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Genética Do Cancer

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GENÉTICA

BÁSICA

Roberta Oriques
Becker
Genética do câncer
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Explicar como alterações genéticas e epigenéticas podem resultar


no desenvolvimento do câncer.
„„ Reconhecer o conceito de oncogenes e supressores tumorais e o
papel das alterações epigenéticas e genéticas no seu aparecimento.
„„ Descrever o mecanismo de ação de fármacos que interferem na
atividade de enzimas que alteram epigeneticamente o DNA ou as
histonas.

Introdução
O câncer consiste em um grupo de doenças complexas, com com-
portamentos diferentes, conforme o tipo celular do qual se originam.
Apesar de apresentarem variações quanto à idade de início, à velocidade
de desenvolvimento, à capacidade invasiva, ao prognóstico e à capaci-
dade de resposta ao tratamento, no nível molecular, todos os tipos de
câncer apresentam características comuns a essa classe de doenças. Os
genes, cujas mutações causam o câncer, são classificados como proto-
-oncogenes, que controlam o crescimento e a diferenciação celular
normal, ou supressores tumorais, que inibem o crescimento celular
anormal, reparam danos do ácido desoxirribonucleico (DNA) e mantêm
a estabilidade genômica. Além disso, vários fatores epigenéticos, que
afetam a expressão gênica sem alterar a sequência do DNA, e ambientais
predispõem ao câncer.
Neste capítulo, você vai reconhecer as alterações genéticas e epige-
néticas relacionadas ao desenvolvimento do câncer, reconhecendo o
papel dos oncogenes e dos genes supressores tumorais nesse processo.
Além disso, vai compreender o mecanismo de ação de fármacos que
interferem na atividade de enzimas que alteram epigeneticamente o
DNA ou as histonas.
2 Genética do câncer

Alterações genéticas e epigenéticas no câncer


Antes de iniciarmos nossos estudos sobre a genética e a epigenética do câncer,
é importante que você compreenda alguns conceitos básico. De forma geral,
câncer é um grupo de doenças complexas, as quais têm comportamentos
diferentes, relacionados com o tipo celular do qual se originam. Essas do-
enças apresentam uma variação quanto à idade de início, à velocidade de
desenvolvimento, à capacidade invasiva, ao prognóstico e à capacidade de
resposta ao tratamento.
Todavia, todos os tipos de câncer apresentam características comuns,
como a proliferação celular descontrolada, caracterizada por crescimento e
divisões celulares anormais, e as metástases, um processo que permite que
as células cancerosas se disseminem e invadam outras partes do corpo. Nas
células normais, a proliferação e a invasão são geneticamente controladas.
Nas células cancerosas, muitos desses genes apresentam mutações, o que
determina a sua expressão de forma inadequada. Além disso, ao contrário
das doenças cromossômicas, nas quais as alterações genéticas estão presentes
em todas as células do corpo (incluindo os gametas), o câncer é uma doença
das células somáticas, que se origina principalmente a partir de mutações em
genes que controlam a multiplicação celular. Dessa forma, o acúmulo dessas
mutações torna o câncer a doença genética mais comum na nossa espécie
(BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).

O crescimento das células normais apresenta uma regulação muito precisa, sendo
que os órgãos aumentam até o seu tamanho adequado e então param de crescer.
Entretanto, as células podem escapar desse processo regulatório, o qual é denomi-
nado neoplasia, e o conjunto de células resultantes é denominado neoplasma ou
tumor. Os tumores podem ser benignos, que são autolimitantes e não metastáticos,
ou malignos, quando mostram crescimento ilimitado e metastático, ou seja, podem
originar um novo foco tumoral (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).
Genética do câncer 3

Aspectos genéticos do câncer humano


Aproximadamente 1% dos casos de câncer é hereditário, ou seja, a mutação
inicial causadora do câncer é herdada por meio dos gametas. Enquanto isso,
99% dos casos de câncer são esporádicos, significando que as mutações
ocorrem em uma única célula somática que, então, se divide e prossegue para
desenvolver um câncer. O câncer hereditário pode apresentar uma herança
mendeliana simples, porém, a maior parte dos casos é uma herança do tipo
multifatorial. De fato, os fatores genéticos parecem ter maior importância
etiológica em pacientes com doença bilateral e de aparecimento precoce do
que em pacientes com câncer unilateral e de surgimento tardio. Os genes cujas
mutações causam o câncer podem ser classificados em duas categorias princi-
pais: os proto-oncogenes, os quais controlam o crescimento e a diferenciação
celular normal, todavia, quando ativados, se transformam em oncogenes ou
genes causadores de câncer; e os genes supressores tumorais, que são genes
protetores e de manutenção, os quais inibem o crescimento celular anormal,
reparam danos do DNA, e mantêm a estabilidade genômica.
Nas células cancerosas, muitos genes que estão relacionados com produtos
gênicos que regulam as etapas do ciclo celular, a apoptose e a resposta celular
aos sinais externos para o crescimento estão mutados ou apresentam uma ex-
pressão anormal. Dessa forma, alterações nos pontos de controle G1/S, G2/M
e da anáfase do ciclo celular estão relacionadas com respostas anormais das
células ao dano no DNA. Nesse contexto, a proteína p53, que é codificada
pelo gene supressor tumoral TP53, mesmo estando pouco expressa nas células
normais, apresenta um importante papel. A proteína nuclear MDM2 é um
importante regulador negativo da proteína p53, uma vez que impede a sua
fosforilação e algumas etapas do seu processo de ativação. Além disso, essa
proteína desloca-se continuamente entre o núcleo e o citoplasma, exportando
nesse processo a proteína p53 para ser degradada pelo proteossomo no cito-
plasma (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013) (Figura 1).
4 Genética do câncer

Figura 1. O efeito dos danos no DNA sobre a proteína p53. Em células normais, o nível de
p53 é baixo, em parte porque a proteína MDM2 a exporta para o citoplasma, no qual é
destruída pelo proteossomo. O dano no DNA resulta em fosforilação (P) e acetilação (Ac)
de p53, o que incapacita a sua ligação com MDM2 e promove a sua ativação como fator
de transcrição.
Fonte: Borges-Osório e Robinson (2013, p. 389).

Os mecanismos relacionados com as mutações gênicas que afetam a re-


gulação do ciclo celular estão descritos a seguir.
Perda do controle de danos no DNA: algumas células, quando sofrem
danos no seu DNA, podem parar o seu ciclo celular nas fases G1 ou G2. De
forma geral, o dano no material genético causa a ativação de p53, suprimindo
o efeito inibidor e liberando MDM2 (denominação originada da proteína
murídea MDM2, de murine doble minute 2), o que resulta em níveis aumen-
tados dessa proteína supressora tumoral. Por fim, a ativação de p53 ativa a
transcrição de vários genes e a supressão de outros, afetando todas as fases
do ciclo celular (Figura 2).
Genética do câncer 5

Figura 2. Os eventos desencadeados pela proteína p53 incluem ativação da transcrição


dos genes para p21, GADD45, 14-3-3σ, maspin, BAX, APAF1 e miRNA34, para a via de apoptose
e para a via de interrupção e reparo.
Fonte: Borges-Osório e Robinson (2013, p. 390).
6 Genética do câncer

O ponto de controle da transição G1/S é mediado por níveis aumentados


da proteína inibidora p21, o que resulta na inibição do complexo cicloquinase
dependente de ciclina (ciclina-CDC2) em G1, bloqueando, dessa forma, a pas-
sagem da fase G1 para S. Na fase S, os danos no DNA reduzem a capacidade
da DNA-polimerase de realizar a sua replicação, mecanismo mediado pelas
proteínas p21 e GADD45 que permite um tempo maior para a célula realizar
reparos no material genético. O ponto de controle G2/M é mediado pela pro-
teína 14-3-3σ, que retarda a ativação do complexo ciclina-CDC2, bloqueando
a transição entre G2 e M. Entretanto, por exemplo, em caso de alterações na
proteína p21, as células se acumulariam na fase G2 e seriam incapazes de
sofrer mitoses. No entanto, em razão do defeito no ponto de controle G1/S, as
células entrariam em ciclos adicionais de síntese e se tornariam poliploides.
Outro exemplo é quando ocorre perda da função da proteína p53 e as células
são incapazes de responder aos danos no DNA, o que pode gerar ciclos com
cromossomos alterados e aumento da frequência de mutações e amplificação
gênica. Além disso, a ausência da p53 significaria que a transcrição dos genes
BAX e APAF1 não aumentaria, impedindo, dessa forma, o acontecimento do
último evento de proteção contra células lesadas, a apoptose. Em consequência
das mutações ou da inativação de genes em pontos de controle, a célula fica
incapaz de reparar o seu DNA ou de atingir a apoptose. Essa incapacidade
leva ao acúmulo de mais mutações nos genes que controlam o crescimento, a
divisão e a metástase. Geralmente, os defeitos nos pontos de controle resultam
em instabilidade genômica, sendo que o mal funcionamento do fuso pode levar
à ocorrência de aneuploidias e a não duplicação do centrômero pode levar às
poliploidias e, ainda, podem ocorrer translocações, deleções e amplificação
gênica associadas a falhas no ponto de controle de dano do DNA (Figura 3)
(BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).
Genética do câncer 7

Figura 3. As falhas no ponto de controle contribuem para a instabilidade genética.


Fonte: Borges-Osório e Robinson (2013, p. 392).

Perda do controle da apoptose: os danos no DNA, a ativação de um


oncogene ou a inativação de um gene supressor tumoral podem desencadear
a apoptose. Apesar de a autodestruição ser ruim para a célula, os efeitos da
carcinogênese são muito maiores do que a perda de uma célula. Os tumores que
afetam os tecidos do organismo humano parecem surgir de uma única célula
geneticamente anormal, que escapa do programa de apoptose. As etapas da
apoptose são idênticas nas células lesadas e nas que são eliminadas durante o
desenvolvimento: o DNA nuclear torna-se fragmentado, as estruturas intrace-
lulares se deterioram e a célula se dissolve em pequenas estruturas esféricas
denominadas corpos apoptóticos, os quais posteriormente são fagocitados.
As proteases denominadas caspases são responsáveis pelo início da apoptose
e pela digestão dos componentes intracelulares. Esse processo é importante
porque reduz o número de mutações transmitidas para a próxima geração,
8 Genética do câncer

inclusive as que ocorrem nos oncogenes. Os mesmos genes que fazem a re-
gulação do ciclo celular podem desencadear a apoptose, todavia, esses genes
estão mutados em muitos tipos de câncer. Além disso, estudos demonstram
que a p53 aumenta a permeabilidade das mitocôndrias, resultando na liberação
da enzima mitocondrial citocromo c, a qual é responsável por desencadear a
apoptose (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).

A instabilidade genômica das células cancerosas pela presença de translocações,


aneuploidias, deleções cromossômicas e amplificação do DNA constituem um conjunto
de características denominadas de fenótipo mutador. Esse fenótipo relaciona-se
com certas neoplasias hereditárias causadas por defeitos em genes que controlam o
reparo do DNA, como o câncer de pele nos pacientes com xeroderma pigmentoso
e o câncer colorretal hereditário não poliposo (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).

Aspectos epigenéticos do câncer humano


A epigenética está relacionada com o estudo dos fatores que afetam a expres-
são gênica de modo reversível e hereditário, mas sem alterar a sequência de
nucleotídeos do DNA. A metilação do DNA e as modificações das histonas são
exemplos de modificações epigenéticas. A relação entre essas modificações e
o câncer está descrita a seguir:

„„ Metilação do DNA: normalmente está relacionada com o silencia-


mento de genes, ocorrendo principalmente (70 a 80%) nas ilhas CpG
(regiões ricas em citosina e guanina) que estão localizadas nas regiões
promotoras de genes supressores tumorais. Erros durante esse processo
estão relacionados com a expressão gênica alterada e com a perda de
pontos de controle anticâncer. Nos tumores ocorre um padrão nor-
mal de metilação, quando comparados a tecidos normais, sendo que
a hipermetilação inibe a ação reguladora do crescimento dos genes
supressores tumorais e a hipometilação dos proto-oncogenes conduz
ao crescimento desordenado, que leva à formação de tumores. Além
disso, na transformação maligna são observadas as seguintes alterações:
hipometilação de genes prometastáticos e de elementos repetitivas;
Genética do câncer 9

hipermetilação de genes de moléculas de adesão, de reparo no DNA e


de inibidores metastáticos.
„„ Modificações das histonas: o equilíbrio entre acetilação de histonas
e a sua desacetilação é fundamental para a regulação da proliferação
celular. As mutações ou as translocações no gene HAT1 (OMIM 603053),
que codifica a histonas-acetiltransferase 1 (HAT1), uma das enzimas
responsáveis pela acetilação das histonas, estão relacionadas com o
desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Por exemplo, o aumento
anormal de várias histonas-desacetilases pode promover a inibição da
transcrição de genes supressores tumorais. Isso ocorre em razão da
desacetilação das histonas seguida da metilação do DNA, inativando
assim o gene em questão (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).

Na síndrome de Nijmegen ou síndrome da imunodeficiência, a instabilidade genética


e as anomalias faciais (ICF) estão relacionadas com uma deficiência na enzima DNA-
-metiltransferase (DNMT), causada por uma mutação no gene DNMT1, que resulta na
compactação anormal da heterocromatina centromérica, o que gera instabilidade
cromossômica (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).

Resumidamente, uma célula pode começar a se multiplicar de forma de-


sordenada, ao invés de seguir o seu programa normal de diferenciação, po-
dendo, assim, dar início a uma linhagem tumoral. A transformação maligna
está relacionada com uma série de eventos relacionados com o acúmulo de
mutações nos genes que controlam o crescimento e a diferenciação celular e
afetam a estabilidade genômica, o reparo do DNA, as modificações da cro-
matina (eucromatina e heterocromatina) e os padrões de metilação do DNA
(BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).

Oncogenes e supressores tumorais


Em um importante estudo genético, os pesquisadores determinaram a sequência
de DNA de 13.000 genes de células de cânceres de mama e colorretal, revelando
que, em cada câncer, cerca de 90 genes estão mutados. Provavelmente, a maioria
desses genes mutados não contribui para o fenótipo canceroso, mas em cada
10 Genética do câncer

tumor, aproximadamente, 11 genes estariam contribuindo para a sua ocorrên-


cia, sendo que esses genes influenciam no crescimento e na invasão celular.
Nas células cancerosas, existem duas categorias gerais de genes causadores
de câncer que apresentam mutações ou uma expressão atípica (Quadro 1):
Proto-oncogenes: esses genes codificam fatores de transcrição que esti-
mulam a expressão de outros genes, de moléculas de transdução de sinais que
estimulam a divisão celular e de reguladores do ciclo celular que movimentam a
célula no ciclo. Dessa forma, os seus produtos são importantes para as funções
celulares normais, especialmente o crescimento e a divisão. Na maioria das
células cancerosas, um ou mais proto-oncogenes estão tão alterados que a sua
atividade não pode ser controlada do modo normal. Essa alteração pode estar
relacionada com uma mutação e sua produção proteica anormal associada, com
a superexpressão gênica ou com impossibilidade de repressão da transcrição
gênica no momento correto. Nesse último caso, o proto-oncogene permanece
continuamente em estado de “ligado”, o que pode estimular constantemente a
divisão celular. Quando ocorrem os proto-oncogenes, que contribuem para o
desenvolvimento do câncer, eles podem ser denominados oncogenes. Podemos
afirmar que os oncogenes são proto-oncogenes que sofreram uma alteração
de ganho de função. Em consequência, basta que um alelo (fenótipo domi-
nante) do proto-oncogene mute, ou se expresse atipicamente, para desencadear
um crescimento descontrolado. A seguir serão apresentados alguns desses
proto-oncogenes:

„„ Ras: os genes pertencentes à família gênica Ras estão mutados em 30%


dos tumores humanos. Essa família codifica moléculas de transdução de
sinais que estão associadas à membrana celular e regulam o crescimento
e a divisão celular. Geralmente as proteínas Ras transmitem sinais da
membrana celular para o núcleo, estimulando a célula a se dividir, em
resposta a fatores externos de crescimento (Figura 4). Por exemplo,
quando a célula encontra um fator de crescimento, os receptores desse
fator, localizados na membrana celular, ligam-se a ele, resultando em
autofosforilação da porção citoplasmática do receptor. Esse processo
causa o recrutamento das proteínas conhecidas como fatores de inter-
câmbio de nucleotídeos para a membrana citoplasmática. Esses fatores
fazem a proteína Ras liberar o difosfato de guanosina (GDP) e se ligar
ao trifosfato de guanosina (GTP), tornando-se ativa. A forma ativa de
Ras envia seus sinais por meio de cascatas de fosforilação proteica,
as quais promovem a ativação de fatores de transcrição nucleares que
estimulam a produção de genes cujos produtos levam as células da
Genética do câncer 11

quiescência para o ciclo celular. Depois desse processo, ocorre a hidrólise


do GTP em GDP e a inativação dessa proteína. Todavia, as mutações
que convertem o proto-oncogene Ras em oncogene impedem a proteína
Ras de realizar esse processo de hidrólise e, dessa forma, a proteína
permanece na conformação “ligada”, estimulando a célula a se dividir
constantemente (KLUG et al., 2012).

Figura 4. Via de transdução de sinal mediada por Ras.


Fonte: Klug et al. (2012, p. 520).
12 Genética do câncer

Quadro 1. Exemplos de proto-oncogenes e genes supressores de tumor

Proto- Alteração Cânceres


-oncogene Função normal cancerígena relacionados

Ha-ras Molécula de Mutações pontuais Colorretal, de


transdução de sinal; bexiga e vários
liga-se a GTP/GDP outros tipos

c-erbB Receptor Amplificação Glioblastomas e


transmembrânico gênica e mutações câncer de mama
de fator de pontuais e de cérvice
crescimento

c-myc Fator de transcrição; Translocação, Linfomas,


regula ciclo celular, amplificação e leucemias, câncer
diferenciação mutações pontuais de pulmão e vários
e apoptose outros tipos

c-kit Tirosina-quinase; Mutação Sarcomas


transdução de sinal

RAR Fator de transcrição Translocações Leucemia pró­-


dependente cromossômicas -mielocítica aguda
de hormônio; com o gene PML e
diferenciação produtos de fusão

E6 Gene codificado Infecção por HPV Câncer cervical


pelo papilomaví-
rus humano;
inativa p53

Cyclins Ligam-se a CDKs Amplificação Cânceres de


e regulam o gênica, pulmão, de
ciclo celular superexpressão esôfago e vários
outros tipos

CDK 2, 4 Quinases Superexpressão Cânceres de


dependentes de e mutação bexiga, de mama e
ciclinas; regulam vários outros tipos
o ciclo celular

Supressor Alteração Cânceres


de tumor Função normal cancerígena relacionados

p53 Pontos de controle Mutação e inativação Cânceres de cérebro,


do ciclo celular, por produtos de pulmão, colorretal,
apoptose oncogênicos virais de mama e vários
outros tipos
(Continua)
Genética do câncer 13

(Continuação)

Quadro 1. Exemplos de proto-oncogenes e genes supressores de tumor

Supressor Alteração Cânceres


de tumor Função normal cancerígena relacionados

p53 Pontos de controle Mutação e Cânceres de


do ciclo celular, inativação cérebro, de
apoptose por produtos pulmão, colorretal,
oncogênicos virais de mama e vários
outros tipos

RB1 Pontos de controle Mutação, deleção Retinoblastoma,


do ciclo celular; e inativação osteossarcoma e
liga-se a E2F por produtos vários outros tipos
oncogênicos virais

APC Interação célula Mutação Cânceres colorretal,


a célula de cérebro,
de tireoide

Bcl2 Regulação da A superexpressão Linfomas e


apoptose bloqueia a leucemias
apoptose

BRCA2 Reparação do DNA Mutações pontuais Cânceres de


mama, ovariano
e de próstata

Fonte: Adaptado de Klug et al. (2012, p. 519).

„„ Cyclin D1 e cyclin E: sabe-se de vários genes de ciclina que estão


associados ao desenvolvimento do câncer. O gene que codifica a
ciclina D1, por exemplo, está amplificado em certos cânceres (como
o de mama, de pulmão e de bexiga), o que aumenta a produção da
proteína ciclina D1, podendo, dessa forma, contribuir para uma entrada
descontrolada na fase S do ciclo celular. Da mesma forma, o gene
cyclin E está amplificado ou superexpresso em algumas leucemias
e em cânceres de mama e de cólon. Nesse contexto, é provável que a
superexpressão desses reguladores-chave do ciclo celular, ou a supres-
são de sua degradação periódica, impeça as células de saírem do ciclo
celular, de entrar na fase quiescente (G 0) ou de sofrer diferenciação
(KLUG et al., 2012).
14 Genética do câncer

Genes supressores tumorais: são genes cujos os produtos normalmente


regulam pontos de controle do ciclo celular e dão início ao processo de apoptose.
Nas células normais, as proteínas codificadas por esses genes interrompem
a progressão do ciclo celular em resposta a um dano no DNA ou a sinais
de supressão de crescimento extracelulares. Dessa forma, quando ocorrem
mutações ou inativação desses genes, as células são incapazes de responder
normalmente nos pontos de controle do ciclo celular ou de derivar para a
apoptose, caso a lesão do DNA for extensa. Essas alterações estão relacionadas
com o aumento das mutações e com a incapacidade da célula de abandonar o
ciclo celular. Com isso, quando ambos os alelos de um gene supressor de tumor
estão inativados e outras modificações na célula a mantêm em crescimento e
divisão, ela mesma pode tornar-se tumorigênica. A seguir, serão apresentados
os principais genes supressores tumorais:

„„ p53: nos cânceres humanos, é o gene que apresenta maior frequência


de mutações, sendo que ele codifica uma proteína nuclear que age
como fator de transcrição, reprimindo ou estimulando a transcrição
de mais de 50 genes diferentes. A proteína p53 é sintetizada de forma
contínua, mas degradada rapidamente e, por isso, está presente em
baixos níveis nas células. Como descrito anteriormente neste capítulo,
a proteína p53 está ligada à proteína MDM2, a qual apresenta vários
efeitos sobre ela. Os eventos que provocam o rápido aumento nos níveis
nucleares da proteína p53 são os danos químicos no DNA, as quebras
de fitas duplas de DNA induzidas por radiações ionizantes e a presença
de intermediários da reparação de DNA gerados por exposição das
células à luz ultravioleta. De forma geral, a proteína p53 inicia duas
respostas diferentes ao dano no DNA: parada do ciclo celular, seguida
pela reparação do DNA, e apoptose, caso o DNA não possa ser reparado.
Ambas as respostas são realizadas pela p53 agindo como um fator de
transcrição que estimula ou reprime a expressão dos genes envolvidos
em cada resposta. Pela importância do gene p53 para a integridade
do genômica, ele frequentemente é mencionado como “guardião do
genoma” (KLUG et al., 2012).
Genética do câncer 15

Figura 5. Via de transdução de sinal mediada por Ras. (a) No retinoblastoma familiar, uma
mutação em um alelo, designado como RB1, é hereditária e está presente em todas as
células. Uma segunda mutação em um outro alelo em qualquer célula retiniana contribui
para o descontrole celular e a formação de tumor. (b) No retinoblastoma esporádico, duas
mutações independentes, no gene do tipo selvagem, uma em cada alelo da mesma célula,
são adquiridas em sequência e também levam à formação de um tumor.
Fonte: Klug et al. (2012, p. 521).

„„ RB1: a perda ou uma mutação no gene supressor de tumor RB1 (re-


tinoblastoma 1) contribui para o desenvolvimento de diversos tipos
de câncer, como o de mama, o ósseo e o de bexiga. Esse gene foi
originalmente identificado a partir de estudos sobre o retinoblastoma,
uma doença hereditária (1 caso em cada 15.000 indivíduos) relacionada
com a formação de tumores nos olhos de crianças pequenas. Na forma
familiar da doença, os indivíduos que herdam um gene RB1 mutante
apresentam 85% de chance de desenvolver esse tipo de câncer. Todas
16 Genética do câncer

as células somáticas dos indivíduos com retinoblastoma hereditário


apresentam um alelo mutado para o gene RB1 (Figura 5a). Todavia, o
retinoblastoma só se desenvolve quando o segundo alelo é perdido ou
mutado em certas células retinianas. Nos indivíduos que não apresentam
essa condição hereditária, o retinoblastoma é extremamente raro, porque
é preciso ocorrer pelo menos duas mutações somáticas independentes
em uma única célula retiniana para que ocorra a inativação de ambas
as cópias do gene (Figura 5b). A proteína supressora tumoral RB1 con-
trola o ponto de controle G1/S do ciclo celular. Em células quiescentes
normais, a presença dessa proteína impede a passagem para a fase S.
Entretanto, nas células cancerosas, ambas as cópias do gene estão de-
feituosas, inativas ou ausentes, e a progressão ao longo do ciclo celular
não é regulada (KLUG et al., 2012).

Os mecanismos de ativação dos proto-oncogenes são principalmente os


seguintes:

„„ Mutação pontual: um exemplo de ativação por mutação pontual é


aquela relacionada com o gene Ras que pode se transformar em um
oncogene por meio de uma única substituição de base (GGC → GTC
que acarreta na substituição de um aminoácido glicina por valina), que
causa o carcinoma de bexiga. As mutações ativadoras dos genes da
família Ras têm sido detectadas em 30% das neoplasias humanas, mas
sua frequência varia muito conforme a origem do tumor.
„„ Amplificação e/ou superexpressão gênica: a amplificação gênica está
relacionada com o aumento do número de cópias dos proto-oncogenes,
cerca de 50 a 100 vezes, potencializando a sua função. A amplificação
de oncogenes específicos parece ser característica de certos tumores,
sendo frequentemente observada na família gênica MYC. Por exemplo,
o oncogene NMYC está amplificado em aproximadamente 30% dos
neuroblastomas. Enquanto isso, a superexpressão gênica é o aumento
da função de um gene, mesmo que não ocorra aumento no número de
cópias. Exemplo: a superexpressão do gene ERBB2, o qual é responsável
por cerca de 15% dos tumores de mama.
„„ Translocação cromossômica: essa alteração pode levar à superexpres-
são de um proto-oncogene ou de um oncogene, à formação de um gene
Genética do câncer 17

quimérico (fusão de genes) e à instabilidade cromossômica. Dentre


os exemplos de superexpressão de um gene, está o do oncogene MYC
associado com a ocorrência de leucemia aguda e do linfoma de Burkitt.
O linfoma de Burkitt é um tumor infantil que afeta principalmente a
mandíbula, estando relacionado com uma translocação recíproca balan-
ceada entre os cromossomos 8 e 14. Um exemplo de formação de gene
quimérico é o da leucemia mieloide aguda. Nesse caso, os leucócitos
leucêmicos mostram uma translocação recíproca balanceada, na qual
o gene ABL1, presente no cromossomo 9q34 é translocado para perto
do gene BCR, no cromossomo 22q11.2. Essa translocação cria uma
estrutura conhecida como cromossomo Philadelphia (Figura 5).
„„ Ativação retroviral: os retrovírus são capazes de transcrever o ácido
ribonucleico (RNA) em DNA, usando a enzima transcriptase reversa.
Dessa forma, os retrovírus podem inserir os seus genes no DNA de
uma célula hospedeira. Em um primeiro ciclo de infecção, esses vírus
adquirem um oncogene, mediante a infecção de uma célula animal.
Quando o retrovírus invade uma nova célula, pode transformá-la por
transferência desse oncogene para o genoma do novo hospedeiro. Por
exemplo, o oncogene sis, portado pelo vírus do sarcoma do macaco,
foi identificado como uma versão alterada do gene humano PDGFRB,
que codifica o receptor β do fator de crescimento derivado de plaquetas
(PDGFRB) (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).

Existem dois modelos para explicar a relação entre os genes supressores tumorais
e a carcinogênese: a hipóteses dos dois eventos, na qual as mutações (geralmente
uma germinativa e uma somática) devem causar a perda da função dos dois alelos
para originar o câncer; e o modelo da haploinsuficiência, na qual apenas um alelo
mutado, associado a eventos adicionais promotores de tumor, é capaz de induzir a
carcinogênese, mesmo com a expressão normal do outro alelo (BORGES-OSÓRIO;
ROBINSON, 2013).
18 Genética do câncer

Figura 6. (a) O cromossomo resulta de uma translocação recíproca que envolve os


braços longos dos cromossomos 9 e 22, estando relacionada com a leucemia mieloide
crônica. A translocação t(9q;22q) resulta na fusão dos proto-oncogene ABL do cro-
mossomo 9 com o gene BCR do cromossomo 22. A proteína de fusão é uma molécula
híbrida que permite que a célula escape do controle do ciclo celular, contribuindo
para o desenvolvimento dessa leucemia. (b) Cariograma de um paciente com leucemia
mieloide crônica, mostrando o cromossomo Philadelphia (22), assinalado pela seta, e
o cromossomo 9 translocado.
Fonte: Borges-Osório e Robinson (2013, p. 401).

Terapias epigenéticas para o câncer


A rápida aquisição de conhecimentos sobre a biologia do câncer levou à
descoberta de alvos totalmente novos e mais específicos para o tratamento
do câncer (como receptores de fatores de crescimento, vias de sinalização
intracelulares, processos epigenéticos, vascularidade dos tumores, defeitos no
reparo do DNA e vias de morte celular). Por exemplo, em muitos tumores, a
proliferação e a sobrevida dependem da atividade constitutiva de uma única via
de fatores de crescimento ou a denominada adicção de oncogenes, de modo que
a inibição dessa via específica leva à morte celular. Assim, o imatinibe ataca
a translocação BCR-ABL singular e específica na leucemia mieloide crônica.
Enquanto isso, os anticorpos monoclonais inibem efetivamente antígenos
associados a tumores, como o receptor her-2/neu amplificado em células de
câncer de mama.
Genética do câncer 19

Além disso, alguns fármacos têm a capacidade de reverter os padrões de


metilação e acetilação do DNA e das histonas. Esses que apresentam a capaci-
dade de inibir a metilação do DNA poderiam reestabelecer o controle do ciclo
celular por meio da reativação de genes silenciados em células cancerígenas.
Enquanto isso, fármacos que inibem a atividades das histona-desacetilases
podem promover um bloqueio do ciclo celular com consequente apoptose das
células cancerígenas. Ambos os mecanismos estão sendo estudados e testados
no tratamento do câncer, sendo que, nesse contexto, destacam-se:

„„ Os nucleosídeos análogos inibidores da metilação do DNA (exemplos:


5-azacitidina e zebularina) se incorporam no DNA durante o processo
de replicação, inibem a metilação, por meio da inibição da enzima
DNMT, e reativam os genes previamente inativados. Essas terapias são
utilizadas para o tratamento das doenças associadas à hipermetilação,
como as síndromes mielodisplásicas e as leucemias.
„„ Os análogos não nucleosídeos inibidores da metilação do DNA (exem-
plos: procaína, procainamida e hidralazina) também estão em fase de
testes, sendo grandes promessas terapêuticas para reverter padrões
alterados de metilação no DNA. Esses fármacos apresentam menor
efeito citotóxico que os nucleotídeos análogos inibidores da metilação
do DNA e não precisam ser incorporadas ao material genético.
„„ O oligonucleotídeos antisense (exemplo: MG98) também promovem
a inibição da DNMT e, dessa forma, promovem a desmetilação de
oncogenes e de genes supressores tumorais. Considerando que as regi-
ões promotoras dos genes supressores tumorais estão frequentemente
hipermetiladas, as terapias que inibem a DNMT têm a capacidade de
reativar esses genes que estavam silenciados nas células cancerígenas.
„„ A maior parte dos compostos inibidores das histona-desacetilases
(HDACs) (exemplo: ácido valproico) apresentam como mecanismo de
ação a interferência no sítio catalítico das enzimas, o que resulta no
bloqueio do reconhecimento do substrato e no acúmulo de histonas
acetiladas. Esses compostos têm sido utilizados em diversos tipos tu-
morais, pois diminuem a taxa de proliferação e aumentam a ocorrência
de apoptose nessas células.

Além disso, combinações de terapias epigenéticas, como a utilização de


agentes desmetiladores associados com HDACs, ou terapias epigenéticas
seguidas de quimioterapias convencionais ou imunoterapias, talvez sejam
mais efetivas, pois elas podem reativar genes silenciados, incluindo genes de
20 Genética do câncer

supressão tumoral, que favorecem a ativação de células para agirem de acordo


com essas terapias, matando as células cancerígenas. Esses exemplos ressaltam
que os novos conhecimentos da biologia do câncer resultarão em estratégias
totalmente novas para a descoberta e o desenvolvimento de fármacos e em
avanços no tratamento dos pacientes (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013;
HILAL-DANDAN; LAURENCE., 2016; KLUG et al., 2012).

BORGES-OSÓRIO, M. R.; ROBINSON, W. M. Genética humana. 3. ed. Porto Alegre: Art-


med, 2013.
HILAL-DANDAN, R.; LAURENCE, L. B. Manual de farmacologia e terapêutica de Goodman
e Gilman. 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2016.
KLUG, W. S. et al. Conceitos de genética. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.

Leituras recomendadas
READ, A.; DONNAI, D. Genética clínica: uma nova abordagem. Porto Alegre: Artmed, 2009.
STRACHAN, T.; READ, A. Genética molecular humana. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
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