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Homenagem à Bertha K. Becker

2013, Sustentabilidade em Debate

Sustentabilidade em Debate Sustainability in Debate Homenagem à Bertha K. Becker: Ciência e políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia Science and Public Policies for the Development of the Amazon Region. A Tribute to Bertha K. Becker Ima Célia Guimarães Vieira* Roberto Araújo O. Santos Junior** Peter Mann de Toledo*** *Doutora em Ecologia pela University of Stirling (Escócia); pesquisadora do Museu Paraense Emilio Goeldi. End. eletrônico: ima@museu-goeldi.br **Doutor em Etnologia pela Universidade Paris X; pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). End. eletrônico: raos4@terra.com.br ***Doutor em Geologia pela University of Colorado at Boulder; pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). End. eletrônico: peter.toledo@hotmail.com Recebido: 01.10.2013 Aceito: 10.10.2013 ENSAIO A melhor homenagem que podemos fazer à querida professora Bertha Koiffmann Becker – falecida em 13 julho de 2013, aos 82 anos – é refletir sobre a importância de sua obra para a Amazônia. Em janeiro de 2013, quando realizamos, em sua homenagem, o I Simpósio sobre Relações entre ciência e políticas públicas: propostas de Bertha Becker para o desenvolvimento da Amazônia, o professor Francisco Costa evidenciou o desafio de se discutir as contribuições de um cientista desta forma: “Na relação entre cientista e a política, importa discutir a sua contribuição científica, a sua transformação em protocolo de ação e a sua absorção como fundamento de praxis que movem a sociedade e fazem a história”. Tratando-se das contribuições de Bertha Becker, pode-se dizer que sua reflexão teórica sobre a realidade territorial da Amazônia, a dimensão geopolítica dessa estratégica região e as relações entre Ciência e desenvolvimento foram sempre associadas a propostas de soluções aos problemas que afetam a região e que a ameaçam a tornar-se uma “fronteira de pobreza”. Para ela, o que identificava o saber geográfico era a possibilidade de entender a combinação de múltiplas variáveis no território, o que Bertha Becker fez muito bem e com muita lucidez. Sua geografia política apresenta a Amazônia em toda a sua complexidade, revelando-a como exemplo dos desafios enormes para a gestão sustentável do território; e, mais que isso, defendendo o papel estratégico do Estado Sustentabilidade em Debate - Brasília, v. 4, n. 2, p. 257-260, jul/dez 2013 257 Ima Célia Guimarães Vieira et al. brasileiro para engendrar um novo modelo de desenvolvimento voltado para essa região. Aliás, Bertha, em seu artigo intitulado “A (des)ordem global: o desenvolvimento sustentável e a Amazônia” (1998)1, chama a atenção para o uso do discurso do Desenvolvimento Sustentável como instrumento político: “Assume-se que o desenvolvimento sustentaìvel naÞo se resume aÌ harmonizaçaÞo da relaçaÞo economia/ecologia nem a uma questaÞo teìcnica. Representa mecanismo de regulaçaÞo do uso territorial que, aÌ semelhança de outros, tenta ordenar a desordem global. E, como tal, eì um instrumento poliìtico”. Percebe-se, então, que o conceito de desenvolvimento sustentaìvel é visto pela autora como uma tentativa de ordenar o uso do território, tendo implicações importantes para as políticas públicas planejadas para a Amazônia. Em seu livro “Geopoliìtica na virada do III Milênio”2, as questoÞes desenvolvidas em torno das políticas públicas para o território remetem à definiçaÞo de criteìrios de regionalizaçaÞo e de como o planejamento regional enquanto instrumento baìsico pode ser usado para compatibilizar desenvolvimento e sustentabilidade para a Amazônia. A defesa que ela fazia em prol da associação entre preservação ambiental e desenvolvimento incluía a participaçaÞo, empoderamento e conscientizaçaÞo da sociedade nas decisoÞes e medidas a serem tomadas na região. Para Bertha, é perfeitamente possível desenvolver sem destruir maciçamente a natureza, contemplando igualmente a articulação do território com as populações regionais. Em toda a obra de Bertha Becker, percebemos as principais linhas de seus estudos, a exemplo da territorialidade como produto de relações políticas em diversas escalas, das dinâmicas sociais e das políticas públicas. Ao analisar o territoìrio, Bertha manifesta a dimensaÞo de sua potencialidade em termos de capital humano e cultural, da iniciativa poliìtica e do acesso aÌs redes de comunicaçaÞo e informaçaÞo, sem perder de vista as estrateìgias e as formas de influência das redes poliìticas3. Também se destacam em sua trajetória, ampla e permeada de temas, a apresentação dos conflitos referentes à conservação da biodiversidade e aos seus possíveis usos econômicos, a problemática dos serviços ecossistêmicos e do cultivo do dendezeiro, as mudanças no código florestal, o papel do Estado brasileiro no planejamento regional, as relações internacionais e os compromissos vinculados à agenda ambiental brasileira e global4. Nossa geógrafa, ao longo de mais de 30 anos dedicados à Amazônia, propõe uma estratégia fundamentada em três propostas que visam à utilização dos recursos da biodiversidade: o reconhecimento da diversidade regional e da importância das cidades, a revolução científico-tecnológica e a resolução da questão fundiária. Também apresenta soluções para gerar trabalho e renda e subsidiar o planejamento regional. Propõe, assim, um modelo que articula o complexo verde com o complexo urbano, isto é, o uso não predatório da floresta, com cidades equipadas com serviços de consumo e de produção e conectadas em rede. 258 Sustentabilidade em Debate - Brasília, v. 4, n. 2, p. 257-260, jul/dez 2013 Ciência e Políticas Públicas para o Desenvolvimento da Amazônia. Homenagem à Geógrafa Bertha K. Becker Em sua última apresentação pública, pronunciada na mesa de abertura do Simpósio em sua homeagem, Bertha Becker afirmou com convicção que: Sustar o desflorestamento é imperativo, mas apenas proteção ambiental não tem conseguido conter o desflorestamento e nem gerar riqueza e trabalho demandados pelas populações. O cerne do novo padrão de desenvolvimento é superar o falso dilema entre a conservação, entendida como preservação intocável, e a utilização, compreendida como destruição. Produzir para Conservar é a meta para o novo paradigma científico e tecnológico. Este novo paradigma deve ter como base logística necessária as cidades que produzem os serviços básicos para a cidadania e para a produção. Neste sentido, devese priorizar a substituição de importações e a geração de inovações, não somente tecnológica, mas também os serviços ambientais e a cultura. Nota-se no trabalho de Bertha Becker uma intelectual lúcida, inquieta e comprometida com as questões de nosso tempo. Para Bertha, o que caracteriza um cientista é a paixão pelo que está estudando, “porque é isso que preenche a vida”. Também considerava a perseverança, a disciplina e o comprometmento ético como fundamentais para a vida de um cientista. Foi uma grande honra para nós termos Bertha Becker como amiga e poder colaborar com ela em seu último e breve projeto sobre Ciência e Políticas Públicas, no qual analisava essa relação com base em seu próprio caso. Bertha Becker. Foto: acervo familiar Os desafios da Revolução Beckeriana, então, como bem denominou Charles Clement5, ainda estão a nos provocar – “uma verdadeira revolução científica centrada na biodiversidade nacional e, em especial, na biodiversidade da Amazônia”. Nesse último aspecto, Bertha, em seu último artigo denominado “Amazônia: crise mundial, projetos globais e interesse nacional”7, publicado na Revista Territórios, em 2012, propõe renovar o quadro institucional de Ciência e Tecnologia na Amazônia, com a criação de novos institutos de pesquisa e a integração com o setor produtivo. Sustentabilidade em Debate - Brasília, v. 3, n. 2, p. 257-260, jul/dez 2012 259 Ima Célia Guimarães Vieira et al. Será possível revolucionar a Ciência brasileira e engendrar políticas públicas rumo a um novo padrão de desenvolvimento para a Amazônia, como tanto desejava Bertha Becker? Notas 1. BECKER, B. K. A (des)ordem global, o desenvolvimento sustentável e a Amazônia. In: BECKER, B. K. (Org.). Geografia e meio ambiente no Brasil. 2. ed. São Paulo: Annablume/ Hucitec, 1998. p. 46-64. 2. BECKER, B. K. Amazônia: Geopoliìtica na virada do III Milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. 3. BECKER, B. K. Uma nova regionalizaçaÞo para se pensar o Brasil. In: LIMONAD, E.; HAESBART, R.; MOREIRA, R. (Orgs.). Brasil, Século XXI: por uma nova regionalização, processos, escalas, agentes/organizadores. São Paulo: Max Limonad, 2004. p. 11-27 4. Ver artigos, entrevistas e vídeos divulgados no blog “De Bertha Becker”, organizado com a finalidade de difundir suas obras. Disponível em http:// berthabecker.blogspot.com.br/ 5. CLEMENT, C. R. LINS, J.; JUNQUEIRA, A. B.; JAKOVAC, A. C. C.; CABRAL, T. S.; LEVIS, C.; ALVES-PEREIRA, A.; VIEIRA, I. C. G.. Uma Revolução Beckeriana para a biodiversidade brasileira. Jornal da Ciência, e-mail, Rio de Janeiro, n. 4683, p. 1, 13 mar. 2013. 6. BECKER, B. K.. Amazônia: crise mundial, projetos globais e interesse nacional. Revista Território, n. 16, p 7-28, 2012. 260 Sustentabilidade em Debate - Brasília, v. 4, n. 2, p. 257-260, jul/dez 2013