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2 Autoconhecimento e Tai Chi
David Hruodbeorht1
“Conhecer a outrem é erudição
Conhecer a si próprio é sabedoria”
Lao Tzu
Este artigo tem como referência o texto ‘Da Imanência à Transcendência num
processo de construção do conhecimento’ em que o prof. Ruy Espírito Santo toca em
um ponto fundamental ao falar em autoconhecimento.
‘No interior habita a verdade’ já dizia Santo Agostinho. ‘Quem não consegue ver e
ouvir a si próprio não pode conquistar-se; obtém só o que os outros necessitam, alheio
às próprias necessidades’, sentenciava Chuang Tzu.
O sentido da existência levou, desde sempre, a questões como o que é a vida (como
surgiu, como cultivá-la e preservá-la), o que é a consciência (localização, natureza,
estrutura), qual a origem do Universo e o sentido último das coisas.
Tradicionais sistemas de conhecimento abordaram estes questionamentos e nos
forneceram importantes visões de mundo.
O I Ching é o grande Tratado das Mutações; ele revela que tudo muda o tempo todo,
menos a lei da mudança: ‘O homem superior está em harmonia com Céu e Terra,
com Sol e Lua e com as quatro estações do ano. No sucesso ou no infortúnio, não
se opõe aos princípios da Natureza’.
E o conhecimento tradicional provou-se correto muitas vezes. Depois que Tycho
Brahe observou uma supernova começou a ruir a noção de um Universo imutável e
eterno. Milênios depois de Huang Ti, Willian Harvey descobriu a circulação do
sangue (sec. XVII) e no seio do mundo moderno, onde computadores usam o
sistema binário, está presente o I Ching.
Como o equilíbrio não é estático, o caminho do meio é o mais correto e deve ser
perseguido em meio às constantes mutações das coisas-corpo, sociedade, natureza.
Os seres vivos têm de reagir às mudanças de maneira eficaz, rápida, no momento
certo e à altura para poder sobreviver. Alterações acontecem no clima como chuva,
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DAVID HRUODBEORHT: Doutor em Acupuntura pela WFAS, World Federation of
Acupuncture-Moxibustion Societies, Beijing, China, 2006. Representante do Corpo Docente das
Instituições de Ensino Superior de Santos no Conselho Municipal do Idoso de Santos, gestões
2000-2001 e 2004-2005. Professor da PUC SP (UAM e extensão). Contato:
david09hruodbeorth@gmail.com
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vento, calor, frio, secura, e na sociedade na forma de alegria, tristeza, raiva, medo,
preocupação, stress, etc.
Falar em Taoismo é falar em ciclos. Existem ciclos biogeoquímicos, circadianos,
lunares, solares, de Milankovitch, nutação, oscilação de Chandler, etc. e é
interessante observar que descobertas sobre ritmos circadianos foram premiadas
com o Nobel de Medicina de 2017.
Segundo a filosofia taoista os fenômenos do Universo podem ser decodificados em
Yin e Yang, ‘polos binários da realidade’, aspectos opostos e interdependentes cuja
união é o princípio e a razão da criação, a causa primeira do surgimento, manutenção
e término de todas as coisas.
Yang é objetivo e direto, é movimento ascendente, expansão, progresso, brilho,
atividade, dilatação, clareza, diluição, calor, inquietação, verão, sol, céu, dia, vísceras,
números ímpares, etc.
Yin é o inverso. Quietude, obscuridade, interiorização, lentidão e materialidade, por
exemplo.
Alguns sistemas de conhecimento tradicional apregoam que a Natureza tem algo
como uma ‘energia vital’, o que não é bem aceito pelo sistema de saberes atual,
uma vez que esta forma de energia não pode ser detectada por aparelhos.
De acordo com Lisa Randall, pesquisadora de física de partículas e cosmologia, não
há razão para a matéria visível ser o único tipo de matéria do Universo e nem que
ela seja constituída apenas de partículas com cargas elétricas. Também não há razão
para crer que o Universo seja feito apenas de matéria.
Como disse Aristóteles: ‘todos aqueles para quem o Universo é uno e admitem uma
certa natureza única como matéria corporal e provida de extensão, caem
inevitavelmente em muitos erros’. Também Sêneca falou sobre o invisível: ‘o tempo é
algo de incorporal, que não impressiona os olhos e por isso é tido qual coisa
desprezível, ou melhor, de valor nulo’.
Para o Papa Bento XVI, o progresso científico e tecnológico não consegue explicar
tudo. Embora reconhecendo os benefícios proporcionados pela tecnologia, o
Concílio Vaticano II lembrou que ‘o progresso das ciências e das técnicas, em
virtude do próprio método, não penetram até às causas últimas das coisas’ e o
“método de investigação destas disciplinas não é norma suprema de toda a
investigação da verdade’ (GAUDIUM et spes,57).
O que está alinhado com Poincaré: ‘O objetivo da ciência não são as próprias
coisas, como imaginam os dogmáticos em sua simplicidade, mas a relação entre
elas; fora destas relações não existe realidade cognoscível’ e ‘para o observador
superficial, a verdade científica é inatacável e a lógica da ciência, infalível’.
Alinhado também com Feyerabend: ‘A ciência é uma das muitas formas de
pensamento desenvolvidas pelo homem, não necessariamente a melhor’, e com
Heisenberg: ‘O que observamos não é a natureza em si, mas a natureza exposta ao
nosso método de questionamento’.
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Atualmente admite-se pelo menos 95% do Universo é de natureza desconhecida; a
natureza observável é apenas uma ínfima parte do todo sendo o Universo composto
de 73% de energia escura, invisível, não detectável por aparelhos (não se trata de
neutrinos ou antimatéria).
O restante é feito de 23% de matéria escura não-bariônica, igualmente de natureza
desconhecida e invisível, indetectável.
Somente 4% do Universo é constituído de matéria ‘comum’ visível, se tanto.
Como para o saber moderno o Universo é homogêneo e isotrópico e boa parte da
água da Terra veio de cometas, como o corpo de um bebê tem 90% de água, nosso
organismo deve conter átomos semelhantes aos que compõe o Universo.
No mundo das partículas atômicas também existem incógnitas. Segundo o físico
Angelo Bassi ‘somos ignorantes sobre a verdadeira natureza da matéria que existe
entre o micro e o macrocosmo’.
Isto leva a algumas questões.
Haverá algum tipo de interação da matéria escura e da energia escura com a matéria
‘comum’?
Existirá dentro dos seres vivos energia escura e matéria escura?
Desconhecendo a quase totalidade da realidade, pode-se afirmar com precisão que
não existe uma ‘energia vital’?
Figura 1: Símbolo do Tai Chi
O citado Tratado das Mutações é o pilar da civilização do Yin e Yang. Está na
arquitetura, filosofia, medicina, indumentária, no modo de vida da população, na
alimentação, na música, pintura, no meio militar, em toda parte.
O conceito Yin Yang foi codificado em hexagramas e no famoso símbolo do Tai Chi,
que significa viga mestra, suprema unidade.
Na visão taoista, a qualidade de vida e a longevidade dependem não apenas da
respiração e da alimentação, mas da plenitude e da concentração da energia vital; o
processo de envelhecimento tem relação direta com o esgotamento desta energia.
Para ‘manter a forma’ é preciso praticar a união da parte física com a parte
energética, já que uma depende da outra para haver o equilíbrio.
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Segundo o Mestre Liu Pai Lin o Tai Chi é a união do homem com a Natureza, o
equilíbrio corpo e espírito, a alternância natural entre movimento e serenidade e o Tai
Chi Chuan é a forma prática desta união onde os movimentos lentos, elegantes e
circulares preservam a saúde e a serenidade cultiva o espírito. E como o homem é
considerado um microcosmo e tem dentro de si Céu e Terra, o treinamento da
unidade pode suprir o organismo com nova energia.
Conhecido como uma forma de meditação em movimento, o Tai Chi Chuan também é
chamado de filosofia do movimento e é considerado por Harvard como uma
‘medicação em movimento’ que ‘tem valor no tratamento ou na prevenção de muitos
problemas de saúde’ e pode ser a “atividade perfeita para o resto da vida”. Ele ajuda
a desenvolver autoconfiança, consciência do eixo, reflexos e propriocepção.
O aprendizado háptico (cinestésico), muito valorizado pelos educadores, é um dos
pontos altos nas práticas interativas em duplas. Ao tentar ‘ouvir’ através do feedback
tátil e reagir aos movimentos do parceiro, o praticante desenvolve sensibilidade ao
toque, equilíbrio e reflexos; isto pode melhorar a integração ao meio social e explorar
questões emocionais e psicossociais na medida em que as respostas aos
movimentos alheios são as mesmas que as exibidas no dia a dia para com as demais
pessoas, segundo Peter Wayne.
De acordo com Mestre Pai Lin o Tai Chi é a união de duas práticas, a da longevidade
e a do sentimento de amor, que é a forma de interação com a natureza. A prática
pode permitir esta ligação, conservar o amor no coração e levar ao retorno da pureza
do ser.
O Tai Chi pode ser considerado uma forma de autocultivo onde não há competição
nem preocupação de quebrar records ou superar limites e pode ser um caminho para
o autoconhecimento, auxiliando no processo da educação, levando ao conhecimento
da verdadeira dimensão humana, a uma sociedade mais pacífica, a uma vida plena e
saudável e permitindo o desenvolvimento do potencial físico, mental e espiritual.
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