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Literatura e Leitura Infantil e Juvenil LIVRO

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Curso de Bacharelado em

Biblioteconomia na Modalidade
a Distância

Martha Eddy Krummenauer Kling Bonotto

Literatura e Leitura
Infantil e Juvenil

Semestre

3
Curso de Bacharelado em Biblioteconomia
na Modalidade a Distância

Martha Eddy Krummenauer Kling Bonotto

Literatura e Leitura
Infantil e Juvenil

Semestre

3
Brasília, DF Rio de Janeiro
Faculdade de Administração
e Ciências Contábeis
Departamento
de Biblioteconomia

2018
Permite que outros remixem, adaptem e criem a partir do seu trabalho para fins não
comerciais, desde que atribuam o devido crédito ao autor e que licenciem as novas
criações sob termos idênticos.

Presidência da República Leitor


Rovilson José da Silva
Ministério da Educação
Comissão Técnica
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Célia Regina Simonetti Barbalho
Helen Beatriz Frota Rozados
Superior (CAPES) Henriette Ferreira Gomes
Marta Lígia Pomim Valentim
Diretoria de Educação a Distância (DED)
Comissão de Gerenciamento
Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) Mariza Russo (in memoriam)
Ana Maria Ferreira de Carvalho
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria José Veloso da Costa Santos
Nadir Ferreira Alves
Núcleo de Educação a Distância (NEAD)
Nysia Oliveira de Sá
Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (FACC) Equipe de apoio
Eliana Taborda Garcia Santos
Departamento de Biblioteconomia
José Antonio Gameiro Salles
Maria Cristina Paiva
Miriam Ferreira Freire Dias
Rômulo Magnus de Melo
Solange de Souza Alves da Silva

Coordenação de
Desenvolvimento Instrucional
Cristine Costa Barreto

Desenvolvimento instrucional
Renata Vittoretti

Diagramação
Patricia Seabra

Revisão da língua portuguesa


Beatriz Fontes

Projeto gráfico e capa


André Guimarães de Souza
Patricia Seabra

Normalização
Dox Gestão da Informação

B719l Bonotto, Martha Eddy Krummenauer Kling.


Literatura e leitura infantil e juvenil / Martha Eddy Krummenauer Kling Bo-
notto; [leitor] Rovilson José da Silva. – Brasília, DF : CAPES : UAB ; Rio de Janeiro,
RJ : Departamento de Biblioteconomia, FACC/UFRJ, 2018.
132p.: il.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-85229-63-4 (brochura)
ISBN 978-85-85229-62-7 (e-book)

1. Literatura infantil. 2. Literatura juvenil. I. Silva, Rovilson José da. II. Título.

CDD 028.5
CDU 028.8

Catalogação na publicação por: Solange Souza CRB-7 / 6646


Caro leitor,
A licença CC-BY-NC-AS, adotada pela UAB para os materiais didá-
ticos do Projeto BibEaD, permite que outros remixem, adaptem e criem a
partir desses materiais para fins não comerciais, desde que lhes atribuam
o devido crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos.
No interesse da excelência dos materiais didáticos que compõem o Curso
Nacional de Biblioteconomia na modalidade a distância, foram empreen-
didos esforços de dezenas de autores de todas as regiões do Brasil, além
de outros profissionais especialistas, a fim de minimizar inconsistências e
possíveis incorreções. Nesse sentido, asseguramos que serão bem recebi-
das sugestões de ajustes, de correções e de atualizações, caso seja iden-
tificada a necessidade destes pelos usuários do material ora apresentado.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – As múltiplas leituras que fazemos diariamente


são parte visceral de nossas vidas............................................ 11

Figura 2 – A criança se apropria do mundo através de seu aprendizado


e domínio da palavra. Quando aprende a ler, tem
primeiramente a tarefa de decifrar as letras, descobrir as
palavras e depois juntá-las em frases. Sua compreensão
do significado do texto será primeiro mais literal, e a
compreensão do seu sentido, mais gradual............................. 16

Figura 3 – No nível sensorial de leitura, são os sentidos que leem: a


visão, o tato, a audição, o olfato e o gosto entram em ação.
É a nossa primeira forma de leitura do livro. Isso porque o
livro, antes de ser um texto escrito, é um objeto: tem forma,
cor, textura, volume, cheiro. Para a criança, esse contato
sensorial com o objeto livro, visto por ela muitas vezes como
brinquedo, é extremamente salutar ....................................... 17

Figura 4 – Toda leitura, desde cedo, provoca emoção: descobertas,


alegrias, tristezas. Gostamos ou não gostamos por motivos
pessoais ou por características do próprio texto............................ 18

Figura 5 – Literatura infantil: o conjunto de todos os livros infantis


publicados? Qual é sua resposta?............................................... 25

Figura 6 – A Poética (em grego antigo: Περὶ ποιητικῆς; em latim:


poiétikés), provavelmente registrada entre os anos 335 a.C. e
323 a.C. é um conjunto de anotações das aulas
de Aristóteles sobre o tema da poesia e da arte em sua
época, pertencentes aos seus escritos acroamáticos (para
serem transmitidos oralmente aos seus alunos) ou esotéricos
(textos para iniciados) ............................................................ 26

Figura 7 – A literatura infantil apresenta qualidade literária e é


adequada à criança, além de incluir obras que têm não só o
texto, mas também a ilustração de qualidade......................... 29

Figura 8 – Página de Calila e Dimna (Manuscrito


del Calila y Dimna – España, 1251-1261)................................ 32

Figura 9 – Frontispício de Novos contos


de fadas ou As fadas em moda............................................... 37

Figura 10 – O livro Contos de Mamãe Gansa traz na capa a


representação de mulheres que contavam histórias e inclui
as famosas Bela adormecida, Chapeuzinho vermelho, Barba
Azul, Gato de Botas, As fadas, Gata borralheira, Rique do
Topete e Pequeno Polegar..................................................... 38

Figura 11 – Robinson Crusoé conta a história de um náufrago que vive


por quase 30 anos em uma ilha habitada por canibais. As
viagens de Guliver narram as experiências do personagem
título na fictícia ilha de Lilliput habitada por pessoas
minúsculas, de aproximadamente 15 cm de altura.................. 42

Figura 12 – Capa da primeira parte de: Kinder und Hausmärchen (1812).. 43

Figura 13 – Retrato de Hans Christian Andersen....................................... 44


Figura 14 – Pinóquio conta a história de um boneco de madeira feito
por um carpinteiro de nome Gepeto, e que sonhava ser
um menino de verdade. Já a história de Alice no País das
Maravilhas narra as aventuras da menina que cai em uma
toca de coelho e é transportada a um mundo utópico cheio
de criaturas fantásticas e que pensam a partir da lógica do
absurdo.................................................................................. 45

Figura 15 – A menina do narizinho arrebitado, de Monteiro Lobato: o


marco fundador da literatura infantil no Brasil........................ 48

Figura 16 – As caçadas de Pedrinho e Viagem ao céu: obras clássicas da


literatura infantil, de Monteiro Lobato.................................... 49

Figura 17 – Caricatura de Monteiro Lobato............................................... 49

Figura 18 – Em 1947, Bryna e Louis Untermeyer, um casal de editores


americanos, compilaram uma coleção de 71 histórias que
acreditavam representar as melhores e mais duradouras
obras da literatura infantil existentes. Diversos artistas
ilustraram contos de Andersen, dos Irmãos Grimm e de
Perrault, dentre outros. Poo-Poo e os dragões, do romancista
inglês Cecil Scott Forester – originalmente publicado em
1942 – faz parte da coletânea lindamente ilustrada................ 55

Figura 19 – Introdução do Orbis sensualium pictus,


edição bilíngue de 1658......................................................... 56

Figura 20 – Chapeuzinho e o lobo............................................................ 56

Figura 21 – O flautista de Hamelin, A bela e a fera, Chapeuzinho


vermelho, Cinderela................................................................ 58

Figura 22 – A princesa e o grão de ervilha, João e Maria........................... 59

Figura 23 – The House that Jack Built (1820)............................................. 59

Figura 24 – Primórdios da ilustração no Brasil: revista


O Tico-Tico (1905) inspirada na publicação francesa
La Semaine de Suzette (1905-1960).......................................... 61

Figura 25 – A menina do narizinho arrebitado (1920)............................... 62

Figura 26 – A vida e as aventuras de Robinson Crusoé.............................. 68

Figura 27 – Daniel Defoe e Jonathan Swift................................................ 69

Figura 28 – Frontispício da edição de 1735 de As viagens de Gulliver........ 70

Figura 29 – Gulliver descobre Laputa, a ilha voadora................................. 70

Figura 30 – Julio Verne e Mark Twain........................................................ 71

Figura 31 – Carlo Collodi e Lewis Carroll................................................... 73

Figura 32 – Charles Dickens e Robert Louis Stevenson............................... 74

Figura 33 – Visite o site da Fundação Nacional do Livro Infantil e juvenil


(FNLIJ) e explore seu acervo de livros de literatura infantil e
juvenil, publicados no Brasil.................................................... 85

Figura 34 – O Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER) tem


por finalidade contribuir para a ampliação do direito à
leitura, constituindo, dentro e fora da biblioteca e da escola,
uma sociedade leitora na qual a participação dos cidadãos
no processo democrático seja efetiva ..................................... 86
Figura 35 – O Programa Nacional Biblioteca da Escola divide-se em três
ações: PNBE Literário, que avalia e distribui as obras
literárias; PNBE Periódicos, que avalia e distribui periódicos
de conteúdo didático e metodológico para as escolas da
educação infantil, ensino fundamental e médio, e o PNBE do
Professor, que tem por objetivo apoiar a prática pedagógica
por meio da avaliação e distribuição de obras de cunho
teórico e metodológico........................................................... 86

Figura 36 – Os quatro eixos do Plano Nacional do Livro e da Leitura


(PNLL) são democratização do acesso, fomento à leitura,
fomento à formação de mediadores e desenvolvimento da
economia do livro................................................................... 87

Figura 37 – O prêmio Jabuti teve o nome inspirado pelo personagem


de Monteiro Lobato que ganhou vida em suas Reinações de
Narizinho como uma tartaruga vagarosa, mas obstinada e
esperta, cheia de tenacidade para vencer obstáculos, para
enganar concorrentes mais bem-dotados e chegar à frente
ao fim da jornada. Com essas credenciais, ganhou também a
simpatia e a preferência dos dirigentes da Câmara Brasileira
do Livro, que o elegeram para inspirar e patrocinar um
prêmio para homenagear e promover o livro.......................... 87

Figura 38 – Busto de Esopo no Museu Pushkin, na Rússia......................... 89

Figura 39 – O pintor realista italiano Salvatore Postiglione retrata –


em uma de suas obras mais conhecidas (Cena de narração
de Decameron) – um dos narradores das histórias que
compõem o Decameron, escrito, entre 1348 e 1353, por
Giovanni Boccaccio. A tela mostra um dos três rapazes que,
junto com sete moças, formam o grupo que se abriga em
uma vila isolada de Florença para fugir da peste negra, que
afligia a cidade. Para passar o tempo, ao longo de 10 dias, os
10 jovens se alternam, contando histórias que perfazem um
total de 100 na obra............................................................. 119

Figura 40 – Se a contação de histórias tradicional não traz grande apelo


para o público juvenil, sua versão digital (digital storytelling
ou contação de histórias digital) traz para a arte de contar
histórias ferramentas tecnológicas, como tablets, desktops,
câmeras digitais e smartphones. O que parece uma forma de
diversão ou de arte pode ensinar para o estudante diversas
habilidades essenciais para seu sucesso profissional.............. 120
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA.................................................................. 11
1 UNIDADE 1: AS MÚLTIPLAS LEITURAS QUE FAZEMOS............................ 13
1.1 OBJETIVO GERAL................................................................................................. 13
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...................................................................................... 13
1.3 A LEITURA DO MUNDO E A LEITURA DA PALAVRA.......................................... 15
1.4 DIFERENTES NÍVEIS E OBJETOS DE LEITURA....................................................... 17
1.4.1 Atividade.............................................................................................................. 20
RESUMO.............................................................................................................. 21
2 UNIDADE 2: O UNIVERSO DA LITERATURA E DO LIVRO INFANTIL ...... 23
2.1 OBJETIVO GERAL................................................................................................. 23
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...................................................................................... 23
2.3 LITERATURA: UMA FORMA DE CONHECIMENTO DO HUMANO...................... 25
2.3.1 Atividade.............................................................................................................. 28
2.4 A LITERATURA INFANTIL...................................................................................... 29
2.4.1 Atividade.............................................................................................................. 31
2.4.2 Como tudo começou........................................................................................... 31
2.4.3 Madame d’Aulnoy e os contos de fadas............................................................ 36
2.4.4 Perrault no século XVII........................................................................................ 37
2.4.5 A reviravolta........................................................................................................ 41
2.4.6 Grimm e Andersen no século XIX....................................................................... 42
2.4.7 Depois de Andersen............................................................................................ 44
2.4.8 No Brasil, os primórdios ..................................................................................... 45
2.4.9 Monteiro Lobato: enfim uma literatura infantil brasileira .............................. 47
2.4.10 Depois de Lobato ................................................................................................ 51
2.5 A ILUSTRAÇÃO .................................................................................................... 53
2.5.1 O livro infantil ilustrado...................................................................................... 55
2.5.2 O livro ilustrado no Brasil................................................................................... 61
RESUMO.............................................................................................................. 63
3 UNIDADE 3: A LITERATURA JUVENIL ........................................................... 65
3.1 OBJETIVO GERAL................................................................................................. 65
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...................................................................................... 65
3.3 O LIVRO JUVENIL ................................................................................................ 67
3.4 AS HISTÓRIAS DE AVENTURAS DO SÉCULO XVIII.............................................. 68
3.5 FICÇÃO CIENTÍFICA NO SÉCULO XIX?................................................................. 71
3.6 E O QUE MAIS LIAM OS JOVENS NO SÉCULO XIX?............................................ 72
3.7 CÁ ENTRE NÓS..................................................................................................... 75
3.7.1 Atividade.............................................................................................................. 79
RESUMO.............................................................................................................. 80
4 UNIDADE 4: A SELEÇÃO E OS GÊNEROS..................................................... 81
4.1 OBJETIVO GERAL................................................................................................. 81
4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...................................................................................... 81
4.3 A SELEÇÃO........................................................................................................... 83
4.4 OS GÊNEROS ........................................................................................................ 88
4.4.1 A fábula................................................................................................................ 89
4.4.2 O conto popular ou folclórico............................................................................. 91
4.4.3 A lenda................................................................................................................. 93
4.4.4 O conto de fadas................................................................................................. 94
4.4.5 O conto maravilhoso........................................................................................... 96
4.4.6 O conto moderno................................................................................................ 96
4.4.7 A novela............................................................................................................... 97
4.4.8 A poesia................................................................................................................ 98
4.4.9 Atividade............................................................................................................ 105
4.4.10 O teatro.............................................................................................................. 107
RESUMO............................................................................................................ 108
5 UNIDADE 5: O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA,
DO ADOLESCENTE E A MEDIAÇÃO DA LEITURA..................................... 109
5.1 OBJETIVO GERAL............................................................................................... 109
5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS.................................................................................... 109
5.3 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DO SER HUMANO E SUAS
PREFERÊNCIAS DE LEITURA .............................................................................. 111
5.4 DESENVOLVIMENTO, LINGUAGEM E SOCIALIZAÇÃO...................................... 113
5.4.1 Atividade............................................................................................................ 114
5.5 ENTRE O LIVRO E O LEITOR............................................................................... 115
5.6 MEDIAÇÃO E CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS......................................................... 118
5.6.1 Atividade............................................................................................................ 121
RESUMO............................................................................................................ 123
REFERÊNCIAS................................................................................................... 124
SUGESTÃO DE LEITURA................................................................................. 129
APRESENTAÇÃO DA
DISCIPLINA
A cada momento, fazemos múltiplas leituras. Lemos nossa cidade, nossa casa, nos-
sa rua. Lemos imagens, fotografias, mapas, gráficos e cartazes. Lemos a nós mesmos no
espelho diariamente. Lemos livros, jornais, revistas, no papel ou na tela do computador.
“Surfamos” na internet. Fazemos leituras superficiais ou em profundidade. Extensivas
ou intensivas. De um modo ou de outro, a leitura faz parte visceral de nossas vidas. Por
interesse ou por obrigação, buscando lazer ou informação. Certas obras lemos “de pon-
ta a ponta”, do início ao fim, enquanto outras apenas consultamos pontualmente. De
algumas apenas observamos a capa e já as recusamos, enquanto a capa de outras nos
motiva a mergulhar nelas.

Figura 1 – As múltiplas leituras que fazemos diariamente são parte visceral de nossas vidas

Fonte: Pxhere1; Pixabay2

Richard Bamberger (1986) enfatiza que é importante habituar a criança às pala-


vras. Na sua opinião, se conseguirmos fazer com que a criança tenha, sistematicamente,
uma experiência positiva com a palavra, estaremos com isso promovendo o seu desen-
volvimento como ser humano.
Considerando essa premissa verdadeira e também que a leitura de literatura
tem sido vista como um ponto de partida para uma postura reflexiva perante a rea-
lidade, tem havido cada vez mais esforços para aproximar a criança e o jovem da
leitura e do livro.
No contexto brasileiro, muitas vezes, essa proximidade e familiaridade com o
livro é dificultada por um conjunto de fatores, tanto de ordem social como, também,
econômica e política. As famílias nem sempre têm a possibilidade de comprar livros
e, se a têm, nem sempre têm o hábito de comprá-los ou mesmo dão importância a
eles. A escassez de bibliotecas escolares bem abastecidas e com um acervo adequado
também é uma realidade. Bibliotecários presentes nelas e que possam orientar seus
usuários para obras adequadas também são raros. De qualquer modo, existe o consen-
so de que cabe aos bibliotecários, em conjunto com pais e professores, mediar, revelar
e promover o potencial do texto literário. Seja por meio da seleção e análise de livros
infantis e juvenis, seja criando e desenvolvendo estratégias para o uso de textos, desde
o aprendizado da leitura, passando por sua interpretação, até a produção de novas
ideias e novos textos.

Atenção
PARA PENSAR: O que você já leu de interessante na sua rua
hoje? O que você leu de interessante no jornal de hoje? Como
essas duas formas de leitura convergem para o seu conceito de lei-
tura? Nesta aula você vai ler sobre o que pode ser entendido como
leitura e quais os efeitos que ela pode ter.
UNIDADE 1
AS MÚLTIPLAS
LEITURAS QUE FAZEMOS

1.1 OBJETIVO GERAL


Apresentar conceitos de leitura, os níveis em que ela pode se dar e os momentos mentais envolvidos
no processo.

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:
a) elaborar um conceito seu de leitura e justificá-lo;
b) reconhecer a leitura como produto de um conjunto de elementos internos e externos, e como
porta de acesso à cidadania, para além da decodificação de signos;
c) diferenciar níveis e momentos psicológicos em que se dá a leitura.
1.3 A LEITURA DO MUNDO
E A LEITURA DA
PALAVRA
Depois que se aprende a decodificar aqueles sinais
que significam um som e formam palavras, surge
logo a vontade de se absorver tudo o que está ao
redor. Assim começa a tentativa de leitura do que diz
no ônibus, na revista, na placa, até o momento da
automação, onde se passa à decodificação de todos
os códigos alfabéticos automaticamente; é como se o
olho buscasse palavras, numa ânsia de saber cada vez
mais. (SEHN, 2009, p. 97).

Estilos e formas de leitura e de escrita sofreram mudanças ao longo


dos tempos (BURKE, 2002). A popularização da imprensa a partir de Gu-
tenberg, por volta de 1450, provocou uma verdadeira revolução nos há-
bitos e formas de leitura da humanidade, principalmente dos polímatas. Um polímata (do grego
Com a maior disponibilidade de material de leitura, a humanidade passou πολυμαθής = polymathēs, lit.
da leitura intensiva para a extensiva. O que ganhou em quantidade pode “aquele que aprendeu muito”) é
ter perdido em qualidade. Na Idade Média, quando ainda era grande o uma pessoa cujo conhecimento
número de analfabetos, era comum a leitura em voz alta, o que com o não está restrito a uma única
área. Leonardo da Vinci foi um
maior acesso à escolarização caiu em desuso.
célebre polímata, considerado um
Se hoje já é corrente admitir, como primeiro afirmou Paulo Freire: “a gênio em diferentes áreas, desde
leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta im- a física e matemática à pintura e
plica a continuidade da leitura daquele.” (FREIRE, 1989, p.13), também é escultura.
preciso reconhecer, de outra parte, que o mundo se descortina através da
palavra. A palavra se constitui a partir do olhar sobre o mundo e o mundo
se torna visível através da palavra. A criança se apropria do mundo atra-
vés de seu aprendizado e domínio da palavra, tanto oral quanto escrita. A
criança, quando aprende a ler, tem primeiramente a tarefa de decifrar as
letras, descobrir as palavras e depois juntá-las em frases. Naturalmente,
sua compreensão do significado do texto será primeiro mais literal, e a
compreensão do seu sentido, mais gradual. Para isso, precisa desenvolver
seu senso crítico, coisa que só ao longo da própria experiência de leitura
se dará a seu tempo.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 15


Figura 2 – A criança se apropria do mundo através de seu aprendizado e domínio da
palavra. Quando aprende a ler, tem primeiramente a tarefa de decifrar as letras, descobrir
as palavras e depois juntá-las em frases. Sua compreensão do significado do texto será
primeiro mais literal, e a compreensão do seu sentido, mais gradual

Fonte: Flickr1

Obviamente a leitura não pode ser entendida apenas como decodi-


ficação de signos. A leitura é o produto de um conjunto de elementos
internos e externos, sendo, também, uma porta de acesso à cidadania. É
através dela que o indivíduo se torna capaz de entender a voz do outro, de
entender seu contexto e de saber usar a sua própria voz. A leitura propicia
o encontro de diferentes mentes e suas ideias; assim, podemos considerar
a leitura primeiramente um diálogo. Para esse diálogo trazemos todas as
nossas vivências e experiências. Nesse diálogo aprendemos novas ideias,
bem como formas de argumentar e de defender nossas próprias ideias.
Mas, para que as representações mentais da palavra escrita possam fazer
sentido, é preciso que tenhamos tido experiências e vivências anteriores.
A leitura nos possibilita conhecer culturas e ideias diferentes das nos-
sas, e assim delas nos sentirmos mais próximos, auxiliando na eliminação
de possíveis preconceitos e estereótipos. Num primeiro momento, são os
pais que exercem influência sobre a criança – no seu modo de ver a vida,
de constituir seu sistema de valores, suas crenças, de se comportar em
seu contexto e solucionar os problemas nele encontrados. Mas a leitu-
ra vai além desse espaço doméstico e amplia esse horizonte. Estimula a
criatividade da criança para também pensar nas suas formas próprias de
resolver seus problemas cotidianos.

1
FLICKR. r. nial bradshaw. Disponível em: <https://bit.ly/2OowgtO>. Acesso em: 04 nov. 2018.

16 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


1.4 DIFERENTES NÍVEIS E
OBJETOS DE LEITURA
Quando pensamos especificamente na leitura de um livro, vale lem-
brar os níveis de leitura propostos por Maria Helena Martins (1989). A au-
tora considera que a leitura de um livro se dá basicamente em três níveis:
o sensorial, o emocional e o racional. No nível sensorial, são os sentidos
que leem: a visão, o tato, a audição, o olfato e o gosto entram em ação;
percebe-se a impressão que o objeto livro causa aos sentidos. Ocorre no
nível do corpo. É a nossa primeira forma de leitura do livro, que fazemos
muito precocemente e que faremos por toda a vida. Isso porque o livro,
antes de ser um texto escrito, é um objeto: tem forma, cor, textura, vo-
lume, cheiro; elementos que vão causar uma impressão, agradável ou
desagradável, aos nossos sentidos. Para a criança, esse contato sensorial
com o objeto livro, visto por ela muitas vezes como brinquedo, é extre-
mamente salutar. Estimulando-se a continuidade desse contato com o
livro, acredita-se que este possa ser incentivador, no sentido de despertar
na criança o desejo de também apropriar-se de seu conteúdo escrito. Em
depoimento sobre sua experiência de leitura, Alberto Manguel (2005, p.
29) diz: “Uno lee determinada edición, un ejemplar en concreto, recono-
cible por la aspereza o suavidad del papel, por su olor, por una pequeña
rasgadura en la página 72 y una mancha circular de café en la esquina
derecha de la contracubierta.”2

Figura 3 – No nível sensorial de leitura, são os sentidos que leem: a visão, o tato, a
audição, o olfato e o gosto entram em ação. É a nossa primeira forma de leitura do livro.
Isso porque o livro, antes de ser um texto escrito, é um objeto: tem forma, cor, textura,
volume, cheiro. Para a criança, esse contato sensorial com o objeto livro, visto por ela
muitas vezes como brinquedo, é extremamente salutar

Fonte: PixaBay3 ; Flickr4

No nível emocional, Martins (1989) avalia que toda leitura provoca


nossa emoção, um sentimento específico em quem lê; identificamo-nos
e deixamo-nos envolver pelos sentimentos que o texto desperta. Pode

2
“Lemos uma determinada edição, um exemplar concreto, reconhecível pela aspereza ou
suavidade do papel, por seu odor, por um pequeno rasgo na página 72 e uma mancha circular
de café na esquina direita da contracapa.” (tradução nossa)
3
PIXABAY. Ninocare. Disponível em: <https://bit.ly/2DlMlQa>. Acesso em: 04 nov. 2018.
4
FLICKR. Simon Blackley. Tower of Babel. Disponível em: <https://bit.ly/2RwyPvZ>. Acesso em: 04
nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 17


estimular a fantasia, provocar alegria ou tristeza, evocar lembranças, pro-
piciar descobertas. Gostamos ou não gostamos por motivos muito pes-
soais ou mesmo por características do próprio texto, que nem sempre
conseguimos externar. Talvez seja o nível de leitura mais comum e o que
Uma leitura catártica é uma leitura dá maior prazer; também a mais catártica. Por alguns, esse nível de leitura
que provoca catarse, que em grego é considerado “apenas” leitura de passatempo e por isso não é valoriza-
(κά�αρσις) significa purgação ou da, mas muitas vezes será o degrau necessário para que uma leitura mais
purificação. Aristóteles considerava crítica possa ser atingida.
catarse as emoções provocadas
no público durante e após a
representação de uma tragédia Figura 4 – Toda leitura, desde cedo, provoca emoção: descobertas, alegrias, tristezas.
grega. Era o estado de purificação Gostamos ou não gostamos por motivos pessoais ou por características do próprio texto
da alma experimentada pelos
espectadores motivado pelas
diversas emoções que sentiam
ao assistir à encenação teatral.
Consideramos catártica a leitura
que faz o leitor experimentar essas
emoções e ter o mesmo resultado
que Aristóteles previa para a
tragédia.

Fonte: Pxhere5

Já no nível racional, ainda segundo Martins (1989), ocorre a leitura


intelectual, que tem um caráter mais reflexivo. Estabelece uma relação
entre o leitor e o conhecimento, gera reflexão e possibilita dar sentido
ao texto, questionar sua própria individualidade, o mundo e as relações
sociais. Assim, amplia possibilidades, não só as de leitura do texto como
também de interpretação da própria realidade social, assim podendo
mesmo mudar o comportamento social de quem lê.
Obviamente, esses três níveis podem ocorrer simultaneamente, por-
que são inter-relacionados, mas em geral, em momentos específicos,
existe uma predominância de um ou de outro, dependendo de interesses,
necessidades e expectativas existentes no leitor naquele momento.

Atenção
– Maria Helena Martins (1989) considera que a leitura se dá em três
níveis: o sensorial, o emocional e o racional.
– Ezequiel da Silva (2003) acredita que a leitura acontece em três
momentos: a constatação, o cotejo e a transformação.

5
PXHERE. Disponível em: <https://bit.ly/2P8Gcgj>. Acesso em: 04 nov. 2018.

18 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


No que se refere ao aspecto psicológico, Silva (2003) estabelece três
momentos distintos em que a leitura acontece: a constatação, o cotejo e
a transformação. Na constatação, o leitor faz a sua primeira aproximação
das ideias que o texto veicula. Apropria-se do texto e tenta dele ter um
primeiro entendimento – conhecer as ideias do autor. No cotejo, o leitor
vai confrontar essas ideias com as suas próprias, bem como as vivências
e experiências que ele já teve e que poderiam estar sendo questionadas
pelo autor; ou mesmo vai lhe revelar uma forma de ver aquela sua expe-
riência passada com surpresa; ou, ainda, pôr em xeque alguma de suas
crenças já arraigadas.
O último momento é o da transformação, momento em que o lei-
tor estabelece de fato sua própria interpretação do que leu, baseado
exatamente em suas experiências e vivências anteriores, que consti-
tuem sua bagagem de vida e fazendo uso de seus próprios mecanis-
mos de cognição. Nesse momento, o leitor já não é mais o mesmo
que iniciou a leitura. A cada leitura somos outros. Não passamos
“impunemente” por uma leitura. Toda leitura deixa rastros em nós.
Deixa suas marcas. Amplia nossos horizontes. Não raro transforma
nossa visão de mundo. Nos transformamos e somos levados, muitas
vezes, a querer transformar.
Brito (2010, p. 3) ressalta que “[...] o leitor é sempre parte de
um grupo social, e certamente carregará para esse grupo elemen-
tos de sua leitura, do mesmo modo que a sua leitura trará vivências
oriundas desse grupo social, de sua experiência prévia e individual
do mundo e da vida.”. Porque, embora a leitura seja para muitos
apenas um ato individual e privado, ela é responsável por conexões
que acontecem entre o leitor e o mundo através de uma obra. Diz
Sartre (1989, p.12): “O escritor pode dirigir o leitor e, se descreve
um casebre, mostrar nele o símbolo das injustiças sociais, provocar
nossa indignação.”.
Na literatura nos encontramos com recortes da vida real transfigurada.
É na leitura da literatura que encontramos formas inusitadas de resolver
problemas humanos e de nos posicionarmos diante da vida. Nessa dire-
ção também nos leva Zilberman (2003, p. 45), quando destaca que “[...]
as histórias infantis desempenham, pois, uma primeira forma de comu-
nicação sistemática das relações da realidade, que aparecem à criança
numa objetividade corrente. [...] além de atividade imediata social e indi-
vidual da criança.”.
Por tudo isso, defende-se a importância de despertar o gosto e o inte-
resse pela leitura, pois estes a criança levará para toda a sua vida.
Para concluirmos os estudos dessa nossa primeira unidade, convido
você a exercitar os conceitos aprendidos por meio da atividade a seguir.
Assim como todas as atividades propostas ao longo de nossa disciplina,
não há uma resposta certa, única, ou específica para as questões propos-
tas. Esperamos, em vez disso, que você recupere sua experiência como
leitor, experimente ações como bibliotecário ou bibliotecária, reflita sobre
as ideias discutidas e compartilhe-as, sempre que possível, em um am-
biente virtual de aprendizagem.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 19


1.4.1 Atividade
Pare um pouco essa leitura, para pensar sobre outras. Reviva
ocasiões em que um livro ganhou lugar de destaque em sua his-
tória. Registre a seguir algumas dessas memórias. Se tiver oportu-
nidade, compartilhe suas reflexões em um ambiente de aprendiza-
gem virtual, colaborativo.
1. Tente rememorar uma situação em que sua leitura sensorial
ou emocional prevaleceu sobre outro nível de leitura. O que
você considera que tenha impedido ou dificultado sua leitu-
ra. Faça um relato escrito, ilustrando os principais aspectos
da situação.

2. Algum livro já lhe auxiliou a resolver algum problema ou foi


fundamental na sua vida? Registre aqui a experiência.

3. Se você nunca passou por essa situação, pense como a leitu-


ra de uma obra pode ser importante para alguém. Se dese-
jar, entreviste um amigo, uma pessoa da família, um colega
de trabalho e faça-lhe essa pergunta.

20 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


RESUMO
A leitura é um processo multifacetado, pois começamos lendo o mun-
do que nos circunda e essa leitura é base para a leitura da palavra escrita.
Esta, por sua vez, torna nossa visão do mundo e de nós mesmos mais
clara e mais rica. Para a criança, o caminho para a aquisição da palavra
escrita não pode ser entendido apenas como decodificação de signos –
está intimamente ligado ao sentido que a leitura faz em sua vida. Maria
Helena Martins (1989) afirma que a leitura de um livro se dá basicamente
em três níveis: o sensorial, o emocional e o racional, que acontecem si-
multaneamente. Para Silva (2003) o processo mental da leitura acontece
em três momentos: a constatação, o cotejo e a transformação. A postura
crítica oportunizada pela leitura também a torna essencial para a aqui-
sição da cidadania, pois o leitor aprende a reconhecer a si e ao outro
– reconhecer o semelhante e conhecer o diferente. Por meio da leitura
trava-se um diálogo entre duas mentes, ao final do qual resultam novas
ideias que modificam a visão de mundo anterior e vão influenciar não
apenas o próprio leitor, mas também o grupo social do qual ele faz parte.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 21


UNIDADE 2
O UNIVERSO DA LITERATURA
E DO LIVRO INFANTIL

2.1 OBJETIVO GERAL


Conceituar a literatura, elencar suas funções e apontar sua importância. Conceituar a literatura in-
fantil. Dar a conhecer alguns fatos sobre a história da literatura e do livro infantil, desde o que lhes deu
origem até as características que passaram a ter. Destacar alguns dos autores da literatura infantil no
mundo e no Brasil.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:
a) justificar a importância da leitura da literatura;
b) explicar por que o livro infantil não é sinônimo de literatura infantil;
c) reconhecer a importância da ilustração no livro infantil;
d) descrever a diferença entre a literatura infantil no seu surgimento e a atual;
e) apontar os fatores que fizeram de Lobato um divisor de águas na literatura infantil brasileira.
2.3 LITERATURA:
UMA FORMA DE
CONHECIMENTO DO
HUMANO
Você considera que a literatura infantil seja o conjunto de todos os
livros infantis publicados? Tente formular sua própria resposta ou justifi-
cativa, antes de continuar a ler o texto desta unidade. Se quiser, registre
suas considerações no espaço a seguir. Nas próximas unidades tentare-
mos dar algumas respostas e sentido a essas perguntas mas, desde já,
mantenha sua reflexão em mente.

Figura 5 – Literatura infantil: o conjunto de todos os livros infantis publicados?


Qual é sua resposta?

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Little_Red_Riding_Hood_-_J._W._Smith.jpg

A leitura pode ampliar e diversificar sua visão do mundo e do ser hu-


mano, especialmente a leitura de literatura, que é uma atividade em que
ocorre um intenso processo mental. Este põe em ação as características
cognitivas simbólicas e emocionais, sendo que o produto dessa atividade
pode ser considerado uma conquista (PEREIRA; SOUZA; KIRCHOF, 2012).
Roman Jakobson (1975, p. 11) afirmava que aquilo que torna deter-
minada obra uma obra literária é a sua literariedade, ou seja, esse modo
peculiar de uso da palavra e que torna cada texto literário único.
Transcreveremos a seguir algumas das ideias, principalmente sobre a
literatura e seu papel na vida humana, registradas por alguns autores
conceituados que fizeram suas reflexões a respeito. Na introdução de
sua obra Literatura ocidental, Salvatore D’Onofrio (2000, p. 9) define a
literatura como “[...] uma forma de conhecimento da realidade que se
serve da ficção e tem como meio de expressão a linguagem artisticamen-
te elaborada.”. Então, literatura é arte, e a matéria-prima dessa arte é a
palavra, portanto, arte da palavra. Assim brinda seu leitor com sentidos
inusitados que o fazem fruir e refletir sobre seu significado. Ao coloca-
rem-no diante das ambiguidades da língua e da linguagem, colocam-no
simbolicamente diante das ambiguidades da própria vida.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 25


Portanto, a literatura se distingue do texto informativo pela sua lite-
rariedade, como chamou Roman Jakobson (1975), aquilo que identifica
uma obra como literária. Servindo-se da realidade como modelo, a litera-
tura cria mundos que só existem no texto e que se materializam através
de metáforas e outros recursos. Essa é a principal diferença entre a ficção
e a não ficção, pois esta última não cria, apenas transmite uma realidade.
Na sua Poética, Aristóteles (1964) defende que a literatura tem três
funções: a função cognitiva, a função estética e a função catártica. Poste-
riormente foi acrescentada mais uma função que se acredita ser desem-
penhada pela literatura – a político-social.

Figura 6 – A Poética (em grego antigo: Περὶ ποιητικῆς; em latim: poiétikés), provavelmente
registrada entre os anos 335 a.C. e 323 a.C. é um conjunto de anotações das aulas de
Aristóteles sobre o tema da poesia e da arte em sua época, pertencentes aos seus escritos
acroamáticos (para serem transmitidos oralmente aos seus alunos) ou esotéricos (textos para
iniciados)

Fonte: Wikimedia6

Colocaremos em primeiro lugar a função estética, pois nos parece


que esta seja verdadeiramente a primeira função e motivo da existência
da literatura. A função estética se funda no uso artístico que é feito da
palavra. Para Sartre (1989), a linguagem literária é aquela que permite
captar o sentido subjetivo das palavras, ultrapassar o prosaico, alcançar
transcendência, enfim.

Explicativo
A palavra já é um produto da criação humana e, quando usada artis-
ticamente na literatura, tem uma função conotativa que lhe dá uma
dimensão maior e mais ampla do que seu sentido trivial e cotidiano.

6
WIKIMEDIA. Aristóteles. Aristotle poetics. Disponível em: <https://bit.ly/2Qkd8iC>. Acesso em:
04 nov. 2018.

26 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Mas a literatura também tem uma função cognitiva que se refere à
aquisição do conhecimento. Pode-se dizer que o escritor literário interna-
liza a realidade de maneira própria e a revela a nós na sua obra. Por ter
uma sensibilidade maior, sua percepção se materializa como arte, trans-
figurando a realidade. Embora a função cognitiva não nos pareça seu
objetivo primeiro, a literatura também nos dá acesso a informações, seria
como um efeito colateral. Quantas vezes a literatura nos ensina de ma-
neira prazerosa fatos da História, que são enfadonhos de serem lidos em
compêndios de História. Por meio das ações ficcionais dos personagens,
pode-se descobrir como se comportavam as pessoas em determinada
época, quais eram seus anseios; por que certos fatos eram relevantes
naquele momento.
A literatura também tem uma função catártica porque provoca uma
catarse, tanto no autor como no leitor. Ou seja, pode representar um alí-
vio, uma descarga emocional, através dessa tensão, dessa ansiedade, de
ordem psicológica ou moral causada pela vivência das emoções e tensões
junto com os personagens das histórias.
Para Sartre (1989, p. 21):

[...] o escritor decidiu desvendar o mundo e especial-


mente o homem para os outros homens, a fim de que
estes assumam em face do objeto, assim posto a nu, a
sua inteira responsabilidade. [...] a função do escritor
é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e
considerar-se inocente diante dele.

Assim, pode-se dizer que a literatura revela o mundo pela palavra. Tem
e também cria no leitor compromissos éticos e políticos.
Para Todorov (2009, p. 77), a literatura é concebida como “[...] pen-
samento e conhecimento do mundo psíquico e social em que vivemos.”.
Nos faz viver experiências singulares, únicas, da nossa condição humana,
podendo “[...] transformar a cada um de nós a partir de dentro.” (TODO-
ROV, 2009, p. 76). Quem está em contato com a literatura, torna-se um
conhecedor do ser humano, das diferentes facetas do ser humano. Das
causas de suas alegrias ou tristezas. Das maneiras que o ser humano usa
para resolver suas angústias, e das soluções que ele dá a seus problemas
e conflitos. Por isso, a literatura precisa ser considerada um direito.
Antonio Candido (1995), justificando o título de seu texto, O direito
à literatura, considera que todo ser humano tem direito à literatura; não
há ser humano que consiga viver sem ela, “[...] sem a possibilidade de
entrar em contato com alguma espécie de fabulação.” (CANDIDO, 1995,
p. 242). Essa satisfação que a literatura nos possibilita se constitui em
fator imprescindível de humanização e, portanto, um direito que deve ser
assegurado a todos.
Assim, o contato com a literatura e o livro deve ser iniciado precoce-
mente na vida da criança. Deve ser estimulado e continuado ao longo da
adolescência para que possa o indivíduo se tornar um adulto fluente na
leitura literária. Com isso, poderá beneficiar-se de obras que vão enrique-
cer sua vida.
Por essa razão, vamos nos ocupar da literatura infantil a seguir.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 27


2.3.1 Atividade
Depois da leitura do texto e transferindo para sua própria expe-
riência de vida, justifique, na sua opinião, a necessidade de litera-
tura na vida da criança e do jovem. Liste pelo menos três aspectos
que você considere mais importantes.

1.

2.

3.

4.

5.

6.
Antes de prosseguirmos para a próxima seção, eu lhe pergunto: para
você, livro infantil e literatura infantil são sinônimos? Pense um pouco so-
bre isso, justifique o que você concluiu e depois continue lendo o material
referente a esta unidade.

2.4 A LITERATURA
INFANTIL
“Um livro de Literatura Infantil é, antes
de mais nada, uma obra literária. Nem
se deveria consentir que as crianças fre-
quentassem obras insignificantes, para
não perderem tempo e prejudicarem
seu gosto.” (MEIRELES, 1984).

Quando se fala em literatura infantil, pode parecer a muitos que es-


tamos falando na totalidade dos livros infantis. Alguns, pensando assim,
consideram a literatura infantil como uma literatura “menor”. Entretan-
to, é preciso que se esclareça que livro infantil e literatura infantil não são
sinônimos. O livro infantil, do qual falaremos na próxima aula, é todo livro
publicado para a criança. Já por literatura infantil entende-se todo tex-
to que, em primeiro lugar, apresenta qualidade literária e é adequado à
criança. Atualmente também se considera literatura infantil aquelas obras
que têm, não só o texto, mas também a ilustração de qualidade. Obvia-
mente, dentre os livros infantis encontramos também a literatura infantil,
que proporciona prazer à criança, pois tem atrativos que despertam sua
sensibilidade. Para Cecília Meireles (1984), Literatura Infantil é aquela que
as crianças leem com agrado.

Figura 7 – A literatura infantil apresenta qualidade literária e é adequada à criança, e


inclui obras que têm, não só o texto, mas também a ilustração de qualidade

Fonte: Flickr7

7
FLICKR. Prefeitura de Belo Horizonte. Prefeitura abre processo de seleção de livros literários para
o kit escolar de 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2RF0ZFh>. Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 29


Mas qual é propósito da literatura infantil? A literatura infantil não
deveria ter necessariamente uma primeira intenção pedagógica, didáti-
ca, embora ela originalmente tenha nascido assim e com esse propósito.
Os motivos ou efeitos psicossociais e informativos ou instrucionais não
deveriam figurar como prioritários. Também não deveria ter motivos es-
tritamente moralizantes, Cecília Meireles, em seu texto “Livros para crian-
ças”, publicado no Diário de Notícias, em 1930, assim se manifestou:

Mas, há também quem suponha que, com boas in-


tenções de pregar moral, será capaz de resolver o pro-
blema do livro infantil.
[...]
Como tudo é possível, talvez me esteja lendo alguém.
E pode acontecer ser algum autor ou aficionado des-
ses livrinhos sentenciosos, que ensinam que “quem
faz o bem é recompensado”, que “mais vale um pás-
saro na mão do que dois voando”, que “um dia é o
dia da caça, outro do caçador”, e assim por diante. E
essa pessoa, se existir, vai ficar escandalizada quando
eu escrever agora que a moral é suscetível de varia-
ção, – essa moral, está claro, que anda assim à tona
nos provérbios e que, afinal de contas, a de uso ge-
neralizado...
Pois eu digo isso. E, como é meu costume, vou logo
provando por que o faço: porque quem faz o bem
para ser recompensado é egoísta; quem prefere um
pássaro na mão a dois, ou mesmo a um, voando é
interesseiro, e quem pensa que “um dia é da caça e
outro é do caçador” tem, pelo menos, tendências à
vingança...
Há muitas coisas bonitas para dizer à criança, sem en-
trar nesse dogmatismo decrépito e ridículo.
E pode fazer-se moral positiva, sem esse contraste de
uso retórico. (MEIRELES, 1984, p. 122).

A boa literatura infantil deve ter, em primeiro lugar, um propósito es-


tético ao lado do de entretenimento. E deve corresponder, de alguma
forma, aos anseios por emoção do leitor infantil. É preciso que seja sobre
algo que lhe interesse e desencadeie sua curiosidade. É preciso que a
ação dos personagens e a sua personalidade sejam capazes de motivar
alguma identificação. E que as soluções encontradas pelo autor sejam ca-
pazes de lhes causar gostosas surpresas. Enfim, é desejável que seja uma
motriz de uma ação conjunta do imaginário e da fantasia.

A natureza e intensidade dessas emoções podem re-


percutir na vida do pequeno leitor de maneira defini-
tiva. Não apenas ele se lembrará, até a morte, desse
primeiro encantamento, [...]; muitas vezes, a reper-
cussão tem resultados práticos: vocações que surgem,
rumos de vida, determinações futuras. (MEIRELES,
1984, p.128).

Embora a literatura infantil tenha papel extremamente relevante na


vida da criança que a ela tem acesso, sua valorização, como formadora
de consciência dentro da vida cultural das sociedades, é bastante recente.

30 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Atenção
O livro infantil é todo livro publicado para a criança. Desse con-
junto faz parte a literatura infantil, que além de ser uma publicação
destinada à criança apresenta um texto e uma ilustração de quali-
dade estética.

2.4.1 Atividade
Você lembra de algum episódio de sua infância em que pôde
perceber a importância de uma obra em sua vida naquele momen-
to? Registre suas lembranças aqui.

2.4.2 Como tudo começou


Acredita-se que a origem mais remota da literatura infantil esteja nas
longínquas narrativas orientais, como Calila e Dimna, que faziam parte do
fabulário hindu Pantchatantra, possivelmente datadas do século III a.C.
(CHALLITA, [198?]). Foram escritas originalmente em sânscrito e traduzi-
das para o árabe no século VIII d.C. São atribuídas ao sábio Bidpai, fabu-
lista oriental que posteriormente foi comparado a Esopo. As histórias são
encadeadas, como numa caixa de surpresas – uma saindo de dentro da
outra. Seus personagens centrais são dois chacais, que agem como seres
humanos. Na sua essência, constitui-se mais em um tratado político, no
qual se evidencia a luta pelo poder e prevalece a lei do mais forte.
Além dessas, há também outras fontes, como as fábulas do grego Eso-
po (século VI a.C.) e as do romano Fedro (século I d.C.). Desses primórdios
também faz parte o escritor latino Lucius Apuleius (125-164 d.C.), que foi
autor de Eros e Psique, história que consta na obra Metamorfoses, tam-
bém conhecida como O asno de ouro (THE GOLDEN…, 1956).

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 31


Figura 8 – Página de Calila e Dimna (Manuscrito
del Calila y Dimna – España, 1251-1261)

Fonte: Wikipédia8

Multimídia
Se você quiser ler onl-ine as outras histórias de Calila e Dimna, bus-
que a tradução de Al Mukafa, Ibn. Calila e Dimna (tradução para o
português, de Mansour Challita). Rio de Janeiro: Record.
Se você quiser ler as histórias do Panchatantra, busque em:
<http://indianidades.blogspot.com.br/2008/04/o-panchatantra.html>.
ou em
<https://fabulassonhadas.wordpress.com/bidpai/>.
Se você quiser ler a história de Eros e Psique, você pode acessá-la
no capítulo V, na página 103, d’O asno de ouro, disponível em:
<https://magiapdf.files.wordpress.com/2013/11/lucio-apuleio-o-
asno-de-ouro.pdf>.

Essas histórias começam a se tornar conhecidas no ocidente europeu


durante a Idade Média, basicamente transmitidas de forma oral. Na épo-
ca, essas narrativas inspiram e influenciam as narrativas medievais e aca-
bam se popularizando na Europa, sendo posteriormente levadas a outras
partes do mundo. Algumas delas se transformam em literatura folclórica
e outras no que consideramos literatura infantil propriamente dita.

8
WIKIPÉDIA. Fadrique de Castilla. Calila y Dimna. Disponível em: <https://bit.ly/2QgZXPb>. Acesso
em: 04 nov. 2018.

32 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Outras coletâneas que contribuíram com histórias foram o Romance
da raposa, o Gesta romanorum e também os contos d’As mil e uma noi-
tes.

Curiosidade
Romance da raposa data do período entre o século XII e o século
XIII. É uma coletânea de histórias de animais, escrita em verso, em
francês antigo, na Idade Média, por diversos autores, na sua maio-
ria, anônimos. Os mais antigos datam de 1174 e são atribuídos a
Pierre de Saint-Cloud.
Há uma adaptação recente para crianças, feita por Brigitte Coppin
e traduzida para o português por Heloísa Jahn, publicada pela
Companhia das Letrinhas em 2009, sob o título: As aventuras de
Renart, o raposo.

Multimídia
Talvez você não conheça a primeira versão escrita de Cinderela, que
é chinesa e data do século VIII ou IX. Se tiver interesse em conhecê-
-la, poderá acessá-la em:
<http://chines-classico.blogspot.com.br/2007/07/contos-chineses-
por-lin-yutang.html>.
Gesta romanorum é uma obra que se localiza temporalmente entre
o final do século XIII e início do XIV, literalmente significando “fei-
tos heróicos dos romanos”. Também é uma coletânea anônima de
contos e anedotas e lições de moral, do período romano.

Fonte: WIKIPÉDIA. Gesta Romanorum, Donaueschingen, ms 145, f. 74v.


<https://fr.wikipedia.org/wiki/Gesta_Romanorum#/media/File:Gesta_Romanorum_-_
Donaueschingen_74v.jpg>. Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 33


As mil e uma noites são uma coletânea de histórias e contos po-
pulares originários do Médio Oriente e do sul da Ásia, compiladas em
língua árabe a partir do século IX. No Ocidente, a obra passou a ser
conhecida a partir de uma tradução para o francês feita pelo orienta-
lista Antoine Galland e publicada entre 1704 e 1717. As histórias que
compõem a obra têm várias origens, incluindo os folclores indiano,
persa e árabe. Os contos estão organizados como uma série de histó-
rias em cadeia narrados por Xerazade, esposa do rei Xariar. Este rei,
querendo vingar-se por ter sido traído por sua primeira esposa, casa
com uma noiva diferente a cada noite, mandando matá-la na manhã
seguinte. Xerazade consegue escapar a esse destino, contando histó-
rias maravilhosas sobre diversos temas que estimulam a curiosidade do
rei. Ao amanhecer, Xerazade interrompe cada conto para continuá-lo
na noite seguinte, o que a mantém viva ao longo de mil e uma noites.
Ao fim dessas, o rei já se arrependeu de seu comportamento e desistiu
de executá-la (CHALLITA, [198?]; LADEIRA, 1997). Existe uma adap-
tação feita por Ruth Rocha e publicada pela editora Salamandra em
2010, sob o título de Histórias das mil e uma noites.
Mais para o final do século XVI, em 1575, temos notícia da pri-
meira coletânea conhecida em português, escrita por Gonçalo Fer-
nandes Trancoso – Contos e histórias de proveito e exemplo (TRAN-
COSO, 1974). Constitui-se de contos, histórias e ditos. Os contos,
ficção destinada principalmente a divertir; as histórias, narrações
consideradas autênticas ou tradicionais, escolhidas pelo seu exemplo
moral, e os ditos: aforismos – são frases notáveis, supostamente di-
tas por pessoas célebres.
Na passagem da época medieval para o Renascimento, momento em
que a religiosidade cristã se encontra e se mescla com a redescoberta do
mundo pagão, especialmente o grego, surge o humanismo e com ele a
figura do homem liberal. Nesse contexto, Gianfrancesco (também se en-
contra com a grafia Giovan Francesco) Straparola (1485?-1558), escreve
suas Noites prazerosas (STRAPAROLA, 2007), que foram publicadas em
Veneza em duas partes – a primeira em 1550 e a segunda, pelo enorme
sucesso alcançado com a primeira, em 1553. Nessa época, as narrativas
ainda têm a característica de serem “exemplares”, mas com um tom mais
jocoso.
A figura mais importante, já agora no século XVII, foi principalmen-
te Giambattista Basile (1566-1632), que escreve, entre 1634 e 1636, O
conto dos contos ou entretenimento para os pequenos (BASILE, 1909).
Os contos que figuram nessa obra provavelmente pertenciam à tradição
oral e eram basicamente dirigidos a adultos. Uma das razões, apontada
como motivo pelo qual sua obra não se popularizou de modo mais amplo
posteriormente é a de que escreveu no dialeto napolitano, considerado
difícil de traduzir. Mesmo assim, foi por muito tempo a melhor e mais rica
coletânea de contos, muitos dos quais foram adaptados por Perrault e
pelos Irmãos Grimm.

34 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Curiosidade
Giambattista Basile foi posteriormente chamado de “Boccaccio na-
politano”, e sua obra (Lo cunto de li cunti overo lo trattenemiento
de peccerille) de Il Pentamerone (cinco jornadas/dias), pela seme-
lhança desta com Il Decamerone (do grego, 10 dias) de Govanni
Boccaccio. Esta última, uma coleção de 100 novelas (hoje seriam
consideradas contos) humorísticas escritas por Giovanni Boccaccio
em dialeto napolitano, entre 1348 e 1353. A obra de Boccaccio
é considerada um marco literário, representando a ruptura entre
a moral medieval e o início do período do humanismo. Seu título
significa dez (deca) dias ou jornadas (hemeron), pois as histórias
foram contadas por diferentes personagens narradores, ao longo
de dez dias. A influência de Bocacccio também se fez sentir na obra
de Margarida de Navarra, o Heptameron, publicada postumamente
em 1558 e cujo nome também vem do grego, e significa sete dias.
Fonte: BASILE, 1909.

Ainda no século XVII, em pleno reinado de Luís XIV, Jean de La


Fontaine (1621-1695) considerado o pai da fábula moderna, res-
gatou as fábulas de Esopo e de Fedro, reescrevendo-as em verso e
mantendo a simbologia das características dos animais (a esperteza
da raposa, o poder do leão, etc.). A publicação da primeira coletânea
de Fábulas ocorreu em 1668, sendo que mais onze são lançadas até
1694. Acredita-se que dentre as criadas por ele estão: A cigarra e
a formiga e A raposa e as uvas. No prefácio da primeira coletânea,
já revela suas intenções: “Sirvo-me de animais para instruir os ho-
mens.” (DUARTE, 2015).
François Fénelon (pseudônimo de François de Salignac de la Mo-
the (1651– 1715) foi um teólogo, preceptor do neto de Luís XIV que,
preocupado em que a literatura transmitisse os ensinamentos para a
formação do caráter de forma indireta, escreve As aventuras de Te-
lêmaco em 1699. São aventuras semelhantes às da Odisseia, pois Te-
lêmaco sai em busca do pai. É também um dos primeiros a se preocu-
par com a educação das meninas, naturalmente para serem esposas
e mães, assunto que aborda no Tratado da educação das meninas,
datado de 1687.
Vemos assim que as primeiras histórias de que se tem notícia não ti-
nham por público-alvo as crianças. Eram narrativas que os adultos conta-
vam aos adultos, possivelmente em serões ao redor do fogo, após uma
longa jornada de trabalho. Embora se acredite que crianças também par-
ticipassem desses momentos, a maioria das histórias era até bastante ina-
dequada para o público infantil, devido ao seu humor em geral obsceno
(DARNTON, 1986).

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 35


Atenção
Você já ouviu falar em Madame d’Aulnoy? Não? Então leia o próxi-
mo texto para saber de quem se trata.

2.4.3 Madame d’Aulnoy e os contos de fadas


Na França, do final do século XVII até o século XVIII, antes da Revo-
lução Francesa, surge uma literatura que exaltava a fantasia, o sonho, o
inverossímil, assim se opondo ao racionalismo clássico em voga. Os salões
reuniam a elite intelectual da época e lá ocorriam, entre outras, drama-
tizações de contos de fadas. Sim, e as “preciosas” foram as principais
responsáveis pela sua produção e divulgação, pois esses contos foram
inicialmente considerados ligados às mulheres. Apesar de terem essa ori-
gem nobre dos salões aristocráticos, eram considerados próprios do povo
ignorante, pois a presença do maravilhoso era visto como sinônimo de
crendices e superstições pelos eruditos.

Curiosidade
As preciosas francesas, no século o XVII, foram a origem do primei-
ro questionamento da identidade masculina. Alguns homens, os
preciosos, aceitaram esse questionamento e adotaram uma moda
feminina e refinada — perucas longas, plumas extravagantes, rou-
pas com abas, pintas no rosto, ruge e perfumes. Recusavam-se a
manifestar ciúme e a se comportar como tiranos domésticos. Pouco
a pouco, os valores femininos progrediam na sociedade e, no sécu-
lo seguinte, eram dominantes.
Disponível em: <http://www.twitlonger.com/show/7ecnuj>. Acesso em: 21 out. 2016.

Uma das ”preciosas” mais conhecidas, a jovem baronesa Madame


d’Aulnoy publica, em 1690, o romance História de Hipólito. Num dos epi-
sódios dessa obra, a História de Mira, a protagonista (Mira) era uma fada.
A partir daí, a moda das fadas se estabelece na corte francesa. Entre 1696
e 1698, Madame d’Aulnoy publica Contos de fadas, Novos contos de fa-
das ou as fadas em moda e Ilustres fadas. Nessas obras estão incluídas A
gata branca, O pássaro azul, A princesa dos cabelos de ouro, O ramo de
ouro, entre outras. Chamou suas obras de contes de fée (contos de fada),
consolidando essa denominação genérica. Destinavam-se, no entanto,
ainda ao entretenimento de adultos, sendo posteriormente reaproveita-
dos na literatura infantil (LEPRINCE DE BEAUMONT, 2007).

36 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Figura 9 – Frontispício de Novos contos
de fadas ou as fadas em moda

Fonte: Gallica9

Os contos de fadas têm um sucesso extraordinário até o final do séc.


XVIII. A partir de então, repartem as atenções com os contos orientais,
inspirados ou adaptados principalmente dos contos d’As mil e uma noi-
tes. Depois da Revolução Francesa, em 1789, as fadas passam a segundo
plano, mas continuam presentes nas narrativas orais populares e nos li-
vros infantis.

Atenção
Você ouviu ou leu, quando criança, histórias de Perrault, dos Ir-
mãos Grimm e de Andersen? Talvez tenha lido, mas não soubesse
que eram desses autores. Então, nas próximas unidades você terá
a oportunidade de rever, confirmar ou descobrir algo mais sobre
essas histórias e esses autores.

2.4.4 Perrault no século XVII


Formalmente, pode-se afirmar que a tradição da literatura infantil co-
meça com a obra do escritor francês Charles Perrault (1628-1703), no
século XVII, e tem continuidade com os Irmãos Grimm, no século XIX,
principalmente, embora separados temporalmente por dois séculos. Es-

9
GALLICA. Livre Contes nouveaux ou Les fées à la... Aulnoy, Marie-Catherine Le Jumel de
Barneville (1650-1705 ; baronne d’). Disponível em: <https://bit.ly/2CYkpAy>. Acesso em: 04
nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 37


ses escritores baseiam suas histórias em narrativas recolhidas da tradi-
ção oral, inspirados em autores da passagem da época medieval para a
modernidade, como Gianfrancesco Straparola e Giambattista Basile, já
mencionados anteriormente.
As primeiras histórias formalmente direcionadas às crianças e que se
popularizaram de imediato foram as que Perrault, já com quase 70 anos,
imortalizou em Contos de mamãe gansa (Les contes de la mêre l’Oye),
em 1697. Sob esse título estão algumas das mais conhecidas histórias
infantis: A bela adormecida, Chapeuzinho vermelho, Barba azul, Gato de
botas, As fadas, Gata borralheira, Rique do topete e Pequeno polegar.
Em edição posterior, o autor incluiu as três histórias que havia publicado
anteriormente: Grisélidis, Pele de asno e Os desejos ridículos.

Figura 10 – O livro Contos de mamãe gansa traz na capa a representação de mulheres que
contavam histórias e inclui as famosas Bela adormecida, Chapeuzinho vermelho, Barba
azul, Gato de botas, As fadas, Gata borralheira, Rique do topete e Pequeno polegar

Fonte: Wikipédia10

Minha mamãe gansa (Ma mère l’oye) é uma figura


simbólica do folclore francês – como um arquétipo
da mulher camponesa que conta histórias às crianças;
de certa forma, uma guardiã do tesouro da cultura
popular. Os contos faziam parte da tradição oral das
veillés, momentos em que se contavam ou liam histó-
rias em volta da fogueira e tinham uma função impor-
tante para os camponeses. Além de divertir, elas lhes
ensinavam como lidar com sua condição miserável e
com as situações de injustiça daquela época. (DARN-
TON, R. 1986, p. 92).

É provável que Perrault tenha ouvido esses contos na voz de suas amas
de leite e babás, encarregadas da primeira educação dos filhos da classe
burguesa, que era a sua classe social. Essas mulheres distraíam as crianças
com canções e contos populares, do mesmo modo que as veillées perpe-

10
WIKIPÉDIA. Charles Perrault (1695). Contes de ma mère l’Oye, illustration à la gouache d’un
manuscrit de la fin du XVIIe siècle. Disponível em: <https://bit.ly/2P7r5Uz>. Acesso em: 04 nov.
2018.

38 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


tuavam as tradições populares. Essas multiplicadoras das histórias podem
ser consideradas um elo entre a cultura do povo e a da elite do Grand
Siècle (DARNTON, 1986).
Outros, como Carvalho (1987), acreditam que os contos reescritos por
Perrault seriam, de fato, o resultado de um trabalho mais acadêmico de
inspiração nos contos de Basile, como mostra a semelhança das histórias
de Cinderela, A bela adormecida no bosque e O gato de botas (A PRIN-
CESA... 1996).
Ao longo de sucessivas reedições, a obra de Perrault recebeu diferen-
tes títulos. Foi chamada de Histórias ou contos do tempo passado com
moralidades, e também de Contos da velha e Contos da cegonha. Foi
considerado, na sua época, um material moderno e adequado para di-
vertir as crianças e orientar sua formação moral, apontando-lhes padrões
morais e sociais. Se ficou curioso, leia no boxe a seguir uma tradução livre
de Os desejos ridículos:

Curiosidade
Os desejos ridículos, de Charles Perrault
“Era uma vez um pobre lenhador que, cansado de sua vida
dura, ansiava por descanso no futuro. Em sua infelicidade, ele de-
clarou que, em todos os seus dias, o céu não havia concedido nem
ao menos um de seus desejos.
Um dia, trabalhando na floresta e reclamando de sua sorte
infeliz, Júpiter apareceu diante dele com seus raios e trovões em
mãos. Seria difícil imaginar o terror do pobre homem.
“Eu não quero nada”, disse ele, jogando-se no chão. “Vou de-
sistir de meus desejos se você, por sua vez, largar o seu trovão.
Seria uma troca justa!”
“Não tenha medo”, disse Júpiter. “Eu ouvi as suas queixas e eu
vim para mostrar-lhe como me julga injustamente. Escute, eu sou o
rei do mundo inteiro e eu prometo conceder-lhe três desejos, não
importa o que seja. Como a sua felicidade depende deles, pense
com cuidado antes de desejá-los.”
Com estas palavras, Júpiter retornou aos céus e o lenhador,
carregando o seu fardo de varetas, correu para casa. A carga do
fardo nunca lhe pareceu tão leve.
“Esta é uma questão de grande importância”, disse ele a si mes-
mo. “Eu, certamente, devo pedir a opinião de minha esposa.”
“Ei, Fanchon”, ele gritou quando entrou na casa de campo.
“Faça-nos um bom fogo. Estamos ricos para o resto de nossas vi-
das. Tudo o que temos a fazer é três desejos!”
Com isso, ele disse à esposa o que havia acontecido, e ela, em
sua imaginação, já começou a formar mil planos. Mas, perceben-
do a importância de agir com prudência, ela disse a seu marido:
“Acalme-se, meu querido, não vamos estragar tudo por sermos
impacientes. Devemos pensar sobre essas coisas com muito cuida-
do. Vamos adiar nosso primeiro desejo até amanhã. Vamos dormir
e pensar sobre isso.”

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 39


“Eu acho que você está certa”, disse ele. “Mas, primeiro, me
traga um pouco daquele vinho especial.”
Quando ela retornou, o lenhador bebeu do vinho e recostou-
-se na cadeira diante do fogo. “Para corresponder a tal esplêndida
situação”, ele disse, “gostaria que tivéssemos uma trilha de salsi-
chas. Isso, sim, seria muito bom!”
Mal tinha ele dito estas palavras quando sua esposa, para
seu grande espanto, viu uma longa trilha de salsichas passar
por eles como uma cobra, desde o canto da chaminé. Ela gri-
tou em alarme, mas percebendo que este foi o resultado do
desejo que seu tolo marido tinha feito, começou a repreendê-
-lo com raiva.
“Quando você pode ter um reino, com ouro, pérolas, rubis, dia-
mantes, roupas finas, tudo o que você deseja são salsichas!”
“Ai de mim”, respondeu o marido. “Eu estava errado, fiz uma es-
colha muito ruim. Admito meu erro. Da próxima vez vou fazer melhor.”
“Sim! “, disse a mulher. “Eu vou repetir isso até Dia do Julga-
mento. Para fazer uma escolha dessas, você deve ser muito burro.”
O marido, então ficou muito irritado e quase desejou que sua
esposa estivesse morta. “A humanidade”, disse ele, “nasceu para
sofrer. Maldição, e a culpa é das salsichas. Gostaria que tivesse uma
pendurada no fim do seu nariz!”
O desejo foi ouvido pelos céus no mesmo instante, e uma salsi-
cha pesou no nariz da mulher. Fanchon uma vez havia sido bonita
e, para dizer a verdade, este enfeite não teve um efeito muito
agradável. Como pendia do rosto dela, interferiu em sua conver-
sa, e isso foi uma vantagem para o marido, que nem pensou no
desejo malfeito.

Fonte: Harry Clarke (1889-1931)

“Com o meu desejo restante eu poderia muito bem me fazer


um rei”, disse ele a si mesmo. “Mas temos de pensar na rainha,
também, e sua infelicidade se ela fosse se sentar no trono com
seu novo nariz. Ela deve decidir o que ela quer: ser uma rainha
com um nariz de salsicha ou uma simples mulher e esposa de
um lenhador.”

40 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Diante disso, sua esposa e ele concordaram que não tinham
escolha. Ela nunca teria as riquezas, diamantes e roupas finas com
as quais tinha sonhado, mas que ela iria ser ela mesma novamente
se o último desejo fosse livrá-la da salsicha enorme e assustadora
que pendia de seu nariz.
E assim, o lenhador não mudou sua sorte, não se tornou um rei
e suas sacolas não estavam cheias de ouro, mas ele estava muito fe-
liz em usar o seu último desejo para restaurar em sua pobre esposa
o seu estado anterior.”
Fonte: <https://fairytalelandstories.wordpress.com/2014/05/15/os-desejos-ridiculos-de-
charles-perrault/>.

2.4.5 A reviravolta
Ao longo de todo o século XVIII, cresce a capacidade econômica da
burguesia emergente, o que marca a ascensão da família burguesa na
sociedade europeia. O aumento do seu poder político constitui uma nova
ordem social e cultural. E essa mudança de postura motiva uma visão
nova da criança, que não é mais vista como um adulto em miniatura e sim
como um ser que precisa de cuidados específicos para sua formação. Esse
novo status da infância também motiva uma reorganização da escola
(ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1987). Na área da educação, novos procedi-
mentos trabalham em prol da formação de um cidadão obediente. Logo
se descobriu que a literatura poderia ser um veículo eficaz para atingir
esse objetivo.
Portanto, consideramos que o que é chamado de literatura infantil
começa a existir de fato a partir do momento em que a mentalidade
do mundo burguês se consolida no decorrer do século XIX, como nos
conta Nelly Coelho (2010, p. 148). Seus valores se impõem, imprimindo
na literatura infantil emergente características que decorrem dessa nova
conjuntura. É aprovada como veículo de divulgação de uma ideologia
própria dos novos valores dessa sociedade.
Associadas à pedagogia, as histórias se convertem em instrumentos
dela. Buscam formar mentalidades, atitudes e comportamentos e ensi-
nar a criança a desempenhar seu papel na sociedade. Portanto, na sua
origem, o livro infantil teve uma natureza pedagógica ao invés de lúdica.
Incorporou valores e normas do mundo adulto para repassá-los às crian-
ças. Seu valor literário ficava em segundo plano.
Assim, as primeiras obras direcionadas a esse público-alvo aparecem
no mercado livreiro na primeira metade do século XVIII. Os editores pas-
sam a focar no público infantil e, num primeiro momento, são usadas
as mesmas histórias que datam do século XVII. Mais tarde surgem os
clássicos romances de aventura em lugares exóticos: em 1719, Robinson
Crusoé, de Daniel Defoe, e em 1726, As viagens de Gulliver, de Jonathan
Swift, posteriormente adaptados e que se destinam mais ao público juve-
nil. São histórias mais longas, apesar de episódicas, que demandam um
domínio maior da capacidade de leitura e por isso são mais apropriadas
para os jovens (LAATHS, 1967).

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 41


Figura 11 – Robinson Crusoé conta a história de um náufrago que vive quase 30 anos
em uma ilha habitada por canibais. As viagens de Guliver narram as experiências do
personagem título na fictícia ilha de Lilliput, habitada por pessoas minúsculas, de
aproximadamente 15 cm de altura

Fonte: Wikipédia11

O século XIX é marcado pelo sucesso de obras como as dos Irmãos Grimm
e de Andersen, que perduram até hoje e sobre as quais falaremos a seguir.

2.4.6 Grimm e Andersen no século XIX


Os Irmãos Grimm, Wilhelm e Jakob, folcloristas e filólogos alemães,
publicaram em Berlim, entre 1812 (parte 1) e 1815 (parte 2), sua obra
intitulada Histórias para crianças e para o lar (Kinder und Hausmärchen),
em que reescrevem antigas narrativas – lendas ou sagas germânicas. Nes-
sas narrativas, recolhidas diretamente da memória popular, buscavam re-
gistrar textos do folclore literário germânico. Os contos são em grande
número, no total 210, embora nem todos tenham se tornado amplamen-
te conhecidos, sendo que, até 1850, histórias novas foram acrescentadas,
a cada edição (ZIPES, 2001).
Apesar de vários desses contos serem quase que paráfrases das
histórias de Perrault, eles foram adaptados às novas tendências da
época, que vivia já as concepções idealizadas pelo Romantismo.
Assim, por exemplo, na conhecida história de Chapeuzinho verme-
lho, embora tanto na versão de Perrault como na versão dos Irmãos
Grimm, a menina tenha sido devorada pelo lobo, na versão francesa,
ela não sobrevive, mas na alemã, é retirada da barriga do lobo pelo
lenhador e tem a oportunidade de se arrepender e decidir “aprender
a lição”. As histórias já procuram levar em conta as necessidades da
mentalidade infantil e por isso suprimem alguns traços que poderiam
chocar as crianças.

11
WIKIPÉDIA. Carl Offterdinger (1829-1889). Robinson et Vendredi. Disponível em: <https://bit.
ly/2zquFhG>. Acesso em: 04 nov. 2018.
WIKIPÉDIA. Donaldson Brothers. Disponível em: <https://bit.ly/2D0bKh8>. Acesso em: 04 nov.
2018.

42 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


E, embora tenham sido (equivocadamente) traduzidas e consideradas
como contos de fadas, na verdade, suas histórias não têm a presença das
fadas. A maioria dos contos dos Grimm se constitui de contos de encan-
tamento, que apresentam transformações por encantamento, ou contos
maravilhosos, que apresentam o elemento mágico e sobrenatural como
algo natural. Sua coletânea inclui ainda algumas fábulas, lendas e contos
jocosos de domínio popular.

Figura 12 – Capa da primeira parte de Kinder und Hausmärchen (1812)

Fonte: Wikipédia12

Os primeiros contos do dinamarquês Hans Christian Andersen


(1805-1875) vêm a lume em 1835. O sucesso o leva a publicar um
volume por ano, totalizando 156 histórias. Inicialmente também o mo-
tiva a exaltação nacionalista, como aos Grimm na Alemanha. Por isso
ele igualmente se valeu da literatura popular, tanto oral como escrita,
mas, além disso, inventou histórias suas, acredita-se que baseadas em
fatos da vida real. Nesse sentido, Andersen parece ter chegado mais
longe, literariamente falando (ASH; HIGHTON, 1995). Entretanto, vá-
rias de suas obras têm um final triste, o que muitas vezes não agrada
às crianças, acostumadas a finais felizes e por eles ansiosas. Walt Dis-
ney, responsável por várias adaptações de histórias clássicas para o
cinema, deu à Pequena sereia, de Andersen, um final feliz, diferente
do final que lhe deu seu autor.
A primeira obra de Andersen foi uma coleção de Histórias maravi-
lhosas. Alguns autores, entre eles Bárbara de Carvalho (1987), acre-
ditam que suas histórias O patinho feio, Fábula de minha vida e, em
parte, A rainha da neve, sejam autobiográficas. Além dessas, entre as
mais conhecidas estão: O soldadinho de chumbo, A pequena sereia, A
roupa nova do rei, A princesa e a ervilha, A pastora e O limpador de
chaminés, A pequena vendedora de fósforos e Polegarzinha. O dia de
seu nascimento, 2 de abril, foi consagrado como o Dia Internacional
do Livro Infanto-Juvenil, o que aponta para a sua importância nessa
área.

12
WIKIPÉDIA. Erster Theil (1812). Grimm’s Kinder und Hausmärchen. Disponível em: <https://bit.
ly/2P91lXT>. Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 43


Figura 13 – Retrato de Hans Christian Andersen

Fonte: Thora Hallager (1821-1884)

Na continuidade, você certamente vai descobrir outras histórias que já


conhecia, mas talvez não soubesse que pertencem a esse período. Então
leia para descobrir.

2.4.7 E depois de Andersen...


A fórmula de histórias fantásticas ou maravilhosas foi ainda utilizada
por Lewis Carroll, escritor britânico que publica, em 1863, Alice no País
das Maravilhas (Alice in Wonderland). Na Itália, por Carlo Collodi que
publica As aventuras de Pinóquio (Le aventure di Pinocchio) em 1883
(COLLODI, 1979). Ainda na Inglaterra, o australiano de nascimento
Joseph Jacobs, que estudou o folclore inglês e coletou dados que
culminaram na publicação de seus Contos de fadas ingleses (English
Fairy Tales, disponíveis em <http://www.authorama.com/english-fairy-
tales-28.html>.), em 1890. Sua coletânea popularizou contos como
João e o pé de feijão (Jack and the Beanstalk), Cachinhos de ouro
e os três ursos (Goldilocks and the three bears), Os três porquinhos
(The Three Little Pigs), Jack, o caçador de gigantes (Jack the Giant
Killer) e O pequeno polegar (The History of Tom Thumb). Como editor,
também publicou fábulas indianas de Bidpai, fábulas de Esopo, bem
como edições de As mil e uma noites. Já no século XX, permanece a
presença do fantástico em histórias como Peter Pan, de James Barrie,
publicada em 1911.

44 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Figura 14 – Pinóquio conta a história de um boneco de madeira feito por um carpinteiro
de nome Gepeto, e que sonhava ser um menino de verdade. Já a história de Alice no
País das Maravilhas narra as aventuras da menina que cai em uma toca de coelho e é
transportada a um mundo utópico cheio de criaturas fantásticas e que pensam a partir da
lógica do absurdo

Fonte: Wikipédia13

Outra característica que acaba se firmando nas obras infantis é a in-


trodução de temas do cotidiano das crianças, em que está ausente o ele-
mento fantástico. A condessa Sophie Ségur, escritora russa que escreve
em francês, produziu várias obras (de 1857 a 1872), entre as quais são
mais conhecidas: Os desastres de Sofia (Les malheurs de Sophie) e As
meninas exemplares (Les petites filles modèles). Explorando essa mesma
temática, temos ainda Louisa May Alcott, escritora norte-americana que
escreve Mulherzinhas (Little Women) em 1868, e na Alemanha, Johanna
Spyri, que escreve Heidi, em 1937. Com todos esses autores, consolida-se
a chamada literatura infantil, apesar de que, pelo tamanho das narrativas,
poderiam ser consideradas mais adequadas para a faixa etária juvenil.

2.4.8 No Brasil, os primórdios


No Brasil, a tradição da literatura infantil e juvenil se inicia com Mon-
teiro Lobato (1882-1948), mas vamos ver o que houve antes dele. Até
1759 (reforma de Pombal), houve a ação dos jesuítas, que dissemina-
ram um acervo narrativo compreensivelmente moralista. Nos registros da
história desse percurso, entre 1759 e 1808, há segundo vários autores
uma lacuna de informações. A partir de 1808, e durante a maior parte
do século XIX, começam a circular, ainda que escassamente, os livros da
tradição europeia, que já estavam incorporados à portuguesa, mas que
ainda traziam predominantemente histórias exemplares. “Até o final do
século XIX, no mercado de livros destinados às crianças, para uso escolar
ou diversão, predominavam as versões nacionais dos originais franceses
e, até portugueses, sob a orientação dos professores brasileiros.” (LEÃO,
2004, p. 4).

13
WIKIPÉDIA. Carlo Chiostri (1863–1939). Le avventure di Pinocchio. Disponível em: <https://bit.
ly/2JDCKEv>. Acesso em: 04 nov. 2018.
WIKIPÉDIA. Sir John Tenniel. Alice. Disponível em: <https://bit.ly/2BtzKsk>. Acesso em: 04 nov.
2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 45


Foi nas duas últimas décadas do século XIX que se multiplicaram as
traduções e adaptações de obras infantis. Antes de 1880, circulavam no
Brasil, as histórias de autoria do cônego Christoph von Schmid, como
O carneirinho, A mosca, O canário (1856), A cestinha de flores (1858)
e Os ovos de páscoa (1860), todas consideradas edificantes e repletas
de preceitos cristãos. Tornaram-se conhecidas em função das traduções
e adaptações que delas fez Nuno Álvares Pereira de Souza “[...] a fim
de compor o repertório mais nacionalizado [...] da Biblioteca Infantil do
editor francês Baptiste Louis Garnier, que para isso o contratou.” (LEÃO,
2004 p. 4).
Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel são os que se encarregam da
tradução e adaptação de obras estrangeiras para crianças. Graças a
eles, circularam, no nosso país, Contos seletos das mil e uma noites
(1882), Robinson Crusoé (1885), Viagens de Gulliver (1888), As aven-
turas do Barão de Münchhausen (1891), Contos para filhos e netos
(1894) e D. Quixote de la Mancha (1901), todos traduzidos por Jan-
sen. Já as histórias clássicas de Perrault, dos Irmãos Grimm e de An-
dersen aparecem nos Contos da carochinha (1894), nas Histórias da
avozinha (1896) e nas Histórias da baratinha (1896), adaptadas por
Figueiredo Pimentel.
O barão de Paranapiacaba, segundo Leão (2004, p. 5), foi o organi-
zador da primeira biblioteca escolar brasileira, criada pelo Conselho de
Instrução do Império. O barão escolhia os livros a serem adotados nas
escolas. Além disso, traduziu as Fábulas de La Fontaine, que foram publi-
cadas pela Imprensa Oficial em 1886.
Buscando compor a trajetória cronológica das publicações infantis
no Brasil, embora algumas também já pertencendo à categoria juve-
nil, temos ainda, de Júlia Lopes de Almeida e sua irmã Adelina Lopes
Vieira, a obra Contos infantis, que vem a lume, em 1886, incluindo
27 contos e também 33 poemas. Já no início do século XX, em 1904,
Olavo Bilac e Coelho Neto lançam seus Contos pátrios e três anos de-
pois, em 1907, Júlia Lopes de Almeida escreve Histórias da nossa terra.
Em 1910, surge a longa narrativa Através do Brasil, de Olavo Bilac e
Manuel Bonfim.
Segundo Válio (1990, p. 17-18), a primeira coleção de livros, publica-
da especialmente visando ao público infantil, foi organizada por Arnaldo
de Oliveira Barreto e lançada em 1915. Chamou-se Biblioteca Infantil e
representa um marco na história da literatura infantil, principalmente em
São Paulo, permanecendo por dez anos sob sua direção. Constituía-se
em uma coletânea de cem livros, incluindo títulos de Perrault, Grimm,
Andersen, Swift e adaptações das histórias d’As mil e uma noites, inician-
do a série com O patinho feio.
E em 1917, Júlia Lopes de Almeida lança Era uma vez, em que
inclui contos maravilhosos, acrescentando-lhes moralidades. Com o
romance Saudade, de Tales de Andrade, publicado em 1919, em que
o autor tenta imprimir uma maior naturalidade à nossa forma de falar,
praticamente, encerra-se esse primeiro período da literatura infantil e
juvenil brasileira.

46 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Multimídia
Você pode ler algumas das obras de autores desse período (1880-
1910) em:
<http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/LiteraturaInfantil/
index.htm>.

Atenção
Você certamente leu algum livro de Monteiro Lobato na sua infân-
cia. Lembra qual foi? Não? Nunca leu Monteiro Lobato? Então você
não sabe o que está perdendo. Leia o texto a seguir. Talvez você
possa se convencer de que vale a pena ler.

2.4.9 Monteiro Lobato: enfim uma literatura infantil


brasileira
Como já foi mencionado, o marco considerado fundador da literatura
infantil no Brasil é a publicação de A menina do narizinho arrebitado, de
José Bento Monteiro Lobato, em 1920 (COELHO, 2010). Embora os livros
de Lobato tenham ficado rotulados como literatura infantil, e por isso são
comentados nesta aula, seus livros na verdade se destinam já a leitores
mais fluentes e que consigam encarar textos mais longos. A figura de
Lobato é tão fulcral que Coelho (2010) divide nossa literatura infantil da
seguinte maneira: fase precursora, que corresponde ao que chama de
período pré-lobatiano, que se estende de 1808 a 1919 e antecede Loba-
to; a fase moderna, equivalente ao período lobatiano, correspondente ao
período entre os anos 1920, data de sua primeira obra, e 1970, e a fase
pós-moderna, ou o período pós-lobatiano, que tem início nos anos 1970
e se estende até os dias de hoje.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 47


Figura 15 – A menina do narizinho arrebitado, de Monteiro Lobato:
o marco fundador da literatura infantil no Brasil

Fonte: Conrado Leiloeiro14

Lobato preocupou-se em escrever em uma linguagem mais atraente


para o público infantil e juvenil. Faz questionamentos típicos de seu pos-
sível leitor, introduz a oralidade em seu texto e apresenta cenários bem
brasileiros em suas histórias. Além de autor, Lobato também traduziu e
adaptou várias histórias. Depois de sua obra de estreia, ainda publicou
mais de 20 livros, dentre os quais destacamos alguns a seguir.
Viagem ao céu, publicado em 1932, em que Emília, a boneca falante,
resolve ressuscitar o Visconde de Sabugosa, que tinha se afogado. Ele de
fato volta à vida, mas com uma dupla personalidade – é o Visconde, mas
também o Dr. Livingstone, um sábio inglês. E foi com ele que Pedrinho,
Narizinho e Emília resolveram aventurar-se em uma viagem ao céu, acom-
panhados de Tia Nastácia e do burro falante.
Em Caçadas de Pedrinho, de 1933, Lobato conta a história do Mar-
quês de Rabicó, que, ouvindo um miado de gato muito mais forte e alto
do que poderia emitir um simples gatinho, imaginou que só um gato gi-
gante, ou seja, uma onça, seria capaz de um miado desses. Pedrinho, to-
mando conhecimento do fato, convenceu Narizinho a empreender uma
aventura, sem conhecimento dos adultos. As duas crianças, acompanha-
das de Emília, do Marquês de Rabicó e do Visconde de Sabugosa se põem
a caminho, para caçar a onça. Mas os outros animais resolveram ficar do
lado da onça e bolaram um plano de guerra contra eles. Se você ficou
curioso para saber como acaba essa história, sugerimos que leia o livro.

14
CONRADO LEILOEIRO. Disponível em: <http://www.conradoleiloeiro.com.br/peca.
asp?ID=1758877>. Acesso em: 04 nov. 2018.

48 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Figura 16 – As caçadas de Pedrinho e Viagem ao céu: obras
clássicas da literatura infantil, de Monteiro Lobato

Fonte: Pinimg15; Traça16

Uma das personagens mais marcantes na obra de Lobato é a simpática


Emília, uma boneca de pano feita por Tia Nastácia e recheada de macela.
Ela se torna uma boneca falante, em função de uma “pílula falante” que
lhe receitou o Dr. Caramujo. Ela é, na verdade, uma figura central de mui-
tas das obras de Lobato. De algumas faz parte desde o título, como em
Emília no País da Gramática (1934) e Memórias da Emília (1936). É uma
boneca birrenta, malcriada, teimosa, egoísta, mas extremamente esperta.
É cheia de vontades, diz o que bem entende e, quando leva bronca, finge
que nem é com ela. De certa forma, ela representa ludicamente carac-
terísticas de crianças e jovens. Assim, com humor, Lobato faz as crianças
rirem de seus próprios defeitos.

Figura 17 – Caricatura de Monteiro Lobato

Fonte: Wikipédia17

15
PINIMG. Disponível em: <https://i.pinimg.com/originals/cd/c7/3d/
cdc73d0d9848d042757688be3044d919.jpg>. Acesso em: 04 nov. 2018.
16
TRAÇA. Disponível em: <https://www.traca.com.br/livro/1065067/cacadas-pedrinho/>. Acesso
em: 04 nov. 2018.
17
WIKIPÉDIA. André Koehne. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Monteiro_Lobato >.
Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 49


O período lobatiano se caracteriza pela presença de sua obra e também
pela tendência de vários autores do período que usam, a exemplo de Lobato,
um realismo maravilhoso, em que o maravilhoso é incorporado ao real. Ao
lado desses autores, na década de 1930, ainda continuavam sendo publica-
dos contos maravilhosos, histórias sobre a realidade cotidiana ou realidade
histórica, com exaltação da terra, de heróis e episódios nacionais e lendas.
Entre os autores que começam a escrever obras para o público infantil e tam-
bém juvenil estão Graciliano Ramos, Malba Tahan, Orígenes Lessa e Viriato
Correa, que serão comentados na aula sobre literatura juvenil.
Nos anos 1940, no ensino primário, ainda era recomendada uma lite-
ratura comprometida com a educação pragmática da criança, que cum-
prisse a missão de formar o cidadão. Nesse momento, há certa volta ao
conservadorismo e as qualidades literárias de várias obras praticamente
cedem lugar ao elemento didático (COELHO, 2006).
Também houve no período uma reação negativa aos contos de fa-
das, acusados de falsificar a realidade e de ter o poder de provocar uma
imaginação doentia, e uma consequente evasão do real. Em escolas de
orientação religiosa, Lobato passa a ser proibido.
Alguns dos autores que começam a escrever literatura infantil nesse
período são Hernâni Donato, que reescreve narrativas da tradição portu-
guesa, entre elas sobre o herói sem caráter Pedro Malasartes, originário
da Península Ibérica; Lúcia Machado de Almeida, presença de destaque
dessa geração, que acaba escrevendo mais para o público juvenil. Maria
Lúcia Amaral, Mario Donato e Odette de Barros Mott. Esta última com
uma vasta produção de obras, constituindo-se sua obra para crianças
de mais de 30 títulos, escritos de 1949 até 1990. Seus personagens são
crianças, mas também animais, plantas, ou mesmo seres maravilhosos.
Suas histórias costumam valorizar a amizade e a generosidade, sempre
com muita fantasia.
Alguns dos autores que começam a escrever literatura infantil na dé-
cada de 1950, redescobrindo e enfatizando a fantasia, são Maria Heloisa
Penteado, Maria José Dupré e Therezinha Casasanta.
Maria Heloisa Penteado foi autora e também ilustradora, basicamente
de livros juvenis. De seus livros infantis, destaca-se Lúcia Já-vou-indo, que
foi originalmente escrito em 1949, quando foi publicado na Página Femi-
nina do jornal O Estado de São Paulo, tendo sido posteriormente publi-
cado como livro em 1978. Trata das dificuldades de Lúcia, uma lesminha,
para chegar a uma festa de aniversário.
Apesar desses autores, pode-se dizer que até os anos 1960 um certo
retrocesso em termos de criatividade se faz sentir. O modelo de Lobato é
seguido de modo repetitivo, mas sem a sua preocupação de retratar uma
diversidade cultural ou linguística. Com o avanço do processo industrial, a TV
emergente acaba sendo consumida em larga escala e muitas obras acabam
absorvendo procedimentos da produção cultural de massa para adultos.
Mas há alguns autores que se destacam. Lucia Pimentel Góes é uma
entre eles. A autora tem uma considerável produção para crianças e pré-
-adolescentes, que começa a publicar a partir de 1969. Entre os vários
títulos que escreveu para crianças pequenas podemos citar A maior boca
do mundo, O dedal da vovó, entre outros. Na primeira, conta a história
de Laurita, uma menina curiosa que precisa descobrir qual é a maior boca
do mundo para ganhar como prêmio uma caixa de bombons de sua avó.
A história se desenrola de maneira acumulativa, a cada página acrescen-

50 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


tando um personagem. O segundo livro conta a história de um dedal
brincalhão que prega peças à vovó, sua dona.
Durante o período dos governos militares, escritores de livros infantis
e juvenis recorreram a uma linguagem figurada e simbólica, para evi-
tar perseguições e, ainda assim, fazer denúncias sociais em suas obras,
nem sempre seguindo os princípios da proposta pedagógica. Exemplos
disso são duas obras de Ruth Rocha, O reizinho mandão, de 1978, em
que satiriza a prepotência dos que têm autoridade instituída; e O rei que
não sabia de nada (1980), que conta a história de um rei que, por viver
afastado de seu povo, apenas se informa da realidade com seus minis-
tros corruptos, que permanentemente o enganam. Assim, crê que esteja
sempre tudo bem. A história muda de rumo por uma situação nova que
ao final se resolve com o povo assumindo o comando e mandando o rei
para longe, para não atrapalhar.
Nesse período final da década de 1960, o cenário começa a mudar. A
ilustração começa a se impor como forma de comunicação e se configura
como um desses elementos renovadores que desencadeiam um boom da
literatura para crianças. A ilustração passa a ter valor igual ou até maior
do que o texto, dependendo da faixa etária a que se destina o livro. Al-
guns nomes que surgem e se tornam importantes como ilustradores e
também autores são Ziraldo, Ângela Lago, Eva Furnari, Eliardo França,
entre outros.
Mais adiante, teremos uma seção sobre a ilustração, mas primeiro, va-
mos saber um pouco sobre a literatura infantil que veio depois de Lobato.

2.4.10 Depois de Lobato


No Brasil dos anos 1970, a criança passa a ser vista como um consumi-
dor em potencial. Acontece a reescritura de vários contos de fadas, buscan-
do “limpar” as histórias dos elementos considerados nocivos ou impróprios
para as crianças. Surgem também obras que polemizam a realidade social
e, ainda, obras que abordam temas não usuais para crianças. Nesta última
categoria, destacou-se a Coleção do Pinto, que repercutiu intensamente
na época, pois representou uma nova forma de arte e de se posicionar
frente ao leitor infantil. Segundo Zilberman (1981), propunha-se a manter
a criança com os pés na terra, na realidade, posicionando-se contra o que
foi considerada uma atitude protecionista em relação à criança. Abordava
temas considerados tabus para crianças até então, como morte, início da
puberdade, famílias divorciadas, miséria. O livro O menino e o pinto do
menino, de Wander Pirolli, publicado em 1975, deu nome à coleção que
foi saudada como vanguardista, mas também sofreu muitas críticas.
Entre os autores que se destacaram a partir da década de 1970 e
continuaram escrevendo para o público infantil, alguns até hoje, pode-se
mencionar Ana Maria Machado, Fernanda Lopes de Almeida, Ruth Ro-
cha, Sérgio Capparelli, entre outros. Sobre alguns comentaremos aqui,
enquanto outros serão comentados na unidade sobre literatura juvenil.
Ana Maria Machado tem uma vasta produção, tanto voltada ao pú-
blico infantil quanto juvenil. Destacamos, entre os destinados às crian-
ças, Camilão, o comilão e Menina bonita do laço de fita. Ambas histó-
rias de acumulação, bastante adequadas para serem lidas ou contadas
a crianças bem pequenas. A segunda enfatiza a beleza da cor negra da
menina bonita, valorizando uma etnia que poucas vezes figura como
protagonista.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 51


Explicativo
As histórias de acumulação apresentam um evento desencadea-
dor da narrativa, que a partir daí é contada de maneira repetitiva,
ou seja, a mesma ação é realizada por diversos personagens e a re-
petição de um mesmo acontecimento se dá por acumulação: surge
um personagem, que não consegue resolver a questão levantada
pela história, aparece outro, que também não consegue, e assim
sucessivamente. Esse tipo de estrutura facilita a antecipação do que
virá por parte das crianças, tornando mais fáceis a leitura e a reten-
ção da história.
Fonte: <https://www.portaltrilhas.org.br/download/biblioteca/caderno-de-orientacoes-
historias-com-acumulacao.pdf>.

A característica principal de Fernanda Lopes de Almeida é sua habili-


dade de criar incontáveis possibilidades de alterar a visão de mundo tra-
dicional. Em O gato que pulava em sapato (1978), conta-nos uma história
de um gato que, mesmo caindo do telhado ao fazer suas explorações de
mundo e assim se expondo a perigos que sua dona queria evitar, aprende
que o excesso de proteção pode não ser tão bom. Além deste, outros
títulos extremamente interessantes para esta faixa etária são: A curiosida-
de premiada, de 1977; Pinote, o fracote e Janjão, o fortão; A margarida
friorenta, estes últimos – ambos de 1980 – obras que podemos destacar
por suas temáticas que incentivam reflexões e questionamentos em nível
adequado a essa faixa etária.
Ruth Rocha é, na verdade, uma presença magna na literatura infantil
brasileira, autora de uma grande quantidade de obras infantis, princi-
palmente para crianças já totalmente alfabetizadas. Também publicou,
entre 1976 e 1977, quatro títulos na Coleção Beija-flor: Palavras muitas
palavras; A primavera da lagarta; Bom dia, todas as cores e Nicolau tinha
uma ideia. Este último foi selecionado, em 1980, pela FNLIJ, como “alta-
mente recomendável para crianças”. Em suas páginas, há espaços para
as crianças também desenharem e assim integrarem as suas ideias às de
todo o mundo.
Na década de 1980, com a abertura política em andamento e a es-
colarização em expansão, há uma verdadeira explosão de publicações de
obras destinadas ao público infantil. O livro torna-se produto de consumo
como qualquer outro, o que favorece a proliferação de livros, alguns sem
nenhum valor literário. A demanda por constantes novidades, por vezes
enfraqueceu a qualidade das obras, situação que não deixou de existir
completamente. Ora gerando edições de alta qualidade gráfica e estética;
ora revelando escritores meramente preocupados em comercializar, produ-
zindo obras que pecam pelo pedagogismo e não contribuem para o de-
senvolvimento da criatividade e fantasia da criança (LAJOLO; ZILBERMAN,
1985).
Eva Furnari começa na década de 1980 sua carreira como ilustradora,
voltando-se posteriormente também à escrita própria. Produz uma grande
quantidade de obras infantis excelentes, inclusive para pré-leitores, com
livros apenas de imagens, mas também escrevendo para o público jovem.

52 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Sylvia Orthoff começou escrevendo para a revista Recreio, em 1979,
a convite de Ruth Rocha, e inicia dando início a uma vasta produção lite-
rária, de mais de cem títulos, tanto para o público infantil como para o
juvenil. Entre eles, destacamos Maria vai com as outras (1982), que conta
a história de uma ovelha que sempre fazia o que as outras faziam, até
que um dia se questionou porque deveria saltar do alto do Corcovado,
só porque as outras estavam saltando. A partir daí, começa a tomar suas
próprias decisões. Suas histórias são recheadas de humor inteligente que
instiga a imaginação, mas também a reflexão das crianças.
Tatiana Belinky também é autora de obras destinadas tanto às crianças
como aos jovens, predominantemente às primeiras. Seus livros incluem
histórias do cotidiano, como também rescrituras de contos populares,
como em O caso do bolinho e O grande rabanete.
No último quartel do século XX e nessas primeiras décadas do século
XXI, observam-se ainda em nosso país dois polos no que é publicado para
o público infantil: de um lado, a presença do pedagogismo e a massificação
e, de outro, propostas emancipatórias e uma maior liberdade expressiva
(COELHO, 2006). Obviamente, o mercado editorial tem sua parcela de res-
ponsabilidade no que tange à qualidade literária questionável de algumas
obras disponíveis. Mas, felizmente, também, um grande número de auto-
res que escrevem para o público infantil, hoje, cria textos que têm qualida-
de literária (em conjunto com ilustradores que criam imagens instigantes),
muitas vezes permeados de humor. Geram assim um conjunto que propicia
reflexão e questionamentos, sem esquecer o elemento lúdico, tudo tempe-
rado com certa dose de maravilhoso ou de fantástico. Deste período, po-
demos mencionar alguns dos principais autores que se dedicam ao público
dessa faixa etária: Flavia Muniz, Leo Cunha, Liliana Iacocca, Luiz Galdino,
Mirna Pinsky, Sonia Junqueira, o poeta José Paulo Paes e os autores ilustra-
dores Luis Camargo, Marina Colasanti e Ricardo Azevedo.
Observa-se que a literatura infantil se configura como um campo cul-
tural em expansão que está em permanente mudança. Entretanto, la-
mentavelmente, ainda hoje, o mercado editorial muitas vezes lança tex-
tos que consideram a criança como um ser demasiado ingênuo, incapaz
de entender textos mais complexos.

2.5 A ILUSTRAÇÃO
“Para a criança, toda figura conta uma
história.” (Laura Sandroni).

“And what is the use of a book,” thought


Alice, “without pictures or conversa-
tion?” (Lewis Carroll, Alice’s Adventures
in Wonderland).

Vivemos em um mundo hoje no qual a onipresença da imagem já não


é mais contestada. E sua importância decorre exatamente daí. Hernández
(2007, p. 28), reconhecendo essa realidade, afirma: “É-nos dito que vive-
mos em um mundo em que tanto o conhecimento quanto muitas formas

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 53


de entretenimento são visualmente construídos.”. A forma como lemos
essas imagens está diretamente condicionada à nossa experiência – ao
que conhecemos, ao que gostamos, ao que sentimos. Crianças leem in-
formação visual antes de aprender a língua, ou o código escrito.
A ilustração (ou código pictórico) se constitui numa comunicação mais
direta do que o código verbal escrito, que é representado de forma abs-
trata. A imagem é mais fácil de ser entendida, seu sentido mais rapida-
mente identificado. Por isso é um elemento importante, especialmente
para crianças em fase de pré-alfabetização ou alfabetizatória propriamen-
te dita. A imagem de uma casa é prontamente identificada; já o entendi-
mento de sua representação gráfica escrita demanda e supõe o domínio
de uma habilidade mais específica. Uma ilustração de qualidade no livro
infantil colabora com a educação estética da criança e a fundamenta.
Quando essa percepção se desenvolve na criança, ela percebe que a figu-
ra de um menino não precisa ser necessariamente igual a um menino de
verdade, com a mesma cor da pele, o mesmo formato, etc.
Obviamente não podemos supor ingenuamente que toda ilustração
tem um nível estético artístico. Ou que o livro infantil tem qualidade ape-
nas porque contém muitas ilustrações. Apesar do investimento feito por
muitas editoras, ainda é significativo o número de obras em que se pode
identificar certa pobreza da imagem, quando se limita a meramente “re-
petir” o texto, deixando de estimular o pequeno leitor a descobrir novos
caminhos, e ampliar a perspectiva da narração textual.
Poon (2016) enfatiza que as ilustrações auxiliam crianças em estágios
de desenvolvimento iniciais, entre 2 e 6 anos, a aprender a observar movi-
mentos, gestos, emoções, posições e estados de espírito. Além disso, su-
gere que as conexões que se formam entre a imagem do livro, as imagens
mentais e as palavras ajudam as crianças a entender melhor, tornando-as
capazes de filtrar significado, apesar de não terem ainda vocabulário sufi-
ciente para expressar exatamente como se sentem. Ainda, segundo Poon
(2016), para crianças com dificuldades de aprendizado, o componente
pictórico promove uma estimulação sensorial ativa e facilita a consolida-
ção do processo de alfabetização.
As cores, formas, palavras e os temas nos livros infantis são contextos
fundamentais que ajudam as crianças a ampliar e desenvolver o pensa-
mento baseado na imagem, o pensamento visual.
Luis Camargo, em entrevista concedida a Frieda Barco, diz que a ima-
gem pode desempenhar funções semelhantes às da palavra. E enumera
as funções da ilustração: a função descritiva, a função narrativa, a função
simbólica, a função expressiva, a função ética, a função estética e a fun-
ção lúdica (CAMARGO,1995 e 2006).
A ilustração tem uma função descritiva porque pode descrever de ob-
jetos a personagens; é a função que predomina nos livros didáticos e
informativos. Sua função também é narrativa porque conta uma história.
Além disso, tem uma função expressiva, pois expressa emoções através da
postura, de gestos e expressões faciais dos personagens, bem como dos
próprios elementos plásticos, como cor, espaço, luz, linha, etc. Nas áreas
menos concretas, pode ter uma função simbólica, pois pode representar
uma ideia. Sua função ética se mostra pela presença de questões éticas
no texto. Sua função estética se evidencia na maneira como foi realizada,
nos elementos visuais artísticos que estão presentes. Por fim, a função
lúdica da ilustração, que consiste na própria maneira de representar, pela
ilustração, um jogo a ser explorado pela criança. Quando a ilustração se

54 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


transforma em jogo ao longo de todo o livro, temos o livro-brinquedo,
que se caracteriza como um “gênero” híbrido.
A ilustração de qualidade só tem a contribuir para o desenvolvimento
da criança, pois aguça a percepção, desenvolve a observação, protege
contra o bombardeamento de materiais estereotipados; e estimula o ra-
ciocínio e a criatividade da criança.
Já a ilustração de má qualidade pode reforçar estereótipos e precon-
ceitos, ou simplesmente empobrecer a narrativa. Maus ilustradores re-
duzem as possibilidades do texto escrito por meio de uma interpretação
rasa, apontando em uma única direção. No que tange a ideologias e
preconceitos, Vergueiro (2010) alerta sobre a necessidade de verificar se
as obras incluem as minorias e de que forma estas são apresentadas. Em
que posição elas figuram na história. E é preciso se perguntar: Seu papel
na narrativa reforça preconceitos já consolidados? As minorias são sem-
pre retratadas de forma negativa ou depreciativa?
Então, é desejável que os materiais oferecidos à criança sejam atraen-
tes, estimulem seu pensamento crítico e a auxiliem a construir interações
sociais, pois esta deveria ser a base para a criação de livros infantis hoje.

Figura 18 – Em 1947, Bryna e Louis Untermeyer, um casal de editores americanos,


compilaram uma coleção de 71 histórias que acreditavam representar as melhores e mais
duradouras obras da literatura infantil existentes. Diversos artistas ilustraram contos
de Andersen, dos Irmãos Grimm, e de Perrault, dentre outros. Poo-Poo e os dragões, do
romancista inglês Cecil Scott Forester – originalmente publicado em 1942 – faz parte da
coletânea lindamente ilustrada

Você sabe o que é um livro


xilografado ou xilográfico?
Os chamados livros xilográficos
são livros produzidos na segunda
metade do século XV, cujas
páginas eram estampadas a partir
de blocos de madeira em que
eram entalhados tanto o texto
quanto as ilustrações. Esses livros
consistiam de aproximadamente
Fonte: Flickr18 50 folhas que divulgavam quase
que exclusivamente o pensamento
religioso cristão predominante
no período medieval. Como,
na época, a maior parte da
2.5.1 O livro infantil ilustrado população não era alfabetizada,
ou era apenas semialfabetizada,
Em 1456, a partir da contribuição de Gutenberg, surge o livro impres-
as ilustrações eram bastante
so em tipos móveis, barateando-o assim consideravelmente. Entretanto,
importantes e visavam elucidar
durante todo o século XVI, a literatura produzida na Idade Média ainda o que talvez ficasse obscuro nas
continua a circular, oralmente, em manuscritos ou em livros xilografados palavras. Uma das obras impressa
ou xilográficos. xilograficamente foi a Biblia
Na tradição ocidental, podemos rastrear os primeiros livros infantis pauperum (Bíblia dos pobres), cuja
primeira edição data de 1420.
ilustrados até o século XVII. Mais precisamente em 1653, na Alemanha,
Era chamada assim porque era
surge o primeiro livro com texto e imagem para crianças – o Orbis sen- mais barata do que uma edição
completa da Bíblia.
18
FLICKR. Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/dogwelder/47906451>. Acesso em 04
nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 55


sualium pictus (O mundo visível em imagens), semelhante a uma enciclo-
pédia ilustrada. Obra do pedagogo e filósofo Comenius, que foi inicial-
mente publicado apenas em latim e posteriormente, em 1658, em edição
bilíngue (CARVALHO, 1987).

Figura 19 – Introdução do Orbis sensualium pictus,


edição bilíngue de 1658

Fonte: Wikimedia19

Entendemos aqui ilustração como Luís Camargo (1995, p. 16) “[...]


toda imagem que acompanha um texto. Pode ser um desenho, uma pin-
tura, uma fotografia, um gráfico, etc.”.
A ilustração de livros infantis começou a ganhar impulso depois da
edição de 1862 da obra de Perrault, ilustrada por Gustave Doré. A con-
cepção do livro fazia parte de um projeto editorial de livros de luxo, con-
cebendo o livro como um objeto de arte, em que o texto e a ilustração
tinham igual valor. Coincidentemente, o novo conceito de infância tam-
bém nasce nesse período, assim poder-se-ia dizer que o próprio conceito
de literatura infantil carrega desde o princípio uma relação estreita entre
a palavra escrita e a ilustração (ABREU, 2010).

Figura 20 – Chapeuzinho e o lobo

Fonte: Gustave Doré20

19
WIKIMEDIA. Comenius. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/w/index.
php?curid=16076229>. Acesso em: 04 nov. 2018.
20
WIKIPÉDIA. Little Red Riding Hood. Disponível em: <https://bit.ly/2PM9p0h>. Acesso em: 04 nov.
2018.

56 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Multimídia
Você pode se deliciar com as outras ilustrações originais da obra
de Perrault, feitas por Gustave Doré no site da Biblioteca Nacional
Francesa em: <http://expositions.bnf.fr/orsay-gustavedore/albums/
contes/>.

A ilustração no livro infantil passou de simples ornamento ao status


de linguagem. Hoje, não se entende mais a ilustração como um simples
enfeite do texto. Ela representa diferentes possibilidades de leitura de um
mesmo texto, porque é uma linguagem, que anda junto com o texto e
dialoga com ele. Para ser de fato enriquecedora, a ilustração não deveria
simplesmente repetir o que o texto diz, pois neste caso, seria desneces-
sária (CAMARGO, 1995). Uma boa ilustração sugere além do que está
expresso no texto, embora tenha tido o texto como referência, pois se
constrói na própria imaginação do ilustrador. Mesmo quando trabalha
junto com o escritor, o ilustrador é também um autor. Como a literatura é
um texto plurissignificativo, é desejável que o ilustrador tenha experiência
como leitor de literatura. Ele também narra através de suas ilustrações e
torna possível um novo tipo de leitura. Os detalhes na ilustração enrique-
cem a imaginação infantil e contribuem positivamente para o desenvol-
vimento do leitor.
Nos primeiros livros infantis o papel da ilustração era muito secundá-
rio. Embora os primeiros ilustradores tenham sido artistas como Gustave
Doré, primeiro ilustrador dos livros de Perrault e La Fontaine, no século
XIX ainda eram escassas as páginas que continham esses acréscimos, em
geral para marcar que se tratava de literatura infantil. Mas já tendo o
objetivo de facilitar o entendimento do texto, ou ainda de torná-lo mais
atraente. Van der Linden (2011, p. 9) relata que:

Entre meados do século XVIII e a Primeira Guerra Mun-


dial, houve uma enorme diversificação nos tratamen-
tos dados ao projeto gráfico de livros para crianças,
com uma inventividade que demorou a ser superada.
Os livros variavam em tamanho e preço, do humilde ao
sofisticado, faziam uso das mais avançadas tecnologias
de impressão e de manufatura de encadernação, que
tornavam possíveis novos gostos e modas.

Acrescenta ainda que “[...] as pessoas criativas produziam muitos ob-


jetos genuinamente prazerosos, mas permaneciam anônimas.” Entretan-
to, já no final do século XX e nessas primeiras décadas do século XXI, não
se consegue mais pensar em livro infantil dissociado de ilustrações. E de
tal forma cresceu sua importância, que as editoras hoje investem pesado
em ilustradores de renome para criar seus textos imagéticos. Estes, não
apenas acompanham o texto escrito dos autores, mas com eles estabe-
lecem, pelo menos idealmente, uma autêntica interação. Muitas vezes
ocorre que a criança esteja mais interessada no texto imagético do que
no texto verbal, mesmo já estando alfabetizada.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 57


Atenção
Você já reparou no papel que a ilustração pode desempenhar
no reforço de preconceitos já consolidados?

Na tradição do livro infantil, vários são os nomes e estilos de ilus-


tradores que contribuíram para o seu enriquecimento. Entre os nomes
que se destacaram, estão o pioneiro ilustrador francês Gustave Doré, os
alemães Willy Planck, Hanns Acker, os ingleses George Cruikshank, Mi-
chael Hague, Edmund Dulac e Walter Crane, os norte-americanos Elenore
Abbott, a escocesa Anne Anderson, de estilo Art Nouveau.

Figura 21 – O flautista de Hamelin, A bela e a fera, Chapeuzinho vermelho, Cinderela

Fonte: Wikimedia21; Wikipédia22; SurLaLune Fairy Tales23

21
WIKIMEDIA. Gustave Doré. Cinderella. Disponível em: <https://bit.ly/2zvKgNc>. Acesso em: 04
nov. 2018.
WIKIMEDIA. Walter Crane. Little Red riding hood meets The Wolf in the woods. Disponível em:
<https://bit.ly/2DoIO3e>. Acesso em: 04 nov. 2018.
22
WIKIPÉDIA. Anne Anderson. Beauty and the Beast. Disponível em: <https://bit.ly/2qslI3v>. Acesso
em: 04 nov. 2018.
23
SURLALUNE FAIRY TALES. The stone in the cock’s head. Disponível em: <https://bit.ly/2CZqnkQ>.
Acesso em: 04 nov. 2018.

58 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Figura 22 – A princesa e o grão de ervilha, João e Maria

Fonte: Wikipédia24

Como se pode observar nos diferentes exemplos de ilustradores atra-


vés dos tempos, estilos variam. É importante oferecer uma diversidade às
crianças, sempre que possível. Além de vários estilos de escrita, também
uma diversidade de ilustradores. Isso propicia que se familiarizarem com
esses diferentes modos de representação pictórica e apurem seu senso
estético, capacitando-as a perceber o que mais lhes agrada, suas prefe-
rências.
Durante o século XIX, a Inglaterra se destaca na publicação de livros
para crianças, principalmente os chamados chapbooks. Abaixo você
pode ver duas páginas de um chapbook, ilustrando a história da casa
que Jack (Joãozinho) construiu, uma história rimada e de acumulação,
publicada por volta de 1820.

Figura 23 – The House That Jack Built (1820)

Fonte: Autor desconhecido 25

24
WIKIPÉDIA. Edmund Dulac. A princesa e o grão de ervilha. Disponível em: <https://bit.
ly/2D2Qg3m>. Acesso em: 04 nov. 2018.
WIKIPÉDIA. Carl Offterdinger. João e Maria. Disponível em: <https://bit.ly/2PzVHxl>. Acesso em:
04 nov. 2018.
25
Disponível em: <https://www.bl.uk/collection-items/the-house-that-jack-built>. Acesso em: 04
nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 59


Entre 1900 e a Segunda Guerra Mundial, os livros infantis passam a
ser um negócio lucrativo. As novas produções deslocaram-se para os Es-
tados Unidos, que passam a ter o controle do mercado. Observa-se que,
desde a década de 1980, a oferta se ampliou enormemente, assim como
a variedade e a qualidade do livro infantil, que via de regra é ilustrado e
categorizado para as diferentes faixas etárias. Mas essa explosão biblio-
gráfica também trouxe consigo o aparecimento de obras de pouca ou
nenhuma qualidade, acrescentando à tarefa de seleção a necessidade de
um maior cuidado e a aplicação de critérios.

Curiosidade
Chapbooks (cheap books = livros baratos) – eram livros impressos
rusticamente e por isso muito baratos para os padrões da época;
eram vendidos pelos chapmen, espécie de vendedores ambulantes,
que circularam do século XVI até o XIX. Apresentavam geralmen-
te versões resumidas de romances, como Robinson Crusoé, Dom
Quixote, fábulas, baladas e contos populares, ilustrados com xilo-
gravuras.
Fonte: <https://www.bl.uk/romantics-and-victorians/articles/chapbooks>.

Para Góes (1984), é desejável que o livro infantil atinja seu leitor mirim
em três níveis: o racional, que privilegia o pensamento lógico, e no qual
é possível à criança distinguir o real do imaginário; o nível da linguagem,
em que a criança tem a possibilidade de ampliar seu vocabulário, melho-
rar sua escrita e aperfeiçoar a clareza, e, por fim, oportunizando o conhe-
cimento da realidade social, do mundo e de seus problemas, o livro leva
a criança a atingir o nível cultural.
No que tange ao livro ilustrado, é preciso dar atenção também às
relações que se estabelecem entre texto e imagem, verificando se es-
tas propiciam o exercício da imaginação. Van der Linden (2011) em sua
obra Para ler o livro ilustrado, afirma que “[...] o livro ilustrado evoca
duas linguagens: o texto e a imagem. Quando as imagens propõem uma
significação articulada com a do texto, ou seja, não são redundantes à
narrativa, a leitura do livro ilustrado solicita apreensão conjunta daquilo
que está escrito e daquilo que está mostrado.” (p. 8). A mesma autora
analisa que existem três tipos de relação que se podem identificar entre
o texto e a imagem no texto infantil. Refere-se à redundância, relação
que constitui “[...] uma espécie de grau zero [...]” porque “[..] não pro-
duz nenhum sentido suplementar.” (p. 120). Ou seja, a ilustração poderia
até nem estar ali. À colaboração, em que o sentido é produzido pela
relação necessária entre ambas as linguagens, sendo que se enriquecem
mutuamente. E à disjunção, em que texto e imagem não se encontram,
ou seja, contam histórias paralelas, não exatamente convergentes, pare-
cendo até que se ignoram por completo.

60 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Assim, o desejável em relação ao livro infantil ilustrado é que as lingua-
gens textual e imagética sejam apresentadas preferencialmente de forma
colaborativa, uma vez que parece ser aquela que tem maior potencial
para enriquecer a experiência da criança e também será a maneira mais
eficaz de atingir os níveis que Góes (1984) sugere.

2.5.2 O livro ilustrado no Brasil


No final do século XIX e início do século XX, quando começa a existir
no nosso país uma literatura infantil mais brasileira, por assim dizer, os
livros começam a ser ilustrados por artistas como Calixto Cordeiro, Hen-
rique Cavalleiro e Julião Machado. Este último, o mais presente nos livros
de Figueiredo Pimentel, um dos primeiros autores.
Nos primeiros anos do século XX, em 1905, é lançada uma revista para
crianças, chamada O Tico-tico. Sua inspiração foi o similar francês La Se-
maine de Suzette (de 1905-1960), destinado a meninas (de 8 a 14 anos).
Publicava contos, poemas e principalmente histórias em quadrinhos que
apresentavam histórias de aventuras com personagens inspirados em fi-
guras bem brasileiras. Os 10 mil exemplares iniciais esgotaram-se rapi-
damente. Os grandes ilustradores desta publicação, que já reproduzia
suas ilustrações em cores, foram Angelo Agostini, Luiz Sá, Alfredo Storni,
Monteiro Filho e Max Yantok, entre outros, que participaram até o fim da
revista, em 1958.

Figura 24 – Primórdios da ilustração no Brasil: Revista O Tico-tico (1905) inspirada na


publicação francesa La Semaine de Suzette (1905-1960)

Fonte: Clique e poesia26; Pinterest27

Como considera Sandroni (1998, p.13), a publicação d’A menina do


narizinho arrebitado, em 1921, de autoria de Monteiro Lobato, marca o
início do que se costuma chamar de fase literária da produção editorial
brasileira para crianças e jovens. Na obra de Lobato, a ilustração teve
papel importante, já que ele reconhecia na imagem também um modo
de influenciar não só as crianças, mas todos aqueles que não sabem ler.
Voltolino (João Paulo Lemmo Lemmi), André Le Blanc, Belmonte, J. U.
Campos e Manuel Victor Filho, entre outros, são nomes que criaram, com
seu talento, as figuras marcantes do Sítio do Pica-pau Amarelo.

26
CLIQUE E POESIA. Disponível em: <https://bit.ly/2PCuN7Y>. Acesso em: 04 nov. 2018.
27
PINTEREST. La Semaine de Suzette. Disponível em: <https://br.pinterest.com/VerityHope/la-
semaine-de-suzette/>. Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 61


Figura 25 – A menina do narizinho arrebitado (1920)

Fonte: VOLTOLINO (1920)28.

Ainda segundo informa Sandroni (1998), em 1936, o Ministério da


Educação, por iniciativa do ministro Gustavo Capanema, lança um con-
curso para livros de literatura infantil, incluindo até o que se chamava de
álbum de estampas para as crianças menores. Receberam o prêmio dois
grandes ilustradores: Santa Rosa, pela obra O circo, impresso na Bélgica,
e Paulo Werneck, com a Lenda da carnaubeira.
Já nos anos 1960 e 1970, a editora Globo, do Rio Grande do Sul,
pioneira na tradução de grandes obras de autores famosos, lançou os
Contos de Andersen e mais tarde os Contos de Grimm, ambos com suas
obras completas ilustradas por Roswita Bitterlich Winger, austríaca de
nascimento. Outro grande ilustrador dividiu com ela os volumes dessas
obras, além de ter trabalhado em outros títulos: Nelson Boeira Faedrich.
Há também disponíveis no mercado hoje os livros constituídos apenas
de imagem – são os livros sem texto, onde exclusivamente as imagens
contam a história. São também chamados livro-imagem, álbum de figu-
ras, álbum ilustrado, história muda, história sem palavras, livro de estam-
pas, livro de figuras, livro sem texto, texto visual. O primeiro livro brasileiro
constituído exclusivamente de imagens foi Ida e volta, desenhado por
Juarez Machado em 1969, mas só publicado em 1975.
Os anos 1980 nos trouxeram novos ilustradores, como Gê Orthof, filho
da grande autora Sylvia Orthof, que ilustrou todos os seus primeiros livros e
o marido de Sylvia, Tato, que ilustrou o restante da obra dela até sua morte.
Resta-nos mencionar aqueles autores que também desenharam suas
obras, como Marina Colasanti e Rubens Matuck. Fernando Vilela, em co-
mentário sobre a exposição Linhas da história – Um panorama do livro ilus-
trado no Brasil, que aconteceu em São Paulo (2007), publicado na Revis-
ta Emília, especializada em leitura e livros para crianças e jovens (disponível
em: <http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=28>), destacou, entre
obras importantes da história do livro ilustrado no Brasil: Flicts, de Ziraldo,
Ida e volta, de Juarez Machado, O rei de quase tudo, de Eliardo França, A
bruxinha atrapalhada, de Eva Furnari e O cântico dos cânticos, de Ângela
Lago. Nessas obras, observa-se, segundo ele, que a narrativa se estende para
além das palavras, mesclando experiências e criando novas possibilidades de
expressão, novas possibilidades de linguagem.

28
FUNDACIÓN Cuatro Gatos. Disponível em: <https://www.cuatrogatos.org/ilustradores.
php?letra=L#>. Acesso em: 04 nov. 2018.

62 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Entre os autores de livros de imagem mais relevantes, estão Ângela Lago,
Ciça Fittipaldi, Eva Furnari, Paula Mastroberti, Rogério Borges, Ziraldo.

Multimídia
Você pode curtir belas obras dos nossos ilustradores que também
são autores em seus próprios sites:
Ângela Lago em: <http://www.angela-lago.net.br/>
Ciça Fittipaldi em: <https://cicafittipaldi.com/>
Eva Furnari em: <http://www.evafurnari.com.br/pt/a-escritora/>
Paula Mastroberti em: <http://www.mastroberti.art.br/>
Ziraldo em: <http://www.ziraldo.com/>

Atualmente os ilustradores, muitos deles verdadeiros artistas, aplicam


técnicas tradicionais de desenho ou pintura em novas mídias, abrangen-
do técnicas modernas de produção, como multimídia, animação e aplica-
ções, levando ao desenvolvimento de novas competências para além de
sua formação em arte gráfica básica e conhecimento em design. Muitos
deles literalmente “sacodem” nossos conceitos já consolidados e desa-
fiam o pensamento, tanto nosso como da criança.

RESUMO
A literatura como arte da palavra tem várias funções na vida do ser
humano: a estética, porque dá à palavra uma dimensão mais rica do que
seu sentido cotidiano; a catártica, porque desencadeia um processo de
libertação e de liberação de emoções; a cognitiva, porque pode ensinar
de maneira mais prazerosa os fatos da História ou outros da realidade
humana, e a político-social, porque cria no leitor compromissos éticos
e políticos. Coloca-o diante das ambiguidades da vida através das am-
biguidades da linguagem. Acredita-se que seja fonte de prazer e que
tenha um impacto psicológico e social sobre a criança; justifica assim sua
necessidade e seu direito a ela, desde tenra idade, como veículo para a
construção de sua identidade e de sua cidadania.
Quando a literatura em questão é a infantil, é preciso dizer que lite-
ratura infantil não é sinônimo de livro infantil. O livro infantil é todo livro
publicado para a criança. Já a literatura infantil é todo texto adequado à
criança que tem literariedade e cuja ilustração também é de qualidade. A
literatura infantil deve ter, em primeiro lugar, um propósito estético e de
entretenimento, não exatamente de ensinamento moral. Desse modo, as
crianças devem ter à sua disposição obras de literatura infantil, obras com

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 63


um nível de qualidade estética, tanto no texto verbal quanto no texto
imagético. Devem corresponder aos anseios por emoção do leitor infantil
e é salutar que seus temas motivem sua curiosidade e seu interesse. É im-
portante que o enredo e a ação dos personagens motivem a identificação
com os leitores e que sejam capazes de surpreender e movimentar sua
fantasia.
Entre os autores que fazem parte da história da literatura infantil e
juvenil estão, no século XVII, Giambattista Basile, Madame d’Aulnoy, que
lança a moda das fadas, e Charles Perrault, com quem se inicia a tradição
da literatura infantil. Durante o século XVIII, ocorrem mudanças sociais e
culturais, que vão causar uma nova visão da criança e da escola. Nesse
contexto, a literatura infantil surge com uma natureza pedagógica. No
século XIX, fazem sucesso os Irmãos Grimm, que recolhem histórias da
tradição oral, e de Andersen, conhecidas até hoje.
No Brasil, na fase precursora ou período pré-lobatiano, de 1808 a
1919, circulam traduções e adaptações da literatura infantil europeia. A
tradição da literatura infantil e juvenil se inicia com Monteiro Lobato, sen-
do chamado período lobatiano ou fase moderna, de 1920 a 1970. A fase
pós-moderna, ou o período pós-lobatiano, tem início nos anos 1970 e se
estende até os dias de hoje. A partir dos anos 1970, acontece a reescritu-
ra dos contos de fadas e também obras tratando temas não usuais para
crianças, destacando-se a Coleção do Pinto. Nesse período, há momentos
em que predomina o pedagogismo moralista sobre as qualidades literá-
rias, e outros de propostas emancipatórias. Há também uma absorção de
procedimentos da produção cultural de massa.
O boom dessa literatura acontece principalmente a partir da década
de 1970, quando a ilustração começa a ser valorizada tanto quanto ou
até mais do que o texto escrito. Ela representa diferentes possibilidades
de leitura e deve sugerir além do texto, pois os detalhes na ilustração
enriquecem a imaginação infantil e contribuem positivamente para o de-
senvolvimento do pensamento visual, estabelecendo uma forma de co-
municação mais direta do que o código verbal escrito. Assim facilitando a
consolidação do processo de alfabetização. A ilustração de má qualidade
pode reforçar estereótipos e preconceitos e reduzir as possibilidades do
texto escrito. A partir do final do século XX, já não é mais possível pensar
em livro infantil dissociado de ilustrações.
As editoras hoje investem bastante em bons ilustradores. Para Camar-
go (1995), a ilustração tem sete funções: a função descritiva, a função
narrativa, a função simbólica, a função expressiva, a função ética, a fun-
ção estética e a função lúdica. Nos livros infantis, a ilustração começou a
ganhar impulso depois da edição de 1862 da obra de Perrault, ilustrada
por Gustave Doré. Pode-se observar uma diversidade de estilos entre os
inúmeros ilustradores que fazem parte dessa trajetória, sendo importante
oferecer às crianças também uma diversidade de ilustrações. No século
XIX, a Inglaterra se destaca na publicação de livros para crianças, com os
chamados chapbooks. No século XX, os Estados Unidos passam a ter o
controle do mercado. No Brasil, na transição do século XIX para o século
XX, os livros infantis e juvenis começam a ser ilustrados. Em 1905, apare-
ce O Tico-tico, primeira revista infantil. Nos anos 1960 e 1970, a editora
Globo lança os Contos de Andersen e os Contos de Grimm, ambos ilus-
trados. Hoje há também livros apenas de imagens. O primeiro deste tipo
data de 1975. Posteriormente, surgem os autores-ilustradores. Muitos
dos ilustradores atuais aplicam técnicas tradicionais em novas mídias.

64 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


UNIDADE 3
A LITERATURA JUVENIL

3.1 OBJETIVO GERAL


Caracterizar a literatura juvenil; dar a conhecer alguns fatos sobre o surgimento de alguns dos gêne-
ros mais comuns para essa faixa etária, bem como apontar alguns dos autores da literatura juvenil no
mundo e no Brasil.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:
a) diferenciar literatura juvenil da literatura infantil;
b) identificar os principais gêneros que podem ser utilizados com jovens.
3.3 O LIVRO JUVENIL
Embora atualmente seja considerado mais correto falar em literatura
infantil e juvenil por serem, na verdade, literaturas distintas que servem a
distintos públicos-alvo, em alguns momentos usaremos a expressão lite-
ratura infanto-juvenil, em função de algumas das obras que abordaremos
terem sido assim rotuladas em tempo passado. Cunha (1998, p. 63), a
respeito do livro juvenil, diz o seguinte:

Não existem regras expressas para definir o livro ju-


venil, mas o que se observa – em comparação com o
infantil – é o predomínio de textos mais longos, com
letras em corpo menor, poucas ilustrações, quase
sempre em preto e branco, e o uso de papel mais fino
e de pior qualidade. Com relação ao conteúdo, nos
livros juvenis se encontra mais clara a divisão em gê-
neros (aventura, suspense, romance, mistério, ficção
científica, etc.). Muitas vezes isso implica uma maior
frequência do problema relativo à padronização e aos
modismos.

Em consonância com Cunha (1998, p. 63), consideramos literatura ju-


venil aquela voltada ao público jovem, na faixa etária da pré-adolescência
e início da adolescência. Embora o jovem, especialmente na fase mais tar-
dia da adolescência, tenda a ler já obras da literatura para adultos, nessa
fase intermediária, muitas vezes acaba se afastando da leitura por não
encontrar obras que venham ao encontro de suas necessidades ou, como
considera Bamberger (1986), principalmente seus interesses, que vão de-
sencadear sua motivação. Ou, ainda, sua curiosidade bem estimulada.
Segundo Bamberger (1986, p. 31): “O que leva o jovem leitor a ler não
é o reconhecimento da importância da leitura, e sim várias motivações e
interesses que correspondem à sua personalidade e ao seu desenvolvi-
mento intelectual.” Categorizamos aqui como literatura juvenil aquele
conjunto de obras que potencialmente agradam ao público de idades
entre 9 e aproximadamente 12 ou 13 anos e para a leitura das quais é ne-
cessária uma maior fluência de leitura. Faixa etária em que os pré-adoles-
centes, mas também adolescentes preferem, segundo Bamberger (1986,
p. 34), respaldado por Beinlich (1961, p. 719), histórias de aventuras. Tan-
to aventuras de ação, em mundos reais ou imaginários, quanto aventuras
sentimentais em que predominam as emoções amorosas. Obviamente,
essas preferências se confirmarão ou não na prática, sempre dependendo
do estágio de maturidade de cada jovem, já que essa fase em que acon-
tece o desenvolvimento biológico e psicológico, mas também social, terá
um ritmo diferente para cada indivíduo.
As obras dirigidas ao público jovem tiveram obviamente a mesma ori-
gem da literatura infantil, que acabamos de abordar. Dentre as obras
mencionadas anteriormente, pode-se destacar algumas que são clássicos
do gênero e que, embora um pouco relegadas ao segundo plano na atua-
lidade, na versão original, ainda podem agradar aos jovens pré-adoles-
centes do século XXI. Destacaremos a seguir algumas delas.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 67


3.4 AS HISTÓRIAS DE
AVENTURAS DO
SÉCULO XVIII
No século XVIII, chamado Século das Luzes, em plena vigência do Ilu-
minismo, pode-se explicar o surgimento de um Robinson Crusoé que,
apesar de teoricamente ter sido motivado por um acontecimento real,
prova com as ações de seu personagem que o ser humano é capaz, com
a sua razão, de dominar a natureza e de sobreviver, mesmo em condições
extremamente adversas. As histórias de aventura da época focavam bas-
tante em viagens, o que vinha contemplar as ambições expansionistas de
alguns países europeus.

Figura 26 – A vida e as aventuras de Robinson Crusoé

Fonte: Wikipédia29

Explicativo
Iluminismo – movimento cultural e filosófico europeu que surge
na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa inglesa (1688), de lá se
difundindo para a França, onde se consolidou fortemente, persis-
tindo até a Revolução Francesa (1789). Não teve na Alemanha,
nem na Itália, o mesmo sucesso. Acredita no desenvolvimento da
razão humana de maneira ilimitada, por influência das ideias dos
filósofos empiristas, principalmente John Locke (1632-1704), e do
racionalismo vigente no século XVII. O Racionalismo considera as
ideias, a razão, como uma característica inata, o conhecimento dos

29
WIKIPÉDIA. Defoe (1719). Robinson Crusoé. Disponível em: <https://de.wikipedia.org/wiki/
Robinson_Crusoe#/media/File:Defoe_(1719)_Robinson_Crusoe.jpg>. Acesso em: 04 nov. 2018.

68 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


princípios constitutivos do real como algo já presente, de modo
predeterminado, na alma humana. Já para os empiristas, a razão
constitui uma faculdade formada a partir da experiência.
Fonte: <http://www.newworldencyclopedia.org/entry/Age_of_Enlightenment>.
<https://www.algosobre.com.br/historia/ilumismo-revolucao-cultural.html>.

Daniel Defoe (1660-1731) foi, pois, com seu Robinson Crusoé, o mar-
co inicial da literatura de ação e aventura que vem ao encontro do gos-
to emergente, nessa faixa etária, por histórias de aventuras em lugares
exóticos, e que ainda atrai pré-adolescentes entre 10 e 12 ou 13 anos.
Sua obra Robinson Crusoé, publicada na Inglaterra em 1719, como lem-
bra Carvalho (1987), criou um verdadeiro “ciclo robinsoniano”, gerando
obras semelhantes em outros países, como França, Holanda, Hungria,
Áustria, mas que não se equipararam em grandeza à de Defoe. Possivel-
mente pela mesma razão, também não se tornaram conhecidas interna-
cionalmente. A história de Robinson Crusoé parece ter se inspirado em
uma aventura real, famosa na época, de um marinheiro escocês, Ale-
xander Selkirk (ou Selcraig), que foi abandonado, por própria vontade,
na ilha de Juan Fernandez, no Pacífico, depois de uma discussão com o
capitão do navio em que viajava. Lá viveu por quatro anos totalmente só.
Defoe transformou esses quatro anos em 28, durante os quais “[...] ele
reconstrói, simbolicamente, a longa caminhada do homem até a civiliza-
ção.” (CARVALHO,1987, p. 92).

Figura 27 – Daniel Defoe e Jonathan Swift

Fonte: Wikipédia30

Alguns anos depois, em 1726, vem a lume, também na Inglaterra, a


obra As viagens de Gulliver (Gulliver’s Travels), de Jonathan Swift, irlandês
de nascimento. Em 1735, Swift mudou seu título para Travels into Several
Remote Nations of the World. In Four Parts. By Lemuel Gulliver, First a
Surgeon, and then a Captain of Several Ships (Viagens para várias nações
remotas do mundo. Em quatro partes. Por Lemuel Gulliver, primeiro cirur-
gião, e depois capitão de vários navios). Apesar dessa mudança proposta
pelo próprio autor, a obra permaneceu conhecida apenas como As via-
gens de Gulliver.

30
WIKIPÉDIA. Daniel Defoe. Disponível em: <https://bit.ly/2DmBOnw>. Acesso em: 04 nov. 2018.
WIKIPÉDIA. Jonathan Swift. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Jonathan_Swift>.
Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 69


Figura 28 – Frontispício da edição de 1735 de As viagens de Gulliver

Fonte: Wikipédia31

A obra contempla quatro viagens de Gulliver a lugares fantásticos,


alguns de nomes bastante difíceis de pronunciar. A primeira é a viagem
a Lilliput, país dos anões. A segunda viagem tem como destino Brob-
dingnag, o país dos gigantes. A seguir, empreende a viagem a Laputa,
habitada por homens de espírito, acadêmicos, matemáticos, etc., mas
cuja sabedoria não tem aplicação prática na realidade. Laputa é uma ilha
voadora, cuja ilustração que dela fez J.J. Grandville, em 1847, aos olhos
de hoje se assemelha ao que acreditamos representar um disco voador.
E a última é a viagem ao país dos Houyhnhuns, os cavalos civilizados
(SWIFT, 1967).

Figura 29 – Gulliver descobre Laputa, a ilha voadora

Fonte: Wikimedia32

A prosa de Swift é uma dupla sátira: à natureza humana e às histórias


de viajantes. Mas também expressa simbolicamente sua revolta contra a
corrupção da sociedade inglesa da época e sua absoluta descrença no ser
humano. Embora Swift jamais tenha pensado em escrever para crianças,
a primeira das viagens de sua obra – a viagem a Lilliput – acabou se con-

31
WIKIPÉDIA. Gulliver’s travels. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Gulliver%27s_
Travels>. Acesso em: 04 nov. 2018.
32
WIKIMEDIA. J.J. Grandville. Gulliver entdeckt Laputa. Disponível em: < https://commons.
wikimedia.org/wiki/File:Laputa_-_Grandville.jpg>. Acesso em: 04 nov. 2018.

70 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


solidando como história juvenil, tendo recebido adaptações também para
o público infantil, especialmente da primeira viagem. Entretanto, a obra
completa, com seu enredo intrigante, pode ser extremamente interessan-
te para jovens ainda hoje.

3.5 FICÇÃO CIENTÍFICA NO


SÉCULO XIX?
As obras do francês Júlio Verne (Jules Gabriel Verne, 1828-1905) cer-
tamente ainda são de interesse do público juvenil. Em 1863, publica sua
primeira grande obra: Cinco semanas em um balão, que narra uma viagem
em um balão de hidrogênio sobre o território africano. As informações da-
das por Verne na história deram margem a dúvidas, pois muitos julgavam
serem apenas fictícias; entretanto, revelaram-se fruto de pesquisas feitas
por Júlio Verne, e também de sua imaginação fértil (LAATHS, 1967).
Com esta obra, Júlio Verne se tornou conhecido, o que lhe garantiu
certa estabilidade financeira e lhe permitiu escrever seus outros livros.
Júlio Verne é autor de uma extensa bibliografia, da qual as mais conheci-
das são: Viagem ao centro da Terra (1864), Vinte mil léguas submarinas
(1870) e A volta ao mundo em oitenta dias (1872). Seus temas fizeram
bastante sucesso na segunda metade do século XIX, pois a vontade de
conhecer lugares exóticos era generalizada.
Sua obra tem um tom de ficção científica e, através das aventuras que
narra, também revela aspectos culturais de povos e pessoas reais e ima-
ginários. Entendemos aqui ficção científica como Soriano (2002, p. 467,
tradução nossa): “Pertence à ficção científica toda obra que tem por tema
não a realidade tal como ela se nos apresenta, mas aquela que podemos
começar a imaginar a partir dos dados mais avançados da ciência.”33

Figura 30 – Julio Verne e Mark Twain

Fonte: Wikipédia34; PixaBay35

33
“Appartiendrait en somme à la S.-F. [science fiction] toute oeuvre qui prendrait pour thème non
la realité telle qu’elle nous apparait, mais celle que nous pouvons commencer a imaginer à partir
des donnés les plus avancées de la science.”
34
WIKIPÉDIA. Julio Verne. Disponível em: <https://bit.ly/2D19jLb>. Acesso em: 04 nov. 2018.
35
PIXABAY. Skeeze. Disponível em: <https://pixabay.com/pt/mark-twain-homem-pessoa-
retrato-391112/>. Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 71


3.6 E O QUE MAIS LIAM
OS JOVENS NO SÉCULO
XIX?
O século XIX também é palco do nascimento do romance na Ingla-
terra, espelhando profundas mudanças na sociedade da época. Surge a
família burguesa na sociedade europeia, estabelecendo uma nova ordem
social e cultural. Nesse contexto há um impulso na produção de prosa de
ficção, tanto romances como novelas, e as narrativas vêm ao encontro do
gosto da nova elite.
Mark Twain, pseudônimo do escritor norte-americano Samuel
Langhorne Clemens (1835-1910), considerado talvez o maior escri-
tor norte-americano de literatura para a faixa etária juvenil, também
se coloca entre os recomendados. Entre suas obras, destacam-se As
aventuras de Tom Sawyer, publicada em 1876, O príncipe e o mendigo
(1881) e as Aventuras de Huckleberry Finn, esta considerada autobio-
gráfica, publicada no Reino Unido em dezembro de 1884 e, nos Esta-
dos Unidos, em fevereiro de 1885. Consideramos essas histórias com
potencial para agradar aos jovens, pois são de fácil leitura, tendendo
para o humor, embora também motivem reflexão. Incluem persona-
gens jovens que se envolvem em aventuras. Pela liberdade com que
usa a linguagem e seu estilo peculiar, Mark Twain é considerado um
precursor.
Do italiano Carlo Collodi (1826-1890), cujo nome era, na verdade,
Carlo Lorenzo Fillipo Giovanni Lorenzini (seu sobrenome artístico é o
nome da cidade natal de sua mãe), temos Le avventure di Pinocchio.
Storia di un burattino (em português, conhecida simplesmente por Pi-
nóquio). Publicada em 1881, é considerada uma obra-prima da litera-
tura italiana. Na opinião de Carvalho (1987, p. 112): “Insinua a filosofia
do livre arbítrio.” Apesar de ser uma obra bastante maniqueísta, como
a maioria das histórias produzidas para crianças e adolescentes no pas-
sado, marcando fortemente o lado do bem e o lado do mal, ainda pode
agradar aos jovens de hoje. Carvalho ainda interpreta a história como
tendo fundido o pagão e o bíblico, já que, segundo a autora Collodi

inspira-se na mitologia grega para criar seu boneco de


pau: Jápeto era pai de Prometeu, que criou o homem
do limo da terra e o animou para a ira de Júpiter.
Geppetto era pai de Pinóquio, e criou-o de um peda-
ço de pau, para castigo de sua audaciosa pretensão.
(CARVALHO, 1987, p. 112).

A autora defende sua visão, afirmando que o elemento bíblico tem


origem na parábola do filho pródigo, o filho que se arrepende e tam-
bém volta ao lar, e na de Jonas, que também retorna à vida depois de
ser tragado por uma baleia. Tendo por semelhança a desobediência de
ambos: Jonas a Deus e Pinóquio ao seu criador.

72 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Figura 31 – Carlo Collodi e Lewis Carroll

Fonte: Wikipédia36

Outra obra que merece um lugar entre as que podem ser recomenda-
das aos jovens é Alice no País das Maravilhas (Alice’s Adventures in Won-
derland), publicada em 1865, e também Alice no País dos Espelhos (Alice
through the Looking Glass), de 1871. Ambas foram escritas por Lewis
Carroll (1832-1898), pseudônimo literário de Charles Lutwidge Dodgson,
pastor anglicano inglês, que também lecionava matemática no Christ Col-
lege, em Oxford. Possivelmente por essa sua atividade, inseriu em ambos
os livros vários problemas matemáticos e de lógica, ocultos no texto. O
duplo sentido da obra, porém, só se revela se conhecemos um pouco da
história inglesa da época. É uma sátira que tem como alvo arbitrariedades
e vícios vigentes e o falso moralismo de uma sociedade regida por um
absolutismo monárquico da qual era chefe a Rainha Vitória, satirizada na
obra pela figura da Rainha de Copas. Através do nonsense, faz um jogo
semântico em que coloca magistralmente em xeque a lógica e o sentido
cotidiano da palavra. São obras que tratam simbólica e ludicamente de
questões sempre atuais de poder e arbitrariedade presentes em qualquer
época; leituras que podem, se bem motivadas, entreter os jovens e levá-
-los a reflexões produtivas (LAATHS, 1967).

Explicativo
Nonsense é uma expressão inglesa que significa sem sentido, con-
trassenso ou absurdo. Denota algo que não tem nexo. Nas artes, a
expressão é usada muitas vezes para denotar um estilo de humor
perturbado e sem sentido.
Fonte: <https://en.wikipedia.org/wiki/Nonsense>.

36
WIKIPÉDIA. Carlo Collodi. Disponível em: <https://bit.ly/2DkeKWL>. Acesso em: 04 nov. 2018.
WIKIPÉDIA. Lewis Carroll. Disponível em: <https://bit.ly/2RAagy1>. Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 73


Charles John Huffam Dickens, mais conhecido simplesmente como
Charles Dickens (1812-1870), é um autor que também viveu no período
vitoriano, cuja obra-prima é David Copperfield (1850). Suas obras, como
as de Andersen, têm um profundo sentimento em relação ao sofrimento
humano e um tom melancólico. Na sua escrita, sempre toma o partido
das crianças, focando na maneira rígida e talvez até desumana como
eram tratadas. Além disso, sua narrativa envolve personagens do povo,
ao lado do qual ele também se posiciona, retratando miséria e injustiças.
Faz uso da caricatura para estruturar seus personagens, provavelmente
para aumentar o impacto de seus papeis (LAATHS, 1967).

Figura 32 – Charles Dickens e Robert Louis Stevenson

Fonte: Wikipédia37

Mais para o final do século XIX, temos a publicação da Ilha do Tesouro


(Treasure Island), do autor britânico Robert Louis Stevenson (1850-1894).
Foi primeiro publicada como um seriado em uma revista infantil. Poste-
riormente foi publicada como livro em 1882 e trouxe fama a seu autor. A
história trata do envolvimento de um menino com piratas. Na sua singu-
lar história O estranho caso do dr. Jekyll e mr. Hyde (The Strange Case of
Dr. Jekyll and Mr. Hyde, 1886), Stevenson aborda diretamente a natureza
do mal no ser humano e os efeitos maléficos que ocorrem quando ele
tenta negá-los.
Outros tipos de romances de aventura se seguem. Representantes da
aventura ideológica, como Herman Melville, com seu Moby Dick (1851),
a baleia branca, quase que um símbolo do mal, que desafia o homem em
uma trajetória semelhante à Odisseia de Homero.
A aventura histórica também se faz presente nesse período e tem em
Alexandre Dumas um importante exemplo, com o seu livro Os três mos-
queteiros (1844). Os inseparáveis Athos, Aramis e Porthos, junto com
D’Artagnan, que se torna o quarto mosqueteiro, enfrentam grandes
aventuras a serviço do rei da França, Luís XIII, e principalmente, da rainha,
Ana da Áustria. Seu pacto de lealdade e da amizade – “Um por todos!
Todos por um!” – é um pacto que invoca a força da união para vencer
obstáculos.

37
WIKIPÉDIA. Charles Dickens, Disponível em: <https://bit.ly/2Qjt6JA>. Acesso em: 04 nov. 2018.
WIKIPÉDIA. Robert Louis Stevenson. Disponível em: <https://bit.ly/2Oot6X5>. Acesso em: 04 nov.
2018.

74 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


A aventura policial surge no final do século XIX, com Conan Doyle,
criador do protótipo do detetive, na figura de Sherlock Holmes. A aven-
tura policial, na verdade, também estabelece em princípio uma visão ma-
niqueísta dos homens, dividindo-os em dois lados: o do bem – no qual
estão os que representam a lei, a justiça e o direito – e o do mal – no qual
estão os desviados morais e sociais (LAATHS, 1967). Deixou seguidores,
como Maurice Leblanc, Gaston Leroux e outra figura emblemática na
aventura de gênero suspense: a britânica Agatha Christie, que recebeu o
epíteto de Rainha ou Dama do Crime.
Maurice Leblanc criou a figura de Arsène Lupin, um misto de cavalhei-
ro e assaltante que apareceu pela primeira vez numa publicação mensal
chamada Je Sais Tout (Eu Sei Tudo) entre 1905 e 1907, com o título Ar-
sène Lupin. Depois disso, o autor se dedicou quase exclusivamente às
aventuras do seu herói, em várias novelas e recompilações de histórias.
Agatha Christie, criadora da figura de Hercule Poirot, escreveu deze-
nas de obras, entre as quais predominantemente romances, novelas, mas
também peças de teatro. Sua obra de estreia, em 1920, foi The Myste-
rious Affair at Styles, publicada em português como O misterioso caso de
Styles, mas também com o título de Primeira investigação de Poirot.
Essas obras que acabamos de descrever se dirigem a um público que
já domina a leitura de maneira fluente e crítica, digamos, a partir dos 10
anos.

3.7 E CÁ, ENTRE NÓS...


Como afirmamos no início, o conceito de literatura juvenil, por muito
tempo esteve associado ao de literatura infantil, constituindo o termo
composto literatura infanto-juvenil na mera suposição de que formasse
um todo, que se opunha à literatura geral, destinada a adultos. E também
porque vários autores que escrevem para adultos também escrevem para
o outro público. Assim, também no Brasil, entre as obras rotuladas como
literatura infanto-juvenil, muitas se destinam a crianças e outras especi-
ficamente a pré-adolescentes, ou mesmo a adolescentes, que estamos
considerando a parte destinada ao público juvenil.
Autores dos anos 1930, como Graciliano Ramos, Malba Tahan, Oríge-
nes Lessa e Viriato Correa, produziram obras que podem perfeitamente
agradar aos jovens. A terra dos meninos pelados (1939), Histórias de Ale-
xandre (1944), Alexandre e outros heróis (1962) e Minsk (2013), de Gra-
ciliano Ramos são obras que sintonizam com o público juvenil. Em 1939,
ano de sua publicação, A terra dos meninos pelados recebeu o Prêmio de
Literatura Infantil do Ministério da Educação. Em Histórias de Alexandre,
obra também considerada juvenil, Graciliano denuncia a miséria e evi-
dencia o mesmo desencanto com a política e a justiça, preocupações pre-
sentes em outros textos seus de literatura adulta. Histórias de Alexandre
foi lançado entre suas obras Vidas secas e Infância, que fizeram grande
sucesso e, por isso, não recebeu a devida atenção da crítica, apesar de ser
um grande livro.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 75


Multimídia
Se você se interessa por outras obras de Graciliano Ramos, poderá
ter informações sobre elas ou suas edições no site: <http://graci
liano.com.br/site/>.

Malba Tahan é o pseudônimo de Júlio César de Melo e Sousa. De sua


autoria, a obra mais conhecida é O homem que calculava, tendo também
traduzido e compilado vários contos e lendas orientais. No primeiro livro es-
crito como Malba Tahan, Contos de Malba Tahan, ele é representado como
um árabe. Por isso, durante muitos anos, o público acreditou que Malba
Tahan fosse esse árabe de longas barbas brancas que usava turbante.
Entre as quase 1940 obras nesta categoria escritas por Orígenes Lessa,
as mais conhecidas são O feijão e o sonho (1938), Memórias de um cabo
de vassoura (1971), Memórias de um fusca (1972), entre vários outros.
Nos anos 1940, a Editora Nacional lança a Coleção Terramarear Juve-
nil, de aventuras, na qual inclui a série Tarzan, de Edgar Rice Burroughs,
que aparece pela primeira vez em português. Inclui também O livro da
selva, de Rudyard Kipling, constituído de sete contos. Desses, os três pri-
meiros relatam a história de Mogli, um menino indiano criado por lobos
que se revelam pedagogos mais perfeitos que o homem, confirmando
a máxima de Rousseau de que a natureza é perfeita e talvez melhor do
que a sociedade dos homens. O livro foi traduzido pelo escritor Monteiro
Lobato e publicado pela primeira vez no Brasil em 1933, com o título O
livro da jângal (COELHO, 2006).
Havia ainda a Coleção Paratodos; a Série Negra, constituída de livros
policiais, possivelmente preferência dos meninos, e a Biblioteca das Moças,
que visava, sobretudo, ao público juvenil feminino. As coleções Terramarear
e Biblioteca das Moças seriam reeditadas em setembro de 1983.
Também pertencentes à década de 1940, são alguns dos nomes que
começam a escrever literatura considerada a juvenil. São elas: Edy Lima,
Lucia Machado de Almeida, Maria Lúcia Amaral e Odette de Barros Mott.
Edy Lima (Edy Maria Dutra da Costa Lima), autora riograndense, nas-
cida em Bagé/RS, em 1924, publica, em 1972, A vaca voadora, já consi-
derado um clássico. O sucesso da obra dá origem a uma série de mesmo
nome, composta por sete livros, em que o nonsense é o ingrediente fun-
damental e mais atraente. A autora escreveu perto de cinquenta livros,
entre os quais vários inspirados no folclore brasileiro.
Lucia Machado de Almeida, que faz sua estreia com as Viagens ma-
ravilhosas de Marco Polo, em 1948, torna-se mais conhecida e profícua
a partir da década de 1950, escrevendo até 1990. Com as Aventuras de
Xisto, publicado em 1957, inicia uma série de aventuras com este mes-
mo herói, figura que retoma o arquétipo do cavaleiro andante: Xisto no
espaço (1967), Xisto e o saca-rolha (1974), Xisto e o pássaro cósmico
(1983). Além das aventuras deste personagem, também escreveu várias
outras obras de cunho fantástico e detetivesco, como A vida é fantástica,
O falcão de penas douradas, entre outras.

76 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Em 1945, Maria Lúcia Amaral inicia sua carreira na literatura infantil,
com o Caranguejo bola. Começa, na década de 1970, uma nova fase,
lançando histórias destinadas ao público juvenil, entre as quais: Marcia-
nos no Rio, em que os protagonistas são dois marcianos que chegam a
uma praia do Rio de Janeiro a bordo de um disco voador; Zé Ventania, o
menino que nasceu no meio de um vendaval e sai pelo espaço à procura
de seu boné, levado por uma rajada de vento. E na década de 1980, entre
as várias obras, paródias de contos maravilhosos tradicionais, narrativas
populares que publicou, há O homem que botou um ovo, adaptação de
um conto popular em que o homem, para testar a capacidade de guardar
segredo de sua mulher, sabida fofoqueira, contou a ela que tinha botado
um ovo. Você acha que essa história termina bem?
Uma das escritoras mais fecundas que começa escrevendo para crian-
ças, mas na década de 1960 inicia sua trajetória também na literatura para
pré-adolescentes e adolescentes é Odette de Barros Mott, que até 1990
escreve 36 obras. Sua vasta obra se apoia basicamente sobre quatro eixos:
o mundo rural, no qual apresenta o ser humano em contato com a nature-
za ou com o primitivo; o mundo urbano, em que questiona alguns temas
considerados tabus na literatura direcionada aos jovens, como drogas, ho-
mossexualismo, racismo, conflitos sociais; o mundo da aventura, no qual
explora os mistérios e as tramas policialescas, e o mundo da História, em
que aborda episódios históricos brasileiros, como a epopeia dos primeiros
colonizadores, em A caminho do sul (1975), até questões antissemíticas
na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, em A travessia (1986).
Na poesia, temos Mario Quintana (1906-1994), poeta gaúcho que,
embora tenha uma obra predominantemente voltada ao público adulto,
contribui para o público infantil principalmente com duas obras: O bata-
lhão das letras, escrito em 1948, e Pé de pilão, em 1975; já Lili inventa
o mundo e Nariz de vidro, escritas em 1983 e 1984, respectivamente,
podem ser considerados adequada ao público juvenil.
Alguns dos autores que começam a escrever literatura infantil na déca-
da de 1950, redescobrindo a fantasia, são Isa Silveira Leal, Maria Heloisa
Penteado, Maria José Dupré e Therezinha Casasanta.
Com o romance juvenil Glorinha, de 1958, que se tornou um verda-
deiro best-seller entre as adolescentes da época e acabou dando origem
a vários outros, que compõem uma série de “Glorinhas”, Isa Silveira Leal
se consagra como escritora. O livro é de um realismo cotidiano e defende
valores humanitários tradicionais (COELHO, 2006).
Maria Heloisa Penteado, embora também tenha se dedicado à lite-
ratura infantil, escreve basicamente para jovens. Para estes escreve mais
de 20 livros, entre 1970 e 1990, dentre os quais destacamos A bruxa
madrinha (1990), que já chama atenção pelo título inusitado, uma vez
que as madrinhas são geralmente fadas. A história reúne uma bruxa que
se descobre velha demais para fazer bruxarias e uma menina que acaba
descobrindo a importância de aprender.
São inúmeros os autores que começam a se dedicar à literatura infantil
e também à juvenil a partir da década de 1970. Entre eles podemos des-
tacar: Lygia Bojunga Nunes, Ana Maria Machado, Bartolomeu Queirós,
Eliane Ganem, Elias José. Fernanda Lopes de Almeida, embora escreva
prioritariamente para crianças, inova quando retoma a figura da fada, de
uma maneira renovada em sua obra para pré-adolescentes A fada que
tinha ideias (1976), que citamos anteriormente, e que começa assim:

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 77


Clara Luz era uma fada, de seus dez anos de idade,
mais ou menos, que morava lá no céu, com a senhora
fada sua mãe. Viveriam muito bem se não fosse uma
coisa: Clara Luz não queria aprender a fazer mágicas
pelo Livro das Fadas. Queria inventar suas próprias
mágicas. (ALMEIDA, 1976, p.7).

Aí começa uma série de peripécias em que Clara Luz convence as ou-


tras fadas-meninas a inverter a ordem estabelecida das coisas e... tem
sucesso! Ao final, é nomeada conselheira-chefe do palácio (pasmem!)
pela própria rainha das fadas.
Outros nomes importantes de serem mencionados ainda são Ganymé-
des José, Giselda Laporta Nicolelis, Joel Rufino dos Santos, Lucia Pimentel
Góes, Ruth Rocha, Sergio Capparelli, Stella Carr, Teresa Noronha, Vivina
de Assis Viana, Wander Piroli, Ziraldo, Ângela Lago, Carlos Urbim, Eva
Furnari e Fanny Abramovich.
Lygia Bojunga Nunes é um nome importante na renovação que acon-
tece na década de 1970. Foi a única autora brasileira a receber o Prêmio
Internacional Hans Christian Andersen, em 1983, pelo conjunto de sua
obra, principalmente voltada à clientela juvenil. Sua primeira obra, publi-
cada em 1972, foi Os colegas, história em que três cachorros, um urso e
um coelho se encontram, após fugirem de seus locais de origem. Juntos
vivem aventuras e enfrentam problemas, desde a busca por alimento e
abrigo até seus anseios de liberdade e de realização de seus sonhos. Além
dessa primeira obra, Lygia escreveu mais oito títulos de literatura para jo-
vens, entre os quais se destacam A bolsa amarela e A casa da madrinha.
Seus livros enfocam problemas humanos específicos, que emergem das
relações interpessoais, sempre de forma lúdica e crítica.
Pedro Bandeira estreou em 1983 com O dinossauro que fazia au-au,
mas seu grande sucesso foi A droga da obediência, que combina mistério
e suspense, lançado um ano depois. Nessa obra, lança a questão da liber-
dade individual versus justiça social.
Eva Furnari, que começa desenhando histórias para pré-leitores na dé-
cada de 1980, produz também várias obras excelentes para o público jo-
vem, entre elas A bruxa Zelda e os 80 docinhos (1994), O feitiço do sapo
(1995) e Mundrackz (1996).
Ana Maria Machado, já mencionada na literatura infantil, dona de
um enorme fôlego literário, escreveu mais de 50 obras, principalmente
entre as décadas de 1970 e 1980. Ainda segue escrevendo, apesar de em
menor quantidade. Basicamente, seus textos se direcionam a leitores de
competência de leitura média. São obras de qualidade inquestionável e
destacamos apenas algumas para exemplificar: História meio ao contrá-
rio, De olho nas penas e Bisa Bia, bisa Bel.
Stella Carr começa sua produção literária, no final da década de 1960,
com o livro de poemas Caderno de capazul, em que se propõe a quebrar
convenções já estereotipadas; entretanto, acaba alcançando fama maior,
principalmente com suas obras de cunho policial na Série Policial, que
inclui sete histórias desse gênero.
Já no final do século XX, estando alguns ainda ativos nessas duas pri-
meiras décadas do século XXI, podemos mencionar, entre os principais
autores que se dedicam ao público dessa faixa etária: Flavia Muniz, o
poeta José Paulo Paes, Leo Cunha, Liliana Iacocca, Luiz Galdino, Marina
Colasanti, Mirna Pinsky, Pedro Bandeira, Ricardo Azevedo, Roseana
Murray, também poeta, Sylvia Orthoff e Tatiana Belinky.

78 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Sérgio Capparelli é autor de prosa e verso, de maneira geral mais vol-
tado à categoria juvenil. Em 1979, lança Os meninos da rua da praia, no
qual os personagens são três meninos jornaleiros que adotam uma tar-
taruguinha que encontram e se esforçam para que nada lhe falte. Num
relato por vezes emocionante, somos confrontados com problemas de
miséria e de injustiça social. Como poeta, seu livro Poesia visual, escrito
em parceria com Ana Claudia Gruszynski, reúne 28 poemas em que rom-
pe com a estrutura tradicional da poesia e busca uma função diferente da
palavra, unindo recursos visuais e gráficos.
Jane Tutikian publica novelas mais introspectivas, como A cor do azul,
publicada em 1984, em que narra as emoções e sensações vividas por
uma menina quase adolescente com a chegada de um circo à sua rua.
Além desta obra, a autora ainda publicou outras direcionadas ao público
desta faixa etária, como Um time muito Especial (1993), Alê, Marcelo,
Ju & eu (2000), Aconteceu também comigo (2002), Olhos azuis coração
vermelho (2005), Fica ficando (2007), Coisa viva (2011).
O também poeta José Paulo Paes publica sua primeira obra em 1984,
com o título É isso ali, com o subtítulo: poemas adulto-infanto-juvenis, o
que revela algo sobre a sua natureza. São poemas simples que podem ser
fruídos até por crianças, pela sua beleza poética e originalidade, podendo
igualmente ser degustados com prazer por jovens e adultos. Além dessa
obra inicial, o poeta ainda publicou outras duas obras: Olha o bicho! e
Poemas para brincar, que são mais adequadas ao público juvenil.
Ao lado dessas obras de autores brasileiros, há simultaneamente tradu-
ções de excelentes obras estrangeiras para esse público, para o qual é mui-
tas vezes difícil encontrar literatura de boa qualidade e leituras de interesse.

3.7.1 Atividade
Nesta unidade, aprendemos a diferenciar literatura infantil e litera-
tura juvenil, bem como lemos sobre diferentes estilos textuais que
podem provocar o jovem leitor. A partir destas informações, indi-
que pelo menos dois livros que, em sua opinião, representem esti-
los de leitura bastante diferentes entre si e que integrariam sua lista
de favoritos da literatura juvenil. Justifique suas escolhas a partir
dos aspectos discutidos na Unidade 3. Assim como sugerimos das
outras vezes, se tiver oportunidade, compartilhe suas reflexões em
um ambiente de aprendizagem virtual, colaborativo.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 79


RESUMO
O livro juvenil destina-se a um público de idades entre 9 e aproxima-
damente 12 ou 13 anos e demanda uma maior autonomia de leitura.
Apresenta um predomínio de textos mais longos e poucas ilustrações,
quando as há. Também fica mais marcado o tipo de gênero no que tange
ao conteúdo. É importante que essa literatura motive seu interesse ou
estimule sua curiosidade. As primeiras histórias de aventura do século
XVIII, como As viagens de Gulliver e Robinson Crusoé, abordam viagens,
especialmente a lugares exóticos. No século XIX, destaca-se a interes-
sante ficção científica de Julio Verne. No mesmo período, romances e
novelas, não só de aventura, de viagens, mas também do tipo histórico
e policial, começam a ser produzidos por vários autores em vários países.
No Brasil, a partir dos anos 1930, diversos autores começam a escrever
para essa faixa etária. Nos anos 1940, a Editora Nacional lança a Coleção
Terramarear Juvenil, de aventuras, lançando vários títulos que aparecem
pela primeira vez em português. É lançada a Coleção Paratodos; a Série
Negra, de livros policiais, e a Biblioteca das Moças.

80 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


UNIDADE 4
A SELEÇÃO E OS GÊNEROS

4.1 OBJETIVO GERAL


Elencar pontos relevantes para a seleção de obras de literatura infantil e juvenil, sugerindo gêneros a
serem considerados com suas características.

4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:
a) identificar a importância de uma seleção criteriosa para atender às necessidades do público infantil
e juvenil;
b) diferenciar os gêneros que existem principalmente na literatura infantil, mas também alguns em
comum com a literatura juvenil.
4.3 A SELEÇÃO
Antes de mais nada, é preciso dizer, que para fazer uma seleção dos
itens que devem compor o acervo de literatura infantil e juvenil de uma
biblioteca que atende essas faixas etárias, é preciso gostar dessa literatu-
ra, empolgar-se com ela para ser capaz de transmitir esse entusiasmo aos
possíveis leitores de maneira mais eficaz e convincente. Isso supõe que o
bibliotecário que lida com esse público, será também um leitor intenso
dessas obras. Assim, a partir de suas próprias leituras, ele vai conhecer
autores e ilustradores, seus estilos e temas mais recorrentes, bem como
a faixa etária à qual eles mais poderão agradar. Isso obviamente facilitará
sua tarefa e o tornará mais qualificado, não só para sugerir obras ade-
quadas para a biblioteca, mas também para melhor cumprir sua tarefa de
mediação.
Embora seja grande a oferta de obras disponíveis no mercado volta-
das ao público infantil e juvenil, obviamente, nem tudo tem qualidade.
As bibliotecas escolares (principalmente de escolas públicas) e bibliotecas
públicas em geral se constituem predominantemente de obras encami-
nhadas por órgãos públicos, doações de editoras ou mesmo doações de
usuários. Por isso, convém que, sempre que possível, sejam adotados cri-
térios para otimizar a qualidade do acervo (JARDIM, 2001).
Mara Jardim (2001) alerta para o fato de que é preciso considerar os
aspectos intrínsecos e os extrínsecos das obras. Começando pelo aspecto
intrínseco, avaliar as questões ou os temas abordados na obra. São ape-
nas questões que estão “na moda”? Ou são questões que podem ter um
valor mais perene? E como são apresentadas? As diferenças devem estar
presentes nos textos, para motivar a reflexão e a discussão de tais temas
para que crianças e jovens não sejam surpreendidos com preconceitos no
mundo real, quer sejam eles próprios protagonistas de situações precon-
ceituosas ou espectadores passivos.
Observar qual é o problema central da história. Como o/a autor/a con-
duz o problema. Que solução é dada para o problema. Existe previsibi-
lidade? Para crianças bem pequenas, o fator previsibilidade é até certo
ponto desejável no desenrolar da história, mas uma dose de surpresa é
bem-vinda, não só para crianças, como também para pré-adolescentes
e adolescentes. Para estes últimos, então, é bastante importante. E que
soluções são apresentadas para o problema da história? São soluções
simplistas, ou originais? Forçadas, inovadoras, surpreendentes? Há um
viés moralizante implícito ou explícito?
Convém verificar como são tratados os temas polêmicos, para que
deles não se tenha apenas obras que os apresentem sempre de um único
ângulo. Que sejam selecionadas obras que privilegiem comportamentos
éticos de seus personagens e, se houver preconceito ou estereótipos in-
desejáveis, que sejam previstas atividades na biblioteca, ou em conjunto
com o professor de classe, para que a questão seja pensada e discutida
pelas crianças. Histórias com esse tipo de viés podem até ser aprovei-
tadas, justamente para chamar atenção de crianças e jovens para essa
postura não ética e não cidadã. De modo que não fique delas apenas a
imagem de que esse é o olhar correto ou único.
É importante que a seleção inclua obras de todos os gêneros e, de
preferência, uma variedade de ilustradores para os menores. Que seja le-

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 83


vada em conta a faixa etária, mas não de uma maneira rígida. Os clássicos
da literatura infantil e juvenil sempre deverão ter um lugar nas estantes,
pois exatamente por serem clássicos justificam sua leitura em qualquer
tempo. Calvino (1993, p.10) afirma que: “Um clássico é um livro que
nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.” E por isso tem uma
atualidade inerente a ele.
No que tange aos aspectos extrínsecos, que dizem respeito ao aspecto
material do livro, é preciso considerar, especialmente em se tratando de
obras para crianças, como lembra Jardim (2001, p. 75), “[...] a capa, o
tamanho, o formato, o peso, a espessura e a qualidade do papel, o nú-
mero de páginas, o equilíbrio entre ilustração e texto, o tamanho e tipo
de letras usados, as técnicas de ilustração e as cores.” Já que a primeira
impressão da criança com o livro é fortemente influenciada por essas
impressões desencadeadas pela leitura sensorial, como a chama Martins
(1989).
Embora Jardim (2001) considere a ilustração um dos aspectos extrín-
secos, consideramos que a ilustração não se reduz a isso. A importân-
cia de sua presença, maior justamente para crianças menores, decorre
do fato de que ela compõe com o texto um todo indissociável. Para
os jovens, a ilustração é praticamente dispensável, uma vez que sua
capacidade de abstração já lhes proporciona suficiente autonomia na
leitura textual. Ainda, no que diz respeito à ilustração, é preciso avaliar:
ela é artística, criativa? Contradiz o texto? É mera repetição do texto,
ou vai além do texto? A história evidencia preconceito em palavras ou
nas ilustrações? Em algumas obras, os estereótipos e os preconceitos
marcam fortemente a história, tanto no texto quanto na ilustração.
Outras vezes, é a ilustração que introduz elementos estereotipados e/
ou preconceituosos que não tinham essa conotação expressa no texto
(ABRAMOVICH, 2004). Um olhar mais criterioso sobre as obras ajuda a
evitar a aquisição daquelas que apresentem ranços ideológicos, precon-
ceitos ou estereótipos negativos, especialmente em relação a diferenças
e minorias.
Garantir a qualidade das obras selecionadas, incluindo uma diver-
sidade de temas, de autores, de ilustradores, de estilos e de gêneros,
preferencialmente sem ideologias explícitas, ou mesmo preconceitos e
estereótipos é um ponto central. Idealmente, a seleção não deveria ser
feita por uma única pessoa, nem levar em conta apenas as preferências
dessa pessoa, tanto em relação a gêneros como a autores, temas, tipos
de ideologias, ou qualquer outra visão parcial. É desejável que bibliote-
cários trabalhem em conjunto com especialistas em literatura infantil ou
mesmo professores de literatura. O bibliotecário possivelmente fará seu
próprio julgamento no que tange ao valor das obras, o que só se torna
possível com o conhecimento das obras, lendo e relendo, examinando,
analisando e avaliando. Obviamente, o bibliotecário também terá suas
preferências, mas que só deveriam ser levadas em conta se houver coin-
cidência entre esse gosto pessoal e o real valor da obra.
Por tudo isso, é altamente recomendável que o bibliotecário faça a
seleção não apenas baseado no título ou em um simples olhar superficial.
É importante um olhar de leitor, atento e com critérios.
Para auxiliá-lo na tarefa de seleção para compor ou atualizar, bem
como adequar o acervo às necessidades de um público-alvo elencamos,
a seguir, algumas fontes de consulta. O bibliotecário, como já se disse,
pode se valer das sugestões dos profissionais mencionados acima. Além

84 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


desses, catálogos de editoras são fontes úteis para a seleção de obras,
pois arrolam as obras infantis e juvenis por elas publicadas; ler resenhas
de lançamentos em jornais e revistas também é útil; frequentar livrarias
ou feiras de livros, sempre que possível, é outra forma de conferir lança-
mentos ou reedições, sendo que também pode sugerir estratégias para
motivação do público-alvo.
Ao consultar catálogos de editoras, é oportuno lembrar que o que ali
está descrito é a opinião do editor, para quem toda obra publicada por
ele é maravilhosa. Então, se a sinopse indicar uma obra em que se reco-
nheça valor estético, tentar tomar na mão, folhear, examinar a presença
ou ausência de todos os elementos mencionados. A sinopse serve para
tomar conhecimento das obras, os temas abordados e a faixa etária a que
se destinam, lembrando sempre que isso também é relativo. As resenhas
em jornais e revistas tendem a ser um pouco mais neutras em relação à
editora, mas obviamente expressarão a opinião do crítico.
Talvez a fonte mais fidedigna para consulta seja a Fundação Nacional
do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). A Biblioteca FNLIJ dá acesso às infor-
mações de seu acervo de livros de literatura infantil e juvenil publicados
no Brasil, sendo permanentemente atualizada com a produção de lite-
ratura para crianças e jovens. Inclui informativos teóricos sobre literatu-
ra infantil e juvenil, leitura e áreas afins. Informa sobre todos os títulos
recebidos, publicados a partir de 2003, oferecendo imagem das capas e
incluindo resenhas. Nas categorias poesia, teatro e ficção para crianças
e jovens, anteriores a 2003, disponibiliza muitos deles com resenha e
imagem das capas. Também fornece informações sobre todos os títulos
premiados pela Fundação ao longo dos anos, desde a primeira premia-
ção, que ocorreu em 1975, referente à produção editorial de 1974, até
a última premiação. Além disso, divulga todos os títulos recentes rece-
bidos para análise.

Figura 33 – Visite o site da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ)


e explore seu acervo de livros de literatura infantil e juvenil publicados no Brasil

Fonte: Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil38

Além dessa, pode ser útil também a consulta a sites de programas


vigentes, como o PROLER, o PNBE e o PNLL. O Programa Nacional de In-
centivo à Leitura (PROLER), criado em 1992, tem por finalidade contribuir
para a ampliação do direito à leitura, promovendo condições de acesso a
práticas de leitura e de escrita críticas e criativas.

38
FNLIJ. Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Disponível em: <http://www.fnlij.org.br/
site/>. Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 85


Figura 34 – O Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER) tem por finalidade
contribuir para a ampliação do direito à leitura, constituindo, dentro e fora da biblioteca
e da escola, uma sociedade leitora na qual a participação dos cidadãos no processo
democrático seja efetiva

Fonte: PROLER39

O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), desde 1997, tem


o objetivo de promover o acesso à cultura e o incentivo à leitura para
alunos e professores por meio da distribuição de acervos de obras de
literatura, de pesquisa e de referência.

Figura 35 – O Programa Nacional Biblioteca da Escola divide-se em três ações: o PNBE


Literário, que avalia e distribui as obras literárias; o PNBE Periódicos, que avalia e
distribui periódicos de conteúdo didático e metodológico para as escolas da educação
infantil, ensino fundamental e médio, e o PNBE do Professor, que tem por objetivo apoiar
a prática pedagógica por meio da avaliação e distribuição de obras de cunho teórico e
metodológico

Fonte: Ministério da Educação (MEC)40

O objetivo principal do Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) é


o acesso de todo cidadão ao livro e à leitura, através de um conjunto de
projetos, programas, atividades e eventos na área do livro, leitura, litera-
tura e bibliotecas em desenvolvimento no país.

39
PROLER. Programa Nacional de Incentivo à Leitura. Disponível em: <http://proler.culturadigital.
br/>. Acesso em: 04 nov. 2018.
40
MEC. Ministério da Educação. Programa Nacional Biblioteca da Escola. Disponível em: <http://
portal.mec.gov.br/programa-nacional-biblioteca-da-escola>. Acesso em: 04 nov. 2018.

86 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Figura 36 – Os quatro eixos do Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) são:
democratização do acesso, fomento à leitura, à formação de mediadores e ao
desenvolvimento da economia do livro

Fonte: Ministério da Cultura (MinC)41

Por último, ainda pode ser considerado o Prêmio Jabuti, criado pela
Câmara Brasileira do Livro (CBL), que marca com um selo de qualidade
as obras que recebem este prêmio e por isso são consideradas altamente
recomendáveis.

Figura 37 – O Prêmio Jabuti teve o nome inspirado pelo personagem de Monteiro


Lobato que ganhou vida em suas Reinações de Narizinho como uma tartaruga
vagarosa, mas obstinada e esperta, cheia de tenacidade para vencer obstáculos,
para enganar concorrentes mais bem-dotados e chegar à frente ao fim da jornada.
Com essas credenciais, ganhou também a simpatia e a preferência dos dirigentes da
Câmara Brasileira do Livro, que o elegeram para inspirar e patrocinar um prêmio para
homenagear e promover o livro

Fonte: Jabuti42

Além de consultar as fontes descritas, ouvir e conhecer os próprios


usuários é fundamental. O julgamento definitivo terá que ser feito sem-
pre, levando em conta os interesses e as necessidades daquele público es-
pecífico – daquela escola, daquela comunidade, daquela região, daquele
momento – da sua faixa etária, seus interesses, desejos curiosidades.
Assim, é importante atentar sempre para a qualidade desse livro, que
seja de preferência literatura, que as histórias tenham um potencial de se-
duzir a criança ou o jovem, seja pelo enredo, seja pela ilustração (de pre-

41
MINC. Ministério da Cultura. Plano Nacional do Livre e Leitura. Disponível em: <http://www.
cultura.gov.br/pnll>. Acesso em: 04 nov. 2018.
42
JABUTI. Prêmio Jabuti. Disponível em: <https://www.premiojabuti.com.br/>. Acesso em: 04 nov.
2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 87


ferência por ambos, no caso da criança), para que seu gosto se aprimore
e ela/ele possa vir a verdadeiramente amar sua experiência de leitura.
Poon (2016) lembra as palavras do famoso escritor e cartunista norte-
-americano Dr. Seuss, que observou que as crianças ansiavam constante-
mente pelas mesmas coisas que os adultos desejam: “Rir, ser desafiado,
ser entretido e encantado.”.

4.4 OS GÊNEROS
Os gêneros que podem servir de leitura a crianças e jovens adolescen-
tes são vários. Em princípio, aplicando uma divisão mais ampla, temos
basicamente a prosa (gênero narrativo, ou ficção) e a poesia (gênero poé-
tico). No gênero dramático (o teatro) não há, comparativamente, uma
produção tão significativa.
Dentro do gênero narrativo, que é o que conta histórias, temos basi-
camente as fábulas (que também podem ser encontradas em verso), os
apólogos e as parábolas, os contos folclóricos, as lendas, os contos de
fadas, os contos maravilhosos, bem como contos modernos que, diría-
mos, formam uma categoria em particular. Na prosa de ficção infantil e
juvenil, temos basicamente os mesmos elementos da ficção adulta: temos
um enredo, personagens responsáveis pelas ações, o ambiente, que é o
cenário. Para crianças muito pequenas por vezes não temos um cenário
muito definido, pelo menos no texto. Quando presente, o ambiente mui-
tas vezes aparece definido apenas na ilustração.
Na poesia, temos as parlendas, apropriadas para crianças de tenra ida-
de e também a poesia autoral, dentro das quais várias obras poéticas
adequadas aos jovens. Entre as parlendas estão os brincos, as mnemônias
e os trava-línguas ou jogos de palavras (JARDIM, 2001). Textos para o tea-
tro, específicos para representação ou dramatização, são mais escassos;
no mais das vezes, as próprias histórias de algum dos gêneros menciona-
dos anteriormente são adaptados para serem encenados.
Atualmente, seguindo a tendência que também se evidencia na litera-
tura adulta, temos muitas vezes certo hibridismo em termos de gênero,
mesclando diferentes formas tradicionais e fazendo surgir estruturas no-
vas, ainda não consolidadas. Mas vamos começar pelo que já está con-
sagrado.

Atenção
Você sabe o que são e quando surgiram as fábulas? Você sabe que
o apólogo e as parábolas são narrativas semelhantes a uma fábula?
É o que vamos ver a seguir.

88 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


4.4.1 A fábula
A fábula pode ser definida, de maneira geral, como uma narrativa cur-
ta e alegórica, que tem como protagonistas principalmente animais, mas
com características humanas. A narrativa é sempre exemplar, ou seja, tem
a finalidade de servir de exemplo e, ao final, apresenta uma moral explí-
cita que, de certa forma, sintetiza o propósito do exemplo. Semelhantes
a elas, os apólogos e as parábolas têm a mesma finalidade moralizante,
mas ao invés de serem protagonizados por animais, os apólogos o são
principalmente por objetos; já as parábolas são protagonizadas por pes-
soas (MOISÉS, 1982).
Algumas das fábulas mais conhecidas, como O lobo e o cordeiro, fo-
ram possivelmente primeiro registradas na Antiguidade por Esopo, depois
reescritas por Fedro e, no século XVII, por La Fontaine, mas também por
vários outros autores ao longo do tempo, até hoje.

Figura 38 – Busto de Esopo no Museu Pushkin, na Rússia

Fonte: Wikimedia43

Curiosidade
O lobo e o cordeiro
Estava o lobo a beber água num ribeiro, quando avistou um cor-
deiro que também bebia da mesma água, um pouco mais abaixo.
Mal viu o cordeiro, o lobo foi ter com ele de má cara, arreganhando
os dentes:
– Como tens a ousadia de turvar a água onde eu estou a beber?

Respondeu humildemente o cordeiro:


– Eu estou a beber mais abaixo, por isso não te posso turvar a
água.

43
WIKIMEDIA. Shakko. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/w/index.
php?curid=5545991>. Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 89


– Ainda respondes, insolente! – retorquiu o lobo ainda mais
colérico. – Já há seis meses teu pai me fez o mesmo.

Respondeu o cordeiro:
– Nesse tempo, senhor, ainda eu nem era nascido, não tenho
culpa.
– Sim, tens – replicou o lobo –, que estragaste todo o pasto do
meu campo.
– Mas isso não pode ser – disse o cordeiro –, porque ainda não
tenho dentes.
O lobo, sem mais uma palavra, saltou sobre ele e logo o dego-
lou e comeu.

Moral da história: Claramente se mostra nesta fábula que nenhu-


ma justiça nem razões valem ao inocente para o livrarem das mãos
de um inimigo poderoso e desalmado. Há poucas cidades ou vilas
onde não haja estes lobos que, sem causa nem razão, matam o
pobre e lhe chupam o sangue, apenas por ódio ou má inclinação.
Fonte: FÁBULAS DE ESOPO Ilustradas. Tradução e adaptação de Carlos Pinheiro. 2012.
p.10-11.

Multimídia
Se você quiser ler outras fábulas de Esopo, busque em: <https://
lerebooks.files.wordpress.com/2013/01/fabulasdeesopo.pdf>.

Como se pode verificar no exemplo, a fábula se constitui em uma


história que comprova algo que vai ser resumido ao final, no que se
chama de moral. A fábula acima mostra como o ingênuo se torna
presa fácil do poderoso ou do prepotente. Já A rã e o boi comprova
como é inútil tentar ser o que não se é; A raposa e as uvas, de autoria
atribuída a Jean de La Fontaine, demonstra o ridículo de ser presun-
çoso. Esses são apenas alguns exemplos das fábulas mais conhecidas,
mas existem muitas mais.
Agulha ou linha, quem é a rainha?, apólogo escrito por Machado
de Assis (1992), publicado originalmente em 1896, é um diálogo
entre ambos os objetos – uma agulha e uma linha –, que exemplifica
como na vida os seres humanos tantas vezes se valem dos outros
para obterem sucesso. E assim temos nas fábulas e assemelhados
inúmeros exemplos de ações humanas e sua interpretação morali-
zante. Também Monteiro Lobato reescreveu 74 das fábulas, incluin-
do tanto as mais conhecidas como algumas nem tão populares. Essas
fábulas receberam, em 2011, uma versão em quadrinhos, adaptada
por Miguel Mendes. Outra adaptação de fábulas para crianças, rica-

90 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


mente ilustrada, foi feita por Mary e Eliardo França, na década de
1990, em dois volumes.
Você conhece algum conto que considere popular ou folclórico? O
que você acha que caracteriza esse tipo de conto? Continue a leitura e
verifique se você estava no caminho certo.

4.4.2 O conto popular ou folclórico


Os contos populares ou folclóricos são aquelas histórias que se man-
tiveram e ainda se mantêm na oralidade, sendo basicamente de domínio
popular. Ainda que vários autores tenham reescrito alguns deles e ainda
o façam: “[...] o conto popular é um agente de transmissão de valores
éticos, conceitos morais, modelos de comportamento e concepções de
mundo.” (VALE, 2001, p.46) que muitas vezes se restringem ao local
geográfico em que são mantidos pela tradição. Observa-se, no entanto,
que muitas narrativas consideradas populares em determinado contexto
se repetem de maneira semelhante em outros lugares, até mesmo em ou-
tros países. O que parece indicar que há maneiras de agir e de pensar que
são próprias do ser humano em todos os lugares e em todas as épocas.
Ana Maria Machado publicou, em 2002, Histórias à brasileira: A moura
torta e outras, em que reúne várias dessas histórias em volume ilustrado
por Odilon Moraes.
Como fazem parte do conjunto de histórias transmitidas oralmente
de geração em geração, temos uma grande variedade de contos popu-
lares no país. Isso porque, embora muitas sejam conhecidas pelo Brasil
afora, há também aquelas que são mais conhecidas em lugares especí-
ficos. O folclorista Luís da Câmara Cascudo (2000) foi quem de maneira
mais completa reuniu as mais conhecidas, agrupando-as nas diversas
regiões do país, em sua obra Contos tradicionais do Brasil, publicada
pela primeira vez em 1946. Nessa coletânea, reuniu 100 contos, que
dividiu em 12 categorias: contos de encantamento, contos de exemplo,
contos de animais, facécias, contos religiosos, contos etiológicos, de-
mônio logrado, contos de adivinhação, natureza denunciante, contos
acumulativos, ciclo da morte e tradição. Nessas quatro últimas catego-
rias, Cascudo (2000) registrou apenas uma ou duas em cada uma delas.
Esparsas entre essas categorias estão também fábulas, que o autor não
rotulou como tal, possivelmente porque em determinados lugares aca-
bam tendo uma feição peculiar, sendo considerados contos populares
daquele lugar.
Essas histórias servem como leitura para o público juvenil, sendo
que também podem ser contadas oralmente a crianças menores, às
vezes demandando alguma adaptação de vocabulário. Especificamen-
te para o público juvenil, a Editora Global publicou, em 2001, Contos
tradicionais do Brasil para jovens, livro em que foram selecionadas
aproximadamente a metade das histórias que fazem parte dos Contos
tradicionais do Brasil.
Leia a seguir um conto popular, registrado por Luís da Câmara Cascu-
do (2000) em sua obra Contos tradicionais do Brasil:

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 91


Curiosidade
Adivinha, adivinhão!
Era uma vez um homem muito sabido mas infeliz nos negó-
cios. Já estava ficando velho e continuava pobre como Job. Pen-
sou muito em melhorar sua vida e resolveu sair pelo mundo dizen-
do-se adivinhão. Dito e feito. Arranjou uma trouxa com a roupa
e largou-se. Depois de muito andar chegou ao palácio de um rei
e pediu licença para dormir. Quando estava ceando o rei lhe disse
que o palácio estava cheio de ladrões astuciosos. Vai o homem e
se oferece para descobrir tudo ficando um mês naquela beleza.
O rei aceitou. No outro dia o homem passou do bom e do me-
lhor e não descobriu cousa nenhuma. Na hora de cear, quando
o criado trazia o café, o adivinho exclamou, referindo-se ao dia
que passara:
– Um está visto!
O criado ficou branco de medo porque era justamente um dos
larápios. No dia seguinte veio outro criado ao anoitecer e o adivi-
nhão repetiu:
– O segundo está aqui!
O criado, também gatuno, empalideceu e atirou-se de joe-
lhos, confessando tudo e dando o nome do terceiro cúmplice.
Foram presos e o rei ficou satisfeito com as habilidades do adi-
vinho.
Dias depois roubaram a coroa do rei e este prometeu uma rique-
za a quem adivinhasse o ladrão. O adivinho reuniu todos os criados
numa sala e cobriu um galo com uma toalha. Depois explicou que
todos deviam passar a mão nas costas do galo. O ladrão havia de
ser denunciado pelo canto do galo. Todos os criados passaram a
mão. O adivinho, cada vez que alguém ia meter o braço debaixo da
toalha, fazia umas piruetas e dizia, alto:
Adivinha, adivinhão,
a mão do ladrão!
Todos acabaram de fazer o serviço e o adivinho mandou que
mostrassem a palma da mão. Dois homens estavam com as mãos
limpas e os demais sujos de fuligem.
– Prendam estes dois que são os ladrões da coroa!
Os homens foram presos e eram eles mesmos. A coroa foi acha-
da. O adivinho explicou a manobra. O galo estava coberto de tisna
de panela, emporcalhando a mão de quem lhe tocasse nas costas.
Os dois ladrões não quiseram arriscar a sorte e por isso fingiram
apenas que o faziam, ficando com as mãos limpas.
O rei deu muito dinheiro ao adivinhão e este voltou rico para
sua terra.

92 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


4.4.3 A lenda
Vale (2001, p. 44) define a lenda como “[...] a narrativa que explica o
surgimento de algo no universo, ensina e fixa costumes e crenças de de-
terminada região.”. E também a origem de determinadas plantas, como a
mandioca e a vitória-régia. Muitas vezes os personagens dessas narrativas
são seres fantásticos presentes no imaginário das pessoas locais e que aca-
bam acreditando mesmo em sua existência real. Seres como o caipora, o
protetor dos animais da floresta, ou a iara, a sereia sedutora de homens,
cujas existências são explicadas por lendas. Para Góes (1984, p.106): “As
lendas são a base fundamental da cultura dos povos.”. Câmara Cascudo
(2000b) reuniu algumas das lendas mais conhecidas no Brasil, mais preci-
samente 21, em sua obra Lendas brasileiras, cuja primeira edição data de
1945. Nessa obra, da qual há uma edição mais recente, de 2000, também
dividiu as lendas pela sua região de origem ou região brasileira em que são
mais conhecidas: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-oeste.

Curiosidade
A lenda do guaraná
Conta a lenda que em uma aldeia dos índios Maués havia um
casal, com um único filho, muito bom, alegre e saudável. Ele era
muito querido por todos de sua aldeia, o que levava a crer que no
futuro seria um grande chefe guerreiro. Isto fez com que Jurupari,
o deus do mal, sentisse muita inveja do menino. Por isso resolveu
matá-lo. Então, Jurupari transformou-se em uma enorme serpente
e, enquanto o indiozinho estava distraído, colhendo frutinhas na
floresta, ela atacou e matou a pobre criança.
Seus pais, que de nada desconfiavam, esperaram em vão pela
volta do indiozinho, até que o sol foi embora. Veio a noite e a lua
começou a brilhar no céu, iluminando toda a floresta. Seus pais já
estavam desesperados com a demora do menino. Então toda a tri-
bo se reuniu e saíram para procurá-lo. Quando o encontraram mor-
to na floresta, uma grande tristeza tomou conta da tribo. Ninguém
conseguia conter as lágrimas. Neste exato momento uma grande
tempestade caiu sobre a floresta e um raio veio atingir bem perto
do corpo do menino. Todos ficaram muito assustados. A índia-mãe
disse: “...É Tupã que se compadece de nós. Quer que enterremos
os olhos de meu filho, para que nasça uma fruteira, que será nossa
felicidade”. E assim foi feito. Os índios plantaram os olhos do indio-
zinho imediatamente, conforme o desejo de Tupã, o rei do trovão.
Alguns dias se passaram e no local nasceu uma plantinha que os
índios ainda não conheciam. Era o guaranazeiro. É por isso que os
frutos do guaraná são sementes negras rodeadas por uma película
branca, muito semelhante a um olho humano.
Fonte: <http://www.sohistoria.com.br/lendasemitos/guarana/>.

Uma narrativa semelhante à lenda é o conto chamado de etiológico,


em que a história supostamente explica o surgimento de algo. Câmara
Cascudo em seu livro Contos tradicionais do Brasil registra alguns contos

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 93


dessa natureza; por exemplo, a história Festa no céu explica por que o
cágado tem aquele aspecto de remendado no seu casco. E tem também
aquela história que explica Por que o cachorro é inimigo de gato... e gato
de rato.

Multimídia
Se você quiser ler os Contos tradicionais do Brasil, de Luís da Câma-
ra Cascudo, acesse em:
<http://lelivros.top/book/baixar-livro-contos-tradicionais-do-brasil-
luis-da-camara-cascudo-em-pdf-epub-e-mobi-ou-ler-online/>.

4.4.4 O conto de fadas


Conta-nos Lúcia Góes (1984, p. 67) que: “As fadas são de origem
pagã e usam objetos encantados, talismãs, varinhas de condão e com
elas gratificam seus escolhidos.”. Os contos de fadas tradicionais são os
que apresentam seus personagens num contexto maravilhoso e incluem
fadas como personagens que provocam mudanças nos acontecimentos
na história.
O ambiente em que esses contos se passam é sempre um lugar im-
preciso, daí o uso costumeiro da expressão “Era uma vez”. A presença
do bem coexiste com a presença do mal, sendo que os personagens ou
são integralmente bons, ou integralmente maus. Nenhum é ambivalen-
te. Esse maniqueísmo presente nos contos de fadas, segundo alguns,
como Bettelheim (1980), é necessário para a criança, pois só assim ela
poderá fixar o que é bom e o que é mau, o que é adequado e o que é
inadequado e assim aprender a distinguir o certo do errado na sua vida.
Para Bettelheim (1980), o conto de fadas é terapêutico porque a criança
encontra sua própria solução através do que a história coloca sobre seus
conflitos internos.
Esses contos são de autoria de escritores do passado, já mencionados
em unidades anteriores, como Perrault e os Irmãos Grimm, embora nem
todos os contos desses autores tenham sido de fadas. Em Perrault, a
figura da fada aparece como a “velha fada” ou a “fada boa” ou “fada
madrinha”, em geral protetora da protagonista. Dos 210 contos escritos
pelos Irmãos Grimm, apesar de serem chamados por muitos de contos
de fadas, nenhum inclui a figura da fada, jovem, glamourosa e resplan-
decente, tal como se tornou conhecida a partir das adaptações de Walt
Disney. Nos contos dos Grimm, a figura equivalente à fada é, em geral,
a de uma anciã, ou de mulheres sábias, como na história d’A Bela ador-
mecida. Além da presença de fadas, há também reis e rainhas, príncipes
e princesas, gênios, bruxas e gigantes.
Veja, a seguir, trechos de Perrault e Grimm, das suas versões de A bela
adormecida, em que aparecem as figuras de fada e de mulheres sábias,
respectivamente:

94 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Trecho inicial de A bela adormecida no bosque, Trecho inicial de A bela adormecida, dos Irmãos
de Charles Perrault: Grimm:

Após as cerimônias do batismo toda a corte O que o sapo dissera tornou-se realidade, e a
voltou ao palácio do rei, onde havia uma grande rainha teve uma menina que era tão bonita que
festa para as fadas. Foi colocado diante de cada o rei, não cabendo em si de alegria resolveu dar
uma delas um conjunto magnífico, de prato de uma grande festa. Ele convidou não só os seus
ouro maciço, onde havia uma colher, garfo, faca de parentes, amigos e conhecidos, mas também as
ouro, cravejados de diamantes e rubis. Mas, quan- mulheres sábias, para que elas assegurassem bons
do cada uma tomou seu lugar à mesa, viram entrar augúrios à criança. Havia treze delas no reino, mas
uma fada velha que não tinha sido convidada por- como havia apenas doze pratos de ouro no cas-
que havia mais de cinquenta anos que não saía de telo para elas comerem, uma delas acabou tendo
uma torre e se acreditava que ela estivesse morta que ficar em casa.
ou encantada. O rei mandou que lhe colocassem
A festa foi celebrada com todo o esplendor, e
também um conjunto para ela na mesa, mas não
quando acabou, as mulheres sábias presentearam a
teve como lhe dar um prato de ouro maciço, como
criança com dons maravilhosos: uma lhe concedeu
para as outras, porque ele não tinha mandado fa-
virtude; outra, beleza; a terceira, riquezas e tudo o
zer mais do que sete para as sete fadas convidadas.
mais que se possa desejar no mundo. Quando onze
A velha fada imaginou que ela estava sendo me-
delas tinham feito seus desejos e promessas, de re-
nosprezada e murmurou algumas ameaças entre-
pente, entrou a décima terceira mulher sábia. Ela
dentes. Uma das jovens fadas que se encontrava
queria vingança porque não tinha sido convidada
perto dela a ouviu e, julgando que pudesse dar um
e, sem cumprimentar ou olhar para ninguém, ela
presente infeliz à pequena princesa, assim que dei-
gritou em alta voz: “Em seu décimo quinto ano de
xaram a mesa, foi se esconder atrás da tapeçaria,
vida, a princesa vai picar-se em uma roca de fiar e
a fim de falar por último, e de poder reparar, tanto
cair morta.” E sem dizer outra palavra, ela virou-se
quanto possível, o dano que a velha tivesse feito.
e deixou a sala.
No entanto, as fadas começaram a conceder GRIMM, Irmãos. Dornröschen. In: Die Schönsten Mär-
seus dons à princesa. A mais nova deu a ela o dom chen Der Brüder Grimm. [Bielefeld] : Bertelsmann, 1957,
de ser a mais bela do mundo; a segunda, de ter o p.158. (tradução nossa)
espírito de um anjo; a terceira, que ela teria uma
graça admirável em tudo o que fizesse; a quarta,
que dançaria com perfeição; a quinta, que cantaria
como um rouxinol, e a sexta, que ela tocaria todos
os tipos de instrumentos com perfeição. Quando
chegou a vez da velha fada, ela disse, balançando a
cabeça, ainda com mais rancor do que velhice, que
a princesa furaria sua mão com um fuso e morreria.
Disponível em: <http://feeclochette.chez.com/Perrault/
bellebois.htm>. (tradução nossa)

Nos contos de fadas cria-se uma lógica própria em que as situações


normalmente consideradas incomuns são apresentadas como normais
e passíveis de acontecer com qualquer um de nós. Sua estrutura con-
siste da presença do maravilhoso e de um confronto entre o bem e o
mal, sendo que o mal deve ser punido, para que a ordem seja restabe-
lecida. A punição do mal desencadeia o final feliz, que reafirma para
a criança que tudo vai terminar bem. Esses contos usam uma lingua-
gem simbólica que representa conteúdos do inconsciente e já recebeu
interpretações de psicanalistas como Bruno Bettelheim, já citado, na
década de 1970 e, mais recentemente no Brasil, de Mário e Diana
Corso, em 2006.
Conforme lembra Luiza Vale (2001, p. 48), constata-se que há “[...]
desde a década de 1970, a circulação de obras reveladoras da recomposi-
ção dos contos de fadas tradicionais no que se refere à temática, à estru-
tura e aos aspectos ideológicos apresentados.”. Surge nessa época a obra
A fada que tinha ideias, de Fernanda Lopes de Almeida, que acabou se
tornando símbolo dessa retomada do gênero, com obras que passaram a
ser chamadas de contos de fadas modernos.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 95


Outros que se tornaram exemplos “clássicos” desse gênero foram A
menina que o vento roubou, de Heloisa Penteado, e Trim, de Lúcia Pimen-
tel Góes. Esses contos mantêm, como já dito, uma estrutura semelhan-
te aos contos de fadas e, principalmente o elemento maravilhoso, mas
renovam seu conteúdo. Pelo encaminhamento da narrativa, entretanto,
conduzem o leitor a uma percepção de mundo e de si mesmo bastante
diferente da dos contos tradicionais. A rebeldia de Clara Luz (protagonista
de A fada que tinha ideias), sua recusa em aceitar o status quo, seu ques-
tionamento do que é considerado certo e errado, opõe-se à aceitação
passiva da ordem pelos personagens dos contos de fadas tradicionais.
Essas novas narrativas de certa forma subvertem uma ordem enges-
sada e maniqueísta, promovendo uma alteração visceral das ações dos
personagens, que se tornam senhores de seu próprio destino, escolhendo
seus caminhos baseados em possibilidades que eles mesmos constroem.
Nada de provações previsíveis e impostas pela lei da história. As soluções
são construídas pela percepção do problema e das possibilidades que
surgem, sem esquemas pré-fixados ou estabelecidos.

4.4.5 O conto maravilhoso


O conto maravilhoso é muitas vezes confundido com o conto de fa-
das, porque nele também existem elementos mágicos como objetos que
têm o poder de talismãs, fórmulas mágicas ou palavras mágicas que de-
sencadeiam uma transformação, ou uma proteção, que não podem ser
explicados pela lógica cotidiana. A história em geral conta sobre a carên-
cia dos personagens, relacionada a uma dificuldade social ou econômica
e reflete um desejo de autorrealização. Essa dificuldade normalmente é
resolvida pela conquista de bens materiais e se resolve por meio de uma
solução mágica (COELHO, 2000). Para Soriano (2002, p. 153, tradução
nossa), na sua origem:

A função desta literatura é tranquilizar o público po-


pular, para lhe comunicar um ideal de justiça e vin-
gança. Também o herói mais amado dos contos é um
menino corajoso ou uma menina pobre, jovens sem
fortuna ou pouco favorecidos pelo destino e que, por
força de Deus, piedade ou astúcia, às vezes a cum-
plicidade de animais de estimação ou de um morto
reconhecido, acabam bem no jogo [da história].

Entre os contos maravilhosos mais conhecidos, muitos vêm da tra-


dição árabe, como os que fazem parte d’As mil e uma noites, como Ali
Babá e os quarenta ladrões, Aladim e a lâmpada maravilhosa, Simbad, o
marujo, entre outros. Outros autores de contos maravilhosos são Perrault,
com seu Gato de botas, por exemplo, Os Irmãos Grimm, Andersen e Jo-
seph Jakobs, este menos conhecido entre nós, mas do qual conhecemos
a história dos Três porquinhos.

4.4.6 O conto moderno


Os contos modernos, ou narrativas curtas, como as denomina Vale
(2001), são outra possibilidade de narrativa que existe nos dias atuais.
Diferentes dos contos folclóricos ou populares, os contos modernos são
ambientados em contextos contemporâneos em que a criança ou o jovem
se reconhecem. Apresentam problemas que talvez já tenham vivenciado

96 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


ou podem em algum momento vivenciar. Embora possam apresentar per-
sonagens animais, não têm o tom moralista ou moralizante das fábulas.
Preferem tratar de questões do dia a dia, o que favorece a identificação
das crianças ou dos jovens.
Apesar de que o maravilhoso já não tenha lugar garantido dentro da
literatura escrita para crianças e jovens hoje, existem obras que pela sua
conotação simbólica podem preservar traços dessa característica. Pode-
mos mencionar a obra de Lygia Bojunga Nunes e tantos outros já citados
nos textos sobre literatura infantil e juvenil, em que estão presentes so-
nhos, vontades e anseios, simbolizados por elementos que escapam de
seus limites reais.

4.4.7 A novela
Novelas são narrativas que extrapolam o tamanho de um conto, em-
bora ainda com uma estrutura relativamente simples. Entre elas temos
basicamente dois tipos direcionados ao público jovem: a de aventura e
a sentimental. Embora em geral se acredite que as de aventura agradem
mais aos meninos e as sentimentais, às meninas, isso não é uma regra
geral, obviamente. As novelas de aventura, frequentemente ligadas a via-
gens, se caracterizam por confrontarem o herói com dificuldades reais,
que exigirão força ou habilidade para serem resolvidas, sem a interferên-
cia de fadas ou outros seres fantásticos ou maravilhosos (COELHO, 2010).
Entre as histórias de aventura, podemos destacar as de ficção científica,
cujo exemplo típico são as obras de Júlio Verne. Nelas, os poderes que
certos objetos detinham nos contos maravilhosos são transferidos para
criações do ser humano. Embora a ficção científica hoje já não faça mais
tanto sucesso, nem se encontrem tantos escritores do gênero atualmen-
te, até porque a realidade hoje, em muitos aspectos, supera a ficção,
ainda pode suscitar interesse nos jovens.
Outro tipo de leitura que tende a ser bastante aceito pelos jovens é o
de mistério, no qual se combinam astúcia e inteligência, resultando no
gênero policial. Embora tenda a ser um pouco desvalorizado em termos
literários, vale pelo interesse que desperta nos jovens, mantendo e refor-
çando seu interesse pela leitura que, muitas vezes, tende a diminuir na
pré-adolescência e adolescência, como já foi mencionado.
Contrapondo-se tematicamente às novelas de aventura que incluem
viagens e narrativas de suspense e mistério, as novelas sentimentais apre-
sentam, nas palavras de Jesualdo Sosa (1993), “[...] a trama amorosa e
o idílio romântico do eterno casal nos seus amores contrariados [...]”;
gênero do qual também encontramos representantes na literatura para
adultos. Segundo o mesmo autor (SOSA, 1993, p.174), os leitores ado-
lescentes encontram nelas “[...] o melhor espelho de suas almas contur-
badas [...]” pela dificuldade de realizar integralmente seus desejos ainda
parcialmente restritos ao mundo adulto, o que obviamente não é privilé-
gio apenas das meninas.
Todos esses gêneros acima descritos brevemente podem se constituir
em material de leitura de crianças e também de adolescentes, se escolhi-
dos com critério, sempre levando em conta sua faixa etária e seus interes-
ses. Para os menores, mediados pelo adulto, aqui pensamos no bibliote-
cário, que poderá para eles lê-los ou contá-los. Para os maiores, também
se deverá levar em conta seu estágio no processo de alfabetização.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 97


Atenção
Você conhece aquelas quadrinhas que as crianças recitam nas brin-
cadeiras? Você sabia que existem brincos no contexto da poesia
infantil? Achava que brinco é só o que usamos na orelha? Então
leia o próximo texto para descobrir que não.

4.4.8 A poesia

Convite
José Paulo Paes

Poesia
é brincar com palavras
como se brinca com bola, papagaio, pião.

Só que
bola, papagaio, pião
de tanto brincar se gastam.

As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.

Como a água do rio


que é água sempre nova.

Como cada dia


que é sempre um novo dia.

Vamos brincar de poesia?

(AGUIAR, 1995).

Na escola e também na biblioteca, a poesia é muitas vezes relegada


ao segundo plano por um entendimento equivocado de que crianças e
jovens não gostem de ouvir ou ler poesia. Muitas vezes o seu não gostar
decorre exatamente de seu desconhecimento, da sua falta de contato
com a poesia. O contato precoce com a poesia é bastante recomendado,
pois habitua a criança gradualmente com efeitos sonoros, bastante im-
portantes no período da aquisição da linguagem.

98 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Até meados do século passado era situação comum expor as crianças
apenas a poemas bastante pueris e de tom moralizador ou laudatório.
Partimos do pressuposto inicial de que a poesia está aí para ser ouvida,
pois toca primeiro nossos sentidos, nossa sensibilidade. Sua natureza rít-
mica e melódica, que a aproxima da música, torna fácil sua abordagem
até com crianças bem pequenas. Além do que, na linguagem poética, a
prevalência é da conotação, o que, de certa maneira, é fator de identifi-
cação, pois o mundo infantil também é cheio de imagens. Para Ana Maria
de Mello (2001, p. 71):

O trabalho da linguagem, no poema, é semelhante


ao trabalho do sonho; neste muitas representações
podem-se fundir em uma só por um processo de
condensação, e a intensidade de uma representação
pode se irradiar para as demais por um processo de
deslocamento. Na poesia, as imagens operam es-
ses dois processos: uma imagem pode ser o centro
que, de um lado, acolhe semanticamente as demais
imagens em uma espécie de fusão e, de outro, nelas
se desdobra ao longo da tessitura do poema, como
nuanças de uma mesma nota musical.

No que tange à sua natureza, podemos afirmar que há algumas carac-


terísticas que diferenciam a poesia da prosa (MOISÉS, 2012). Algumas até
visíveis na própria disposição do texto sobre o seu suporte, seja ele papel
ou outro. O texto poético (ou poema – que é a obra poética) se compõe
de versos. Cada uma das linhas que compõem o poema é um verso. Ao
conjunto desses versos chamamos de estrofe. Às vezes, o poeta escreve
seu poema em uma única estrofe; outras vezes, compõe seu poema em
várias estrofes, como no poema de Cecília Meireles (1990, p. 35), abaixo:

A avó do menino
Cecília Meireles

A avó
vive só.
Na casa da avó
o galo liró
faz “cocorocó!”
A avó bate pão-de-ló
E anda um vento-t-o-tó
Na cortina de filó.

A avó
vive só.
Mas se o neto meninó
Mas se o neto Ricardó
Mas se o neto travessó
Vai à casa da avó,
Os dois jogam dominó.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 99


As estrofes, por sua vez, classificam-se, quanto ao número de versos
em: monóstico (estrofe com um verso), dístico (dois versos), terceto (três
versos); quarteto (quatro versos de oito a dez sílabas) ou quadra (quatro
versos com, no máximo, sete sílabas); quintilha (cinco versos), sextilha
(seis versos), septilha (sete versos), oitava (oito versos); nona (nove ver-
sos); décima (dez versos). Sendo que as estrofes com mais de dez versos
são consideradas estrofes irregulares (MOISÉS, 2012).
Também existem na poesia efeitos de musicalidade e de ritmo. Os efei-
tos de ritmo em geral são dados pela métrica, que é uma forma de clas-
sificar os poemas pelo número de sílabas poéticas. Tem-se um ritmo no
poema, conforme o número de sílabas – monossílabo (uma sílaba poéti-
ca); dissílabo (duas sílabas poéticas); trissílabo: três sílabas poéticas, e as-
sim por diante. Os versos que recebem nomes específicos são os de cinco,
seis e sete sílabas poéticas. Respectivamente: pentassílabo ou redondilha
menor; hexassílabo ou heróico quebrado; e heptassílabo ou redondilha
maior, com sete sílabas poéticas. Os versos de doze sílabas poéticas são
chamados alexandrinos (MOISÉS, 2012).
No poema de Dilan Camargo, um tênis frajola, podemos observar um
exemplo de estrofe composta por versos em redondilha menor (cinco
sílabas tônicas):

Um tênis frajola
caminha na sala.
Bonita cartola
e uma bengala.

Embora os versos tenham efetivamente seis sílabas, a sílaba tônica das


últimas palavras é sempre a penúltima. Então, vamos pronunciar: Um-tê-
-nis-fra-jó (la – não se conta)/ ca-mi-nha-na-sá (la – não se conta)/ Bo-ni-
-ta-car-tó (la – não se conta)/ e-u-ma-ben-gá(la – não se conta).
A musicalidade é dada pela rima ou outros elementos. A rima que se ca-
racteriza pela semelhança ou igualdade de sons presentes em dois ou mais
versos. Por exemplo, no poema de Cecília Meireles, transcrito anteriormen-
te temos as rimas: meninó / Ricardó / travessó, na verdade, no poema intei-
ro. A rima em geral ocorre no final dos versos, mas nem sempre. Quando
ocorre no final, podemos ter rimas alternadas, cruzadas ou entrelaçadas,
(com um esquema abab/abab); rimas emparelhadas ou paralelas, quando
ocorrem duas a duas (aabb/aabb); rimas interpoladas, intercaladas ou enla-
çadas, quando ocorrem entre o primeiro e o quarto versos, ou o segundo
e o terceiro (abba/abba). Pode também haver uma rima interior, quando o
som, de uma ou mais palavras que estão no interior do verso, coincide. Há,
ainda, rimas mistas ou misturadas e versos brancos ou soltos.
No poema de Ricardo Silvestrin (2005), O monstro do armário, temos
um exemplo de rima entrelaçada e também interpolada:

(a) Quem me garante:


(b) as roupas se transformam
(a) num monstro mutante,
(c) ou ao contrário:
(b) os monstros se disfarçam
(c) de roupas no armário?

100 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Entrelaçada, no caso do primeiro e terceiro versos: “garante”/ “mu-
tante”. E interpolada no caso do segundo verso, em que “transformam”
vai rimar apenas dois versos adiante, com “disfarçam”.
Existem ainda as classificações das rimas que dizem respeito à fonética
em que se consideram, por exemplo, as rimas perfeitas ou imperfeitas.
Tomando ainda o mesmo poema de Silvestrin, temos “garante”/ “mu-
tante” como rima perfeita, assim como “contrário” / “armário” . E trans-
formam / disfarçam, como ocorrência de rima imperfeita, porque nelas
apenas as letra “am” se repetem, mas não a sílaba inteira.
É claro que existem também aqueles versos em que não há rima algu-
ma, chamados versos brancos, bem como os versos livres, em que não há
rima nem métrica.
A poesia, no entanto, não se caracteriza apenas pela sua forma física.
O uso que o poeta faz da palavra, constituindo a linguagem poética,
também tem suas peculiaridades. Poderíamos afirmar que a metáfora é a
figura central da linguagem poética. Buscando em Aristóteles uma con-
ceituação para ela, encontramos na sua Arte poética (XXI, 7): “A metá-
fora é a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do
gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie
para outra, por analogia.”
A primeira estrofe do poema de Sérgio Capparelli (2003), O que se vê
de binóculo, ilustra bem o conceito de metáfora:

Um céu de moranguinhos
gostosos, bem maduros
nuvens de pão de queijo
flutuando além do muro.

Se pensarmos em um céu, jamais pensaríamos que ele se constituísse


de moranguinhos, assim como também não associaríamos as nuvens ao
pão de queijo. Mas o que liga esses elementos? Embora moranguinhos
não estejam normalmente associados ao céu, o fato de serem gostosos e
bem maduros nos remete a uma sensação de delíciamento e prazer, como
se estivéssemos no céu, ao degustá-los. Da mesma maneira, a fofura, le-
veza e maciez do pão de queijo são características facilmente associadas a
nuvens pelas crianças. A forma como o poeta constrói as imagens através
das palavras parte de uma comparação de sensações e se concretiza em
uma metáfora, transpondo qualidades de um objeto para outro e assim
transferindo para um objeto imaginado qualidades características de outro.

Atenção
Existem ainda outras classificações de rimas, além das mencionadas
no texto. Se você tiver interesse em aprofundar essas questões teó-
ricas sobre poesia, uma boa e detalhada fonte é o livro de Massaud
Moisés (2012) que consta nas referências, ao final desta aula.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 101


A poesia, portanto, especial pela sua musicalidade e ritmo, facilmente
perceptível pela criança, pela sua proximidade com a brincadeira, com o
jogo, pode oferecer uma maneira mais agradável para a transição entre
a experiência lúdica infantil e a iniciação no código verbal escrito intro-
duzido e valorizado pela escola. O jogo com as palavras é natural para
a criança que está descobrindo o nome das coisas no mundo. Participar
deste jogo é muito prazeroso para a criança. Veja os poemas abaixo:

O pato
Vinicius de Moraes

Lá vem o pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o pato
Para ver o que é que há.
O pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo
Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi pra panela.

O monstro do banheiro
Ricardo Silvestrin

Dessa vez
ele está lá,
o monstro do banheiro.
Vou abrir a porta
sem gritar
e o verei
de corpo inteiro.
– Um, dois, três e já:
é só o chuveiro.

102 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


O monstro do armário
Ricardo Silvestrin

Quem me garante:
as roupas se transformam
num monstro mutante,
ou ao contrário:
os monstros se disfarçam
de roupas no armário?

Multimídia
Se você gostou, busque mais poemas da Arca de Noé, de Vinicius
de Moraes em: <http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/
poesia/livros/arca-de-noe>.
Busque, também, mais poemas de Ricardo Silvestrin em:
<http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_grade_sul/
ricardo_silvestrin2.html>.

Entre os poetas autores de poemas de qualidade para o público in-


fantil e também juvenil, podemos destacar Cecília Meireles, com seu livro
Ou isto ou aquilo, publicado pela primeira vez em 1964; Mario Quintana,
com Pé de pilão; José Paulo Paes, Ricardo Silvestrin, Sergio Capparelli e
Vinicius de Moraes, este último com sua A arca de Noé, publicado em
1970, pela editora Sabiá, no Rio de Janeiro.

Multimídia
Confira no site de Antonio Miranda, poemas infantis de Cecília
Meireles:
<http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_infantil/cecilia_
meireles.html>.
Veja, também, de José Paulo Paes:
<http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_infantil/jose_paulo_
paes.html>.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 103


Além da poesia autoral para a criança, existe a folclórica, da qual não
temos autoria determinada, pois que se mantém principalmente na orali-
dade e existe em grande número. Dentre os tipos de textos poéticos ade-
quados a crianças bem pequenas, podem-se destacar as parlendas, que
fazem parte da poesia folclórica, de origem popular. Genericamente fa-
lando, consideramos parlendas as manifestações folclóricas, em geral ri-
madas, que podem ser acompanhadas de música ou não. Segundo o site
Significados (www.significados.com.br). “As parlendas fazem parte do
folclore brasileiro, e muitas vezes são rimas criadas para divertir as crian-
ças.” (PARLENDA, 2020). Algumas delas são muito antigas e sobrevivem
na oralidade. No site SuaPesquisa.com, são acrescentados mais alguns
elementos que complementam a definição (<https://www.suapesquisa.
com/folclorebrasileiro/parlendas.htm>).
Pertencem à categoria das parlendas algumas subdivisões que pas-
saremos a enumerar, descrever e exemplificar. As mais populares são as
parlendas propriamente ditas, o acalanto, o brinco, a mnemônia, os tra-
va-línguas e as adivinhas.
As parlendas propriamente ditas são recitadas para iniciar ou ga-
rantir a continuidade de jogos ou brincadeiras. Muitas vezes não fazem
muito sentido, são totalmente nonsense e se atêm apenas à sonoridade
e ao ritmo. Podemos exemplificar com:

Lá em cima do piano
Tem um copo de veneno
Quem bebeu morreu
O culpado não fui eu

ou

Sol e chuva
Casamento de viúva
Chuva e sol,
Casamento de espanhol

O acalanto ou canção (ou cantiga) de ninar, é um poema, em geral


cantado para os bebês, com o objetivo de aquietá-los e fazê-los adorme-
cer. É quase que um afago musical. Alguns consideram que o acalanto
é o responsável por despertar a sensibilidade da criança, preparando o
terreno para quando mais tarde for exposta à poesia. Entre as canções de
ninar mais conhecidas, está:

Boi, boi, boi


Boi da cara preta
Pega esse menino [ou essa menina]
Que tem medo de careta.

O brinco é uma parlenda que se dirige principalmente ao bebê. Tem a


finalidade de ensinar-lhe algo, ou fazê-lo apreciar algo ou mesmo acom-
panhar uma ação com palavras. Como exemplo podemos citar:

104 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Bate palminha, bate
Palminha de São Tomé
Bate palminha, bate
Pra quando papai vier.

A mnemônia é um pequeno poema que tem o objetivo de fazer a


criança fixar ou aprender algo: podem ser números, letras, cores, dias da
semana, etc. por exemplo:

Dedo mindinho
Seu vizinho,
Pai de todos
Fura-bolos
Cata-piolhos.

Observar-se-á que as palavras podem até mudar em diferentes contex-


tos, mas em geral conservam-se seu ritmo e sua rima.
Os trava-línguas são também parlendas, embora eventualmente
possam se apresentar em frases. São uma espécie de jogo de palavras
em que se deve dizer, rapidamente e sem cometer erros, versos ou frases
com uma grande concentração de sílabas com os mesmos sons ou sons
difíceis de pronunciar. Por exemplo:

O doce perguntou pro doce


Qual era o doce mais doce.
O doce respondeu pro doce,
Que o doce mais doce
É o doce de batata-doce.

E um mais complicado:

Num ninho de mafagafos,


cinco mafagafinhos há!
Quem os desmafagafizar,
bom desmafagafizador será.

Por fim, a adivinha já se destina a crianças um pouco maiores, que


tenham certo desenvolvimento cognitivo, pois requerem lógica para de-
cifrá-las. Apresentam-se em forma de frases ou de poesia curta e rimada,
frequentemente em quadrinhas que apresentam enigmas e geralmente
iniciam com “O que é o que é...?”

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 105


Atenção
Tente achar a solução para as adivinhas:

O que é o que é feito para andar e não anda?

Você sabe em que dia a plantinha não pode entrar no hospital?

Se você não souber a resposta, busque-a em:


<http://portalbrasil10.com.br/adivinhas-com-respostas/>, onde você
também poderá encontrar outras adivinhas.

Pode-se dizer, então, que a poesia, seja ela de que tipo for, pode tam-
bém fazer a criança e o jovem brincar em com as palavras, fazê-los “sentir
o gosto” das palavras e com elas criar novas combinações, mas também
ajudando-os a ter um maior poder sobre a língua, conduzindo-os ao po-
der de dizer e de se dizer e oferecer-lhes oportunidade de tornarem-se
sujeitos da sua língua.
Não podemos esquecer que a biblioteca pode e deve ser lugar de
praticar poesia!

4.4.9 Atividade
Você conhecia as parlendas que foram transcritas nesta unidade?
Você lembra de mais alguma que fazia parte da sua infância? Trans-
creva abaixo uma das que você lembra e diga de que tipo se trata.
Se tiver oportunidade, compartilhe suas reflexões em um ambiente
de aprendizagem virtual, colaborativo.

106 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


4.4.10 O teatro
Jesualdo Sosa (1993, p.193) faz alguns questionamentos a respeito
do teatro infantil que são válidos de nos fazermos também. Pergunta ele:

O que se tem entendido por teatro infantil? O que os


grandes escrevem para que os pequenos representem;
o que se escreve, adapta, ou ajusta à criança, mas que
é representado por atores profissionais adultos; o que
a própria cria e ela mesma representa? Ainda outra
coisa, como consequência: o teatro infantil deve ser
encenado por profissionais, ou por crianças? Que lu-
gar ocupa na educação estética este instrumento – se
aceito como válido –, especialmente no que se refere
às dramatizações feitas na escola?

Talvez em diferentes circunstâncias, essas diferentes possibilidades


possam todas ser consideradas teatro infantil, ou partes do que se enten-
de por teatro infantil. Mas vamos ver como tudo começou. Como lembra
Góes (1984, p. 182), “[...] a educação no Brasil foi praticamente iniciada
com o teatro, através dos jesuítas, em seus vários colégios, que represen-
taram muitos autos para os indígenas e seus filhos, com objetivo mais
didático do que lúdico.”. Mas, também segundo a mesma autora, não
existe teatro infantil no Brasil antes do início do século XX. Após o teatro
catequético, o início do teatro no Brasil estaria representado pelo teatro
de fantoches (PEREIRA, 2005), mas sem se destinar especificamente a
crianças. Obviamente, o teatro, assim como a literatura infantil da época,
tem um objetivo exemplar, portanto, moralizante em sua natureza. O que
também é a opinião de Sandra Pereira (2005, p. 78) quando afirma que:

No século XX, assim como em outros países, o teatro


infantil, no Brasil, é trabalhado em uma perspectiva
pedagógica em detrimento da estética. Nesse perío-
do, é inaugurado o teatro escolar com função peda-
gógica, sendo a primeira publicação datada de 1905,
com o título de Teatrinho, escrita por Coelho Netto e
Olavo Bilac. (PEREIRA, 2005, p. 78).

Góes (1984) faz referência às peças de teatro de Olavo Bilac que,


segundo ela, teria mudado o conceito de teatro infantil, citando como
exemplo a peça que qualificou de burlesca, O nariz. Andréa Leão faz
referência à mesma peça, que seria na verdade um “[...] monólogo para
meninos que conta os infortúnios e trapalhadas do dono de um narigão
postiço e deve ter arrancado muita gargalhada [...]” (LEÃO, 2004, p. 11).
A peça faz parte de uma obra conjunta de Olavo Bilac e Coelho Neto,
intitulada Teatro infantil, e que contém, além dessa, monólogos e comé-
dias em prosa e verso, com o objetivo de desinibir os jovens e ajudá-los na
tarefa de memorizar e recitar poemas inteiros. Na mesma obra há ainda
um monólogo para meninas, As bonecas, também de autoria de Bilac, no
qual é posta em xeque a representação do feminino da época, ao associar
“[...] a imagem de gelo das bonecas às mulheres sem fala e vontade.”
(LEÃO, 2004, p.11). A autora ainda continua dizendo que “Olavo Bilac
empenha-se em formar leitoras donas de seus próprios narizes e deci-
sões. Coelho Neto participa com comédias mais moralistas, entre tristes
e punitivas.”

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 107


Pereira (2005) considera que seja a partir da peça O casaco encantado,
de Lúcia Benedetti, de 1948, que o teatro infantil brasileiro se expande.
Volta a se tornar irrelevante na década de 1960, ocorrendo uma melhora
de prestígio nos anos 1970, em função de maior qualidade e quantidade.
Lastimavelmente, nunca chega a ter um lugar de destaque propriamente,
pois pouco se edita no Brasil, o que torna difícil recomendações específi-
cas. Um dos fatores por ela apontados é o fator econômico, que não exis-
te, para garantir a experimentação necessária para o teatro. Entretanto,
também é de opinião que essa não pode ser considerada a única causa
do desprestígio, pois poderia ser uma consequência, e não uma causa.
Naturalmente, como se refere Góes (1984, p. 183), é preciso fazer
uma diferença “[...] entre o teatro para crianças realizado por atores pro-
fissionais, a dramatização escolar realizada por crianças e a expressão
teatral criada por crianças.”, sendo a primeira opção entendida como
apresentação de peças por atores profissionais a crianças; a segunda uma
leitura dramática, bastante interessante de acontecer na escola e possível
de ser incentivada pela biblioteca; e a terceira opção, uma criação das
próprias crianças, em que essas utilizam não só a palavra, mas também
vestimentas para caracterizar personagens e outros elementos para aju-
dar a compor uma criação teatral. Essas duas últimas opções obviamente
podem ser postas em prática tanto pelo público infantil como juvenil,
propostas pela biblioteca.

RESUMO
A seleção deve garantir a qualidade das obras e uma diversidade de te-
mas, de autores, de ilustradores, de estilos e de gêneros, preferencialmente
sem ideologias explícitas, ou mesmo preconceitos e estereótipos; precisa
adotar critérios. Deve ser feita pelo bibliotecário em conjunto com especia-
listas em literatura infantil ou professores de literatura. Podem ser consulta-
dos catálogos de editoras, resenhas de lançamentos em jornais e revistas;
são recomendadas idas a livrarias ou feiras de livros. Também reportar-se a
instituições como a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), a
Câmara Brasileira do Livro (CLB) e programas como o Programa Nacional
de Incentivo à Leitura (PROLER), o Programa Nacional Biblioteca da Escola
(PNBE) e o Programa Nacional do Livro e da Leitura (PNLL).
São vários os gêneros que podem ser oferecidos como leitura a crian-
ças e jovens adolescentes. No gênero narrativo, temos as fábulas, os apó-
logos e as parábolas – narrativas exemplares; os contos folclóricos ou
populares, as lendas, os contos de fadas, os contos maravilhosos, os con-
tos modernos e as novelas. Principalmente nas novelas encontramos os
mesmos elementos da ficção adulta: enredo, personagens e o ambiente.
Na poesia, temos a poesia autoral, para crianças e jovens. E para o públi-
co infantil, especificamente, os diversos tipos de parlendas, os acalantos,
ou as cantigas de ninar; os brincos, as mnemônias, os trava-línguas e as
adivinhas. No teatro, textos específicos são mais escassos, sendo que as
histórias em prosa são muitas vezes adaptadas para serem encenadas.
Atualmente, observa-se certo hibridismo, mesclando gêneros tradicionais
com estruturas novas.
UNIDADE 5
O DESENVOLVIMENTO DA
CRIANÇA, DO ADOLESCENTE
E A MEDIAÇÃO DA LEITURA

5.1 OBJETIVO GERAL


Conhecer os estágios de desenvolvimento humano, mais especificamente da criança e do adolescen-
te, relacionando-os a preferências usuais de leitura para essas faixas etárias, destacando a importância
da mediação em bibliotecas que atendem o público infantil e juvenil, e ressaltando a hora do conto
como importante forma de mediação.

5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:
a) identificar as fases do desenvolvimento cognitivo do ser humano, de acordo com diferentes
autores.
b) apontar as características de leitura comumente preferidas em diferentes faixas etárias de crianças
e adolescentes.
c) relacionar as etapas do desenvolvimento humano às suas habilidades de leitura.
d) explicar a importância da mediação em bibliotecas que atendem o público infantil e o juvenil;
e) enfatizar a importância da hora do conto como forma de mediação da literatura.
5.3 ESTÁGIOS DO
DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO DO SER
HUMANO E SUAS
PREFERÊNCIAS DE
LEITURA
De acordo com a concepção de Piaget, como sintetiza Palangana
(2015), o desenvolvimento cognitivo do ser humano compreende quatro
estágios ou períodos: o sensório-motor (do nascimento aos 2 anos) o
pré-operacional (2 a 7 anos); o estágio das operações concretas (7 a 12
anos) e, por último, o estágio das operações formais, que corresponde ao
período da adolescência (dos 12 anos em diante). Cada período define
um momento do desenvolvimento como um todo, ao longo do qual a
criança constrói determinadas estruturas cognitivas. Cada novo estágio
se distingue do precedente pelas evidências, no comportamento da crian-
ça, de que ela dispõe de novos esquemas, com propriedades funcionais
diferentes daquelas observadas nos anteriores.
O aparecimento de determinadas mudanças qualitativas identifica
o início de outro estágio de desenvolvimento intelectual. Cada pe-
ríodo se desenvolve a partir do que foi construído nos anteriores. A
ordem ou sequência em que as crianças atravessam essas etapas é
sempre a mesma, variando apenas o ritmo com que cada uma adquire
as novas habilidades.
Ao longo dos primeiros dois anos de vida, a criança diferencia o que é
dela daquilo que é do mundo, adquire as noções de causalidade, espaço
e tempo, e interage com o meio demonstrando uma inteligência fun-
damentalmente prática, caracterizada por uma intencionalidade e cer-
ta plasticidade. Ainda que essa conduta inteligente seja essencialmente
prática, é ela que organiza e constrói as grandes categorias de ação que
vão servir de base para as futuras construções cognitivas que a criança
empreenderá.
Nessa fase, Bamberger (1986) considera que, pelo seu estágio de de-
senvolvimento mental, a criança se interessa mais por cenas isoladas do
que pela ação do enredo. Então se detém praticamente apenas na obser-
vação de gravuras. Por isso, entre os livros recomendados para essa fase
estão os de ilustração farta e colorida, que apresentam objetos conheci-
dos para serem reconhecidos, especialmente através da mediação de um
adulto. Além disso, versos e rimas como as parlendas, que podem ser
lidos, recitados ou cantados para a criança, são para ela fonte de grande
prazer, pelo som, ritmo, e jogo de palavras.
No segundo estágio do desenvolvimento cognitivo, que é defini-
do como pré-operatório, o principal progresso em relação ao período
anterior é o desenvolvimento da capacidade simbólica em suas dife-
rentes formas: a linguagem, o jogo simbólico, a imitação postergada

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 111


(PALANGANA,2015). A criança não depende mais unicamente de suas
sensações e movimentos. Já dispõe dos chamados esquemas repre-
sentativos, que a tornam capaz de distinguir um significante, que po-
derá ser uma imagem símbolo ou palavra do seu significado (o objeto
ausente). Uma das estruturas típicas desta fase é o antropomorfismo,
que consiste em atribuir características humanas a animais e objetos.
Assim, animais ou objetos que falam e têm sentimentos, nas histórias,
parecem muito naturais.
Essa fase (entre os 2 até os 5 ou 6 anos), para Bamberger (1986), é
a idade do pensamento mágico. É uma fase em que a criança ainda é
bastante egocêntrica e faz pouca distinção entre o mundo exterior e in-
terior. Em termos de leitura, ainda é bastante dependente do suporte da
ilustração para seguir as histórias. Adequados para essa faixa etária estão
histórias de animaizinhos que propiciam identificação com as crianças.
Ainda se encantam com parlendas (como quadrinhas e cantigas de roda)
e agora, já a partir dos 5 ou 6 anos, são capazes de decifrar também adi-
vinhas e repetir trava-línguas.
A fase seguinte, que se estende dos 7 aos 12 anos, é a das operações
concretas, pois as ações da criança estão ainda presas à realidade concre-
ta, o que está imediatamente presente, e não envolvem possibilidade de
lógica independente de ação. É neste período que se acentua uma ten-
dência à socialização da forma de pensar o mundo. Embora ainda exista
certo egocentrismo, há uma evolução para uma forma de pensar mais
socializada, em que as regras de raciocínio ditadas pela lógica são usadas
por todas as pessoas (PALANGANA, 2015).
Bamberger (1986), inspirado em por Beinlich (1961), divide essa
fase em dois períodos. O primeiro deles, que vai de 5 a 8 ou 9 anos, e
que ele identifica como a idade do realismo mágico, a criança deixa-se
levar pela fantasia, através da qual resolve seus conflitos e adapta-se
melhor ao mundo. Gosta de ambientes familiares, mas também tem
prazer com personagens e histórias de um mundo maravilhoso. Segun-
do esses autores, mas também em sintonia com Bettelheim (1980), a
criança busca, nesse período, a simbologia necessária à elaboração de
suas vivências, em contos de fadas, fábulas, lendas, mitos. Os textos
poéticos continuam sendo apreciados pelas crianças desta faixa etária,
especialmente aqueles com ênfase em rimas e na sonoridade.
O segundo período desta fase, que vai de 9 a 12 anos, é considera-
da uma fase intermediária, em que persiste o pensamento mágico, mas
também começa a orientar-se para o real, e Bamberger (1986) fala em
realismo mágico. É o momento da leitura factual. A leitura facilita a apro-
priação da realidade, sem romper ainda em definitivo com o estágio da
fantasia. Entre as preferências de leitura, ainda se pode elencar os contos
de fadas, mas também histórias que apresentam o mundo como ele é, de
preferência através da percepção mágica de algum personagem e com
interesse crescente nas histórias de aventuras.
O último estágio de desenvolvimento mental é o operatório-formal,
a partir dos 12 anos, o que já a posiciona na adolescência. Sua principal
característica mais marcante é a capacidade de distinguir entre o real e o
possível. O pensamento operatório formal ou lógico-formal, opera com
todas as possibilidades, já não se restringindo às limitações do mundo
concreto. Nessa fase inicial da adolescência, o pensamento opera por
meio da análise combinatória, da correlação e das formas de reversibili-
dade. O adolescente é capaz de formular hipóteses em termos abstratos;

112 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


os esquemas de raciocínio que antes eram indutivos agora incorporam o
modelo hipotético-dedutivo (PALANGANA, 2015).
No que diz respeito às preferências de leitura nesse último estágio,
Bamberger (1986) ainda faz uma subdivisão. Considera ele, e concor-
damos com sua opinião, que entre o início da adolescência e a entrada
definitiva no mundo adulto, as preferências não são as mesmas. Na faixa
entre 12 até 14 ou 15 anos, quando o adolescente se torna mais cons-
ciente da sua personalidade, ocorre um desenvolvimento de processos
que ativam a vivência social e a formação de grupos. Ocorre um maior in-
teresse no mundo exterior e se inicia uma inserção afetiva e intelectual na
sociedade dos adultos. É uma fase em que se manifesta um interesse pelo
realismo de aventura ou da leitura não psicológica, que se orienta para as
sensações. Entre as preferências usuais, estão enredos sensacionalistas,
histórias de aventuras, histórias vividas por grupos de jovens, histórias de
viagens e também as sentimentais.
Na fase final da adolescência, dos 14 aos 17 anos, em que ocorre
um amadurecimento físico e intelectual, surge interesse em explorar seu
mundo interior e construir seus valores e um plano de vida. Histórias de
viagens continuam sendo bem aceitas, aventuras de conteúdo mais inte-
lectual, como também romances históricos, biografias, temas relaciona-
dos com os interesses vocacionais do jovem e atualidades. Existe todo um
potencial para o desenvolvimento do senso estético da literatura – forma
e conteúdo passam a ser importantes, reconhecidos e valorizados. Mas
para que esse senso estético em relação à literatura possa se desenvolver,
é fundamental o trabalho do mediador.

5.4 DESENVOLVIMENTO,
LINGUAGEM E
SOCIALIZAÇÃO
Não se pode negar a importância que Piaget atribuiu ao fator biológi-
co na sua teoria construtivista. Mas, para ele, o desenvolvimento humano
se constrói quase que exclusivamente a partir de uma interação entre o
desenvolvimento biológico e as aquisições da criança com o meio. Já a
abordagem sociointeracionista de Vygotsky parte do pressuposto de que
o desenvolvimento humano se dá na relação, nas trocas entre parceiros
sociais, através de processos de interação e mediação, o que também é
verdadeiro.
Vygotsky (1996) enfatiza o processo histórico-social e o papel da
linguagem no desenvolvimento do indivíduo. Sua questão central é
a aquisição de conhecimentos, pela interação do sujeito com o meio.
Para ele as raízes do pensamento e da linguagem são genéticas, mas
a linguagem é o instrumento mais complexo para viabilizar a comu-
nicação, a vida em sociedade. Para ele, o sujeito é interativo, pois
adquire conhecimentos, sobretudo a partir de trocas com o meio e
relações intra e interpessoais, a partir do processo de mediação. Sua

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 113


abordagem buscava a síntese do homem como ser biológico, histórico
e social, elaborando hipóteses de como as características tipicamente
humanas do comportamento se formam ao longo da história do indi-
víduo (VYGOTSKY, 1996).
Para Palangana (2015), a perspectiva piagetiana é maturacionista,
pois condiciona os avanços na aprendizagem ao desenvolvimento bio-
lógico. Por outro lado, na chamada perspectiva sociointeracionista, so-
ciocultural ou sócio-histórica de Vygotsky, a relação entre o desenvolvi-
mento e a aprendizagem está ancorada no fato de o ser humano viver
em um meio social, sendo este o responsável por desencadear esses
dois processos. Pensamos que a teoria de Vygotsky, de certa forma,
complementa a de Piaget. Obviamente, o ser humano precisa atingir
determinados estágios do desenvolvimento para que possa ser capaz fi-
sicamente de executar determinadas ações. Por outro lado, isso apenas
parece não bastar se o seu ambiente sociocultural for adverso para sua
aprendizagem. E a aprendizagem social, como a denomina Vygotsky,
ocorre por processos de internalização de conceitos e depende de am-
bientes e práticas específicas que a propiciem (VYGOTSKY, 1996; PA-
LANGANA, 2015).
Em relação à leitura e à literatura, para que essa aprendizagem ocorra
e as crianças e os jovens, possuindo habilidades parciais, possam desen-
volver todo o seu potencial, são necessários mediadores, parceiros mais
habilitados, em ambientes e com material adequados.

5.4.1 Atividade
De acordo com a concepção de Piaget, o desenvolvimento cogniti-
vo do ser humano compreende quatro estágios ou períodos. A par-
tir do que estudamos nesta unidade, indique um livro para leitores
em cada um destes estágios, justificando suas escolhas a partir dos
aspectos discutidos. Não deixe de compartilhar suas reflexões em
um ambiente de aprendizagem virtual.

Indicação de
Estágio Justificativa
leitura

Sensório-motor
(nascimento aos 2 anos)

Pré-operacional
(2 a 7 anos)

Operações concretas
(7 a 12 anos)

Operações formais
(1 anos em diante)

114 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


5.5 ENTRE O LIVRO E O
LEITOR
Antes de iniciarmos a conversa desta nossa última seção, gostaria de
propor-lhe uma reflexão: como você pensa que a atividade de mediação
pode desenvolver, na criança e no jovem, o interesse e o prazer da leitu-
ra? Pense um pouco antes de prosseguir com a leitura.
Embora fosse desejável que a primeira mediação da leitura aconteces-
se na família, sabemos que na nossa realidade brasileira isso nem sempre
acontece. Em geral, nem os pais ou familiares são leitores, nem aproxi-
mam a criança da leitura, seja oferecendo-lhe livros ou outro material
de leitura. Assim, a biblioteca e a escola ficam com praticamente toda
essa incumbência. Consciente de seu papel de agente de mudança social,
cabe ao bibliotecário criar condições para que o público atendido pela
biblioteca tenha acesso não só à informação objetiva e científica, mas
também àquela experiência prazerosa e estética que a literatura torna
possível. Para que isso aconteça, é preciso não só que as obras literárias
estejam disponíveis como também que haja ambientes favoráveis à ex-
ploração desses textos; para que deles possam ser revelados ou descober-
tos os aspectos que se escondem nas entrelinhas, para além da fruição
estética, sem contudo esquecê-la.
No início da década de 1990, Richard O. Mason afirmou que

[...] os profissionais da informação são mediadores


entre uma mente – que pode ser chamada de “mente
fonte” – para outra mente – a “mente cliente”. A
coisa que é trocada entre as mentes fonte e cliente
é chamada de “entidade epistemológica” por modi-
ficar o estado em que se encontra o conhecimento.
(MASON, 1990, p. 125).

Quando se fala em mediação hoje, ainda se pensa no encontro entre


essas mentes, enfatizando a importância da ação da mente mediadora. O
que acontece não é uma simples transferência, uma ação como a entrega
de um livro no balcão de empréstimos de uma biblioteca. Envolve todo
o trabalho consciente e intencional do bibliotecário, com a finalidade de
viabilizar uma apropriação da “mente fonte” pela “mente cliente”, com
tudo que isso implica. Para que possa ocorrer, como já afirmava Mason,
uma modificação do “estado em que se encontra o conhecimento”.
Para uma conceituação mais detalhada de mediação, recorremos a
Almeida Júnior (2015, p. 25), que nos diz:

Mediação da informação é toda ação de interferên-


cia – realizada em um processo, por um profissional
da informação e na ambiência de equipamentos in-
formacionais –, direta ou indireta; consciente ou in-
consciente; singular ou plural; individual ou coletiva;
visando a apropriação de informação que satisfaça,
parcialmente e de maneira momentânea, uma neces-
sidade informacional, gerando conflitos e novas ne-
cessidades informacionais.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 115


Então, vamos tentar entender, de maneira um pouco mais particulari-
zada, como isso se reflete no agir do bibliotecário, que é um dos profis-
sionais da informação. Vamos partir da ação de “interferência”. Ao inter-
ferir, o bibliotecário pode quebrar o fluir de uma realidade, ou seja, afetar
o andamento de algo, propiciando tomadas de consciência e de decisão.
Pode desestabilizar certezas, questionando. Ao desestabilizar, coloca em
cheque (situações, fatos), partindo da leitura, informativa e/ou literária e
discussões geradas por ela. Gomes (2014, p. 47) é de opinião que

[...] o sucesso da ação mediadora é também depen-


dente do nível de conscientização do agente dessa
ação quanto ao seu próprio papel protagonista. O
profissional da mediação da informação age, constrói
e interfere no meio, portanto, é também um protago-
nista social, e nessa condição se constitui em sujeito
da estética, da ética e da produção humanizadora do
mundo.

Paulo Freire (2005) considera a mediação como uma ação que possibi-
lita a constituição do ser humano como sujeito. Isso porque, ao vivenciar
o processo de mediação, ele pode refletir sobre si mesmo e sobre aqueles
com quem dialoga; sobre uma situação vivida e sobre o mundo. Essa
experiência reforça sua consciência e o torna comprometido e capaz de
interferir na realidade.
A ação do bibliotecário deve se dar em um processo comunicativo
consciente, em que ele desenvolve ações de interlocução. Bakhtin e Vo-
lochinov (1995) enfatizam que somos sujeitos falantes e não podemos
existir isoladamente. É preciso que haja uma relação comunicativa entre
um Eu e um Outro. Dessa forma, ocorre um processo que desencadeia a
contínua construção de sujeitos de linguagem.
O papel mediador do bibliotecário, portanto, precisa ser desempenha-
do de maneira consciente e direcionada. Numa biblioteca, essa ação po-
derá ser singular, quando se constituir em ação única; ou plural, quando
se tratar de uma série de ações que levam a um objetivo. A mediação
poderá ser individual, ao atingir indivíduos em particular, embora, obvia-
mente, também vá afetar uma coletividade, mesmo que indiretamente;
ou poderá ser coletiva, quando se direcionar, já de início, a um grupo
ou a uma coletividade. Como somos todos sujeitos em formação, as ne-
cessidades informacionais serão sempre “parcialmente” atendidas e “de
maneira momentânea”, porque fazem parte apenas de um momento do
todo da vida. Respostas que fatalmente levarão a novas necessidades,
pois cada necessidade satisfeita modifica o estágio em que se encontra o
conhecimento. Gera, assim, um novo estado de conhecimento, que trará
novas questões e necessidades, pois nunca estamos completos.
Assim, esse processo dialógico da mediação se caracteriza por ser
uma ação social responsável, em que se constituem os sujeitos de lin-
guagem, sempre determinados pelas relações que se inscrevem num
contexto social e num momento histórico específicos (BAKHTIN; VOLO-
CHINOV, 1995).
O interesse pela leitura, seja ela de informação precisa e científica, ou
menos científica e objetiva e mais literária e subjetiva, precisa ser des-
pertado e cultivado. O sucesso depende de vários fatores. Entre eles, da
oferta de material, de “equipamentos informacionais”, como os deno-
mina Almeida Júnior (2015) no trecho citado, mas também de ambiente

116 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


favorável e companhias motivadoras para crescer e se manter. Fernandes
(2016, p. 210) acredita que: “A curiosidade que parte de dentro para
fora, e que pode ser estimulada por boas relações entre bons leitores,
permite deslocar a ênfase na motivação (unidirecional) no sentido da me-
diação (pluridirecional).” Diz ainda que: “Despertar o interesse exige um
preparo cada vez mais profundo e pessoal do professor [...]”, tarefa essa
que estamos transferindo ao bibliotecário, também, na essência, um edu-
cador.
A mediação é fundamental no processo de formação do leitor. Para
que a prática de leitura possa realmente ocorrer e se consolidar, o incen-
tivo e a intervenção do bibliotecário são de importância capital. E para
que essa mediação da leitura possa ter sucesso, o mediador precisa se
munir de um conjunto de conhecimentos em relação à leitura e também
à literatura. Além disso, em se tratando de literatura infantil e juvenil, é
preciso que saiba reconhecer uma ilustração de qualidade e que conheça
estratégias a serem usadas para promover o encontro do livro e da leitura
com as crianças.
Para que a criança e também o jovem se tornem sujeitos leitores, ca-
pacitados a completar o processo de leitura, são necessárias ações que
facilitem essa sua apropriação. Nesse sentido, o bibliotecário deve tor-
nar-se um facilitador dessa caminhada. A interferência do bibliotecário
não centrará essa ação na sua figura, mas fomentará a participação e a
interação entre todos os partícipes do processo.
As ações precisam ser pensadas com e para as crianças, com o intuito
de torná-las atrativas aos pequenos sujeitos, da mesma forma que precisa
ser pensada a escolha das obras a serem trabalhadas. Por isso a importân-
cia de se conhecer a literatura e o livro, tanto infantil como juvenil, e estar
consciente do quanto contribuem para o processo de formação, autoco-
nhecimento e também da aprendizagem das crianças e jovens, com suas
narrativas, ilustrações ou mesmo jogos. Para que possa se tornar efetiva-
mente um conhecedor do material a ser oferecido a seus usuários, concor-
damos com Caldin (2005, p. 167), quando afirma que, para desempenhar
integralmente seu papel de mediador da leitura, o bibliotecário

[...] precisa esquecer, nesses momentos, a leitura téc-


nica realizada todos os dias para a catalogação, clas-
sificação, indexação. Deixar de lado a folha de rosto,
a orelha do livro, o sumário, o índice. Precisa concen-
trar-se no texto. Passear pelas suas folhas, acompa-
nhar as personagens em suas peripécias, os filósofos
em seus argumentos, os cientistas em suas descober-
tas. E um novo mundo irá se descortinar de poesia,
lirismo, conhecimento, informação. Eis pequenas
atitudes com grandes possibilidades de aprendizado
intelectual, cultural, profissional e pessoal.

É preciso considerar que o contato da criança com a leitura e escrita


é um direito, que deve ser assegurado na educação infantil e do jovem.
Sendo assim, as ações na biblioteca precisam provocar a curiosidade de
crianças e jovens e promover seu interesse, para de fato aproximá-las
desse prazer. Por isso, a mediação do bibliotecário se torna tão importan-
te neste processo, não é só através da divulgação de obras no mural ou
da exposição de obras “encalhadas” nas estantes que a biblioteca pode
fazer o seu papel, embora ajude. Apenas disponibilizar os livros aos jo-

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 117


vens e às crianças, ou anunciá-los, não é o suficiente. É mister uma ação
mais contundente. Por isso é preciso conhecer de modo mais integral,
os usuários e as obras, a fim de se obter um resultado mais satisfatório e
abrangente.

5.6 MEDIAÇÃO E
CONTAÇÃO DE
HISTÓRIAS
Entre as ações de aproximação da criança, ou mesmo de jovens, com a
literatura está a atividade de contar histórias. É uma das mais estimulantes
e eficazes atividades para criar vínculos entre a literatura e os usuários de
uma biblioteca (BARCELLOS; NEVES, 1995). Tradicionalmente chamada
de “Hora do conto” e atualmente também sendo chamada de “Conta-
ção de histórias” apresenta histórias principalmente às crianças, embora
a atividade possa ser também apresentada a jovens e até a idosos. Tudo
dependerá de uma seleção apropriada de histórias e de uma forma de
apresentação também adequada.
Há várias razões para se contar histórias às crianças. A razão maior
talvez seja a de lançar o marco inicial da formação do leitor, como de-
fende Abramovitch (1997). Mas podemos particularizar um pouco mais,
elencando pontualmente algumas razões em sua defesa. Um dos mo-
tivos para criar um momento de contar histórias é o de recrear, dando
ao ouvinte uma alternativa a outras atividades de lazer. Além disso, o
ouvir histórias propicia um estímulo à fantasia, à sensibilidade, à imagi-
nação e ao pensamento abstrato. Exercita o pensamento visual, a que
se refere Poon (2016), citado anteriormente, pois faz com que a criança
forme suas imagens mentais de formas, cores, cheiros, sons, a partir da
narrativa oral.
Outra razão para se contar histórias é que ensina a ouvir. Num mundo
em que muitos só estão ocupados em ouvir a própria voz, postando sua
vida nas redes sociais ou de outra forma, dar-se conta de que, ouvindo, é
possível apropriar-se de fatos, quiçá até emocionantes, é uma descoberta
interessante.
O fato de a criança precisar dar atenção para seguir a sequência dos
acontecimentos da história é outro ponto positivo de contar histórias.
Exercita a atenção e também a memória, porque depois, no dia seguinte,
na semana seguinte, poderá rememorar a história em seus detalhes para
sua própria satisfação.
Além disso, ajuda a resolver conflitos e medos, alivia tensões, como
defende Bettelheim (1980). Através das experiências dos personagens,
sofre-se junto e experimenta-se o alívio da solução dos problemas, assim
vivenciando a catarse, da qual falava Aristóteles.

118 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


Figura 39 – O pintor realista italiano Salvatore Postiglione retrata – em uma de suas
obras mais conhecidas (Cena de narração de Decameron) – um dos narradores das
histórias que compõem o Decameron, escrito entre 1348 e 1353, por Giovanni Boccaccio.
A tela mostra um dos três rapazes que, junto com sete moças, formam o grupo que se
abriga em uma vila isolada de Florença para fugir da peste negra, que afligia a cidade.
Para passar o tempo, ao longo de 10 dias, os 10 jovens se alternam, contando histórias
que perfazem um total de 100 na obra

Fonte: Wikimedia44

Obviamente, não apenas em situação da narração de histórias, mas


na tarefa de mediação de maneira geral, sempre é necessário um olhar
atento do mediador. Como sugere Gomes (2014, p. 52):

Nessa situação, emoções e sentimentos surgem no


desenrolar da ação mediadora e precisam ser obser-
vados e considerados pelo mediador. Embora esses
aspectos sejam de difícil alcance no cotidiano profis-
sional, a escuta e a observação sensível podem favo-
recer a percepção das emoções e sentimentos que
nascem ou se revelam na ação mediadora.

A narração de histórias pode oportunizar ainda um melhor entendi-


mento do comportamento humano e seus motivos. Exercita o pensamen-
to analítico-crítico e a habilidade de solucionar problemas. Enriquece a
experiência pessoal, pois apresenta situações que talvez nunca se tenha
vivenciado ou se venha a vivenciar; ou possibilita viagens mentais a luga-
res comuns ou exóticos que nunca se tenha visitado ou se venha a visitar.
Para as crianças menores, além de tudo isso, evidencia a relação entre
a palavra escrita e a falada, fortalecendo o desejo de alfabetizar-se ou, se
já iniciado, propicia a continuidade do processo. Também ajuda a fixar os
padrões linguísticos e enriquece o vocabulário.
Como a atividade acontece em grupo na biblioteca, estimula a socia-
lização e recupera o clima afetivo que deveria acompanhar as primeiras
aproximações da criança com a leitura. Oferece a ela oportunidade de
expressar-se e compartilhar experiências. Se o livro não é um valor e uma
presença no ambiente familiar, passa a sê-lo num grupo do qual a criança
participa. O coletivo pode favorecer o “contágio” – o interesse de uns
estimula o de outros. Assim, prepara o caminho para o gosto pela leitura
e pelo livro e incentiva o uso da biblioteca (BRYANT, 1973).
A presença do livro no momento introdutório ou final da hora da his-
tória permite a divulgação de títulos, autores, ilustradores, gêneros e te-
mas, o que vai auxiliar a criança a identificar e definir seu gosto. Já entre
os jovens, pode gerar profícuas discussões sobre o tema da história ou as
ações dos personagens.

44
WIKIMEDIA. Disponível em: <https://bit.ly/2SM1sXe>. Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 119


A mediação pressupõe também um trabalho posterior ao da leitura ou
dessa apresentação ou aproximação com a história. Supõe que essa histó-
ria, ao fazer sentido para seu ouvinte ou leitor, comçará a fazer parte da
experiência dessa criança ou desse jovem. Assim, pode servir de motivo
e ponto de partida para dramatizações, recriações de diálogos, questio-
namento e reformulação das soluções dadas às questões da história. Ou
mesmo inspirar pequenas obras de arte, no desenho, na pintura ou com
material variado, como aconselham os arte-educadores.
Para o público juvenil, a hora da história talvez não seja tão atraente,
embora dramatizações também sejam maneiras de contar histórias. Dra-
matizações que podem ser apresentadas pelos próprios usuários, ou pro-
fissionais convidados. Histórias e a própria História podem ser contadas
com filmes, fotografias, exposições, arte, saraus, rodas de conversa sobre
a literatura, sobre temas humanos universais ou atuais; temas tratados na
literatura ou em outras formas de expressão. Enfim, tudo o que a criativi-
dade do bibliotecário e do seu contexto tornar possível.

Figura 40 – Se a contação de histórias tradicional não traz grande apelo para o público
juvenil, sua versão digital (digital storytelling ou contação de histórias digital) traz para a
arte de contar história ferramentas tecnológicas, como tablets, desktops, câmeras digitais
e smartphones. O que parece uma forma de diversão, ou de arte, pode ensinar para o
estudante diversas habilidades essenciais para seu sucesso profissional

Fonte: Flickr45

Se as histórias e os temas forem adequadamente selecionados, es-


sas ocasiões poderão oportunizar encontros com a estética literária, bem
como questionamentos e reflexões em que o bibliotecário exercerá sua
mediação dialógica. Assim, o público atendido pela biblioteca poderá
atingir um melhor entendimento de si e do mundo que o rodeia. Dessa
forma, os sujeitos envolvidos poderão encontrar novas possibilidades e
desenvolver novas potencialidades.
À biblioteca escolar ou pública, na figura do seu bibliotecário, cabe
essa intermediação, pela qual seu papel como um espaço cultural de in-
formação e lazer pode ser integralmente desempenhado. Dessa forma,
completa-se a tarefa do bibliotecário, que é a de transformador do status
quo, que no nosso país mantém multidões longe do acesso aos bens ima-
teriais, dos quais faz parte a literatura e também seu pleno entendimento.
Parecem motivos convincentes para por em prática, não?

45
FLICKR. Giulia Forsythe. Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/gforsythe/5394469018>.
Acesso em: 04 nov. 2018.

120 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


5.6.1 Atividade
Contar histórias acompanha o percurso do ser humano desde tem-
pos imemoriais. Estima-se que algo em torno de 30 a 100 mil anos,
quando se acredita que o Homo sapiens tenha desenvolvido a lin-
guagem. Trata-se de uma poderosa ferramenta para compartilhar
conhecimento e/ou sentimentos, utilizada muito antes do que qual-
quer mídia social. Recentemente, o termo storytelling, que designa
contação de histórias em inglês, vem sendo utilizado na área de
marketing, dando à narração de histórias uma dimensão nova no
campo dos negócios. Temos então a expressão storytelling digital
que prevê a utilização de mídias digitais para apresentar histórias
com objetivos diferentes dos de recreação e sensibilização estética.
Este tipo de narrativa está se tornando uma ferramenta popular
entre os que querem encontrar novas formas de se comunicar com
seu público e comprova o poder que podem ter as histórias. Veja-
mos os passos básicos do processo de contação de histórias digital,
ou storytelling digital:

Fonte: Fabulosa Ideia46

Naturalmente aportes digitais também podem ser utilizados em


situações convencionais de narração de histórias, mas ressalve-se
sempre, apesar dessa inovação, o valor da intermediação de um
profissional bem preparado, que saberá dosar adequadamente os
novos recursos para uma otimização da atividade.
Agora vamos expandir nossas ideias. Reúna tudo o que aprende-
mos na Unidade 6 com as informações disponíveis nos links a se-
guir. Pense em como você, bibliotecário ou bibliotecária, faria uso
da contação de histórias para mediar a leitura de um determinado
público de leitores. Escolha a história, antes de tudo! Mas crie um
roteiro, uma estratégia, um modo de contá-la. Planeje o evento,
organize as ideias a seguir e compartilhe sua proposta com seus
colegas, em um ambiente virtual de aprendizagem.
Links para visitar:
<http://vooozer.com/blog/marketing-de-conteudo/como-fazer-
storytelling/>.
<http://www.dicasdeapresentacao.com.br/a-estrada-que-se-
chama-storytelling-passo-a-passo/>.

46
FABULOSA IDEIA. O passo a passo de uma storytelling. Disponível em: <https://bit.ly/2qrdcSd>.
Acesso em: 04 nov. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 121


Se quiser, aproveite o espaço a seguir para estruturar suas ideias:

Pontos a considerar Suas respostas com justificativas

Para quem você planeja contar uma


história? O que você sabe sobre
esse grupo? Faixa etária, interesses?
Quantas pessoas você espera que
compareçam?

Qual a história que você quer


contar? Um conto? Uma lenda?
Uma fábula? Um capítulo de livro?
Um livro inteiro? Uma história sua?
Por quê? Que critérios você vai levar
em conta nessa seleção? Por que
você pensa que esse tipo de história
vai agradar a esse público?

Qual o espaço que pretende usar?


Que características você acha que
esse local deve ter para ser um
ambiente favorável?

Como você pretende motivar os


ouvintes potenciais a serem ouvintes
reais? Qual tipo de introdução você
pretende usar?

Como você pretende manter a


atenção e a expectativa dos ouvintes
até o final da história? De que
forma você planeja apresentar a
história? Lendo? Contando sem
ler? Mostrando as ilustrações?
Com fantoches? Usando uma
caracterização? Você pretende usar
mídias e dispositivos adicionais para
a narrativa?

Que atividade(s) você pretende


propor ao final da história?
Dramatização? Atividades de
arte? Exploração da história com
conversas? Perguntas? Recriações?
Suposições?

Aproveite a ideia de promover uma contação de histórias. O plane-


jamento e o preparo prévio são fundamentais. E você vai vivenciar
como é gratificante demais, para quem ouve e para quem conta!

122 Literatura e Leitura Infantil e Juvenil


RESUMO
Piaget e Vygotsky tecem teorias a respeito do aprendizado humano,
embora sob diferentes ângulos. Para Palangana (2015), Piaget tem uma
perspectiva maturacionista, pois condiciona os avanços na aprendizagem
apenas ao desenvolvimento biológico, destacando quatro estágios de
desenvolvimento: o sensório-motor, o pré-operacional, o das operações
concretas e o das operações formais. As diferentes fases do desenvol-
vimento humano dependem da maturação física e da interação com o
meio. Já Vygotsky assume uma perspectiva sociointeracionista, também
chamada de sociocultural ou sócio-histórica, na qual a aprendizagem
ocorre fundada, sobretudo, na linguagem. Embora necessite do desen-
volvimento biológico, o aprendizado não ocorre integralmente se não
houver um contexto sociocultural que interaja dialogicamente, especial-
mente com a criança.
As preferências de leitura da criança e do jovem se modificam ao lon-
go do tempo e, de acordo com suas habilidades, Bamberger (1986) re-
comenda livros de ilustração farta e colorida, que apresentam objetos
conhecidos para a primeira fase, a do pensamento mágico. Histórias de
animais ou objetos que falam e têm sentimentos, para a segunda fase,
sendo que também são apreciados poemas do tipo parlendas.
Bamberger (1986) divide as preferências da fase das operações con-
cretas em duas distintas. A primeira, como a do realismo mágico, em que
a criança aprecia histórias em ambientes familiares, mas também com
personagens de um mundo maravilhoso. Na poesia, são cativadas por
aqueles textos em que predominam rimas e sonoridade. O período final
dessa fase já é considerado intermediário, no qual o pensamento mágico
começa a voltar-se para o real. Seria o do realismo mágico, em que agra-
da a leitura factual, mais calcada no real, havendo uma preferência por
histórias de aventuras.
A segunda fase, conhecida como estágio operatório-formal, se inicia
a adolescência. Bamberger (1986) também distingue as preferências de
leitura do início das do final deste período. Na fase inicial, o interesse
se volta ao realismo de aventura ou da leitura não psicológica, havendo
preferências por enredos sensacionalistas, histórias de aventuras, histórias
vividas por grupos de jovens, histórias de viagens e também as sentimen-
tais. Já na fase final as histórias de viagens e aventuras ainda agradam,
mas também romances históricos, biografias, temas relacionados com os
interesses vocacionais do jovem e atualidades.
Para que o senso estético em relação à literatura possa se desenvolver
e consolidar o prazer da leitura, é fundamental o trabalho do mediador.
Em seu papel mediador, o bibliotecário é responsável por promover uma
ação dialógica com seu usuário para que, aproximando-o da leitura e da
literatura, possa ter mais consciência de si e de seu lugar no mundo e, a
partir desse conhecimento, ser capaz de pensar mudanças necessárias.
É preciso planejar e executar ações e escolher obras adequadas. Por
isso, a importância de se conhecer a literatura e o livro, tanto infantil
como juvenil, bem como o próprio público a quem se dirige a ação. Des-
tacamos a “Hora do conto”, atualmente também chamada de “Con-
tação de histórias”, por várias razões. Embora sendo em geral utilizada
com crianças, também pode ser utilizada com jovens e idosos, desde que

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 123


seja feita uma seleção apropriada de histórias. Essa atividade pode se
constituir no alicerce para tornar a criança um futuro leitor, recreando,
estimulando a fantasia, a sensibilidade, a imaginação e o pensamento
abstrato, o pensamento visual. Entre outras vantagens, ensina a ouvir e
exercita a atenção e a memória. Ajuda a resolver conflitos e medos, alivia
tensões; proporciona experiências, fortalece o desejo de alfabetizar-se ou
a continuidade do processo, ajuda a fixar os padrões linguísticos e enri-
quecer o vocabulário; estimula a socialização; oferece a ela oportunidade
de expressar-se e compartilhar experiências.

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