Pajubá
O pajubá ou bajubá,[1] originalmente, um criptoleto[2] constituído de termos oriundos de diversas línguas da África Ocidental (iorubá, umbundo, quicongo, jeje, fon), usados descendentes de africanos escravizados praticantes de cultos afro-brasileiros, e palavras da língua portuguesa alteradas e ressignificadas. A partir do século XX, os terreiros tornaram-se espaços de acolhimento para a comunidade LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais/transgênero/travestis, queer, intersexual, assexual, pansexual), que também passou a se utilizar de vocábulos de origem africana, adaptando-os a outros contextos.[3]
Segundo Beniste,[4] 'pajubá' (ou sua forma variante 'bajubá') é uma palavra da língua iorubá que significa 'mistério' ou 'segredo'. Falar em pajubá corresponde a "falar na língua do santo" ou "enrolar a língua" - locuções muito usadas pelo povo do santo quando se quer dizer alguma coisa de modo que outras pessoas não entendam.[5]
História
[editar | editar código-fonte]Criado de forma espontânea em regiões de mais forte presença africana no Brasil, o pajubá é produto da assimilação de africanismos de uso corrente, bem como de derivações, entrecruzamentos e ressignificação de palavras da língua portuguesa. Sendo incompreensível para outsiders, passou a ser usado, fora do ambiente dos terreiros, constituindo um código de comunicação entre travestis que posteriormente foi adotado por toda comunidade LGBTQIA+. Durante o período da ditadura militar, falar pajubá tornou-se parte da estratégia de enfrentamento da repressão policial a que esses grupos eram submetidos e um recurso para despistar pessoas potencialmente hostis.[6].
O pajubá pode ser considerado como um criptoleto, um sistema linguístico usado pela população de travestis e pessoas transgênero, que foi - e ainda é - essencial, como língua de resistência e enfrentamenteo à opressão social da repressão estatal mas também como elemento constitutivo da identidade e sociabilidade desses grupos.[7][8][9][10]
Polêmica no Enem
[editar | editar código-fonte]Em 2018, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), utilizou o Pajubá como tema de uma das questões da prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologia[11]. A situação provocou diversas críticas nos meios de comunicação, tendo um reforço maior com o comentário do então presidente eleito Jair Bolsonaro, que em entrevistas e nas suas redes sociais (Facebook e Twitter), disse que o atual ENEM não funciona e que não deveria incluir questões de gênero na pauta da prova.[12] Em resposta, Maria Inês Fini, presidente do INEP, autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação que prepara e realiza o ENEM, criticou a declaração e a interferência de Bolsonaro no exame, declarando que lamentava leituras equivocadas e que não é o Governo que manda no Enem. Uma das primeiras medidas do presidente, depois de tomar posse, foi exonerar Maria Inês do cargo.[13]
Exemplos de termos do Pajubá
[editar | editar código-fonte]O Diálogo de Bonecas, o primeiro dicionário de Pajubá/Bajubá foi idealizado e lançado no Brasil em 1992.[14][15] Com o tempo e a partir da repercussão no cenário cultural nacional de artistas travestis e transgênero, como MC Xuxu, Linn da Quebrada, Jup do Bairro, Majur e Mulher Pepita, entre outras[16] incluíram o criptoleto em suas canções.
A seguir, alguns exemplos de palavras em pajubá[17]:
- Adéfuntó - Homem homossexual que ainda não assumiu sua orientação sexual.
- Ajé - Pessoas falsas ou más.
- Amapô - Mulher.
- Aqüé/acue - Dinheiro.
- Aqüendar - Pegar, entrar, não perder a oportunidade.
- Atender - ficar com alguém.
- Babado - Fofoca, novidade, acontecimento.
- Bafão - Alguma forma de confusão.
- Barbie - Homem homossexual com físico "malhado" e aparência afeminada.
- Cacura - Homem homossexual acima dos 40 anos.
- Caminhoneira - Mulher homossexual com aparência mais masculinizada.
- Desaqüendar - Parar, desistir, deixar de lado, ir embora.
- Destruidora - Gíria para dizer que a pessoa "arrasa" muito, que está fazendo algo muito bem.
- Fazer a Alice - Ato de ser sonhadora.
- Fazer a Egípcia - Ato de não expressar emoções no rosto, ato de fingir.
- Gongar - Falar mal.
Referências
[editar | editar código-fonte]- ↑ Eler, Guilherme. O que é o pajubá, a linguagem criada pela comunidade LGBT, super.abril.com.br
- ↑ Netto Junior, Neurivan Gonçalves. O Percurso semântico de alguns vocábulos do Pajubá: gírias faladas pelas bichas. Brasília: UnB, 2018.
- ↑ Reif 2019.
- ↑ Beniste, José. Dicionário Yorubá – Português. São Paulo: Bertrand, 2011, apud Renato Regis Barroso, Pajubá: o código linguístico da comunidade LGBT. Manaus: UEA, 2017.
- ↑ Costa Neto, Antonio Gomes da, A Linguagem no Candomblé:um estudo linguístico sobre as comunidades religiosas afro-brasileiras
- ↑ link, Gerar; Facebook; Twitter; Pinterest; E-mail; aplicativos, Outros. «As Raízes Históricas do Pajubá ou Bajubá: Encruzilhada Dialética das Mulheres Transexuais e Travestis que já foi usado como Linguajar Codificado e Instrumento de Resistência». Consultado em 26 de novembro de 2022
- ↑ Marina Teodoro (24 de junho de 2020). «Lacrou! Saiba o que expressões LGBTQ+ têm a ver com política». Terra. Consultado em 21 de Julho de 2021
- ↑ Laura Reif (11 de fevereiro de 2019). «Muito além do lacre». Revista Trip. Consultado em 21 de Julho de 2021
- ↑ Ive (21 de junho de 2009). «Você sabe o que é Pajubá?». Lupa Digital. Consultado em 26 de março de 2018
- ↑ Victor Heringer (1 de agosto de 2017). «Os sinos que dobram e os homens que não se dobram». Revista Continente. Consultado em 26 de março de 2018
- ↑ «Veja resolução de questão do Enem que aborda status do pajubá como 'dialeto secreto" dos gays e travestis». G1. Consultado em 26 de novembro de 2022
- ↑ Lima, Beá (10 de novembro de 2018). «Presidenta do Inep: "Lamento leituras equivocadas. Não é o Governo que manda no Enem"». El País Brasil. Consultado em 26 de novembro de 2022
- ↑ Maria Inês Fini, ex-presidente do Inep: “Enem 2019 sofreu censura”
- ↑ «Cartilha Diálogo de Bonecas by Jovanna Cardoso - Issuu». issuu.com (em inglês). Consultado em 26 de novembro de 2022
- ↑ Stycer, Maurício. Travesti lança dicionário. Folha de S. Paulo, 22 de junho de 1995.
- ↑ «O pajubá como tecnologia linguística na constituição de identidades e resistências de travestis»
- ↑ «Conheça o Pajubá: dicionário de gírias LGBT». Dicionário Popular. Consultado em 26 de novembro de 2022
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Reif, Laura (11 de fevereiro de 2019). «Muito além do lacre». Consultado em 26 de novembro de 2022