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Comparação (Velhodorestelo Marportugues)

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ESCOLA SECUNDRIA DE BOCAGE

VELHO DO RESTELO E MAR PORTUGUS ANLISE COMPARATIVA


A epopeia camoniana e a Mensagem de Fernando Pessoa situam-se, do ponto vista histrico, respetivamente no incio e na fase terminal do processo de dissoluo do imprio. , neste mbito, que me vou debruar sobre o episdio do Velho do Restelo, comparando com a poesia em Mar Portugus. No episdio do Velho do Restelo, Cames introduz a perspetiva oposta do esprito pico, assistindo-se ao discurso crtico de um velho cum saber s de experincias feito em relao quilo a que ele apelida de estranha condio humana. Segundo Antnio Saraiva, a voz do Velho do Restelo seria a prpria voz de Cames, criticando e distanciando-se simultaneamente do acontecimento histrico que pretendia engrandecer, exaltando, desta forma, a sua condio de poeta humanista. Sendo a voz do bom senso, o Velho do Restelo ope-se expanso para o Oriente e apela por uma ao portuguesa no Norte de frica. Representa, ento, os interesses da velha nobreza e da burguesia ascendente. Condenando a ousadia humana, a personagem alega que a base da viagem para ndia encontra-se na vontade de obter a glria de mandar, resultante da v cobia e desta vaidade, a quem chamamos Fama!. Desta forma, o discurso anti belicista da personagem, sustentado na viso determinista da vida humana, incita inao do Homem, por outras palavras, ao contentamento perante a pequenez do bicho da terra. Caso no o faa, esto lhe destinadas condenaes divinas, as quais so profetizadas, de forma clarividente, pelo Velho: Dura inquietao dalma e da vida/, Fonte de desemparos e adultrios,/ Sagaz consumidora conhecida/ De fazendas, de reinos e de imprios!. Tendo em conta a amplitude temporal entre a publicao da epopeia camoniana e a divulgao da Mensagem, revela-se natural que o poema Mar Portugus se concretize num registo da histria trgico-martima portuguesa, j previsto pelo Velho, onde as consequncias da viagem de Vasco da Gama no so apenas sentidas por heris, mas sim por toda a Ptria. Conclui-se, assim, que a viagem constituiu uma fonte de desamparos ( mar salgado, quanto do teu sal/ So lgrimas de Portugal!/ Por te cruzarmos, quantas mes choraram,/ Quantos filhos em vo rezaram/ Quantas noivas ficaram por casar). Repare-se na utilizao das locues por te [cruzarmos] e para que [fosses nosso, mar!]. O seu emprego estabelece, de facto, a ligao entre o sofrimento dos portugueses e o alcance do seu objetivo, o domnio do mar. Atravs desta ligao, exposta a relao de negatividade/positividade existente ao longo do

poema. Existe uma correspondncia entre a dor portuguesa (quanto do teu sal/ So lgrimas de Portugal) e o alcance do cu/objetivo (Para que fosses nosso, mar!). Esta ideia de contraste entre o positivo e negativo encontra-se reforada pela utilizao do pronome indefinido quanto, que tambm opera com a funo de atribuir carter pico ao poema. A oposio do positivo/negativo pode, ainda, ser encontrada em: Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/ Mas nele que espelhou o cu., isto , o mar somente espelha o cu porque tambm implica perigo e abismo. Paralelamente, no episdio do Velho do Restelo, as noes contrastantes de positivo e negativo articulam-se com os termos parecer e ser associados s viagens martimas. A motivao pela cobia e pela vaidade incorpora os fraudulentos gostos, capazes de enganar o povo ignorante. Este est inapto para distinguir a viso das descobertas como caminho para a glria (parecer) da realidade, ou seja, da viagem rdua e sofrida (ser). Frustrado com a ignorncia do povo, o experiente orador condena o primeiro navegador (Oh! Maldito o primeiro que, no mundo,/ Nas ondas vela ps em seco lenho!) por ter alimentado esta ambio desmedida, que se vai contrapor fragilidade humana (Msera sorte! Estranha Condio!). Se no episdio do Velho do Restelo a crtica ao carcter aventureiro portugus era evidente, em Mensagem, pelo contrrio, o sujeito potico reala positivamente a empresa dos Descobrimentos e enaltece a gradeza da alma humana, disposta a enfrentar perigos e desafios em nome da ptria, sem lhe ser garantido priori o sucesso na sua misso. Este enaltecimento dos portugueses concretizado na segunda estrofe de Mar Portugus, onde se verifica a abertura de um plano de reflexo voltado para a existncia humana, com especial significado na compreenso da transio do sofrimento para a glria/plenitude. Este questionamento toma, ento, a forma de balano: ter mesmo valido a pena? O Velho do Restelo teria certamente dito que no. O sofrimento atentava contra o valor da vida humana sem que, na sua perspetiva, existisse uma razo digna para o fazer. Resta a Fernando Pessoa responder questo, o que se verifica em: Tudo vale a pena/Se a alma no pequena., isto , desde que detentor de coragem e vontade e se os objetivos a que se prope valerem a pena (servirem toda uma comunidade), todos os esforos do Homem sero gratificantes. Tudo na vida tem o seu lado positivo, s preciso fora de vontade, esprito de sacrifcio, aspirao ao conhecimento e felicidade. S assim todos podemos ser e no apenas parecer, o que, aliado ao fator sorte, pode conduzir eventualmente ascenso glria. Referindo o Cabo Bojador, limite do explorado no que respeita ao conhecimento da costa africana at Gil Eanes, Pessoa afirma que a concretizao do sonho tem o seu peso em desgraa, contudo preciso superar o sofrimento para que este valha a pena. Desta forma, para se atingirem objetivos necessrio um esforo de suplantao de obstculos, de abismas. (Quem quer passar alm do Bojador/ Tem que passar alm da dor). Por sua vez, em Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/ Mas nele que espelhou o cu., o mar visto como reflexo da vontade divina, onde a sua conquista implica o atingir da plenitude, isto , o

alcance do cu (algo aqui conotado com um significado de absoluto-perfeio e no apenas de habitao de Deus). Note-se a ironia: se, no episdio do Velho do Restelo, a ambio expulsou Ado do cu/paraso e o deitou na idade de ferro e darmas; em Mar Portugus, essa mesma ambio que nos leva a atingir a plenitude. Em tom de concluso, o episdio camoniano e o poema pico-lrico de Pessoa distanciam-se por toda uma viso diferente de existncia. Enquanto no primeiro se defende a mxima aurea mediocritas (ideia de que s feliz e vive tranquilamente quem se contenta com pouco ou com aquilo quem tem sem aspirar a mais), no segundo perdura uma viso positiva da histria, apelando ao corajosa que envolve a transposio de barreira do sofrimento com o intuito de realizar grandes feitos capazes de edificar uma nao mtica. FONTES http://faroldasletras.no.sapo.pt/mensagem_textos_teoricos.htm http://mym-pt.blogspot.com/2009/05/velho-do-restelo-auto-da-india-e-mar.html http://www.letras.ufrj.br/posverna/docentes/70057-1.pdf http://www.infopedia.pt/$aurea-mediocritas http://www.umfernandopessoa.com/livros/as-mensagens-da-mensagem-2010.pdf Pinto Pais, Amlia (2006), Para Compreender Fernando Pessoa, Areal Editores, Lisboa. Pinto Pais, Amlia (2009), Lus de Cames Os Lusadas, Areal Editores, Lisboa. Costa Pinto, E., Saraiva Baptista, V. e Fonseca, P. (2011), Plural Portugus 12ano/Ensino Secundrio; Lisboa Editora, Lisboa. Jos Saraiva, Antnio (1982), Lusadas - Lus de Cames, Figueirinhas, Porto

Miguel Miranda 12C N23

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