Gregos otomanos
Os gregos otomanos (em grego: Ρωμιοί, em turco: Osmanlı Rumları) eram gregos étnicos que viviam no território do Império Otomano (1299–1923), o estado antecessor da República da Turquia contemporânea. Eles eram cristãos ortodoxos e administrativamente pertenciam ao Millet de Rum (Millet-i Rum). Estavam concentrados nos territórios que hoje compõem a Grécia moderna, na Trácia oriental (especialmente em Constantinopla e seus arredores), no oeste da Ásia Menor (especialmente em Esmirna e arredores), na Anatólia central (especialmente na região da Capadócia) e no nordeste da Anatólia (especialmente no vilayet de Erzurum, nos arredores de Trebizonda e nos Montes Pônticos, em território aproximadamente correspondente ao Império medieval de Trebizonda). Também existiam comunidades gregas de tamanho considerável em domínios otomanos nos Bálcãs, na Armênia e no Cáucaso - inclusive na região que, entre 1878 e 1917, constituiu a província caucasiana russa do Oblast de Kars, na qual gregos pônticos, gregos do nordeste da Anatólia e gregos caucasianos que colaboraram com o Exército Imperial Russo na Guerra Russo-Turca de 1828 a 1829 foram assentados como parte da política oficial da Rússia de repovoar com cristãos ortodoxos uma área anteriormente habitada por muçulmanos otomanos e por armênios.
História
[editar | editar código-fonte]Introdução
[editar | editar código-fonte]No Império Otomano, de acordo com o sistema muçulmano de tratamento aos súditos dhimmi, os cristãos gregos possuíam algumas liberdades limitadas (como o direito de culto), mas eram tratados como cidadãos de segunda classe. Cristãos e judeus não eram considerados iguais aos muçulmanos: testemunhos realizados por cristãos ou judeus contra muçulmanos não eram permitidos nos tribunais. Eles eram, ainda, proibidos de portar armas e de andar a cavalo; suas casas não podiam ser construídas acima das casas dos muçulmanos, e suas práticas religiosas precisavam respeitar as dos muçulmanos, além de várias outras limitações legais.[2] Qualquer violação dessas regras resultava em punições que podiam variar do pagamento de multas à execução.
O Patriarca Ecumênico de Constantinopla era reconhecido como a máxima autoridade política e religiosa (millet-bashi, ou etnarca) de todos os súditos cristãos ortodoxos do sultão, embora durante certos períodos algumas grandes potências estrangeiras, como a Rússia (sob o Tratado de Küçük Kaynarca de 1774) ou a Grã-Bretanha reivindicaram os direitos de proteção sobre as populações ortodoxas do Império Otomano.
Século XIX
[editar | editar código-fonte]As três grandes potências europeias (Grã-Bretanha, França e Rússia) contestaram o tratamento dado pelo Império Otomano à sua população cristã e passaram a pressionar cada vez mais o governo otomano (metonimicamente conhecido como a Sublime Porta) a estender direitos iguais a todos os seus cidadãos. A partir de 1839, o governo otomano implementou as reformas Tanzimat para melhorar a situação dos não-muçulmanos, porém estas eventualmente se provaram amplamente ineficazes. Em 1856, o édito de reforma imperial (Islâhat Hatt-ı Hümayun) prometeu igualdade a todos os cidadãos otomanos independentemente de sua fé ou etnia, ampliando o escopo de um documento anterior (<i id="mwRg">Hatt-Şerif</i> de Gülhane em 1839). O período de reformas atingiu seu auge com a promulgação da Constituição (ou Kanûn-ı Esâsî em turco otomano) em 23 de novembro de 1876, que determinou a liberdade de crença e a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
Século XX
[editar | editar código-fonte]Em 24 de julho de 1908, as expectativas dos gregos por igualdade no Império Otomano aumentaram com a deposição do sultão Abdul Hamid II (r. 1876–1909) e com a subsequente restauração da monarquia constitucional no país. O Comitê de União e Progresso (mais conhecido como o movimento dos Jovens Turcos), um partido político contrário ao absolutismo do sultão Abdul Hamid II, liderou uma rebelião contra o governo. Os Jovens Turcos reformistas depuseram o sultão e o substituíram pelo ineficaz sultão Mehmed V (r. 1908–1918).
Antes da Primeira Guerra Mundial, havia cerca de 1,8 milhão de gregos vivendo sob o Império Otomano.[3] Alguns gregos otomanos proeminentes inclusive serviram como parlamentares otomanos. No Parlamento Otomano de 1908 havia 26 deputados gregos, mas este número caiu para 18 em 1914.[4] Estima-se que a população grega do Império Otomano na Ásia Menor possuísse 2.300 escolas comunitárias, 200.000 estudantes, 5.000 professores, 2.000 igrejas ortodoxas e 3.000 sacerdotes ortodoxos.[5]
Entre 1914 e 1923, os gregos da Trácia e da Ásia Menor foram submetidos a uma campanha de massacres e deportações internas que incluiu marchas da morte. A Associação Internacional dos Acadêmicos em Genocídio (IAGS, na sigla em inglês) reconhece este período como um genocídio e se refere à campanha como genocídio grego.[6]
Patriarcado de Constantinopla
[editar | editar código-fonte]Depois da queda de Constantinopla em 1453, quando o sultão essencialmente substituiu o imperador bizantino no papel de autoridade sobre os cristãos subjugados, o Patriarca Ecumênico de Constantinopla foi reconhecido por Maomé II como o líder religioso e nacional (etnarca) dos gregos e das outras etnias incluídas no Millet ortodoxo grego. O Patriarcado conquistou uma importância central e ocupou esse papel fundamental entre os cristãos do Império Otomano porque os otomanos não reconheciam distinção legal entre nacionalidade e religião e, portanto, consideravam todos os cristãos ortodoxos do Império como uma única entidade social.
A posição de destaque do Patriarcado no estado otomano incentivou alguns projetos de renascimento grego centrados em noções de ressurreição e revitalização do antigo Império Bizantino. O patriarca e as autoridades eclesiásticas ao seu redor constituíram o primeiro centro de poder grego no contexto do estado otomano, tendo obtido êxito em infiltrar as estruturas do Império Otomano enquanto atraía membros da antiga nobreza bizantina.
Identidade
[editar | editar código-fonte]Os gregos compunham um grupo autoconsciente dentro da comunidade religiosa ortodoxa cristã estabelecida pelo Império Otomano.[7] Eles se distinguiam de seus irmãos ortodoxos ao manter sua própria cultura, costumes, idioma e tradição grega na educação.[8] Ao longo dos períodos pós-bizantino e otomano os gregos, enquanto membros do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, se denominaram Graikoi (em grego: Γραικοί, "gregos") e Romaioi ou Romioi (em grego: Ρωμαίοι / Ρωμηιοί, "Romanos").[9][10][11]
Gregos otomanos notáveis
[editar | editar código-fonte]- Aleksandro Karatodori (1833–1906).
- Basil Zaharoff (1850–1936), comerciante de armas e empresário.
- Christakis Zografos (1820–1896), banqueiro e benfeitor.
- Elia Kazan (1909–2003), diretor, produtor, roteirista e ator.
- Elias Venezis (1904–1973), escritor de Ayvalık.
- Evangelinos Misailides (1820-1890).
- Hüseyin Hilmi Pasha (1855–1922), grão-vizir.
- Pargali Ibrahim Pasha (1494–1536), grão-vizir de Solimão, o Magnífico.
- Kösem Sultan (1589-1651), esposa do sultão otomano Ahmed I.
- Michael Vasileiou, comerciante e benfeitor do século XIX.
- Nicholas Mavrocordatos (1670-1730).
- Príncipe Alexander Mavrocordatos (1791-1865), estadista grego.
- Jorge Zarifi (1810-1884), banqueiro e conselheiro econômico do sultão Abul Hamid II.
- Aristóteles Onassis (1906-1975), magnata e empresário de marinha mercante.
- Roza Eskenazi (1890–1980), cantora famoso.
- Rita Abatzi (1914–1969), cantora famosa.
- Marika Ninou (1918–1957), cantora famosa.
- Giannis Papaioannou (1913-1972), cantor famoso.
- Kostas Skarvelis (1880-1942), cantor famoso.
- Matthaios Kofidis (1855-1921), empresário e político.
- Alberto Abravanel (1897-1976), imigrante sefardita grego no Brasil, pai do magnata e apresentador brasileiro de televisão Silvio Santos.[12]
Galeria
[editar | editar código-fonte]-
Mapa etnológico representando os gregos otomanos (em azul) em 1910.
-
Mapa que descreve a composição étnica dos territórios otomanos em 1911.
-
Restauração da Constituição otomana após a Revolução dos Jovens Turcos em 1908; na foto, líderes muçulmanos, gregos e armênios juntos.
Veja também
[editar | editar código-fonte]- Asia menor
- Genocídio grego
- Igreja Ortodoxa Grega
- Patriarcado Ecumênico de Constantinopla
- Millet
- Império Otomano
- Fener
- História da Grécia Moderna
- História da Turquia
- Gregos pônticos
- Gregos de Antioquia
- Capadócios gregos
- Igreja Católica Bizantina Grega
Referências
[editar | editar código-fonte]Citações
[editar | editar código-fonte]- ↑ Dawkins & Halliday 1916.
- ↑ Akçam 2006, p. 24.
- ↑ Alaux & Puaux 1916.
- ↑ Roudometof & Robertson 2001, p. 91.
- ↑ Lekka 2007, p. 136: "At the start of the war, the Greeks were a thriving community in Asia Minor, a land they had inhabited since the time of Homer. But things deteriorated quickly. Before the Turkish implementation of a nationalist policy, the Greek population was estimated at around 2.5 million, with 2,300 community schools, 200,000 pupils, 5,000 teachers, 2,000 Greek Orthodox churches, and 3,000 Greek Orthodox priests."
- ↑ International Association of Genocide Scholars. «Genocide Scholars Association Officially Recognizes Assyrian, Greek Genocides» (PDF)
- ↑ Harrison 2002, pp. 276–277: "The Greeks belonged to the community of the Orthodox subjects of the Sultan. But within that larger unity they formed a self-conscious group marked off from their fellow Orthodox by language and culture and by a tradition of education never entirely interrupted, which maintained their Greek identity."
- ↑ Volkan & Itzkowitz 1994, p. 85: "While living as a millet under the Ottoman Empire they retained their own religion, customs, and language, and the 'Greeks became the most important non-Turkish element in the Ottoman Empire'."
- ↑ Kakavas 2002, p. 29: "All the peoples belonging to the flock of the Ecumenical Patriarchate declared themselves Graikoi (Greeks) or Romaioi (Romans - Rums)."
- ↑ Institute for Neohellenic Research 2005, p. 8: "The people we have named as Greeks (Hellenes in the Greek language) would not describe themselves as such – they are generally known as Romioi and Graikoi – but according to their context the meaning of these words broadens to include or exclude population groups of another language and, at the same time, ethnicity."
- ↑ Hopf 1873, "Epistola Theodori Zygomalae", p. 236: "...ησάν ποτε κύριοι Αθηνών, και ενωτίζοντο, ότι η νέων Ρωμαίων είτε Γραικών βασιλεία ασθενείν άρχεται..."
- ↑ On Line Editora. Silvio Santos - Grandes Ídolos. On Line Editora. p. 6.
Fontes
[editar | editar código-fonte]- Akçam, Taner (2006). A Shameful Act: The Armenian Genocide and the Question of Turkish Responsibility. New York, New York: Metropolitan Books. ISBN 0-8050-7932-7 - Profile at Google Books
- Alaux, Louis-Paul; Puaux, René (1916). Le Déclin de l’Hellénisme. Paris, France: Librairie Payot & Cie
- Bator, Robert; Rothero, Chris (2000). Daily Life in Ancient and Modern Istanbul. Minneapolis, Minnesota: Runestone Press. ISBN 0-8225-3217-4
- Dawkins, Richard McGillivray; Halliday, William Reginald (1916). Modern Greek in Asia Minor: A Study of Dialect of Silly, Cappadocia and Pharasa with Grammar, Texts, Translations and Glossary. Cambridge: Cambridge University Press
- Harrison, Thomas (2002). Greeks and Barbarians. New York, New York: Routledge. ISBN 0-415-93958-5
- Hopf, Carl Hermann Friedrich Johann (1873). Chroniques Gréco-Romanes Inédites ou peu Connues. Berlin, Germany: Librairie de Weidmann
- Institute for Neohellenic Research (2005). The Historical Review. II. Athens, Greece: Institute for Neohellenic Research
- Kakavas, George (2002). Post-Byzantium: The Greek Renaissance 15th-18th Century Treasures from the Byzantine & Christian Museum, Athens. Athens, Greece: Hellenic Ministry of Culture. ISBN 960-214-053-4
- Lekka, Anastasia (2007). «Legislative Provisions of the Ottoman/Turkish Governments Regarding Minorities and Their Properties». Mediterranean Quarterly. 18 (1): 135–154. doi:10.1215/10474552-2006-038
- Roudometof, Victor; Robertson, Roland (2001). Nationalism, Globalization, and Orthodoxy: The Social Origins of Ethnic Conflict in the Balkans. Westport, Connecticut: Greenwood Publishing Group
- Volkan, Vamik D.; Itzkowitz, Norman (1994). Turks and Greeks: Neighbours in Conflict. Huntingdon, United Kingdom: The Eothen Press. ISBN 0-906719-25-9
Leituras adicionais
[editar | editar código-fonte]- Gondicas, Dimitri; Issawi, Charles Philip, eds. (1999). Ottoman Greeks in the Age of Nationalism: Politics, Economy, and Society in the Nineteenth Century. Princeton, New Jersey: Darwin Press. ISBN 0-87850-096-0
- Clogg, Richard (2004). I Kath’imas Anatoli: Studies in Ottoman Greek History. Istanbul, Turkey: The Isis Press