Arlette Farge
Arlette Farge, (Charleville, 14 de setembro de 1941)[1], é uma historiadora, professora e pesquisadora francesa, com sua pesquisa junto à (EHESS). Ela é especialista em História social e das mentalidades do século XVIII.[2]
Biografia
[editar | editar código-fonte]Originária de uma família modesta, Arlette cresceu como a mais nova de três filhos. A infância durante a Segunda Guerra Mundial determinou de forma perene sua visão do mundo e sua trajetória.[3] Após concluir seus estudos no lycée Hélène Boucher em Paris, ela inicialmente planejou seguir a carreira jurídica como juíza de menores. No entanto, seu caminho tomou uma direção diferente quando ela decidiu obter um diploma avançado em história do direito e das instituições.[4]
Trajetória acadêmica
[editar | editar código-fonte]A jornada acadêmica de Farge, a levou aos Estados Unidos em 1969, onde testemunhou de perto as lutas dos estudantes afro-americanos durante o Movimento dos Direitos Civis e se envolveu com o feminismo americano. Essa experiência ampliou sua compreensão sobre as dinâmicas sociais e políticas, influenciando seus trabalhos futuros.[5]
De volta à França, Arlette concentrou seus esforços na preparação de sua tese de doutorado sobre "O Roubo de Alimentos em Paris no século XVIII" sob a orientação de renomados historiadores como Robert Mandrou. Sua pesquisa pioneira na história das mentalidades e na vida cotidiana das classes mais pobres de Paris destacou-se como uma contribuição significativa para a compreensão da sociedade da época. [6]
Arlette Farge também desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da História das mulheres, investigando as identidades populares e as relações de gênero no século XVIII. Sua abordagem interdisciplinar e sua sensibilidade às questões de poder e dominação foram influenciadas pela obra de Michel Foucault com quem colaborou em diversos projetos [7].
Além de suas realizações acadêmicas, Arlette também se destacou como apresentadora de rádio, trazendo discussões históricas importantes para um público mais amplo. [8]
Prêmios
[editar | editar código-fonte]1979: PrêmioGabriel Tarde pelo seu livro, Vivre à Paris dans la rue au xviiie siècle.[9]
2016: Prêmio Dan David por todo o seu trabalho e inovação.[10]
2020: Prêmio da Société Des Gens de Lettres de France (SDGL), pelo livro Vies oubliées. Au coeur du XVIII siècle.[11]
Contribuições
[editar | editar código-fonte]Arlette Farge destacou em seu trabalho as vozes e histórias frequentemente ignoradas, criticando inclusive as dicotomias convencionais encontradas na historiografia que trata sobre a opinião pública e a história das mulheres. É fundamental enfatizar a sua crítica à ideia de "condição feminina", preferindo examinar situações específicas. Arlette Farge busca entender como as conexões com o homem se formam e como as relações entre o feminino e o masculino mudam constantemente. Além disso, sua colaboração com o "grupo de história das mulheres" resultou em importantes contribuições para o campo da história das mulheres e dos estudos de gênero.[12]
Seu método inclui a investigação da vida, da subjetividade e dos pensamentos dos pobres e marginalizados; reconhecendo-os como sujeitos históricos com suas próprias visões e opiniões, eles são os sujeitos a serem investigados. Ela prioriza a investigação das formas de pensamento punitivo e racionalidade, bem como as circunstâncias que permitiram suas mudanças e dinâmicas no final do século XVIII. A historiadora acredita que os historiadores devem ouvir as pessoas pobres e marginalizadas, reconhecendo-as como sujeitos históricos e atores sociais em vez de apenas dados científicos. Em "Dire et mal dire", ele examina a opinião pública no século XVIII e critica a noção de Jürgen Habermas de que não havia fontes para estudar a opinião dos pobres e que uma esfera pública plebeia estava sendo reprimida. Farge elabora suas narrativas, ao escrever, ela se esforça para capturar o que ela percebe como a essência sonora da época, criando uma escrita "entrecortada" e "arrítmica", buscando imergir o leitor nesse ambiente histórico. Seu trabalho meticuloso visa evocar imagens que se assemelhem a "um quadro escrito", uma representação vívida da época.[13]
No que diz respeito à sua relação com a filosofia, a historiadora colaborou com Michel Foucault na publicação "Le désordre des familles", que examina as cartas de cachet. Farge enfatiza a importância dos relatos anônimos e marginais em seus trabalhos e se opõe à visão tradicional das lettres de cachet [14] apenas como ferramentas de um poder absolutista arbitrário, destacando a racionalidade política e jurídica do período que associava a ordem pública à ordem familiar, além das classes populares como agentes ativos. O pensamento de vários pensadores como Michel Foucault, Jacques Rancière, Pierre Bourdieu, Michel de Certeau, Walter Benjamin e Friedrich Nietzsche tiveram impacto em sua obra.[13]
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]Arlette Farge, renomada historiadora francesa, possui uma vasta produção acadêmica que, apesar de extensivamente traduzida para outras línguas, conta até 2024 com apenas duas obras disponíveis em português do Brasil. O livro "Lugares para a História", traduzido por Fernando Scheibe e publicado pela editora Autêntica, examina espaços históricos significativos e sua influência na narrativa histórica, destacando a importância da fala como objeto de estudo histórico, trazendo à tona questões sobre a oralidade e as relações sociais. Farge ressalta a necessidade de não se perder nas singularidades, mas sim articular essas singularidades aos grupos sociais e acontecimentos coletivos. A autora também enfatiza a urgência de novas abordagens e métodos na História, incluindo questões como dor, violência e sentimentos nas pesquisas e como locais específicos moldaram eventos e memórias ao longo dos séculos.[15]
Já "O Sabor do Arquivo", traduzido por Fátima Murad e publicado pela editora EdUSP, explora a relação entre o historiador e os documentos de arquivo. De forma quase poética a autora da uma nova visão ao trabalho com fontes arquivisticas, explorando suas potencialidades de investigação, as sensações sentidas pelo contato com o arquivo como gosto, o tato, o cheiro e temperatura, a profundidade das possibilidades de investigação e também os silêncios do arquivo, aquelas partes onde ele não chega, suas lacunas e as histórias que relegou à quietude e ao esquecimento, essas também relevates para se compreender o todo. Neste livro, Farge nos brinda com uma gama de possibilidades metodologicas para a busca arquivistica, apontando também diversos problemas comuns nos fundos de arquivo.[16]
Principais obras:
- Vivre dans la rue à Paris au XVIIIe siècle.(1979) - (FARGE, A. Paris: Gallimard- Julliard. coll. Archives. 1979.)
- Le Désordre des familles: lettres de cachet des Archives de la Bastille au XVIIIe siècle. (FARGE, Arlette; FOUCAULT, Michel. Éditions Gallimard, Julliard, 1982.)
- O Sabor do arquivo (1989) - (FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: Edusp, 2009.)
- The Vanishing Children of Paris: rumor and politics before the French revolution. (FARGE, Arlette; REVEL, Jacques. Harvard University Press, 1993.)
- Dire et mal dire : l’opinion publique au XVIIIe siècle. (1992) - (FARGE, Arlette. Seuil. (1992).
- La vie fragile : Violence, pouvoirs et solidarités à Paris au XVIII siècle. (FARGE, Arlette. Paris. Hachette. 1986.)
- Foucault contre lui-même (2015) - (FARGE, Arlette et al. PUF, 2014.)
- Lugares para a história. Belo Horizonte: (FARGE, Arlette. Autêntica. 2015.)
- A revolta da senhora Montjean: A história de uma heroína singular às vésperas da Revolução Francesa (FARGE, Arlette. Bazar do tempo. 2022)
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
[editar | editar código-fonte]- ↑ « Farge, Arlette (1941-....) » [archive], notice d'autorité personne sur le site du catalogue général de la BnF
- ↑ «Arlette Farge - Autores». Bazar do Tempo. Consultado em 15 de junho de 2024
- ↑ ↑ Interview d'Arlette Farge par Perrine Kervran, émission À voix nue sur France Culture, 11 novembre 2013.
- ↑ «Resultados da pesquisa por Autor :: Catalogo Colectivo UNC». catalogo.biblio.unc.edu.ar. Consultado em 16 de junho de 2024
- ↑ «"Mon enfance est une enfance absolument absente des livres" : épisode • 1/5 du podcast Arlette Farge, une historienne de la marge». France Culture (em francês). Consultado em 17 de junho de 2024
- ↑ Universalis, Encyclopædia. «ARLETTE FARGE». Encyclopædia Universalis (em francês). Consultado em 17 de junho de 2024
- ↑ ↑ Michel Delon, Notice « Arlette Farge » [archive] de l'Encyclopædia Universalis.
- ↑ «"Il était dit que j'étais trop émotionnelle, trop femme en gros." : épisode • 2/5 du podcast Arlette Farge, une historienne de la marge». France Culture (em francês). Consultado em 17 de junho de 2024
- ↑ «Prix Gabriel Tarde 2023». Association Française de Criminologie (em francês). Consultado em 16 de junho de 2024
- ↑ «Prof. Arlette Farge, 2016 Dan David Prize Laureate». Goodreads. Consultado em 16 de junho de 2024
- ↑ «Prix de la Société Des Gens de Lettres de France (SGDL) 2020». http://crh.ehess.fr (em francês). Consultado em 16 de junho de 2024
- ↑ Soihet, Rachel; Soares, Rosana M. A.; Costa, Suely Gomes (2001). «A História das mulheres. Cultura e poder das mulheres: ensaio de historiografia». Revista Gênero (1). ISSN 2316-1108. doi:10.22409/rg.v2i1.282. Consultado em 17 de junho de 2024
- ↑ a b Bentivoglio, Julio; Avelar, Alexandre de Sá (25 de novembro de 2016). Afirmação da história como ciência no século XX: De Arlette Farge a Robert Mandrou. [S.l.]: Editora Vozes Limitada
- ↑ «Lettres de cachet». Wikipedia (em inglês). 8 de abril de 2024. Consultado em 17 de junho de 2024
- ↑ Furlani, João Carlos (13 de setembro de 2022). «Lugares para a História: a urgência de uma conexão social». Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas (FADILESTE). Revista Vox (12): 114. Consultado em 18 de junho de 2024
- ↑ Jardim, José (Abril 2011). «Sabores e saberes dos arquivos». Universidade Federal da Bahia. Ponto de Acesso. volume 5 (número 1): 109, 110 e 111. Consultado em 18 de junho de 2024