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Texto da Rota 2 - Jornalismo na Sociedade

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JORNALISMO E SOCIEDADE

AULA 2

Prof. Guilherme Carvalho


Prof. Mauri König
CONVERSA INICIAL

Estamos de volta. A partir de agora, começamos a analisar questões mais


específicas para sua formação profissional, pois os temas estarão mais focados
na prática. Nos cinco temas a seguir, você participará de um debate a respeito
do jornalismo como forma de conhecimento, treinará a identificação de fatos e a
seleção dos acontecimentos que devem virar notícia, compreenderá os critérios
utilizados pelos jornalistas em relação aos valores de um acontecimento e seu
potencial de notícia e, por último, definirá o que é notícia por meio da
compreensão de sua estrutura.

CONTEXTUALIZANDO

O jornalismo é uma atividade comunicativa que se desenvolve com base


no uso de tecnologias da comunicação, tendo como princípio a transmissão de
informações. Mas, como uma informação, ao ser trabalhada pelo jornalismo,
pode ser uma forma de conhecimento? Antes de mais nada, portanto, é preciso
entender como o jornalismo pode ser uma forma de conhecimento.
Nesse sentido, o jornalismo se torna uma atividade fundamental para a
sociedade. E, para assumir esse papel, o jornalista precisa compreender o que
é um acontecimento digno de virar notícia. Isto é, quais fatos realmente
interessam às pessoas e podem contribuir para uma sociedade melhor.
A primeira etapa do trabalho de qualquer jornalista é identificar um
acontecimento e, diante das várias ocorrências do dia, priorizar qual delas deve
ser transformada em notícia. Isso exige treino. Sobretudo, porque não basta que
a notícia garanta audiência. Antes de publicar algo, o jornalista precisa pensar
na sua responsabilidade como transmissor de informações, já que estas
influenciam a maneira de as pessoas pensarem e agirem no mundo.

PROBLEMATIZAÇÃO

Antes de começarmos a aula, faça o seguinte exercício: reflita de onde


vêm os critérios que os jornalistas utilizam para dizer o que é e o que não é
notícia. Como eles conseguem definir o que deve ou não ser publicado? Parece
difícil responder? Então vamos à aula, para compreender isso.

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TEMA 1 – JORNALISMO COMO CONHECIMENTO

Há quem defenda que o jornalismo é uma daquelas atividades


fundamentais para a existência humana, assim como a medicina, a engenharia
e o direito. Esse argumento baseia-se no fato de que o jornalismo, ao trabalhar
com a informação, contribui para a tentativa do homem de dominar os
fenômenos, sejam eles sociais ou naturais.
Os primeiros registros da existência humana ligada à comunicação, as
pinturas rupestres feitas em cavernas há mais de 30 mil anos, são também
registros das primeiras vidas em grupos sociais. Os desenhos sugerem que os
seres humanos viviam em cavernas, que caçavam em grupo, além de outros
aspectos de seu cotidiano de então.
Segundo indicam esses registros, conseguiram se desenvolver os grupos
que se protegiam de ameaças (de animais e fenômenos naturais), que
armazenavam comida e tinham algum abrigo. Ou seja, aqueles que tinham maior
capacidade de se prevenir. A prevenção tem a ver com se antecipar aos
acontecimentos, calculando o que pode ocorrer. Ainda hoje, a luta diária dos
seres humanos consiste na tentativa de prever determinados acontecimentos e
se preparar para poder sobreviver a eles.

Saiba mais
 O excesso de conhecimento pode controlar o imprevisível? Em um vídeo, o
professor Luís Carlos de Menezes, do Instituto de Física da Universidade de
São Paulo (USP), aborda o tema, de modo fantástico (Aprender, 2010).

Portanto, nos prevenir daquilo que oferece risco à nossa existência liga-
se a um processo de conhecimento, que é gerado com base na aquisição de
informações. É aí que o jornalismo exerce um papel fundamental para a vida
em sociedade, já que se trata de uma atividade cujo principal objetivo é
transmitir informações que permitam prever, mensurar, comparar e calcular
certos acontecimentos de modo que as pessoas possam organizar suas vidas.
Não é possível que um ser humano conheça tudo, esteja em todos os
lugares e possa fazer tudo. A menos que alguém invente uma máquina que nos
permita ser onipresentes, oniscientes e onipotentes, só há uma atividade em
todo o mundo capaz de elevar a nossa existência a algo próximo disso, ainda
que de forma ilusória. Estamos falando do jornalismo, uma atividade que lida

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com informações ligadas diretamente ao princípio do conhecimento com o
objetivo de reduzir os riscos que o desconhecido oferece à nossa existência.
Nesse sentido, trata-se de uma atividade essencial para a existência
humana, não só para prever acontecimentos, mas para o desenvolvimento
social, científico e tecnológico. Essa percepção de um jornalismo que contribui
para um processo evolutivo está de acordo com os preceitos do positivismo,
corrente filosófica para a qual o conhecimento é o que permite o progresso da
sociedade.

Figura 1 – O jornalismo como forma de conhecimento

Fonte: elaborado pelos autores.

Nesse sentido, o jornalismo seria uma atividade essencial para a


existência humana, não só para prever os acontecimentos, mas para o
desenvolvimento social, científico e tecnológico. Esta percepção de um
jornalismo que contribui para um processo evolutivo está de acordo com os
preceitos do positivismo, corrente filosófica para a qual o conhecimento é o
que permite o progresso da sociedade.

Saiba mais
 Entenda o positivismo em Significado ([2011-2018]).

Essa tese foi muito criticada, uma vez que o jornalismo não evita que as
guerras ocorram e milhares de pessoas morram por causa disso. Não impede
que ocorram assassinatos, diferenças sociais, miséria, entre outros problemas.
Em alguns casos, o tipo de jornalismo que se produz contribui justamente para
esse tipo de acontecimento.
Exemplo disso é o que ocorreu após o 11 de setembro de 2001, quando
as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, foram atingidas. A
imprensa promoveu as manifestações de uma parcela grande da população

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estadunidense defendendo a invasão militar do Iraque e do Afeganistão, o que
ocasionou a morte de milhares de pessoas.

Saiba mais
 Assista ao documentário Fahrenheit 11 de setembro (2004), no qual o diretor
Michael Moore mostra como a reprodução do discurso do governo americano
a favor da guerra causou consequências catastróficas.

Quando a informação não está bem apurada ou quando as


consequências da divulgação de um fato não são medidas, os resultados podem
ser muito ruins. Nesse sentido, o jornalismo também é uma atividade de muita
responsabilidade, pois ao mesmo tempo que pode contribuir para o
conhecimento, também pode provocar a distorção da realidade.

Figura 2 – Jornalismo e responsabilidade

Fonte: elaborado pelos autores.

A perspectiva de que o jornalismo também provoca a incompreensão dos


acontecimentos é uma importante análise sobre essa atividade, pois ela busca
ressaltar a responsabilidade do jornalista perante a sociedade.
Por isso, a importância de termos jornalistas com um bom grau de
conhecimento em diferentes áreas, para que se seja cuidadoso com as
informações e, principalmente, capaz de se apurar os acontecimentos para
retransmiti-los com qualidade à sociedade.
Podemos inferir, então, que o jornalismo é uma forma de conhecimento
que funciona em outra dimensão da ciência. Para Genro Filho (citado por
Meditsch, 1997), o jornalismo está estabelecido em um patamar epistemológico
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diferente daquele em que a ciência se encontra. Em outras palavras, a ciência
tem leis que alcançam a universalidade e, por sua vez, o jornalismo é uma forma
de conhecimento daquilo que é singular nos fatos.

Saiba mais
 Leia o artigo de Meditsch (1997), sobre o jornalismo como conhecimento.

TEMA 2 – SELEÇÃO DOS ACONTECIMENTOS

O que é entendido como acontecimento, pelos jornalistas? O que pode


virar notícia? No livro Fato social e divisão social do trabalho, Émile Durkheim
(2007) define acontecimento como um fato natural ou social. Para ele,
acontecimento é todo fenômeno que ocorre na sociedade e que desperta
interesse social. Assim, é preciso separar os fatos do cotidiano (comer, dormir,
trabalhar, estudar) dos acontecimentos que fogem do comum.
Portanto, o fato ou fenômeno social é um acontecimento que foge da
normalidade e é digno de ser estudado ou noticiado, justamente porque tem o
poder de despertar algum tipo de curiosidade nas pessoas.
No jornalismo, quando falamos de acontecimentos estamos falando
daquilo que ocorre na sociedade ou na natureza com potencial para chamar a
atenção. O interesse das pessoas em determinados acontecimentos está
relacionado à necessidade que temos de prever os fatos e de compreender o
que levou àquele resultado.
Por que nos interessa tanto saber os motivos que levam um filho a matar
o próprio pai? Por que buscamos saber mais sobre o que causou a queda de um
avião? Por que nos preocupa tanto o atendimento de saúde? Por que as pessoas
se interessam pelo lançamento de um novo plano com políticas para a
economia?
Porque esses acontecimentos mexem diretamente com o interesse
humano, com nosso futuro, com nossa qualidade de vida e nossa sobrevivência.
No fundo, queremos entender o que causa doenças, perigos e riscos à vida
porque queremos nos prevenir de algum mal que possa ocorrer a nós mesmos
ou aos nossos amigos e familiares.
A partir do momento em que estamos informados sobre o que causa
determinados fatos, somos levados a agir com cautela para evitar que sejamos

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expostos a situações ruins e para melhorar a nossa qualidade de vida. É aí que
o jornalismo entra.
O “trazer à tona”, trazer para a superfície, é uma analogia para explicar
que existem acontecimentos que estão submersos, escondidos ou que não
estão visíveis. O jornalismo permite que as pessoas tenham acesso a
determinadas informações que não podem ser vistas ou percebidas sem que
haja um trabalho de apuração, investigação, construção e transmissão delas.
Toda reportagem publicada ou veiculada por um meio de comunicação é
movida por um determinado acontecimento. Não existe notícia sem
acontecimento. Leia a reportagem sobre um acontecimento que virou notícia
internacional (OMS, 2015).
Após a leitura, você pode ter concluído que o acontecimento é o fim da
epidemia do ebola. Mas, um olhar mais atento nota que, na verdade, o que gerou
a notícia não foi o fim do vírus, pois não há como o jornalista comprovar isso. O
fato principal é o anúncio da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que, em
Serra Leoa, a doença foi erradicada. O comunicado feito numa cerimônia na
capital do país é o acontecimento gerador da notícia.
A compreensão de quais acontecimentos geram notícias é fundamental
para qualquer jornalista. Muitas vezes, isso vem com treino e tempo. É preciso
treinar os olhos, os ouvidos e a mente para saber aquilo que tem potencial para
virar notícia. O primeiro passo é identificar os acontecimentos, sobretudo os que
fogem do comum e têm potencial para despertar o interesse das pessoas.

Saiba mais
 Você já deve ter ouvido que “um cachorro morder um homem não é notícia;
mas, quando um homem morde um cachorro, aí sim é notícia”. Por quê?
Porque, quando um cachorro morde um homem, a não ser que ele seja
alguém famoso ou que a mordida tenha causado a sua morte, o caso não foge
do comum. Pessoas são mordidas por cachorros todos os dias. Mas, quando
um homem morde um cachorro, aí temos algo que sai do comum, porque
ninguém espera que isso aconteça.

De volta à notícia sobre o anúncio da OMS (2015), por que um


acontecimento como esse poderia despertar a atenção das pessoas? O caso
ocorreu em outro continente, envolvendo pessoas que nem conhecemos. Ainda
assim, essa notícia figurou com destaque na home do site.

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A resposta envolve uma série de fatores considerados legítimos pela
maior parte das pessoas. Por exemplo, a OMS é um órgão de relevância em
todo o mundo por apontar critérios que devem ser adotados pelos países a fim
de garantir a qualidade da saúde das pessoas. Além disso, o anúncio refere-se
a uma doença com alto poder de morte, cujo vírus pode ser contraído por
qualquer ser humano, independentemente de cor, raça, credo ou classe social.
Ou seja, qualquer pessoa está sujeita a contrair o vírus.
Mas, se acontecimento para o jornalismo é tudo aquilo que foge do
comum, o que há de diferente no que foi noticiado (OMS, 2015)?
A novidade nesse caso é que se trata de um país com histórico de um alto
grau de mortes por ebola e em que, depois de várias medidas adotadas, houve
uma mudança na curva dos gráficos, apontando a redução de pessoas
contaminadas e mortas pela doença. Se não fossem realizadas essas medidas,
o vírus continuaria matando pessoas (OMS, 2015).
Existem dois tipos de acontecimentos que viram notícias: o fato-notícia e
o fato-ruptura.

 Fato-notícia: a organização de uma cerimônia para anunciar os dados,


como na notícia do fim da epidemia do ebola (OMS, 2015), é o que se
pode entender como fato-notícia. Ou seja, são acontecimentos
preparados, organizados, elaborados para que se tornem notícias.

 Fato-ruptura: são acontecimentos que não são previstos. A queda de um


avião, um acidente de carro, o resultado de um jogo de futebol. Esses são
os chamados fatos-ruptura, isto é, aqueles que fogem da normalidade e
que também se tornam notícias.

Podemos considerar que a notícia só pode existir por meio dos


acontecimentos; mas, o contrário também vale? Isto é, todo acontecimento é
noticiado? Todos os dias, uma série de acontecimentos relevantes ocorrem na
nossa cidade, no nosso estado e no nosso país. No entanto, nem todos serão
noticiados. Você sabe por quê? Há uma série de motivos para que
acontecimentos não se tornem notícias.
Pode ser por falta de tempo ou espaço no veículo de comunicação,
desinteresse do jornal por determinado tema, interesses políticos e econômicos
que pesam na hora de falar de certos assuntos ou incapacidade da imprensa de
cobrir todos os fatos do dia. Assim, o jornalismo é uma atividade que tem como

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uma de suas principais atividades a escolha ou seleção de acontecimentos que
serão noticiados. Essa escolha é motivada por uma série de fatores que podem
ser entendidos como critérios de noticiabilidade, que veremos no tema seguinte.

TEMA 3 – OS CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE

Você já leu ou ouviu a frase “good news is bad news” (“notícias boas são
notícias ruins”)? Esse é o título do livro do jornalista e filósofo norte-americano
Jeremy Iggers. Ele critica um tipo de jornalismo em que notícias ruins (tragédias,
mortes, roubos...) ganham maior espaço nos meios de comunicação, uma vez
que chamam mais a atenção e vendem mais.
A crítica de Iggers relaciona-se à lógica de funcionamento dos meios de
comunicação, em que a concorrência pela audiência determina qual tipo de
acontecimento ganha cobertura. O princípio básico é que a audiência é
determinante para a venda de publicidade e, portanto, para o sucesso do
negócio. Então, as notícias “ruins” seriam as “boas”, financeiramente falando.

Proposta de estudo
 Analise a edição de um telejornal. Classifique as notícias entre aquelas que
relatam acontecimentos bons e aquelas que relatam acontecimentos ruins,
depois analise se a teoria de Iggers se encaixa em sua pesquisa.

Os estudos que buscam identificar quais acontecimentos podem virar


notícia expressam uma preocupação social e mercadológica com compreender
como pensam jornalistas, donos de meios de comunicação e o funcionamento
da rotina produtiva na profissão.
Esses três fatores são os que mais determinam o que será ou não
veiculado. A primeira teoria exclusivamente jornalística sobre esse tema é a
teoria do gatekeeper ou teoria da ação social. Surgiu por volta de 1950 e foi
desenvolvida por David Manning White, nos Estados Unidos.

Nesta teoria, o processo de produção da informação é concebido como


uma série de escolhas em que o fluxo de notícias precisa passar por
diversos gates (‘portões’) que são áreas de decisão em relação às
quais o jornalista (o gatekeeper) escolhe se um acontecimento virará
ou não uma notícia. Se a decisão for positiva, a notícia passa pelo
‘portão’; se não for, a sua progressão é impedida, o que na prática
significa a sua ‘morte’, já que ela não será publicada, pelo menos
naquele órgão de informação (Traquina, 2013, p. 152)

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Em linhas gerais, essa teoria diz que, no trabalho jornalístico, existe um
processo de seleção de fatos que serão transformados em notícia, que serão
publicados. O jornalista seria um “porteiro”, que define o que passa ou não pelo
“portão”. Com base na teoria do gatekeeper, desenvolveram-se vários estudos
que buscam identificar o que é considerado notícia, pelos jornalistas. Eles
apontam que existem certos critérios para isso.

Os critérios de noticiabilidade são um conjunto de valores-notícias


que determinam se um acontecimento ou assunto é susceptível de se
tornar notícia, isto é, se deve ser julgado como merecedor de ser
transformado em matéria noticiável e possuir o ‘valor-notícia’
(newsworthiness). (Traquina, 2013, p. 61)

Valor-notícia é a capacidade de um dado acontecimento ser


transformado em notícia. Nesse sentido, alguns fatos são mais noticiáveis do
que outros. Analise os exemplos a seguir. A morte de um ator famoso por câncer
tem mais valor-notícia do que a morte de um cidadão comum pela mesma
doença. A queda de um avião tem mais valor-notícia do que mortes em acidentes
de trânsito. A prática de adultério por um religioso tem mais valor-notícia do que
a mesma prática cometida por um de seus fiéis.
Então, o que determina quais fatos podem ou não virar notícia são certas
previsões que um jornalista faz sobre um acontecimento, seja pelo seu potencial
de gerar audiência ou pela sua capacidade de repercussão.
O cientista Nelson Traquina (2013) mostra que, à medida que o jornalismo
foi se desenvolvendo, houve uma redefinição do que pode virar notícia. Nos
primórdios do jornalismo, em meados do século XIX, os acontecimentos
relacionados aos interesses das elites europeia e norte-americana eram os que
seriam transformados em notícia, e as informações tidas pela imprensa como as
mais relevantes eram essencialmente econômicas e políticas.
A virada ocorreu na segunda metade do século XIX, quando surgiu a
chamada penny press, jornal vendido a 1 penny (em torno de 1 centavo), mais
barato que os outros. Os de 1 penny propunham uma mudança nas fontes de
receita. Ao contrário dos jornais voltados à elite, a proposta era produzir notícias
populares de modo a ter um alto potencial de venda para atrair anunciantes
interessados no público de menor poder aquisitivo.
Com a popularização da notícia, outros assuntos passaram a ser tratados
para atender a vários interesses do público, como crimes, tragédias, escândalos
e notícias do homem comum. Surgiu então um jornalismo de fait divers (fatos

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diversos), voltado a assuntos de interesse do cidadão das classes médias. Ao
mesmo tempo, nasce o sensacionalismo, no jornalismo.
As notícias se tornam mais acessíveis, mais objetivas, menos complexas
para permitir que qualquer pessoa as pudesse ler e assim compreender os
acontecimentos relatados. Esse tipo de jornal se tornou um grande negócio,
reconfigurando todo o mercado da comunicação e, sobretudo, o que se
compreende por jornalismo.
O resultado disso é que o jornalismo passou a abranger uma gama maior
de acontecimentos que podem virar notícia, partindo do princípio de que os
critérios de seleção passaram a ser determinados pelo interesse do público. Ao
longo dos anos, esses critérios foram sendo desenvolvidos, treinados,
experimentados até que se chegasse a determinados temas que repetem as
condições de potencial de audiência.
Segundo Traquina (2013), essa percepção sobre os fatos constitui o que
ele chama de óculos particulares dos jornalistas. Em outros termos, os jornalistas
têm uma maneira própria de perceber os acontecimentos e que é diferente da
do restante das pessoas.
Imagine um acidente entre dois ônibus. O cidadão que o presenciou
procura ver se há feridos, talvez se pergunte sobre a causa. O jornalista se
pergunta o que aconteceu, como aconteceu, por que aconteceu, quem estava
envolvido, qual a versão dos motoristas e a dos passageiros, se há testemunhas,
qual o número de mortos e feridos, qual a versão da polícia, o que os socorristas
acharam, o que o órgão de trânsito tem a dizer, quais os índices de acidente
envolvendo ônibus, quantos acidentes já ocorreram naquela esquina, se existem
imagens de câmeras de segurança etc.
Todas essas questões são fundamentais para o jornalista construir bem a
narrativa, de modo que possa selecionar o que deve ou não fazer parte da
notícia. Por essência, essa escolha tem a ver com o público para quem a notícia
será produzida.
Assim, os critérios de noticiabilidade sempre levam em consideração
cinco aspectos básicos:

 o público ao qual se destina determinada notícia;

 o grau de conhecimento acumulado pelo jornalista;

 a relevância social do fato;

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 outros acontecimentos parecidos;

 o potencial de gerar audiência.

Saiba mais
Para aprofundar o tema, leia:

 TRAQUINA, N. Teorias do jornalismo: a tribo jornalística – uma comunidade


interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular, 2013. cap. 2. p. 59-66.

TEMA 4 – OS VALORES-NOTÍCIA

Os valores-notícia são acontecimentos com potencial de virarem notícias,


por possuírem qualidades e características que despertem o interesse das
pessoas em consumir/ler/assistir/ouvir o conteúdo veiculado. Qual a importância
de um jornalista compreender e dominar os valores-notícia?
A toda hora, há muitos acontecimentos e nem todos poderão ser
noticiados. Diante disso, o jornalista precisa saber o que é mais importante ou
mais relevante, entre tantos fatos que podem virar notícia. Os valores-notícia
permitem que ele, principalmente o “foca”, que acabou de iniciar a profissão,
tenha condições de perceber um fato com alto valor de notícia, sem depender
da experiência profissional ou do chamado faro jornalístico.

4.1 Quanto vale uma notícia?

Os valores-notícia cumprem um papel fundamental para as empresas de


comunicação, pois contribuem para a seleção dos assuntos com potencial de
audiência, ajudando na sustentação financeira do negócio. O jornalista deve ter
em mente que fatos com valor são aqueles que vendem, e aí dá para dizer que
o valor da notícia também se associa ao seu valor monetário.
De acordo com Traquina (2013), os valores-notícia podem ser divididos
em dois tipos: os de seleção e os de construção.

 Valores-notícia de seleção: são critérios que os jornalistas utilizam na


seleção dos acontecimentos, ou seja, o processo que envolve a decisão
de transformar um acontecimento em notícia ou descartá-lo.

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 Valores-notícia de construção: são os critérios utilizados no momento
de construir a notícia com base no acontecimento e que contribuem para
dar valor ao produto final.

Os valores-notícia de seleção estão divididos em outros dois critérios: os


substantivos e os contextuais.

 Valores-notícia de seleção (critérios substantivos): são acontecimentos


que têm valor pela sua capacidade de chamar a atenção de qualquer
pessoa, em qualquer lugar.

 Valores-notícia de seleção (critérios contextuais): são acontecimentos


ligados a determinados contextos, cujo valor depende da situação em que
determinado fato ocorre.

Agora, veja a classificação de Traquina (2013) dos diferentes tipos de


valores-notícia, tendo em vista os acontecimentos que envolvem cada um.

4.2 Valores-notícia de seleção – critérios substantivos

 Morte

 Notoriedade do ator principal

 Proximidade em termos geográficos e culturais

 Relevância para a vida das pessoas

 Novidade, o que é dito pela primeira vez

 Tempo, atualidade dos fatos ou duração da abordagem de uma notícia

 Notabilidade, algo que seja visível, o que não é normal

 Inesperado, que é surpreendente

 Conflito ou controvérsia, violência física ou simbólica;

 Infração, violação e transgressão de regras (crimes de grupos marginais,


por exemplo)

 Escândalo, associação com infração envolvendo famosos.

4.3 Valores-notícia de seleção – critérios contextuais

 Disponibilidade, facilidade para se fazer a cobertura


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 Equilíbrio, quantidade de notícias sobre um certo acontecimento ou
assunto

 Visualidade, elementos visuais que podem ser usados

 Concorrência entre as empresas jornalísticas

 Dia noticioso, concorrência entre os acontecimentos

4.4 Valores-notícia de construção

 Simplificação, facilidade de compreensão de um acontecimento ou


assunto

 Amplificação, capacidade de uma notícia ser vista, lida ou ouvida

 Relevância, sentido do acontecimento

 Personalização, presença de pessoas

 Dramatização, reforço do lado emocional

 Consonância, inserção do acontecimento em uma narrativa já


estabelecida

Atividade prática
 Leia a matéria de Pains (2015) e liste seus valores-notícia de seleção e de
construção.

Feedback do professor: entre os valores-notícia de seleção estão a


morte e a relevância. E, entre os valores-notícia de construção, estão a
simplificação, a amplificação, a relevância e a personalização.
Os valores-notícia não devem ser usados como regra única para a
seleção de fatos. Às vezes, um acontecimento não cumpre esses critérios, mas
tem capacidade de atrair atenção das pessoas e ninguém sabe explicar
exatamente o porquê. Em alguns casos, como no jornalismo segmentado, o fato
mais importante é diferente daquele que interessa ao público em geral.
Outros fatores influenciam esses critérios, como a linha editorial do
veículo (a diretriz ideológica) e questões estruturais, como a disposição de
recursos para cobrir os acontecimentos e o tempo e o espaço disponíveis para
as notícias do dia.

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Os estudos sobre valores-notícia fazem parte da chamada teoria do
newsmaking (o fazer a notícia), que compreende as rotinas de produção
jornalísticas na elaboração das notícias.

Saiba mais
 Leia o texto Teoria newsmaking ([2016?]) para saber mais sobre o assunto.

TEMA 5 – DEFINIÇÃO DE NOTÍCIA

Afinal de contas, o que é uma notícia?


Notícia vem do latim notitia, que significa dados, informação. Para o
jornalismo, é uma narração que representa um acontecimento ligado a um fato
de interesse do público. Atenção: só podemos considerar notícia o que foi
apurado e construído textualmente com a finalidade de ser veiculado.
Veja quais são as características da notícia:

 É atual: aborda assuntos novos, do mesmo dia ou do anterior.

 Parte do particular para o geral: relaciona fatos específicos com os gerais.

 Dedica-se exclusivamente aos dados essenciais: fornece as informações


essenciais para a compreensão do público, já que não é possível
descrever tudo o que houve.

 É narrada em frame: fatos estruturados em capítulos facilitam a leitura.


Informações que não alteram de modo significativo a compreensão do
público são eliminadas.

 Relata o assunto formalmente: texto usa uma linguagem formal, para dar
seriedade ao que está sendo informado.

 É sintetizada: os acontecimentos são resumidos em poucas linhas de


texto ou em alguns minutos.

 É compreensível: a notícia precisa ser clara para que o processo de


comunicação seja cumprido.

Agora veja como alguns pesquisadores abordam a notícia:

 Miquel Alsina (2009): “A notícia é uma representação social da realidade


cotidiana, gerada institucionalmente e que se manifesta na construção de
um mundo possível”.

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 Nilson Lage (2006): “O repórter, além de traduzir, deve confrontar as
diferentes perspectivas e selecionar fatos e versões que orientem o leitor
diante da realidade”.

 Ronaldo Henn: “Sendo signo, a notícia integra uma cadeia semiótica que
inicia no acontecimento e prossegue seu percurso mesmo depois de ser
efetivamente veiculada”.

 Ricardo Noblat: “Notícia na verdade é tudo o que os jornalistas escolhem


para oferecer ao público”.

 Ciro Marcondes Filho: “Notícia é informação transformada em


mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais e
sensacionais; para isso ela sofre um tratamento que a adapta às normas
mercadológicas”.

Com base nessas citações, percebe-se que a notícia pode ser entendida
como uma representação da realidade, cuja proposta é constituir um produto
jornalístico a ser vendido. É fundamental que preserve certas qualidades que
garantam o seu valor. Por exemplo, deve demonstrar que está fundamentada na
verdade sobre os acontecimentos. Como isso é possível? Por meio de
declarações de testemunhas, de pessoas envolvidas no fato ou de especialistas
em determinado assunto.
O jornalista pode recorrer ainda a documentos e citar trechos, dizendo de
onde retirou a citação. Pode usar dados de organizações ou instituições
reconhecidas socialmente, como índices de preços ou dados sobre a população.
Assim, a notícia precisa ser credível, digna de se acreditar que a informação
escrita, filmada, falada ou fotografada realmente aconteceu.
Além dos recursos apresentados, para afirmar a veracidade de uma
notícia, podem ser considerados aspectos como o prestígio do veículo em que
ela é publicada, a plataforma utilizada (TV, rádio, impresso ou internet), o
jornalista que produziu a notícia etc.
A proximidade com a realidade é o fator mais importante na produção de
uma notícia. Porém, o modo como ela é contada também é considerável, já que
a narrativa precisa estar encadeada de maneira que permita às pessoas
entenderem o que houve e tirarem suas próprias conclusões.

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Atividade
 Leia a notícia Ele foi o único passageiro a bordo de um 737 – e voou na classe
turística (2015) e procure os aspectos que garantam a sua veracidade.
Feedback do professor
 Entre os elementos que garantem veracidade para a notícia estão a fotografia,
a descrição detalhada do voo, o uso das aspas na declaração de uma
testemunha, os dados numéricos, o comunicado da empresa e os créditos da
BBC (Ele foi, 2015).

A notícia, em geral, é composta de alguns elementos básicos:

 Título: composto por palavras-chave que definem o fato. Deve chamar a


atenção do público.

 Lead: composto por seis perguntas básicas que visam fornecer as


informações básicas sobre um acontecimento, de maneira clara e
objetiva. As perguntas são: quem? Quando? Como? Onde? O que é? Por
quê? Geralmente, as respostas estão disponíveis no primeiro parágrafo
da notícia.

 Texto: é tudo aquilo que pode ser entendido como conteúdo próprio do
jornalista, ou seja, sua narrativa. Na tevê ou no rádio, pode ser o que se
chama de off.

 Fontes: pessoas, instituições ou organizações que devem ser ouvidas


para cederem informações importantes para a construção de uma notícia.
Geralmente, suas falas aparecem em forma de declarações (entre aspas),
no texto, ou em entrevistas na tevê ou no rádio.

 Dados: é toda informação disponível da notícia, como números, relatos,


gráficos, declarações, entre outros.

 Imagens: fotografadas ou em movimento (para tevê ou internet). São tão


importantes quanto o próprio texto, já que determinam a compreensão e
a veracidade do conteúdo. A notícia também pode ser composta de
infográficos ou ilustrações.

Leitura obrigatória
 LAGE, N. Estrutura da notícia. 6. ed. São Paulo: Ática, 2006. cap. 4. p.
17-27.

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TROCANDO IDEIAS

O que faz determinado acontecimento virar notícia e outro não? Aproveite


os conhecimentos que você acabou de receber e leia a reportagem de König e
Cruz (2016). Depois, procure identificar quais foram os critérios de noticiabilidade
que fizeram com que o assunto nela retratado ganhasse importância nacional.

NA PRÁTICA

Você percebeu que nem todo acontecimento pode ser transformado em


notícia. Uma série de fatores influencia essa decisão. O jornalismo não consegue
contar todos os fatos do dia. Por outro lado, o jornalista pode ajudar as pessoas
a identificarem aqueles que são mais relevantes para elas.
Pesquise na internet os principais sites de jornalismo do país e crie um
ranking das notícias mais importantes do mês (ou das mais acessadas). Em
seguida, faça uma breve descrição apontando quais valores-notícia foram
fundamentais para tornar essas notícias tão visualizadas.

FINALIZANDO

Hoje você aprendeu quando um acontecimento pode ser transformado em


notícia. Também compreendeu como uma notícia deve ser apresentada, com
base em sua conceituação. Para aprofundar esse conhecimento, fez alguns
exercícios sobre esse tema, em que pôde treinar o seu “faro jornalístico”.
Nesta aula, você também percebeu como o jornalismo é uma atividade
que lida com escolhas. Precisamos decidir qual acontecimento será ou não
investigado, saber com quais pessoas devemos falar, o que perguntar a elas e
a melhor maneira de estruturar as informações. Essas questões fazem do
jornalismo uma profissão muito importante, que exige responsabilidade.
Continue os estudos e embarque nessa fantástica profissão!

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REFERÊNCIAS

ALSINA, M. A construção da notícia. Petrópolis: Vozes, 2009.

APRENDER com o imponderável: Luis Carlos Menezes at TEDxUSP. TEDx


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2007.

ELE FOI o único passageiro a bordo de um 737 – e voou na classe turística. O


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<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/08/ele-foi-o-unico-passageiro-a-
bordo-de-um-737-e-voou-na-classe-turistica.html>. Acesso em: 19 dez. 2018.

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<https://teoriasdacomunicacao2.wordpress.com/teoria-newsmaking/>. Acesso
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