NUP CNBB: 00000.9.005511/2023
Tempos e sinais – uma análise de conjuntura
Grupo de Análise de Conjuntura da CNBB – Padre Thierry Linard1
19 de novembro de 2023, Dia Mundial dos Pobres
“Advento, tempo para contemplar o infinito na história,
o inesperado no rotineiro, o divino no humano,
porque o rosto de um Homem nos devolveu o rosto de Deus”.
Cardeal Tolentino2
1
1.
Tempo do Advento
Estamos nos aproximando do tempo do Advento. É tempo de espera e de chegada,
de pressentir os “sinais dos tempos” e escutar o Senhor que fala através deles. Esta análise
de conjuntura é, por isso, o resultado de um longo processo de escuta, pois “escutar os
anseios, as alegrias, dores e angústias”3 é a primeira etapa de qualquer serviço e do
diálogo4. Depois do texto oferecido à 60ª Assembleia da CNBB, em abril de 2023,
buscamos preparar, redescobrir, contemplar, conversar e dar tempo ao tempo, com a
presença de uma nova e alegre formação desse Grupo. O mundo e o Brasil não desistem
de nos espantar e, paradoxalmente, de nos encantar. Queremos chegar ao Advento com
esperança em ações concretas.
1
Este texto é um produto da equipe de Análise de Conjuntura da CNBB. É um serviço para a CNBB. Não
representa, contudo, a opinião da Conferência. A equipe é formada por membros da Conferência,
assessores, professores das universidades católicas e por peritos convidados. Participaram da elaboração
deste texto: Dom Francisco Lima Soares – Bispo de Carolina – MA, Frei Jorge Luiz Soares da Silva –
Assessor de relações institucionais e governamentais da CNBB, Pe. Thierry Linard de Guertechin, S.J. (in
memoriam), Antonio Carlos A. Lobão – PUC/Campinas, Francisco Botelho – CBJP, Izete Pengo Bagolin
– PUC/Rio Grande do Sul, Maria Cecília Pilla – PUC/Paraná, Jackson Teixeira Bittencourt – PUC/Paraná,
José Reinaldo F. Martins Filho – PUC/Goiás, Ricardo Ismael – PUC/Rio, Manoel S. Moraes de Almeida –
Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, Marcel Guedes Leite – PUC/São Paulo, Robson Sávio
Reis Souza – PUC/Minas, Ima Vieira – REPAM, Tânia Bacelar – UFPE, Maria Lucia Fattorelli – Auditoria
Cidadã da Dívida, José Geraldo de Sousa Júnior – UnB e Melillo Dinis do Nascimento – Inteligência
Política (IP).
2
MENDONÇA,
José
Tolentino
de.
Advento.
Disponível
em:
https://catequesehoje.org.br/index.php/veredas/poemas/258-advento. Acesso em 28 out. 2023.
3
Entrevista de Dom Jayme Spengler, arcebispo de Porto Alegre (RS) e presidente da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), que, ao participar do Sínodo em Roma, em outubro, concedeu entrevista
sobre a escuta. Disponível em https://www.cnbb.org.br/entrevista-dom-jaime-spengler-sinodofundamental-escutar/. Acesso em 28 out. 2023.
4
Nesse sentido: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (Ap 3,6). O Texto-base da
Campanha da Fraternidade de 2022 afirma que “é fundamental uma pedagogia da escuta, que rompa com
o paradigma de pedagogias silenciadoras” (CNBB. Texto-base da Campanha de 2022, n. 28).
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Em meio a vários cenários e a muitas cenas espalhadas, tentaremos ofertar, de
forma sintética, diversos pontos de vistas. A própria Igreja se debruçou sobre si mesma,
no Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade5, no mês passado, ofertando frutos e
aprendizados a todos os que com ela caminham em comunhão e corresponsabilidade.
Nesse período, fomos apresentados à Exortação Apostólica Laudate Deum6, do
Papa Francisco, em 4 de outubro, memória litúrgica de São Francisco de Assis, em que a
louvação transparece como um convite à ação de todas as pessoas de boa vontade,
especialmente em face da severa crise climática. Ao antecipar o futuro, em alguma
medida o sentido do tempo do Advento, sublinhamos alguns pontos de um presente duro
e difícil em tantos impossíveis declarados, aceitando as tensões e propondo aos horizontes
advenientes o brilho possível da Promessa do nascimento do Senhor e do nosso próximo
(re)nascer. Com esperança!
2.
O contexto internacional
Vivemos num mundo em que “tudo está interligado”7. Fatos da economia, da
política, da sociedade, do meio ambiente e da cultura se conectam e se influenciam para
além das limitações geográficas. Seguindo a metodologia que adotamos nas análises
anteriores, consideramos alguns dos movimentos estruturais para chegar à conjuntura e
partimos de um olhar sobre os fenômenos internacionais, buscando os indicadores
econômicos, socioambientais, políticos e culturais, e suas tendências, que possam nos
ajudar a compreender o que marca o atual ambiente.
2.1. Mudanças e indefinições
Repetimos em nossas análises que “o mundo está passando por grandes
mudanças”. E isso continua marcando a realidade internacional. Podemos traduzir essa
situação como um período em que estão entrando em colapso as formas de produção,
distribuição e consumo das riquezas, historicamente construídas, na sociedade global,
mas também estão em transformação as maneiras de nos relacionarmos como seres
humanos e com o próprio planeta8. A humanidade, ao invés de superar seus problemas e
caminhar na direção da justiça social e da paz, segue numa trajetória destrutiva de
degradação ambiental, guerras e grande desigualdade social.
Os conflitos em locais como Etiópia, Haiti, Ucrânia/Rússia, Iêmen, Sudão, Síria e
Israel/Palestina, assim como as tensões no Kosovo, Azerbaijão e em diversas outras partes
5
XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.
FRANCISCO,
Papa.
Laudate
Deum
(a
seguir
LD).
Disponível
em
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/20231004-laudate-deum.html.
Acesso em 28 out. 2023.
7
FRANCISCO,
Papa.
Laudato
Si’,
nºs
92
e
120.
Disponível
em
https://www.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papafrancesco_20150524_enciclica-laudato-si_po.pdf. Acesso em 28 out. 2023. Há aqui uma opção pela
tradução que se transformou em canção. Na primeira tradução usa-se a expressão “relacionado”. Adotamos
a expressão “interligado”!
8
Trata-se de um “problema social global”, Laudate Deum (LD n. 3).
6
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2
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do mundo, ilustram a incapacidade da comunidade internacional em estabelecer
entendimentos e soluções. O mesmo acontece com o grande conflito que se avizinha no
Níger e na África Ocidental. Dados reunidos pelas Nações Unidas indicam que dois
bilhões de indivíduos viviam em zonas de conflito em 20229, o que representava um
quarto da população mundial. “Hoje, enquanto assistimos o drama de famílias israelenses
e palestinas, a constatação é de que os mecanismos, canais ou relações de poderes que
existiam para estabelecer o diálogo estão soterrados. Organismos criados ainda em 1945
não dão mais respostas, enquanto uma nova realidade de poder e novas hegemonias
regionais abalam as placas tectônicas em todos os continentes”10. É a terceira guerra
mundial em capítulos, que tanto nos alerta o Papa Francisco11.
A morte de inocentes judeus e palestinos, a destruição total verificada em Gaza,
são marcas da barbárie da atualidade. Sobre o tema, a CNBB se pronunciou: “Israelenses
e palestinos estão sofrendo as consequências trágicas de um conflito armado e dos
descasos históricos dos acordos assumidos. Abriram-se os caminhos para a violência, que
gera morte e destruição”12. E o Cardeal Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Latino de
Jerusalém, também fez ecoar suas palavras: “Enquanto a questão palestina, a liberdade, a
dignidade e o futuro dos palestinos não forem levados em conta da maneira que é
necessária hoje, as perspectivas de paz entre Israel e a Palestina serão cada vez mais
difíceis”13.
O Secretário-Geral da ONU, Antônio Guterres, foi bastante incisivo ao chamar de
castigo coletivo as incursões de Israel à população de Gaza em resposta ao ataque do
grupo Hamas. Essa tragédia, juntamente com o que ocorre na Ucrânia, pode levar o
mundo a um quadro inédito de insegurança internacional desde a Segunda Guerra. Os
esforços pela paz devem ser incentivados e desenvolvidos a todo instante14.
Ademais, somente para citar o ano de 2023, houve uma série de jornadas e
importantes mobilizações da sociedade com muitos distúrbios nas cidades de vários
países. Em Israel, antes do conflito com o Hamas, o país foi sacudido por manifestações
contra a reforma do judiciário. Na França, a luta contra a reforma da previdência na
9
https://noticias.uol.com.br/colunas/jamilConforme CHADE, Jamil. Disponível em
chade/2023/10/09/mundo-vive-recorde-de-pessoas-afetadas-por-conflitos-e-diplomacia-fracassa.htm.
Acesso em 28 out. 2023.
10
Idem.
11
“Nós entramos na Terceira Guerra Mundial, só que ela é travada em pedaços, em capítulos”. Disponível
em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/617860-o-alarme-ignorado-do-papa-terceira-guerra-mundialem-andamento. Acesso em 18 nov. 2023.
12
Disponível
em
https://www.cnbb.org.br/wp-content/uploads/2023/10/Nota-Rezemos-pelapaz_11_10.pdf. Acesso em 28 out. 2023.
13
Disponível em https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-10/pizzaballa-temo-uma-gerra-muitolonga-10-outubro-2023.html. Acesso em 28 out. 2023.
14
Na ORAÇÃO PELA PAZ, na conclusão da Hora de Oração “Pacem in Terris”, proferida em 27 de outubro
de 2023, O Papa Francisco rogou à Maria: “Agora, Mãe, tomai mais uma vez a iniciativa; tomai-a por nós,
nestes tempos dilacerados pelos conflitos e devastados pelas armas. Voltai o vosso olhar de misericórdia
para a família humana, que perdeu a senda da paz, preferiu Caim a Abel e, tendo esquecido o sentido da
fraternidade, não readquire a atmosfera de casa. Intercedei pelo nosso mundo em perigo e tumulto. Ensinainos a acolher e cuidar da vida – de toda a vida humana! – e a repudiar a loucura da guerra, que semeia
morte
e
apaga
o
futuro”.
Disponível
em
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/prayers/documents/20231027-preghiera-pace.html. Acesso
em 28 out. 2023.
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França transformou a vida da população. Ao contrário de outras épocas, são tensões que
não se resolvem em dias ou semanas. Esses processos tendem a ocupar um tempo maior
na construção de soluções, carregando destruição e sofrimento para os povos.
Em uma América Latina com muitos problemas, tanto estruturais como
conjunturais, aproxima-se a possibilidade de uma tensão na fronteira entre a Venezuela e
a Guiana. Foi aprovado pela Assembleia Nacional da Venezuela, um referendo, marcado
para 3 de dezembro, que decidirá se a “Guiana Essequibo”, rica em petróleo, deveria ser
parte do Estado bolivariano. Essa disputa e o possível conflito arrasta-se desde o século
XIX15. E, como os dois países são vizinhos do Brasil, pode se transformar em um quadro
de insegurança há muito não verificado na região.
Vivenciamos momentos de fortes indefinições entre as disputas das forças
destrutivas e construtivas da humanidade. Guerras, rebeliões e conflitos que, no passado,
tinham curtas durações assumem uma situação de impasse e indefinição, estendendo seus
efeitos no tempo. São momentos em que as palavras “incerteza”, “destruição”,
“resistência” e “superação” estão marcadas em alto relevo na nossa história.
2.2.
Tendências da economia mundial
Conforme o último World Economic Outlook (WEO), do Fundo Monetário
Internacional (FMI)16, a economia global segue na direção de um reequilíbrio, mesmo
com resíduos da pandemia de Covid-19 e da guerra na Ucrânia. A recuperação da
economia chinesa com sua reabertura, embora gradual, é outro fator a se considerar. As
cadeias produtivas globais, desestruturadas na pandemia, já apresentam sinais de
recuperação, estabilizando os níveis de preços e restabelecendo o fornecimento dos elos
dessas cadeias.
A Política Monetária Contracionista (PMC), adotada pelos Bancos Centrais na
maioria das economias após a pandemia, em especial por pressões altistas presentes nos
preços, demonstra sinais de relaxamento, com a redução nas taxas de juros básicas.
As Tabelas 1 e 2 apresentam dados e previsões do PIB e da inflação na economia
global.
Conforme historiadores, “O litígio fronteiriço entre a Venezuela e a Guiana Inglesa, muito embora tenha
sido submetida a arbitragem de um tribunal arbitral composto em Paris, cuja decisão foi proferida aos 3 de
outubro de 1899, dando, praticamente, completo ganho de causa à Inglaterra, não pode ser considerado
findo, já que a Venezuela contesta, ainda hoje, seu resultado”, MENCK, José Theodoro Mascarenhas. A
questão do rio Pirara (1829-1904). Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, p. 325. Disponível em
https://funag.gov.br/loja/download/574-Questao_do_Rio_Pirara_1829-1904_A.pdf. Acesso em 28 out.
2023.
16
Disponível
em
https://www.imf.org/external/datamapper/NGDP_RPCH@WEO/OEMDC/ADVEC/WEOWORLD.
Acesso em 28 out. 2023.
15
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4
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Tabela 1: Taxa de Crescimento Econômico Global e
Regiões – 2022-2024
Região
2022
Global
3,5
Avançadas
2,7
Emergentes
4,0
Estados Unidos
2,1
Zona Euro
3,5
América Latina
3,9
África
3,9
Ásia
5,4
Fonte: FMI (Real GPD growth)
2023
3,0
1,5
4,0
1,8
0,9
1,9
3,5
2,5
2024
3,0
1,4
4,1
1,0
1,5
2,2
4,1
3,2
Tabela 2: Taxa de Inflação Global e Regiões – 2022-2024
Região
2022
2023
2024
Global
8,9
6,1
4,1
Avançadas
7,3
3,3
2,3
Emergentes
10,1
8,1
5,4
Fonte: FMI (Inflation rate)
As economias avançadas perderam um pouco do dinamismo no seu crescimento
econômico. Após crescimento de 3,5% em 2022, as estimativas para 2023 e 2024 são de
3,0% e 3,0%, respectivamente. Já nas economias emergentes, as estimativas são de
manutenção do crescimento observado em 2022 na casa de 4,0% para 2023 e 2024.
A inflação global tende a reduzir significativamente, de 8,9%, em 2022, para
4,1%, em 2024. A inflação nas economias avançadas poderá reduzir-se em três vezes, de
7,3%, em 2022, para 2,3%, em 2024. Nas economias emergentes, a redução deverá passar
de 10,1%, em 2022, para 5,4%, em 2024.
Embora a recuperação da economia seja pensada como um processo lento por
analistas, em 2023 alguns indicadores começam a superar as previsões e dão sinais
positivos em relação ao crescimento do PIB e à contenção da inflação. O documento
Carta de Conjuntura do IPEA17 indica que o quadro atual da economia mundial é de
inflação ainda elevada, mas em queda, taxas de desemprego baixas e crescimento do PIB
global de 2023 revisto para cima – de 2,8% em abril para 3,0% em julho.
A inflação mundial tem caído, em 2023, como pode ser visto no Gráfico 1.
Contribuiu para isso a queda nos preços de energia e alimentos. Conforme o World
No original: “the scarring impact of the pandemic; a slower pace of structural reforms, as well as the rising
threat of geoeconomics fragmentation leading to more trade tensions; less direct investment; and a slower
pace of innovation and technology adoption across fragmented blocs”.
17
Disponível em https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/. Acesso em 28 out. 2023.
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5
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Economic Outlook (WEO)18, as cadeias de suprimentos se recuperaram amplamente e os
custos de transporte e os prazos de entrega dos fornecedores voltaram aos níveis prépandêmicos. Veja-se o Gráfico 1:
Gráfico 1
6
2.3.
Efeitos da crise climática
As crises ambientais, mais claramente o aquecimento global, vão além das
previsões e já demonstram concretamente os seus riscos e perspectivas destrutivas. Calor
acima da média, incêndio em florestas, chuvas e alagamentos de proporções
extraordinárias são eventos que habitam o nosso cotidiano.
A comunidade científica, os organismos internacionais19 e os eventos dedicados
ao tema (Conferências Internacionais)20 vêm alertando há décadas sobre a gravidade dos
18
Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2023/07/10/world-economic-outlook-update-july-2023. Acesso em 28 out. 2023.
19
Como exemplo, a previsão da Organização Meteorológica Mundial (OMM) é de que 2023 será o ano
mais
quente
já
monitorado
pela
ciência.
Disponível
em
https://news.un.org/pt/story/2023/10/1822012#:~:text=A%20Administra%C3%A7%C3%A3o%20Nacion
al%20Oce%C3%A2nica%20e,de%20temperatura%20da%20superf%C3%ADcie%20oce%C3%A2nica.
Acesso em 18 nov. 2023.
20
Como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 ou Conferência das Partes
da UNFCCC, mais comumente referida como COP 28, que acontece de 30 de novembro até 12 de dezembro
em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Ela será o momento de concluir o primeiro balanço global de
implementação do Acordo de Paris, o chamado Global Stocktake. Este balanço terá seu primeiro ciclo
encerrado em 2023 e ocorrerá, a partir de agora, a cada 5 anos. A proposta deste balanço é avaliar o
progresso coletivo de todos os países nos esforços de mitigação, adaptação, financiamento e transferência
de tecnologia para o enfrentamento das mudanças climáticas. Em outras palavras, o balanço global tem o
objetivo de identificar se, e em que medida, o agregado de ações domésticas adotadas pelos países é
coerente com o alcance dos objetivos do Acordo de Paris e quais lacunas precisam ser preenchidas para
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problemas ambientais no planeta. Para além do aquecimento global, facilmente
identificado na atualidade, a cada ano eventos climáticos extremos se sucedem deixando
um alto número de vítimas e larga destruição ambiental.
Vários números poderiam explicitar de forma bem direta o tamanho dessa crise
socioambiental. Mas talvez, um deles demonstre a proporção do problema e seus desafios.
Os desastres relacionados com o clima causaram 43,1 milhões de deslocamentos internos
de crianças em 44 países durante um período de seis anos – ou aproximadamente, 20 mil
deslocamentos de crianças por dia – de acordo com uma nova análise do UNICEF
divulgada em outubro deste ano21. Para complicar, ao utilizar um modelo de risco de
deslocamento por desastres desenvolvido pelo Centro de Monitoramento de
Deslocamentos Internos, o relatório projeta que as enchentes ribeirinhas têm o potencial
de deslocar quase 96 milhões de crianças nos próximos 30 anos, com base em dados
climáticos atuais, enquanto os ventos ciclônicos e as tempestades têm o potencial de
deslocar 10,3 milhões e 7,2 milhões de crianças, respectivamente, no mesmo período 22.
Com eventos meteorológicos mais frequentes e mais severos como consequência das
mudanças climáticas, os números reais certamente serão mais elevados.
Essa tendência tem se confirmado cada vez mais em 2023, com o norte planetário
experimentando intensa onda de calor, como na China e nos Estados Unidos, em que
algumas regiões marcaram temperaturas de até 52°C. Incêndios florestais varreram
florestas e alcançaram as áreas urbanas em diversos países, como nos Estados
Unidos/Havaí e no Canadá. Os incêndios também marcaram a Europa. A Austrália, já na
parte austral, passou por terríveis incêndios. O continente africano foi palco de terremotos
e inundações. Fortes tempestades com rompimento de barragens causaram grande
destruição e mortandade na Líbia. Um ano de um clima extremo não pode ser atribuído
apenas ao acaso.
que o objetivo seja cumprido. Na Conferência de Dubai também se encerra o prazo para outro processo
muito importante que ocorre dentro do regime da ONU para o clima. Trata-se da definição de uma meta
global de adaptação às mudanças climáticas e de estratégias para alcançá-la. O tema é complexo, porque
abrange elementos como avaliação de impactos, vulnerabilidades, planejamento e monitoramento. Outro
dado relevante é a presença do Papa Francisco na cidade dos Emirados Árabes Unidos de 1º a 3 de dezembro
para participar da referida Conferência, onde fará o único discurso programado para o sábado, dia 2.
Também estão programados encontros bilaterais privados e a inauguração do pavilhão da Santa Sé na Expo
City. Programação disponível em https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-11/papa-franciscoprograma-oficial-viagem-dubai-cop28.html. Acesso em 18 nov. 2023.
21
UNICEF, Children displaced in a changing climate: “As inundações e as tempestades foram responsáveis
por 40,9 milhões – ou 95% – dos deslocamentos de crianças registrados entre 2016 e 2021, devido em parte
a melhores relatórios e a mais evacuações preventivas. Entretanto, as secas provocaram mais de 1,3 milhão
de deslocamentos internos de crianças – com a Somália novamente entre os países mais afetados, enquanto
os incêndios florestais provocaram 810 mil deslocamentos de crianças, com mais de um terço ocorrendo só
em 2020. Canadá, Israel e Estados Unidos foram os que registraram o maior número desses incêndios”.
Disponível
em
https://www.unicef.org/media/145951/file/Climate%20displacement%20report%20(English).pdf. Acesso
em 28 out. 2023.
22
Como a definição dos perigos considerados nas projeções é diferente da na análise histórica (2016-2021),
não é possível comparar diretamente os dois. As projeções também não incluem evacuações preventivas.
O UNICEF analisou dados do Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos (IDMC) para
determinar o histórico de deslocamentos de crianças ligados a desastres relacionados com o clima e projetou
o risco estimado de deslocamento de crianças no futuro utilizando o modelo de risco do IDMC.
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7
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No Brasil não foi diferente. O Nordeste brasileiro, com seus momentos de seca,
tem registrado índices recordes de chuva. Em 2022, 133 pessoas morreram por conta das
fortes chuvas, que assolaram todos os municípios que compõem a região metropolitana
do Recife. Os mortos, todos da periferia de cidades como Recife, Olinda e Jaboatão dos
Guararapes, são um reflexo das desigualdades estruturais23.
A região sul do Brasil também sofre com grande destruição causada por chuvas
intensas e ciclones, com mortes e centenas de desalojados decorrentes desses eventos
climáticos severos e cada vez mais intensos. Os meses de setembro, outubro e novembro
deste ano foram e permanecem marcados no Brasil pela chegada de ondas de calor intenso
cobrindo todo o país. Alertas de altas temperaturas foram emitidos em diversas capitais,
como Brasília, Rio de Janeiro e Manaus. As altas temperaturas do período já superam os
registros históricos, com severos riscos à saúde humana e à biodiversidade, aumento de
incêndios e sem muitas soluções a curto prazo. Não está fácil!
Veja-se a Figura 1, onde as manchas mais claras evidenciam temperaturas em
torno (ou acima) dos 40º graus em novembro de 2023, sem contar a sensação térmica:
Figura 1
8
Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 16/11/202324.
Na Amazônia, uma estiagem generalizada baixou drasticamente o nível dos rios
devido a dois fenômenos climáticos simultâneos: o aquecimento do Pacífico, conhecido
como El Niño, e o aquecimento do Atlântico Tropical Norte. No Amazonas, foi decretado
estado de emergência ambiental, por causa da seca severa em vários municípios e do
23
O dossiê popular feito em 2023 registra a experiência. Disponível em https://habitatbrasil.org.br/wpcontent/uploads/2022/11/apresentacao-UMA-TRAGEDIA-ANUNCIADA-1.pdf. Acesso em 28 out. 2023.
24
Disponível em https://www.gov.br/inpe/pt-br. Acesso em 18 nov. 2023.
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acúmulo de fumaça tóxica no ar de Manaus. Em função do El Niño, as florestas da região
ficam mais secas e mais propensas ao fogo, o que aumenta consideravelmente a
dificuldade de controle de focos de calor que podem se alastrar e se tornar incêndios
maiores, como vem acontecendo com cada vez mais frequência.
A “Casa Comum” grita por socorro e os efeitos da crise ambiental estão, a cada
dia, mais presentes na vida das populações. Em sua Carta Encíclica25 “Laudato Si”, o
Papa Francisco mencionou explicitamente a “Dívida Ecológica”26 gerada por fatos
ligados à crescente destruição do meio ambiente, e relaciona tal pecado 27 ao modelo
econômico que cultua o deus mercado, com sua lógica de acumulação sem escrúpulos, a
qualquer custo humano ou ecológico. Ele referiu-se à Natureza como “A Nossa Casa” e
dedicou capítulos específicos de sua Carta às questões como: a poluição e as mudanças
climáticas, a preservação das fontes de água, a perda da biodiversidade, a deterioração da
qualidade de vida humana, a degradação social e a desigualdade planetária.
Em face disso, mesmo no seio da Igreja há uma preocupante tendência de se
minimizar a crise climática global. A partir de alguns dados, supostamente científicos, ou
a partir do fato de que o planeta sempre teve e continuará a ter períodos de arrefecimento
e aquecimento, tentam ridicularizar quem fala de aquecimento global. Os que suscitam
tais argumentos desconhecem “o desequilíbrio global causado pelo aquecimento do
planeta”, uma realidade global – com variações locais constantes – que persistirá por
muitas décadas28.
2.4.
Dilemas políticos: autoritarismos e sociedades divididas
Estamos num período em que o neoliberalismo assumiu uma forma mais extrema,
fenômeno que os analistas denominam como “ultraneoliberalismo”29. Esse modelo
econômico-social/político, para garantir sua escalada de reprodução, ataca os direitos
25
http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papaDisponível
em
francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html. Acesso em 28 out. 2023.
26
Disponível em https://www.cadtm.org/spip.php?page=imprimer&id_article=12618. Acesso em 28 out.
2023.
27
Laudato Si’ (LS n.8): “Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus; quando
os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática, desnudando
a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas húmidas; quando os seres humanos
contaminam as águas, o solo, o ar... tudo isso é pecado”.
28
LD n. 6-8.
29
Ver MAURIEL, A.P.O; KILDUFF, F. SILVA, M.M. da; LIMA, R.S., (Orgs). Crise, ultraneoliberalismo
e desestruturação de direitos. Uberlândia: Navegando Publicações, 2020; MEDEIROS, Ana Hortência de
Azevedo. Ultraneoliberalismo X Bolsonarismo: inflexões sobre a política de assistência social nos dias
atuais. Comunicação no Seminário Internacional de Políticas Públicas, Intersetorialidade e Família (V
SIPINF). Disponível em https://editora.pucrs.br/anais/sipinf/assets/edicoes/2021/artigo/36.pdf. Acesso em
28 out. 2023; DEMIER, Felipe. “Burguesia e pandemia: notas de conjuntura sobre neofascismo e
ultraneoliberalismo no Brasil de Bolsonaro”. In: BRAVO, M. I. S.; MATOS, M. C.; FREIRE, S. M. F.
(Org.). Políticas sociais e ultraneoliberalismo. Uberlândia: Navegando Publicações, 2020.
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humanos30 e, para se justificar, utiliza o discurso do ódio 31, as fake news32 e o lawfare33.
Identifica inimigos a serem eliminados: imigrantes34, população LGBTQIA+35,
ambientalistas36, ativistas sociais etc. Nesse modelo, há casos em que se recorre à
instrumentalização das religiões e das igrejas. E, para se viabilizar, precisa enfraquecer
e/ou destruir as democracias37.
No cenário global, os ataques à democracia retornaram com novas roupagens, de
um antigo movimento da extrema direita do século 20, o fascismo38. Tal movimento
possui organização internacional e consegue, em muitos lugares, captar o sentimento
antissistema de populações desesperadas pela perda de direitos, pela violência e pela
exclusão social.
Em novembro de 2022, a Cidade do México recebeu a nova edição da Conferência
de Ação Política Conservadora (CPAC), que acontece desde 1974 nos Estados Unidos.
Entre as principais referências internacionais presentes estavam os estadunidenses Steve
30
Ver como exemplo o Relatório Mundial 2023 do Human Rights Watch. Disponível em
https://www.hrw.org/pt/world-report/2023. Acesso em 18 nov. 2023.
31
O discurso do ódio está vinculado à utilização de palavras “que tendem a insultar, intimidar ou assediar
pessoas em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião” ou ainda à sua
potencialidade ou “capacidade de instigar violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas”, cf.
BRUGGER, Winfried. Proibição ou proteção do discurso do ódio?: algumas observações sobre o direito
alemão e o americano. Direito Público, Porto Alegre, ano 4, n.15, p.117-136, jan./mar. 2007.
32
“Fake news são coisas inventadas, magistralmente manipuladas para parecerem notícias jornalísticas
críveis, que são facilmente espalhadas online”, cf. KLEIN, D. O.; WUELLER, J. R. Fake news: a legal
perspective. Internet Law 20 (10), 2017, pp. 5-13. Disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.
Acesso em 28 out. 2023. As “fake news” tornaram-se nos últimos anos uma espécie de chavão, uma
expressão usada de forma exagerada, muitas vezes como uma explicação rápida e fácil para os problemas
da sociedade atual. “Nesse sentido, consideramos (...) que as fake news não devem ser sobrevalorizadas e
tomadas como a causa única de experiências históricas complexas como o Brexit ou a eleição de Donald
Trump. Defender tal perspectiva seria desconsiderar todo o contexto atual de capitalismo digital, ignorar
uma série de especificidades culturais e oferecer uma visão reducionista que oculta as múltiplas razões que
tiveram papel relevante na conformação desses votos”, Cf. ALVES, Marco Antônio Sousa; MACIEL,
Emanuella Ribeiro Halfeld. O fenômeno das fake news: definição, combate e contexto. Disponível em
https://revista.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2020/02/o-fenomeno-das-fake-news-definicaocombate-e-contexto.pdf. Acesso em 28 out. 2023.
33
Para Streck, o lawfare é a “construção fraudulenta do raciocínio jurídico para perseguir fins politicamente
orientados”. Cf. STRECK, Lenio Luiz. Enciclopédia do golpe - Vol. 1. Bauru: Canal 6, 2017, p. 119.
34
Conforme o ACNUR, havia 108,4 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo no final de
2022 como resultado de perseguição, conflito, violência, violação de direitos humanos ou eventos que
perturbaram gravemente a ordem pública. Disponível em https://www.acnur.org/portugues/dados-sobrerefugio/#:~:text=108%2C4%20milh%C3%B5es%20de%20pessoas,perturbaram%20gravemente%20a%2
0ordem%20p%C3%BAblica.. Acesso em 18 nov. 2023.
35
Apenas para se avaliar as mortes deste universo em 2022, no Brasil ocorreram 273 mortes LGBT de
forma violenta no país. Dessas mortes 228 foram assassinatos, 30 suicídios e 15 outras causas, conforme o
“Dossiê
de
Mortes
e
Violências
contra
LGBTI+”.
Disponível
em
https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/dossie/mortes-lgbt-2022. Acesso em 28 nov. 2023.
36
O relatório anual da Global Witness informa que pelo menos 177 ativistas ambientais foram assassinados
em
2022
em
todo
o
mundo.
Disponível
em
file:///C:/Users/admin/Downloads/Global_Witness_Annual_Report_September_2022.pdffile:///C:/Users/a
dmin/Downloads/Global_Witness_Annual_Report_September_2022.pdf. Acesso em 18 nov. 2023.
37
Cf. LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
38
Adotamos aqui o uso do conceito de fascismo de forma genérica e não histórica. Ele é “genérico para
englobar a maior novidade política do século 20, um fenômeno de massas que engloba nacionalismo,
reacionarismo, autoritarismo e populismo, e não encontra antecedentes históricos. Tanto mais, que não
morre em 1945, mas se altera ciclicamente conforme migra no espaço-tempo”, cf. PAXTON, Robert. A
anatomia do Fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
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Bannon e Ted Cruz e o espanhol Santiago Abascal, além de representantes da direita
regional, como Eduardo Bolsonaro (Brasil), José Antonio Kast (Chile), Alejandro
Giammattei (Guatemala) e Javier Milei (Argentina), dentre outros.
Como exemplo dessa expressão política, na Argentina, Milei, um economista
ultraliberal, que se denomina “anarcocapitalista”39, prometeu acabar com a “casta
política”, reduzir o Estado ao mínimo, entregar ao capital privado a administração da
educação e da saúde, abolir o salário-mínimo, os sindicatos e as pensões, liberar a compra
e venda de armas e, sobretudo, resolver a inflação crônica com a dolarização da economia.
Ele disputou o segundo turno das eleições presidenciais argentinas40 com o candidato
Sérgio Massa41, em um clima de profundo desânimo da maioria do eleitorado. O
resultado, em 19 de novembro, com cerca de 10% (dez pontos percentuais) de vantagem
transformou Javier Milei no novo presidente de nosso país vizinho. Além de enfrentar a
pior crise econômica do país em décadas, ele deverá lidar com um Congresso Nacional
em que seu agrupamento político é minoria, com a desconfiança internacional e sua pouca
experiência administrativa.
O autoritarismo também se estende a territórios antes arejados. A Nicarágua vem
numa trajetória ascendente de autoritarismo e de ataques à democracia. Prende e expulsa
do país seus opositores. Recentemente, confiscou os bens da Universidade CentroAmericana – UCA, em Manágua, e expulsou os jesuítas de sua residência, de maneira
arbitrária. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, os últimos 5 anos
na Nicarágua, foram registradas a morte de pelo “menos 355 pessoas; mais de 2.000
pessoas feridas; 2.090 pessoas privadas de liberdade; 322 pessoas arbitrariamente
privadas de sua nacionalidade; e mais de 3.000 organizações que perderam a
personalidade jurídica. Além disso, 26 pessoas permanecem detidas arbitrariamente, de
acordo com dados de 31 de março de 2023” 42. Vários relatos e documentos comprovam
a perseguição a seguimentos da Igreja Católica e a profissionais da imprensa, destacandose, entre outros, o caso do jornalista Victor Ticay, que foi preso em 6 de abril por cobrir
uma procissão religiosa no município de Nandaime. Até hoje, três padres continuam
arbitrariamente privados de sua liberdade, entre eles Monsenhor Rolando Álvarez, bispo
de Matagalpa, condenado pelo crime de “traição” a 26 anos de prisão e privado de sua
nacionalidade e de seus direitos políticos.
Nessa conjuntura, os processos eleitorais, tão importantes na democracia
representativa, não estão conseguindo equacionar os conflitos e as sociedades seguem
divididas depois dos resultados das urnas. Eleições polarizadas e sociedades divididas
parecem indicar uma crise da democracia representativa 43. Ao lado da desigualdade
Esta expressão decorre de um pensamento que se configura como um pretenso modelo de sociedade “sem
Estado”. Por não romper com as relações autoritárias resultantes do modo de produção capitalista, o mesmo
não encerra a existência do Estado, atuando apenas sob a superfície do mesmo (o chamado ‘Estado
visível’)”, cf. OSORIO, Jaime. O Estado no centro da mundialização: a sociedade civil e o tema do poder.
São Paulo: Outras Expressões, 2014, p. 36.
40
Pelo partido “A Liberdade Avança”.
41
Pela coligação peronista “União pela Pátria”.
42
Disponível em https://www.oas.org/pt/cidh/jsForm/?File=/pt/cidh/prensa/notas/2023/067.asp. Acesso
em 28 out. 2023.
43
A crise da democracia representativa, além de não ser exclusividade brasileira, é tema bastante complexo,
composto por muitas variáveis. O cenário de instabilidade da política em democracias contemporâneas é
39
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social, que se alastra no planeta sob muitas formas e se reflete em precariedade das
condições de trabalho, fome, doenças, guerras e migrações forçadas dos pobres da terra,
as “condições sociais da democracia”44 se apresentam de forma turbulenta.
No caso dos países da América Latina, a recessão democrática da região, expressa
no baixo apoio que tem a democracia, o aumento da indiferença ao tipo de regime e por
uma preferência por modelos autoritários, evidenciados no último Informe
Latinobarómetro 202345, conta com três dimensões que podem explicar este quadro: (a)
crises econômicas em um cenário de desigualdades sociais, em que as demandas da
população ante os governos não se resolvem; (b) a crônica ineficiência das democracias
regionais em produzir, oferecer e proporcionar acesso aos bens públicos desejados pela
maior parte da população; e (c) um baixo desempenho dos governos eleitos, portanto dos
incumbentes, de promover soluções e atender às demandas.
Há, de forma cada vez mais evidente, uma espécie de “autoritarismo líquido”
distribuído independentemente da posição ideológica, seja de “direita”, de “esquerda” ou
de “centro”46. São traços de autoritarismo fragmentados e cirúrgicos, que têm
reflexo da própria experiência democrática. Uma cultura de participação e dever cívico não se cria por si
mesma. Há uma necessária responsabilização de cada um e de todos. Numa sociedade que engaja seus
membros na difícil, mas necessária tarefa de um cuidar do outro e de todos cuidarem da gestão dos assuntos
comuns, observam-se padrões de prudência e justiça, que, no entanto, não exigem pessoas muito
disciplinadas, mas apenas tenazes “cidadãos responsáveis”. Não se trata de sempre seguir regras, o desvio
da regra é algo natural em uma comunidade. O que se precisa é que esta concepção de responsabilidade
faça do “cidadão” uma base sob a qual se possa construir uma comunidade humana criativa e zelosa o
bastante para o enfrentamento dos desafios atuais. Nesse sentido, ver BAUMAN, Zygmunt. Vida em
fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 386.
44
A expressão é de Guillermo O’Donnell. A “qualidade da democracia” está associada ao problema (mais)
complexo se refere ao desenvolvimento humano e, por conseguinte, aos direitos sociais. Ver O’DONNELL,
Guillermo. Democracia, desenvolvimento humano e direitos humanos. REVISTA DEBATES, Porto Alegre,
v.7, n.1, p. 15-114, jan.-abr. 2013.
45
Em 2018, a satisfação com a democracia na América Latina atingiu o mínimo histórico de 24%,
recuperando quatro pontos percentuais e chegando a 28% em 2023. É a quarta medição consecutiva feita
pelo Latinobarómetro deste indicador (2017, 2018, 2020 e 2023) em que o resultado indica que menos de
um terço dos cidadãos latino-americanos estão satisfeitos com a democracia. Se acrescentarmos ao acima
exposto o fato de que, desde 2018 e até o fechamento do relatório de 2023, houve apenas alternâncias no
poder nas sucessões presidenciais (de um total de 19 há apenas uma exceção), parece claro que a região
assiste a um colapso na atuação dos governos. Repetidas vezes, em busca de soluções para os seus
problemas, os cidadãos vão às urnas votar nas alternativas oferecidas pela oposição aos governos, alertando
que o partido no poder não é capaz de avançar na resposta adequada às suas reivindicações. Talvez o
impacto mais óbvio da pandemia seja justamente esse, a confirmação da onda de alternâncias no poder, que
já havia começado anteriormente. As alternâncias de 2019, 2020, 2021 e 2022 dão conta da avaliação da
região sobre o desempenho dos governos diante da pandemia. Nenhuma, exceto no caso do Paraguai, cuja
eleição ocorre após o fim da pandemia, produz continuidade para o partido no poder. Ao mesmo tempo, a
insatisfação com a democracia aumentou em 2018 para um máximo histórico de 72% e depois sofreu uma
ligeira queda de três pontos percentuais em 2023, quando atingiu 69%. Pelo terceiro ano consecutivo, a
insatisfação não cedeu significativamente. Se o apoio à democracia é de 48% e a insatisfação é de 69%, há
mais insatisfeitos do que democratas. Além disso, quase não há democratas insatisfeitos: há democratas
insatisfeitos que são indiferentes ao tipo de regime político e aqueles que aceitariam o autoritarismo. Essas
pessoas insatisfeitas são o contingente mais aberto ao populismo e ao autoritarismo, 21% dos latinoamericanos,
um
em
cada
cinco.
Relatório
na
íntegra,
disponível
em
https://www.latinobarometro.org/lat.jsp. Acesso em 28 out. 2023.
46
Direita, esquerda e centro são conceitos difíceis, polissêmicos e muito polêmicos. Para fins deste texto,
adotamos esses conceitos a partir de BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda. Razões e Significados de
uma Distinção Política. São Paulo: Editora UNESP, 1995. Não encerramos, entretanto, a questão em sua
abordagem, apenas como ponto de partida. Nem o próprio Bobbio encerrou a distinção. São tipos ideais,
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destinatários específicos e podem ser capitaneados por diferentes agentes. Trata-se de
uma forma aperfeiçoada de autoritarismo, que atinge grupos ou pessoas segundo os
interesses de quem o pratica, além de ser mais flexível no plano político, convivendo com
institutos e medidas democráticas, mantendo, portanto, uma aparência de respeito às
instituições e ao Estado de direito. Na América Latina, por exemplo, não é raro que um
mesmo tribunal produza decisões de acordo com os limites constitucionais – e até
ampliativas de direito – e medidas de exceção. Nesse paradigma de autoritarismo líquido,
a convivência entre estruturas autoritárias e democráticas em um mesmo sistema, ambas
tendo caráter estrutural, gera uma complexidade que torna o fenômeno de difícil
percepção. Isso porque não se trata de mera disfunção de um Estado democrático em
pleno funcionamento, o que seria natural. Trata-se de uma patologia instalada, capaz de
obter uma eficácia autoritária sem o ônus de um governo declaradamente autoritário47.
Em todos os cantos, quase sempre, o que se percebe é a falta de um projeto de
sociedade que tenha o poder de encantar, gerar esperança e coesão social, ao invés do
caldo a que estamos submetidos, que produz mais medos e inseguranças, principalmente
nos setores médios da população. Há uma crescente presença, nos debates, dos temas
morais, muitas vezes reduzidos apenas a uma moral “da cintura para baixo” 48. As religiões
ocupam um lugar mais central nos debates eleitorais. Ao lado dessas tendências,
reintegra-se com força no espaço público as diversas formas de “identitarismo”. Ao
transformar, no campo social, político, cultural, das religiões, das comunicações e das
comunidades, as “identidades” em “identitarismo”49, muitas vezes, as práticas se
aproximam do sectarismo.
Os desafios da democracia, nesses cenários contemporâneos que enfrentam
muitas formas de autoritarismos em sociedades ainda dividas, sob diferentes
que não correspondem à totalidade do real, mas podem ajudar a levantar inquietações e contribuições, assim
como Bobbio o fez.
47
Cf. SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Autoritarismo Líquido e as Novas Modalidades de Prática
de Exceção no Século XXI. Revista Themis, Fortaleza, v. 18, n. 1, p. 197-223, jan./jul. 2020.
48
Essa expressão (“moral da cintura para baixo”) é do Papa Francisco: “Os pregadores correm um grande
risco, que é o de caírem na mediocridade. De apenas condenarem a moral – desculpe a expressão – ‘da
cintura para baixo’. No entanto, os outros pecados, que são os mais graves - o ódio, a inveja, o orgulho, a
vaidade, matar o outro, tirar a vida -, desses já não se fala tanto (...) És um bom católico? Então passa-me
um cheque.”. Cf. WOLTON, Dominique. Papa Francisco: um futuro de fé – uma conversa franca com o
sociólogo Dominique Wolton. Rio de Janeiro: Petra Editora, 2018.
49
“Adotamos a expressão ‘identitarismo’ para descrever aquelas posições doutrinárias que enaltecem as
‘identidades’. Se isso vem pela direita, são alimentadas pelo nacionalismo e pelas religiões, em especial as
religiões de maiorias. Quando o tema vem pelas “esquerdas”, são as de minorias recortadas não só
positivamente, mas de maneira mais presente pelas tentativas de reconhecimento e defesa. A partir deste
caldo, muitos setores, inclusive das religiões, têm construído uma política de exclusão e antagonismo, que
impede o diálogo e a superação das divergências (...). É fato que todos os governos são influenciados por
grupos e pautas identitárias. No passado, armamentismo, temas dos setores neopentecostais (como a
mudança da Embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém, em Israel), e tantos outros, exerciam
influência e tensão pública, mesmo não se constituindo em maiorias na definição das decisões políticas. No
atual contexto, muito provavelmente a lógica é a mesma, apenas com a mudança dos atores e grupos de
pressão com seus termos próprios e identitários. Ora, se é certo que esses grupos continuarão a produzir e
a exercer influência, há que se debater a relação entre estas políticas e as demandas gerais da sociedade,
sempre em vista do bem comum”. Ver a Análise de Conjuntura de Abril de 2023, denominada de “Os
grandes desafios para a sociedade brasileira”,
disponível em https://www.cnbb.org.br/wpcontent/uploads/2023/04/OS-GRANDES-DESAFIOS-PARA-A-SOCIEDADE-BRASILEIRA-230414191806.pdf. Acesso em 28 de outubro de 2023.
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circunstâncias e alianças políticas, permitem imaginar que a sua superação exige um
duplo esforço: (a) as necessidades essenciais dos mais vulneráveis, já conhecidas por
quase todos, devem ser solucionadas de forma consequente; e (b) as novas demandas da
humanidade, como o equilíbrio climático ou as respostas às pandemias, como foi a da
COVID-19, vão exigir maiores recursos públicos, o que exigirão melhores soluções. As
formas, às vezes frustrantes e raramente lineares, por meio das quais a democracia
trabalha – mas somente quando trabalha bem – devem oferecer às democracias maior
democratização. A ideia é consolidar uma “democracia de alta intensidade”. Para superar
a concepção hegemônica – democracia liberal – é necessário repensar os conceitos
estabelecidos e ressignificá-los; é necessário reinventar a emancipação social elaborando
novas formas de participação democrática que realmente atendam aos reais anseios dos
cidadãos. Uma democracia de alta intensidade é aquela que contempla os diferentes
grupos de uma sociedade, atribuindo-lhes direitos iguais de representação e participação
na busca de uma sociedade mais justa e equilibrada, isto é, mais democrática 50.
Não à toa, diante dessa quadra, em sua Carta Encíclica Fratelli Tutti51, o Papa
Francisco tem insistido em um modelo de fraternidade, baseado na “amizade social” e no
“amor político”, tendo o diálogo como caminho necessário para a cultura do encontro 52.
2.5.
A importância do Papa Francisco nesse contexto
Em um mundo carente de projetos globais como referência para a humanidade
construir um caminho de justiça social e paz, a voz profética do Papa Francisco tem
ganhado importância singular. De maneira vigorosa, tem afirmado que não há democracia
com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade, nem planeta
sem Criação. Assim, a partir de documentos e ações/testemunhos exemplares, o Papa vem
dialogando sobre a ecologia integral, uma nova economia e política, o cuidado com os
imigrantes e com os pobres da terra, a paz e a necessidade de superar as guerras, dentre
tantos outros temas imprescindíveis para os nossos tempos e ante os seus sinais.
Esse conjunto de mensagens do Papa Francisco não é um programa político. É
uma teologia53, com propósito de evangelização básica. E, diante do desafio da missão da
Igreja, estão presentes em seu pastoreio, como fonte e inspiração, numa fidelidade criativa
à Tradição, fronteiras e periferias que são “o” lugar teológico vivo, a serviço do bem-
50
Ver SANTOS, Boaventura de Souza. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia
participativa. Edições Afrontamento: Lisboa, 2003.
51
Disponível
em
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papafrancesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html. Acesso em 28 out. 2023.
52
Fratelli Tutti (FT), n. 13-14.
53
Em seus documentos, discursos, homilias e até gestos há uma teologia e um método teológico mais ou
menos explícito e elaborado. E isso tem sido tematizado, problematizado e explicitado em várias
publicações. Veja-se a coleção A teologia do Papa Francisco, organizada pelo italiano Roberto Repole,
traduzida e publicada pelas Edições CNBB (11 volumes), e a coleção Teologia do Papa Francisco,
publicada por Paulinas (11 volumes). Para não falar das inúmeras publicações em livros e revistas que
abordam os mais diversos problemas e temas teológico-pastorais no magistério de Francisco. Para uma
leitura mais sistemática, ver AQUINO JÚNIOR, Francisco de. Francisco e o quefazer teológico. ATeo, Rio
de Janeiro, v.27, n.71, p. 50-62, jan./jun. 2023.
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viver54 e da vida boa, com sabor e saber, em “diálogo com o mundo, com a cultura, atenta
aos problemas do tempo”55.
São fundamentais para incorporar na análise da realidade e das conjunturas,
especialmente nossos pontos cegos56, em torno da superação das exclusões, pois
“ninguém pode ser excluído”57. Devem, por isso, ser assegurados os “direitos humanos,
pessoais e sociais, econômicos e políticos, incluindo os direitos das nações e povos” 58,
em um sistema político e econômico em que a democracia não seja somente nominal, mas
sim estruturada sob “a lógica do bem-comum, em um chamado à solidariedade e a uma
opção preferencial pelos pobres”59.
Se as mensagens de Francisco são referências para todo o mundo,
independentemente de credo e de posição política, ainda mais o são no seio de sua Igreja,
feita por discípulos, homens e mulheres, em fraterna proximidade e compaixão 60,
partícipes do “próprio coração do Evangelho”, tanto na “vida comunitária” como no
“compromisso com os outros”, (...) “cujo centro é a caridade”61.
Papa Francisco: “Saber mover-se em harmonia é o que dá a sabedoria que chamamos de viver bem. A
harmonia entre uma pessoa e sua comunidade, a harmonia entre uma pessoa e o ambiente, a harmonia entre
uma pessoa e toda a criação. As feridas contra esta harmonia são as que estamos vendo evidentemente, que
destroem os povos”. Disponível em https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-02/papa-franciscopovos-indigenas-fida-estilos-vida-consumo-crise.html. Acesso em 23 out. 2023
55
FRANCISCO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos membros da direção da Revista Teológica “La
Scuola
Cattólica”.
17
de
junho
de
2022.
Disponível
em
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2022/june/documents/20220617-rivistascuolacattolica.html. Acesso em 28 out. 2023.
56
Denominamos “pontos cegos” aqueles discursos e aquelas descrições que não estão elevadas à categoria
de discurso nem de análise. Como nos provoca José Saramago (1922-2010), estamos cegos, transformandose e virando-se uns contra os outros. No seu “Ensaio sobre a cegueira” a cidade vai se transformando num
caos de destruição humana, onde cada cego luta pela sua sobrevivência, entregando-se de tal forma ao
desespero que acabam por abandonar qualquer traço de humanidade: “Penso que não cegamos, penso que
estamos cegos. Cegos que veem. Cegos que vendo, não veem” (Cf. SARAMAGO, José. Ensaio sobre a
cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 310). Não é uma apenas uma ausência. E sim a soma
de ausências em forma de excrescências (Ver AUTHIER-REVUZ, Jaqueline. Palavras Incertas: as não
coincidências do dizer. Campinas: Editora da Unicamp, 1998.). As análises são feitas, na maioria das vezes,
mais de pontos cegos que de realidades. E tais silêncios cegos nos explicam.
57
FT, n. 121: “Por conseguinte, ninguém pode ser excluído; não importa onde ele tenha nascido, e menos
ainda contam os privilégios que outros possam ter porque nasceram em lugares com maiores possibilidades.
Os confins e as fronteiras dos Estados não podem impedir que isso se cumpra. Assim como é inaceitável
que uma pessoa tenha menos direitos pelo simples fato de ser mulher, de igual modo é inaceitável que o
local de nascimento ou de residência determine, de per si, menores oportunidades de vida digna e de
desenvolvimento”. Grifamos.
58
FT, n. 122: “O desenvolvimento não deve orientar-se para a acumulação sempre maior de poucos, mas
há de assegurar os “direitos humanos, pessoais e sociais, econômicos e políticos, incluindo os direitos
das nações e povos”. O direito de alguns à liberdade de empresa ou de mercado não pode estar acima dos
direitos dos povos e da dignidade dos pobres, nem acima do respeito pelo ambiente, pois “quem possui uma
parte é apenas para administrar em benefício de todos”. Grifamos.
59
Discurso do Papa Francisco, aos Juízes Do Continente Americano Reunidos Em Congresso No Vaticano
Casina Pio IV, em 4 de junho de 2019: “Um sistema político-econômico, para seu desenvolvimento
saudável, necessita garantir que a democracia não seja somente nominal, mas sim que possa se ver
moldada em ações concretas que velem pela dignidade de todos os seus habitantes sob a lógica do bemcomum, em um chamado à solidariedade e uma opção preferencial pelos pobres (cf. Carta
Encíclica Laudato
Si’,
158)”.
Grifamos.
Disponível
em
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/june/documents/papafrancesco_20190604_giudici-panamericani.html. Acesso em 28 out. 2023. Grifamos.
60
Jo 13, 35.
61
Evangelii Gaudium (EG), n. 177.
54
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3.
Brasil, 2023
3.1.
A democracia brasileira
A tentativa de golpe, em 8 de janeiro de 2023, foi um evento profundamente
preocupante na história recente do Brasil. Este episódio ressalta a fragilidade da
democracia no país. O recrudescimento de setores da extrema-direita, o avanço do
populismo de direita, a renitente polarização social e política, a presença de grupos
antidemocráticos nas Forças Armadas e nas polícias, a manipulação religiosa agregada a
interesses ideológicos e políticos, a constância das desinformações e o papel das redes
sociais na difusão de discursos de ódio e antidemocráticos, evidenciam que as instituições
democráticas ainda enfrentam desafios significativos. Não se deve esquecer que houve
ainda a leniência com os acampamentos em frente ao Quartel-General do Exército em
Brasília e em outros estados, organizados desde 2022, e o apagão da segurança da Praça
dos Três Poderes.
Uma questão inadiável para a retomada da democracia em bases sólidas é a
apuração e responsabilização de todos os envolvidos, observado o devido processo legal,
dos crimes cometidos contra a Constituição e o país na tentativa de golpe de Estado, que
culminaram com os ataques aos prédios dos três poderes ocorridos em 8 de janeiro. Esses
processos têm contado com uma forte atuação do Supremo Tribunal Federal, do
Ministério Público Federal e do Ministério da Justiça, por meio da Polícia Federal.
Mesmo com algumas condenações, nos últimos meses, ainda falta muito. O núcleo até
então submetido à lei e à Justiça ainda é formado pelos vândalos do 8 de janeiro. Faltam
os núcleos empresarial, financeiro, político e de comunicação social. E, também,
investigar, e, se for o caso, processar o setor das Forças Armadas envolvido.
O papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal desde o início do último
processo eleitoral e as respostas ágeis às tentativas antidemocráticas devem ser
destacados num cenário de grandes disputas pelo poder.
É importante reconhecer a resiliência da extrema-direita no Brasil. Os grupos
bolsonaristas, com sua ideologia radical, representam uma ameaça persistente à
estabilidade democrática. Uma das mais eficazes estratégicas utilizadas pelos setores da
extrema-direita, não somente no Brasil, é a disseminação de informações falsas, o
populismo de viés personalista e autoritário e a retórica inflamada, baseada na ideia de
uma “guerra cultural”62, que continuam sendo ferramentas que tais grupos utilizam para
minar a confiança nas instituições democráticas e criar divisões na sociedade.
62
A origem do termo “guerra cultural” é controversa. Foi nos Estados Unidos, no entanto, que a expressão
se tornou popularizada, através de James Davison Hunter, em 1991 (HUNTER, J. D. Culture Wars: the
struggle to define America., New York: Basic Books, 1991). Trata-se da descrição do embate entre duas
visões de mundo antagônicas, uma conservadora (também chamada de ortodoxa ou tradicionalista),
associada à direita política, e outra progressista, relacionada, predominantemente, às esquerdas, mas não
só. A guerra cultural traz em seu bojo problemas de ordem social e moral que dizem respeito, por exemplo,
à sexualidade, ao comportamento, à raça, à religiosidade, implicando ainda questões políticas e econômicas.
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Há uma polarização e um radicalização social, em que se insiste no descaso e
pouco compromisso com as instituições, os partidos, a política e os políticos. Tanto no
campo da direita como no da esquerda, as demandas desaguaram em ressentimentos. Por
sua parte, o vazio social e o ceticismo adubaram um terreno já fértil para a ascensão de
pretensos outsiders, políticos autoritários, oportunistas e populistas, que se dizem acima
e além dos demais dirigentes, apesar de compartilharem o mesmo jogo político e viverem
dele. Como não conseguem produzir consensos mais amplos na sociedade civil, apostam,
seguindo as lições dos outros governos emergentes, no conflito e na divisão63.
Para enfrentar esse quadro é crucial fortalecer a educação cidadã, promover o
pensamento crítico e combater a desinformação. Além disso, é essencial que as lideranças
políticas e a sociedade civil trabalhem juntas para promover o diálogo, construir pontes
entre diferentes grupos e encontrar soluções para as divisões que permeiam a sociedade
brasileira. A educação cidadã também capacita os cidadãos a compreenderem seus
direitos e deveres, promovendo, assim, uma cultura de respeito às diversidades e às
instituições democráticas. Em sintonia e simultaneamente à estratégia de educação
cidadã, conceber e executar estratégias de curto prazo é urgente. Diálogo pressupõe
comunicação. Comunicar-se através de meios de amplo acesso nas redes sociais e com
linguagem acessível e empática, que considere as particularidades das juventudes, das
pessoas periféricas, das mães solo, dos trabalhadores formais e informais, das classes
médias, das pessoas idosas, das famílias, dos povos das florestas, dos campos e das
águas... Incluir sempre, excluir jamais.
Num cenário de arranjos políticos e institucionais que visam à governabilidade
não se pode descartar os riscos de uma crise institucional, caracterizada pelo atrito
contínuo entre os três poderes da República, pelas ameaças de grupos autoritários, pela
dubiedade das Forças Armadas em relação aos setores golpistas que ainda habitam em
seu interior e pelo fortalecimento de grupos de interesses antidemocráticos (privatistas,
extremistas, fundamentalistas, dentre outros) no Congresso Nacional. Esses
tensionamentos constantes minam a estabilidade política e dificultam a tomada de
decisões importantes para o país.
A superação desses desafios requer um esforço conjunto de todos os setores da
sociedade brasileira, para além do Governo central. É preciso um comprometimento
social e institucional, inclusive das Igrejas, reafirmando apoio aos valores democráticos,
à defesa da vida desde a sua concepção até o seu declínio natural, à ecologia integral, à
justiça social e à igualdade, para construir um futuro mais estável e inclusivo para o país.
É fundamental fortalecer as instituições democráticas, promovendo transparência,
responsabilidade e participação cívica. O combate à corrupção em todos os níveis deve
ser permanente. Além disso, é preciso fomentar um diálogo construtivo entre os poderes
da República, incentivando a colaboração em prol do bem comum64.
63
Cf. SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras,
2019, p. 189.
64
A Doutrina Social da Igreja ensina que todos têm direito de fruir das condições da vida social, mas isso
não ocorre porque a repartição dos bens não se dá pelas normas do bem comum e da justiça social. Assim
ensinava Pio XI, em 1931: “(...) Hoje, porém, à vista do clamoroso contraste entre o pequeno número dos
ultra-ricos e a multidão inumerável dos pobres, não há homem prudente que não reconheça os gravíssimos
inconvenientes da atual repartição da riqueza” (cf. PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ,
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Somente por meio desses esforços conjuntos, dos vários atores sociais que
mantêm credibilidade e respeito junto à opinião pública, será possível fortalecer a
democracia brasileira e garantir um futuro político mais estável e promissor para as
gerações atual e futuras. Sabe-se que a democracia depende de instituições estatais que
funcionem bem e de uma sociedade civil organizada. A organização e mobilização da
sociedade civil fortalece a democracia. Nesse sentido, é interessante verificar indícios de
retomadas de lutas dos trabalhadores, estudantes e suas organizações. Desde o início do
ano, já tínhamos presenciado as mobilizações indígenas que culminaram nos
acampamentos “terra livre”65 e na Marcha das Margaridas66, em Brasília, que muito bem
representam as lutas dos movimentos sociais. Em outubro, a greve do transporte e dos
serviços de águas de São Paulo, dos estudantes e professores da USP, podem indicar a
retomada das mobilizações por questões salariais e gerais, como a luta contra as
privatizações e por melhoria da qualidade da educação.
Em novembro, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou uma
grande manifestação em Brasília em busca reparação e efetivação dos direitos e políticas
de proteção social para os atingidos por parte do Estado brasileiro67. Ainda em novembro,
setores sindicais e associações ligadas ao serviço público federal iniciaram mobilizações
Compêndio da Doutrina Social da Igreja. 7. ed. São Paulo: Paulinas, 2018, n.167). A responsabilidade de
buscar e realizar o desenvolvimento do bem comum não compete apenas às pessoas enquanto indivíduos,
mas também ao Estado, pois o bem comum é a razão de ser da autoridade política. O Estado deve garantir
coesão, unidade e organização à sociedade civil de que é expressão, de modo que o bem comum possa ser
conseguido com o contributo de todos os cidadãos. É tarefa do Estado harmonizar a justiça com os diversos
interesses setoriais, ou seja, a correta conciliação dos bens particulares de grupos e de indivíduos é uma das
funções mais delicadas do poder público. Por ser um Estado democrático – o qual é representante da
vontade da maioria –, ele tem a responsabilidade de interpretar o bem comum do País não só segundo as
orientações da maioria, mas também na perspectiva do bem efetivo de todos os membros da comunidade
civil, inclusive os que estão em posição de minoria (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2018,
n.168). Sendo assim, na perspectiva da fé na Páscoa de Jesus, a Doutrina Social da Igreja ensina que o bem
comum para o qual está orientada a sociedade não pode ser identificado com uma visão puramente histórica
e materialista, que acabaria por transformá-lo em simples bem-estar econômico. A história humana, ensina
o Compêndio, “o esforço pessoal e coletivo de elevar a condição humana – começa e culmina em Jesus:
graças a Ele, por meio d’Ele e em vista d’Ele, toda a realidade, inclusa a sociedade humana, pode ser
conduzida ao seu Bem Sumo, à sua plena realização” (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ,
2018, n.170). Vale também ressaltar a encíclica Caritas in veritate, do Papa Emérito Bento XVI,
considerada a magna charta para enfrentar o verdadeiro desafio do século XXI: elaborar um novo modelo
de desenvolvimento mundial baseado num humanismo novo que leve os povos da Terra a viver unidos no
respeito pela diversidade, cf. BOARETO, José Antonio. O bem comum a partir da Doutrina Social da
Igreja. Caderno Fé e Cultura, Campinas, v.4, n. 2, p. 85-93, 2019.
65
Em abril de 2023 aconteceu o 19º Acampamento Terra Livre, coordenado pela Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil – APIB. O ATL é a grande mobilização nacional do movimento indígena, realizada
todo ano, a partir de 2004, para tornar visível a situação dos direitos indígenas e reivindicar do Estado
Brasileiro o atendimento das suas demandas e reivindicações.
66
Realizada sempre em agosto para revivificar o mês em que Margarida Alves foi assassinada, a Marcha
das Margaridas coloca milhares de mulheres do campo, da floresta e das águas vindas de todo o Brasil em
marcha nas avenidas de Brasília. Em 2023 ocorreu entre 15 e 16 de agosto, com a presença de cerca de 100
mil participantes.
67
Cerca de 2.500 atingidos e atingidas de todas as regiões do país participaram de atos, assembleias e
reuniões para apresentar suas pautas para a população em geral e para diferentes órgãos do executivo e do
legislativo. No dia 14 de novembro, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 2788/2019, que cria a
Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens (PNAB). A vitória é resultado da luta de mais
de 30 anos do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Os dados estão disponíveis em
https://mab.org.br/2023/11/03/atingidos-por-barragens-fazem-jornada-de-lutas-em-brasilia/. Acesso em 18
nov. 2023.
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em decorrência da dificuldade do governo em oferecer propostas que atendam às
demandas de reestruturação de carreiras e reajustes salariais. As categorias mobilizadas
incluem tanto servidores de órgãos econômicos, como o Banco Central (BC) e a Receita
Federal, quanto da segurança pública, com movimentações entre funcionários da Polícia
Federal (PF).
3.2.
A reestruturação do Estado e a construção de um governo de frente ampla
A formação de um governo de coalizão e de frente ampla (ou de frente amplíssima,
se considerarmos as recentes adesões de partidos políticos mais próximos do Centrão),
liderado pelo presidente Lula é uma tentativa de unir diferentes forças políticas para
preservar a democracia e proteger as instituições contra futuras tentativas
antidemocráticas, num esforço para promover a estabilidade política e fortalecer os
valores democráticos, reunindo distintas visões políticas.
É preciso reconhecer nesse novo cenário o fortalecimento do Congresso Nacional,
de viés conservador e, desde as últimas eleições, formado por vários grupos de interesse.
Mais recentemente, através das emendas impositivas ao orçamento, o Congresso tem
representado um desafio significativo para a governabilidade no Brasil. Essas emendas,
que obrigam o governo a destinar recursos para projetos específicos indicados pelos
parlamentares, são, muitas vezes, utilizadas como moeda de troca para garantir apoio
político e interesses não necessariamente republicanos. Embora tenham o potencial de
promover o desenvolvimento local, quando utilizadas de forma inadequada, podem
comprometer a eficiência dos gastos públicos e criar situações de chantagem política.
Ao longo da última década, o Congresso Nacional tem assumido um protagonismo
para além do histórico modelo do regime presidencialista brasileiro. Entre os principais
instrumentos utilizados estão as emendas parlamentares, que garantem ao Congresso um
poder inédito sobre as verbas do Orçamento da União. A projeção para 2023 é que os
congressistas comandem 30% dos gastos livres federais, ou cerca de 21,2 bilhões de reais.
Com isso, cada um dos 513 deputados terão o poder de direcionar ao menos 32 milhões
de reais do orçamento para seus redutos eleitorais68. Já os 81 senadores, poderão usar 59
milhões de reais. Entretanto, a aplicação desses recursos segue com falta de transparência
e indícios de corrupção.
Em outro campo, mas ainda com diversas e estreitas relações com a política, o
Supremo Tribunal Federal (STF) tem crescido em sua presença institucional nos últimos
anos. Como espaço de proposição ou contenção, é constantemente chamado pela
sociedade para manifestar julgamentos cujo objeto final almejado é justamente uma
decisão que surta efeitos eminentemente políticos e que tenha a faculdade de interferir na
seara de atuação dos demais poderes estatais. São inúmeros os exemplos desta atuação
do STF, muitas vezes sob o manto da função interpretativa da norma constitucional, que
lhe foi originariamente delegada pela Constituição.
68
O presidente Câmara, Arthur Lira, defende o protagonismo e o comando dos 30% do orçamento, alegando
que os gastos livres federais têm uma explicação: “Os parlamentares conhecem melhor o País”. Fonte: Blog
Roberto Moreira. Disponível em https://www.blogrobertomoreira.com/p/historia.html. Acesso em 28 out.
2023.
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19
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Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, no período pósredemocratização, o Supremo Tribunal Federal revestiu-se, forçosamente, é verdade, da
função de controlar os atos dos poderes Executivo e Legislativo, interferindo em suas
esferas de poder e atuando, em última instância, como poder político. Este chamamento
por parte da própria sociedade, por meio de recursos em ações individuais, ou dos
representantes legitimados pela Constituição para proporem ações diretas no STF, se dá,
em verdade, desde antes da redemocratização. Há muito que a sociedade brasileira clama
por um posicionamento político do Supremo Tribunal e um enfrentamento das questões
colocadas sob sua deliberação ao invés da simples análise da questão constitucional 69. E
ver-se-á que o tribunal não assumiu este papel facilmente. Os ministros foram forçados a
julgar inúmeras vezes uma mesma questão por força de interposição de incontáveis
recursos que protestavam pela releitura do posicionamento e do próprio papel do STF. A
sociedade questionou a função do STF ao longo da história do país e foi após a
Constituição de 1988 que ele se tornou – e se reconheceu – como um órgão independente
e capaz de decidir aquelas questões não resolvidas na instância das instituições
majoritárias, que, muitas vezes em descrédito, se omitiram. O Supremo Tribunal Federal
aproximou-se da população, e tornou-se instância essencial para a resolução das questões
mais relevantes – e polêmicas – da sociedade, na condição de oferecer dois papéis
distintos. Um é o contramajoritário, quando invalida atos dos outros Poderes em nome da
Constituição. O outro é o representativo, quando, em certas circunstâncias, atende às
demandas sociais que ficam paralisadas no Congresso.
As indicações para a vaga remanescente junto ao STF por ocasião da
aposentadoria da Ministra Rosa Weber, como também da vaga aberta para a nomeação do
novo Procurador-Geral da República (PGR), estão na pauta política do país, tanto como
definição de próprio chefe do Poder Executivo, como no embate que, provavelmente, a
sociedade e o Congresso irão produzir pela importância dos papéis de cada uma das
instituições na democracia brasileira.
3.3.
A reinserção do Brasil na geopolítica global
Na abertura da 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU),
o presidente Lula apresentou um pronunciamento pela defesa de um novo protagonismo
dos países emergentes. Conseguiu pontuar os grandes temas globais, sinalizando para a
busca de paz como instrumento que deve nortear a organização e sua reformulação.
Não é sem razão que Lenio Streck denuncia os sintomas e as consequências de um duplo polo: “Tudo
começou com o ativismo e a judicialização da política... para chegar ao ápice: a politização da justiça”.
Disponível em http://www.conjur.com.br/2017-jun-29/senso-incomum-check-list-21-razoes-pelas-quaisestamos-estado-excecao. Acesso em 22 out. 2023. Marcelo Neves trata da “acentuada interpenetração entre
os sistemas jurídico e político”. Ver NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã. São Paulo: Martins Fontes,
2006. O sistema jurídico se reproduz a partir da codificação lícito/ilícito e de seus elementos (Constituição,
leis, jurisprudência etc.). Já o sistema político – cuja definição poderia ser dada como “a esfera de decisão
coletivamente vinculante” – vale-se do código governo/oposição e dos seus programas (procedimentos
eleitorais, parlamentares, burocráticos etc.), cf. p. 86. A interferência do direito na política e vice-versa é
tal que um põe à disposição do outro a própria complexidade para ajudar na autoconstrução do sistema
alheio. Isso resulta em “uma necessidade recíproca de seleção e estruturação da complexidade penetrante”,
cf. p. 92.
69
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Principalmente o seu Conselho de Segurança, que o país presidiu temporariamente em
outubro, e que tem desafios imensos, como proporcionar uma alternativa para solucionar
as guerras e os conflitos já explicitados.
No campo da diplomacia, aliás, é importante destacar que os governos brasileiros,
historicamente, adotaram uma abordagem multilateral na política externa, buscando uma
maior cooperação com outros países do Sul Global e da América Latina, além de
participar ativamente em fóruns e organizações internacionais. Essa tentativa está
sintetizada no slogan “o Brasil voltou”, ofertado pelo governo federal e bem recebido pela
mídia internacional e pela opinião pública de vários países. Nas relações bilaterais com
os EUA e China, por exemplo, o país tem adotado uma postura altiva, buscando uma
política externa equilibrada e tentando manter relações comerciais sólidas com ambas as
nações.
Até outubro de 2023, o atual presidente visitou a Argentina (22/01), o Uruguai
(25/01), os Estados Unidos (09/02), a China (11/04), os Emirados Árabes (15/04),
Portugal (21/04), a Espanha (25/04), o Reino Unido (05/05), o Japão (17/05), a Itália
(20/06), de novo a Argentina (03/07), a Colômbia (08/07), a Bélgica (16/07), Cabo Verde
(19/07), o Paraguai (14/08), a África do Sul (22/08), Angola (25/08), São Tomé e Príncipe
(27/08), a Índia (09/09), Cuba (12/09) e, mais uma vez, os Estados Unidos (15/09). Houve
sessões de trabalho no G7 (Grupo dos Sete, dos países mais industrializados do mundo),
no G20 (Grupo dos Vinte, fórum de cooperação econômica internacional, com 19 países
mais a União Europeia, e que representam 85% do Produto Interno Bruto global, em que
o Brasil responderá pela presidência70), no Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e
Paraguai – também com o Brasil na presidência), nos BRICS (mecanismo internacional
de cooperação entre os cinco países: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que teve
recente adesão de Arábia Saudita, a Argentina, o Egito, os Emirados Árabes, a Etiópia e
o Irã, e contando com muitos outros na fila), na Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP), nas Nações Unidas (ONU) etc.
Iniciativas como essas movimentaram as dinâmicas brasileiras e as suas relações
internacionais. Da mesma forma, Brasília recebeu diversos personagens e personalidades,
além de chefes de Estado e de Governo, com o objetivo de retomar os interesses comuns
e expor as diferenças. Belém do Pará foi palco, em agosto, da Cúpula da Amazônia, a
partir da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), em que o Brasil
exerce um papel fundamental.
Os principais temas desses eventos foram, além dos bilaterais, a guerra RússiaUcrânia, a disputa Israel-Hamas, os blocos regionais em que o Brasil participa, os temas
ambientais, em especial a Amazônia, as relações comerciais, a desigualdade e a fome,
além da demanda da diplomacia brasileira por uma reestruturação da governança global,
que é, em verdade, a reivindicação do Brasil de ter assento permanente no mesmo
Conselho de Segurança da ONU.
A retomada dessas relações internacionais foi importante. O que isso significa para
a economia? Ainda não é possível oferecer um resultado objetivo, mas temas como o
70
O mandato brasileiro no grupo das 20 principais economias do planeta vai de 1º de dezembro de 2023
até 30 de novembro de 2024.
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Acordo Mercosul-União Europeia, relações com a China e incremento das exportações,
especialmente de commodities, apontam para uma melhor situação brasileira em um
mundo reglobalizado após a pandemia de COVID-19.
Uma das grandes oportunidades de liderança global do país está relacionada às
questões ambientais. Nesse sentido, o governo federal pretende liderar iniciativas
regionais e internacionais para combater as mudanças climáticas, promovendo uma
posição proativa do Brasil nesse campo. Ou seja, na geopolítica internacional o atual
governo pretende reposicionar o Brasil como um player importante nos novos contextos
das disputas internacionais. O desafio principal, não obstante, é encontrar um equilíbrio
entre promover políticas progressistas (interna e externamente) e lidar com a resiliência
da direita global (que se recrudesce em vários países), enquanto se navega num cenário
geopolítico complexo e em constante mudança.
3.4.
Nossas questões sociais
“As questões sociais sempre interpelaram os pastores da Igreja. É longa a tradição
da Igreja em tratar de problemas sociais de acordo com sua própria fé”71. Desde a
Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, de 15 de maio de 1891, considerada como o
primeiro documento oficial da Doutrina Social da Igreja Católica, há clareza de que as
responsabilidades sociais dos fiéis católicos, em todo o mundo72, trazem um compromisso
com a vida política e econômica. O Brasil, entretanto, tem características muito duras no
universo social. Vejamos algumas delas.
3.4.1. Como estão vivendo os 203,1 milhões Brasileiros?
O último censo demográfico, realizado em 2022, revelou que entre 2010 e 2022 a
população brasileira aumentou em 12,3 milhões de pessoas73. Esse aumento, que
representa 6,5% a mais de pessoas em relação ao censo anterior foi, porém, abaixo do que
vinha sendo previsto74. Como consequência, a transição demográfica avançou de forma
71
SPENGLER, Jayme. A Igreja e as questões sociais, 2017. Disponível em https://www.cnbb.org.br/aigreja-e-as-questoes-sociais/. Acesso em 28 out. 2023.
72
Não somente o magistério da Igreja cuida da questão social no mundo. Vários, como Eric Hobsbawm,
explicam esta realidade. Vejamos este autor, por sua importância como historiador: “A globalização,
acompanhada de mercados livres, atualmente tão em voga, trouxe consigo uma dramática acentuação das
desigualdades econômicas e sociais, no interior das nações e entre elas. Não há indícios de que essa
polarização não esteja prosseguindo dentro dos países, apesar de uma diminuição geral da pobreza extrema.
Este surto de desigualdade, especialmente em condições de extrema instabilidade econômica com as que
se criaram com os mercados livres globais desde a década de 1990, está na base das importantes tensões
sociais e políticas do novo século O impacto dessa globalização é mais sensível para os que menos se
beneficiam dela (...)”. Cf. HOBSBAWM, E. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Cia. das
Letras, 2007, p. 11.
73
Disponível
em
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-denoticias/noticias/37237-de-2010-a-2022-populacao-brasileira-cresce-6-5-e-chega-a-203-1-milhoes.
Acesso em 28 out. 2023.
74
Disponível em https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2023/06/29/censo-do-ibge-o-que-e-obonus-demografico-e-por-que-o-brasil-precisa-correr-contra-o-tempo-para-aproveita-lo-e-sedesenvolver.ghtml. Acesso em 28 out. 2023.
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rápida e a participação das pessoas com 65 anos ou mais no total da população aumentou
de 7,72% para 10,49%, enquanto o percentual de pessoas com menos de 19 anos, que era
de 32,39%, caiu para 27,59%75.
O rápido envelhecimento populacional combinado aos inúmeros desafios sociais
que o Brasil não foi capaz de resolver ao longo do tempo se constituí num fator de pressão
sobre a sociedade brasileira. Garantir qualidade de vida para os mais de 30 milhões de
idosos exigirá políticas públicas capazes de resolver os problemas de um processo de
envelhecimento desigual. A expectativa média de vida de 76,6 anos é resultado de
condições bastante diversas, que fazem com que os habitantes dos Estados mais
desenvolvidos, como é o caso de Santa Catarina, tenham uma expectativa de 8,5 anos a
mais de vida que os moradores do Estado do Maranhão76, por exemplo. Esses e outros
desafios são consequência de problemas crônicos que privam um elevado percentual da
população brasileira de liberdades fundamentais para uma vida digna e autônoma.
3.4.2. A pobreza: crianças e idosos
Apesar dos avanços no enfrentamento da pobreza, quando consideramos a linha
de pobreza recomendada pelo Banco Mundial para países com o nível de
desenvolvimento do Brasil, que é de R$ 636,52 por mês/per capita, mais de 30% da
população brasileira encontra-se vivendo o que se chama “pobreza monetária”. De acordo
com estudo desenvolvido pelo PUCRS Datasocial, entre os brasileiros e brasileiras com
menos de 19 anos, 47,65% encontram-se em situação de pobreza monetária. Já para o
recorte das pessoas com até 6 anos de idade, a pobreza infantil é persistentemente elevada,
tendo atingido mais de 30% das crianças ao longo da última década e chegando próximo
a 45% em 202177.
Quando olhamos para a composição etária da parcela da população mais pobre,
percebemos que as crianças e jovens (pessoas com menos de 19 anos) e os adultos (entre
19 e 64 anos) são os grupos com maior participação. No entanto, os idosos, que
historicamente eram o grupo menos representativo dos pobres, apresentaram um aumento
de incidência entre 2012 e 2022, passando de 3 para 4,2% dos pobres.
3.4.3. As múltiplas camadas das desigualdades persistem e/ou se acentuam
“Os 10% mais ricos ganhavam, em média, 16,7 vezes mais do que os 40% mais
pobres”78 em 2022. As facetas dessa desigualdade também se manifestam em
75
Disponível
em
https://www.pucrs.br/datasocial/wpcontent/uploads/sites/300/2023/09/PUCRSDataSocial_Relatorio_TerceiraIdade_V2.pdf. Acesso em 28
out. 2023.
76
Disponível em https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/um-pais-mais-velho-o-brasil-estapreparado. Acesso em 28 out. 2023.
77
PUCRS. Data Social. Pobreza entre Idosos no Brasil. Disponível em
https://www.pucrs.br/datasocial/pobreza-entre-idosos-no-brasil/. Acesso em 28 out. 2023.
78
Disponível
em
https://www.pucrs.br/datasocial/wpcontent/uploads/sites/300/2023/06/BOLETIM_DESIGUALDADE-NAS-METROPOLES_13.pdf. Acesso
em 28 out. 2023.
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23
NUP CNBB: 00000.9.005511/2023
circunstâncias tais como gênero, raça e local de moradia. Por exemplo, estudo do
Observatório Brasileiro das Desigualdades mostrou que os rendimentos das mulheres
brasileiras representam, “em média, apenas 72% do valor que os homens ganham”,
chegando a ser de apenas 64,2% em Aracaju (SE)79. O estudo também indica que quando
os dados são decompostos por raça, a severidade e a persistência das desigualdades se
mantêm. “Em média, os brasileiros negros (pretos e pardos) ganham apenas 69,2% dos
não negros (brancos e amarelos)”. E quando se olha conjuntamente para gênero e raça, a
desigualdade é ainda mais marcante, com as mulheres negras recebendo, em média,
42,3% do rendimento de homens não negros80.
Conforme dados divulgados pela Receita Federal (Grandes Números do IRPF 81),
o Brasil experimenta um processo de grande concentração de renda, devido ao aumento
dos rendimentos dos “super-ricos”, que, além de aumentarem seus ganhos, gozam de
isenções e não incidência tributária. Este processo caminha junto com a manutenção de
taxas de juros em níveis extremamente elevados e aumento dos lucros advindos da
exportação de commodities (fruto das atividades de mineração e grande agronegócio) nos
últimos anos. Os declarantes pessoa-física com rendimentos totais superiores a 320
salários-mínimos mensais aumentaram seus rendimentos de R$ 371 bilhões no ano
anterior para R$ 605 bilhões anuais em 2021, dos quais o montante de R$ 409 bilhões
ficou completamente fora do alcance da tributação e dele não se pagou um centavo sequer
de Imposto de Renda – Pessoa Física. Esse grupo de “super-ricos” aumentou fortemente
sua participação no total de rendimentos em 2021, de 10,89% para 14,28%.
No que tange ao acesso aos serviços públicos essências, tais como educação, saúde
e saneamento, existem carências e desigualdades crônicas que ainda não foram superadas.
Na dimensão educação ainda persiste o desafio de expandir a oferta de vagas em creches
públicas. Apesar do reconhecimento da importância e necessidade de creches (tanto para
o desenvolvimento das habilidades das crianças desde a primeira infância quanto como
estratégia de superação da pobreza, por permitir que as mães possam exercer atividades
no mercado de trabalho) e da existência de metas, a oferta de vagas é insuficiente e
desigual.
As desigualdades também se fazem presentes, em relação à educação, tanto em
termos regionais como de cor. Segundo o IBGE, se a taxa de analfabetismo entre pessoas
com 15 anos ou mais era, em 2022, de 2,9% no Sudeste, no Nordeste atingia 11,7% e, em
todo o país, 3,4% das pessoas que se consideravam brancas eram analfabetas. Entre pretos
e pardos o analfabetismo atingia 7,4%82.
No que diz respeito ao saneamento, em 2022 o IBGE apontava que 89,0% dos
domicílios urbanos estavam ligados à rede geral de água com fornecimento diário. Na
zona rural esse percentual era de 72,5%. Situação mais grave era observada em relação
ao acesso à rede geral de esgoto, pois se 71,5% dos domicílios urbanos eram cobertos, na
79
80
81
Idem.
Idem.
https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-deDisponível
em
conteudo/publicacoes/estudos/imposto-de-renda/estudos-por-ano/grandes-numeros-do-IRPF-2008-a2022. Acesso em 28 out. 2023.
82
IBGE (PNADc). Disponível em https://sidra.ibge.gov.br/tabela/7125. Acesso em 28 out. 2023.
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área rural o percentual atendido era de apenas 4,4%. Os diferenciais regionais são
assustadores, pois enquanto 91,1% dos domicílios urbanos do Sudeste são atendidos por
rede de esgoto, na Região Norte são apenas 26,5%, e 54,9% no Nordeste. Em termos
extremos, enquanto o percentual é de apenas 13,8% no Piauí, em São Paulo é de 94,6%83.
Complementarmente, quanto à desigualdade regional, em 2022 o rendimento
mensal médio das pessoas com 14 anos ou mais ocupadas no Nordeste correspondia a
apenas 60,3% do valor médio percebido nos estados do Sudeste. Também é necessário
destacar que no país o rendimento recebido pelas pessoas pretas era 40,3% inferior ao das
pessoas brancas84.
3.4.4. A fome
Apesar da expressiva contribuição na produção de alimentos para abastecer o
mundo, o Brasil segue com o crônico problema de condenar uma parcela significativa da
população brasileira a viver em situação de insegurança alimentar. De acordo com o
relatório The State of Food Security and Nutrition in the World 2023, que foi publicado
pela FAO, utilizando dados de 2021, 48,1 milhões (22,4%) dos brasileiros não possuíam
renda suficiente para adquirir alimentos para uma dieta saudável. Estando, portanto, em
situação de insegurança alimentar moderada (9.9%) ou severa (32.9%)85. Nessa mesma
perspectiva, o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia
da Covid-19 no Brasil, publicado pela rede PENSSAM 86 destaca que apesar do país ter
saído temporariamente do mapa da fome em 2014, menos de dois anos depois a fome já
havia voltado ao país.
Os extremos climáticos desse ano, em muitas regiões do país, têm aumentado a
tragédia da fome e da escassez alimentar. O caso da região amazônica e da região sul do
país são exemplos gritantes que nos desafiam com muita força.
3.4.5. Precarização do mercado de trabalho
83
IBGE (PNADc). Disponível em https://sidra.ibge.gov.br/tabela/7192 e tabela/6732. Acesso em 28 out.
2023.
84
IBGE (PNADc). Disponível em https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadca/tabelas. Acesso em 28 out.
2023.
85
De acordo com a Escala Brasileira de Medida Domiciliar de Insegurança Alimentar (Ebia), os domicílios
são classificados em quatro categorias: Segurança Alimentar, Insegurança Alimentar Leve, Insegurança
Alimentar Moderada ou Insegurança Alimentar Grave. Sendo: (1) Segurança alimentar: os moradores do
domicílio têm acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente; (2)
Insegurança alimentar leve: Apresentam comprometimento da qualidade da alimentação em detrimento da
manutenção da quantidade percebida como adequada; (3) Insegurança alimentar moderada: apresentam
modificações nos padrões usuais da alimentação entre os adultos concomitante à restrição na quantidade de
alimentos entre os adultos; (4) Insegurança alimentar grave: são caracterizados pela quebra do padrão usual
da alimentação com comprometimento da qualidade e redução da quantidade de alimentos de todos os
membros da família, inclusive das crianças residentes neste domicílio, podendo ainda incluir a experiência
de fome. Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-brasil/glossario/insegurancaalimentar-e-nutricional. Acesso em 28 out. 2023.
86
Disponível em https://pesquisassan.net.br/olheparaafome/. Acesso em 28 out. 2023.
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De acordo com os resultados da PNAD contínua, divulgados em julho de 2023
pelo IBGE87, a taxa de desocupação do segundo trimestre de 2023 recuou em relação ao
primeiro trimestre, chegando a 7,9%. Por sua vez, a taxa de ocupação aumentou de 56,2%
para 56,8% das pessoas em idade de trabalhar. Cabe destacar, no entanto, que o percentual
significativo e crescente das ocupações ocorre no mercado informal de trabalho. O
percentual da população informalmente ocupada passou de 38,9% da população ocupada,
no primeiro trimestre do ano, para 39,1%. Além disso, 17,8% das pessoas em idade de
trabalhar que estão ocupadas encontram-se subutilizadas. Esses resultados explicitam a
precariedade do mercado de trabalho, tanto que atualmente não se mensura mais emprego
e desemprego, mas sim ocupação e desocupação, constatando as limitações da
abrangência das relações trabalhistas neste segmento da economia. Na mesma direção, os
resultados da divulgação do novo CAGED ocorrida no dia 30 de agosto de 2023, que
revelou um saldo positivo de 142.702 empregos formais, indicaram concentração
majoritária em emprego de baixa remuneração, com 141.245 empregos com remuneração
de até 1,5 salários-mínimos. Nas atividades que demandam ensino superior completo, o
saldo foi negativo, com redução nos postos de trabalho88.
Há diferenças regionais relevantes, em desfavor sobretudo dos residentes no Norte
e Nordeste. Nessas regiões, o desemprego é mais elevado, a informalidade mais aguda e
as remunerações mais baixas.
3.5.
A insegurança pública e a violência
No dia 5 de outubro, celebramos 35 anos da Constituição Cidadã. A sua
promulgação foi a culminância de um amplo debate nacional organizado por diversos
movimentos da sociedade. Entre suas conquistas, podemos destacar a integração do Brasil
no sistema global (ONU) e sistema regional (OEA) de Direitos Humanos. Criou-se o
Sistema Único de Saúde – SUS, como uma política pública universal de acesso à saúde,
planejada no território e financiada com orçamento público.
No campo da infância, reconheceu-se o dever da família, da sociedade e do Estado
de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem a prioridade absoluta nas políticas
públicas como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência família
e comunitária. E foram construídos amplos mecanismos de proteção para o enfrentamento
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A Constituição reconheceu aos povos originários suas organizações, costumes,
línguas, crenças e tradições89. Reconheceu o direito à posse da terra dos quilombos: “Aos
87
Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-denoticias/releases/37750-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-7-9-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-17-8no-trimestre-encerrado-em-julho. Acesso em 28 out. 2023.
88
http://pdet.mte.gov.br/images/Novo_CAGED/2023/202307/2-apresentacao.pdf. Acesso em 28 out.
2023.
89
Conforme a redação do Art. 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
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remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir lhes os títulos
respectivos”90.
Por outro lado, a realidade nacional é formada por vários “Brasis”, e, entre eles,
em várias realidades, a Constituição de 1988 não se efetivou. Para os pobres em situação
de rua, várias são as iniciativas para garantir um direito básico e constitucional como a
dignidade humana. A realidade dos presídios é tão cruel e degradante que foi objeto de
decisão do STF, que reconheceu, no último dia 4 de outubro, a violação massiva de
direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro. Com a conclusão do julgamento da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, o Tribunal deu
prazo de seis meses para que o governo federal elabore um plano de intervenção para
resolver a situação, com diretrizes para reduzir a superlotação dos presídios, o número de
presos provisórios e a permanência em regime mais severo ou por tempo superior ao da
pena.
Em vários Estados há uma forte ligação entre milícias e o poder político local,
gerando vários massacres e chacinas91. Esse aumento da violência do Estado é um
fenômeno complexo que envolve a falta de uma efetiva política de controle social da
atividade policial, a falta de transparência dos recursos aplicados na área, bem como a
ausência de dados públicos e sistema federal de dados unificado que garanta um
monitoramento efetivo dos CVLI – Crimes Violentos Letais e Intencionais. Os dados que
conhecemos hoje são publicados através do esforço do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública92.
Em grande medida outro fator que precisa ser mais pesquisado é a relação entre
os policiais e o fundamentalismo religioso. O espelhamento de uma visão mágica da fé e
a cada vez maior difusão do neopentecostalismo nesses segmentos promovem uma
abstração medieval da ordem social, reproduzindo uma cruzada dos policiais “de Deus”
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o
usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos
recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras
indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades
afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de
que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º É vedada
a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de
catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após
deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o
risco. § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação,
o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos
rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser
lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União,
salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. § 7º Não se aplica às terras
indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º”.
90
Redação do Art. 68 da ADCT.
91
Ver SOARES, Rafael. Milicianos. Como agentes formados para combater o crime passaram a matar a
serviço dele. Rio de Janeiro: Objetiva, 2023.
92
Dados disponíveis em https://forumseguranca.org.br/. Acesso em 28 out. 2023.
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ou que estão em “missão divina” contra o “mal”93. Essa construção simbólica do
“justiceiro” retrocede a uma concepção de Estado pré-iluminista, ou seja, criminaliza-se
a periferia, assassina-se a juventude negra em detrimento dos direitos e garantias
fundamentais de comunidades inteiras.
Apesar dos desafios no campo da segurança pública impactarem a vida de todos
os brasileiros, os efeitos são mais severos para os grupos que já enfrentam desvantagens
decorrentes de circunstâncias fora do seu controle tais como gênero, cor e local de
nascimento. As múltiplas facetas da violência incidem mais sobre as mulheres, os negros
e os pobres vivendo em regiões periféricas. Em 2022, a taxa de mortes violentas foi de
23,4 por 100 mil habitantes, de acordo com dados do Pacto Nacional pelo Combate às
Desigualdades (2023), taxa que classifica o Brasil como um país violento. O relatório
ainda destaca as desigualdades raciais, de gênero e regionais nesse tipo de violência. São
os jovens negros as principais vítimas da violência urbana.
O cenário de desigualdades e de violências historicamente praticadas contra as
comunidades quilombolas foi agravado nos últimos cinco anos (2018-2022) no Brasil.
Nesse período foram mapeados 32 assassinatos, com registro de casos em 11 estados e
todas as regiões do país. Conflitos fundiários e violência de gênero estão entre as
principais causas dos assassinatos de quilombolas no Brasil. Ao menos 13 quilombolas
foram mortos no contexto de luta e defesa do território94.
A violência e a criminalidade são fenômenos multidimensionais e seu
enfrentamento é bastante difícil em sociedade complexas e desiguais, como é o caso do
Brasil. Há uma engrenagem social que articula miséria, pobreza, exclusão social e falta
de oportunidades, gerando múltiplas formas de violências. Portanto, causas sociais são
importantes fatores para a compreensão do fenômeno da violência urbana e da
criminalidade.
O uso legítimo e proporcional da força pelo Estado para a contenção do crime
também deve ser considerado. Porém, essa engenharia estatal depende de múltiplos
atores. A cooperação entre União, Estados e Municípios nos programas de prevenção e
repressão ao crime é fundamental, mas há um jogo de empurra e omissões quando se trata
de uma ação orquestrada dos vários entes federativos para o enfrentamento à violência.
Ademais, a política de segurança pública no Brasil foi entregue, desde a ditadura, para as
agências policiais e, cada vez menos, os governos civis, nos âmbitos estadual e federal,
exercem o controle dessas instituições. Em 2022, policiais brasileiros civis e militares
mataram 6.430 pessoas, e 173 membros das corporações foram mortos de forma violenta.
Os números também foram compilados pelo anuário do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública95.
93
Ver MANSO, Bruno Paes. A fé e o fuzil: crime e religião no Brasil do século XXI. São Paulo: Todavia,
2023.
94
Cf. a Pesquisa “Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil”. Desenvolvida pela Coordenação
Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e a Terra de Direitos, está
disponível em https://terradedireitos.org.br/racismoeviolencia/. Acesso em 19 nov. 2023.
95
O perfil das pessoas que morreram nos confrontos policiais mudou pouco: 99,2% das vítimas eram do
sexo masculino, 75% tinham entre 12 e 29 anos e 83,1% eram negros. Entre os mortos em ações policiais,
a parcela de pessoas negras mortas foi ainda maior do que quando consideradas todas as mortes violentas,
das
quais
os
negros
foram
76,4%.
Disponível
em
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Para se ter ideia da violência seletiva estatal, entre 2016 e 2023, as polícias
militares e civis da Bahia, Pernambuco e do Rio de Janeiro, além das polícias federal e
rodoviária, estiveram envolvidas em 331 chacinas. Chacinas são definidas quando ao
menos três civis foram mortos em uma mesma ação. Ao todo, 1.330 pessoas morreram
em decorrência de ações policiais nessas chacinas. Os dados são de um levantamento
exclusivo do Instituto Fogo Cruzado96. Pode-se dizer que algo em torno de 20% dos
homicídios ocorridos no Brasil, anualmente, têm como autores policiais97.
As polícias devem fazer parte da solução contra a violência urbana e rural e não
do problema. Parece óbvio, mas é o que tem acontecido. O controle externo rígido pelo
Ministério Público e o controle social, através de Conselhos Sociais atuantes, com força
deliberativa, devem sair do papel. Uma autoridade pública sem monitoramento e controle
é uma autoridade hipertrofiada, ou seja, um desvio no Estado Democrático de Direito.
O combate de varejo ao tráfico de drogas (que gera a maior violência do Estado
contra o cidadão e entope o sistema prisional brasileiro), conhecido como “guerras às
drogas” não tem demonstrado efetividade. O crime, que foi se organizando nas últimas
três décadas, está, atualmente, dentro de instituições do Estado e na disputa do poder
político. Portanto, somente o desmantelamento das organizações criminosas, através de
ações de inteligência, articulada por vários atores em diferentes níveis, o sufocamento dos
lucros financeiros dessas organizações e a prisão de seus líderes, ou seja, dos “tubarões”
invisíveis das ações do Estado, poderá redundar em efetividade no combate ao crime
organizado e, posteriormente, na diminuição da violência e da criminalidade.
Ocorre, porém, que não são esses os únicos tipos de violência que assolam o
Brasil. A violência contra os quilombolas, lideranças indígenas e defensores dos direitos
humanos é tão grave quanto constante. Ao mesmo tempo, seringueiros, camponeses e
ribeirinhos precisam de um apoio para produção, proteção e garantia de seus direitos e
dos seus territórios. Jovens e crianças, no campo e na cidade, estão submetidos aos mais
variados riscos, especialmente os que estão nas periferias das cidades. A violência contra
a mulher tem apresentado dados cada vez mais impactantes, com abusos e mortes que
espantam e indignam os defensores da paz98.
No caso dos indígenas, ao lado da violência sistemática, os últimos quatro anos
foram marcados por um “desmonte da política indigenista e dos órgãos de proteção
ambiental a que o Estado esteve submetido durante os quatro anos sob o governo de Jair
https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/07/20/numero-de-policiais-mortos-no-brasil-aumenta30percent-em-um-ano.ghtml . Acesso em 03 out. 2023.
96
Disponível
em
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/policias-do-rio-de-janeiro-bahia-epernambuco-cometeram-331-chacinas-em-sete-anos/. Acesso em 03 out. 2023.
97
Em 2022 foram mortas 40.800 pessoas no Brasil. Segundo o UNODC, sistema de dados do Escritório
das Nações Unidas para Crimes e Drogas, o Brasil responde por 20,4% dos homicídios no mundo, mesmo
tendo apenas 2,7% dos habitantes do planeta. Em 2020, em 102 países morreram 232.676 pessoas; só aqui
foram quase 48 mil óbitos.
98
A Rede de Observatórios da Segurança registrou 2.423 casos de violência contra a mulher em 2022, 495
deles feminicídios., conforme o Relatório “Elas vivem: dados que não se calam”. São Paulo e Rio de
Janeiro têm os números mais preocupantes, concentrando quase 60% do total de casos. Essa foi a terceira
edição da pesquisa feita em sete estados: Bahia, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão
e
Piauí,
os
dois
últimos
monitorados
pela
primeira
vez.
Disponível
em:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-03/no-brasil-uma-mulher-e-vitima-de-violencia-cadaquatro-horas. Acesso em 31 out. 2023.
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NUP CNBB: 00000.9.005511/2023
Bolsonaro (...)”. Os assassinatos, suicídios e mortalidade na infância”, no universo
indígena brasileiro, “avançaram lado a lado com o desmonte das políticas públicas
voltadas aos povos originários, como a assistência em saúde e educação, e com o
desmantelamento dos órgãos responsáveis pela fiscalização e pela proteção destes
territórios”99.
Uma reforma em todo o sistema de justiça (considerado moroso, seletivo e
punitivista) é fundamental. Além da uma reforma policial, é preciso que outras agências
desse sistema (Ministério Público, Poder Judiciário, sistema prisional e órgãos de
controle) sejam totalmente repensados para que os vícios de um aparato altamente
oneroso e ineficiente possam resultar em mudanças efetivas na segurança pública
brasileira, como uma política pública capaz de garantir paz, maior desarmamento e
proteção dos direitos humanos.
É importante registrar que, a respeito do governo anterior, há indícios de que um
ecossistema criminoso, infiltrado e estimulado a partir do núcleo do poder central,
operava sem limites. Do centro do poder partiam estímulos ao vale-tudo (inclusive
eleitoral), ao armamentismo sem controle, à truculência policial, ao punitivismo penal 100,
ao garimpo ilegal, ao narcogarimpo, ao genocídio de comunidades indígenas, à
participação de milicianos em órgãos públicos, entre outros fatores que minam as bases
do sistema de segurança.
É preciso recordar, também, a título de visão histórica, um conjunto de eventos
nos momentos finais do governo anterior para dimensionar o nível de comprometimento
de órgãos do Estado na área da segurança pública: (a) em 12 de dezembro de 2022 houve
clara omissão da Polícia Militar do DF nas ações de vandalismo em Brasília, inclusive na
tentativa de invasão da sede da Polícia Federal; (b) no dia 24 de dezembro de 2022, deuse o episódio da bomba, armada nas proximidades do aeroporto internacional de Brasília,
episódio transcorrido com total omissão da PF e das Forças Armadas e ação pontual,
somente, da Polícia Civil do DF; (c) e o boicote evidente da Polícia Militar do DF e das
Forças Armadas nos eventos de 8 de janeiro de 2023.
Esse conjunto de eventos atentatórios ao Estado Democrático, protagonizados por
agentes públicos da área da segurança evidencia o nível de desorganização e
contaminação do sistema de segurança pública brasileiro, que se soma às mazelas
históricas que caracterizam esse sistema e que demonstram as dificuldades de
reorganização a curto prazo, pelo atual governo.
99
Cf. CIMI, Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, 2023. Disponível em
https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2023/07/relatorio-violencia-povos-indigenas-2022-cimi.pdf.
Acesso em 31 out. 2023.
100
É possível definir o “punitivismo” a partir dos seguintes autores: ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A palavra
dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva, 2012. _____. Em busca das penas
perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991. GENELHÚ, Ricardo. Do
discurso da impunidade à impunização: o sistema penal do capitalismo brasileiro e a destruição da
democracia. Rio de Janeiro: Revan, 2015; CARVALHO, Salo. O papel dos atores do sistema penal na era
do punitivismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. Este último aponta que “o sintoma contemporâneo ...
vontade de punir, atinge os países ocidentais e ... desestabiliza o sentido substancial de democracia, propicia
a emergência das macropolíticas punitivistas (populismo punitivo), dos movimentos políticos-criminais
encarceradores (lei e ordem e tolerância zero) e das teorias criminológicas neoconservadoras (atuarismo,
gerencialismo e funcionalismo sistêmico)”.
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3.6.
Sinais da economia brasileira
A economia brasileira, como a maioria das demais, sofreu uma queda expressiva
no ritmo de crescimento econômico, como indica o Gráfico 2. Uma crise na forma de um
“V” entre os anos da Pandemia.
Gráfico 2
31
Segundo a equipe do Grupo de Conjuntura Dimac/Ipea101, o desempenho da
economia brasileira surpreendeu nos últimos meses, ou seja, os resultados são melhores
que as expectativas. As taxas de crescimento econômico estão sendo revisadas para cima
e a taxa de inflação para baixo (equipe do IPEA e Boletim FOCUS do BACEN que
consulta os agentes do mercado).
Na perspectiva global, o aumento da demanda por commodities foi elevado,
ampliando a participação de produtos brasileiros nos mercados internacionais, em
especial soja e petróleo. A maior demanda também está relacionado à reabertura da
economia chinesa, e, como reflexo da redução na oferta dos concorrentes (Argentina e
Estados Unidos), vem gerando expansão de nosso mercado externo.
O resultado é positivo, inclusive no combate à inflação, mas deixa ainda mais
visível a reprimarização na pauta de exportações. Se, em 2002, os 10 produtos mais
importantes correspondiam a 28% da pauta, em 2022 passaram a representar 54%; soja,
petróleo e minério de ferro somam 30% das exportações, não constando mais automóveis
e aviões nessa lista (MDIC).
101
Disponível em https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/2023/09/desempenho-do-pib-nosegundo-trimestre-de2023/#:~:text=O%20PIB%20avan%C3%A7ou%200%2C9,o%20segundo%20trimestre%20de%202022.
Acesso em 28 out. 2023.
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Esta reprimarização da pauta de exportações tem impacto direto sobre o setor
industrial e a dinâmica da economia brasileira como um todo e consequência da
desindustrialização de nossa economia. O novo Governo Federal, sob o comando do Vicepresidente, está tentando construir uma proposta de promoção da indústria em novas
bases.
Na perspectiva doméstica, os juros elevados pressionaram para baixo a atividade
econômica, além de elevarem os níveis de endividamento das empresas, das famílias
(fragilidade financeira) e do setor público, tendo em vista que a cada 1% de elevação da
Selic, temos um aumento no gasto anual de R$ 44,8 bilhões com juros da dívida102!
Mesmo com a redução efetuada na Selic, esse gasto continua aumentando, segundo dados
do próprio Banco Central (Bacen), devido ao aumento da dívida bruta, em grande parte
decorrente da necessidade de financiamento dos juros dessa mesma dívida.
O aumento da inadimplência por parte das famílias fez com que parcela dos
rendimentos fosse direcionada para pagamentos de juros. Segundo o Bacen, a parcela do
rendimento das famílias destinada ao pagamento de juros saltou para 28%, o maior nível
desde 2007. O projeto de lei para fixação de limites aos juros do cartão de crédito e o
Desenrola Brasil são decorrentes desse agravamento da saúde financeira das famílias
brasileiras103.
O Programa Desenrola Brasil104 já apresenta resultados, em especial na expansão
do crédito para consumo. Por outro lado, a inadimplência subiu em agosto 105, o que
mostra a insuficiência de projetos como esse enquanto não for enfrentada a causa desses
problemas: as altíssimas taxas de juros no Brasil. Cabe aqui ressaltar a iniciativa da
Auditoria Cidadã da Dívida – em conjunto com outras entidades e o Observatório de
Finanças e Economia de Francisco e Clara – de encaminhar à Comissão de Legislação
Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados proposta de Projeto de Lei Complementar
que limita as taxas de juros de quaisquer operações financeiras a 12% ao ano ou o dobro
da Taxa Selic (o que for menor), e acaba com a “Bolsa Banqueiro”, ou seja, a remuneração
da sobra de caixa dos bancos, garantida diariamente pelo Banco Central e paga aos bancos
sobre dinheiro que sequer pertence a eles, fazendo com que eles prefiram receber essa
remuneração do que emprestar a empresas e pessoas, e só o fazendo mediante cobrança
de juros elevadíssimos. A referida proposta de projeto de lei foi acolhida pela CLP e agora
tramita na forma do Projeto de Lei Complementar nº 104/2022, atualmente na Comissão
de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.
Por outro lado, a dificuldade financeira para as empresas ainda persiste,
primordialmente na operação de Capital de Giro. As empresas dependem de redução da
taxa de juros para sua expansão e sustentabilidade financeira. Depois de um período árduo
102
Disponível
em
https://www.bcb.gov.br/content/estatisticas/hist_estatisticasfiscais/202309_Texto_de_estatisticas_fiscais.
pdf. Acesso em 28 out. 2023.
103
Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/994940-camara-aprova-projeto-que-limita-juros-docartao-de-credito-e-cria-o-programa-desenrola/
104
Disponível em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/desenrolabrasil
105
Disponível em https://www.serasa.com.br/limpa-nome-online/blog/mapa-da-inadimplencia-erenogociacao-de-dividas-no-brasil/
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de juros elevados, o Banco Central começou a reduzir a taxa Selic diante do recuo dos
preços e da pressão política exercida pelo Executivo.
A conjuntura econômica para 2023 apresenta uma mistura de políticas
econômicas, condicionadas principalmente ao chamado “Novo Arcabouço Fiscal” (Lei
Complementar 200/2023), que limita o crescimento real das despesas primárias (que
compreende todos os gastos com a estrutura do Estado e os investimentos sociais em
serviços prestados à população) a apenas 0,6% ao ano, podendo chegar a 2,5% ao ano de
crescimento real, desde que obedecidas outras condicionantes estabelecidas na mesma
lei, como o crescimento real da arrecadação e o atingimento de metas de superávit
primário. No contexto deste arcabouço, ficam extremamente limitadas as possibilidades
de resolução dos problemas sociais indicados nos itens anteriores, enquanto os gastos
com juros e amortizações do Sistema da Dívida e seus mecanismos crescem sem limite
ou controle algum e consomem cerca da metade do orçamento federal.
Adicionalmente, apesar das reduções graduais da taxa básica de juros, continua
em vigor uma política monetária contracionista, com o Brasil mantendo seu título de
campeão mundial de juros básicos reais, de quase 8% ao ano, enquanto países
desenvolvidos apresentam juros reais muito baixos ou negativos, como a Zona do Euro
(taxa negativa de -0,67%), Japão (taxa negativa de -3,20%) ou Estados Unidos (1,74%)106.
Mas a política monetária já vem dando sinais de uma trajetória parcimoniosa de
redução na Selic mediante um processo prévio de desinflação. E, por isso, as expectativas
para a taxa de crescimento econômico serem revisadas para cima. Conforme o último
Boletim Focus107, publicado pelo Banco Central, a estimativa para o crescimento do PIB
é de 2,92% para este ano, com a Selic finalizando o ano em 11,75%.
3.7.
A questão da transição religiosa no Brasil
É preciso considerar – num cenário de profundas e rápidas mudanças que vêm
ocorrendo nos últimos anos –, que o Brasil passa por um intenso (e contínuo) processo de
transição religiosa.
Alguns estudiosos têm se esmerado nas pesquisas sobre esse fenômeno e
produzido uma série de análises nos últimos anos. Para os objetivos de uma rápida
reflexão sobre tema tão relevante, considerando que a sociabilidade brasileira está
alicerçada, em boa medida, na religiosidade cristã e que o predomínio que a Igreja
Católica manteve por quase 450 anos está em “xeque”, vamos considerar alguns tópicos
dessas análises108.
É possível dizer que o fenômeno da transição religiosa brasileira se desdobra em
quatro movimentos: “declínio absoluto e relativo das filiações católicas; aumento
106
Disponível em https://clubedospoupadores.com/ranking-juros-reais. Acesso em 28 out. 2023.
Disponível
em
https://www.bcb.gov.br/publicacoes/focus?fbclid=IwAR2XQpu8rSaEF7l5jkHQT03BZXBxg8xLRJtYDL
Dm_QDNYAkIxoMmxUBOn2c. Acesso em 28 out. 2023.
108
Ver os estudos de José Eustáquio Diniz Alves, consolidadas no artigo “Projeções indicam que os
evangélicos serão maioria no Brasil nos próximos dez anos”. Artigo completo disponível em
https://projetocolabora.com.br/ods16/transicao-religiosa-evangelicos-serao-maioria-nos-proximos-dezanos/. Acesso em 29 set. 2023.
107
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acelerado das filiações evangélicas; crescimento do percentual das religiões não cristãs;
aumento absoluto e relativo das pessoas que se declaram sem religião” 109. Conforme se
observa na tabela abaixo, o catolicismo começou a reduzir fortemente a partir da década
de 1970. O número de católicos era de 121,8 milhões (83% da população) em 1991, 124,9
milhões (73,6%) em 2000 e 123,3 milhões em 2010. Percebe-se que o número absoluto
de católicos atingiu o valor máximo no ano 2000 e, pela primeira vez na história brasileira,
o número absoluto de católicos caiu na década inaugural do século XXI. Além disto, o
decrescimento relativo que estava em 1% por década, passou para 1% ao ano.
Concomitantemente, entre 1991 e 2010, os evangélicos passaram a crescer 0,63%
ao ano, as outras religiões cresceram 0,38% ao ano e os sem religião cresceram 0,43% ao
ano. Veja-se na Tabela 4:
Tabela 4
34
José Eustáquio Diniz Alves informa que “os evangélicos têm conseguido alcançar
multidões mais amplas na medida em que possuem grande descentralização e autonomia,
rápida formação de pastores, cultos dinâmicos, musicais e alegres e a combinação de
megatemplos em grandes avenidas, com a abertura de minitemplos perto das
comunidades. Um marco do crescimento evangélico no Brasil tem sido o uso intensivo
das diversas mídias (jornais, rádios, televisão, internet, redes sociais, WhatsApp etc.) e a
presença atuante na política (especialmente na Frente Parlamentar Evangélica)”, essa
última no Congresso Nacional110. O evento mais recente que mostra a capilaridade dos
evangélicos, especialmente dos denominados “neopentecostais”111, na ocupação de
Ver os estudos de José Eustáquio Diniz Alves, consolidadas no artigo “Projeções indicam que os
evangélicos serão maioria no Brasil nos próximos dez anos”. Artigo completo disponível em
https://projetocolabora.com.br/ods16/transicao-religiosa-evangelicos-serao-maioria-nos-proximos-dezanos/. Acesso em 29 set. 2023.
110
Idem.
111
O neopentecostalismo teve início na segunda metade dos anos de 1970. Cresceu, ganhou visibilidade e
se fortaleceu no decorrer das décadas seguintes. A Universal do Reino de Deus (1977, RJ), a Internacional
da Graça de Deus (1980, RJ), a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976, GO) e a Renascer em
Cristo (1986, SP), fundadas por pastores brasileiros, constituem as principais igrejas neopentecostais do
país. No plano teológico, caracterizam-se por enfatizar a guerra espiritual contra o Diabo e seus
representantes na terra, por pregar a Teologia da Prosperidade, difusora da crença de que o cristão deve ser
próspero, saudável, feliz e vitorioso em seus empreendimentos terrenos, e por rejeitar usos e costumes de
santidade pentecostais, tradicionais símbolos de conversão e pertencimento ao pentecostalismo. Ver
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. 2ª Ed. São Paulo:
Ed, Loyola, 2005.
109
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espaços de poder, se deu nas eleições para os conselhos tutelares112, realizadas em 1º de
outubro deste ano.
3.8.
Os desafios amazônicos
A Cúpula da Amazônia (ocorrida em 8 e 9 de agosto), sob o ritmo das celebrações
e das atividades dos 200 anos da Adesão do Pará (15 de agosto), possibilitou ao Brasil e
aos brasileiros perceber que têm desafios amazônicos. São enormes. E não deverão sair
da pauta social e política. Em novembro de 2025, o Brasil sediará a 30ª Conferência da
ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém do Pará. Ela deverá ser um
momento de pactuação de novas metas ambientais em todo o mundo.
A região sempre conviveu com as expectativas da abundância de suas imensas
riquezas, do abandono que esteve presente no sentimento e na realidade da sua população,
ao longo da história, e do fato de ser a maior floresta tropical do mundo, que é essencial
na regulação do clima do planeta. A retomada de sua importância decorre de muitos
fatores. A Amazônia é fundamental como bioma, para todo o planeta e seus outros biomas,
para as populações, povos e suas relações sociais e ambientais. Como região abrange,
além do Brasil, o maior país amazônico, Bolívia, Colômbia, Guiana, Peru, Venezuela,
Equador e Suriname. Estamos atravessando, em todo o mundo, como já dito, um estado
de emergência climática. E, como sempre, há uma profunda necessidade de modificar as
desigualdades que acometem o país e a América do Sul.
Na Cúpula da Amazônia, no contexto da Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica (OTCA), que tem sede em Brasília, foi possível a realização dos “Diálogos
Amazônicos”, com uma grande participação de movimentos sociais, dos representantes
dos países, da imprensa e das organizações da sociedade civil. Além das festas, os intensos
debates receberam cerca de 35 mil pessoas, que avaliaram diversas temáticas
socioambientais.
Apesar de não se ter assumido compromissos mais claros, como a proposta da
delegação brasileira de desmatamento zero até 2030 na região, ou o fim da exploração de
petróleo, sugerida pela Colômbia, a mais importante conquista foi estabelecer uma
retomada das profundas questões da região. São tempos de valorização e reconhecimento
de que é possível a participação social nas discussões, aprofundamento e decisões
relacionadas a temas que envolvem e necessitam da cooperação amazônica para o cuidado
com o bioma, pensando o futuro do desenvolvimento sustentável na Amazônia a partir
dos saberes, culturas e caminhos ancestrais dos seus povos. Não dá para falar e definir
programa de cooperação da Amazônia, na Amazônia, para Amazônia sem escutar e
dialogar com os amazônidas.
Daqui em diante o período será de mais discussões. A COP 30 será uma
possibilidade de o governo brasileiro assumir maiores compromissos, reforçar o
protagonismo na questão climática, oferecer as necessárias condições de sua realização,
112
Conselhos tutelares são órgãos públicos criados com o objetivo de defender os direitos de crianças e
adolescentes. Funcionam no âmbito municipal. Grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e
Salvador, têm vários deles, divididos por regiões ou distritos. A sua base legal é o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
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ao mesmo tempo em que terá que lutar para apresentar mais e melhores soluções para a
floresta e para seus povos. Não é mais possível propor soluções que não tragam, em sua
essência, a dimensão social ao lado da dimensão ambiental, partes fundamentais e
integradas de um planeta que está muito próximo do ponto de não retorno da floresta.
Se não cuidarmos da Amazônia com medidas concretas, vai ser muito difícil
corrigir o desastre posteriormente. Os números são ousados: (a) proteger 80% do
território até 2025, através de um plano que garanta a cessação de toda a deflorestação
ilegal até 2025; (b) atingir a deflorestação legal zero até 2027; (c) revogar as leis e
disposições que promovem a destruição da Amazônia; e (d) reabilitar, recuperar e
restaurar as áreas desflorestadas e degradadas113. É muito necessário!
A liderança brasileira pode ser decisiva na construção de tais iniciativas a partir
do atual governo. Os governadores, prefeitos e demais autoridades públicas de toda a
região são, também, muito importantes. Mas se não houver o compromisso dos demais
países, da sociedade brasileira e de todos com a proteção da Casa Comum, não se vai
chegar a uma situação que garanta (minimamente) a vida da Criação, tanto na Amazônia
como em todo o planeta.
4.
Conclusões e sinais de esperança
Passados 11 meses do novo governo, o país continua dividido. Em recente
pesquisa da Quaest, de outubro de 2023, ainda permanece essa divisão “política” no
Brasil. Em 30 de outubro de 2022, um levantamento feito pelo instituto revelou um total
de 72% de brasileiros que, naquele momento, enxergavam um país dividido, contra 19%
que avaliavam o Brasil como um país unido. Ao todo, as estatísticas evoluíram para um
ápice na polarização em dezembro do mesmo ano, com 90% enxergando um país dividido
e 8% um país unido. Em outubro de 2023, o cenário é de aparente melhora: 64% dos
entrevistados enxergam um cenário de divisão, e 27% de união. Entretanto, essa queda é
apenas aparente. Ela se concentra no campo dos apoiadores do atual governo. No campo
do antipetismo, a posição está cristalizada114.
Na sociedade e entre as instituições existem múltiplas desconfianças diante dos
desafios e das incertezas. É certo que se retomou o “velho anormal” 115 após a posse do
novo governo. As instituições da República conseguiram manter as formas, após o
período de ataques à democracia que redundaram no 8 de janeiro. Mas não há muito a se
celebrar ante à extensão de nossos problemas cotidianos, sem contar as enormes questões
estruturais que assolam o planeta, e de forma mais próxima, o Brasil. E nos faltam as
113
Conforme a Carta da Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, referendada em 7 de agosto de
2023,
disponível
em
https://www.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/2023/08/23.08.08releasecartaAPTA.pdf. Acesso em 28 out. 2023.
114
Análise
completa
da
pesquisa
está
disponível
em
https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/polarizacao-persiste-um-ano-apos-eleicao-de-lula-revelapesquisa/. Acesso em 31 out. 2023.
115
Expressão usada após a pandemia da COVID 19, o “velho anormal” surge neste contexto de crise e
mudanças. Como exemplo ver o debate “Atravessando a quarentena: o novo normal e o velho anormal”.
Disponível em www.bahia.fiocruz.br/live-atravessando-a-quarentena-o-novo-normal-e-o-velho-anormal/.
Acesso em 31 out. 2023.
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fórmulas, que muitos chamam de “projeto nacional”, para movimentar os debates e
mobilizar os setores da sociedade. Estamos diante de mais um período de disputas,
antevendo a chegada de um fim do ano de 2023 em que continuaremos incertos.
Nessa quadra, buscamos no horizonte e na presença da Igreja, alguns sinais de
esperança. É possível que as sementes plantadas em 2023 tendam a germinar e dar frutos
nos próximos anos para melhorar o desempenho e, sobretudo, redirecionar a economia
brasileira. Acreditamos muito nas realidades e na força que surge das comunidades: a luta
em defesa dos territórios e a teia dos povos das florestas, das cidades, dos campos e das
águas, o trabalho da “Economia de Francisco e Clara”, a presença constante de tantos
projetos de solidariedade, a força dos movimentos sociais, como o movimento negro116 e
o movimento indígena117, o papel das escolas nas comunidades, a organização e a
mobilização das mulheres, a forte articulação das pastorais sociais, as Campanhas da
Fraternidade118, tão proféticas, a presença da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e
os projetos de economia solidária e agroecologia, são sinais importantes, dentre tantos
outros que nos inspiram.
A sustentabilidade ambiental é preocupação que ganhou força nas políticas
federais (haja visto o inédito protagonismo do Ministério do Meio Ambiente). Do mesmo
modo, o Ministério dos Povos Indígenas, primeira experiência na história brasileira, tem,
embora com desafios, conseguido impor a sua presença nos debates políticos, como no
caso do Marco Temporal, que segue em debate nas tensas relações entre os três poderes
da República.
A proposta de retomada da industrialização está sendo construída com a pegada
da “inovação, descarbonização, inclusão social e crescimento sustentável”, um dos
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas119. Claro que há
Um grande exemplo é, em 2023, com o tema “Mãe Negra Aparecida, leve o clamor do seu povo ao seu
filho Jesus”, a Romaria das Comunidades Negras, que ocorreu em 4 de novembro, no Santuário Nacional
da Mãe Aparecida, coordenada pela Pastoral Afro-Brasileira, transformadora, comprometida e com
presença marcante no país. Disponível em https://www.cnbb.org.br/mes-da-consciencia-negra-resistirexistir-e-fortalecer-a-identidade-e-o-clamor-da-xxvii-romaria-das-comunidades-negras/. Acesso em 19
nov. 2023
117
Veja-se o importante documento “Chamado para uma Ação Urgente” elaborado por organizações
indígenas, indigenistas e socioambientais latino-americanas e encaminhado aos nove chefes de estado que
compõem a Amazônia – Brasil, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana
Francesa. O documento encaminhado em 27 de outubro também foi endereçado à Secretaria Geral da
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Nele, as organizações alertam que a
Amazônia está desidratada, que o “ponto de virada” chegou e que “os governos da Amazônia devem
assumir a liderança em ações articuladas”. Elas advertem ainda para importância de se tomar medidas
imediatas para conter os avanços devastadores das mudanças climáticas e para insistente implantação de
projetos desenvolvimentistas em locais socio ambientalmente vulneráveis. As organizações também
indicam medidas de soluções específicas para resolver os problemas. Disponível em
https://cimi.org.br/2023/10/acao-urgente-amazonia-nove-paises/. Acesso em 19 nov. 2023.
118
No próximo ano, serão celebrados os 60 anos da Campanha da Fraternidade, iniciativa que ilumina a
vivência da Quaresma no Brasil, à luz da caridade cristã. O tema escolhido pelos bispos é “Fraternidade e
Amizade Social” e o lema “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23, 8).
119
Meta 9.2.: “Promover a industrialização inclusiva e sustentável e, até 2030, aumentar significativamente
a participação da indústria no emprego e no produto interno bruto, de acordo com as circunstâncias
nacionais, e dobrar sua participação nos países de menor desenvolvimento relativo”. Disponível em
https://www.ipea.gov.br/ods/ods9.html. Acesso em 19 nov. 2023.
116
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muito a ser debatido para transformar proposições em consistentes relações sociais e de
produção. Mas é um início que merece toda a nossa atenção.
As políticas educacionais ganharam prioridade, em especial as voltadas ao ensino
básico (que compreende a educação infantil, o ensino fundamental e ensino médio –
básico e profissional). No campo da saúde, o Ministério da Saúde busca reforçar o SUS
e propõe usar o poder de compra desse amplo sistema para promover a produção nacional
de medicamentos e de vacinas ao invés de priorizar a importação. Além disso, medidas
para retomar a cultura brasileira de vacinação e enfrentar a desinformação são mais que
necessárias120.
A preocupação com a fome tem revalorizado a política de apoio à produção de
alimentos para consumo interno, priorizando a agropecuária da base familiar e a
agroecologia.
A Igreja Católica, no Brasil, por meio da CNBB, continua se posicionando a favor
da vida, desde a sua concepção até o seu declínio natural, da ecologia integral, da justiça
social e da igualdade entre todos, fonte dos direitos e da cidadania. Ela caminha, diante
de toda uma conjuntura exigente, com esperança e caridade.
Nesse mesmo sentido, essa caminhada brasileira reconhece a importante luz que
veio de Roma. O Informe resumido do Sínodo dos Bispos121, divulgado em 28 de outubro,
aprovou uma síntese que trata da opção pelos pobres, de paz, de economia solidária, de
salário básico universal, de justiça social, da superação do neocolonialismo e do
neoliberalismo, de pleno reconhecimento ao protagonismo dos movimentos sociais.
Exortam os ali reunidos para a missão e para a sinodalidade, sem cariz eclesiástico, em
uma Igreja em saída, para realizar a política como dimensão sublime da caridade. E
sussurra, como vento e como Espírito, para “continuar a viagem”, que “não se trata de
dispersar-se em muitas frentes, perseguindo uma lógica de eficiência e procedimental.
Trata-se, melhor, de aproveitar, das muitas palavras e propostas (...), a que mais se parece
com uma pequena semente, mas plena de futuro, e imaginar como entregá-la à terra que
a fará amadurecer para a vida de muitos”122. Ela nos ilumina.
Um exemplo é o “Movimento Nacional pela Vacinação”, que busca retomar as altas coberturas vacinais
do Brasil, disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/campanhas-da-saude/2023/vacinacao. Acesso em
19 nov. 2023. Sobre a vacinação, em evento noticiado pela CNBB, o secretário-geral da CNBB, Dom
Ricardo Hoepers, declarou que a vacinação é “... uma causa nobre. Entendemos que a CNBB, através dos
seus regionais e das dioceses, pode somar-se a esse trabalho. Quando levamos a consciência da saúde
integral da pessoa humana, estamos levando o Evangelho também. Jesus veio e disse: ‘eu vim para que
todos tenham vida e a tenham em abundância’. Portanto, vamos cuidar dessa vida que nos foi dada”. Dom
Ricardo acredita que a vacina deve chegar a toda população, principalmente, às famílias que têm suas
crianças e aquelas pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade. “É mais do que uma causa nobre, é
um dever moral, como diz o Papa Francisco. A vacinação também é um ato de amor”. Disponível em
https://www.cnbb.org.br/cnbb-e-convidada-pelo-cnmp-a-aderir-ao-pacto-nacional-pela-conscienciavacinal/. Acesso em 19 nov. 2023.
121
XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, Primeira Sessão, de 4 a 29 de outubro de 2023,
Informe resumido: UMA IGREJA SINODAL EM MISSÃO, 28 de outubro de 2023.
122
Idem, “Para continuar el viaje”, tradução livre do castellano.
120
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NUP CNBB: 00000.9.005511/2023
Este texto foi concluído no Dia Mundial dos Pobres, data criada pelo Papa
Francisco123. Em sua mensagem para o ano de 2023124, com inspiração no livro de
Tobias125, o Papa destaca a necessidade do empenho de todos e de forma constante no
acolhimento e na transformação dessa realidade: “A pobreza permeia as nossas cidades
como um rio que engrossa sempre mais até extravasar; e parece submergir-nos, pois o
grito dos irmãos e irmãs que pedem ajuda, apoio e solidariedade ergue-se cada vez mais
forte”126. Ele cita diversos problemas contemporâneos, que também geram pobreza: as
especulações financeiras que levam a um aumento dramático dos preços e do custo de
vida, a desordem ética no mundo do trabalho, a cultura que leva jovens a se sentirem
“falidos” e até mesmo ao suicídio, e os cenários de guerra são denunciados127. E indica
os gestos concretos e a presença necessária a partir de uma relação pessoal 128.
No tempo do Advento, diante dos ventos que virão, há muita lida e muita luta.
Elas não substituem a esperança, essa nossa irmã, pois são caminhos e sinais do presente
e do futuro. Fortes e duros, como as realidades aqui suscitadas. Mas nossos desafios são,
da mesma forma, imprescindíveis. Com esperança, pois ela “não é um lenitivo que
adormece a dor até que ganhemos coragem para tratar a sério da vida, mas uma força que
já hoje nos motiva para a transformação da história”129. Esperamos o que não vemos,
mediante a perseverança130.
A esperança é isso, perseverança. Dinâmica e concreta!
123
O Dia Mundial dos Pobres foi instituído pelo Papa Francisco, em 2017, na conclusão do Jubileu da
Misericórdia e é celebrado no domingo que antecede o Dia de Cristo Rei, que ocorre no último domingo
do Ano Litúrgico da Igreja Católica, geralmente em novembro. A data tem como objetivo chamar a atenção
para a situação das pessoas em situação de pobreza e marginalização e incentivar a solidariedade e o apoio
aos menos favorecidos.
124
VII Dia Mundial dos Pobres.
125
“Não desvies o rosto de nenhum pobre” (Tb 4,7).
126
Mensagem do Santo Padre Francisco para o VII Dia Mundial Dos Pobres, XXXIII Domingo do Tempo
Comum, 19 de novembro de 2023. Disponível em
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/poveri/documents/20230613-messaggio-viigiornatamondiale-poveri-2023.html. Acesso em 19 nov. 2023.
127
Idem.
128
Idem, 8b: “É fácil cair na retórica quando se fala dos pobres. Tentação insidiosa é também parar nas
estatísticas e nos números. Os pobres são pessoas, têm rosto, uma história, coração e alma. São irmãos e
irmãs com os seus valores e defeitos, como todos, e é importante estabelecer uma relação pessoal com cada
um deles”.
129
MENDONÇA, José Tolentino de. A esperança digna de espanto. Disponível em:
https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/desdobramentos/1586-a-esperanca-digna-de-espanto.
Acesso em 28 out. 2023.
130
Ro 8, 25.
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