ISSN 1413-389X
Temas em Psicologia da SBP—2004, Vol. 12, no 2, 93– 104
Entre a psicologia e o esporte: as matrizes teóricas da psicologia e sua aplicação ao esporte
Katia Rubio
Universidade de São Paulo
Resumo
O crescente interesse pela prática da Psicologia do Esporte tem transferido a discussão sobre seus fundamentos teóricos para um plano secundário. Neste ensaio buscou-se percorrer parte da trajetória da Psicologia do Esporte, mais especificamente nas últimas 4 décadas, em busca dos conceitos e referenciais teóricos
que sustentam, na atualidade, o pensamento e a prática de profissionais envolvidos com a área, para um
entendimento da circunscrição do campo de atuação. Para tanto são discutidas questões como a alocação da
Psicologia do Esporte enquanto sub-área das Ciências do Esporte e/ou especialidade da Psicologia e ainda
as transformações ocorridas no esporte contemporâneo e seus desdobramentos relacionados ao fenômeno
esportivo, meio e finalidade da prática da Psicologia do Esporte.
Palavras chave: psicologia do esporte; ciências do esporte; psicologia; esporte; olimpismo.
Between Psychology and Sports: Psychology’s theoretical matrixes and its relation to Sports
Abstract
The growing interest in the practice of Sport Psychology has taken theoretical arguments to a secondary
role. The present study reviewed the Sport Psychology trajectory, in particular, the last 40 years. The current concepts and theoretical references which direct the professionals’ thinking and practice were analyzed
in order to understand the delimitation of the field. Sport Psychology was discussed as a sub-area of Sport
Science and/or a Psychology Specialization. Its transformation which took place at the same time as the
historical process of the science were also a focus of interest in the present study.
Key words: Sport Sciences; Psychology; Sport; Sport Psychology.
Ao longo das últimas décadas, a Psicologia do Esporte foi definida como o estudo científico de pessoas e seus comportamentos em contextos esportivos e de exercício e as aplicações práticas de tal conhecimento (Gill, 1979). Ainda que concisa essa definição traz em si conceitos que fundamentam a Psicologia
em um universo específico como é o Esporte. Se por um lado entende a Psicologia como o estudo do comportamento humano, identificando-a com a matriz teórica do comportamento, uma entre várias correntes da
Psicologia, inscreve o esporte como o locus de uma manifestação humana, que envolve uma prática regrada, institucionalizada com a perspectiva do rendimento para a vitória (esporte) e uma atividade de participação lúdica ou compulsória que tem por objetivo o movimento.
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Trabalho apresentado na mesa redonda.Relação teoria-prática em psicologia do esporte, coordenada por Katia Rubio,
na XXXI Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia.
Endereço para correspondência: R. Doralice Paixão Teixeira, 76, ap. 11. Vila Madalena - São Paulo - S.P. 05417-070
E-mail: katrubio@usp.br
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Mais recentemente, a European Federation of Sport Psychology (1996) apresentou a
Psicologia do Esporte como sendo
os fundamentos psicológicos, processos
e conseqüências da regulação psicológica de atividades relacionadas com o esporte de uma ou várias pessoas atuando
como sujeito da atividade. O foco pode
ser o comportamento ou diferentes dimensões psicológicas do comportamento
humano (isto é as dimensões afetivas,
cognitivas, motivacionais ou sensório
motoras) (p. 221).
A ampliação do conceito de Psicologia
do Esporte reflete a dinâmica das questões relacionadas tanto com a construção da teoria
específica da área – que não pode ser vista descolada do movimento por que passam a Psicologia e o Esporte como um todo - , quanto com
a aplicação prática desse conhecimento, uma
das razões de grandes discussões acadêmicas e
debates institucionais. Isso quer dizer que para
se poder compreender a demanda criada em
torno da Psicologia do Esporte enquanto área
de conhecimento e campo de intervenção na
atualidade (Rubio, 1999; 2000.a.), é imprescindível se conhecer sua história e as relações com
as ciências afins, justificando uma área de conhecimento (Rubio, 1998; 2000.b.).
Considerada pelos neófitos como um
produto dos anos 1980, a Psicologia do Esporte
conta com uma história de mais de 100 anos
(Mac Cullagh, 1995) e uma produção que abarca uma ampla gama de assuntos relacionados a
comportamentos e estados emocionais em atividade física e esporte, em várias correntes
teóricas e paradigmas.
Um exame da literatura (Brustad, & Ritter-Taylor, 1997; Gill, 1986; Weinberg, &
Gould, 1995; Willians, & Straub,) 1991 aponta
que os psicólogos do esporte estiveram particularmente interessados na variação das dinâmicas individuais e grupais que ocorre nos contextos esportivos como um todo, bem como nas
decorrências advindas de situações de práticas
regulares e sazonais de atividades físicas. Para
falar sobre tais variações, esses profissionais
têm identificado e examinado um grande número de fatores que podem ser categorizados
tanto como diferenças individuais como influência social.
K. Rubio
As diferenças individuais referem-se
tanto a traços estáveis, disposições ou características do indivíduo como idade, personalidade, ansiedade, motivação e nível de habilidade,
residindo na variação dessas diferenças a explicação e predição de comportamentos de praticantes de esporte e atividade física. Durante
vários anos foram produzidos estudos que buscaram questionar se essas características individuais associadas a fatores relacionados com o
esporte (aspectos da atividade) ou o ambiente
social (influência do grupo) podem afetar o
comportamento da prática do esporte e da atividade física, e também a adesão dos participantes. Esses estudos são fundamentais para o
desenvolvimento de programas dirigidos àqueles que por opção ou obrigação fazem ou devem fazer atividades corporais de movimento.
No caso de atividades coletivas, as características do grupo (tamanho, nível de coesão, composição) e o comportamento do líder
do grupo (professor, técnico ou capitão) têm
sido vistos como fatores que interferem no
comportamento de seus componentes. Além
disso, as origens sócio-culturais de seus membros (etnia, classe social) e a natureza da estrutura do esporte em si (modalidade esportiva,
organização de objetivos, apresentação da estrutura do programa) desempenham grande
influência na dinâmica da equipe.
Durante várias décadas, reflexo de uma
conduta metodológica, as pesquisas em Psicologia do Esporte analisavam a influência de
diferenças individuais e relações sociais separadamente, resultando numa série de estudos
que na atualidade têm importância histórica,
porém, que apresentavam reflexões parciais.
Acompanhando o movimento da ciência e a
necessidade de se estudar os fenômenos humanos de forma relacional, Feltz (1992) e Rubio
(2001) apontaram que evidências consideráveis
têm sido acumuladas para mostrar que as características da performance individual interagem com fatores no meio social para determinar o comportamento individual em contextos
específicos do esporte e da atividade física.
A busca pela construção de uma identidade própria
Considerada uma ciência e uma disciplina de aplicação relativamente jovem, a Psicologia do Esporte tem buscado desenvolver
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métodos e paradigmas para avançar na aproximação entre teoria e prática, grande preocupação da área nos últimos 30 anos (Cohen, 1976,
1994; Horn, 1992; Poczwardowski, Sherman,
& Henschen, 1998; Tenenbaum, & Hackfort,
1997). Ou seja, durante longo período observou-se, de um lado, pesquisadores encerrados
em seus laboratórios produzindo pesquisa básica e, de outro, os clínicos próximos de atletas e
técnicos no contexto de treinamento e competição, explorando a aplicação. O resultado desse
distanciamento foi que cada qual produziu, a
seu modo, conhecimentos específicos seja no
âmbito dos fenômenos esportivos individuais
como coletivos, tratados, quase todos eles despregados do contexto nos quais eram produzidos. Se conduzidos dialogicamente esses estudos poderiam ter permitido o avanço da área,
tanto no que se refere à produção do conhecimento como a organização de novas pesquisas,
considerando que parte dos estudiosos estava
atuando em ambiente natural, enquanto outros
estavam nos laboratórios. O paralelismo venceu a cooperação.
Sabe-se que esse procedimento foi resultado de um movimento histórico que teve
início na década de 1960, que levou a criação
de várias entidades que buscavam ser representativas da área e que refletiam a opção teórica e
epistemológica dos grupos envolvidos com a
Psicologia do Esporte de então. Em 1965 se
organiza a International Society of Sport Psychology (ISSP), primeira instituição com o objetivo de congregar pessoas interessadas na
Psicologia do Esporte, presidida pelo italiano
Ferruccio Antonelli. Além de ter como principal publicação o International Journal of Sport
Psychology, realiza reuniões bienais com o
objetivo de divulgar trabalhos na área, além de
promover o intercâmbio entre os investigadores. O principal enfoque dos membros dessa
sociedade era discutir e produzir trabalhos relativos a aplicação da psicologia no contexto esportivo competitivo. Preocupados com o distanciamento que a ISSP vinha tomando da área
acadêmica, um grupo de pesquisadores funda
em 1968 a North American Society for the Psychology of Sport and Physical Activity
(NASPSPA), tendo como periódico o Journal
of Sport and Exercise Psychology. O foco de
estudo e atuação dos membros dessa associação recai sobre aspectos do desenvolvimento,
Psicologia e esporte
da aprendizagem motora e da Psicologia do
Esporte, com estudos produzidos em sua grande maioria dentro de laboratórios, em condições experimentais (Rubio, 2003).
Uma das grandes polêmicas que cerca
a Psicologia do Esporte, e que tem provocado
aproximações e distanciamentos entre os profissionais e pesquisadores da área, é sua colocação como uma sub-área das Ciências do Esporte (Schilling, 1992), que se ocupa de aspectos psicológicos da atividade física e do esporte, ou se uma especialidade da Psicologia
(Cratty, 1989), incorporando seus modelos teóricos e linhas de atuação.
Para a American Psychological Association (1999) a Psicologia do Esporte foi reconhecida como especialidade (a de número 47)
no ano de 1986. Tida como uma especialidade
da Psicologia, ela tem sua produção dirigida
para o esporte e à atividade física enquanto
‘settings’ (no sentido do tempo e espaço onde
ocorre a ação) na compreensão da teoria psicológica e na aplicação de seus princípios. Devese dizer que esse reconhecimento ocorreu após
100 anos do primeiro trabalho publicado como
sendo da área, passados 21 anos da criação da
Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte, depois de um número considerável de
trabalhos produzidos e de profissionais que se
especializaram pelas mais diversas vias, criando massa crítica suficiente para colocar a Associação Americana a reboque de uma afirmação
da categoria profissional. A partir disso, um
fato novo foi criado, ou seja, reconhecida como
especialidade, a Psicologia do Esporte tornouse área de abrangência profissional do psicólogo, exigindo formação específica, em nível de
especialização, para utilização e exercício do
título.
Lesyk (1998) aponta que em 1983 o
Centro Olímpico Americano indicou três possibilidades de atuação para os profissionais da
área: o clínico, profissional capacitado para
atuar com atletas e/ou equipes esportivas, em
clubes ou seleções, cuja preparação específica
envolve conhecimentos da área de Psicologia e
do Esporte, não bastando apenas a formação
em Psicologia ou Educação Física, mas a especialização em Psicologia do Esporte; o pesquisador, cujo objetivo é estudar ou desenvolver
um determinado conhecimento na Psicologia
do Esporte sem que haja uma intervenção dire-
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ta sobre o atleta ou equipe esportiva; e o educador que desenvolve a disciplina Psicologia
do Esporte na área acadêmica seja na psicologia, seja na Educação Física. Nos dois últimos
casos não se exige formação específica do profissional.
Se Cratty (1989) e Shilling (1992)
alocaram a Psicologia do Esporte junto à
Psicologia, Gill (1986) e Haag (1994) defendem-na compondo as Ciências do Esporte.
Haag (1979; 1994) considera as Ciências do Esporte como uma área de conhecimento composta por sete campos de
produção – medicina esportiva, biomecânica do esporte, psicologia do esporte, pedagogia do esporte, sociologia do esporte,
história do esporte, filosofia do esporte –
tendo como condutor da discussão teórica a
pesquisa comparativa. As Ciências do Esporte representam um sistema de pesquisa
científica, ensino e prática, cujo conhecimento é formado a partir de outras disciplinas, que têm como trabalho científico e
objetivo compreender um sistema complexo denominado esporte. Este fenômeno,
por sua vez, é diversificado, multifacetado
e deve ser visto numa linha multidimensional.
Feltz (1989) e Morgan (1989) sugerem que, para se compreender o fenômeno
esportivo na sua complexidade, seria preciso estar incluídos na Psicologia do Esporte
conhecimentos de outras sub-disciplinas
das Ciências do Esporte. Sob esse aspecto,
Gill (1986) sugere que sendo as Ciências
do Esporte multidisciplinar, far-se-ia necessária a aproximação com as demais disciplinas, no sentido de compor teorias,
construtos e instrumentos de investigação
que caminhem numa mesma direção.
Se no Brasil há um reconhecimento
do conceito Ciências do Esporte (Bracht,
1993; 1995; Tani, 1998) isso não significa,
contudo, um consenso relacionado a seu
objeto de estudo ou epistemologia. Em outros países sua denominação pode variar
em Ciências do Esporte (Samulski, 2002;
K. Rubio
Weinberg & Gould, 1995; Williams &
Straub, 1991) e Ciências do Esporte e da
Atividade Física ou do Exercício
(Dishman, 1982; Feltz, 1989; Gill, 1986),
sendo importante reconhecer que mais que
numa diferença semântica a implicação
dessa nomenclatura reside na delimitação
da Educação Física enquanto área de conhecimento (Betti, 1996; Lovisolo, 1996;
Tani, 1998).
No Brasil esse debate é ainda muito insipiente diante da falta de consenso
que há entre os conceitos de esporte e educação física e seus desdobramentos no
campo do alto rendimento, das atividades
de tempo livre e da reabilitação. Do ponto
de vista da Psicologia essa discussão está
apenas em seu início, visto que essa área
começa a ganhar espaço na universidade
ainda como disciplina optativa e no âmbito do exercício profissional a oficialização
da especialidade em Psicologia do Esporte
aconteceu por meio da resolução 014, no
ano de 2000. Esse movimento tem proporcionado um número crescente de trabalhos, tanto no formato de relatos de experiência como no de dissertações e teses,
indicando a formação de uma massa crítica.
Para compreender o esforço que
tem sido feito na aproximação entre as
disciplinas e teorias que compõem a Psicologia do Esporte é preciso saber como
se chegou ao estado em que ela se encontra hoje. De acordo com Gill (1986) a Psicologia do Esporte pode ser historicamente dividida em três áreas especializadas,
sendo elas: aprendizagem e controle motor; desenvolvimento motor e psicologia
do esporte. Essas três áreas refletiram, em
certa medida, durante um período de tempo, a divisão geral de estudos psicológicos
em esporte e atividade física. Houve, porém, um distanciamento entre elas no início dos anos 1970 por causa de diferentes
interesses, objetivos e métodos de pesquisa. A maior diferença residiu, principal-
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mente, na importância dada à dicotomia
entre construção teórica e seu teste versus
aplicação da teoria na prática. A divisão
definitiva veio quando um grupo interessou-se pelas variáveis dependentes da performance (área motora) enquanto que outro
grupo concentrou-se na importância de variáveis independentes que influenciam a
performance (aspectos socioculturais).
Uma vez mais as questões relacionadas com construção teórica e aplicação.
Enquanto o grupo identificado com os estudos da área motora concentrou-se nas
pesquisas realizadas em laboratório onde
era possível o controle das variáveis de
performance, outros pesquisadores que realizavam seus estudos em ambientes naturais passaram a questionar a validade dos
estudos realizados pelos primeiro grupo.
Diante dessa diferenças é possível
afirmar que a área de aprendizagem e controle motor aproxima-se de estudos da psicologia que se referem à cognição, percepção e psicologia experimental da aprendizagem e comportamento. Especialistas em
aprendizagem e controle motor têm focalizado seus estudos em processos cognitivos
e de percepção que envolvem aprendizagem e performance de movimentos habilidosos e processos cognitivos e neuropsicológicos relacionados com o controle do
movimento. O desenvolvimento motor soma-se à psicologia do desenvolvimento e à
sua relação com o esporte e a performance
motora. Os estudos dessa área têm se concentrado na relação entre desenvolvimento
de padrões motores e nível de execução
(habilidade).
Isso reforça a influência que a personalidade, o comportamento e fatores sociais têm sobre a atitude numa variedade de
contextos esportivos, voltando-se para situações do esporte e atividade física, especificamente educação, reabilitação e treinamento.Por isso a Psicologia do Esporte incorporou trabalhos da psicologia do desenvolvimento, cognitiva e neuropsicologia.
Psicologia e esporte
Temporalidade da produção científica
Os anos 1950-1960 e os estudos
sobre personalidade
Diante da polêmica criada sobre
quem é e o que faz o psicólogo do esporte,
a Psicologia do Esporte foi dividida em três
áreas básicas de atividades: a pesquisa, o
ensino e a clínica. Mesmo muito mais próxima das Ciências do Esporte, a Psicologia
do Esporte tem uma relação com a Psicologia que não pode ser descartada ou desprezada. Isso significa que as transformações
ocorridas no processo histórico da Psicologia geral refletiram diretamente nos rumos
da Psicologia do Esporte, processo semelhante que ocorre com outras áreas de conhecimento.
Landers (1983) observou que durante
a década de 1950 até meados dos anos
1960 as pesquisas em Psicologia do Esporte caracterizaram-se pelo empirismo, e
grande parte dos estudos voltaram-se para
a investigação da personalidade.
Vale ressaltar que a Psicologia nesse período vivia um momento de afirmação
como ciência, buscando formas de demonstrar quantitativamente hipóteses analíticas, contribuindo para o desenvolvimento
de técnicas psicométricas que registrassem
e quantificassem dados sobre o cliente que,
até então, eram obtidos pela observação e
acompanhamento clínico fosse num enfoque psicanalítico, fenomenológico ou comportamental. O furor métrico vivido nessa
época teve reflexos importantes na Psicologia do Esporte, representando as pesquisas
mais populares produzidas até então.
González (1997) afirma que um
foco de interesse dos pesquisadores dessa
época centrava-se na identificação dos traços de personalidade que deviam possuir
os atletas que chegavam às representações
nacionais em competições internacionais e
olímpicas. Tentou-se, inclusive, identificar
as características psicológicas que deviam
possuir cada um dos componentes de uma
equipe, conforme a posição em que joga-
98
vam (goleiro, defesa, ataque). Sendo assim,
chegou-se a solicitar ao psicólogo que apontasse as características de cada jogador,
em função da tarefa que lhe era própria
dentro da equipe.
São desse período (Feltz, 1992;
Landers, 1983, 1995) muitos estudos relacionados a tipos psicológicos e traço
[entendidos estes como características pessoais que persistem estáveis ao longo do
processo de desenvolvimento (Weinberg,
& Gould, 1995)], onde pesquisadores recorreram a atletas de níveis que variavam
de equipes olímpicas a times escolares, fazendo uso de uma vasta gama de testes de
personalidade. Apesar do grande volume
de estudos realizados durante os anos 1950
e 1960, a produção dessa época é marcada
pela crítica à falta de sistematização, de um
modelo teórico que desse suporte à seleção
e análise dos testes realizados e a aceitação
quase que incondicional do modelo de personalidade traço, denominando esse período como ‘empírico’. Landers (1995) sustenta que a área de estudo sobre personalidade em Psicologia do Esporte está repleta
de estudos inconsistentes, apontando vários
deles em que resultados são perigosamente
generalizados a partir de amostras reduzidas ou pouco significativas.
Apesar da inconsistência dos modelos teóricos e metodológicos, o principal
alvo de crítica dos estudos realizados então
era a utilização de um modelo estatístico
univariado, que tornava os estudos suscetíveis de falsas conclusões como, por exemplo, não haver diferença significativa numa
determinada comparação quando, de fato,
existia a diferença se utilizado uma outra
forma de análise dos dados - multivariada
(Landers, 1995).
As críticas às pesquisas sobre personalidade provocaram, temporariamente, um
desencantamento com esse tema, hoje consideradas exageradas, pois esses estudos
serviram como ponto de partida para uma
série de investigações que vieram a aconte-
K. Rubio
cer de forma bem sucedida posteriormente. Um dos principais críticos dos trabalhos dessa época, Martens (1970, 1975)
começou a desenvolver o uso da análise
social que combinava métodos empíricos
com teoria, iniciando o teste de teorias
psicológicas no contexto da performance
motora, sendo seguido por vários outros
pesquisadores. Muitos desses estudiosos
conduziram suas pesquisas em laboratórios e esse período representou o segundo
grande estágio na história da pesquisa em
Psicologia do Esporte.
Os anos 1970-1980 e os estudos
experimentais
A década de 1970-1980 é marcada,
conforme Cruz Feliu (1997) pela chegada
de novos enfoques da Psicologia junto a
Psicologia do Esporte – o cognitivo e o
comportamental. O primeiro manual que
aplicava técnicas derivadas da Psicologia
da Aprendizagem à Educação Física e ao
Esporte foi The development and Control
of Behavior in Sport and Physical Education de Rushall e Siedentop em 1972.
Quanto ao enfoque cognitivo o primeiro
autor a produzir um manual explicitamente dentro dessa perspectiva teórica foi
Cratty, em 1983 com Psychology in Contemporary Sport. No ano seguinte Straub
e Williams editaram um clássico dentro
desse enfoque chamado Cognitive Sport
Psychology.
Esses enfoques marcaram a produção de
pesquisas durante os anos 1965-1980
(Landers, Snyder-Bauer, & Feltz, 1978;
Martens, 1970; Roberts, 1974; Smith,
Smoll, & Curtis, 1979). Os trabalhos desenvolvidos nesse período relacionavamse diretamente à formação de pesquisadores da Psicologia do Esporte, oriundos de
faculdades de Educação Física, mais especificamente dos programas de doutoramento em desenvolvimento motor. Os assuntos mais comumente estudados nesse
período foram a testagem de um ponto
da teoria da facilitação social relacionada
99
com a manipulação de variáveis independentes em contextos de laboratório, usando
novas tarefas motoras para minimizar os
efeitos de uma prática prévia. Um novo
enfoque de desenho experimental postulava um novo procedimento de estudo, onde
cada investigação era um experimento Dessa forma o novo modelo, o desenho experimental e o tratamento dos dados formam
um modelo integrado. Esse enfoque foi decisivo para a admissão da necessidade de
aproximação entre a psicologia básica e a
psicologia aplicada.
Conforme González (1997) a maior
quantidade de estudos produzidos nesse
período centraram-se na investigação da
facilitação social da presença do público no
rendimento dos atletas e a relação entre
stress e rendimento esportivo. Grande parte
desses trabalhos foi realizada tomando como referência a hipótese de Zajonc (1965)
pautada na teoria do impulso. Conforme
Zajonc a facilitação social pode ser entendida, por exemplo, a partir da presença e
apoio da torcida que produz ativação, que
por sua vez, favorece a emissão da resposta
dominante. Como se sabe, diante de um
estímulo cabem diversas respostas, mas
apenas a resposta dominante muda todas as
demais respostas. Atualmente sabe-se que
em uma tarefa esportiva complexa a resposta dominante é incorreta no início da
aprendizagem, mas a resposta dominante é
a correta quando a tarefa está bem aprendida.
Chamada de drive theory, a facilitação social para Zajonc dizia que o fenômeno da facilitação social associado à essa
teoria oferecia a possibilidade de compreensão das hipóteses relacionadas com a
aquisição ou performance de vários comportamentos que ocorrem na presença de
audiência. Condições de mínima presença
social foram examinadas para considerar
seu impacto sobre a produção de ativação
fisiológica que reforçava uma resposta dominante. A resposta dominante da tarefa
Psicologia e esporte
complexa é, de início, resposta incorreta
para tornar-se correta quando a habilidade
estiver plenamente desenvolvida.
Porém, foi Martens (1979) quem iniciou uma série de estudos experimentais
sobre facilitação social usando tarefas com
habilidade motora, abrindo caminho para
que vários outros pesquisadores se ativessem aos estudos com tarefas motoras, variando a tarefa, a audiência e as características subjetivas dos indivíduos. Suas descobertas eram tantas quantas as variáveis estudadas. Revisores dessas pesquisas (Bond,
& Titus, 1983; Carron, 1980; Cotrell,
1972; Landers, Snyder-Bauer, & Feltz,
1978) concluíram que as evidências da drive theory a respeito dos efeitos da facilitação social não são conclusivos, além do
que a extensão dos efeitos da facilitação
social na performance motora são consideravelmente pequenos.
Um outro aspecto da pesquisa em
facilitação social considerado problemático
pelos pesquisadores é a questão da ativação, ou seja, a capacidade de reação controlada diante da tarefa motora, competitiva ou não. Ainda que se possa perceber a
presença e medir a ativação automática
empregada em um movimento, não se tem
clareza que padrão de resultados foi obtido.
Vários estudos apresentaram aumento de
ativação com a presença de audiência, mas
essas informações não foram devidamente
registradas e discutidas. Revisores como
Bond, & Titus (1983), Carron (1980) e
Landers e cols. (1978) acreditaram que o
principal problema dos estudos sobre ativação residia na sua natureza específica e individual, e que a dificuldade em mensurar
os experimentos, a inconsistência dos resultados e a pequena variação dos efeitos
da audiência levaram muitos pesquisadores
a abandonarem os estudos sobre facilitação
social em detrimento de outras linhas de
pesquisa da psicologia aplicada ao esporte.
Como alternativa a essas dificuldades
apontadas, Carron (1980) apresentou a hi-
100
pótese do U-invertido onde o aumento progressivo da performance – enquanto nível
de ativação individual – chega a um estado
ótimo, além do qual acontece uma diminuição progressiva da performance eficiente.
Esse constructo influenciou grande parte
das pesquisas realizadas na década de 70
sobre ativação, enfrentando, porém o mesmo problema que outros estudos sobre facilitação social, que era a incapacidade de
abarcar questões estudadas a partir de sua
natureza multidimensional.
As pesquisas realizadas nesse período foram caracterizadas pela testagem das
teorias psicológicas nos contextos do domínio motor e de laboratório (Feltz, 1992).
No entanto percebeu-se que os resultados
alcançados por esses experimentos não eram significativos e sua generalização era
questionável no ambiente esportivo e com
o atleta individualmente. Esse estado de
coisas levou a uma insatisfação de pesquisadores em relação aos estudos realizados
em laboratório com orientação em psicologia do comportamento, dando início a uma
fase de estudos voltados para uma perspectiva cognitivista.
Os anos 1980-1990 e a abordagem cognitivista
Entre os anos 70 e 80 uma grande
variedade de modelos teóricos sobre personalidade e esporte, facilitação social, ativação e performance, e motivação foram propostos como resposta à insatisfação geral
com aquilo que era considerado simplista e
mecânico, na perspectiva da drive theory,
para explicar comportamentos humanos
complexos. Ao mesmo tempo havia uma
insatisfação com a orientação dada a pesquisas realizadas em laboratórios de Psicologia do Esporte que tinham caracterizado
a década anterior. Isso levou muitos investigadores a defender o uso de um novo
campo metodológico de pesquisa.
Martens (1979), particularmente,
apontou as limitações dos estudos de laboratório e sugeriu uma aproximação entre o
K. Rubio
laboratório e as situações práticas para
observar comportamentos de forma mais
pontual e entender o verdadeiro mundo do
esporte. A publicação desse artigo estimulou muitos pesquisadores a buscarem formas de pesquisa que aproximassem os estudos de laboratório com a realidade da
prática cotidiana. Sua dúvida de que apenas a manipulação de variáveis em contextos experimentais pudessem cartografar
o comportamento humano levaram-no a
um compromisso de pesquisa em que contextos naturais passaram a ser considerados nas transformações de comportamentos e vice-versa.
Contudo, conforme apontou Landers (1983) muitos pesquisadores interpretaram erroneamente a proposta de Martens
e abandonaram os testes da teoria, e os
laboratórios, para se transformarem em
aplicadores ou práticos de intervenção.
Alguns pesquisadores conduziram estudos
descritivos em situações de campo, sem,
porém, testá-los como sugeria Martens,
perdendo-se os referenciais teóricos. Outros pesquisadores passaram a enfatizar
estudos de intervenção aplicada a temas
como prática mental, imaginação, técnicas
de controle de stress e biofeedback, apresentando o inconveniente de que essa metodologia clínica aplicada em circunstâncias esportivas carecia de um referencial
teórico consistente dentro da Psicologia
Geral. Em situações onde a teoria pôde ser
testada de forma criteriosa, a abordagem
cognitiva alcançou progressos significativos e um grande número de simpatizantes
(Weinberg, Gold, & Jackson, 1980;
Weiss, Bredemeier, & Shewckwur, 1986).
No entender de González (1997) as principais transformações geradas pelo novo
enfoque é a importância atribuída aos conteúdos cognitivos e ao método de estudo
em campo. A orientação cognitiva da Psicologia estava abordando todos os temas
da Psicologia a partir de uma nova perspectiva. Isso influenciou sobremaneira os
101
Psicologia e esporte
psicólogos do esporte a investigar os comportamentos esportivos sob a ótica psicológica. Entre as questões estudadas estão, por
exemplo, o incremento da ansiedade em
relação com a atenção, sugerindo que a
presença de público gera o aumento do stress que produz um estreitamento da atenção que influi negativamente no rendimento. Outros estudos apontam que a ansiedade pode orientar a direção da atenção para
os próprios processos internos relacionados
com a tarefa, situação que poderia se tornar
prejudicial para o rendimento. Para o autor
a medida de condutas exige a atualização
de dados objetivos, apresentados de forma
quantitativa e coletados, preferencialmente,
em situação natural onde se encontra o sujeito. Essas condutas objeto da intervenção
devem ser mensuradas (condutas manifestas e encobertas) como respostas psicofisiológicas e pensamentos. Depois de passado
o furor causado por esse novo enfoque metodológico na Psicologia do Esporte, o que
se viu foi que os resultados obtidos não
foram assim tão espetaculares como se esperava, mas representaram um avanço significativo. As limitações metodológicas,
por uma lado, e a falta de uma concepção
unificada da Psicologia do Esporte, por outro, levaram os pesquisadores da área a uma certa confusão e a busca de novas orientações e soluções.
Considerações finais
Para que se desvende uma teoria é
necessário conhecer mais que as publicações científicas. É preciso a compreensão
de seu contexto histórico e desdobramentos
do que num momento foi ‘linha’, no sentido de se tornar uma referência de estudos,
e depois se tornou ‘crítica’, por apresentar
os elementos necessários para uma reflexão
e sua re-elaboração.
Em cada uma das fases descritas,
pesquisadores partiram de objetos de estudo da Psicologia para produzir um conhecimento próprio da Psicologia do Esporte
(personalidade, motivação, traço, facilitação social, assertividade). O resultado desses esforços culminou em teorias e métodos inacabados por não abarcarem de maneira integral o sujeito ou o fenômeno estudado, levando esses pesquisadores a abandonarem a área de investigação ou a metodologia adotada em busca de novos objetos
e objetivos de pesquisa. Esse padrão histórico tem contribuído para que vários programas de pesquisa apresentem dificuldade
em se manter produtivos, dificultando a
criação de um referencial teórico amplo
para a área, atrasando o avanço e o crescimento da Psicologia do Esporte.
Ao longo de um século de vida a Psicologia do Esporte já conta com um volume considerável de conhecimento produzido e com uma dúvida que paira sobre psicólogos e estudiosos da área: afinal a Psicologia do Esporte é uma sub-área das Ciências do Esporte ou especialidade da Psicologia? Ao que tudo indica a resposta a
essa pergunta ainda está longe de ser dada.
Os estudiosos envolvidos com o ensino e a
pesquisa tenderão a responder que pertence
à primeira enquanto que psicólogos afirmarão que pertence à segunda. Reserva de
mercado, embates ideológicos e escolhas
acadêmicas influenciarão diretamente essa
resposta, que pouco contribuirá para seu
desenvolvimento.
A proposta dessa revisão foi olhar
para a Psicologia do Esporte e ver como se
deu o movimento de construção teórica de
uma área que nasceu par e passo com a fisiologia e o comportamento motor e foi se
aproximando do comportamento humano e
da psicodinâmica ao longo de um século.
Ao observarmos atentamente o movimento ocorrido nos últimos 40 anos poderemos perceber que a Psicologia do Esporte acompanhou de perto a dinâmica ocorrida na Psicologia Geral, ou seja, o objeto de
estudo foi o ser humano, seu comportamento e subjetividade, no contexto esportivo ou de atividade física. No entanto, a for-
102
ma de se analisar esse fenômeno seguiu de
perto os caminhos e influências ditados
pela Psicologia Geral, independente do país onde essa produção ocorreu.
Não queremos, com isso, afirmar que
essa área ande no encalço de uma ‘ciência
mãe’ e que isso signifique a reprodução de
um modelo pronto e consagrado. Arriscaríamos, isso sim, afirmar que a Psicologia do
Esporte vem confirmar a necessidade de
ampliação de fronteiras para a compreensão da complexidade humana, no contexto
esportivo. Tanto isso ocorre que ao nos depararmos com alguns artigos referentes a
modalidades esportivas coletivas ou grupos
onde se pratica atividade física perguntamos se aquela análise é psicológica ou sociológica, se as reflexões sobre a gênese do
movimento intencional são da antropologia
ou da filosofia ou se o estudo de uma disfunção orgânica é do âmbito da medicina
ou da fisiologia do esporte.
Acredito que em um momento onde
os esforços se concentram na busca daquilo
que nos unifica – as nações, os interesses
econômicos, as proximidades culturais –
definir as fronteiras uma área estaticamente
seria caminhar na contramão da história. É
fato que o corporativismo é uma forte motivação (quase arriscaria dizer que é motivação intrínseca) para a demarcação dessas
fronteiras e também um grande impedimento para o avanço das discussões. Por
isso tentamos passar ao largo dele e nos
ater às questões acadêmicas.
Grande parte da literatura aponta que
o futuro reside na interface entre as várias
áreas de conhecimento que buscam compreender o fenômeno humano a partir de
sua complexidade, interface essa que permite à Psicologia do Esporte estudar o indivíduo no contexto esportivo e da atividade
física tanto nos aspectos que remetem ao
fenômeno da subjetividade como das relações sociais, respeitando as diferenças teóricas, porém exigindo rigor metodológico.
K. Rubio
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Enviado em Novembro / 2001
Aceite final Maio / 2005