Este documento apresenta os principais aspectos da teoria das ideias de Platão. A teoria sustenta que existe um mundo separado das ideias, povoado por ideias perfeitas e imutáveis como a ideia de cadeira ou justiça. Esta teoria surgiu para responder a questões epistemológicas sobre como o conhecimento é possível e questões ontológicas sobre a natureza do ser. A teoria influenciou diversos campos da filosofia como ética, política e estética.
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A teoria platónica das ideias
1. 2008
A
Filosofia
de
Platão
Jorge
Barbosa
http://web.mac.com/jbarbo00
07-‐05-‐2008
2. A
FILOSOFIA
DE
PLATÃO
http://web.mac.com/jbarbo00
Índice
A
Teoria
Platónica
das
Ideias ........................................................................................................3
As
Razões
de
Natureza
Epistemológica ....................................................................................4
As
Razões
Ontológicas ..............................................................................................................5
Consequências
da
Teoria
das
Ideias .............................................................................................6
Conhecimento...........................................................................................................................6
Método
e
Natureza
da
Filosofia................................................................................................7
A
Ontologia
(Teoria
do
Ser).......................................................................................................8
A
Ética
e
a
Política .....................................................................................................................9
A
Estética
(Filosofia
do
Belo)...................................................................................................10
Alcance
e
Limites
da
Filosofia
de
Platão .....................................................................................11
JB
2
3. A
FILOSOFIA
DE
PLATÃO
http://web.mac.com/jbarbo00
A
Teoria
Platónica
das
Ideias
A
teoria
das
ideias
é
a
característica
fundamental
da
filosofia
de
Platão.
É
também
aquilo
que,
na
sua
teoria,
parece,
aos
nossos
olhos
modernos,
mais
aberrante.
Considera-‐se
muitas
vezes
a
teoria
das
ideias
de
Platão
uma
espécie
de
alucinação
que
só
tem
interesse
histórico;
todavia,
ela
desempenhou
um
papel
importante
em
toda
a
filosofia
ulterior
(quanto
mais
não
fosse
como
obstáculo
a
evitar),
e
continua
a
influenciar
a
filosofia
das
matemáticas:
um
filósofo
moderno
como
Frege
pode
muito
bem
ser
considerado
platónico.
Mais
do
que
criticar
essa
teoria,
tentemos
mostrar
(pelo
menos
num
primeiro
momento)
as
razões
profundas
que
levaram
Platão,
e
outros
depois
dele,
a
defender
uma
teoria
na
aparência
tão
estranha.
Em
que
é
que
consiste
esta
teoria
das
ideias
?
Não
é
difícil
esboçar
as
suas
grandes
linhas.
Para
Platão,
o
mundo
em
que
vivemos,
contendo
os
objectos
que
percebemos,
não
é
o
único
mundo
que
existe.
Existe
igualmente
um
mundo
das
ideias,
separado
do
mundo
sensível
em
que
nós
evoluímos.
Este
mundo
das
ideias
(como
o
seu
nome
indica)
é
inteiramente
composto
por
ideias.
Mas
o
que
entende
Platão
por
“Ideia”?
Não
é
aquilo
que
habitualmente
designamos
por
esse
termo
(chama-‐se
geralmente
“ideia”
ao
produto
do
nosso
pensamento:
uma
ideia
só
existe
em
nós
e
na
justa
medida
em
pensamos
nela).
Para
Platão,
“Ideia”
tem
um
sentido
totalmente
diferente
que
poderíamos
traduzir
por
Essência.
Vejamos
um
exemplo:
há
um
grande
número
de
cadeiras
no
nosso
mundo;
muitas
delas
são
diferentes:
umas
são
grandes,
outras
pequenas,
umas
de
plástico,
outras
em
madeira…
Todavia,
apesar
destas
diferenças,
todas
recebem
o
mesmo
nome
de
cadeira,
prova
de
que
são
também,
de
algum
modo,
semelhantes.
É
a
esta
essência
da
cadeira,
aquilo
que
é
idêntico
em
todas
as
cadeiras,
que
Platão
chama
Ideia,
ou
“cadeira
em
si”.
Ora,
o
que
caracteriza
Platão,
é
que
para
ele
esta
“cadeira
em
si”,
esta
essência
da
cadeira,
existe
verdadeiramente
num
mundo
separado,
independente
do
nosso:
o
mundo
das
Ideias.
Este
mundo
é,
pois,
povoado
pela
ideia
de
Cadeira,
pela
ideia
de
Mesa,
mas
também
pela
ideia
de
Triângulo,
de
Justo,
de
Belo,…
Em
resumo,
tudo
o
que
existe
no
nosso
mundo
em
numerosos
exemplares
(cadeiras,
mesas,
triângulos,
acções
justas,
objectos
belos…)
existe
de
maneira
única
e
perfeita
no
mundo
das
Ideias.
É
fundamental
perceber
que
o
mundo
das
Ideias
não
resulta
da
actividade
da
nossa
razão.
Ele
existia
antes
mesmo
da
existência
do
ser
humano.
É
precisamente
isto
que
parece
um
pouco
estranho
para
a
nossa
mentalidade
moderna
(com
efeito,
pensamos
geralmente
que
o
que
une,
por
exemplo,
as
múltiplas
mesas
que
vemos
é
aquilo
que
designamos
de
conceito,
e
que
o
conceito
é
o
produto
da
nossa
inteligência
que
compara
as
mesas,
vê
o
que
há
de
idêntico
ou
JB
3
4. A
FILOSOFIA
DE
PLATÃO
http://web.mac.com/jbarbo00
diferente
nelas…).
Para
Platão,
o
mundo
sensível
(aquele
em
que
vivemos)
e
o
mundo
das
ideias
existem
ambos
e
são
igualmente
independentes
da
nossa
razão.
Antes
de
nos
indignarmos
com
este
atrevimento
de
Platão,
tentemos
analisar
as
razões
pelas
quais
Platão
entendeu
necessária
a
intervenção
deste
mundo
das
Ideias.
Podemos
apontar
essencialmente
duas
ordens
de
razões
:
1. Uma
razão
de
natureza
epistemológica
(que
diz
respeito
à
filosofia
do
conhecimento)
2. Uma
razão
de
natureza
ontológica
(que
diz
respeito
ao
Ser
em
geral)
As
Razões
de
Natureza
Epistemológica
Coloquemo-‐nos
no
plano
da
filosofia
do
conhecimento
que
se
questiona:
“como
é
que
o
conhecimento
é
possível?”.
Existe
uma
tese
muito
difundida
e
aparentemente
muito
simples
que
consiste
em
dizer
“o
conhecimento
resulta
da
sensação”.
Esta
tese,
a
que
chamamos
empirismo,
defende
que
o
conhecimento
resulta
da
experiência:
comparando
as
nossas
sensações
entre
si,
conseguimos
descobrir
regularidades,
leis,
normas…
Assim,
no
exemplo
da
mesa,
se
tivermos
visto
cem
vezes
certos
objectos
e,
ao
comparar
esses
objectos
diferentes,
constatarmos
que
todos
tinham
quatro
pés
e
um
tampo
por
cima
(mesmo
que
o
tamanho,
a
matéria,
a
forma
variem…),
retiramos
uma
ideia
geral
a
que
podemos
associar
a
palavra
“mesa”.
O
mesmo
acontece
com
as
propriedades
dos
objectos:
assim,
conhecemos
a
propriedade
de
cair
que
têm
os
objectos
pesados
quando
os
largamos,
porque
já
vimos
dezenas
de
vezes
este
fenómeno
a
acontecer,
e
daí
inferimos
que
isso
deve
acontecer
todas
as
vezes.
Ora,
Platão
vai
mostrar
que
certos
conhecimentos
não
podem
manifestamente
ter
origem
na
experiência
ou
na
sensação.
O
platonismo
começa,
portanto,
por
refutar
o
empirismo.
É
o
caso
essencialmente
das
ideias
matemáticas,
como
a
ideia
de
triângulo
ou
de
igualdade…
Com
efeito,
o
mundo
sensível
em
que
vivemos
é
imperfeito:
se
pensarmos
bem,
constataremos
que
não
existe
no
mundo
um
único
triângulo
verdadeiro
(mesmo
um
triângulo
desenhado
a
régua
e
esquadro
é
irregular,
os
seus
lados
são
imperfeitos),
ou
dois
objectos
absolutamente
idênticos.
Nestas
condições,
como
podemos
adquirir
a
ideia
de
triângulo,
uma
vez
que,
em
boa
verdade,
não
há
nenhum
triângulo
no
mundo?
Do
mesmo
modo,
como
podemos
adquirir
a
ideia
de
igualdade
se
todos
os
objectos
que
vemos
são
desiguais?
A
única
forma
de
acedermos
aos
conhecimentos
matemáticos
consiste
em
admitir
que
existe
um
verdadeiro
triângulo,
uma
verdadeira
igualdade
(num
outro
mundo,
num
mundo
ideal)
e
que
é
através
do
conhecimento
das
Ideias
que
podemos
dizer
que
este
ou
aquele
objecto
se
assemelha
a
um
triângulo
ou
que
é
quase
idêntico
a
um
outro.
Como
se
está
a
ver,
é
sobretudo
no
domínio
das
matemáticas
que
Platão
põe
em
evidência
as
insuficiências
do
empirismo
e
da
sensação.
Posteriormente
vai
alargar
esta
teoria
a
todo
o
JB
4
5. A
FILOSOFIA
DE
PLATÃO
http://web.mac.com/jbarbo00
conhecimento,
incluindo
o
das
cadeiras
e
mesas…
De
facto,
o
platonismo
ainda
tem
adeptos
na
filosofia
das
matemáticas
e
da
lógica,
mas
ninguém
no
domínio
da
filosofia
do
conhecimento
em
geral.
As
Razões
Ontológicas
A
ontologia
é
a
teoria
do
Ser
em
geral;
responde
à
questão:
“O
que
é
o
Ser?”.
Ora,
para
Platão,
a
primeira
maneira
de
definir
o
Ser
é
distinguindo-‐o
da
aparência
e
portanto
da
sensação.
Assim,
não
basta
ver
um
elefante
cor-‐de-‐rosa
para
que
esse
elefante
exista,
para
que
tenha
Ser.
Se
o
Ser
não
é
o
que
vemos,
o
que
é
que
pode
ser?
Parece
ser
necessária
uma
certa
estabilidade,
uma
certa
perseverança
no
Ser,
para
que
possamos
falar
de
Ser
e
não
de
aparência.
Assim,
como
podemos
reconhecer
que
um
elefante
cor-‐de-‐rosa
não
passa
de
uma
ilusão?
Pelo
facto
de
acabar
por
desaparecer,
de
não
perdurar.
Assim,
o
Ser
é
o
estável,
o
durável,
enquanto
o
que
flui
ou
se
transforma
não
é
mais
do
que
o
que
parece.
Ora,
como
disse
Heraclito,
no
mundo
em
que
vivemos,
“tudo
flui”,
tudo
muda,
nada
permanece
idêntico
a
si
mesmo;
em
bom
rigor,
não
deveria
haver
Ser
neste
mundo.
Vejamos
um
exemplo:
imaginemos
o
corpo
de
um
animal;
dizemos
que
este
animal
é,
e,
no
entanto,
se
pensarmos
bem,
a
cada
segundo,
este
animal
já
não
é
o
mesmo:
as
células
que
constituem
o
seu
corpo
morrem
e
são
substituídas,
ele
está
em
mudança…
Como
poderemos
dizer
que
há
um
Ser?
Tudo
se
passa
como
se,
a
cada
instante,
os
seres
desaparecessem
para
se
transformarem
em
outros.
Tudo
isto,
para
Platão,
não
é
verdadeiramente
Ser,
pois
isso
significaria
que
não
há
nenhuma
diferença
entre
ser
e
ilusão
ou
aparência.
No
entanto,
nem
por
isso
deixamos
de
falar
do
Ser
das
coisas:
devem,
portanto,
adquirir
o
ser
de
fora
delas,
e
este
“de
fora
delas”
é
o
mundo
das
ideias.
A
Ideia
assegura
a
estabilidade
das
coisas,
é
a
forma,
a
essência
da
coisa
que
perdura
nela
e
através
da
mudança.
Assim,
se
retomarmos
o
exemplo
do
animal,
vemos
que
o
que
faz
com
que
possamos
falar
de
um
animal
é
uma
certa
forma,
certas
relações
entre
os
elementos
do
animal
(as
células,
os
órgãos)
que
não
mudam,
embora
todos
esses
elementos
estejam
em
permanente
mudança.
JB
5
6.
Consequências
da
Teoria
das
Ideias
Conhecimento
Vejamos
resumidamente
o
que
já
foi
dito.
Para
tratar
do
fenómeno
do
conhecimento,
tal
como
para
distinguir
o
Ser
da
aparência,
Platão
é
obrigado
a
postular
um
mundo
das
ideias,
distinto
do
mundo
sensível
em
que
vivemos,
povoado
por
ideias
que
são
os
equivalentes
ideais,
perfeitos
e
imutáveis
dos
objectos
que
povoam
o
mundo
em
que
vivemos.
Tentemos
agora
aprofundar
esta
tese
e
mostrar
em
que
é
que
ela
permite
realmente
esclarecer
o
mecanismo
do
conhecimento.
Esclareçamos
desde
já
que
Platão
utiliza
muito
frequentemente
o
mito
para
clarificar
as
suas
afirmações:
estes
mitos
não
são
para
levar
à
letra,
são
um
instrumento
para
nos
aproximarmos
da
verdade.
Vejamos,
então,
como,
nas
suas
grandes
linhas,
se
apresenta
a
teoria
platónica
do
conhecimento:
O
mundo
das
ideias,
perfeito
e
imutável
existe
antes
do
mundo
sensível;
este
é
uma
cópia
imperfeita
do
mundo
das
ideias.
Lá,
no
mundo
das
ideias,
só
existe
uma
Ideia
perfeita
de
triângulo
(por
exemplo);
aqui,
no
mundo
sensível,
existe
uma
infinidade
de
triângulos
particulares,
sendo
que
nenhum
deles
esgota
a
essência
do
triângulo.
Como
podemos,
então,
adquirir
a
noção
de
triângulo?
Para
isso,
precisamos
(porque,
como
vimos,
a
sensação
não
basta)
de
ter
acesso,
de
uma
forma
ou
de
outra,
ao
mundo
das
Ideias.Ora,
esta
relação
com
o
mundo
das
Ideias
coloca
muitos
problemas,
porque
elas
não
são
visíveis,
estão
fora
do
mundo
em
que
vivemos.
A
solução
proposta
por
Platão
para
estes
problemas
encontra-‐se
na
Teoria
da
Reminiscência.
Antes
de
nascermos,
antes
de
a
nossa
alma
se
associar
a
um
corpo,
teve
a
possibilidade
de
contemplar
o
mundo
das
Ideias,
com
os
olhos
do
espírito.
Mas
no
momento
do
nascimento,
a
nossa
alma
esqueceu
tudo.
No
entanto,
quando
contemplamos
objectos
sensíveis,
somos
capazes
de
nos
recordar
da
Ideia
que
lhes
serve
de
modelo:
é
o
fenómeno
da
reminiscência.
O
conhecimento
verdadeiro
é,
portanto,
uma
recordação.
Falta
saber
o
que
é
exactamente
uma
Ideia.
Poder-‐se-‐ia
caracterizá-‐la
como
a
forma
geral
de
um
objecto,
uma
espécie
de
esquema
de
um
objecto
(de
uma
cadeira,
por
exemplo).
Mas
Platão
não
se
fica
por
aqui,
pois,
para
ele,
as
ideias
não
estão
isoladas,
mantêm
também
relações
entre
si:
relações
de
participação
ou
de
não
participação.
Com
efeito,
algumas
ideias
têm
mais
dignidade
do
que
outras
porque
contêm
um
maior
número
delas.
Assim
a
ideia
de
móvel
contém
as
de
cadeira,
mesa…
tal
como
a
ideia
de
cadeira
contém
todas
as
cadeiras
7. A
FILOSOFIA
DE
PLATÃO
http://web.mac.com/jbarbo00
particluares
que
nos
rodeiam.
Esta
relação
dita
de
participação
(a
ideia
de
cadeira
participa
da
de
móvel)
constitui
verdadeiramente
o
conhecimento,
segundo
Platão.
Assim,
para
conhecer
um
objecto
particular
(por
exemplo,
uma
cadeira)
é
preciso,
claro,
aceder
à
ideia
de
cadeira,
mas,
depois,
temos
também
de
descobrir
(sempre
por
reminiscência)
as
ligações
que
esta
ideia
estabelece
com
as
outras
ideias
(de
móvel,
de
banco,
etc.).
Deste
modo
o
conhecimento,
por
mais
simples
que
seja,
acaba
sempre
por
se
alargar
ao
conhecimento
de
todo
o
mundo
das
ideias,
de
todas
as
ideias
e
de
todas
as
relações
entre
ideias.
Em
conclusão,
podemos
ver
que
o
conhecimento
assume
a
forma
de
uma
pirâmide,
com,
na
base,
um
número
infinito
de
objectos
particulares,
depois
ideias
próximas
dos
objectos
sensíveis
(cadeira…),
depois
ainda
ideias
cada
vez
mais
abstractas
(móvel…),
até
se
chegar,
no
cimo
da
pirâmide,
à
ideia
que
não
participa
de
nenhuma
outra
ideia
e
de
que
todas
as
outras
participam:
a
ideia
de
Bem
ou
de
Uno.
Filosofar
consistirá
precisamente,
segundo
Platão,
em
tentar
conhecer
esta
pirâmide
do
conhecimento
com
as
suas
ideias
e
as
suas
articulações.
Método
e
Natureza
da
Filosofia
A
filosofia
é
uma
tarefa
complexa.
Obviamente,
o
seu
fim
último
consiste
no
conhecimento
da
ideia
de
Bem
(na
contemplação
desta
ideia,
de
preferência,
uma
vez
que
não
a
podemos
conhecer
a
partir
de
outra
ideia),
e
das
outras
grandes
ideias
(o
Belo,
o
Justo…).
Este
conhecimento
resulta
da
actividade
filosófica,
mas
há
um
longo
caminho
a
percorrer
antes
de
lá
chegar.
Com
efeito,
o
nosso
olhar
é,
de
certo
modo,
obscurecido
pelo
mundo
sensível
em
que
vivemos.
Em
vez
de
nos
elevarmos
das
coisas
particulares
às
suas
ideias,
e,
depois,
destas
ideias
às
ideias
mais
nobres,
ficamos
limitados
pelo
mundo
sensível,
se
só
adquirimos
conhecimentos
através
da
experiência:
conhecimentos
aproximativos
e
insuficientes.
Platão
ilustra
isto
através
da
alegoria
da
caverna.
Na
entrada
desta
caverna,
estão
dispostos
objectos,
e
por
detrás
desses
objectos,
uma
tocha
acesa.Os
homens
da
caverna
podem
ficar
dentro
da
caverna
e
contentar-‐se
em
conhecer
as
sombras
dos
objectos
projectadas
na
parede
do
fundo
da
caverna,
ou,
então,
podem
sair
e
contemplar
os
verdadeiros
objectos,
de
que
as
sombras
são
simplesmente
uma
cópia
imperfeita.
O
mesmo
se
pode
dizer
a
respeito
do
mundo
sensível
e
do
mundo
das
ideias:
contentarmo-‐nos
com
os
objectos
sensíveis,
de
fácil
acesso,
mas
imperfeitos,
ou,
então,
fazermos
um
esforço
de
“conversão”,
e
virarmo-‐nos
para
o
mundo
das
ideias,
de
acesso
mais
difícil,
mas
perfeito.
O
esforço
do
filósofo
consistirá,
num
primeiro
momento,
em
libertar-‐se
das
ilusões
e
das
falsas
opiniões
resultantes
do
mundo
sensível.
Só
tomando
consciência
da
falsidade
de
todas
as
opiniões
que
consideramos
verdadeiras,
conseguiremos
realizar
esta
conversão
do
olhar
e
virar-‐nos
verdadeiramente
para
o
mundo
das
ideias.
É
para
isso
que
servem
os
diálogos
e
a
ironia
socrática.
Sócrates
coloca
questões
do
tipo
“o
que
é
a
virtude”,
sem
ele
próprio
lhes
JB
7
8. A
FILOSOFIA
DE
PLATÃO
http://web.mac.com/jbarbo00
responder,
espera
respostas
que
são
precisamente
opiniões
falsas
inspiradas
no
mundo
sensível,
e
dedica-‐se
a
demonstrar
a
sua
insuficiência.
Assim,
pouco
a
pouco,
os
seus
interlocutores
são
obrigados
a
abandonar
as
suas
crenças,
a
desviar-‐se
do
mundo
sensível
e
a
virar-‐se
para
o
mundo
das
ideias
(que,
não
esqueçamos,
está
contido
em
nós
sob
formas
de
recordações
apagadas
mas
sempre
reactualizáveis).
A
Ontologia
(Teoria
do
Ser)
Como
já
foi
dito
(cf.
as
razões
ontológicas
para
crer
na
teoria
das
Ideias),
a
ontologia
tenta
responder
à
questão
“o
que
é
o
ser”.
Ser
deve
entender-‐se
aqui
no
seu
sentido
geral:
uma
cadeira
é
um
ser,
tal
como
o
homem,
a
água,
uma
cidade
são
seres:
todos
têm
em
comum
(apesar
das
suas
diferenças)
o
Ser.
Mas
o
que
é
o
Ser?
Por
outras
palavras,
como
distinguir
o
Ser
do
não-‐Ser
?
Ora,
para
Platão,
o
que
caracteriza
o
não-‐Ser
é
a
sua
inconstância:
as
ilusões,
as
aparências,
não
sendo,
também
não
permanecem.
O
Ser,
pelo
contrário,
é
o
que
dura,
é
o
estável,
o
durável.
Esta
concepção
não
é
completamente
estranha
às
nossas
intuições
do
quotidiano:
que
diríamos,
se
víssemos
um
objecto
aparecer
e
depois
desaparecer
subitamente?
Não
seríamos
tentados
a
dizer
que
se
tratava
de
uma
ilusão?
Ou
então
talvez
procurássemos
nas
redondezas
para
ver
se
reencontrávamos
o
objecto.
Mas
teríamos
dificuldade
em
admitir
que
um
ser
desaparecesse
subitamente,
e
continuar
a
chamá-‐lo
de
ser.
No
entanto,
à
nossa
volta,
todos
os
objectos
são
instáveis.
No
nosso
mundo
em
mudança,
as
coisas
mudam
sem
cessar,
os
átomos
de
que
são
feitos
alteram-‐se
e
deixam
de
ser
os
mesmos…
Parece,
portanto,
que
não
há
nenhuma
estabilidade
no
mundo
sensível,
que
tudo
é
aparência
que
sucede
a
outras
aparências,
uma
sucessão
de
imagens
todas
diferentes
umas
das
outras,
uma
sucessão
sem
fim
de
aparições
e
desaparições…
Em
resumo,
parece
que
o
mundo
sensível
não
merece
o
nome
de
Ser.
Pelo
contrário,
o
mundo
das
Ideias,
constituído
por
ideias
fixas
e
imutáveis
merece
ser
designado
de
Ser.
O
nosso
mundo
merece
o
Ser
na
justa
medida
em
que
participa
do
mundo
das
Ideias.
Com
efeito,
uma
cadeira
num
instante
t2
já
não
consegue
ser
a
mesma
que
era
no
instante
t1
(os
átomos
que
a
constituem
mudaram,
ela
própria
pode
deformar-‐se…),
mas
tanto
no
instante
t1
como
no
instante
t2
ela
participa
da
Ideia
de
cadeira,
e
é
esta
participação
de
uma
Ideia
perfeita
e
estável
que
constitui
o
Ser
de
um
objecto
sensível.
Assim,
o
Ser
de
um
objecto
é
precisamente
a
sua
essência,
isto
é,
aquilo
que,
nele,
não
muda
com
o
tempo,
a
sua
forma
geral
(um
homem
pode
levantar
os
braços,
crescer,
correr…
nunca
é
o
mesmo,
todavia
tem
sempre
a
forma
de
homem
e
é
por
isso
que
podemos
dizer
que
ele
é,
e
não
que
não
é
ou
que
só
é
aparência,
ilusão,
não-‐Ser…).
JB
8
9. A
FILOSOFIA
DE
PLATÃO
http://web.mac.com/jbarbo00
A
Ética
e
a
Política
Até
agora,
interessámo-‐nos
pela
ciência,
pelo
conhecimento,
pelo
que
é.
Agora
temos
de
avançar
um
pouco
mais
para
falar
a
respeito
do
que
deve
ser,
dos
valores.
Ao
nível
do
indivíduo,
este
problema
dos
valores
recebe
o
nome
de
ética.
A
ética
procura
responder
às
questões
:
“O
que
é
que
devo
fazer?
“,
“Que
tipo
de
vida
devo
levar
?”
ou
”O
que
é
o
soberano
Bem?”.
Ao
nível
da
colectividade,
da
sociedade,
o
problema
dos
valores
chama-‐se
política.
Esta
tenta
responder
às
seguintes
questões:
“Qual
é
a
melhor
cidade
possível?”,
“Qual
deve
ser
a
forma
de
governo
de
uma
cidade
para
que
seja
justa?”
.
Estes
dois
problemas
estão
estreitamente
ligados
entre
si,
e
veremos
que
são
a
aplicação
de
um
mesmo
princípio
a
dois
domínios
diferentes.
Ora,
este
princípio
só
pode
ser
encontrado
no
mundo
das
Ideias.
Com
efeito,
se
há
uma
ideia
de
cadeira,
ou
de
móvel,
há
também
as
ideias
de
Bem,
de
Justo…
e
é
a
estas
ideias
que
deve
recorrer,
para
seu
modelo,
o
homem
que
deseja
ser
virtuoso,
e
o
governante
que
quer
tornar
a
sua
cidade
justa.
A
este
propósito,
compreende-‐
se
que
a
filosofia
conduza
à
virtude
e
à
justiça,
segundo
Platão.
No
entanto,
isto
não
basta:
falta
determinar
o
conteúdo
destas
ideias,
pois
como
vimos,
as
Ideias
relacionam-‐se
umas
com
as
outras.
Qual
é
então
o
conteúdo
das
Ideias
de
Virtude
e
de
Justiça
?
Para
o
sabermos,
temos
de
tentar
compreender
o
que
é
um
homem
e
o
que
é
uma
cidade.
Para
Platão,
o
Homem
é
um
corpo
associado
a
uma
alma,
ou
melhor,
a
três
almas:
uma
alma
do
desejo,
que
busca
o
prazer
do
corpo,
uma
alma
do
coração,
da
coragem,
que
busca
a
glória,
e
enfim
uma
alma
intelectual
que
busca
a
razão
e
o
conhecimento.
Estas
três
almas,
tendo
objectos
diferentes,
estão
em
permanente
conflito
entre
si,
sempre
que
é
necessário
decidir
o
que
se
deve
fazer.
O
mesmo
se
diz
da
cidade,
que
é
dividida
em
“classes
sociais”
(filósofos,
guerreiros
e
artesãos…).
Neste
caso
também,
cada
classe
(e
mesmo
cada
indivíduo)
tem
o
seu
próprio
interesse
que
não
é
o
de
nenhum
outro.
Daqui
resulta
que
o
Homem,
tal
como
a
cidade,
vive
em
permanente
conflito,
num
movimento
perpétuo.
Ora,
como
já
foi
dito,
as
Ideias
são
fixas
e
imutáveis
e,
de
maneira
geral,
só
podemos
falar
de
um
objecto
(seja
uma
mesa,
um
homem
ou
uma
cidade)
na
medida
em
que
tem
estabilidade,
unidade.
Daqui
resulta
que
a
Virtude
não
é
mais,
para
o
Homem,
do
que
a
unificação
e
a
pacificação
dessas
três
almas
que
devem
falar
a
uma
só
voz
e
assim
alcançar
a
estabilidade
que
caracteriza
a
Ideia.
A
Cidade
Justa,
do
mesmo
modo,
será
aquela
onde
as
classes
sociais
e
os
indivíduos,
longe
de
se
oporem,
agem
harmoniosamente
no
interesse
da
unidade
da
cidade.
Finalmente,
o
Bem
é
a
unidade
do
diverso,
tal
como
a
Ideia
do
Bem
é
a
ideia
unificadora
das
outras
Ideias.
A
virtude
é,
portanto,
a
unidade
no
indivíduo,
enquanto
a
justiça
é
a
unidade
na
cidade.
Como
é
que
esta
unidade
se
realiza
concretamente?
No
que
diz
respeito
ao
indivíduo,
um
dos
grandes
princípios
de
Platão
(que
vai
buscar
a
Sócrates)
é
que
“ninguém
faz
o
mal,
sabendo-‐o”,
isto
é,
basta
saber
o
que
é
o
bem
para
desejar
fazê-‐lo.
Pelo
contrário,
se
alguém
for
mau,
não
JB
9
10. A
FILOSOFIA
DE
PLATÃO
http://web.mac.com/jbarbo00
se
dará
conta
disso:
só
por
ignorância
se
pode
fazer
o
mal
(acreditando
sempre
estar
a
fazer
bem).
Isto
quer
dizer
que
ser
virtuoso
é
o
mesmo
que
dar
prioridade
à
alma
intelectual
que
é
aquela
que,
de
algum
modo,
nos
permite
agir
razoavelmente,
dando
inclusive
a
cada
uma
das
outras
duas
a
correspondente
importância
de
acordo
com
uma
medida
equilibrada.
No
domínio
político,
Platão
reforça
as
suas
convicções
no
domínio
da
ética.
Seria,
pois,
necessário
colocar
um
rei-‐filósofo
a
governar
a
cidade,
que
perseguisse
a
Ideia
de
justo,
de
unidade
na
cidade.
Todavia,
ao
nível
político,
as
coisas
são
um
pouco
mais
complicadas,
pois
não
basta
conhecer
a
cidade
ideal;
é
preciso
também
realizar
esta
Ideia
na
cidade
imperfeita
dos
homens,
e
isso
exige
um
outro
tipo
de
conhecimento,
um
conhecimento
das
imperfeições
dos
homens,
das
limitaçõees
da
sua
natureza…
por
isso,
o
rei
deve
tornar-‐se
artesão,
como
o
fabricante
de
sapatos,
que,
tendo
em
mente
a
ideia
de
sapato,
deve
prestar
atenção
à
qualidade
do
couro,
às
suas
imperfeições…
Por
outro
lado,
é
delicado
pôr
em
marcha
semelhante
monarquia
filosófica.
Com
efeito,
aos
olhos
do
cidadão
comum,
ela
dificilmente
se
distingue
da
tirania
que
é
o
pior
regime
possível,
na
opinião
do
próprio
Platão.
A
Estética
(Filosofia
do
Belo)
A
estética
de
Platão
procura
responder
à
questão
“O
que
é
o
Belo?”
e
interessa-‐se
também
pelos
problemas
ligados
à
arte.
Neste
caso
também,
a
resposta
dve
ser
procurada
no
mundo
das
Ideias:
é
a
Ideia
de
Belo
que
é
necessário
encontrar.
Tal
como
nos
casos
da
Virtude
e
da
Justiça,
é
a
unidade
que
caracteriza
a
Ideia
do
belo,
só
que,
desta
vez,
trata-‐se
da
unidade
formal
do
objecto,
da
unidade
da
sua
aparência.
Assim,
uma
bela
música
é
uma
música
em
que
cada
nota
tem
o
seu
lugar
e
está
no
seu
lugar,
em
que
existe
uma
relação
regular
entre
cada
nota,
onde
reina
a
harmonia.
O
papel
da
arte,
tal
como
o
da
política
face
à
ética,
é
mais
complexo.
A
arte
é
imitação:
imitação
das
formas,
das
acções…
Mas
percebe-‐se
facilmente
que,
por
exemplo,
no
caso
da
música,
é
muito
difícil
atribuir
um
modelo
à
arte,
algo
que
a
música
possa
imitar.
É
portanto
necessário
aprofundar
o
conceito
de
imitação:
através
de
uma
forma
sensível,
é
a
própria
alma
que
a
arte
procura
imitar.Os
estilos
artísticos
correspondem
a
diferentes
estados
de
alma
possíveis:
uma
música
harmoniosa
e
regular
imita
a
alma
do
sábio
virtuoso,
uma
música
majestosa
e
impressionante
imita
a
alma
do
bravo,
do
guerreiro,
uma
música
rápida
e
louca
imita
a
alma
do
homem
atraído
pelos
prazeres
sensíveis.
Do
mesmo
modo,
o
prazer
que
se
experimenta
ao
contemplar
uma
obra
de
arte
corresponde
aos
prazeres
destas
diferentes
formas
de
almas.
Só
as
obras
que
imitam
uma
alma
sábia
e
virtuosa
são
belas,
pois
a
sua
unidade
é
a
da
alma
que
elas
imitam,
o
que
não
quer
dizer
que
só
delas
possa
resultar
prazer:
o
Belo
não
é
necessariamente
agradável.
Esta
inconveniência,
que
resulta
de
o
agradável
poder
não
ser
Belo,
não
seria
problemática
se
a
obra
de
arte
não
tivesse
a
propriedade
de
envolver
e
de
transportar
aquele
que
a
contempla.
Assim,
uma
obra
guerreira
incita
à
coragem,
uma
obra
bela
incita
à
sabedoria
e
uma
obra
viva
incita
aos
prazeres
dos
sentidos.
Compreende-‐se
então
por
que
razão
Platão
desconfiava
tanto
JB
10
11. A
FILOSOFIA
DE
PLATÃO
http://web.mac.com/jbarbo00
da
arte
e
do
seu
poder,
o
que
o
fazia
sustentar
a
ideia
de
que,
na
cidade
ideal,
a
arte
deveria
estar
sob
o
controlo
do
rei-‐filósofo,
ideia
que,
de
uma
forma
ou
de
outra,
nos
tempos
modernos,
correspondeu
sempre
a
modalidades
diversas
de
tirania.
Alcance
e
Limites
da
Filosofia
de
Platão
Sob
muitos
pontos
de
vista,
a
filosofia
de
Platão
parece-‐nos
hoje
estranha
ou
até
mesmo
um
pouco
esquisita.
No
entanto,
ela
serve
de
inspiração
para
muitas
teorias
contemporâneas.
Nem
sempre
da
melhor
forma…
*
A
teoria
das
Ideias
foi
abundantemente
criticada
logo
a
partir
de
Aristóteles.
Pensou-‐se
que
seria
exagerado
supor
a
existência
de
um
outro
mundo,
paralelo
ao
nosso.
À
excepção
dos
filmes
de
ficção,
o
que
foi
conservado
da
Teoria
das
Ideias
por
um
grande
número
de
filósofos
foi
a
ideia
de
que
os
sentidos
são
claramente
insuficientes
para
estarem
na
origem
do
conhecimento.
Assim,
o
próprio
Aristóteles
distingue
dois
elementos
nas
coisas
:
a
matéria
e
a
forma;
esta
forma,
embora
seja
inseparável
da
matéria,
está
muito
próxima
da
Ideia
de
Platão.
De
igual
modo,
Descartes
recorreu
ao
conceito
de
“ideia
inata”
para
designar
os
conhecimentos
que
não
têm
origem
na
experiência,
renovando,
à
sua
maneira,
as
intuições
de
Platão.
*
No
domínio
da
ontologia,
Platão,
o
pai
da
filosofia,
será
severamente
criticado
no
século
XX
por
Heidegger,
que
lhe
reprova
o
ter
reduzido
o
Ser
ao
estável,
ao
permanente,
esquecendo
o
seu
carácter
fluido
de
acontecimento.
Mas
esta
crítica
limita-‐se
a
sublinhar
o
facto
de
a
concepção
de
Platão
do
Ser
como
estabilidade
ter
dominado
toda
a
história
da
filosofia,
pelo
menos,
até
Nietzche.
*
Talvez
tenha
sido
na
ética
e
na
política
que
o
platonismo
(e
de
maneira
geral,
o
pensamento
grego)
menos
envelheceu.
Com
efeito,
pode-‐se
criticar-‐lhe
a
sua
ingenuidade
em
acreditar
que
“ninguém
faz
o
mal
voluntariamente,
sabendo-‐o”,
esquecendo
aquelas
vezes
em
que
se
faz
o
mal
com
pleno
conhecimento
de
causa.
No
entanto,
ele
é
o
pai
do
cognitivismo,
isto
é,
da
ideia
segundo
a
qual
se
deve
agir
de
acordo
com
a
razão.
Esta
ideia
voltará
a
ser
encontrada,
muito
renovada
e
transformada,
em
Kant
e
em
filósofos
contemporâneos
como
Habermas
e
Rawls.
JB
11