Transformações do jornalismo e a precarização das profissionais mulheres: os
efeitos da pandemia da Covid-19 no telejornalismo regional
Rafael Santos1
Paula Melani Rocha2
RESUMO
O artigo discute as transformações do jornalismo a partir das inovações tecnológicas na
redação de TV, RPC TV Ponta Grossa, e a intensificação do uso das ferramentas durante a
pandemia da Covid-19. As medidas de isolamento levaram ao “home office”, ocorreu
redução salarial e demissões. No quantitativo, mais mulheres perderam o emprego nas
redações do Paraná em comparação aos pares masculinos, de acordo com dados do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná. A discussão traz relatos de profissionais
mulheres sobre o processo de trabalho durante a pandemia, a incorporação da tecnologia
na produção jornalística, o aumento de serviços e o acúmulo de competências para executar
as tarefas. Utilizou-se pesquisa documental, bibliográfica e entrevistas. Para isso, o estudo
dialoga com os estudos sobre feminização no Jornalismo, mercado de trabalho e
transformações no jornalismo.
Palavras-chave: Feminização no Jornalismo; Inovações Tecnológicas; Transformações no
processo de trabalho; RPC TV; Covid-19.
INTRODUÇÃO
As novas tecnologias instauraram novos meios que permitem criar, construir e
informar sobre a realidade de muitas maneiras. As redações jornalísticas vivem um
momento de transformação e transição com a convergência, deixando a produção
tradicional e vertical para um modo mais diversificado de trabalho, que a todo
momento exige mudanças, transformações e novos saberes.
Aranha e Miranda (2016), argumentam que as novas tecnologias nos levam
para novos modos de fazer, construir e entender as práticas jornalísticas. Elas
quebram a divisão entre emissor, mensagem e receptor, alterando não só os
padrões de produção, mas também de consumo. Para Barbosa (2013), o jornalismo
vive uma nova era em que necessita entender cada aplicação e conviver com uma
maior participação do público em seus conteúdos. Não podemos esquecer como
essa nova era está diminuindo a produção de jornais impressos e de audiências
1
2
Formado em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, abril de 2021. Durante
graduação participou do grupo de pesquisa Jornalismo e Gênero e desenvolveu projeto de
iniciação científica com bolsa de fomento do CNPq.
Professora dos cursos de Pós-graduação (Mestrado) em Jornalismo e da graduação em Jornalismo
da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Uma das coordenadoras do grupo de
pesquisa Jornalismo e Gênero (CNPq) e do grupo Conhecimento no Jornalismo (CNPq).
televisivas, contribuindo também para um maior número de espaços midiáticos,
como sites e portais, além de aplicativos e uso intensivo de ferramentas tecnológicas
para a produção.
Para os autores Squirra e Rangel (2017), as mudanças trazidas pelo mundo
digital alcançaram a produção de telejornalismo em ampla escala, como forma de
conquistar um público perdido, justamente por conta das novas tecnologias e o
acesso das pessoas a informações rápidas nas redes sociais. Assim, o
telejornalismo passou a utilizar essas ferramentas para conquistar seu público
novamente. Os autores destacam que o uso digital não está mais concentrado
apenas nas grandes emissoras nacionais. As transformações tecnológicas também
estão presentes no telejornalismo regional/local. As mudanças desses jornais, como
aponta Squirra e Rangel (2017), são fruto, também, da forma como o próprio
espectador passou a consumir o audiovisual, com acesso a tecnologias mais rápidas
e Smart TVs.
Por outro lado, o avanço da tecnologia levou à precarização estrutural do
trabalho, com “corrosão dos direitos sociais dos trabalhadores e trabalhadoras,
perda de conquistas históricas e aumento de uma mão de obra de serviços”
(Antunes, 2018 apud ROCHA, 2019, p.17). De acordo com Rocha (2019) as
transformações na morfologia do trabalho e na cultura profissional se intensificaram,
caracterizadas por aumento na flexibilização e precarização do trabalho e afetaram
de forma desigual o trabalho masculino e feminino. Esses deslocamentos
assimétricos na divisão sexual do trabalho decorrentes de um aumento da
participação feminina no mercado de trabalho são colocados como uma das
características da feminização da profissão, ou seja, movimentos de relações
generificadas (ROCHA, 2019).
Nesse sentido, também, o jornalismo regional, para Ogura (2019), possui uma
força maior para ampliar sua audiência devido a sua capacidade de ampliação. Com
características únicas de proximidade, identidade e pertencimento; com a
precarização da atividade jornalística e a redução das redações, esses pequenos
polos jornalísticos de interior correm o risco de desaparecer, uma vez que sofrem as
transformações nos processos de trabalho. Um jornal regional para Ogura (2019),
tem capacidade de criar identidade e interação com sua comunidade; a comunidade
toma conhecimento do que acontece à sua volta, no sentido cultural, social, político,
econômico e histórico, com a precarização da profissão, isso corre o risco de se
perder.
Nesse contexto, a reflexão analisa as transformações no processo de trabalho
de profissionais de uma redação de telejornalismo regional pela perspectiva das
profissionais mulheres e como as novas tecnologias foram incorporadas na
produção de conteúdo em meio à pandemia da Covid-19, quando parte dos
trabalhos das redações passaram a ser remotos. De um modo geral, a categoria
sofreu perdas salariais, redução de jornada de trabalho e demissões. Analisou-se
como as profissionais passaram a usar a tecnologia para garantir o ofício em meio
ao isolamento social e os impactos nas relações de trabalho pela perspectiva de
gênero e como isso tem ocorrido no jornalismo regional.
O recorte da pesquisa
O estudo selecionou a RPC TV3, emissora de televisão afiliada da Rede
Globo, com recorte na praça sediada em Ponta Grossa, que em 2020 apresentava a
seguinte estrutura: 26 funcionários, sendo que 20 deles atuavam como jornalistas e
seis como técnicos. Todos os vinte jornalistas são formados e os seis técnicos
possuem ensino médio completo. Todos os técnicos eram homens. Entre o período
que iniciou o levantamento para esta pesquisa e a pandemia o quadro reduziu para
24 funcionários. Somente no intervalo da pandemia entre março de 2020 e junho de
2021 ocorreram oito demissões e atualmente a emissora conta com 13 funcionários,
dados do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná. Entre as demissões no
período da pandemia da Covid-19 estavam cinco homens (editor, editor de imagem,
diretor de imagem e dois cinegrafistas) e três mulheres (repórter, produtora e
apresentadora). Ainda de acordo com o Sindicato, em todo o estado foram 70
demissões em 2020 e 20 em 2021. Das demissões em 2020, 37 eram mulheres e a
maior parte não ocupava cargos de chefia, o número de demissões nas redações do
interior do estado foram maiores que na capital (SINDIJOR)4.
Na distribuição por gênero na RPC de Ponta Grossa percebeu-se uma
predominância masculina: nove dos vinte e seis profissionais eram mulheres e 17
3 Disponível em: https://globoplay.globo.com/meio-dia-parana-ponta-grossa/t/rb7rx6shxw/ acesso:
06 de outubro de 2020 às 10h30
4 Disponível em http://sindijorpr.org.br/noticias/2/noticias/7867/grpcom-demite-seis-jornalistas-efecha-setor-de-producao-no-interior
homens. A ocupação por profissionais homens e mulheres é desigual na pirâmide
profissional, em ocupações de cargos, remuneração, nos segmentos do mercado e
regiões geográficas, caracterizando uma desproporcionalidade nas concentrações
horizontal e vertical da mão de obra feminina dentro da profissão. Os cargos de
chefia são desempenhados por homens e as mulheres concentram-se em cargos
intermediários na pirâmide profissional (MOURA ET AL., 2018). É possível perceber
isso na distribuição por funções e cargos na RPC: o posto de Chefe de redação era
ocupado por um homem; na escala hierárquica logo abaixo tinha duas mulheres
como editoras executivas; dois editores e uma editora; um editor apresentador e
uma editora apresentadora; um repórter no G1; três repórteres mulheres e um
homem; duas mulheres como produtoras; quatro repórteres cinematográficos; dois
editores de imagem; dois diretores de TV; um cinegrafista de estúdio, um apoio e um
motorista. Predominavam homens em funções técnicas.
Os principais produtos jornalísticos produzidos pela emissora são o Meio Dia
Paraná e Boa Noite Paraná em Ponta Grossa (telejornais). A emissora também
contribui para outros programas da rede e locais como Bom Dia Paraná, Meu
Paraná, Caminhos do Campo, Bom dia Brasil etc. Em relação à convergência de
mídia, o número de profissionais na redação não sofreu demissões no tempo
analisado por esta pesquisa, pois foi logo no início da pandemia, em março de 2020,
o que mudou foi o acréscimo de um profissional jornalista que trabalha para o G1
(formato que disponibiliza conteúdo jornalístico das diversas empresas do Grupo
Globo, escalando informações do dia, tanto nacionais como internacionais, além de
produzir conteúdo local e regional). As demissões ocorreram ao longo de 2020 e
início de 2021.
Foram realizadas entrevistas com duas profissionais, sendo uma produtora e
uma repórter. Em respeito aos cuidados éticos de não expor as entrevistadas, optouse por identificá-las por números definidos por Entrevistada 1 e Entrevistada 2,
seguindo as diretrizes do projeto aprovado em 30 de agosto de 2019 pelo Comitê de
Ética em Pesquisa, na Plataforma Brasil, com o número do protocolo: CAAE
21587819.1.0000.0105.
Como as entrevistas foram realizadas durante a pandemia da Covid-19 as
perguntas foram encaminhadas por e-mail e celular. As respostas coletadas foram
divididas em duas partes. A primeira parte focou sobre o uso das tecnologias na
redação e suas aplicações. E a segunda parte procurou mapear como o uso de
tecnologias foi incorporado no processo de cobertura jornalística durante a pandemia
da Covid-19.
Organização da redação, produção de pautas e perfil das jornalistas com as
novas tecnologias
Com as entrevistas foi possível verificar junto à emissora de TV, RPC TV
Ponta Grossa, como as profissionais trabalham com as novas tecnologias presentes
na redação, seu uso na produção, como elas se adaptam a essas tecnologias na
rotina de trabalho e o que é exigido de competência a essas profissionais em relação
às tecnologias.
Sobre a organização da emissora com o uso dessas novas tecnologias, os
novos aparelhos que são usados na produção, de acordo com a Entrevistada 1, são
o uso de celular e softwares online para imagens e para entrevistas. A edição
desses materiais não mudou, o trabalho ainda é feito por programas licenciados que
já eram usados. Antes a redação utilizava apenas imagens gravadas com as
câmeras profissionais. Hoje, de acordo com a Entrevistada 1, o que é utilizado são
câmeras menores (handycam), o próprio celular da repórter (ou do entrevistado)
para captação de imagens e entrevistas. Também utilizam as redes sociais para
gravar entrevistas. As informações comprovam a atualização do trabalho perante as
novas tecnologias com esses novos equipamentos e redução do número de
profissionais envolvidos para realizar o trabalho. O uso da handycam e o celular,
como relata a Entrevistada 1, é usado pela própria repórter tanto para realizar
entrevista, quanto para captação das imagens da reportagem, fazendo um duplo
trabalho de produção e acúmulo de função. É válido lembrar que a produção em
telejornalismo, pelas particularidades da imagem e manuseio de equipamentos,
envolvia trabalho de equipe, iniciando pela pauta, passando pela reportagem com
repórter, repórter cinematográfico e iluminador até a edição, com editor de texto e
imagem. Além de cargos de chefia e intermediários como rádio escuta, chefe de
reportagem, apresentador/a, editor chefe, chefe de redação entre outros. Com a
tecnologia algumas funções desapareceram, uma delas é o iluminador.
A maior mudança no trabalho da redação foi justamente a redução de
profissionais em decorrência da inovação dos equipamentos para ir à rua produzir e
captar sons e imagens. Entretanto, o acúmulo de funções reflete na qualidade do
material produzido, não só técnica como também de conteúdo, apuração, sonoras e
imagens de apoio. Os novos aparatos tecnológicos exigem uma maior flexibilização
da produção, agilidade do repórter e informação em tempo recorde. O celular
também facilita quando é preciso, por exemplo, fazer alguma imagem mais
rapidamente, e não há equipamentos disponíveis. Por isso, na redação, a
Entrevistada 1 relata que todos os repórteres têm um celular da TV para uso. Em
situações em que existem problemas com a engenharia e cai o link, o uso do celular
também é uma opção de entrada ao vivo. Com isso a empresa passa para a repórter
a função e as competências do/a repórter cinematográfico/a e equipe de link.
Embora o celular ofereça agilidade, a pressão do tempo e mobilidade afetam na
qualidade da captação e do trabalho como um todo.
Sobre a busca de pautas, as mudanças se destacam no uso do WhatsApp
que também passou a compor a redação. A emissora possui um celular na redação
apenas para essa interação. Utilizado para receber sugestões, checar histórias e
receber mensagens com comentários que são usados no ar. Esse celular fica
dividido entre pessoas da redação ao longo do dia que fazem o filtro e a interação. A
redação percebeu uma maior aproximação do público com o conteúdo, através do
WhatsApp. Percebe-se aqui também que não há um/a profissional específico/a para
cuidar desta escuta. Mais uma função foi diluída entre as obrigações e competências
desempenhadas pelas/os profissionais da redação.
É um canal livre em que o telespectador sugere, comenta e crítica. Assim, a
redação consegue sentir se determinado assunto agradou e de que forma as
pessoas reagiram. Além disso, o WhatsApp é usado na comunicação interna e
também externa com o público e facilita para enviar textos da rua, por exemplo.
Antes o material ou era fechado pela repórter dentro da redação, ou fechava na rua
e enviavam um veículo para buscar o material.
Sem especializações, o uso dessas novas tecnologias têm exigido adaptação
das jornalistas. Cada vez mais as profissionais precisam ser completas e saber
interagir com esse novo e essa exigência não recai apenas às jornalistas mulheres e
sim a todos os jornalistas. A Entrevistada 1 destaca que a empresa não exige, ainda,
uma especialização para o uso. Porém, os profissionais passam por treinamentos
internos sempre que necessário. A mudança na produção das reportagens não se
dá apenas com a inclusão dessas novas tecnologias, mas demarca uma adaptação
do e da jornalista perante as produções e novas formas de construir reportagens.
São maneiras diferentes de fazer o mesmo trabalho.
O que notamos com o relato da Entrevistada 1 é que, apesar dos novos
equipamentos e novas tecnologias no cotidiano da equipe de reportagem, não houve
um aumento na produção de conteúdo, ou novos conteúdos. O que notamos no uso
dessas tecnologias é a agilidade no processo de construção da notícia. A repórter
encontra ferramentas que facilitam a produção, captação de imagens e transmissão
de conteúdo, além de uma maior efetivação na aproximação com o telespectador.
Neste último processo, todos os profissionais da redação ficam inteirados do
que o público está achando do conteúdo, uma vez que não existe uma pessoa
específica contratada para realizar essa mediação entre os telespectadores, toda a
equipe de redação tem contato através do WhatsApp com as pessoas. Vale ressaltar
que a participação do público se mostra apenas como uma aproximação, uma vez
que as informações obtidas via o aplicativo são filtradas e não fazem parte da
produção do conteúdo.
A repórter e o uso das tecnologias na produção
A aplicação das perguntas foi feita com duas repórteres da redação de TV
RPC de Ponta Grossa. A Entrevistada 2 trabalha com a apuração de informações,
sugestão de pautas, produção de conteúdo, produção de reportagens gravadas para
TV e entradas ao vivo. Em relação a sua rotina com os usos das tecnologias,
destaca-se o celular como essencial para o trabalho. Por ele a Entrevistada 2 recebe
informações de pauta (que vem por aplicativo de mensagens ao longo do dia);
produção de texto (digitado e enviado para edição por aplicativo); produção de áudio
(gravado em aplicativo de gravação e enviado por 4G); produção de vídeo (para
materiais alternativos ao uso da câmera profissional); e entradas ao vivo (com
aplicativo de chamada de vídeo e 4G). Ou seja, o uso do celular é a principal
ferramenta de trabalho da repórter.
Sobre a produção, a Entrevistada 2 aponta que não produz nada sem o uso
das tecnologias. Em uma única pauta ela usa o celular para receber a pauta via
WhatsApp, chegar ao local pelo Google Maps, entrar em contato com a fonte por
WhatsApp ou ligação, receber sugestões de pautas (a população entra em contato
pelas redes sociais) e gravar e enviar reportagem completa. E também usa câmeras
menores e não profissionais como GoPro, handycam e câmera de celular nas
reportagens.
Para o uso dessas tecnologias a Entrevistada 2 diz que a empresa não
oferece curso de capacitação para uso, mas aponta que a maioria dos dispositivos
tecnológicos foi sendo usado automaticamente, sem curso e com aprendizagem na
prática. “Não considero isso um problema, porque eles funcionam basicamente
todos da mesma maneira. Todo jornalista que trabalha na minha área é capaz de
ligar uma câmera alternativa, fazer o foco, enquadrar e gravar, porque tais atividades
são semelhantes a ligar um computador e acessar a internet, por exemplo”
(Entrevistada 2, 2020).
O uso das tecnologias apontado por ela já acontece há quatro anos na
redação. O que observamos é que em pautas mais factuais a presença de aparelhos
tecnológicos e aplicativos é mais constante do que em trabalhos em que é
necessário um cinegrafista e tecnologias profissionais. Em relação ao processo de
trabalho dentro da redação com as novas tecnologias, notamos que a Entrevistada
2, (2020) elenca questões importantes dessa mudança:
Há algum tempo uma equipe de reportagem composta por duas ou três
pessoas fica totalmente inútil se uma delas faltar, em caso de atestado
médico, por exemplo. Hoje, uma matéria não é derrubada em caso de o
repórter cinematográfico faltar, ou mesmo de o repórter faltar. As novas
tecnologias acabaram nos treinando a pensar na imagem e na informação
ao mesmo tempo, coisa que até pouco tempo atrás eram atividades bem
diferenciadas. Já existem aplicativos que permitem edição de áudio e vídeo
– não profissional, claro – no celular. Meu trabalho acabou sendo
organizado com o uso dessas tecnologias assim que elas foram ficando
disponíveis no mercado. Um exemplo recente da organização automática
das tecnologias ocorre durante a pandemia.
Nesse trecho da fala da Entrevistada 2, notamos que o modo de produção
mudou, agora a repórter não é mais responsável apenas pela apuração das
informações descritas na pauta in locus e redação do texto. Seu trabalho consiste
também em pensar a imagem que vai compor as informações apuradas, além de
ficar responsável pela própria edição do material. Não podemos deixar de pensar
que com a condensação da produção, centrada em apenas uma pessoa, acaba
extinguindo o trabalho do cinegrafista e do editor e, consequentemente, o acúmulo
de tarefas em um único profissional, é o profissional multitarefa configurando a
precarização do trabalho. Vale ressaltar aqui, ainda segundo levantamento do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná, que com as demissões durante a
pandemia há um movimento das emissoras de televisão do interior do estado em
encerrar o setor de produção de pautas das redações.5
Apesar dessa concentração de atividades em um único profissional, a
Entrevistada 2 demarca que as novas tecnologias têm facilitado o processo de
produção, e principalmente, mudaram a forma de trabalhar. Os jornalistas estão
ficando cada vez mais “multimídia”, já que os dispositivos tecnológicos estão ao
alcance de todos. O multitarefa está relacionado à precarização e flexibilização do
trabalho. Esse fenômeno no jornalismo é abordado em diferentes segmentos do
mercado (FÍGARO, 2013; ROCHA, FIQUEIREDO, 2020).
O critério do que é publicado ou não, também mudou. Há alguns anos, a
imagem profissional produzida por um jornalista era quase que exclusiva nos
telejornais. Hoje, notamos pela Entrevistada 2, (2020), que “qualquer pessoa grava
um vídeo e pode ter esta imagem não profissional publicada, sem nenhum cuidado
ou conhecimento sobre posição da luz, som ambiente, foco, enquadramento,
velocidade, entre outras características imagéticas. Os tempos mudaram”.
Outro ponto interessante que ela destaca nas suas respostas é a substituição
do próprio celular nas entradas ao vivo com a vinda dos “mochilinks” (que permitem
entradas ao vivo sem a necessidade do veículo da engenharia) o uso do celular para
entradas ao vivo ficou menos frequente, demarcando que a mudança constante das
tecnologias também muda a forma como os jornalistas trabalham.
Em relação às diferenças nas pautas que utilizam novas tecnologias na
produção com as pautas que são produzidas sem o uso delas, as respostas da
Entrevista 2 apontam uma mudança que permite a qualidade estética da imagem e
áudio. Do ponto de vista técnico, existe essa diferença, mesmo que o público não
perceba, mas depende do tipo de celular que é usado.
Já no caso de produções especiais (quadros, séries, reportagens amplas para
os jornais ou programas da emissora), o uso de novas tecnologias, com tempo
disponível de produção e cuidado com a qualidade da imagem/áudio, tem uma
diferença maior.
Nesse sentido, certas tecnologias dispensam a divisão do trabalho e a
participação de uma equipe para executar, o que não está associado a qualidade.
Isso precariza ainda mais a profissão. Essa redução não está ligada ao tempo de
5
Disponível em http://sindijorpr.org.br/noticias/2/noticias/7867/grpcom-demite-seis-jornalistas-efecha-setor-de-producao-no-interior
produção, mas ao manuseio dessas tecnologias. A repórter já sai com um roteiro e
um prazo maior de entrega do material. Uma produção especial exige muito tempo
de uma equipe gravando, e a redação também precisa atender as necessidades
diárias dos jornais que, obrigatoriamente, devem ser atendidas. As redações mais
enxutas têm que orquestrar as equipes para conseguirem realizar coberturas
especiais e factuais. Com o uso dessas tecnologias, a produção se concentra em
apenas uma profissional.
A efetivação do uso das novas tecnologias na pandemia da Covid-19
Antes da pandemia as tecnologias ainda eram pensadas dentro de uma
organização da produção, mais como uma forma de apoio, agilidade, qualidade
estética e concentração da produção em um número menor de profissionais. Com a
pandemia causada pela Covid-19, o uso delas passou a ser uma ferramenta
essencial na produção jornalística. O movimento que vemos hoje está ligado à
segurança das equipes de reportagens e das fontes e a garantia da informação, para
além da qualidade técnica. Em um movimento conjunto, a construção da informação
passa a ser repórter e fonte trabalhando juntos na produção. A fonte não é só mais
um acesso à informação, mas passa a ser um produtor dela.
A Entrevistada 2 relata que sem as tecnologias não seria possível fazer a
cobertura durante a pandemia. Logo na primeira semana de medidas restritivas no
Paraná, a redação foi dissolvida em várias pequenas salas e as equipes foram
separadas para segurança dos profissionais. Os aplicativos de chamadas de vídeo
viraram o ambiente de entrevista. Os aplicativos de mensagens substituíram as
reuniões de pauta e as discussões entre jornalistas e sem a internet, nenhum
material poderia ser produzido. A mudança na produção foi a formação de redações
adaptadas em casa que permitiram produzir materiais gravados ao vivo e o uso das
redes sociais no auxílio e na busca por informações (páginas oficiais, páginas de
pessoas físicas), procura por entrevistados e divulgação de materiais jornalísticos.
Agora eu gravo sozinha as entrevistas por aplicativos no celular ou no
notebook, coisa que até quatro meses atrás não fazia. Gravo informações
com a câmera do meu celular e ainda peço imagens do que eu preciso para
a fonte, que as produz do próprio celular e me envia. Todo esse material eu
envio ao editor pela internet, que edita e põe no ar. Cada um na sua casa.
(Entrevistada 2, 2020).
O que podemos notar, na produção jornalística de TV não correspondem às
novas formas de realizar reportagens com as novas tecnologias, mas a efetivação
do uso delas na produção. O que mudou foi o contato com as fontes, que não é mais
presencial em alguma medida, e a participação central das fontes na construção da
informação. Podemos notar que o trabalho de apuração, entrevista, captação de
imagens e edição que antes da pandemia era concentrado em um único profissional,
passou a ser dividido com as fontes, uma vez que elas produzem as imagens da
matéria. Além da abreviação do processo de trabalho antes distribuídos por
diferentes profissionais, agora concentrado em apenas uma profissional, ocorreu a
inserção da fonte como parte integrante do processo de produção, coletando
material. A redução de enquadramentos também foi uma das mudanças, já que as
conversas por chamada de vídeo não possibilitam ângulos diferentes.
O roteiro da pauta também modificou, com a pandemia. Ele indica que tal
lugar o repórter não pode fazer imagens e que as imagens necessárias para aquela
reportagem vão chegar depois, feitas pelo entrevistado com celular. Ou na pauta, o
produtor já deixa indicado que tal entrevistado falará por ligação de vídeo, já
mencionando a plataforma, se será via WhatsApp, Skype, etc. Mas o contrário
também ocorre. A equipe de reportagem pode, na rua ou redação, optar pelo uso
das novas tecnologias, seja por escolha ou por necessidade, alterando o que estava
programado pelos produtores na pauta.
CONCLUSÕES
A partir da análise das entrevistas, notamos a inserção das novas tecnologias
pela redação da RPC TV de Ponta Grossa na produção de reportagens e na rotina
dos e das profissionais. Percebemos que essa inclusão se dá, em parte, pela
preocupação da emissora e repórteres de produzir conteúdo cada vez mais próximo
do público e de tornar o trabalho mais ágil para dar conta dos conteúdos necessários
na composição do telejornal, o que indiretamente está relacionado à estrutura da
redação reduzida para atender as demandas do veículo. O jornalismo passa a ser
mais colaborativo com o telespectador, embora a colaboração entre os profissionais
na produção esteja se perdendo, na medida que o trabalho se concentra em apenas
um repórter. O enxugamento da participação de uma variedade de profissionais em
cada etapa do trabalho caracteriza a precarização e a flexibilização do trabalho com
danos também para a produção jornalística e os cuidados de apuração e checagem
que ela envolve.
Em conclusão, tem-se a impressão de que as profissionais que trabalham nas
emissoras enxergam a tecnologia como algo positivo que as impulsionam a um fazer
jornalismo melhor, mais dinâmico e rápido. Em contrapartida, o que se destaca nesta
pesquisa, além da acentuação dessas tecnologias na produção de TV e a criação de
novas formas de entrevista e contato com fontes, é a participação das mesmas no
processo de construção da informação e, também, um movimento ainda que muito
perdido, em relação a distribuição de trabalho e carga de produção, uma vez que as
barreiras que separavam as funções dentro do ambiente de uma redação se
quebraram. No contexto da pandemia, as empresas acentuaram o fenômeno da
exploração do trabalho no jornalismo regional, com redução de salário em 25%,
demissões e exigências de acúmulo de funções e competências por parte dos e das
profissionais.
REFERÊNCIAS
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