Ilusão - Emiliano Perneta
Ilusão - Emiliano Perneta
Ilusão - Emiliano Perneta
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Illusão ILLUSÃO
Plumas
Poesias diversas
Solidão
Re-Edição Virtual Comemorativa do Centenário da Satyros e dryades
Primeira Edição. Um violão que chora...
Poemas
Revista e preparada por Ivan Justen Santana,
similarmente à edição original, lançada em
Curitiba, em 20 de agosto de 1911.
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Curitiba, 20 de agosto de 2011.
Typ. da Livraria Economica
Coritiba − Paraná − Brasil
― 1911 ―
Aos meus irmãos.
[ 03 ]
Prólogo
Vozes
Ó vozes de embriaguez, ardentissimas vozes,
Vozes, bem como si quebrasse, ao longe, o mar
... bercé par ce continuel bourdonnement
qu’entendent ceux qui n’entendent d’autre voix. Sob penhascos nús e rochedos atrozes !...
Francis Jammes.
A Mão...
...Donde veiu essa mão nervosa, que me arranca
Dos abysmos do mal, a Mão ideal e branca,
Ao Dr. Claudino dos Santos.
A mim, que nem siquer mais acredito em Deos ?...
Orgulho
E abate-me a tremer, tal qual uma criança,
O furor de brandir nas mãos, como uma lança,
Ao João Itiberê.
Este Orgulho, que emfim é uma giesta em flôr !
23–12–1902
[ 12 ]
O Enigma
Anceia para ver no meio da peleja,
Dessa reféga, desse ardor que relampeja,
Ao Dr. Clovis Bevilaqua.
Si ainda póde illudir a cruel Decepção !...
Dezembro―903
[ 13 ]
Salomão
Entre poeira e sol, ao longe, a caravana,
Onde em meio d’um régio esplendor, que se ufana,
Ao Adolpho Werneck
Fulge o diadema da rainha de Sabá ?
Fev. 906
[ 14 ]
Vencidos
Embora, nós tambem, nós ! num rouco soluço,
Corda a corda, o violão dos nervos inquietos
Partamos ! inquietando as estrellas dormentes !
Ovidio
E o orgulho de beijar, que nem o exilio doma,
O corpo mais gentil do lupanar de Roma,
Julia, e basta, Nazão, filha do Imperador !...
1905
[ 17 ]
Veiu
Veiu, mas com a graça e a propria luz do dia...
Ó prazer que me faz soluçar de alegria,
E respirar, e crêr nos deoses immortaes !
1904
[ 19 ]
Não é só te querer...
Quem me déra beijar tudo isso que me alegra,
No meio da nudez desse infinito Céo,
Desse Rhodano Azul, dessa Floresta Negra !
Nov. de 903
[ 20 ]
Junho de 904
[ 21 ]
Donzellas
Não sabe nada ; mas, ó candidez ideal,
Eu não posso querer sinão o Monstruoso,
E o bem Maravilhoso, e o bem Fenomenal !
Janeiro de 904
[ 22 ]
Justiça
Heroismo, e juventude, e gloria, e luz de um dia,
Que bom de ver surgir uma cavallaria,
Ao Ermelino de Leão
Que te erguesse do chão, como uma flôr, emfim !
1903
Poesias diversas
[ 24 ] Ó meu Senhor, que bom seria,
Na praia. Esplendido esse dia.
Iguassú
Da floresta, ora assim como um cão veadeiro,
A fugir, a fugir alegre e alviçareiro,
Ao Joaquim de Castro.
Ora deitado aqui, quasi a lamber-me os pés !
Canção
―O meu esposo morreu
Pára um negro cavalleiro
Lá nas guerras d’El-rei,
Ao pé de antigo solar :
Tenho o punhal que o feriu,
O seu cavallo é de crina
Gravado em ouro de lei.―
Côr da Lua, côr do luar.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Noite. Deito-me aqui... Eu vou dormir, porém. O somno não sei donde
Desce por sobre mim, como uma grande fronde...
Ah que bom de dormir e não acordar mais !
Maio―910
[ 35 ]
Ao Azevedo Macedo
Dentro d’elle, eu bem sei, uma profunda valla...
É o covil da traição que envenena e apunhala...
Que se escreveu, quando se acreditou que
tendo d. Alba se ausentado por mui longes Tenho somno, porém, e vou dormir ali !
terras, nunca tornasse mais a dar novas de sua
pessoa.
Corre mais que uma véla... Corre mais fatalmente do que a sorte,
Corre para a desgraça e para a morte...
Mas eu queria que corresse mais !
Quadras
D. Morte
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
—Mãi, que és tão pobre e não tens leite, Glacial, esguia, num momento,
Ó dor crescente ! ó Lua cheia ! Eu entro, sópro essa candeia...
Vida—candeia sem azeite, Queres ? olá !
Olha-me, vê, não sou tão feia ! Quem foi ? quem foi?
Pé ante pé, —o norte, o vento...
Queres ? olé ! Ah! ah! ah! ah! ah! ah! ah! ah!
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
[ 40 ]
Incoherencia
Ao J. H. de Santa Ritta
Tinha um secreto gôso, uma alegria,
Tão exquisita que eu não definia.
Que eu devera passar a vida, e não Com o mesmo gesto, a mesma inquietitude,
Como a passei, aqui, ó Solidão, Com que eu amei na flôr da juventude...
Era em teu seio, sim, como um enfermo, E teu sómente, ó flôr silenciosa,
Teu seio triste, e vasto, e nu, e ermo... Coroada de myrtos e de rosa,
Era em teu coração, que para mim Nós fugiremos, pombos ideaes,
Foi sempre aberto em flôr, como um jardim... Longe destes abutres e chacaes,
Inda tenho, porém, frescuras d’alma, Para o fundo dos valles e dos montes,
Lirios e rosas, violeta e palma... Ao pé dos lirios, em redor das fontes,
Enlaçados no mesmo abraço pois,
No mesmo beijo luminoso os dois,
Dezembro 907
[ 45 ]
I
Nem cornamusa alegre de pastores,
Nada ! Nem tudo me seriam flôres...
Mas quem me déra não saír d’ali !
Maio 902
[ 49 ]
Nov. 905
[ 50 ]
1899
[ 53 ]
Sol d’Inverno
Volúpia ! Embriaguez celeste !
Lingua de fogo ! A mim, o pó
Ao Serafim França
Lambe-me, como tu lambeste
As feias ulceras de Job.
Nox
Vendo-a passar, dos rendilhados
Palacios de ouro e de cristal,
Como si fossem namorados,
Os astros fazem-lhe um signal.
Escureceu. Silenciosa,
A Noite faz a toilette :
E cada vez mais se reclina
Na cabelleira tenebrosa Sobre esses coxins de velludo,
Engasta a Lua um alfinete. Sorrindo como Messalina
Para todos e para tudo...
Depois, o corpo sempre moço,
O corpo em flôr de Sulamita,
Num banho immerge até o pescoço,
Banho de estrellas que palpita.
[ 58 ]
Flóra
Ao Gilberto Beltrão.
Ode à solidão
No meio do silencio immenso que me cobre,
Assim como um capuz,
À exma. snra. Baroneza do Serro Azul
Como é bom de escutar o mar quebrando sobre
Esses rochedos nus...
Nov. 903
[ 65 ]
D. Juan, mas porque foi... Lirio ou rosa, não sei, nenhuma flôr tocou,
Que uma serpente vil não tivesse manchado,
E um verme tambem não exclamasse : aqui ’stou!
Maio 904
[ 67 ]
Fevereiro de 1904
[ 70 ]
Nov de 903
[ 71 ]
Maio de 904
[ 74 ]
Amôr Cinzento
Presa ! e dilue-se o mundo ! e nem um sonho ao menos,
E nem festas ! e nem um agasalho algures,
Ao Celestino Junior
Num leito brando, nuns braços brandos de Venus !...
1898
[ 75 ] De um lindo céo azul, esplendido verão,
E ella a roçar em mim, como uma tentação...
E ella a passar aqui, dentro do seu corpete,
Tão leve, tão sensual, no seu andar coquette,
I
IV
II
V
Ao Nestor Victor
[ 81 ]
Flôr de maravilha,
Alma que anda cega,
Perola de Ofir,
Si por socegar,
Perola a sorrir...
Veiu a se empregar,
...Ai de quem dormir
Nesse aventurar,
Sob a mancenilha !
Muito mal se emprega...
Damas, meus senhores,
São todas iguaes...
Já porque as olhais,
Nem vos olham mais,
Nem vos têm amôres...
Julho—1900
[ 83 ]
Um dia, quando já
Não existires, quem,
Lá fóra, e à deshora,
No vasto mar, que anceia,
A lua branca gira,
Nesse profundo mar,
Um violão suspira,
De um pobre grão d’areia,
Enquanto a flauta chora...
Quem póde se lembrar ?
Em vão tu te debruças
Que pois a lua gire,
Sobre a janéla, em vão...
Que o violão soluce,
Flauta, por quem soluças ?
E um outro se debruce
Porque gemes, violão ?
E palido suspire...
VI
Outubro—1906
[ 92 ]
Baucis e Filemon
E os seus vestidos que são alvos como a paz,
Tingem-se de uma côr de sangue de lilaz.
Ha de a Morte chegar um dia... E pois que bom
Ó tarde linda, ó tarde linda como Venus,
Si fosse como a de Baucis e Filemon !
Tarde de olhos azues e de seios morenos.
Ó tarde linda, ó tarde doce que se admira,
Outono. A tarde vai num carro de velludo,
Como uma torre de perolas e safira.
Lirio, rosa, carmim, e oiro, sobretudo.
Ó tarde como quem tocasse um violino.
A tarde gira, no passeio vesperal,
Tarde como Endymion, quando elle era menino.
A luminosa flôr esthetica do Mal.
Tarde em que a terra está molle de tanto beijo,
Zéfiro, vendo-a, em seus vestidos sopra assim
Porém querendo mais, nervosa de desejo...
Da flauta rude uns sons de folha de jasmim,
Tarde como no dia em que Jupiter loiro,
Uns sons de violeta e anemona e açucena,
Por amôr de Danae, desfez-se todo em oiro.
Uns sons que inda são mais leves do que uma penna,
Tarde de se caír de joelhos, por encanto,
E tão bons, e tão bons, que ao longe o mar semelha,
E de se lhe beijar a ponta de seu manto.
A subir e a descer, um rebanho de ovelha...
Ó que tarde subtil ! ó luz crepuscular !
Com rosas no jardim e cysnes a boiar...
Outono lindo, lindo... Ao longo dos caminhos,
Como sempre, elles dois, velhinhos, bem velhinhos,
Inda mais uma vez olham essa paizagem,
Que, por assim dizer, é a sua propria imagem,
Terna como elles e com seus reflexos vagos
De ternura a tremer por sobre a flôr dos lagos...
Estatua
Turbilhões sensuaes de proserpinas doudas !
Cantharidas em flôr, brancas, morenas, todas
... e olhou sua mulher para traz delle:
e converteu-se numa estatua de sal. Luxurioso amei ! amei ! Eram tão bellas !
– Ó Poentes de Outono ! ó Luas ! ó Estrellas !
Ora o Valpurgio !... Só, como espectro de lua, Olha. Não vendo então que via, por seu mal,
A Lembrança !... um palôr diluido em folha rubra ! O Nú... mais nú! O Nú de um nú de Apodros nuda !
Quando evitar que o tempo o marmore pollua, Um esqueleto nú !...
E o musgo cresça, e as almas frageis cubra ? E eil-o que se transmuda,
—Outra mulher de Loth—numa Estatua de sal !
Tudo em perfume se resume, que apunhala,
E a Demencia derrama em aspérges de hysópe !
—Eia pois ! eia pois ! a caminhos de opala !... ”
Ao Silveira Netto
Uivam ! Lobos ? o Mar ? o Vento ? o Temporal ?
Não. É a plebe que arrasta o teu manto real.
O povo reza, que doçura ! É bom que reze ! Estão rezando por ti muitos padre-nossos;
Pela tua alma... Já são horas... Quantas ?... Trêse. Os cães estão, porém, à espera de teus ossos.
Maldito seja quem Throno nem Reino tem ! Ó ventos ! ó corvos ! que estaes grasnando no ar !
Maldito seja o Rei ! Maldito seja ! Amen ! Eis o cadaver do bom Rei de Balthazar !
No vinho que te dão, e no teu melhor pomo, Dlom ! dlem ! dlom ! dlem ! Ouve, bom Rei, de serro a serro,
No manjar mais custoso, onde entre o cinamomo, Os sinos dobram, ai ! dobram por teu enterro.
Na lynfa clara, vê, no leito eburneo, sei, Ó ventos ! ó corvos ! que estaes grasnando no ar !
Nas palavras, no ar, dão-te veneno, Rei! Eis o cadaver do bom Rei de Balthazar !
Ouvem os Arlequins missa, todos de tochas, Ventos, ó funeraes ! ventos, lamentos roucos,
E estão vestidos de sobrepellizes roxas. Ó ventos roucos, ó redemoinhos loucos !
Dlom ! dlem ! dlom ! dlem ! Bom Rei, teus ossos não são teus,
Nem o teu Throno é teu ! Louvado seja Deos !
Julho—1898
[ 102 ]
À mercê e ao furor das ondas e dos ventos, Reinos antigos, ó paizagem de romance,
Havia de correr o mar que não tem fim, Como uma rosa que fenece num jardim,
Como Ulysses ; porém, ó tragicos momentos, Ah que bom! ah que bom! de vel-os de relance,
Sem ter uma mulher que chorasse por mim ! Com castellos feudaes, com torres de marfim !
E cegueira ideal e vã de quem se esconde, Eu não sei, eu não sei para onde fugiria,
E loucura de quem fugiu d’uma prisão, Eu não sei, eu não sei o que ia ser de mim,
E doido, sem saber de nada, nem para onde, Quem me déra, porém, que logo fosse o dia
A correr, a correr atraz d’uma illusão ! De poder embarcar e de fugir d’aqui!
Quem déra que fosse hoje ! E enquanto a nau sulcasse
De procelloso mar entre uivos e baldões,
Eu poder, sem terror, olhando face a face
O abysmo, descrever as minhas impressões !
Outubro de 1903
[ 110 ] Mas, em certa noite, por desgraça d’ella,
Tamanha brilhara no céo uma estrella,
Ao Figueiredo Pimentel
Que tudo que amava, tudo quanto d’antes
Fulgira-lhe aos olhos, como diamantes,
Foi como si d’essa região suprema Aquelles castellos, com brazões reaes
Lhe descesse um aureo, régio diadema... De orgulhos antigos, que não morrem mais.
Teve tal delirio cego, que apesar Como si a existencia fosse um cysne doce,
De viver alegre, vivia a chorar. E o universo um lago murmurante fosse...
Ella que era pobre, como uma cigarra, Nem tudo na vida são rosas, porém :
Tocando de noite e de dia a fanfarra, Si ha rosas, de certo, logo espinhos vêm...
Ella que não tinha de seu um real, No meio dos sonhos e da primavéra,
Que passava fome, que vestia mal, O inverno chega, ruge e dilacéra...
Aparece o inverno, bem como um leão, Quem era esse insecto triste e sem valor
Entre as ovelhinhas brancas da illusão. Para ser amado, para ter amôr ?
Assim, muitas vezes, tal desesperança Tão cheio que fosse da sua cantiga,
Feria a cigarra com espada e lança, Valia o coitado menos que a formiga,
Que ella até pensava, triste de uma vez, Porque ao menos esta não tem fome, nem
Fazer o que Safo certo dia fez... Frio, nem sêde, como aquelle tem...
Que suspiros flebeis! que profunda magoa ! Porém a cigarra, como a alma do povo,
Os seus grandes olhos enchiam-se d’agua. Si chorava agora, ria-se de novo.
A illusão morria triste, sem um ai, Ria-se de tudo, de tudo que não
Como a gloria morre, como a folha cáe. Fossem as loucuras do seu coração.
Realmente, como donde a gente brilha, Pois sempre lá dentro d’alma de quem soffre,
Sobre tanta coisa, tanta maravilha, Guardados no fundo doirado de um cofre,
Poderia um astro ver um fanfarrão, Ha effluvios tão vagos, horas tão subtis,
Que só tinha pennas de imaginação ? Que por mais que a pobre fosse uma infeliz,
Logo que se via como que possuida Custava-lhe tudo que tinha afinal ;
Dessa onda nervosa de goso e de vida, Mas que sonho lindo, que paixão ideal !
E o estridulo canto tinha o colorido Mas que bom ao menos de poder dormir
De um amôr que sabe que é correspondido... No meio de puras perolas d’Ofir...
Assim, que importava que essa brisa, em vão, Via-se torcida dentro de uma grade,
Em vão suspirasse que era uma illusão ? A prisão de ferro chamada anciedade ;
Que importava a ella que, triste ou risonho, Via-se encerrada dentro do pesar
Tudo quanto via fosse apenas sonho ? Como numa torre, sem poder voar ;
No meio das ondas furiosas do mar, Porém que loucura mais rara e mais bella
Felizes aquelles que andam a sonhar ! Do que esse delirio de amar uma estrella ?
Seria uma cidade, que eu não vira, Ella seria um astro, a realeza,
Com tantas torres brancas para o ar, A encarnação de tudo que aspirei,
Cidade d’oiro antiga, de saphira O pão da minha fome de belleza,
Batida pelos ventos, pelo mar... O meu orgulho, a purpura d’um rei...
No encalço dessa flôr, dessa donzella, Oh que sorriso mágico ! que enleio !
O lirio e o valle e o serro e o mar e eu, Que bom ! que bem ! nunca pensei, cruel,
Fugiriamos todos atraz della, Que houvesse assim no mundo tanto anceio,
Envolvidos na tunica d’Orpheu. Reinos tão lindos, doces como mel...
E que doçura unica, que doçura E que florido céo ! que anciã ! que vago
Feita de manto e purpuras reaes, Som mavioso ! que luar ! que flôr !
E essa paixão, crescendo, e essa loucura Eu dormiria ao fundo d’esse lago,
Os braços a estender cada vez mais... Abraçado comtigo, meu amôr...
Coração livre
Não tornes nunca mais, e nunca mais te illudas,
Ao tragico furor dessas coleras mudas,
Ao Augusto Rocha
Um selvagem, porém, que tem paixão por astros, Segue. Na fonte em que beber a ovelha, em paz,
Estatuas, capiteis, columnas e alabastros... Com as tuas proprias mãos, tu tambem beberás.
Quanto me sinto bem, e como é bom saber E a arvore sob a qual dormires o teu somno,
Fugir assim, batendo as azas de prazer ! Ha de dar-te abundante os seus frutos de outono.
Ser livre para mim é tudo quanto eu amo : E que perfume bom ! Que embriaguez assim
Não ha como poder saltar de ramo em ramo. Por esse vasto céo, por esse azul sem fim !
Não ha goso melhor, seja lá como fôr, O dia é uma canção de luz maravilhosa,
Do que esse de voar de uma para outra flôr. Que se pudesse ouvir cantar por uma rosa...
Nem orgulho maior e nem gloria tamanha Segue pois, segue pois, sem saber onde vais...
Que o delirio de andar de montanha em montanha ! Nomade, o teu destino é esse e nada mais !
1899
[ 121 ] Logo, logo que o pae conseguia vendel-a,
Mal se via nas mãos do seu possuidor,
Gloria
Eu tiver de rolar no olvido, que me espera,
Que ao menos possa ver o palacio radioso,
Ao I. Serro Azul
Feito de louro e sol e myrto e ramos de hera !
Curitiba, 909
[ 123 ]
Levado pelos ventos da esperança Que lhe importava, a elle, o horror da magoa,
Aos serros invios e aos alcantis, A agonia da forca e a propria cruz,
Tinha sorrisos leves de criança, Si através dos seus olhos cheios d’agua
Exaltações, e sonhos infantis... Via se abrir o céo banhado em luz ?
Que lhe importava a lama e o ódio profundo Quando ouvirei dizer : — É por ali o caminho !
Com que o feriam, si elle tinha fé, P’ra o subires, porém, é uma lucta vã,
Se elle sabia despresar o mundo, Tens de sangrar as mãos e os pés naquelle espinho,
Se elle, caíndo, ia caír em pé ?... E acreditar de tarde e descrer de manhã !
“O seio abriu, que tanto exhala, “Ninguem te amou, nem pôde amar-te,
Ao proxeneta e ao ladrão ; Nem te entendeu, ser infeliz,
A ti, porém, indo beijal-a, Mas eu, ó triste lirio d’arte,
A femea torpe riu-se : não ! Sempre te amei, sempre te quiz.
“O teu furor pela belleza, “E disse : aquelle é meu, aquellas
Indiferente ao bem e ao mal, Magoas cruéis são minhas, eu
Desoladora guerra accesa, Vou levantal-o até as estrellas,
E sobretudo odio infernal ; Até a luz, até o céo...
“O orgulho teu, furioso grito, “Vou lhe mostrar torres tão grandes,
Luxuriosamente cruel, Torres de ouro e de marfim,
Crescendo para o infinito, Cem vezes mais altas que os Andes,
Como uma torre de Babel, Tantas, tantas, que não têm fim.
Entre essa irradiação Os olhos de que côr ? Não sei. Porém supponho
Que seriam assim tão grandes como um sonho...
Mas já passei a vida, e não a pude ver !
Ao Emilio de Menezes
Dezembro – 1909.
[ 144 ]
E tão inquieto eu ia, tão enfermo, Pungia tanto o meu pesar ardente,
Tão desolado, que fazia dó : Era tão mudo e despedaçador,
O caminho era funebre e era ermo, Que soluçando torrencialmente,
E eu ia, eu ia, horrivelmente só ! Não aliviaria a minha dôr...
Era tamanha aquella doida magoa, Eu sentia que havia no meu rosto
Que eu não podia, não podia mais, Essa exquisita côr feita de cal,
Os meus olhos se annuveavam d’agua, Esse marmore frio do desgosto,
Vendo passar meus proprios funeraes ! Esse palôr, esse palôr mortal !
E que caminhos tristes ! Que avenidas Era como si eu fosse, em noite escura,
Longas ! E que silencio tumular ! Rio das mortes a rolar, em vão,
É por aqui que passam os suicidas, Aquellas minhas aguas de amargura,
Quando vão para o ermo se enforcar. Tintas do sangue da inquietação.
Dessas corridas, desses vôos doidos, E ó que irmão que elle foi, como não ha,
Dessas loucuras que fazemos todos, Eu a soffrer d’aqui, elle de lá !
Ora aquella dolencia, penso eu, E eu por triste que fosse, quando o ouvia,
Que só de imaginar que já morreu... Era com arrepios de alegria.
Que em sua terra, todo o mundo agora É que elle, à semelhança d’um poeta,
Até seu proprio nome já ignora... Mesmo cantando a magoa mais secreta,
Já não se lembra d’elle mais ninguem, Tinha sempre o seu modo de a dizer,
Nem para o maldizer, nem dizer bem... Que em vez de magoar, dava prazer...
Eu sei, porém, eu sei que o pensamento Nesses profundos lagos de cristal,
Inda é mais leve do que o proprio vento, De uma scintillação quasi ideal,
A boa estrella
Ao Aluizio França
1900
[ 153 ]
Que sobre elles, assim como uma aureola em brasas E possam sempre ouvir o amôr quando segréda,
Possa resplandecer o sonho de tal modo Mas assim como si fosse um suspiro apenas,
Que nem toquem siquer com os pés sobre o lodo ; Essas canções em flôr, languidas açucenas,
Por isso que sonhar é o mesmo que ter azas... Entre os álamos nus de sombria alameda...
E que bem como faz à tarde uma andorinha, E não vejam sinão a doçura da vida,
De um para outro paiz, em vindo a primavera, E não ouçam sinão o fresco idyllio eterno :
Emigrem : que isso foi minha melhor chiméra, Primavera, verão, outono, e o proprio inverno,
E eram essas tambem as ambições que eu tinha. Como quem vive ao pé de uma mulher querida.
E transpondo esse mar, que brame e ruge e espelha, E sabendo que são puramente bondade,
Julguem sempre, a sorrir, que tudo é um sonho vago, Alegria, e canção, e luz, e alvoroço,
E que esse mar não é sinão um doce lago, Não queiram ser jamais esse monstro e esse poço
De ondulações azues e bom como uma ovelha. Que sou, e sempre fui, de orgulho e de vaidade.
E tudo seja pois tão saboroso e rubro
Pomo, que de maduro em favos se derrete,
Tão azulado o céo, mas d’um azul ferrete,
Calido a enfebrecer de raiva o mês d’Outubro.
À Toi !
Causa-me raiva até e me deixa doente :
Fico a chorar e a rir, mas incoherentemente,
Graças te rendo... Que onde fôres pisar, que por onde tu fôres:
A lama se transforme em petalas de rosa,
As viboras, em fruto, e os espinhos, em flôres !
Um joven fauno :
Um fauno :
— Sómente para mim a sorte foi cruel :
— Tem mais força no olhar do que Hercules nos pés !
Nunca pude gosar esse favo de mel...
Um satyro : Um satyro :
— É um combate feroz, uma guerra da Hellade... — Nua, de uma nudez mais nua do que a Lua...
Outro joven fauno : Um fauno :
— Nunca o amôr me quiz. E, no entanto, vêde, — Estão se mordendo, os dois, com tamanho furor,
Eu e Tantalo, os dois, temos a mesma sêde... Que até parece ser mais odio do que amôr...
Uma dryade :
E ambos, que loucura, — Odio e amôr são dois inimigos, porém
Ambos, que desordem,
Nessa luta obscura Onde vai o amôr, vai o odio tambem...
Como elles se mordem !
Um fauno :
Mal tinham dito, ergueu-se um rijo pé de vento,
— É um horror, é um horror...
E Jupiter caiu como um raio entre os dois !
Outro fauno :
— Escandalo profundo...
Uma dryade :
— Si Jupiter souber, incendeia-se o mundo !
Outra dryade :
— Ah si Jupiter vem aqui neste momento...
[ 167 ] Outro passaro :
— Ah que bom de fugir! Que orgulho de ter asas!
Um passaro : Um corvo :
— Vae despontar a luz. — Eu sou a podridão e o vento que arrasa ;
Sou a fome e a nudez... O sol é a minha casa.
Outro passaro :
— Pois que desponte logo. O monte :
Tenho ancias de subir, tenho a cabeça em fogo. — Que solidão sem par, que solidão extrema,
Hoje vou conhecer, pela primeira vez, A solidão cruel e aspera de um monte ;
A voluptuosidade, a febre, a embriaguez Mas quando o sol me tóca, é como um diadema,
De voar, de voar, ó sonho, que me abrazas ! Aurifulgindo aqui por sobre a minha fronte...
O charco : Outra arvore :
— Agua esverdeada e suja e pantano sombrio, — E que perfume tem !
Mas quando o sol me doira esta miseria, eu rio.
Outra arvore :
A floresta : — E que canções vermelhas !
— Ó delirio brutal ! Quando me mordes tu
A carne toda em flôr, o seio todo nu, Outra arvore :
Com teus beijos de fogo, eu, como a flôr do nardo, — Nós somos como a flôr, elle como as abelhas !
Recendo de prazer, e de luxurias ardo...
A terra :
Uma arvore : — Quanto me queima o sol, com os seus desejos brutos !
— Quando elle bate aqui no meio da floresta :
Que sussurro, que ardor, que anceios e que festa ! A videira :
— Ó gloria de florir e rebentar em frutos !
Uma cigarra :
— Faz tamanho rumor e tamanha algazarra, A palmeira :
Que eu supponho que o sol é como uma cigarra... — Como gentil eu sou ! E o aroma que trescala,
Quando me lambe o sol e o zéfyro me embala !
O orvalho : Um passaro :
— Ao sol eu brilho mais que a perola d’Ormuz... — Ah que alado frescor tem o romper d’aurora!
O poeta :
— Ah que sombria dôr e que profunda magoa
De não poder ser eu aquella gota d’agua,
Que depois de fulgir, assim como uma estrella,
Derrete-se na luz, funde-se dentro della !
Outubro—910
INDICE
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