O comunicador dos Movimentos Sociais: seu perfil e a cidadania comunicativa1
Nivea Canalli Bona2
Resumo
Uma nova configuração de comunicação está sendo buscada por movimentos e organizações sociais por meio da
contratação de comunicadores tanto formados quanto populares para que desenvolvam um leque maior de
técnicas comunicativas além das já estabelecidas como alternativas e populares. A partir de uma discussão
bibliográfica, reflete-se aqui sobre o possível perfil desse comunicador que está sendo buscado e seu fazer
inseridos nessas organizações rumo a uma cidadania comunicativa.
Palavras-chave
Comunicador; Movimentos Sociais; Cidadania Comunicativa; Mediação.
Introdução
Esse trabalho representa um recorte das investigações em andamento para o doutorado
que tem como título: Comunicadores, Movimentos Sociais e Cidadania Comunicativa –
práticas de comunicadores inseridos em movimentos sociais de Curitiba (PR) no ambiente
digital. De metodologia essencialmente bibliográfica, esse texto pretende contextualizar de
maneira rápida os caminhos percorridos pelos movimentos sociais nas últimas décadas e os
impactos nas comunicações realizadas por esses movimentos, mas seu objetivo principal é
trazer algumas considerações acerca do perfil desse comunicador inserido nesses movimentos
e a possibilidade da influência do seu fazer na implementação da cidadania comunicativa.
Os movimentos sociais
A caminhada das organizações e movimentos sociais no Brasil, desde os anos de
“chumbo” da ditadura até os dias atuais desse terceiro milênio atravessou profundas
alterações3. De atitudes e posturas combativas, que promoviam um enfrentamento entre a
sociedade civil organizada e o Estado, viu-se abrir um leque de novas configurações tanto dos
movimentos quanto de suas ações. Os conflitos não são os mesmos. A maneira de lidar com
eles também não é a mesma.
Com a institucionalização e a busca por um fazer mais técnico as estratégias
comunicativas, que antes se concentravam em soluções alternativas aos meios de
1
Trabalho apresentado na modalidade Artigo Científico na IV Conferência Sul-Americana e IX Conferência
Brasileira de Mídia Cidadã.
2
Jornalista e doutoranda em Comunicação Social pela Unisinos. bonanivea@gmail.com
3
Ver Gohn (2005), Peruzzo (1998), Sherer-Warren (1993), Montaño (2005).
1
comunicação de massa - que na época (nos anos 1970 e 1980) figuravam como cenários
hegemônicos da informação - também foram se modificando. Acostumados a elaborar
panfletos caseiros, pasquins, cartazes, realizar passeatas, utilizar rádio-corneta, distribuir
filipetas voadoras, fazer tevê de rua, esses movimentos viram surgir formas de produção de
comunicação mais amplas, como as rádios-comunitárias e, mais recentemente, a rede mundial
de computadores. A abertura democrática ainda estimulou as possibilidades de inter-relação
com a mídia de massa, já que a busca pela iniciativa popular, pela comunidade (dentro do
conceito do glocal), pela cidadania e pela participação de todos acabou ganhando - ainda que
ainda que este ganho não signifique a incorporação de todos os seus significados em sua
complexidade - as pautas desses meios.
Na atualidade, é possível encontrarmos movimentos sociais específicos de luta em
relação à comunicação e à democratização4, mas movimentos com bandeiras diversas também
começaram a repensar suas formas de comunicação e a visualizá-la como dimensão
estratégica para divulgar suas demandas e se posicionar na arena social. Esses movimentos de
aproximação aconteceram – e continuam se alterando, pois os processos são dinâmicos – ao
mesmo tempo em que uma sociedade cada vez mais midiatizada foi se conformando.5 Dessa
forma, movimentos, grupos e organizações que privilegiavam a comunicação alternativa –
construída a partir de cartazes, folhetos, panfletos, cornetas6 - há duas ou três décadas
passaram a pensar os processos de comunicação de maneira estratégica. Entre outras razões,
pela própria necessidade de satisfazer parâmetros de divulgação impostos por financiadores
e,ou para atingir públicos específicos de maneira mais ampla e,ou para traçar redes de
trabalho globalizadas e,ou, ainda, para legitimar sua existência e sua atuação em uma
4
Intervozes é um exemplo com atuação no Paraná.
Efendy Maldonado (2011) recupera alguns aspectos destes processos de midiatização e de seu aprofundamento
nas últimas décadas do século XX.
6
Peruzzo (1998) traz alguns exemplos: criaram-se “instrumentos alternativos” dos setores populares não sujeitos
ao controle governamental ou empresarial direto. Era uma comunicação vinculada à prática de movimentos
coletivos, retratando momentos de um processo democrático inerente aos tipos, às formas e aos conteúdos dos
veículos, diferentes daqueles da estrutura então dominante, da chamada grande imprensa. Nesse patamar, a nova
comunicação representou um grito, antes sufocado, de denúncia e reivindicação por transformações,
exteriorizado, sobretudo, em pequenos jornais, boletins, alto-falantes, teatro, folhetos, volantes, vídeos,
audiovisuais, faixas, cartazes, pôsteres, cartilhas, etc.
5
2
sociedade midiática, essas organizações buscaram e buscam pensar a comunicação de maneira
a obter lugar de destaque nos planejamentos de ação periódicos7.
Paralelamente a essa abertura para uma relação democrática entre as três esferas
(Estado, mercado e civil) vimos a sociedade de massas ou uma sociedade dos meios caminhar
para uma sociedade midiatizada na medida em que a expansão das mídias foi se aprofundando
e exercendo papel configurador nos diversos âmbitos sociais. Ainda, a centralidade dos
processos informacionais deixa de se localizar nos meios de comunicação de massa para se
complexificar com a criação de outros espaços como as rádios-comunitárias, tevêscomunitárias, diversos veículos impressos de variadas linhas político-ideológicas e a grande
rede de computadores, a Internet. Castells (2003) propõe o conceito de sociedade em redes, a
partir da qual o mundo se tornou a aldeia global em que tudo pode se interligar. Movimentos
sociais, antes alijados e sem voz perante a sociedade e a opinião pública, descobrem a força
da mobilização que se inicia em redes virtuais e se transporta para o real. As denúncias
acabam alcançando distâncias que em outro tempo não seriam possíveis, influenciando no
desenlace de questões locais. Veja-se o caso dos Indígenas de Chiapas que, massacrados pelas
forças militares mexicanas, viram na publicação de um blog sua demanda suplantar as
fronteiras locais e chegar a grupos de mobilização em países do outro lado do globo (Teixeira,
2007). Mas há mais caminho a se percorrer. Questões como o acesso à tecnologia que torna
esse movimento informacional mais democrático, o próprio conhecimento técnico e a
apropriação das novas possibilidades como redes sociais, blogs e criação de websites e a
convergência dessas plataformas com os outros meios de comunicação, inclusive os de massa,
mostram-se um desafio de relevo para os movimentos sociais. Em tempos de cibercultura, de
novos territórios simbólicos, comunidades e redes virtuais, o ambiente digital se mostra como
uma esperança mas, ao mesmo tempo, como um caminho que pode conter diversas
armadilhas para os movimentos. Desde o risco de simplesmente transferir as lógicas
hegemônicas para o uso dessas plataformas, até a utilização sem o conhecimento efetivo das
7
Como exemplo desse movimento em busca de uma comunicação mais planejada e caminhando para o âmbito digital,
Moraes (2000) cita o Movimento dos Sem Terra, a Central Única dos Trabalhadores, o Greenpeace entre outros. Surgem
ainda organizações formadas com o objetivo de facilitar a aproximação das ONGs e movimentos sociais com a imprensa
(tevê, rádio e jornal) ou mesmo para auxiliar no planejamento de estratégias de comunicação adequadas a cada necessidade.
3
consequências das ações nessa ambiência podem comprometer a busca e uso da comunicação
para se conquistar lugar na arena social e, ainda, a cidadania comunicativa 8.
O comunicador
Neste cenário de investimento em processos comunicacionais realizados dentro de
cada organização, as atenções desses grupos que querem um lugar no imaginário social
(Lacerda, 2003) recaem sobre o comunicador, aquele que torna possível e real essa construção
de estratégias de comunicação dentro da organização a fim de atingir públicos diversos. Mas
quem é esse comunicador? E como ele tem trabalhado essa comunicação, na ambiência
digital, dentro das organizações e movimentos sociais?
Em vistas do mercado que comunicadores formados encontram quando saem das
faculdades de Jornalismo, Publicidade, Relações Públicas ou Rádio e TV, movimentos sociais
e ONGs estão se tornando mais uma opção interessante de trabalho (Duarte, 2002). Ao
mesmo tempo, a garantia do “emprego” e da estabilidade em funções tradicionais não existe
mais. Novas configurações e desafios estão surgindo no mercado da comunicação exigindo,
muitas vezes, um profissional múltiplo, que possua o conhecimento técnico mas que agregue
a formação humanística acima de tudo. Movimentos sociais e instituições da sociedade civil
podem ser considerados mais um grupo de organizações que fazem parte desse cenário que
tende a demandar profissionais que detenham conhecimento aprofundado em técnicas e
estratégias de comunicação. E, ainda, esse comunicador é convocado para trabalhar com o
processo de mediação social, no qual deve servir como ponte entre essas novas organizações
que se profissionalizam e as outras instâncias sociais, como outras instituições, órgãos
governamentais, imprensa, públicos atendidos, sociedade, entre outros.
O perfil desse profissional pode guardar ainda algumas particularidades. É possível
encontrar vínculos que se traduzem em valores sociais e de conduta comuns entre os
profissionais que trabalham nessa área. Pode não se tratar somente de “mais um campo de
trabalho” para o comunicador aí inserido. Para muitos, pode ser a realização de um propósito
missionário, um comprometimento relacionado à transformação social, uma opção pelo
trabalho voltado para a criação de novas composições comunicativas e sociais, uma busca
8
Aqui apresentada pelas reflexões de Mata (2006) e Camacho (2005).
4
pelos desafios de ser mais que um técnico em comunicação (BASSFELD, 2009). Importante
aqui levantar as especificidades da comunicação nessas organizações civis. A demanda que
engloba contato com a imprensa, com diversos outros públicos específicos e a gerência de
uma ampla variedade de meios e estratégias de comunicação que pode se alterar de maneira
radical dependendo da organização e de sua bandeira, acabam requerendo um profissional
multidisciplinar e que seja portador de um escopo amplo de competências, principalmente as
digitais.
Qual habilitação?
Esse terreno altamente dinâmico e a mobilidade derivada desse contexto têm entrado
em conflito com as proposições estabelecidas por sindicatos na defesa de nichos de mercado
para as habilitações profissionais da área da comunicação. Cinara Augusto (2006), em artigo 9
sobre a mobilidade do profissional de comunicação no Brasil, analisa as demandas por
jornalistas, publicitários e relações públicas em diversas posições organizacionais e demonstra
que é comum formados em jornalismo ocuparem cargos destinados a publicitários
principalmente na redação de agências publicitárias e como responsáveis pela comunicação
empresarial em funções que são originariamente destinadas aos relações públicas. Isso foi em
2006. Em 2002, Duarte já identificava o movimento de jornalistas para outros mercados,
como o de assessoria de imprensa e de comunicação, fugindo da obrigatória busca de
colocação nos veículos de comunicação de massa, a imprensa. O autor confirmou que o
Sindicato do DF avaliou que metade dos 25 mil profissionais brasileiros estava envolvida com
assessorias, consultorias e outros tipos de planejamentos dentro da área da comunicação.
Checou, ainda, os números do Sindicato dos Jornalistas do Ceará que informava que 60% dos
jornalistas do estado estava atuando em assessorias de imprensa.
Há um notório enxugamento nas redações dos meios de comunicação de massa e o
advento da internet facilitou o aumento da velocidade na busca das informações. Marcondes
(2009, p. 41), quando fala dos jornalistas como cães perdidos, atenta para essa mudança que
aconteceu nas últimas décadas: “A adoção de computadores, sistemas em rede, acesso on-line
9
AUGUSTO, Cinara. Mobilidade do profissional de comunicação no Brasil: um mito. Anais do XXIX
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Brasília-DF, INTERCOM/UnB, 2006.
5
à internet, fusão e mixagem de produtos na tela conduziram as empresas jornalísticas a uma
reformulação completa do seu sistema de trabalho (...)” Nesse enxugamento, outra inversão
que se nota é o aumento da quantidade de informações “prontas” que acabam chegando aos
jornalistas das redações por meio das assessorias. Essas informações podem estar chegando
por mãos de outros jornalistas que estão trabalhando nas organizações em busca da
legitimidade dos feitos desses movimentos.
Dentro deste cenário, autores das diversas áreas trazem as possibilidades de atuação
cruzadas com as habilidades requeridas para cada profissão, ressaltando que o profissional
múltiplo, aquele que se adequar às demandas das diversas áreas de conhecimento que se
entrelaçam com a comunicação e que domine a evolução tecnológica, terá novos horizontes
profissionais pela frente, como aponta Penteado Filho (2002, p. 359), “o jornalista surge como
o profissional mais adequado para tratar da tarefa primordial da sociedade da informação, a de
organizador de conteúdo, o engenheiro do conhecimento. Isso não é pouco. Tudo está
convergindo para a Internet.” Duarte concorda que há um novo campo de trabalho que vai
exigir que o profissional – de comunicação, e não com determinada habilitação – tenha uma
preparação mais focada para a gestão de processos e – aí é uma reflexão nossa – mais atento
as demandas comunitárias e populares, como a dos movimentos e organizações sociais. Essas
novas frentes de atuação para o jornalista encontram-se em grande parte nas organizações do
chamado "terceiro setor", que atualmente reúne mais de 300 mil organizações 10. Giannotti e
Santiago (1997) refletem sobre esse posicionamento do jornalista quando avaliam como a
comunicação sindical deve se comportar. Para eles, o jornalista que resolver se dedicar à
comunicação sindical deverá abrir mão da mítica imparcialidade e passar a pensar em
assuntos mais amplos, sendo seu próprio editor. Para eles, o jornalista de um sindicato não vai
ter um editor para orientá-lo e “vai ter que se virar para tratar de temas tão diferentes como
economia, política, cidade, internacional, previdência, trabalho escravo. Tudo no mesmo
jornal” (GIANNOTTI e SANTIAGO, 1997, p.137). Eles reforçam, ainda, a importância de
não se abrir mão da verdade mesmo tomando parte de um “lado da história”.
Além da nova missão que se desenha para jornalistas, há a habilitação que foi criada
com a responsabilidade de organizar os diversos públicos atingidos pelas organizações e, a
10
www.abong.org.br
6
partir de estratégias e ferramentas específicas de comunicação, alcançar resultados efetivos de
satisfação e diminuição de conflitos sociais em torno das organizações, principalmente as
ligadas ao mercado. Mas alguns pesquisadores11 no Brasil vêm estudando um papel
diferenciado para esse profissional de Relações Públicas, trabalhando com o conceito de
Relações Públicas Comunitárias. A partir do uso das estratégias de comunicação e do seu
conhecimento, ele se tornaria agente de mudanças efetivas do ponto de vista dos conflitos
sociais, não buscando mais colocar “panos quentes” nos processos em discussão, mas
proporcionando espaço e técnica para que todos os públicos possam ter voz e vez. Essa visão
é chamada por alguns autores12 como humanista radical, em contrapartida ao modo
funcionalista como a profissão foi criada. A profissão de Relações Públicas à serviço da
comunicação institucional de organizações do terceiro setor e movimentos sociais têm
mostrado bons resultados do ponto de vista da participação.13 Mas é importante não entender
essa nova comunicação como uma adaptação da organizacional funcionalista a ser aplicada
nas ONGs sociais. Cabe ressaltar que essa mudança na atuação do comunicador inclui recriar
um modus operandi, a partir das especificidades do ambiente digital que traz inúmeras opções
de expressão, mas onde muitas podem se configurar somente como “cópias” das que são
utilizadas pelo mercado. Assim, o propósito desse comunicador traduz-se por assimilar com
velocidade compatível todas as possibilidades desse ambiente (já que é novo) pensando em
lógicas próprias de produção e disseminação da informação por esses meios.
Barros assinala ainda a necessária transformação do relações públicas de profissional
das organizações para uma postura mais ampla de suas funções, ser efetivamente mediador
que pode atuar como editor social ou produtor social na comunidade. “Para tanto, basta
considerarmos que o profissional de relações públicas é, antes de tudo, um mediador político,
econômico, cultural ou comunitário, com ênfase nos dois últimos aspectos” (BARROS, 2007,
p.134).
Margarida Kunsch (2007, p. 172) vai mais longe e ainda sugere que este profissional
deve estar ciente da sua responsabilidade de interagir com as questões da comunidade ou
11
Cicília Peruzzo, Margarida Kunsch, Waldemar Kunsch, Regina Cesar.
Mattos (2002, p. 165)
13
Ver KUNSCH, Margarida M. K. e KUNSCH, Waldemar L. Relações Públicas Comunitárias. A comunicação
em uma perspectiva dialógica e transformadora. Summus Editorial, 2007.
12
7
organização a que está servindo mergulhando, assim, em tudo que perpassa a comunidade.
Para ela, o ideal seria este profissional fazer parte do próprio grupo, comunidade ou
organização, ter se originado nela, o que nos leva a uma noção que pode caber aqui e que
trataremos adiante, que é o do comunicador popular, aquele que provêm da comunidade.
Nesse novo ambiente de atuação, habilitados em publicidade há um tempo eram mais
raros, mas já há trabalhos que estão sendo desenvolvidos na construção do conceito de
Publicidade Social, que se contrapõe a lógica sobre a qual a publicidade foi tradicionalmente
construída, a do mercado de consumo. O conceito nasce da comunicação comunitária,
enfatizando a atividade publicitária14 e está em discussões embrionárias. Mas há um grupo15
de professores da Universidade Federal Fluminense - RJ que tem refletido sobre essa atuação
do publicitário em instâncias comunitárias e sociais.
Assim, a estrutura comunitária teria o propósito de resgate da cidadania com contornos
políticos na esfera de Unidade de Gerência e Pressão, onde pensar em Comunidade significa
pensar o coletivo politicamente e lutar, de forma organizada, por melhorias concretas para o
lugar em questão. E é nessa esfera que alguns moradores têm investido na prática da produção
da Comunicação Comunitária, mais especificamente, nas etapas de criação, produção e
veiculação da Publicidade Comunitária a fim de movimentar e aquecer a economia local com a
autonomia de produção (SALDANHA, 2012,s/p.).
Assim, podemos imaginar que o desenvolvimento do conceito de Publicidade
Comunitária e Social e a preparação de alunos dessa habilitação para se sensibilizarem para a
área social vai possibilitar, em um futuro muito próximo, um maior número de publicitários
também inseridos em organizações da sociedade civil.
Outro ator que merece atenção nesse processo é o comunicador popular. Esse que é
forjado nas práticas, nos cursos e capacitações de comunicação popular, nas rádios
comunitárias, TVs de rua entre outros, mesmo sem a técnica hegemônica; é o que faz e
principalmente participa ativamente da construção de comunicação do movimento. Peruzzo
(1998, p.124 a 128)16 estabelece que a comunicação popular possui traços comuns vistos no
14
Ver SALDANHA, Patrícia. Publicidade Social: uma nova possibilidade de compreender a atividade
publicitária a partir das novas plataformas de produção e veiculação. In. Congreso latinoamericano de
Investigadores
de
la
Comunicación,
2012,
Montevideo
–
Uruguay.
Disponível
em:
http://alaic2012.comunicacion.edu.uy/sites/default/files/gt8_saldanha_patricia_0.pdf.
15
Entre eles Adilson Cabral, Suellen Aguiar e Patrícia Saldanha.
16
Importante destacar que a corrente do “popular” que aqui se estuda não tem referência a comunicação popularfolclórica ou massiva e sim a popular alternativa, que muitas vezes é confundida como comunicação alternativa
por se opor a comunicação realizada pelos meios de comunicação massivos.
8
movimento que caracterizam esse conceito. Entre eles está a expressão de um contexto de
luta, um conteúdo crítico-emancipador, espaço de expressão democrática, o povo como
protagonista (logo esse comunicador deve, obrigatoriamente ser parte integrante da
comunidade ou do conflito pelo qual o movimento se estabelece) e instrumento das classes
subalternas.
Mediação e competências comunicativas
Esse comunicador social inserido nos movimentos sociais é, também, convocado para
trabalhar a comunicação do movimento como um mediador social, em que serve como ponte
entre essas novas organizações que se profissionalizam e as outras instâncias sociais, como
outras instituições, órgãos governamentais, públicos atendidos, sociedade, entre outros.
Se para boa parte dos pesquisadores e cientistas sociais, todo comunicador é um mediador, a
consciência sobre esse papel junto aos profissionais surgiu e ganhou dimensões públicas,
apenas com o aparecimento das Organizações Não Governamentais e suas bem-sucedidas
intervenções na sociedade, como reconhecimento do papel social das empresas e suas relações
com o meio ambiente e, finalmente, com o entendimento da educação como processo
comunicacional. (SOARES, 1995, p.107)
A solidariedade vista pela comunicação, para Martín-Barbero (2003), acaba
desembocando na construção de uma ética da comunicação, que articula a universalidade
humana dos direitos que todos possuem a particularidades nos modos de expressão e
percepção. Essa mediação realizada por esse comunicador inserido nesse campo – dos
movimentos sociais – significa, na proposição de Martín-Barbero, que o comunicador
colocará em comum os sentidos da vida e da sociedade. Isto é, “tudo implica em uma „ética
do discurso‟ que torne possível a valorização das diferentes „falas‟, das diversas competências
comunicativas, sem cair no populismo e no paternalismo de „tudo vale se vem de baixo‟”.
(MARTÍN-BARBERO, 2003, p.69) Para ele, o comunicador necessita “mudar” seu papel
quando quer propor um outro modelo de comunicação, baseado nas competências
comunicativas das comunidades que seriam as receptoras do processo.
Tratando de aproximar-se do conceito de competências comunicativas em reflexão
realizada na produção televisiva, Martín-Barbero (2003b), aponta que as competências
comunicativas desse profissional social seriam alcançadas a partir do reconhecimento pelos
públicos aos quais esse comunicador se dirige. Nessa lógica, o novo comunicador social,
9
inserido nos movimentos sociais e configurado como “mediador”, desenvolve suas
competências comunicativas quando entende que a comunicação para a solidariedade
pressupõe o direito à participação do outro enquanto fazedor e propositor de temas e de pautas
a serem discutidas e o direito à expressão, nos mais diversos meios, tanto de massa quanto
comunitários, alternativos e outros. Assim, o outro, que pode ser o público integrante do
movimento, o público-fim dessas demandas ou mesmo os outros comunicadores de meios de
massa ou alternativos é passível de deter competências comunicativas que reconfigurem esse
campo e as produções nele realizadas. Aqui se estabelece talvez um pensamento ideal muito
próximo do que Kaplún17 propunha com a técnica do cassete-foro. O comunicador propõe a
produção coletiva como facilitador.
Cidadania comunicativa
Construir o que se entende por cidadania é ser transpassado pela complexidade das
sociedades que se formaram no decorrer da história, seus regimes e suas constituições.
Camacho (2003) afirma que, principalmente na América Latina, há uma ânsia por estabelecer
e consolidar os sistemas democráticos com as garantias de legalidade e legitimidade e talvez,
por essa razão, se vê interesse em estudo científicos de práticas, principalmente
comunicativas, que reforcem a efetividade desse conceito e principalmente a realidade dele.
Para chegarmos à discussão dos diversos entendimentos de cidadania dos dias atuais,
dentro de um recorte que a determine no campo dos movimentos sociais e da comunicação,18
é preciso buscar e apreender como um conceito que esteve presente em lutas históricas que
acompanharam
a
humanidade,
sendo
construído,
reconstruído,
redimensionado
e
ressignificado, deve ser visto hoje imbricado no campo dos movimentos sociais, isto é, da
sociedade civil, e da comunicação. Nesse contexto, os movimentos sociais e organizações da
sociedade civil têm um papel relevante: mostrar o conflito que ainda subsiste em nossa
17
Ver, Educomídia, alavanca para a cidadania: o legado utópico de Mário Kaplún / organização de José
Marques de Melo at al. São Bernardo do Campo: Cátedra Unesco/ Universidade Metodista de São Paulo, 2006.
18
Christa Berger, em um estudo das pesquisas realizadas pelos integrantes da Intercom em 2006, identifica essa
busca pela cidadania na comunicação popular e inserida nas organizações. Resume que nesses trabalhos a
cidadania se propõe como “a inclusão do que está do lado de fora” (2006). Disponível em:
http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/19805/1/Christa+Berger+Kuschick+.pdf
10
sociedade e buscar/ lutar pela efetividade de uma cidadania que englobe a verdadeira
participação de todos, em igual oportunidade.
Resgata-se, aqui, Tocqueville que traz o eixo do comunitarismo dentro do conceito de
cidadania (Gohn, 2008). A exemplo do cidadão da polis, esse cidadão é pertencente a uma
comunidade, na qual tem sua origem e se contrapõe ao centramento no indivíduo, do âmbito
liberal. Aqui estabelece-se o sentimento de pertença que Cortina expõe:
Em princípio entende-se que a realidade da cidadania, o fato de se saber, e se sentir cidadão de
uma comunidade, pode motivar os indivíduos a trabalhar por ela. Com isso, nesse conceito se
encontrariam os dois lados a que nos referimos: o lado „racional‟, o de uma sociedade que deve
ser justa para que seus membros percebam sua legitimidade, e o lado „obscuro‟, representado
por esses laços de pertença que não escolhemos mais já fazem parte da nossa identidade. Ante
os desafios com os quais qualquer comunidade se depara, é possível apelar então a razão e ao
sentimento de seus membros, já que são cidadãos dessa comunidade, algo seu (CORTINA,
2005, p.27).
É preciso, então, partir das comunidades organizadas, a luta por uma cidadania efetiva,
já que esse esforço pela comunidade remete a um esforço para si mesmo, parte da
comunidade. A comunidade é o indivíduo e ele é a comunidade. Nessa visão, a dualidade do
conceito que Cortina (2005) traz, pode se transformar em uma síntese de justiça (aspecto
jurídico) e de pertença (sentir-se parte).
Mata (2006) busca construir a noção de cidadania comunicativa levando em
consideração a emergência de uma noção de cidadania nos estudos de comunicação e
investigando as articulações entre essas noções a fim de estabelecer seu valor. A autora
enxerga o público dos meios massivos (nós) como capazes de não delegar os direitos a livre
expressão e às informações mesmo sabendo que hoje há uma indústria que produz e distribui
os bens comunicativos culturais hegemônico. Para ela, a prática cidadã não só determina os
direitos e deveres do indivíduo em relação ao Estado mas também uma ordem de aparição no
espaço público sendo efetivamente sujeitos que demandem e que proponham sobre diversos
âmbitos em relação à sua experiência. O que Mata está propondo e refletindo é que a
cidadania efetiva deve proporcionar também o espaço desse indivíduo com expressão, tendo
voz para se posicionar nesse ambiente que é público e que se determina como espaço da
comunicação. Isso significaria dizer que o acesso e livre participação aos meios de
comunicação de massa seria um dos vieses do que se firmaria sendo como cidadania
comunicativa, efetiva.
11
Vislumbrando um conceito que possa integrar tanto a cidadania quanto a
comunicação, formando a cidadania comunicativa, Mata entende que essa deve se constituir
como o reconhecimento da capacidade de ser sujeito de direito e demanda e, ainda, exercer
esse direito. Ainda, essa noção de cidadania comunicativa remete aos direitos civis, mas
também a um limite à ação do Estado para que garanta a liberdade das pessoas. “La
ciudadania comunicativa implica el desarrollo de prácticas tendientes a garantizar los
derechos en el campo específico de la comunicación. En ese sentido, la noción excede la
dimensión jurídica y alude a la conciencia práctica, posibilidad de acción”, afirma Mata
(2006, p.13).
Camacho (2005) também tem tratado da construção de cidadania comunicativa, e
inclui no conceito o uso das TICs como forma de se tornarem o cenário do debate público e
de construção de “verossimilhança” do fazer político e de seus atores. Para ele, a partir do
consumo midiático e da informação jornalística de qualidade, é possível que as pessoas
exerçam ativamente as cidadanias (no plural porque remete a todos os conceitos históricos)
porque podem formar opinião, colocá-la em público e elaborar um consenso decidindo sobre
determinado assunto de interesse comum. O autor ainda ressalta que a informação possui
centralidade nesse conceito porque ela reduz as incertezas. Podemos aferir que quanto mais
bem informado, mais ator de sua cidadania o sujeito pode se tornar, porque faz jus do direito
de “receber, investigar e difundir informação e opinião” (2005, p.2).
A cidadania comunicativa se estabelece na relação do sujeito com os meios de
comunicação de massa em duas dimensões. Na primeira, o sujeito exerce a cidadania através
dos meios, na segunda ele aprende a ser cidadão na relação que ele constrói com os meios
(Camacho, 2007).
De ahí que la definición mínima de la noción de ciudadanía comunicativa plantee una dirección
doble: de los medios hacia el ciudadano (oferta mediática) y del ciudadano hacia los medios
(consumo cultural), donde aquel es una persona que ejerce íntegramente su derecho
garantizado por el Estado no sólo a recibir, sino a investigar y difundir información y opinión
por cualquer medio, y asume activamente sus responsabilidades en la generación y
reproducción de procesos de formación de opinión y deliberación públicas, y participación y
control sociales; y aquellos demuestran, por su propia labor, que les reconocen como
beneficiarios directos e interlocutores suyos, asumiendo su corresponsabilidad en la
construcción de espacios públicos verdaderamente participativos, conducentes a la definición y
ejecución de estrategias y acciones de desarrollo (CAMACHO, 2005, p.121).
12
Essa noção de cidadania comunicativa pode estar ainda longe de uma efetiva
implementação na sociedade, mas próxima de acontecer por meio de comunicadores em
núcleos comunicativos que se formem nos movimentos e organizações sociais.
Considerações finais
O conceito de cidadania comunicativa nessa investigação se relaciona à ação
comunicativa que é realizada na produção dos conteúdos, na escolha das estratégias
comunicativas e dos formatos dentro do movimento social. Ele permite pensar se esse fazer
próprio do comunicador inserido nesse contexto está proporcionando essa dupla direção: se
sua ação permite que seu público receba informação suficiente (quantidade e qualidade) para
promover essa cidadania e se esse público figura nessa comunicação tanto como partícipe
como decisor/opinador e ainda, se veja como ator efetivo e ativo de sua própria cidadania por
meio dessa comunicação.
Aqui também podemos refletir se, por meio da ambiência digital, que constitui-se, de
certa maneira, livre, esse comunicador tem fortalecido laços com outros movimentos e
trabalhado em prol de uma cidadania comunicativa para todos, em que todos (ampliando-se
aqui como “todos” os grupos sem distinção) sejam os sujeitos críticos tanto formadores
quanto decisores sobre o que irão se informar.
O comunicador do movimento é detentor de competências comunicativas quando este
reconhece as próprias competências comunicativas de seu público e vice-versa. Como público
é possível apontar o próprio movimento em si e outros integrantes. Visto desse ponto, os
movimentos que mais trabalham com a participação efetiva de todos na comunicação são os
que estão inaugurando uma nova lógica comunicacional onde as competências comunicativas
devem ser reconhecidas tanto do ponto de vista da produção quanto da recepção. Aí, nesses
ambientes que precisam ser investigados e efetivada sua existência de maneira empírica, pode
se estabelecer, então o campo de trabalho para a formação de uma cidadania comunicativa.
13
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Brasília-DF, INTERCOM/UnB, 2006.
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