Psicologia: Ciência e Profissão 2023 v. 43, e243741, 1-14.
https://doi.org/10.1590/1982-3703003243741
Artigo
Uma Teoria Psicológica Transfeminista: Sobrevivendo
aos Escombros da Saúde Mental Brasileira
Marine Bataglin Marini1
Sofia Favero1
1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
RS, Brasil.
RS, Brasil.
Ariane Senna2
2
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. Brasil.
Resumo: Este artigo reflete sobre os modos como a cisnormatividade, conceito impulsionado
pelos transfeminismos, tem auxiliado na composição da psicologia de maneira histórica.
Ao elaborar uma crítica sobre como a violência de gênero está expressivamente presente no
território brasileiro, discute-se como tem sido pensada a saúde mental, esfera que, uma vez
inserida nesse contexto mais amplo, está sendo convocada a produzir saídas criativas em
relação aos sujeitos que são alvo de discriminações transfóbicas. Na busca de deslocar o olhar
do indivíduo para o social, foi realizado um estudo bibliográfico para investigar os diferentes
impactos que a cisnormatividade opera em nossos currículos psicológicos, gerando efeitos na
prática e na própria profissão. A aposta está em reconhecer outras epistemologias como projetos
éticos e políticos a uma psicologia contemporânea, e a contribuição transfeminista a “outra”
clínica. É nesse sentido que este trabalho se destina a pensar um modo de cuidado que esteja
baseado na singularidade, mas que, ao mesmo tempo, seja capaz de dedicar alguma atenção ao
paradigma normativo que nos guia como terapeutas.
Palavras-chave: Psicologia, Transfeminismo, Clínica, Cisnormatividade.
A Transfeminist Psychological Theory: Surviving
the Debris of Brazilian Mental Health
Abstract: This article reflects on the ways that cisnormativity, a concept boosted by
transfeminisms, has played a historical role in the composition of psychology. Elaborating a
criticism on how gender violence is expressively present in the Brazilian territory, we discuss
how mental health is conceived, a sphere that, inserted in this wider context, is invited to create
creative solutions related to the subjects who are the target of transphobic discrimination. Trying
to shift the focus from the individual to the collective, a bibliographical study was conducted to
recognize the different impacts that cisnormativity has in our psychological curriculums, having
effects on the practice and on the profession itself. The goal is to recognize other epistemologies
as ethical and political projects for contemporary psychology and the transfeminist contribution
to “another” clinic. It is in this sense that this work aims to think about a form of care that is
based on singularity, but that can also pay attention to the normative paradigm that guides us
as therapists.
Keywords: Psychology, Transfeminism, Clinic, Cisnormativity.
Disponível em www.scielo.br/pcp
Psicologia: Ciência e Profissão 2023 v. 43, e243741, 1-14.
Una Teoría Psicológica Transfeminista: Sobrevivir a
los Escombros de la Salud Mental Brasileña
Resumen: este artículo reflexiona sobre las formas en que la cisnormatividad, un concepto
impulsado por los transfeminismos, ha tenido un papel en la composición de la psicología de
manera histórica. Al elaborar una crítica sobre como la violencia de género está expresamente
presente en el territorio brasileño, se discute cómo se ha pensado la salud mental, dominio que,
una vez insertado en este contexto más amplio, es convocado a producir soluciones creativas
con relación a los sujetos que son objeto de discriminación transfóbica. Al desviar el enfoque
del individuo hacia lo social, se realizó un estudio bibliográfico para investigar los diferentes
impactos que tiene la cisnormatividad en nuestros planes de estudios psicológicos, generando
efectos en la práctica y en la propia profesión. El foco está en reconocer otras epistemologías como
proyectos éticos y políticos para la psicología contemporánea y la contribución transfeminista a
una “otra” clínica. En este sentido, este trabajo pretende pensar en una forma de cuidado que se
basa en la singularidad, al mismo tiempo que sea capaz de dedicar cierta atención al paradigma
normativo que a nosotras nos guía como terapeutas.
Palabras clave: Psicología, Transfeminismo, Clínica, Cisnormatividad.
Notas introdutórias
A psicologia, até hoje, não esgotou suas discussões sobre neutralidade. Embora atualmente tais
debates não sejam mais a representação de um distanciamento absoluto, convém mencionar que estar
“neutro” na clínica permanece sendo um tema emergente. Seria inadequado pressupor que há alguma
esfera da psicologia interessada em uma neutralidade
caricata, mas seria igualmente inadequado assumir
que a neutralidade foi, para nós, de alguma forma,
superada. Dessa maneira, não nos referimos a um
arquétipo neutro que nem mesmo essa “psicologia”
dá indícios de ter como aposta. Aqui, neutralidade
significa o reconhecimento de uma tensão entre a
ciência que temos e aquilo que fazemos com ela.
Entre nós, da psicologia, uma boa “ciência” pode
significar muitas coisas, especialmente caso voltemos
aos processos necessários à estabilização da profissão
em termos históricos. O tema “ciência” nunca nos deixou de lado, mesmo com a legitimação da psicologia
enquanto uma disciplina que produzia alguma expertise, algum tipo de saber. Evidentemente que os saberes produzidos por esse campo foram também modos
de grafar a cultura, de ler o que acontecia em sociedade
a partir de determinada ótica. Algo que fez com que
outras áreas interessadas em perspectivas culturais,
2
como o feminismo, fabricassem suas próprias avaliações críticas a respeito dessa ciência da “mente”.
Estudos queer, subalternos, pós-coloniais…
não foram poucas as áreas que problematizaram
o que os alcances dos discursos psicológicos eram
capazes de fazer, em termos de estigmatização, segregação e patologização da diferença. Se for possível
traçar alguma aproximação, esses âmbitos realizavam
as subsequentes indagações: como a ciência é feita?
O que fazemos com ela? Quem produz conhecimento?
E quem pode produzi-lo? Gostamos de acreditar que
sim, outras perguntas se somam a essas, mas que elas,
pelo menos em um primeiro momento, são úteis para
discutir o que seria isso que estamos chamando de
“teoria psicológica transfeminista”. Para tanto, convidamos intelectuais dos estudos trans, da ciência e tecnologia, bem como do feminismo, no intuito de compor um mosaico reflexivo sobre a articulação entre
clínica e cisnormatividade.
Diferentes perspectivas nos auxiliaram na construção de um ponto de vista transfeminista, especialmente a partir de produções acadêmicas que selecionamos por identificarem a cisgeneridade conforme
um eixo analítico. Por meio desses olhares transfeministas é que buscamos refletir, através de um estudo
bibliográfico, como a cisnormatividade teve um papel
importante na composição da psicologia de maneira
Favero, S., Marini, M. B., & Senna, A. (2023). Uma Teoria Psicológica Transfeminista.
histórica. Tal mapeamento buscou dar ênfase a autores trans implicados eticamente com a despatologização de subjetividades dissidentes em relação à matriz
heterossexual (Butler, 2009) e cisgênera. Espera-se,
com essa metodologia, dialogar com algumas esferas
da psicologia, sejam elas de inspiração positivista ou
psicodinâmica, que impulsionaram um não-lugar às
identidades trans e travestis na saúde. Assim, é com a
ânsia de tentar dar algumas pistas ao dilema de quem
está por trás dos processos científicos que passamos,
portanto, a discutir uma alternativa que não mais
categoriza o desvio, mas constrói “desviantemente”
uma saúde mental brasileira menos hostil.
A cisnormatividade é uma
conspiração invisível?
Ao longo da última década, a cisgeneridade passou a ser um conceito incorporado à literatura acadêmica, especialmente através das provocações feitas pelos movimentos sociais. Entretanto, as formas
acionadas para explicar o conceito soavam, muitas
vezes, reducionistas a respeito de sua complexidade.
Não raramente, encontraremos discussões sobre cisgeneridade que irão situá-la como algo “do lado de
cá” – em oposição ao prefixo trans, que, segundo o
latim, significaria “do lado de lá”. Apesar de ser didática, essa apresentação do conceito não faz justiça
à sua sofisticação, pois, da forma que costuma ser
feita, considera o cis como apenas uma identidade,
uma maneira de se ver perante o outro.
Caminho que algumas teóricas, como Viviane
Vergueiro (2016), têm complexificado ao tomar essa
questão e considerar a cisgeneridade a partir do
seu caráter normativo. Não seria mais uma questão
de “ser” cisgênero – ou não somente, pelo menos –,
mas de estar inserido em um tecido social atravessado
pela cisnorma. A autora define alguns eixos para a elaboração do conceito. Segundo afirma, haveria uma
postura “pré-discursiva” capaz de atribuir à cisgeneridade a aparência de natural, ou seja, ela surgiria sempre enquanto algo de ordem biológica, inescapável e
originária. Esse primeiro eixo faria com que aqueles
que não fossem cisgêneros estivessem situados conforme antinaturais ou desviantes, leitura que muitas
vezes é feita das travestis e pessoas trans.
Em segundo lugar, Vergueiro (2016) traz a cisnorma como uma crença de que o sistema sexo/
gênero é opositivo, ou seja, dimórfico. O homem e a
mulher, desde tal perspectiva, seriam antagonistas
constantes. Não há um intercâmbio. Assim, masculinidades e feminilidades precisariam ser vistas como
forças contrárias que se completam, mas não se integram, sendo algo que reverbera na cultura através
dos enunciados do temperamento, da personalidade,
do desejo. Em outras palavras, uma suposta divergência que faria com que aqueles que perfurassem o sistema sexo/gênero, contrabandeando o masculino e
o feminino, vissem-se diante de uma arriscada negociação com valores tanto religiosos quanto científicos.
Haveria, por consequência, uma moral binária que
regula os papéis sociais para o funcionamento da cisnorma. Por fim, ainda com a autora, esse binarismo
(ou binariedade) necessitaria de alguma constância,
isto é, de uma esperança em seu caráter imutável e
estável. Homens nascem homens e morrem homens.
Mulheres nascem mulheres e morrem mulheres.
Retomando brevemente os três eixos, a cisnormatividade seria, portanto, uma ordem pré-discursiva,
binária e constante (Vergueiro, 2016). Arriscamos afirmar que não existiria, então, uma mera “identidade”
cisgênera, mas uma posição identitária cisgênera em
dado contexto. Junto à Viviane, outra autora que tem
produzido sobre essa questão é Beatriz Bagagli (2019),
que afirma a cisgeneridade enquanto uma produção
de expectativas. Explicando melhor, a autora fala sobre
“expectativas” quando pensa que há um assujeitamento imposto às pessoas trans e travestis, que teriam
suas “reivindicações” entendidas sempre como falhas
ou equívocos, desde uma compreensão que situa a cisgeneridade como um destino saudável ao “eu”.
A autora afirma que para contrapor essas expectativas, que não seriam expectativas tal como entendemos, mas conforme um ponto de vista que passa
como universal, seria preciso elaborar uma maneira de
expor a opacidade do gênero, deixando de vê-lo como
previamente determinado (Bagagli, 2019). Ainda,
segundo defende, caso desejássemos dissimular uma
ideologia designada como cisnormativa, necessitaríamos conduzir críticas a essa episteme – o que nos
situa em uma tarefa rebelde frente à “verdade do sexo”
que foi estabilizada pela norma em questão. A nós,
pessoas interessadas em outros percursos dentro da
psicologia, uma tarefa tautológica: desestabilizar a
verdade que produz a clínica e a clínica que produz
essa mesma ideia de verdade. Teríamos quais recursos
para realizar isso?
Uma das apostas do feminismo, quando se
envolve com o tema da ciência, reside na compreensão
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Psicologia: Ciência e Profissão 2023 v. 43, e243741, 1-14.
do lugar daqueles que se apresentam, mas não são
vistos, em oposição à nossa pesquisa que teria um
lugar encarnado, ou seja, seria corporificada. Donna
Haraway (2009), ironizando esses ressentimentos acadêmicos, propõe que reconheçamos como o mundo
é textualizado. De acordo com a autora, os estudos
feministas eram vistos usualmente como parte de
uma agenda enviesada ou à parte da ciência, fazendo
com que as próprias pesquisadoras fossem entendidas como um grupo de “interesse” especial. Assim,
raça, gênero e sexualidade, bem como outros marcadores, seriam vistos como defeitos a uma investigação.
Mas, nesse mundo textualizado a que se referia,
Haraway (2009) tinha em mente que o feminismo
deveria dar outras respostas às acusações que recebia.
Se o que era cobrado dessas pesquisas estava envolto
no véu de “mais” objetividade, de qual “objetividade”
estaria sendo falada? O que fazemos com a objetividade, afinal? Defendendo uma terapia de eletrochoque epistemológica, a autora situa que, embora
as pesquisas (des)corporificadas se apresentassem
como legítimas, somente a perspectiva parcial poderia de fato ser objetiva, tendo em vista que não haveria
ciência que não estivesse mediada; se houvesse, seria
esse o caso de um possível distanciamento alienante.
Dessa forma, a autora afirma que são os conhecimentos não-localizáveis que seriam irresponsáveis –
logo, pouco objetivos –, pois buscariam a todo tempo
escapar da representação, ou seja, tornarem-se incapazes de uma prestação de contas. O que se empreende aqui é um esforço em entender as visões periféricas e marginalizadas como úteis à produção de um
saber psicológico, sabendo, evidentemente, que tais
visões – tão caras à autora (Haraway, 2009) – não são
facilmente aprendidas, pois derivam de processos
geralmente violentos de socialização. Por ser textualizado, o mundo também reconhece a ciência como
parte de si, exigindo de nós, intelectuais, que tenhamos posições engajadas, uma vez que o conhecimento é um jogo entre intérpretes e decodificadores.
Em postura similar, Evelyn Fox Keller (1987)
aborda alguns paralelos entre os estudos da ciência e os estudos feministas. Desde esta perspectiva,
o momento histórico que acompanha o questionamento da noção de ciência enquanto uma mera descrição da natureza, assim como a desnaturalização do
sexo, marca também uma desestabilização epistêmica
nos dois campos do saber. A nível epistêmico, então,
Keller (1987) aborda a seguinte tensão: caso realmente
4
entendamos que o gênero não se define pelo sexo biológico e que a ciência tampouco é espelho da natureza, o que poderia sustentar alguma definição?
Desnaturalizar, assim, não seria algo feito sem
esforço, pois criaria uma instabilidade em relação aos
nossos objetos de estudo. O paralelo político se refere
às relações de poder que envolvem a legitimação do
saber produzido a partir das categorias teóricas do
“gênero” e da “ciência”. Seria gênero uma categoria
equiparável a outras categorias teóricas/marcadores
da diferença, como classe e raça? De que forma a
“Ciência” ortodoxa é diferente de outras formas de
produção do conhecimento? Então, a autora, levando
em conta o tom polarizado das discussões, propõe um
esforço rumo a um “meio-termo”.
O que Keller (1987) está propondo é que tais polos
sejam compreendidos em suas complexidades, para
que não sejamos levados a uma concepção supostamente pré-moderna em que o gênero estaria colado
ao sexo biológico, e a ciência observaria sua volta à
natureza. De modo igual, a autora critica a ideia de
que corpo e natureza deixariam de ter quaisquer relações com o gênero e a ciência. Ou seja, em suas palavras, uma epistemologia feminista precisaria reconhecer e chamar a atenção para a instabilidade e para
as contradições das tentativas de definição tanto do
que seria gênero quanto ciência.
Entretanto, a estratégia adotada pelas mulheres
que foram vanguarda na produção científica foi justamente a negação da diferença. Para serem aceitas
como produtoras legítimas do conhecimento, precisariam demonstrar que a diferença foi erradicada.
O resultado de tal estratégia, no contexto americano,
foi o apagamento literal dessas mulheres. Seus primeiros nomes, generificados, eram suprimidos de
publicações, e suas existências, enquanto mulheres
e cientistas, não eram contabilizadas nos números
oficiais. A autora, ao comentar casos posteriores em
que a diferença foi reconhecida e celebrada, fala como
houve uma tentativa de rotulação dessas produções
como “outra ciência”, ou uma ciência mais “feminina” e, por isso, compreendida como mais “sensível”.
O argumento de Keller (1987) é que não se trataria de outra ciência, à parte, mas tampouco da mesma
ciência, igual. Trata-se, portanto, de uma forma de
produzir conhecimento que não tem os mesmos
compromissos que a ciência estereotípica. A preocupação dessa ciência com o apartamento de atributos
que seriam femininos, como a “sensibilidade”, é o
Favero, S., Marini, M. B., & Senna, A. (2023). Uma Teoria Psicológica Transfeminista.
que deveria ser posto em xeque. Uma ciência feminista teria como potência, justamente, não se preocupar em provar que é “masculina”, podendo assim se
abrir para formas implicadas de entender o mundo,
sem compromisso com verdades totalizantes.
Da década de 1980 para cá, esse cenário passou
por uma série de transformações. Não estamos mais
falando da mesma ciência que estava em jogo quando
observávamos a produção feminina “localizando”
seus próprios passos teóricos. Porém, no momento
em que trazemos essas discussões aos dias atuais,
como podemos vê-las se atualizando? Na própria psicologia, existem lugares que surgem enquanto universais e que se consideram incapazes de responder
e prestar contas? Como é que a categoria “cisgeneridade” se vincula e estrutura as concepções de saúde
mental tal como conhecemos?
O feminismo é o que nos resta
As reflexões sobre como o machismo permeia a
clínica de psicologia têm sido cada vez mais intensas.
Seja através de uma análise dos protocolos que regem
a profissão ou a partir de uma crítica sobre a prática,
tornou-se comum reconhecer como a violência de
gênero está para nós da mesma forma que ela está
para a sociedade, ainda mais caso entendamos a
psicologia como uma disciplina que grafa a cultura,
não existindo à parte dela – embora pareça existir um
esforço para se situar enquanto uma disciplina apartada do mundo. Por esse ângulo, se o contexto (ou o
meio) em que a psicologia ganha materialidade está
atravessado pela subordinação estrutural de mulheres aos homens, como, então, ignorar os possíveis
efeitos disso na própria disciplina?
No Brasil, a violência de gênero está distribuída
de diversas maneiras, a partir de marcadores raciais,
religiosos, geopolíticos, dentre outros, que extrapolam
análises focadas em “homens e mulheres”, fazendo
com que observemos também as dinâmicas específicas entre pessoas cis e pessoas trans. Vivenciamos,
então, um contexto latino indisciplinado aos grandes
manuais de saúde, que não conseguem tecer contribuições assertivas, uma vez que estão viciados na incorporação de uma narrativa única, global, generalizante
sobre o “eu”. As identidades trans e travestis, quando
vistas sob a ótica desse problema, revelam uma nação
intolerante com a diferença. Alguns dos poucos dados
estatísticos que existem ainda são incipientes. A única
coisa que teríamos, com maior expressividade, seria a
produção de números (Silva, 2019) sobre os assassinatos no país – comumente expondo nossa liderança em
relação às mortes de mulheres trans e travestis: o Brasil
é onde mais se mata LGBTs.
Apesar de estarmos vivendo em um lugar em que
a transfobia dá indícios de ser mais mortífera do que
em qualquer outra parte do mundo, não temos ainda
observado um movimento quimioterápico, direcionado à aposta em outras perspectivas epistêmicas,
na própria disciplina psicológica. Parece-nos que é,
de alguma forma, inapropriado adjetivar a nossa prática, dizer que somos terapeutas e mais alguma coisa.
Talvez aqui seja interessante resgatar a neutralidade
discutida nos momentos iniciais do texto, pois ela,
embora não seja mesmo um afastamento holístico,
permanece sendo uma forma de proteger a psicologia, de evitar fazer com que ela se suje de mundo
(Merleau-Ponty, 2006). Mas acerca do que estamos
falando quando pensamos em maneiras de adjetivar
a saúde mental?
De modo algum desejamos que pense a adjetivação como um processo restrito a estratégias voltadas
ao vocabulário. Não queremos aqui esvaziar a potência de uma psicologia transfeminista ou de um transfeminismo psicológico. Todavia, antes de chegarmos
nesse ponto, torna-se imprescindível resgatar algumas
das provocações inauguradas por um feminismo mais
tradicional – se é que podemos chamá-lo assim, tendo
em vista seu caráter de desobediência com as tradições. Além do mais, não é preciso começar do zero,
como Haraway (2009) gosta de nos lembrar. Existe
uma psicologia marcada, adjetivada, parcial, que está
inconformada com as convocações por “mais” objetividade ou por “mais” neutralidade. Consideramos
nostálgica a pretensão de que seria possível voltar ao
mundo como ele era quando as discussões de gênero,
raça, sexualidade, mobilidade e corpo não tinham
espaço no debate público.
Somos psicólogas trans, negras, bissexuais, lésbicas e muitas outras. A partir disso é que trazemos
o trabalho de Marília Saldanha (2018), pesquisadora
responsável por produzir reflexões estimulantes sobre
o que seria uma “psicologia feminista” brasileira. Seria
uma profissão protagonizada por mulheres? Uma clínica que teria como “foco” o gênero? Seu objeto estaria circunscrito pelo machismo? Saldanha (2018)
indaga, sobretudo, de qual psicologia estaríamos
falando e qual seria a sua vertente. Ora, se existem
diversos feminismos e existem diversas psicologias,
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Psicologia: Ciência e Profissão 2023 v. 43, e243741, 1-14.
seria imprudente situar o debate sem levar em conta
a sua pluralidade.
De modo geral, a autora situa que o termo “feminismo” pode tanto emergir o preconceito da própria
comunidade profissional como da parte de quem busca
na escuta um meio de ampliar as possibilidades existenciais. Traz, então, que não teríamos um aparato institucional, mas que, ainda assim, seria possível traçar
alguns eixos que mais ou menos definiriam o que uma
“psicologia feminista” estaria propondo fazer. Os eixos
pensados pela autora não estão necessariamente em
ordem. Eles aparecem aqui a partir de dada organização, mas devem ser compreendidos por meio de uma
ação conjunta. Sua separação cabe apenas a fins pedagógicos, sabendo que, na psicologia, tais ajustes fazem
pouca justiça à complexidade de um fenômeno.
Em primeiro lugar, é necessário ter uma crítica
constante a postulados hegemônicos que reproduzem hierarquias (Saldanha, 2018), posicionando o
olhar para o social. O compromisso estaria firmado
em transformar o mundo tal como o conhecemos,
tendo em vista as textualizações generificadas e, muitas vezes, desiguais. Posteriormente, Saldanha (2018)
coloca que há um componente-chave, o engajamento.
Ele representa a orientação profissional às mulheres
na busca de recursos comunitários e jurídicos, com a
intenção de proporcionar alguma psicoeducação em
termos legais. Essa seria a esfera ligada a uma psicologia que não se considera apolítica, afastada da história,
isenta. Por último, em uma dimensão mais subjetiva,
sua ideia é que a escuta do gênero e da sexualidade
precisaria estar articulada de modo crítico e atento
aos lugares comuns, com o objetivo de recuperar uma
saúde subordinada a uma autoridade masculina.
Três aspectos principais – social, legal e subjetivo – que estão tentando possibilitar a superação de
um conservadorismo acadêmico, em que falar sobre
“adjetivos” à psicologia poderia ser uma atitude entendida como pré-disposição. Entretanto, não seria igualmente perigosa a crença de uma saúde mental1 que
pensa estar situada fora do gênero, fora da raça, fora
da classe? Estamos falando também de um contexto
espinhoso para a discussão que queremos propor.
Ora, observamos investidas conservadoras sobre
“Escola sem Partido”, “kit-gay” e “ideologia de gênero”
(Junqueira, 2018) – campanhas empreendidas por
setores intolerantes e neoliberais no Brasil, que consideram a diversidade sexual e de gênero como um
perigo à boa sociedade. Como pensar que a psicologia
poderia estar envolvida com a política, se a política,
ela mesma, passou a ser entendida como uma sujeira
para a escuta? Vemos, todavia, algum interesse dessa
mesma psicologia em incorporar as identidades trans
e travestis como demandas clínicas, ou seja, como
potenciais pacientes, usuárias, assistidas de algum
protocolo institucional. Não seria o caso de nos perguntarmos a razão de não existir o mesmo esforço em
trazê-las aos currículos, grades e ementas dos percursos formativos? Nesse sentido, a psicologia que
nos interessa e mobiliza precisa amar outra ciência
(Haraway, 2009), uma que dê conta de restituir um
diálogo com as margens.
Os temas “centro” e “margem” são bastante discutidos nos estudos subalternos, interessados em
produzir leituras críticas sobre os diferentes sistemas de regulação coloniais. Ao refletir a emergência
de descolonizarmos a psicologia, Lucas Veiga (2019)
incita que, ao compreender o aspecto constitutivo que
a branquitude estabelece com essas teorias da mente
(psicologia, psiquiatria e psicanálise), seria necessário entendermos que, em suas construções teóricas,
foram criados conceitos para o manejo clínico com
subjetividades brancas. E que a importação de uma
saúde mental irrefletida ao contexto em que vivemos
faria com que fossem desconsideradas as marcas do
sujeito negro, tendo em vista que estariam baseadas
nas conceituações, sobretudo europeias, acerca de
uma ideia de sujeito e de meio.
Para Veiga (2019), a insistência em reproduzir
uma prática desconectada da realidade brasileira faria
com que a nosologia funcionasse à imagem e semelhança da subjetividade colonizadora. Em outros
termos, uma saúde mental embranquecida, que se
pretende transparente, voltada à elaboração psíquica
de indivíduos brancos. De modo similar, poderíamos
pensar que uma psicologia fundada na ideia de que
a divisão sexual é natural, não social, faria com que
nos deparássemos hoje com uma disciplina contrária às transgressões de tal binarismo (homem versus
mulher)? Queremos trabalhar com o reconhecimento
1
Referimo-nos a concepções de “saúde mental” como noções que desconsideram a pluralidade subjetiva presente em outros territórios
e contextos que não aqueles dos quais os manuais diagnósticos são originários, entendendo saúde e doença como categorias históricas
que intercalam o campo de atuação da clínica e o estado da interioridade individual, conforme tentam ampliar as proposições das autoras Schiavon, Favero e Machado (2020).
6
Favero, S., Marini, M. B., & Senna, A. (2023). Uma Teoria Psicológica Transfeminista.
de que uma ciência guiada pelo dimorfismo cria efeitos na prática clínica por, principalmente, vincular
a sexuação ao aparelho genital, conforme procura
criticar Thamy Ayouch (2015), quando se refere aos
protocolos psicológicos que, ao invés de produzirem aberturas a pessoas trans, apresentam-se como
defensores de uma suposta ordem social, na qual
homens deveriam ser masculinos e mulheres deveriam ser femininas.
Um breve intervalo com Ayouch (2015). Em suas
pesquisas, afirma-se uma prática que, para alcançar
seus objetivos despatologizantes, precisaria deixar
de ser solidária à psiquiatrização das identidades de
gênero diversas. Apesar de estar discutindo especificamente a partir da psicanálise, pensamos ser igualmente
útil sua proposição quando nos deparamos com uma
psicologia alienada acerca da realidade brasileira. Ora,
os estudos psicológicos sobre transexualidade (geralmente há o apagamento das travestilidades e transgeneridades) apontam que é impossível a realização de
um exame clínico objetivo. Dito de um modo simples,
não se avalia o gênero de alguém por meio de exame
sanguíneo, laboratorial, mas através do seu próprio
discurso, algo que, segundo Ayouch (2015), leva-nos às
convenções sociais hegemônicas sobre o gênero.
Quando a psicologia investe no “discurso” para
conduzir suas práticas avaliativas a respeito das identidades trans e travestis, não estaria, simultaneamente,
recorrendo a um regime sexual cisgênero? Se reconhecemos que esse é um campo de saber que se funda
no binarismo e que trabalha incansavelmente a partir
dele, como perder de vista as entranhas ontológicas de
uma escuta tributária à naturalização do sexo? Os efeitos disso foram amplamente abordados por Elizabeth
Zambrano (2003), que entende seus aparecimentos
quando as pessoas trans e travestis passam a responder como desviantes morais ou enquanto acidentes da
natureza. Ou seja, uma disciplina psicológica interessada na reiteração da transexualidade enquanto um
transtorno de personalidade, não como uma abertura
existencial às condições da vida.
Por que a transexualidade precisa ser examinada
através da fala quando a própria cisgeneridade tenta
sair ilesa da linguagem? Aliás, talvez fosse o bastante
perguntar somente: por que a transexualidade precisa passar pelo crivo de alguém? Acreditamos que
isso posiciona o sexo “biológico” de uma maneira
sofisticada na psicologia, que, embora diga recorrer à
cultura para a formulação de seus “diagnósticos pela
fala”, tampouco desconsidera a tradição médica interessada na classificação do gênero pelo viés “macho” e
“fêmea” – isso é, de uma ideia de natureza que estaria
guiando a escuta. Haveria uma pré-disposição sobre
a narrativa da transexualidade que não estaria presumida meramente na rigidez da identidade transexual,
mas na própria crença de que a “intervenção” de um
especialista seria benéfica a essas pessoas.
Quais são as compreensões de tempo e verdade
que temos na clínica? Por que, para nós, terapeutas,
o corpo é um artefato sagrado, que sofreria com as
“intervenções” desejadas por pessoas trans e travestis,
entendidas, muitas vezes, como mutiladoras? Diversos
trabalhos em nossos campos se engajam a pensar uma
visão de transexualidade e travestilidade ligada a estruturas psicopatológicas. Rafael Cavalheiro (2019) aponta
como, principalmente na psicanálise, tais posições
subjetivas foram sendo registradas ou como psicóticas
ou enquanto doenças do narcisismo. Dentro do campo
lacaniano, evoca-se, com frequência, a discussão
sobre o “real do corpo”, ideia que colapsa com a própria materialidade corpórea, induzindo uma crença
de que as modificações no real desse corpo implicam
respostas pouco elaboradas. O sentimento de medo
também aparece subjacentemente nessas produções
(Cavalheiro, 2019).
As identidades “não-normativas” seriam, em certo
momento, um tratado contra a lei simbólica, noutro
momento, uma ausência de elaboração que evacuaria
no corpo, dada sua negatividade. Os saudáveis seriam
os que integram o estatuto simbólico da diferença,
enquanto os adoecidos, vítimas dos efeitos iatrogênicos
do dispositivo médico, precisariam de auxílio de especialistas. Nessa via, tais posições nos levaram a observar que o papel da clínica passou a ser o de dissuadir o
sujeito de sua demanda pela transição (Ayouch, 2015;
Cavalheiro, 2019). Isso porque suas demandas estão
sendo analisadas por um princípio cisgênero ligado a
três fatores: corpo, tempo e ficção. Não estão organizados necessariamente nesse esquema, mas, sim, informando uns aos outros reiteradamente.
Na busca de atualizar a tríade lançada por
Vergueiro (2016), gostaríamos de pensar que a
ordem biológica, binária e constante está sendo
observada em um funcionamento complexo dentro
da psicologia. Algumas pistas já foram descritas por
Ayouch (2015), quando situa que uma saúde mental da
pós-transexualidade está inscrita na renúncia a toda
etiologia que persegue o gênero. Ainda, ao colocar a
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Psicologia: Ciência e Profissão 2023 v. 43, e243741, 1-14.
hipocrisia profissional – referida como contratransferência – enquanto uma peça fundamental para
que possamos elaborar críticas a uma teoria feita a
mãos humanas (Ayouch, 2015), tendo em vista que a
contratransferência, quando não abordada, poderia
provocar efeitos mortíferos. Entretanto, nossa questão principal é: se o gênero permanece sendo um
suposto “reflexo” do sexo biológico, desde uma afirmação nosológica, as identidades trans e travestis
seriam um reflexo da(s) cisgeneridade(s)?
A carne, o relógio e a mentira
Os ponteiros da clínica apontam para temporalidades diferentes. Ora impondo determinadas etapas
da vida como ideais para uma transição dita efetiva,
ora estabelecendo o tempo necessário para “reflexão”
sobre a demanda: isto é, dois anos mínimos de acompanhamento2. Com um especial interesse na querela
do “tempo”, a antropóloga Lila Abu-Lughod (2018)
aborda os efeitos de atemporalidade e coerência que
perpassam os processos de generalização, comumente úteis para embasar noções essencializadas
sobre o outro. De que forma observamos um valor ao
“tempo” na psicologia? Como é que a ideia de “discernimento” se relaciona com o que estamos discutindo?
No contexto hospitalar, a partir de discussões
apontadas por Daniela Murta (2007), esse processo
tem início na triagem, quando a equipe de saúde é
estabelecida para fazer a análise da demanda pela
transgenitalização. Usuários interessados precisariam
ter sua identidade investigada por uma série de agentes sociais, dentre os quais poderíamos destacar os
psicólogos, psiquiatras e endocrinologistas, que avaliariam a “substância” de um gênero. Com o papel de
apreciar a demanda daquela identidade que se apresenta, tal equipe parte de um diagnóstico pensado
à diferenciação entre travestis e transexuais. Nesse
sentido, a transexualidade se definiria por aquilo que
ela não era; ou seja, não poderia ser uma homossexualidade, tampouco uma travestilidade. Murta (2007)
aponta que essa tensão contorna um dilema moral
em torno da cirurgia. Alguns setores médicos entenderiam a transgenitalização como uma castração de
pacientes saudáveis, sendo algo que explicitaria a
resistência por parte de profissionais de saúde na condução de terapêuticas com pessoas trans e travestis.
Outros setores, mais ligados à psicanálise, pensariam
que a cirurgia por si só não seria uma mutilação, isso,
caso a perspectiva do prazer fosse mantida em vista,
como aponta Flávia Teixeira (2009).
Murta (2007) considera que esse conflito, entre
equipe e paciente, ganha terreno a partir dos pressupostos avaliativos: quão feminina você é? Ou, então,
quão masculino você é? Há determinado resgate do
“transexualismo” primário, de Robert Stoller (1982),
como condição diagnóstica – psiquiatra responsável
por escrever sobre atributos femininos ou masculinos
como temas aparentemente ininterruptos. Esse personagem stolleriano estaria fadado à transexualidade,
como se dela não fosse possível escapar, pois seriam
aqueles que almejam, sem o fantasma da dúvida,
sem hesitação ou interrupção, pertencer ao dito sexo
oposto. Dessa forma, parece-nos que a psicologia,
quando se envolve com essa população, não busca
encontrar um “sujeito”, mas, sim, seu “repúdio” ao
próprio sexo.
Outras autoras registraram essa persecução pelo
repúdio, como foi o caso de Teixeira (2009), quando
abordou a relação médico-legal que esteve articulada a tais protocolos. Segundo aponta, haveria uma
crença de que “o” transexual, por demandar novas
roupas, novos nomes, prenomes e relações, seria um
sujeito investido de identidade. A equipe, partindo
dessa compreensão, entenderia saúde como sinônimo de cirurgia, e a cirurgia, por fim, como sinônimo
de ressocialização. Mas essa relação médico-legal foi
bastante ampliada pelos debates de Teixeira (2009),
a partir da compreensão de que existiria uma relação
estreita entre o direito e a nosologia, na qual pessoas
trans e travestis veriam suas demandas circunscritas
em uma complexa rede.
Setores do campo do direito, interessados em
refletir sobre a conversão cirúrgica, abordam que o
sensório não deveria ser priorizado durante os processos de transgenitalização, ao mesmo tempo que
setores da medicina, mais próximos talvez à psicanálise, afirmariam que, caso não houvesse mais orgasmo,
então, sim, haveria um caráter mutilador na cirurgia.
Essas tensões fomentaram um terreno para que os próprios médicos, que haviam definido a transgenitalização enquanto tratamento, tivessem de advogar a seu
favor. Teixeira (2009) aponta, portanto, que a cirurgia
Os dois anos de acompanhamento fazem referência a uma diretriz clássica do Processo Transexualizador, política de assistência do Sistema Único de Saúde (SUS) que regula o cuidado à população trans brasileira, a partir da Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013.
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Favero, S., Marini, M. B., & Senna, A. (2023). Uma Teoria Psicológica Transfeminista.
começou a ser chamada de “reaproveitamento de tecidos”, da “retirada de partes inúteis” do corpo, tendo em
vista que o “corpo”, como era entendido, não poderia
ser profanado de tal modo sem que uma justificativa o
permitisse. Surge, assim, a ideia de que a transgenitalização não faria “mal” à constituição física, desde que
supervisionada por uma equipe, fazendo com que deixasse de ser uma prática proibida no país, a partir do
final dos anos 1990 (Resolução nº 1.482, 1997).
Contudo, quais seriam as moralidades que estamos observando quando o corpo de pessoas trans e
travestis precisa ser tutelado por um aparato médico-legal? O que faz com que uma série de procedimentos
feitos por pessoas cis – discutidos por Judith Butler em
Desdiagnosticando o gênero (2009) – não sejam alvo
da mesma preocupação? Ora, não há um mecanismo
voltado a burocratizar a feminização de “mulheres”
nem a masculinização de “homens”, mas, quando
esse suposto “nexo” é quebrado, surge simultaneamente uma engenharia moral sobre o que seria uma
figura de “risco” e o que seria uma figura “adequada”.
Assim, poderíamos considerar que o “corpo” e as preocupações que estão atribuídas a ele partem de um
pressuposto de coerência?
Foi nesse contexto que Tatiana Lionço (2009) se
inseriu, analisando a oferta médica a usuários trans
e travestis de acordo com sua ambivalência. Para a
autora, essa oferta aparecia justamente como uma
possibilidade de solução, de adequação, uma vez que
a medicina inscrevia a transexualidade na literatura
enquanto algo de sua competência. Dessa maneira,
por ser de sua alçada, a construção de um “verdadeiro
transexual” só poderia ser bem-sucedida caso tivesse
participação médica. É assim que a transexualidade
passa a ser entendida como algo feito em ambientes
esterilizados, privados, institucionais. Tal assepsia
considerava que, se o erro está no corpo, a reparação
é uma tarefa dos profissionais de saúde. Em outras
palavras, o reconhecimento da impotência psicoterápica (Lionço, 2009).
A proposta da autora é refletir como o uso etiológico – dessa busca pela substância originária – fez com
que o gênero passasse a ser dicotomizado. Haveria
um corpo somático apartado do psiquismo, maneira
pela qual seria alimentada a ideia de que a identidade “divergente” estaria indicando um erro corporal.
Por esse ângulo, Lionço (2009) argumenta que tal ideia
de correção foi útil à medicina no momento em que
a transexualidade se tornou uma lógica passível de
adequação. Adequa-se uma alma a um corpo. Ou um
corpo a uma alma. Todavia, o contraponto apresentado pela autora está justamente em entender que a
constituição psicossexual, na perspectiva clínica que
trabalha, implicaria em uma tensão somato-psíquica
impassível de correção (Lionço, 2009). Pensava-se,
assim, não mais em termos de razões ou de porquês,
mas como a cirurgia, ou quaisquer outras intervenções, poderia trazer benefício. “Como isso lhe beneficia?” em vez de “como isso lhe torna real?”.
Existem questões que não são corrigidas, diria
Lionço (2009). Bom, a esperança que temos é que esse
breve panorama tenha sido capaz de ilustrar como
uma “psicologia” aliada à cisnormatividade cria conexões bastante sofisticadas sobre corpo, tempo e ficção.
Seus arranjos são responsáveis por fazer com que a
transexualidade, geralmente ela, que detém poder de
se sobrepor às travestilidades e transgeneridades, “precise” ser estável, verdadeira e coerente. Quais seriam os
riscos de assumirmos identidades que não se alinham?
Que não produzem acoplamentos inteligíveis? Que não
estão enquadradas naquilo que a clínica psicológica
resguardou em termos de tempo e espaço?
As maneiras totalizantes de apreender os fenômenos da ciência tampouco escaparam das críticas
feministas. Lourdes Bandeira (2008) coloca em debate
que uma leitura feminista sobre a ciência deveria estar,
ela própria, atenta ao modo com que o conhecimento
se apresenta. Em seu trabalho, a proposição de saberes
e conceitos precisaria ser sempre provisória, sem assumir abordagens definitivas sobre o cotidiano (Bandeira,
2008). Dito de outro modo, o que a autora objetivava
era compreender como algumas categorias científicas
surgiam de forma autoevidente, sendo o nosso trabalho, conforme pessoas interessadas em outras saídas
ao problema da hegemonia epistêmica, situar a historicidade de suas técnicas e práticas. Como é que as
epistemologias transfeministas poderiam ser úteis a
nós, enquanto terapeutas? Quais ensinamentos éticos
e políticos do transfeminismo a saúde mental consegue absorver para repensar seus próprios paradigmas?
Em razão disso, pretendemos explorar as forças epistêmicas de uma psicologia adjetivada.
Dos escombros aos fragmentos
Discutimos como a construção da figura do intelectual esteve bastante associada a uma imagem masculina, racional e apartada. Nesse sentido, colocar-se textualmente é correr o risco de desenvolver uma
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Psicologia: Ciência e Profissão 2023 v. 43, e243741, 1-14.
mancha nos escritos, como se a única possibilidade de
fazer “ciência” fosse em terceira pessoa. Questão refletida por Bandeira (2008), quando critica o modo como
a produção de conhecimento na modernidade impulsionou um movimento de exclusão às mulheres, a partir da divisão entre natureza e ciência. Dicotomia que
estabeleceria uma prerrogativa de “evolução científica”
relacionada a evitar emoções com o objeto de estudo.
A mulher, nesse contexto, seria associada a uma
dita selvageria, instabilidade e suscetibilidade; pouco
apta à produção de conhecimento. Afetadas por
Haraway (2009), que nos acompanhou nos momentos
iniciais do artigo, pensamos o seguinte problema: esse
projeto científico que pretende ser único e imparcial,
justamente por causa do seu caráter totalizante, é incapaz de produzir alianças. Em sua perspectiva, a forma
de criarmos vínculos entre nossos conhecimentos precisa estar atravessada pelo reconhecimento de que ele,
o conhecimento, é sempre um fragmento.
Por ser fragmentado, ou por assumir a própria
fragmentação, não estaria impedido de se conectar a
outras investigações, tendo em vista seu descompromisso com uma designação de “ciência” universal.
Mas de que ciência estaríamos falando? Como é que o
gênero se apresenta como um lugar de saber? Se reconhecemos o caráter normativo dos protocolos de saúde
trans, seria preciso assumir: a cisgeneridade produz
efeitos de homogeneidade. Quem aborda esses efeitos
é Jota Mombaça (2015), situando-se nas ruínas e nos
escombros de um projeto desenvolvimentista. Algo
que, para nós, diz respeito a uma escuta que esgotifica
e patologiza a “diferença” como um quadro pertinente
à saúde cis. Só haveria uma escuta esterilizada porque
outros seriam ouvidos a partir da “própria” insalubridade. A geografia sentimental particular (Mombaça,
2015) diz respeito ao modo de produção de abrigos a
uma multiplicidade de formas de vida. Assim, mesmo
sem esperanças exageradas na psicologia, o que poderíamos fazer para habitá-la de outra forma?
Mombaça (2015) afirma uma escrita com sangue.
Escrevemos com sangue um conjunto de trajetórias.
E chegamos até aqui sangrando, pois fomos violentadas por essas estruturas arquitetônicas normativas, que estão nos monumentos bíblicos da psicologia, em seus grandes manuais de saúde e em suas
proposições nosológicas. Em tais páginas, queremos
riscar outras memórias. Queremos fertilizar emergências (Mombaça, 2015), povoar e invadir os saberes de
uma tradição médica cisgênera para dizê-los que não
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seremos soterradas. Em contrapartida, pretendemos,
sim, soterrar essa mesma racionalidade que impõe um
vocabulário psicopatológico, a designação compulsória dos sexos e a lógica manicomial classificatória.
Ou, como Ayouch (2015) nos lembra, é preciso
não ser doente, ou não ter uma comorbidade, para
receber esse rótulo de doença. Queremos, de alguma
forma, com alguma ambição, talvez ingênua, ver a
capacidade de conexão que há entre os escombros. Se uma ciência feminista, como abordava
Haraway (2009), mencionada anteriormente, está
orientada pela provisoriedade, por sua postura crítica
às totalizações; logo, torna-se fragmentada, capaz de
estar junto a outras proposições teóricas em direção a
um mundo situado, o que objetivamos é refletir como
o “transfeminismo” na clínica é, também, ele mesmo,
uma aposta para tempos difíceis. Difícil ignorar que
a psicologia brasileira foi parceira, durante muito
tempo, de intensas cruzadas epistemológicas contra
pessoas trans e travestis.
Essa “Psicologia” com “P” maiúsculo não detém a
única verdade sobre aquilo que pode ser sabido a respeito de nós. É por essa via que Céu Cavalcanti (2016)
elabora uma crítica às inscrições que colonizam e
impossibilitam as existências trans, processo que
denominou de tarefa política, uma vez que estaríamos, assim, subvertendo um percurso de leitura
acerca da transexualidade que se dava apenas pela via
da cisgeneridade. A autora questiona: caso nas discussões raciais nos valêssemos apenas dos argumentos
de pessoas brancas, qual perspectiva teórica estaria
sendo produzida sobre a negritude? Sua ambição é
reconhecer como a ausência de nomeação do lugar
“cis” fez com que esse lugar permanecesse fabricando
terapêuticas descoladas das realidades de pessoas
trans e travestis (Cavalcanti, 2016).
Ainda com Cavalcanti, novas leituras sobre
gênero estariam dentro de uma agenda transfeminista
que, ao lado do feminismo interseccional, teria especial interesse na decomposição da identidade. Quem
nos marca? De que forma marcamos o outro? Como
nossas posições nos situam desigualmente no tecido
social? Todavia, a definição de um transfeminismo
paralelo ao feminismo interseccional parece não
bastar para a autora, que busca, então, sem cair em
uma falácia identitária simplista, defini-lo como uma
defesa radical à despatologização do gênero e o uso da
cisgeneridade enquanto conceito analítico. De certo
modo, estabelece um diálogo com as produções de
Favero, S., Marini, M. B., & Senna, A. (2023). Uma Teoria Psicológica Transfeminista.
Vergueiro (2016) e Bagagli (2019), mas traz, para além
delas, um anseio por se pensar durante aquele percurso. Mais que uma filosofia, o transfeminismo seria
uma posicionalidade.
As reflexões sobre o feminismo trans, transfeminismo ou feminismo transgênero, tampouco pararam por aí. Emilly Fernandes (2019) o classifica como
abertura. Assim como a escuta, ele não seria fechado.
Buscaria estar atento aos modos que a cisgeneridade
compulsória estaria como norma para as questões
de gênero. Uma psicologia transfeminista, portanto,
está localizada na contramão dessa escuta fossilizada,
que entende homens e mulheres trans como homens
e mulheres cis, que não reconhece a legitimidade
daqueles que escapam do binário de gênero, que situa
as transições como desejos reguláveis, pois uma transição deveria sempre informar a “escolha cuidadosa”
sobre o futuro. Mas, pensemos por um momento,
desde quando ficou estabelecido entre nós que nossas
decisões deveriam ser sempre boas? Que deveríamos
sempre mirar um paradigma decisional cisgênero,
do qual não nos arrependeríamos, não nos frustraríamos, não nos reavaliaríamos?
Não há “escolha” boa nem ruim quando a moral
que regula essa escolha é tributária a armadilhas nosológicas, que buscam atestar uma veracidade à transexualidade. Se a pessoa persiste na transição, é porque
realmente se seduziu pela norma. Se desiste, é porque
nunca foi de fato trans. Saídas não parecem existir.
Talvez, justamente por isso, Fernandes (2019) invista na
necessidade de um projeto psicoterapêutico fora dos
moldes patologizantes, biologizantes e cisnormativos.
Aliadas à Emilly Fernandes, nossa proposta é refletir que a demanda “trans” não deveria ser sinônimo
para a demanda psicoterapêutica. Como saber mais
sobre o tema? Para onde encaminhar? O laudo é uma
necessidade? Perguntas que colam o gênero ao aparato
constitutivo do consultório. Contudo, uma lente transfeminista destinada à psicologia é útil para que a profissão seja capaz de lidar com esses debates também
no cenário público, ou seja, permitindo que diferentes
terapeutas se engajem no ofício de repensar os estereótipos culturais em torno das categorias sexualidade e
gênero, como ressalta João Maracci (2019).
O abandono de pautas que discutem diversidade (Maracci, 2019), por representarem “perigos” a
instituições “estáveis” como a família, não é um fenômeno isolado no Brasil. A partir da designação compulsória dos sexos e da lógica classificatória, a própria
psicologia, aliada ao vocabulário nosológico, indica
também enxergar o “transgênero” como uma ameaça
a partir de suas ofensivas psicopatologizantes. Dessa
forma, o paradigma normativo faz com que a saúde
mental advogue por um ideal totalizador, no qual a
ciência passa a se responsabilizar pela avaliação de
níveis de feminilidade e masculinidade. Dizer de uma
clínica que enxerga as fraturas cisnormativas é dizer
da psicologia enquanto profissão. Afinal, é possível
um fazer psicológico engajado com a diferença?
Decodificando um fim: caminhos para
uma psicologia mediada
São tempos difíceis. No Brasil de hoje, falar em
psicologia adjetivada é um risco que não se corre
facilmente. Estamos discutindo “tempo” durante o
artigo, mas não poderíamos deixar de falar sobre as
ameaças dessa nação de agora, ainda constituída
pelo ódio às diferenças raciais, sexuais, corporais e
de gênero. Expoente no campo do feminismo trans,
Jaqueline de Jesus (2014) pondera que, caso a psicologia desconsidere que a fisiologia não restringe, apenas
particulariza, correrá o sério risco de não questionar:
quem produz o nosso conhecimento? De que forma
o conhecimento produzido beneficia quem o produziu? Resumidamente, como é que a saúde mental
pode disputar cidadania de outra forma, que não seja
a diagnóstica?
Falar sobre psicologia transfeminista – ou ciência transfeminista, mais especificamente – não é falar
sobre um processo marcado por um exaurido identitarismo. O que está em discussão é justamente a
possibilidade de marcar o ideal totalizador de uma
representação científica cisgênera. Em outros termos, significa pensar como nossas proposições são
fragmentadas, provisórias, mas, exatamente por isso,
capazes de pensar um cuidado singular posicionado.
O transfeminismo surge em resposta a um “feminismo” de base biológica (Jesus, 2014), que, embora
buscasse desnaturalizar os papéis entre homens e
mulheres, declarava essas duas identidades enquanto
os únicos esquemas inteligíveis.
Em contrapartida, nosso papel cartográfico em
saúde reside no reconhecimento das histórias múltiplas das travestis e pessoas trans brasileiras, inseridas em lutas marcadas pela raça, religião e classe –
mas especialmente marcadas por uma concepção
de “humanidade“ bastante restrita. O que se discute
nessas páginas é a promessa de expansão de uma
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Psicologia: Ciência e Profissão 2023 v. 43, e243741, 1-14.
psicologia transfeminista. Talvez, para fazermos isso,
seja preciso que mais psicoterapeutas se somem a
nós, com o objetivo de (des)soterrar vivências e soterrar os saberes nosológicos. Como Amana Mattos e
Maria Cidade (2016) denominam, desestabilizar práticas, tanto científicas quanto políticas, que são responsáveis por produzir assujeitamentos.
De maneira simplificada, a teoria psicológica
transfeminista não seria necessariamente a criação
de uma nova abordagem em psicologia, mas a incorporação de paradigmas éticos e políticos que questionam: 1) a lógica de classificação binária entre os
sexos; 2) os efeitos de um vocabulário nosológico em
nossas práticas; 3) o imperativo de uma escolha dita
“saudável” sobre o corpo; 4) a concepção de que pessoas trans e travestis não deveriam passar por arrependimentos em suas transições; 5) e o juízo sobre a
continuidade de uma “essência” feminina ou masculina. Dessa forma, estaríamos apostando em outros
sentidos sobre envelhecimento, autoimagem e singularidade. Tais identidades sairiam, pouco a pouco,
do domínio de um frio enquadramento psiquiátrico.
Por outro lado, talvez mais propositivo, aborda-se a necessidade de uma escuta crítica em relação
à cisgeneridade, um reconhecimento do sofrimento
ocasionado pela transfobia que esteja desligado das
culpabilizações individualizantes, psicoeducação
quanto a garantias legais e jurídicas, além de uma
parceria dissimulada com quem trabalhamos, com o
objetivo de criar respostas criativas às burocracias
institucionais causadas por outros membros de equipes de saúde. Aqui, a psicologia poderia ter uma força
mais expressiva caso constatasse que muitos prejuízos foram provocados pela rigidez herdada da tradição médica. As trocas entre transfeminismo e psicologia se dão na necessidade de quebrarmos a coerência,
de introduzirmos outros tempos e nos atrelarmos
aos fluxos e contradições (Abu-Lughod, 2018). Suas
narrativas não cabem nas páginas nebulosas da
Classificação Internacional de Doenças (CID), menos
ainda nas amareladas folhas do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).
Podemos até não perceber, mas essa clínica
“imparcial” está em ruínas. Desde que sua racionalidade estimula a marginalização de quem subverte
o gênero e a sexualidade hegemônicos, ela não está
povoada de gente. Sem apressadas romantizações,
nós, as formas de vida insatisfeitas com a apatia do
consultório, queremos cidadanias múltiplas, refrigeradas, que sejam menos esgotificadas e patologizantes. Em razão disso, este artigo não pretende ser um
manual, mas um impulso em direção a outros territórios para nossos campos. Paradoxalmente, enquanto
escrevemos, dançávamos em cima dos escombros
desses referidos guias, (des)organizadas.
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Sofia Favero
Doutoranda em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto
Alegre – RS. Brasil.
E-mail: sofia.favero@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0001-5179-1154
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Psicologia: Ciência e Profissão 2023 v. 43, e243741, 1-14.
Marine Bataglin Marini
Mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre – RS. Brasil.
Email: marinibataglin@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-6948-4793
Ariane Senna
Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro – RJ. Brasil.
E-mail: psicologia_arianesenna@yahoo.com.br
https://orcid.org/0000-0001-8185-6844
Endereço para envio de correspondência:
Rua Ramiro Barcelos, 2600, Floresta. CEP: 90035-002. Porto Alegre – RS. Brasil.
Recebido 18/09/2020
Aceito 04/08/2021
Received 09/18/2020
Approved 08/04/2021
Recibido 18/09/2020
Aceptado 04/08/2021
Como citar: Favero, S., Marini, M. B., & Senna, A. (2023). Uma Teoria Psicológica Transfeminista: Sobrevivendo
aos Escombros da Saúde Mental Brasileira. Psicologia: Ciência e Profissão, 43, 1-14. https://doi.org/10.1590/19823703003243741
How to cite: Favero, S., Marini, M. B., & Senna, A. (2023). A Transfeminist Psychological Theory: Surviving the Debris
of Brazilian Mental Health. Psicologia: Ciência e Profissão, 43, 1-14. https://doi.org/10.1590/1982-3703003243741
Cómo citar: Favero, S., Marini, M. B., & Senna, A. (2023). Una teoría Psicológica Transfeminista: Sobrevivir a los
Escombros de la Salud Mental Brasileña. Psicologia: Ciência e Profissão, 43, 1-14. https://doi.org/10.1590/19823703003243741
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