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eBook Vivencias de Pessoas Com Deficiencia Intelectual No Contexto Educacional e Social

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Vivências de pessoas com
deficiência intelectual no contexto
educacional e social
2
Rosana Glat
Suzanli Estef
(Organizadoras)

Vivências de pessoas com


deficiência intelectual no contexto
social e educacional

3
Copyright © Autoras e autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos
autores.

Rosana Glat; Suzanli Estef [Orgs.]

Vivências de pessoas com deficiência intelectual no contexto educacional


e social. São Carlos: Pedro & João Editores, 2024. 150p. 16 x 23 cm.

ISBN: 978-65-265-1696-6 [Impresso]


978-65-265-1697-3 [Digital]

1. Deficiência intelectual. 2. Educação. 3. Sociedade. 4. Inclusão. I. Título.

CDD – 371

Capa: Marcos Della Porta


Ficha Catalográfica: Hélio Márcio Pajeú – CRB - 8-8828
Revisão: Zaira Mahmud
Diagramação: Diany Akiko Lee
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

Conselho Editorial da Pedro & João Editores:


Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil); Hélio
Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da
Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil);
Ana Cláudia Bortolozzi (UNESP/Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida
(UFES/Brasil); José Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Mello
(UFF/Brasil); Camila Caracelli Scherma (UFFS/Brasil); Luís Fernando Soares Zuin
(USP/Brasil); Ana Patrícia da Silva (UERJ/Brasil).

Pedro & João Editores


www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 – São Carlos – SP
2024

4
A nossa querida e eterna colega, mestra e amiga
Leila Nunes (in memoriam) pelos seus
ensinamentos, afetos e anos dedicados à
Educação Especial. Você sempre será para nós
uma fonte inspiradora.

5
Sumário

Prefácio 9
Márcia Denise Pletsch

Apresentação 13
Rosana Glat
Suzanli Estef

Autogestão e autodefensoria: promovendo o 21


desenvolvimento e o empoderamento de pessoas com
deficiência intelectual
Rosana Glat
Marcello Miranda Ferreira Spolidoro

Encontro de vozes silenciadas frente as práticas sociais 41


in/excludentes
Joab Grana Reis
Paula Naranjo da Costa

Vivência de inclusão escolar de alunos com deficiência 61


intelectual na educação básica: foco nas práticas
pedagógicas
Rosana Glat
Suzanli Estef
Katiuscia C. Vargas Antunes

Avaliação da aprendizagem escolar de alunos com 79


deficiência intelectual: concepções e percepções dos
sujeitos
Suzanli Estef
Rosana Glat

7
Formação docente para alfabetização e letramento: 97
possibilidades para vida independente da pessoa com
deficiência intelectual
Cristina Angélica de Aquino de Carvalho Mascaro

Inclusão na universidade de pessoas com deficiência 115


intelectual e/ou transtorno do espectro autista a partir de
um projeto de extensão
Annie Gomes Redig

Interseccionalidade como ferramenta de análise para 131


entender as condições de permanência dos estudantes
com deficiência no ensino superior
Flávia Barbosa S. Dutra
Katiuscia Vargas Antunes

As autoras e os autores 147

8
Prefácio

A ciência que não contribuir para resolver os


problemas da vida, há de servir para muito pouco.
Regina Leite Garcia (2003, p. 10)

Nos últimos anos temos acompanhado crescentes e intensas


transformações sociais, econômicas, tecnológicas, culturais e
educacionais. Para entendê-las, os sistemas educacionais têm sido
provocados a realizar práticas inovadoras centradas na inclusão da
diversidade. Nessa direção temos a satisfação de apresentar o livro
Vivências de pessoas com deficiência intelectual no contexto educacional e
social, organizado pelas queridas amigas e colegas, professoras
Rosana Glat e Suzanli Estef, do Grupo de Pesquisa Inclusão e
aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais: práticas
pedagógicas, cultura escolar e aspectos psicossociais, vinculado ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ), que vem há duas décadas
realizando pesquisas sobre inclusão educacional, profissional e
social de pessoas com deficiências.
Para mim é uma honra fazer este prefácio, considerando
minha relação de amizade com as organizadoras, sobretudo, a
minha querida orientadora de mestrado e doutorado, a Profa.
Rosana Glat, com quem aprendi não só a pesquisar, mas a
compreender as nuances que é trabalhar numa universidade
pública. Nesse sentido, é uma grande responsabilidade escrever
este prefácio, não apenas pela obra apresentada, mas também pela
importância da Rosana em minha trajetória profissional e pessoal,
e sua longa contribuição para a produção do conhecimento na área
de Educação Especial brasileira e na formação de recursos
humanos. Rosana Glat é uma pioneira da Educação Especial
brasileira e esteve presente em momentos importantes para a área,
como, por exemplo, em 1993, no III Seminário de Educação

9
Especial, no Rio de Janeiro, quando se criou a Associação Brasileira
de Pesquisadores de Educação Especial (ABPEE).
Nesta obra, os diversos capítulos apresentam perspectivas e
discussões sobre os aspectos psicossociais que envolvem a
educação de pessoas com deficiência, em particular com deficiência
intelectual, aspecto pouco discutido nas pesquisas
contemporâneas.
Entre os diferentes temas abordados, as autoras discutem
dados importantes sobre a inclusão educacional na Educação
Básica e na educação superior, dialogando com temáticas como a
interseccionalidade, a formação de professores, a participação da
pessoa com deficiência, suas experiências sociais e trajetória
educacional. A partir das falas dos sujeitos evidenciam e
problematizam as barreiras atitudinais que essas pessoas
continuam enfrentando no seu cotidiano, em que pesem os avanços
nas políticas de educação inclusiva. A este respeito, um dos temas
apresentados é o da autogestão e autodefensoria, que favorece a
participação, o desenvolvimento e o empoderamento de pessoas
com deficiência intelectual.
Outro tema presente nas discussões se refere à formação de
professores, que continua sendo um tópico central nas pesquisas
em Educação Especial na perspectiva da inclusão na Educação
Básica e, mais recentemente, também na Educação Superior,
sobretudo com a adoção da reserva de vagas para pessoas com
deficiências, viabilizada pelas mudanças na Lei nº 13.409, de 28 de
dezembro de 2016, que alterou a Lei n°. 12.711, de 29 de agosto de
2012, e dispõe sobre a reserva de vagas para pessoas com
deficiência nos cursos técnicos de nível médio e superior das
instituições federais de ensino.
Certamente, esta obra contribuirá para as reflexões que
envolvem a formação de professores e as demandas colocadas pela
inclusão educacional, que exige mudanças não apenas de ordem
pedagógica, mas da própria cultura educacional. Os desafios
postos são imensos. Como, por exemplo, pensar a acessibilidade
curricular, a compreensão da deficiência considerando a sua

10
relação com as barreiras sociais e educacionais, o sistema e níveis
de apoios/suportes demandados por estes estudantes, entre tantas
outras dimensões.
Algumas dessas questões são abordadas nos capítulos deste
livro, indicando caminhos, possibilidades e desafios a serem
enfrentados pela pesquisa e pelas políticas públicas no que diz
respeito à garantia educacional de pessoas com deficiência. No
entanto, o aspecto central desta obra, para mim, é, justamente, o
caminho metodológico adotado pelo grupo de pesquisa para a
produção dos dados aqui apresentados.
As autoras privilegiam a escuta, a experiência e o
protagonismo das pessoas a quem as políticas de educação
inclusiva se direcionam. Esse tipo de metodologia, como as
próprias organizadoras do livro afirmam na apresentação, é
“profícua para a Educação Especial e outras áreas que lidam com
grupos historicamente excluídos”. Essa perspectiva de análise
integra os princípios da ciência cidadã transformadora com a qual
temos trabalhado em nossas pesquisas, que entre outros aspectos,
prioriza metodologias de investigação científica que envolvam a
participação e o engajamento de pessoas com deficiência (Pletsch et
al., 2024).
Nessa direção, os leitores têm em suas mãos um rico trabalho
de investigação coletiva, que certamente iluminará aspectos da
realidade dinâmica e contraditória em que vivemos, bem como
suscitará questões necessárias para que novas pesquisas e
conhecimentos sejam produzidos na Educação Especial, em
particular para pessoas com deficiência intelectual e com autismo.

Nova Iguaçu, dezembro de 2024.

Márcia Denise Pletsch


Professora Associada do Instituto Multidisciplinar e do Programa
de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e
Demandas Populares (PPGEduc – UFRRJ)

11
Referências

Garcia, R. L. Método: pesquisa com o cotidiano. Rio de Janeiro:


DP&A, 2003.
Pletsch, M. D.; Oliveira, M. C. P. de Souza, I. M. da S. de , &
Cordeiro, K. M. . (2024). Ciência em Educação Especial: pesquisa
cidadã transformadora, acessibilidade e desenvolvimento
humano. Revista Saber Incluir, 2(1). Doi: https://doi.org/10.24065/
rsi.v2i1.2588

12
Apresentação

Mudanças efetivas podem marcar o ensino e


aprendizagem, bem como as relações entre os sujeitos,
as práticas acadêmicas e a interação entre universidade
e sociedade, se bem articuladas estas três instâncias –
extensão, ensino e pesquisa – do fazer acadêmico.
Colette (2021, p. 39)

O grupo de pesquisa Inclusão e aprendizagem de alunos com


necessidades educacionais especiais: práticas pedagógicas, cultura escolar
e aspectos psicossociais1, vinculado ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro –
ProPEd-UERJ, vem há duas décadas desenvolvendo investigações,
analisando as condições e alternativas de inclusão escolar,
profissional e social de pessoas com deficiências.
Nossos primeiros estudos tiveram como foco a implantação
das políticas de Educação Inclusiva em diversas redes de ensino e
as práticas pedagógicas dirigidas a este alunado no cotidiano
escolar (Antunes; Marin; Braun, 2011; Campos; Glat, 2016; Glat;
Pletsch, 2012; Glat; Pletsch; Fontes, 2009; Pletsch; Glat, 2012; entre
outros). Atenção menor foi dada aos aspectos psicossociais, embora
esta categoria tenha emergido em nossas pesquisas como dado
complementar, a partir das múltiplas interações observadas.
Entendendo que políticas e práticas de inclusão são
operacionalizadas e direcionadas a pessoas reais em suas inter-
relações nos diferentes espaços sociais, e que os sujeitos que as
vivenciam são as mais importantes fontes de dados, reconhecemos
a relevância que a análise de tais fatores adquire no planejamento,
implementação e avaliação de programas dirigidos a este público
(Glat, 2024). Com essa perspectiva, iniciamos, em 2016, uma nova

1 www.eduinclusivapesq-uerj.pro.br

13
vertente investigativa com objetivo de privilegiar a escuta dos
indivíduos a quem as referidas políticas públicas visam beneficiar.
Essa proposta metodológica é especialmente profícua para a
Educação Especial e outras áreas que lidam com grupos
historicamente excluídos, pois permite ao pesquisador falar com eles
e não só sobre eles (Glat; Antunes, 2020). Neste sentido, coadunamos
com um dos princípios fundamentais das políticas de inclusão
fomentando a participação, protagonismo e valorização da visão e das
experiências de vida das próprias pessoas com deficiência.

Pois, ao dar voz aos sujeitos, deixando que estes falem abertamente
sobre suas vidas, o pesquisador estabelece com eles uma relação de
horizontalidade e cumplicidade, rompendo com a visão tradicional de
que ele é o detentor do saber e produz, sozinho, o conhecimento sobre
as vivências de determinado grupo social, que passivamente colabora
(“se sujeita”) com o estudo. No nosso entendimento, a grande
contribuição dessa abordagem metodológica é que permite que grupos
historicamente silenciados e marginalizados conquistem um espaço
para escuta de sua fala e, mais do que isso, reafirmem sua condição de
protagonistas de suas próprias histórias (Glat; Antunes, 2020, p. 53).

Entre os grupos de pessoas com deficiências, destacam-se as


que apresentam deficiência intelectual2, as quais manifestam
grande fragilidade social e acadêmica, na medida em que sua
condição afeta justamente o processo ensino aprendizagem e as
relações sociais, de modo geral.
Trabalhando nesta perspectiva, realizamos a pesquisa Falando
de si: estudos sobre autopercepção e histórias de vida de pessoas com

2 No contexto desta discussão, estamos considerando não apenas as pessoas que


têm a deficiência intelectual como condição primária, quanto aquelas que
apresentam essa característica associada a outras condições, como, por exemplo,
grande parte das pessoas com deficiências múltiplas ou Transtorno do Espectro
Autista.

14
deficiência intelectual3 (Glat, 2020; Glat; Estef, 2021; Redig; Mascaro;
Glat; 2020; Reis; Araújo; Glat, 2019) a qual teve como objetivo
analisar os impactos das políticas de inclusão na autopercepção e
vida cotidiana de pessoas com deficiência intelectual, a partir de
seus relatos pessoais. Os resultados dessa investigação mostraram,
entre outros aspectos, as grandes dificuldades e barreiras –
acadêmicas e sociais – que a maioria dos sujeitos enfrentaram no
ensino comum, levando a sentimentos de fracasso, baixa
autoestima, resultando, inclusive, em alguns casos, a retorno ao
ensino especial ou abandono escolar.
Esses são dados relevantes, pois, com a expansão das políticas
de Educação Inclusiva em nosso país, as matrículas de alunos com
deficiência intelectual no ensino comum apresentaram expressivo
aumento nas últimas décadas. De acordo com o Inep, em 2021, de
um total de 1.575.955 estudantes considerados público-alvo da
Educação Especial por tipo de deficiência, transtorno global do
desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, 872.917
apresentavam deficiência intelectual, correspondendo a
aproximadamente 55% do conjunto (Bassani; Duarte; Arrebola;
Ronchi Filho; Pereira, 2024).
Com intuito de aprofundar esses dados foi iniciada uma
segunda investigação, ainda em andamento, Vivências de inclusão
escolar de alunos com deficiência intelectual na Educação Básica, (Glat,
2024)4 com foco nos relatos de estudantes com deficiência
intelectual sobre suas percepções e experiências em seu percurso
no ensino comum.
Vale ressaltar que embora já encontremos diversos trabalhos
privilegiando a visão de pessoas com deficiência sobre o processo
de inclusão escolar e social (Antunes, 2012; Castanheira, 2014;

3 Pesquisa apoiada pelo CNPq (Produtividade em Pesquisa ID, bolsa de Iniciação


Científica), FAPERJ (Cientista do Nosso Estado, bolsa de Iniciação Científica),
UERJ (bolsa Prociência).
4 Pesquisa apoiada pelo CNPq (Produtividade em Pesquisa ID, bolsa de Iniciação

Científica), FAPERJ (Cientista do Nosso Estado, bolsa de Iniciação Científica),


UERJ (bolsa Prociência).

15
Chicon; Sá, 2013; Glat, 2009; Glat; Estef, 2021; Lupetina, 2020;
Oliveira; Campos, 2016; Queiroz, 2022; Reis, Glat, 2022; Spolidoro,
2024; entre outros), estes ainda são relativamente minoritários, em
termos do conjunto da produção científica nacional. Entendemos
que tal conhecimento é imprescindível para o desenvolvimento de
programas que contribuam para que esses indivíduos possam
usufruir de uma melhor qualidade de vida, estabelecendo relações
pessoais mais equânimes e participando com maior autonomia nos
diferentes espaços sociais (Glat, 2024).
Partindo dessas considerações, o presente livro reúne textos de
integrantes do nosso grupo de pesquisa abordando e analisando
diferentes aspectos do processo de inclusão educacional e social de
pessoas com deficiência intelectual. Embora as reflexões e
discussões aqui travadas tenham como base estudos desenvolvidos
por meio de diferentes enfoques metodológicos, todos convergem
na perspectiva de priorizar a visão e vivências, diretamente
relatadas, pelos próprios sujeitos.
Em que pese a contribuição científica dos trabalhos aqui
veiculados para o desenvolvimento do campo da Educação
Especial e Inclusiva, nosso intuito com a presente obra não foi
apenas de natureza acadêmica. Partindo da premissa estabelecida
na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006)
“nada sobre nós sem nós”, acreditamos que o feedback dos
participantes das diferentes pesquisas possa se transformar em um
instrumento fulcral para a reconfiguração de práticas em
consonância com os princípios de acessibilidade e inclusão social.
Indo mais além, ao basearmos o direcionamento da produção
científica e dos produtos dela resultantes no sentido de priorizar “a
versão dos indivíduos pertencentes ao grupo estigmatizado, em
vez dos [...] que rotulam” (Glat, 2009, p. 26), contribuímos para a
transformação e superação das barreiras atitudinais capacitistas5

5Capacitismo é um termo que vem sendo utilizado para se referir à discriminação


das pessoas com deficiência, com base na representação social de um padrão de

16
que ainda permeiam a representação social e as interações com
pessoas com deficiência intelectual.

Rosana Glat
Suzanli Estef

Referências

ANTUNES, K. C. V. História de Vida de alunos com deficiência


intelectual: percurso escolar e a constituição do sujeito. 2012. Tese
(Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2012.
ANTUNES, K.; MARIN, M.; BRAUN, P. Repensando a Educação
Escolar: diretrizes políticas, práticas curriculares e deficiência
intelectual. Ciências Humanas e Sociais em Revista, v. 32, n. 1, p. 179-
189, 2011.
BASSANI, E.; DUARTE, E. F. S.; ARREBOLA, J.; RONCHI FILHO,
J; PEREIRA, S. C. L. O perfil de estudantes com laudo médico em
uma Escola Estadual de Ensino Médio: transformando
preconceitos em patologias. Educação, v. 49, n. 1, p. 1-24, 2024.
CAMPOS, K. P. B.; GLAT, R. Procedimentos favoráveis ao
desenvolvimento de uma criança com Síndrome de Down numa
classe comum. Revista Educação Especial, v. 29, n. 54, p. 26–40, 2016.
CASTANHEIRA, A. de O. Deixa que eu falo: a inclusão sob a ótica do
estudante com deficiência intelectual. 2014. Dissertação (Mestrado em
Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

corpo ideal “normal” e na subestimação das capacidades e potencialidades das


pessoas que apresentam algum tipo de deficiência (Melo, 2014).

17
CHICON, J. F.; SÁ, M. das G. C. S. de. A autopercepção de alunos
com deficiência intelectual em diferentes espaços-tempos da escola.
Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 35, n. 2, p. 373-388, 2013.
COLETTE, M.M. Pesquisa-ação participativa e compromisso
social da Universidade. Curitiba: CRV, 2021.
GLAT, R. “Somos iguais a vocês”: depoimentos de mulheres com
deficiência mental. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2ª edição revisada, 2009.
GLAT, R. Falando de si: estudos sobre auto-percepção e histórias de
vida de pessoas com deficiência intelectual. Relatório técnico –
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), 2020.
GLAT, R. Vivências de inclusão escolar de alunos com deficiência
intelectual na Educação Básica. Relatório técnico – bolsa de
produtividade em pesquisa 1 D, Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), 2024.
GLAT, R.; ANTUNES, K. V. A metodologia de História de Vida na
pesquisa em Educação Especial: a escuta dos sujeitos. In: NUNES,
Leila Regina d´Oliveira de Paula (Org.) Novas trilhas no modo de fazer
pesquisa em Educação Especial. Marília: ABPEE, p. 53-72, 2020.
GLAT, R.; ESTEF, S. Experiências e Vivências de Escolarização de
Alunos com Deficiência Intelectual. Revista Brasileira de Educação
Especial, v. 27, p. 157-170, 2021.
GLAT, R.; PLETSCH M. D. Inclusão escolar de alunos com
necessidades educacionais especiais. EdUERJ, 2012.
GLAT, R.; PLETSCH, M. D.; FONTES, R. de S. Panorama da
Educação Inclusiva no Município do Rio de Janeiro. Revista
Educação e Realidade, v. 34, p. 123-136, 2009.
LUPETINA, R. Histórias de vida de indivíduos com surdocegueira
adquirida. São Paulo: Editora Appris, 2020.
MELLO, A. G. Gênero, deficiência, cuidado e capacitismo: uma análise
antropológica de experiências, narrativas e observações sobre

18
violências contra mulheres com deficiência. 2014. Dissertação
(Mestrado em Antropologia Social) - Programa de Pós-graduação
em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2014.
OLIVEIRA, P. T. C.; CAMPOS, J. A. de P. P. O retrato da escola
segundo o olhar de jovens e adultos com deficiência intelectual
matriculados na EJA regular. Interfaces da Educação, v. 7, n. 19, p.
146-165, 2016.
ONU - Organização das Nações Unidas. Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência. Doc. A/61/611, Nova York, 2006.
PLETSCH, M. D.; GLAT, R. A escolarização de alunos com
deficiência intelectual: uma análise da aplicação do plano de
desenvolvimento educacional individualizado. Linhas Críticas, v.
18, n. 35, p. 193-209, 2012.
QUEIROZ, A. R. S. Inclusão social através do esporte: vivências de
adultos com deficiência física adquirida. 2022. Tese (Doutorado
em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.
REDIG, A. G.; MASCARO, C. A. A. C.; GLAT, R. A vida pós
escola para a pessoa com deficiência intelectual: uma análise a
partir de seus relatos. Revista Ibero-Americana de Estudos em
Educação, v. 15, n. 4, p. 1824-1835, 2020.
REIS, J. G.; ARAÚJO, S. M.; GLAT, R. Autopercepção de pessoas
com deficiência intelectual sobre deficiência, estigma e
preconceito. Revista Educação Especial, v. 32, p. 1-16, 2019.
REIS, J. G.; GLAT, R. Inclusão no ensino superior: narrativas de
estudantes com deficiência no contexto amazônico. Revista Espaço
Pedagógico, v. 29, p. 85-109, 2022.
SPOLIDORO, M. M. F. O ensino de ciências pela percepção de pessoas
com deficiência intelectual. 2024. Tese (Doutorado em Educação) -

19
Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2024.

20
Autogestão e autodefensoria:
promovendo o desenvolvimento e o empoderamento
de pessoas com deficiência intelectual

Rosana Glat
Marcello Miranda Ferreira Spolidoro

[...] Precisamos mostrar pra sociedade que somos capazes e


temos direitos que devem ser respeitados. Apesar de nossa
deficiência, somos todos iguais. Temos nossas limitações, mas
também somos inteligentes e precisamos de oportunidades.
Nós sabemos o que queremos e o que precisamos, e não
precisamos que outra pessoa fale por nós [...].
Cristo (2021, p. 30)

Introdução

A inclusão social e educacional de pessoas com deficiências é


atualmente em nosso país eixo prioritário de políticas públicas,
ações afirmativas, projetos político-pedagógicos e programas de
atendimento, sustentados por um cabedal de estudos e pesquisas
sobre a temática. Entretanto, quando nos voltamos para a
perspectiva dos próprios sujeitos alvo dessas ações (Antunes, 2012;
Carlou, 2019; Faria, 2014; Glat, 2009; Oliveira; Campos, 2016; Reis;
Glat, 2022; Soares, 2010; Spolidoro, 2024; entre outros), verificamos
que sua trajetória existencial ainda é fortemente marcada por
experiências de preconceito, exclusão e dependência, devido às
inúmeras barreiras que os impedem de levar uma vida compatível
com a de outros da mesma faixa etária e/ou grupo social.
Este cenário de descrédito e invisibilidade é, sobretudo,
marcante em pessoas com deficiência intelectual, na medida em
que a inteligência ou capacidade cognitiva é um dos atributos mais
valorizados na cultura contemporânea. Devido ao estereótipo de

21
que não são capazes de pensar e agir por iniciativa própria, essas
pessoas são socializadas de forma infantilizada, protegida e, na
maioria dos casos, subestimadas em seu potencial e habilidades
pela família e pelos profissionais que os atendem (Arten, 2018; Glat,
2009; 2018; 2021). Consequentemente, acabam não tendo
oportunidades de vivenciar experiências sociais de desafio que
contribuam com o seu amadurecimento.
Entretanto, o comportamento e o desempenho cognitivo e social
de um indivíduo – tenha ele ou não uma deficiência – não é
determinado apenas por suas características intrínsecas, mas, em
grande parte, pelo contexto em que está inserido, pelas
oportunidades que lhes são oferecidas, e, principalmente, pela forma
como os demais membros do seu círculo social se relacionam com
ele. Consequentemente, independente do grau do seu
comprometimento, pessoas com deficiência intelectual
frequentemente apresentam uma imaturidade ou menor
desenvolvimento em relação à sua idade cronológica, em grande
parte por assumirem o papel estigmatizado que lhes é socialmente
atribuído (Glat, 2006, 2009; Magnabosco; Souza, 2018; Omote, 2004).
Esta realidade impacta as diferentes esferas da vida, inclusive
o campo educacional. De fato, um aspecto apontado em inúmeros
estudos como uma das maiores barreiras para a inclusão de
estudantes com deficiência intelectual no ensino comum é a baixa
expectativa dos professores em relação às suas possibilidades de
aprendizagem (Nunes; Saia; Tavares, 2015; Pletsch; Glat, 2012;
Schambeck, 2020). Esse estereótipo, ainda prevalecente nas escolas
e na sociedade em geral, é oriundo do modelo médico que concebia
a deficiência intelectual como uma doença crônica, resultando em
características fixas que levavam o sujeito a um suposto (baixo)
patamar máximo de desenvolvimento e aprendizagem, que
poderia ser prognosticado a partir de testes psicométricos ou outras
medidas padronizadas de avaliação.
Mas esta conceituação ou representação da pessoa com
deficiência intelectual como incapaz de aprendizagens complexas,
embora persista no imaginário social, hoje é amplamente

22
contestada, tanto científica como politicamente. Embora sem negar
as condições orgânico-etiológicas que geram, em primeira
instância, uma deficiência e suas consequentes limitações,
atualmente entendemos o conceito de deficiência como uma
construção social, sendo ressignificado de acordo com o contexto
político, econômico e cultural.
Nesta perspectiva, a deficiência não é mais vista como um
problema insolúvel, uma doença crônica, ou uma característica
incapacitante fixa que limitará a vida do sujeito para sempre. A
condição de deficiência surge da interação da pessoa com o ambiente
social. Logo, pode-se dizer que uma pessoa só é “socialmente
deficiente” se assim for tratada pelos demais (Cardoso; Naves Neto,
2022; França, 2013; Glat, 2006, 2009, 2018; Omote, 1994). Em outras
palavras, o principal fator de exclusão não é propriamente o déficit
da pessoa, mas sim a inacessibilidade dos ambientes e a ausência dos
apoios necessários para que ela possa usufrir dos mesmos espaços e
oportunidades oferecidas aos demais.
Esta forma de conceber a deficiência, reiterada na Convenção
sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006), está ancorada
no chamado modelo social. Sem ignorar as características orgânicas
do indivíduo, a condição de deficiência é considerada como o
produto da relação do déficit ou dos atributos físicos da pessoa com
as barreiras do meio ambiente (Diniz, 2003; Piccolo, 2022; Santos,
2016). Entendendo por barreiras as ações, produtos, e, sobretudo,
atitudes que limitam ou tornam impossível a participação de todos
em igualdade de condições (Brasil, 2015).
Segundo esta visão, a inclusão é, portanto, o resultado de um
conjunto de ações que a sociedade deve empreender para reduzir ou
remover as barreiras (físicas, de comunicação, de informação e,
principalmente, atitudinais), tornando as pessoas com deficiência
visíveis como sujeitos de direitos, em todas as esferas da vida social.
Sobre este ponto, cabe uma observação. Geralmente quando
nos referimos às barreiras de comunicação e informação,
costumamos pensar nas pessoas com deficiências sensoriais –
visual e auditiva (surdos). Entretanto, esses aspectos também

23
representam barreiras significativas para pessoas com deficiência
intelectual, sobretudo aquelas com maior comprometimento
cognitivo e/ou que ainda não estão alfabetizadas. Frequentemente
elas necessitam de suporte, seja para leitura ou para interagir em
situações sociais, a fim de entenderem, efetivamente, o que está
sendo dito ou acontecendo.
Para reverter esse quadro e criar condições que lhes
possibilitem efetivamente sua inclusão social e educacional, faz-se
necessário iniciativas que promovam seu desenvolvimento
psicossocial e empoderamento. Entendemos por empoderamento
o processo consciente de aumento da autoestima e construção de
autonomia, no qual o indivíduo assume, gradativamente, maior
poder de decisão e ação sobre sua própria vida.
Historicamente, pessoas com deficiência intelectual têm sido
desprezadas, silenciadas, e excluídas socialmente. Entre outros
aspectos, não são habituadas a expressarem suas ideias, seus
desejos, muito menos a opinar e tomar decisões sobre suas vidas,
mesmo as mais cotidianas. Quando lhes é aberto algum espaço de
participação social, elas são, na maior parte das vezes, tuteladas por
familiares ou profissionais – que atuam como seus porta-vozes ou
intermediários em sua relação com o mundo – reforçando ainda
mais o padrão de dependência. Foi justamente, visando romper
com esse cenário que surgiu o movimento de autogestão e
autodefensoria.

Movimento de autogestão e autodefensoria – histórico e


princípios básicos

Pode-se definir autogestão e autodefensoria como o processo


de desenvolvimento da autonomia e participação social de pessoas
com deficiência intelectual, engajando-se diretamente na luta pela
defesa de seus direitos, tomando suas próprias decisões a respeito
de suas vidas, reivindicando voz e espaço para expressar seus
sentimentos, expectativas e necessidades (Dantas, 2014, 2018; Glat,
2004). Constitui-se como uma filosofia e um movimento político,

24
construído a partir de um programa de suporte psicossocial e
educacional (Bernardi; Glat; Pilger; Neto, 2015; Glat, 2018, 2021;
Glat; Pimenta; Teixeira; Diniz, 2023).
Ancorada no modelo social, a autodefensoria parte do
princípio, já discutido, que o potencial de desenvolvimento de um
indivíduo com deficiência não representa uma característica ou
condição intrínseca fixa, determinada por seu diagnóstico clínico.
Ao contrário, independentemente da idade ou do grau de
comprometimento, as suas possibilidades se ampliam na medida
em que lhe são proporcionadas suportes e condições adequadas de
aprendizagem, formal e informal, que lhes possibilitarão sair do
estado de impotência existencial e para um estado de maior
empoderamento (Beresford, 2013; Glat, 2018).
Nas palavras de Olshanksy (1972, p. 51), “muito do que se é
depende da qualidade e frequência de oportunidades”. Logo,
através dos programas de autogestão e autodefensoria, pessoas
com deficiência intelectual são instrumentalizadas para melhor
lidar com as situações cotidianas, ampliando suas possibilidades
existenciais, nas diferentes etapas e esferas da vida.
Autogestão e autodefensoria representam duas vertentes
integradas e interdependentes do processo de empoderamento de
pessoas com deficiência, e ambos os aspectos precisam ser
trabalhados, continuamente, para que possam romper com as
barreiras internas e externas que restringem seu amadurecimento
e atuação no mundo. Autogestão está relacionada à dimensão da
ação privada, da vida cotidiana; autodefensoria, por sua vez, se
refere à esfera da ação pública, do papel político-social que o
indivíduo venha a assumir (Dantas, 2014, 2018; Glat, 2018, 2021;
Glat et al., 2023)
Mais do que um protocolo de ações e procedimentos,
autogestão é uma perspectiva, uma diretriz para a orientação nas
atividades de vida diária (cuidados pessoais, alimentação,
locomoção), na escolarização e/ou inserção no mundo do trabalho,
nos relacionamentos, no lazer, etc. Seja em programas
estruturados, seja no convívio familiar cotidiano, o importante é

25
propiciar-lhes condições e instrumentalizá-las para que alcancem o
maior grau de independência possível para gerenciar, na medida
de suas possiblidades, sua própria vida, tornando factível sua
inclusão social.
Justamente por se tratar de uma aprendizagem ao longo da
vida – da infância à idade adulta –visando romper com o processo
de socialização estereotipada, o envolvimento da família é
imprescindível. Orientação familiar sistemática é um componente
obrigatório de um programa, formal ou informal, de autogestão.
Pelo fato de pessoas com deficiência terem um histórico de
silenciamento e exclusão social, um componente fundamental para
seu empoderamento é a autodefensoria. Independente do formato,
os programas de autodefensoria visam incentivar os participantes
a falarem e a agirem por si mesmos, decidindo o que é melhor para
eles e assumindo a iniciativa de alcançar seus objetivos. Como em
outros grupos de autoajuda, através de encontros, atividades
temáticas e troca de experiências com seus pares, eles adquirem a
habilidade de expressar seus pensamentos de forma assertiva,
fazendo escolhas, tomando consciência dos seus pontos fortes e
fracos, aprendendo quando e como pedir ajuda, e que tipo de ajuda
necessitam em cada situação (Glat, 2021; Neves, 2005).
Mas, para além da dimensão individual, de crescimento
pessoal, a autodefensoria, como lembra Dantas (2014), apresenta
uma dimensão coletiva, política. Pois nesse processo, ao se
tornarem mais empoderadas, pessoas com deficiências começam a
conhecer os seus direitos e formam um movimento, uma rede de
apoio mútuo, que luta em prol do respeito e das reinvindicações do
seu grupo (Glat et al., 2023). No contexto das atividades e fóruns de
autodefensores, alguns participantes se destacam por sua
capacidade de liderança e assumem a representatividade de seu
coletivo em diversos espaços, no âmbito de suas instituições e da
sociedade civil.
A autodefensoria, como movimento organizado de pessoas
com deficiência intelectual e múltipla, surgiu na Escandinávia no
final da década de 1960 e nos primeiros anos da década 1970, no

26
bojo do movimento de desinstitucionalização e integração social1.
Apesar das dificuldades e descrédito, em pouco tempo, espalhou-
se pela Grã-Bretanha, Canadá, Estados Unidos e gradativamente
para várias partes do mundo, possibilitando, o “início de uma
grande alteração na forma de ver e entender as pessoas com
deficiência intelectual” (Bernardi et al., 2015, p. 17).
No Brasil, o primeiro passo para a organização desse
movimento foi dado em 1986 durante o 9º Congresso Mundial da
Liga Internacional das Associações para Deficiência Mental
(ILSMH) – hoje denominada Inclusão Internacional –, realizado no
Rio de Janeiro, sob os auspícios da Federação Nacional das APAEs2.
Um dos eventos mais importantes desse congresso foi o chamado
“Congresso Paralelo”, do qual participaram mais de 150 pessoas
com deficiência intelectual, representando 15 países e falando mais
de seis idiomas diferentes. Este evento representou uma mudança
radical de paradigma, na medida em que, pela primeira vez em
nosso país, pessoas com deficiência intelectual tiveram espaço
público para falar por e sobre si mesmas, expressar as questões que
as afligiam e que estratégias utilizavam para lidar com suas
dificuldades (Glat, 2009, 2018).
Desde então, essa proposta foi aos poucos se difundindo no
âmbito das APAEs. Seguindo esse modelo, foram realizados série de
encontros de discussão locais e estaduais que culminaram em 2001,

1 Em grande parte dos países da Europa e América do Norte até meados da década
de 1970 pessoas com deficiência intelectual eram internadas em instituições totais,
semelhantes a hospitais psiquiátricos.
2 A Federação Nacional das Apaes, ou Apae Brasil, é a maior rede de defesa e

garantia de direitos das pessoas com deficiência intelectual e deficiência múltipla


da América Latina, atualmente o movimento apaiano congrega mais de duas mil
e duzentas Apaes, distribuídas em todo o território brasileiro, propiciando atenção
integral a mais de 1,6 milhão de pessoas com deficiência intelectual e múltipla.
Nas APAEs, por exemplo, o Programa de Autogestão e Autodefensoria garante,
regimentalmente, espaço institucional para participação dos autodefensores na
estrutura da organização, e os representantes eleitos por seus pares, entre outras
ações, integram as diretorias a nível local, estadual e nacional (Federação Nacional
das APAEs, 2019).

27
durante o 20º Congresso da Federação Nacional das APAEs em
Fortaleza, Ceará, no 1º Fórum Nacional de Autodefensores. Nas
décadas que se seguiram, vêm acontecendo regularmente fóruns
locais, estaduais e nacionais (Bernardi et al., 2015; Glat et al., 2023).
Outras organizações e associações de pessoas com deficiência
desenvolvem programas semelhantes, de forma mais ou menos
estruturada.
Buscando contribuir com o processo de inclusão, o movimento
de autodefensoria, se norteia por alguns princípios ou diretrizes
básicas, a saber: eliminação de rótulos e afirmação da identidade
pessoal, desenvolvimento de autonomia e participação social, e luta
em defesa de seus direitos (Bernardi et al., 2015; Glat, 2004, 2018, 2021;
Glat et al., 2023), os quais serão brevemente discutidos a seguir.
Eliminação de rótulos e afirmação da identidade pessoal - Quando
nos referimos às pessoas com deficiência – a pessoa deve ser
considerada em primeiro lugar, não a deficiência. Justamente por
isso, quando foi criado na América do Norte, em meados da década
de 1970, o movimento de autodefensores foi intitulado de “People
First” (Pessoas Primeiro). Devido à representação social da
deficiência como incapacidade, é muito comum que todas suas
ações ou características pessoais sejam interpretadas ou explicadas
em função dos atributos estereotipados do estigma (Glat, 2006,
2009; Goffman, 2008; Omote, 1994). Em outras palavras, todas as
potencialidades, aptidões e características pessoais do indivíduo
são subestimadas: “não aprende porque tem uma deficiência
intelectual”, “não adianta explicar porque ela não vai entender
mesmo”. Ou seja, ela deixa de ser uma pessoa, “a Lucia”, e passa a
ser apenas um exemplo do rótulo: “aquela garota deficiente”.
O movimento de autodefensoria, portanto, reivindica que as
pessoas com deficiência intelectual sejam tratadas com dignidade e
consideração, sem que a sua condição seja um “cartão de visita”
que de imediato as identifique e segregue, ou um fator limitador, a
priori das oportunidades, que lhe serão oferecidas. Assim, um dos
seus objetivos principais é apoiar as pessoas com deficiência
intelectual afirmarem a sua identidade pessoal, a serem

28
reconhecidas e respeitadas como indivíduos únicos, como os
demais, apesar de suas limitações ou dificuldades.
Autonomia e Participação - contrapondo-se ao estereótipo de
incapacidade e rompendo com o padrão de superproteção familiar,
o desenvolvimento da autonomia nas atividades rotineiras, e
sobretudo na tomada de decisões, é, talvez, o aspecto mais
importante do movimento de autodefensoria. Em um artigo clássico,
denominado “A dignidade do risco”, Perske (1972) alerta que

A superproteção ameaça a dignidade humana, e faz com que essas


pessoas [com deficiência intelectual] sejam impedidas de
experimentar as situações de risco da vida cotidiana que são
necessárias para o crescimento e desenvolvimento [...] mutilá-la
ainda mais para uma vida saudável (Perske, 1972, p. 195 e 199,
tradução nossa).

Com maior autonomia, através de suas ações e do suporte de


seus pares e o apoio de profissionais e familiares (seja em
programas estruturados, seja no contato diário), pessoas com
deficiência intelectual aprendem que têm o direito de fazer
escolhas, de arriscar e arcar com os erros e consequências advindas
delas, como os demais. Paralelamente é incentivada sua
participação em diferentes atividades e espaços sociais.
A Defesa dos Direitos - A defesa dos direitos pela própria pessoa
com deficiência é a essência do movimento de autodefensoria,
como o próprio termo diz. Pessoas com deficiência são capazes e
devem ser estimuladas a falarem por si próprias e a serem os
defensores de seus direitos. Assim como outros grupos excluídos –
negros, mulheres, LGBT, indígenas, etc. – elas devem lutar para que
suas reivindicações sejam atendidas, sem a tutela de pais e
profissionais.
Pode-se considerar que o propósito maior de um programa de
autogestão e autodefensoria é preparar os sujeitos para ampliarem
suas possibilidades de inclusão, as quais, como discutido, são
influenciadas pela interação das limitações intrínsecas da pessoa

29
com as barreiras do meio ambiente. Além de outros possíveis
comprometimentos, pessoas com deficiência intelectual
apresentam, por um lado, dificuldades de compreensão e
comunicação, e por outro, uma defasagem em experiências sociais,
por conta da superproteção que marca sua convivência social. Para
ultrapassar essas barreiras, elas demandam o que denominamos de
acessibilidade cognitiva e comunicacional. Ou seja, necessitarão de
apoio3, mais ou menos intenso para frequentar e usufruir dos
diferentes espaços e situações de interação social. Este auxílio pode
ser gradualmente reduzido na medida em que a pessoa alcance
maior autonomia no seu cotidiano.
Esse suporte é dado por familiares, amigos ou profissionais,
que incentivam a sua independência e agem como facilitadores,
preparando-os antecipadamente para o exercício de suas funções e
atuações, ou mesmo para atividades de vida diária. Junto com o
autodefensor, identificam suas dificuldades e constroem as
melhores estratégias para superação das barreiras. O apoiador
também atua como um mediador, auxiliando o sujeito em situações
sociais inclusivas, sobretudo quando tem que exercer sua
representatividade em reuniões, fóruns ou outros espaços
similares, para entender o que está sendo dito e expor suas ideias.
É fundamental, porém, que o apoiador não tenha atitudes de
proteção que impeçam o protagonismo do autodefensor. Ao
contrário, o seu papel é lhe ajudar a evitar problemas e desenvolver
estratégias sociais bem sucedidas, sem que isso signifique uma
atitude de tutela ou de responsabilização pelas ações da pessoa a

3A 12ª edição do manual da Associação Americana de Deficiência Intelectual e do


Desenvolvimento (AADID) apresenta as seguintes caraterísticas para os sistemas
de apoio à pessoa com deficiência intelectual: (1) centrados no indivíduo,
abrangentes, coordenados e orientados para resultados; (2) construídos sobre
valores, condições facilitadoras e relações de suporte; (3) incorporar escolhas e
autonomia pessoal ambientes inclusivos, suportes genéricos e suportes
especializados; (4) integrar e alinhar objetivos pessoais, necessidades de apoio e
resultados valorizados (Schalock; Luckasson; Tassé, 2021, p. 3, tradução nossa).

30
quem está dando suporte (Glat et al., 2023), visto que errar ou
perder faz parte do processo de amadurecimento pessoal.
Em consonância com o movimento de defesa dos direitos das
pessoas com deficiência, cujo lema é Nada sobre nós, sem nós (ONU,
2006), apresentamos a seguir alguns depoimentos de
autodefensores, sobre sua experiência.

Principalmente a convivência com nossos colegas autodefensores aí


do grupo foi muito importante para nós. Como eu sou defici...
cadeirante, né? Pra mim teve uma importância muito grande porque
eu quase não saía de casa. Só saía realmente quando era necessário.
A gente conseguiu conquistar algumas coisas aqui para a Apae e
pros meninos. A gente conseguiu bebedouro pra eles, que a gente já
tá aqui, a gente já tá utilizando o bebedouro (Velos, 2022).

Eu conversava muito pouco. Vocês já sabem. Porque quando


começou, tinha dia que eu não falava nada. Agora, eu tô falando até
muito. A gente aprende as coisas, o que a gente quer e correr atrás,
né? do que a gente quer. E conhecer outras pessoas que têm
deficiência igual a gente (Oliveira, 2022).

Eu ficava com muita vontade de participar das coisas aqui do meu


município. Por exemplo: agora, aqui na minha cidade, foi criado o
Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência. E eu estou
participando (Silva, 2022).

Uma das mudanças que eu posso destacar é a minha timidez.


Porque, antes do coletivo, é que eu não conseguiria falar em público,
nem mesmo qual que era o papel do autodefensor. E com esse
coletivo agora no Fórum da minha Apae, e consegui falar para o
público qual era o meu papel dentro da Apae (Soares, 2022).

Ser autodefensor é me sentir muito importante em representar e lutar


pelos direitos da pessoa com deficiência. Me sinto extremamente
importante porque represento não só a mim mas a muitas pessoas
[...] Esse programa me ajudou a conhecer meus direitos [...] conhecer
novas pessoas [...] fiquei mais responsável e disciplinado com
minhas coisas (Pereira, 2021).

31
[...] Tenho como papel defender os direitos das pessoas com
deficiências, inclusive, meus amigos aqui, né? Também eu participo
das reuniões, eventos, festas, viagens. Isso demonstra inclusão,
respeito... Aqui, na unidade III, a gente aprende a ter
responsabilidade, aprende a trabalhar, a conviver, a respeitar [...]
(Oliveira, 2019).

Considerações finais

Embora o foco deste capítulo tenha sido autogestão e


autodefensoria de pessoas com deficiência intelectual, grande parte
das questões aqui colocadas se estendem a pessoas com outros
tipos de deficiência e demais grupos socialmente estigmatizados e
silenciados, os quais vêm lutando igualmente por maior
participação social e pela defesa de seus direitos.
É importante, também, ressaltar que pessoas com deficiência
intelectual não constituem um grupo homogêneo, com as mesmas
necessidades e demandas. Para além das características
individuais, a idade, o grau de comprometimento e o nível de
desenvolvimento atual de cada indivíduo são fatores a serem
levados em consideração na condução de um programa de
autogestão/autodefensoria, bem como na orientação familiar de
modo geral.
Alguns se desenvolverão na esfera da atuação política,
assumindo papel de representatividade na luta por seus direitos,
participando de conselhos, diretorias de suas associações ou
grêmios, prestando depoimentos em seminários e congressos. Em
sua vida cotidiana se tornarão independentes financeiramente,
progredirão em seus estudos, ingressarão no mercado de trabalho,
aprenderão a sair sozinhos, alcançarão alcançarão liberdade para
namorar, casar etc. Outros, podem adquirir maior desenvoltura
para falar e expressar seus desejos e opiniões com os membros de
sua família, escola, ou círculo íntimo de amizade, e, dessa forma,
serão capazes de decidir sobre suas próprias escolhas em relação a

32
qualquer aspecto da sua rotina: o que vestir, o que comer ou o como
passar suas horas de lazer, por exemplo.
Acreditamos que um dos maiores benefícios do movimento de
autogestão e autodefensoria seja a consciência que o sujeito adquire
sobre sua identidade pessoal, para além de sua condição de
deficiência: seus interesses, preferências, aptidões e dificuldades.
“Considerando a interação entre a dimensão da autogestão e da
autodefensoria no processo de empoderamento, esse é o primeiro
passo para ressignificar sua identidade como sujeitos singulares e
romper com a passividade imposta pela condição de deficiência”
(Glat, 2021, p. 21).
Com uma perspectiva de direitos humanos e a consciência de
que o potencial criativo de um indivíduo se amplia na medida em
que lhe são dadas condições e contextos favoráveis ao
desenvolvimento pessoal, é preciso romper com a tendência
histórica de desvalorização e superproteção das pessoas com
deficiência intelectual. A atuação junto a este segmento precisa ter
como objetivo primordial a criação de estratégias psicossociais e
pedagógicas que incentivem sua autonomia e desenvolvimento em
todas as etapas e esferas da vida, elementos sem os quais qualquer
política de inclusão não será, de fato, implementada.
Para tal, sobretudo, familiares e profissionais que convivem
com pessoas com deficiência precisam abrir mão da posição “de
poder” que exercem sobre elas (Glat, 2009), abrindo espaço para
que elas tomem a palavra, expressem suas necessidades,
expectativas e desejos, e descubram, através de sua própria ação
(incluindo, também erros e decepções), como melhor se colocar no
mundo, desfrutar dos recursos e experiências disponíveis na
sociedade e lutar para que sejam respeitadas em suas
individualidades e em seus direitos sociais.
Em que pese a importância das habilidades desenvolvidas nas
atividades de autodefensoria e autogestão para inclusão e
empoderamento das pessoas com deficiência intelectual, esta
temática ainda se apresenta pouco investigada e discutida em
nosso país no âmbito dos estudos em Educação Especial, em

33
contraponto com a literatura internacional, conforme aponta
Lindolpho (2020). Entretanto, a análise bibliográfica realizada por
este autor, entre outros trabalhos aqui citados, que corroboram a
experiência acumulada do movimento de autodefensoria, apontam
os resultados significativos de programas psicossociais orientados
por perspectiva emancipatória para na transformação da
identidade pessoal e participação social deste público.

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Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2024.

38
VELOS, J. H. R. Coletivo de Autodefensores. [S.l.: s.n.], 2022. 1 vídeo
(10 min). Publicado pelo canal Federação das Apaes do Estado de
Minas Gerais. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=69c7yZvKCFk. Acesso em: jun. 2023.

39
40
Encontro de vozes silenciadas frente as
práticas sociais in/excludentes

Joab Grana Reis


Paula Naranjo da Costa

O fator que mais exclui não é a deficiência em si, mas


o que ela representa no imaginário social. Uma vez
categorizados, pouco importa se a limitação é
acentuada ou sutil, o sujeito é agrupado na categoria
e sobre ele pesam os efeitos da verdade.
Pieczkowski; Naujorks (2014, p. 148)

Introdução

Ao analisar depoimentos de pessoas com deficiência


intelectual, verifica-se que as experiências construídas nas
dinâmicas sociais (trajetória escolar e laboral, relacionamentos,
ações na comunidade etc.) são frequentemente atravessadas por
barreiras atitudinais que deixam marcas dolorosas ou vivências
exitosas, e vão constituindo a biografia individual de cada um.
Dialogando com Berti e Malena (2022, p. 190), entende-se que
“A experiência se faz na relação entre sujeitos que habitam um
mundo, é o que acontece quando estamos atentos/as a alguma
coisa, quando nos encontramos”. Nessa perspectiva, as diferenças
humanas não são tratadas como estranhamento e sim, como muitas
formas de estar no mundo (Diniz; Barbosa; Santos, 2009).
A experiências são processos subjetivos importantes para o
desenvolvimento humano, pois possibilitam a evolução
psicomotora, a aquisição da linguagem, a organização cognitiva, a
afetividade, a identidade, entre outras dimensões que vão
constituindo as diferenças e a diversidade humana. No entanto,
essa compreensão choca-se com práticas sociais, manifestadas,

41
ainda, por marcadores normativistas, nos quais são estabelecidos
padrões únicos de existências. No caso de pessoas com alguma
condição de deficiência, Carvalho (2014, p. 17) discute que

[...] suas diferenças ganham conotações importantes, e como no eco,


reverberam sobre a forma de preconceitos que banalizam suas
potencialidades. Tais pessoas costumam ser percebidas pelo que lhes
falta, pelo que necessitam em termos assistenciais e não pelo seu
potencial latente e que exige oportunidades para manifestação e
desenvolvimento.

Essa perspectiva, no imaginário social é resultado dos


diferentes contextos históricos, políticos e socioculturais, nos quais
pessoas com deficiência tiveram suas experiências existenciais,
constituídas por situações de abandono, violência, pena,
benevolência, marginalização e o estigma de incapacidade e
anormalidade.
Nesse sentido, entende-se que, em meio aos diferentes espaços
históricos e temporais a sociedade se modifica, produzindo
normas, valores, códigos de conduta que validam determinadas
existências em detrimento da marginalização daquelas que não se
enquadram nas exigências sociais produzidas, repercutindo, como
pontuam Reis, Araújo e Glat (2019) em diferentes formas de
desigualdades, preconceitos e exclusão.
Assim, as representações negativas em relação ao outro,
produzidas na coletividade, reduzem a capacidade de participação
social, resultando na construção do estigma. Conforme Goffman
(2008), o estigma se caracteriza por uma produção social que serve
para conferir descrédito a pessoas e grupos, tomando como
referência os sentidos depreciativos que as categorizam e as
inferiorizam socialmente.
Ainda, de acordo com o referido autor, o termo tem sua gênese
na Grécia antiga, uma vez que era utilizado para designar marcas
corporais que atribuíssem status moral inferior em pessoas a serem
evitadas no convívio social. Com as transformações sociais ocorridas

42
o sentido ampliou-se, sendo hoje “... mais aplicado à própria
desgraça do que à sua evidência corporal” (Goffman, 2008, p. 5).
Essa discussão corrobora com Omote (2004, p. 296) ao destacar
que a condição social de desgraça e descrédito exercida pelo
estigma resulta no controle social, fabricado de modo a estabelecer
hierarquias e papeis aceitáveis necessários. Em outras palavras,
esses papéis “não estão pré-determinados geneticamente, mas
construídos nas relações sociais”. Quando pensamos na
experiência de vida das pessoas com deficiência intelectual, fica
claro a função excludente exercida pelo estigma, uma vez que até
os dias atuais persiste a perspectiva orgânica, de um cérebro lesado,
sem expectativa de mudanças e, portanto, desacreditado
socialmente.
Sob a perspectiva do modelo social, o foco está na interação
entre “pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e
ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas
pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas” (Brasil, 2009, p. 1). Logo, a compreensão da
deficiência intelectual é postulada a partir de uma relação em que
as condições socioculturais implicam diretamente no
desenvolvimento e subjetividade do indivíduo.
Omote (2021, p. 45) sobre a construção social da deficiência
destaca ainda que

A deficiência não pode ser vista como uma qualidade presente no


organismo da pessoa ou no seu comportamento. Em vez de
circunscrever a deficiência nos limites corporais da pessoa deficiente,
é necessário incluir as reações de outras pessoas como parte
integrante e crucial do fenômeno, pois são essas reações que, em
última instância, definem alguém como deficiente ou não deficiente.

O conceito de deficiência intelectual, ao longo da história,


sofreu mudanças e diferentes termos foram utilizados para
identificar pessoas na referida condição (oligofrênico, retardado
mental, deficiente mental etc.). Na atualidade, pauta-se na
terminologia definida pela Associação Americana de Deficiência

43
Intelectual e Desenvolvimento (AAIDD), que a caracterizada por
limitações significativas no funcionamento intelectual e no
comportamento adaptativo, expresso nas habilidades conceituais,
sociais e práticas, originando-se antes dos 22 anos de idade
(AAIDD, 2021).
É importante ressaltar que a condição de deficiência
intelectual não é estática e permanente, e não pode ser reduzida ao
viés médico, que a percebe como uma doença que necessita de
reabilitação (Glat; Fernandes, 2005). Ademais, como lembram
Santos e Braun (2007, p. 7) “[...] a deficiência intelectual não pode
ser representada como um atributo da pessoa, mas sim como um
estado de funcionamento que depende de condições e apoios”.
Tendo em vista que o conceito de deficiência é evolutivo e que
os processos de discriminação e exclusão social relacionados às
pessoas com deficiência e seus efeitos na construção de suas
subjetividades têm disso discussões recorrentes nos estudos
científicos (Diniz, 2012; Carvalho, 2014; Reis, et al.; 2019, entre
outros), foi introduzido no debate nos últimos anos o termo
capacitismo.
Baseadas nos estudos de Campbell (2009), Gesser, Block e
Mello (2020) argumentam que a perspectiva capacitista situa a
deficiência como uma condição inerentemente negativa, devendo
ser “melhorada”, curada ou mesmo eliminada. Esta forma de
pensar se coaduna com os discursos médicos, estabelecendo
segundo as autoras, relação direta com práticas eugênicas ao
produzir um padrão de corpo “sadio”, “hábil” e “capaz”.

[...] o capacitismo é estrutural e estruturante, ou seja, ele condiciona,


atravessa e constitui sujeitos, organizações e instituições,
produzindo formas de se relacionar baseadas em um ideal de sujeito
que é performativamente produzido pela reiteração compulsória de
capacidades normativas que consideram corpos de mulheres,
pessoas negras, indígenas, idosas, LGBTI e com deficiência como
ontológica e materialmente deficientes (Gesser et.al., 2020, p. 18).

44
A construção de um padrão compulsório de normalidade,
segundo as segundo as referidas autoras, resulta na produção de
violências e vulnerabilidades nas experiências de pessoas com
deficiência, seja na vida social, particular e/ou educacional, na
medida que contribui na constituição de “uma condição de
precariedade da vida e relações ancoradas em concepções
caritativas/assistencialistas e/ou patologizantes dos corpos”
(Gesser, 2019, p. 19).
Tais discussões assumem dimensões importantes no campo
das políticas públicas, incorporadas em documentos legais, como,
por exemplo, no Decreto n⁰ 11.793/2023, que institui o Plano
Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Novo Viver sem Limite.
Em seu Art. 2⁰, o inciso I ressalta “o enfrentamento do capacitismo,
do preconceito e da violência contra pessoas com deficiência”
(Brasil, 2023, p. 04), e segue no parágrafo único determinando que:

[...] Para fins do disposto neste Decreto, entende-se por capacitismo


qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em
deficiência, com o propósito ou o efeito de impedir ou impossibilitar
o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, pelas pessoas com
deficiência, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas,
de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos
político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro, nos
termos do Artigo 2 da Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de
agosto de 2009 (Brasil, 2023, p. 1).

O debate acerca de processos discriminatórios com base na


deficiência tem sido aprofundado em estudos científicos recentes
(Glat, 20241; Ferreira; Gesser; Böck, 2024), revelando os resultados
negativos nas experiências escolares dessas pessoas, especialmente
àquelas na condição de deficiência intelectual, visto que ainda são

1Pesquisa financiada pela FAPERJ, Programa Cientista do Nosso Estado, e CNPq,


bolsa de produtividade em pesquisa ID e FAPERJ. Aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisa sob o parecer consubstanciado n0 4.567.516.

45
recorrentes processos de rotulação e estigmatização com base no
mito do estudante “ideal”, excluindo-os em vez se acolhê-los na
diversidade que constitui o contexto escolar.
Dessa maneira, ao considerar que as trajetórias de vida de
pessoas com deficiência foram marcadas por segregação,
preconceito, discriminação e exclusão (Reis, 2019), faz-se necessário
evidenciar as vozes dos estudantes com deficiência intelectual a
partir de suas experiências psicossociais narradas, sentidas e
experienciadas no campo educacional.

1. Lugar de produções das Histórias de Vidas

Como forma de evidenciar as narrativas pessoais de pessoas


com deficiência intelectual e os atravessamentos constituídos em
suas histórias individuais, destaca-se os relatos obtidos por meio
de pesquisas com a metodologia de História de Vida (Glat, 2009;
2024; Reis, 20192), que consiste na narrativa de experiências de cada
sujeito no tempo e no espaço sociocultural.
Esta metodologia se caracteriza por considerar como a única
fonte de dados considerada os relatos dos participantes que
emergem partir de uma entrevista aberta, ou seja, sem um roteiro
prévio. Desta forma, há uma pergunta central que desencadeia as
falas dos sujeitos, no caso, pessoas com deficiência intelectual,
tendo em vista o objetivo de cada estudo.
Para garantir a fidedignidade do que foi relatado, o registro
das falas é realizado por meio de transcrição de gravação. O
aprofundamento dos temas acontece por meio do diálogo com o
entrevistado, não cabendo ao entrevistador elaborar ou trazer
tópicos que não tenham sido tratados pelo sujeito participante.
Acerca do processo da entrevista aberta Reis (2019, p. 161)
ressalta que

2Tese de doutorado da primeira autora do capítulo, defendida no Programa de


Pós-graduação em Educação da UERJ, com financiamento da FAPEAM. Pesquisa
aprovada pelo CEP com o protocolo, n° 61647816.0.0000.5282.

46
[...] a realização da entrevista e a transcrição imediata são um
procedimento que ajuda o entrevistador a corrigir e a perceber o
crescimento de sua escuta, pois exige muita disciplina, como, por
exemplo, de ajuste de condução da entrevista, inferindo uma questão
em que o entrevistado não havia relatado. Durante a entrevista, o
registro de palavras-chave contribuiu para andamento desta, pois no
momento em que o estudante parava e pedia uma pergunta,
retornava a entrevista solicitando esclarecimento ou
aprofundamento a partir de seu relato.

As narrativas das pessoas com deficiência intelectual sobre as


vivências educacionais e a sua relação com os colegas, foram
fundamentais para evidenciar as vozes historicamente silenciadas
em uma perspectiva de humanização, reconhecimento de direitos
e resistências diante de práticas sociais, in/excludentes.

2. Narrativas de experiências educacionais atravessadas pelo


capacitismo

A inclusão educacional de pessoas com deficiência foi


constituída e assegurada no Brasil por meio de uma série de
dispositivos legais, fruto de movimentações políticas e sociais
desde a década de 1980 (Constituição Federal – Brasil, 1988;
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – ONU,
2006; Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva – Brasil, 2008; Lei Brasileira de Inclusão – Brasil,
2015; Decreto n⁰ 11.793 – Brasil, 2023 e entre outros).
No que tange as trajetórias educacionais, os relatos dos
estudantes com deficiência intelectual problematizaram
experiências atravessadas por práticas capacitistas que revelam
inúmeras violências e o descrédito no convívio coletivo, conforme
ilustrado na narrativa de Edna3:

3 Para garantir o anonimato dos sujeitos, todos os nomes são fictícios.

47
Já sofri preconceito na escola. Tiveram alunos que não queriam fazer
trabalho comigo no colégio. Achavam eles que eu não tinha capacidade
de executar os trabalhos e não queriam que eu participasse. [...] Aí as
meninas não queriam de jeito nenhum que eu fizesse trabalho com
elas. Aí foi demais para mim quando eu soube que as meninas não
queriam que eu fizesse trabalho [...] para eles lá eu era uma menina
incapaz de executar as coisas. Aí eu me sentia muito mal de ver que
como eles estavam me colocando. [...] Aí eu ia para casa triste, mas não
tinha a capacidade assim de falar, não tinha maturidade como eu tenho
hoje de me expressar, de dizer para elas que eu tinha capacidade de fazer
(Edna, 22 anos, Ensino Médio completo; Glat, 2024, p. 22-23, grifo das
autoras).

O relato da estudante expressa elementos constituintes de


práticas capacitistas no ambiente escolar, os quais potencializam
processos de discriminação e exclusão, como observado na recusa
das colegas para que ela participasse nos trabalhos de grupo. O
depoimento ilustra também a perpetuação da representação social
de incapacidade, conforme discutido, quando desacreditam que ela
possa executar as tarefas em função de sua condição de deficiência.
A partir desse discurso capacitista, a pessoa com deficiência é
vista com um ser abjeto, como ressaltam Gesser et al. (2020, p. 18):

[...] as capacidades normativas que sustentam o capacitismo são


compulsoriamente produzidas com base nos discursos biomédicos
que, sustentados pelo binarismo norma/desvio, têm levado a uma
busca de todos os corpos a performá-los normativamente como
‘capazes’, visando se afastar do que é considerado abjeção.

Os efeitos do capacitismo também podem ser observados no


desenvolvimento psicossocial da estudante pois, ainda que não
conseguisse elaborar e expressar seus pensamentos frente à
situação, tinha compreensão de que aquele movimento de exclusão
do grupo provocava sentimentos negativos e marcas emocionais,
fazendo-a sentir-se mal e triste, como relatou.
O binarismo mencionado por Gesser et al., (2020) que situa a
deficiência como desvio é facilmente detectado em práticas

48
educacionais frente àqueles que não acompanham o mesmo ritmo
de aprendizado esperado, tornando-os os desviantes, os
“estudantes problema”. A continuidade do relato de Edna ilustra
bem essa relação:

[...] Tinha algo acontecendo, né [...] minha mãe não quis me levar
mais para o colégio, porque ela viu que tinha algo acontecendo. [...]
eles viram que eu era um problema no colégio (Edna, 22 anos,
Ensino Médio completo; Glat, 2024, p. 23, grifo das autoras).

A imputação de marcadores sociais, também pode ser debatida


diante da trajetória de escolarização de Edna, pois no cotidiano escolar
surgem rotulações como os “mais inteligentes” e os “menos
inteligentes, os “normais” e os “especiais/laudados”, “turma mais
forte” e “turma mais fraca”. Os efeitos dessas denominações
demarcam o exercício de papeis estigmatizantes como já discutido,
fazendo com que as pessoas com deficiência internalizem que são um
“problema” no espaço escolar (Gofman, 2008).
Essas questões relacionadas aos rótulos/desvio também são
identificadas no ensino superior. A narrativa a seguir de um
acadêmico revela a discriminação que sofreu por ter sido aluno da
APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), inclusive o
questionamento dos colegas sobre sua capacidade de estar no
ensino superior.

Eu sou bem comunicativo, eu sou uma pessoa alegre, mas têm


algumas pessoas que não aceitam. Ah, não aceitam uma pessoa com
deficiência... “Ah, mas ele está na APAE. E como ele está aqui?”. Vai
existir pessoa boa, vai existir pessoas que vão aceitar você numa
boa, mas tem gente que não vai aceitar você tão numa boa. (Tefé4 -
Reis, 2019, p 128, grifos das autoras).

Os dois relatos de João, a seguir, também coadunam com as


marcas emocionais negativas vivenciadas pelos demais depoentes,

4Na pesquisa de Reis (2019), realizada numa universidade pública do estado do


Amazonas, os participantes foram identificados com nomes de rios.

49
principalmente em situações explícitas de bullying, e até mesmo de
violência explícita, do qual ele foi alvo.

Todo mundo me gastava e tal, ficava me zoando lá. Aí tinha umas


pessoas que me defendiam [...] agora no Ensino Fundamental do 6º
ao 9º foi mais pesado, porque eu comecei a sofrer bullying mesmo
e tal. [...] sempre achavam um defeito em mim e continuavam
fazendo, tipo mexiam comigo e tal. [...] Algumas pessoas sabiam
sobre a minha situação e sempre ficava lá para me ajudar e tal.
[...]Minha base foi crise de ansiedade e ter desenvolvido depressão.
[...] tinham algumas pessoas que cuidavam de mim e tal, mas na
maioria do tempo eu ficava mais sozinho (João, 20 anos, Ensino
Médio completo; Glat, 2024, p. 24, grifos das autoras).

Já chegaram a tacar comida em mim, outras coisas (João, 20 anos,


Ensino Médio completo; Glat, 2024, p. 24).

Conforme ressaltam Gesser et al. (2020), o papel estrutural e


estruturante do capacitismo pode estar presente de forma
consciente ou inconsciente nas ações e falas cotidianas. Neste
sentido, é necessário problematizar a ação da institucional
educacional, enquanto espaço de produção e reprodução de
discriminações e exclusões. Essas se materializam através de
práticas que diminuem a interação coletiva de estudantes com
deficiência, em função da negação de sua diferença, a qual ainda é
tratada como desvio.
Conforme Reis et al. (2019), pessoas com deficiência sofrem
inúmeras formas de violência cotidianamente, sejam elas veladas,
como a vivenciada por Edna ao sentir que era a estudante
“problema”, ou físicas como as relatada no depoimento de João,
produzindo baixa-autoestima e a internalização da incapacidade.
Outrossim, as práticas capacitistas manifestadas em forma de
bullying causam impacto direto no desenvolvimento emocional de
pessoas com deficiência, desencadeando, frequentemente, como no
depoimento de João, crises de ansiedade e depressão, chegando a

50
gerar, inclusive, atitudes de automutilação na tentativa de
amenizar o sofrimento.

[...] Teve uma parte da minha vida que eu chegava a levar gilete para
a escola para quando eu estava estressado e como o pessoal mexia
muito comigo eu ia para o banheiro, eu falava para o professor que
ia para o banheiro, mas era para me mutilar. [...] (João, 20 anos,
Ensino Médio completo; Glat, 2024, p. 24, grifos das autoras).

Vivência semelhante, que deixou marcas emocionais, foi


retratada na narrativa de outra jovem:

Alguns alunos me trancaram dentro do banheiro na hora da saída


[...] aí foram me encontrar dentro do banheiro, desesperada,
gritando, mas não tinha como ninguém me ouvir porque era dentro
do banheiro; literalmente, eu tava trancada [...] Mas esse trauma foi
pro resto da minha vida. E eu lembro disso até hoje, nunca saiu da
minha cabeça, né? (Nelma, 18 anos, cursando o Ensino Médio; Glat,
2024, p. 24, grifos das autoras).

As atitudes capacitistas apresentadas nas narrativas de


estudantes com deficiência intelectual revelam como a escola, e a
sociedade de modo geral, precisam avançar na cultura inclusiva do
acolhimento, de formar a garantir sua participação, com igualdade
de condições, no exercício da cidadania nas diversas esferas da
vida. Desnecessário dizer que as práticas capacitistas vivenciadas
por esses estudantes são contrárias a todos os discursos sobre a
garantia dos direitos humanos, justiça social e participação social,
como versam os documentos legais.
Em suma, as experiências educacionais atravessadas pelo
capacitismo evidenciaram narrativas de discriminação e exclusão,
as quais repercutiram em marcas sociais negativas diante do
contexto escolar. Contudo, há experiências percorridas de forma
positiva, contribuindo para rupturas de barreiras atitudinais, como
será discutido a seguir.

51
3. Narrativas sobre acolhimento x barreiras atitudinais nos
espaços educacionais

As convivências sociais envolvem empatia, acolhimento,


respeito pelas diferenças humanas, colaboração, amizades, entre
outras atitudes, que são importantes para o processo de
desenvolvimento e aprendizagem. Já a ausência desse tipo de
interação positiva pode causar sérios prejuízos por quem sofre essa
privação nas suas relações com os colegas.
Essa última situação, como retratada na seção anterior, é fruto
das barreiras atitudinais, explicitada na Lei Brasileira de Inclusão
como “[...] atitudes ou comportamentos que impeçam ou
prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em
igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas”
(Brasil, 2015, p. 2), práticas que devem ser combatidas na
sociedade, e sobretudo nas instituições educacionais.
Entre as lembranças narradas pelos estudantes com deficiência
intelectual participantes dos estudos, emergiram momentos de
rupturas de barreiras atitudinais, exemplificados por vivências e
sentimentos de acolhimento e amizade no espaço educacional,
como expresso no relato de um aluno do ensino superior:

Nos primeiros dias eu conheci o (nome do colega); ele fazia Física,


depois trancou a Física e foi fazer Geografia comigo. Quando fazia
os grupos, ele me chamava para o grupo e eu ficava lá no grupo dele.
[...] Eu fiquei sendo amigo do (nome), ele virou meu amigo agora.
Agora, quando tinha grupo, ele me chamava e colocava o meu nome
lá. A experiência com os meus colegas é bem legal, quando a gente
sai para trabalho de campo é superdivertido, a gente não fica triste
(Tefé - Reis, 2019, p. 133).

A possibilidade de fazer amizades gera sentimento positivo e


de pertencimento, uma vez que o ingresso no ensino superior
releva desafios, ainda maiores do que na educação básica, em
termos de permanência, participação nas atividades, e,
principalmente, aprendizagem e sucesso acadêmico (Reis, 2019).

52
Destaca-se que apesar do avanço, ainda permeia a visão da
diferença pautada no desvio, na anormalidade, entre outras
categorizações que acabam sendo imputadas ao outro.
As experiências vão sendo constituídas a partir do tempo e
lugar da existência de cada pessoa. Assim, os estudantes com
deficiência intelectual relataram situações de in/exclusão nas
relações de amizade, conforme narrativas a seguir

[...] elas se relacionavam comigo [...] a gente se curtia, a gente, assim,


conversava. Mas quando era questão de trabalho, elas não queriam
fazer comigo (Edna, 22 anos, Ensino Médio completo; Glat, 2024, p. 23).

E também no Ensino Médio eu ficava sozinha fazendo minhas coisas


(Edna, 22 anos, Ensino Médio completo; Glat, 2024, p. 25).

Assim, eu não era muito amiga deles, não, pra falar a verdade...
Porque eu não tinha assunto. Eu só falava quando tinha trabalho em
grupo, porque era obrigado. Vou te dizer que do meu 6º ano ao 9º foi
melhor. A convivência... tipo assim, dos alunos. Eu tinha mais
amigos do que no Ensino Médio. [...]Tem alguns que eu falo até hoje.
Mas, tipo assim, do Ensino Médio não tinha (Gisele, 21 anos, Ensino
Médio completo; Glat, 2024, p. 25).

[...] pensei que não ia fazer amizade, mas fiz. Fiz muito amizade
nessa e nas outras. [...] Na [nome da escola] que eu te falei e na [nome
de outra escola], e na outra escola eu não fiz muita amizade. Nessa
escola eu fiz muita amizade, porque na outra escola, na primeira, eu
não fiz muita amizade, porque quase ninguém gostava de mim, mas
nessa aí até gente que gosta de mim, fala comigo, mas quem não
gosta de fazer amizade comigo eu não ligo não. [...] Porque depois
quando sai, a gente não tem mais contato e tal. A pessoa vai seguir a
vida dele e tal. E eu pensava muito nisso que tipo, mano, eu tô me
formando e, tipo, será que vai continuar a amizade e tal. [...],. Mas
algumas pessoas eu tenho contato até hoje, tipo, em relação ao que
esteve comigo na minha trajetória até aqui (João, 25 anos, Ensino
Médio completo; Glat, 2024, p. 27).

53
Há barreiras atitudinais que emergem nas vozes dos
estudantes com deficiência, mas também ocorrem relatos de maior
acolhimento, mediação durante as atividades escolares e relação de
amizades, sentimentos que emergem nas narrativas a seguir

Eu amo muito meus amigos lá. É, todo mundo que tem lá, mas,
assim, eu queria, eu queria, é, é, a participarem [...] tem um monte de
amigos lá que ajudou (Jurema, 22 anos, Ensino Fundamental I
incompleto; Glat, 2024, p. 25).

Mas às vezes eram meus amigos que às vezes me dava explicação “tá
com dúvida disso?” Aí eu vou lá “é, isso...” (João, 20 anos, Ensino
Médio completo; Glat, 2024, p. 26).

Eles que me ajudaram a fazer […] a fazer a prova [...] algumas


pessoas me ajudavam. Aí, uma garota, [...] ela me ajudava também,
me ajudava também a fazer conta. Aí ela falava assim “Professora!”.
Aí ela, “Professora!” Aí, ela “eu vou sentar”, ela falava assim, “eu
vou sentar do lado do Iury pra ajudar a fazer a prova na conta”. Foi
ela que me ajudou a fazer a conta. [...] As pessoas [...] me ajudavam
também, dever, botava nome do, botava nome do lugar também,
tudo [...] na escola um monte de amigos também (Iury, 36 anos,
Ensino Fundamental II completo; Glat, 2024, p. 26).

[...] eu sempre me dei muito bem. E com a escola mesmo, com o


pessoal lá da escola... é... o pessoal mesmo, meus amigos da escola
eu sempre me dei muito bem (Nelma, 18 anos, cursando o Ensino
Médio; Glat, 2024, p. 26).

Aprendi a ter amigos também... [...] meus amigos da escola (Vicente,


26 anos, Ensino Fundamental I completo; Glat, 2024, p. 27).

Enfim, constata-se nas vozes dos estudantes que as


experiências nos espaços educacionais são marcadas por
sentimentos diversos nas interações sociais com seus colegas. Há
situações positivas nas dinâmicas sociais, que são externadas com

54
alegria e afeto. Porém ainda persistem, práticas e atitudes
permeadas pelo preconceito, permeados pelo viés do capacitismo.

Considerações Finais

A inclusão educacional de pessoas com deficiência tem


crescido junto com um arsenal de documentos orientadores e legais
que versam sobre os direitos humanos e fortalecem a sua
participação nos espaços educacionais, seja na educação básica ou
no ensino superior.
No entanto, os relatos aqui analisados mostram que o ingresso,
permanência, aprendizagem e sucesso acadêmico de estudantes
com deficiência intelectual, continuam sendo permeados por
diversos desafios. Pode-se considerar como fator desencadeador
dessas barreiras, a compreensão da deficiência pautada na
condição orgânica da pessoa, com foco na falta, incapacidade e
improdutividade, diante de um olhar normalizador sobre o outro.
Como resultado há prevalência de práticas capacitistas,
manifestadas em situações que causam sofrimentos e marcas
negativas na trajetória educacional, como tratadas por alguns
estudantes em suas narrativas.
De modo geral, o descrédito social é a marca pela qual os
estudantes com deficiência intelectual são vistos nos contextos
educacionais, constituídos, historicamente, para atender um ideal
de estudante, resultando na organização de um currículo e práticas
pedagógicas homogeneizadas. Essa realidade constitui um cenário
ameaçador para as diferenças humanas, retratado, por alguns
sujeitos, nas dinâmicas sociais com os colegas na sala de aula, que,
por exemplo, negavam a sua participação e tarefas de grupo, em
razão da sua deficiência.
As experiências que atravessam as histórias de vida da maioria
dos estudantes com deficiência intelectual mostram situações de
opressão, estigmatização, violência física e psicológica. Vivências
que deixam marcas profundas de sofrimentos, inclusive o
desencadeamento do adoecimento desses corpos rotulados pela

55
incapacidade. O relato de João, por exemplo, ilustra como o
sofrimento psíquico gerado na sua trajetória educacional, quase o
levou a um desfecho trágico, de desistência da própria vida.
Há nas vozes tanto uma denúncia, quanto pedido de socorro,
frente um cenário demarcado pela contradição da in/exclusão e
violação dos direitos humanos. Cabe atentar para a totalidade das
dimensões (política, social, cultural e econômica) que estão
imbricadas na existência humana, assim, problematizar essas
relações e seu o impacto na trajetória escolar dos alunos com
deficiência intelectual.
Portanto, nos espaços educacionais, onde as convivências
sociais deveriam ser constituídas por empatia, acolhimento,
respeito pelas diferenças humanas, as vozes dos estudantes com
deficiência intelectual, embora reflitam essas atitudes positivas,
apontam inúmeras situações desrespeito e exclusão. Daí
necessidade de ecoar suas próprias narrativas em estudos e
pesquisas, que contribuam para sua efetiva inclusão social e melhor
qualidade de vida, de modo geral.

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59
60
Vivência de inclusão escolar de alunos com deficiência
intelectual na educação básica: foco nas práticas pedagógicas

Rosana Glat
Suzanli Estef
Katiuscia C. Vargas Antunes

Todos nós seres humanos temos um jeito diferente.


Temos um jeito bem diferente. Então, se todos nós
seres humanos temos um jeito diferente, então cada
um entende de um jeito diferente. Cada um faz de
um jeito diferente pra aprender na aula. (Rodrigo,
19 anos, Ensino Médio completo)
Spolidoro (2024, p.93)

Nas últimas duas décadas vêm sendo desenvolvidas inúmeras


pesquisas voltadas para a inclusão escolar, profissional e social de
pessoas com deficiências. Grande parte desses estudos teve como foco
a análise das condições para a escolarização deste alunado em
diversas redes de ensino, bem como as práticas pedagógicas a eles
dirigidas no cotidiano escolar (Caiado, 2011; Glat; Pletsch, 2013;
Santos; Neto; Souza, 2022; Noleto; Bezerra; Soares, 2023; entre outros).
Atenção menor tem sido dada aos aspectos psicossociais,
embora esta categoria frequentemente tenha emergido, como dado
complementar a partir das múltiplas interações observadas. E
embora, na literatura nacional, há diversos trabalhos que dão
ênfase à visão dos próprios sujeitos (Antunes, 2012; Araujo; Drago;
2018; Castanheira, 2014; Chicon; Sá, 2013; Oliveira; Campos, 2016;
Lupetina, 2020; Glat; Estef, 2021a; Queiroz, 2022; Spolidoro, 2024,
etc..) estes ainda são, relativamente, minoritários em termos do
conjunto da produção científica da área. Entretanto, entendemos
que tal conhecimento é imprescindível para o desenvolvimento de
programas que contribuam para que esses indivíduos possam

61
usufruir de uma melhor qualidade de vida, estabelecendo relações
pessoais mais equânimes e participando com maior autonomia nos
diferentes espaços sociais.
No conjunto do chamado público-alvo da Educação Especial1,
destacam-se as pessoas com deficiência intelectual, as quais
manifestam grande fragilidade social e acadêmica, na medida em que
sua condição afeta diretamente o processo ensino aprendizagem e as
relações sociais, de modo geral. Em estudos anteriores que analisaram
os impactos das políticas públicas de inclusão na autopercepção deste
grupo, parte significativa dos sujeitos relatou que suas vivências na
escola comum não foram bem-sucedidas (Antunes, 2012; Castanheira,
2014; Glat; Estef, 2021a).
Partindo dessas considerações, no presente capítulo,
apresentamos um recorte de uma pesquisa, ainda em andamento,
que teve como objetivo investigar as vivências de estudantes com
deficiência intelectual na Educação Básica2, analisando suas
experiências de escolarização, a partir de seus relatos pessoais. Por
meio da metodologia de História de Vida foram coletados
depoimentos sobre suas experiências no ensino comum, levando
em consideração aspectos como: trajetória de escolarização;
dificuldades de aprendizagem e socialização; práticas pedagógicas,
acessibilidade ao currículo e atendimento educacional
especializado, entre outros.

Percurso metodológico

Participaram do estudo 16 jovens e adultos com deficiência


intelectual, de ambos os sexos, com idades de 12 a 36 anos,
residentes no Estado do Rio de Janeiro, estudantes ou egressos da
Educação Básica. Dados foram produzidos através de entrevistas

1 Pessoas com deficiências, transtorno do espectro autista, altas habilidades/


superdotação (Brasil, 2009).
2 Pesquisa financiada pela FAPERJ (Programa Cientista do Nosso Estado) e CNPq

(Bolsa de Produtividade em Pesquisa 1D), aprovada pelo Comitê de Ética em


Pesquisa sob o parecer consubstanciado n0 4.567.516.

62
abertas, seguindo a metodologia de História de Vida (Glat, 2009;
Glat, Antunes, 2020). Este método considera como única fonte de
dados o relato de vida narrado pelo sujeito durante a entrevista.
Justamente, por partir das narrativas dos sujeitos, a
metodologia de História de Vida é especialmente profícua para a
Educação Especial e outras áreas que lidam com grupos
historicamente excluídos, pois permite ao investigador falar com
eles e não só sobre eles (Glat; Antunes, 2020). Nesta direção, a
valorização da visão dos próprios estudantes com deficiência
intelectual sobre suas experiências educacionais, representa uma
mudança de perspectiva investigativa, se alinhando com o
pressuposto básico do movimento de autodefensoria, “nada sobre
nós sem nós”, conforme discutido no capítulo anterior.
Conforme os procedimentos básicos do Método de História de
Vida, no início de cada entrevista, pedia-se ao participante para
falar sobre sua vida na escola, desenvolvendo, a partir daí, o
diálogo. De acordo com as suas narrativas, o entrevistador
formulava, na hora, algumas perguntas para aprofundar ou
esclarecer determinado ponto; porém, a direção da conversa e os
tópicos abordados eram sempre de iniciativa espontânea do sujeito.

Narrativas de estudantes com deficiência intelectual sobre as


práticas pedagógicas vivenciadas em sua escolarização

Levando em consideração que inclusão escolar não se


restringe ao acesso ao ensino comum, mas à participação nas
diferentes atividades, e, sobretudo, à aprendizagem, um dos temas
de maior interesse investigativo era analisar a percepção de
estudantes com deficiência intelectual sobre as práticas
pedagógicas vivenciadas em seu processo de escolarização. Nesse
contexto destacamos a visão dos sujeitos englobando três
categorias: 1) práticas pedagógicas de ensino; 2) práticas
pedagógicas de avaliação; 3) atendimento educacional
individualizado.

63
1. Práticas pedagógicas de ensino

A inclusão escolar de alunos com deficiências ou outras


condições atípicas de desenvolvimento demanda transformações
na estrutura física, organizacional e pedagógica das escolas. Este
último aspecto engloba o que, genericamente, se entende por
acessibilidade curricular, estratégias e/ou recursos que possibilitam
a todos os estudantes, inclusive os que apresentam necessidades
educacionais específicas, participarem das atividades
educacionais, com desempenho favorável e efetiva aprendizagem
(Fonseca; Lopes Junior; Capellini; Oliveira, 2020; Mainardes;
Casagrande, 2022).
No decorrer das entrevistas, os sujeitos relataram diferentes
formas de flexibilização das práticas de ensino, com destaque para
a atenção diferenciada recebida pelo professor.

Uns professores me ajudavam. Tipo, às vezes ficavam lá comigo,


tipo, “não, é isso aqui, sei que lá,” Aí, tipo, às vezes, “ah não, é isso
aqui, tu vai entender” [...] Mas sempre tinha uma pessoa pra me
ajudar lá. Tinha professor principalmente que pegava no meu pé
toda hora (João3, 20 anos, Ensino Médio completo).

Sim, o professor também ajuda. (Kelly, 14 anos, cursando o Ensino


Fundamental II).

Por mais que a Educação Inclusiva esteja estabelecida como


política educacional prioritária, a presença do aluno com
deficiência na classe comum não garante que serão adotadas ações
efetivas para promover sua participação e aprendizagem.
Inúmeros fatores contribuem para esse quadro, envolvendo as
condições materiais e de recursos humanos deficitárias de grande
parte das escolas. Sobretudo este último aspecto se reflete na falta
tempo para planejamento e capacitação docente, bem como de
orientação e acompanhamento aos professores regentes.

3 Todos os nomes são fictícios para garantir o anonimato dos sujeitos.

64
Corroborando, alguns entrevistados relataram não terem
experienciado práticas pedagógicas diferenciadas que atendessem
às suas necessidades educacionais específicas, conforme ilustrado
nos depoimentos a seguir.

Era tudo igual, os trabalhos, deveres, só a prova mesmo que era


diferente (Gisele, 21 anos, Ensino Médio completo).

A escola não permite e não adapta nada pra mim e só me ameaça que
vai me deixar reprovada, que vai me reter (Nelma, 18 anos, cursando
Ensino Médio).

Por outro lado, também houve depoimentos de experiências


pedagógicas exitosas, e o contato com os professores que as
proporcionaram marcou positivamente as trajetórias escolares
desses estudantes.

Eu queria agradecer todos, né. Principalmente o Maurício (professor


de Biologia) que é uma pessoa maravilhosa, um professor que
sempre teve comigo nos momentos maravilhosos (Edna, 22 anos,
Ensino Médio completo).

Teve uma época... acho que foi, é, quando eu tava no Ensino


Fundamental e no Ensino Médio tinham uns professores que
ficavam sempre comigo que, tipo, sempre me cobravam, eram tipo,
ela era como a minha mãe pra mim, algumas pessoas... Aí sempre
me cobravam “ah, já fez isso aqui? Já, já, já fiz isso...” (João, 20 anos,
Ensino Médio completo).

Entretanto, os estudantes também sinalizaram a falta de


empatia ou de compreensão de alguns professores sobre suas
necessidades de aprendizagem. Embora qualquer aluno esteja
sujeito a este tipo de situação, para os que apresentam uma
deficiência intelectual que já têm, a priori, dificuldade de
aprendizagem e, frequentemente, baixa autoestima, essas atitudes
são ainda mais prejudiciais.

65
[...] A outra que estudei não gostava de mim, não falava comigo. Tem
professor que eu acho que hoje em dia nem gosta mais de mim
porque não me passava; que a professora não me passava de jeito
nenhum porque eu não sabia nada. Aí era muito difícil essa
professora. [...] Só tinha essa, essa não me passava de jeito nenhum,
de jeito nenhum! Eu tirava nela, eu tirava só I4 e…só I. Ninguém me
ajuda, mas eu só tirava I, ela me dava I em tudo (Milena, 16 anos,
cursando o Ensino Fundamental II).

A que eu gosto mais é a de português. Eu gosto da matéria, eu só não


gosto do professor. Porque ele é chato, eu não gosto dele. Lá eu
também tenho [...] uma moça que me ajuda, a Isabela. Ele é o único
professor que não deixa eu ir chamar ela. Fica xingando na sala. [...]
O único que não ajuda é o de Português. Ele não ajuda, não (Kelly,
14 anos, cursando o Ensino Fundamental II).

Embora a maioria dos sujeitos não tenha aprofundado uma


reflexão sobre seu processo ensino aprendizagem, eles
identificaram claramente, as atitudes e práticas docentes,
entendendo seus efeitos positivos e negativos. Uma das
entrevistadas traz esta questão com muita clareza:

Não são todos professores que abraçam a causa. Têm professores que
não querem abraçar, que realmente, assim, desdenham, assim, não
querem ter o trabalho de ensinar. [...] que chegam, que tiram as
dúvidas, que têm a paciência de tá ali; porque pra você ensinar um
aluno especial, você tem que sentar, você tem que ter tempo e a hora
pra você poder sentar com eles e explicar e pra poder chegar até o
ponto que ele consiga entender. [...] Ele (professor de Biologia) teve
esse tempo, ele tinha esse tempo pra poder me explicar, pra fazer
com que eu chegasse até a pergunta, até a resposta (Edna, 22 anos,
Ensino Médio completo).

As narrativas dos participantes ressaltam a importância da


acessibilidade curricular, que representa a materialização do

4 I - Conceito insuficiente, usado em algumas escolas na avaliação dos alunos.

66
direito de todos à aprendizagem, pressuposto básico da política de
Educação Inclusiva. Proporcionar acessibilidade curricular para
estudantes que apresentam condições que afetam diretamente o
processo de aprendizagem, como os com deficiência intelectual, é,
certamente uma tarefa complexa, que demanda, como
mencionado, entre outros aspectos, formação e orientação para os
professores, planejamento (e tempo para planejamento), avaliação
continuada do processo.

2. Práticas pedagógicas de avaliação

De modo geral, na maioria das instituições educacionais a


avaliação de desempenho acadêmico ainda tem um caráter seletivo
e classificatório, visando determinar os que estão aptos ou não
aptos para prosseguir na escolarização; cenário este que se estende
até o Ensino Superior. Em uma perspectiva inclusiva, porém, a
avaliação deve ser considerada, por meio processual, para
acompanhar a aprendizagem de cada aluno e ser um instrumento
de reflexão sobre a prática docente. Pois, é a partir do desempenho
do aluno que se pode traçar objetivos a curto e médio prazo, e
modificar, se for o caso o processo ensino aprendizagem (Estef,
2018; Oliveira; Valentim; Silva, 2013; Valentim, 2011).
Neste sentido, processos avaliativos são um instrumento
valioso para o desenvolvimento das práticas pedagógicas, uma vez
que podem embasar todo o trabalho a ser desenvolvido com o
educando, tendo ele, ou não, alguma necessidade educacional
específica.
Entretanto, as práticas avaliativas na maioria das escolas,
mesmo as que adotam estratégias de ensino acessíveis, seguem um
modelo tradicional, tornando-se um instrumento de exclusão dos
alunos que não acompanham o ritmo da turma. Este é
frequentemente, o caso dos que apresentam necessidades
educacionais específicas, como a deficiência intelectual (Glat; Estef,
2021b), dificultando sua participação e permanência no sistema
educacional.

67
De fato, a maioria dos sujeitos relatou que, em suas escolas,
não havia acessibilidade nos processos avaliativos.

Tinha alguma coisa de diferente na prova que você lembre?


Não, fazia a prova com todo mundo [...] mesma prova (Gustavo, 26
anos, Ensino Superior incompleto).

E essas provas, eram as mesmas de todo mundo?


Era a mesma de todo mundo (Vicente, 26 anos, Ensino Fundamental
I completo).

Chamou atenção que apenas dois entrevistados afirmaram


que as avaliações eram adaptadas, embora, nem sempre de acordo
com o que eles consideravam necessário:

As minhas provas eram adaptadas. [...] Eram adaptados. Fazia, tinha


uma sala pros alunos do NAPNE5 fazerem a prova.[...] Era tudo
igual, os trabalhos, deveres, só a prova mesmo que era diferente[...]
(Gisele, 21 anos, Ensino Médio Completo).

[...] quando eu tava no Ensino Fundamental eu tinha muita, assim,


adaptação, assim, na matéria de desenho. E quando eu cheguei no
Ensino Médio, tipo assim, eu senti que eu não tinha essa adaptação
que eu deveria ter, entendeu? Mas eu não tive. [...] Tô falando a
professora em si, porque eu chegava, falava com a professora e a
professora não adaptava a prova. [...] mas o resto todas as provas
eram adaptadas. Assim, todas as provas eram tudo de acordo com a
minha necessidade, era tudo direitinho. Mas só Desenho que sempre
eu ficava chateada (Edna, 22 anos, Ensino Médio completo).

Certamente, a falta de acessibilidade do sistema de avaliação


traz inúmeras dificuldades para esses estudantes:

5 NAPNE se refere ao Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades


Educacionais Específicas, setor de atendimento educacional especializado
existente nos Institutos Federais de Educação.

68
Só que às vezes quando eu não sabia mesmo ou tinha esquecido, eu
deixava em branco. [...] Aí teve uma época que eu tava fazendo prova
e eu sempre fui o último a terminar a prova (João, 20 anos, Ensino
Médio completo).

Vale destacar, porém, que alguns entrevistados relataram


atitudes de colaboração e cooperação dos colegas e professores, que
se valiam de diferentes estratégias para lhes ajudar durante as
avaliações.

É que às vezes era o professor e meus amigos né, a professora


também que me ajudava... (trecho inaudível) tava me ajudando e fui
fazendo sozinho. Precisava de ajuda; quando não tinha ajuda,
esperava o professor voltar pra poder me ajudar (Vicente, 26 anos,
Ensino Fundamental I completo).

É porque ela (professora de Matemática) dá quase a resposta. Aí ela


ajuda a gente (Milene, 12 anos, cursando o Ensino Fundamental I).

Como discutido, o processo avaliativo deveria ser um


momento de reflexão sobre o processo ensino aprendizagem;
contudo, na grande maioria das instituições, ele ainda é regido por
uma lógica classificatória e meritocrática. Mudar a concepção e
tornar acessível os procedimentos de avaliação é um requisito
fundamental para que todos os estudantes, sobretudo os que
apresentam necessidades educacionais específicas, possam
demonstrar a sua aprendizagem.

3. Atendimento Educacional Especializado

O atendimento educacional especializado - AEE é assegurado


por lei aos estudantes com deficiências (Brasil, 2011; 2015). Consiste
em um sistema de suporte, constituído de diferentes modalidades
de serviços, oferecido na escola para possibilitar a aprendizagem
deste público, atendendo suas necessidades educacionais

69
específicas. Logo, um dos objetivos principais da pesquisa era
analisar a percepção e experiência dos participantes sobre o AEE.
Na rede pública de ensino,6 o tipo de suporte mais difundido
é a sala de recursos multifuncionais onde alunos com deficiência
recebem atendimento especializado individualizado ou em
pequenos grupos no contraturno, tendo sido citado por vários
entrevistados:

Eu fiz sala de, de especial, de exercício difícil (Jurema, 22 anos,


Ensino Fundamental I incompleto).

Tem a Dedeia também [...] professora da sala de recursos (Alice, 29


anos, cursando o Ensino Fundamental II).

Embora a maioria dos sujeitos tenha apenas mencionado a


existência da sala de recursos, outros mostraram, através do seu
discurso, a importância desse suporte.

Foi perfeito pra mim, me ajudou bastante. Então, assim, se eu avancei


um pouco mais hoje em dia... se eu sei mais coisa hoje em dia é graças
a sala de recursos [...] Mas dentro da sala de aula eu sentia falta disso,
sabe? Aí quando eu ia pra sala de recurso eu já não sentia falta disso.
Porque aí me ajudava muito. Que aí eu conseguia fazer as atividades,
coisas que eu não conseguia fazer dentro da sala de aula (Nelma, 18
anos, cursando o Ensino Médio).

Fui encaminhada para o NAPNE para ser auxiliada nos meus


estudos. Era atendida para receber aula de Matemática, pois sempre
tive mais dúvida nessa disciplina, mas desenho eu não me dava
muito bem também. O papel do NAPNE e das aulas em sala de aula
me ajudaram muito no meu conhecimento e na minha formação
escolar (Gisele, 21 anos, Ensino Médio completo).

6Todos os participantes deste estudo estudavam ou eram oriundos de escolas


públicas.

70
Outro tipo de suporte citado foi a mediação de aprendizagem
ou mediação pedagógica, que consiste na oferta de atendimento
individual de um mediador (que pode ser um profissional ou um
estagiário) que acompanha e auxilia o estudante na sua sala de aula
durante o turno escolar. Vale destacar que, “este profissional não
substitui o papel do professor da turma, trabalha
colaborativamente com ele, auxiliando o processo de ensino
aprendizagem.” (Rio de Janeiro, 2022, p. 4). O ideal é que o
mediador seja integrante da equipe pedagógica da escola (ou no
caso de estagiários, supervisionado por um profissional da escola),
e a legislação atual, inclusive preconiza que as escolas, públicas e
privadas, e não as famílias são as responsáveis pela contratação
desse profissional.

[...] professor de apoio. Tinha uma que era da escola, tinha outra que
não era (Gustavo, 26 anos, Ensino Superior incompleto).

[...] tem outra professora que me ajuda [...] até umas coisas que eu não
sei fazer e eu peço ajuda dela, só as profe… têm alguns professores,
têm algumas professoras que eu perguntava, que eu perguntava como
faz ...e ai faço sozinha depois mostro pra minha outra professora
(Milene, 12 anos, cursando o Ensino Fundamental I).

Nossa intenção foi apresentar a experiência dos participantes


em relação aos suportes especializados que lhes eram oferecidos
durante a sua escolarização. Como nem sempre os relatos eram
detalhados, pode haver casos em que havia os serviços na escola,
mas não foram identificados como tal. Vale lembrar, ainda, que
nem todo aluno com deficiência intelectual necessita de
atendimento especializado. Em muitos casos, o próprio professor
regente, através de procedimentos de flexibilização curricular e
práticas pedagógicas diferenciadas poderá promover sua
aprendizagem.

71
Considerações finais

Ao longo deste texto discutimos as experiências de estudantes


com deficiência intelectual na Educação Básica, partir de seus
relatos pessoais, com foco para sua visão sobre as práticas
pedagógicas. Como seria esperado com qualquer grupo de alunos,
as vivências escolares variaram de sujeito para sujeito, em função
de suas características pessoais, sua maneira de ser e estar no
mundo e, certamente, das experiências educacionais a que foram
expostos.
Entretanto, todos compartilhavam de uma condição de vida
semelhante: a de estudantes com deficiência intelectual inseridos
no contexto do ensino comum. Esse rótulo implica em um papel
social determinado e impõe formas semelhantes de adaptação ao
mundo. Nesse sentido, a utilização do método de História de Vida
foi bastante profícua, pois, “permite a manutenção da
subjetividade individual [...] ao mesmo tempo que traz à tona as
características psicossociais comuns que formam a base da
identidade grupal” (Glat, 2009, p.194).
A disseminação das políticas de Educação Inclusiva vem
trazendo, a todo ano, um incremento significativo do quantitativo
de alunos com deficiências no ensino comum, obrigando o sistema
educacional a adaptar-se para atender às diferentes demandas
educacionais desse público. Segundo o INEP, em todas as etapas
da Educação Básica, com exceção da EJA, mais de 90% de
estudantes público da Educação Especial estão matriculados e
incluídos em classes comuns (Brasil, 2023).
Uma vez inseridos na classe comum, estes estudantes passam
a vivenciar a rotina escolar, experimentando novas experiências
acadêmicas e sociais. Porém, frequentemente ficam expostos aos
preconceitos abertos ou velados oriundos da cultura do

72
capacitismo7 (Gesser; Block; Mello, 2020; Lunardelli; Kawakami,
2023), ainda forte no ambiente escolar programado para a
homogeneidade e a meritocracia.
Pode-se dizer que, de modo geral, a deficiência intelectual
continua sendo concebida como um problema, um impedimento
para aprendizagem acadêmica. E este quadro se potencializa, nos
níveis mais avançados de ensino. Entretanto, esses estudantes
estão chegando à universidade trazendo novos desafios para o
sistema educacional, como será discutido em capítulos
subsequentes desta obra.
A proposta de Educação Inclusiva coloca em xeque a escola
meritocrática, competitiva e excludente e exige uma nova cultura
escolar, pautada na diversidade e no desenvolvimento de práticas
pedagógicas que contemplem a flexibilização e acessibilidade
curricular. No caso dos estudantes com deficiências, como os
participantes desta pesquisa, é necessário também dispor de um
sistema de suporte especializado que acompanhe e oriente não só
eles, mas, sobretudo, os professores regentes para que possam
transformar sua atuação e atender às suas necessidades
educacionais específicas.
O estudante com deficiência intelectual, de modo geral,
precisa de um acompanhamento sistemático, frequentemente com
suporte individual e especializado, para que não haja defasagens
em sua aprendizagem que o deixem aquém ou alheio ao seu grupo
de referência, ou seja, a classe em que está matriculado. Quando o
processo não é programado adequadamente, resulta,
invariavelmente, em sua exclusão educacional e social, levando
frequentemente ao fracasso, e até mesmo, abandono escolar.
Na maioria dos casos, estudantes com deficiência intelectual
incluídos no ensino comum não experimentam a vivência escolar
na sua integralidade. E, mais importante, não são ouvidos durante

7 Em termos gerais, capacitismo se refere ao preconceito e discriminação em


relação a pessoas com deficiências, consideradas menos capazes e inferiores que
as demais em função da condição de deficiência.

73
a sua trajetória estudantil, por não serem considerados aptos a esse
tipo de participação.
Nessa direção, para fazer frente às atuais expectativas
colocadas pela inclusão escolar de estudantes com deficiência
intelectual, “mais do que desenvolver novos métodos e propostas
de atendimento, precisamos desconstruir a visão estereotipada de
incapacidade, de dependência e de limitação que sempre marcou −
aberta ou veladamente − o tratamento que conferimos a esses
alunos [...]” (Glat, 2018, p. 10). Somente atuando sob uma ótica
inclusiva e emancipatória será possível atender à diversidade
presente nas instituições de ensino, seja a escola básica, seja o
ensino superior. Sem as transformações necessárias, haverá a
perpetuação de situações inadequadas no ambiente escolar.
Neste sentido, consideramos que a valorização do discurso do
sujeito como dado primordial para construção do conhecimento
sobre o fenômeno estudado, é a característica principal que valida
a utilização da metodologia de História de Vida, para pesquisas
voltadas a grupos marginalizados e excluídos, como estudantes
com deficiências. Entendemos que a escuta a esses estudantes é
primordial para compreender suas demandas e elaborar propostas
educacionais mais inclusivas, contribuindo, assim, para
desenvolvimento de estratégias pedagógicas que melhor garantam
sua participação e aprendizagem deste público no contexto do
ensino comum.

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77
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143p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
Estadual Paulista, Marília, 2011.

78
Avaliação da aprendizagem escolar de alunos com deficiência
intelectual: concepções e percepções dos sujeitos

Suzanli Estef
Rosana Glat

A ação educativa não é o algo pronto e definitivo; pelo


contrário, suscita muitos questionamentos, discussões,
planos e realizações. Processo de ensino e aprendizagem
e, consequentemente, a avaliação deste processo exige um
contínuo repensar e um constante recriar.
Haydt (2022, p.15)

Nas últimas duas décadas, em função da disseminação das


políticas de inclusão escolar, um crescente contingente de alunos
ditos especiais, até então restritos ao atendimento em escolas ou
classes especiais, vem ingressando no ensino comum, trazendo
novas demandas e desafios para as instituições educacionais.
O presente capítulo tem como foco o processo de avaliação do
desempenho escolar de alunos com deficiência intelectual, no
contexto da Educação Básica. Seguimos como definição de
Deficiência intelectual, utilizada por diversos aparatos legais, a da
American Association for Intellectual Disability and Development
(AAID)1. Conforme Redig (2014, p. 35-36):

A AAIDD (2012) caracteriza a deficiência intelectual por


significativas limitações no funcionamento intelectual e no
comportamento adaptativo, originando-se antes dos 18 anos de
idade. Uma das formas de mensuração, ainda é o teste de QI, pois, a
habilidade intelectual ou inteligência, significa a capacidade mental
geral da pessoa para aprendizagem, raciocínio, resolução de
problemas etc. (AAIDD, online). É importante ressaltar que a

1 Associação Americana de Deficiência Intelectual e de Desenvolvimento.

79
deficiência intelectual não é mais classificada em níveis – leve,
moderado, profundo e severo – visto que o diagnóstico deve
considerar os aspectos sociais, familiares, entre outros. A atual
concepção de deficiência intelectual proposta pela AAIDD (online),
portanto, contempla o sujeito em seu desenvolvimento global. Por
esta definição, o comportamento adaptativo abrange (AAIDD,
online; Almeida, 2012): Habilidades sociais: habilidades
interpessoais, responsabilidade social, autoestima, resolução de
problemas sociais, compreensão de regras, leis e não se fazer de
vítima; Habilidades conceituais: linguagem e alfabetização,
dinheiro, tempo, conceitos matemáticos e autodefensoria;
Habilidades práticas: atividades da vida diária (cuidados pessoais),
habilidades ocupacionais, de saúde, transporte, rotina, segurança,
uso do dinheiro, telefone.

Esta maior heterogeneidade do alunado requer das escolas


uma reorganização do seu projeto político pedagógico, de suas
práticas, dos seus espaços e da dinâmica pedagógica e
organizacional, de uma maneira geral. Pois, de acordo com as
políticas de Educação Inclusiva, qualquer aluno, independente de
suas condições, tem direito de acesso e permanência no ensino
comum, cabendo à escola a competência de garantir sua
aprendizagem (Glat; Blanco, 2009).
Segundo essa proposta, não é mais o aluno que deve se
adaptar à escola, mas sim essa que precisa transformar-se para
acolher no ensino comum todos os estudantes, inclusive aqueles
que apresentam deficiências ou outras necessidades educacionais
específicas (Glat, 2016). Em outras palavras, uma escola inclusiva é
estruturada no pressuposto de que os métodos e práticas
pedagógicas devem ser direcionados para o atendimento da
diversidade do corpo discente.
Certamente, a implementação dessa nova cultura escolar, em
um modelo educacional alicerçado numa concepção de
qualificação com base na meritocracia, não vem sendo tarefa fácil,
mas repleta de conflitos políticos, ideológicos, econômicos, sociais
e, sobretudo, pedagógicos. Implementar uma Educação Inclusiva

80
requer uma reflexão responsável, realista e consciente. Em outras
palavras, precisamos rever nossas práticas curriculares,
metodológicas, e a dinâmica escolar cotidiana; ou seja, repensar a
função da escola e o papel do professor frente esta diversidade do
alunado que agora frequenta as salas de aula.
Esta demanda, entretanto, esbarra em um modelo de
organização escolar seriada, classificatória, em que os alunos são a
priori agrupados por idade, com conteúdos curriculares pré-
selecionados, e que ao final de cada ano letivo promove (ou não) a
sua inserção para os anos seguintes. Neste cenário, a avaliação do
desempenho escolar de estudantes com diferenças significativas no
ritmo e estilo de aprendizagem se torna um dos maiores desafios
para os educadores.
Nesse sentido, considerando a temática, no decorrer do texto,
discutiremos diferentes conceitos sobre avaliação do desempenho
escolar, com base na literatura, em documentos legais, bem como a
visão de educadores e de estudantes com deficiência intelectual que
passaram por processos avaliativos no contexto da Educação Básica.
Seguindo a proposta desta obra, destaque será dado às
percepções dos estudantes com deficiência intelectual que,
indubitavelmente, representam um dos maiores desafios aos
sistemas educacionais contemporâneos, sobretudo no campo da
avaliação de seu desempenho escolar. Para tal, utilizaremos dados
de estudos que analisaram a percepção desses sujeitos a partir de
seus próprios depoimentos (Caldwell, 2011; Carneiro, 2007; Glat;
Estef; 2021; Glat, 2024; entre outros)

Concepções de avaliação do desempenho escolar

Para melhor contextualizar nossa discussão, apresentamos nos


quadros a seguir a conceitualização de avaliação escolar por
autores reconhecidos no campo, bem como de documentos legais
que direcionam as práticas avaliativas.

81
Quadro 1 - Conceitos teóricos sobre avaliação escolar
BASE DE CONCEITOS DE
CITAÇÃO
PESQUISA AVALIAÇÃO
Avaliação
formativa, que
[...] A avaliação formativa está,
participa da
portanto, centrada essencial,
regulação da
PERRENOUD direta e imediatamente sobre a
aprendizagem com
(1999) gestão das aprendizagens dos
vista a intervir nos
alunos (pelo professor e pelos
processos de
interessados).
aprendizagem em
curso.
A avaliação escolar é um meio
e não um fim em si mesma; está
delimitada por uma
determinada teoria e por uma
determinada prática
Avaliação como pedagógica. Ela não ocorre
CALDEIRA reprodutora do num vazio conceitual, mas está
(2000) modelo de dimensionada por um modelo
sociedade. teórico de sociedade, de
homem, de educação e,
consequentemente, de ensino e
de aprendizagem, expresso na
teoria e na prática pedagógica.
(p. 122)
[...] prática de investigação, se
configura como prática
fronteiriça que permite o
trânsito entre lugares já
percorridos e novos lugares,
ESTEBAN Avaliação
alguns que já se podem
(2000) investigativa
vislumbrar e outros ainda não
explorados, não pensados e
alguns que sequer foram
nomeados ou demarcados.
(p.15)

82
Avaliar é o ato de diagnosticar
uma experiência, tendo em
Avaliação
vista reorientá-la para produzir
LUCKESI diagnóstica e
o melhor resultado possível;
(2005) reorientadora de
por isso, não é classificatória
práticas.
nem seletiva, ao contrário, é
diagnóstica e inclusiva. (p. 83)
[...] ato de avaliar depende da
percepção que cada um tem de
si, de sua prática pedagógica e
de sua própria relação com a
escola. Exige reflexão sobre o
papel da escola na sociedade
Avaliação como atual, sobre a natureza e o
ação docente âmbito do conhecimento
cercada de juízos de escolar, reflexão sobre seu
DALBEN valores, próprio papel diante do
(2004) subjetividade e conteúdo que é veiculado e
reflexão acerca de como mediador na relação do
suas ações aluno com esse conhecimento.
pedagógicas. Exige o conhecimento do aluno
e da sociedade, conhecimento
do hoje, do ontem e ainda uma
capacidade de prever um
futuro próximo, já que
formamos um jovem para o
amanhã. (p. 183)
Fonte: Elaborado pelas autoras

83
Quadro 2 - Conceitos de avaliação escolar: documentos educacionais
legais
BASE DE CONCEITOS DE
CITAÇÃO
PESQUISA AVALIAÇÃO
Avaliação como
Lei de
instrumento de
Diretrizes e Verificação do rendimento
verificação do
Base - escolar [...]. Art. 24, inciso V
aprendizado do
LDB/1996
aluno.
[...]conjunto de atuações que
Avaliação como
tem a função de alimentar,
processo
sustentar e orientar a
Parâmetros contínuo,
intervenção pedagógica.
Curriculares sistematizado,
Acontece contínua e
Nacional - qualitativo e
sistematicamente por meio da
PCNs/1997 direcionador das
interpretação qualitativa do
práticas
conhecimento construído pelo
pedagógicas.
aluno. (p. 55)

Avaliação como A avaliação do aluno, a ser


processo realizada pelo professor e pela
Diretrizes contínuo, escola, é redimensionadora da
Curriculares diagnóstico e ação pedagógica e deve
Nacionais/2013 redimensionadora assumir um caráter processual,
das práticas formativo e participativo, ser
pedagógicas. contínua, cumulativa e
diagnóstica. (p. 123)
Fonte: Elaborado pelas autoras

Embora o espaço deste texto não nos permita entrar em uma


análise aprofundada dessas diferentes concepções, fica claro,
observando os Quadros 1 e 2, que avaliar no contexto escolar
abrange diversos significados, tais como medir conhecimento,
classificar, promover ou reter o aluno.
Ao longo do tempo, os sucessivos modelos de ensino e
diferentes conceitos sobre avaliação escolar refletiram diretamente

84
no “chão da escola”, através das formas e instrumentos utilizados
para as avaliações, bem como as práticas pedagógicas adotadas.
A Figura 1 mostra quatro vertentes avaliativas, sintetizando as
concepções de professores da Educação Básica sobre avaliação do
desempenho escolar (Estef, 2016; 2021).

Figura 1- Concepções de professor sobre avaliação da aprendizagem na


Escola Básica

Avaliação quantitativa classificatória: para medir conhecimento

Segundo Libâneo (2002), a avaliação classificatória tem como


função ranquear os alunos ao final da unidade, semestre ou ano
letivo, segundo os níveis de aproveitamento apresentados de
acordo com resultados de testes e outros instrumentos. O objetivo
básico da avaliação classificatória é determinar se o aluno será
aprovado ou reprovado. Ou seja, está vinculada à noção de medir,
determinar a quantidade, a extensão ou o grau de conhecimento
dos estudantes. A aferição, por definição, se refere aos aspectos
quantitativos, ou seja, à nota obtida.

85
Avaliação qualitativa processual

Como mencionado, em um sentido geral, avaliação é


indispensável a atividade humana. Quando avaliamos emitimos
um juízo de valor, uma interpretação sobre a importância ou
qualidade de ideias, trabalhos, situações, métodos; enfim, traçamos
um olhar sobre o que está sendo avaliado. Sendo entendida como
processo contínuo, a avaliação pode favorecer a escolarização dos
alunos e a construção dos conhecimentos, na medida em que seja
considerada como um processo longitudinal.
Neste sentido, o resultado de uma avaliação serve como ponto
de partida e reflexão sobre o progresso acadêmico que o aluno está
apresentando (ou não), e que estratégia o professor pode seguir
para favorecer, dali para frente, seu desenvolvimento (Estef, 2016).
Compreendemos, assim, que a avaliação deve ocorrer
consecutivamente e não em momentos estanques, em situações
isoladas, como a realização de provas e testes. Pois, na perspectiva
processual avaliar não se limita em aferir o conhecimento através
de notas, e sim obter elementos sobre o processo de construção do
conhecimento do estudante.
Nesse sentido, a questão essencial não consiste em determinar
se o aluno deve receber esta ou aquela nota, considerada o fator
determinante do grau de aprendizado do estudante. Mas sim,
entender as atividades avaliativas como elementos auxiliares na
prática pedagógica, indicando ao docente como melhor direcionar
o ensino. Em outras palavras, esta concepção não está focada no
produto final, a nota ou conceito, e sim no desenvolvimento
processual do aluno.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil,
1997, p. 55), o processo de avaliação deve acontecer de maneira “[...]
contínua e sistematicamente por meio da interpretação qualitativa
do conhecimento construído pelo aluno”. Portanto, a avaliação
como processo caracteriza-se pelo olhar contínuo, com a intenção
de aprimoramento dos estudantes, visando o seu desenvolvimento

86
global. Logo, não pode ser só uma medida quantitativa de aspectos
isolados.

Avaliação como orientação para formação docente

A ideia de que a avaliação pode ser um parâmetro para novas


ações docentes, surge a partir do entendimento que ela serve como
uma ferramenta para o acompanhamento do processo de ensino e
aprendizagem. Portanto, é a partir do desempenho do aluno que o
professor redireciona sua prática.
Adotar o conceito do processo de avaliação como um
elemento que contribui para a formação docente, demanda da parte
do professor uma reflexão sobre as suas próprias práticas
pedagógicas. Ou seja, discernimento de perceber dificuldades e
avanços, com a finalidade de possibilitar uma tomada de decisão
sobre o que fazer, reajustando seus planos de ação para superar os
obstáculos que impedem a aprendizagem dos alunos.
Neste sentido, a avaliação deve ter o objetivo de construir
novas estratégias de ensino, de ser um instrumento de reflexão, de
problematização constante das metodologias e das intervenções.
Ou seja, os resultados encontrados a partir das respostas dos alunos
servem como feedback para ações docentes.

Avaliação acessível para alunos com Deficiência Intelectual

Com a política de Educação Inclusiva, a escola tem sido


requisitada a elaborar diferentes estratégias de ensino e de
avaliação para atender as demandas e responder à diversidade do
alunado. Entretanto, embora os documentos oficiais tenham
indicativos de avaliação num contexto de escolarização inclusivo
(Brasil, 2008), diversos estudos mostram que, na prática, a
avaliação de estudantes com deficiência intelectual, como também
com outras condições de deficiência, Transtorno de Expecto Autista
e altas habilidades ainda é um dos aspectos mais contraditórios do

87
cenário educacional (Capellini; Mendes, 2002; Jesus, 2004; Estef,
2016; 2021; entre outros).
As Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação
Básica, elaboradas no ano de 2001, define avaliação do desempenho
escolar como um

[...] processo permanente de análise das variáveis que interferem no


processo de ensino e aprendizagem, para identificar potencialidades
e necessidades educacionais dos alunos e as condições da escola para
responder a essas necessidades (Brasil, 2001, p. 34).

Segundo Pletsch e Braun (2008, p. 1) “[...] uma proposta de


educação que se pretenda inclusiva envolve não apenas o acesso e
a permanência na classe comum do ensino regular, mas também o
desenvolvimento social e escolar do aluno com deficiência”. Para
tal, é preciso que os envolvidos no processo de ensino desses alunos
conheçam suas características de aprendizagem, traçando objetivos
para que estimulem seu desenvolvimento e práticas acessíveis que
facilitem sua escolarização. A avaliação da aprendizagem é um
importante meio de identificação das necessidades educacionais e
tomada de decisões pedagógicas.
Conforme já discutido, o modelo de avaliação de desempenho
está incorporado às práticas pedagógicas e à escolha de
determinadas metodologias, recursos e materiais pedagógicos, os
quais podem favorecer ou desfavorecer o processo de
aprendizagem, sobretudo no caso dos estudantes que apresentam
deficiências ou outras necessidades educacionais específicas. Para
a operacionalização da Educação Inclusiva, a escola precisa adotar
uma postura transformadora, ressignificando suas concepções em
relação ao currículo, ao projeto político pedagógico e,
consequentemente, à ação de avaliar.
Entendemos, assim, que Educação Inclusiva demanda,
inevitavelmente, que se adote a perspectiva de uma avaliação
acessível. Entretanto, é importante destacar que não se trata

88
somente da adaptação de recursos pedagógicos ou a flexibilização
do tempo e espaço de realização das provas.
A concepção da organização didática, do planejamento dos
conteúdos curriculares e a elaboração dos instrumentos deve
considerar as necessidades do aluno e tornar acessível o processo
de ensino e de avalição. Como, por exemplo, se um estudante cego
faz uso de braille seu processo de ensino e, consequentemente, o de
avaliação deve ser na escrita em braille. Considerando que um
estudante com deficiência intelectual que tem como centro de
interesse cavalos e precisa trabalhar sequência de produção de
textos, construir uma história sobre cavalos com o uso de imagem
é uma boa alternativa pedagógica de acessibilidade e se deve usar
como estratégia para facilitar a inclusão escolar desse aluno.
As concepções sobre avaliação da aprendizagem na Educação
Básica, apresentadas até aqui, servem como fundamentação para
uma reflexão sobre a inclusão de estudantes com deficiência
intelectual no contexto escolar e vão ao encontro às percepções dos
próprios sujeitos, conforme será discutido a seguir.

Percepções sobre avaliação do desempenho escolar: a ótica do


estudante com deficiência intelectual

Considerando que um modelo de avaliação acessível propicia


condições para que os alunos com deficiência intelectual possam
demonstrar seu aprendizado, a equipe escolar deve assumir uma
postura dinâmica de planejamento e acompanhamento do registro
avaliativo, no sentido de reconhecer condições de aprendizagem de
cada estudante e identificar as áreas acadêmicas em
desenvolvimento. De fato, diversos estudos (André, 1999; Estef;
Redig, 2024; Glat; Pletsch, 2012; entre outros) vêm apontando que
estudantes que não conseguem aprender pelos procedimentos
tradicionais, devem ter estratégias de acessibilidade para lhes
garantir o acesso aos conhecimentos acadêmicos e sociais,
promovido nos espaços escolares.

89
E um dos caminhos mais profícuos para fundamentar essa
mudança de paradigma de ensino e avaliação meritocrático e
excludente para uma proposta diferenciada e acessível, é
justamente levar em consideração a experiência e demandas dos
próprios estudantes. Os trechos a seguir mostram exemplos, sob a
própria ótica de estudantes com deficiência intelectual, dos efeitos
da prática pedagógica do professor na sua aprendizagem e sua
percepção sobre o processo de escolarização e, consequentemente,
sobre o processo de avaliação.

[...] quando eu cheguei na escola, eu tinha muita dificuldade [...] no


dia da prova eu, eu faço, eu não faço em sala, mas eu faço, é...
separado, e lá eu tô fazendo a prova uma por dia. A prova é
separada, porque se eu fizer a prova junto com eles eu não consigo
me concentrar (J., 23 anos, Glat, 2020)

Também é comum que pessoas, crianças e jovens, com


deficiência intelectual tenham uma trajetória contínua de fracasso
escolar, passando por diversas escolas, como ilustrado pelas
narrativas abaixo.

Eu já passei pelas outras escolas. Ai, nas outras escolas, não me


deixavam passar (Alan, 28 anos, Glat, 2020).

Uma das coisas que eu notei antes de me mandarem para a classe de


educação especial é que eu era mais lento do que muitas outras
crianças da classe. Geralmente eles ficavam esperando que eu
conseguisse fazer alguma coisa antes que passassem pra outra coisa,
e isso me fazia me sentir mal o tempo todo. Isso me fazia sentir como
se eu não soubesse nada (Caldwell, 2011, p. 315).

Apesar do crescente quantitativo de estudantes com


deficiência intelectual ingressando anualmente na Educação
Básica, há ainda um grande contingente que fracassa na escola
comum e volta para o ensino especial ou abandona de vez os
estudos, devido às suas dificuldades de aprendizagem, que não são

90
supridas com recursos de acessibilidade (Glat, 2016). Mesmo em
vigência das políticas de inclusão, grande parte dos alunos com
deficiência são “incluídos” em classes comuns da Educação Básica,
sem que haja nenhuma transformação nas práticas pedagógicas
para atender às suas necessidades educacionais específicas. E, mais
ainda nas atitudes dos professores em relação à sua
responsabilidade em ensinar a esses alunos.
Os dois relatos a seguir são bastante significativos, pois
mostram como ainda é bastante arraigado o preconceito dos
professores, que se manifesta na baixa expectativa das
possibilidades de aprendizado desses alunos. Essas posturas, que
representam as chamadas barreiras atitudinais, são percebidas de
forma dolorosa pelos estudantes, contribuindo para sua
insegurança e baixa autoestima, fatores que afetam e dificultam
ainda mais sua aprendizagem, se refletindo diretamente no seu
desempenho escolar medido pelo processo avaliativo.

[...] tipo assim, era uma mesa separada pra quem não sabia e pra
quem sabia; Por exemplo, tem um papel, tem um texto, uma história;
se você não sabe, como, como é que você vai fazer o negócio se você
não sabe ler e escrever? Aí ela falava pra gente que não queria
ensinar porque a gente era burro e não ia conseguir aprender (J. 23
anos, Glat, 2020).

[...] eu... se no primeiro estava muito integrado na sala, no segundo


estava cada vez mais marginalizado [...]. Os professores eram mais
velhos[...] poucos professores confiavam nas minhas capacidades.
Eram muitos mais velhos com ideias muito... tradicionais, antigas...
e aí me custou muitíssimo. Depois de ver todos os dias a cara
amarrada dos colegas a marginalização era maior. A verdade que
isso te dá muitíssima impotência (Carneiro, 2007, p. 137).

A provocação para a viabilidade da inclusão de alunos com


deficiência intelectual no ensino comum, com sua dinâmica e
diretrizes curriculares, se materializa no processo de avaliação da
aprendizagem (Estef, 2016; Oliveira; Valentim; Silva, 2013). Não

91
resta dúvida que a grande parte desses estudantes, mesmo com
adequações curriculares, demandará algum nível de acessibilidade
aos métodos e procedimentos avaliativos. Diferenciação do ensino
implica, necessariamente, em uma avaliação acessível, seja de
conteúdo, forma e/ou tempo-espaço de realização das provas e
testes, entre outras possibilidades (Rosa; Sardou; Estef; 2024).
Segundo Maffezoli e Góes (2024), para alguns alunos com
deficiência intelectual, a experiência de avaliação do aprendizado
escolar pode ocorrer de maneira tão empobrecida, fora do contexto
curricular e sem recursos de acessibilidade, que muitos não se
recordam dela. Isso se dá devido à descrença nas habilidades e
capacidades do indivíduo, fazendo com que as propostas e
perspectivas de ensino e avaliação sejam desenvolvidas de forma a
abordar minimamente o conteúdo proposto, para aquele nível de
ensino. Neste caso, a abordagem pedagógica e a relação entre o
professor e o aluno pautam-se numa visão reducionista e
preconceituosa, não colaborando para a ampliação do repertório de
conhecimentos destes alunos e não permitindo o seu pleno
desenvolvimento.
Ficou aparente pelos relatos das pessoas com deficiência
intelectual, que apesar da consolidação das políticas de inclusão,
esses estudantes não estão tendo experiências escolares adequadas
que, de fato, garantam sua participação, aprendizagem e
favoreçam sua inclusão educacional e social. A análise das falas
sobre o processo de avaliação nos faz questionar, inegavelmente, a
concepção do processo ensino e aprendizado, currículo, a
estruturação e aplicação dos projetos político pedagógicos das
escolas, além da formação dos professores e as políticas
educacionais, como um todo.
O feedback desses alunos deve servir de base para a
reconfiguração de procedimentos e estratégias avaliativas
construídas em consonância com a perspectiva de inclusão escolar.
A intenção é convocar outro olhar para essa prática, que não diz
respeito somente ao aluno, mas às crenças e suposições do outro a
quem esse sujeito está submetido.

92
Um convite a reflexão

A Educação Inclusiva foi implementada em nosso país como


uma das políticas educacionais prioritárias. Entretanto, não se pode
discutir sobre práticas inclusivas exercidas no contexto educacional,
sem considerar questões relacionadas ao desenvolvimento humano
e aprendizagem, as quais precisam estar em consonância com uma
proposta pedagógica que atenda a diversidade dos estudantes que
frequentam a Educação Básica. A instituição escolar é responsável
pela socialização do conhecimento acadêmico, ensinar e aprender
envolve aspectos cognitivos, emocionais políticos e culturais, os
quais se encontram inter-relacionados.
Pensar sobre avaliação do desempenho escolar é refletir sobre
multifaces que se interlaçam, pois cada indivíduo tem seu padrão
e ritmo de desenvolvimento. Por ser a educação escolar
favorecedora da aprendizagem, as práticas pedagógicas devem
envolver atividades que auxiliem a produção de saberes,
considerando as peculiaridades e atendendo a pluralidade do
alunado, tornando o processo de ensino e de avaliação acessível e
profícuo para todos os estudantes.

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96
Formação docente para alfabetização e letramento:
possibilidades para vida independente da pessoa com
deficiência intelectual

Cristina Angélica de Aquino de Carvalho Mascaro

Ensinar não é transferir conhecimentos, mas


criar possibilidades para sua própria produção
ou construção.
Paulo Freire

Introdução

O processo para alcançar uma vida adulta independente


reveste-se de complexidade para todas as pessoas. É um momento
no qual vamos nos preparando ao longo do nosso itinerário
formativo para nossas escolhas, de acordo com nossas expectativas,
para esta etapa da vida. Tal processo torna-se mais complexo, ao
pensarmos nas pessoas com deficiência. O presente capítulo
apresenta o relato de uma pesquisa, em andamento, intitulada
“Alfabetização e letramento com ênfase no Desenho Universal na
Aprendizagem – DUA e no Plano Educacional Individualizado –
PEI: perspectivas para a inclusão do estudante com deficiência
intelectual” (Mascaro, 2024)1, tendo como recorte focal o desenho
do estudo, por meio de uma formação docente remota para atuação
com estudantes com deficiência intelectual.
De forma a destacar a relevância da temática para a história de
vida de pessoas na condição da deficiência intelectual, além da
proposta formativa, será apresentado o percurso do participante

1 Pesquisa financiada pelo Programa Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE) da


FAPERJ; aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa pelo Parecer nº 3.802.887,
financiada pelo edital JCNE (2023).

97
piloto do estudo e os caminhos por ele trilhados, a partir de sua
participação na pesquisa.

Alfabetização e letramento de pessoas com deficiência


intelectual: uma demanda para a vida adulta independente

Vivemos nos últimos anos um longo percurso para a garantia


de direitos das pessoas com deficiência. Para isso, tem sido
necessário uma revisão nos aparatos legais, bem como a
conceituação ou a forma como entendemos a condição dos
indivíduos que apresentam necessidades específicas e a relação
direta com o ambiente na qual pertencem.
De acordo com a Lei 13146 (Brasil, 2015), conhecida como Lei
Brasileira de Inclusão (LBI), a pessoa com deficiência é definida
como aquela que apresenta “impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas”. Esta definição busca uma
revisão na lente pela qual percebemos a pessoa com deficiência,
sem projetarmos o foco na sua condição intrínseca, mas sim nas
condições ambientais. A construção de uma sociedade inclusiva
requer a busca pela criação de estratégias que eliminem possíveis
barreiras para a participação das pessoas com deficiência em
qualquer esfera de sua vida.
No estudo aqui apresentado, voltou-se para a produção de
conhecimento sobre estratégias de ensino da leitura e da escrita e
seus usos sociais. Pois a falta de acesso a este tipo de aprendizagem
torna-se uma barreira para que pessoas com deficiência intelectual
se incluam socialmente, na medida em que vivemos em uma
sociedade grafocêntrica2, pautada em diversos tipos de letramento.
Ter a possibilidade de ler textos, compreender textos com

2Sociedades gafrocêntricas são aquelas em que a escrita permeia as interações


humanas.

98
diferentes objetivos, possibilita que a pessoa se torne autônoma, em
diferentes situações. Entretanto, a aprendizagem da leitura e de
habilidades para compreender textos, requer uma intervenção
adequadas para serem consolidadas.
Sendo assim, optamos nessa pesquisa, ao elaborarmos a
proposta da formação docente para alfabetização e letramento,
coadunar as duas ações: alfabetizar e letrar. Senna (2019, p. 179),
aponta que “embora possamos falar de duas áreas, letramento e
alfabetização são faces de um único campo acadêmico”, sendo a
compreensão dessa globalidade algo complexo, do qual ainda não
se percebe um compromisso efetivo voltado para a aproximação
efetiva à realidade dos sujeitos escolares.
Nessa direção, complementamos nossa proposta para
alfabetizar e letrar pessoas com deficiência intelectual coadunando
com Soares (2020) que nos adverte sobre ser imprescindível que os
estudantes aprendam o sistema alfabético de escrita, conhecendo
seus usos sociais: ler, interpretar e produzir textos. Em outras
palavras, não se deve apenas alfabetizar e sim, alfabetizar e letrar,
o que a autora supracitada denomina “alfaletramento”. Ou seja,
devem dominar o código escrito simultaneamente com a
aprendizagem do seu uso social.
O cerne de nossa proposta vai de encontro à busca por
alfaletrar pessoas com deficiência intelectual. Segundo a
Associação Americana de Deficiência Intelectual e
Desenvolvimento (AAIDD, 2021) a pessoa com deficiência
intelectual é definida como aquela que apresenta limitações
significativas tanto no funcionamento intelectual quanto no
comportamento adaptativo, manifestadas nas habilidades
adaptativas conceituais, sociais e práticas. Também é destacado
que a deficiência se origina durante o período de desenvolvimento
que é definido como aquele antes de o indivíduo atingir a idade de
22 anos. A AAIDD (2021) ressalta ainda que o funcionamento da
pessoa nesta condição vai ser diretamente influenciado pela
qualidade de suportes que receberem ao longo da vida.

99
Dessa forma, o planejamento de ações voltadas ao pleno
desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual, necessita
considerar a existência de limitações intrínsecas como aquelas
relacionadas ao funcionamento intelectual, mas também que há
formas de interferir no nível de comprometimento manifestado nas
habilidades adaptativas (aprendizagem conceitual, uso de
dinheiro, uso de regras de convívio social, dentre outras).
O estudo desenvolvido teve como objetivo contribuir para a
eliminação de barreiras relacionadas às habilidades conceituais;
especificadamente aquelas voltadas para a leitura, escrita, cálculos
simples e o uso das tecnologias. A intenção foi associar o ensino
destas habilidades ao Plano Educacional Individualizado – PEI, por
meio de uma formação docente teórico e prática. O PEI é um plano
de ensino elaborado com estratégias pedagógicas personalizadas
com objetivo de tornar um conteúdo curricular acessível a um
estudante (Mascaro; Redig, 2021). Na próxima seção
apresentaremos a organização da proposta formativa.

Desenho metodológico do estudo

O estudo desenvolvido ancora-se na perspectiva histórico-


cultural de Vigotski, uma abordagem que compreende o homem
como sujeito de sua história. Entende-se, então que o processo de
desenvolvimento das pessoas com uma deficiência é regido pelas
mesmas leis do que as sem deficiência (Vigotski, 2021). Sendo
assim, professores precisam buscar os caminhos alternativos,
quando a condição intrínseca oriunda da deficiência for uma
barreira para o acesso ao que está sendo ensinado. Esta abordagem
vai de encontro aos pressupostos da AIDD (2021) de que a
qualidade de apoio e suportes que a pessoa com deficiência
intelectual recebe ao longo da vida influencia o seu
desenvolvimento.
Quanto ao desenho investigativo, o estudo caracteriza-se em
uma abordagem qualitativa, dentro dos pressupostos de uma
pesquisa-ação, a qual pode ser definida como o estudo de uma

100
situação social com a visão de modificá-la dentro do seu contexto.
Segundo Desroche (2006), na pesquisa-ação os atores não são
objetos de observação, explicações ou de interpretações, eles são
sujeitos participantes do processo.
A pesquisa-ação não delimita hierarquia entre os sujeitos,
porém, é imprescindível que cada um tenha seu papel bem
delimitado. No presente estudo os sujeitos participam da seguinte
forma:
A) Equipe de pesquisadores/ professores articuladores:
professores integrantes da equipe, que, com orientação da
coordenação da pesquisa, durante a etapa teórica, ministram as
aulas e na etapa prática, acompanham as equipes de professores
cursistas na elaboração e aplicação do PEI. Neste tipo de pesquisa-
ação são considerados sujeitos devido ao fato de analisarem os
passos dados no estudo e reavaliarem sempre que necessário, os
procedimentos da investigação visando alcançar os objetivos.
B) Professores cursistas: são os participantes da proposta
formativa. Realizam individualmente a etapa teórica, e na etapa
prática são organizados em equipes de três a quatro componentes
para planejamento e aplicação do PEI. São selecionados pela equipe
da pesquisa, após divulgação de processo seletivo nas redes sociais.
Seguindo os pressupostos da pesquisa, após concluírem a
formação, alguns passavam a integrar a equipe de pesquisadores,
atuando na articulação das novas turmas.
C) Estudantes com deficiência intelectual: participam do
estudo em suas residências, realizando as atividades do PEI. São
considerados protagonistas, pois cada PEI é elaborado com base no
que eles expressam sobre suas necessidades e potencialidades em
relação a alfabetização e letramento. Foram selecionados
inicialmente por meio de uma parceria com o Caep Favo de Mel da
Rede FAETEC3, posteriormente passaram a ser indicados pelos
próprios professores cursistas.

3 Centro de Apoio Especializado à Educação Profissional

101
D) Agentes de apoio domiciliar: responsáveis (pais e/ou
irmãos) que dão suporte inicial ao estudante com deficiência
intelectual para realizar a mediação tecnológica. Estes participantes
não haviam sido pensados inicialmente, mas surgiram quando foi
percebida a necessidade dos estudantes de lidarem com os recursos
tecnológicos em suas moradias.
O ambiente do estudo é virtual e a proposta formativa conta
com carga horária de 180 horas. O registro de todas as atividades
acontece por meio de elaboração de notas de campos dos
pesquisadores. O planejamento das atividades do PEI é realizado a
partir do modelo elaborado em um protocolo específico. E a
avaliação do trabalho desenvolvido segue a espiral cíclica da
pesquisa-ação: planejamento, aplicação, avaliação e
replanejamento.
Em prosseguimento, apresentamos inicialmente, o desenho
estruturado para a formação docente, dando ênfase a relatos dos
professores cursistas. Em seguida são apresentados os resultados
relacionados a aplicação do PEI com um estudante com deficiência
intelectual e seus desdobramentos.

Formação docente para alfabetização

Em uma sociedade que valoriza a palavra escrita, pode-se


dizer que o processo de alfabetização corresponde a uma
aprendizagem de suma importância para a inclusão social.
Entretanto, a leitura e a escrita, assim como seu uso social, o
letramento, precisam ser ensinadas, uma vez que não são
habilidades desenvolvidas naturalmente.
Com base nos estudos sobre o Plano Educacional
Individualizado - PEI (Mascaro, 2017) e sobre o Desenho Universal
para Aprendizagem – DUA4 (Mascaro e Redig, 2024), foi elaborado
na pesquisa em pauta um protocolo para alfabetização e letramento

4Estratégia pedagógica voltada para elaboração de planos de ensino acessíveis, na


qual o cerne é eliminar as barreiras para o ensino dos conteúdos.

102
de jovens e adultos com deficiência intelectual, utilizado na
formação docente.
Como mencionado, a formação foi estruturada em atividades
assíncronas em um site, criado pela equipe de pesquisadores, no
qual os cursistas realizavam individualmente as atividades, e
participavam de encontros síncronos semanais para discutir a
proposta do PEI na plataforma Zoom5. Na etapa de aplicação do PEI
com os estudantes, foram formadas equipes com
aproximadamente quatro integrantes cada uma, estruturando um
caminho, buscando atender as necessidades dos estudantes, os
quais recebiam atendimento remotos semanais com duração
aproximada de uma hora. Os conteúdos selecionados pela
coordenação da pesquisa, distribuídos com as atividades síncronas
e assíncronas, totalizam180 horas de formação.
Sendo assim, na etapa teórica os professores cursistas assistem
aulas síncronas semanais e realizam as tarefas assíncronas
propostas, e na etapa prática, se organizam em equipes de dois ou
três cursistas para planejar e aplicar o PEI, tendo o suporte de um
professor articulador (integrante da equipe de pesquisa). O Quadro
01 sintetiza as diferentes fases do estudo.

Quadro 01 - Componentes curriculares


Conteúdos dinamizados semanalmente
Aula inaugural: Contextualização da proposta formativa
Modelos de apropriação do conhecimento/ Ensino Colaborativo
Deficiência intelectual: demandas do Alfaletramento para jovens e
adultos
Desenho Universal na Aprendizagem (DUA) e Avaliação
O Plano Educacional Individualizado (PEI)
Protocolo do PEI: Alfaletramento – Mediação tecnológica
Aplicação do PEI
Apresentação de trabalhos finais e encerramento
Fonte: Acervo da pesquisa (Mascaro, 2021)

5 Programa de software de teleconferência.

103
Seguindo o protocolo do curso, após um contato inicial com um
familiar do estudante (por e-mail e/ou What’sApp), é explicado o
objetivo do estudo e solicitada a autorização para convidar o
estudante com deficiência intelectual sob sua responsabilidade. A
partir do aceite do responsável, a equipe combina um contato por
meio da plataforma Zoom para realizar o convite ao estudante. Neste
primeiro encontro é realizada a sondagem inicial, na forma de uma
conversa informal e/ou realização de atividades on-line (com
objetivo de coletar informações) visando obter conhecimento sobre
sua vida, expectativas e necessidades no contexto atual. Para
elaborar o PEI, essa etapa inicial é denominada “Etapa Introdutória”,
com aproximadamente 4/5 encontros virtuais da equipe com o
estudante. Após esse momento, as equipes definem os objetivos e
conteúdos a serem trabalhados em um formulário próprio.
A Figura 01 apresenta, de modo esquemático, a estrutura da
formação:

Figura 01 - Estrutura da Formação para o Alfaletramento

Planejamento
Etapa teórica Alfaletramento
do PEI

Fonte: a autora

É importante destacar que a primeira turma teve início no ano


de 20206 e atualmente a formação encontra-se com a sexta turma
em andamento, sendo caracterizada na etapa prática, como uma
modalidade de atendimento educacional especializado (AEE)
remoto. A orientação legal para o suporte a inclusão do alunado
com deficiência intelectual, considerado público-alvo da Educação

6 Inicialmente o projeto foi idealizado para acontecer presencialmente na


Faculdade Educação da UERJ; entretanto com o isolamento social decretado pela
OMS em março de 2020, devido a Pandemia da Covid-19, o projeto foi
reformulado para a modalidade remota.

104
Especial é a participação no AEE no contraturno escolar.
Entretanto, de acordo com o Censo Escolar de 2023, apesar do
aumento de matrículas de estudantes com deficiência no ensino
comum, a adesão a este tipo de atendimento tem se mostrado
estável nos últimos cinco anos, pois de 2019 a 2023, a porcentagem
de estudantes com acesso ao serviço passou de 40% para 42%
(Brasil, 2023). Um dado relevante para que possamos criar
estratégias que tornem este tipo de atendimento mais efetivo no
que concerne ao suporte para estes estudantes.
Até final de 2024, terão participado da proposta 240
professores cursistas e 45 estudantes com deficiência intelectual.
Vale destacar que os professores cursistas abrangem diferentes
estados do território brasileiro, por ser uma formação totalmente
remota. A adesão dos estudantes com deficiência intelectual
também tem índices de frequência excelentes, pelo fato de não
precisarem se deslocar no contraturno escolar para realizar as
atividades.
Sobre a relevância do curso, destacamos algumas falas dos
docentes cursistas:

O curso é de extrema importância para minha formação. [...] Diante


disso, começar a pesquisar novos horizontes sobre a temática. O
curso ampliou a minha visão sobre o assunto e com certeza será um
diferencial na minha prática docente (cursista X, 2023).

É de suma importância para a formação dos profissionais que atuam


com alunos com DI, além do conteúdo teórico, a parte prática foi
fundamental para consolidação do conteúdo apresentado, sendo um
exercício que nos instiga e nos traz a reflexão do quanto é importante o
planejamento do PEI para o desenvolvimento do alunado (cursista L,
2023).

O curso proporciona muito aprendizado através da troca com os


colegas, aulas teóricas e principalmente as aulas práticas. As aulas
práticas são essenciais pois proporcionam vivência (cursista H, 2023).

105
Os relatos como das cursistas X, L e H validam a importância
da interação entre a formação teórica e prática, pois o desenho para
aplicação do PEI não se limitou a um protocolo e/ ou modelo a
seguir. O planejamento e aplicação na referida proposta exige a
pesquisa e o diálogo com os pares, assim como com os estudantes
para os quais o trabalho é dirigido.
Sendo o PEI uma estratégia de customização de atividades de
forma a constituir uma proposta pedagógica acessível, não cabe o
oferecimento de modelos prontos. Da mesma forma, não pode ser
elaborado sem informações pormenorizadas sobre o estudante.

Considero essencial o trabalho com o PEI pelo fato de ser uma


estratégia pedagógica que comprovadamente incentiva, respeita e
inclui o estudante em todos os aspectos (cursista M, 2023).

O curso tem um diferencial, de ensinar o que cada sujeito precisa


para usar no seu dia a dia (cursista S, 2023).

[...] o PEI é um instrumento ou metodologia que tem objetivo de


nortear o trabalho educacional com pessoas com deficiência
intelectual (cursista F, 2023).

[...] o curso frisava bastante a questão da não infantilização do


trabalho a ser desenvolvido, estimulando que repensássemos a nossa
prática didática e atuando de forma significativa na vida dos alunos
(cursista P, 2023).

O trabalho pedagógico voltado para atuação com estudantes


que já vivenciaram, frequentemente com pouco sucesso, diferentes
propostas e/ou metodologias para sua alfabetização requer um
diferencial. Não cabe no escopo deste texto discutir métodos de
alfabetização; todos possuem seus méritos, entretanto, nem sempre
são adequados para todas as pessoas. A proposta de Alfabetização
e Letramento pelo viés do PEI envolve a pesquisa e a extensão
universitária para o ensino destas habilidades de modo
personalizado. Educar na perspectiva da inclusão requer inovação,

106
pois para tal é necessário ofertar diferentes possibilidades de acesso
a uma educação de qualidade.
No contexto do estudo aqui discutido, o cerne da inovação
envolve duas temáticas contemporâneas, a saber: formação docente
para o ensino de leitura, escrita e letramento de estudantes com
deficiência intelectual e o atendimento educacional especializado
remoto, com destaque para o uso dos recursos tecnológicos para mediação
ao longo do curso.
Entendendo a relevância do domínio de habilidades como a
leitura, escrita e letramento como fundamentais para inserção
social e consequente vida independente, a formação realizada se
apresenta como uma oportunidade de acesso ao mundo letrado
para pessoas com deficiência intelectual.

Caminhos e desdobramentos na história de vida de um jovem


com deficiência intelectual a partir do alfaletramento

Como mencionado, o curso “Alfabetização e Letramento pelo


viés do Plano Educacional Individualizado” acontecia por meio da
mediação tecnológica com atividades síncronas e assíncronas, e
com carga horária teórica e prática. Na etapa prática, os estudantes
com deficiência intelectual que eram incialmente indicados por
meio de uma parceria com o Caep Favo de Mel, e em turmas
posteriores, por indicação da equipe de pesquisadores e
professores cursistas. Eles são matriculados em um curso de
extensão na modalidade iniciação, e recebem uma certificação pela
participação chancelada pelo Departamento de Extensão da Uerj.
Esta dinâmica representa uma opção de inclusão deste alunado na
universidade, não se restringindo apenas ao eixo do ensino, mas
também aplicado as pesquisas em experiências extensionistas,
valorizando o tripé: ensino, pesquisa e extensão para a construção
de práticas voltadas para a inclusão.
Sobre o início do trabalho, Oliveira (2023, p. 43) ressalta que:

107
Foi um grande desafio realizar a aplicação de forma remota. Tudo
era ainda muito novo dentro do contexto epidêmico. As cursistas
precisavam se apropriar das tecnologias digitais para realizar os
atendimentos e dar orientações e suportes para o estudante e sua
agente de apoio que tinham ainda menos conhecimento do uso das
tecnologias. No início as aplicações foram norteadas “pelas
tentativas e erros”, e aos poucos os participantes foram se
familiarizando com as ferramentas tecnológicas e as oportunidades
que elas vislumbravam.

A turma inicial desse curso constituiu-se como um projeto


piloto, no qual uma equipe com três cursistas implementou o
primeiro PEI remoto com um estudante. Este sujeito, que aqui
referimos como Marcelo, participa há três anos do estudo, tendo
passado por diversas equipes de PEI ao longo das turmas;
atualmente participa da sexta turma, em andamento.
Marcelo tem deficiência intelectual (Trissomia 21) e
atualmente tem 32 anos. Iniciou sua vida escolar em uma turma
comum de Educação Infantil, mas aos sete anos ingressou em uma
escola especial, que frequentou até o período anterior à pandemia
da Covid-19 no ano de 2020. Ele foi indicado para ser o sujeito
piloto do estudo por uma cursista que era sua professora.
O primeiro PEI de Marcelo foi realizado entre setembro a
novembro de 2020, e havia dois meses que tinha iniciado uma
atividade laboral. Tendo em vista a incerteza quanto a volta ao
presencial na sua escola, e por demonstrar um quadro de
ansiedade, sua responsável resolveu buscar uma vaga em uma
empresa de assessoria previdenciária. Nesta etapa de sua vida,
Marcelo necessitava aprender a desempenhar um novo papel, o de
trabalhador.
As três professoras cursistas realizaram a etapa introdutória
do PEI por meio de encontros on-line para conhecer melhor o
estudante e a sua agente de apoio domiciliar (sua mãe). A coleta de
informações iniciais resultou na demanda para elaboração de um

108
PEI para o Alfaletramento com objetivo de sua manutenção no
mundo do trabalho.
Dentre as habilidades adaptativas, Marcelo apresentava uma
necessidade de apoio em algumas habilidades conceituais e
práticas, assim como o próprio alfaletramento. Os conteúdos do
Quadro 02 foram selecionados pela equipe de professoras no PEI
01 (o primeiro PEI) para serem priorizados. Entre outros aspectos,
o estudante precisava aprender a reconhecer os números em
diferentes contextos laborais, visto que foi identificado que ele não
tinha noção sequer do salário que recebia.

Quadro 02 - Acompanhamento avaliativo do PEI

Legenda: RP = realiza parcialmente


RA=realiza com ajuda
RI = realiza de forma independente
X = não foi trabalhado
Fonte: acervo da pesquisa (Mascaro, 2023)

Os conteúdos delimitados no Quadro 02 eram desenvolvidos


em atividades personalizadas, considerando as demandas do
ambiente laboral do estudante. O acompanhamento sistemático
das atividades sobre os mesmos conteúdos demonstra a
importância de buscar práticas pedagógicas diferenciadas,
buscando eliminar as barreiras para consolidação do que é
planejado para ensiná-los. Ressaltamos a importância de que os
docentes busquem encontrar as estratégias de mediação que
tornem acessível o conteúdo proposto. O PEI permite o trabalho
com os suportes adequados que cada estudante com uma

109
necessidade educacional específica requer, pois, a personalização
das atividades possibilita eliminar o que for uma barreira para
consolidação da aprendizagem.
Sendo assim, o rapaz que no final do ano de 2020 não sabia
lidar com o seu salário, ao longo da aplicação de quatro PEIs para
alfaletramento, adquiriu autonomia para fazer suas próprias
compras, utilizar cartão bancário, dentre outras habilidades
práticas. Na Figura 02, podemos visualizar uma atividade on-line
cujo objetivo era identificar o valor das cédulas para a compra de
um sorvete. Vale ressaltar que embora a aplicação do PEI fosse
totalmente remota, as atividades eram planejadas de forma
contextualizada com situações reais. A avaliação do estudante ao
final de cada uma das aplicações permitia uma gradação de
complexidade em relação ao conteúdo que era ensinado.

Figura 02 - Utilização de cédulas do sistema monetário

Fonte: Acervo da pesquisa (Mascaro, 2023)

Em outra atividade ilustrada na Figura 03, a tecnologia


permitiu, um passeio virtual pelas ruas do bairro do estudante,
constituindo um trabalho relacionado às rotinas de mobilidade,
com a mediação das cursistas. A equipe, ao se conectar com
estudante, compartilhava a tela com o aplicativo Google Earth e
iniciavam um diálogo sobre as ruas do bairro, incentivando o
reconhecimento da localização espacial.

110
Figura 03 – Utilização do Google Earth

Fonte: Acervo da pesquisa (Mascaro, 2023)

O trabalho realizado com o PEI para alfabetização e letramento,


visa dar acesso aos estudantes com deficiência intelectual para atuar
nos diferentes contextos que emergem no cenário social. No caso de
Marcelo, a ação do PEI favoreceu suas atividades nos ambientes de
trabalho e social. Na Figura 04, podemos observar que o estudante,
como mencionado em 2020, não tinha noção do nosso sistema
monetário, já conseguia no final do ano de 2023 utilizar seu cartão
bancário em uma atividade de lazer.

Figura 04 - Estudante utilizando seu cartão bancário

Fonte: Acervo da pesquisa (Mascaro, 2023)

111
Até o momento de elaboração deste texto, está sendo
dinamizada a sexta turma da referida formação. Assim como
Marcelo, outras 31 pessoas com deficiência intelectual tiveram a
oportunidade de participar das atividades do PEI para a
alfabetização e letramento e 240 professores integraram esta
formação de caráter inovador.
No que concerne à temática aqui apresentada, a alfabetização
e letramento pelo viés do PEI constitui um trabalho pedagógico que
possibilita que a pessoa com deficiência intelectual desenvolva
uma vida independente. O relato de Marcelo, ao ser questionado
sobre a possibilidade de voltar a frequentar a escola especial, ilustra
bem essa proposição:

“Ah, não!!! Agora eu quero trabalhar e fazer os cursos da UERJ! Viajar...


passear (Marcelo – estudante com deficiência intelectual, 2023).

E, de fato, mesmo após a retomada das atividades presenciais, ele


não voltou à escola especial. Continuou trabalhando na empresa e
participando da pesquisa sobre o PEI para Alfabetização e Letramento,
dentre outras atividades de lazer, terapias, esporte e religião.
É interessante ressaltar que apesar de estar há mais de dez
anos frequentando a escola especial, antes do advento da pandemia
a sua inserção no mundo do trabalho nunca havia sido planejada.
Entretanto, ao assumir um posto de trabalho, muitas habilidades
relacionadas à alfabetização e letramento foram requeridas para
organizar sua rotina, tais como escolha e pagamento das refeições,
lidar com horários e dias da semana. Todas essas habilidades foram
trabalhadas no seu PEI, com resolução de atividades dentro do seu
contexto real. Em consonância com a abordagem histórico-cultural,
destacamos a relevância do trabalho colaborativo entre os
professores cursistas que impulsionaram o desenvolvimento de
Marcelo para uma vida adulta independente.
De acordo com Vigostski (2021), o processo de aprendizagem
ocorre em relações sociais partilhadas, nas quais o professor realiza a
mediação necessária ao impulsionamento da elaboração dos conceitos

112
pelo estudante. Buscamos nessa formação docente a criação de
estratégias para o alfaletramento de estudantes com deficiência
intelectual a partir de experiências ricas e diversificadas, e
principalmente contextualizadas ao momento de vida de cada um.
Cabe pontuar que Marcelo é um dos 35 estudantes
participantes do estudo, a pesquisa ainda se encontra em
andamento. Nossa intenção é que o conhecimento compartilhado
seja amplamente divulgado, revisitado e aponte caminhos para que
estudantes com deficiência intelectual não tenham sua história de
vida limitada pela falta de acesso à alfabetização e letramento.

Referências

AAIDD. American Association on Intellectual and Developmental


Disabilities. Washington, D.C: 2021. Disponível em:
https://www.aaidd.org/intellectual-disability/definition. Acesso
em: 10 mar. 2024.
BRASIL. Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015. Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência). Brasília, DF, 2015.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo Escolar da Educação
Básica 2023. Brasília: INEP, 2023.
DESROCHE, H. Pesquisa-ação: dos projetos de autores aos
projetos de atores e vice-versa. In: THIOLLENT, M. (Org.).
Pesquisa-ação e projeto cooperativo na perspectiva de Henri Desroche.
São Carlos: EdUFSCar, 2006.
MASCARO, C. A. A. de C. Alfabetização e letramento com ênfase
no Desenho Universal na Aprendizagem – DUA e no Plano
Educacional Individualizado – PEI: perspectivas para a inclusão
do estudante com deficiência intelectual. Programa Jovem
Cientista do Nosso Estado (JCNE). FAPERJ, 2024.

113
MASCARO, C. A. A. de C. O atendimento pedagógico na sala de
recursos sob o viés do Plano Educacional Individualizado para o aluno
com deficiência intelectual: um estudo de caso. 2017.152f. Tese
(Doutorado em Educação). Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Educação. Rio de Janeiro, 2017.
MASCARO, C. A. A. de C. Protocolo para aplicação do PEI. Material
de aula do Curso de Extensão UERJ: Alfabetização e letramento sob o
viés do Plano Educacional Individualizado, Faculdade de Educação.
UERJ, 2021.
MASCARO, C. A. A. de C.; REDIG, A. G. Documento norteador para
implementação do Plano Educacional Individualizado – PEI para o
Alfaletramento: primeiros passos. Ponta Grossa - PR: Atena, 2024.
MASCARO, C. A. A. de C.; REDIG, A. G. Estudantes com
deficiência intelectual na escola contemporânea: práticas
pedagógicas exitosas. Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 22, n. 66, p.
66-79, 2021.
OLIVEIRA, M. R. T. M. 2023. 125f. E-book: tecnologias digitais
usadas com estudantes jovens e adultos com deficiência
intelectual. Dissertação (Mestrado Profissional). Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Biologia, Niterói, 2023.
SENNA, L. A. G. Fundamentos da linguagem na educação. Curitiba:
Appris, 2019.
SOARES, M. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever.
São Paulo: Contexto, 2020.
VIGOTSKI, L. S. Problemas da Defectologia. São Paulo: Expressão
Popular, 2021.

114
Inclusão na universidade de pessoas com deficiência intelectual
e/ou transtorno do espectro autista a partir de um
projeto de extensão

Annie Gomes Redig

Nós nunca descobriremos o que vem depois da escolha, se


não tomarmos uma decisão. Por isso, entenda os seus
medos, mas jamais deixe que eles sufoquem os seus sonhos.
Passagem da história “Alice no País das Maravilhas”.

A inclusão do sujeito com deficiência no ensino superior

A inclusão de pessoas com deficiência no ensino superior


ainda não é uma realidade para todos, principalmente, se
pensarmos nos sujeitos com deficiência intelectual e/ou transtorno
do espectro autista (TEA). O ingresso na universidade, em especial,
em instituições públicas é realizado por meio de avaliações com
alto nível de exigência acadêmica, o que dificulta os indivíduos
com deficiência intelectual, pois a sua trajetória escolar, na maioria
dos casos, é marcada por um percurso formativo tumultuado e,
geralmente com defasagem acadêmica. Em outras situações, essas
pessoas estão matriculadas em escolas ou classes especiais, que via
de regra, não certificam a sua escolaridade, impossibilitando o seu
ingresso em um curso superior.
Muitas instituições de ensino superior no Brasil, têm seu
acesso por meio do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que
se configura como um exame padronizado para todas as
universidades, aplicado no mesmo dia em todo o país. Para
Anchieta (2022, p. 41)

Hoje, é possível enxergar o ENEM como uma proposta de


instrumento de acessibilidade vinculado às políticas de superação de

115
barreiras, de modo que os participantes encontrem meios para
realizar a prova sem ter seu acesso ao conteúdo comprometido. Mas,
para além do cumprimento das leis que exigem a presença de
recursos técnicos, há esforços da educação escolar em favorecer o
rompimento de barreiras para acesso ao ensino superior brasileiro.
Entre as estratégias empregadas para a superação dessas
dificuldades estão os recursos de acessibilidade. No ENEM, seriam:
os códigos aplicáveis, adaptações arquitetônicas e estruturais,
recursos humanos especializados fluentes em línguas minoritárias,
entre outros.

O Enem tem como objetivo ser um instrumento acessível para


todos, com provas ampliadas, escriba, intérpretes de Libras, entre
outros recursos; entretanto, para os “candidatos com outro tipo de
deficiência, como a intelectual por exemplo, não há um ‘kit’ para
acessibilidade pedagógica da prova” (Anchieta, 2022, p. 42).
Desta forma, há tentativa de tornar exames vestibulares para
ingresso nos cursos superiores acessíveis para candidatos com
deficiência. Vale enfatizar que a universidade deve ser para todos,
mas para todos que desejam estar ali, que desejam realizar uma
graduação. Para aqueles que têm outras perspectivas, existem
diferentes opções, como o ensino profissionalizante, cursos de
formação inicial e continuada, etc.
Contudo, essa decisão não deve ser tomada pelo fato da não
aprovação e/ou não condição/ defasagem acadêmica para realizar
o exame, mas sim por uma opção do sujeito. Isso vai de encontro
com o que Di Blasi, Dutra e Rumjanek (2024, p. 139) apontam “A
partir do momento em que se enxerga a PcD [Pessoa com
Deficiência] apenas pela ótica de suas limitações, suas
potencialidades são negadas”. Por isso é importante possibilitar
oportunidades para esse estudante de forma que ele seja capaz de
escolher o que fará ao terminar a escolarização na educação básica.
Voltando à discussão sobre o ingresso no ensino superior,
percebemos que o acesso por meio de exames padronizados
configura-se como uma barreira para as pessoas com deficiência,
em especial as que apresentam deficiência intelectual. Além disso,

116
a permanência e conclusão da graduação apresentam-se como
desafio para esses alunos, visto que há necessidade de se repensar
as práticas pedagógicas, os currículos, bem como sua futura
inserção no mercado de trabalho.
De acordo com os dados estatísticos do IBGE (2023), a taxa de
alunos com deficiência no ensino superior na idade entre 18 e 24
anos é de 14,3% enquanto os que não apresentam deficiência é de
25,5% nessa mesma faixa etária.

Figura 1: Figura representativa das taxas de\ alunos com deficiência em


diferentes níveis de ensino

Fonte: IBGE (2023, p.06)

De acordo com a figura 1, podemos observar queda no número


de matrícula de alunos com deficiência, o que não é diferente dos
estudantes sem deficiências, nos diversos níveis de ensino, o que
indica uma falta de oportunidade desses sujeitos de continuarem
seus estudos e/ou necessidade de sair da escola por demandas
sociais e familiares. Outra questão que vale a pena enfatizar é que
estar matriculado em instituições escolares não significa o acesso
ao ensino de conteúdos acadêmicos compatíveis com a sua idade e
série e consequentemente, aprendizagem adequada. Ou seja, nem
sempre esses estudantes são preparados para conclusão de sua
escolaridade com condições de competir com os demais para o
ingresso na universidade e/ou no mercado de trabalho.

117
Em relação às matrículas no ensino superior, Junior, Silva e
Hillesheim (2024, p. 89) apontam que “Essa amostra gradativa de
ingresso de estudantes com deficiência nesse nível educacional
contrasta, aparentemente, com práticas discriminatórias e uma
cultura seletiva e elitista”. Compactuamos com essa posição, pois
ao olharmos para a Sinopse Estatística da Educação Superior de
2022, elaborada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep, 2023), verificamos que os
dados expressam um número significativo de matrículas em cursos
de graduação por pessoas com deficiência. Porém, ao compararmos
com as taxas dos estudantes sem deficiência, percebemos o quanto
o acesso ao ensino superior ainda é discriminatório e seletivo.

Gráfico 1: Gráfico representativo com a sinopse estatística das matrículas


de alunos nos cursos de graduação presencial e a distância em 2022
Matrículas em cursos de graduação presencial e a distância em
2022
3.000.000 2.582.085
2.500.000 2.170.894
2.000.000
1.500.000
1.000.000
410.615
500.000 33.346 14.615 2.235
0
Brasil Brasil Sudeste Sudeste Rio de Rio de
pessoas pessoas pessoas pessoas Janeiro Janeiro
sem com sem com pessoas pessoas
deficiência deficiência deficiência deficiência sem com
deficiência deficiência

Fonte: Elaborado pela autora baseado nos dados do Inep (2023)

O Gráfico 1 mostra as matrículas de alunos com e sem


deficiência nos cursos de graduação, nas modalidades presencial e
a distância em 2022, em três grandes centros: Brasil, região sudeste

118
e Estado do Rio de Janeiro1. Englobando instituições públicas e
privadas das esferas federal, estadual e municipal. A partir desses
dados percebemos que ainda há grande necessidade de investir em
políticas públicas, ações afirmativas e acessibilidade para que os
sujeitos público-alvo da Educação Especial2 possam ingressar na
universidade.

Gráfico 2: Gráfico representativo com a sinopse estatística das matrículas


de alunos nos cursos de graduação presencial e a distância em 2022 por
região e por deficiência

Fonte: Elaborado pela autora baseado nos dados do Inep (2023)

O Gráfico 2 apresenta um recorte da Sinopse Estatística da


Educação Superior de 2022 (Inep, 2023) com o quantitativo de
matrículas de alunos em cursos de graduação nas modalidades

1 Adotamos esses critérios, pois as discussões que apresentamos nesse texto são
referentes às pesquisas realizadas no estado do Rio de Janeiro na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro – UERJ, com financiamentos Jovem Cientista do Nosso
Estado – Faperj, Programa de Apoio à Jovem Cientista Mulher com Vínculo em
Icts do Estado do Rio de Janeiro – Faperj e Prociência – UERJ/Faperj (Redig, 2023a,
2023b, 2023c).
2 De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da

Educação Inclusiva (Brasil, 2008), o público-alvo da Educação Especial é composto


por pessoas com deficiência intelectual, sensorial, física, transtorno do espectro
autista e altas habilidades/superdotação.

119
presencial e a distância, englobando pessoas brasileiras (não
contabilizando brasileiros naturalizados e estrangeiros e pessoas
com deficiência intelectual e TEA. A partir desses dados,
observamos que o número de sujeitos com deficiência intelectual e
TEA no ensino superior ainda é baixo.
Analisando os dados referentes aos alunos com deficiência
intelectual, chama atenção é que há mais mulheres cursando
graduação do que homens, já com relação aos que apresentam TEA,
o cenário é inverso, apenas no Rio de Janeiro é que tem menos
homens em comparação às mulheres. Todavia, esses dados são
referentes às matrículas, não temos registros referentes aos índices
de conclusão de curso para analisarmos se esses estudantes
conseguiram permanecer e finalizar seus cursos.
Vale ressaltar que os dados apresentados se referem aos
estudantes com deficiência que conseguiram ingressar em um
curso superior. Entretanto, não se pode minimizar o fato de que
ainda há grande número de pessoas que não têm oportunidade de
frequentar a universidade, e para elas é preciso pensarmos
estratégias para que também possam vivenciar experiências no
espaço universitário, favorecendo seu amadurecimento e o
desenvolvimento de habilidades para vida independente.

Vivenciar a universidade possibilita não somente descobrir novos


caminhos, conhecer pessoas, construir novos conhecimentos, como
se reconhecer como cidadão de direito, ocupar um espaço que
também lhe pertence e transformar esse espaço em um lugar para
todos, ressignificando os conceitos, tornando-o inclusivo. Sendo
assim, compartilhar histórias nesse local permitirá também entender
que ele pode estar lá, se reconhecer e conectar com as produções
universitárias e “alimentar” a sua autoestima, de ser aceito em um
espaço que antes era impossível (Redig, 2021, p. 81).

Estar na universidade possibilita não somente o aprendizado


de conteúdos acadêmicos, mas também a possibilidade de estar
com pessoas de diferentes culturas e realidades, o que amplia o

120
repertório de experiências e aprendizagens para o
desenvolvimento de habilidades importantes para estar em
sociedade. Feitas essas considerações, o presente capítulo tem
como objetivo discutir dois cursos de extensão voltados para jovens
e adultos com deficiência intelectual e/ou TEA com a intenção de
vivenciar a universidade.

Vivência em espaço universitário para jovens e adultos com


deficiência intelectual e/ou TEA

O ingresso em um curso de ensino superior é um sonho e


desafio, sobretudo para aqueles que desejam seguir uma carreira
que demanda qualificação mais específica. No contexto dos sujeitos
com deficiência, estudar em uma universidade pode parecer uma
meta inatingível, principalmente se pensarmos nos que apresentam
deficiência intelectual e TEA; não, pela questão da deficiência em
si, mas pelo percurso acadêmico que precisa ser percorrido para
chegar até a universidade.
Nessa direção, estar na universidade é um objetivo difícil de
alcançar, seja pela falta de perspectiva de dar continuidade aos
estudos, pela defasagem na escolarização, pela falta de
oportunidades. Por outro lado, não basta ingressar no curso
superior, esta precisa apresentar estrutura de acessibilidade
adequada (arquitetônica, pedagógica, de recursos humanos, entre
outros aspectos) para que o aluno consiga permanecer e seja bem-
sucedido em sua aprendizagem.
E para aquela parcela deste público que não consegue chegar
na universidade, o que fazer? De modo geral, a trajetória escolar
dos estudantes com deficiência intelectual e/ou TEA não os prepara
para ingressar e permanecer em um curso superior. Portanto,
precisamos ofertar atividades para que eles tenham a oportunidade
de desenvolver habilidades, tanto acadêmicas quanto sociais, para
um futuro ingresso na universidade ou experimentar atividades na
universidade e, consequentemente, o mercado de trabalho. Redig e
Mascaro (2023, p. 136) apontam que

121
frequentar a universidade e vivenciar esse espaço é formativo para
qualquer pessoa. Portanto, é fundamental que sujeitos com deficiência
ou alguma necessidade específica na aprendizagem, tenham
oportunidades de experimentar atividades universitárias, mesmo
aqueles que sua escolarização, ainda não permita a aprovação para o
ingresso no Ensino Superior (Redig; Mascaro, 2023, p. 136).

Nesta direção o projeto de extensão intitulado “Educação


Inclusiva e vivência universitária: uma proposta para estudantes
com deficiência intelectual e/ou autismo” desenvolvido na
Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro - UERJ, teve como objetivos oportunizar a este público
momentos de experiência na universidade para o desenvolvimento
de habilidades para a vida independente. De acordo com Costa et
al. (2024, p. 168) “as ações extensionistas devem atender as
demandas da sociedade de modo que tanto a equipe extensionista
como os sujeitos da ação possam relacionar a teoria a prática e
consolidar conhecimentos”.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento do projeto
foi a pesquisa-ação no qual o estudo é planejado, analisado e
repensado a partir das demandas e acontecimentos durante as
atividades. Segundo Pimenta (2006), tem como princípio de que os
sujeitos envolvidos constituem um grupo com metas e objetivos
comuns, estando interessados no problema inserido no contexto.
Esse projeto desenvolveu e ofereceu dois cursos de extensão
para jovens e adultos com deficiência intelectual e/ou TEA na
Faculdade de Educação da UERJ, com o objetivo de que esses
sujeitos tivessem a oportunidade de participar de atividades no
espaço da universidade. Os cursos foram elaborados a partir de
encontros dialógicos que “permitem, através de um constante
movimento de parceria investigativa, estranhar o que é familiar e
construir sentidos a partir de práticas cotidianas, dando
centralidade à voz dos sujeitos participantes da pesquisa” (Daluz,
2015, p. 12). Desta forma, o estudante é encorajado a refletir a
temática a partir da sua própria experiência, o que permitiu e

122
facilitou que os alunos se colocassem em “seu lugar de fala” para
compreender os processos de inclusão e exclusão vivenciados por
eles e, também, produzidos por eles.
Sendo assim, foram realizados dois cursos de extensão,
conforme exposto na Figura 2:

Figura 2: Organograma ilustrativo com os cursos ofertados no Projeto de


extensão

Fonte: Elaborado pela autora

O primeiro curso “Educação Inclusiva e Vivência


Universitária” foi ofertado para jovens e adultos com deficiência
intelectual e/ou TEA que cursavam ou já tivessem concluído o
Ensino Médio. Era constituído de três etapas, sendo que na última
participaram também graduandos dos cursos de Pedagogia e
outras licenciaturas (Redig, 2021; Silva, 2021; Silva; Redig, 2021). O
segundo curso “Autodeterminação” foi ofertado para jovens e
adultos com deficiência intelectual e/ou TEA a partir dos 15 anos
de idade. Ambos os cursos contaram com a participação de
professores convidados, alunos da pós-graduação e graduação e
pessoas com deficiência que ministraram palestras.
Os encontros dialógicos eram compostos por atividades
colaborativas, nas quais se permitia que os sujeitos fossem

123
protagonistas das suas ações e participassem do planejamento do
que foi trabalhado.

Figura 3: Figura ilustrativa com as etapas de planejamento e realização


de atividades colaborativas
Proposta das atividades tanto pelos
professores quanto pelos alunos

Pensar de forma colaborativa


novas propostas de atividades Discussão coletiva
Participação

Avaliação coletiva

Decisão coletiva
Realização das
atividades Aluno assume o
seu lugar de fala

Fonte: Elaborado pela autora

Estar em um curso reflexivo e com práticas pedagógicas


inclusivas em que os sujeitos com deficiência e/ou TEA eram
participantes ativos, possibilitou o entendimento de que não
somente este grupo era considerado “diferente”, mas que todos nós
estamos em situações de diversidade.

Ao discutirmos sobre estigma e preconceito, percebemos que


valorizamos mais as experiências negativas do que as
positivas e, que isso afeta as nossas atitudes e a forma como
nos relacionamos com o mundo. Um dos nossos alunos do
curso de Pedagogia, que era mais velho, relatou que sofreu
preconceito de outros estudantes por conta da idade e dessa
forma, todos compreenderam que qualquer um pode
vivenciar situações preconceituosas e que isso é independente
da deficiência (Redig; Mascaro, 2023, p. 140).

124
Os alunos com deficiência intelectual e/ou TEA puderam
vivenciar a universidade em seus diferentes espaços, tais como o
restaurante universitário, eventos, biblioteca, cantina, aulas,
palestras. Isso possibilitou o empoderamento do sujeito e da
construção do sentimento de pertencimento ao lugar, o que se
configura como um dos aspectos que traduzem a real inclusão. O
sucesso desta proposta mostrou que é preciso ter altas expectativas
em relação ao desenvolvimento e aprendizagem desses estudantes
para que seja possível apresentar e oferecer as ferramentas
necessárias para o rompimento de barreiras que denotam a
exclusão desses educandos.

Ao discutir a inclusão de pessoas com deficiência ou alguma


necessidade específica de aprendizagem na sociedade, nos
deparamos com diversas barreiras, seja de acessibilidade física,
atitudinal e/ou pedagógica, porém a forma como nos
relacionamos nesses ambientes é fundamental para que essa
inclusão seja realmente bem-sucedida. Isso significa que, a forma
como os indivíduos sem deficiência, se percebem e vislumbram
os que apresentam deficiência ou alguma necessidade específica
de aprendizagem e, como estes se entendem e se relacionam com
os outros, dita os avanços, o caminhar do processo de inclusão
(Redig; Mascaro, 2023, p. 138).

É preciso entender que o contexto da universidade não é o


mesmo da escola básica (ensino fundamental ou ensino médio),
visto que as responsabilidades, demandas e suportes são diferentes
(Getzel, 2023). Na universidade, o aluno tem mais autonomia e
liberdade e com isso necessitará do domínio de habilidades tais
como tomada de decisões, autodeterminação, autogestão e
autodefensoria3. Sendo assim, é fundamental a oferta de programas

3Para maior aprofundamento sobre autodefensoria e autogestão ver o Capítulo 1


deste livro.

125
que auxiliem nesse percurso de transição educacional para a vida
independente.
Por meio dos dados coletados nos cursos, percebemos que os
sentimentos de pertencimento e de empoderamento ficaram
marcados nas falas dos participantes com deficiência intelectual
e/ou TEA:

“Meu irmão estudou aqui [UERJ], agora é a minha vez”. (Relato de um


participante com deficiência intelectual)

“Hoje não poderei lanchar com você, porque hoje é o meu dia de ir para a
universidade”. (Relato de um participante com TEA sobre a sua
conversa com a professora na escola)

Arrabal (2024, p. 176) analisando o papel contemporâneo das


instituições de ensino superior ressalta que “atualmente, o seu
compromisso universal diz respeito, tanto a multiplicidade de
expressões da arte e da técnica, quanto a noção de pertencimento
coletivo difuso, um espaço plural e democrático nutrido pelo valor
da diversidade humana”. Estar na universidade é expandir os
horizontes, é perceber que o mundo é diverso, é estar em um lugar
composto de pluralidade cultural. Assim a vivência universitária
para aqueles que não têm condições no momento, ou não
pretendem cursar uma graduação, possibilita oportunidades para
a construção de memórias afetivas e habilidades importantes para
a sua inclusão na sociedade.
E este tipo de ação se mostra benéfica não somente para os
alunos com deficiência intelectual e/ou TEA quanto para os
graduandos e os profissionais/professores que participaram do
projeto. Essa troca de experiência e poder vivenciar situações de
inclusão faz toda a diferença na formação pessoal e profissional de
cada um.

“Já começa que, como vamos falar de inclusão sem ter pessoas com
deficiência no meio? E nessa disciplina temos: nós, futuros professores, e os
alunos de extensão trabalhando e pensando juntos! É uma aula que parece

126
mais uma roda de conversa em que temos total liberdade para nos
expressarmos”. (Relato de uma estudante do curso de Pedagogia)

Considerações finais

A vivência universitária para sujeitos com deficiência


intelectual e/ou TEA que participaram do projeto de extensão se
mostrou importante para o desenvolvimento de habilidades que
favorecem a sua inclusão social. Podemos compreender que a
partir das experiências vividas no ambiente da universidade é
possível desenvolver comportamentos e atitudes imprescindíveis
para o mercado de trabalho e crescimento pessoal, de modo geral,
tais como se perceber como adulto, como um indivíduo capaz de
tomar suas decisões e fazer uma melhor leitura do mundo.

Quando não acreditamos ou não apostamos no potencial da pessoa


com deficiência, tiramos poder, pois empoderar ainda constitui em
não abdicar do outro. É imprescindível descobrir caminhos para o
melhor caminho para a transição para a vida adulta, trazendo
resultados satisfatórios e adultos confiantes (Carvalho, 2023, p. 136).

É fundamental salientar que a vivência universitária foi


igualmente válida para os graduandos, pois permitiu que
experimentassem situações reais de inclusão que até o momento só
haviam discutido na teoria. Desta forma, as atividades
desenvolvidas por meio de encontros dialógicos foram importantes
para a formação de futuros professores reflexivos e ao mesmo
tempo, possibilitou que os sujeitos com deficiência intelectual e/ou
TEA se empoderassem e refletissem sobre o seu percurso
formativo. Para Arrabal (2024, p. 194)

É fundamental que os espaços universitários proporcionem a


experiência do convívio plural altero de modo acolhedor e
qualificado, sem que as diferenças e identidades sejam polarizadas e
exercidas de modo estritamente combativo. Trata-se de uma questão
que diz respeito também a prática da multidisciplinaridade e da

127
transdisciplinaridade, orientadas ao fortalecimento do diálogo e da
troca de epistemes e concepções de mundo.

Permitir a representatividade do sujeito com deficiência na


universidade e em todos os espaços educacionais e sociais,
possibilita que ele seja protagonista da sua história e garante a
construção de uma cultura inclusiva na sociedade contemporânea.
A presença de práticas diferenciadas e inclusivas e desses sujeitos
nos diferentes ambientes da nossa sociedade desafia os
preconceitos existentes e os estereótipos socialmente apreendidos,
promovendo, então, a compreensão e construção de valores,
voltados para uma comunidade diversa e pautada na equidade.

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130
Interseccionalidade como ferramenta de análise para
entender as condições de permanência dos estudantes com
deficiência no ensino superior

Flávia Barbosa S. Dutra


Katiuscia Vargas Antunes

Aceitar e respeitar a diferença é uma dessas virtudes


sem o que a escuta não se pode dar. Se discrimino o
menino ou menina pobre, a menina ou o menino
negro, o menino índio, a menina rica; se discrimino a
mulher, a camponesa, a operária, não posso
evidentemente escutá-las e se não as escuto, não posso
falar com eles, mas a eles, de cima para baixo.
Sobretudo, me proíbo entendê-los. Se me sinto
superior ao diferente, não importa quem seja, recuso-
me escutá-lo ou escutá-la.
Paulo Freire (1996, p. 136)

Compreender a deficiência desde uma perspectiva


emancipatória envolve discutir conceitos como capacitismo e
interseccionalidade. Essa compreensão rompe com uma visão
hegemônica da deficiência, que se constituiu pautada no discurso
clínico. Coaduna-se com debates sobre as pessoas com deficiência
(PcD) que envolvem a justiça social e a luta pelos Direitos Humanos
(Fraser, 2006; 2007; Honneth, 2009).
O capacitismo, termo utilizado para nomear a discriminação
de pessoas por motivo de deficiência, também é compreendido
como um eixo de opressão que, na intersecção com o racismo, o
sexismo, e outros fatores, produz como efeito a ampliação dos
processos de exclusão social (Dias, 2013; Mello, 2016; 2019;
Wolbring, 2008; Campbell, 2009; Taylor, 2017; Mello; De Mozzi,
2018; Gesser, 2020). Assim, capacitismo pode ser definido como:

131
Uma rede de crenças, processos e práticas que produz um
determinado tipo de corpo (o padrão corporal) que é projetado como
perfeito, típico da espécie e, portanto, essencial e totalmente
humano. A deficiência é então moldada como um estado diminuído
de ser humano (Campbell, 2001, p. 44).

No bojo das relações que se estabelecem na sociedade


ocidental, especialmente a partir do século XIX, com a emergência
do sistema capitalista e o fortalecimento da ciência como fator de
explicação do mundo, as pessoas com deficiência passaram a
representar um tipo de corpo fora dos padrões de normalidade,
formulados à luz da produtividade econômica e da racionalidade
científica. A dicotomia “normal versus “anormal”, potencializa a
tipificação das pessoas com deficiência como inferiores, incapazes
intelectualmente e fisicamente, portanto, improdutivas (Goffman,
1988). Corroborando com essa ideia, Marques afirma que:

Tal fato não pode ser desvinculado da concepção funcionalista de


sociedade, modelo que representa bem a estrutura social vigente na
Modernidade. Ao colocar as pessoas deficientes numa condição de
inferioridade corpórea e de incapacidade produtiva, a sociedade
gera uma estratificação, com limites muito claros quanto às
possibilidades de realização pessoal, profissional e afetiva de seus
membros. Ao ser concebida como um corpo estruturado com órgãos
e onde cada órgão tem uma função social muito precisa, a sociedade
estabelece as funções de cada indivíduo e determina quem pode e
quem não pode desempenhar os diversos papéis sociais (Marques,
1994, p. 51).

A lógica capacitista é estrutural e estruturante, condicionando


os sujeitos dentro de um padrão de normatividade e normalidade.
Não considera que as pessoas com deficiência estão submetidas a
diferentes sistemas de opressão, que as limita enquanto seres
humanos e sujeitos de direitos. Gesser, Block e Mello (2020)
apresentam quatro aspectos do capacitismo: i. responsabilização
das PcD pela sua condição; ii. construção de estratégias voltadas,

132
predominantemente, para adequação do corpo às normatividades;
iii. acentuação da hierarquização das PcD, uma vez que para alguns
corpos a inteligibilidade não é alcançável; e iv. a emergência de
uma condição precária. As autoras apontam como marcadores
capacitistas da deficiência a vulnerabilidade, a fraqueza, a
anormalidade física e mental e a dependência.
Reduzidas à condição de deficientes, essas pessoas constroem
sua subjetividade atravessados pelos sistemas de opressão às quais
são submetidos. Subjetividade essa que, segundo Michel Foucault,
está relacionada com um modo de vida, ou seja, está ligada à
maneira como o sujeito se relaciona com o mundo, com as coisas,
com os outros, com o tempo. A subjetividade não se constitui em
algo fixo, imutável, ao contrário, se constrói e se transforma a partir
das experiências vividas pelos sujeitos (Foucault, 1986). Nessa
direção, narrativas capacitistas sobre as PcD moldam as
circunstâncias como são configuradas as relações com esses
indivíduos.
Por outro lado, pensar a deficiência desde uma perspectiva
emancipatória provoca uma ruptura com a lógica capacitista e
possibilita o surgimento de narrativas outras, que passam a ver e
compreender a deficiência sob o aspecto social, deslocando o olhar
do sujeito e sua deficiência de forma isolada, para a maneira como
as pessoas com deficiência se relacionam com o meio social da qual
fazem parte. Desta forma, o que ficam evidenciadas são as barreiras
que obstaculizam a participação social desses indivíduos.
O paradigma emancipatório ou investigação emancipatória
que vem norteando estudos mais recentes sobre a deficiência
(Gesser et. al, 2020) significa situar a deficiência como uma questão
política, de Direitos Humanos e de luta. Segundo Barnes (2003, p.
6), a investigação emancipatória se define como “a formação das
pessoas com deficiência através da transformação das condições
materiais e sociais de produção do conhecimento”.
É no contexto da investigação emancipatória que a
interseccionalidade surge como uma importante ferramenta
teórico-metodológica de luta política, tal como conceitua Akotirene

133
(2019). A interseccionalidade é um conceito advindo das Ciências
Sociais e, inicialmente, introduzido por autoras feministas negras
como uma forma de diferenciar e se contrapor ao chamado
“feminismo branco”.
Trata especificamente da forma pela qual o racismo, o
patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas
discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as
posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes, entre outras.
Além disso, a interseccionalidade trata da forma como “ações e
políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais
eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do
desempoderamento” (Crenshaw, 2002, p. 177).
Para Collins e Bilge (2016), a interseccionalidade revela
relações de poder, atravessando os domínios capital, cultural,
disciplinar e interpessoal. Elucida as desigualdades sociais,
relações de poder interseccionais, contextos sociais,
relacionalidade, justiça social e complexidade.
Pelas lentes analíticas da interseccionalidade, a deficiência é
compreendida na intersecção com outras categorias como gênero,
raça, classe que, por sua vez, produzem e potencializam processos
de exclusão ou discriminação. Podemos dizer que a visão
interseccional da deficiência já estava anunciada desde a
Convenção Internacional sobre Direitos das PcD (ONU, 2006) e,
também, mais recentemente, na Lei Brasileira de Inclusão – LBI
(Brasil, 2015), que já apontam para singularidades da intersecção
entre a deficiência com a pobreza, a idade e o gênero.
Antunes e Martins (2022), ao trabalharem a relação entre
deficiência e classe, trazem dados que ilustram a importância de se
ter uma análise interseccional acerca do processo de inclusão
educacional. Dados do Censo de 2022 mostram que o percentual de
pessoas com deficiência no Brasil é de 8,9%, correspondendo a um
total de 16.240.000 brasileiros com deficiência. Entre os
respondentes, o censo constatou baixa escolaridade; baixa renda;
maioria de pessoas pretas, pardas e indígenas; e maioria de
mulheres, estas com menor nível educacional e inserção no

134
mercado de trabalho. Em relação a esse tópico, 29,2% da população
com algum tipo de deficiência está inserida no mercado de
trabalho, uma diferença significativa para a população sem
deficiência (54,7%). A desigualdade persiste quando observamos
que das pessoas com deficiência que estão inseridas no mercado de
trabalho, apenas 54,7% possuem ensino superior, enquanto esse
percentual é de 84,2% para as sem deficiência (IBGE, 2022).
Sobre o Ensino Superior, o panorama de acesso da pessoa com
deficiência é de crescimento, mas o fato é que essa população ainda
se encontra muito distante de uma participação expressiva, como
podemos verificar no quadro a seguir:

Quadro 1 - Número de matrículas no Ensino Superior de estudantes com


deficiência, transtorno do espectro autista e altas
habilidades/superdotação.
Ano Número de Matrículas no Percentual em Relação
Ensino Superior de Estudantes ao Total de Matrículas
com Deficiência, Transtorno do em Cursos de
Espectro Autista e Altas Graduação
Habilidades/Superdotação
2012 26.483 0,4
2013 29.034 0,4
2014 33.377 0,4
2015 37.927 0,5
2016 35.891 0,4
2017 38.272 0,5
2018 43.633 0,5
2019 48.520 0,6
2020 55.829 0,6
2021 63.404 0,7
2022 79.262 0,8
Fonte: IBGE, 2022.

A Lei Estadual 4.151/2003 e a Lei Federal 13.409/2016, que


preveem reserva de vagas para pessoas com deficiência nas
instituições de Ensino Superior, é uma política para o acesso desses

135
estudantes (Rio de Janeiro, 2003; Brasil, 2016). Os dados,
apresentados no Quadro 1, demonstram que a política de reservas
de vagas gerou um aumento nas matrículas no Ensino Superior,
indicando um avanço no processo de inclusão. Não obstante,
importa destacar que a mudança na legislação não vem
acompanhada de uma discussão ampla sobre o sistema acadêmico
das universidades, que certamente precisam ser revistos para que
esses estudantes sejam efetivamente incluídos. Conforme nos
apontam Antunes e Amorim (2020), existe uma cultura
universitária marcada por padrões de excelência que pressupõem
que apenas os “mais capazes”, alcançam êxito nos estudos.
Segundo Guimarães (2021) esse cenário se dá por ainda
vivenciarmos uma universidade que não se abriu plenamente para
a diversidade. O autor questiona o porquê de pouquíssimos
estudantes com deficiência adentrarem às universidades. Como
causa destaca o capacitismo estrutural que “potencializa as
barreiras na trajetória das pessoas com deficiência, até naqueles
processos destinados à acessibilidade e à inclusão desses sujeitos
na educação superior” (Guimarães, 2021, p. 126).
A exemplo do que ocorreu na Educação Básica, a chegada de
estudantes com deficiência nas universidades tem desafiado a
cultura institucional desses espaços, bem como as práticas
educativas e de gestão que historicamente foram construídas no
contexto do Ensino Superior. Gestores, docentes e demais
profissionais que trabalham nesse nível de ensino são desafiados,
cotidianamente, a lidar com a diversidade do alunado que
frequenta as universidades. Diferenças culturais, socioeconômicas,
étnicas, raciais, de gêneros, de credos, entre outras, têm feito com
que a cultura institucional das universidades seja questionada e
repensada (Amorim; Antunes; Santiago, 2019), mais ainda quando
observamos que deste ingresso, menos da metade dos estudantes
com deficiência consegue concluir o seu curso (Cabral; Melo, 2017).
O ingresso dos estudantes com deficiência no Ensino Superior
vai além do direito ao acesso. Implica o pertencimento, que
transcende a presença física e passa pela adequação do currículo,

136
pela formação de professores para o atendimento às necessidades
dos estudantes, pelo desenvolvimento de práticas pedagógicas
inclusivas, entre outros aspectos.
Destacamos que o ingresso desses estudantes, mesmo em um
quantitativo bem inferior ao total de matrículas no Ensino Superior,
traz ao sistema o repensar e reformular de uma trajetória muitas
vezes formatada e tradicional, que é insuficiente perante toda
diversidade encontrada. A pesquisa desenvolvida por Nascimento
(2024) ilustra essa preocupação nas falas dos coordenadores do
curso de Pedagogia de uma universidade pública do Rio de Janeiro,
os quais abordam a diversidade e interseccionalidade como fatores
que devem ser considerados:

Então, o PPC do curso de Pedagogia, ele traz uma questão


interessante, que um dos seus objetivos é exatamente enfatizar formas
para atender as demandas da diversidade e da pluralidade. E aí, num
dos objetivos, eles colocam principalmente a questão do atendimento,
as demandas da formação da população negra, da população
LGBTQIA+, da população dos portadores de necessidades especiais
[...]. Então, há uma perspectiva de um trabalho constante e de
compreender também as demandas, porque as demandas dos
estudantes da necessidade especial, da educação inclusiva no todo,
vão se ampliando cada vez mais à medida em que vai se
compreendendo que esse estudante portador de necessidade especial,
da educação inclusiva, ele tem diversas identidades (C1, 2023)1.

Então, foi o que eu disse. Como é perceber o estudante cego-negro, o


estudante surdo-negro (C2, 2023).

Como é que a gente faz uma inclusão real, assim, no sentido das
pessoas...Um cara de classe média, branco, não tem a mesma
possibilidade, não é a mesma possibilidade uma pessoa negra,
periférica, que tenha alguma deficiência, desenvolver sua vida
acadêmica, participar de um grupo de pesquisa, de extensão, então,

1Para preservar a identidade dos entrevistados, usaremos a letra “C” seguida de


algarismo para os coordenadores e “E” para os estudantes com deficiência.

137
a desigualdade está mais distribuída de uma forma às vezes sutil, às
vezes não, e a institucionalidade, às vezes, camufla muito essa
desigualdade (C3, 2023).

Assim, urge reformular o sistema educacional para que


reconheça as demandas individuais das PcD contextualizadas à sua
realidade, afinal o cenário enfrentado atualmente é fruto de um
processo tardio de emancipação política e identitária reiterado,
mesmo que de forma não intencional, por estigmas e
invisibilidades aparentes no cerne das lutas por reconhecimento
deste grupo específico (Goffman, 1988; Fraser, 2007; Cabral; Melo,
2017; Di Blasi, 2022, Di Blasi; Dutra; Rumjanek, 2024).
Pesquisas e atendimentos realizados pelo Laboratório de
Inclusão e Diversidade da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (LID/Uerj), mostram que o discurso de estudantes com
deficiência vem ao encontro das falas dos coordenadores citadas
anteriormente (Nascimento, 2024; Gomes; Lasmar; Santos, 2022).
Esses estudantes chamam a atenção para outras questões que vão
interferir diretamente em seu processo acadêmico, como obstáculos
relacionados à sua condição econômica:

Estudar sem tecnologias e sem adaptações deixa tudo mais difícil


pra mim. Ganhar um tablet do Núcleo fez toda a diferença porque
antes eu não conseguia ler textos e acessar materiais que agora eu
consigo. Não tenho computador e fazia tudo pelo celular, que
também não ajudava muito sabe, mas era o que eu tinha... Agora já
estou até conseguindo digitar alguns textos sozinho (E1-Deficiência
Visual, 2024).

Estou com muita dificuldade pra estudar porque faço tudo pelo
celular e minha visão está piorando [...] (E2-Baixa Visão, 2023).

É motivo de orgulho, sabe. Todo mundo fala, ai meu Deus, é orgulho.


Toda pessoa que é pobre, periférica... Eu sou a primeira da família a
entrar numa universidade pública, eu sou a primeira da família a ter
uma faculdade [...] Eu entrei por cota, foi bem difícil porque além da
cota de mostrar que eu sou uma pessoa com deficiência, tive que

138
mostrar também que eu sou pobre, você tem que provar que você
mora na favela, a casa que você tinha, arrumar testemunha, fazer
declaração a mão... pro laudo de deficiência não porque eu sempre
tinha o laudo de pessoa com deficiência. Eu não sabia que tinha que
comprovar isso tudo. Isso pra mim era tudo muito novo, quem ia me
ajudar? Minha mãe não sabe, meu padrasto também não e era muita
coisa [...] (E3-Surda, 2024).

[...] principalmente a Economia, houve professores preocupados em


fazer a mudança, principalmente, após conviver comigo. A inclusão
para mim é o conjunto de possibilidades, é cuidado, não é igualdade
e sim equidade. Acho que na Economia ainda precisa melhorar. A
inclusão é permanente e a longo prazo. O que eu desenhei vai
melhorar muito pra quem tá entrando. Quem tá entrando agora vai
encontrar uma comunidade mais compreensiva e um ambiente mais
inclusivo (E4- Paralisia Cerebral, 2024).

Sem questionar diretamente sobre os aspectos financeiros, mas


sim sobre as barreiras ou trajetória acadêmica, percebemos nesses
discursos os obstáculos decorrentes da classe social desses
estudantes. Ou seja, além das dificuldades enfrentadas pela
deficiência em decorrência da falta de acessibilidade, os fatores
sociais também trazem barreiras a serem transpostas. Assim, o
ingresso na universidade, ainda que ampliado por força de lei, não
garantirá a permanência e conclusão do curso por esse estudante
enquanto o processo educacional não sofrer transformações para
dar conta de demandas no campo da inclusão e da diversidade (Di
Blasi, 2022, Di Blasi et al., 2024).
Entendemos que essas transformações são processuais e de
longo prazo. Assim como a Educação Básica vive o processo de
inclusão há cerca de 30 anos e ainda enfrenta lacunas, o Ensino
Superior, também passa por transformações através de medidas e
estratégias que a médio e longo prazo deixarão legados
importantes para a cultura e organização deste nível de ensino.
Uma pesquisa realizada em uma universidade federal de Minas
Gerais buscou evidenciar, através da fala de estudantes com

139
deficiência, os impactos e o suporte que o Núcleo de Apoio à
Inclusão (NAI) tem sobre a sua permanência nos cursos de
graduação (Antunes; Braga, 2023).

Eu passei um perrengue, um tempo até o NAI chegar e me dar todo


suporte social. Porque foi muito desafiador na época, tanto como
aluno, quanto pessoa com deficiência visível. Depois, fui pedindo o
professor para adaptar as atividades. [...] Depois que o NAI foi
implementado, as disciplinas começaram a ter sentido maior e mais
aprovação. A graduação ficou mais fácil, porque estava tomando
muito pau. Nem na metade do curso eu estava. Depois que o NAI
começou o foco foi maior. [...] A minha crítica é o NAI mais ativo.
Não só dar suporte, mas criar formação de professores e pessoas.
Promover o debate com alunos (E5- Paralisia Cerebral, 2024).

Ter alguém pra mediar traz um certo conforto de que não terei que
lutar minhas batalhas sozinha e que caso necessário terei alguém
para traduzir a comunicação com meus professores (E6- Transtorno
do Espectro do Autismo, 2023).

Importa destacar que os núcleos de apoio à inclusão ou de


acessibilidade2, surgem no contexto do Programa de Acessibilidade
na Educação Superior (Incluir), que teve início em 2005. O seu
principal objetivo é propiciar a criação e a consolidação de núcleos
de acessibilidade nas instituições federais de Ensino Superior, que
se responsabilizassem pela organização de ações institucionais de
modo a garantir a inclusão de pessoas com deficiência à vida
acadêmica, eliminando as barreiras encontradas.
Percebemos como os núcleos de acessibilidade das
universidades realizam um trabalho importante para esses
estudantes. Seja no acolhimento, no acompanhamento através de
materiais acessíveis, quanto na formação inicial e continuada dos
professores e dos estudantes sem deficiência que atuam como
monitores especializados no acompanhamento acadêmico.

2A nomenclatura dos Núcleos de inclusão ou acessibilidade não obedece a um


padrão, variando de acordo com as instituições.

140
Como esclarecem Di Blasi et al., (2024), a realidade legal
brasileira, apesar de seus evoluídos marcos e políticas públicas
voltadas à PcD, ainda não transitou satisfatoriamente do contexto
assistencialista a uma realidade emancipatória. Reconhecemos que
mudar a cultura universitária não é tarefa simples, mas
considerando que o processo de inclusão é dialógico e se constrói
cotidianamente, ter os estudantes com deficiência no Ensino
Superior é uma oportunidade ímpar para que a universidade se
repense no sentido de lidar com as diferenças e promover práticas
inclusivas, dentro e fora da sala de aula.
Aprender com esses estudantes através do feedback de quem
vivencia os processos inclusivos, é fundamental para alcançar um
espaço que de fato seja para todos, valorizando o lema da pessoa
com deficiência “Nada sobre nós, sem nós”. Considerar as
necessidades específicas de cada estudante com deficiência
contextualizadas à sua realidade de vida, também se faz primordial
nesse processo em que o estudante, em grande parte dos casos, tem
sua entrada garantida por lei, mas ainda não tem sua permanência
respeitada no Ensino Superior.

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145
146
As autoras e os autores

Annie Gomes Redig


Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ). Professora
Associada do Departamento de Educação Inclusiva e Continuada da
Faculdade de Educação da UERJ, atuando no Programa de Pós-graduação
em Educação e no Curso de Pedagogia, nas modalidades presencial e
EAD. Pesquisadora Jovem Cientista do Nosso Estado e Jovem Cientista
Mulher pela FAPERJ, Procientista UERJ. Coordenadora do Café
Inclusivo/UERJ.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8240510332567772
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3610-5333

Cristina Angélica A. de C. Mascaro


Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ). Professora
Adjunta do Departamento de Educação Inclusiva e Continuada da
Faculdade de Educação da UERJ, atuando no Programa de Pós-graduação
em Educação e no Curso de Pedagogia, nas modalidades presencial e
EAD. Professora do Mestrado Profissional em Educação Inclusiva −
PROFEI/ Universidade Estadual de Maringá (UEM). Pesquisadora Jovem
Cientista do Nosso Estado pela FAPERJ e Procientista UERJ.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2487098320161463
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5399-6898

Flávia Barbosa S. Dutra


Pós-doutora e Doutora em Educação, Gestão e Difusão em Biociências pelo
Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo De Meis da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora Associada do Departamento de
Educação Inclusiva e Continuada da Faculdade de Educação da UERJ,
atuando no Programa de Pós-graduação em Educação e no Curso de
Pedagogia, nas modalidades presencial e EAD. Pesquisadora Procientista
UERJ. Coordenadora do Laboratório de Inclusão e Diversidade (LID/Uerj).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4017302246759291
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0812-6092

147
Joab Grana Reis
Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Educação
(ProPEd/UERJ). Mestre em Educação pelo Programa de Pós-
graduação em Educação (PPGE/UFAM). Especialização em
Psicopedagogia e Interdisciplinaridade (ULBRA/AM). Professora
Adjunta da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Coordenadora Geral do Comitê Gestor das Políticas de Inclusão
das Pessoas com Necessidades Específicas na UEA. Coordenadora
do Núcleo de Inclusão da Escola Normal Superior (ENS/UEA).
Pesquisadora e Vice-líder do Grupo de Pesquisa Educação
Inclusiva e o Aprender na Diversidade (UEA). Pesquisadora do
Laboratório de Políticas, Pesquisa e Práticas Educacionais em Altas
Habilidades/Superdotação (LAPEAHS/UFPR).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4326050959750580
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8560-1830.

Katiuscia Vargas Antunes


Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ). Professora
Associada do Departamento de Educação, da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), atuando no Programa de
Pós-graduação em Educação (PPGE/FACED/UFJF), no Programa de Pós-
graduação em Gestão e Avaliação da Educação Pública (PPGP/CAED/
UFJF) e no Mestrado Profissional PROFSOCIO, polo Juiz de Fora. Pró-
Reitora de Graduação da UFJF. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Educação e Diversidade - NEPED/UFJF.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7309708713801729
Orcid: http://orcid.org/0000-0001-7449-2261

Marcello Miranda Ferreira Spolidoro


Doutor em Educação pela Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ). Mestre em
Ciência, Tecnologia e Educação pelo CEFET/RJ, Especialista em Ensino de
Ciências com ênfase em Biologia e Química pelo IFRJ. Professor do Ensino
Básico Tecnológico de Biologia e Ciências do Colégio Pedro II.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3474382523707478
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6406-5071

148
Paula Naranjo da Costa
Mestre pelo Pós-graduação em Educação em Ciências na Amazônia
(PPGEC/UEA). Graduada em Pedagogia pela Universidade do
Estado do Amazonas (UEA). Professora efetiva de Educação Especial
da Secretaria de Estado de Educação do Amazonas (SEDUC), atuando
como pedagoga no Centro de Apoio Educacional Específico - CAESP,
na Escola Estadual de Atendimento Específico Mayara Redman
Abdel Aziz. Experiência nas áreas de Deficiência Intelectual e
Transtorno do Espectro Autista.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4165988356941168
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4303-6188

Rosana Glat
Doutora em Psicologia Social pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de
Janeiro (FGV-RJ). Professora Titular da Faculdade de Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), atuando no Programa
de Pós-graduação em Educação (ProPEd/UERJ) e no Curso de Pedagogia
na modalidade EAD. Assessora da Diretoria Científica da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado Rio de Janeiro (FAPERJ). Diretora de
Pesquisa, Extensão e Pós-graduação da Faculdade APAE-Brasil Dr.
Eduardo Barbosa, da Federação Nacional das APAEs. Pesquisadora
Cientista do Nosso Estado pela FAPERJ e bolsista de Produtividade em
Pesquisa IC do CNPq. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Inclusão e
aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais:
práticas pedagógicas, cultura escolar e aspectos psicossociais.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3913283461109185
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0186-1342

Suzanli Estef
Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ). Professora
Adjunta do Departamento de Educação Inclusiva e Continuada da
Faculdade de Educação da UERJ, atuando no Programa de Pós-graduação
em Educação e no Curso de Pedagogia, nas modalidades presencial e
EAD. Coordenadora de disciplina do Curso de Especialização Educação
Especial e Inovação Tecnológica, (UFRRJ / CEDERJ). Coordenadora do

149
Laboratório Universal de Planejamento em Acessibilidade na Avaliação –
LUPAA/UERJ.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5103676278019238
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3354-6598

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