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Transformações do jornalismo e a precarização das profissionais mulheres: os efeitos da pandemia da Covid-19 no telejornalismo regional Rafael Santos1 Paula Melani Rocha2 RESUMO O artigo discute as transformações do jornalismo a partir das inovações tecnológicas na redação de TV, RPC TV Ponta Grossa, e a intensificação do uso das ferramentas durante a pandemia da Covid-19. As medidas de isolamento levaram ao “home office”, ocorreu redução salarial e demissões. No quantitativo, mais mulheres perderam o emprego nas redações do Paraná em comparação aos pares masculinos, de acordo com dados do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná. A discussão traz relatos de profissionais mulheres sobre o processo de trabalho durante a pandemia, a incorporação da tecnologia na produção jornalística, o aumento de serviços e o acúmulo de competências para executar as tarefas. Utilizou-se pesquisa documental, bibliográfica e entrevistas. Para isso, o estudo dialoga com os estudos sobre feminização no Jornalismo, mercado de trabalho e transformações no jornalismo. Palavras-chave: Feminização no Jornalismo; Inovações Tecnológicas; Transformações no processo de trabalho; RPC TV; Covid-19. INTRODUÇÃO As novas tecnologias instauraram novos meios que permitem criar, construir e informar sobre a realidade de muitas maneiras. As redações jornalísticas vivem um momento de transformação e transição com a convergência, deixando a produção tradicional e vertical para um modo mais diversificado de trabalho, que a todo momento exige mudanças, transformações e novos saberes. Aranha e Miranda (2016), argumentam que as novas tecnologias nos levam para novos modos de fazer, construir e entender as práticas jornalísticas. Elas quebram a divisão entre emissor, mensagem e receptor, alterando não só os padrões de produção, mas também de consumo. Para Barbosa (2013), o jornalismo vive uma nova era em que necessita entender cada aplicação e conviver com uma maior participação do público em seus conteúdos. Não podemos esquecer como essa nova era está diminuindo a produção de jornais impressos e de audiências 1 2 Formado em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, abril de 2021. Durante graduação participou do grupo de pesquisa Jornalismo e Gênero e desenvolveu projeto de iniciação científica com bolsa de fomento do CNPq. Professora dos cursos de Pós-graduação (Mestrado) em Jornalismo e da graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Uma das coordenadoras do grupo de pesquisa Jornalismo e Gênero (CNPq) e do grupo Conhecimento no Jornalismo (CNPq). televisivas, contribuindo também para um maior número de espaços midiáticos, como sites e portais, além de aplicativos e uso intensivo de ferramentas tecnológicas para a produção. Para os autores Squirra e Rangel (2017), as mudanças trazidas pelo mundo digital alcançaram a produção de telejornalismo em ampla escala, como forma de conquistar um público perdido, justamente por conta das novas tecnologias e o acesso das pessoas a informações rápidas nas redes sociais. Assim, o telejornalismo passou a utilizar essas ferramentas para conquistar seu público novamente. Os autores destacam que o uso digital não está mais concentrado apenas nas grandes emissoras nacionais. As transformações tecnológicas também estão presentes no telejornalismo regional/local. As mudanças desses jornais, como aponta Squirra e Rangel (2017), são fruto, também, da forma como o próprio espectador passou a consumir o audiovisual, com acesso a tecnologias mais rápidas e Smart TVs. Por outro lado, o avanço da tecnologia levou à precarização estrutural do trabalho, com “corrosão dos direitos sociais dos trabalhadores e trabalhadoras, perda de conquistas históricas e aumento de uma mão de obra de serviços” (Antunes, 2018 apud ROCHA, 2019, p.17). De acordo com Rocha (2019) as transformações na morfologia do trabalho e na cultura profissional se intensificaram, caracterizadas por aumento na flexibilização e precarização do trabalho e afetaram de forma desigual o trabalho masculino e feminino. Esses deslocamentos assimétricos na divisão sexual do trabalho decorrentes de um aumento da participação feminina no mercado de trabalho são colocados como uma das características da feminização da profissão, ou seja, movimentos de relações generificadas (ROCHA, 2019). Nesse sentido, também, o jornalismo regional, para Ogura (2019), possui uma força maior para ampliar sua audiência devido a sua capacidade de ampliação. Com características únicas de proximidade, identidade e pertencimento; com a precarização da atividade jornalística e a redução das redações, esses pequenos polos jornalísticos de interior correm o risco de desaparecer, uma vez que sofrem as transformações nos processos de trabalho. Um jornal regional para Ogura (2019), tem capacidade de criar identidade e interação com sua comunidade; a comunidade toma conhecimento do que acontece à sua volta, no sentido cultural, social, político, econômico e histórico, com a precarização da profissão, isso corre o risco de se perder. Nesse contexto, a reflexão analisa as transformações no processo de trabalho de profissionais de uma redação de telejornalismo regional pela perspectiva das profissionais mulheres e como as novas tecnologias foram incorporadas na produção de conteúdo em meio à pandemia da Covid-19, quando parte dos trabalhos das redações passaram a ser remotos. De um modo geral, a categoria sofreu perdas salariais, redução de jornada de trabalho e demissões. Analisou-se como as profissionais passaram a usar a tecnologia para garantir o ofício em meio ao isolamento social e os impactos nas relações de trabalho pela perspectiva de gênero e como isso tem ocorrido no jornalismo regional. O recorte da pesquisa O estudo selecionou a RPC TV3, emissora de televisão afiliada da Rede Globo, com recorte na praça sediada em Ponta Grossa, que em 2020 apresentava a seguinte estrutura: 26 funcionários, sendo que 20 deles atuavam como jornalistas e seis como técnicos. Todos os vinte jornalistas são formados e os seis técnicos possuem ensino médio completo. Todos os técnicos eram homens. Entre o período que iniciou o levantamento para esta pesquisa e a pandemia o quadro reduziu para 24 funcionários. Somente no intervalo da pandemia entre março de 2020 e junho de 2021 ocorreram oito demissões e atualmente a emissora conta com 13 funcionários, dados do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná. Entre as demissões no período da pandemia da Covid-19 estavam cinco homens (editor, editor de imagem, diretor de imagem e dois cinegrafistas) e três mulheres (repórter, produtora e apresentadora). Ainda de acordo com o Sindicato, em todo o estado foram 70 demissões em 2020 e 20 em 2021. Das demissões em 2020, 37 eram mulheres e a maior parte não ocupava cargos de chefia, o número de demissões nas redações do interior do estado foram maiores que na capital (SINDIJOR)4. Na distribuição por gênero na RPC de Ponta Grossa percebeu-se uma predominância masculina: nove dos vinte e seis profissionais eram mulheres e 17 3 Disponível em: https://globoplay.globo.com/meio-dia-parana-ponta-grossa/t/rb7rx6shxw/ acesso: 06 de outubro de 2020 às 10h30 4 Disponível em http://sindijorpr.org.br/noticias/2/noticias/7867/grpcom-demite-seis-jornalistas-efecha-setor-de-producao-no-interior homens. A ocupação por profissionais homens e mulheres é desigual na pirâmide profissional, em ocupações de cargos, remuneração, nos segmentos do mercado e regiões geográficas, caracterizando uma desproporcionalidade nas concentrações horizontal e vertical da mão de obra feminina dentro da profissão. Os cargos de chefia são desempenhados por homens e as mulheres concentram-se em cargos intermediários na pirâmide profissional (MOURA ET AL., 2018). É possível perceber isso na distribuição por funções e cargos na RPC: o posto de Chefe de redação era ocupado por um homem; na escala hierárquica logo abaixo tinha duas mulheres como editoras executivas; dois editores e uma editora; um editor apresentador e uma editora apresentadora; um repórter no G1; três repórteres mulheres e um homem; duas mulheres como produtoras; quatro repórteres cinematográficos; dois editores de imagem; dois diretores de TV; um cinegrafista de estúdio, um apoio e um motorista. Predominavam homens em funções técnicas. Os principais produtos jornalísticos produzidos pela emissora são o Meio Dia Paraná e Boa Noite Paraná em Ponta Grossa (telejornais). A emissora também contribui para outros programas da rede e locais como Bom Dia Paraná, Meu Paraná, Caminhos do Campo, Bom dia Brasil etc. Em relação à convergência de mídia, o número de profissionais na redação não sofreu demissões no tempo analisado por esta pesquisa, pois foi logo no início da pandemia, em março de 2020, o que mudou foi o acréscimo de um profissional jornalista que trabalha para o G1 (formato que disponibiliza conteúdo jornalístico das diversas empresas do Grupo Globo, escalando informações do dia, tanto nacionais como internacionais, além de produzir conteúdo local e regional). As demissões ocorreram ao longo de 2020 e início de 2021. Foram realizadas entrevistas com duas profissionais, sendo uma produtora e uma repórter. Em respeito aos cuidados éticos de não expor as entrevistadas, optouse por identificá-las por números definidos por Entrevistada 1 e Entrevistada 2, seguindo as diretrizes do projeto aprovado em 30 de agosto de 2019 pelo Comitê de Ética em Pesquisa, na Plataforma Brasil, com o número do protocolo: CAAE 21587819.1.0000.0105. Como as entrevistas foram realizadas durante a pandemia da Covid-19 as perguntas foram encaminhadas por e-mail e celular. As respostas coletadas foram divididas em duas partes. A primeira parte focou sobre o uso das tecnologias na redação e suas aplicações. E a segunda parte procurou mapear como o uso de tecnologias foi incorporado no processo de cobertura jornalística durante a pandemia da Covid-19. Organização da redação, produção de pautas e perfil das jornalistas com as novas tecnologias Com as entrevistas foi possível verificar junto à emissora de TV, RPC TV Ponta Grossa, como as profissionais trabalham com as novas tecnologias presentes na redação, seu uso na produção, como elas se adaptam a essas tecnologias na rotina de trabalho e o que é exigido de competência a essas profissionais em relação às tecnologias. Sobre a organização da emissora com o uso dessas novas tecnologias, os novos aparelhos que são usados na produção, de acordo com a Entrevistada 1, são o uso de celular e softwares online para imagens e para entrevistas. A edição desses materiais não mudou, o trabalho ainda é feito por programas licenciados que já eram usados. Antes a redação utilizava apenas imagens gravadas com as câmeras profissionais. Hoje, de acordo com a Entrevistada 1, o que é utilizado são câmeras menores (handycam), o próprio celular da repórter (ou do entrevistado) para captação de imagens e entrevistas. Também utilizam as redes sociais para gravar entrevistas. As informações comprovam a atualização do trabalho perante as novas tecnologias com esses novos equipamentos e redução do número de profissionais envolvidos para realizar o trabalho. O uso da handycam e o celular, como relata a Entrevistada 1, é usado pela própria repórter tanto para realizar entrevista, quanto para captação das imagens da reportagem, fazendo um duplo trabalho de produção e acúmulo de função. É válido lembrar que a produção em telejornalismo, pelas particularidades da imagem e manuseio de equipamentos, envolvia trabalho de equipe, iniciando pela pauta, passando pela reportagem com repórter, repórter cinematográfico e iluminador até a edição, com editor de texto e imagem. Além de cargos de chefia e intermediários como rádio escuta, chefe de reportagem, apresentador/a, editor chefe, chefe de redação entre outros. Com a tecnologia algumas funções desapareceram, uma delas é o iluminador. A maior mudança no trabalho da redação foi justamente a redução de profissionais em decorrência da inovação dos equipamentos para ir à rua produzir e captar sons e imagens. Entretanto, o acúmulo de funções reflete na qualidade do material produzido, não só técnica como também de conteúdo, apuração, sonoras e imagens de apoio. Os novos aparatos tecnológicos exigem uma maior flexibilização da produção, agilidade do repórter e informação em tempo recorde. O celular também facilita quando é preciso, por exemplo, fazer alguma imagem mais rapidamente, e não há equipamentos disponíveis. Por isso, na redação, a Entrevistada 1 relata que todos os repórteres têm um celular da TV para uso. Em situações em que existem problemas com a engenharia e cai o link, o uso do celular também é uma opção de entrada ao vivo. Com isso a empresa passa para a repórter a função e as competências do/a repórter cinematográfico/a e equipe de link. Embora o celular ofereça agilidade, a pressão do tempo e mobilidade afetam na qualidade da captação e do trabalho como um todo. Sobre a busca de pautas, as mudanças se destacam no uso do WhatsApp que também passou a compor a redação. A emissora possui um celular na redação apenas para essa interação. Utilizado para receber sugestões, checar histórias e receber mensagens com comentários que são usados no ar. Esse celular fica dividido entre pessoas da redação ao longo do dia que fazem o filtro e a interação. A redação percebeu uma maior aproximação do público com o conteúdo, através do WhatsApp. Percebe-se aqui também que não há um/a profissional específico/a para cuidar desta escuta. Mais uma função foi diluída entre as obrigações e competências desempenhadas pelas/os profissionais da redação. É um canal livre em que o telespectador sugere, comenta e crítica. Assim, a redação consegue sentir se determinado assunto agradou e de que forma as pessoas reagiram. Além disso, o WhatsApp é usado na comunicação interna e também externa com o público e facilita para enviar textos da rua, por exemplo. Antes o material ou era fechado pela repórter dentro da redação, ou fechava na rua e enviavam um veículo para buscar o material. Sem especializações, o uso dessas novas tecnologias têm exigido adaptação das jornalistas. Cada vez mais as profissionais precisam ser completas e saber interagir com esse novo e essa exigência não recai apenas às jornalistas mulheres e sim a todos os jornalistas. A Entrevistada 1 destaca que a empresa não exige, ainda, uma especialização para o uso. Porém, os profissionais passam por treinamentos internos sempre que necessário. A mudança na produção das reportagens não se dá apenas com a inclusão dessas novas tecnologias, mas demarca uma adaptação do e da jornalista perante as produções e novas formas de construir reportagens. São maneiras diferentes de fazer o mesmo trabalho. O que notamos com o relato da Entrevistada 1 é que, apesar dos novos equipamentos e novas tecnologias no cotidiano da equipe de reportagem, não houve um aumento na produção de conteúdo, ou novos conteúdos. O que notamos no uso dessas tecnologias é a agilidade no processo de construção da notícia. A repórter encontra ferramentas que facilitam a produção, captação de imagens e transmissão de conteúdo, além de uma maior efetivação na aproximação com o telespectador. Neste último processo, todos os profissionais da redação ficam inteirados do que o público está achando do conteúdo, uma vez que não existe uma pessoa específica contratada para realizar essa mediação entre os telespectadores, toda a equipe de redação tem contato através do WhatsApp com as pessoas. Vale ressaltar que a participação do público se mostra apenas como uma aproximação, uma vez que as informações obtidas via o aplicativo são filtradas e não fazem parte da produção do conteúdo. A repórter e o uso das tecnologias na produção A aplicação das perguntas foi feita com duas repórteres da redação de TV RPC de Ponta Grossa. A Entrevistada 2 trabalha com a apuração de informações, sugestão de pautas, produção de conteúdo, produção de reportagens gravadas para TV e entradas ao vivo. Em relação a sua rotina com os usos das tecnologias, destaca-se o celular como essencial para o trabalho. Por ele a Entrevistada 2 recebe informações de pauta (que vem por aplicativo de mensagens ao longo do dia); produção de texto (digitado e enviado para edição por aplicativo); produção de áudio (gravado em aplicativo de gravação e enviado por 4G); produção de vídeo (para materiais alternativos ao uso da câmera profissional); e entradas ao vivo (com aplicativo de chamada de vídeo e 4G). Ou seja, o uso do celular é a principal ferramenta de trabalho da repórter. Sobre a produção, a Entrevistada 2 aponta que não produz nada sem o uso das tecnologias. Em uma única pauta ela usa o celular para receber a pauta via WhatsApp, chegar ao local pelo Google Maps, entrar em contato com a fonte por WhatsApp ou ligação, receber sugestões de pautas (a população entra em contato pelas redes sociais) e gravar e enviar reportagem completa. E também usa câmeras menores e não profissionais como GoPro, handycam e câmera de celular nas reportagens. Para o uso dessas tecnologias a Entrevistada 2 diz que a empresa não oferece curso de capacitação para uso, mas aponta que a maioria dos dispositivos tecnológicos foi sendo usado automaticamente, sem curso e com aprendizagem na prática. “Não considero isso um problema, porque eles funcionam basicamente todos da mesma maneira. Todo jornalista que trabalha na minha área é capaz de ligar uma câmera alternativa, fazer o foco, enquadrar e gravar, porque tais atividades são semelhantes a ligar um computador e acessar a internet, por exemplo” (Entrevistada 2, 2020). O uso das tecnologias apontado por ela já acontece há quatro anos na redação. O que observamos é que em pautas mais factuais a presença de aparelhos tecnológicos e aplicativos é mais constante do que em trabalhos em que é necessário um cinegrafista e tecnologias profissionais. Em relação ao processo de trabalho dentro da redação com as novas tecnologias, notamos que a Entrevistada 2, (2020) elenca questões importantes dessa mudança: Há algum tempo uma equipe de reportagem composta por duas ou três pessoas fica totalmente inútil se uma delas faltar, em caso de atestado médico, por exemplo. Hoje, uma matéria não é derrubada em caso de o repórter cinematográfico faltar, ou mesmo de o repórter faltar. As novas tecnologias acabaram nos treinando a pensar na imagem e na informação ao mesmo tempo, coisa que até pouco tempo atrás eram atividades bem diferenciadas. Já existem aplicativos que permitem edição de áudio e vídeo – não profissional, claro – no celular. Meu trabalho acabou sendo organizado com o uso dessas tecnologias assim que elas foram ficando disponíveis no mercado. Um exemplo recente da organização automática das tecnologias ocorre durante a pandemia. Nesse trecho da fala da Entrevistada 2, notamos que o modo de produção mudou, agora a repórter não é mais responsável apenas pela apuração das informações descritas na pauta in locus e redação do texto. Seu trabalho consiste também em pensar a imagem que vai compor as informações apuradas, além de ficar responsável pela própria edição do material. Não podemos deixar de pensar que com a condensação da produção, centrada em apenas uma pessoa, acaba extinguindo o trabalho do cinegrafista e do editor e, consequentemente, o acúmulo de tarefas em um único profissional, é o profissional multitarefa configurando a precarização do trabalho. Vale ressaltar aqui, ainda segundo levantamento do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná, que com as demissões durante a pandemia há um movimento das emissoras de televisão do interior do estado em encerrar o setor de produção de pautas das redações.5 Apesar dessa concentração de atividades em um único profissional, a Entrevistada 2 demarca que as novas tecnologias têm facilitado o processo de produção, e principalmente, mudaram a forma de trabalhar. Os jornalistas estão ficando cada vez mais “multimídia”, já que os dispositivos tecnológicos estão ao alcance de todos. O multitarefa está relacionado à precarização e flexibilização do trabalho. Esse fenômeno no jornalismo é abordado em diferentes segmentos do mercado (FÍGARO, 2013; ROCHA, FIQUEIREDO, 2020). O critério do que é publicado ou não, também mudou. Há alguns anos, a imagem profissional produzida por um jornalista era quase que exclusiva nos telejornais. Hoje, notamos pela Entrevistada 2, (2020), que “qualquer pessoa grava um vídeo e pode ter esta imagem não profissional publicada, sem nenhum cuidado ou conhecimento sobre posição da luz, som ambiente, foco, enquadramento, velocidade, entre outras características imagéticas. Os tempos mudaram”. Outro ponto interessante que ela destaca nas suas respostas é a substituição do próprio celular nas entradas ao vivo com a vinda dos “mochilinks” (que permitem entradas ao vivo sem a necessidade do veículo da engenharia) o uso do celular para entradas ao vivo ficou menos frequente, demarcando que a mudança constante das tecnologias também muda a forma como os jornalistas trabalham. Em relação às diferenças nas pautas que utilizam novas tecnologias na produção com as pautas que são produzidas sem o uso delas, as respostas da Entrevista 2 apontam uma mudança que permite a qualidade estética da imagem e áudio. Do ponto de vista técnico, existe essa diferença, mesmo que o público não perceba, mas depende do tipo de celular que é usado. Já no caso de produções especiais (quadros, séries, reportagens amplas para os jornais ou programas da emissora), o uso de novas tecnologias, com tempo disponível de produção e cuidado com a qualidade da imagem/áudio, tem uma diferença maior. Nesse sentido, certas tecnologias dispensam a divisão do trabalho e a participação de uma equipe para executar, o que não está associado a qualidade. Isso precariza ainda mais a profissão. Essa redução não está ligada ao tempo de 5 Disponível em http://sindijorpr.org.br/noticias/2/noticias/7867/grpcom-demite-seis-jornalistas-efecha-setor-de-producao-no-interior produção, mas ao manuseio dessas tecnologias. A repórter já sai com um roteiro e um prazo maior de entrega do material. Uma produção especial exige muito tempo de uma equipe gravando, e a redação também precisa atender as necessidades diárias dos jornais que, obrigatoriamente, devem ser atendidas. As redações mais enxutas têm que orquestrar as equipes para conseguirem realizar coberturas especiais e factuais. Com o uso dessas tecnologias, a produção se concentra em apenas uma profissional. A efetivação do uso das novas tecnologias na pandemia da Covid-19 Antes da pandemia as tecnologias ainda eram pensadas dentro de uma organização da produção, mais como uma forma de apoio, agilidade, qualidade estética e concentração da produção em um número menor de profissionais. Com a pandemia causada pela Covid-19, o uso delas passou a ser uma ferramenta essencial na produção jornalística. O movimento que vemos hoje está ligado à segurança das equipes de reportagens e das fontes e a garantia da informação, para além da qualidade técnica. Em um movimento conjunto, a construção da informação passa a ser repórter e fonte trabalhando juntos na produção. A fonte não é só mais um acesso à informação, mas passa a ser um produtor dela. A Entrevistada 2 relata que sem as tecnologias não seria possível fazer a cobertura durante a pandemia. Logo na primeira semana de medidas restritivas no Paraná, a redação foi dissolvida em várias pequenas salas e as equipes foram separadas para segurança dos profissionais. Os aplicativos de chamadas de vídeo viraram o ambiente de entrevista. Os aplicativos de mensagens substituíram as reuniões de pauta e as discussões entre jornalistas e sem a internet, nenhum material poderia ser produzido. A mudança na produção foi a formação de redações adaptadas em casa que permitiram produzir materiais gravados ao vivo e o uso das redes sociais no auxílio e na busca por informações (páginas oficiais, páginas de pessoas físicas), procura por entrevistados e divulgação de materiais jornalísticos. Agora eu gravo sozinha as entrevistas por aplicativos no celular ou no notebook, coisa que até quatro meses atrás não fazia. Gravo informações com a câmera do meu celular e ainda peço imagens do que eu preciso para a fonte, que as produz do próprio celular e me envia. Todo esse material eu envio ao editor pela internet, que edita e põe no ar. Cada um na sua casa. (Entrevistada 2, 2020). O que podemos notar, na produção jornalística de TV não correspondem às novas formas de realizar reportagens com as novas tecnologias, mas a efetivação do uso delas na produção. O que mudou foi o contato com as fontes, que não é mais presencial em alguma medida, e a participação central das fontes na construção da informação. Podemos notar que o trabalho de apuração, entrevista, captação de imagens e edição que antes da pandemia era concentrado em um único profissional, passou a ser dividido com as fontes, uma vez que elas produzem as imagens da matéria. Além da abreviação do processo de trabalho antes distribuídos por diferentes profissionais, agora concentrado em apenas uma profissional, ocorreu a inserção da fonte como parte integrante do processo de produção, coletando material. A redução de enquadramentos também foi uma das mudanças, já que as conversas por chamada de vídeo não possibilitam ângulos diferentes. O roteiro da pauta também modificou, com a pandemia. Ele indica que tal lugar o repórter não pode fazer imagens e que as imagens necessárias para aquela reportagem vão chegar depois, feitas pelo entrevistado com celular. Ou na pauta, o produtor já deixa indicado que tal entrevistado falará por ligação de vídeo, já mencionando a plataforma, se será via WhatsApp, Skype, etc. Mas o contrário também ocorre. A equipe de reportagem pode, na rua ou redação, optar pelo uso das novas tecnologias, seja por escolha ou por necessidade, alterando o que estava programado pelos produtores na pauta. CONCLUSÕES A partir da análise das entrevistas, notamos a inserção das novas tecnologias pela redação da RPC TV de Ponta Grossa na produção de reportagens e na rotina dos e das profissionais. Percebemos que essa inclusão se dá, em parte, pela preocupação da emissora e repórteres de produzir conteúdo cada vez mais próximo do público e de tornar o trabalho mais ágil para dar conta dos conteúdos necessários na composição do telejornal, o que indiretamente está relacionado à estrutura da redação reduzida para atender as demandas do veículo. O jornalismo passa a ser mais colaborativo com o telespectador, embora a colaboração entre os profissionais na produção esteja se perdendo, na medida que o trabalho se concentra em apenas um repórter. O enxugamento da participação de uma variedade de profissionais em cada etapa do trabalho caracteriza a precarização e a flexibilização do trabalho com danos também para a produção jornalística e os cuidados de apuração e checagem que ela envolve. Em conclusão, tem-se a impressão de que as profissionais que trabalham nas emissoras enxergam a tecnologia como algo positivo que as impulsionam a um fazer jornalismo melhor, mais dinâmico e rápido. Em contrapartida, o que se destaca nesta pesquisa, além da acentuação dessas tecnologias na produção de TV e a criação de novas formas de entrevista e contato com fontes, é a participação das mesmas no processo de construção da informação e, também, um movimento ainda que muito perdido, em relação a distribuição de trabalho e carga de produção, uma vez que as barreiras que separavam as funções dentro do ambiente de uma redação se quebraram. No contexto da pandemia, as empresas acentuaram o fenômeno da exploração do trabalho no jornalismo regional, com redução de salário em 25%, demissões e exigências de acúmulo de funções e competências por parte dos e das profissionais. REFERÊNCIAS ARANHA, Angelo Sottovia; MIRANDA, Giovani Vieira. 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Gender Intersectionality and horizontal and vertical concentration of women journalists in Brazil, France, and Belgic Francophone's journalism. An introduction to the question. In: Brazil-France-Francophone Belgium Journalism Research Conference: The Sociocultural Frontiers of Journalism in Brazil and in Francophone space, 1, realizado na Faculdade FIAM/FAM, em 10 de novembro de 2018, São Paulo. Anais...São Paulo: SBPjor, 2018. p. 1-11. OGURA, Edilene dos Santos. Estratégias e critérios editoriais na cobertura noticiosa do jornalismo diário regional dos Campos Gerais do Paraná. Dissertação (Mestrado em Jornalismo) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2019. Acesso: http://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/2958 em 12 de junho de 2021 às 13h30. ROCHA, Paula M. A femininazação no jornalismo como uma categoria de análise em construção: as transformações no mercado de trabalho, dissimetrias estruturais e conquistas. 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