Praia do Jatobá sim
127 Barra dos Coqueiros Praia do Porto Não
128 Barra dos Coqueiros Touro sim
129 Pirambu Aguilhadas sim
130 Pirambu Alagamar sim
131 Pirambu Aningas sim
132 Pirambu Areinhas Não
133 Pirambu Catinguinhas sim
134 Pirambu Lagoa Redonda Não
135 Pirambu Maribondo Não
136 Pacatuba Aracaré sim
137 Pacatuba Atalho Não
138 Pacatuba Boca da Barra sim
139 Pacatuba Carro Quebrado Não
140 Pacatuba Cobra D'água Não
141 Pacatuba Cruiri Não
142 Pacatuba Estiva do Raposo sim
143 Pacatuba Estiva Funda sim
144 Pacatuba Fazenda Nova sim
145 Pacatuba Gravatá Não
146 Pacatuba Guaratuba sim
147 Pacatuba Nossa Senhora Santana Não
148 Pacatuba Oitizeiro sim
149 Pacatuba PA Independência Não
150 Pacatuba Ponta de Areia Não
151 Pacatuba Ponta dos Mangues sim
152 Pacatuba Rancho Não
153 Pacatuba Santa Isabel Não
154 Pacatuba Siqueira Não
333

155 Pacatuba Tigre/Junça sim


156 Pacatuba Timbó Não
157 Brejo Grande Brejão dos Negros Sim
158 Brejo Grande Carapitanga Sim
159 Brejo Grande Novo Paraiso Não
160 Brejo Grande Resina Sim
161 Brejo Grande Saramém Sim
162 Brejo Grande Terra Vermelha Não

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