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292 Almeida Lima S, Andreoli RLF, Grossi SAA, Secoli SR. Insulina intravenosa: controvérsias sobre o processo de adsorção nos dispositivos de infusão. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008 jun;29(2):292-300. ARTIGO DE REVISÃO INSULINA INTRAVENOSA: controvérsias sobre o processo de adsorção nos dispositivos de infusão Suziane de ALMEIDA LIMAa Renata Luciane Fioratti ANDREOLIb Sonia Aurora Alves GROSSIc Silvia Regina SECOLIc RESUMO A adsorção de insulina é um fenômeno de superfície inespecífico que interfere na demanda de insulina ao paciente. Esta revisão bibliográfica objetivou identificar os agentes causais da adsorção de insulina em soluções intravenosas e verificar as estratégias utilizadas para reduzir a adsorção. Utilizaram-se artigos selecionados nas bases de dados Medical Literature and Retrieval System On Line (MEDLINE), Literatura Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Cumulative Index to Nursing & Allied Health Literature (CINAHL) e no portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) publicados entre 1960-2005. Os frascos de polipropileno e os equipos sem filtro apresentaram menor adsorção; o processo de adsorção foi máximo na infusão dos primeiros 100 ml da solução. A pré-exposição do equipo com 50-100 ml da solução por um período de 30-60 minutos, o uso de frascos de superfície interna menor e equipos curtos foram estratégias utilizadas para minimizar a adsorção da insulina. Descritores: Soluções farmacêuticas. Enfermagem. Insulina. RESUMEN La adsorción de insulina es un fenómeno inespecífico de superficie que interfiere en la demanda de insulina para el paciente. La revisión bibliográfica tuvo el objetivo de reconocer las causas de la adsorción de insulina en soluciones intravenosas y verificar las estrategias utilizadas para reducir la adsorción. Se utilizaron artículos de las bases Medical Literature and Retrieval System On Line (MEDLINE), Literatura Latinoamericana y del Caribe de la Salud (LILACS), Cumulative Index to Nursing & Allied Health Literature (CINAHL) y del portal de la ‘Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior’ (Coordinación de Perfeccionamiento de Personal de Nivel Superior) (CAPES) publicados entre 1960-2005. Los frascos de propilpropileno y los equipos sin filtro indicaron menor adsorción, la adsorción fue máxima en la administración de los primeros 100ml de la solución. La realización de exposición previa del equipo con 50-100ml de solución por 30-60 minutos, el uso de frasco de superficie interna más pequeña y equipos cortos fueron estrategias utilizadas para disminuir la adsorción de insulina. Descriptores: Soluciones farmacéuticas. Enfermería. Insulina. Título: Insulina intravenosa: controversias sobre el proceso de adsorción en los equipos de infusión. ABSTRACT Insulin adsorption is a non-specific surface phenomenon that interferes with the patient’s insulin demand. This literature review aimed at identifying the causes of insulin adsorption in intravenous solutions and the strategies used to reduce adsorption. Articles from Medical Literature and Retrieval System On Line (MEDLINE), Latin American and Caribbean Health Science Literature (LILACS), Cumulative Index to Nursing & Allied Health Literature (CINAHL) and Co-ordination and Improvement of Graduate People (CAPES) databases were used. Polypropylene flasks and in-line equipment without filter presented less adsorption, adsorption was maximum when the first 100ml of the solution were infused. Strategies used to minimize insulin adsorption pre-exposure of 50 to 100ml solution flasks for 30-60 minutes, use of flasks with smaller internal surface, and short in-lines. Description: Pharmaceutical solutions. Nursing. Insulin. Title: Intravenous insulin: controversy on the adsorption process of infusion kits. a b c Especialista em Unidade de Terapia Intensiva. Enfermeira do Hospital Albert Einstein, São Paulo, Brasil. Especialista em Unidade de Terapia Intensiva e em Cardiologia. Enfermeira do Instituto do Coração (INCOR), São Paulo, Brasil. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, Brasil. Almeida Lima S, Andreoli RLF, Grossi SAA, Secoli SR. Insulina intravenosa: controvérsias sobre o processo de adsorção nos dispositivos de infusão. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008 jun;29(2):292-300. INTRODUÇÃO Adsorção é um processo em que ocorre fixação de uma substância (o adsorvato) na superfície de outra substância (o adsorvente) A adsorção da insulina é um fenômeno de superfície inespecífico, pouco conhecido, que se inicia instantaneamente e interfere na demanda confiável de insulina ao paciente. Foi descrito pela primeira vez em 1951, quando foi demonstrado a adsorção da insulina no vidro; mais tarde, o mesmo evento foi demonstrado, também, em plásticos e vidros siliconizados(1-9). Na prática clínica, a insulina é habitualmente administrada por via subcutânea (SC) e intramuscular (IM) com seringas de plástico, que apresentam menos de 10% do evento denominado adsorção(2,3). Portanto, este processo não apresenta uma barreira para a eficácia terapêutica do fármaco. Contudo, há situações clínicas em que há dificuldade para controlar os níveis glicêmicos e que não permitem a administração pela via SC e IM, sendo necessária a infusão intravenosa (IV), como, por exemplo, nos casos de pancreatite hemorrágica aguda, cetoacidose diabética, tratamento da hipercalemia, intra-operatório do paciente diabético, cirurgia cardíaca, grandes queimados, nutrição parenteral e terapia nos recém-nascidos com baixo peso(1,3,5). Nessas condições, faz-se necessária a administração por via endovenosa (EV). A adsorção da insulina apresenta relevância, pois a redução da concentração inicialmente prescrita pode acarretar alteração da resposta terapêutica. Atualmente, sabe-se que a insulina, quando infundida por via EV, aglutina-se nos frascos de vidro e em outros dispositivos confeccionados em plástico, como frascos, equipos, seringas e filtros. No que concerne ao plástico, os estudos mostram que a insulina adere em vários tipos disponíveis no mercado como o cloreto de polivinil (PVC), polietileno, polipropileno e etileno vinil acetato (EVA)(5,9-11). O significado clínico da adsorção de insulina ao paciente é incerto; a magnitude da perda é freqüentemente duvidosa. A perda de insulina pode ser considerável. Um estudo apontou que das 30U (unidades) de insulina introduzidas na solução, infundiram-se no paciente apenas 6.4U(9). O frasco adsorveu imediatamente 52% (15.8U), o equipo 55% (7.9U) e a seringa usada para transferir a insulina para o frasco adsorveu cerca de 7%. Deste modo, considerando-se o procedimento do momento do preparo da solução até a administração da 293 insulina, o total da adsorção foi de 79% (23.7U)(9). Em testes realizados com bolsas EVA usada, freqüentemente, em nutrição parenteral observou-se que, das 3333 µU/ml de insulina introduzidas no frasco, 47.7% do total atingiu o paciente, ou seja, cerca de 1590 µU/ml(11). A despeito desses achados, o sucesso da terapia IV pode não ser prejudicado pela adsorção da insulina. A administração individualizada, baseada em controle da glicemia e do débito urinário, pode garantir a segurança e eficácia da infusão. Todavia, a adsorção poderá ser relevante se a solução apresentar concentrações de insulina inferiores a 100 ou 200U/litro(12-14). No contexto atual, não há consenso acerca do preparo da infusão da insulina IV, e há, por parte da equipe de enfermagem, dúvidas importantes quanto ao tipo de frasco e do equipo, ao tempo de troca da solução, a concentração adequada, entre outras. Diante do exposto, e considerando que a falta de evidências freqüentemente favorece práticas impróprias, muitas vezes baseadas em experiências individuais, realizou-se uma revisão bibliográfica para responder questões concernentes ao fenômeno da adsorção da insulina, no intuito de subsidiar a administração segura deste fármaco. Portanto, este estudo teve como objetivo caracterizar os estudos experimentais relativos à adsorção de insulina IV quanto ao ano de publicação, nome do periódico e objetivo do estudo; identificar os agentes causais da adsorção de insulina contida em soluções EV e verificar as estratégias e recomendações utilizadas para a redução do processo da adsorção de insulina. MATERIAL E MÉTODO Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica feito nas bases de dados Medical Literature and Retrieval System On Line (MEDLINE), Literatura Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Cumulative Index to Nursing & Allied Health Literature (CINAHL), em revistas eletrônicas indexadas no portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e livro-textos. Os descritores utilizados para a busca no MEDLINE foram:“insulin and adsorption”,“insulin and bags”,“insulin and glass”. No Ovid, foram utilizados descritores “insulin intravenous” e “insulin adsorption”. O período de busca contemplou os anos de 1960 a 2005. Almeida Lima S, Andreoli RLF, Grossi SAA, Secoli SR. Insulina intravenosa: controvérsias sobre o processo de adsorção nos dispositivos de infusão. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008 jun;29(2):292-300. 294 Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: estudos realizados em seres humanos ou in vitro; publicados em inglês, português ou espanhol; que apresentavam foco central da discussão no processo de adsorção da insulina na terapia EV; e disponíveis na íntegra em bibliotecas nacionais ou online. De posse do material bibliográfico, iniciou-se a fase de leitura exploratória com a finalidade de determinar o material que, de fato, interessaria à pesquisa. Esta leitura foi realizada no intuito de selecionar os textos e sumarizar as informações nele contidas, de forma que elas possibilitassem a obtenção de respostas à questão investigada. Para esta finalidade, elaborou-se um instrumento de coleta de dados composto por dez perguntas abertas contendo as variáveis, autor, ano de publicação, tipo de estudo, material do frasco, tipo do equipo, seringa e diluente, concentração da insulina, tempo de contato entre a solução de insulina e os dispositivos de infusão e estratégias de redução do processo da adsorção. Nas bases consultadas, foram, inicialmente, encontrados 59 artigos, sendo que 19 (32,2%) do total enquadravam-se nos critérios de elegibilidade. Desse modo, a totalidade da amostra foi constituída por artigos identificados basicamenTexto Texto 1 (13) Periódico te no MEDLINE (n=19), tendo em vista que na CINAHL e no Ovid, os únicos artigos encontrados já haviam sido citados no MEDLINE, e no LILACS não foi identificado nenhum material concernente ao assunto em questão. RESULTADOS Por questões didáticas, a apresentação dos resultados foi subdividida em itens, considerando no material analisado os aspectos gerais das pesquisas experimentais e as questões mais diretamente envolvidas na prática clínica. Caracterização dos estudos experimentais relacionados à adsorção de insulina em soluções intravenosas Dos 19 estudos experimentais analisados, 84,2% ocorreram entre 1960 a 1989. Considerando que os estudos pioneiros que descreveram a adsorção da insulina datavam dos anos 60, considerou-se fundamental nesta revisão estabelecer o período de busca a partir dessa data. Os estudos foram divulgados em periódicos médicos (68,4%) e farmacêuticos (26,3%), havendo destaque para aqueles especializados em diabetes, anestesia e pediatria (Quadro 1). Objetivos do estudo Journal Paediatric Child Health Demonstrar a adsorção de insulina em diferentes dispositivos de infusão e o efeito preventivo da adição de albumina. Texto 2(6) Diabetes Educator Comparar a adsorção da insulina lispro e insulina regular humana nos kits de infusão. Texto 3(12) Journal of Pediatrics Comparar a pré-lavagem e a não lavagem do equipo no processo de adsorção da insulina. Texto 4(11) Journal of Parenteral and Enteral Nutrition Verificar a adsorção da insulina em frascos EVA. Texto 5(15) American Journal of Hospital Pharmacy Analisar a adsorção e determinar práticas de administração de insulina que minimizem sua adsorção Texto 6(3) American Journal of Hospital Pharmacy Estudar os fatores químicos que contribuem para a adsorção da insulina em dispositivos de infusão. Texto 7(1) American Journal of Hospital Pharmacy Investigar o efeito do sangue total na adsorção de insulina Texto 8(5) Acta Anaesthesiologica Scandinavica Verificar a adsorção de insulina nos kits intravenosos e o efeito preventivo do uso da albumina. Texto 9(16) New England Journal of Medicine Verificar a adsorção de insulina em equipos com ou sem filtro. Texto 10(8) American Journal of Hospital Pharmacy Verificar a adsorção de insulina em materiais de cloreto de polivinil (PVC). Continua Almeida Lima S, Andreoli RLF, Grossi SAA, Secoli SR. Insulina intravenosa: controvérsias sobre o processo de adsorção nos dispositivos de infusão. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008 jun;29(2):292-300. 295 Continuação Texto Periódico (10) Objetivos do estudo Texto 11 Anaesthesia and Intensive Care Avaliar a adsorção de insulina em vários sistemas de infusão. Texto 12(4) Diabetes Comparar as soluções acrescidas de albumina e a pré lavagem do equipo no processo de adsorção de insulina. Texto 13(17) British Medical Journal Comparar a ação da albumina sérica humana com o polygeline na redução da adsorção da insulina. Texto 14(14) British Medical Journal Comparar a ação da albumina sérica humana com o polygeline na redução da adsorção da insulina. Texto 15(9) Anesthesiology Verificar a adsorção de insulina em kits de infusão intravenosa. Texto 16(18) American Journal of Hospital Pharmacy Verificar a adsorção de insulina em frascos de polipropileno e kits de infusão de PVC. Texto 17(2) Diabetes Verificar a adsorção de insulina em kits de infusão intravenosa. Texto 18(7) Diabetologia Comparar o efeito da albumina e gelatina na prevenção de adsorção de insulina em frascos. Texto 19(19) Endocrinology Verificar a adsorção de insulina em frascos com albumina. Quadro 1 – Estudos experimentais “in vitro” segundo texto, periódico e objetivos do estudo. Identificação dos agentes causais da adsorção de insulina em soluções intravenosas No que se refere aos objetivos dos estudos, 47,0% investigaram o processo da adsorção da insulina nos kits de infusão (frascos, equipos, seringas, cateter venoso, diluentes), e os outros estudaram estratégias de prevenção da adsorção da insulina (37,0%) e o processo da adsorção do fármaco nos kits de infusão e as estratégias que minimizam o evento (16,0%) (ver Quadro 1). Com relação aos fatores que interferem na adsorção, os estudiosos apontaram que o tipo de material e dispositivo, concentração da insulina e o tempo de contato entre o fármaco e o dispositivo e o tipo da solução afetaram o processo de modo bastante diferente(1-6,8-15,18). Tabela 1 - Distribuição dos estudos experimentais segundo diluente e concentração de insulina regular e lispro em U/ml. São Paulo, 2005 Diluente SF 0,9% SF 0,45% SG 5% SG 5,5% SG 5% + água SG 20% SG 50% SG 60% RL RL + SG 5% SF 0,9% + SG 20% + aminoácidos 7,5% Inverdex (açúcar invertido) Krebs Ringer bicarbonato Fosfato de sódio + sucrose + ácido tricloracético < 0,01 U/ml Insulina 0,01 ← 0,1 U/ml 0,1 ↔ 10 U/ml n % n % n % 3 1 1 1 15,8 5,3 5,3 5,3 1 1 5,3 5,3 1 1 1 5,3 5,3 5,3 8 1 1 1 1 1 1 2 1 - 42,1 5,3 5,3 5,3 5,3 5,3 5,3 10,5 5,3 - 6 4 1 1 - 31,5 21,0 5,3 - 1 5,3 - - - - Legenda: SF = soro fisiológico; SG = soro glicosado; RL = Ringer Lactato. Almeida Lima S, Andreoli RLF, Grossi SAA, Secoli SR. Insulina intravenosa: controvérsias sobre o processo de adsorção nos dispositivos de infusão. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008 jun;29(2):292-300. 296 Dentre os estudos, verificou-se que 63,0% dos ensaios utilizaram frascos de vidro e 37,0%, PVC. Para os equipos havia pouca especificação do material; no entanto, 37,0% destes foram de plástico não especificado e 10,0% de PVC. Todas as seringas analisadas eram de plástico. No que tange a concentração de insulina, verificou-se que em 73,6% (n=14) dos estudos, a variação foi de 0,01 a 10U/ml (3-9,11-13,15-18). Entre os diluentes destacaram-se os isotônicos com 73,6% (n=14) (3-7,9,11-13,15-19) (Tabela 1). O tempo de contato entre soluções contendo insulina em recipientes variou de zero a mais de 24 horas, com predomínio no tempo de zero a quatro horas (79%)(1-3,5,6,8,9,11,15) (Figura 1). Publicações (%) 79% 16 14 12 10 8 6 4 2 0 53% 21% 16% 16% 21% 5% 0-4 4-8 8-12 12-16 16-20 20-24 Tempo (h) > 24 Figura 1– Distribuição dos estudos experimentais segundo o tempo de contato da solução de insulina com o recipiente. São Paulo, 2005. Estratégias e recomendações para redução do processo de adsorção de insulina A análise das publicações, incluindo estudos experimentais, consensos e recomendações revelou que dentre as estratégias utilizadas para minimizar o processo da adsorção da insulina destacaram-se a adição de colóides (n=9) (1,2,4,7,10,13,14,17,19) e lavagem do equipo (n=7)(4,9,12,13,15,16,20) (Figura 2). 47,4 50 36,8 40 30 20 10,5 10,2 10 0 Coloides Lavagem do equipo Adição de vitaminas, eletrólitos e fármacos Pré exposiçãodo equipo Figura 2 – Distribuição das publicações segundo estratégias para evitar a adsorção de insulina. São Paulo, 2005. DISCUSSÃO A análise dos estudos relativos à adsorção de insulina, publicados nos anos de 1960 a 2005 mostrou que o tema representou grande importância nas décadas de 60 a 80. Após este período o número de trabalhos foi reduzindo gradativamente, revelando pouca expressividade nos dias de hoje, ainda que a terapia insulínica EV continue sendo largamente prescrita no contexto dos hospitais brasileiros. Em relação aos periódicos, os farmacêuticos e médicos foram os profissionais que estudaram o fenômeno da adsorção. Nessa revisão bibliográfica constatou-se que não existem estudos dessa natureza publicados em revistas de enfermagem, nem realizados por enfermeiros, que são os profissionais diretamente envolvidos no preparo e controle da infusão da insulina. Ao analisar o desenho das pesquisas experimentais verificou-se que a totalidade dos experimentos foi realizada in vitro, provavelmente pela dificuldade em controlar as variáveis clínicas relativas ao paciente e variações nas concentrações da insulina, que certamente poderiam interferir nos resultados. A adsorção da insulina variou de 3 a 80%, sendo que a extensão desse processo deveu-se, em parte, ao tipo de material utilizado, área de superfície dos frascos, velocidade de infusão da solução insulínica, concentração da insulina e diluente(1,4-6,14,15,17). No que concerne ao tipo de material, verificou-se que o vidro adsorveu um pouco mais insulina que o PVC, no entanto sem apresentar diferença estatisticamente significante (1,5,6,9,14). O polipropileno mostrou-se superior ao PVC e vidro, cuja adsorção para este material, foi menos da metade que poderia ser esperado para a bolsa de PVC (p<0,02). Todavia, não houve comparação entre vidro e polipropileno, mas como a adsorção no vidro foi similar à ocorrida no PVC, infere-se o mesmo resultado(18). Testes com vidro soda e vidro soda siliconizado resultaram em adsorção similar, porém quando comparados ao PVC, este material mostrou-se superior (p<0,001), ou seja, a adsorção foi significativamente menor(5). Quanto aos frascos de EVA, observou-se que o evento da adsorção foi significativo, provavelmente devido à área de superfície do frasco, que comportava um volume 3.000 ml(11). Estudos com frascos de materiais semelhantes e dimensões distintas revelaram que quanto maior a área de Almeida Lima S, Andreoli RLF, Grossi SAA, Secoli SR. Insulina intravenosa: controvérsias sobre o processo de adsorção nos dispositivos de infusão. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008 jun;29(2):292-300. superfície interna do frasco, maior a adsorção da solução de insulina(4-6,9,11). Um frasco de infusão de 1000 ml apresenta uma área interna de cerca de 700 cm2, enquanto que um frasco de 500 ml possui área próxima de 450 cm2, o de 250 ml e 200 ml de 285 cm2 e 211 cm2 respectivamente(3,5). Os equipos com filtros possuem áreas internas maiores e por esta razão adsorvem um pouco mais que os convencionais(6,16), especialmente aqueles usados para hemotransfusão(15). No que se refere ao tipo de material, os equipos de poliamida comparados ao de polietileno não mostraram diferença na adsorção de insulina(5). Todavia, o polietileno mostrou-se superior ao PVC com o uso da insulina lispro(6). A velocidade de infusão em equipos fabricados em diferentes materiais não interferiu na adsorção, sendo que este evento ocorreu de forma máxima nos primeiros 100 ml do efluente(15). Deste modo, para infusões de pequeno volume e baixa velocidade os locais de saturação e aderência na extensão do equipo permanecem livres por mais tempo até que um volume suficiente da infusão flua pelo sistema e preencha todos os sítios de saturação(6,10,12,13). Essas informações devem ser consideradas na infusão de insulina em crianças e neonatos. Quanto à concentração de insulina necessária para saturação dos sítios há controvérsias entre os autores. Alguns estudos apontaram que o aumento da concentração de insulina diminui a adsorção no equipo(2,5,8,15). Outra investigação mostrou que uma determinada concentração adsorverá aproximadamente a mesma proporção de insulina, durante um período de 8 horas, tanto quanto em uma concentração duas vezes maior(12) . Os estudos utilizaram diferentes diluentes e os resultados obtidos foram diversificados e controversos. A mistura de RL e SG 5% comparada ao RL isolado, acarretou na melhor distribuição de insulina para a mistura, tanto em frascos de vidros quanto em frascos de PVC(9). A solução de SF 0,9% adsorveu menos que a SG 5%(3). Outros autores relataram que tanto o SF 0,9% quanto SG 5% não representaram nenhum impacto na adsorção(13) e o mesmo pode ser esperado para soluções com RL(4). Não houve diferença significativa para SG 50% e SG 5%, exceto após 8 horas de infusão, quando houve aumento da adsorção de insulina no SG 5%(10). Um estudo comparativo entre vários diluentes apontou que o SG 60% adsorve menos que o 297 SG 20%, o inverdex 10%, o SF 0,9%,o SG 5%, o Ringer-acetato e a frutose-glicose com eletrólitos, respectivamente(5). De modo geral os resultados das investigações apontaram uma variação de adsorção entre 15 a 50% de insulina remanescente do fluído EV em soluções isotônicas(5,8,9), e em soluções hipertônicas (SG50%) a perda foi de 9%(10). O tempo de contato da solução de insulina e materiais (frascos, equipos e seringas) não interfere na adsorção. A adsorção máxima de insulina ocorre precocemente, sendo um processo instantâneo que se estabiliza nas duas primeiras horas. Estima-se que haja demanda constante de insulina, mesmo em infusões de 24 horas(1-3,6,8-9,15,18). Nesta revisão não houve nenhum registro de que o tipo de insulina interfira no processo da adsorção(5,6). Os experimentos foram realizados a temperaturas de 4ºC a 37ºC e não foi feita nenhuma menção referente à interferência desta variável na adsorção, sugerindo que não há necessidade de acondicionar as soluções de insulina EV sob refrigeração(3,10,11,14,19). Para a prevenção da adsorção de insulina foram testadas diferentes estratégias como adição de colóides na solução, lavagem do equipo, pré-exposição do equipo e os dois métodos juntos, adições de eletrólitos, vitaminas e fármacos. Alguns autores preconizaram o uso da albumina sérica humana, relatando adsorção de até 70% quando não foi adicionado nenhum tipo de proteína à solução de insulina(2,4,7,17,19). Os que refutaram esta prática afirmaram que a albumina não previne por completo a adsorção, além disso, esta proteína apresenta alto custo e expõe o paciente a riscos de alergia e infecção(1,5,8,13,14). Todas as albuminas testadas apresentavam a concentração de 25%, porém houve grande variedade na dose utilizada, possivelmente decorrente das diferenças metodológicas entre os estudos(2,4,17,19). A mistura do plasmanate (fração protéica do plasma) no volume de 60 ml (correspondente a 2,64 mg/100 ml de albumina) e 1 ml de albumina a 25% preveniram a adsorção de insulina em 52% (2). Na associação albumina e o aminofusin 600 (proteína do sangue) em SG 50%, os achados apontaram que a adição de albumina 0,05% reduziu a adsorção de insulina em 7%, enquanto que o aminofusin 600 reduziu 14%(10). Os estudos com polygeline (gelatina degradada e Haemacel) nas concentrações de 0,5 a 3,5% 298 Almeida Lima S, Andreoli RLF, Grossi SAA, Secoli SR. Insulina intravenosa: controvérsias sobre o processo de adsorção nos dispositivos de infusão. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008 jun;29(2):292-300. mostraram vantagens sobre a albumina na concentração 2%, reduzindo a adsorção a valores inferiores a 20%(14). No experimento em que foram utilizadas concentrações iguais de albumina e gelatina (2 mg/ml), a albumina foi superior à gelatina, embora esta proteína isolada na concentração de 2mg/ ml não tenha sido totalmente efetiva(7). Todavia, recomendou-se que na opção pelo uso de polygeline deve-se assegurar uma mistura adequada da solução, no intuito de evitar que esta gelatina “flutue” sobre a solução e demande quantidade reduzida de insulina(14). A adição de uma pequena quantidade de sangue do próprio paciente (5 ml de sangue total, que equivale a 4,8 g/100 ml de albumina) à solução de insulina demonstrou reduzir a adsorção. Este volume sanguíneo, segundo o estudo, forneceria quantidade suficiente de albumina para inibir a adsorção. Nesta investigação o sangue reduziu a adsorção em até 100%, ocorrendo o mesmo quando o sangue foi adicionado uma hora após o preparo da solução de insulina. Embora essa técnica tenha sido proposta, apenas o estudo do próprio autor confirmou a efetividade do método(1). Outras estratégias descritas para prevenção da adsorção de insulina foram a pré-exposição do equipo a solução e lavagem do equipo. Pré-exposição do equipo ou condicionamento foi definida quando a solução permaneceu em contato com o equipo por um determinado período de tempo antes do inicio da infusão. Lavagem do equipo foi à situação na qual a solução insulínica ou apenas o SF 0,9% foram infundidos no equipo antes de iniciar a administração por via IV(15). Neste estudo, os autores abordaram os benefícios da lavagem do equipo com SF 0,9%, solução de insulina e o efeito do condicionamento da solução de insulina e SF 0,9% por 30 e 60 minutos, afirmando que a solução de insulina deverá permanecer em contato com o equipo por 30 minutos e que pelo menos 100 ml da mistura deve ser usada para lavar o equipo(15). Outra recomendação identificada na literatura foi a de deixar a solução de insulina por 60 minutos no equipo e após enxaguar com 5 ml da solução com uma baixa velocidade, pois o enxágüe rápido pode não apresentar tempo suficiente para saturar todos os sítios de ligação do equipo(13). Outros pesquisadores descreveram que a lavagem do equipo com 50 a 100 ml da solução de insulina tornam os métodos alternativos desnecessários (4,12,20). Fármacos como expectorantes, broncodilatadores, vitaminas e eletrólitos foram adicionados às soluções de insulina e testados para conhecer a influência no processo da adsorção. Demonstrou-se que broncodilatadores e expectorantes reduziram a adsorção de insulina de modo significante p<0,001 e p<0,01, respectivamente, e as demais substâncias não influenciaram na adsorção(5). Em experimentos com insulina diluída em SF 0,9% ou SG 5% e com adição de Cloreto de Potássio (KCl) nas concentrações de 1,5; 10; 20; 40 e 60 mEq/l observou-se que houve menor adsorção da insulina ao vidro com concentrações maiores de KCl associadas ao SG 5%. Nas condições de 10 mEq/l verificou-se uma perda de insulina de 20% e na concentração de KCl 60 mEq/l observou-se perda de 12%. Nas soluções de SF 0,9% a adsorção foi muito variável independentemente da concentração do KCl(3). Os achados deste estudo corroboram com outro em que foram testados diferentes diluentes e os autores verificaram que soluções hipertônicas adsorviam menos que as isotônicas(5). Assim, parece haver uma relação entre os molaridade e adsorção, cujo aumento da osmolaridade das soluções IV pode reduzir o evento da adsorção da insulina ao recipiente. CONCLUSÕES Os determinantes do processo da adsorção da insulina foram os materiais dos frascos, os tipos de equipos e diluentes. Os frascos de polipropileno foram os que apresentaram menor adsorção e os de vidro maior perda da insulina. Os equipos sem filtro foram os que se mostraram mais adequados, e o evento da adsorção foi máximo na infusão dos primeiros 100 ml da solução de insulina EV. Os frascos de superfície interna menor e equipos mais curtos apresentaram menor adsorção. Não houve consenso no que diz respeito ao diluente ideal. Todavia, a adsorção apresentou-se inversamente proporcional ao aumento do soluto nas soluções testadas, permitindo inferir que as de maior osmolaridade tendem a reduzir a adsorção da insulina. A crença inicial de que o tempo de contato da solução insulínica com os kits de infusão aumentava a adsorção não foi confirmada pelos estudos analisados. Portanto, as soluções contendo insulina podem ser trocadas a cada 24 horas, desde que sejam utilizadas algumas das estratégias para reduzir a adsorção deste fármaco. Almeida Lima S, Andreoli RLF, Grossi SAA, Secoli SR. Insulina intravenosa: controvérsias sobre o processo de adsorção nos dispositivos de infusão. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008 jun;29(2):292-300. As principais estratégias utilizadas para minimizar a adsorção da insulina e viáveis na prática clínica foram o acréscimo de albumina a 25% na solução insulínica, a realização da pré-exposição do equipo, por um período de 30-60 minutos, com lavagem do equipo com 50-100 ml da solução de insulina. O preparo das soluções em frascos de superfície interna pequena e equipos curtos e sem filtros, também, podem ajudar a minimizar o evento da adsorção. Essas estratégias podem assegurar que o paciente receba a dose que efetivamente foi prescrita. Os achados mostrados no presente artigo, certamente, poderão subsidiar uma assistência mais segura e fundamentada no que concerne à infusão de insulina EV. O uso exclusivo da base de dados MEDLINE foi uma limitação da revisão, porém conseqüente à escassez de literatura. Todavia, este fato aponta para a existência de poucos estudos, especialmente aqueles decorrentes de experiência da prática da equipe de enfermagem, identificando portanto, que há um terreno fértil para a realização de investigações futuras. REFERÊNCIAS 1 Kerchner J, Colaluca DM, Juhlr RP. Effect of whole blood on insulin adsorption onto intravenous infusion systems. American Journal of Hospital Pharmacy 1980;37(10):1323-5. 2 Weisenfeld S, Podolski S, Goldsmith L, Ziff L. Adsorption of insulin to infusion bottles and tubing. Diabetes 1968;17(12):766-71. 3 Mitrano FP, Newton DW. Factors affecting insulin adherence to type I glass bottles. American Journal of Hospital Pharmacy 1982;39(9):1491-5. 299 efficiency of gelatina and albumin in preventing insulin adsorption to glass. Diabetologia 1965;1:20810. 8 Hirsch JI, Fratkin MJ, Wood JH, Thomas RB. Clinical significance of insulin adsorption by polyvinyl chloride infusion systems. 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