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Volume 12 – Número 31 DOSSIÊ: FILOSOFIA DA RELIGIÃO doi: 10.25247/paralellus.2021.v12n31.p769-786 AS REVELAÇÕES COSMOGÔNICAS DE URÂNTIA E OAHSPE: NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS ORIGINADOS DE TEXTOS SAGRADOS DOS ESTADOS UNIDOS THE COSMOGONIC REVELATIONS OF URANTIA AND OAHSPE: NEW RELIGIOUS MOVEMENTS ORIGINATED FROM SACRED TEXTS OF THE UNITED STATES Prof. Dr. Newton de Andrade Cabral Prof. Dr. Rafael Vilaça Epifani Costa RESUMO Este trabalho analisa dois Novos Movimentos Religiosos (NMRs) que surgiram nos Estados Unidos, no final do século XIX e início do século XX, respectivamente: Oahspe e Urântia. A principal característica é que ambos giram em torno de livros que são considerados como novas revelações de cunho cósmico para os tempos modernos. A primeira obra é conhecida como Oahspe – The Kosmon Bible. Escrito por John Ballou Newbrough, seus seguidores acreditam que este livro contém uma revelação de Deus legada ao mundo através de seus Anjos Embaixadores, os quais transmitiram um novo conhecimento sobre a origem e funcionamento do Universo. De modo semelhante, o Movimento Urantiano surgiu a partir do Livro de Urântia. Porém, diferente do Oahspe, ele não possui um autor específico. Seus leitores afirmam que seu conteúdo foi transmitido a um grupo de indivíduos através de seres  Doutor e Mestre em História, ambos pela Universidade Federal de Pernambuco. Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco, da qual é Professor Titular, integrante dos colegiados da Graduação em História e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião PPGCR (Cursos de Mestrado e de Doutorado). E-mail: newton.cabral@unicap.br  Doutor e mestre em Ciências da Religião, graduado em Direito, todos os cursos feitos na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Formado em Teologia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Diácono transitório e membro da Comissão de Liturgia e Música da Diocese Anglicana do Recife, parte da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. E-mail: rafaelvilaca.e.costa@gmail.com 769 Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 Esta obra está licenciada sob uma licença Creative Commons Aprovado: 12-2021 celestiais de várias hierarquias. Eles o chamam de a Quinta Revelação de Época de Urântia – o nome cósmico do nosso planeta –, e tal como o Oahspe, descreve uma complexa cosmogonia. Seu ápice se encontra nos Documentos sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, apresentando uma narrativa distinta do Cristianismo. Utilizando os dois textos como fontes e estudos de pesquisadores dos NMRs, propomos que ambos sejam classificados a partir do conceito cunhado neste artigo, como Revelações Cosmogônicas. Palavras-chave: O Livro de Urântia; The Kosmon Bible; Espiritualismo; Religiões comparadas. ABSTRACT This paper analyzes two New Religious Movements (NRMs) that emerged in the United States, in the late 19th and early 20th centuries, respectively: Oahspe and Urantia. The main feature is that both revolve around books that are considered new cosmic revelations for modern times. The first work is known as Oahspe – The Kosmon Bible. Written by John Ballou Newbrough, his followers believe that this book contains a revelation of God bequeathed to the world through his Ambassador Angels, who transmitted a new knowledge about the origin and working of the Universe. Likewise, the Urantian Movement emerged from The Urantia Book. However, unlike Oahspe, it does not have a specific author. The readers claim that its content has been transmitted to a group of individuals through celestial beings of various hierarchies. They call it Urantia’s Fifth Epochal Revelation - the cosmic name of our planet and like Oahspe, it describes a complex cosmogony. Its culmination is found in the Documents about the life and teachings of Jesus, presenting a distinct narrative from Christianity. Using the two texts as sources and studies by researchers from the NRMs, we propose that both are classified based on the concept coined in this paper, as Cosmogonic Revelations. Keywords: The Urantia Book; The Kosmon Bible; Spiritualism; Comparative religion. 1 INTRODUÇÃO Considerado pelos seus adeptos como uma revelação para os tempos atuais, Urântia é um novo movimento religioso baseado em um livro de título homônimo. O Livro de Urântia (em inglês, The Urantia Book) é um conjunto de textos que, de acordo com os seus leitores, foi entregue por seres celestiais – de origem extraterrena –, a um grupo de pessoas nos Estados Unidos, o qual contém um registro de toda a história da Terra e do Universo. A pretensão da obra é de revelar à humanidade um novo conhecimento sobre as suas origens até a ideia sobre Deus. A palavra Urântia, segundo o conceito apresentado no Livro, é o nome pelo qual o planeta Terra é conhecido no Cosmos pelas criaturas celestiais. O LU (como também é chamado pelos adeptos) foi publicado, pela primeira vez, em 1955, na cidade de Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 770 Chicago, através da Fundação Urântia (Urantia Foundation), criada para difundir a obra. Desde então, ela foi traduzida para diversas línguas, incluindo o português. O Livro contém 197 documentos, escritos originalmente em inglês arcaico, rigorosamente diagramados em 2097 páginas e divididos em quatro partes. A primeira parte (o Universo Central e os Superuniversos) trata sobre os conceitos filosóficos e metafísicos sobre Deus, a alma e a organização do Cosmos, traçando uma explicação detalhada. Para fundamentar esta parte, a todo momento o texto utiliza-se de conceitos filosóficos e científicos da época de sua publicação. A segunda parte (o Universo Local) trata acerca da evolução do Universo em que está localizada a Terra, os seus planetas habitados e sua organização em nível local e cósmico. Também descreve o progresso e evolução que muitos planetas já passaram e que outros deverão passar. A terceira parte (História de Urântia) aborda o surgimento e evolução do planeta Terra, conhecido pelo seu nome cósmico – Urântia –, somada a uma explanação do desenvolvimento de nossas sociedades e culturas ao longo dos milênios. Seu ponto alto é a descrição da evolução das religiões e de suas doutrinas. Por fim, a quarta parte, a maior do LU, narra a vida e os ensinamentos de Jesus. Seus leitores acreditam que tal obra contém a maior – e de maneira detalhada – quantidade de relatos acerca de Jesus e de seus ensinamentos, superando outros textos, inclusive os do Novo Testamento. Já o Oahspe, também conhecido como The Kosmon Bible, tem sua origem com os escritos do dentista e médium espiritualista John Ballou Newbrough. Ele foi publicado em 1882, sob o título de Oahspe: A New Bible in the words of Jehovih and his Angel Embassadors (em livre tradução, Oahspe: Uma Nova Bíblia nas palavras de Jehovih e seus Anjos Embaixadores). De acordo com o glossário do livro, o termo Oahspe significa “céu, terra e espírito. O todo, a soma do conhecimento corporal e espiritual até o presente”. A obra é apresentada – tal qual o seu título – como uma nova Bíblia ou Bíblia do Cosmos e, diferente do Livro de Urântia, é formada por inúmeros livros, semelhante aos cânones bíblicos judaico-cristãos. Seus livros são intitulados com os nomes dos Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 771 personagens que se encontram no centro das narrativas ou a partir dos conceitos apresentados (Ex.: Book of Jehovih; Book of Cosmogony and Prophecy; God’s Book of Eskra; Book of Judgment). E, de modo semelhante ao LU, de acordo com os seus leitores, o Oahspe teria sido revelado através dos Anjos Embaixadores de Deus. Escritos em épocas diferentes, ambos os livros possuem semelhanças e até mesmo influências de outros movimentos religiosos estadunidenses, surgidos no século XIX. Diante do contexto apresentado, este trabalho traça uma análise crítica sobre as características de tais obras, no intuito de situá-las nas classificações existentes sobre os Novos Movimentos Religiosos. Utilizamos como fonte primária os dois textos sagrados e, como fontes secundárias, estudos feitos por pesquisadores do tema e de Novos Movimentos Religiosos. Como o Oahspe não possui tradução para o português, as citações serão feitas na língua original, seguidas de livres traduções dos autores, apresentadas em notas de rodapé. 2 AS ORIGENS DO LIVRO DE URÂNTIA E DO OAHSPE O Livro de Urântia não possui um autor oficial ou que reivindique a sua autoria. Segundo as crenças desse NMR, no começo do século XX, um grupo de pessoas da cidade de Chicago recebeu mensagens de seres extraterrestres, as quais foram compiladas nos documentos que se tornaram o Livro de Urântia. Porém, existem teorias e explicações sobre seu processo de escrita e também de autoria. A história oficial sobre a origem do Livro de Urântia aponta que as primeiras mensagens da obra “foram captadas por alguém durante o sono, sendo estas gravadas pelo Dr. William Samuel Sadler (1875-1969), um respeitado psiquiatra da Universidade de Chicago e professor no McCormick Theological Seminary” (PARTRIDGE, 2006, p. 369). Alguns adeptos do LU apontam este paciente de Sadler como Edgar Cayce, um famoso místico e médium dos Estados Unidos, conhecido pela mídia norte-americana como "o profeta adormecido”, título atribuído devido às suas previsões, que eram realizadas com os olhos fechados, enquanto o médium se encontrava deitado em um divã, ao lado de uma taquigrafa que realizava as anotações, em um aparente estado de transe. Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 772 Tempos depois, foi organizado um grupo com pessoas próximas ao Dr. Sadler, que passaram a ajudar no processo de recepção das mensagens. Os supostos autores celestiais são creditados no final de cada capítulo, sendo a maioria composta de anjos e seres superiores de uma hierarquia nomeada em todo o Livro (Conselheiro Divino; Comissão de Seres Intermediários; Mensageiro Solitário etc.). Segundo os adeptos do movimento, a razão de que ninguém reclamava a autoria da obra e, de que nela, se encontravam registrados somente a função, e não o nome dos mensageiros celestiais, se justificava para evitar a criação de um culto ou religião organizada em torno do Livro, ou até mesmo a divinização dessas figuras ou dos autores, algo por diversas vezes reiterado na obra. O que desde o início se aconselhou, foi a criação de grupos de estudo, com finalidade exclusiva de crescimento espiritual dos participantes. Assim sendo, em pouco tempo surgiram diversas organizações para o estudo e publicação do LU, a exemplo da Urantia Foundation, a Urantia Fellowship e a Square Circles. Já o Oahspe surgiu na cidade de Nova York e foi publicado em 1882, por John Ballou Newbrough. Segundo o autor, o livro foi concebido através de escrita automática, canalizada através dele pelos Anjos Embaixadores, conhecidos no Kosmon (Universo) pelo nome de Ashars. Na metade do século XIX, o movimento espírita dos Estados Unidos estava no auge, o que fez com que o Oahspe fosse apenas mais um, entre vários livros do gênero. Esta foi uma das razões pelas quais ele não ficou tão conhecido em meio às outras publicações da época. Suas doutrinas foram, mais tarde, desenvolvidas e explicadas pelo maior seguidor de Newbrough, Wing Anderson, um editor de Los Angeles. Da mesma forma como o Livro de Urântia, o Oahspe se apresenta como uma nova revelação e não se propõe a ser uma nova religião liderada por profetas ou líderes religiosos. If a book were to fall down from the Sky with Jehovah's signatures to it, man would not accept the book on that account. Why, then, should anything be said about how this book was written? It blows nobody's horn; it makes no leader. It is not a destroyer of old systems or religions. It reveals a new one, adapted to this age (NEWBROUGH, 1882, p. 3).1 1 Se um livro caísse do céu com as assinaturas de Jeová, o homem não o aceitaria por causa disso. Por que, então, algo deveria ser dito sobre como este livro foi escrito? Não eleva ninguém; não cria Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 773 Todavia, diferente dos leitores do Livro de Urântia, os adeptos do Oahspe organizaram um culto formal em torno da obra, intitulado Fidelismo (Faithism). Pouco tempo após o seu lançamento, estes fidelistas organizaram uma colônia religiosa chamada Shalam, que se dissolveu pouco tempo depois, mas foi responsável por divulgar os princípios e práticas da religião baseada no Oahspe para novos membros. Essa dissolução do grupo gerou muitos outros ramos como o Universal Faithists of Kosmon (Salt Lake), Restoration Faithists (Nova York), Eloists (Nova Inglaterra), The Kosmon Church (Reino Unido) e Oahspe Stichting (Holanda). The colony failed after only a few years, but small bands of followers have kept the movement alive; a wide variety of Faithist groups have emerged and disappeared, but the most active center is in Riverton, UT; Faithism is a religion which is based on faith in an Omnipotent Creator whose name is Jehovih, Elohim, E-o-ih, Wenohim, Eolin, Egoquim, Ormazd, The All Light, The All Person, The Great Spirit, as well as other names which have been described in the book Oahspe (HOLLAND, 2012, p. 244).2 Atualmente, o Livro de Urântia é muito mais conhecido e difundido do que o Oahspe. Enquanto o LU possui tradução para quase 20 idiomas, o Oahspe só está publicado em inglês, uma das razões pelas quais seus adeptos se concentram, sobretudo, nos Estados Unidos e Reino Unido. 3 A DOUTRINA URANTIANA E OAHSPEANA As alegações de que o Livro de Urântia foi entregue por seres celestiais, faz com que, em termos de classificação, nos estudos de religião, ele seja tido como uma revelação, semelhante à Bíblia, ao Corão, ou a qualquer outro livro semelhante. O próprio Livro de Urântia se apresenta como a Quinta Revelação de Época. Segundo a narrativa, a primeira delas foi a revelação de Dalamátia, uma cidade fundada pelo Príncipe Planetário Caligástia, quando diversos seres celestiais enviados ao planeta nenhum líder. Ele não destrói velhos sistemas ou religiões. Revela um novo, adaptado a esta idade. (Tradução livre dos autores). 2 A colônia fracassou depois de apenas alguns anos, mas pequenos grupos de seguidores mantiveram o movimento vivo; uma grande variedade de grupos fidelistas surgiram e desapareceram, mas o centro mais ativo está em Riverton, Utah; o Fidelismo é uma religião que se baseia na fé em um Criador Onipotente cujo nome é Yehovih, Elohim, Eo-ih, Wenohim, Eolin, Egoquim, Ormazd, A Toda Luz, A Toda Pessoa, O Grande Espírito, bem como outros nomes que foram descritos no livro Oahspe. (Tradução livre dos autores). Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 774 começaram a guiar a humanidade em sua caminhada evolutiva. A segunda revelação foi feita por meio de Adão e Eva. Mas, diferente da Bíblia, eles não foram os primeiros habitantes do mundo, sendo o primeiro casal de humanos conhecidos como Andon e Fonta. Segundo o LU, cada planeta recebe um casal de seres celestiais que tem por missão a elevação do padrão biológico e ético do planeta e, esta seria a principal função de Adão e Eva no plano divino. A terceira revelação ocorreu com Melquisedeque, conhecido no Cosmos pelo nome de Maquiventa, que veio à Terra para restaurar o verdadeiro culto a Deus entre a humanidade, que estava em declínio após a missão de Adão e Eva ter falhado. A quarta revelação se deu por meio de Jesus de Nazaré, que, tinha como missão aperfeiçoar e difundir os mais elevados conceitos sobre quem seria Deus, os quais estavam sendo esquecidos. De acordo com o LU, todos os seres humanos são filhos de um mesmo Pai, infinitamente bom e, como consequência disso, existe uma irmandade espiritual entre toda a humanidade. A quinta revelação aconteceu com o Livro de Urântia, destinada ao mundo, para os próximos mil anos, cuja finalidade é “expandir a consciência cósmica e elevar a consciência espiritual”. O desafio religioso desta época é dirigido àqueles homens e àquelas mulheres que, pela sua visão ampla e voltada para o futuro, e, pelo discernimento da sua luz interna, ousarão construir uma nova e atraente filosofia de vida, partindo dos conceitos modernos, sutilmente integrados, da verdade cósmica, da beleza universal e da bondade divina (O LIVRO DE URÂNTIA, 2007, p. 43). Sobre a vida de Jesus, à primeira vista, o LU está, em grande parte, em concordância com os relatos evangélicos. Sua natureza é apresentada segundo a Cristologia tradicional, sendo plenamente humano e plenamente divino. De modo semelhante, ele também é apresentado como o Filho de Deus encarnado. Jesus também realiza muitos dos milagres apresentados nos Evangelhos: a transformação da água em vinho, a multiplicação dos pães e peixes, a ressurreição de Lázaro e inúmeras curas de cegos, doentes e aleijados. Da mesma forma, os relatos de episódios vividos entre Jesus e seus doze apóstolos é bastante semelhante. E da mesma maneira como narram nos Evangelhos, ele foi crucificado e após a sua morte, teria ressuscitado e deixado seus últimos ensinamentos com seus discípulos. Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 775 Embora o LU ensine que seus documentos buscam esclarecer e expandir o conhecimento sobre a vida de Jesus, existem grandes diferenças no que diz respeito às doutrinas centrais do Cristianismo. No início da Parte 4, a vida de Jesus é narrada integralmente, incluindo uma versão diferente dos chamados “anos ocultos”, contando sua relação com seus pais, irmãos e amigos. Segundo o LU, Jesus nasceu através de uma relação sexual natural entre José e Maria, ao invés de um nascimento virginal. Sua crucificação não é considerada uma expiação pelos pecados da humanidade. De acordo com a obra, esta foi consequência dos interesses de líderes religiosos da época, que consideravam os seus ensinamentos como uma ameaça às autoridades políticas e religiosas locais. Contrastando com as crenças do Cristianismo, no Livro de Urântia Jesus é considerado a encarnação de Micael de Nébadon, um dos setecentos mil Filhos Criadores. Nas crenças do LU, ele não é considerado a segunda pessoa da Trindade, como no Cristianismo. Já a ideia de uma Santíssima Trindade é apresentada no Livro de Urântia, sendo composta pelo Pai Universal, o Filho Eterno e o Espírito Infinito. Já o Oahspe apresenta uma visão unitarista de Deus, descrevendo uma natureza absoluta do Divino, rejeitando qualquer dualismo ou trinitarismo. Um tema sempre presente nas doutrinas apresentadas, tanto do Livro de Urântia quanto do Oahspe, é a crença na vida em outros planetas e na existência de seres extraterrestres que, por muitas vezes, são confundidos com anjos ou criaturas celestiais. No Oahspe, essa influência é ainda mais forte, ao ponto de a obra ser considerada uma verdadeira precursora da Ufologia. Muitos estudiosos do tema advogam que Newbrough foi o primeiro escritor a utilizar o termo nave-espacial. Embora a ufologia seja, de um modo geral, um fenômeno bastante recente, existem vários precursores dignos de nota. Por exemplo, John Ballou Newbrough, médico e espírita (1828-1891), relatou revelações esotéricas sobre o universo espiritual e os seus anjos celestes (ashars), que percorriam os céus em “naves” etéreas (PARTRIDGE, 2006, p. 372). A presença de temas ufológicos no Oahspe também se encontra na narrativa acerca das origens da humanidade. O ser humano teria surgido há cerca de 70 mil anos, quando um grupo de anjos foi enviado para a Terra e eles se relacionaram com uma espécie primitiva, os A'su, originando uma espécie evoluída, conhecida como I'hins. Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 776 Estes, por sua vez, se relacionaram com os A'su que habitavam o mundo e, dessa união surgiram os Druks, I'hins e os Ghansus. A partir de tal diversidade de raças surgiu a espécie humana, como a conhecemos. Algo que se destaca no texto do Oahspe é a narrativa sobre a vida e obra de determinadas figuras religiosas já conhecidas, como Zarathustra, Confúcio, Moisés e o próprio Jesus. Na versão oahspeana de sua vida, ele não foi crucificado, mas apedrejado. Já no Livro de Urântia, o que mais chama a atenção em seu texto, são o excesso de informações e o complexo sistema da estrutura cósmica. O vosso mundo, Urântia, é apenas um entre muitos planetas similares habitados, que compreendem o universo local de Nébadon. Este universo, juntamente com criações semelhantes, constitui o superuniverso de Orvônton, de cuja capital, Uversa, provém a nossa comissão. Orvônton é um dos sete superuniversos evolucionários do tempo e do espaço, que circundam a criação de perfeição divina, sem princípio nem fim – o universo central da Havona. No coração desse universo central e eterno está a Ilha do Paraíso, centro geográfico estacionário da infinitude e morada do Deus eterno. Por grande universo designamos, em geral, os sete superuniversos em evolução, em conjunto com o universo central e divino; e estas são as criações organizadas e habitadas até o presente. Elas são, todas, uma parte do universo-mestre, que abrange também os universos do espaço exterior, não habitados, mas em mobilização (O LIVRO DE URÂNTIA, 2007, p. 1-2). Essa multiplicidade de universos é administrada por uma infinitude de seres hierarquicamente divididos, semelhante à angeologia judaico-cristã. No entanto, eles possuem funções específicas, como Registradores Celestes, Coordenadores da Informação, Transformadores de Energia etc. Já para no Oahspe, o Universo é uno, sendo muitas vezes apresentado a partir de uma visão panteísta. O Universo é apresentando como um grande sistema, administrado de forma rigorosa, através de uma divisão de tarefas definidas, nas quais cada criatura celeste possui uma finalidade específica nas engrenagens do Cosmos. Como consequência desse sistema, a descrição dos processos relacionados à origem, evolução e função dos universos chega a um nível de detalhes, que é preciso bastante atenção ao estudar a obra. A característica principal da linguagem é usar terminologias científicas – especialmente da física subatômica e quântica do início do século XX –, ao narrar uma história do Cosmos, da sua origem aos dias atuais. Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 777 4 UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS TEXTOS SAGRADOS À primeira vista, tanto o Livro de Urântia quanto o Oahspe funcionam como verdadeiros manuais sobre nossas origens e destinos, semelhante aos textos sagrados de qualquer religião. No entanto, ambos estão inseridos no contexto religioso da virada do século XIX para o XX e suas novas formas de espiritualidade, que refletem o desejo de novas respostas às demandas e desafios da época. O fim do homem parecia decretado pelo estruturalismo, pela crise da metafísica, pelo racionalismo técnico e pelas ciências naturais, que haviam objetivado e descarnado toda realidade. O ocaso do Ocidente, do qual falava Osvald Spengler, parecia delinear-se cada vez mais lúgubre e inexorável. Justamente nessa época começou a desenharse uma epistemologia diferente, que punha em crise o cientificismo e a concepção objetivista e “coisal” da realidade. E essa epistemologia – ironia da história – não nascia no âmbito das ciências humanas ou na filosofia, origem que facilmente se tornaria suspeita, como tentativa de revanche, mas nascia da própria ciência mais seguida e venerada: da física atômica e subatômica (TERRIN, 1994, p. 244). Por isso, o discurso científico, nitidamente vinculado a uma nova abordagem espiritual do Cosmos, rapidamente ganhou destaque na sociedade norte-americana, que estava começando a criticar o academicismo, típico da comunidade científica da época, algo que se tornaria padrão aos movimentos surgidos a partir da segunda metade do século XX, sobretudo a Nova Era. Ao mesmo tempo, a alegação da existência de uma revelação, semelhante à Bíblia, surgida nos Estados Unidos, chamou muito mais atenção do que textos esparsos, vindo de uma sabedoria distante, como os textos de antigas religiões, com raízes muito mais fincadas no Oriente do que no Ocidente. Daí seu rápido sucesso no âmbito norte-americano. As religiões nascem e são sustentadas por processos de troca, e tratamos o ambiente social e cultural circundante como um mercado que influencia tais trocas. As trocas são a chave para a forma como novos sistemas de compensadores tornam-se sociais. Isto implica que as condições no mercado social e cultural determinam se, e em que medida, os novos compensadores podem ser trocados (BRAINBRIDGE; STARK, 2008, p. 238-239). Essa compensação e condições de mercado, apontadas por Rodney Stark e William Brainbridge, são, até certo ponto, os fatores que determinaram a maior aceitação do Livro de Urântia em relação ao Oahspe, como veremos a seguir. Uma das razões do sucesso do LU foi, justamente, essa crise de identidade que chegou junto com o Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 778 século XX, dialogando com as novas teorias da Ciência da época e as crises econômicas e sociais que surgiram nos Estados Unidos da década de 1930. Quando analisamos o LU, a própria estrutura do Cosmos – administrado a partir de uma divisão de trabalho rígida, protagonizada por uma hierarquia angélica cujas funções são bem definidas na obra –, têm uma relação direta com o pensamento econômico dos Estados Unidos daquela época e sua respectiva estrutura industrial. Por diversas vezes, encontramos passagens que se opõem a qualquer ideologia política de cunho socialista, ao mesmo tempo em que o Livro enfatiza a liberdade empreendedora, quase como um dom divino. Da mesma forma, a sociedade ideal é descrita seguindo o modelo socioeconômico então vigente nos Estados Unidos, anunciando que, até então, não surgiu um sistema melhor. A história dos Seres supremos de estrutura celeste é de grande importância para a compreensão da história religiosa da humanidade como um todo. [...] Os Seres supremos de estrutura celeste têm tendências a desaparecer do culto; “afastam-se” dos homens, retiramse para o Céu e tornam-se dei otiosi. Numa palavra, pode-se dizer que esses deuses, depois de terem criado o Cosmos, a vida e o homem, sentem uma espécie de “fadiga”, como se o enorme empreendimento da Criação lhes tivesse esgotado os recursos. Retiram-se, pois, para o Céu, deixando na Terra um filho ou um demiurgo, para acabar ou aperfeiçoar a Criação (ELIADE, 2010, p. 103). Esse exemplo de Eliade descreve outra característica explícita tanto no Livro de Urântia quanto no Oahspe. No caso de Urântia, isso fica visível nas figuras dos Filhos Criadores, responsáveis pela criação e manutenção dos Universos Locais (como Micael de Nébadon), ou dos Príncipes Planetários (como Caligástia), que possuem a função de administrar os Mundos Evolucionários do tempo e do espaço (a exemplo de Urântia) para que eles alcancem um “estágio máximo de evolução moral, social e espiritual”. Da mesma forma, no Oahspe, os chamados Filhos de Jehovih (Sethantes, Aph, Lika), são espécies de demiurgos que acompanham e orientam a evolução do planeta Terra em diversas épocas da sua história. É possível apontar que ambas as obras receberam uma forte influência das crenças e doutrinas de novos movimentos religiosos cristãos que surgiram em solo estadunidense no século anterior e que, à época, estavam em plena ascensão, a exemplo do Adventismo e do Mormonismo. Quando entramos no campo dos Estudos Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 779 de Religião Comparada, diversas analogias podem ser feitas entre os grupos em questão. Se por um lado, as crenças do Oahspe se aproximam muito mais de uma espiritualidade fundamentada no Oriente, a teologia urantiana está alinhada com padrões judaico-cristãos, em especial, com as doutrinas adventistas. Um exemplo disso é a doutrina do mortalismo cristão, segundo a qual, após a morte, as almas entram em um estado de sono profundo, em que o despertar ocorreria somente após a ressurreição. No Livro de Urantia, o indivíduo, após o “sono” de sua alma e a sua ressurreição espiritual, acorda em um dos Mundos das Mansões para iniciar sua jornada de progressão na vida após a morte. Acredita-se que um “ajustador de pensamento” habita em cada um de nós, procurando direcionar as nossas vidas para a verdade. Depois da morte, as nossas almas entrarão num sono profundo e serão levadas para outros mundos para iniciarem uma infindável jornada de autodescoberta, culminando com a admissão no paraíso. (PARTRIDGE, 2006, p. 370) Por outro lado, há uma grande diferença existente entre a doutrina adventista e a do Livro de Urântia. Ao contrário daquela, Jesus não é o Filho Unigênito de Deus, mas um dos setecentos mil Filhos Criadores. No entanto, essa filiação possui uma característica peculiar: estes Filhos Criadores são nomeados, chamados de Micaeis. Uma das crenças mais presentes e defendidas pelo Adventismo, é a de que Jesus seria o Arcanjo Miguel em sua pré e pós-existência, com base na exegese feita por este e outros movimentos religiosos da época, como as Testemunhas de Jeová. Isto reflete uma das influências das crenças adventistas sobre alguns membros pertencentes ao grupo de “receptores” dos Documentos de Urântia, incluindo o Dr. Sadler, que foi membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Além de possuir influências de elementos da doutrina adventista, o Livro de Urântia – assim como o Oahspe – também possui uma semelhança ainda maior quando o comparamos com o Livro de Mórmon, o principal texto sagrado do movimento dos Santos dos Últimos Dias (o Mormonismo). A cosmologia apresentada pelo Livro de Mórmon é semelhante à do Livro de Urântia. Assim como nas crenças do Cristianismo histórico, Jesus é considerado como o Filho de Deus, Criador de nosso mundo. Porém, Joseph Smith trouxe uma nova interpretação, ao considerar a existência de Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 780 planetas habitados e governados por outros filhos de Deus. Como exemplo disso, temos a doutrina mórmon da Elevação, segundo a qual o ser humano pode tornar-se uma divindade após a sua ressurreição. Esta crença mórmon é semelhante ao estado dos Finalitores, do LU, que, por sua vez, são os espíritos ressurretos que progrediram ao longo da sua vida após a morte, até alcançarem um estado de co-criadores e coadministradores do Cosmos, junto às demais entidades celestiais. Da mesma forma, a missão de Adão e Eva, segundo a doutrina mórmon, é semelhante à narrativa do LU. Ela não é vista como uma queda do gênero humano, mas, sim, como um processo de elevação espiritual. Também podemos citar outros paralelos entre o Mormonismo e o Oahspe. Assim como Joseph Smith, John Newbrough recebeu uma revelação por meio de anjos que lhe apresentaram um livro que guarda um conhecimento perdido, advindo de povos destruídos, tais como os povos Nefitas e Lamanitas do Livro de Mórmon. Sobre a vida após a morte, é notória a semelhança entre suas doutrinas. Ambas as crenças enfatizam que após a morte, as almas entrarão em diferentes categorias de Céus ou Mundos Espirituais, de acordo com a vida que os indivíduos levaram na terra, semelhante aos três graus de glória da doutrina mórmon. No Oahspe também é apresentado um casamento celestial, semelhante ao conceito ensinado pela doutrina mórmon. Além disso, Newbrough incluiu em sua obra uma série de desenhos, símbolos e explicações sobre o Cosmos e seu processo de evolução, semelhante aos fac-símiles de Joseph Smith no Livro de Abraão, parte da obra Pérola de Grande Valor, outro texto sagrado dos SUD. Posteriormente à sua publicação original, Wing Anderson acrescentou à terceira edição do Oahspe (1912) profecias que não se realizaram. Como exemplos, temos uma em que o presidente Franklin Delano Roosevelt se uniria a um ditador fascista, em 1940; que haveria uma guerra civil nos Estados Unidos em 1944; e que Hitler seria destituído por uma revolução alemã, antes de conseguir invadir os Estados Unidos da América. Tais previsões apocalípticas são semelhantes às profecias de Ellen Gould White, considerada uma profetisa moderna pelos adventistas. Por tais razões, o crítico das religiões Gordon Stein, aponta que “o Oahspe não foi levado a sério porque foram encontrados muitos erros e profecias não cumpridas” (STEIN, 1993, p. 52-53), diferente do Livro de Urântia, que possui um estilo literário menos escatológico. Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 781 Entre problemas recentes que o Livro de Urântia enfrentou, os maiores estão relacionados aos direitos autorais do original em inglês, de 1955, pertencentes à Fundação Urântia até 2006, que foram alvo de disputa com outras organizações, como a Urantia Fellowship. Do modo inverso, o escritor espanhol J. J. Benítez já foi acusado de ter plagiado o LU em sua série Operação Cavalo de Troia, na qual a vida de Jesus é retratada de modo quase idêntico à apresentada na parte 4 do livro. 5 A CLASSIFICAÇÃO DOS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS Tanto Urântia quanto o Oahspe podem ser considerados como Novos Movimentos Religiosos, de acordo com o conceito apresentado por Silas Guerriero. Vamos considerar, aqui, NMR todos os movimentos de cunho religioso ou espiritualista que tenham surgido recentemente, no bojo do movimento de contracultura, após 1960. Vamos incluir, além desses, os movimentos surgidos até no final do século XIX ou começo do século XX e que permaneceram à margem das grandes religiões, mas se tornaram mais visíveis junto com os demais. (GUERRIERO, 2010, p. 43). Em estudos sobre o tema, como na obra Enciclopédia das Novas Religiões, de Christopher Partridge, e na Encyclopedia of Religion in Latin America & the Caribbean, do Programa Latino-Americano de Estudos Socio-Religiosos (PROLADES), organizada pelo Dr. Clifton Holland, tanto o Oahspe quanto o Livro de Urântia são classificados como Culturas Modernas Ocidentais e Tradição Psíquica-Espiritualista – Nova Era (Psychic-Spiritualist – New Age Tradition). Embora muitas destas se inspirem nas tradições do oculto, New Age e oriental, outras há que parecem peculiarmente ocidentais, pelo fato de terem surgido diretamente de movimentos culturais ocidentais e interesses como o movimento UFO, [...] a psicoterapia ou a cultura de dança contemporânea (PARTRIDGE, 2006, p. 359). Diante desse quadro, é preciso aprofundar ainda mais as classificações atribuídas aos NMRs, por causa de sua evidente diversidade e das diferenças doutrinárias existentes entre os vários movimentos. É um erro misturar em uma só categoria movimentos que, muitas vezes, possuem características próprias que os distinguem uns dos outros. Por isso, o que apresentamos neste estudo, é a criação de uma classificação específica para as obras e movimentos analisados. Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 782 Muitas vezes, o Livro de Urântia é inserido no mesmo gênero de literatura espiritual que inclui Um Curso em Milagres (A Course in Miracles) e Conversando com Deus (Conversations with God). Um dos críticos do Livro de Urântia, Martin Gardner, pontua que, embora tais livros sejam "muito inferiores ao LU, tanto em ideias e estilo de escrever" (GARDNER, 1995, p. 161), são semelhantes quando partem da alegação de terem sido escritos por seres celestiais, canalizados através de um indivíduo. No entanto, existem outras características específicas, que inserem o Livro de Urântia e o Oahspe em uma nova categoria que, a partir de agora, chamaremos de Revelações Cosmogônicas. Tais características são as seguintes: 1) obras ditadas diretamente por seres celestiais (anjos, seres extraterrestres, avatares, deuses etc.); 2) as origens e estrutura do Cosmos, do nosso planeta, do ser humano, e de seu destino ocupam o lugar central da narrativa e têm como estilo literário uma descrição bastante detalhada destes. Este é o ponto-chave de tais obras, pois há uma utilização maciça de dados históricos e científicos para dar credibilidade às informações apresentadas; 3) são consideradas revelações para as épocas presente e futura, pois inauguram uma nova dispensação e são apresentadas como espécies de novas Bíblias. Esses manuais são considerados completos em conteúdo e doutrina, não configurando a necessidade de beber em outras fontes para se ter acesso à totalidade do Sagrado; 4) buscam restaurar um conhecimento perdido a que somente os reveladores celestiais têm acesso, pois estes administram o Cosmos com um rigor quase técnico; 5) têm como finalidade a elevação da consciência da humanidade nos tempos presentes e buscam guiá-la a uma nova era de progresso social, moral e espiritual. As primeiras conclusões que podemos tirar é que, obras como Um Curso em Milagres ou Conversando com Deus, não podem ser incluídas nessa classificação, uma vez que não possuem essa característica de descrição detalhada das origens do Cosmos, sendo voltadas apenas para a formação de uma “nova consciência individual”. Outros movimentos modernos, como a Cientologia ou o Raelianismo, também não se enquadram nessa classificação, mesmo possuindo algumas características, como uma cosmogonia rigorosamente detalhada, uma vez que as obras-padrão destes movimentos não são consideradas como revelações divinas em si, no sentido utilizado Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 783 por religiões como o Cristianismo ou Islamismo, sendo aqueles classificados como novos movimentos religiosos originados da Ufologia. Por outro lado, o Livro de Urântia e o Oahspe, por possuírem características tão peculiares, também não devem ser classificados de forma simplória como movimentos da Nova Era, ocultistas ou esotéricos, pois, divergem das características de grupos vinculados a esses movimentos. Da mesma forma, a pretensão de ambas as obras não é revelar uma espécie de gnose, oculta do indivíduo, mas difundir estes livros como uma revelação divina e aberta para a humanidade, assumindo o mesmo papel de outros textos sagrados, como a Bíblia ou o Corão, algo que não é característico dos movimentos anteriormente citados. Dentro dessa subcategoria de Revelações Cosmogônicas, também poderíamos inserir outros movimentos religiosos como o Espiritismo de Allan Kardec, que se baseia nas obras-padrão da Codificação, as quais possuem bastante similaridade com o estilo literário adotado pelo Livro de Urântia e o Oahspe. Da mesma forma, seus textos surgiram a partir da manifestação de espíritos superiores no mesmo momento histórico da obra de Newbrough, em condições semelhantes às descritas pelo autor da Bíblia Kosmon. Mas, por que classificá-los de tal maneira? E qual a necessidade de uma classificação tão específica? Os NMRs são extremamente diversos. Qualquer tentativa de classificação será sempre limitada. Em um olhar mais apressado, aparentemente temos clareza do que se trata. Praticamente todos nós já sabemos o que é um NMR. Porém, quanto mais focamos nosso olhar e tentamos mergulhar para baixo da linha da superfície, mais nossos olhos ficam turvos. O fenômeno insiste em se tornar cada vez mais complexo, confundindo-nos ainda mais. Saímos da experiência com a sensação de incompreensão. Mas isso não satisfaz a Ciência da Religião. É preciso procurar alguns contornos, algumas regularidades e tendências. Só dessa maneira estaremos não apenas atuando de acordo com os métodos científicos, mas contribuindo para elucidar melhor o que anda acontecendo em termos religiosos em nossa sociedade (GUERRIERO, 2010, p. 44). Os conceitos criados e o enquadramento de determinados movimentos religiosos em categorias específicas é algo que transcende a mera exclusividade, no qual um mesmo movimento pode ser classificado em várias categorias secundárias. Por tais Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 784 razões, tanto Urântia quanto o Oahspe, uma vez que se tratam de Novos Movimentos Religiosos e de tradições espiritualistas surgidas no Ocidente, podem pertencer a esta subcategoria, chamada por nós de Revelações Cosmogônicas. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Indo além das similaridades e diferenças com outros movimentos religiosos da época, o Livro de Urântia e o Oahspe são novos movimentos religiosos únicos do gênero dentro da história das religiões nos Estados Unidos da América. Até o momento, os maiores grupos que promovem o Livro de Urântia e o Oahspe – a Urantia Foundation e o Restoration Faithists, respectivamente –, evitam uma política de publicidade aberta e de proselitismo, deixando que as obras sejam divulgadas através de iniciativas individuais. Entretanto, pelas razões já expostas neste artigo, o LU teve uma aceitação muito maior entre o público, superando o Oahspe, sobretudo, em razão das traduções feitas para outras línguas, ao passo que, este último, somente pode ser encontrado em inglês. Se os adeptos do Oahspe criaram a religião do Fidelismo (Faithism) e se organizaram em organizações semelhantes a Igrejas, os leitores do Livro de Urântia conseguiram se afastar da tendência de criar uma religião institucionalizada em torno do texto cultuado pelo movimento. Por outro lado, nos últimos anos, uma quantidade cada vez maior de indivíduos está alegando para si a canalização de mensagens baseadas nos ensinamentos do LU, em que estas seriam repassadas por entidades presentes no Livro, incluindo Micael de Nébadon ou Jesus de Nazaré. Por sua vez, a Urantia Foundation e a Urantia Fellowship não reconhecem a legitimidade de tais mensagens e defendem que apenas os documentos presentes no Livro de Urântia sejam considerados. Como passar do tempo, a tendência é que mais grupos sectários se formem, criando não apenas novas interpretações sobre os textos, mas também novas crenças e doutrinas, ou até mesmo realizando adições no próprio texto-padrão do LU. Assim, este trabalho é apenas a apresentação de algumas questões que giram em torno do Livro de Urântia e do Oahspe, sendo necessários novos estudos acadêmicos Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 785 sobre tais temas. Existem muitas obras que tratam sobre a história e as crenças de ambos os movimentos. Todavia, a maioria das publicações se encontra em inglês e seus estudos se concentram, sobretudo, nos EUA. Como propósito último, buscamos demonstrar que ambos os livros estão inseridos no contexto dos movimentos espiritualistas estadunidenses surgidos no final do século XIX e início do século XX. É preciso avançar no campo de estudo dos Novos Movimentos Religiosos, de modo que, tais obras sejam analisadas segundo as características que as aproximam e as distinguem de outras. Uma das possíveis soluções, a criação desta nova subclassificação dentro dos NMRs, identificando tais obras, os grupos originários e seus movimentos como Revelações Cosmogônicas. REFERÊNCIAS BRAINBRIDGE, William Sims; STARK, Rodney. Uma teoria da religião. São Paulo: Paulinas, 2008. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. GARDNER, Martin. Urantia: the great cult mystery. Nova York: Prometheus Books, 1995. GUERRIERO, Silas. Novos movimentos religiosos. São Paulo: Paulinas, 2006. HOLLAND, Clifton L. Prolades Encyclopedia of Religion in Latin America & the Caribbean. Costa Rica: Prolades, 2012. NEWBROUGH, John Ballou. Oahspe: a New Bible in the words of Jehovih and his Angel Embassadors. Nova York: Oahspe Publishing Association, 1882. O LIVRO DE URÂNTIA. Chicago: Fundação Urântia, 2007. PARTRIDGE, Christopher. Enciclopédia das Novas Religiões. Lisboa: Verbo, 2006. STEIN, Gordon. Encyclopedia of Hoaxes. Michigan: Gale Group, 1993. TERRIN, Aldo Natale. O sagrado off limits: a experiência religiosa e suas expressões. São Paulo: Loyola, 1994. Paralellus, Recife, v. 12, n. 31, set./dez. 2021, p. 769-786 786