2 NOVAS REFLEXÕES SOBRE A “IDÉIA DA AMÉRICA LATINA
2 NOVAS REFLEXÕES SOBRE A “IDÉIA DA AMÉRICA LATINA
2 NOVAS REFLEXÕES SOBRE A “IDÉIA DA AMÉRICA LATINA
Mignolo
DOSSIÊ
direita, a esquerda e a opção descolonial
Walter D. Mignolo*
Este texto tem um caráter específico de debate, retomado pelo autor em função de resenhas e
entrevistas realizadas sobre o seu livro The Idea of Latin America, publicado em 2005. Inicia
demonstrando como as narrativas diversificadas da história da colonização são plurais, mas, ao
serem difundidas, unificam-se em narrativas globais de caráter universal, como efeito de
processos de totalidade. Para o autor, essa diversidade de forças históricas caladas, mas vivas,
hoje se expõem sem perspectiva de retorno ao passado. Nesse sentido, ele fala do projeto
modernidade e colonialismo, de descolonizar o conhecimento, respondendo e aprofundando
diversos aspectos paradoxais postos pelo debate de seu livro, como o diálogo entre movimentos
e pensamentos de emancipação que surgem no centro do sistema-mundo. Com isso, não pre-
tende fechar-se ao debate, mas, ao contário, busca atualizar e avançar nessas questões da
diferença e das populações não homogêneas de uma perspectiva de futuro e de uma perspecti-
va de um conhecimento e práticas pluri-versalistas.
PALAVRAS-CHAVE: modernidade, emancipação, diferença, descolonização do pensamento, Améri-
ca Latina.
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NOVAS REFLEXÕES SOBRE A “IDÉIA DA AMÉRICA LATINA”...
ria da Grã Bretanha, mas sentia na pele e a história tradição e o subdesenvolvimento. A América do
de africanos capturados, transportados ao Novo Norte, em contrapartida, encarnará o espírito do
Mundo e escravizados: capitalismo, tanto na versão de Weber como na
anterior de Smith. Sem dúvida que, nesse proces-
Nada mais pode ser concebido, a
não ser que o poder Nothing else can be conceived, but that the power so, haverá também focos do espírito capitalista na
da maldade infernal assim reinou
e of infernal wickedness has so reigned and
permeou as nações iluminadas
quanto a pervaded over the enlightened nations as to América do Sul e outros focos de indiferença.
apaixonar e liderar os grandes
homens, e os infatuate and lead on the great men, and the Contudo, a difusão do mercado do livro e
reis da Europa, para promover e
estabelecer tal kings of Europe, to promote and establish such a
horrível tráfico de sabedoria como
o escravo africano horrible traffic of wiknedness as the African slave das idéias, que fez de Smith um clássico e de
comércio e a escravidão nas
trade and the West-India slavery, and thereby to
bring themselves under the guilty responsibility Cugoano uma curiosidade para espíritos bem
Índias Ocidentais e, assim,
colocar-se sob a responsabilidade
culpada
de tão terrível desigualdade
(Cugoano, 1999 [1786], of such awful inequity (Cugoano, 1999 [1786], pensantes, pode encobrir, porém não enterrar e
pág.81).
p.81).
desterrar, essas particularidades. Enquanto os eu-
ropeus letrados, pessoas de governos, viajantes,
O “espírito do capitalismo” (cuja fundação
etc., nadavam, direta ou indiretamente, nas fontes
histórica se localiza nas mudanças radicais
gregas e romanas, no latim e no grego, o mesmo
introduzidas pela abertura da economia do Atlân-
não acontecia com a diversidade e variedade indí-
tico, no século XVI), não parece estar ligado à
gena e africana. Para os europeus, o wolof e o
ascética protestante e à secularização da chamada,
bambara, o aymara, o quechua ou o tojolabal eram
como foi proposto por Max Weber, mas a uma éti-
idiomas tão estranhos como o latim e o grego o
ca da rapinagem que prevalece, de forma ainda mais
eram também para africanos e indígenas. No en-
ampla, hoje em dia. Por essa razão, a obra de Smith
tanto, conhecemos a história: a elite crioula de
continua sendo um livro de cabeceira para os pen-
descendência européia, a elite mestiça de espírito
sadores liberais, enquanto que a ética do direito à
europeizado e a população migrante européia dos
vida, que Cugoano defende, passou a ser curiosi-
fins do século XIX em diante mantiveram viva a
dade étnica do multiculturalismo.
chama moderno-colonial.
Tudo isso é parte do processo de invenção
Hoje, essas forças históricas, caladas durante O artigo é 2008
da América (O’Gorman). Nesse processo, ademais
séculos, porém nunca apagadas, chegaram a um
da escravidão, fortes organizações sociais, como o
ponto que não tem retorno. Não sei qual será o
Tawantinsuyu e Anahuac, e territorialidades, como
destino do governo de Evo Morales. No entanto,
a de Abya-Yala, foram sendo relegadas ao passado.
já não é possível voltar atrás no passo que foi dado.
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 239-252, Maio/Ago. 2008
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Walter D. Mignolo
nos Estados Unidos, mostram outra cara da sua riador e um semiólogo, meio filósofo e meio histo-
latinidade: não mais a européia, branca, mas a riador. A resenha de Salvatore é coerente com o
latinidade de cor. Não sei se Barack Obama será argumento do livro, e o leitor de sua resenha não
Foi e estreou a eleito presidente. O que não se pode evitar é que será guiado por falsos caminhos. Ele é também
guerra com Drones
também nos Estados Unidos – com as devidas di- generoso, ao mesmo tempo em que sublinha as-
ferenças, entre a América anglo-saxã e a América pectos do argumento que são relevantes para mim.
considerada como latina – chegou-se a um ponto Salvatore sublinha que La idea de América Latina
sem retorno. Não menos importante é o fato, nas é um verdadeiro manifesto para a descolonização
Américas, de duas mulheres brancas, e uma mu- do conhecimento nas e sobre as Américas
lher branca, nos Estados Unidos, já serem (Salvatore, 2006, p.130). Ele o considera também
presidentas e (ou) pleitearem a carreira presiden- como um manifesto pós-ocidental, na medida em
cial. É também certo que nem toda pessoa de cor é que aponta para uma mudança radical na política
dissidente, e muitas têm o direito de optar pela do conhecimento – uma mudança que coloca o
assimilação e votar pelo partido republicano. No trabalho intelectual de indígenas e afro-latinos no
entanto, é difícil imaginar que 100% das pessoas foco de mira (2006, p.130).
de cor se assimilarão às formas de vida dos “anglos São três suas observações críticas. Minhas
brancos”; assim como é também difícil imaginar respostas a cada uma delas não tentam fechar o
que todos os “anglos brancos” aceitarão e repro- debate, mas continuá-lo num diálogo rumo ao fu-
duzirão formas de vida que herdaram, mas que já turo. Salvatore assinala aspectos essenciais que
não são suas. contribuem para tornar visível a fronteira que se-
Vou ilustrar essas questões a partir de rese- para os princípios dos paradigmas disciplinares
nhas, críticas, entrevistas e comentários que sur- (neste caso a história) e os princípios do pensa-
gem de novas reflexões sobre meu livro La Idea de mento descolonial. É precisamente por essa razão
América Latina. que insisto no argumento sustentado ao longo de
La idea de América Latina, de que o pensamento
*** descolonial é uma opção (descolonial) de coexis-
tência (ética, política, epistêmica). Não de coexis-
Pelo que conheço, a versão original de The tência pacífica, mas de conflito que reclama o di-
Idea of Latin America (2005a) e sua tradução para reito de re-existência em todas as ordens do pen-
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NOVAS REFLEXÕES SOBRE A “IDÉIA DA AMÉRICA LATINA”...
La idea de América Latina, introduziu a noção de cimento, o controle da subjetividade dos sujeitos
padrão colonial de poder (em meu vocabulário coloniais, o controle do gênero e da sexualidade
“matriz” em vez de “padrão”). Quijano (como so- mediante o modelo de família cristã-colonial, lati-
ciólogo ligado à economia, a partir da teoria da fundiária e burguesa, e da normatividade sexual.
dependência) enfatizou as seguintes esferas: o con- 2) A segunda observação de Salvatore se
trole da economia (apropriação de terras e recur- refere à História (escrita com maiúscula) e a
sos naturais; exploração do trabalho) e o controle colonialidade (escrita em itálico). Para Salvatore,
da autoridade (formas de governo, controle mili- meu argumento segue o de Frank e Wallerstein, na
tar). Definiu o eurocentrismo não em termos geo- medida em que situo o começo do sistema-mundo
gráficos, mas em termos epistêmicos e históricos: capitalista no século XVI, ao mesmo tempo em que
2
localizo, no século XVI, o surgimento de uma cons-
Ver, por exemplo, a obra recente de Heriberto Cairo e
Walter Mignolo (2008). Ver também a primeira parte de telação de poder (por exemplo, a matriz colonial),
uma longa entrevista realizada por Marina Grzinic (2008),
onde explico as relações entre as quatro esferas da ma- estruturada com duas faces de peso desigual: a
triz colonial do poder. Nessa entrevista, o objetivo era
explicar a matriz colonial de poder e não apresentar como modernidade e a colonialidade. Em realidade, eu
nasceu a idéia da América Latina, ela mesma (a idéia) não sigo nem um nem outro ponto, o que já está
sendo parte da formação e transformação da matriz co-
lonial do poder. claro em meu livro Historia Locales/Diseños Globales
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Walter D. Mignolo
(2003).3 A objeção de Salvatore provém, aqui, de e depois disso, se possível, algo é feito para que as
um mal entendido, provavelmente devido aos li- pesssoas não morram; também é necessário elimi-
mites postos pelos editores da coleção Manifestos. nar, de diferentes maneiras e através de várias vias,
A dupla face da mesma moeda, modernidade- aqueles que atentam contra a ordem econômica e
colonialidade, está explicada principalmente num de autoridade). Por outro lado, também se man-
artigo monográfico publicado em inglês (Mignolo, têm as quatro esferas inter-relacionadas da matriz
2007a) e que também será publicado em castelhano colonial de poder (economia, autoridade, gênero e
em 2008. Salvatore se pergunta e questiona as re- sexualidade, conhecimento e subjetividade), me-
lações que estabeleço entre a invasão castelhana diante o controle do conhecimento, que é, ao mes-
em Tawantinsuyu e Anahuac e a invasão dos Es- mo tempo, racista e patriarcal. Esses são elemen-
tados Unidos no Iraque. Como pode sustentar-se tos que não mudaram, desde o discurso cristão do
que a lógica da colonialidade se mantém através século XVI ao discurso secular e economicista do
de tantas mudanças na História? século XXI: no caso do Iraque, o objetivo final era
A resposta é a seguinte: em primeiro lugar, o controle da economia (já conseguido através da
muda a retórica da modernidade. No século XVI, presença das oito companhias petroleiras ociden-
a retórica salvacionista da modernidade enfatizava tais que assinaram contratos de longo prazo no
a conversão ao cristianismo. Mais adiante, a partir país) e do conhecimento (o qual foi e será difícil;
do século XVIII, a salvação é pensada em termos melhor dito, impossível). Desse modo, meu obje-
de conversão à civilização (secular). Após a Se- tivo não é comparar a conquista da América com a
gunda Guerra Mundial, a retórica salvacionista da invasão do Iraque, mas conectar dois momentos
modernidade celebra o desenvolvimento como históricos na trajetória e na transformação da ma-
condição da modernização. Isso permanece até hoje, triz colonial do poder: estamos ainda no mesmo
na quarta etapa, depois da queda da União Sovié- horizonte, embora a economia deslocasse a
tica, agora com ênfase na tríade desenvolvimento, hegemonia da teologia e a teoria secular do estado
democracia e mercado. Mudaram também as rela- dos séculos precedentes.
ções de produção e o controle da economia: do 3) Na terceira observação, Salvatore começa
monopólio mercantil ao livre comércio; da revolu- a dialogar com seus fantasmas mais do que com os
ção industrial à revolução tecnológica, etc. Muda- argumentos de La idea de América Latina. Esse é
ram também as relações de autoridade (controle um tema sobre o qual Salvatore também gerou só-
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NOVAS REFLEXÕES SOBRE A “IDÉIA DA AMÉRICA LATINA”...
(até Zizek conseguiu vê-lo) é o do “privilégio creva em castelhano (e não do direito que tem, por
epistêmico” e o da “política de identidade”. As- exemplo, Pierre Bourdieu de escrever em francês,
sim, Salvatore, depois de levantar objeções que, e não em bretão ou em árabe, posto que os france-
como digo, são brigas com moinhos de vento mais ses colonizaram o Magreb). Assim, Nina Pacari,
que com meu argumento, sentencia: advogada quechua, ativista e ex-ministra de rela-
ções exteriores do Equador; e Féliz Patzi Paco, so-
Não considero a idéia de privilégio epistêmico ciólogo aymara, e ex-ministro de Educação e Cul-
totalmente convincente. Tampouco acho que uma
comunidade de determinada localidade seja ca- tura nos primeiros anos do governo de Evo Morales,
paz de controlar e de manter para si mesma sua não têm privilégio epistêmico, mas, simplesmente
própria perspectiva, conhecimento ou categori-
as. O conhecimento local, assim como qualquer o direito epistêmico de argumentar por seus inte-
outro tipo de bens, está sujeito à apropriação por
estranhos (Salvatore, 2006, p.136). resses, da mesma maneira que mestiços e crioulos
o fazem e o fizeram pelos seus.7 Isso não quer di-
Antes de entrar nesse parágrafo, é necessá- zer que Pacari ou Patzi Paco “representem” todos
rio dissipar outros mal-entendidos. Salvatore acha os indígenas. Essa é a premissa cega do pensa-
que, em meu argumento, privilegio certos autores mento imperial, tanto na metrópole como nas co-
“que são representantes de raças ou povos opri- lônias. Realmente, não representam ninguém, mas
midos por séculos de colonialismo […] é muito apenas colocam sobre o tapete uma opção: a opção
difícil de engolir” (p. 136).5 Por quê? pergunta-se descolonial, a opção de pensar e intervir, tanto em
Salvatore: “Estariam os textos de um sociólogo termos políticos como epistêmicios, que lhes foi
boliviano escrito em quechua mais em sintonia com negada (racismo epistêmico), e continua ainda sen-
as necessidades dos oprimidos do que os textos do negada pelo privilégio epistêmico da
de outro sociólogo boliviano escrito em castelhano, modernidade. Como Pacari e Patzi Paco não repre-
ou inclusive que de um sociólogo europeu escrito sentam aos indígenas, não esperam tampouco que
em inglês ou francês?”(p. 137). todos os indígenas se unam a suas propostas, ain-
Sem dúvida, Salvatore tem razão. E não são da que elas sejam propostas avançadas, pensadas
essas as coisas e posições as que eu defendo ou e sentidas a partir da ferida colonial indígena, da
destaco em meus argumentos. Em primeiro lugar, mesma maneira como as de Bourdieu são propos-
já tornei explícito que o único privilégio epistêmico tas que surgem de um intelectual branco e francês,
é o da modernidade, o mesmo privilégio que “comprometido” com a causa dos indigentes. Isso
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 239-252, Maio/Ago. 2008
Salvatore defende nesses argumentos.6 O privilé- também pode ser aplicado a Bartolomé das Casas.
gio epistêmico da modernidade é o que gera e man- Há pouco conversávamos em Amsterdã com
tém a colonialidade do saber e do ser. Salvatore Kwame Nimako, a propósito da presença e das
tem razão, mas não acerta o alvo. Esse não é o meu intervenções feitas por Robert Blackburn numa
ponto central. conferência sobre questões de escravidão e eman-
Primeiramente, Salvatore está reagindo frente cipação que teve lugar esses dias e a uma de suas
à possibilidade de que um sociólogo indígena es- seções a que assistimos juntos. Como todos e to-
5
das participantes eram brancos e brancas, pergun-
Entre os autores que Salvatore diz que privilegio, estão
Arturo Ardao e Bolívar Echevarría. Na verdade, não pri- tei a Kwame (originário de Ghana) – já terminada a
vilegio nem um nem outro, mas, ao contrário. Ardao é
uma referência importante, posto que tem importantes
trabalhos sobre a idéia da América Latina. É simples- 7
Ver os textos de Nina Pacari, La incidencia de la
mente uma referência acadêmica. Com Bolívar participación política de los pueblos indígenas: un
Echevarría, pelo contrário, me situo na calçada frontal. camino irreversible, e de Felix Patzi, Sistema comunal:
Parece-me que Salvatore considera que privilegio todo una propuesta alternativa al sistema liberal, presentes
autor que menciono ou cito. em: Cairo e Mignolo (2008). Patzi, por exemplo, pensan-
6
Atendendo a objeções semelhantes, já faz alguns anos, do tanto política como economicamente a partir da me-
escrevi um artigo no qual levanto tais argumentos mória e da experiência colonial do ayllu, retoma e põe
(Mignolo, 2002). E, mais recentemente, estendi e con- em questão as teses de Nikolas Luhman, que pensa a
centro o argumento, distinguindo entre política de iden- sociedade a partir da memória e a experiência da
tidades e identidade na política (2007b). modernidade ocidental.
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Walter D. Mignolo
seção e gozando do bom clima de Amsterdã nes- ciências sociais, é, em verdade, uma monotopia
ses dias – qual era a diferença entre as teses de que se estendeu em volta do globo, seguindo a
Robert Blackburn e sua crítica à escravidão e as do expansão econômica e política do Ocidente.
cientista político e o Primeiro Ministro de Trinda- Esses pontos se relacionam com as obser-
de e Tobago, Eric Williams, que publicou em 1944 vações e objeções levantadas por Marcel Velázquez
seu livro clássico Capitalismo e Escravidão. Como Castro (2008) em sua resenha, publicada em Críti-
o título o indica, Williams, ademais de ser negro, ca y Emancipación. Essa resenha, como a de
era marxista. E essa era, em realidade, a questão Salvatore, é cuidadosa e rigorosa. Apresenta com
chave da minha pergunta. A resposta dada por clareza e honestidade os argumentos. Como
Kwame foi curta, porém contundente: “Blackburn, Salvatore, Velázquez Castro levanta também suas
como é branco, necessita do marxismo para criti- dúvidas sobre alguns de meus argumentos ou pre-
car a escravidão; Williams, em troca, não necessi- sunções. A principal, que merece atenção e clarifi-
ta”. Igualmente como Fanon, Williams “sabia” que cação, é a seguinte:
os legados da experiência escravista e o racismo
anti-negro, no mundo de hoje, vão muito além do Apesar dos evidentes sinais da vitalidade do pen-
samento descolonial na conjuntura atual, é difí-
marxismo. Não se trata, pois de um “privilégio cil aceitar a ruptura epistemológica celebrada
epistêmico”, mas do direito que têm os intelectu- por Mignolo. Essas novas formas de pensar estão
realmente fora do capitalismo global? Não
ais e ativistas negros de não continuar sendo tra- estamos convertendo determinados subalternos
duzidos e representados por honestos intelectu- e a sua perspectiva nos novos agentes privilegia-
dos do futuro e na única maneira de ler a realida-
ais brancos. de? Para se enfrentar com êxito as formas de do-
Assim, como dizia anteriormente, Pacari e minação do capitalismo global, é necessário
desvincular o marxismo do projeto descolonial?
Patzi Paco não representam os indígenas, mas fa- Qual seria o diálogo possível entre os movimen-
tos de emancipação que surgem no centro do
zem propostas baseadas na experiência de nações sistema-mundo e o projeto descolonial? Como em
sem estado, da mesma maneira que os crioulos e todos os livros de Mignolo, as perguntas se multi-
plicam porque sua aventura radical de pensar
mestiços fizeram suas propostas e construíram o sempre confunde e perturba seus leitores
estado moldado a seus interesses, e que eu tam- (Velásquez Castro, 2008, p. 163).
bém (filho de imigrantes italianos) tenho o direito
de me alinhar com as propostas de Pacari, Patzi Não se pode responder a esse pacote de
Paco ou Williams, e não com as de Blackburn ou perguntas, todas elas cruciais para o projeto
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NOVAS REFLEXÕES SOBRE A “IDÉIA DA AMÉRICA LATINA”...
mento de alguém que foi classificado (a) fora estamos convertendo determinados subalternos e
(anthropos, bárbaros, primitivos, inferiores, homos- a sua perspectiva nos novos agentes privilegiados
sexuais, lésbicas), no processo epistêmico político do futuro e na única maneira de ler a realidade? A
de definir o que está dentro (humanidade, civili- pergunta é similar a quando se pergunta se o copo,
zação, desenvolvimento, heterossexual, branco ou com a metade de líquido, está meio cheio ou meio
branca, cristão ou cristã, europeu ou européia, ou vazio. Em primeiro lugar, hoje estamos vivendo
crioulo [a], mestiço[a] de descendência européia na perspectiva de agentes privilegiados do passa-
na América do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Es- do e do presente. Em segundo lugar, a opção
tados Unidos, Canadá). Esse argumento já foi de- descolonial, e por isso é uma opção e paradigma
senvolvido extensamente em outros lugares e de- de co-existência, rejeita sempre uma única manei-
bates (2008a, 2008b). Por exemplo, nos casos de ra de ler a realidade, seja esta cristã, liberal ou
Guamán Poma de Ayala e Ottobah Cugoano, es- marxista.9 Esses pensamentos totalizantes, criado-
cravo liberto, ambos se declaram cristãos, e é a res de totalidade, estão em conflito com o pensa-
partir de sua assunção do cristianismo, articulado mento fronteiriço e a opção descolonial. Como
na experiência e na memória indígena e africana, expliquei no debate citado (Mignolo, 2008b),
respectivamente, que fazem críticas devastadoras Vélazquez Castro pensa, assumindo a objetivida-
à cristandade européia. Ao fazê-lo, ambos produ- de sem parênteses e a partir da perspectiva que
zem tratados políticos descoloniais que, por certo, coloca, e eu também penso com a mesma lógica
não foram reconhecidos como tal pelos especialis- que ele. Porém a opção descolonial, a opção de
tas em Maquiavel, Hobbes, Locke, etc. No pensa- coexistência, é um pensamento que assume a ob-
mento fronteiriço, como método, e na opção jetividade entre parênteses: creio no que creio e
descolonial, como horizonte, é assumido que não defendo o que creio, e entendo que frente à minha
há o “fora”, mas que o pensamento surge da postura há outra posição equivalente de alguém
exterioridade (a criação do fora pelo dentro), isto que defende suas crenças, mas sabe que a sua não
é, na fronteira. Mas uma fronteira na qual os dois é a “única maneira de ler a realidade”. Esse é o
lados não estão em igualdade de condições. Daí a espaço do diálogo pluri-versal. Frente a ele se en-
diferença epistêmica e ontológica colonial a partir contram os espaços uni-versais, os pensamentos
da qual reclamam seus direitos epistêmicos (e não que assumem a objetividade sem parênteses – que
seu privilégio) aqueles que foram deixados de fora há uma única maneira de ler a realidade e que te-
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 239-252, Maio/Ago. 2008
do jogo e das decisões. Hoje, Evo Morales tornou mem quando alguém não a aceita, não está de acordo
visível uma continuidade histórica em que as na- ou a desafia. Aqui está a fratura epistemológica
ções indígenas mantiveram não sua “pureza e es- onde se gestarão os projetos epistêmicos, políticos
sência índia”, já que nunca houve índios até que o e éticos do século XXI. A pergunta parecia apontar
discurso dominante Europeu impusesse essa de- para o temor do pensamento hegemônico, moder-
nominação a aymaras, quechuas, chiquitanos, no e pós-moderno, que poderia perder seu privi-
tojolabales, zapotecos, iroquíes, etc... Mas sim o légio a partir do momento em que os subalternos
que foi mantido pelos povos indígenas é a diferen- começam a pensar por si mesmos, sem esperar a
ça, sua rejeição à assimilação e seu direito à dife- orientação do maestro.
rença. Justamente porque não está fora do capita- A terceira pergunta é a seguinte: Para en-
lismo global é que Evo Morales tem os problemas
que tem com os latifundiários de Santa Cruz.8 9
Aqui há outro nó por desamarrar. No Islã, certos atores
sociais assumem a objetividade sem parênteses, repro-
A sua segunda pergunta é a seguinte: não duzindo, em outras palavras, a lógica imperial do oci-
dente que enfrentam. Mas, por outro lado, há tendênci-
8
Para mais detalhes, ver Racism and Human Rights, 6 de as e atores sociais que traçam já um tipo de pensamento
junho de 2008, no blog: Disponível em: http:// fronteiriço e uma opção descolonial, ainda que não usem
waltermignolo.com/2008/06/06/racism-and-human- essas expressões. O lema é Olha o que fazem e não como
rights. o chamam. Não olhe o que dizem, mas o que fazem.
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Walter D. Mignolo
frentar-se com êxito às formas de dominação do pela França, Inglaterra e Moscou (onde o Marxis-
capitalismo global é necessário desvincular o mar- mo chegou ao estado), pode sem dúvida apelar a
xismo do projeto descolonial? Remeto-me nova- Marx e a pensadores marxistas subseqüentes, para
mente à anedota e conversa com Kwame Nimako a “analisar” a formação do “capital” a partir da revo-
propósito de Eric William e Robert Blackburn. lução industrial, mas eles seriam de pouca utilida-
Minha resposta à pergunta é um contundente sim. de para analisar a formação da “matriz colonial do
Isso não nega o marxismo, mas o vê provinciano. poder”. Seria de menos utilidade ainda para anali-
“Enfrentar com êxito o capitalismo global” requer sar e entender outras formas de controle, como a
mais que outro projeto também global e universal, colonialidade do saber e do ser, o controle do co-
como o capitalismo, que já mostrou, em variadas nhecimento e a subjetividade, esfera na qual está
ocasiões, que o marxismo pode ser um espaço de incluído o domínio das “religiões”. Ou seja, na
dissidência, mas não pode competir dentro da medida em que o marxismo mantém, da mesma
mesma lógica apenas invertendo os conteúdos. forma que o “capitalismo global”, o horizonte uni-
Na medida em que a opção descolonial não pro- versal, e muda o conteúdo da opressão à emanci-
põe uma ideologia universal (como o liberalismo, pação, a opção descolonial se desprende de todo
o cristianismo ou o marxismo, todas elas forman- projeto totalitário, ainda que esse seja um projeto
do parte do globo do Show de Truman), enfrentá- totalitário de liberação (seja o marxismo, a filosofia
la com êxito significa e implica multiplicar e da liberação, ou o islamismo fundamentalista).
conectar projetos descoloniais globais. Simplifican- Em síntese, os argumentos sobre os limites
do: se distinguimos entre o Ocidente e o resto (“the do marxismo para enfrentar o “capitalismo global”
West and the rest”), deixando de lado todas as são conhecidos, ainda que freqüentemente esque-
zonas intermediárias, aquilo que o “resto” – o Ori- cidos. O líder ideológico da revolução iraniana,
ente Médio, a América do Sul e o Caribe, a Ásia Ali Shariati, publicou em 1974, em seu regresso
Central e o Cáucaso, a África do Norte e sub- da França ao Irã, sua célebre obra Del Marxismo y
Saariana, e mesmo a China e Japão, que não foram otras falacias occidentales. Os intelectuais indíge-
colonizadas como Índia, mas não escaparam das nas disseram também: é possível trabalhar juntos,
intervenções do Ocidente na primeira na Guerra como na presidência (Evo Morales) e na vice-pre-
do Ópio (1848) e na segunda a partir da restaura- sidência da Bolívia (Álvaro García Linera), mesmo
ção Meiji (1865) – tem em comum é ter sido toca- que a cosmologia indígena e a cosmologia marxis-
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NOVAS REFLEXÕES SOBRE A “IDÉIA DA AMÉRICA LATINA”...
quais, em geral, surgiram da periferia global e na dois tópicos onde a tensão se revela. Ao reler a
periferia interior dos centros econômicos e industri- entrevista, encontro certas semelhanças com as
ais (os seis países centrais da União Européia e Es- tensões surgidas nas duas resenhas que comentei
tados Unidos). É interessante notar, por exemplo, anteriormente.
que, em minha experiência particular, o diálogo O momento do diálogo a que me refiro gira
começou com ativistas, artistas, filósofos e filósofas em torno da ferida colonial e ao fato de que ela
na Eslovênia e na Espanha.10 tem diferentes escalas: as conseqüências da
colonialidade, do ser e do saber, foram diferentes
10
Ver, por exemplo, a entrevista Marina Grzinic (2008), e
para as populações provenientes da África, em
também Sobre pensamiento fronterizo y representación: relação às populações provenientes da Europa e
diálogo con Walter Mignolo, Bilboquet, n.8, 2007. Dispo-
nível em: http://bilboquet.es/B8/PAG/waltermignolo.html. para as populações já existentes em Abya Yala, no
Também os encontros e publicações sobre pensamiento
descolonial organizado por Heriberto Cairo (cientista po- momento que chegaram europeus voluntários e
lítico), na Universidad Complutense de Madrid, e o africanos forçados. Eu ressaltava, no diálogo, que
primeiro volume, já mencionado que co-editamos. Isso
no que me corresponde pessoalmente. Outras várias ati- a ferida colonial afeta não somente a africanos e
vidades estão em andamento através de outros membros
do projeto modernidade-colonialidade, assim como ou- indígenas, mas também a população “branca”, em
tros projetos concorrentes, tais como o da Caribbean
Philosophical Association. critérios locais do sul. Em La idea de América La-
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Walter D. Mignolo
tina, menciono o célebre ensaio de H. A. Murena, No segundo tema dessa mesma interven-
O pecado original da América (1954), para ilustrar ção, Mónica insiste na importância da guerra EUA-
as respostas brancas à ferida colonial. Em outras México e o tratado Guadalupe Hidalgo (1848) em
ocasiões, ocupei-me de Rodolfo Kusch, cujas sóli- relação à configuração histórica da latinidade. Sem
das reflexões mostram, a cada passo, a diferença dúvida, a própria idéia de latinidade, surgida na
colonial do saber e do ser. Mónica reagiu ante es- França, projetada e adaptada pelos “brancos” lo-
sas reflexões dizendo: cais, surgiu em grande parte por essa guerra e pela
expansão dos Estados Unidos em direção ao Sul.
I do not share that “white” Latin American pain Bilbao também reage ante a esse fato. A outra parte
that you describe because I am part of the huge
number of people in this continent that have not da idéia de latinidade responde aos conflitos im-
benefited from hegemonic discourses that periais no interior da Europa e no projeto francês
operate locally in every “Latin”American nation.
First during the dictatorship and then, during de liderar os países latinos, fato que permanece
the neo-liberal/democratic governments, in the
nineties, I struggled against being completely até hoje e de cuja história e legados Nicholás
oppressed and silenced by these hegemonic Sarkozy está se aproveitando: já não liderar o sul
discourses (González García, 2007, p.43).
da Europa, mas sim o Mediterrâneo.
Em primeiro lugar, quando o editor de
Como ocorre com freqüência, o efeito “totali-
Blackwell me propôs escrever esse manifesto, a
dade” se impõe. Mónica confirma o que eu estava
primeira coisa que me ocorreu foi ampliar o argu-
dizendo: ela se des-identifica das elites brancas do
mento, antecipado em dois trabalhos prévios so-
poder (durante a ditadura e o neoliberalismo dos
bre a definição da América Latina (Mignolo, 2000,
noventa). No entanto, não reconhece pertencer a
2004). Em segundo lugar, o pensamento
uma história, memória e sensibilidade de uma grande
descolonial pensa a história não cronologicamen-
parte do subcontinente de descendência européia
te, mas sim em nós de heterogeneidade histórico-
(nesse caso hispânica, González García). H. A.
estrutural, que Aníbal Quijano descreveu em vári-
Murena, Rodolfo Kusch, Enrique Dussel falam da
os de seus escritos. Nesse caso, 1848 é a âncora de
experiência da fratura da “consciência imigrante”,
uma triangulação que envolve a França (o famoso
com a qual me identifico como descendente de imi-
18 Brumário) e a liderança que assume no sul da
grantes italianos que chegaram à Argentina nos fi-
Europa, a partir da América Latina e Estados Uni-
nais do século XIX. Coma ferida colonial (white
dos (o tratado Guadalupe Hidalgo). Há uma sucesão
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NOVAS REFLEXÕES SOBRE A “IDÉIA DA AMÉRICA LATINA”...
O diálogo com Antonio Lastra (2007-2008) to eurocentrado de acolher pessoas de cor que re-
é uma conversa em dois sentidos: entrecruzam-se produzem o pensamento eurocentrado, como Sen
pensamentos que partem de premissas, experiên- e Appiah. Em política, temos o exemplo equiva-
cias, subjetividades, histórias, linguagens (não lín- lente de Condoleezza Rice. Isso é tranquilizador,
guas, posto que nós dois falamos castelhano) dife- não se pretende puxar-lhes das orelhas nem tirar
rentes. A diferença é que, no pensamento o tapete do chão. Sen e Appiah adotaram e se iden-
descolonial, ativa-se a lógica que une o senhor ao tificaram com a identidade disciplinar (economia,
escravo: o escravo conhece a razão do senhor e a filosofia) e com o controle disciplinar do conheci-
razão do escravo, enquanto o senhor conhece so- mento, que – a partir desse poder identitário
mente a razão do senhor, posto que o escravo, se- epistêmico – marginalizou e continua marginali-
gundo ele, não tem “razão”. Nesse caso, e voltan- zando todos e todas que não se submetem às re-
do a uma das perguntas de Mónica, é possível gras do jogo.11 Em suma, eu sugeriria, em vez de
estabelecer um diálogo com ativistas de Bilboquet, Amartya Sen, Vandana Shiva e Ashis Nandy. E
mas é quase um “diálogo de surdos” entre quem em vez de Anthony Appiah, sugiro a Sylvia
pensa em (não sobre, mas “em” no sentido de estar Wynter e Lewis Gordon. Mas aposto que Antonio
envolvido) e aqueles que pensamos na opção desconhece, conhece pouco ou não levou a sério
descolonial. No entanto, o diálogo com Antonio foi todos aqueles que estão na genealogia de meu pen-
útil para que eu pudesse entender os temores, os samento. Por isso, o diálogo é quase de surdos,
preconceitos, as mágoas de um pensamento euro- como o diálogo entre o senhor e o escravo liberto.
peu que se fecha sobre si mesmo, como pensamen- Não comento a referência aos estudos su-
to, mas tenta abranger o mundo, como conteúdo. balternos porque isso não tem muito sentido neste
Vejamos um caso patente desse diálogo de surdos, diálogo, já que pensamento descolonial e estudos
e do amparar-se sob a capa salvacionista de “pensa- subalternos são laranjas de diferentes sítios. Po-
dores liberais de cor”, como Amartya Sen e Anthony rém, é importante sublinhar o seguinte: quando
Appiah. Ofereço somente uma amostra que se rela- falamos no projeto modernidade-colonialidade, de
ciona com temas debatidos. Diz Antonio: descolonizar o conhecimento, partimos do fato de
que a filosofia (ou qualquer outra disciplina tanto
Você nega que sua postura possa ser acusada de na instituição como nos princípios dos saberes
“essencialismo”. No entanto, não crê que em todo
ocidentais) pressupõe identidades fortes que não
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 239-252, Maio/Ago. 2008
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Walter D. Mignolo
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NOVAS REFLEXÕES SOBRE A “IDÉIA DA AMÉRICA LATINA”...
NEW REFLECTIONS ON THE “IDEA OF LATIN NOUVELLES REFLEXIONS SUR “LA CONCEPTION DE
AMERICA”: the right, the left and the discolonizing L’AMERIQUE LATINE”: la droite, la gauche et l’option
option décoloniale
This text has the specific character of debate Ce texte revêt un caractère spécifique de débat
retaken by the author caused by reviews and interviews repris par l’auteur en fonction de rapports et
about his book The Idea of Latin America, published in d’interviews réalisés à propos de son livre The Idea of
2005. It begins demonstrating how the various Latin America publié en 2005. Il commence en
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 239-252, Maio/Ago. 2008
narratives of the history of colonization are plural, but démontrant comment les narratives diversifiées de
as they spread they become unified in global narratives l’histoire de la colonisation sont plurielles mais,
of an universal character, as an effect of totality proces- lorsqu’elles sont diffusées, elles finissent par s’unifier
ses. For the author that diversity of silent but alive en narratives globales à caractère universel, comme
historical forces, are today exposed, without a conséquence d’un processus de totalité. Pour l’auteur,
perspective of return to the past. In this sense he speaks cette diversité de forces historiques silencieuses mais
about the modernity/coloniality project of decolonizing vivantes, apparaissent aujourd’hui sans perspective de
knowledge, answering and deepening several retour en arrière. Dans ce sens-là, il parle du projet
paradoxical aspects forwarded by the debate of his modernité/colonialité pour décoloniser la
book, as the dialogue among thoughts of emancipation connaissance. Ceci permet de répondre et
and movements that appear in the center of the world d’approfondir divers aspects paradoxaux soulevés par
system. With this he doesn’t intend to close the debate, le débat de son livre comme le dialogue entre les
but, on the contrary, strives to update it and to move mouvements et les pensées d’émancipation qui
forward in those issues of non-homogeneous surgissent au cœur du système-monde. Il n’est pas
populations and difference from a perspective of future question de conclure le débat, bien au contraire, on
and from a perspective of a pluri-versalist knowledge cherche à actualiser et à avancer dans ces questions de
and practices. la différence et des populations qui ne sont pas
homogènes dans une perspective d’avenir et d’une
connaissance et des pratiques pluri-versalistes.
KEYWORDS: modernity, emancipation, difference, MOTS -CLÉS: modernité, émancipation, différence,
decolonization of thought, Latin America. décolonisation de la pensée, Amérique Latine.
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