Baril’70 Anos
Fernando Baril nasceu em 23 de maio de 1948, em Porto Alegre. Foi
criado na capital, mais precisamente no universo judaico local, do Bonfim
ao Colégio Israelita; nas férias, Capão da Canoa. Na Travessa Ferreira de
Abreu, o menino curioso quis saber o movimento de senhoras na casa
da vizinha, Maria Bandeira. Formada pelo Instituto de Belas Artes, ela
mantinha um movimentado ateliê, com dezenas de alunas. Ali, o pequeno
Fernando resolveu fazer arte e ficou por cerca de 4 anos aprendendo pintura
à óleo. Logo em seguida, foi estudar desenho com outro vizinho, Vasco
Prado, que atendia a uma clientela de todas as idades.
Para a responder à “necessidade” do curso superior, a profissão mais
perto da arte era ser arquiteto. Na Unisinos, iniciou Arquitetura em 1971,
mas abandonou o curso próximo de diplomar-se. Por volta de 1972-73,
ainda cursando arquitetura, surgiu em seu caminho a proposta de ensino
livre do Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre, nos últimos dias da
escola nos altos do Mercado Público e os primeiros tempos na sede da
Rua Lobo da Costa. Na instituição, fez cursos de xilogravura com Xico
Stockinger e pintura com Paulo Porcella.
Carr University of Art and Design.
Este interesse que vinha desenvolvendo
pelo lírico, pelo embate livre e
imprevisto com a tela, aos poucos foi
transformando-se em um figurativismo
ainda impreciso, em razão da sedução
das imagens do mundo cosmopolita que
passou a deter a atenção e o interesse
do artista, por meio desta primeira
inf luência viva na América do Norte.
As imagens do seu início figurativo
brotaram perturbadoras, em uma
atmosfera escura, da penumbra ao negro
total. Sua pintura era como um tipo
de autoanálise, originária nos sonhos,
Cruzando Jesus Cristo com Shiva,
no inconsciente, também em apoio à
1996. Acrílica s/tela, 150 x 125 cm.
psicanálise. Mas não demorou muito e
Coleção do artista.
houve a inversão: foi Baril quem passou a
analisar o mundo, como um crítico mordaz e de humor contundente.
Era uma vez um ovo, 2005. Acrílica s/tela,
30 x 30cm. Coleção Rosana Bonamigo.
Kiss Me, 2016. Acrílica s/tela, 19 x 17cm.
Coleção Rosana Bonamigo.
Washington (1990): “Fernando Baril é um cronista do nosso tempo, e a
pintura é o seu meio”. Afirmou este crítico que este artista não nos atinge
pela excelência de sua pintura, mas “é o que ele pinta que nos atinge
primeiro”: “os profundos da consciência, porém também a inconsciência
dos últimos anos, as contradições e os absurdos. Mais frequentemente,
o que parece ser uma caricatura é, de fato, uma crítica da visão interna
dos valores da sociedade contemporânea – ou, talvez seja o caso, a falta de
valores”.
Caldo italiano, 2007.
Acrílica sobre tela .
40 x 40cm.
Coleção do artista.
Em meados da década de 1970, Baril tomou conhecimento da Real
Academia de Bellas Artes de San Fernando, em Madri, Espanha. Preparouse e foi aceito na conceituada Academia, onde foi estudar pintura em 1978,
tendo como professor o mestre Manuel López-Villaseñor y López-Cano
(1924-1996). Lá, viveu quase dois anos e também participou de exposições.
Na volta, tomou forma o artista profissional reconhecido, que começou a
expor e a viver de arte, uma proeza já para a época. Também começou a
lecionar pintura em seu ateliê, ou
mesmo fora, como no Atelier Livre de
Porto Alegre (em 1980, na nova sede
do CMC) e na Universidade de Caxias
do Sul (1981).
Baril já despontava então
como um nome respeitado na arte
no Rio do Grande do Sul, com uma
produção abstrata que misturava
desenho, pintura e colagem, a qual
o crítico Carlos Scarinci chamou
de “informalismo renovado”,
um “grafismo, resultante da
espontaneidade gestual” (Exposição
Baril, MARGS, 1980). Logo adiante,
o artista interrompeu as aulas do seu
ateliê e foi atualizar-se nos Estados
Unidos, em Los Angeles, na Otis
College of Art and Design, e também Raio X, 2016. Acrílica s/tela, 25 x 20 cm.
no Canadá, em Vancouver, na Emily
Coleção Rosana Bonamigo.
To Xico Stockinger, 2006. Acrílica s/tela, 100 x 50cm. Coleção particular.
Ipod Raio X, 2012. Acrílica s/tela, 17 x 46cm. Coleção Carlos Jader Feldman.
Em 1988, aos 40 anos, ele retornou aos EUA para morar quatro anos
em Nova Iorque, em nada menos que num período efervescente do Village
e da arte nas galerias do Soho. A linha de trabalho que o artista levou de
Porto Alegre e consolidou em Nova Iorque, em árduo trabalho de ateliê,
transformou-se em sua marca distintiva. Baril também encontrou nesta
nova expressão as formas onde os seus aprendizados técnicos em pintura
melhor puderam ser aplicados, desenvolvidos.
Pouco antes do artista trocar a província e embarcar para a Big
Apple, Eunice Grumam, crítica de arte do Jornal do Comércio, observou
na célebre revista Wonderful que Fernando Baril lembrava Hieronymus
Bosch, pois via em ambos uma
forma similar de brotar o mundo
inconsciente, havendo pontos
de contato entre o “inferno
boschniano das tentações cristãs
e do consumismo representado
por Baril” (Wonderful n.º 2, abr.
1988). Mas a visão de cronista, em
Baril, talvez seja a mais forte, eis
que se trata (desde cerca 1986) de
uma posição crítica e consciente da
realidade.
Em 1990, José Neistein
observou este mesmo aspecto
ao apresentar o artista, no texto
Boca fechada não entre mosca, 1990.
do convite de sua individual
Acrílica s/tela, 40 x 38cm. Coleção Rosana
na Embaixada do Brasil em
Bonamigo.
Na volta, ele reiniciou suas aulas particulares de pintura
(encerradas somente em 2017). Em 1996, na esteira do sucesso, em sua
individual do Espaço Net, em Porto Alegre, Baril trouxe para a vernissagem
simplesmente uma vaca de verdade. A par do humor, da diversão pura
e simples, a situação de uma imensa vaca leiteira a circular por um
bairro nobre da capital gaúcha era real como a vida, também absurda. Na
ocasião, Luís Fernando Veríssimo apresentou o artista no convite, com
esta perspectiva: “Nada é irreal na pintura de Baril. Tudo o que está lá
está no mundo, quando não está na sua casa. Antes de inventar, ele faz
um inventário. Mas
você nunca viu coisas
assim. Você nunca viu
as coisas assim. Tudo
é rigorosamente claro
e ao mesmo tempo
escrachadamente
alegórico, engraçado
e perturbador. Ele
não é surrealista, não.
Surrealista, será que
existe?”.
Fernando Baril
é dos artistas mais
ativos desde sempre;
pinta em jornada
Celular, s/d. Acrílica s/tela, 30 x 40cm.
de trabalho como
Coleção Carlos Jader Feldman.
qualquer trabalhador,
Baril’70 anos
Chanel, 2003. Acrílica s/tela, 40 x 40cm.
Coleção Rosana Bonamigo.
Leão, 2015. Acrílica s/tela, 23 x 20cm.
Coleção Rosana Bonamigo.
da manhã à noite, pois este é o
seu ofício. Em 2017, seu trabalho
voltou a chamar a atenção. Na
Queermuseu, uma de suas pinturas
tornou-se praticamente um ícone
da exposição, fechada abruptamente
pela instituição que a sediou, o
Santander Cultural. A obra Cruzando
Jesus Cristo com Shiva (1996) agora
estará na histórica remontagem da
Queermuseu, no Parque Lage, Rio
de Janeiro. Esta icônica obra nada
mais é do que a crítica ao absurdo
consumismo a que se reduziu a
nossa cultura ocidental, afinal, a
sociedade cristã por excelência.
Nem Cristo com inúmeros braços,
em referência ao deus hindu Shiva,
dá conta de tamanhos absurdos,
que tem a imagem do próprio
Jesus como vítima da exploração
consumista.
Nessa perspectiva, segue o
cronista Fernando Baril, preocupado
em trabalhar, em fazer que sabe
fazer. Esta mostra do MARGS é a
volta de individual do artista na
instituição. A última vez foi há 38
anos (1980). Não é totalmente uma
retrospectiva, mas são apresentados
trabalhos de 1979 a princípios dos
anos 80, exemplificativos de sua
fase abstrata. Também presentes as
pinturas da fase seguinte, do seu
início figurativo, do inconsciente e
dos sonhos, de objetos imprecisos,
seres ou pessoas em meio a
escuridão. A parti daí, presente
em grande número, a paulatina
tomada do mundo crítico, dos ícones
da vida pop, cores em profusão e
do invejável domínio técnico. Ao
Séc. XXI, Baril apresenta-se com
formatos menores e temas mais
concisos. Para quem o acompanha
nos últimos 30 anos, nos mais
recentes percebe-se o quanto as
imagens e as situações mostradas
pelo artista são “datadas”. Junto com
suas cores e o humor particular,
ali também estão documentados
os momentos de boçalidade do
avassalador “avanço” das tecnologias
pessoais e no que estão sendo
transformadas as pessoas. Baril está
nos chamando a atenção para os
absurdos, observemos.
José Francisco Alves
Doutor em História da Arte,
membro da AICA e ICOM
Penúltimas tentações de Cristo, 1989. Acrílica s/tela, 150 x 125cm. Coleção do artista.
Agradecimentos
Carlos Jader Feldman
Gilberto Perin
Marco Abreu
Rosana Bonamigo
Fotografias
Gilberto Perin
Design Gráfico
José Francisco Alves
Apoios
Apoio Cultural
Sapatos na caixa, 2007. Acrílica s/ tela.
40 x 40cm. Coleção do artista.
Patrocínio
Realização
MUSEU DE ARTE DO RIO GRANDE DO SUL ADO MALAGOLI
Praça da Alfândega, s/n.º - Centro Histórico
90010-150 Porto Alegre-RS Brasil
https://www.facebook.com/margsmuseu
www.margs.rs.gov.br
Sapato, 2012. Acrílica s/tela, 25 x 35cm.
Coleção Carlos Jader Feldman.
ASSOCIE-SE À AAMARGS
Associação dos Amigos do Museu de Arte do Rio Grande do Sul
www.margs.rs.gov.br/aamargs/#associe-se-na-aamargs
Curador
José Francisco Alves
26 de junho, às 19h. Até 4 de setembro de 2018.
MARGS