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Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMÁRIO EM MOÇAMBIQUE Dr. Bonifácio Obadias Langa 0000-0003-0899-3425 Universidade Pedagógica de Maputo RESUMO: O presente texto traz uma reflexão acerca da formação docente para o ensino primário em Moçambique. Por meio de uma abordagem qualitativa, discute sobre alguns aspectos históricos, sociais, culturais e políticos desse povo e apresenta o Sistema Nacional de Educação (SNE) e a situação geral do ensino primário em Moçambique, como componentes que alicerçam a formação profissional docente para o ensino primário. Na sequência, apresenta uma visão panorâmica sobre o subsistema de formação de professores para o ensino primário, culminando por uma breve análise sobre a atualidade da formação docente para o primário nesse país. Tratou-se de um estudo bibliográfico sobre a legislação educacional moçambicana em cujas conclusões remetem para uma necessidade de reforma sobre a educação e formação docente para o ensino primário tendo em conta o atual contexto da lei, assim como vinca-se a necessidade da prática do isomorfismo na formação. PALAVRAS-CHAVE: Formação Docente; Ensino Primário; Moçambique. TEACHER TRAINING FOR PRIMARY EDUCATION IN MOZAMBIQUE ABSTRACT: This text reflects on teacher training for primary education in Mozambique. Through a qualitative approach, it discusses some historical, social, cultural and political aspects of this people and presents the National Education System (SNE) and the general situation of primary education in Mozambique, as components that underpin professional teacher training for the future. primary school. Next, it presents a panoramic view of the teacher training subsystem for primary education, culminating in a brief analysis of the current state of teacher training for primary education in this country. It was a bibliographical study on Mozambican educational legislation, whose conclusions point to a need for reform on education and teacher training for primary education, taking into account the current context of the law, as well as stressing the need for the practice of formation isomorphism. Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página 272 KEYWORDS: Teacher Training; Primary School; Mozambique. Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná 1 MOÇAMBIQUE: LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA, SITUAÇÃO HISTÓRICA, CULTURAL E POLÍTICA Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página 273 Moçambique é um país localizado no continente africano, na costa oriental, a sul do equador, no sudoeste da África Austral e é banhado pelo Oceano Índico. Situado na costa oriental da África Austral tem como limites: a Norte, a República da Tanzânia; a Noroeste, a República do Malawi e a República da Zâmbia; a Oeste, a República do Zimbabué, a República da África do Sul e o Reino de Essuatini; a Sul, a República da África do Sul e a Leste, a secção do Oceano Índico designada por Canal de Moçambique. Esse país, conta com um universo populacional estimado em cerca de 27.122. 222 pessoas, sendo 13. 008.778 homens e 14.113.444 mulheres, de acordo com o último Censo Populacional e Habitacional (CPH) de 2017. É uma nação que inicialmente foi habitada pelos povos bosquímanos – uma comunidade de caçadores e recolectores. No entanto, as grandes migrações, entre os anos 200 e 300 d.C., dos povos Bantu, de hábitos guerreiros e oriundos dos Grandes Lagos, forçaram a fuga dos bosquímanos para as regiões mais pobres em recursos. Moçambique é um país de língua oficial portuguesa, adotada no âmbito da proclamação da independência a 25 de junho de 1975. Contudo, de acordo com os dados definitivos do CPH 2017, em termos de domínio dessa língua, em um universo populacional de 27.122.222 pessoas, apenas 10.535.905, o que representa uma cifra de 38,8%, são falantes do Português, sendo que destes, 5.739.991 (21,1%) são do sexo masculino e 4.795.914 (17,6%) do sexo feminino. A maioria da população, estimada em cerca de 11.707.468 (43,1%), é falante de línguas nacionais locais dos quais 4.869.858, correspondentes a 17,9%, são do sexo masculino e cerca de 6.837.610, correspondentes a 25,2%, são do sexo feminino. Atendendo a área de residência, se urbana ou rural, os dados revelam que há mais domínio e conhecimento do Português majoritariamente na área urbana e pelos indivíduos do sexo masculino em relação à área rural e sexo feminino, tal como se ilustra na tabela abaixo: Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Tabela 1: População falante e não falante do Português segundo área de residência e sexo Área de residência Urbana Rural Sabe falar português Total Não sabe falar português Homens Mulheres Total Homens Mulheres 5911607 2999105 2912502 1763217 696730 1066487 56.10% 28.40% 27.60% 9.10% 15% 5.90% 4624298 2740886 1883412 9944251 4173128 5771123 43.80% 26% 17.80% 84.90% 35.60% 49.20% Fonte: Moçambique, INE, 2019. De acordo com os dados acima, percebe-se que a situação linguística de Moçambique, no que concerne ao domínio da língua portuguesa, apresenta variações assimétricas de acordo com o sexo e a área de residência. Observa-se que a população urbana goza de privilégios e de vantagens em relação ao acesso ao conhecimento científico pelo fato de a língua de ensino ser o Português, embora a política nacional de educação consagrasse também as línguas nacionais locais como meios de ensino em clara obediência ao direito constitucional consagrado como princípio fundamental na República de Moçambique (RM) que “O Estado valoriza as línguas nacionais como patrimônio cultural e educacional e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da nossa identidade” (Artigo n o 9 da constituição da República). Contudo, em decorrência da avaliação e monitoria da educação escolar, Moçambique/INDE (2015) defende por meio dos seus programas atuais de ensino (1º e 2º ciclos), a generalização do Português como língua de ensino pois: Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Esta situação significa, em parte, uma tentativa do incremento estratégico para o ensino e leitura do Português. Conforme os dados revelam, há um deficit de conhecimento linguístico pela maioria da população moçambicana (43,1%). Contudo, isto pode igualmente significar uma violação de direito humano de “livre expressão”. O desiquilíbrio no domínio do português pela maior parte da população rural e, em particular, da população feminina, diagnostica um problema de “dominação masculina” (MARTUCCELLI, 2007), em que o acesso ao conhecimento é privilégio dos “homens”. Nesse sentido, o governo e o estado moçambicanos têm incentivado políticas de emponderamento do desenvolvimento rural e da mulher, a partir da expansão da rede 274 Volvidos mais de dez anos da implementação do Currículo do Ensino Básico, os resultados da avaliação no âmbito do SACMEQ (2007) e da Avaliação da implementação dos programas do 1º e 2ºciclos do Ensino Básico (MOÇAMBIQUE/INDE, 2010) revelam que grande parte de alunos do Ensino Primário termina o 1º ciclo sem saber ler nem escrever (MOÇAMBIQUE/INDE, 2015, p. 1). Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página escolar e de um programa de incentivo à permanência das crianças na escola, conforme os planos estratégicos da educação (PEE, 2012; PEEC, 2006; PNE, 1995). Em termos de línguas nacionais faladas, diferentes do Português e da língua de Sinais, Moçambique é um mosaico etnolinguístico pois possui, cerca de quarenta e uma línguas agrupadas em seis grupos nomeadamente: Grupo I (Kimwani, Shimakonde, Ciyaawo), Grupo II (Emakhuwa, Echuwabu), Grupo III (Cinyanja, Cinyungwe, Cisena, Cibalke), Grupo IV (Cimanyika, Cindau, Ciwute), Grupo V (Gitonga, Cicopi) e, Grupo VI (Xichangana, Citshwa, Xirhonga). Desses agrupamentos, destacam-se, como principais de acordo com a padronização ortográfica das línguas moçambicanas, o Cicopi, cinyanja, cinyungwe, cisena, cishona, ciyao, echuwabo, ekoti, elomwe, gitonga, maconde (ou shimakonde), kimwani, macua (ou emakhuwa), memane, suaíli (ou kiswahili), suazi (ou swazi), xichanga, xironga, xitswa e zulu (NGUNGA, 2012). O mosaico linguístico que Moçambique apresenta constitui um dos pilares da democracia do estado, sendo que o país observa princípios democráticos baseados em um sistema político multipartidário. A Constituição da República (CR) consagra, entre outros, o princípio da liberdade de associação e organização política dos cidadãos, o princípio da separação dos poderes legislativo, executivo e judiciário, e a realização de eleições livres. Até ao momento o país realizou seis eleições presidenciais e legislativas desde 1994. Ao abrigo da CR de 1990 e como prova de incremento da democratização do país, as sextas eleições incluíram a eleição dos governadores provinciais e os respectivos membros das assembleias provinciais. Em termos econômicos, trata-se de um país “subdesenvolvido” (SANTOS, 2014) com notáveis assimetrias no seu território, a zona sul do país e as capitais, de modo geral, estão em regiões mais desenvolvidas. Com vista a reduzir essas assimetrias o governo, nos primeiros anos de independência, apostou em uma economia socialista centralmente planificada. Contudo, devido a severas calamidades naturais registradas e uma guerra civil que durou 16 anos, o país mergulhou em uma crise socioeconômica e política. Por esses fatores, Moçambique abandonou, a economia socialista centralizada e adotou uma economia do mercado de modo a dar continuidade a um projeto de desenvolvimento. Atualmente, com uma taxa de Produto Interno Bruto (PIB) equivalente a 14.46 bilhões de dólares estadunidenses e uma taxa cambial de 63.3 meticais a 25/01/2020, com um crescimento anual estimado em 2% até ao fecho de 2019 e uma taxa de inflação de 3.5%, com uma taxa de desemprego anual fixada em 25.04%, até dezembro de 2017 e, uma dívida pública estimada em 113 % do PIB1. Esse cenário faz de Moçambique uma nação entre as mais pobres do mundo e um dos oito países com o mais baixo Índice de 275 Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Desenvolvimento Humano (IDH) do planeta, ocupando o 180.º lugar da classificação de 2016, como indica o Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD (2019), em um universo de 189 países avaliados. A esperança de vida é de 60,2 anos, em média, sendo que as mulheres vivem mais (63 anos) e os homens vivem menos (57,1 anos). Para o enfrentamento dessas demandas o país filiou-se ao Fundo Monetário Internacional (FMI), ao Banco Mundial (BM), à União Europeia (UE) entre outros organismos internacionais, o que, segundo Santos (2014) favorece um espaço em que o impacto das forças externas seja preponderante, daí a razão de sua dependência econômica (p. 45). No que tange aos aspetos culturais, Moçambique possui um panorama cultural de música, dança e artes cênicas, com os quais têm usado como seu postal pelo mundo afora, com destaque para as pinturas de Malangatana e poesias dos Mia Couto e José Craveirinha. A arte e a escultura Maconde constituem o esplendor artístico criativo do artesanato moçambicano. 2 O SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO (SNE) MOÇAMBICANO Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página 276 A República de Moçambique (RM) conforme nos referimos anteriormente, alcançou sua independência a 25 de junho de 1975 por meio de luta armada contra o colonialismo português. Porém, somente em 1983 constituiu o primeiro Sistema Nacional de Educação (SNE) pelo decreto-lei 4/83 de 23 de março. Com o fim do sistema monopartidário, houve necessidade de ajuste do sistema educativo. O Decreto-lei 6/92 de 6 de maio revogou o primeiro sistema educativo e este, por sua vez, foi revogado pelo Decreto-lei 18/2018 de 28 de dezembro após vinte e seis anos de vigência. Em todos esses sistemas e principalmente nos dois primeiros, o subsistema de formação de professores conheceu várias metamorfoses. Uma certa evolução pode ser identificada a partir da comparação dos objetivos na área de formação de professores, como ilustra o quadro a seguir: Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Quadro 1: Comparação dos objetivos no subsistema de formação de professores de 1983 a 2018 Lei 4/83 de 23 de Março Lei 6/92 de 6 de Maio Lei 18/2018 de 28 de Dezembro Assegurar a formação integral dos docentes munindo-os da Assegurar a formação integral dos docentes Assegurar a formação integral do professor capacitando-o para ideologia científica do proletariado, capacitando-os para capacitando os para assumirem a responsabilidade assumir a responsabilidade de educar e formar a criança, o assumirem a responsabilidade de educar e formar os jovens e de educar e formar jovens e adultos jovens e o adulto; adultos; Forjar no professor uma profunda consciência patriótica e Conferir no professor uma sólida formação científica Conferir ao professor uma sólida formação geral científica, revolucionária, baseada nos princípios do partido Frelimo; psicopedagógica e metodológica psicopedagógica, didáctica, ética e deontológica. Consolidar no professor a visão científica e materialista do desenvolvimento da natureza, da sociedade e do pensamento, capacitando-o para actuar de forma dinâmica e exemplar na transformação das condições materiais e sociais e dos valores morais e culturais na escola, na comunidade e na sociedade Permitir ao professor uma elevação constante do Proporcionar uma formação que de acordo com a realidade Conferir ao professor uma formação psicopedagógica e seu nível de formação científica, técnica e social, estimule uma atitude simultaneamente reflexiva, crítica e metodológica assente nos princípios da pedagogia socialista psicopedagógica actuante. e ajustada às exigências do processo revolucionário moçambicano; Permitir ao professor a elevação constante do seu nível de formação política e ideológica científico-tecnica e psicopedagógica. Fonte: Sistematizado pelo pesquisador. Original disponível em: https://pt.tradingeconomics.com/mozambique/indicators. Acesso em: 25 jan. 2020. Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página 2 Dos vários modelos existente há que salientar que existe desde o ano de 2004 o modelo de formação universitário de professores para a educação básica oferecido pela UP, no curso de Licenciatura em Ensino Básico no entanto, os egressos não são concursados pelo MINEDH devido à falta de recursos para pagamento de salários de professores com nível superior no EP porém, egressos desse curso que já exercem a docência como concursados beneficiam-se de progressão na carreira por conclusão de nível. 277 Na área da formação docente, desde os primeiros anos após a independência de Moçambique, houve a necessidade de assegurar uma formação “integral” do professor, por meio de uma formação geral e científica e uma formação contínua em exercício. Conforme os contextos e emergências do país, vários modelos 2 de formação foram desencadeados como temos vindo a descrever, de modo a flexibilizar a erradicação do analfabetismo e proporcionar o letramento das crianças, jovens e dos adultos. Certamente que essas emergências e/ou urgências em alfabetizar e “moçambicanizar” os cidadãos, dentro de uma economia que sempre se mostrou precária devido às guerras e calamidades naturais, pode ter proporcionado a que certas especificidades na formação inicial de professores não tenham sido observadas. Por meio dos objetivos para a formação inicial e contínua de professores acima identificados, pode-se perceber que, na formação inicial, sempre predominaram os saberes didáticos sobre os demais saberes necessários para a docência. É imprescindível destacar que o nível de ingresso na formação inicial sempre foi baixo: 4ª, 6ª, 7ª e 10ª classe. E foi com esses egressos que o estado sempre contou para realizar os objetivos do ensino primário. Com a entrada em vigor da Lei 18/2018, o nível de ingresso para a formação inicial passou a ser o 12º ano de escolaridade (nível médio). Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná 3 SITUAÇÃO GERAL DO ENSINO EM MOÇAMBIQUE Nesta secção, abordaremos na generalidade a situação geral do ensino em Moçambique, com enfoque para o ensino primário (EP), por tratar-se da área de ensino ligada com nosso objeto de pesquisa. Para uma melhor compreensão do atual estágio do ensino em Moçambique façamos um “voo rasante” na radiografia do Sistema Nacional de Educação (SNE) de Golias (1993) por meio da qual é possível perceber que, de 1975 a 1979 o sistema de ensino foi, caraterizado por um crescimento descontrolado dos efetivos escolares, […], surgiram escolas primárias incompletas; de 1979-1985, o marco importante foi a introdução do SNE, incremento de escolas completas de 36% em 1980 para 71% em 1984, registro de maior índice de baixo aproveitamento escolar e redução da taxa de admissão; de 1985 a 1992, notabilizou-se a redução da rede escolar e cobertura educativa, baixa qualidade de ensino tendo como uma das grandes causas a proporção aluno-professor (60:1), sendo média para a África Subsaariana de (39:1), baixo nível de formação de professores e suas condições deploráveis de trabalho e escassez de recursos materiais e financeiros, (GOLIAS, 1993, p. 63-76). Estes e outros elementos continuam notabilizando-se ao longo do tempo e afetando profundamente o desempenho do setor de educação em Moçambique. De acordo com o Relatório de Desempenho do Setor da Educação de Moçambique (RDSA), de 2019, a rede escolar continuou a crescer, em 2018, em todos os níveis de ensino, com maior destaque para o Ensino Primário do 2º Grau e 2º Ciclo do Ensino Secundário (MINEDH, 2019), como ilustra a tabela abaixo: Tabela 2: Rede escolar, Ensino Geral, turno diurno, 2011, 2017-2018, ensino público, privado e comunitário Escolas por nível de ensino Nível de Ensino lecionado Número de escolas Linha de base, 2011 2017 Crescimento 2018 % Não Público 2017- 2018 2011- 2018 2018 EP1 10.987 12.768 12.983 1,68 18,17 1,93 EP2 3.652 7.655 8.121 6,09 122,37 2,52 ES1 561 732 748 2,19 33,33 34,53 ES2 228 399 429 7,52 88,16 46,42 13.5 13.731 1,71 18,90 3,29 Total de escolas 11.548 Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página O país registrou o aumento significativo do número de escolas do ensino primário (EP), no período entre 2011-2018, de catorze mil e seiscentos e trinta e nove (14.639) escolas primárias. Em 2011, houve um aumento de seis mil e quatrocentas e sessenta e 278 Fonte: Moçambique/MINEDH, 2019. Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná cinco (6.465) novas escolas, alcançando-se, em 2018, um total de vinte e um mil e cento e quatro (21.104) instituições escolares. É possível notar que durante esse período, no cumprimento de seus objetivos/missão, o PEE 3 (2012) reconhecendo que um dos fatores de abandono e desistência registrava-se em decorrência da distância que as crianças percorriam da casa à escola, sobretudo após a conclusão da 5ª classe (EP1), determinou-se como uma das prioridades que: A transformação das EP1s em EPCs facilitará a retenção dos alunos até a 7ª classe na mesma escola onde ingressaram na 1ª classe, eliminando a necessidade de percorrer longas distâncias para continuar a frequentar o EP2. Isto implicará, entre outros, maior desempenho do programa de construção de salas de aulas 40 através da realização das metas estabelecidas, observando, com rigor, as regras e normas existentes em termos de gestão deste programa (MOÇAMBIQUE/MINEDH, 2012, p. 60). Com efeito, A transformação de Escolas Primárias em EPCs foi uma medida tomada pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH)por forma a alinhar a rede escolar distorcida e permitir que as crianças ingressem no ensino primário possam continuar até concluir a escolaridade obrigatória de 7 classes, na mesma escola. Apesar do acesso ao ensino primário do 2º grau ter uma tendência crescente, a taxa de conclusão no EP continua um desafio, por força da eficiência do sistema por um lado, e por causa do acesso a este nível de ensino, perto de 40% era oferecido numa outra escola, em muitos casos com uma distância incomportável entre a casa e a escola, resultando em desistências, o que levou o MINEDH, no contexto da nova Lei do Sistema Nacional da Educação (SNE) garantir que o Ensino Primário comportará 6 classes, a partir de 2022, permitindo deste modo qua os alunos possam concluir o ensino primário na mesma escola. Para o efeito decorre o processo de requalificação das escolas, abrangendo escolas primárias e secundárias. (MOÇAMBIQUE/MINEDH, 2019, p. 12). 3 Plano Estratégico da Educação. Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página 279 Existiam, em 2011 cerca de 33% de Escolas Primárias Completas (EPC) o equivalente a cerca de quatro mil e oitocentas e trinta (4.830) unidades escolares, em um universo de 14.639. Até ao ano de 2018, houve um aumento para cerca de 62.2%, o equivalente a treze mil e cento e vinte seis (13.126) EPCs de um universo de 21.104 escolas primárias (EPs) em todo país. Para melhor compreensão, pode-se observar o gráfico ilustrativo da evolução da rede escolar do ensino primário, tendo o ano de 2011 como linha de base: Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Gráfico 1: Evolução da rede escolar (EP2011-2018) Fonte: MINEDH, 2019. A exiguidade de EPCs, não é o único problema de relevo desconfigurado no setor de educação em Moçambique. A falta de salas de aulas convencionais é igualmente um terreno acidentado e continua sendo um desafio enorme para o setor. Até ao ano 2018, o país contava com um universo de sessenta e seis mil e seiscentos e quarenta e cinco (66.645) salas de aulas das quais trinta e oito mil e quatrocentas e sessenta e quatro (38.464) eram convencionais (MOÇAMBIQUE/MINEDH, 2012), o que significa que dos seis milhões e quinhentos e sessenta e três mil e trezentos e setenta e seis (6.563.376) alunos do ensino primários existentes no Sistema Nacional de Educação (SNE), apenas dois milhões e quatrocentos e sessenta e um mil e seiscentos e noventa e seis (2.461.696), o equivalente a 37.5%, são, os que estudam em salas convencionais, considerando a proporção de sessenta e quatro (64) alunos por professor, de acordo com Moçambique/MINEDH (2012). Aponta-se, como justificativa para essa falta, “as limitações financeiras e à falta de capacidade técnica, ao nível local” (MOÇAMBIQUE/MINEDH, 2012, p. 58). Uma das preocupações registradas como prioridade, no atual Plano Estratégico da Educação (PEE) traduz-se no objetivo de “Assegurar que todas as crianças tenham oportunidade de concluir uma educação básica de 7 classes com qualidade” (MOÇAMBIQUE/MINEDH, 2012, p. 53), pois, de acordo com estudos realizados por SACMEQ (2007) e conforme o Moçambique/MINEDH (2012) diagnostica que, Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página No entanto, na perspectiva do desempenho dos alunos, registra-se atualmente uma melhoria significativa em termos percentuais (78.8%), contudo não desmazela-se da 280 Não apenas que o desempenho em Moçambique está abaixo da média da região, mas também que a maior parte dos alunos na 6ª classe não desenvolveu competências básicas de leitura e de matemática que garantam o seu sucesso escolar nos níveis de ensino mais altos (MOÇAMBIQUE/MINEDH, 2012, p. 58). Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná problemática acentuada de domínio de leitura, escrita e de cálculo referenciado nos estudos, que “culpabilizam” o professor pela baixa qualidade de ensino. Embora existam vários elementos que distorçam o normal funcionamento do Processo de Ensino-Aprendizagem (PEA), o setor apresenta uma taxa de graduação satisfatória na ordem de 70% e, o corpo docente evolui a cada ano ainda que de forma desigual, conforme ilustra o gráfico abaixo: Gráfico 2: Evolução na contratação de novos professores Fonte: Moçambique/MINEDH, 2019. A contratação anual de professores em Moçambique é uma prática contínua para dar resposta ao crescimento da rede escolar e a redução da proporção aluno-professor. Consequentemente, nem todos os professores possuem uma formação docente adequada. Nesse sentido o PEE (2012) definiu como “estratégia integrada de formação e capacitação dos professores” e propôs que: Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Outro sim, o Moçambique/MINED (2004) por meio da Direção Nacional de Formação de Professores e Técnicos de Educação (DNFPTE), “reconhece a necessidade urgente de melhorar, tanto a oferta como a qualidade dos professores formados”, de modo a incrementar melhoria no Processo de Ensino-Aprendizagem (PEA). O gráfico a seguir ilustra o perfil do quadro docente no domínio da componente de formação profissional: 281 Vai-se continuar a refinar a estratégia de formação e capacitação dos professores, virada para uma abordagem integrada para o seu desenvolvimento profissional através duma maior ligação entre a formação inicial e em serviço, e a supervisão e o acompanhamento adequado no seu local do trabalho, segundo o novo paradigma: formação baseada em competências, preparando melhor o professor (MOÇAMBIQUE/MINEDH, 2012, p. 63). Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Gráfico 3: Número de professores existentes e com formação psicopedagógica Fonte: Moçambique/MINEDH (2019). Analisando os dados entre 2011 e 2018 registrou-se uma evolução de entrada para carreira docente no entorno de vinte e um mil e seiscentos e quarenta e três (21.643) novos docentes, o equivalente a cerca de 23.4%, sendo que docentes com formação aumentaram em cerca de trinta e sete mil e cento e oitenta e um (37.181) mesmo período o equivalente a 50.5%. Como pode-se depreender, a evolução docente está muito abaixo da evolução discente em termos proporcionais. A evidente redução (2.440 docentes a menos) na contratação docente de oito mil e quinhentos (8.500) em 2011, para seis mil e seiscentos e sessenta (6.060), em 2018, representou um deficit docente de cerca de 28.7% o que aumentou a proporção alunoprofessor, conforme dados do Moçambique/MINEDH (2019). Em 2018, a proporção de alunos por professor alcançou cerca de 64.2, contrariando a tendência de melhoria que se verificava nos dois últimos anos. Ainda assim, a proporção de 64,2 alunos por professor, embora seja elevado, afigura-se razoável comparando-se com alguns distritos Moçambique em, que se apresentam proporções acima dessa média, como ilustra o gráfico a seguir: Gráfico 4: Evolução da proporção Aluno/Professor 1500 0 239 95 58 86 267 112 61 94 Masculino Femenino total 10ª +1 12ª+3 À Distância total Fonte: Moçambique/MINEDH, 2019. A reflexão sobre proporção aluno/professor que aqui se apresenta contrasta a regra determinada para esse nível de ensino pois, segundo Regulamento Geral das Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 282 500 506 207 119 180 Página 1000 Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Escolas do Ensino Básico (REGEB) no seu Artigo nº 42, no EP destacam-se três tipos de composição de turmas que devem ter uma frequência até 50 alunos, nomeadamente: 1. […], Turmas normais, mistas e excepcionalmente especiais. a) Entende-se por turma normal ao conjunto de alunos, que frequentam a mesma classe na responsabilidade de um professor no 1º grau e de grupo de professores no 2ºgrau. b) Considera-se turma mista ao conjunto de alunos de classes diferentes que estão na responsabilidade do mesmo professor e na mesma sala de aulas. c) Considera-se turma especial aquela que é constituída apenas por um determinado número de alunos com as mesmas necessidades e que são assistidos por um professor com formação/capacitação em metodologias específicas na área de deficiência dos seus alunos, dependendo do grau de deficiência (BR nº 20, 2008, p. 169). Em conformidade com a composição de turma, o n º 1 do Artigo 43 (Ibid. p. 169), determina o número de frequência por turma que se configura da maneira seguinte: a) A frequência média é de 50 alunos por turma normal. b) As classes com menos de 25 alunos devem ser ministradas em regime de turmas mistas. c) As turmas mistas não devem exceder o número máximo de 40 alunos. Havendo necessidade de alterar a frequência da turma conforme o estipulado no nº 5 do aludido artigo refere que: Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Ora, conforme os dados referentes à proporção de alunos por professor em Moçambique, nota-se que várias escolas estão funcionando acima de frequência determinada e muito acima da média internacional que oscila no entorno de dez alunos por turma/classe. Ao analisar minunciosamente o programa de formação inicial de professores dos IFP, este não contempla a componente didático metodológica de formação sobre a gestão didática de turmas numerosas, com excepção do curso de Licenciatura em Ensino Básico ofertado pela Universidade Pedagógica de Maputo (UPM). Esse cenário desencadeará, claramente, uma situação de medo e/ou de dificuldade no professor para trabalhar com turmas que apresentam essa configuração. Nessa interpretação, Freire (2001), na sua segunda carta, divagando sobre a questão do medo versus dificuldade, considera algo difícil: 283 O Director da Escola deve comunicar ao Director do Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia, qualquer aumento que a capacidade das respetivas salas de aula não deve comportar, bem como as diminuições que tornem as turmas inferiores a 50 por cento da capacidade fixada, a fim de se proceder de acordo com as circunstâncias. Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Quando enfrentá-lo ou lidar com ela se faz algo penoso, quer dizer, quando apresenta obstáculo de algum nível. Medo […], como sendo, um sentimento de inquietação ante a noção de um perigo real ou imaginário. Medo de enfrentar a tempestade. Medo da solidão. Medo de não poder contornar as dificuldades para, finalmente entender um texto (FREIRE, 2001, p. 39). A ausência da componente didática metodológica sobre a gestão didática de turmas numerosas na formação inicial constitui um desvio na concepção curricular dos cursos, uma vez que, em consonância com a concepção do Sistema Nacional de Educação (SNE), é sabido e de domínio público que no ensino primário a caraterística fundamental é de turmas numerosas. Portanto, a dimensão de turma (frequência) pode gerar medo no/a professor/a, propiciando desse modo a fraca qualidade do ensino, além de impossibilitar o desenvolvimento da afetividade a partir das relações intra e interhumanas próprias e específicas do ambiente de aprendizagem. Sendo que o trato pedagógico deve ser caraterizado pelo desenvolvimento de dialogicidade (FREIRE, 2017) e afetividade (FREIRE, 2018), a “docência - discência”. Nesta interpretação, não embrenharemos na discussão sobre proporção aluno/professor versus a questão da qualidade do ensino, pois de acreditarmos que a frequência da turma, quanto menor for, possibilita mais interação didática o que concorre para uma melhor aprendizagem. A despeito disso, percorremos o Sistema Nacional de Educação (SNE) na intenção de compreender sua eficácia e eis que encontramos como principais indicadores de avaliação da eficácia do SNE moçambicano, a taxa de escolarização, de conclusão do ensino primário (EP) e a taxa de retenção (ou seja, a capacidade do sistema de garantir a permanência dos alunos até a conclusão do EP/Fundamental). E, nesse nível de ensino, segundo Moçambique/MINEDH (2019, p. 17) em cômputo geral, Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Reconhecendo-se que a formação inicial de professores trata especialmente de “παιδαγωγική= paidagogikí” e não de “Ανδρογόνο = Androgóno” e, porque a prática tem mostrado que crianças acima da idade escolar são consideradas e tratadas como adultos, a formação poderia abordar paralelamente à pedagogia a andragogia o que possibilitaria o tratamento pedagógico necessário a crianças fora da idade escolar. 284 As taxas de escolarização mostram-nos uma ineficiência no sistema, uma vez que maior parte dos alunos que frequentam o EP1 está acima da idade e por outro lado, olhando para a taxa líquida de escolarização, podemos notar que, eventualmente o número de alunos com idade oficial para frequentar o EP1 tem estado a crescer mais do que a população com a mesma idade. O mesmo cenário, verifica-se para o EP2 visto que tanto a taxa bruta de escolarização como a líquida estão com uma tendência de crescer. Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Por um lado, “a taxa de conclusão na 7ª classe reduziu entre 2011 e 2017 de 47% para 45% (41,8% mulheres e 47,3% de homens), (Ibid., p. 18) o que consubstancia a ideia de ineficiência do sistema no cumprimento de seus objetivos. Por outro lado, temos a taxa de retenção que tem a ver, repetimos, com a capacidade do sistema de garantir a permanência dos alunos e alunas até a conclusão do Ensino Primário/fundamental. A respeito disso, registrou-se que, até 2018, a taxa de retenção; […], mostrou uma relativa ascendência sendo de destacar as seguintes oscilações: nas províncias de Niassa, Manica, Sofala e Inhambane foi ascendente tendo se mostrado estacionária nas restantes províncias, com uma ligeira descendência nas províncias de Maputo, Cidade de Maputo (Ibid., p. 18). A taxa de retenção relaciona-se com o fenômeno de abandono escolar em Moçambique que tem-se mostrado alta nas regiões de centro e norte do país (Sofala, Manica, Zambézia, Tete, Nampula, Cabo delgado e Niassa), derivada da “falta de escolas do EPC em muitas localidades” segundo conclui o estudo de Mucopela (2016). Como pôde ver-se o Sistema Nacional de Educação (SNE) tem-se mostrado ineficaz e com o agravante de a formação inicial de professores de educação básica não prever disciplinas relacionadas a fatores de ineficácia de modo a prover aos professores conhecimentos estruturantes para lidar com tais fenômenos. Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página O processo constitutivo da formação de professores para o ensino primário em Moçambique remonta do período colonial com a introdução da escola de formação de professores do Alvor, na década de 1930 do século XX. Um processo histórico que conheceu muitos percalços, avanços e recuos, típicos do processo e do período histórico que o país atravessava (colonização). O alcance da independência a 25 de junho de 1975 marcou, um novo momento histórico para um povo que viveu as marcas da escravatura por cerca de cinco séculos. Durante o período da escravatura e da colonização, o povo moçambicano esteve subjugado aos métodos bárbaros, cruéis e desumanos e opressivos perpetrados pelos colonos. O sistema de ensino privilegiava somente aos filhos dos colonos e aos nativos lhes eram oferecidos rudimentos de educação escolar (MAZULA, 1995; GOMÉZ, 1999). Nacionalizado o sistema de ensino e introduzido o Sistema Nacional de Educação (SNE) em 1983 pela lei 4/83, desencadeia-se um processo irreversível de alfabetização massiva do povo. É nesse âmbito que o governo da Frente de Libertação de Moçambique 285 4 UMA RETROSPECTIVA SOBRE OS SABERES DOCENTES NA FORMAÇÃO DOCENTE SOB PRISMA DA LEI 4/83 EM MOÇAMBIQUE Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (FRELIMO) 4 aponta a educação escolar massiva do povo como prioridade para o desenvolvimento do país. Nessa sequência, a formação de professores afigura-se prioritária para dar resposta aos anseios do desenvolvimento do país a partir da educação das novas gerações. É importante salientar que, entre os anos de 1975 e 1983, o sistema de ensino ainda baseava-se no modelo escolar herdado do colonialismo, mas com algumas sofisticações, por exemplo, a nacionalização já referida do ensino, a jovem nação ora parida inaugura um período de massificação da escolaridade para a grande parte da população, registando-se um afluxo maciço de alunos às escolas. Conforme esclarece o Moçambique/MEC (2011, p. 5), Esta “explosão escolar” provocada pela nacionalização do ensino registrou-se, num momento em que a maioria dos professores estrangeiros e alguns moçambicanos abandonavam o país e outros tantos saíam do ensino. Era uma situação muito difícil, sem condições para se atender ao crescimento da demanda escolar. A procura de solução deste problema nasceu necessariamente dos imperativos próprios de situação de emergência, sendo contratados como professores muitas pessoas com baixo nível de ensino (escolaridade). Qualquer que reunisse os requisitos mínimos exigidos para ensinar poderia ser aceite, era o início de contratação de professores sem formação. Entende-se aqui como requisitos mínimos o nível de 4ª classe de escolaridade concluída, conferida pelo sistema colonial de educação para os chamados “indígenas”5. À data da independência, Moçambique tinha uma população com uma porcentagem de cerca de 90% de analfabetos de acordo como Agência de informação de Moçambique (AIM), (CRUZ E SILVA, s./d.) Esse fato denuncia a vulnerabilidade que afetaria vários setores sociais, em particular o sistema de educação e isso apontava para a urgência para a formação de bons professores. No caso, o primeiro Sistema Nacional de Educação (SNE) introduzido pelo decretolei 4/83, tinha fundamentalmente os seguintes objetivos: ▪ ▪ ▪ Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página 4 FRELIMO: trata-se do movimento nacional fundado a 25 de junho de 1962 com objectivo de lutar pela independência diante do colonialismo português e que após a proclamação da independência a 25 de Junho de 1975 transformou-se em Partido político que até então governa o país. 5 Nessa acepção são considerados indígenas aos indivíduos da raça negra ou seus descendentes que nascidos lá ou lá vivendo habitualmente, ainda não possuam a instrução e os hábitos individuais e sociais pressupostos para a aplicação integral do direito público e privado dos cidadãos portugueses. São igualmente considerados indígenas nascidos de pai e mãe indígenas em lugar estranho a estas províncias, tendo-se os pais fixado nelas temporariamente (GOLIAS, 1993, p. 33-34). 286 A erradicação do analfabetismo; A introdução da escolaridade obrigatória e, A formação de quadros para as necessidades do desenvolvimento econômico e social e da investigação científica, tecnológica e cultural. (Bolentim da República: p. 1 I série – Número 12, 3º suplemento, 1983). Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná A formação de quadros para os diversos setores de desenvolvimento do país situava-se no topo da agenda e com grande destaque para a formação de professores de modo a responder de maneira sistêmica, os demais problemas dos quais o país enfermava. Para um povo que viveu cerca de cinco séculos de escravatura e dominação colonial mostrava-se necessária uma ideologia que proporcionasse a libertação da mentalidade colonial escravagista nesse povo. Eis por que o governo da República Popular de Moçambique (RPM) concebe como objetivo central do Sistema Nacional de Educação (SNE) a “formação do Homem Novo” (MOÇAMBIQUE/MEC, 2011, p. 14): Um Homem livre do obscurantismo, da superstição e da mentalidade burguesa e colonial, um homem que assume os valores da sociedade socialista, nomeadamente: a unidade nacional, (…) e o engajamento e contribuição ativa com todos os seus conhecimentos, capacidades e energia na construção do socialismo. Esse “Homem Novo”, que se difere do referido por Mogarro e Namora (2012), pois, nele esperava-se operar por meio da alfabetização (letramento), a libertação de sua mente na sua condição de oprimido, conforme nos diz Freire (2018): É preciso que comecem a ver exemplos da vulnerabilidade do opressor para que, em si, vá operando-se convicção oposta à anterior. Enquanto isto não se verifica continuarão abatidos, medroso, esmagados. Até ao momento em que os oprimidos não tomem consciência das razões de seu estado de opressão, “aceitam” fatalistamente a sua exploração (FREIRE, 2018, p. 70-71). Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Para além deste tipo de contratação, o MEC criou, em 1975, 10 Centros de Formação de Professores Primários (CFPP´s), um em cada província. O curso ministrado era de 1 ano o ingresso era com o mínimo 4ª/6ª Classe do ensino primário, a ênfase do curso incidia na área didático-pedagógica, com elevação do nível de conhecimentos do carácter geral, formação política e ideológica dos candidatos. Todos os Centros em conjunto formavam 800 Professores por ano. Os Formadores (Instrutores) dos CFPP´s foram escolhidos de entre Professores com habilitações do curso de Magistério Primário (de nível Médio) e de Professores de 287 Nesse caso, a escolarização do povo era inevitável e premente. Era preciso realmente que o povo, a partir de uma educação escolar, aprendesse os passos da liberdade e, para o efeito, a expansão da rede escolar era ponto de ordem. Porém o impasse era a inexistência de professores preparados. No entanto, a premente necessidade de cobertura da rede escolar ora aberta fez com que o Ministério da Educação e Cultura (MEC) abrisse vagas para a contratação de um quadro precário de pessoal para responder as necessidades. Segundo Moçambique/MEC (2011, p. 4), Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Posto Escolar que foram submetidos a curso de curta duração para aprimorar a sua formação político-pedagógica. Para além destes Centros, foram criados também 4 Centros Reginais de reciclagem que capacitavam cerca de 3.000 Professores do então Ciclo Preparatório para o Ensino Secundário. Como se pode perceber a partir do excerto acima, a formação acelerada de professores estava voltada com mais ênfase para o desenvolvimento dos métodos e das técnicas de ensino e, dessa maneira foram lançados os primeiros viveiros no campo de formação de professores do ensino primário. Após a constituição do Sistema Nacional de Educação (SNE), em 1983, e com a experiência das zonas libertadas e dos primeiros anos de independência, inaugura-se, nesse período, um modelo de formação cuja habilitação mínima de ingresso foi a 6ª classe, tendo vigorado entre os anos 1976 e 1997 (MAZULA, 2018, p. 66-67) e a posterior implementou-se o modelo de formação de habilitação mínima de ingresso a 7ª classe de acordo com Mazula (2018), entre os anos 1988 e 2003. Até 1983, o ensino primário (EP) era de seis classes, tendo progredido para sete classes no ano posterior independente da introdução do SNE. No cômputo geral, o currículo de formação inicial abarcava “três objetivos fundamentais” em consonância com as disposições legais no Bolentim da República (BR, 1983, p.19), sendo eles: a formação político-ideológica, formação acadêmica e formação profissional (MOÇAMBIQUE/INDE, 1998). A formação inicial dividia-se por níveis de ensino em conformidade com a subdivisão do ensino primário, pois, de 1ª à 5ª classes, tinha-se o ensino primário do 1º grau (EP1) e, da 6ª à 7ª classe, o ensino primário do 2º grau (Artigo 14 da Lei 4/83), o que fez com que a formação inicial também fosse diferenciada. Os Centros de Formação de Professores Primários (CFPP’s) formavam os professores para o EP1 e, às Escolas de Formação de Professores do Ensino Primário (EFEP), ao Instituto Médio Pedagógico (IMP) e à Universidade Eduardo Mondlane (UEM), cabia-lhes a preparação de professores do EP2. A tabela a seguir ilustra os modelos de formação desse período e suas especificidades, de acordo com Mazula (2018, p. 67-69): Quadro 2: Modelos de formação de professores para o EP1 e EP2 Ano Habilitação de ingresso Duração do curso Classe por leccionar Áreas de formação 1 Ano 1ª a 4ª classe 1988 6ª/7ª classe 3 Anos 1ª a 7ª classe 1999 a 2003 7ª classe 2 + 1 Ano 1ª a 7ª classe Modelo de formação para o EP2 1977 a 1979 1978 /s 1983 1985 9ª classe 6 meses Pontos fortes Pontos fracos Sociopolítica Estágio Psicopedagogia Formação metodológica Sociopolítica Estágio de 9 Psicopedagogia meses no 3º Formação metodológica ano Formação geral Baixo nível de ingresso Ausência de critérios no recrutamento de instrutores Acompanham - 33% de formação geral Estágio de 1 ento de e 67% de formação ano estágio profissional deficiente Observação 6ª e 7ª classe Formação dada pela UEM 6ª e 7ª classe Ministrado nas EFEP 6ª classe 8ª classe 9ª classe 9ª classe 9ª classe 2 Anos 2 Anos 3 Anos 6ª e 7ª classe 6ª e 7ª classe Ministrado nos IMP Fonte: MAZULA (2018). Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 288 6ª classe Página 1976 a 1997 Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Um conteúdo de saber que tenha sido definido como saber a ensinar, sofre, a partir de então, um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O ‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a ensinar, um objeto de ensino, é chamado de transposição didática (p. 39, tradução livre). 289 Uma particular atenção nesse período foi dada para a formação específica dos professores para o ensino de educação física nas escolas. Segundo Mazula (2018, p.69), a formação de professores de educação física foi evoluindo à semelhança das Escolas de Formação de Professores do Ensino Primário (EFEP) e Instituto Médio Pedagógico (IMP). De acordo com o mesmo autor, entre 1976 e 1978 esse curso tinha como habilitação mínima de ingresso a 9ª classe e a formação tinha duração de um ano. Nas décadas de 1976 e 1977, esse curso apresentava um figurino diferente pois a habilitação de ingresso era a 6ª classe para uma formação de dois anos. Entre 1979 e 1980, o mesmo curso, com mesma habilitação de ingresso, tinha duração de cinco anos e, naquilo que foi sua última aparição, em 1983 havia a exigência de 9ª classe como habilitação de ingresso e uma duração de três anos de formação. Tratou-se de uma geração de formação de professores na qual o modelo em que se baseava essa formação assentava seguramente de acordo com as categorias de Shulman (1987), sobre o conhecimento pedagógico e conhecimento pedagógico do conteúdo, com um total de 21 disciplinas curriculares, perfazendo um total de 3.710 horas letivas. Dessas, cerca de 50,6% do tempo eram destinadas para a área de formação profissional, segundo o Instituto Nacional de Desenvolvimento de Educação (INDE, 1998, p. 3). A primazia da formação profissional (conhecimento didático) que se dá em detrimento da formação geral (conhecimento sobre o objeto de ensino) mostrou-se problemática, pois, estudos realizados (INDE, 1995; MARTINS et al., 1997; GOLIAS,1991) denunciam a fraqueza em relação ao nível do conhecimento sobre o objeto do ensino por parte dos professores. Nesse sentido, reconhecendo-se que a deficiência de conhecimentos científicos dos candidatos ao magistério é baixa, dever-se-ia ampliar no currículo o campo de estudos sobre o conhecimento sobre o objeto de ensino de modo a elevar o nível de sua compreensão. Esse cenário pode precipitar uma deficitária atuação profissional do professor, pois, este provavelmente lecionará sobre um objeto desconhecido. De acordo com Freire (2017, p. 90) isso não significa, que a opção e a prática democrática do professor ou da professora sejam determinadas por sua competência científica, porém, temos a plena certeza de que a competência científica exerce um papel fundamental para sua conjugação com a transposição didática, referido por Chevallard (1991): Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná A prevalência desse modelo de formação e com agravante do seu nível de ingresso (6ª/7ª/8ª/9ª classe) ser baixo para conferir solidez ao conhecimento sobre o objeto de ensino gerou, no sistema educativo, desníveis de desempenho do aluno tendo em conta a incapacidade do professor em ajudar as crianças a resolver problemas básicos de aritmética, entre outros conteúdos de domínio científico, como afirma Golias (1991), referindo-se à baixa qualidade de professores. Não obstante, além do programa curricular privilegiar a formação sobre o conhecimento pedagógico, que é apelidada de “espinha dorsal” do currículo (INDE, 1998, p. 10), tem-se igualmente uma maior primazia ao clássico modelo de racionalidade técnica em que o estágio se encontra isolado da componente curricular teórica. O futuro professor, em razão da sua deficiência dos saberes profissionais, poderá participar do movimento de reprodução das desigualdades sociais (BORDIEU; PASSERON, 1975), pelo fato de que o ensino que será ofertado pela escola com esse tipo de professor em nada ajudará aos desfavorecidos, aos “oprimidos” e aos desprovidos de conhecimentos que fazem parte dos cerca de oito milhões de pessoas que não sabem ler, escrever e fazer cálculos dos quais cinco milhões são adolescentes e jovens dos 15 aos 19 anos de idade e outros três milhões são idosos, principalmente mulheres, conforme aponta a Agência de Informação de Moçambique (AIM) em sua publicação do dia 08.09.2016 (disponível em http://www.dw.com/pt). Com efeito, como aponta Arroyo, Moçambique precisa de mestres para desempenho de um “ofício” de qualidade profissional: Os ofícios se referem a um coletivo de trabalhadores qualificados, os mestres de um ofício que só eles sabem fazer, que lhes pertence, porque aprenderam seus segredos, seus saberes e suas artes. Uma identidade respeitada, reconhecida socialmente, de traços bem definidos (ARROYO, 2017, p. 18). A construção do desejável mestre subjaz sob uma constelação de fraquezas epistemológicas, pois, os professores de hoje foram aqueles jovens e crianças de ontem desprovidos de uma educação de qualidade que, pela necessidade extrema do país, foram compelidos a ingressar na carreira de magistério em um momento que o sistema de seleção para o ingresso na carreira docente era quase inexistente. Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Por um período de dezesseis anos (1976-1992), Moçambique foi dilacerado por uma guerra civil que reduziu vários esforços do desenvolvimento, os avanços da vitória ao analfabetismo. Alcançada a paz a 04 de outubro de 1992, emerge um novo cenário 290 5 MODELOS E SABERES DOCENTES NA CONJUNTURA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O ENSINO PRIMÁRIO EM MOÇAMBIQUE Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná social político que teve a ver com a passagem do estado monopartidário para o multipartidário e, consequentemente, a mudança do Sistema Nacional de Educação (SNE), pois, o anterior (4/83) tinha, na sua gênese as ideias socialistas do partido único. O novo SNE (6/92) trouxe inovações que apontavam para uma melhoria do setor da educação e, em particular, do subsistema de formação de professores. No entanto, a emergência em reabastecer a rede escolar devastada pela guerra civil e garantir que as escolas tivessem professores com formação profissional, não obstante a uma economia debilitada, constituíram fundamentos basilares para a projeção de modelos de formação em cascata, como descreve o Moçambique/MEC (2011): Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Como nos referimos nas páginas anteriores, o denominador comum em todos esses modelos é a primazia que se dá ao conhecimento pedagógico e, nos últimos anos, tem-se a agregação do conhecimento pedagógico sobre o objeto de ensino (PCK, em SHULMAN, 1987), deixando de lado o conhecimento sobre o objeto do ensino, o conhecimento curricular, o conhecimento sobre as características dos aspectos cognitivos e sobre a motivação dos estudantes, o conhecimento sobre o contexto educativo e o conhecimento sobre as finalidades educativas dos valores educativos e os objetivos. Em uma visão sistêmica, como refere Senge (1990), todas as categorias postuladas em Shulman são integradoras e corroboram para uma aprendizagem de saberes profissionais articulados. E, conforme categoriza Altet (2000), esses modelos ocupariam a segunda categoria sendo modelos de formação em que o móbil é a aquisição e aplicação de saberes teórico-práticos e, consequentemente, o modelo de ensino será o de ciência aplicada, como, por exemplo, acontece na Engenharia ou nas áreas de Tecnologia e o modelo de produção de saberes será o da investigação indutiva, o que equivale dizer que o professor fruto dessa formação será como um “artista” que pode transmitir o saberfazer usando truques e o formador é um indivíduo “experiente” e que serve de exemplo para seus alunos. O desejável, na perspectiva de Altet (2000), seria um modelo de formação baseado na análise, na reflexão sobre a ação, na resolução de problemas, na relação práticateoria-prática que proporcionará um modelo de ensino baseado na prática reflexiva do 291 O modelo de 7ª +2+1 com 2 anos de formação e um de estágio, o que garantia com que no ano de estágio os estudantes assumisse uma turma através de um contrato laboral efetivo; Modelo 10ª+2 era basicamente pedagógico constituído por metodologias específicas do ensino primário e disciplinas das ciências da educação e estágio integrado; Modelo 10ª +1+1 funcionou como variante do modelo de 10ª+2 e surgiu da necessidade de se formar mais professores primários, em curto espaço de tempo à semelhança do 7ª +2+1; Modelo de 10ª +1 em vigor atualmente, tratase de um modelo intensivo e enquadra-se numa situação que visa responder os desafios de desenvolvimento do Milênio (MOÇAMBIQUE/MEC, 2011, p. 10). Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná profissional e um modelo de produção de saberes atrelado à investigação indutivo dedutiva. Um desafio enorme que o mundo atravessa é formar professores capazes de responder a uma demanda humana cada vez mais exigente. Os tempos atuais não são mais de “carisma” e de “dom”, tão pouco da racionalidade técnica, torna-se fundamental repensar uma formação de professores que atenda às especificidades humanas no tempo humano e um/a professor/a para uma humana docência, como defende Freire (2017), que ajude os sujeitos humanos a se tornarem autônomos. Paralelamente ao movimento da reforma do Sistema Nacional de Educação (SNE), caminha a problemática da melhoria da qualidade de ensino/educação escolar em Moçambique e, como já nos referimos, a questão é vinculada a muitos órgãos e circuitos sociais. Dados do último censo populacional do Instituto Nacional de Estatística (MOÇAMBIQUE/INE, 2019) apontam para cerca de 28 milhões de habitantes e com alto índice de analfabetismo. Em entrevista concedida à Agência de Informação de Moçambique (AIM) (08.09.2016), Nhacune afirma que: A quando da independência nacional, em 1975, a taxa de analfabetismo no país cifrava os 93 por cento, isto é, apenas sete em cada 100 moçambicanos (jovens e adultos) sabiam ler e escrever, mas hoje a situação mudou e ronda os 44,9 por cento, ou seja, em cada 100 jovens e adultos 55 sabem ler e escrever (DW, 2016). Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página 6 Por um longo período histórico em Moçambique, o EP foi leccionado em escolas diferentes, sendo as de EP1 e EP2. As de EP2 localizavam-se majoritariamente nas sede-vilas e todas as crianças que concluíam o EP1 tinham de deslocar-se às sedes para poder continuar seus estudos, o que proporcionou maior abandono escolar. As EPC são o resultado de transformação das EP1 e EP2 em escolas primárias completas, o que significa que todas as 7 classes deveriam ser ministradas na mesma escola (PEE, 2012). 292 Ou seja, cerca da metade da população é analfabeta (não sabe ler e escrever), o que exige um trabalho dentro do sistema educativo para a inversão do atual quadro. Com efeito, o Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) desenvolve esforços nesse sentido e coloca como prioridade a expansão da rede escolar e a formação de professores para dar face ao problema, (MINEDH, 2013, p. 46; 2017, p. 13). Com a reforma do Sistema Nacional de Educação (SNE), o subsistema de formação de professores sofreu igualmente alterações profundas como mecanismo de resposta ao processo de universalização do ensino. O quadro a seguir retrata os vários modelos que configuraram o novo paradigma de formação de professores para o ensino primário completo (EPC)6: Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Quadro 3: Modelos de formação 10ª +2/+1+1/+1 Ano Habilitação de ingresso Duração do curso Classe por leccionar Áreas de formação Pontos fortes Pontos fracos Nível de ingresso 1998 a 2007 2 Anos 10ª classe 2007 6ª e 7ª classe Duração do curso Preparação específica Ciências da Estágio 1 Educação, semestre Comunicação e Práticas Expressão, Ciências pedagógicas Sociais, Ciências Naturais e Crescimento Matemática rápido dos efectivos de professores Inexperiência dos formadores e Escassez de material didático Conteúdos muito teóricos; Sem estágio; Pouca bibliografia de consulta Deficiente sistema de Melhorias recrutamento nas de novos infraestrutur ingressos; as Formação deficiente 1 Ano Formação geral em Nível de ciências de Educação ingresso e Línguas 1999 a 2004 1+1 ano Acompanham ento de Formação específica estágio em comunicação e Duração do deficiente Expressão curso Ciências integradas, Matemática e Estágio 1 ano Tecnologia Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página O modelo em referência foi concebido em uma perspectiva segregacionista do ensino primário, pois, ainda reforçava por meio dele, a ideia de graus no ensino primário (EP). Os professores egressos desse modelo deveriam somente leccionar o ensino primário do 2o grau (EP2). Por um vasto período o ensino primário (EP) em Moçambique, apesar de ser definido como a “espinha dorsal” de todo o Sistema Nacional de Educação (SNE), tem-se afigurado como o que tem menos valor, a começar pela formação de baixo nível e qualidade do professor do ensino primário (MAZULA, 2018; MATAVELE, 2016; NIQUICE, 2006; USSENE, 2006). A pirâmide sempre apresentou uma base frágil pois a formação mais elementar do professor destinou-se para o ensino de base (EP1). Com a emergência da universalização do ensino primário e na rota de busca de qualidade de ensino, a partir da premissa de formação de bons professores, o MINEDH ensaiou um outro modelo de formação, em cumprimento à Lei 6/92 (MAZULA, 2018, p. 71) o modelo 10ª+3 anos que se destinava fundamentalmente para o ensino nas escolas primárias completas (EPC’s), apesar deste ter desaparecido por razões pouco esclarecidas, mas aventando-se o argumento de que o Banco Mundial tenha pressionado o Ministério da Educação a manter o crescimento da massa salarial dos professores em níveis comportáveis, pois, professores com nível médio sufocavam a massa salarial (MAZULA, 2018 apud MAHALAMBE, 2011). 293 Fonte: Mazula (2018). Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná As suspeitas de Mahalambe (2011) encontram algum sustento em Diniz-Pereira e Zeichner (2008), quando estes referem que: […] Em muitos país em desenvolvimento, que também lutam para dar a todos os alunos o acesso a professores que tenham completado, no mínimo, um programa de formação, […], e com a implementação de políticas econômicas neoliberais que resultam em drásticas reduções dos gastos públicos, […], tem se tornado cada vez mais difícil proporcionar professores qualificados para todas as crianças (DINIZPEREIRA; ZEICHNER, 2008, p. 13). Moçambique é um país em desenvolvimento e com baixo índice de Desenvolvimento Humano (DH), como já descrevemos e uma das necessidades prioritárias é alfabetizar cerca da metade da sua população que é analfabeta e porque o país está mergulhado nas garras do Banco Mundial (BM), ou seja, a definição de políticas públicas provavelmente obedeça às regras dos financiadores, o que de certa maneira influi profundamente no sector da educação por ser o que mais investimentos necessita em termos ide infraestruturas e salários. Conforme descrevemos, a formação de professores em Moçambique não é das melhores apesar de que “alguns dizem que propiciar um professor altamente qualificado para todos os aprendizes do mundo é uma meta irreal” (DINIZ-PEREIRA; ZEICHNER, 2008), porém, não seja por isso que a formação seja tão precária a ponto de “encurtar caminhos que levam pessoas para dentro das salas de aula o mais rapidamente possível, muitas vezes com pouca formação anterior”, como aponta Baines (2006) (apud DINIZPEREIRA; ZEICHNER, 2008, p. 13). O modelo de 10ª classe na formação inicial de professores foi, na verdade, iniciado em 1993 pela organização não governamental dinamarquesa denominada por “Ajuda do Desenvolvimento de Povo para Povo” (ADPP). Com objetivo de formar professores para regiões rurais, segundo Mazula (2018), Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Apesar da substituição do modelo de formação de base 7ª classe pelo de base 10ª classe, o cenário indica prevalência, como aponta Matavele (2016), da “baixa qualificação dos professores do Ensino Básico (1ª – 7ª classes) […] e reconhecem-se deficiências na formação”. O modelo “10ª + 1” em vigor na formação de professores do ensino primário em Moçambique, mais do que contestado pela qualificação que proporciona aos futuros 294 O modelo de 10ª. + 2,5 anos funcionou até 2009, mas já em 2007 foi obrigado pelo Moçambique/MINED a seguir o modelo de formação de 10ª + 1 ano, adaptado nas EFP. […], Sofreram algumas adaptações como a redução da duração do curso de 49 semanas, com 36 horas semanais, totalizando 1764 aulas, para 1440 aulas, dadas em 40 semanas […], a ADPP foi, obrigada a abandonar o seu modelo e seguir o modelo nacional em vigor no país, a pretexto de uniformizar a formação no país, (BAINES 2006 apud DINIZ-PEREIRA; ZEICHNER, 2008, p. 72). Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná professores, representa um recuo de marcha em direção ao enfrentamento e vitória ao analfabetismo pelo fato de os seus candidatos serem advindos de um sistema escolar apelidado de “passagens automáticas”, pelo fato de que os ciclos de aprendizagem ora introduzidos como inovação, no atual currículo do ensino básico, não possibilitam o desenvolvimento de conhecimentos sólidos para uma criança ou jovem fazer o enfrentamento da escolaridade posterior com sucesso. Até ao momento procuramos descrever a perspectiva de formação de professores tendo em conta a Lei 6/92 cuja proposta foi da elevação de qualidade de ensino a vários níveis mas com especial enfoque no ensino primário (EP), de acordo com o Plano Estratégico da Educação (PEE, 2012). A questão que importa neste momento é saber como se dá a preparação de professores atualmente na perspectiva da nova lei? 6 O NOVO PARADIGMA DA FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE PARA O ENSINO PRIMÁRIO EM MOÇAMBIQUE No decurso do ano 2004, o MINEDH (então Ministério da Educação) lança, a estratégia para a formação de professores com foco virado para: Racionalizar a provisão da formação de professores em Moçambique através da introdução de um número limitado de modelos para a formação, que retêm, os aspetos mais positivos dos atuais modelos de formação, […], numa altura em que há dificuldade em satisfazer plenamente a necessidade em professores (MOÇAMBIQUE/MINED, 2004, p. 6-7). Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Os relatórios de estudos nacionais realizados pelo Instituto nacional do desenvolvimento da educação (INDE: 2011 e 2013) e internacionais (SACMEQ, 2007), do Banco Mundial (2014), que evidenciam um fraco desempenho dos alunos 295 A razão da virada no campo da formação de professores prende-se com as constatações e recomendações dos vários estudos dessa área, não obstante o reconhecimento de que uma das hélices dessa empreitada é a formação de professores com qualidade desejada. Essa mudança refere-se aos aspectos políticos e socioprofissionais da carreira docente e, nessa interpretação, configura-se como novo desafio. Segundo a Lei em vigor “Formar professor como educador e profissional consciente com profunda preparação científica, pedagógica, ética, moral capaz de educar a criança, o jovem e o adulto com valores de moçambicanidade” (Lei 18/2018, Artigo nº 4, alínea g). No seguimento desse propósito, o Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (MOÇAMBIQUE/INDE, 2019) aponta como razões da mudança do currículo de formação de professores: Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná na leitura, escrita e Matemática. Em relação aos alunos, o Relatório de Avaliação do INDE (2011), conclui que as principais dificuldades dos alunos se situam na redação de frases simples e no cálculo mental. Este relatório refere que passados quatro anos de escolaridade 29% dos alunos ainda não atingiram os objetivos preconizados para os primeiros três anos. No entanto, já o relatório do INDE (2013) constata que apenas 6,3% das crianças que concluíram o primeiro ciclo alcançaram as competências de leitura e escrita, requeridas nesse nível (MOÇAMBIQUE/INDE, 2019, p. 8-9). A ideia central da mudança curricular a nosso ver está mais próxima da “tese de culpabilização” do professor pelos maus resultados do Sistema Nacional da Educação (SNE) com particular destaque para o fracasso de aprendizagem dos alunos, como podese perceber no trecho que segue: Por seu turno, os estudos do SACMEQ reportam um decréscimo no nível e desempenho dos alunos na leitura e na Matemática, de 2000 a 2007. No SACMEQ III (2007), a percentagem de alunos que não tinha desenvolvido as competências de leitura e numeracia é de 43.5% e 74,2%, respectivamente (MOÇAMBIQUE/INDE, 2019, p. 9). Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página 296 A formação de professores na sequência da nova lei possibilitou que no ano de 2019, as instituições de formação colocassem à disposição cerca de 5.748 novos professores formados nos modelos de “10ª +1” e “10ª +3”. De acordo com o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH, 2019), mais 729 professores formados em exercício (EaD), na componente de formação contínua (modelo 10ª + 2), também foram colocados à disposição, porém, a filosofia de formação “tradicional” prevalece, embora que a nova lei prevê formar professores no modelo de “12 a + 3”, ainda decorre a formação baseada em modelos tradicionais cujo ingresso é feito com o grau de escolaridade de 10a classe. Em tempos modernos, a formação inicial de professores é compelida a mudar em função das mudanças sociais e da própria responsabilidade na formação, tal como a atuação do professor e da escola (SMITH, 2018, GATTI, et al., 2015, IMBERNÓN, 2013, 2000), promovendo-se, a partir da formação docente, a “justiça social” (DINIZ-PEREIRA; ZEICHNER, 2008). No atual contexto de formação inicial em Moçambique, o cenário resume-se no quadro abaixo: Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Quadro 4: Modelos atuais de formação Provincia Niassa Cabo Delgado Nampula Zambézia Tete Manica Sofala Inhambane Gaza Maputo Maputo Cidade Instituição de formação IFP de Lichinga IFP de Cuamba EPF Nsauca IFP de Alberto Chipande IFP de Montepuez EPF Bilibiza IFP de Nampula IFP de Monapo IFP de Marrere EPF de Namitil EPF de Nacala Porto IFP de Quelimane IFP de Nicoadala IFP de Morrumbala IFP Alto Molócuè EPF de Macuse IFP de Tete IFP de Angónia IFP de Chitima EPF de Chiúta IFP de Chibata EPF de Chimoio IFP de Inhamízua IFP de Inhaminga IFP de Manga EPF de Nhamatanda IFP de Vilankulos IFP de Homoine IFP de Chicuque EPF de Inhambane IFP Eduardo Mondlane IFP de Chongoene EPF de Gaza IFP da Matola IFP de Chibututuine IFP de Namaacha EPF da Machava IFP da Munhuana Modelo de formação 10ª+1 10ª+1 10ª+1 10ª+3 10ª+1 10ª+3 10ª+3 10ª+1 10ª+3 10ª+1 10ª+1 10ª+1 10ª+1 10ª+1 10ª+3 10ª+1 10ª+1 10ª+1 10ª+3 10ª+1 10ª+1 10ª+3 Modelo de formação 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 10ª+1 10ª+1 10ª+1 10ª+3 10ª+1 10ª+1 10ª+3 10ª+1 10ª+3 10ª+1 10ª+1 10ª+3 10ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 12ª+3 Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página De acordo com os dados acima, temos na data de hoje, vinte e três (23) cursos do modelo de “10ª + 1 ano”, doze (12) de “10a +3” e vinte e um (21) do modelo “12ª + 3 anos”. Os primeiros dois decorrem da Lei 6/92 e, mais concretamente, o primeiro e o mais longo na história de formação, como já o descrevemos, tratou de formar professores na perspectiva de modelo baseado em competências em curta duração. Já o segundo, largamente defendido pela organização não governamental dinamarquesa “Ajuda do Desenvolvimento de Povo para Povo” (ADPP) e virado para formar professores de regiões rurais, propulsionou a combustão na caldeira de formação inicial sendo mais tarde aderido pelo governo. Tal como nos referimos, esse modelo (10ª + 3) foi preterido pelo estado por razões fundamentalmente econômico-financeiras não dos custos de formação, mas sim em razão do orçamento salarial para professores com nível médio de formação, enquadráveis na carreira salarial de Docente de Nível 3 (DN3), o que na visão ministerial denota mais encargos pois esses professores teriam como piso salarial cerca de oito mil e quatrocentos e oitenta e quatro (8.484,00) meticais, aplicáveis de acordo a tabela salarial do Ministério de Economia e Finanças em 2018, valor esse equivalente a cerca USD $139.03 dólares estadunidense ou R$ 453,4 reais brasileiros (BRL), na taxa cambial 297 Fonte: Moçambique/MINED (2019). Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página 7 Em cada 1º de abril em Moçambique, nova tabela salarial entra em vigor em todos sectores laborais. No caso em apreço o 1º de abril de 2018 coincidiu com dia de Domingo pelo que a taxa cambial que tomamos de base é de segundo dia do mês em referência. 8 Por meio do Decreto-lei nº 44.530, foi criado o Ensino Superior em Moçambique colonial a 21 de agosto de 1962. A primeira Lei sobre o Ensino Superior no Moçambique independente a lei n.º 1/93, de 24 de junho. Foi através dela que foi permitida a criação de Instituições de Ensino Superiores privadas. A Lei 1/93 foi revogada tendo-se introduzido a Lei nº 5/2003, de 21 de janeiro, que fundamentalmente pretendia regulamentar o Controle da Qualidade e mais tarde aprova-se a Lei nº 27/ 2009, de 29 de setembro, a Lei do Ensino Superior. Contudo, só em 2010 pelo Decreto Nº 48/2010 De 11 de Novembro é aprovado o Regulamento de Licenciamento e Funcionamento das Instituições do Ensino Superior. (Premug, 2012, p. 5 “Colectânea de Legislação do Ensino Superior”). 9 No contexto de abertura dessas instituições privadas passou-se a oferecer-se cursos diversificados, com corpo docente na sua maioria de baixa qualificação acadêmica, cursos de Licenciatura, Mestrado na modalidade modular, EaD e noturno e ademais, trata-se, de instituições sem tradição para certos cursos que se dedicam a leccionar. Um dos alvos dessa privatização da educação superior fora o curso de formação de professores para a educação básica. 298 aplicada a 02/04/20187. Analisando do prisma financeiro, certamente que em termos de despesas salariais, o sistema abarcando maior número de professores com a categoria de DN3 terá uma massa salarial elevada, comparando-se com a massa salarial para professores enquadrados na careira de docentes de nível 4 (DN4), pois, esse grupo que se afigura majoritário absorveria um orçamento menor, pois, à mesma data ele tinha como piso salarial cerca de seis mil e setecentos e sessenta e sete (6.776) meticais o equivalente a $USD 110.89 dólares estadunidense e R$ 366.97 reais brasileiros. Nesse sentido, a segunda opção mostrou-se financeiramente viável para um país que herdou uma “banca rota” (SAMORA MACHEL, 1933) do colonialismo português, seguido de uma guerra civil (1976-1992) que paralisou o país e, posteriormente, as calamidades naturais (secas prolongadas, cheias, ciclones, epidemias diversas). Porém, o Estado tinha como propósito de desenvolver o país baseado na educação escolar de qualidade que teria como um dos ângulos do prisma a componente de formação inicial de professores. Para lograr com objetivos preconizados no Sistema Nacional de Educação (SNE), seja em relação à Lei 4/83, de 6/92 ou a de 18/2018, na componente de formação profissional do professor como uma categoria de formação social (SANTOS, 2014), faz-se necessário “estabelecer um preparo que proporcione um conhecimento válido e gere uma atitude interventiva e dialética” (IMBERNÓN, 2011, p. 63). Importa referir que o Estado não escapou dos encargos salariais acrescidos, pois, a abertura massiva de Instituições de Ensino Superior (IES) 8 privadas 9 e cursos noturnos nas universidades públicas da Eduardo Mondlane e Universidade Pedagógica de Maputo, propiciou uma avalanche de professores licenciados dentro do sistema egressos dessas instituições. Nesse contexto, de certa maneira os encargos financeiros do Estado para o suporte dessa massa salarial de professores tendem a aumentar de ano a ano. Salienta-se que hoje em dia o quadro ministerial docente no ensino primário (EP) ostenta um índice elevado de docentes de categoria superior (DN1), porém, esses professores cursaram distintos cursos que, na sua maioria não se enquadram para o ensino primário (EP), o que significa dispersão de formação e desperdício do quadro docente existente para o melhoramento do trabalho específico no ensino fundamental. Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Sem pretender diminuir a potencialidade e capacidade das Instituições do Ensino Superior (IES), sobretudo as privadas na formação na área de docência para o ensino fundamental, sublinhamos que a preparação de professores como uma prática social visando formar profissionais adequados para o Sistema Nacional de Educação (SNE) precisa para além da regulamentação, de uma ética social com compromisso de valores humanos universais para que não se incorra o risco de definhar o futuro de várias gerações. O mapa abaixo ilustra a distribuição e localização das instituições de formação de professores para o ensino primário (IFP), públicas e privadas coordenadas e controladas pelo ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH): Mapa: Distribuição dos IFP’s e seus modelos de formação LEGENDA NIASSA 2+1 2+1 3+2 3+1 4+2 1+1 3+1 3+1 2+1 3+1 1 INSTITUIÇÕES DE FORMAÇÃO NO PAÍS ➢ 27 IFPs ➢ 11 EPFs/ADPP ➢ TOTAL: 38 ➢ Instituto de Formação de Professores de Lichinga ➢ Instituto de Formação de Professores Obadias Belmiro Muianga ( Cuamba) ➢ Escola de Formação de Professores do Futuro de Nsauca CABO DELGADO ➢ Instituto de Formação de Professores Alberto Joaquim Chipande (Pemba ➢ Instituto de Formação de Professores de Montepuez ➢ Escola de Formação de Professores do Futuro de Bilibiza NAMPULA ➢ Instituto de Formação de Professores de Nampula ➢ Instituto de Formação de Professores de Marrere ➢ Escola de Formação de Professores do Futuro de Namitil ➢ Escola de Formação de Professores do Futuro de Nacala ➢ Instituto de Formação de Formação de Professores de Monapo TETE ➢ Instituto de Formação de Professores de Angônia ➢ Instituto de Formação de Professores de Tete ➢ Instituto de Formação de Professores de Chitima ➢ Escola de Formação de Professores do Futuro de Chiúta ZAMBÉZIA ➢ Instituto de Formação de Professores de Morrumbala ➢ Instituto de Formação de Professores de Alto Molòcué ➢ Instituto de Formação de Professores de Nicoadala ➢ Instituto de Formação de Professores de Quelimane ➢ Escola de Formação de Professores do Futuro de Macuse SOFALA ➢ Instituto de Formação de Professores de Inhaminga ➢ Instituto de Formação de Professores de Inhamízua ➢ Escola de Formação de Professores do Futuro de Nhamatanda ➢ Instituto de Formação de Professores de Manga MANICA ➢ Instituto de Formação de Professores de Chibata ➢ Escola de Formação de Professores do Futuro de Manica INHAMBANE ➢ Instituto de Formação de Professores de Vilanculo ➢ Instituto de Formação de Professores de Chicuque ➢ Instituto de Formação de Professores de Homóine ➢ Escola de Formação de Professores do Futuro de Inhambane GAZA ➢ Instituto de Formação de Professores de Xai-xai ➢ Escola de Formação de Professores do Futuro de Chókwe ➢ Instituto de Formação de Prodessores de Chongoene MAPUTO-PROVÍNCIA ➢ Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne ➢ Instituto de Formação de Professores de Matola ➢ Instituto de Formação de Professores de Namaacha ➢ Escola de Formação de Professores do Futuro de Machava MAPUTO-CIDADE ➢ Instituto de Formação de Professores da Munhuana Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Conforme se pode ver no mapa anterior, coexistem no território moçambicano Institutos de Formação de Professores (IFPs), em número de vinte e sete (27), e Escolas de Professores do Futuro (EPF), em número de onze (11), ambas realizam suas missões de formar professores para o ensino fundamental em obediência à legislação em vigor, porém, sob instruções ministeriais do Ministério da Educação (MINEDH), o que significa que nenhuma instituição goza de plena autonomia na realização dos seus objetivos. Com excepção da cidade de Maputo, a capital do país, nas demais províncias, estão instalados os Institutos de Formação de Professores (IFPs) e Escolas de Professores do Futuro (EPF). O IFP da cidade de Maputo está vocacionado para a formação de gestores escolares (diretores de escola). Das onze EPF, somente cinco delas desenvolvem a formação no modelo atual (12ª +3), sendo elas as EPF de Machava, em Maputo, de Inhambane, na capital provincial da província do mesmo nome, a de Chimoio, na capital provincial de Manica, a de Quelimane na capital provincial da Zambézia e a de Bilibiza 299 Fonte: Moçambique/MINEDH (2019). Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná na província nortenha de Cabo Delgado. Essas EPF, com excepção da Inhambane, para além do modelo atual, continuam realizando o modelo de “10ª +3”. Esse modelo apresenta uma inovação em relação aos anteriores no que concerne às áreas do conhecimento disciplinares, conforme mostra o quadro abaixo: Quadro 5: Áreas disciplinares do modelo 12ª +3 As disciplinas Língua gerais Portuguesa Estrutura das (I Línguas Língua Moçambicana Língua de Sinais Matemática (I Psicologia Naturais Sociais (I (I da Aprendizagem Pedagogia Andragogia Moçambique II) Ciências às II) Moçambicanas de e Ciências Introdução Disciplinas nucleares e e e II) Didáctica da Língua Didáctica da Matemática Didáctica II) Práticas TIC das Portuguesa Ciências (I e Naturais Didáctica das Métodos de Didáctica da Educação Física Didáctica da Educação Visual Didáctica da Educação Musical Organização Educação Literatura e Gestão para Oral a Cidadania em Línguas Literatura InfantoJuvenil na Língua Necessidades Escolar Problemas Sociais Resolução Estudo de Ciências Braille Física e II) (I e II Laboratoriais Sistema Educação (I II) (I e II) Matemáticos e Ofícios Moçambicanas Portuguesa Educativas Especiais Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Segundo o Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (MOÇAMBIQUE/INDE, 2019, p. 24), as disciplinas gerais (DG) estão orientadas para o desenvolvimento de competências de comunicação, aprofundamento de matérias do ensino primário (EP), domínio da Informática e Métodos de Estudo, sendo que as disciplinas nucleares (DN) estão orientadas para o desenvolvimento de competências profissionais, considerando os saberes teóricos e práticos relevantes para o professor do ensino primário e educador de adultos, com enfoque na prática pedagógica, em contexto escolar. As disciplinas nucleares (DN) são profissionalizantes e visam desenvolver competências para ensinar, levando o formando a mobilizar saberes e recursos de organização e resolução de problemas complexos. A carga horária (CH) total do tempo de formação para as disciplinas gerais (DG) e para as disciplinas nucleares (DN) incluindo as três práticas pedagógicas, é de cerca de quatro mil e sessenta e oito (4.068) horas de estudo realizadas em noventa (90) semanas. O estágio pré-profissional é realizado no sexto semestre isolado das matérias curriculares. Ao avaliar a evolução do tempo de formação, tendo como base comparativa na vigência da Lei 4/83, por exemplo, tinham-se vinte e uma (21) disciplinas (21) com uma carga horária de três mil e setecentas e dez (3.710) horas letivas das quais, cerca de 50,6% eram destinadas para a área de formação profissional, de acordo com o lNDE (1998, p. 3). Atualmente com cerca de trinta e cinco (35) disciplinas (catorze a mais), estima-se uma diferença de carga horária total de formação de trezentas e cinquenta e 300 Fonte: Moçambique/INDE (2019). Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná oito (358) horas, ou seja, mais ou menos catorze (14) dias letivos acrescidos no modelo atual “12ª +3” em comparação com o modelo antigo “7ª +3”. Esse modelo está mais próximo ao executado pela Universidade Pedagógica de Maputo (UPM) no curso de Licenciatura em Ensino Básico (LEB), que se trata de licenciatura para leccionar no ensino fundamental. A Licenciatura em Ensino Básico (LEB) tem uma carga horária de seis mil horas (6.000) horas letivas incluindo as práticas e o estágio pré-profissional (MOÇAMBIQUE/UP, 2014), na proporção de duzentos e quarenta créditos acadêmicos, sendo que um crédito corresponde a vinte e cinco (25) horas. Isto significa que a diferença desse modelo de formação inicial com a licenciatura é de cerca de mil e novecentas e trinta e duas (1.932) horas, o equivalente a dezesseis (16) semanas letivas, ou seja, com mais um semestre o curso médio de formação inicial de professores pode equivaler a uma licenciatura em termos de tempo de formação. Por que razão procurou-se fazer essa analogia do tempo de formação? Tão simples como demonstrar que o programa atual de formação não evolui muito em termos de horas de formação comparativamente com o longínquo modelo de 1983 e embora tenha novas premissas como disciplinas gerais e, na marca do tempo moderno, fica mais próximo de uma licenciatura o que pode retrair os bons alunos que concluíram o nível médio, preterindo-o no lugar de uma universidade. Dessa maneira, o curso de formação de professores incorre ao risco de ser procurado como alternativa ou pelos candidatos pouco elegíveis. Um aspeto de capital importância que merece apreciação no atual modelo é a componente dos formadores pois segundo o Instituto Nacional de desenvolvimento da Educação (MOÇAMBIQUE/INDE, 2019, p. 49): Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página A questão do formador é pouco discutida em Moçambique. No entanto, há que se perceber que, no sentido que o INDE (2019) refere ao docente da instituição formadora, trata-se daquele que ensina o futuro professor a ensinar. Porém, Ambrosetti e Calil (2016, p. 219) apud CHARLOT (2005), explicitando diferença entre ensinar e formar, sublinham que essas ações são orientadas por duas lógicas diferentes: “a lógica da formação, lógica das práticas, é diferente da lógica do ensino, lógica dos saberes constituídos em sistemas e discursos coerentes, mas a formação implica saberes”. No âmbito da formação a componente de formador vai diferir-se da componente do professor-orientador na escola. 301 O sucesso da formação de professores e educadores de adultos passa pelo investimento na constituição de um corpo docente competente e com experiência de ensino no nível primário, particularmente nas áreas de Ciências da Educação e Didáctica. Deve ser garantida a formação de formadores de forma a serem capazes de ensinar a ensinar, através de um sistema de formação inicial, articulado com um programa de desenvolvimento profissional contínuo. Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná O formador é a entidade que se ocupa de aproximar o formando dos saberes necessários para a prática do ensino. Segundo Ambrosetti e Calil (2016, p. 219), “Formar é preparar para a prática, mas os saberes da formação não são apenas saberes instrumentais; são saberes contextualizados, que adquirem sentido em função das intenções e dos valores das práticas formativas”. Nessa perspectiva, a intenção de preparar o formador de modo a executar bem seu papel mostra-se relevante na medida em que poderá impulsionar melhorias nas atividades desse sujeito como mediador do processo. Para uma melhor compreensão da discussão acima, vejamos em revista o panorama das competências do formador (acompanhante) no processo de estágio e do professor-orientador, conforme o quadro que segue: Quadro 6: Competências do Formador e do Professor Orientador Competências do Coordenar, com o nico-pedagógica do Professor formador, formando a Orientador orientação Competências do Formador acompanhante téc Coordenar, rganização com das a Direcção da escola, Práticas Pedagógicas a Fornecer informações sobre a actividade doce nte que contribuam para a integração gradual do formando na vida da escola Elaborar um formandos Mostrar ao formando todas as etapas anificação, preparação das aulas e elaboração de material didáctico Leccionar aulas modelo com aplicação de stratégias de Ensino Primário e Educação de Adultos (monodocência) Apoiar os Avaliar, ndo técnica e pedagogicamente regularmente, Apreciar os relatórios dos sobre a escola Avaliar cação o e o elaborados e turma desempenho do leccionação das Elaborar o relatório final sobre dos formandos nas práticas do pelos formando aulas pl de acompanhamento dos e Apoiar técnica e pedagogicamente os formand formandos, em coordenação com os professores/educadores de adultos orientadores os desempenho de plano o na forma forman planifi Apoiar os professores/educadores de adultos orientadores na integração gradual dos formandos na vida da escola Orientar os formandos na oração do relatório sobre Pedagógicas preparação e as Práticas Avaliar icação formando aulas o desempenho Avaliar pedagógicas o e os desempenho do leccionação das relatórios das práticas na elab planif pedagógicas Um professor experiente, em exercício na escola primária ou centro de AEA, com formação psicopedagógica, a quem cabe guiar, orientar, aconselhar e treinar o Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Comparando as atribuições de competências entre o Professor Orientador (PO) e Formador Acompanhante (FA), podemos perceber essencialmente que o PO exerce um papel preponderante na formação do futuro professor pois, ele é o mestre da situação real do contexto de ensino. Ora, isto remete-nos a refletirmos sobre o perfil e motivação do PO. Ao avaliar as informações dos vários estudos já aqui mencionados no que se refere à qualidade do trabalho docente em função dos resultados escolares, paira uma dúvida sobre quem deve ser o Professor Orientador (PO) se até se diz que “Professores moçambicanos não sabem ler e escrever” (BM, 2014). Contudo, tem-se que professororientador (PO) é: 302 Fonte: Moçambique/INDE (2019). Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná formando no início da sua carreira, oferecer suporte e estimular o seu desenvolvimento crítico (MOÇAMBIQUE/INDE, 2019, p. 62). Somente a um profissional qualificado se pode confiar a nobre tarefa formativa, não obstante de se assumir que nenhuma formação é em si perfeita, sendo necessário a prática contínua. É de domínio público que os praticantes de docência nas escolas primárias sempre são orientados pelos professores mais “experientes” que cumulativamente à luz das normas devem apresentar o seguinte perfil (Ibid., p.65): i. ii. iii. iv. v. Formação psicopedagógica; Experiência mínima de leccionação de cinco anos; Capacidade de ouvir, questionar e estimular a ação reflexiva; Boa conduta profissional e social; Nível mínimo de “Bom” na classificação dos últimos três anos. Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página Um conjunto de atividades curriculares e co-curriculares desenvolvidas pelos formandos, na escola primária e centros de alfabetização e educação de adultos, em contacto direto com os alunos e alfabetizandos, com vista à aquisição de conhecimentos práticos da atividade docente (INDE/MINEDH, 2019, p. 63). 303 Apesar de o perfil apresentar um grau acentuado de subjetividade no critério de determinação dos aspectos iii) e iv), para além de equívocos no que concerne ao termo “experiência”, e dúvidas nos critérios de classificação dos professores em Moçambique, pode-se afirmar que, caso se identifique um professor com essas qualificações, pode certamente orientar o processo de iniciação à docência de forma coerente e contextualizada. Sem pretender analisar o conceito “experiência”, que afinal já foi largamente discutido por vários estudiosos como Foucault (1926-1984), mas, para elucidar a subjetividade no conceito podemos citar o dicionário de língua portuguesa que atribui o significado de “Conhecimento ou aprendizado obtido através da prática ou da vivência: experiência de vida; experiência de trabalho” e na Filosofia considera-se “Todo conhecimento adquirido através da utilização dos sentidos”. Portanto, fica a “subjetividade” (FOUCAULT, 1926) em compreender se a experiência requerida de “cinco anos de docência” seja por um lado de “conhecimento ou aprendizado” acumulado ao longo dos cinco anos ou por outro lado, refere-se aos anos de experiência laboral que se traduzem em habitus? Uma das componentes privilegiadas nesse modelo de formação é o estágio préprofissional que segundo o regulamento de avaliação de Moçambique/INDE (2019) no seu Artigo 22 define-o como: Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná O momento de estágio pré-profissional é um dos mais importantes na componente de formação inicial de professores, em especial para o nível do ensino primário (EP), dada a característica peculiar do processo de ensino e aprendizagem (PEA) nesse nível de ensino. Mais do que transferir o “lugar de formação” para outro lugar, trata-se de tomar a escola como lócus de formação. Formação tanto para os formandos como para outros intervenientes do processo, como por exemplo, os formadores, os professores, a comunidade escolar, entre outros. Nessa interpretação, trata-se daquilo que Imbernón (2011) considera como “formação centrada na escola”. A formação centrada na escola segundo esse autor “não é portanto uma simples transferência física, nem tampouco um novo agrupamento de professores para formá-los, e sim um novo enfoque para redefinir os conteúdos, as estratégias, os protagonistas e os propósitos da formação” (IMBERNÓN, 2011, p. 85). Sendo a escola o lócus de formação torna-se imprescindível que a constituição da componente de estágio seja programada por todos intervenientes e, no caso do modelo em análise, indica-se como interveniente, segundo (MOÇAMBIQUE/INDE, 2019, p. 64): Cada um com seu papel específico, conforme especifica o regulamento do estágio do Artigo 22 a 35 (MOÇAMBIQUE/INDE, 2019, p. 63-67). Contudo, dois elementos fundamentais que, em nossa visão, poderiam ter sido acoplados, nomeadamente, os Serviços Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia (SDEJT) e a Zona de Influência Pedagógica (ZIP)10 que são os intervenientes do Sistema Nacional da Educação (SNE) que responde por essa área escolar e o Instituto de Formação de Professores (IFP). Paralelamente aos intervenientes acima identificados uma categoria que vem sendo discutida pelos professores nas escolas que têm recebido estagiários, é a questão da ausência de incentivos. As discussões de Almeida e Abuchaim (2016) demonstram o quão é relevante incentivar a quem “ensina a ensinar”. Vezes sem conta, temos ouvido professoras/es que recebem estagiários questionarem: “afinal o que ganho com isso”? Portanto, nesse modelo atual de formação inicial de professores, poder-se-ia repensar as estratégias contextualizadas para o incentivo dos professores-orientadores, 10 ZIP “Conjunto de escolas circunvizinhas organizadas com fins de elevação do seu nível político, científico e didáticopedagógico” (NIVAGARA et al., 2016, p. 29), criadas formalmente em 1976. Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 304 O Estagiário; Professor Orientador do Estágio; Formador acompanhante; Direção da escola de estágio; Conselho da Escola; Comissão de estágio; Direção da instituição de formação de professores. Página i. ii. iii. iv. v. vi. vii. Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná pois, tanto o currículo como a prática revelam ausência dessa categoria na formação, embora seja um elemento crucial para o sucesso da formação. Resultados desta pesquisa demonstram que comumente o Professor Orientador (PO) opta em deixar a turma com o estagiário sozinho tendo como uma das alegações a falta de “incentivo”. Portanto é importante que se atenda os preceitos da formação de professores para a justiça social (DINIZ-PEREIRA e ZEICHNER, 2008). Reutilizando Arroyo (2019, p. 222), diríamos que preparar o professor é “uma exigência ética para o pensamento pedagógico, para a formação de docentes-educadores”, portanto, uma formação que atenderá os “direitos da vida humana”. Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 46, Dossiê Princípios Transversais 2023. Ahead of Print. DOI: 10.48075/educare.v18i46.30786 Página O subsistema de educação e formação docente para o ensino primário em Moçambique tem se mostrado campo fértil para vários estudos de âmbito acadêmico e profissional desde a concepção do Sistema Nacional de Educação. O entendimento dos vários segmentos de estudos é de que a formação docente para o nível primário da docência carece de um aprimoramento por forma a constituir-se como escola de formação inicial assim como de formação em exercício, bastando para o efeito existir uma componente curricular que se ajusta para o contexto moçambicano e um corpo docente de formadores preparado para dar seguimento ao processo de preparação eficaz de novos professores. Todavia, a formação docente para o nível de ensino ao que o texto faz alusão não só carece do currículo que se ajusta ao contexto – o isomorfismo e um corpo docente excelente, como também necessita de uma dialogacidade sistêmica entre os institutos ministeriais de formação, as escolas de práticas e as universidades/faculdades vocacionadas na preparação docente, de modo a constituir-se um corpus único de formação que dialoga sobre o processo de constituição e desenvolvimento de conhecimentos e saberes docentes ao longo da vida. A profissionalização docente através da formação inicial, como mecanismo para o desenvolvimento de habilidades no domínio de conteúdos e sua mediação, incluindo o aporte científico sobre o currículo escolar, o contexto do ensino, a diversidade cultural entre outros adereços imprescindíveis para um ensino eficaz, têm de ter alicerce no âmbito da formação inicial docente portanto, somos de convicção de que, para o contexto moçambicano, faz-se necessário uma reforma estrutural no subsistema da educação e formação através da criação do lugar da formação de professores para o ensino primário, que atenda as concepções dos currículos de vários níveis de formação (formação inicial, em exercício e contínua), tanto como a constelação da estruturação dos sistemas de meios e procedimentos para execução da formação. 305 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná O percurso histórico da formação docente para o ensino primário em Moçambique revela a urgente necessidade da implantação de um sistema de formação docente baseado em necessidades profissionais dos atores de ensino. Uma formação não uniformizada mas que atende ás necessidades particulares para o desenvolvimento da profissionalidade docente. O ministério da Educação mais do que desenvolver currículos deve indagar-se sobre o que faz falta aos muitos professores em exercício e deixar para as universidades o desenvolvimento de currículos e programas de formação que melhor se ajustam para o contexto do ensino em Moçambique. REFERÊNCIA CRUZ E SILVA, T. M. da. Moçambique: um perfil. Coimbra: Retroceder/Back, s./d. Disponível em: https://www.ces.uc.pt/emancipa/gen/mozambique.html. Acesso em: 07 jun. 2018. DARLING-HAMMOND, L.; BRANSFORD, J. Preparando os professores para um mundo em transformação: o que devem aprender e estar aptos a fazer. Porto Alegre: Penso, 2019. DINIZ-PEREIRA, J. E.; KENNETH, M. Z. (ORG.). Justiça Social: Desfio para formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. DINIZ-PEREIRA, J. E.; KENNETH, M. Z. (ORG.). 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