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AS CONDUTAS TÍPICAS DA CORRUPÇÃO ATIVA
ACTIVE CORRUPTION LEGAL DEFINITION
Oswaldo Henrique Duek Marques1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Paulo Henrique Aranda Fuller2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Resumo
O presente artigo busca analisar as condutas típicas do crime de corrupção ativa, definido
no artigo 333, caput, do Código Penal, segundo uma visão histórica e comparada da
aludida incriminação, com o objetivo de demonstrar que a mera entrega de (conduta
isolada de “dar”) vantagem indevida a funcionário público não aperfeiçoa o tipo penal em
apreço. O estudo prossegue com a demonstração da ausência de adequação típica da
denominada corrupção ativa subsequente, assim considerada a entrega de vantagem
depois da prática de ato de ofício. Em seguida, discorremos sobre a impossibilidade de
interpretação extensiva das condutas previstas no tipo penal do artigo 333, caput, do
Código Penal, em face da proibição de analogia in malam partem e do princípio da
taxatividade penal.
Palavras-chave
Corrupção Ativa. Condutas Típicas. Princípio da Taxatividade. Impossibilidade de
Analogia.
Abstract
This paper aims to analyze the legal definition of the active corruption crime, provided by the Brazilian
Penal Code, article 333, “caput”, according to a historical and comparative view of that criminal legal
1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Doutor em Psicologia Clínica pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Procurador de Justiça aposentado do
Ministério Público de São Paulo; Consultor e Parecerista Jurídico. ohduek@terra.com.br
2 Doutorando e Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo; Juiz de Direito (2005-2014); Advogado; Professor de Direito Processual Penal e
Legislação Penal Especial no Damásio;
Livre-Docente
e
Professor
Titular
em
Direito
Penal
da
Educacional.phafuller@hotmail.com
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prevision, in order to demonstrate that the mere delivery of (solely the conduct of “giving”) undue
advantage to a public official doesn’t fit the above mentioned legal definition. The study proceeds by
demonstrating the lack of legal adjustment of the named “subsequent active corruption”, so considered the
delivery of an advantage after an official's act being performed. Then, we discuss the impossibility of
extensive interpretation on conducts strictly defined by the Brazilian Penal Code, article 333, “caput,
whereas the prohibition of analogy “in malam partem” and the strictness principle.
Keywords
Active Corruption. Legal definition. Strictness principle. Prohibition of Analogy.
INTRODUÇÃO
No presente estudo, analisamos as condutas típicas da corrupção
ativa, como previstas no artigo 333, caput, do Código Penal vigente,
segundo uma visão histórica dessa infração penal, no Código Criminal de
1830 e no Código Penal de 1890. Apreciamos, ainda, a corrupção ativa no
Anteprojeto do Código Penal de 2012, os tipos penais especiais de
corrupção ativa e a legislação portuguesa a respeito do assunto.
Com base nesse estudo inicial, mostraremos a ausência de
adequação típica da mera conduta de dar ou de entregar vantagem indevida
a funcionário público, por ausência de previsão legal. O trabalho
prossegue com a demonstração da ausência de adequação típica da
denominada corrupção ativa subsequente, consistente na entrega de
vantagem após a prática de ato de ofício.
Na sequência, discorremos sobre a impossibilidade de
interpretação extensiva das condutas previstas no tipo penal do artigo 333,
caput, do Código Penal, em face da proibição de analogia in malam partem e
do princípio da taxatividade penal. Ao final, apresentaremos nossas
principais conclusões, com o escopo de despertar profícuas críticas e
reflexões dogmáticas.
1. DA CONDUTA TÍPICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA
As condutas típicas da corrupção ativa consistem em
“oferecer (propor para que seja aceito) ou prometer (obrigar-se a futuramente dar
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ou entregar) vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a
praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12
(doze) anos, e multa” (art. 333, caput, do CP).
Como podemos constatar, o tipo penal do crime em questão
(art. 333, caput, do CP), na legislação vigente, não prevê a conduta de,
isoladamente, dar ou entregar vantagem indevida a funcionário público,
mas tão somente de oferecer ou prometer tal vantagem.
Celso Delmanto reforça a distinção entre as condutas, ao
consignar que o artigo 333, caput, do Código Penal “não prevê a conduta
de dar, a qual pressupõe a tradição da coisa, diferentemente das condutas de
oferecer e prometer (em que não há tradição)”3.
Anteriormente, de forma diversa da adotada na legislação
vigente, o Código Criminal do Império (1830), em seu artigo 132, antevia
a conduta de dar, além da de prometer a vantagem, com a seguinte redação:
“O que dér ou prometter peita será punido com as mesmas penas
impostas ao peitado na conformidade dos artigos antecedentes (...)”4. Em
igual sentido, estabelecia o Código Penal Republicano (1890), em seu
artigo 217: “O que der ou prometter peita, ou suborno, será punido com
as mesmas penas impostas ao peitado e subornado”5. Redação idêntica foi
mantida na Consolidação da Leis Penais (1932).
Por sua vez, o Anteprojeto de 2012, do Código Penal, em sua
Parte Especial, insere a corrupção ativa no §2º do artigo 276, que trata da
corrupção passiva, com a seguinte redação: “Art. 276. Exigir, solicitar,
receber ou aceitar promessa de receber, para si ou para outrem, vantagem
indevida, direta ou indiretamente, valendo-se da condição de servidor
público: Pena, de três a oito anos (corrupção passiva)”. Segundo o §1º desse
dispositivo, “a pena é aumentada de até um terço se, em consequência da
vantagem ou promessa, o servidor retarda ou deixa de praticar qualquer
ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional”.
3
DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 953.
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. Bauru-SP:
Jalovi, 1980, p. 210.
5 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. Bauru-SP:
Jalovi, 1980, p. 293.
4
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O §2º do mesmo artigo, ao cuidar da corrupção ativa, estabelece
que “nas mesmas penas do caput e do parágrafo único incorre quem
oferece, promete, entrega ou paga a servidor público, direta ou
indiretamente, vantagem indevida” (corrupção ativa). Assim, o
Anteprojeto do Código Penal de 2012 incluiu, entre as condutas típicas do
crime de corrupção ativa, a entrega ou o pagamento da vantagem a
servidor público.
O Código Penal Português, por sua vez, em seu artigo 374,
assim prevê o crime de corrupção ativa: “1 - Quem, por si ou por
interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou
prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento
daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no
n.º 1 do artigo 373º, é punido com pena de prisão de um a cinco anos”.
Nesse sentido, o crime em apreço, na legislação portuguesa, consuma-se
com a simples dádiva ou promessa da vantagem.
A esse respeito, o seguinte Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de Portugal, de 13 de maio de 1998, citado por Manuel LealHenriques e Manuel Simas Santos em Código Penal Anotado, 3ª ed., Rei dos
Livros, 2º vol., Parte especial, p. 1.616, onde se lê: “O crime de corrupção
ativa consuma-se com a simples dádiva ou promessa de dádiva e nesse
momento é violado o bem jurídico protegido. O que quer dizer que a
ilicitude a considerar é a resultante da prática daquelas condutas e não a
que resulta da execução do ato ilícito por parte do corrupto passivo. No
entanto, no plano das consequências do crime, é de aceitar que a não
execução do ato ilícito possa ser atendida na fixação da pena, funcionando
como atenuante geral”6.
Todavia, conforme mencionamos, o legislador do Código
Penal Brasileiro vigente (1940) manteve somente as condutas de oferecer
ou prometer, deixando de incluir a entrega (dar) entre as elementares do
tipo penal incriminador de corrupção ativa (art. 333, caput, do CP). Idêntico
critério, com a mesma redação, constou no Código Penal de 1969 (art.
6
SANTOS, Manuel Simas e LEAL-HENRIQUES, Manuel. Código Penal Anotado. Vol. 2.
Parte Especial. 3. ed. Lisboa: Rei dos Livros, 2002, p. 1616.
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371, caput), que não chegou a entrar em vigor, e no Anteprojeto da Parte
Especial do Código Penal, de 1984 (art. 324, caput).
Portanto, com base na evolução histórica do crime de
corrupção ativa nas legislações penais brasileiras, podemos concluir que
não houve mero esquecimento do Código vigente (1940) por parte do
legislador, mas sim uma intencional supressão da incriminação da
conduta de o particular (extraneus) dar ou entregar vantagem indevida a
funcionário público.
Essa conclusão fica reforçada pelo fato de o referido
Anteprojeto de 2012 acrescentar a entrega e o pagamento entre as
condutas típicas do crime em apreço, justamente porque não poderiam ser
punidas, em respeito ao princípio da taxatividade, sem estarem
expressamente previstas no preceito primário do tipo penal incriminador.
Por essa razão, concluímos serem puníveis apenas as condutas de oferecer
e prometer a vantagem indevida ao servidor público na corrupção ativa.
Sobre o assunto, conforme explica Victor Eduardo Rios
Gonçalves, “as modalidades de „receber‟ e „aceitar‟ promessa de vantagem,
previstas para a corrupção passiva, guardam total paralelismo com as duas
únicas condutas típicas da corrupção ativa, pois, se o funcionário
recebeu a vantagem, significa que anteriormente alguém a ofereceu e se ele
aceitou promessa de tal vantagem, é porque antes alguém a prometeu”7
(grifamos).
Consoante acrescenta, “em face da própria redação do art.
333, conclui-se que as condutas típicas da corrupção ativa pressupõem
que a iniciativa seja sempre do particular. Este, em um primeiro
momento, oferece ou promete uma vantagem qualquer para o
funcionário público. A partir deste instante já estará consumada a
corrupção ativa”8 (grifamos).
De fato, a intenção do legislador foi criminalizar somente
aquelas condutas que pressupõem a iniciativa do particular – oferecer ou
prometer –, razão pela qual se afigura atípica, já que sem qualquer previsão legal,
7
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Corrupção ativa? Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.
43, p. 06, jul. 1996.
8 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Corrupção ativa? Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.
43, p. 06, jul. 1996.
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a conduta de, isoladamente, dar ou entregar a vantagem indevida ao
funcionário público (art. 333, caput, do CP). Por esse motivo, como bem
ressalta Victor Eduardo Rios Gonçalves, a omissão quanto à entrega da
vantagem pelo particular não foi “falha ou esquecimento do legislador. Ao
contrário, a opção é sábia e intencional”9.
Como adverte o penalista, “ao incriminar a corrupção ativa, a
intenção do legislador era punir os particulares cujas condutas tivessem o
condão prático de corromper ou, ao menos, potencial para fazer com que
um funcionário público se tornasse corrupto (...). Por isto, a lei somente
incriminou, na corrupção ativa, condutas que tenham início no particular,
posto que apenas estas podem corromper. Se, ao contrário, o próprio
funcionário toma a iniciativa de solicitar a vantagem, significa que ele já
está corrompido e, portanto, a conduta do particular que entrega a
vantagem pedida não tem o potencial lesivo que a lei quis evitar e punir”10.
Essa a interpretação de Fernando Henrique Mendes de
Almeida, em sua obra clássica sobre o assunto: “se o dinheiro dado não é
anteriormente oferecido, evidentemente não há corrupção ativa, nem
corruptor, já que êste passa, lògicamente, a ser, apenas, uma vítima de
concussão”11.
Bem ilustram esses pensamentos os seguintes exemplos e
conclusões trazidos por Marcelo André de Azevedo e Alexandre Salim:
“Pode haver corrupção ativa sem a corrupção passiva e vice-versa.
Exemplo de corrupção ativa sem a passiva: o motorista infrator
oferece dinheiro ao agente de trânsito para determiná-lo a omitir ato de
ofício (lavratura de multa). Se o agente de trânsito não receber, somente
haverá corrupção ativa. Exemplo de corrupção passiva sem a
corrupção ativa: o agente de trânsito solicita dinheiro ao motorista
infrator para não lavrar a multa. Só haverá corrupção passiva, pois a
iniciativa não foi do particular (motorista). Mesmo que o motorista dê o
9
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Corrupção ativa? Boletim IBCCRIM. São Paulo,
n.43, p. 06, jul. 1996.
10 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Corrupção ativa? Boletim IBCCRIM. São Paulo,
n.43, p. 06, jul. 1996.
11 ALMEIDA, Fernando Henrique Mendes de. Dos crimes contra a Administração Pública. São
Paulo: Saraiva, 1955, p. 199.
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dinheiro, não haverá o crime de corrupção ativa, uma vez que o tipo não
prevê o verbo dar ou entregar”12 (grifamos).
Nessa linha de raciocínio, o seguinte Julgado do Egrégio
Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
9. A entrega da vantagem indevida, pelo particular ao
funcionário público, não configura o crime do artigo 333 do
Código Penal, mas apenas e tão somente o seu oferecimento
ou promessa. Em outras palavras, não comete o crime de
corrupção ativa o particular que se limita a entregar ao
funcionário público a vantagem indevida, por este solicitada.
Precedentes (Habeas Corpus n. 2013.03.00.025564-0/SP.
Relator: Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA. J.
3/12/2013).
No mesmo sentido já decidiu o Egrégio Tribunal Regional
Federal da 4ª Região:
O delito de corrupção ativa caracteriza-se com o
oferecimento ou promessa de vantagem a funcionário
público, sendo atípica a conduta de “dar” a benesse após
solicitação deste (TRF4, ACR 2004.72.00.015990-6,
OITAVA TURMA, Relator: Desembargador LUIZ
FERNANDO WOWK PENTEADO, D.E. 27/5/2009).
O critério adotado pelo legislador, ao não incluir a mera entrega
da vantagem pelo particular (mero atendimento da solicitação originada no
funcionário público), foi assim criticado por Luiz Regis Prado: “De se
registrar aqui que o legislador deveria ter previsto também, entre as
condutas que configuram a corrupção ativa, a simples aceitação da
solicitude do funcionário público pelo autor”13 (grifamos). De fato, se
12 AZEVEDO, Marcelo André e SALIM, Alexandre. Direito Penal. Volume 3. 8. ed.
Salvador/BA: Editora jusPodivum, 2020, p. 318.
13 PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal. Volume IV: Parte Especial. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 227.
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presumidos o oferecimento ou a promessa de vantagem indevida pelo sujeito
ativo, a crítica não teria qualquer sentido.
Na lição de Tarsila Fonseca Tojal, “a norma abstém-se de
incriminar as condutas de dar, entregar ou pagar vantagem ou mesmo de
aceitar a solicitação ou ceder à exigência formulada pelo funcionário público
corrupto. E não se admite eventual interpretação extensiva do texto
legal para abarcar essas ações. A uma, porque tal interpretação
extensiva é per se rechaçada pelo direito penal, em razão do princípio da
taxatividade. A duas, porque a lei, quando efetivamente criminaliza
conduta de dar vantagem em contexto de acordo espúrio, o faz sempre de
forma expressa. É o caso, por exemplo, das figuras de corrupção ativa em
transação internacional (art. 337-B do CP), de corrupção ativa de
testemunha ou perito (art. 343 do CP) e corrupção ativa militar (art. 309
do CPM)”14.
Prossegue, com propriedade, a comentadora: “Não haveria
sentido em incluir o núcleo verbal dar nessas tantas modalidades de
corrupção ativa, para simplesmente entendê-lo „implícito‟ na figura do
artigo 333 do Código Penal”15. Por essas razões, como bem adverte a
autora, “a opção legislativa por incriminar somente as condutas de oferecer e
prometer, embora seja alvo de críticas, não deve ser ignorada pelo aplicador
do direito”16.
De fato, se o legislador quisesse incluir, na corrupção ativa, as
condutas de dar ou entregar vantagem indevida, além do oferecimento e da
promessa dessa vantagem, teria inserido tais condutas no tipo penal
incriminador do artigo 333, caput, do Código Penal, tal como procedeu em
diversos tipos penais especiais de corrupção ativa.
Ao definir o crime de corrupção ativa de testemunha ou
perito, o artigo 343, caput, do Código Penal abrange as condutas de “dar,
oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha,
14 TOJAL, Tarsila Fonseca. Código Penal Comentado. Luciano Anderson de Souza,
coordenador. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 1143 e 1144.
15 TOJAL, Tarsila Fonseca. Código Penal Comentado. Luciano Anderson de Souza,
coordenador. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 1143 e 1144
16 TOJAL, Tarsila Fonseca. Código Penal Comentado. Luciano Anderson de Souza,
coordenador. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 1144.
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perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar
ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou
interpretação”.
O artigo 337-B, caput, do Código Penal, ao definir o crime de
corrupção ativa em transação comercial internacional, incrimina as
condutas de “prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente,
vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa,
para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à
transação comercial internacional”.
O mesmo sucede com os tipos penais especiais de corrupção
ativa definidos na legislação extravagante.
O Código Penal Militar, de 1969, ao incriminar a corrupção
ativa, prevê em seu artigo 309, caput: “dar, oferecer ou prometer dinheiro
ou vantagem indevida para a prática, omissão ou retardamento de ato
funcional”.
O Código Eleitoral (Lei n. 4.737/65) igualmente define uma
corrupção ativa especial, em seu artigo 299, nos seguintes termos: “dar,
oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro,
dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para
conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”.
A redação dos aludidos dispositivos legais, sem dúvida,
robustece a distinção entre as condutas de (i) dar, (ii) oferecer e (iii)
prometer, de modo que podemos concluir, com Damásio de Jesus, ao
comentar o artigo 333, caput, do Código Penal em vigor (1940), que
“inexiste delito na hipótese de ausência de oferta ou promessa de
vantagem”17 (grifamos).
Roberto Wagner Battochio Casolato, por sua vez, esclarece
que, “no sistema do Código Penal que vige, oferecer deve ser entendido
como uma coisa – tomar a iniciativa de exibir a vantagem para que seja
aceita; acenar com a vantagem, iniciando o diálogo corruptivo –, ao passo
que dar deverá vir entendido como outra – entregar a vantagem; pô-la à
disposição do recebedor, sem que isso implique a tomada da iniciativa,
17
JESUS, Damásio de. Direito Penal. 4º Volume: Parte Especial. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 278.
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ínsita no núcleo oferecer. Com razão, para nós, o Des. Ary Belfort, (...)
asseverando a falta de tipicidade da conduta de dar que se segue à
solicitação do intraneus (...): „Quando a iniciativa seja do agente público, a
adesão do particular, até pagando o preço da vilania, não caracteriza a
figura na modalidade ativa. Embora se porte com equivalente vileza, a
censura restringe-se ao campo moral‟ (RT 684/319)”18.
Como se percebe, as condutas incriminadas no artigo 333,
caput, do Código Penal, consistentes em oferecer ou prometer vantagem
indevida a funcionário público, evidenciam o escopo de punição apenas
das condutas que tenham a sua gênese no particular, pois somente as
iniciativas do extraneus apresentam o potencial de corromper o funcionário
público19.
A conduta de dar (entregar ou pagar) vantagem indevida, em
face de solicitação (iniciativa) oriunda de funcionário público (intraneus),
em nada afeta a tutela da administração pública e da probidade
administrativa, pois a conduta anterior (solicitar) tipifica, per se, o crime de
corrupção passiva (art. 317, caput, do CP), nele se esgotando a lesão ao
bem jurídico-penal – o funcionário público havia se corrompido antes e
independentemente de qualquer conduta do particular.
A dação da vantagem indevida pelo particular, nesse caso,
embora merecedora de censura moral, não tipifica o crime de corrupção
ativa, por ausência de previsão legal da conduta de dar (art. 333, caput, do
CP), cabendo salientar que o extraneus não possui dever funcional perante a
administração pública.
Em verdade, a ausência de tipicidade penal da conduta de dar
(entregar ou pagar) vantagem indevida atende ao interesse público, na
medida em que propicia e fomenta que o particular (extraneus) noticie a
solicitação criminosa oriunda do funcionário público (art. 317, caput, do
CP), promovendo, de maneira mais eficiente, a fiscalização da probidade
administrativa e o resguardo dos interesses da administração pública.
18 CASOLATO, Roberto Wagner Battochio. Os crimes contra a Administração Pública. 2. ed.,
São Paulo: CPC, 2000, p. 63.
19 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Corrupção ativa? Boletim IBCCRIM. São Paulo,
n. 43, p. 06, jul. 1996.
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Observa-se a mesma ratio essendi no crime de difamação propter
officium: a despeito da irrelevância da falsidade da imputação (para efeito de
tipicidade da conduta), admite-se a exceção da verdade como causa
excludente de ilicitude, em caso de o ofendido ser funcionário público e a
ofensa ser relativa ao exercício de suas funções (art. 139, parágrafo único,
do CP), precisamente pelo interesse público na cognição e apuração da
conduta funcional (fato objeto da imputação) do ofendido.
2. DA AUSÊNCIA DE ADEQUAÇÃO TÍPICA DA
DENOMINADA CORRUPÇÃO ATIVA SUBSEQUENTE OU
SUPERVENIENTE
Para a configuração do crime de corrupção ativa, afigura-se
imperioso que a conduta do sujeito ativo tenha como finalidade determinar
o servidor público “a praticar, omitir ou retardar ato de ofício” (art. 333,
caput, do CP).
Portanto, na corrupção ativa, a conduta do particular
(extraneus) deve ocorrer antes de o ato de ofício ser praticado, omitido ou
retardado pelo funcionário público (intraneus)20, de modo que não teria
adequação típica a denominada corrupção ativa subsequente ou
superveniente, assim considerada a entrega de vantagem depois de
aperfeiçoado o ato de ofício.
A esse respeito, o pensamento de Heleno Cláudio Fragoso:
“O oferecimento ou dação de vantagem posterior à ação ou omissão
visada pelo agente, sem que tenha havido promessa anterior, não se
enquadra na figura típica da corrupção ativa, na qual a ação delituosa deve
visar uma conduta futura (RT 508/439). A ação neste caso corresponde ao
recebimento posterior por parte do funcionário, que constitui a
materialidade da corrupção passiva subsequente. Todavia, não se pode
20
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial. Vol. 5. 9. ed.
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 248.
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afirmar que haja participação no crime de corrupção passiva, pois quem dá
não pode concorrer na ação de receber”21.
Damásio de Jesus, por sua vez, igualmente afirma não haver
corrupção ativa “no caso de a vantagem ser oferecida ou prometida ao
funcionário depois de sua conduta funcional (ativa ou omissiva). No delito
que estamos estudando, o comportamento visado deve ser realizado no
futuro. Se já foi realizado, não há crime: dá-se a vantagem para que se faça,
não porque se fez ou não alguma coisa (no sentido de fato)”22.
Em igual sentido, José Paulo Baltazar Junior lembra que “o
tipo é expresso ao dispor que a entrega da vantagem se dá para determinar
que o servidor pratique o ato, o retarde ou deixe de praticá-lo. Sendo
assim, não há corrupção se o oferecimento da vantagem sucede a prática
do ato”23. Como conclui Magalhães Noronha, “dar para que se faça não é
dar porque fez. A nosso ver, falta tipicidade ao ato. Será verdadeira
analogia”24.
Nessa linha de raciocínio, os seguintes Julgados do Egrégio
Tribunal de Justiça de São Paulo:
Se a oferta ou a promessa de vantagem é posterior ao ato de
ofício que o extraneus desejava fosse omitido, retardado ou
executado com desvio funcional, a possibilidade de dano
real à Administração Pública não pode decorrer da peita e o
delito do art. 333 do CP não se tipifica (AC – Relator
Desembargador Dante Busana RT 672/298).
O crime do art. 333 do CP consiste em oferecer ou
prometer vantagem indevida a funcionário público para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.
Assim, não é típica a conduta de quem oferece ou promete
vantagem após ter o funcionário praticado, omitido ou
21
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Parte Especial: arts. 213 a 359 CP. 3.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 479 e 480.
22 JESUS, Damásio de. Direito Penal. 4º Volume: Parte Especial. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 279.
23 José Paulo Baltazar Junior. Crimes Federais. 8. ed. Porto Alegre – RS: Livraria do
Advogado, 2012, p. 207.
24 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Volume 4. São Paulo: Saraiva, 1988-1995, p.
324.
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retardado o ato (HC – Relator Desembargador Carlos
Bueno – RT 669/295).
No nosso entender, conclusão diversa conduziria a uma
interpretação extensiva e a uma analogia in malam partem, em prejuízo do
princípio da taxatividade em matéria penal, como corolário do princípio
constitucional da reserva legal, como veremos na sequência.
3. DA IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
EM FACE DA PROIBIÇÃO DE ANALOGIA IN MALAM
PARTEM E DO PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE PENAL
As conclusões expostas nos itens anteriores, no sentido da
atipicidade penal da conduta de dar (entregar ou pagar) vantagem indevida,
em face de solicitação oriunda de funcionário público, bem como da
denominada corrupção ativa subsequente ou superveniente (ao ato de ofício),
encontram ainda fundamento no princípio da taxatividade penal, que impede
uma interpretação extensiva (incriminadora) em prejuízo do acusado.
A impossibilidade de interpretação extensiva das figuras
penais decorre justamente do princípio constitucional do nullum crimen,
nulla poena sine praevia lege, contido no artigo 5°, inciso XXXIX, da
Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal brasileiro. A título de
exemplo, o Código Penal italiano, em seu primeiro artigo, determina que
ninguém pode ser punido por um fato não previsto expressamente em
lei.
Dessa ótica, na lição de Alamiro Velludo Salvador Netto, “a
função da tipicidade penal, seu compromisso maior, relaciona-se com a
efetividade do princípio da legalidade penal, a qual deve ser conferida em
cada um dos tipos penais incriminadores”25. Assim, a precisão e a
taxatividade de cada tipo penal incriminador afiguram-se essenciais ao
princípio da legalidade e à segurança jurídica, inerentes ao Estado
Democrático de Direito.
25
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Tipicidade Penal e Princípio da Legalidade.
Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCCRIM) 85, v. 18, 2010, p. 235.
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Não é outro o pensamento de Pablo E. Navarro Conicet e
Laura Manrique, segundo o qual “a exigência de taxatividade é uma das
dimensões centrais do princípio da legalidade. De acordo com ela, a
imputação de responsabilidade penal não só deve justificar-se em leis
expressamente formuladas, mas também que essas normas têm de indicar
com precisão que condutas estão proibidas e qual a pena
correspondente”26.
Para os autores, “a conexão entre certeza, determinação e
precisão conduz naturalmente a assumir que o significado das palavras é
uma condição necessária e suficiente para decidir se uma lei supera a
exigência de taxatividade”27. De fato, nessa linha de raciocínio, o teor
literal da norma penal marca o limite admissível e intransponível daquilo
que possa ser invocado pelo magistrado para motivar juridicamente uma
decisão28.
Em relação à corrupção ativa, não se pode presumir o
oferecimento ou a promessa na conduta de dação ou entrega da vantagem
indevida pelo particular, pois a conduta de dar, conquanto prevista em
outros tipos penais especiais de corrupção ativa (item n. 2), não integra a
norma geral contida no artigo 333, caput, do Código Penal.
Como vimos, também não está contemplada no tipo penal em
análise a entrega da vantagem indevida ao funcionário público depois de
concretizado o ato de ofício. Interpretação diversa e extensiva nos levaria
a aceitar uma analogia in malam partem, vedada no âmbito penal.
Com efeito, a analogia sofre as limitações impostas pelo
princípio constitucional da reserva legal, afigurando-se incabível incriminar
condutas não previstas no tipo penal. Nesse aspecto, a legislação foi clara e
taxativa, ao contemplar apenas a oferta ou a promessa da vantagem indevida
pelo particular, e, ainda assim, para o funcionário praticar ato de ofício,
delimitando a esfera do ilícito penal da corrupção ativa.
26
CONICET, Pablo E. Navarro e MANRIQUE, Laura. El Desafío de la Taxatividad.
Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. N. 3. Vol. 58, 2005, p. 807 (nossa tradução).
27 CONICET, Pablo E. Navarro e MANRIQUE, Laura. El Desafío de la Taxatividad.
Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. N. 3. Vol. 58, 2005, p. 819 (nossa tradução).
28 CONICET, Pablo E. Navarro e MANRIQUE, Laura. El Desafío de la Taxatividad.
Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. N. 3. Vol. 58, 2005.
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Dessa perspectiva, a proibição de analogia in malam partem em
matéria penal impõe a fidelidade da interpretação à lei permitida. Por isso,
como conclui Claus Roxin, “somente uma interpretação dentro do marco
do sentido literal possível pode assegurar o efeito preventivo da lei e fazer
que seja censurável a proibição de interpretação”29. Daí a necessidade de
precisão ao se descreverem as condutas previstas nos tipos penais, cuja
interpretação, por parte do julgador, deve estar limitada à legalidade estrita
e ao princípio da taxatividade.
Portanto, segundo Fernando de Almeida Pedroso, para
ocorrer a tipicidade, “é preciso que o fato concreto reproduza a sua
definição assim como um espelho reflete a imagem ou a cópia fotostática
(xerox) retrata o original, ajustando-se plasticamente à imagem demarcada
pela lei. Se o episódio se compuser com as peculiaridades descritivas do
delito, reunindo todas e havendo entre elas perfeita identificação, a
tipicidade se realiza. Ao contrário, se houver qualquer distorção,
discrepância, antinomia ou contraste na composição do fato concreto,
fazendo-o destoar e divorciar-se de seu enunciado legal, carente estará,
então, da tipicidade. Inexistirá crime, porquanto o fato será atípico”30.
Nessa linha de raciocínio, compartilhamos do pensamento
doutrinário predominante referido por Karl Engisch, a respeito dos limites
da interpretação: “o sentido a obter através desta deve por qualquer forma
ser ainda compatível com o „teor literal‟ da lei, ter por qualquer modo
„expressão‟ na lei”. “Segundo a doutrina dominante – ressalta o professor de
Munique –, é esta a posição que o sentido da letra da lei reivindica no
Direito Penal, tendo especialmente em atenção o princípio nullum crimen
sine lege”31.
29
ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Traducción de la 2ª edición
alemana y notas por Diego-Manuel Luzón Peña et allí. Madrid (España): Civitas, 1997, p.
150 (nossa tradução).
30 PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito Penal. Parte Geral: doutrina e jurisprudência.
5. ed. Leme/SP: JHMIZUNO, 2017, p. 76.
31 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 11. ed. Tradução de J. Baptista
Machado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 146.
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CONCLUSÕES
1. A visão retrospectiva do crime de corrupção ativa demonstra
que, na legislação anterior ao Código Penal vigente (1940), tanto no
Código Criminal do Império (art. 132), de 1830, como no Código Penal
Republicano (art. 217), de 1890, havia previsão legal da incriminação da
conduta de dar vantagem indevida (peita ou suborno) – ao lado da conduta
de prometer.
2. O Código Penal Brasileiro vigente (1940), contudo, ao definir o
crime de corrupção ativa, incrimina apenas as condutas de “oferecer” ou
“prometer” vantagem indevida a funcionário público, não abrangendo a
dação (entrega ou pagamento) entre os núcleos do tipo penal incriminador
(art. 333, caput, do CP). A mesma redação constou no Código Penal de
1969 (art. 371, caput) – que não chegou a entrar em vigor – e no
Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal (art. 324, caput), de 1984.
3. A partir da apreciação da evolução histórica do crime de
corrupção ativa nas legislações penais brasileiras, podemos concluir que
não houve mero lapso do legislador do Código vigente (1940), mas
intencional supressão da incriminação da conduta de o particular
(extraneus) dar, entregar ou pagar vantagem indevida a funcionário
público.
4. Essa conclusão fica reforçada pelo fato de o Anteprojeto do
Código Penal, de 2012, acrescentar a entrega e o pagamento entre as condutas
alternativamente incriminadas na corrupção ativa (art. 276, § 2°),
justamente por não poderem ser punidas na vigente conformação do
artigo 333, caput, do Código Penal, em face da ausência de expressa
previsão legal no preceito primário do tipo penal incriminador (princípio
da reserva legal e da taxatividade).
5. Na legislação nacional vigente, os tipos penais especiais de
corrupção ativa incriminam a conduta de dar vantagem, a par das condutas
de oferecer ou prometer, como pode ser observado na corrupção ativa de
testemunha ou perito (art. 343, caput, do CP), na corrupção ativa em
transação comercial internacional (art. 337-B, caput, do CP), na corrupção
ativa militar (art. 309, caput, do CPM) e na corrupção ativa eleitoral (art.
299 do CE).
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6. O Código Penal Português, ao definir o crime de corrupção
ativa (art. 374), igualmente tipifica as condutas de dar ou prometer
vantagem a funcionário.
7. Diante desse panorama, emerge clara a distinção: de um lado, as
condutas de oferecer ou prometer (incriminadas no art. 333, caput, do CP)
pressupõem iniciativa do particular (extraneus); de outro lado, as condutas
de dar, entregar ou pagar vantagem (não contidas no art. 333, caput, do CP)
são provocadas por solicitação de funcionário público corrupto (iniciativa
do intraneus) e pressupõem a tradição da coisa.
8. Em face do tipo penal geral de corrupção ativa (art. 333, caput,
do CP), a conduta de dar, entregar ou pagar vantagem indevida a funcionário
público, isoladamente considerada, não apresenta tipicidade penal, por
ausência de previsão legal (reserva legal e taxatividade), cabendo salientar
que o extraneus não possui dever funcional perante a Administração
Pública.
9. O artigo 333, caput, do Código Penal, ao incriminar apenas o
oferecimento e a promessa de vantagem indevida a funcionário público,
evidencia o escopo de punição somente das condutas que tenham a sua
gênese no particular, pois somente as iniciativas do extraneus apresentam o
potencial de corromper o funcionário público.
10. A conduta de dar (entregar ou pagar) vantagem indevida, em
face de solicitação (iniciativa) oriunda de funcionário público (intraneus),
em nada afeta a tutela da Administração Pública e da probidade
administrativa, pois a conduta anterior (solicitar) tipifica, per se, o crime de
corrupção passiva (art. 317, caput, do CP), nele se esgotando a lesão ao
bem jurídico-penal – o funcionário público havia se corrompido antes e
independentemente de qualquer conduta do particular.
11. A ausência de tipicidade penal da conduta de dar (entregar ou
pagar) vantagem indevida atende ao interesse público, na medida em que
propicia e fomenta que o particular (extraneus) noticie a solicitação
criminosa oriunda do funcionário público (art. 317, caput, do CP),
promovendo, de maneira mais eficiente, a fiscalização da probidade
administrativa e o resguardo dos interesses da Administração Pública.
12. Observa-se a mesma ratio essendi no crime de difamação
propter officium: a despeito da irrelevância da falsidade da imputação (para
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efeito de tipicidade da conduta), admite-se a exceção da verdade como
causa excludente de ilicitude, em caso de o ofendido ser funcionário
público e a ofensa ser relativa ao exercício de suas funções (art. 139,
parágrafo único, do CP), precisamente pelo interesse público na cognição
e na apuração da conduta funcional (fato objeto da imputação) do
ofendido.
13. Para a configuração do crime de corrupção ativa, afigura-se
imperioso que a conduta do sujeito ativo tenha como finalidade determinar
o funcionário público “a praticar, omitir ou retardar ato de ofício” (art. 333,
caput, do CP). Por isso, a conduta do particular (extraneus) deve ocorrer
antes de o ato de ofício ser praticado, omitido ou retardado pelo
funcionário público (intraneus), de modo que não teria adequação típica a
denominada corrupção ativa subsequente ou superveniente, assim
considerada a entrega de vantagem depois de aperfeiçoado o ato de ofício.
14. A atipicidade penal da conduta de dar (entregar ou pagar)
vantagem indevida, em face de solicitação oriunda de funcionário público,
bem como da denominada corrupção ativa subsequente ou superveniente (ao
ato de ofício), encontram ainda fundamento no princípio da taxatividade
penal, que impede uma interpretação extensiva (incriminadora) em
prejuízo do acusado, em face do princípio constitucional do nullum crimen,
nulla poena sine praevia lege, contido no artigo 5°, inciso XXXIX, da
Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal Brasileiro.
15. Por identidade de motivos, em caso de mera dação, entrega ou
pagamento de vantagem indevida pelo particular, não se pode presumir
o oferecimento ou a promessa anterior, notadamente quando considerada a
regra probatória que emerge da presunção de inocência (art. 5°, LVII, da
CF).
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NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Volume 4. São Paulo: Saraiva,
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PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica.
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ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Traducción de la 2ª
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TOJAL, Tarsila Fonseca. Código Penal Comentado. Luciano Anderson de
Souza, coordenador. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.