Caderno Poemas 9 Ano
Caderno Poemas 9 Ano
Caderno Poemas 9 Ano
CADERNO DE APOIO
1
Fernando Pessoa
[O aldeão]
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado –
Duas, de lado a lado –,
Jaz morto, e arrefece.
2
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
In Obra Poética
O Mostrengo
Mar Português
In Mensagem
4
Camilo Pessanha
In Clepsidra
5
Mário de Sá-Carneiro
Quasi
6
O recreio
Na minh’Alma há um balouço
Que está sempre a balouçar –
Balouço à beira dum poço,
Bem difícil de montar...
– E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar...
In Indícios de Oiro
Irene Lisboa
Escrever
7
Vejo, admiro, desejo?
Ou sim ou não.
E, como isto, continuando.
Monotonia
8
Monotonia! Gume frio, acerado, tenaz, eloquente.
Sino de poucos tons, impressionante.
Mas se te descobri não te vou renegar.
Tu ensinas-me, tu insinuas-me a arte da verdade,
a pobreza e a constância.
Monotonia, torna-me desinteressada.
Almada Negreiros
Luís, o poeta
salva a nado o poema
9
e a tormenta
vá d’estalar.
Mais do que a vida
há-de guardar
o barco a pique
Luís a nadar.
Fora da água
Um braço no ar
na mão o livro
há-de salvar.
Nada que nada
sempre a nadar
livro perdido
no alto mar.
– Mar ignorante
que queres roubar?
a minha vida
ou este cantar?
A vida é minha
ta posso dar
mas este livro
há-de ficar.
Estas palavras
hão-de durar
por minha vida
quero jurar.
Tira-me as forças
podes matar
a minha alma
sabe voar.
Sou português
de Portugal
depois de morto
não vou mudar.
Sou português
de Portugal
acaba a vida
e sigo igual.
Meu corpo é Terra
de Portugal
e morto é ilha
no alto mar.
Há portugueses
a navegar
10
por sobre as ondas
me hão-de achar.
A vida morta
aqui a boiar
mas não o livro
se há-de molhar.
Estas palavras
vão alegrar
a minha gente
de um só pensar.
À nossa terra
irão parar
lá toda a gente
há-de gostar.
Só uma coisa
vão olvidar:
o seu autor
aqui a nadar.
É fado nosso
é nacional
não há portugueses
há Portugal.
Saudades tenho
mil e sem par
saudade é vida
sem se lograr.
A minha vida
vai acabar
mas estes versos
hão-de gravar.
O livro é este
é este o cantar
assim se pensa
em Portugal.
Depois de pronto
faltava dar
a minha vida
para o salvar.
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José Gomes Ferreira
In Poeta Militante I
XXV
Aquela nuvem
parece um cavalo...
Ah! se eu pudesse montá-lo!
Aquela?
Mas já não é um cavalo,
é uma barca à vela.
12
tomar mil formas
com sabor a sal
– labirinto de sombras e de cisnes
no céu de água-sol-vento-luz concreto e irreal...
In Poeta Militante II
III
(Todas as manhãs, descia a Charca em direcção ao
Colégio Colégio Francês, dirigido pelo Sr. Silva
sempre com um sorriso de fraque cínico e a palmatória
na gaveta da secretária.)
O tempo parou
no caminho para a escola
– musgo de voo,
asas de gaiola.
Às vezes no passado a morte é assim.
Continua-se vivo.
XIX
13
Jorge de Sena
14
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha.
16
alguém está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
– mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui,
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam “amanhã”.
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é só nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.
In Poesia II
As pessoas sensíveis
17
Porque não tinham outra
Porque cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.
*
18
Porque
Camões e a tença
In Obra Poética
19
Carlos de Oliveira
In Terra da Harmonia
Ruy Belo
Os estivadores
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Outros rirão e outros sonharão
podem outros roubar-lhes a alegria
mas a um deles é que chamo irmão
na vida que em seus gestos principia
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Algumas proposições com crianças
In Obra Poética
Herberto Helder
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– E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
– não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
que te procuram.
In A Colher na Boca
Gastão Cruz
In A Doença
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cf. Romeo and Juliet, III. V. 1-36
A cotovia é
um rouxinol ainda
Os ouvidos não ouvem essa
ave que divide
e a luz que conduz a mântua não canta
24
Devo pois ver de novo como muda
como os sinais da voz a noite que perdura
tu deitas-te eu ensino à minha vida
esse extinto exercício
In Teoria da Fala
Nuno Júdice
Escola
25
Fragmentos
1
Aceita o transitório; nada do que
é definitivo, dura, te pode atingir
2
Algo de visível perpassa
nos limites do ser.
3
De noite, o vento partiu
um dos vidros das traseiras.
4
Só o ruído da noite sobrevive
à luz e ao furor matinais.
5
(Se aquelas nuvens, no horizonte,
chegassem até mim...)
6
O fragmento, porém, exprime
o estilhaçar da intensidade.
7
No último fragmento, fixa
o efémero e repousa.
O conceito de metáfora
com citações de Camões e Florbela
Contas
In Rimas e Contas
Romance Sonâmbulo
A Gloria Giner
e Fernando de los Ríos
27
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
No alto, a lua cigana.
As coisas a estão olhando
e ela não pode olhá-las.
28
Nem minha é já minha casa.
Deixai-me subir ao menos
até às altas varandas,
deixai-me subir!, deixai-me
até às verdes varandas.
Balaustradas da lua
por onde ressoa a água.
29
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramos.
O barco sempre no mar.
E o cavalo na montanha.
(trad. José Bento) In Obra Poética
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