DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL
Rogério Greco
Capítulo 1 – Introdução à Teoria Geral da Parte Especial
Capítulo 2 – Introdução aos Crimes contra a Pessoa
Ao iniciarmos o estudo da Parte Especial do Código Penal, podemos perceber a preocupação do legislador
no que diz respeito à proteção de diversos bens jurídicos. São onze os títulos existentes que traduzem os bens que
foram objeto de tutela pela lei penal.
Embora sendo datada de 1940, a Parte Especial do Código Penal foi sendo, ao longo dos anos, modificada
por meio de reformas pontuais. Novos artigos foram criados, outros modificados, enfim, embora idosa, a Parte
Especial do CP sofreu profundas modificações que tiveram o condão de, em algumas situações, fornecer-lhe uma
aparência de jovialidade, cuidando de temas que não mereceram a atenção do legislador original, a exemplo da
inserção do capítulo correspondente aos crimes contra as finanças públicas, inserido no Título XI, relativo aos
crimes contra a Administração Pública, feita pela Lei n. 10.028/00, ou, ainda mais recentemente, a modificação do
art. 149, por intermédio da Lei n. 10.803/03, que prevê o delito de redução à condição análoga a de escravo, sem
falar na Lei n. 10.886/04, que criou o delito de violência doméstica, inserindo dois parágrafos (9º e 10) ao art. 129
do CP.
O projeto original que culminou com o Código Penal de 1940 foi elaborado, inicialmente, pelo Dr. Alcântara
Machado, professor da Faculdade de Direito de São Paulo, tendo sido entregue ao Governo Federal em 1938. O
Ministro da Justiça, Dr. Francisco Campos, ao receber o aludido projeto, entendeu por bem submetê-lo a revisão,
convocando para isso técnicos, que se houvessem distinguido não somente na teoria do delito, como também na
prática da aplicação da lei penal. Assim, foi constituída a Comissão Revisora com os ilustres magistrados Vieira
Braga, Nelson Hungria e Narcélio de Queiroz e com um ilustre representante do MP, o Dr. Roberto Lira. Embora
da revisão houvessem advindo modificações à estrutura e ao plano sistemático, não há dúvida que o projeto
Alcântara Machado representou, em relação aos anteriores, um grande passo no sentido da reforma da nossa
legislação penal.
A Parte Especial do Código Penal está dividida em títulos, capítulos e seções, ordenadas sistematicamente
levando em consideração o bem juridicamente protegido.
Foi somente a partir do Código Penal de 1940 que a Parte Especial teve início com os chamados Crimes
Contra a Pessoa, ressaltando, dessa forma, a sua importância. Os Códigos que o antecederam, vale dizer, o Código
Criminal do Império do Brasil (1830) e o primeiro Código Penal publicado durante o período republicano,
denominado Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (1890), iniciavam, respectivamente, sua Parte Especial,
com os crimes contra a existência política do Império e os crimes contra a existência política da república,
demonstrando, com isso, a preponderância do Estado sobre o cidadão.
O Código Penal de 1940 rompeu com essa regra, iniciando sua Parte Especial com o Título I, relativo aos
Crimes contra a Pessoa.
Capítulo 3 – Homicídio
Homicídio privilegiado:
Na verdade, a expressão “homicídio privilegiado”, embora largamente utilizado pela doutrina e pela
jurisprudência, nada mais é do que uma causa especial de redução de pena.
Classificação doutrinária:
Crime comum, simples, de forma livre (como regra, pois existem modalidades qualificadas que indicam os
meios e modos para a prática do delito, como ocorre nas hipóteses dos incisos III e IV), podendo ser cometido
dolosa ou culposamente, comissiva ou omissivamente (nos casos de omissão imprópria, quando o agente usufruir
status de garantidor), de dano, material, instantâneo de efeitos permanentes, não transeunte, monossubjetivo,
plurissubsistente, podendo figurar, também a hipótese de crime de ímpeto (como no caso da violenta emoção, logo
em seguida à injusta provocação da vítima).
Sujeito ativo e sujeito passivo:
Sujeito ativo do delito de homicídio pode ser qualquer pessoa.
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Sujeito passivo, da mesma forma, também pode ser qualquer pessoa.
Somente haverá homicídio se, ao tempo da ação ou da omissão, a vítima se encontrava com vida, pois, caso
contrário, estaremos diante da hipótese de crime impossível, em razão da absoluta impropriedade do objeto.
A Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170/83) especializou o homicídio no que diz respeito ao seu sujeito
passivo, cominando pena de reclusão, de 15 a 30 anos, nas hipóteses de serem vítimas de homicídio o Presidente da
República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica da
leitura de seu art. 29.
Objeto material e bem juridicamente protegido:
Objeto material do delito é a pessoa contra qual recai a conduta praticada pelo agente.
Bem juridicamente protegido é a vida e, num sentido mais amplo, a pessoa.
O direito à vida não é absoluto, pois que a CR/88, mesmo que excepcionalmente, permitiu a pena de morte,
nos casos de guerra declarada, nos termos do seu art. 84, XIX.
Se não bastasse, ainda existem em favor do agente que elimina a vida de seu semelhante as causas de
justificação, a exemplo do estado de necessidade e da legítima defesa, como ainda algumas dirimentes, como
acontece nas hipóteses em que era exigível um outro comportamento do agente.
A prova da vida é indispensável à caracterização do homicídio.
Pelas lições de Hungria, iniciado o parto (normal ou cesárea), comprovada a vitalidade do nascente, ou seja,
aquele que está nascendo, ou do neonato, isto é, o que acabou de nascer, já podemos pensar, em termos de crimes
contra a vida, no delito de homicídio, ou, caso tenha sido praticado pela gestante, sob a influência do estado
puerperal, o crime de infanticídio.
No que diz respeito à possibilidade de ocorrência do delito de homicídio, ainda, havendo vida intra-uterina,
mesmo depois de já ter sido iniciado o parto, existe divergência em nossa doutrina.
Cezar Roberto Bitencourt, com precisão, esclarece: “A vida começa com o início do parto, com o
rompimento do saco amniótico; é suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver. Antes do início do
parto, o crime será de aborto. Assim, a simples destruição da vida biológica do feto, no início do parto, já constitui
o crime de homicídio”.
Em sentido contrário, Ney Moura Teles afirma que “homicídio é a destruição da vida humana extra-uterina,
praticada por outro ser humano”.
Acreditamos não haver necessidade de vida extra-uterina para que se possa falar em homicídio.
Com a morte encerra-se a proteção pelo art. 121 do CP. A Lei n. 9434/97, que dispõe sobre a remoção de
órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, especifica, em seu art. 3º, que a
morte se dá quando da morte encefálica comprovada e atestada por dois médicos; embora outros órgãos estejam em
funcionamento, estando comprovada a morte encefálica, a pessoa não poderá ser sujeito passivo do crime de
homicídio.
Exame de corpo de delito:
Em se tratando de crime material, infração penal que deixa vestígios, o homicídio, para que possa ser
atribuído a alguém, exige a confecção do indispensável exame de corpo de delito, direto ou indireto, conforme
determinam os arts. 158 e 167 do CPP.
Conforme esclarece Eugênio Pacelli de Oliveira, “deixando vestígios a infração, a materialidade do delito
e/ou a extensão de suas conseqüências deverão ser objeto de prova pericial, a ser realizada diretamente sobre o
objeto material do crime, o corpo de delito, ou, não mais podendo sê-lo, pelo desaparecimento inevitável do
vestígio, de modo indireto. O exame indireto será feito também por meio de peritos, só que a partir de informações
prestadas por testemunhas ou pelo exame de documentos relativos aos fatos cuja existência se quiser provar,
quando então se exercerá e se obterá apenas um conhecimento técnico por dedução”.
Somente na ausência completa de possibilidade de realização do exame de corpo de delito, seja ele direto ou
indireto, é que a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta, nos termos preconizados pelo art. 167 do CPP.
Elemento subjetivo:
O elemento subjetivo constante do caput do art. 121 do CP é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de
matar alguém. O agente atua com o chamado animus necandi ou animus occidendi.
Admite-se que o delito seja cometido a título de dolo direto ou eventual.
Pode ocorrer, portanto, o homicídio, tanto a título de dolo direto, seja ele de primeiro ou de segundo graus,
como eventual.
Obs: A fórmula criada, ou seja, “embriaguez + velocidade excessiva = dolo eventual” não pode prosperar. O
CP não adotou a teoria da representação, mas sim a da vontade e a do assentimento. Exige-se, portanto, para a
caracterização do dolo eventual, que o agente anteveja como possível o resultado e o aceite, não se importando
realmente com a sua ocorrência.
Com isso queremos salientar que nem todos os casos em que houver a fórmula “embriaguez + velocidade
excessiva” haverá dolo eventual. Também não estamos afirmando que não há possibilidade de ocorrer tal hipótese.
Só a estamos rejeitando como uma fórmula matemática, absoluta.
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Modalidades comissiva e omissiva:
Pode o delito ser praticado comissivamente, quando o agente dirige sua conduta com o fim de causar a morte
da vítima, ou omissivamente, quando deixa de fazer aquilo a que estava obrigado em virtude da sua qualidade de
garantidor (crime omissivo impróprio).
Homicídio privilegiado:
O §1º, do art. 121 do CP cuida do chamado homicídio privilegiado. Trata-se de uma causa especial de
diminuição de pena, aplicada às hipóteses nele previstas.
O mencionado parágrafo cuida de duas situações distintas. Na sua primeira parte, a minorante será aplicada
quando o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral. Na segunda parte, age sob
o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Embora a lei diga que o juiz pode reduzir a pena, não se trata de faculdade do julgador, senão direito
subjetivo do agente em ver diminuída sua pena, quando o seu comportamento se amoldar a qualquer uma das duas
situações elencadas pelo parágrafo.
a) Motivo de relevante valor social ou moral → Primeiramente, o motivo que impeliu o agente a praticar o
homicídio deve ser relevante. Relevante valor social é aquele motivo que atende aos interesses da coletividade. Ex:
a morte de um traidor da pátria, no exemplo clássico da doutrina. Relevante valor moral é aquele que, embora
importante, é considerado levando em conta os interesses do agente. Ex: o pai que mata o estuprador de sua filha;
as hipóteses de eutanásia também se amoldam à primeira parte do §1º do art. 121 do CP.
b) Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima → Quando a lei
penal usa a expressão “sob o domínio”, isso significa que o agente deve estar completamente dominado pela
situação. Caso contrário, se somente agiu influenciado, a hipótese não será de redução de pena em virtude da
aplicação da minorante, mas tão somente de atenuação, face a existência da circunstância prevista na alínea „c‟, do
inciso III, do art. 65 do CP.
A punição daquele que atua sob o domínio de violenta emoção se compatibiliza com a regra contida no
inciso I do art. 28 do CP, que diz não excluir a imputabilidade penal a emoção ou a paixão.
A expressão “logo em seguida” denota relação de imediatidade, de proximidade com a provocação injusta a
que foi submetido o agente.
Finalmente, merece destaque, também, a locução “injusta provocação”. Prima facie, devemos distinguir o
que vem a ser injusta provocação, que permite a redução de pena, da chamada injusta agressão, que conduzirá ao
completo afastamento da infração penal, em virtude da existência de uma causa de justificação, vale dizer, a
legítima defesa. Já tivemos oportunidade de salientar, quando do estudo da legítima defesa, que é importantíssima:
a distinção entre agressão injusta e provocação. Isso porque se considerarmos o fato como injusta agressão caberá a
argüição da legítima defesa, não se podendo cogitar da prática de qualquer infração penal por aquele que se defende
nessa condição; caso contrário, se entendermos como uma simples provocação, contra ela não poderá ser alegada a
excludente em benefício do agente, e ele terá que responder penalmente pela sua conduta.
Homicídio qualificado:
É importante frisar, nessa oportunidade, que o §2º do art. 121 do CP prevê uma modalidade de tipo derivado
qualificado. Quer isto significar que todas as qualificadoras devem ser consideradas como circunstâncias, e não
como elementares do tipo. Tal raciocínio se faz mister pelo fato de que o art. 30 do CP determina: “Não se
comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.
Dessa forma, embora duas pessoas possam, agindo em concurso, ter causado a morte de alguém, uma delas
poderá ter praticado o delito impelida por um motivo fútil, não comunicável ao co-participante.
Entendemos que, toda vez que os tipos penais estiverem ligados entre si pelos seus parágrafos, estaremos
sempre diante dos chamados tipos derivados, e não de delitos autônomos.
I - Motivos: Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; motivo fútil:
A lei penal aponta que tanto a paga quanto a promessa de recompensa são considerados motivos torpes.
Torpe é o motivo que contrasta violentamente com o senso ético comum. A paga é o valor ou qualquer outra
vantagem, tenha ou não natureza patrimonial, recebida antecipadamente, para que o agente leve a efeito a
empreitada criminosa. Já na promessa de recompensa, o agente não recebe antecipadamente, mas sim existe uma
promessa de pagamento futuro.
Afirmamos que a paga e a promessa de recompensa não necessitam possuir natureza patrimonial. Parte da
doutrina se posiciona contrariamente a esse entendimento. Trazemos à colação as lições de Luiz Regis Prado:
“Questiona-se se a recompensa visada limita-se à retribuição de ordem econômica ou se o legislador também
albergou, no presente dispositivo, a contraprestação sem valor patrimonial. Predomina o entendimento segundo o
qual a recompensa deve ter, para a configuração da qualificadora, conteúdo econômico. Acertada a posição
dominante que considera que a paga ou a promessa de recompensa devam ter conteúdo econômico. Pode o juiz,
porém, avaliar o motivo não-econômico quando da fixação da pena-base (art. 59, CP)”.
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Ainda, com relação à promessa de recompensa, merece destaque o fato de que o agente responderá por esse
delito mesmo que não a receba após o cometimento do crime e ainda que o mandante não tivesse a intenção, desde
o início, de cumpri-la. A raiz do homicídio está na motivação, razão pela qual, ainda assim, o delito será
qualificado.
Se existiu a paga ou a promessa de recompensa, é sinal de que alguém pagou ou prometeu a vantagem para
que outra pessoa praticasse o homicídio. Existem, portanto, sempre dois personagens pelo menos: mandante e
executor. Deverá o mandante responder, também, pelo homicídio qualificado pelo simples fato de ter prometido
vantagem para que alguém o praticasse? Entendemos que não. Isto porque, como já esclarecemos acima, todas as
qualificadoras devem ser consideradas como circunstâncias. Aquele que recebe a paga ou aceita a promessa de
recebimento da vantagem para que pratique o homicídio, o faz por um motivo torpe. Pode ser, inclusive, que o
mandante possuía um motivo de relevante valor moral, que não se confundirá com aquele que motivou o executor a
cometer o homicídio.
O inciso II do §2º do art. 121 do CP prevê, também, a qualificadora do motivo fútil. Fútil é o motivo
insignificante, que faz com que o comportamento do agente seja desproporcional. Motivo fútil é aquele onde há um
abismo entre a motivação e o comportamento extremo levado a efeito pelo agente.
A doutrina aponta, ainda, para o fato de que crime sem motivo não se configura motivo fútil. Nesse sentido,
afirma Damásio de Jesus: “se o sujeito pratica o fato sem razão alguma, não incide a qualificadora, nada impedindo
que responda por outra, como é o caso do motivo torpe”.
Com a devida vênia das posições em contrário, não podemos compreender a coerência desse raciocínio. Tal
fato não passou despercebido por Fernando Capez, quando afirmou que “matar alguém sem nenhum motivo é ainda
pior do que matar por mesquinharia, estando, portanto, incluído no conceito de fútil”.
Tratando-se de homicídio com duas ou mais qualificadoras, como veremos mais à frente, poderá qualquer
uma delas servir para qualificar a infração penal, sendo que as demais serão utilizadas como circunstâncias
agravantes, no segundo momento de aplicação da pena, determinado pelo art. 68 do CP.
II - Meios: Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel,
ou de que possa resultar perigo comum:
Tudo aquilo que for considerado meio insidioso, cruel ou de que possa resultar perigo comum qualificará o
homicídio, a exemplo das hipóteses mencionadas expressamente pelo inciso III (veneno, fogo, explosivo, asfixia e
tortura).
De acordo com a interpretação que se faz do mencionado inciso III, quando a lei faz menção à sua fórmula
genérica, usa, inicialmente, a expressão “meio insidioso”, dando a entender que o veneno, para que qualifique o
delito mediante esse meio, deverá ser ministrado insidiosamente, sem que a vítima perceba que faz a sua ingestão.
Caso contrário, ou seja, caso a vítima venha a saber que morrerá pelo veneno, que é forçada a ingerir, o agente
deverá responder pelo homicídio, agora qualificado pela fórmula genérica do meio cruel. Se a vítima sabe se trata
de substância venenosa e a ingere sob coação, a insídia é substituída pela crueldade e a qualificação persiste.
A tortura também encontra-se no rol dos meios considerados cruéis, que têm por finalidade qualificar o
homicídio. Importa ressaltar que a tortura, qualificadora do homicídio, não se confunde com aquela prevista pela
Lei n. 9.455/97. Qual a diferença, portanto, entre a tortura prevista como qualificadora do delito de homicídio e a
tortura com resultado morte prevista pela Lei n. 9455/97? A diferença reside no fato de que a tortura, no art. 121, é
tão-somente um meio para o cometimento do homicídio. É um meio cruel de que se utiliza o agente, com o fim de
causar a morte da vítima. Já na Lei n. 9.455/97, a tortura é um fim em si mesma. Se vier a ocorrer o resultado
morte, este somente poderá qualificar a tortura a título de culpa. Isso significa que a tortura qualificada pelo
resultado morte é um delito eminentemente preterdoloso.
III - Modos: À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou
torne impossível a defesa do ofendido:
O inciso IV do §2º do art. 121 do CP também se valendo do recurso da interpretação analógica, assevera que
a traição, a emboscada, a dissimulação ou qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do
ofendido também qualificarão o homicídio.
IV - Fins: Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime:
Isso significa que, toda vez que for aplicada a qualificadora em estudo, o homicídio deverá ter relação com
outro crime, havendo, outrossim, a chamada conexão.
Diz-se teleológica a conexão quando se leva em consideração o fim em virtude do qual é praticado o
homicídio. Será considerada teleológica a conexão de outro crime se o homicídio é cometido para que se assegure a
execução de um crime futuro.
Conseqüencial é a conexão em que o homicídio é cometido com a finalidade de assegurar a ocultação ou a
vantagem de outro crime. Aqui o delito de homicídio é praticado com vistas a ocultar, assegurar a impunidade ou a
vantagem de um crime já cometido.
Com relação às qualificadoras contidas no inciso V em exame, devem ser ressaltadas as seguintes
indagações:
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a) Se o agente comete o homicídio com o fim de assegurar a execução de outro crime que, por um motivo
qualquer, não vem a ser praticado, ainda deve subsistir a qualificadora? Sim, haja vista a maior censurabilidade do
comportamento daquele que atua motivado por essa finalidade.
b) Se o agente comete o homicídio a fim de assegurar a ocultação ou a impunidade de um delito já prescrito,
também subsiste a qualificadora? Sim, pelas mesmas razões apontadas acima.
c) Se o agente pratica o homicídio para assegurar, em tese, a impunidade de um crime impossível, segundo
Damásio, “a qualificadora subsiste, uma vez que o Código pune a maior culpabilidade do sujeito, revelada em sua
conduta subjetiva”.
d) E se o homicídio é cometido com o fim de assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a
vantagem de uma contravenção penal? Em virtude da proibição da analogia in malam partem, não se pode ampliar
a qualificadora a fim de nela abranger, também, as contravenções penais, sob pena de ser violado o princípio da
legalidade em sua vertente do nullum crimen poena sine lege stricta, podendo o agente, entretanto, dependendo da
hipótese, responder pelo homicídio qualificado pelo motivo torpe ou fútil.
Competência para julgamento do homicídio doloso:
Pelo que se verifica através da alínea „d‟ do inciso XXXVIII do art. 5º da CR/88, o Tribunal do Júri é o
competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, destacando-se dentre eles o homicídio, em todas as
suas modalidades (simples, privilegiada e qualificada).
Questão importante a ser observada é a que diz respeito ao fato de não ser o latrocínio julgado pelo Júri,
mesmo que a morte da vítima seja dolosa.
Merece observar que a CR/88 não impediu que outras infrações penais fossem submetidas a julgamento pelo
Tribunal do Júri, mas tão-somente garantiu que os crimes dolosos contra a vida fizessem, sempre, parte desse rol,
podendo o legislador infraconstitucional agregar-lhe outros delitos, ampliando-se, portanto, a sua competência.
Homicídio culposo:
Percebe-se que, no crime culposo, estamos diante da hipótese, como regra, do chamado tipo aberto. Na
criação dos tipos penais, pode o legislador adotar dois critérios. O primeiro consiste na descrição completa do
modelo de conduta proibida. Tal critério conduz à construção dos denominados “tipos fechados”. O segundo
critério consiste na descrição incompleta do modelo de conduta proibida, transferindo-se para o intérprete o
encargo de completar o tipo, dentro dos limites e das indicações nele próprio contidas. São os denominados “tipos
abertos”, como se dá em geral nos delitos culposos que precisam ser completados pela norma geral que impõe a
observância do dever de cuidado.
Outra característica de fundamental importância à configuração do delito culposo é a aferição da
previsibilidade do agente. Se o fato escapar totalmente à sua previsibilidade, o resultado não lhe pode ser atribuído,
mas sim ao caso fortuito ou à força maior.
Faz a doutrina distinção, ainda, entre a previsibilidade objetiva e a previsibilidade subjetiva. Previsibilidade
objetiva seria aquela, conceituada por Hungria, em que o agente, no caso concreto, deve ser substituído pelo
chamado “homem médio, de prudência normal”. Se, uma vez levada a efeito essa substituição hipotética, o
resultado ainda assim persistir, é sinal de que o fato havia escapado ao seu âmbito de previsibilidade, porque dele
não se exigia nada além da capacidade normal dos homens.
Além da previsibilidade objetiva, existe aquela outra, denominada previsibilidade subjetiva. Nesta, não
existe substituição hipotética; não há a troca do agente pelo homem médio para saber se o fato escapava ou não à
sua previsibilidade. Aqui, na previsibilidade subjetiva, o que é levado em consideração são as condições pessoais
do agente, quer dizer, considera-se, na previsibilidade subjetiva, as limitações e as experiências daquela pessoa cuja
previsibilidade está se aferindo em um caso concreto. Na precisa lição de Damásio: “não se pergunta o que o
homem prudente deveria fazer naquele momento, mas sim o que era exigível do sujeito nas circunstâncias em que
se viu envolvido”.
Aumento de pena (art. 121, §4º, CP):
No homicídio culposo, a inobservância de regra técnica faz com que a pena aplicada ao agente seja majorada
em um terço. Conforme alerta Fragoso, “tal dispositivo só se aplica quando se trata de um profissional, pois
somente em tal caso se acresce à medida do dever de cuidado a reprovabilidade da falta de atenção, diligência ou
cautela exigíveis”.
A pena é aumentada em um terço no homicídio culposo quando o agente deixa de prestar o imediato socorro
à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar a prisão em flagrante. Aqui merece
destaque o fato de que, se outras pessoas já estiverem efetuando o socorro da vítima, não poderá ser aplicado o
aumento de pena ao agente. Da mesma forma, não se fala em omissão de socorro quando a vítima tiver, por
exemplo, morte instantânea.
A última das majorantes aplicáveis ao homicídio culposo diz respeito ao fato do agente que foge para evitar
a sua prisão em flagrante. Ab initio deve ser destacado o fato de que se a vida do agente correr perigo, como
acontece quando o seu linchamento é iminente, tendo em vista a manifestação de populares que se encontravam no
local do acidente, não se lhe pode exigir que permaneça no local dos fatos, afastando-se, outrossim, a majorante.
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Até o advento da Lei n. 8.069/90 (ECA) todas as majorantes do §4º do art. 121 do CP eram destinadas ao
delito de homicídio culposo. Após a sua edição, foi inserida a majorante dirigida exclusivamente ao homicídio
doloso, quando praticado contra pessoa menor de 14 anos.
Recentemente, mais uma introdução foi procedida no mencionado parágrafo, agora por intermédio da Lei n.
10.741/03 (Estatuto do Idoso), que também determinou o aumento de um terço quando o delito fosse praticado
contra pessoa maior de 60 anos.
As duas majorantes podem ser aplicadas a todas as modalidades de homicídio doloso.
Perdão judicial:
Primeiramente, é preciso destacar que o perdão judicial não se dirige a toda e qualquer infração penal, mas
sim àquelas previamente determinadas pela lei.
Muito se discutiu sobre a natureza jurídica da sentença que concede o perdão judicial, sendo que as opiniões
se dividiam no sentido de que seria absolutória, condenatória ou meramente declaratória de extinção da
punibilidade. O STJ, por intermédio da Súmula 18, posicionou-se nesse último sentido, afirmando que a sentença
concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito
condenatório, devendo ser realizada uma releitura do art. 120 do CP.
Perdão judicial no Código de Trânsito Brasileiro → O CTB especializou os delitos de homicídio e lesões
corporais de natureza culposa, criando os tipos dos arts. 302 e 303. Embora o projeto de lei que disciplinou o CTB
tivesse feito previsão do perdão judicial, em seu art. 300, nas hipóteses de homicídio culposo e lesão corporal
culposa, o Presidente da República entendeu por bem vetá-la, sob o seguinte fundamento: “O artigo trata do perdão
judicial, já consagrado pelo Direito Penal. Deve ser vetado, porém, porque as hipóteses previstas pelo §5º do art.
121 e §8º do art. 129 do Código Penal disciplinam o instituto de forma mais abrangente”.
Sendo o perdão judicial somente aplicável nas hipóteses previamente determinadas em lei, pelo fato de não
haver, em virtude do veto presidencial, previsão expressa do perdão judicial no CTB, podemos continuar a aplicá-lo
nas hipóteses de homicídio culposo, bem como de lesão corporal culposa praticados na direção de veículo
automotor? As hipóteses de perdão judicial previstas para o homicídio culposo e a lesão corporal culposa, no CP,
devem ser aplicadas aos arts. 302 e 303 do CTB, seja porque o art. 291 envia o intérprete à aplicação das normas
gerais do CP, seja por força das razões do veto, antes expostas, que se referem expressamente àquelas hipóteses.
Luiz Flávio Gomes e Damásio de Jesus se posicionam favoravelmente à aplicação do perdão judicial aos
arts. 302 e 303 do CTB. Acreditamos, com a corrente majoritária, ser possível, por questões de política criminal, a
aplicação do perdão judicial aos arts. 302 e 303 do CTB.
Pena, ação penal e suspensão condicional do processo:
A ação penal no delito de homicídio, seja ele doloso ou culposo, é de iniciativa pública incondicionada.
O instituto da suspensão condicional do processo foi introduzido em nosso ordenamento jurídico por
intermédio da Lei n. 9.099/95.
Medida de natureza despenalizadora, a suspensão condicional do processo tem por finalidade evitar,
presentes determinados requisitos, em infrações penais cuja pena mínima for igual ou inferior a 1 ano, a chamada
persecutio criminis in judicio, com todas as características que lhe são inerentes.
Analisando a pena mínima cominada ao delito de homicídio culposo, percebemos que ela não é superior a 1
ano, razão pela qual será possível a confecção de proposta de suspensão condicional do processo pelo Ministério
Público, com todas as implicações que lhe são inerentes.
Merece ser frisado, contudo, que o concurso de crimes, em quaisquer das suas modalidades (concurso
material, concurso formal ou continuidade delitiva), de acordo com a Súmula n. 243 do STJ, afasta a possibilidade
de aplicação da suspensão condicional do processo, tendo o STF também editado a Súmula n. 723 não admitindo a
transação processual nas hipóteses de crime continuado:
“Súmula 243 – STJ: O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais
cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja
pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de 1 ano”.
“Súmula 723 – STF: Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da
pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de 1/6 for superior a 1 ano”.
Homicídio simples considerado como crime hediondo:
O inciso I do art. 1º da Lei 8.072/90, passou a ter a seguinte redação: “São considerados hediondos os
seguintes crimes, todos tipificados no Código Penal, consumados ou tentados: I – homicídio (art. 121), quando
praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio
qualificado (art. 121, §2º, I, II, III, IV e V)”.
Interpretando a redação do inciso I do mencionado artigo, podemos concluir que o homicídio simples
também passou a gozar do status de crime hediondo (desde que praticado em atividade típica de grupo de
extermínio) mesmo que praticado por uma só pessoa. Desde a inovação trazida para o bojo da Lei n. 8.072/90, a
doutrina vem se perguntando, incessantemente, o que vem a ser atividade típica de grupo de extermínio. A
atividade típica de grupo de extermínio sempre foi considerada pela nossa jurisprudência amplamente majoritária
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um crime cometido por motivo torpe, razão pela qual se torna impossível a ocorrência de homicídio simples,
praticado por conta dessa motivação. Em que pese a previsão contida na Lei n. 8.072/90, inserindo no rol das
infrações hediondas o homicídio simples, conforme destacado acima, se a conduta do agente, mesmo não agindo
em concurso, se caracterizar como atividade típica de grupo de extermínio, dificilmente não encontraremos uma
qualificadora para essa motivação.
É sustentável a hipótese de homicídio qualificado-privilegiado?
Majoritariamente, a doutrina, por questões de política criminal, posiciona-se favoravelmente à aplicação das
minorantes ao homicídio qualificado, desde que as qualificadoras sejam de natureza objetiva, a fim de que ocorra
compatibilidade entre elas.
O que se torna inviável, no caso concreto, é a concomitância de uma qualificadora de natureza subjetiva,
com o chamado, equivocadamente, privilégio, visto serem incompatíveis. Nesse sentido, preleciona Cezar Roberto
Bitencourt “essas privilegiadoras não podem concorrer com as qualificadoras subjetivas, por absoluta
incompatibilidade”.
Homicídio qualificado-privilegiado como crime hediondo:
A segunda parte do inciso I, do art. 1º, da Lei n. 8.072/90 aponta o homicídio qualificado, em todas as suas
modalidades, como infração de natureza hedionda.
Admitindo-se, como o faz majoritariamente nossa doutrina, a possibilidade de coexistência de um homicídio
qualificado-privilegiado, o privilégio teria o condão de afastar a natureza hedionda das qualificadoras?
Tecnicamente, a resposta teria que ser negativa, pois que a Lei n. 8.072/90 não faz qualquer tipo de ressalva
que nos permita tal ilação. Na verdade, diz textualmente que o homicídio qualificado goza do status de infração
penal de natureza hedionda. O chamado privilégio não é, nada mais, do que uma simples causa de redução de pena,
a ser analisada no terceiro momento do critério trifásico, previsto pelo art. 68 do CP.
Contudo, majoritariamente, a doutrina repele a natureza hedionda do homicídio qualificado-privilegiado,
haja vista que não se compatibiliza a essência do delito objetivamente qualificado, tido como hediondo, com o
privilégio de natureza subjetiva. Nesse sentido, assevera Fernando Capez: “reconhecida a figura híbrida do
homicídio privilegiado-qualificado, fica afastada a qualificação de hediondo do homicídio qualificado, pois, no
concurso entre as circunstâncias objetivas (qualificadoras que convivem com o privilégio) e as subjetivas
(privilegiadoras), estas últimas serão preponderantes, nos termos do art. 67 do CP, pois dizem respeito aos motivos
determinantes do crime.
O STJ já decidiu reiteradas vezes pelo não-reconhecimento da natureza hedionda do homicídio qualificadoprivilegiado.
Presença de mais de uma qualificadora:
O que fazer diante dessa situação, para fins de aplicação da pena, quando estiverem presentes mais de uma
qualificadora? A doutrina também se divide nessa questão.
Uma corrente entende que todas as qualificadoras devem ser analisadas no momento da fixação da penabase.
Em sentido contrário, tendo em vista que todas as qualificadoras fazem parte do elenco constante do art. 61
do CP, à exceção da qualificadora relativa à asfixia, tem-se entendido, de forma majoritária, que o julgador deverá,
quando da fixação da pena-base, levar em consideração tão-somente uma qualificadora, servindo as demais para
fins de agravação da pena, no segundo momento do critério trifásico.
Capítulo 4 – Induzimento, Instigação ou Auxílio a Suicídio
Introdução:
Como se percebe da leitura do art. 122 do CP, não se pune aquele que tentou contra a própria vida e escapou
da morte, mas tão-somente aquele que o induziu, instigou ou auxiliou materialmente para esse fim.
Vários raciocínios impedem a punição daquele que queria se matar e não conseguiu. Merece ser frisado
como argumento contrário à punição do sobrevivente à tentativa de suicídio, que punir-se tal comportamento
ofenderia o princípio da lesividade.
Na verdade, o Direito Penal só pode, de acordo com o princípio da lesividade, proibir comportamentos que
extrapolem o âmbito do próprio agente, que venham a atingir bens de terceiros, atendendo-se, pois, ao brocardo
nulla lex poenalis sine injuria.
Assim, por mais que a vida seja um bem que mereça a proteção do Estado, dada a sua evidente importância,
tal proteção não poderá ser realizada por intermédio do Direito Penal na hipótese daquele que procura eliminar a
própria vida. Isso porque tal comportamento não atinge bens de terceiros, senão os do próprio agente, da mesma
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forma que não pode o Estado punir, também por intermédio do Direito Penal, as auto-mutilações. O raciocínio é
idêntico.
Entretanto, embora seja atípica a conduta daquele que sobreviveu ao ato extremo, tem-se entendido pela
ilicitude de tal comportamento, uma vez que o CP afirma não se configurar o delito de constrangimento ilegal a
coação exercida para impedir suicídio, ao contrário de outros atos considerados meramente imorais, a exemplo da
prostituição.
Classificação doutrinária:
Crime comum, simples, de forma livre, doloso, comissivo (podendo, entretanto, ser praticado omissivamente
nos casos de omissão imprópria, quando o agente gozar do status de garantidor), de dano, material, instantâneo de
efeitos permanentes (em caso de morte da vítima), não transeunte, monossubjetivo, plurissubsistente, de conteúdo
variado.
Sujeito ativo e sujeito passivo:
O delito de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio pode ser praticado por qualquer pessoa, vez que o
tipo penal não especifica o sujeito ativo. O sujeito passivo, da mesma forma, poderá ser qualquer pessoa, desde que
a vítima tenha capacidade de discernimento, de autodeterminação, pois, caso contrário, estaremos diante do delito
de homicídio.
Assim, aquele que induz um portador de doença mental a se matar não responde pelo delito de induzimento
ao suicídio, mas sim pelo crime de homicídio. No que diz respeito aos menores, tem-se raciocinado com o limite de
14 anos, fazendo-se um paralelo com a presença de violência prevista pela alínea „a‟ do art. 224 do CP. Merece ser
frisado, contudo, que tal presunção é de natureza relativa.
Pode ocorrer, ainda, que a vítima se encontre numa situação em virtude da qual não tinha condições de
resistir ao comportamento praticado pelo agente, como acontece nas hipóteses de hipnose. Se induzida a atirar, por
exemplo, contra a própria cabeça, o agente deverá responder pelo delito de homicídio.
Tais situações se devem ao fato de que a vítima deve, efetivamente, querer praticar o ato extremo de matarse. É fundamental que sua vontade não seja viciada, que conheça a magnitude do ato que está prestes a praticar.
Aquele que induz, instiga ou auxilia materialmente alguém que não possua capacidade de discernimento
deve ser considerado autor mediato do delito de homicídio.
Também merece destaque o fato de que o sujeito passivo deve ser determinado, podendo, contudo, tratar-se
de mais de uma pessoa ou, mesmo um grupo considerável de pessoas.
Ao contrário, conclamações genéricas não se prestam para fins de reconhecimento da infração penal em
estudo. Se alguém se sentir estimulado pelo discurso entusiasmado do fanático orador, este não responderá pelo
delito do art. 122 do CP, pois que as vítimas devem ser determinadas, ou pelo menos determináveis, como é o caso
dos grupos.
Participação moral e participação material:
A redação contida no caput do art. 122 do CP nos permite concluir pelas modalidades de participação moral
e material no mencionado delito.
Embora utilizemos as expressões participação moral e participação material, as hipóteses não são as de
participação em sentido estrito, como ocorre no concurso de pessoas. O termo empregado denota, na verdade,
formas diferentes de realização do tipo. São, outrossim, meios de execução da infração penal.
Ocorre a participação moral nas hipóteses de induzimento ou instigação ao suicídio. Induzir significa fazer
nascer, criar a idéia suicida na vítima. Instigar, a seu turno, demonstra que a idéia de eliminar a própria vida já
existia, sendo que o agente, dessa forma, reforça, estimula essa idéia já preconcebida.
Na participação material o agente auxilia materialmente a vítima a conseguir o seu intento, fornecendo, por
exemplo, o instrumento que será utilizado na execução do suicídio, ou mesmo simplesmente esclarecendo como
usá-lo. Merece ser registrado que em toda participação material encontra-se implícita uma dose de instigação.
Com base no raciocínio anterior, devemos analisar a hipótese em que a vítima, auxiliada materialmente pelo
agente, deixa de lado o instrumento que lhe fora fornecido. Acreditamos que o agente somente responderá pelo
delito se o fato de emprestar-lhe a arma, por exemplo, contribuiu, decisivamente, para a prática do suicídio,
considerando-o também como uma instigação.
A conduta levada a efeito pelo agente, deve, ainda, limitar-se a induzir, instigar ou a auxiliar materialmente
aquele que procura eliminar a própria vida. Com isso estamos querendo afirmar que se o agente vier a praticar
qualquer ato de execução deverá responder pelo delito de homicídio, conforme analisaremos mais adiante.
Sendo considerado um crime de conteúdo múltiplo, aquele que, após fazer nascer a idéia suicida na vítima, a
instiga e também a auxilia materialmente, responderá por um único delito.
Objeto material e bem juridicamente protegido:
A vida é o bem juridicamente protegido pelo tipo do art. 122 do CP, sendo que a pessoa contra a qual é
dirigida a conduta do agente é o objeto material do crime de induzimento, instigação e auxílio ao suicídio.
Elemento subjetivo:
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O delito de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio somente pode ser praticado dolosamente, seja o
dolo direto ou eventual, ficando afastada a sua punição mediante modalidade culposa.
Modalidades comissiva e omissiva:
A redação do art. 122 do CP permite visualizar que tal infração penal deverá ser praticada comissivamente,
isto é, o agente pratica algum comportamento dirigido a influenciar diretamente o ânimo da vítima no sentido de
praticar o suicídio.
Questão controvertida, que vale ser destacada, diz respeito à possibilidade de o delito em tela ser praticado
via omissão. Primeiramente, somente poderíamos, in casu, entender como relevante a omissão do agente que
gozasse do status de garantidor, uma vez que não tendo sido prevista expressamente qualquer modalidade omissiva
no tipo penal, a única omissão cabível na espécie seria a de natureza imprópria.
Luiz Regis Prado, admitindo tal possibilidade, aduz: “Em verdade, o auxílio a suicídio por omissão é, em
tese, admitido, se o omitente ocupa posição de garante. Entretanto, esta não existe ou desaparece a partir do
momento em que o suicida recusa a ajuda para impedir o ato suicida ou manifesta sua vontade nesse sentido. Se
irrelevante a vontade do suicida por não ter discernimento ou maturidade suficientes para compreender e assumir
plenamente as conseqüências do ato suicida, o comportamento omissivo configuraria, em princípio, o delito de
homicídio comissivo por omissão”.
Em que pese a força do raciocínio acima, entendemos que se o agente possui o status de garantidor, não será
a vontade expressa da vítima em se matar que terá o condão de afastar a sua responsabilidade penal se, no caso
concreto, podia agir fisicamente a fim de evitar o resultado. Embora devendo agir, pois que considerado garantidor,
se no caso concreto encontrava-se impossibilitado fisicamente para tanto, eliminada será a sua responsabilidade
penal.
Em sentido contrário à opinião de Luiz Regis Prado, trazemos à colação os argumentos de Frederico
Marques: “Não há auxílio por omissão, como querem ilustres mestres e doutrinadores do Direito Penal. Prestar
auxílio é sempre conduta comissiva. A expressão usada no núcleo do tipo (prestar-lhe auxílio para que o faça) do
art. 122 impede a admissão de auxílio omissivo”.
Entendemos, como a maior parte da doutrina, ser admissível a prestação de auxílio por omissão, desde que o
agente se encontre na posição de garante, quando, no caso concreto, devia e podia agir para evitar o resultado, razão
pela qual poderá responder, de acordo com a norma de extensão prevista no §2º do art. 13 do CP, pelo delito
tipificado no art. 122 do mencionado diploma repressivo, se com a sua omissão dolosa contribuiu para a ocorrência
do resultado morte da vítima.
Consumação e tentativa:
O preceito secundário do art. 122 do CP diz que a pena é de reclusão de 2 a 6 anos, se o suicídio se consuma;
ou reclusão de 1 a 3 anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Dessa redação, podemos concluir que o delito de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio se consuma
quando ocorre, primeiramente, a morte da vítima ou, ainda, quando esta, mesmo sobrevivendo, sofre lesões
corporais de natureza grave, ou seja, aquelas previstas nos §§1º e 2º do art. 129 do CP. A lei penal determinou um
mínimo de lesão para que o agente pudesse responder pela infração penal em estudo.
Discute-se, portanto, a respeito da natureza jurídica do resultado existente no tipo, que teria o condão de
eliminar a possibilidade de tentativa, caso não fosse realizado. Duas correntes se formaram.
Ilustrativamente, podemos citar, de um lado, a corrente esposada por Nelson Hungria, defendendo a natureza
jurídica de condição objetiva de punibilidade, dizendo: “Por vezes, a lei penal, ao incriminar um fato e cominar a
pena correspondente, condiciona a imposição desta a um determinado acontecimento. Chama-se este condição de
punibilidade. O crime se consuma com a ação ou omissão descrita no preceito legal, mas a punição fica
subordinada ao advento (concomitante ou sucessivo) de um certo resultado de dano, ou a um quid pluris extrínseco
(como, por exemplo, a queixa nos crimes de ação privada). É o que acontece com o crime de participação em
suicídio: embora o crime se apresente consumado com o simples induzimento, instigação ou prestação de auxílio, a
punição está condicionada à superveniente consumação do suicídio ou, no caso de mera tentativa, à produção de
lesão corporal de natureza grave na pessoa do frustrado desertor da vida”.
Por outro lado, Damásio de Jesus advoga a tese da atipicidade do comportamento que não produza lesão
corporal grave ou a morte da vítima, entendendo-os, portanto, como elementos do tipo, assim se manifestando:
“Não existe tentativa de participação em suicídio. A simples conduta de induzir, instigar ou prestar auxílio para que
alguém se suicide, não vindo a ocorrer o resultado morte ou lesão corporal de natureza grave, não constitui delito.
Cuida-se de delito material, de conduta e resultado, em que o legislador condiciona a imposição da pena à produção
de morte ou de lesão corporal de natureza grave, o fato é atípico”.
Entendemos ser melhor a posição de Hungria. Na verdade, a conduta praticada pelo agente que induz, instiga
ou auxilia o agente é típica, ficando, contudo, condicionada a sua punição somente às hipóteses de ocorrência de
lesão corporal de natureza grave ou morte da vítima.
A expressão „se da tentativa de suicídio‟ tem um destinatário certo: a vítima que tentou se matar, e não
aquele que a induziu, instigou ou auxiliou no ato frustrado.
O que se quer reconhecer nessa hipótese, como também em outras passagens do CP, a exemplo do que
ocorre com o art. 352 (evasão mediante violência contra a pessoa), é que, embora, à primeira vista, possamos
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raciocinar em termos de tentativa, não terá aplicação a norma contida no parágrafo único do art. 14 do CP. Quer
isto significar que a lei penal elevou ao status do crime consumado um comportamento que, à primeira vista,
conduziria tão-somente a uma infração penal tentada.
Para o CP, portanto, existe, sim, a tentativa de suicídio, praticada pela vítima, e não a tentativa da infração
penal atribuída ao agente, pois que não lhe será aplicada a redução de pena constante do parágrafo único do art. 14.
Causas de aumento de pena:
Preconizam os incisos I e II, do parágrafo único do art. 122 do CP que a pena será duplicada:
I – se o crime é praticado por motivo egoístico;
II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
Inicialmente, devemos salientar que o parágrafo único do mencionado art. 122 contém causas especiais de
aumento de pena (ou majorantes) e não qualificadoras como afirmam alguns autores, a exemplo de Frederico
Marques.
Assim, somente no terceiro momento do critério trifásico de aplicação da pena é que será considerada a
majorante, duplicando-se a pena que tiver sido encontrada até aquela fase.
Entendidas como causas especiais de aumento de pena, vamos à análise de cada uma delas, individualmente:
a) Motivo egoístico → por motivo egoístico, entende-se o motivo mesquinho, torpe, que cause uma certa
repugnância. Guilherme de Souza Nucci ainda o define dizendo tratar-se “do excessivo apego a si mesmo, o que
evidencia o desprezo pela vida alheia, desde que algum benefício concreto advenha ao agente”.
b) Vítima menor → quando a lei penal fala em vítima menor, está se referindo, portanto, aquela menor de 18
anos, data em que se inicia a maturidade penal, e maior de 14 anos. Caso a vítima não tenha, ainda, completado os
14 anos, haverá uma presunção (relativa) no sentido da sua incapacidade de discernimento, o que conduzirá ao
reconhecimento do homicídio, afastando-se, portanto, o delito do art. 122 do CP.
c) Vítima que tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência → a lei fala em diminuição da
capacidade de resistência e não em eliminação dessa capacidade. Se a vítima tem eliminada a capacidade de
resistir, o delito será de homicídio; se a sua capacidade está diminuída, o crime será o do art. 122 do CP, tendo o
agente a pena duplicada.
Pena, ação penal e suspensão condicional do processo:
Se o suicídio se consuma, a pena é de reclusão de 2 a 6 anos; se da tentativa de suicídio resulta lesão
corporal de natureza grave, a pena é de reclusão de 1 a 3 anos.
Em ambas as hipóteses a ação penal é de iniciativa pública incondicionada.
Ocorrendo lesão corporal de natureza grave, permite-se, presentes os requisitos contidos no art. 89 da Lei n.
9.099/95, seja levada a efeito proposta de suspensão condicional do processo pelo MP, ficando afastada tal
possibilidade na hipótese em que o crime for cometido por motivo egoístico, bem como quando a vítima é menor
ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência, uma vez que, nesses casos, a pena será
duplicada, nos termos do parágrafo único do art. 122.
Suicídio conjunto (pacto de morte):
Conforme afirmamos anteriormente, para que responda pelo delito do art. 122 do CP, o agente não pode ter
praticado qualquer ato de execução característico do delito de homicídio, pois, caso contrário, deverá ser
responsabilizado por este delito.
Imagine-se a hipótese daquele casal de namorados que, após decidirem que eliminariam a vida, resolvem
fazê-lo com o emprego de um revólver. O namorado aponta-lhe a arma em direção à cabeça e puxa o gatilho,
causando-lhe a morte. Ele, logo em seguida, faz o mesmo, atirando contra a própria cabeça. Contudo, embora
ferido gravemente, consegue sobreviver.
Teria o namorado sobrevivente cometido o delito do art. 122 do CP? A resposta, aqui, só pode ser negativa,
uma vez que, tendo executado comportamento característico do crime de homicídio, deverá por este responder.
Podemos citar, ainda, o exemplo trazido à colação por Hungria, quando os namorados, pactuados em morrer
juntos, optam por fazê-lo por asfixia de gás carbônico, “e enquanto um abria o bico do gás, o outro calafetava as
frinchas do compartimento. Se qualquer deles sobrevive, responderá por homicídio, pois concorreu materialmente
no ato executivo da morte do outro. Se ambos sobrevivem, responderão por tentativa de homicídio. No caso em que
somente um deles tivesse calafetado as frestas e aberto o bico de gás, responderá esse, na hipótese de sobrevivência
de ambos, por tentativa de homicídio, enquanto o outro responderá por instigação a suicídio”, desde que,
acrescentamos à conclusão do grande penalista brasileiro, neste último caso, ocorra lesão corporal de natureza
grave.
Testemunhas de Jeová:
As Testemunhas de Jeová são uma seita fundada em 1872 por Charles Taze Russel, e tem como um de seus
dogmas não aceitar a transfusão de sangue, sob o argumento de que se a Palavra de Deus proíbe a sua ingestão,
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também não podemos infundi-lo em nosso organismo, pois que, nesse caso, estamos permitindo que a “alma de
outra pessoa entre em nós”, sendo preferível, nesse caso, a morte.
O que fazer diante de uma situação em que um adepto da seita das testemunhas de Jeová, após ferir-se
gravemente em um acidente de trânsito, necessitando realizar uma transfusão de sangue, recusa-se a fazê-lo sob o
argumento de que prefere morrer ao ser contaminado com o sangue de outra pessoa, que passará a correr em suas
veias?
Dessa forma, temos que observar os seguintes detalhes:
a) o próprio agente, maior e capaz, recusa-se terminantemente a receber o sangue;
b) seus pais, dada a falta de consciência do paciente, não permitem a transfusão;
c) a responsabilidade do médico diante dessa hipótese.
Entendemos que, no caso de ser imprescindível a transfusão de sangue, mesmo sendo a vítima maior e
capaz, tal comportamento deverá ser encarado como uma tentativa de suicídio, podendo o médico intervir,
inclusive sem o seu consentimento, uma vez que atuaria amparado pelo inciso I do §3º do art. 146 do CP, que diz
não se configurar constrangimento ilegal a “intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou
de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida”.
Os pais daquele que não possui capacidade para consentir são, conforme determina o §2º do art. 13 do CP,
considerados garantidores, tendo que levar a efeito tudo o que esteja ao seu alcance, a fim de evitar a produção do
resultado lesivo. Se o paciente, por exemplo, necessitava de transfusão de sangue, sob o risco iminente de morte,
também poderá o médico, deixando de lado a orientação dos pais que seguem a seita, realizar a transfusão de
sangue, com fundamento no mencionado parágrafo do art. 146 do CP.
Agora, o que fazer com os pais que não autorizam a necessária transfusão de sangue, retirando, inclusive,
seu filho do hospital, o qual, em razão disso, vem a falecer? Entendemos que, nesse caso, deverão os pais responder
pelo delito de homicídio, uma vez que gozam do status de garantidores, não podendo erigir em seu benefício a
dirimente relativa à inexigibilidade de conduta diversa.
No que diz respeito à posição ocupada pelo médico, também acreditamos que, enquanto o paciente estiver
sob os seus cuidados, deverá levar a efeito todos os procedimentos que estejam ao seu alcance, aí incluída a
transfusão de sangue, no sentido de salvá-lo, pois que também é considerado como garantidor.
Capítulo 5 – Infanticídio
Introdução:
Analisando a figura típica do infanticídio, percebe-se que se trata, na verdade, de uma modalidade especial
de homicídio, que é cometido levando em consideração determinadas condições particulares do sujeito ativo, que
atua influenciado pelo estado puerperal, em meio a certo espaço de tempo, pois que o delito deve ser praticado
durante o parto ou logo após.
Seus traços marcantes e inafastáveis são, portanto, os seguintes:
a) que o delito seja cometido sob a influência do estado puerperal;
b) que tenha como objeto o próprio filho da parturiente;
c) que seja cometido durante o parto ou, pelo menos, logo após.
Classificação doutrinária:
Crime próprio (pois que somente pode ser cometido pela mãe), simples, de forma livre, doloso, comissivo e
omissivo impróprio, de dano, material, plurissubsistente, monossubjetivo, não transeunte, instantâneo de efeitos
permanentes.
Sob a influência do estado puerperal:
Tem-se entendido que o chamado estado puerperal não é tão-somente aquele que se desenvolve após o parto,
incluindo-se, nesse raciocínio o período do parto e também o sobreparto. Durante esse período, a parturiente sofre
abalos de natureza psicológica que a influenciam para que decida causar a morte do próprio filho.
O que o CP requer, de forma clara, é que a parturiente atue influenciada por esse estado puerperal.
Assim, o critério adotado não foi o puramente biológico, físico, mas sim uma fusão desse critério com outro,
de natureza psicológica, surgindo daí o critério chamado fisiopsíquico ou biopsíquico.
Podemos, a título de ilustração, identificar três níveis de estado puerperal, a saber: mínimo, médio, máximo.
Se a parturiente, embora em estado puerperal, considerado de grau mínimo, não atua, por essa razão,
influenciada por ele, e vem a causar a morte de seu filho, durante ou logo após o parto, deverá responder pelo delito
de homicídio.
Em sentido diametralmente oposto, se a parturiente, completamente perturbada psicologicamente, dada a
intensidade do seu estado puerperal, considerado aqui como de nível máximo, provocar a morte de seu filho
durante o parto ou logo após, deverá ser tratada como inimputável, afastando-se, outrossim, a sua culpabilidade e,
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conseqüentemente, a própria infração penal. Nesse sentido, concluindo pelo afastamento da culpabilidade em
decorrência ao estado puerperal da parturiente, posicionava-se Frederico Marques.
Numa situação intermediária encontra-se a gestante que atua influenciada pelo estado puerperal e, assim,
vem a dar causa a morte de seu filho durante o parto ou logo após, sendo o seu estado puerperal considerado de
grau médio. Este, para nós, é o que fora adotado pelo CP e que caracteriza, efetivamente, o delito de infanticídio.
Ainda temos que resolver uma última indagação: Pode ser que a gestante, em decorrência de suas
perturbações psicológicas originárias de seu estado puerperal, não seja totalmente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Nesse caso, poderíamos aplicar-lhe a
diminuição de pena contida no parágrafo único do art. 28 do CP?
Embora não seja pacifico o tema, a maioria de nossos doutrinadores admite tal possibilidade, a exemplo de
Hungria, que diz que “não há incompatibilidade alguma entre o reconhecimento da influência do estado puerperal
e, a seguir, o da irresponsabilidade ou da responsabilidade diminuída, segundo a regra geral”.
Sujeito ativo e sujeito passivo:
O infanticídio é um delito próprio, uma vez que o tipo penal do art. 123 do CP indicou tanto o seu sujeito
ativo como o sujeito passivo.
Assim, pela redação da figura típica, somente a mãe pode ser sujeito ativo da mencionada infração penal,
tendo como sujeito passivo o seu próprio filho.
Tratando-se de crime próprio, o infanticídio admite as duas espécies de concurso de pessoas (co-autoria e
participação).
O delito pode ser cometido tanto contra o nascente, isto é, aquele que está nascendo, que ainda se encontra
no processo de expulsão, quanto contra o neonato, ou seja, aquele que acabou de nascer, já se encontrando
desprendida da mãe.
Limite temporal:
O Código Penal determina um limite temporal para que se possa caracterizar o delito de infanticídio.
Determina que esse comportamento seja levado a efeito durante o parto ou logo após.
A expressão „durante o parto‟ nos está a indicar o momento a partir do qual o fato deixa de ser considerado
como aborto e passa a ser entendido como infanticídio. Dessa forma, o marco inicial para o raciocínio
correspondente à figura típica do infanticídio é, efetivamente, o início do parto.
A doutrina tem afirmado que o início do parto pode ocorrer em três momentos, a saber: a) com a dilatação
do colo do útero; b) com o rompimento da membrana amniótica; c) com a incisão das camadas abdominais, no
parto cesariana.
Por outro lado, o que devemos entender pela expressão „logo após‟ o parto? Entendemos que a expressão
„logo após‟ o parto deve ser entendida à luz do princípio da razoabilidade. A lei penal usa, expressamente, a
expressão „logo após‟ o parto, e não somente „após‟ o parto. Assim, a parturiente somente será beneficiada com o
reconhecimento do infanticídio se entre o início do parto e a morte do seu próprio filho houver uma relação de
proximidade, a ser analisada sob o enfoque do princípio da razoabilidade.
Merece ser frisado, ainda, que para o infanticídio ser reconhecido haverá necessidade, também, de prova
pericial, a fim de que fique evidenciado que, ao tempo da ação ou da omissão da parturiente, encontrava-se esta sob
a influência do estado puerperal, pois, caso contrário, o crime por ela praticado se amoldará à figura do art. 121 do
CP.
Elemento subjetivo:
Não tendo sido prevista a modalidade culposa no art. 123 do CP, o crime de infanticídio somente pode ser
cometido dolosamente, seja o dolo direto ou, mesmo, eventual.
Se a morte do nascente ou neonato decorrer da inobservância do dever objetivo de cuidado que era devido à
parturiente, deverá ser responsabilizada pelo delito de homicídio culposo, não se justificando, permissa venia, a
posição de Damásio de Jesus, que advoga a tese da atipicidade do fato.
A influência do estado puerperal não tem o condão de afastar a tipicidade do comportamento praticado pela
parturiente que se amolda, em tese, ao delito de homicídio culposo, embora tal fato deva influenciar o julgador no
momento da fixação da pena-base, quando da análise das circunstâncias judiciais.
Modalidades comissiva e omissiva:
O delito de infanticídio pode ser praticado comissiva ou omissivamente.
A parturiente, na qualidade de garante, pode, influenciada pelo estado puerperal, causar a morte do próprio
filho, deixando de fazer o que é necessário à sobrevivência dele.
Como o verbo matar pressupõe um comportamento comissivo, a parturiente, com a sua inação, somente
poderá responder pelo delito em questão em virtude da sua qualidade especial de garantidora, que lhe foi atribuída
pela alínea „a‟ do §2º do art. 13 do CP.
Objeto material e bem juridicamente protegido:
O bem juridicamente protegido é a vida do nascente ou do neonato.
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O nascente e o neonato são os objetos do delito em estudo, pois que a conduta da parturiente é dirigida
finalisticamente contra eles.
Prova da vida:
Para que a parturiente responda pelo delito de infanticídio é fundamental a comprovação de que o nascente
ou o neonato encontrava-se vivo, pois, caso contrário, como já dissemos anteriormente, estaríamos diante do
chamado crime impossível, em razão da absoluta impropriedade do objeto.
A prova da vida do nascente ou do neonato é, portanto, crucial. Existem exames que são produzidos para
comprovar se houve vida no nascente, ou seja, aquele que ainda se encontrava no processo de expulsão do útero
materno, bem como do neonato, isto é, aquele que acabara de nascer.
Odon Ramos Maranhão, com precisão, aponta duas provas de vida que dizem respeito ao nascente, a saber:
a) tumor de parto; b) reação vital.
Quanto ao neonato ou recém-nascido, normalmente são utilizados as provas que procuram demonstrar ter
havido respiração, sendo essas provas chamadas de docimasias respiratórias. Além das docimasias respiratórias,
também são utilizadas as docimasias não respiratórias.
Com todo esse arsenal de exames à disposição, pode acontecer a hipótese em que nenhum deles tenha sido
efetivamente realizado. Poderá a parturiente, ainda assim, responder pelo delito de infanticídio, sem que se tenha à
disposição um exame pericial comprovando a vida do nascente ou do neonato? A resposta só pode ser afirmativa.
Embora exista a necessária segurança nas provas periciais, a sua ausência não implicará, necessariamente, a
descaracterização do delito em estudo. Nesses casos, podemos nos socorrer subsidiariamente da prova testemunhal,
uma vez que o art. 167 do CPP aduz que, “não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem
desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”.
Pena e ação penal:
A pena cominada ao delito de infanticídio é a de detenção de 2 a 6 anos, sendo incabível a proposta de
suspensão condicional do processo.
A ação penal relativa ao crime de infanticídio é de iniciativa pública incondicionada.
Infanticídio com vida intra-uterina:
Pode ser que, uma vez iniciado o parto, por exemplo, com o rompimento da membrana amniótica, a
parturiente, influenciada pelo estado puerperal, pratique manobra no sentido de causar a morte de seu próprio filho,
ainda em seu útero. Pergunta-se: Nesse caso, estaríamos diante do delito de infanticídio ou do crime de aborto?
Para que possamos manter a coerência do raciocínio, não importa se a vida era intra ou extra-uterina. Para
nós, o divisor de águas entre o crime de aborto e o de infanticídio é, efetivamente, o início do parto, e não se a vida
era intra ou extra-uterina, embora exista controvérsia doutrinária e jurisprudencial nesse sentido.
Aplicação do art. 20, §3º, do CP (erro sobre a pessoa) ao delito de infanticídio:
Imagine-se a hipótese em que a parturiente, influenciada pelo estado puerperal, vá até o berçário, logo após o
parto, e, querendo causar a morte do próprio filho, por erro, acabe estrangulando o filho de sua colega de
enfermaria, causando-lhe a morte.
No caso em questão, deverá a parturiente responder pelo delito de homicídio ou pelo infanticídio?
Preconiza o §3º do art. 20 do CP: “O erro quanto à pessoa a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não
se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria
praticar o crime”.
No caso apontado, considerando que a parturiente almejava causar a morte de seu próprio filho e, por erro,
acabou matando o filho de sua colega de quarto, aplica-se a regra correspondente ao erro sobre a pessoa, que deve
ser responsabilizada pelo infanticídio.
Concurso de pessoas no delito de infanticídio:
Será possível o concurso de pessoas no crime de infanticídio?
Em nosso raciocínio, partiremos do pressuposto de que o terceiro, que em companhia da parturiente, de
alguma forma, concorre para a morte do recém-nascido ou do nascente, é conhecedor de que aquela atua
influenciada pelo estado puerperal, pois, caso contrário, perderia sentido a discussão, haja vista que se tal fato não
fosse do conhecimento do terceiro, que de alguma forma concorreu para o resultado morte, teria ele que responder,
sempre, pelo homicídio.
Assim, vejamos as hipóteses possíveis:
a) a parturiente e o terceiro executam a conduta núcleo do tipo do art. 123, ou seja, ambos praticam
comportamentos no sentido de causar a morte do recém-nascido;
b) somente a parturiente executa a conduta de matar o próprio filho, com a participação do terceiro;
c) somente o terceiro executa a conduta de matar o filho da parturiente, contando com o auxílio desta.
Para que as hipóteses sejam resolvidas corretamente, mister se faz alertar para a determinação contida nos
arts. 29 e 30 do CP, que dizem, respectivamente:
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Art. 29 → Quem, de qualquer forma, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de
sua culpabilidade.
Art. 30 → Não se comunicam as circunstâncias e as condições da caráter pessoal, salvo quando elementares
do crime.
No caso em exame, a influência do estado puerperal não pode ser considerada mera circunstância, mas sim
elementar do tipo do art. 123, que tem vida autônoma comparativamente ao delito do art. 121.
Em razão disso, nos termos do art. 30 do CP, se for do conhecimento do terceiro que, de alguma forma,
concorre para o crime, deverá a ele se comunicar.
Primeiramente, parturiente e terceiro praticam a conduta núcleo do art. 123, que é o verbo matar. Ambos,
portanto, praticam atos de execução no sentido de causar a morte, por exemplo, do recém-nascido. A gestante, não
temos dúvida, que atua influenciada pelo estado puerperal, causando a morte de seu próprio filho logo após o parto,
deverá ser responsabilizada pelo infanticídio. O terceiro, que também executa a ação de matar, da mesma forma,
deverá responder pelo mesmo delito, conforme determina o art. 30 do CP.
Hungria discordava dessa conclusão argumentando que o delito de infanticídio era personalíssimo, sendo
incomunicável a influência do estado puerperal. Fragoso, ratificando as lições de Hungria, dizia ser inadmissível o
concurso de pessoas no crime de infanticídio, argumentando que “o privilégio se funda numa diminuição da
imputabilidade, que não é possível estender aos partícipes. Na hipótese de co-autoria (realização de atos de
execução por parte do terceiro), parece-nos evidente que o crime deste será o de homicídio”.
Em defesa de nosso posicionamento, trazemos à colação os ensinamentos de Noronha que, com particular
lucidez, afirma: “Não há dúvida alguma de que o estado puerperal é circunstância (isto é, estado, condição,
particularidade, etc.) pessoal e que, sendo elementar do delito, comunica-se, ex vi do art. 30, aos co-partícipes. Só
mediante texto expresso tal regra poderia ser derrogada”.
Fosse o delito de infanticídio previsto simplesmente como um parágrafo do art. 121 do CP, deveria ser
reconhecido como modalidade de homicídio privilegiado e, conseqüentemente, seus dados seriam considerados
circunstâncias, deixando, a partir de então, de acordo com a mesma regra já apontada no art. 30, de se comunicar
aos co-participantes.
Não tendo sido esta a opção da lei penal, todos aqueles que, juntamente com a parturiente, praticarem atos de
execução tendentes a produzir a morte do recém-nascido ou do nascente, se conhecerem o fato de que aquela atua
influenciada pelo estado puerperal, todos deverão ser, infelizmente, beneficiados com o reconhecimento do
infanticídio.
Quando é a própria parturiente que, sozinha, causa a morte do recém-nascido, mas com a participação de
terceiro que, por exemplo, a auxilia materialmente, fornecendo-lhe o instrumento do crime, ou orientando-a como
utiliza-lo, ambos, da mesma forma, responderão pelo infanticídio, já que a parturiente atuava influenciada pelo
estado puerperal e o terceiro que a auxiliou conhecia essa particular condição, concorrendo, portanto, para o
sucesso do infanticídio.
A última hipótese seria aquela em que somente o terceiro praticasse os atos de execução, com o auxílio e a
mando da parturiente, que atua influenciada pelo estado puerperal. Se o terceiro mata a criança, a mando da mãe,
qual o fato principal determinado pelo induzimento? Homicídio ou infanticídio? Não pode ser homicídio, uma vez
que, se assim fosse, haveria outra incongruência: se a mãe matasse a criança, responderia por delito menos grave
(infanticídio); se induzisse ou instigasse o terceiro a executar a morte do sujeito passivo, responderia por delito
mais grave (co-autoria no homicídio). Segundo entendemos, o terceiro deveria responder por delito de homicídio.
Entretanto, diante da formulação típica desse crime em nossa legislação, não há como fugir à regra do art. 30: como
a influência do estado puerperal e a relação de parentesco são elementos do tipo, comunicam-se entre os fatos dos
participantes. Diante disso, o terceiro responde por delito de infanticídio.
Em suma, se o terceiro acede à vontade da parturiente que, influenciado pelo estado puerperal, dirige
finalisticamente sua conduta no sentido de causar, logo após o parto, a morte do recém-nascido ou nascente, em
qualquer das modalidades de concurso de pessoas, de acordo com a regra contida no art. 30 do CP, deverá ser
responsabilizado pelo delito de infanticídio.
Julgamento pelo Júri sem a presença da ré:
O infanticídio tem seu julgamento realizado pelo Tribunal do Júri.
A presença do réu, como regra, é indispensável ao seu julgamento em Plenário do Júri, conforme determina
o caput do art. 451 do CPP.
Contudo, tratando-se de crime afiançável, como é o caso do delito de infanticídio, tal regra é excepcionada,
podendo-se levar a efeito o julgamento da acusada mesmo encontrando-se revel, nos termos do §1º do referido art.
451 do CPP.
Dessa forma, tendo em vista que ao delito de infanticídio fora cominada pena de detenção, que, por
exclusão, encontra-se no rol daquelas entendidas como afiançáveis, conclui-se ser permitido o julgamento da ré em
Plenário do Júri, mesmo que verificada a sua revelia.
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Aplicação da circunstância agravante do art. 61, II, ‘e’, segunda figura:
Caberia a aplicação da circunstância agravante prevista no art. 61, II, „e‟, segunda parte (ter cometido o
crime contra descendente)?
Não, pois, caso contrário, estaríamos fazendo uso do chamado bis in idem, pois que a própria redação
contida no caput do art. 61 do CP diz serem “circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime”.
Na infração penal em estudo, a condição de filho é elementar constitutiva do delito de infanticídio, razão
pela qual a pena não poderá ser agravada no segundo momento do critério trifásico previsto pelo art. 68 do CP.
Capítulo 6 – Aborto
Introdução:
Na definição proposta por Frederico Marques, “para o Direito Penal e do ponto de vista médico-legal, o
aborto é a interrupção voluntária da gravidez, com a morte do produto da concepção”.
O CP, quebrando a regra trazida pela teoria monista, que será analisada mais adiante, pune, de forma
diversa, dois personagens que estão envolvidos diretamente no aborto, vale dizer, a gestante e o terceiro que nela
realiza as manobras abortivas.
Classificação doutrinária:
Crime de mão própria, quando realizado pela própria gestante, sendo comum nas demais hipóteses, quanto
ao sujeito ativo. Considera-se próprio quanto ao sujeito passivo, pois que somente o feto e a mulher grávida podem
figurar nessa condição. Pode ser comissivo ou omissivo (desde que a omissão seja imprópria), doloso, de dano,
material, instantâneo de efeitos permanentes, não transeunte, monossubjetivo, plurissubsistente, de forma livre.
Início e término da proteção pelo tipo penal do aborto:
A vida tem início a partir da concepção ou fecundação, isto é, desde o momento em que o óvulo feminino é
fecundado pelo espermatozóide masculino. Contudo, para fins de proteção por intermédio da lei penal, a vida só
terá relevância após a nidação, que diz respeito à implantação do óvulo já fecundado no útero materno, o que ocorre
14 dias após a fecundação.
Assim, enquanto não houver nidação não haverá possibilidade de proteção a ser realizada por meio da lei
penal.
Temos a nidação como termo inicial para a proteção da vida, por intermédio do tipo penal do aborto.
Portanto, uma vez implantado o ovo no útero materno, qualquer comportamento dirigido finalisticamente no
sentido de interromper a gravidez, pelo menos à primeira vista, será considerado aborto (consumado ou tentado).
Se a vida, para fins de proteção pelo tipo penal que prevê o delito de aborto, tem início a partir da nidação, o
termo ad quem para esta específica proteção se encerra com o início do parto.
Portanto, o início do parto faz com que seja encerrada a possibilidade de realização do aborto, passando a
morte do nascente a ser considerada como homicídio ou infanticídio, dependendo do caso concreto.
O parto tem início com: a) dilatação do colo do útero, b) rompimento da membrana amniótica, ou c)
tratando-se de parto cesariana, com a incisão das camadas abdominais.
Espécies de aborto:
Podem ocorrer duas espécies de aborto, a saber:
a) natural ou espontâneo
b) provocado (dolosa ou culposamente)
Ocorre o chamado aborto natural ou espontâneo quando o próprio organismo materno se encarrega de
expulsar o produto da concepção.
Para fins de aplicação da lei penal, não nos interessa o chamado aborto natural ou espontâneo.
Por outro lado, temos o aborto provocado, sendo esta provocação subdividida em: dolosa e culposa, também
reconhecida como acidental.
As espécies dolosas são aquelas previstas nos arts. 124 (auto-aborto ou aborto provocado com o
consentimento da gestante), 125 (aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante) e 126 (aborto
provocado por terceiro com o consentimento da gestante).
Não houve previsão legal para a modalidade de provocação culposa do aborto, razão pela qual, como
veremos adiante, se uma gestante, com seu comportamento culposo, vier a dar causa à expulsão do feto, o fato será
considerado como um indiferente penal.
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Bem juridicamente protegido e objeto material:
O bem juridicamente protegido, de forma precípua, por meio dos três tipos penais incriminadores, é a vida
humana em desenvolvimento.
O objeto material do delito de aborto pode ser o óvulo fecundado, o embrião ou o feto, razão pela qual o
aborto poderá ser considerado ovular (se cometido até os dois primeiros meses de gravidez), embrionário (praticado
no terceiro ou quarto mês de gravidez) e, por último, fetal (quando o produto da concepção já atingiu os cinco
meses de vida intra-uterina e daí em diante).
Elemento subjetivo:
Os crimes de auto-aborto, aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante e aborto
provocado por terceiro com o consentimento da gestante somente podem ser praticados a título de dolo, seja ele
direto ou eventual.
Também poderá o agente atuar com dolo eventual, uma vez que, ao agredir uma mulher sabidamente
grávida, não se importava se essa viesse a abortar, o que realmente acontece. Nessa hipótese, deverá responder
pelas lesões corporais produzidas na gestante em concurso formal impróprio com o delito de aborto, pois que agia
com desígnios autônomos, aplicando-se-lhe, no caso em exame, a regra do cúmulo material de penas.
Consumação e tentativa:
Consuma-se o crime com a morte do feto, resultante da interrupção da gravidez. Pode ocorrer dentro do
útero materno como ser subseqüente à expulsão prematura.
Fundamental é a prova de que o feto estava vivo no momento da ação ou da omissão do agente, dirigidas no
sentido de causar-lhe a morte.
Não exige a doutrina, para fins de caracterização do aborto, que o feto seja viável, ou seja, que possua uma
capacidade de desenvolvimento que o conduza à maturação.
Na qualidade de crime material, podendo-se fracionar o iter criminis, é perfeitamente admissível a tentativa
de aborto.
Pergunta-se: A gestante que fora surpreendida na sala de espera de uma clínica clandestina poderia
responder pela tentativa de aborto? Para nós, o fato seria atípico, pois que estar aguardando para ser atendida,
mesmo que para realização de um aborto, não se configura início de execução, mas ato de mera preparação.
Causas de aumento de pena:
Por uma impropriedade técnica, a rubrica constante do art. 127 do CP anuncia: forma qualificada. Na
verdade, percebe-se que no mencionado artigo não existem qualificadoras, mas sim causas especiais de aumento de
pena, ou majorantes, conforme se verifica na sua redação.
Dessa forma, somente no terceiro momento do critério trifásico de aplicação da pena é que o julgador,
verificadas as lesões corporais graves ou a morte da gestante, fará incidir o aumento de um terço, ou mesmo
duplicar a pena até então encontrada.
Ainda merece destaque na redação contida no art. 127 do CP, o fato de que somente terá aplicação a
majorante nas hipóteses de aborto provocado por terceiro, com ou sem o consentimento da gestante. Como a
autolesão não é punível , à gestante que, realizando o auto-aborto, vier a causar em si mesma lesão corporal de
natureza grave, não se aplicará a causa de aumento de pena.
Os resultados apontados no art. 127 do CP (lesão corporal grave ou morte) somente podem ter sido
produzidos culposamente, tratando-se, na espécie, de crime preterdoloso. Se queria com o seu comportamento
inicial, dirigido à realização do aborto, produzir na gestante lesão corporal grave ou mesmo a sua morte, responderá
pelos dois delitos em concurso formal impróprio, pois que atua com desígnios autônomos, aplicando-se-lhe a regra
do cúmulo material de penas.
Prova da vida:
O aborto é um crime que deixa vestígios. Nesse caso, nos termos do art. 158 do CPP, quando a infração
deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão
do acusado.
Contudo, também de acordo com o art. 167 do CPP, não sendo possível o exame de corpo de delito, por
haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá supri-lhe a falta.
Julgamento pelo Júri, sem a presença da Ré, no delito de auto-aborto:
O crime de aborto, nas suas três modalidades, deve ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, uma
vez que a vida é o bem jurídico por ele protegido.
Contudo, nem todas as suas modalidades exigem a presença do autor do delito em Plenário do Júri para que
se proceda ao julgamento. No crime de auto-aborto, como a pena cominada é a de detenção de 1 a 3 anos, sendo
afiançável a referida infração penal, da mesma forma que o delito de infanticídio, não se exige a presença da ré em
Plenário, podendo, inclusive, ser realizado o julgamento à sua revelia, conforme determina o §1º do art. 451 do
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CPP (“Se se tratar de crime afiançável, e o não-comparecimento do réu ocorrer sem motivo legitimo, far-se-á o
julgamento à sua revelia).
Nas demais hipóteses de aborto, torna-se indispensável a presença do réu em Plenário, não podendo o
processo seguir, a partir dessa fase, à sua revelia.
Pena, ação penal e suspensão condicional do processo:
Tanto no delito de auto-aborto (ou mesmo quando a gestante consinta que nela seja realizado o aborto por
terceiro) como no de aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante, em virtude da pena mínima
cominada a essas duas infrações penais, tipificadas nos arts. 124 e 126 do CP, será permitida a proposta de
suspensão condicional do processo, presentes os seus requisitos legais. Entretanto, no delito de aborto provocado
por terceiro, com o consentimento da gestante, tal proposta restará inviabilizada se houver a produção de lesões
corporais de natureza grave ou a morte da gestante, pois que serão aplicadas as majorantes previstas no art. 127 do
CP.
A ação penal, em todas as modalidades de aborto, é de iniciativa pública incondicionada.
Aborto legal:
O art. 128 do CP prevê duas modalidades de aborto legal. São eles: a) aborto terapêutico (curativo) ou
profilático (preventivo) e; b) aborto sentimental, humanitário ou ético.
No caso de aborto necessário, também conhecido por aborto terapêutico ou profilático, não temos dúvida em
afirmar que se trata de uma causa de justificação correspondente ao estado de necessidade.
A discussão, na verdade, diz respeito à natureza jurídica da segunda modalidade de aborto legal, vale dizer, o
chamado aborto sentimental ou humanitário, quando a gravidez é resultante de estupro.
A maioria de nossos doutrinadores entende que, na hipótese de gravidez resultante de estupro, o aborto
realizado pela gestante não será considerado antijurídico.
Frederico Marques dizia que “nos termos em que o situou o Código Penal, no art. 128, n. II, trata-se de fato
típico penalmente lícito. Afasta a lei a antijuridicidade da ação de provocar aborto, por entender que a gravidez, no
caso, produz dano altamente afrontoso para a pessoa da mulher, o que significa que é o estado de necessidade a
ratio essendi da impunidade do fato típico”. Essa era também a posição de Fragoso. Segundo Binding, seria
profundamente iníqua a terrível exigência do direito de que a mulher suporte o fruto de sua involuntária desonra.
Entendemos, com a devida vênia das posições em contrario, que, no inciso II do art. 128 do CP, o legislador
cuidou de uma hipótese de inexigibilidade de conduta diversa, não se podendo exigir da gestante que sofreu a
violência sexual a manutenção da sua gravidez, razão pela qual, optando-se pelo aborto, o fato será típico e ilícito,
mas deixará de ser culpável.
Outros aspectos merecem ainda ser analisados no que diz respeito às hipóteses de aborto legal, a saber:
a) possibilidade de analogia in bonam partem quando o aborto não for realizado por médico:
O caput do art. 128 do CP determina não ser punível o aborto praticado por médico nas hipóteses dos seus
incisos I e II. No primeiro caso, se a gestante correr risco de vida com a manutenção da gravidez, poderia outra
pessoa, que não gozasse da qualidade de médico, a exemplo do que ocorre com as parteiras, nela realizar o aborto
com o fim de salvar-lhe a vida? Entendemos que a resposta, levando em consideração a natureza jurídica do inciso
I do art. 128 do CP, só pode ser positiva.
Contudo, questão mais tormentosa se encontra no inciso II do mencionado artigo. Isso porque sua natureza é
diversa daquela consignada no inciso I (para o Rogério Greco), cuidando-se de uma causa legal de exclusão da
culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa. Frederico Marques posiciona-se radicalmente contra a
possibilidade de realização do aborto por outra pessoa que não o médico, dizendo: “aceita que foi, porém, a
impunidade contra a possibilidade. Luiz Regis Prado, a seu turno, fundamenta a impossibilidade do recurso da
analogia in bonam partem, assim se manifestando: “a regra do art. 128, II, do CP, é norma penal não incriminadora
excepcional ou singular em relação à norma não-incriminadora geral (art. 23, CP). De conseguinte, como se trata de
jus singulare, em princípio, não é de ser aplicado o procedimento analógico, ainda que in bonam partem”.
Em que pese a força dos argumentos expendidos, não entendemos ser essa a melhor conclusão. Entendemos,
aqui, perfeitamente admissível a analogia in bonam partem, isentando a parteira de qualquer responsabilidade
penal.
b) possibilidade de analogia in bonam partem quando a gravidez for resultante de atentado violento
ao pudor:
No mesmo sentido, deve ser conduzido o raciocínio a fim de se permitir o emprego da analogia in bonam
partem na hipótese de gravidez resultante de atentado violento ao pudor.
Devemos destacar, contudo, o fato de não ser possível o recurso da analogia in bonam partem nos casos em
que a gravidez foi resultante de sedução (art. 219 do CP). A violência no ato sexual é o fundamento principal para a
permissão do aborto. Quando a gestante se entrega, mesmo que vítima de um estelionato sexual, não o faz porque
foi constrangida a isso. Fernando Capez disserta: “Não é possível estender à gravidez resultante de sedução a
norma permissiva do aborto legal, aplicável somente aos casos de estupro e atentado violento ao pudor (por
analogia)”.
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c) Representante legal da incapaz que consente na realização do aborto, contrariamente à vontade da
gestante:
Seja a gestante vítima de estupro ou de atentado violento ao pudor, para que seja realizado o aborto há
necessidade imperiosa de que ela consinta na sua realização.
O que fazer, então, diante da divergência de opiniões entre a gestante incapaz e seu representante legal?
Entendemos que, havendo divergência de posições, deve prevalecer o raciocínio pela vida do feto, não importando
a incapacidade da gestante.
Agressão à mulher grávida:
Se, agindo com dolo de lesão, agredir uma mulher grávida que, contudo, não venha a abortar, ao agente será
aplicada a circunstância agravante prevista no art. 61, II, „h‟, última figura, do CP, ou seja, agrava-se a pena por ter
cometido o crime contra mulher grávida.
Ocorrendo o aborto como resultado qualificador das lesões corporais por ele praticadas, ou mesmo na
hipótese em que o dolo do agente era o de interromper a gravidez, isto é, o dolo de aborto, não será possível a
aplicação da circunstância agravante acima mencionada, pois que tais circunstâncias, conforme determina o caput
do art. 61 do CP, somente podem agravar a pena quando não constituem ou qualificam o crime.
Gestante que tenta suicídio:
Pode ocorrer que a gestante queira eliminar a própria vida e realize um comportamento dirigido a esse fim.
Caso a gestante sobreviva ao atentado contra a própria vida, não ocorrendo, também, a interrupção da gravidez,
deverá ser imputado a gestante o delito de tentativa de aborto. Caso haja morte do feto, terá cometido o delito de
aborto consumado.
Aborto econômico:
Muito comum no Brasil, principalmente na modalidade do auto-aborto, é o chamado aborto econômico.
A gestante, que se encontra grávida por mais de uma vez, devido à sua falta de conhecimento na utilização
de meios contraceptivos, ou mesmo pela sua impossibilidade de adquiri-los, não podendo arcar com a manutenção
de mais um filho, devido a sua condição de miserabilidade, resolve interromper a gravidez, eliminando o produto
da concepção, causando a sua morte.
Não encontramos, nesses casos, qualquer causa de justificação ou mesmo de exculpação que tenham por
finalidade afastar a ilicitude ou a culpabilidade daquela que atuou impelida por essa motivação econômica. A sua
opção, nesse caso, infelizmente, será entregá-lo para fins de adoção, que é um minus em relação à conduta extrema
de causar a morte de um ser, mesmo que ainda em formação.
Ordem judicial:
A lei penal e a lei processual penal não prevêem em nenhum tipo de formalização judicial no sentido de se
obter uma ordem para que sejam levadas a efeito qualquer uma das modalidades do chamado aborto legal.
O “senhor da decisão”, nessas hipóteses, será o médico.
Verificando que a vida da gestante corre risco, poderá praticar o aborto, documentando sua decisão em
papeletas e prontuários, que terão o condão de demonstrar, inclusive pela realização de exames, que a vida da
gestante corria risco em caso de manutenção da gravidez.
Na segunda hipótese, ou seja, nos casos de gravidez resultante de estupro, para que o aborto seja realizado
pelo médico, alem de não ser exigida autorização judicial, não há necessidade de que a gestante tenha dado início a
ação penal, ou mesmo que tenha representado nesse sentido. É preciso, contudo, que tenha, de alguma forma,
trazido ao conhecimento oficial do Estado o fato de ter sido vítima de um crime de estupro. Sua palavra, segundo
entendemos, destituída de qualquer formalização, não pode ser levada em consideração. Esse documento, válido
para fins de trazer ao médico a segurança de que precisa para a realização do aborto, poderia ser um simples
boletim de ocorrência policial, lavrado pela polícia militar ou pela polícia civil, um exame de corpo de delito feito
por órgão oficial do Estado, como o Instituto Médico Legal, ou até a cópia da inicial da ação penal por ela
promovida.
Se comprovada a falsidade das declarações, a gestante teria que responder pelo crime de aborto, sendo que
ao médico seria aplicada a causa de exclusão da culpabilidade correspondente ao erro de proibição indireto, pois
que atuava acreditando estar amparado por uma causa de justificação, relativa ao exercício regular de um direito.
Concurso de pessoas no delito de aborto:
Adotando uma teoria reconhecida como monista temperada, moderada ou matizada, diz o art. 29 do CP:
“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade”.
A regra, que sofre algumas exceções, é a de que todos que concorrem para o crime respondam pela mesma
infração penal.
No crime de aborto existe exceção à regra adotada pela teoria monista. Mediante o confronto dos arts. 124 e
126 do CP, percebemos que se a gestante procura alguém para que nela possa realizar o aborto, o médico que levou
a efeito as manobras abortivas responderá por uma infração penal (art. 126 do CP), e a gestante por outra (art. 124
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do CP), quando, de acordo com a teoria monista, deveríamos ter uma única infração penal distribuída entre a
gestante e o médico, razão pela qual não podemos considerar pura a teoria monista adotada pelo Código Penal, mas
sim moderada, temperada ou matizada, dadas as exceções existentes.
Merece destaque, também, em sede de concurso de pessoas, a discussão relativa à participação no crime de
aborto. Não há qualquer dúvida quanto ao seu cabimento, em qualquer das três modalidades constantes dos arts.
124, 125 e 126 do CP.
Se a gestante é induzida por seu namorado a praticar o aborto e se, efetivamente, vier a realizá-lo, este
deverá ser responsabilizado penalmente pela sua participação no crime do art. 124 do CP.
A questão ganha relevo quando nos deparamos com as causas de aumento de pena previstas no art. 127 do
CP. Se, no caso concreto, entendermos, por exemplo, que a participação se deu no comportamento previsto no art.
124 do CP, e se, porventura, vier a gestante, no auto-aborto, sofrer lesões corporais de natureza grave, ou mesmo a
falecer, o agente que a induziu não responderá pela participação com sua pena especialmente agravada, pois que a
lei afirma, claramente, que a majorante somente incidirá nos dois artigos anteriores ao art. 127, vale dizer, naqueles
artigos que prevêem o aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante, e também, o aborto
provocado por terceiro, com o consentimento da gestante.
Ao contrário, se a participação disser respeito a qualquer desses dois artigos (art. 125 e 126 do CP) e se, em
conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-los, a gestante sofrer lesões corporais de natureza
grave ou se vier a morrer, terão aplicação os aumentos previstos no art. 127 do CP.
Gestante que morre ao realizar o aborto, sendo que o feto sobrevive:
Podemos, também, trabalhar com a hipótese de que tenha havido a morte da gestante ao se submeter a um
aborto, sendo que o feto, mesmo retirado antecipadamente do útero materno, sobrevive.
No caso em questão, estaríamos diante de uma tentativa de aborto, cuja pena será especialmente agravada
em decorrência da morte da gestante.
Lesão corporal grave ou morte, como resultados não dolosos, sem a morte do feto, constituirão tentativa da
forma qualificada.
Capítulo 7 - Lesões Corporais
Introdução:
Analisando o caput do art. 129 e seus parágrafos, percebemos que o crime de lesões corporais pode ocorrer
por meio de 6 modalidades diferentes, a saber:
a) lesão corporal leve (art. 129, caput, CP)
b) lesão corporal grave (art. 129, §1º, CP)
c) lesão corporal gravíssima (art. 129, §2º, CP)
d) lesão corporal seguida de morte (art. 129, §3º, CP)
e) lesão corporal culposa
f) violência doméstica
Por intermédio da Lei n. 10.886/04, foi introduzida uma nova modalidade de lesão corporal, denominada
violência doméstica.
Conforme apontado precisamente por Hungria, lesão corporal compreende toda e qualquer ofensa
ocasionada à normalidade funcional do corpo ou organismo humano, seja do ponto de vista anatômico, seja do
ponto de vista fisiológico ou psíquico.
Por “outrem” devemos entender, como raciocínio inicial, tão-somente o ser humano vivo.
É possível a proteção por intermédio do art. 129 do CP do ser humano com vida intra-uterina, em seus três
estágios de evolução, sendo, ainda, um óvulo, um embrião ou mesmo um feto? Existe controvérsia doutrinária
nesse sentido. Luiz Regis Prado, quando identifica o objeto material do crime de lesão corporal, afirma ser “o ser
humano vivo, a partir do momento do início do parto até sua morte”, descartando, ao que parece, a possibilidade do
crime de lesões corporais ser cometido, por exemplo, contra o feto ainda em formação no útero materno.
Em sentido contrário, posiciona-se Ney Moura Teles, argumentando: “evidente, pois, que também o ser em
formação possui uma integridade corporal que sustenta sua vida”.
Entendemos assistir razão a essa última posição. Se o agente queria, como sugeriu o professor Ney Moura
Teles, ofender a integridade corporal ou a saúde do feto, deverá responder pelo delito de lesões corporais, devendose, unicamente, comprovar que, ao tempo da sua ação, o feto encontra-se vivo, condição indispensável à
configuração do delito.
Classificação doutrinária:
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Crime comum quanto ao sujeito ativo, bem como, como regra, quanto ao sujeito passivo, à exceção, nesse
último caso, das hipóteses previstas no inciso IV do §1º (aceleração de parto), no inciso V do §2º (aborto), bem
como no §9º (violência doméstica). Crime material, de forma livre, comissivo, omissivo impróprio, instantâneo (em
alguma situações, a exemplo da perda de membro, pode ser considerado como instantâneo de efeitos permanentes),
de dano, monossubjetivo, plurissubsistente, não transeunte.
Sujeito ativo e sujeito passivo:
A lei penal não individualiza determinado sujeito ativo para o crime de lesões corporais, razão pela qual
qualquer pessoa pode gozar desse status, não se exigindo nenhuma qualidade especial.
No que diz respeito ao sujeito passivo, a exceção do inciso IV do §1º e do inciso V do §2º do art. 129, que
prevêem, respectivamente, como resultado qualificador das lesões corporais a aceleração de parto e o aborto, bem
como do §9º, que prevê também a modalidade qualificada relativa à violência doméstica, qualquer pessoa pode
assumir essa posição.
Nas exceções apontadas (aceleração de parto e aborto), somente a gestante pode ser considerada sujeito
passivo, bem como aquele que seja ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem
conviva ou tenha convivido, ou, ainda, quando prevalece o agente das relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade, sendo os crimes, nesses casos, entendidos como próprios com relação ao sujeito passivo, pois que os
tipos penais os identificam.
Objeto material e bem juridicamente protegido:
Bens juridicamente protegidos, segundo o art. 129 do CP, são a integridade corporal e a saúde do ser
humano.
Objeto material é a pessoa humana.
Exame de corpo de delito:
Sendo um crime que deixa vestígios, há necessidade de ser produzida prova pericial, comprovando-se a
natureza das lesões, isto é, se leve, grave ou gravíssima.
Elemento subjetivo:
A modalidade simples da figura típica, prevista no caput do mencionado artigo, que prevê o delito de lesão
corporal de natureza leve, somente pode ser praticada a título de dolo, seja ele direto ou eventual.
O dolo de causar lesão é reconhecido por intermédio das expressões latinas animus laedendi ou animus
vulnerandi.
Modalidades qualificadas:
Embora o CP não utilize essa terminologia no art. 129, as lesões corporais qualificadas pelos seus §§1º e 2º
podem ser consideradas, respectivamente, graves ou gravíssimas.
Lesões corporais graves:
I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias:
Merece ser destacado que o resultado que conduz à qualificação das lesões corporais pretendidas
inicialmente pelo agente pode ter sido produzido a título de dolo, ou mesmo culposamente. Essa modalidade de
crime qualificado pelo resultado permite as duas formas de raciocínio.
Quando a lei penal utiliza a expressão “incapacidade para as ocupações habituais”, na verdade, não faz
nenhuma distinção. Qualquer ocupação de natureza habitual está abrangida pelo inciso I.
Contudo, a doutrina faz distinção entre as atividades ilícitas, e, por essa razão, não estariam abrangidas pelo
artigo, e as atividades consideradas imorais. Suponha-se que, em razão também das agressões sofridas, uma mulher
tenha ficado impedida de se prostituir por mais de 30 dias. Neste caso, embora considerada moralmente reprovável
pela sociedade, a atividade praticada não é ilícita, podendo, outrossim, incidir a qualificadora.
Para que se possa configurar a qualificadora, há necessidade de realização do exame de corpo de delito.
Assim, para que os peritos possam atestar que as lesões corporais sofridas pela vítima a incapacitaram para as suas
ocupações habituais por mais de 30 dias, deverão determinar o seu retorno, para fins de submissão a um novo
exame pericial, decorrido o período de 30 dias, a fim de que seja levado a efeito o chamado “exame
complementar”, sem o qual se torna inviável a aplicação da mencionada qualificadora ao delito de lesão corporal.
Somente não sendo possível a realização do exame complementar é que este poderá ser substituído pela
prova testemunhal.
II – Perigo de vida:
Ao contrário da qualificadora analisada anteriormente, para que o perigo de vida qualifique o crime de lesões
corporais, este resultado não pode ter sido querido pelo agente, isto é, não pode ter agido com dolo de causar perigo
à vítima contra a qual eram praticadas as lesões corporais.
20
Trata-se, portanto, de qualificadora de natureza culposa, sendo as lesões corporais qualificadas pelo perigo
de vida um crime eminentemente preterdoloso.
Se o agente, quando agredia a vítima, atuava com o dolo no sentido de causar-lhe perigo de vida, na verdade
agia com dolo do delito de homicídio, razão pela qual, sobrevivendo a vítima, deverá responder por tentativa de
homicídio.
III – Debilidade permanente de membro, sentido ou função:
A qualificadora da debilidade permanente de membro, sentido ou função permite que tal resultado possa ser
atribuído ao agente a título de dolo, direto ou eventual, ou mesmo culposamente, desde que tal resultado tenha sido
previsível, em atenção ao art. 19 do CP.
A debilidade, no sentido empregado pela lei penal, significa enfraquecimento ou redução da capacidade
funcional.
Quando se exige uma debilidade permanente, para fins de configuração da qualificadora em estudo, não se
deve entender a permanência no sentido de eterno. A melhor ilação do inciso em estudo é aquela que entende a
permanência no sentido de duradouro, mesmo que reversível após longo tempo.
Essa debilidade permanente deve estar ligada aos membros, sentidos ou funções.
Os membros são subdivididos em superiores e inferiores.
O ser humano possui cinco sentidos: visão, olfato, audição, tato e paladar. O caso é tratado como debilidade,
isto é, diminuição, redução da capacidade de enxergar ou ouvir. Se tivesse ficado completamente cega ou surda,
como veremos adiante, o caso não seria tratado como debilidade, mas sim como perda ou inutilização do sentido,
transformando a lesão corporal de grave em gravíssima, nos termos do inciso III do §2º do art. 129 do CP.
Função, segundo a definição de Hungria, “é a atuação específica exercida por qualquer órgão. As principais
funções são em número de sete: digestiva, respiratória, circulatória, secretora, reprodutora, sensitiva e locomotora.
Tratando-se de órgãos duplos, a exemplo dos rins, a perda de um deles se configura em debilidade permanente da
função renal, e não perda dessa referida função. A perda do segundo rim, obrigando-a a realizar, em regime de
urgência, um transplante, importará na aplicação da qualificadora correspondente a lesão gravíssima, prevista no
inciso III do §2º do art. 129 do CP”.
IV – Aceleração de parto:
Teria sido melhor a utilização da expressão antecipação de parto, uma vez que somente se pode acelerar
aquilo que já teve início.
Prima facie, a qualificadora da aceleração de parto somente pode ser atribuída ao agente a título de culpa,
sendo a infração penal, ou seja, a lesão corporal qualificada pela aceleração de parto, de natureza preterdolosa.
Se o agente atuava no sentido de interromper a gravidez com a conseqüente expulsão do feto, o seu dolo era
o de aborto, e não o de lesão corporal qualificada pela aceleração de parto.
Se o feto sobrevive, mesmo após o comportamento do agente dirigido finalisticamente à interrupção da
gravidez, com a sua conseqüente expulsão, deverá ser responsabilizado pela tentativa de aborto.
Imagine-se a hipótese daquele que, ao chegar em casa, discute com sua esposa, que se encontrava grávida,
sendo tal situação do conhecimento do agente, e este, covardemente, a agride com um soco no rosto. Em virtude da
agressão, a gestante cai, começa a sentir contrações e é encaminhada ao hospital mais próximo, sendo que, pouco
tempo depois, ocorre a expulsão prematura do feto, que sobrevive. Em tal hipótese, o agente deverá responder pelo
delito de lesão corporal qualificada pelo resultado aceleração de parto. Mais uma vez, não custa alertar que o
resultado agravador deve ter sido previsível para o agente.
Lesões corporais gravíssimas:
I – Incapacidade permanente para o trabalho:
A qualificadora em estudo diz respeito à perda ou a inaptidão permanente para o trabalho.
Esse resultado qualificador pode ter sido produzido dolosa ou culposamente.
A incapacidade diz respeito à impossibilidade, de caráter duradouro, para o trabalho. É conhecida a
discutível posição de Hungria quando afirmava que a lei penal não se referia “à ocupação habitual do ofendido, mas
ao trabalho in genere”.
Damásio de Jesus, corroborando as lições de Hungria, afirma: “Devemos considerar o trabalho genérico.
Assim, só funciona a qualificadora quando o ofendido, em face de ter sofrido lesão corporal, fica permanentemente
incapacitado para qualquer espécie de trabalho”.
Em que pese a força do raciocínio dos renomados tratadistas, permissa venia, ousamos discordar da
conclusão por eles assumida. Se a vítima exercia uma atividade intelectual e, em razão das lesões sofridas, não mais
poderá trabalhar em atividades dessa natureza, entendemos ser cabível a qualificadora, mesmo que só pudesse,
agora, após as lesões sofridas, exercer atividades braçais.
Nesse sentido, Álvaro Mayrink da Costa assevera: “A doutrina advoga que significa qualquer modalidade de
trabalho e não especificamente o trabalho a que a vítima se dedicava. Contudo, há necessidade de serem
21
estabelecidas certas restrições, visto que não se pode exigir de um intelectual ou de um artista que se inicie na
atividade de pedreiro. Fixa-se o campo do factualmente possível e não no teoricamente imaginável”.
A incapacidade deve ser permanente, isto é, duradoura, mas não necessariamente perpétua.
II – Enfermidade incurável:
Cezar Roberto Bitencourt esclarece que enfermidade “é um processo patológico em curso. Enfermidade
incurável é a doença cuja curabilidade não é conseguida no atual estágio da Medicina, pressupondo um processo
patológico que afeta a saúde em geral. A incurabilidade deve ser conformada com dados da ciência atual, com um
juízo de probabilidade”.
Problema que hoje envolve muita discussão diz respeito à transmissão do vírus HIV. Imagine-se a hipótese
onde o agente, querendo, efetivamente, transmitir o vírus HIV à vítima, nela aplique uma injeção contendo sangue
contaminado. Pergunta-se: Qual seria o delito imputado ao agente uma vez que, embora contaminada, a vítima
ainda se encontre viva? Poderíamos raciocinar em termos de lesão corporal qualificada pela enfermidade incurável?
Entendemos que não. Mais do que uma enfermidade incurável, a AIDS é considerada uma doença mortal,
cuja cura ainda não foi anunciada expressamente. Dessa forma, mais do que uma enfermidade incurável, a
transmissão dolosa do vírus HIV pode se amoldar, segundo nosso ponto de vista, à modalidade típica prevista pelo
art. 121 do CP, consumado ou tentado.
Admite-se que a qualificadora da enfermidade incurável possa resultar do comportamento doloso ou mesmo
culposo do agente.
III – Perda ou inutilização de membro, sentido ou função:
A qualificadora correspondente à perda ou à inutilização de membro, sentido ou função pode ser atribuída ao
agente a título de dolo, direto ou eventual, ou mesmo culposamente.
Perda, como destaca Guilherme de Souza Nucci, “implica em destruição ou privação de algum membro.
Inutilização quer dizer falta de utilidade, ainda que fisicamente esteja presente o membro ou o órgão humano”.
IV – Deformidade permanente:
Deformar significa, aqui, modificar esteticamente a forma anteriormente existente.
Grande parte de nossos doutrinadores entende que, para que se possa aplicar a qualificadora em estudo, há
necessidade que a deformidade seja aparente, causando constrangimento à vítima perante a sociedade.
A lei penal não exige que o dano seja visível, isto é, que esteja ao alcance de todos. Pode, em muitas
situações, ser visto tão-somente por um número limitado de pessoas, a exemplo do dano ocorrido em partes do
corpo da vítima que somente serão percebidos pelo seu marido.
O que se exige para que se configure a qualificadora é que a deformidade tenha certo significado, quer dizer,
não seja um dano insignificante, quase que desprezível.
A deformidade, de acordo com o raciocínio acima expendido, deverá modificar de forma visível e grave o
corpo da vítima, mesmo que essa visibilidade somente seja limitada a algumas pessoas.
A enfermidade é apreciável penalmente ainda que sua correção posterior seja possível mediante tratamento
cirúrgico.
Poderá a qualificadora ser atribuída a titulo de dolo, direto ou eventual, ou culpa.
V – Aborto:
Tal como a hipótese de aceleração de parto, para que o aborto qualifique as lesões corporais sofridas pela
vítima, tal resultado não poderá ter sido querido, direta ou eventualmente, pelo agente, sendo, portanto, um
resultado qualificador que somente poderá ser atribuído a título de culpa. Trata-se, outrossim, de crime
preterdoloso.
Caso o agente tenha atuado com o dolo de produzir a expulsão do feto, seja esse dolo direto ou eventual, o
fato será classificado como delito de aborto (art. 125 do CP).
Lesão corporal seguida de morte:
Cuida-se, no caso, de crime eminentemente preterdoloso.
Ressalte-se, por mais uma vez, que a morte, obrigatoriamente, deve ter sido previsível para o agente, pois,
caso contrário, somente poderá ser responsabilizado pelas lesões corporais praticadas, sem a incidência da
qualificadora.
Lesão corporal culposa:
O que se exige, na verdade, para caracterização do §6º do art. 129 do CP é que estejam presentes todos os
requisitos necessários à configuração do delito culposo, devendo o julgador realizar um trabalho de adequação à
figura típica, haja vista tratar-se de tipo penal aberto.
Caso as lesões corporais de natureza culposa tenham sido produzidas pelo agente que se encontrava na
direção de veículo automotor, em virtude do princípio da especialidade, terá aplicação o art. 303 do CTB.
22
Violência doméstica:
A Lei n. 10.886/04 acrescentou os §§9º e 10 ao art. 129 do CP, criando, por intermédio do primeiro, o delito
de violência doméstica.
Primeiramente, vale ressaltar que quase todas as situações previstas no mencionado parágrafo já figuravam
em nosso Código Penal como circunstâncias agravantes, previstas nas alíneas „e‟ e „f‟ do inciso II do seu art. 61.
Agora, especificamente no crime de lesão corporal, terão o condão de qualificá-lo.
Contudo, embora qualificando o delito, não perdeu a natureza de lesão corporal leve, razão pela qual o início
da ação penal ainda estará condicionado à representação do ofendido, nos termos do art. 88 da Lei n. 9.099/95.
Diminuição de pena:
A redação contida no §4º do art. 129 do CP é idêntica àquela utilizada para fins de diminuição de pena na
hipótese do delito de homicídio, considerado, por isso, privilegiado, razão pela qual, doutrinariamente, mesmo que
não concordemos com esse termo, as lesões corporais são reconhecidas como privilegiadas.
Merece ser frisado, nessa oportunidade, que a redução de pena, obrigatória em nossa opinião se presentes os
requisitos que a autorizam, são aplicáveis a todas as modalidades de lesão (leve, grave, gravíssima e seguida de
morte). Em que pese a situação topográfica do §9º do art. 129 do CP, que prevê o delito de violência doméstica,
entendemos, por questões de política criminal, deva também ser estendida a essa infração penal a diminuição de
pena.
Substituição da pena:
O inciso I do parágrafo §5º, ora em exame, aduz que o juiz poderá substituir a pena de detenção pela de
multa quando o agente, praticando uma lesão corporal de natureza leve, cometer o crime impelido por motivo de
relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da
vítima.
Por lesões corporais de natureza leve devemos entender aquelas previstas no caput do art. 129, bem como
em seu §9º, que criou o delito de violência doméstica, pois que, em ambas as situações, são cominadas penas de
detenção.
O julgador deverá aplicar um dos parágrafos que se destinam a beneficiar o agente. Se entender que, no caso
concreto, a redução da pena é a que melhor atende às determinações contidas na parte final do caput do art. 59 do
CP, que diz que a pena a ser aplicada deve ser aquela necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do
crime, deverá levar a efeito a redução prevista no §4º do art. 129. Se, ao contrário, entender que a pena de multa
atende aos interesses de política criminal, deverá desprezar o aludido §4º e aplicar o §5º do art. 129.
O importante é ressaltar que, embora o julgador tenha essa discricionariedade no caso concreto, uma das
soluções deve ser aplicada (uma vez preenchidos os requisitos legais).
Quando ocorrer reciprocidade nas lesões corporais, também de natureza leve, poderá ser substituída a pena.
O CP, ao punir as lesões recíprocas, parte do pressuposto de que ambas as agressões sejam injustas, ou seja, no
caso concreto nenhum dos contendores age em legítima defesa, o que resultará, por certo, na condenação de um e
na absolvição do outro.
Aumento de pena:
As discussões mais importantes foram travadas quando da análise do art. 121 do CP.
Com o advento da Lei n. 10.886/04, foi acrescentado o §10 ao art. 129 do CP.
No caso de terem sido consideradas graves ou gravíssimas, ou ainda na hipótese de lesão corporal seguida de
morte, se forem praticadas nas circunstâncias do §9º do art. 129 do CP, ainda deverá ser aplicada ao agente o
aumento de 1/3 previsto pelo §10 do mesmo artigo.
Perdão judicial → De maneira idêntica ao delito de homicídio, o perdão judicial veio previsto no §8º do art.
129 do CP.
Modalidades comissiva e omissiva → O crime de lesões corporais pode ser praticado comissiva ou
omissivamente, sendo que neste último caso o agente deverá gozar do status de garantidor.
Consumação e tentativa:
No que diz respeito à tentativa, ela será perfeitamente admissível na hipótese de lesão corporal de natureza
leve.
Sendo graves ou gravíssimas as lesões, somente se admitirá a tentativa nos casos em que o delito não for
classificado como preterdoloso. Assim, portanto, não há que se falar em tentativa nas hipóteses de lesão corporal
qualificada pelo: 1) perigo de vida; 2) aceleração de parto; 3) aborto.
Da mesma forma, não se admitirá a tentativa no delito de lesão corporal seguida de morte, em face da sua
natureza preterdolosa.
Pena, ação penal, transação penal e suspensão condicional do processo:
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Ao delito de lesão corporal leve ou simples foi cominada uma pena de detenção de 3 meses a 1 ano. À lesão
corporal de natureza culposa foi reservada uma pena de detenção de 2 meses a 1 ano. Para a modalidade
qualificada, prevista pelo §9º do art. 129 do CP, foi prevista uma pena de detenção de 6 meses a 1 ano.
Tanto a ação penal como as investigações policiais somente poderão ter início, nesses casos, com a
necessária representação do ofendido, conforme determina o art. 88 da Lei n. 9.099/95.
Tendo em vista a pena máxima cominada em abstrato, regra geral é a de que os delitos de lesão corporal de
natureza leve (aqui incluída a violência doméstica constante do §9º) ou culposa sejam de competência dos Juizados
Especiais Criminais, havendo possibilidade, inclusive, de composição dos danos ou transação penal, nos termos do
art. 72 e 76 da Lei n. 9.099/95.
Não sendo realizada a composição dos danos, o que impediria, se homologada pelo juiz, o início da ação
penal dada a renúncia que acarreta ao direito de queixa ou representação, bem como se não aceita a transação penal,
para os delitos de lesões corporais leves ou culposas ainda existe a possibilidade de ser procedida a proposta de
suspensão condicional do processo, conforme o art. 89 da Lei n. 9.099/95.
Para o delito de lesão corporal grave, previsto no §1º do art. 129 do CP, foi cominada pena de reclusão de 1
a 5 anos. A ação penal é de iniciativa pública incondicionada, já que não existe qualquer ressalva no artigo,
conforme orientação contida no caput do art. 100 e seu §1º do CP.
Tendo em vista a pena mínima cominada, há possibilidade de ser confeccionada proposta de suspensão
condicional do processo, não sendo viável a transação penal.
A pena é de reclusão de 2 a 8 anos na hipótese de lesão corporal gravíssima, prevista no §2º do art. 129 do
CP. A ação penal é de iniciativa pública incondicionada, não sendo possível, segundo posição dominante, a
proposta de suspensão condicional do processo.
De qualquer forma, as causa de aumento ou de diminuição de pena deverão ser consideradas para efeito de
permitir a aplicação dos institutos analisados (transação penal e suspensão condicional do processo).
Princípio da insignificância, lesões corporais e vias de fato:
A criação do princípio da insignificância é atribuída ao professor alemão Claus Roxin. Em uma concepção
analítica, o crime é entendido como uma ação típica, ilícita e culpável.
Por tipicidade penal entende-se, modernamente, a conjugação da tipicidade formal com a tipicidade
conglobante. Interessa-nos, nesta oportunidade, o estudo tão-somente da tipicidade conglobante, em sua
característica correspondente à tipicidade material. Por tipicidade material devemos entender o critério por meio do
qual o Direito Penal avalia a importância do bem no caso concreto.
Já deixamos antever ser possível a aplicação do princípio da insignificância ao delito de lesão corporal, seja
ela dolosa ou culposa, visto que, embora abstratamente considerada, a integridade corporal e a saúde sejam bens
que mereçam, efetivamente, a proteção do Estado por intermédio do Direito Penal, muitas vezes no caso concreto
tal proteção se faz desnecessária, dada a pouca ou nenhuma importância da lesão sofrida pela vítima.
O problema está, na verdade, em tentarmos conciliar a aplicação do princípio da insignificância, trabalhando
não somente com o delito de lesão corporal, como também com a contravenção penal de vias de fato, prevista no
art. 21 do Dec. Lei n. 3688/41.
Na verdade, o que distingue o delito de lesão corporal da contravenção penal de vias de fato é o dolo do
agente, o seu elemento subjetivo. No primeiro caso, a finalidade do agente é praticar um comportamento que venha,
efetivamente, ofender a integridade corporal ou a saúde da vítima; no segundo, embora a conduta também se dirija
contra a vítima, não tem a magnitude da primeira.
Dessa forma, devemos nos socorrer da proposta de Ferrajoli, quando preconiza que todas as contravenções
penais devem ser revogadas, se quisermos, realmente, manter o equilíbrio do sistema penal, com a adoção das teses
minimalistas, com seus correspondentes princípios, destacando-se dentre eles o da intervenção mínima e o da
insignificância.
Concluindo, portanto, entendemos ser possível a aplicação do princípio da insignificância ao delito de lesões
corporais, devendo-se, por oportuno, ser negada a validade da contravenção penal de vias de fato, que contraria a
lógica do raciocínio minimalista, principalmente na vertente que impõe ao Direito Penal tão-somente a proteção
dos bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade.
Consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da ilicitude:
Tivemos oportunidade de analisar, quando do estudo da Parte Geral do CP, que o consentimento do ofendido
pode ter duas finalidades importantes consideradas em nossa teoria do delito.
A primeira seria a de aplicá-lo como causa que conduziria à atipicidade do fato toda vez que o dissenso
fizesse parte da figura típica.
Uma segunda colocação relativa ao estudo do consentimento do ofendido nos levaria à exclusão da ilicitude
do fato típico, como é a hipótese que começaremos a estudar, que diz respeito ao delito de lesão corporal.
Entretanto, antes de analisarmos a efetiva possibilidade de ser alegado o consentimento do ofendido em sede
de lesão corporal, é preciso que, primeiramente, apontemos os requisitos indispensáveis à sua caracterização, a
saber:
a) que o bem seja disponível;
b) que a vítima tenha capacidade para consentir;
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c)
que o consentimento tenha sido prévio ou, no mínimo, concomitante ao comportamento do agente.
Nesta oportunidade, interessa-nos mais de perto a análise do primeiro requisito necessário ao
reconhecimento do consentimento do ofendido, vale dizer, a disponibilidade do bem.
A integridade corporal ou a saúde são bens disponíveis ou indisponíveis? A resposta correta aqui, é,
depende. Depende, na verdade, da intensidade da lesão corporal sofrida.
Se a lesão corporal, outrossim, for de natureza leve, entendemos como perfeitamente disponível a
integridade física. Caso contrário, se for grave ou gravíssima, já não terá repercussão o consentimento.
Se a lesão corporal for de natureza grave ou gravíssima, o consentimento, segundo entendemos, já não será
válido. Poderá a própria vítima mutilar-se, mas não solicitar a terceiro que pratique esse comportamento.
Assim, concluindo, o consentimento do ofendido poderá afastar a ilicitude, sendo considerado uma causa
supralegal, desde que a lesão corporal praticada seja de natureza leve.
Capítulo 8 – Da Periclitação da Vida e da Saúde
Capítulo 9 – Perigo de Contágio Venéreo
Capítulo 10 – Perigo de Contágio de Moléstia Grave
Capítulo 11 – Perigo para a Vida ou Saúde de outrem
Capítulo 12 – Abandono de Incapaz
Capítulo 13 – Exposição ou Abandono de Recém-nascido
Capítulo 14 – Omissão de Socorro
Introdução:
O fato de virarmos as costas ao nosso semelhante, que vive um momento de perigo não criado por nós, será
objeto de reprimenda penal. Assim é o caso do delito de omissão de socorro.
A omissão de socorro encontra-se no rol dos crimes omissivos denominados próprios.
Os crimes omissivos próprios são aqueles cuja omissão vem narrada expressamente pelo tipo penal
incriminador.
Ao contrário, os crimes omissivos impróprios não se encontram tipificados expressamente na lei penal. Na
verdade, somente podemos visualizar o comportamento omissivo do agente no tipo penal devido ao fato de que a
norma que transforma o agente em garantidor é considerada como norma de extensão, vale dizer, aquela que tem
por finalidade ampliar a figura típica, a fim de que nela sejam abrangidos casos que ela não previu expressamente.
Somente podem praticar o delito de omissão de socorro aqueles que não gozam do especial status de
garantidor, pois que estes últimos terão que responder pelo resultado, quando deviam e podiam agir a fim de evitálo, e não o fizeram.
As normas existentes nas omissões próprias são sempre de natureza mandamental. Ou seja, o tipo penal
prevê um comportamento omissivo, impondo ao agente um fazer algo a fim de evitar o resultado por ele previsto
(dano ou perigo).
Por criança abandonada ou extraviada devemos entender aquela que, de acordo com o art. 2º do ECA (Lei n.
8.069/90), não tenha, ainda, completado 12 anos de idade e que tenha, por algum motivo, sido abandonada à
própria sorte por aqueles que eram seus responsáveis, ou, no caso da criança extraviada, que tenha com eles perdido
o contato ou a vigilância, não sabendo retornar ao seu encontro.
Pessoa inválida, segundo a concepção de Hungria, “é toda aquela que, entregue a si mesma, não pode prover
a própria segurança, seja isto por suas próprias condições normais ou por acidente”.
Pessoa ferida é aquela que teve ofendida a sua integridade corporal ou saúde, seja por ação de terceiros, caso
fortuito, ou até mesmo por vontade própria.
A segunda parte do caput do art. 135 do CP traduz um comportamento alternativo, assim redigido: “ou não
pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública”.
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Isso significa que o agente tem uma escolha? Pode optar por procurar socorro junto à autoridade pública? A
resposta só pode ser negativa, segundo entendemos. O socorro deve ser prestado imediatamente por aquele que, nas
condições em que se encontrava, tinha plenas condições de fazê-lo.
Entretanto, não sendo possível para o agente prestar, ele próprio, o socorro, aí sim, deverá buscar auxílio
junto às autoridades competentes.
Como a própria lei penal esclarece, somente responderá pelo delito de omissão de socorro o agente que
podia prestar a assistência sem risco pessoal. Havendo risco para o agente, o fato será atípico no que diz respeito à
sua assistência direta, mas não o exime de responsabilidade, se também, podendo, não procura socorro junto à
autoridade pública.
Questão que deve ser esclarecida diz respeito a quem se amolda ao conceito de autoridade pública. São
aqueles que, por definição legal, tenham o dever de afastar o perigo, como acontece com os bombeiros e policiais.
Entretanto, pode ser encarada como autoridade competente a prestar o auxílio o Promotor de Justiça que, por
exemplo, atue em uma Promotoria Especializada na Proteção de Crianças e Adolescentes, na hipótese envolvendo
crianças abandonadas.
Concluindo, devemos apontar, no caso concreto, a autoridade que seria a competente a fim de prestar,
subsidiariamente, o socorro exigido.
Classificação doutrinária:
Crime comum quanto ao sujeito ativo e próprio com relação ao sujeito passivo, nas hipóteses em que a lei
exige dele uma qualidade especial, de perigo concreto (devendo ser demonstrado que a omissão do agente trouxe,
efetivamente, uma situação de perigo para a vítima), doloso, de forma livre, omissivo próprio, instantâneo,
monossubjetivo, podendo ser considerado, dependendo da situação, unissubsistente ou plurissubsistente, transeunte
(como regra).
Objeto material e bem juridicamente protegido:
O crime de omissão de socorro tem como bens juridicamente protegidos a vida e a saúde.
Objeto material do delito de omissão de socorro é a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida
ou ferida que se encontre na situação de grave e iminente perigo.
Sujeito ativo e sujeito passivo:
O delito de omissão de socorro é comum com relação ao sujeito ativo, podendo, portanto, ser praticado por
qualquer pessoa que não goze do status de garantidora, uma vez que, nesse caso, o agente teria que responder pelo
resultado que devia e podia ter evitado.
O art. 135 do CP aponta como um de seus sujeitos passivos a criança abandonada ou extraviada. Também
poderá ser sujeito passivo do delito de omissão de socorro qualquer pessoa que se encontre inválida ou ferida, não
importando, aqui, a sua idade ou sexo.
Consumação e tentativa:
Questão extremamente interessante e controvertida diz respeito ao momento em que se tem por consumado o
delito de omissão de socorro.
Não há muita diferença entre as conclusões a que chegaram autores renomados. Na verdade, devemos
apontar o momento no qual a inação, ou seja, a negação da prestação do socorro já pode ser entendida como o
momento da consumação do delito em estudo.
Devemos apontar, para fins de reconhecimento da consumação do delito de omissão de socorro, quando a
inação do agente trouxe efetivo perigo para a vida ou para a saúde da vítima.
Não é a simples omissão em socorrer, ou seja, a negativa em prestar o socorro, que consuma o delito em
exame, mas sim a negação do socorro que importa, concretamente, em risco para a vida ou para a saúde da vítima.
O segundo raciocínio diz respeito à possibilidade de tentativa no delito de omissão de socorro.
Juarez Tavares assevera: “Nos crimes omissivos próprios não se admite tentativa, porque, uma vez que a
omissão esteja tipificada na lei como tal, se o sujeito se omite, o crime já se consuma; se o sujeito não se omite,
realiza ele o que lhe foi mandado”.
No mesmo sentido, afirma, Cezar Roberto Bitencourt: “A omissão de socorro, crime omissivo próprio ou
puro, por excelência, não admite a tentativa, pois não exige um resultado naturalístico produzido pela omissão”.
Elemento subjetivo:
O delito de omissão de socorro somente admite a modalidade dolosa, seja o dolo direto ou eventual.
Causas de aumento de pena:
A doutrina, majoritariamente, aduz que as causas de aumento de pena previstas no transcrito parágrafo único
somente poderão ser atribuídas ao agente a título de culpa, tratando-se, portanto, de um crime preterdoloso, ou seja,
dolo com relação à omissão, e culpa no que diz respeito ao resultado (lesão corporal de natureza grave ou morte).
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Penal e ação penal:
Para a hipótese do caput do art. 135 do CP, em decorrência da quantidade máxima de pena prevista em
abstrato, a competência para julgamento do delito de omissão de socorro, pelo menos ab initio, será do Juizado
Especial Criminal, uma vez que tal infração penal se amolda ao conceito daquelas consideradas como de menor
potencial ofensivo, sendo possível a aplicação de todos os institutos que lhe são inerentes.
Ocorrendo lesão corporal de natureza grave, aumentando-se a pena de metade, ou morte, caso em que a pena
será triplicada, ainda assim persiste a competência do Juizado Especial Criminal, haja vista que, mesmo triplicando
a pena máxima cominada em abstrato, o seu limite não ultrapassa os dois anos.
Existe possibilidade alternativa de aplicação da pena privativa de liberdade ou a pena de multa.
Agente que não socorre a vítima atropelada temendo agravar a situação:
A toda hora os programas jornalísticos informam que, em situações que envolvam acidentes, é melhor que a
vítima não seja removida do local, a não ser que essa remoção seja realizada por pessoal qualificado para tanto,
uma vez que se corre o risco de agravar seu estado de saúde, principalmente no que diz respeito a problemas na
coluna cervical.
Imagine-se a hipótese em que o agente, percebendo que a vítima esteja precisando de socorro, logo após uma
colisão de veículos, não o efetue pessoalmente sob o argumento de não ser preparado para socorrer pessoas que se
encontram no estado como no da vítima.
Teria ele que ser responsabilizado pelo delito de omissão de socorro? Primeiramente, o agente não se negou
simplesmente a socorrer. Havia uma motivação justa que permitia afastar a censurabilidade de seu comportamento,
sob o argumento da inexigibilidade de conduta diversa.
Contudo, embora, segundo a sua concepção, não podia prestar diretamente o socorro à vítima;
obrigatoriamente deveria buscar socorro junto à autoridade competente, sob pena de ser responsabilizado pelo
delito de omissão de socorro.
Concurso de pessoas nos delitos omissivos:
Se várias pessoas, em comum acordo, deixam de prestar o necessário socorro à vítima, poderíamos falar em
concurso de pessoas em crimes omissivos?
A questão não é pacífica, pelo contrário, sendo que a doutrina se divide nesse ponto.
Juarez Tavares, entendendo pela impossibilidade do concurso de pessoas em crimes omissivos, explica:
“Embora a norma mandamental possa se destinar a todos, como na omissão de socorro, o preenchimento do dever é
pessoal. Consoante esse dado, podemos afirmar que nos crimes omissivos não há concurso de pessoas, isto é, não
há co-autoria nem participação. Cada qual responde que lhe é imposto. Trata-se, na verdade, como expõe Armin
Kaufmann, de uma forma especial de autoria colateral”.
No mesmo sentido, Luiz Regis Prado afirma que “o crime de omissão de socorro não dá lugar ao concurso
de pessoas (nem co-autoria, nem participação)”.
Numa posição diametralmente oposta, Cezar Roberto Bitencourt assevera: “Os crimes omissivos próprios,
na nossa concepção, admitem tanto a co-autoria quanto a participação em sentido estrito. Se, por exemplo, duas ou
mais pessoas deliberarem, umas anuindo à vontade das outras, todas responderão pelo mesmo crime, mas em coautoria, em razão do vínculo subjetivo. Se alguém, porém, que não está no local, mas por telefone, sugere, ou
instiga a quem está em condições de socorrer para que não o faça, responderá também pelo crime, mas na condição
de partícipe”.
Entendemos, com Cezar Roberto Bitencourt, pela admissibilidade do concurso de pessoas em sede de crimes
omissivos, sejam eles próprios, como é o caso do delito de omissão de socorro, ou mesmo impróprios.
Agente que imagina que corre risco, quando na verdade este não existe:
Pode ocorrer a hipótese em que o agente, acreditando correr risco pessoal, deixe de prestar o necessário
socorro à vítima quando, na realidade, não havia qualquer risco.
De acordo com a regra do art. 20 do CP, se o erro for escusável, afasta-se o dolo e a culpa; sendo inescusável
o erro, o dolo continua a ser afastado, mantendo-se, contudo, a responsabilidade penal a título de culpa, se houver
previsão legal.
Como não há previsão legal para a omissão de socorro culposa, e não sendo o agente garantidor, o fato
deverá ser considerado atípico.
Obrigação solidária e necessidade de ser evitado o resultado:
O delito de omissão de socorro traduz um dever solidário, dirigido a todos nós.
Na qualidade de obrigação solidária, se algum dos sujeitos se habilita a prestar o socorro, não se exige que os
demais pratiquem o mesmo comportamento.
Contudo, se o agente que tentou levar a efeito o socorro não podia fazê-lo a contento sem a ajuda dos
demais, os que permaneceram inertes serão responsabilizados pela omissão de socorro.
Caso tenha feito de tudo o que estava ao seu alcance a fim de evitar a produção desses resultados que,
infelizmente, sobrevieram, o agente não poderá ser responsabilizado penalmente, pois, conforme esclarece Muñoz
Conde, “a lei não lhe impõe nenhum dever de evitá-lo, senão meramente o dever de socorrer”.
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Omissão de socorro no Estatuto do Idoso:
Em virtude do princípio da especialidade, quando se tratar de pessoa com idade igual ou superior a 60 anos,
aplica-se o tipo penal de omissão previsto no art. 97 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
Dessa forma, a segunda parte contida no art. 135 do CP, que se refere à pessoa inválida ou ferida, ao
desamparo ou em grave e iminente perigo, está abrangida pela redação mais ampla do art. 97, que aponta para
qualquer situação de iminente perigo em que se encontre o idoso.
Omissão de socorro no Código de Trânsito Brasileiro:
Também aqui houve especialização da omissão de socorro.
O art. 304 do CTB somente se aplica aos condutores de veículos que, de alguma forma, estiverem
envolvidos em acidentes de trânsito, cujos resultados não lhes possam ser atribuídos culposamente.
Isso porque, havendo culpa do motorista envolvido no acidente, que produziu lesão ou morte da vítima, a
sua omissão de socorro será considerada causa de aumento de pena, conforme determinam os parágrafos únicos dos
arts. 302 e 303 do CTB.
Assim, somente será possível a aplicação do aludido art. 304 aos condutores de veículos que não agiram com
culpa no acidente em que foram envolvidos.
Verdadeira aberração foi a previsão contida no parágrafo único do art. 304 do CTB, caracterizando como
omissão de socorro a hipótese de fuga do agente, mesmo tratando-se de vítima com morte instantânea.
Se os bens juridicamente protegidos pelo delito de omissão de socorro, seja no CP, no Estatuto do Idoso, ou
mesmo no CTB são a saúde e a vida, e se, no caso concreto, não existe sequer pessoa a ser protegida, como se pode
responsabilizar criminalmente o agente pelo delito de omissão de socorro?
Ariosvaldo de Campos Pires e Sheila Selim, criticando o dispositivo em estudo, asseveram: “Não se poderá
imputar omissão de socorro a quem não poderia prestá-lo, e.g., verificada a morte antes que possível qualquer
medida de assistência, de tal sorte que, a haver socorro, seria ele prestado ao cadáver e não ao ferido. A hipótese é
de crime impossível (art. 17, CP)”.
Recusa da vítima em deixar-se socorrer:
O fato de a própria vítima não querer ser socorrida afasta a obrigação que tem o agente em lhe prestar o
socorro? Absolutamente não.
Isso porque os bens juridicamente protegidos pelo tipo penal, que define a omissão de socorro, são
indisponíveis.
Como a situação de perigo é grave, ou seja, proporcionará um dano considerável à vítima, a sua integridade
física ou a sua saúde passam a ser consideradas indisponíveis, razão pela qual, mesmo contra a sua vontade, deverá
o agente prestar-lhe socorro.
Somente ficará isento de responsabilidade o agente que, dada a resistência da vítima em ser socorrida, se
encontrar numa situação em que corra risco pessoal. Nessa hipótese, caso deixe, efetivamente, de prestar o socorro,
seu comportamento será atípico.
Capítulo 15 – Maus-tratos
Capítulo 16 – Rixa
Capítulo 17 – Dos Crimes contra a Honra
Introdução:
A honra é um bem considerado constitucionalmente inviolável (art. 5º, X, CR/88).
Costuma-se entender a honra e, consequentemente, a sua agressão sob os aspectos objetivo e subjetivo.
A chamada honra objetiva diz respeito ao conceito que o sujeito acredita que goza no seu meio social.
Segundo Carlos Fontán Balestra, “a honra objetiva é o juízo que os demais formam de nossa personalidade, e
através do qual a valoram”.
Já a honra subjetiva cuida do conceito que a pessoa tem de si mesma, dos valores que ela se auto-atribui e
que são maculados com o comportamento levado a efeito pelo agente.
A distinção tem repercussão prática, uma vez que, por intermédio dela, se poderá visualizar o momento
consumativo de cada infração penal prevista pela lei, que atinge a honra da vítima, conforme veremos mais adiante.
O CP catalogou três delitos contra a honra, a saber: calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art.
140).
Os dois primeiros (calúnia e difamação) maculam a honra objetiva do agente, sendo que o último, a injúria,
atinge sua honra de natureza subjetiva.
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Meios de execução nos crimes contra a honra:
Hungria esclarecia que o crime contra a honra “é praticado mediante a linguagem falada, escrita ou mímica,
ou por meio simbólico ou figurativo. Verbis, scriptis, nutu et facto”.
Importante salientar as formas pelas quais se pode cometer um delito contra a honra, pois que, dependendo
do meio utilizado pelo agente, poderá ser eliminada ou afirmada a possibilidade de tentativa.
Uma vez escolhido o meio a ser utilizado na prática da infração penal, estaremos, conseqüentemente, diante
do raciocínio da unissubsistência ou da plurissubsistência do crime. Sendo unissubsistente, não se admitirá a
tentativa; ao contrário, afirmando-se a plurissubsistência do delito, em virtude dos meios selecionados, será
permitido o raciocínio correspondente ao conatus.
O meio selecionado ao cometimento de qualquer um dos crimes contra a honra será fundamental ao
raciocínio pertinente ao iter criminis.
Imunidades dos Senadores, Deputados e Vereadores:
Determina o art. 53 da CR/88: “Os Deputados e Senadores são invioláveis , civil e penalmente, por
quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
Houve, portanto, previsão da chamada imunidade material para os deputados e senadores que, na defesa de
seu mandato, poderão, sem temer qualquer retaliação civil ou penal, emitir livremente opiniões e votar de acordo
com a consciência de cada um.
Não podem ser responsabilizados pelos chamados delitos de opinião. Ao contrário, podem e devem ser
responsabilizados quando agridem gratuitamente a honra de outras pessoas sem que haja qualquer ligação com a
defesa do mandato.
Além da imunidade material dos deputados e senadores, a CR/88 também entendeu por bem conceder-lhes a
imunidade formal, conforme se verifica pela redação contida nos §§3º, 4º e 5º do art. 53.
No que diz respeito aos vereadores, a CR/88 limitou a imunidade àquela de natureza material, mesmo assim
com certas restrições, conforme se percebe da leitura do inciso VIII do art. 29, que resguardou a sua inviolabilidade
por opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município.
Para os vereadores não houve previsão constitucional da imunidade formal, tampouco foro por prerrogativa
de função, razão pela qual poderão ser processados a qualquer tempo, sem que haja possibilidade de suspensão da
ação penal por seus pares, não se podendo aplicar-lhes, por simetria, o §3º do art. 53 da CR/88, dirigido tãosomente aos deputados e senadores.
Capítulo 18 – Calúnia
Introdução:
A calúnia é o mais grave de todos os crimes contra a honra previstos pelo CP.
Podemos indicar os três pontos principais que especializam a calúnia com relação às demais infrações penais
contra a honra, a saber:
a) a imputação de um fato;
b) esse fato imputado à vítima deve, obrigatoriamente, ser falso;
c) além de falso, o fato deve ser definido como crime.
Dessa forma, qualquer imputação de atributos pejorativos à pessoa da vítima, que não se consubstanciem em
fatos, poderá configurar o delito de injúria, mas não em calúnia. Dizer que a vítima é um ladrão não se lhe está
imputando a prática de qualquer fato, mas sim atribuindo-lhe pejorativamente uma qualidade negativa. Portanto,
nesse caso, o crime cometido seria o de injúria, e não o de calúnia.
Além do mais, esse fato deve ser falso, devendo o agente, obrigatoriamente, ter o conhecimento dessa
falsidade.
Tanto ocorrerá a calúnia quando houver a imputação falsa de fato definido como crime, como na hipótese de
o fato ser verdadeiro, mas falsa a sua atribuição à vítima.
Finalmente, além de falso o fato, deve ser definido como crime.
Dessa forma, toda vez que o fato imputado falsamente à vítima for classificado como contravenção penal,
em respeito ao princípio da legalidade, não poderemos subsumi-lo ao crime de calúnia, devendo ser entendido
como delito de difamação.
Acreditando o agente que o fato definido como crime é verdadeiro, incorrerá em erro de tipo, afastando-se o
dolo do art. 138, podendo, contudo, ainda ser responsabilizado pelo delito de difamação, embora possa ser
discutível essa classificação, conforme veremos mais detidamente adiante.
Classificação doutrinária:
Crime comum, formal (uma vez a sua consumação ocorre mesmo que a vítima não tenha sido, efetivamente,
maculada em sua honra objetiva, bastando que o agente divulgue, falsamente, a terceiro, fato definido como crime),
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doloso, de forma livre, instantâneo, comissivo (podendo ser também omissivo impróprio, desde que o agente goze
do status de garantidor), monossubjetivo, unissubsistente ou plurissubsistente (pois que o ato de caluniar pode ser
concentrado, ou, ainda, fracionado, oportunidade em que se poderá visualizar a tentativa), transeunte (sendo que,
em algumas situações, poderá ser considerado não transeunte, a exemplo do agente que divulga a terceiro, por meio
de carta, um fato definido como crime falsamente atribuído à vítima), de conteúdo variado (podendo o agente não
somente caluniar a vítima, como também se esforçar no sentido de divulgá-la a mais pessoas, devendo responder,
portanto, por uma só infração penal).
Objeto material e bem juridicamente protegido:
Bem juridicamente protegido pelo delito de calúnia é a honra, aqui concebida objetivamente.
Objeto material é a pessoa contra qual são dirigidas as imputações ofensivas à sua honra objetiva.
Sujeito ativo e sujeito passivo:
Qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo ou como sujeito passivo do crime de calúnia.
Discute-se a possibilidade de inimputáveis, bem como de pessoas jurídicas figurarem como sujeitos passivos
do delito em estudo.
No que diz respeito aos inimputáveis, Hungria afastava essa possibilidade e concluía que os inimputáveis
somente podiam ser sujeitos passivos dos crimes de difamação e injúria. Segundo Hungria, “convém observar que
as ofensas aos penalmente irresponsáveis (enfermos ou deficientes mentais, ou menores de 18 anos) somente como
injúria ou difamação podem ser classificadas, excluídas a configuração de calúnia, pois esta é a falsa imputação de
prática responsável de um crime”.
Em que pese a força do argumento e a envergadura do seu subscritor, somos forçados a discordar do
renomado penalista.
Entendemos que o CP tão-somente exige a imputação a alguém de um fato definido como crime, mesmo que
essa pessoa, dada a sua incapacidade de culpabilidade, não possa, tecnicamente, cometer o crime que se lhe imputa,
para efeitos de responsabilidade penal.
A partir dessa ilação, devemos trabalhar com o princípio da razoabilidade. Nada impede que, de acordo com
o princípio da razoabilidade, se entenda que um inimputável poderia, em tese, praticar um fato descrito como crime
na lei penal, mesmo que por ele não pudesse ser responsabilizado criminalmente.
Também se discute sobre a possibilidade que tem a pessoa jurídica de figurar como sujeito passivo do crime
de calúnia.
Luiz Regis Prado, enfaticamente, afirma: “Sujeito passivo é tão-somente a pessoa física. A ofensa irrogada à
pessoa jurídica reputa-se feita aos que a representam ou dirigem. Não há falar em calúnia contra pessoa jurídica”.
Na verdade, não se pode negar que a pessoa jurídica possua honra objetiva, sendo esta, inclusive, a razão do
seu sucesso perante a população em geral.
Assim, existe honra objetiva a ser preservada, mesmo tratando-se de pessoa jurídica.
Até o advento da Lei n. 9.605/98, quando se atribuía a uma pessoa jurídica a prática de um fato definido
como crime, ante a absoluta impossibilidade de cometê-lo, desclassificava-se o fato para o delito de difamação.
Assim, qualquer fato ofensivo à honra objetiva da pessoa jurídica era entendido como difamação, e nunca como
calúnia.
Contudo, com o surgimento da mencionada Lei n. 9.605/98, que criou tipos penais específicos para as
pessoas morais, hoje em dia tal impossibilidade absoluta foi afastada, permitindo-se o raciocínio com relação ao
crime de calúnia toda vez que o fato falsamente atribuído à pessoa jurídica disser respeito a um crime de natureza
ambiental.
Assim, concluindo, poderá a pessoa jurídica figurar como sujeito passivo do crime de calúnia desde que o
crime a ela atribuído falsamente seja tipificado na Lei n. 9.605/98. Nas demais hipóteses, ou seja, fora da lei
ambiental, o fato deverá ser considerado crime de difamação, em face da impossibilidade das demais infrações
penais serem praticadas pelas pessoas morais.
Consumação e tentativa:
A calúnia se consuma quando um terceiro, que não o sujeito passivo, toma conhecimento da imputação falsa
de fato definido como crime.
Dependendo do meio pelo qual é executado o delito, há possibilidade de se reconhecer a tentativa.
Na calúnia por escrito existe um iter (não mais se trata de crime de único ato – unico actu perficiuntur) que
pode ser fracionado ou dividido. Se uma pessoa, v.g., prepara folhetos caluniosos contra outra e está prestes a
distribuí-los, quando é interrompida por esta, há, por certo, tentativa. Houve início de realização do tipo. Este não
se integralizou, por circunstâncias alheias à vontade do agente.
É fundamental a fim de se verificar a possibilidade de tentativa no delito de calúnia, como em geral em
qualquer outra infração penal, que se aponte, com segurança, os atos iniciais de execução.
Merece destaque, ainda, o fato de que para a consumação do delito de calúnia, a vítima não precisa sentir-se
atingida em sua honra objetiva, bastando que o agente atue com essa finalidade.
Elemento subjetivo:
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O delito de calúnia somente admite a modalidade dolosa, ou seja, o chamado animus calumniandi, isto é, a
vontade de ofender a honra do sujeito passivo, sendo admitidas, entretanto, quaisquer modalidades de dolo, seja ele
direto ou mesmo eventual.
Não atuando o agente com a finalidade de agredir a honra da vítima, mas tão-somente com o chamado
animus jocandi, não restará configurada a infração penal.
Se, por exemplo, agindo com animus jocandi, afirmo que um amigo saiu com todas as mulheres casadas de
determinado prédio de apartamentos, em tese, estaria lhe imputando falsamente a prática de vários crimes de
adultério. Contudo, se a intenção não era macular a honra objetiva, mas tão-somente brincar, estará ausente o
necessário elemento subjetivo caracterizador da calúnia.
Agente que propala ou divulga a calúnia:
No parágrafo transcrito somente se admite o dolo direto, uma vez que o agente que propala ou divulga a
calúnia da qual teve ciência deve conhecer da falsidade da imputação.
Calúnia contra os mortos:
O §2º do art. 138 do CP diz ser punível a calúnia contra os mortos.
Certo é que o morto não goza mais do status de pessoa, como também é certo que não mais se subsume ao
conceito de alguém, previsto no caput do art. 138 do CP.
Contudo, sua memória merece ser preservada, impedindo-se, com a ressalva feita no §2º acima mencionado,
que também seus parentes sejam, mesmo que indiretamente, atingidos pela força da falsidade do fato definido
como crime, que lhe é imputado.
A Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) foi mais além e determinou, por intermédio do seu art. 24, o seguinte:
“São puníveis, nos termos dos arts. 20 a 22, a calúnia, difamação e injúria contra a memória dos mortos”.
O CP somente ressalvou a possibilidade de calúnia contra os mortos, não admitindo as demais modalidades
de crimes contra a honra, vale dizer, a difamação e a injúria, ao contrário da Lei de Imprensa, que fez previsão
expressa de todas as modalidades.
Exceção da Verdade:
Chama-se exceção da verdade a faculdade atribuída ao suposto autor do crime da calúnia de demonstrar que,
efetivamente, os fatos por ele narrados são verdadeiros, afastando-se, portanto, com essa comprovação, a infração
penal a ele atribuída.
O momento oportuno para se erigir a exceptio veritatis é o da defesa prévia, previsto no art. 395 do CPP.
O §3º do art. 138 do CP, contudo, ressalva as situações em virtude das quais se torna impossível a argüição
da exceção da verdade.
Na primeira hipótese capitulada, não há possibilidade de argüição da exceptio veritatis quando se tratar de
crime cuja ação penal seja de iniciativa privada (propriamente dita ou personalíssima) se o ofendido não foi
definitivamente condenado, quer dizer, se a sentença penal condenatória não houver transitado em julgado.
Enquanto estiver pendente de julgamento a ação penal, seja em primeiro grau ou em grau de recurso, não poderá
ser erigida a exceção da verdade. Segundo a opinião dominante, tampouco poderá ser argüida a exceptio veritatis
caso o ofendido não tenha sequer sido processado criminalmente pelo fato definido como crime que lhe imputa o
agente.
Hungria explicando a posição assumida pela lei penal, dizia: “Se, no tocante a certos crimes, a lei, para evitar
ao ofendido maior escândalo ou desassossego com o ofensor, deixa ao seu exclusivo arbítrio a iniciativa ou
prosseguimento da ação penal, não se compreenderia que fosse outorgada a terceiros a faculdade de proclamar o
fato coram populo e comprova-lo coram judice. Incidiria a lei em flagrante contradição, se tal permitisse”. No
mesmo sentido, Luiz Regis Prado.
Em que pese a autoridade dos mencionados autores, bem como a força dos raciocínios por eles expendidos,
ousamos discordar da posição a que chegaram, uma vez que, analisando o fato sob um enfoque garantista, não seria
razoável permitir a condenação de alguém que está sendo processado por ter, supostamente, praticado o crime de
calúnia, imputando a outrem um fato verdadeiro definido como crime, não importando se a ação é ou não de
iniciativa privada propriamente dita ou mesmo personalíssima.
O inciso I do §3º do art. 138 do CP, ao proibir a exceção da verdade quando o ofendido não tenha sido
condenado por sentença irrecorrível, deve ser reinterpretado de acordo com o enfoque constitucional do princípio
da ampla defesa.
Segundo nosso raciocínio, caso exista uma ação penal em curso, visando a apuração de um delito que se
atribui à suposta vítima da calúnia, deverá o julgador suspender o curso da ação penal que apura o delito de calúnia,
aguardando-se a confirmação da existência ou não do fato, que se entende como falso, definido como crime.
O que não se pode, contudo, é simplesmente impedir a defesa do querelado, ou seja, daquele que está sendo
submetido a um processo penal, simplesmente pelo fato de não ter havido, ainda, trânsito em julgado da sentença
penal condenatória.
Seria um enorme contra-senso impedir a sua defesa, condenando-o pela prática do delito de calúnia para, ao
final, quando já tivesse transitado a sentença penal condenatória que teve o condão de apontar a prática do delito
que se atribuía à suposta vítima, obrigá-lo a ingressar novamente em juízo com uma ação de revisão criminal, uma
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vez que, sendo comprovado o cometimento do delito que imputou à suposta vítima, afastada estará a elementar
“falsamente”, exigida pelo tipo penal do art. 138 do CP.
Dessa forma, a primeira conclusão a que chegamos, é que quando existe uma ação penal de iniciativa
privada em andamento, que busca apurar a infração penal que é atribuída à suposta vítima do delito de calúnia,
deveria o julgador, que se encontra à frente do processo que apura o delito contra honra, suspender o andamento da
ação penal, admitindo a exceptio veritatis, a fim de que sua decisão sobre a existência ou não do delito de calúnia
fique dependendo da conclusão a que se chegar nos autos em que se apura o delito atribuído pelo agente à suposta
vítima.
E quando sequer existir ação penal?
Por mais uma vez temos que erigir a bandeira do princípio da ampla defesa, ao contrário do que aduz a
doutrina amplamente majoritária, conforme podemos constatar acima através das posições da Hungria e Luiz Regis
Prado.
Estaríamos, aqui, violando não somente o princípio da ampla defesa, mas também o da presunção de
inocência. Na verdade, ao impedirmos o agente de demonstrar que o fato por ele atribuído à suposta vítima,
definido como crime, é verdadeiro, estamos presumindo que ele seja culpado.
O inciso II do §3º do art. 138 do CP também não admite a exceção da verdade se o fato é imputado a
qualquer das pessoas indicadas no n. I do art. 141, vale dizer, o Presidente da República ou chefe de governo
estrangeiro.
No caso de crime atribuído ao Presidente da República, bem como ao chefe de governo estrangeiro, não
seria razoável, dadas as posições que ocupam, colocá-los como réus em acusações propostas por quem não possui
legitimidade constitucional para tanto.
Conforme esclarecimentos de Cezar Roberto Bitencourt, “com essa ressalva, pretende-se somente proteger o
cargo e a função do mais alto mandatário na Nação e dos chefes de governos estrangeiros”.
Embora o raciocínio do ilustre penalista gaúcho seja brilhante, ousamos discordar dele ao menos
parcialmente.
Nesse caso, embora não possamos admitir a exceptio veritatis, com inversão dos papéis anteriores, não
podemos aceitar passivamente a condenação de um inocente, presumindo-se verdadeiros os fatos contra ele
imputados na ação penal que busca apurar o delito de calúnia.
Tal posição também colidiria com os princípios constitucionais da ampla defesa e da presunção de
inocência.
Nesse caso, a solução seria permitir, mesmo que tão-somente em sede de defesa, a comprovação do crime
que se atribui ao Presidente da República ou ao chefe de governo estrangeiro. Uma vez comprovada a prática do
delito, o agente deverá ser absolvido na ação penal relativa ao crime de calúnia; não tendo sucesso nessa
comprovação, a condenação será imposta, se ficar comprovado que sabia da falsidade dos fatos por ele imputados à
vítima, tido como criminosos.
No inciso III do §3º do art. 138 do CP, proíbe-se a prova da verdade quando o ofendido tenha sido absolvido
em sentença irrecorrível do crime que lhe atribuiu o agente.
Aqui, embora o inciso III faça menção de iniciativa pública, havendo absolvição , por sentença irrecorrível,
não importando a natureza da ação penal (se pública ou privada a sua iniciativa), não poderá ser argüida a exceção
da verdade, uma vez que o fato já fora decidido judicialmente.
Pena e ação penal:
A pena será aumentada de 1/3, nos termos do caput do CP, se a calúnia for cometida contra o Presidente da
Republica ou contra chefe de governo estrangeiro; contra funcionário público, em razão de suas funções; na
presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a sua divulgação; contra pessoa maior de 60 anos ou portadora
de deficiência.
Poderá, ainda, vir a ser dobrada, se a calúnia for cometida mediante paga ou promessa de recompensa,
conforme determina o parágrafo único do art. 141 do CP.
A ação penal, em regra, será de iniciativa privada, conforme determina o art. 145 do CP. Será, contudo, de
iniciativa pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça, quando o delito for praticado contra o
Presidente da Republica ou chefe de governo estrangeiro. Será de iniciativa pública condicionada à representação
do ofendido, quando o crime for cometido contra funcionário público, em razão de suas funções. O STF, por meio
da Súmula 714, assim se posicionou: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do MP,
condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão
do exercício de suas funções”.
Calúnia Implícita (ou Equívoca) e Reflexa:
É possível que o agente, ao atribuir a alguém falsamente a prática de um fato definido como crime, não o
faça de forma expressa, podendo ser a calúnia, assim, considerada implícita ou equívoca e reflexa.
Implícita ou equívoca seria a calúnia quando o agente, embora não expressamente, permitisse que o
interlocutor entendesse a mensagem dada, que contém a imputação falsa de um fato definido como crime, como no
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exemplo daquele que diz: “Eu, pelo menos, nunca tive relações sexuais à força com nenhuma mulher”, dando a
entender que o agente havia praticado um crime de estupro.
Reflexa, no exemplo de Hungria, pode ocorrer quando o agente diz, por exemplo, que um juiz decidiu o fato
dessa forma porque foi subornado. Com relação ao juiz, a calúnia é entendida como expressa, uma vez que o agente
está a ele atribuindo falsamente um fato definido como delito de corrupção passiva, e reflexa no que diz respeito
àquele beneficiado com a decisão, uma vez que teria praticado, a seu turno, o delito de corrupção ativa.
Exceção de notoriedade:
A finalidade da exceção de notoriedade do fato (art. 523, CPP) é demonstrar que, para o agente, o fato que
atribuía à vítima era verdadeiro, segundo foi induzido a crer. Atua, portanto, em erro de tipo, afastando-se o dolo e,
conseqüentemente, eliminando a infração penal.
Calúnia proferida no calor da discussão:
Embora tenha discussão a respeito, não importa se os fatos foram mencionados quando o agente se
encontrava calmo ou quando os proferiu no calor de alguma discussão. O que importa, de acordo com a exigência
típica, é que tenha atuado com o elemento subjetivo exigido pelo delito de calúnia, ou seja, agiu com o fim de
macular a honra objetiva da vítima, imputando-lhe falsamente um fato definido como crime.
Presença do ofendido:
Exige-se a presença do ofendido para fins de configuração do delito de calúnia? Não, uma vez que,
conforme já o dissemos, a calúnia atinge a honra objetiva da vítima, isto é, o conceito que ela goza junto ao seu
meio social.
Em razão disso, o delito se consuma quando terceiro, que não a vítima, toma conhecimento dos fatos falsos a
ela atribuídos, definidos como crime.
Diferença entre calúnia e denunciação caluniosa:
A denunciação caluniosa está prevista no art. 339 do CP.
A primeira diferença fundamental entre o crime de calúnia e o de denunciação caluniosa diz respeito ao bem
jurídico por eles protegido. Na calúnia, protege-se a honra objetiva; na denunciação caluniosa, a correta
administração da justiça.
Na calúnia, macula-se, em virtude da afirmação falsa de fato definido como crime, a honra da vítima perante
a sociedade; com a denunciação caluniosa, pode-se colocar em risco até mesmo o direito de liberdade daquele que é
denunciado falsamente.
Para que ocorra a calúnia, basta que ocorra a imputação falsa de um fato definido como crime; para fins de
configuração da denunciação caluniosa, deve ocorrer uma imputação de crime a alguém que o agente sabe
inocente, sendo fundamental que o seu comportamento dê causa à instauração de investigação policial, de processo
judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa.
A diferença fundamental entre eles reside, como já deixamos entrever, no elemento subjetivo de cada
infração penal. Na calúnia, há o animus calumniandi, tão-somente. Na denunciação caluniosa, há a finalidade de
prejudicar a vítima atribuindo-lhe a prática de crime que pode ter conseqüências graves com a Justiça.
Consentimento do ofendido:
Tem-se entendido que a honra é um bem disponível, razão pela qual, se presentes os demais requisitos
necessários à validade do consentimento (capacidade para consentir e antecedência ou concomitância do
consentimento), poderá ser afastado o delito de calúnia.
O consentimento, aqui, será entendido como causa supralegal de exclusão da ilicitude, tendo o condão de
afastar o delito de calúnia.
Calúnia contra o Presidente da Republica, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do STF:
O art. 26 da Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170/83) especializou o delito de calúnia.
Para que o fato seja definido como crime contra a segurança nacional é preciso que a calúnia tenha
conotação política.
Calúnia da Lei de Imprensa:
O delito de calúnia também está previsto na Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67), sendo, portanto, especial em
relação àquele previsto pelo CP, em virtude dos meios utilizados na sua prática.
Em razão da maior gravidade do crime cometido por intermédio da imprensa, uma vez que, sendo utilizado
esse meio na divulgação da calúnia os efeitos serão infinitamente mais ruinosos para a vítima, são maiores as penas
previstas no art. 20 da Lei n. 5.250/67.
Diferença entre calúnia de difamação:
A calúnia possui pontos em comum com a difamação, pois que em ambas as infrações penais, há a
imputação da prática de um fato pela vítima, além de atingir a chamada honra objetiva.
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Contudo, podem ser diferenciadas pelas seguintes situações:
a) na calúnia, a imputação do fato deve ser falsa, ao contrário da difamação que não exige a sua falsidade;
b) na calúnia, além de falso, o fato deve ser definido como crime; na difamação, há somente a imputação de
um fato ofensivo à reputação da vítima, não podendo ser um fato definido como crime, podendo, contudo,
consubstanciar-se em uma contravenção penal.
Diferença entre calúnia e injúria:
A primeira diferença entre calúnia e injúria reside em que, naquela, existe uma imputação de um fato e neste
o que se atribui à vítima é uma qualidade pejorativa à sua dignidade ou decoro.
Com a calúnia, atinge-se a honra objetiva; já a injúria atinge a chamada honra subjetiva.
Assim, por exemplo, imputar falsamente a alguém a prática do tráfico de entorpecentes configura-se calúnia;
chamar alguém de traficante de drogas caracteriza o crime de injúria.
Foro por prerrogativa de função na exceção da verdade:
Pode acontecer, e não é incomum, que alguém que possua foro por prerrogativa de função venha a ser
caluniado. Imagine-se a hipótese em que o agente divulgar o fato qualquer sobre um Promotor de Justiça. Assim
que tomou conhecimento dos fatos, o Promotor, sentindo-se caluniado, ofereceu a necessária representação.
Contudo, em sua defesa prévia, o agente que havia imputado ao Promotor a prática do delito de corrupção
passiva opõe a exceção da verdade.
Pergunta-se: Quem será o competente para o julgamento da exceptio veritatis?
O art. 85 do CPP responde a essa indagação: “Nos processos por crime contra a honra, em que forem
querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do STF e dos Tribunais de Apelação, àquele ou a
estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida exceção da verdade”.
Nos termos do inciso III do art. 96 da CR/88, compete ao Tribunal de Justiça julgar os membros do MP, nos
crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
Capítulo 19 – Difamação:
Introdução:
Para que exista a difamação é preciso que o agente impute fatos à vítima que sejam ofensivos à sua
reputação.
A difamação difere do delito de calúnia em vários aspectos.
Primeiramente, os fatos considerados ofensivos à reputação da vítima não podem ser definidos como crime,
fazendo, assim, com que se entenda a difamação como um delito de menor gravidade, comparativamente ao crime
de calúnia. Contudo, se tais fatos disserem respeito à imputação de uma contravenção penal, poderão configurar o
delito de difamação.
Além de tão-somente ser exigida a imputação de fato ofensivo à reputação da vítima, na configuração da
difamação, não se discute se tal fato é ou não verdadeiro. Isso significa que, mesmo sendo verdadeiro o fato, o que
se quer impedir com a previsão típica da difamação é que a reputação da vítima seja malucada no seu meio social.
Para que se configure o delito de difamação deve existir uma imputação de fatos determinados, sejam eles
falsos ou verdadeiros, a pessoa(s) determinada(s), que tenha por finalidade macular a sua reputação, vale dizer, a
sua honra objetiva.
Classificação doutrinária:
Crime comum, formal, doloso, de forma livre, comissivo (podendo, sendo garantidor o agente, ser praticado
via omissão imprópria), instantâneo, monossubjetivo, unissubsistente ou plurissubsistente (dependendo do meio de
execução de que se vale o agente na sua prática, cabendo a tentativa na última hipótese), transeunte (como regra,
pois que pode ser praticado por meios que permitam a prova pericial, a exemplo da difamação escrita).
Objeto material e bem juridicamente protegido:
A honra objetiva é o bem juridicamente protegido pelo delito de difamação, sendo nesse caso visualizada por
meio da reputação da vítima no seu meio social.
Objeto material é pessoa contra qual são dirigidos os fatos ofensivos à sua honra objetiva.
Sujeito ativo e sujeito passivo:
Crime comum quanto ao sujeito ativo, a difamação pode ser praticada por qualquer pessoa. Da mesma
forma, qualquer pessoa pode ser considerada sujeito passivo do delito em estudo, não importando se pessoa física
ou jurídica.
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Pode ser perfeitamente possível que uma pessoa jurídica se veja atingida em sua reputação com fatos
divulgados pelo agente que denigrem a sua imagem perante a população, fazendo, inclusive, com que, em virtude
disso, sofra prejuízos materiais.
O crime de difamação, no que diz respeito às pessoas jurídicas, serve, também, como “vala comum” com
relação àqueles fatos que lhe são imputados, definidos como crime, mas que não se encontram no rol das infrações
ambientais, previstas pela Lei n. 9.605/98.
Da mesma forma que no delito de calúnia, entendemos que os inimputáveis, seja por doença mental, ou
mesmo por menoridade, podem figurar como sujeitos passivos do delito de difamação.
Consumação e tentativa:
Entendendo-se a honra objetiva como o bem juridicamente protegido pelo delito de difamação,
conseqüentemente, tem-se por consumada a infração penal quando terceiro, que não a vítima, toma conhecimento
dos fatos ofensivos à reputação desta última.
Às vezes nos soa um pouco ilógico entender que a consumação se dá quando terceiro toma conhecimento
dos fatos ofensivos à reputação da vítima, mas exigimos, em geral, que esses mesmos fatos cheguem ao
conhecimento dela para que, se for da sua vontade, possa ser proposta ação penal contra o agente difamador, no
prazo de 6 meses, sob pena de ocorrer a decadência do seu direito de ação.
Deve ser frisado, por oportuno, que, embora o prazo decadencial de 6 meses seja contado do dia em que a
vítima veio a saber quem é o autor do crime, conforme determina o art. 38 do CPP, a afirmação do momento de
consumação do delito possui outros efeitos, a exemplo da contagem do prazo prescricional. Assim, o art. 111 do CP
assevera: “A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: I – do dia em que o crime
se consumou”.
Discute-se, ainda, sobre a possibilidade de tentativa no crime de difamação. O mesmo raciocínio que
levamos a efeito quando estudamos o delito de calúnia aplica-se à difamação. O fundamental será apontar os meios
utilizados na prática do delito, o que fará com que visualizemos se estamos diante de um crime monossubsistente
ou plurissubsistente.
Se monossubsistente, não se admite a tentativa, pois que os atos que integram o iter criminis não podem ser
fracionados. Se plurissubsistentes, torna-se perfeitamente admissível a tentativa.
Elemento subjetivo:
O delito de difamação somente admite a modalidade dolosa, seja o dolo direto ou mesmo eventual.
Exige-se, aqui, que o comportamento do agente seja dirigido finalisticamente a divulgar fatos que atingirão a
honra objetiva da vítima, maculando-lhe a reputação.
Afasta-se o dolo quando o agente atua com animus jocandi.
Exceção da verdade:
Como regra, não é admitida a exceção da verdade no delito de difamação, pois que, mesmo sendo
verdadeiros os fatos ofensivos à reputação da vítima, ainda assim se concluirá pela tipicidade da conduta levada a
efeito pelo agente.
Contudo, o parágrafo único do art. 139 do CP ressalvou admitir a exceptio veritatis se o ofendido é
funcionário público e se a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
É de interesse da Administração Pública apurar possíveis faltas de seus funcionários quando no exercício das
suas funções públicas. Entretanto, tem-se entendido não ser admissível a exceptio veritatis quando a vítima não
mais ostenta o cargo de funcionário público, mesmo que os fatos tenham relação com o exercício da função
pública.
Pena e ação penal:
A pena cominada ao delito de difamação é de detenção de 3 meses a 1 ano, e multa.
A pena será aumentada de 1/3, nos termos do caput do art. 141 do CP. Poderá, ainda, vir a ser dobrada se a
difamação for cometida mediante paga ou promessa de recompensa, conforme preconiza o parágrafo único do art.
141 do diploma repressivo.
A ação penal será de iniciativa privada, de acordo com o art. 145 do CP, sendo, contudo, de iniciativa
pública condicionada a requisição do Ministro da Justiça quando o delito for praticado contra o Presidente da
Republica ou chefe de governo estrangeiro. Será de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido
quando o crime for cometido contra funcionário público em razão de suas funções. O STF, por intermédio da
Súmula 714, entendeu que “é concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do MP, condicionada à
representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de
suas funções”.
Consentimento do ofendido:
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Aplica-se à difamação o mesmo raciocínio levado a efeito quando abordamos o consentimento do ofendido
no delito de calúnia. Sendo a honra um bem de natureza disponível, nada impede que a suposta vítima, desde que
capaz, consinta em ser difamada pelo agente.
Presença do ofendido:
Levando em consideração o fato de que a difamação atinge a honra objetiva da vítima, não há necessidade
da presença do ofendido para que o delito se consuma, sendo, como já afirmamos anteriormente, importante
apontar o momento exato da consumação, para fins de cálculos penais, a exemplo do que ocorre com a contagem
do prazo de prescrição.
Divulgação ou propalação da difamação:
O §1º do art. 138 do CP fez previsão expressa no sentido de que incorreria nas mesmas penas previstas no
preceito secundário do caput do mencionado artigo aquele que propalasse ou divulgasse a calúnia.
Não houve, contudo, tal previsão para o delito de difamação.
Embora não exista regra expressa nesse sentido, obviamente que quem propala ou divulga uma difamação
deve responder por esse delito, uma vez que, tanto o propalador quando o divulgador são, da mesma forma,
difamadores.
Difamação dirigida à vítima:
Considerando que a difamação protege a honra objetiva da vítima, ou seja, o conceito que ela entende gozar
em seu meio social, se os fatos ofensivos à sua reputação forem dirigidos diretamente a ela, poderia, nesta hipótese,
também configurar-se o crime de difamação?
Luiz Regis Prado responde a essa indagação afirmando: “Caso a imputação seja dirigida diretamente à
pessoa visada, sem que seja ouvida, lida ou percebida por terceiro, não configura a difamação, mesmo que aquela a
revele a outrem”.
Contudo, isso não quer dizer, segundo entendemos, que o agente não deva ser responsabilizado por qualquer
infração penal. Se das imputações difamatórias, a vítima puder extrair fatos que, mesmo que indiretamente, venham
a atingir a sua honra subjetiva, poderá o agente responder pelo delito de injúria.
Caso o fato ofensivo à reputação da vítima tenha sido proferida na presença de terceiros, restará
caracterizada a difamação, infração penal mais grave comparativamente à injúria.
Agente que escreve fatos ofensivos à honra da vítima em seu diário:
Imagine-se a hipótese daquele que, por um acaso, percebe que no diário do agente existe a narração de fatos
ofensivos à sua reputação. Seria possível reconhecer, nesse caso, o delito de difamação?
A resposta só pode ser negativa, pois que, para a caracterização da difamação, exige-se o dolo, ou seja, o
animus diffamandi.
Mas pode acontecer, também, que o agente, de forma negligente, deixe o seu diário aberto de modo que as
pessoas possam tomar, facilmente, conhecimento dos fatos ofensivos à reputação da vítima. Nesse caso, poderia
configurar-se a difamação?
Também a resposta deverá ser negativa, uma vez que no tipo penal do art. 139 do CP não existe previsão
para a modalidade culposa.
Exceção de notoriedade:
Dissemos anteriormente, quando do estudo do crime de calúnia, que a exceção de notoriedade servia para
demonstrar a ausência de dolo do agente no que dizia respeito à falsidade do fato definido como crime por ele
atribuído à vítima.
Ao contrário do que ocorre com o delito de calúnia, a exceção de notoriedade não tem qualquer efeito no que
diz respeito ao reconhecimento da difamação, uma vez que, nesta última, não há necessidade de que o fato
atribuído seja falso, podendo ser verdadeiro, e mais, de conhecimento público.
Capítulo 20 – Injúria:
Introdução:
O CP trabalha com três espécies de injúria:
a) injúria simples (art. 140, caput, CP)
b) injúria real (art. 140, §2º, CP)
c) injúria preconceituosa (art. 140, §3º, CP)
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Ao contrário da calúnia e da difamação, com a tipificação do delito de injúria busca-se proteger a chamada
honra subjetiva, ou seja, o conceito, em sentido amplo, que o agente tem de si mesmo.
Como regra, na injúria não existe imputação de fatos, mas sim de atributos pejorativos à pessoa do agente.
Importante destacar a impossibilidade de punir o agente por fatos que traduzem, no fundo, a mesma ofensa.
A infração mais grave (seja difamação ou calúnia) absorverá a infração penal menos grave, a injúria.
Classificação doutrinária:
Crime comum, doloso, formal, de forma livre, comissivo (podendo ser praticado omissivamente, se o agente
gozar do status de garantidor), instantâneo, monossubjetivo, unissubsistente ou plurissubsistente (dependendo do
meio utilizado na prática do delito), transeunte (como regra, ressalvada a possibilidade de se proceder a perícia nos
meios utilizados pelo agente ao cometimento da infração penal).
Objeto material e bem juridicamente protegido:
A honra subjetiva é o bem juridicamente protegido pelo delito de injúria.
Busca-se proteger, precipuamente, as qualidades, os sentimentos, enfim, os conceitos que o agente faz de si
próprio.
Objeto material do delito de injúria é a pessoa contra qual é dirigida a conduta praticada pelo agente.
Sujeito ativo e sujeito passivo:
Qualquer pessoa física pode ser sujeito ativo do delito de injúria.
No que diz respeito ao sujeito passivo, é regra geral que qualquer pessoa física possa ser considerada como
sujeito passivo da mencionada infração penal, sendo de todo impossível que a pessoa jurídica ocupe também essa
posição, haja vista que a pessoa moral não possui honra subjetiva a ser protegida, mas tão-somente honra objetiva.
A mencionada infração penal também ofende a honra subjetiva dos inimputáveis, seja por doença mental,
seja em virtude da menoridade? Trabalhando com o critério da razoabilidade, não há qualquer problema em se
afirmar que os inimputáveis podem ser considerados sujeitos passivos da injúria.
Consumação e tentativa:
Consuma-se a injúria no momento em que a vítima toma conhecimento das palavras ofensivas à sua
dignidade ou decoro.
Dependendo do meio utilizado na execução do crime de injúria, pode ser perfeitamente possível a tentativa.
Elemento subjetivo:
Elemento subjetivo do delito de injúria é o dolo, seja ele direto ou mesmo eventual. Deve o agente agir,
portanto, com o chamado animus injuriandi.
As palavras ditas com animus jocandi, ou seja, com a intenção de brincar com a vítima, mesmo que essa
última seja extremamente sensível, não poderão configurar o delito de injúria.
A injúria não admite a modalidade culposa, em face da inexistência de previsão legal.
Perdão judicial:
Dizem os incisos I e II do §1º do art. 140 do CP sobre a possibilidade de concessão de perdão judicial nas
hipóteses previstas.
A primeira delas diz respeito ao fato de ter a própria vítima da injúria provocado, de forma reprovável, o
agente.
O CP, sabiamente, trouxe essa possibilidade de aplicação do perdão judicial ao agente que, provocado pela
vítima, não resiste a essas provocações e acaba por praticar contra ela o delito de injúria.
A segunda hipótese diz respeito à chamada retorsão imediata, que resulta no fato de que o agente, injuriado,
inicialmente, no momento imediatamente seguinte à injúria sofrida, pratica outra.
O que parece soar estranho com essa possibilidade de aplicação de perdão judicial é que se o agente tivesse
se defendido, por exemplo, desferindo um tapa naquele que o ofendera injustamente, interrompendo a agressão
contra a sua pessoa, agiria em legítima defesa.
O raciocínio que podemos fazer, nessa caso, no sentido de dar melhor ilação ao inciso II do §1º do art. 140
do CP seria compreender a retorsão como forma que tem o agente, uma vez encerrada a agressão de que fora
vítima, mas numa relação de contexto, de continuidade com o anterior comportamento do agressor inicial, que já
esgotou sua conduta, de praticar, imediatamente, outra injúria.
A distinção seria a seguinte:
a) Se o agente ainda estivesse praticando o delito contra a honra da vítima, proferindo, incessantemente,
palavras ofensivas à sua dignidade ou decoro, esta poderia interrompê-lo, inclusive com o uso moderado de
violência física, oportunidade na qual seria reconhecida a legítima defesa;
b) Pode, no entanto, a agressão contra a honra da vítima ter-se esgotado, amoldando-se, outrossim, ao
conceito de agressão passada, o que inviabiliza a legítima defesa. Contudo, imediatamente após o término da
agressão contra a sua honra, a vítima, agora transformada em agente, comete também, e de forma imediata à
agressão anterior, um delito contra a honra.
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Modalidades qualificadas:
O art. 140 do CP prevê, em seus §§2º e 3º, duas modalidades qualificadas de injúria.
A primeira delas, denominada injúria real, ocorre quando a injúria consiste em violência ou vias de fato, que,
por sua natureza ou pelo modo empregado, são considerados aviltantes.
A segunda, reconhecida como injúria preconceituosa, diz respeito à injúria praticada com a utilização de
elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
a) Injúria real:
Na injúria real, a violência ou as vias de fato são utilizadas não com a finalidade precípua de ofender a
integridade corporal ou a saúde de outrem, mas sim no sentido de humilhar, desprezar, ridicularizar a vítima,
atingindo-a em sua honra subjetiva.
Como regra, a injúria real cria na vítima uma sensação de impotência e inferioridade diante do agente
agressor. Podem ser caracterizados como injúria real o tapa no rosto que tenha por finalidade humilhar a vítima, o
puxão de orelha, o fato do agente ser expulso de algum lugar recebendo chutes, o cortar a barba ou o cabelo da
vítima.
A pena prevista para o delito de injúria real é a de detenção de 3 meses a 1 ano, e multa, além da pena
correspondente à violência.
Isso significa que o agente, além de ser responsabilizado pela injúria real, também deverá responder pela
prática do delito de lesão corporal (leve, grave ou gravíssima) por ele levado a efeito como meio de execução da
injúria.
Discute-se, aqui, a natureza do concurso de crimes a ser adotado, vale dizer, se o concurso material, previsto
no art. 69 do CP ou o concurso ideal de crimes, que encontra previsão no art. 70 do CP.
Somos partidários da posição que entende ser aplicável o concurso formal. Entretanto, como o agente atuou
com desígnios autônomos, será cabível a regra do cúmulo material, prevista na parte final do referido art. 70.
b) Injúria preconceituosa:
O §3º do art. 140 do CP, com a nova redação determinada pela Lei n. 10.741/03, comina uma pena de
reclusão de 1 a 3 anos e multa, se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião,
origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Não se deve confundir a injúria preconceituosa com os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor,
tipificados na Lei n. 7.716/89.
O crime de injúria preconceituosa pune o agente que, na prática do delito, usa elementos ligados à raça, cor,
etnia, etc. A finalidade do agente, com a utilização desses meios, é atingir a honra subjetiva da vítima, bem
juridicamente protegido pelo delito em questão.
Ao contrário, por intermédio da legislação que definiu os crimes resultantes de discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, são proibidos comportamentos discriminatórios, em regra mais
graves do que a simples agressão à honra subjetiva da vítima, mas que, por outro lado, também não deixam de
humilhá-la. Ex: Impedir a inscrição de aluno em estabelecimento público.
Merece ser frisado, ainda, que, quando a CR/88, no inciso XLII do art. 5º, assevera que a prática do racismo
constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei, não está se referindo à
injúria preconceituosa, mas sim às infrações penais catalogadas pela referida Lei n. 7.716/89.
Pena e ação penal:
O preceito secundário do art. 140, caput, do CP comina ao crime de injúria simples a pena de detenção de 1
a 6 meses, ou multa. Para a injúria real foi prevista a pena de detenção de 3 meses a 1 ano, e multa, além da pena
correspondente à violência. Ao delito de injúria preconceituosa, entendeu por bem o legislador em cominar uma
pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa.
A pena será aumentada de 1/3, nos termos do art. 141 do CP.
Poderá, ainda, vir a ser dobrada, se a injúria for cometida mediante paga ou promessa de recompensa,
conforme determina o parágrafo único do art. 141 do CP.
A ação penal, regra geral, será de iniciativa privada, conforme determina o art. 145 do CP. Será de iniciativa
pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça, quando o delito for praticado contra o Presidente da
Republica ou chefe de governo estrangeiro. Será de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido
quando o crime for cometido contra funcionário público, em razão de suas funções. O STF, por intermédio da
Súmula 714, assim se posicionou: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do MP,
condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão
do exercício de suas funções”.
No caso de injúria real, se da violência empregada resultar lesão corporal, a ação penal será de iniciativa
pública incondicionada, nos termos do art. 145 do CP.
Injúria contra pessoa morta:
Ao contrário do delito de calúnia, não encontra previsão expressa no CP a injúria proferida contra os mortos.
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A Lei de Imprensa, entretanto, cuidou dessa possibilidade em seu art. 24 (“São puníveis, nos termos dos arts.
20 a 22, a calúnia, difamação e injúria contra a memória dos mortos”).
Entendemos não ser cabível a injúria contra os mortos. Isso porque, como não existe exceção à regra
constante do caput do art. 140, tal como acontece no §2º do art. 138 do CP, não podemos interpretar a expressão
injuriar alguém no sentido de nela abranger também a memória dos mortos, ou mesmo, por extensão, as pessoas
que lhe são próximas, pois, caso contrário, estaríamos levando a efeito o emprego da analogia in malam partem.
Discussão acalorada:
Da mesma forma que nos delitos de calúnia e difamação, discute-se a possibilidade de ser afastada a injúria
quando proferida durante o calor de uma discussão.
Conforme já nos posicionamos anteriormente, não vemos por que afastar o delito de injúria justamente nas
situações em que ele é cometido com mais freqüência. Não nos convence o argumento de que a ira do agente que
profere, por exemplo, as palavras injuriosas durante uma acirrada discussão tenha o condão de afastar o seu dolo.
Tinha, como se percebe sem muito esforço, consciência e vontade de ofender a vítima, elementos integrantes
do conceito de dolo.
Caracterização da injúria mesmo diante da veracidade das imputações:
Não se exige à caracterização da injúria que as imputações ofensivas à honra subjetiva as vítima sejam
falsas. Inclusive as verdadeiras, tal como acontece no delito de difamação, são puníveis pela norma do art. 140 do
CP.
Capitulo 21 – Disposições comuns aos crimes contra a honra
Causas de aumento de pena:
O art. 141 e seu parágrafo único do CP elencam algumas causas que fazem com que a pena aplicada ao
agente seja especialmente aumentada.
a) Calúnia, difamação e injúria praticadas contra o Presidente da Republica ou contra chefe de
governo estrangeiro → Merece ser destacado o fato de que o art. 26 da Lei de Segurança Nacional (Lei n.
7.170/83) também prevê o delito de calúnia ou difamação contra o Presidente da Republica, nele não fazendo
menção ao chefe de governo estrangeiro, uma vez que a finalidade do mencionado diploma legal é a de proteger a
integridade territorial, a soberania nacional, o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de
Direito, bem como a pessoa dos chefes dos Poderes da União, conforme se verifica através da leitura do seu art. 1º.
Entretanto, tendo feito previsão da calúnia e da difamação contra o Presidente da República, como
diferenciar esses crimes, previstos na Lei de Segurança Nacional, daqueles tipificados no CP, com a aplicação da
causa especial de aumento de pena prevista no inciso I do art. 141? É a própria Lei de Segurança Nacional que
traduz o critério de especialização, determinando em seu art. 2º: “Quando o fato estiver também previsto como
crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta
Lei: I – a motivação e os objetivos do agente; II – a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no
artigo anterior”.
Assim, quando o crime contra a honra possuir natureza política, por exemplo, que tenha por fim
desestabilizar o Chefe do Poder Executivo, a fim de abalar o regime democrático, deverá ser aplicada a Lei de
Segurança Nacional. Caso contrário, quando tiver tão-somente como alvo macular a honra do Presidente da
Republica, sem a conotação anterior, caberá a aplicação do CP.
b) Calúnia, difamação e injúria praticadas contra funcionário público, em razão de suas funções →
Por mais uma vez, o CP fez inserir uma causa especial de aumento de pena ligada ao cargo ou à função exercida
pela pessoa. Entendeu que qualquer um dos crimes contra a honra, se praticados contra funcionário público, em
razão de suas funções, maculava, mesmo que mediatamente, a própria Administração Pública.
A honra maculada deve estar ligada diretamente à função pública exercida pela vítima.
Também merece ser destacada a diferença entre uma injúria majorada e o crime de desacato. Ausente o
funcionário público, o crime será de injúria, majorada ou não, dependendo se disser respeito diretamente às funções
da vítima. Ao contrário, se o funcionário público estiver presente quando da ofensa à sua honra subjetiva, no
exercício de suas funções, o crime será de desacato.
c) Se qualquer um dos crimes contra a honra é cometido na presença de várias pessoas, ou por meio
que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria → Os crimes de calúnia, difamação e injúria
terão suas penas aumentadas também em 1/3 se forem cometidos na presença de várias pessoas.
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Interpretando a palavra „várias‟, chegamos à conclusão de que o CP exige, pelo menos, 3 pessoas. Isso
porque, quando a lei se contenta com apenas duas, ela o diz expressamente, como no caso do art. 155, §4º, IV, da
mesma forma que quando exige um mínimo de quatro pessoas, a exemplo dos arts. 146, §1º e 288, utiliza a
expressão „mais de três pessoas‟.
O inciso III do art. 141 do CP também aumenta especialmente a pena quando o crime for praticado por meio
que facilite a divulgação da calúnia, difamação ou da injúria.
Primeiramente, devemos levar em consideração o fato de que se o crime for praticado por intermédio da
imprensa terá aplicação a Lei 5.250/67, levando-se a efeito, outrossim, o raciocínio correspondente ao princípio da
especialidade.
Não tendo sido cometido por intermédio da imprensa, mas por algum outro meio que facilite a divulgação da
calúnia, da difamação ou da injúria, agora se configurará a majorante do inciso III do art. 141 do CP.
d) Se a calúnia e a difamação forem proferidas contra pessoa maior de 60 anos ou portadora de
deficiência → O Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03) acrescentou o inciso IV do art. 141 do CP. O mencionado
inciso, ao contrário das hipóteses anteriores de aumento de pena, ressalvou o delito de injúria excluindo a
possibilidade de alguém ter sua pena majorada em virtude de ter cometido o crime contra pessoa maior de 60 anos
ou portadora de deficiência.
Para que a pena seja majorada, é preciso que o agente conheça a idade da vítima, bem como a deficiência de
que é portadora, pois, caso contrário, poderá ser alegado o erro de tipo.
O fato de a vítima ser portadora de deficiência também permite a majoração da pena. O Dec. n. 3.298/99,
regulamentando a Lei n. 7.853/89, que dispôs sobre o apoio à pessoa portadora de deficiência, definiu o conceito de
deficiência, no inciso I do seu art. 3º (“Toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica,
fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado
normal para o ser humano”).
Tal como a idade da vítima (maior de 60 anos), o agente deverá conhecer a deficiência da vítima, sob pena
de ser argüido o erro de tipo.
Deverá ser demonstrada nos autos a idade da vítima por meio de documento hábil, conforme determinação
contida no art. 155 do CPP, bem como prova pericial para fins de aferição da deficiência da vítima.
e) Se a calúnia, a difamação ou a injúria são cometidas mediante paga ou promessa de recompensa →
No caso em exame, alguém é contratado para denegrir a honra da vítima (objetiva ou subjetiva), havendo aumento
de pena em virtude da torpeza dos motivos por meio dos quais o agente pratica a infração penal.
Conforme salienta Cezar Roberto Bitencourt, “trata-se do chamado crime mercenário. Nesse caso, em que a
pena aplicada deve ser dobrada, mandante e executor respondem igualmente pelo crime com pena majorada.
Fundamenta a majoração da pena a vileza do comportamento mercenário dos agentes”.
No mesmo sentido, afirmava Hungria que no crime mercenário contra a honra deveriam responder com a
pena duplicada tanto o executor quanto o mandante.
Entretanto, tal como no inciso I do §2º do art. 121 do CP, entendemos que a majorante da paga e da
promessa de recompensa somente se aplica ao executor mercenário. Pode, inclusive, aquele que o contratou ter
atuado impelido por um motivo de relevante valor social, sendo-lhe aplicada a circunstância atenuante prevista na
alínea „a‟ do inciso III do art. 65 do CP.
Exclusão do crime e da punibilidade:
A primeira indagação que nos devemos fazer diz respeito à natureza jurídica dos incisos catalogados pelo
art. 142 do CP.
Damásio afirma serem causas especiais de exclusão da antijuridicidade. No mesmo sentido, Cezar Roberto
Bitencourt, embora reconhecendo a divergência doutrinária a respeito da natureza jurídica das mencionadas causas,
preferindo denominá-las de causas especiais de exclusão de crime.
Na verdade, podemos visualizar naturezas jurídicas diferentes em cada um dos incisos previstos no art. 142
do CP. Em determinadas situações, como na hipótese do inciso I, pode o agente, na discussão da causa, ter
proferido palavras que têm por finalidade macular a honra subjetiva da vítima, não se podendo falar, aqui, em
exclusão do dolo, eliminando a tipicidade do fato.
Em outras, a exemplo do que ocorre com os incisos II e III, pode o agente não ter atuado com o animus
injuriandi vel diffamandi, afastando-se, outrossim, o seu dolo e, conseqüentemente, a própria tipicidade.
Merece ser frisado, por oportuno, que a lei penal somente ressalva a injúria e a difamação, não incluindo em
suas disposições o crime de calúnia.
Entendemos que, nos casos de ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou seu procurador,
o fato é típico, ilícito e culpável, possuindo o inciso I, do art. 142 do CP, a natureza jurídica de causa que afasta a
punibilidade.
Ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador → O inciso I do art.
142 do CP cuida da chamada imunidade judiciária.
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Ofensa irrogada em juízo é aquela produzida perante qualquer autoridade judiciária, logo após aberta
audiência ou sessão. Pode ser realizada, também, intra autos, ou seja, por escrito, nos autos de um processo
qualquer.
Além da obrigatoriedade da ofensa ser irrogada em juízo, deve estar ligada à defesa da causa, ou seja, deve
ter ligação com os fatos que estão sendo discutidos em juízo.
Finalmente, a última exigência legal é que a ofensa seja proferida pela parte ou por seu procurador. Fragoso
esclarecia os conceitos de parte e de procurador afirmando: “Por parte entende-se qualquer dos sujeitos da relação
processual (autor, réu, assistente, litisconsorte, opoente e inclusive os interessados em falência e inventário e o
MP). Procuradores são os profissionais que recebem mandato para representação judicial das partes”.
O §2º do art. 7º do Estatuto da Advocacia, indo mais além do que o inciso I do art. 142 do CP, asseverou: “O
advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer
manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções
disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”.
O fato de ter estendido a imunidade profissional ao delito de desacato trouxe sérias críticas ao mencionado
parágrafo, fazendo com que fosse proposta ADIN perante o STF (ADI n. 1.127-8), tendo essa Corte, concedendo o
pedido de liminar, suspendido a eficácia do termo desacato em 6/10/94.
Ofensa irrogada contra o juiz da causa → Pode ocorrer que, na defesa da causa, a parte ou seu procurador
ofenda o julgador, praticando os crimes de difamação e/ou injúria. Poderá, nesses casos, ser erigida em favor da
parte ou de seu procurador a imunidade judiciária? Entendemos que sim, uma vez que a lei penal não faz qualquer
distinção, exigindo tão-somente que seja na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador. No calor da
discussão, se vier, em tese, a praticar difamação ou injúria contra o magistrado que tenha relação com a causa, o
fato estará abrangido pela imunidade judiciária.
Embora aduzindo a regra geral de que a imunidade não cobre a ofensa dirigida ao magistrado, com a qual
não concordamos, Heleno Fragoso preleciona: “Não merece respeito o juiz corrupto e venal; o juiz covarde ou
pusilânime; o juiz que recebe ordens e determinações ou atende aos peditórios e solicitações, abandonando a
independência e a imparcialidade, que caracterizam a judicatura”.
Hungria não aceitava qualquer ofensa dirigida à autoridade judiciária, mesmo que na discussão da causa,
dizendo: “As partes ou respectivos patronos não podem ofender impunemente a autoridade judiciária, pois, de outro
modo, estaria implantada a indisciplina no foro e subvertido o próprio decoro da justiça”.
É certo que a imunidade judiciária não pode, também, acobertar abusos e indisciplinas sem sentido.
Ofensa irrogada contra o MP → Entendemos que a parte ou seu procurador poderão argüir a imunidade
judiciária se, na discussão da causa, vierem a difamar ou a injuriar o representante do MP, não importando a
posição que este ocupe, isto é, se parte ou fiscal da lei. Deve ser levado a efeito, aqui, o mesmo raciocínio que
fizemos quando analisamos a possibilidade de ofensa irrogada contra o juiz da causa, com o mesmo alerta de que a
imunidade judiciária não significa impunidade pelos abusos cometidos pela parte ou por seu procurador.
Ofensa irrogada pelo juiz da causa → Estaria o julgador também acobertado pela imunidade judiciária? A
resposta só pode ser negativa. Não poderá o juiz, justamente aquele que tem o dever/poder de conduzir os trabalhos
na audiência, ignorar essa sua função de extrema importância, para se deixar influenciar pelo calor das discussões.
A sua condição de julgador o afasta da imunidade prevista no inciso I do art. 142 do CP, que é tão-somente dirigida
àqueles que gozem do status de parte ou de seu procurador, razão pela qual deverá eventualmente responder pelos
delitos contra a honra praticados durante os seus atos.
Ofensa irrogada pelo MP, que atua na qualidade de custos legis → Se o representante do MP atua como
parte na relação processual, seja ela civil ou penal, estará abrigado pela imunidade judiciária.
Contudo, se atuar no feito na qualidade de fiscal da lei, não mais poderá argüir a mencionada imunidade,
pois que, nessa condição, foge ao conceito de parte ou de seu procurador, determinadas pelo inciso I do art. 142 do
CP.
A opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção
de injuriar ou difamar → o CP, por intermédio do inciso II do art. 142, ressalva a possibilidade de ocorrer uma
opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, sem que isso possa se configurar difamação ou
injúria, a não ser nos casos em que for evidente a intenção do agente de macular a honra da vítima, praticando,
outrossim, os delitos de difamação ou injúria.
Ultimamente, por intermédio dos meios de comunicação de massa, tem surgido uma avalanche de programas
que têm por finalidade, quase única e exclusiva, falar (mal) das pessoas. Não foi para proteger esse tipo de situação
que foi criado o inciso II do art. 142 do CP. Ele não foi feito para acobertar abusos, mas sim para dar segurança
àqueles que, por profissão, têm o dever de comparar, criticar, expor os defeitos ligados à literatura, arte ou ciência.
A crítica construtiva empurra a evolução. A crítica destrutiva conduz a vítima à depressão. São fatos
diferentes, que devem receber tratamentos diferentes. Ao primeiro, o escudo legal; ao segundo, o cárcere penal.
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Somos da opinião de que o inciso II do art. 142 do CP possui a natureza de causa que exclui a tipicidade
penal, uma vez que o agente, que atua na condição de crítico literário, artístico ou científico não atua com animus
injuriandi vel diffamandi.
O conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no
cumprimento de dever de oficio → O inciso III do art. 142 do CP, ao se referir ao conceito desfavorável emitido
por funcionário público em suas apreciações ou informações, ressalva que tudo isso é levado a efeito no
cumprimento de dever de oficio.
Dessa forma, quando o funcionário relata fatos, mesmo que emitindo conceitos desfavoráveis, o faz em
beneficio da Administração Pública, sendo seu dever de oficio relatar tudo com a maior fidelidade possível.
Trata-se, portanto, de causa de justificação, que exclui a ilicitude do fato, em razão do estrito cumprimento
do dever legal.
Possuindo a natureza de causa que afasta a ilicitude do fato, não haverá crime, portanto, por parte do
funcionário público que atue nessa condição.
Agente que dá publicidade à difamação ou à injúria, nos casos dos incisos I e III do art. 142 do CP:
Não está acobertado pelas imunidades catalogadas nos mencionados incisos aquele que, tomando
conhecimento da difamação ou da injúria, dá publicidade a elas.
Na verdade, o agente que dá publicidade à difamação ou à injúria pratica um delito autônomo de difamação
ou injúria.
Retratação:
Cuida-se, no art. 143 do CP, de causa de extinção da punibilidade, prevista expressamente no art. 107, VI,
CP.
Inicialmente, a retratação somente pode ser levada a efeito nos delitos de calúnia ou difamação, não sendo
possível no tocante à injúria.
O segundo detalhe importante do mencionado artigo diz respeito ao fato de que somente pode haver
retratação até antes da publicação da sentença.
Pedido de explicações:
Na verdade, o pedido de explicações diz respeito a um procedimento anterior ao início da ação penal de
iniciativa privada.
Dizia Aníbal Bruno: “Pode a ofensa dissimular-se na dubiedade de certos termos ou na significação
equívoca das expressões empregadas, ficando incerto, assim, o próprio conteúdo da ofensa ou a indicação do seu
destinatário. Sendo assim ambígua a expressão da ofensa, pode quem se julga por ela atingido pedir explicações em
juízo. Se o acusado se recusa a dá-las ou as dá de maneira não satisfatória, responde pela ofensa”.
Caso não se explique em juízo, ou mesmo se explicando, não o fazendo satisfatoriamente, na verdade isso
não importará em confissão ou mesmo em uma condenação antecipada.
Deverá ser procedida a normal instrução processual, com todos os princípios inerentes ao devido processo
legal, para que, ao final, comprovada que a expressão dúbia tinha por finalidade macular a honra da vítima,
condenar o agente pelo delito cometido.
Se, ao contrário, o agente resolve explicar-se em juízo e, em virtude disso, dissipa a dúvida com relação aos
termos e expressões dúbias por ele utilizados que, em tese, maculariam a honra da vítima, restará afastado o seu
dolo, eliminando-se, conseqüentemente, a infração penal a ele atribuída.
Cezar Roberto Bitencourt ainda alerta para o fato de que “o juízo de equivocidade é do próprio ofendido e
não do juiz que processa o pedido de explicações. Aliás, o juiz não julga nem a equivocidade das palavras que
podem ter caráter ofensivo nem a recusa ou a natureza das explicações apresentadas. A competência para avaliar a
eficácia ou prestabilidade das explicações será do juiz da eventual ação penal, quando esta for proposta e se for,
havendo o oferecimento da peça preambular da ação penal (denúncia ou queixa), num exame prévio sobre a
(in)existência de justa causa, avaliará se as explicações atendem os postulados do art. 144”.
Finalmente, não existe procedimento específico para o pedido de explicações que venha determinado pelo
CPP ou mesmo pelo CP, razão pela qual se tem entendido que o pedido deve ser encaminhado a uma das varas
criminais que seria a competente para o julgamento da ação penal, adotando-se aqui, segundo o magistério de Cezar
Roberto Bitencourt, o procedimento previsto no CPC, relativo às notificações e interpelações, nos termos dos arts.
867 a 873.
Capitulo 22 – Constrangimento Ilegal
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Introdução:
O crime de constrangimento ilegal está inserido na Seção I do Capítulo VI do Título I do CP. Tem por
finalidade, portanto, como veremos mais adiante, proteger a liberdade pessoal, seja ela física ou psicológica.
A liberdade é um direito que deve ser resguardado, tendo sido, inclusive, mencionada no preâmbulo de nossa
CR/88. Da mesma forma, no caput e no inciso II do seu art. 5º.
A figura típica do constrangimento ilegal, portanto, vem ao encontro dos ditames constitucionais, punindo
aquele que constrange alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer
outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda.
O tipo penal, outrossim, é composto pelo núcleo constranger, que tem o sentido de impedir, limitar ou
mesmo dificultar a liberdade de alguém. Para tanto, o agente atua com violência ou grave ameaça.
Também prevê o art. 146 uma violência entendida como imprópria, vale dizer, quando o agente, por
qualquer outro meio que não a violência ou a grave ameaça, reduz a capacidade de resistência da vítima.
O constrangimento praticado pelo agente deve ser dirigido no sentido de obrigar a vítima a não fazer aquilo
o que a lei permite ou mesmo a fazer o que ela não manda.
Merece ser frisado que o delito de constrangimento ilegal possui natureza subsidiária, ou seja, somente será
considerado se o constrangimento não for elemento típico de outra infração penal.
Dessa forma, a extorsão é um delito especial em relação ao constrangimento ilegal. Existe um dado a mais
no delito de extorsão que o especializa quanto ao mero constrangimento.
Devemos ressaltar, ainda, o fato de que a subsidiariedade do crime de constrangimento ilegal não é expressa.
Classificação doutrinária:
Crime comum, doloso, material, de forma livre, podendo ser praticado comissiva ou omissivamente (desde
que, nessa última hipótese, o agente goze do status de garantidor), instantâneo, subsidiário, monossubjetivo,
plurissubsistente, de dano.
Objeto material e bem juridicamente protegido:
A liberdade é o bem juridicamente protegido pelo tipo do art. 146 do CP.
Objeto material do constrangimento ilegal é a pessoa que, em razão dos meios utilizados pelo agente, é
obrigada a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda.
Sujeito ativo e sujeito passivo:
Crime comum com relação ao sujeito ativo, bem como ao sujeito passivo.
Consumação e tentativa:
Consuma-se o delito de constrangimento ilegal quando a vítima deixa de fazer o que a lei permite ou faz
aquilo que ela não manda. Trata-se, portanto, de crime material, que exige a produção do resultado naturalístico
para que se possa entender por consumado.
Merece registro a observação feita por Luiz Regis Prado, quando aduz: “Ainda que o comportamento
desejado seja parcial, e não integralmente realizado pela vítima, tem-se como consumado o delito”. No mesmo
sentido, preleciona Magalhães Noronha.
Na qualidade de crime material e plurissubsistente, o constrangimento ilegal admite a tentativa.
Elemento subjetivo:
O dolo é o elemento subjetivo do delito de constrangimento ilegal, seja ele direto, ou mesmo eventual.
A conduta do agente deve ser dirigida finalisticamente a constranger a vítima, identificando, aí, segundo a
doutrina dominante, aquilo o que chamamos de especial fim de agir.
Não há previsão legal para a modalidade culposa de constrangimento ilegal.
Causas de aumento de pena:
O §1º do art. 146 do CP determina: “As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a
execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas”.
A palavra cumulativamente quer traduzir o fato de que, havendo a reunião de mais de três pessoas, ou seja,
no mínimo quatro, para a prática do constrangimento, bem como a utilização do emprego de armas, as penas que,
inicialmente, eram alternativas, ou seja, privativa de liberdade ou multa, passam a ser cumulativas, quer dizer,
privação de liberdade mais a pena pecuniária. Além disso, as penas respectivas serão dobradas, aplicando-se essa
causa especial de aumento somente no terceiro momento do critério trifásico de aplicação da pena.
No que diz respeito à expressão emprego de armas, a lei penal não faz qualquer distinção entre as chamadas
armas próprias e armas consideradas impróprias.
Esclarecia Hungria: “As armas podem ser próprias ou impróprias: próprias são todos os instrumentos
especificamente apropriados a causar ofensas físicas; impróprias são todos os instrumentos que, embora não
destinados aos ditos fins, têm aptidão ofensiva e costumam ser usados para o ataque e a defesa”.
43
Concurso de crimes:
Determina o §2º do art. 146 do CP: “Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência”.
Embora um dos elementos integrantes do tipo do constrangimento ilegal seja a violência, entendeu por bem
a lei penal puni-la de forma distinta. Assim, serão aplicadas também as penas correspondentes ao delito de lesão
corporal utilizado como meio para a prática do constrangimento, seja a lesão leve, grave ou gravíssima.
O entendimento doutrinário predominante é de que no §2º do art. 146 do CP houve a previsão do chamado
concurso material de crimes, uma vez que, segundo a sua redação, além das penas cominadas ao constrangimento
ilegal serão aplicadas, também, aquelas que dizem respeito à violência praticada.
Entretanto, permissa venia, não acreditamos ser essa a melhor posição. Isso porque, como é cediço, para que
se possa falar em concurso material ou real de crimes é preciso, de acordo com o art. 69 do CP, que o agente,
mediante mais de uma ação ou omissão, pratique dois ou mais crimes, idênticos ou não.
Dessa forma, embora a regra a ser aplicada, conforme a determinação legal, seja a do cúmulo material,
tecnicamente, estaremos diante do chamado concurso formal impróprio ou imperfeito, previsto na segunda parte do
art. 70 do CP.
Causas que conduzem à atipicidade do fato:
Inicialmente, deve ser frisado que, embora exista controvérsia doutrinaria sobre a natureza jurídica das
causas elencadas no §3º do art. 146, não podemos deixar de compreender que se trata de situações que conduzem a
atipicidade do fato praticado pelo agente.
Dessa forma, é atípica a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu
representante legal, se justificada por iminente perigo de vida.
Pena e ação penal:
O preceito secundário do art. 146 do CP prevê uma pena de detenção de 3 meses a 1 ano, ou multa, sendo o
seu julgamento de competência do Juizado Especial Criminal, levando-se em consideração a pena máxima
cominada em abstrato, aplicando-se-lhe todos os institutos que lhe são inerentes.
A ação penal é de iniciativa pública incondicionada.
Vítima que é constrangida a praticar uma infração penal:
Pode ser que a vítima seja constrangida a praticar algum crime.
Primeiramente, devemos destacar o fato de que o CP, em seu art. 22, sob a rubrica da coação irresistível e
obediência hierárquica, determina: “Se o fato é cometido sob a coação irresistível ou em estrita obediência a ordem
não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”.
O coato, neste caso, não passa de mero instrumento nas mãos do coator, tratando-se, portanto, de situação
que traduz a hipótese da chamada autoria mediata.
A pergunta que devemos responder agora é a seguinte: O coator, ou seja, aquele que constrangeu alguém a
matar a vítima, além do delito de homicídio, também deverá ser responsabilizado pelo constrangimento ilegal? A
doutrina se posiciona nesse sentido, conforme lições de Aníbal Bruno: “Se a força é irresistível e o resultado obtido
constitui crime, por ele responde não o coagido, a quem falta, na ação, vontade juridicamente válida e, portanto,
culpabilidade, mas o coator, que sofrerá a agravação da pena e responderá concorrentemente pelo constrangimento
ilegal”.
Vítima submetida a tortura a fim de praticar um fato definido como crime:
A alínea „b‟ do inciso I do art. 1º da Lei n. 9.455/97, que definiu os crimes de tortura, diz o seguinte:
“Constitui crime de tortura: I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental: „b‟ – para provocar ação ou omissão de natureza criminosa”.
Existe, na mencionada lei, um constrangimento ilegal específico, destinado a causar um sofrimento físico ou
mental, a fim de que a vítima pratique uma ação ou omissão de natureza criminosa.
Nesse caso, pergunta-se: Caso aquele que foi torturado venha, efetivamente, a praticar uma ação ou omissão
de natureza criminosa, o agente torturador deverá responder pelas duas infrações penais, ou seja, pelo delito de
tortura, além do fato definido como crime praticado pelo torturado?
Da mesma forma que no delito de constrangimento ilegal, entende-se pelo concurso material de crimes,
devendo responder por ambas as infrações penais.
Suicídio como comportamento ilícito, porém atípico:
O inciso II do §3º do art. 146 do CP permite expressamente a coação exercida para impedir suicídio.
A tentativa de causar o auto-extermínio, embora atípica, como já o dissemos, é entendido como
comportamento ilícito, razão pela qual abre-se a oportunidade para que alguém impeça a consumação do ato
extremo, sem que com isso incorra nas sanções previstas no art. 146 do CP.
Consentimento do ofendido:
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A liberdade, seja física ou psíquica, é um bem disponível. Assim considerada, torna-se perfeitamente
possível o consentimento do ofendido no sentido de afastar a ilicitude do comportamento praticado pelo agente,
desde que presentes todos os requisitos indispensáveis à sua validade, vale dizer novamente: a) disponibilidade do
bem; b) capacidade para consentir; c) que o consentimento tenha sido prévio ou, pelo menos, concedido numa
relação de simultaneidade com a conduta do agente.
Vias de fato em concurso com o constrangimento ilegal:
O §2º do art. 146 do CP ressalvou que além das penas cominadas ao constrangimento ilegal seriam aplicadas
também aquelas correspondentes à violência utilizada pelo agente.
Agora a indagação é a seguinte: Da mesma forma que a lesão corporal, também ocorrerá concurso de
infrações penais entre o constrangimento ilegal e a contravenção penal de vias de fato? Não. Isso porque a
expressão violência, utilizada pelo §2º do art. 146 do CP, abrange tão-somente as lesões corporais sofridas pelas
vítimas, ficando absorvidas as vias de fato.
Constrangimento exercido para impedir a prática de um crime:
O particular, almejando evitar a consumação da infração penal, prende o agente. Nesse caso, estaria ele
cometendo o delito de constrangimento ilegal? Obviamente que não, uma vez que o próprio CPP, ao cuidar da
prisão em flagrante, diz em seu art. 301: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes
deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.
Dessa forma, o particular que prende alguém em flagrante delito atua no exercício regular de um direito, não
podendo, portanto, ser responsabilizado penalmente pelo constrangimento ilegal.
Constrangimento exercido para satisfazer uma pretensão legítima:
Imagine-se a hipótese daquele que, irritado com o descumprimento do contrato, revoltado, procura o
contratado e, com uma arma em punho e, agora sob a mira do revólver, determina-lhe que faça a entrega de seus
produtos imediatamente.
O fato se amolda ao delito tipificado no art. 345 do CP, que prevê o exercício arbitrário das próprias razões,
assim redigido: “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o
permite”.
Embora tendo havido um constrangimento para que a vítima, no exemplo fornecido, cumprisse o contrato,
como a pretensão do agente era legítima, entendeu a lei penal que seu comportamento foi menos censurável do que
nas hipóteses previstas pelo art. 146 do CP, tipificando um delito menos grave.
Capitulo 23 – Ameaça
Introdução:
O art. 147 do CP aponta os meios em razão dos quais o autor pode levar a efeito o delito de ameaça.
Como a imaginação das pessoas é fértil, e não tendo o legislador condições de catalogar todos os meios
possíveis ao cometimento do delito de ameaça, o art. 147 do CP determinou que fosse realizada uma interpretação
analógica, ou seja, após apontar, casuisticamente, alguns meios em virtude dos quais poderia ser cometido o delito
de ameaça, a lei penal trouxe uma fórmula genérica (ou qualquer outro meio simbólico).
Exige a lei penal, para fins de configuração do delito de ameaça, que o mal prenunciado pelo agente seja
injusto e grave.
Classificação doutrinária:
Crime comum, doloso, formal (pois que a infração penal se consuma mesmo que a vítima não se sinta
intimidada), de forma livre, comissivo (podendo ser praticado omissivamente, desde que o agente goze do status de
garantidor), instantâneo, monossubjetivo, unissubsistente ou plurissubsistente (dependendo da forma como é
praticada a infração penal), transeunte ou não transeunte (dependendo do fato de a infração penal deixar ou não
vestígios).
Objeto material e bem juridicamente protegido:
O bem juridicamente protegido pelo tipo penal de ameaça é a liberdade pessoal, entendida aqui, mesmo que
não pacificamente, como liberdade de natureza psíquica.
Não podemos entregar, entretanto, que, quando estamos perturbados psicologicamente, em razão de uma
ameaça sofrida, conseqüentemente ficamos limitados em nossa liberdade de locomoção.
Portanto, precipuamente, o delito de ameaça tem a liberdade como bem juridicamente protegido, seja ela
psíquica ou física, e, de forma mediata, reflexa, a tranqüilidade pública, mencionada por Carrara, ou o sentimento
de segurança na ordem jurídica, abordado por Fragoso.
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Sujeito ativo e sujeito passivo:
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito de ameaça. Se o crime, entretanto, for praticado por
funcionário público, no exercício de suas funções, poderá ser aplicado o art. 3º da Lei n. 4.898/65, que define os
crimes de abuso de autoridade.
À primeira vista, qualquer pessoa também pode ser sujeito passivo do crime de ameaça. Afirmava Maggiore
que qualquer pessoa pode ser sujeito passivo, “contanto que seja capaz de sentir a intimidação”.
É importante ressaltar que existe diferença entre aquele capaz de sentir a intimidação, daquele que, embora
tendo essa possibilidade, devido a sua capacidade de discernimento, não se sente intimidado.
Não é necessário, portanto, que a vítima se intimide, mas sim que, tão-somente, tenha essa possibilidade.
Consumação e tentativa:
Crime formal, a ameaça se consuma ainda que, analisada concretamente, a vítima não tenha se intimidado ou
mesmo ficado receosa do cumprimento da promessa do mal injusto e grave.
No que diz respeito à possibilidade de tentativa no delito de ameaça, existe controvérsia doutrinária.
Diríamos que a ameaça por carta se configura como uma modalidade de tentativa perfeita, isto é, quando o
agente, segundo a sua concepção, esgota tudo aquilo que estava ao seu alcance, a fim de chegar à consumação da
infração penal, que só não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade.
Portanto, em que pese a posição de Hungria, corroborada por parte de nossa doutrina que se coloca
contrariamente à possibilidade de reconhecimento da tentativa no delito de ameaça, somos partidários da tese que,
teoricamente, permite a sua configuração.
Elemento subjetivo:
O delito de ameaça somente pode ser cometido dolosamente, seja o dolo direto ou mesmo eventual.
Nesse sentido, afirma Luiz Regis Prado: “O tipo subjetivo é composto pelo dolo, isto é, pela consciência e
vontade de ameaçar alguém de mal injusto e grave. Indispensável a seriedade da ameaça, reveladora do propósito
de intimidar (elemento subjetivo especial do tipo). Cumpre frisar que não importa a decisão do agente de cumprir
ou não o mal prenunciado”.
Não existe a modalidade culposa do delito de ameaça.
Pena e ação penal:
O preceito secundário do art. 147 do CP comina uma pena de detenção, de 1 a 6 meses, ou multa.
Dessa forma, pelo menos inicialmente, a competência para o julgamento do delito de ameaça é do Juizado
Especial Criminal, uma vez que mencionada infração penal se amolda ao conceito de menor potencial ofensivo.
A ação penal é de iniciativa pública condicionada à representação, conforme previsão contida no parágrafo
único do art. 147.
O mal deve ser futuro?
Entendemos que, especificamente no delito tipificado no art. 147 do CP, quando a ameaça ganha vida
autônoma, para que possa ser entendida como tal, deverá, obrigatoriamente, cuidar da promessa de um mal futuro,
injusto e grave.
A vítima deve conviver com a angústia do cumprimento da promessa do mal injusto e grave.
Por outro lado, quando existe uma promessa de mal imediato, caso este venha a ser concretizado, a ameaça
ficará por ele absorvida.
Existe controvérsia doutrinária sobre o tema.
Guilherme de Souza Nucci, entendendo que a ameaça somente se configura quando a promessa do mal seja
futura, esclarece: “Preferimos a posição daqueles que defendem somente a possibilidade do mal ser futuro. O
próprio núcleo do tipo assim exige. Ameaçar é anunciar um mal futuro. Ou o agente busca intimidar o seu
oponente, prometendo-lhe a ocorrência de um mal injusto e grave que vai acontecer, ou está prestes a cometer um
delito e avizinha-se dos atos executórios, portanto, uma tentativa, caso não chegue à consumação”.
Em sentido contrário, afirma Damásio: “A figura típica do art. 147 do CP não exige que o mal seja futuro”.
Quando dissemos que para a configuração da ameaça a promessa deveria ser de um mal futuro, injusto e
grave, queríamos afirmar que a iminência, ou seja, a relação de proximidade entre a promessa e o mal
Não podemos confundir, portanto, a ameaça entendida como elemento de determinada infração penal, ou
mesmo como momento antecedente à prática de um crime, com a ameaça em si, tipificada no art. 147 do CP, que
afeta a tranqüilidade psíquica da vítima.
Legítima defesa e o crime de ameaça:
O Estado permite aos cidadãos a possibilidade de, em determinadas situações, agir em sua própria defesa.
Contudo, tal permissão não é ilimitada, pois que encontra suas regras na própria lei penal. Para que se possa
falar em legítima defesa, que não pode jamais ser confundida com vingança privada, é preciso que o agente se veja
diante de uma situação de total impossibilidade de recorrer ao Estado, responsável constitucionalmente por nossa
segurança pública.
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Tem-se entendido que o instituto da legítima defesa tem aplicação na proteção de qualquer bem
juridicamente tutelado pela lei.
Zaffaroni e Pierangeli, dissertando sobre o tema, prelecionam: “O requisito da moderação da defesa não
exclui a possibilidade de defesa de qualquer bem jurídico, apenas exigindo uma certa proporcionalidade entre a
ação defensiva e a agressiva, quando tal seja possível, isto é, que o defensor deve utilizar o meio menos lesivo que
tiver ao seu alcance”.
Suponhamos que alguém esteja sendo vítima de um crime de ameaça, em que existe a promessa de um mal
futuro, injusto e grave. Poderá a vítima, no momento em que as palavras ameaçadoras estão sendo proferidas,
agredir o agente na defesa dessa sua liberdade pessoal que fora ameaçada pelo agente? Nesse caso,
especificamente, entendemos que não. Isso porque o mal prenunciado à vítima não está ocorrendo (atual) e nem
prestes a acontecer (iminente), de modo que esta última tem plena possibilidade de, em um Estado de Direito,
buscar socorro junto às autoridades encarregadas da defesa da sociedade.
Verossimilhança do mal prometido:
Quando a própria lei penal, ao definir o delito de ameaça, diz que o mal prometido deve ser injusto e grave,
implicitamente está querendo traduzir a idéia, também, de mal verossímil, ou seja, aquele que pode ser
efetivamente produzido.
Ameaça supersticiosa:
Há pessoas psicologicamente fracas que acreditam em crendices, simpatias, macumbas ou coisas parecidas.
Pode ser que o agente, conhecendo essa particularidade da vítima, a ameace dizendo que fará uma
“macumba” para que ela morra em um desastre de automóvel ou seja atropelada por um veículo qualquer.
Nesse caso, poderia o agente responder pelo delito de ameaça, entendida aqui como supersticiosa, ou seja,
aquela suficientemente capaz de infundir temor à vítima contra qual é dirigida? Entendemos que a ameaça que se
vale de meios supersticiosos é capaz de ofender ao bem juridicamente protegido pelo art. 147 do CP, razão pela
qual o agente deverá ser responsabilizado penalmente pelo delito em questão.
Pluralidade de vítimas:
Havendo um comportamento único, que tenha por finalidade ameaçar mais de uma pessoa, aplica-se a regra
do concurso formal impróprio ou imperfeito, previsto na segunda parte do art. 70 do CP, que diz que as penas serão
aplicadas cumulativamente se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios
autônomos.
Ameaça proferida em estado de ira ou cólera:
A questão não é pacífica. Parte da doutrina assume posição no sentido de que o estado de ira ou cólera afasta
o elemento subjetivo do crime de ameaça. Nesse sentido, afirma Carrara. Também asseverava Fragoso que não há
crime “se a ameaça constituir apenas uma explosão de cólera, não revelando o propósito de intimidar”.
Em que pese a autoridade dos renomados autores, acreditamos, permissa venia, não ser essa a melhor
posição. Como vimos anteriormente, para que se caracterize a ameaça, não há necessidade de que o agente,
efetivamente, ao prenunciar a prática do mal injusto e grave, tenha intenção real de cometê-los, bastando que o mal
prometido seja capaz de infundir temor em um homem normal.
Ameaça proferida em estado de embriaguez:
Outra hipótese controvertida diz respeito à ameaça proferida pelo agente que se encontra em estado de
embriaguez.
Parte da doutrina afirma que, nesse caso, a embriaguez afastaria o dolo do agente, a exemplo de Luiz Regis
Prado.
Na verdade, a questão não pode ser cuidada em termos absolutos. Somente aquele estado de embriaguez que
torne ridícula a ameaça feita pelo agente é que poderá afastar a infração penal, em razão da evidente ausência de
dolo; ao contrário, se o agente, mesmo que sob os efeitos do álcool ou de substâncias análogas, tiver consciência do
seu comportamento, deverá responder pelas ameaças proferidas.
Possibilidade de ação penal por tentativa de ameaça:
À primeira vista pareceria estranha a possibilidade de ação penal por tentativa de ameaça.
Entretanto, podemos visualizar a hipótese em que a vítima ameaçada seja um adolescente com 16 anos de
idade. A ameaça, embora não tendo chegado ao seu conhecimento, foi descoberta por seu representante legal, no
caso o seu próprio pai, que, querendo a punição do agente, confecciona sua representação, permitindo o início da
persecutio criminis in judicio.
Sendo o delito de ameaça de competência, pelo menos inicialmente, dos Juizados Especiais Criminais, será
possível que o agente aceite alguma proposta (transação penal ou suspensão condicional do processo), sem que a
própria vítima tenha tido conhecimento dos fatos. Assim, em tese, estaria configurada a tentativa de ameaça,
mesmo que, nesse caso, não houvesse discussão a respeito da efetiva prática da infração penal, em razão de ter o
agente aceitado qualquer das propostas constantes da Lei n. 9.099/95.
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Ameaça reflexa:
Vimos anteriormente que a ameaça pode ser direta ou indireta, explícita ou implícita e, ainda, condicional.
Direta, quando dirigida imediatamente à pessoa do sujeito passivo ou seu patrimônio. Indireta quando,
embora dirigida ao sujeito passivo, o mal não recaia sobre a sua pessoa ou o seu patrimônio, mas sim no de
terceiros que lhe são próximos, geralmente por uma relação de afeto. Explícita quando o agente diz exatamente
qual o mal prometido. Implícita quando deixa entrever, pelo seu comportamento, (palavras, escritos, gestos, etc.), o
mal a ser produzido. Condicional, quando depende de determinado comportamento para que se possa se realizar o
mal prometido pelo agente.
Da ameaça indireta extrai-se a chamada ameaça reflexa, podendo-se concluir, inclusive, que se trata da
mesma situação. Assim, por exemplo, aquele que ameaça os pais de uma criança de apenas 1 ano de idade, dizendo
que matará seu filho, na verdade, o mal não recairá sobre o sujeito passivo, mas sim reflexamente sobre terceiro a
ele ligado por uma relação afetiva.
Portanto, ameaça reflexa e ameaça indireta querem traduzir a mesma situação, com denominação diferentes.
Capitulo 24 – Seqüestro e Cárcere Privado
Introdução:
O art. 148 do CP inicia a sua redação com a seguinte expressão: “privar alguém de sua liberdade”.
Liberdade, aqui, tem o sentido de direito de ir, vir ou permanecer, ou seja, cuida-se da liberdade ambulatorial, de
locomoção.
Majoritariamente, entende-se que seqüestro ou cárcere privado significam a mesma coisa. Procurando traçar
a diferença entre eles, Hungria dizia que o seqüestro era o gênero, sendo sua espécie o cárcere privado ou “por
outras palavras, o seqüestro toma o nome tradicional de cárcere privado quando exercido em qualquer recinto
fechado, não destinado à prisão pública”.
O CP prevê duas modalidades qualificadas de seqüestro ou cárcere privado. A primeira delas, de acordo com
o §1º do art. 148, comina uma pena de reclusão de 2 a 5 anos, quando: a) a vítima é ascendente, descendente,
cônjuge do agente ou maior de 60 anos; b) se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde
ou hospital; c)se a privação da liberdade dura mais de 15 dias. A segunda modalidade qualificada, prevista no §2º
do art. 148, comina pena de reclusão de 2 a 8 anos, se resulta à vítima, em razão dos maus-tratos ou da natureza da
detenção, grave sofrimento físico ou moral.
Classificação doutrinária:
Crime comum, à exceção da modalidade qualificada prevista no inciso I do §2º do art. 148 do CP, em que os
sujeitos passivos deverão ser as pessoas por ele determinadas; doloso, comissivo ou omissivo impróprio,
permanente, material, de forma livre, monossubjetivo, plurissubsistente (como regra geral, uma vez que,
dependendo da hipótese, poderá haver concentração de atos, quando, então, passará a ser entendido como
unissubsistente).
Objeto material e bem juridicamente protegido:
Bem juridicamente protegido pelo tipo no art. 148 do CP é a liberdade pessoal, entendida aqui no sentido de
liberdade ambulatorial, de locomoção.
Objeto material é a pessoa privada da liberdade, contra a qual recai a conduta do agente.
Sujeito ativo e sujeito passivo:
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime.
Entretanto, se o crime for praticado por funcionário público, no exercício de suas funções, aplica-se, de
acordo com o princípio da especialidade, a alínea „a‟ do art. 3º da Lei n. 4.898/65 (Abuso de autoridade).
Da mesma forma, qualquer pessoa pode ser sujeito passivo do delito em estudo.
Consumação e tentativa:
Consuma-se o delito de seqüestro ou cárcere privado com a efetiva impossibilidade de locomoção da vítima.
É um caso típico de crime permanente; o seu momento consumativo prolonga-se por tempo mais ou menos dilatado
e dura até que o próprio agente, ou qualquer circunstância lhe ponha fim, recuperando a vítima a sua inteira
liberdade.
Deve ser ressaltado que, para fins de caracterização do crime em estudo, não há necessidade de remoção da
vítima. Aquele que tranca a vítima dentro de sua própria casa, impedindo-a de sair, pratica o crime de seqüestro.
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Tendo em vista ser perfeitamente fracionável o iter criminis, entende-se que o delito de seqüestro ou cárcere
privado admite a tentativa.
Entretanto, se a vítima, mesmo que por custo espaço de tempo, se viu limitada no seu direito ambulatorial, o
delito restará consumado. Para que cheguemos a essa conclusão devemos, obrigatoriamente, trabalhar com o
raciocínio do princípio da razoabilidade.
Romeu de Almeida Salles Jr. Arrola as posições doutrinárias a esse respeito aduzindo: “Acerca da duração
da privação da liberdade, a doutrina apresenta três posições: 1) é irrelevante para a consumação do delito, devendo
ser considerada somente na dosagem da pena; 2) exige-se que a privação da liberdade perdure por tempo razoável,
uma vez que, sendo momentânea, há apenas tentativa; 3) não há delito quando a vítima permanece à mercê do
sujeito por tempo inexpressivo”.
Como deixamos antever, somos partidários da segunda corrente, pois que, se o agente deu início aos atos de
execução, tendentes à consumação do crime de seqüestro, cuja privação da liberdade foi de pouca significância
temporal, não podemos concluir que o crime se consumou, pois que foge ao raciocínio da razoabilidade.
Elemento subjetivo:
O dolo, seja ele direto ou eventual, é o elemento subjetivo do delito de seqüestro ou cárcere privado.
O dolo relativo ao delito de seqüestro ou cárcere privado diz respeito a tão-somente privar alguém de sua
liberdade. Se houver um dado que especialize a privação da liberdade, o fato terá outra moldura típica.
Assim, por exemplo, aquele que seqüestra alguém com o fim de obter para si ou para outrem qualquer
vantagem, como condição ou preço do resgate, pratica o crime de extorsão mediante seqüestro; da mesma forma
que aquele que rapta mulher, mediante violência ou grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso, pratica o delito de
rapto violento ou mediante fraude.
Com isso, queremos esclarecer que o seqüestro pode ser considerado, também, um delito subsidiário,
aplicando-se o art. 148 do CP somente quando a privação da liberdade não se configurar em elemento de outro tipo
penal, considerado especial em relação a ele.
Não foi prevista a modalidade culposa para o crime de seqüestro ou cárcere privado.
Modalidades comissiva e omissiva:
O delito de seqüestro ou cárcere privado pode ser praticado comissiva ou omissivamente, sendo, portanto,
entendida a privação da liberdade em forma de:
a) detenção, quando praticado comissivamente;
b) retenção, quando levado a efeito omissivamente.
Modalidades qualificadas:
Os §§1º e 2º do art. 148 do CP trouxeram modalidades qualificadas de seqüestro ou cárcere privado, sendo a
hipótese prevista no §2º punida mais severamente do que aquela do §1º.
Ab initio, merece destaque o fato de que se, por exemplo, estivermos diante de uma situação em que,
aparentemente, se amolde a ambos os parágrafos, deverá ter aplicação tão-somente um deles, vale dizer, o que tiver
a maior pena cominada.
a) Vítima ascendente, descendente, cônjuge do agente ou maior de 60 anos → o inciso I do §1º do art.
148 do CP teve nova redação determinada pela Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso).
Importante frisar que, para o efetivo reconhecimento da qualificadora, o agente deve saber que pratica o
crime de seqüestro ou cárcere privado contra ascendente, descendente, cônjuge ou maior de 60 anos, pois, caso
contrário, poderá incorrer no chamado erro de tipo, afastando a qualificadora.
Observando-se obrigatoriamente o princípio da legalidade, principalmente em sua vertente do nullum crimen
nulla pena sine lege stricta, fica completamente proibida a ampliação das hipóteses elencadas no mencionado
inciso, a fim de nele abranger, por exemplo, o companheiro, que, em tese, se encontra em situação similar à do
cônjuge.
No que diz respeito ao filho adotivo, Cezar Roberto Bitencourt assim se posiciona: “Ao contrário do que
alguns sustentam, a previsão do art. 227, §6º da CR/88 não autoriza a inclusão do filho adotivo como fundamento
da qualificação da figura típica”. Em que pese a autoridade do renomado professor gaúcho, ousamos dele discordar.
Isso porque a própria CR/88 determinou, no mencionado §6º do art. 227 que: “Os filhos, havidos ou não da relação
do casamento ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação”. Dessa forma, não podemos dizer que o filho adotivo, por exemplo, não goza
do status de descendente, razão pela qual se amolda ao conceito do inciso I em exame.
O reconhecimento da qualificadora em estudo afasta a aplicação das circunstâncias agravantes previstas nas
alíneas „e‟e „h‟ do inciso II do art. 61 do CP.
b) Se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital → como é
cediço, ninguém tem autoridade suficiente para internar qualquer pessoa em uma casa de saúde ou mesmo em um
hospital sem que, para tanto, haja determinação médica. Assim, como bem ressaltou Paulo José da Costa Jr., o
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médico poderá ser considerado co-autor se, com a sua colaboração, for levada a efeito a internação daquele que
dela não necessitava.
c) Se a privação da liberdade dura mais de 15 dias → a qualificadora do inciso III do §1º do art. 148 do
CP determina que a pena é de reclusão de 2 a 5 anos, se a privação da liberdade dura mais de 15 dias.
d) Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou
moral → o §2º do art. 148 do CP prevê uma outra modalidade qualificada de seqüestro ou cárcere privado,
punindo com pena de reclusão de 2 a 8 anos, se, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, resultar à
vítima grave sofrimento físico ou moral.
A qualificadora é composta por vários elementos de natureza normativa que estão a exigir valoração.
Pena e ação penal:
Na sua modalidade simples, o art. 148 do CP prevê uma pena de reclusão de 1 a 3 anos. Na modalidade
qualificada do seu §1º, comina pena de reclusão de 2 a 5 anos, sendo que no §2º a pena é de reclusão de 2 a 8 anos.
Em todas as suas modalidades, a ação penal no crime de seqüestro ou cárcere privado é de iniciativa pública
incondicionada.
Consentimento do ofendido:
A liberdade é um bem de natureza disponível. Dessa forma, poderá a vítima dispor do seu direito de ir, vir e
permanecer, desde que presentes todos os requisitos necessários à validade do seu consentimento (disponibilidade
do bem; capacidade para consentir; consentimento prévio ou em relação de simultaneidade com a conduta do
agente).
Faz-se mister ressaltar que o consentimento do ofendido deve durar o tempo todo em que estiver privado da
sua liberdade, pois, caso o revogue, o agente responderá pelo seqüestro ou cárcere privado, na modalidade retenção.
Subtração de roupas da vítima:
Esconder as roupas de mulher que se banhava no rio é considerado um meio para a prática do delito de
seqüestro, considerando que a mulher não teria coragem para, completamente nua, deixar aquele local a fim de
procurar socorro. Aqui, portanto, o seqüestro seria praticado por meio da modalidade retenção, uma vez que o fato
de esconder as roupas da vítima impediu-a de sair de onde se encontrava.
Participação ou co-autoria sucessiva:
O crime de seqüestro ou cárcere privado encontra-se no rol daqueles considerados permanentes, cuja
consumação se prolonga no tempo, durando enquanto permanecer a privação da liberdade da vítima.
Pode acontecer que, enquanto a vítima esteja cerceada de sua liberdade ambulatorial, detida em determinado
lugar, alguém ingresse no plano criminoso, fazendo surgir, portanto, as hipóteses de co-autoria sucessiva ou de
participação sucessiva. Em casos como esse, quando o acordo de vontade vier a ocorrer após o início da execução,
fala-se em co-autoria sucessiva ou mesmo participação sucessiva, dependendo da importância do comportamento
do agente para o sucesso da empreitada criminosa, bem como seu elemento de natureza subjetiva, ou seja, se sua
finalidade era ingressar no plano na qualidade de autor, querendo o fato como próprio, ou se pretendia tão-somente
colaborar, de alguma forma, mas não desejando fazer parte do grupo, quando deverá ser considerado partícipe.
Seqüestro e roubo com pena especialmente agravada pela restrição da liberdade da vítima:
Antes do advento da Lei n. 9.426/96, que inseriu o inciso V no §2º do art. 157 do CP, entendia-se que se, por
exemplo, para fins de prática do delito de roubo, o agente mantivesse a vítima detida com ele por um certo espaço
de tempo, estaríamos diante de duas infrações penais em concurso de crimes, vale dizer, o crime de roubo além do
delito de seqüestro ou cárcere privado.
Após a inserção do mencionado inciso, surgiu a dúvida: O que fazer, agora, quando a vítima de roubo fosse
mantida em poder do agente, que, assim agindo, restringia a sua liberdade? Entenderíamos, tão-somente, pelo delito
de roubo, com a pena especialmente agravada em virtude de ter o agente restringido a liberdade da vítima, ou ainda
poderíamos concluir pelo cometimento do roubo em concurso com o crime de seqüestro ou cárcere privado?
Na verdade, a resposta a essa indagação vai depender do tempo em que a vítima permanecer detida com o
agente. Se for por curto espaço de tempo, teremos tão-somente o crime de roubo, com a pena especialmente
aumentada em razão da aplicação do inciso V do §2º do art. 157 do CP.
Se for por um período longo de privação de liberdade, podemos raciocinar em termos de concurso material
entre o delito de roubo e o de seqüestro ou cárcere privado, afastando-se, nesse caso, a causa especial de aumento
de pena prevista no inciso V do §2º do art. 157 do CP, pois, caso contrário, estaríamos aplicando o tão repudiado
bis in idem.
Cezar Roberto Bitencourt ainda adverte: “A lei fala em restrição de liberdade, e, naquele (art. 148), em
privação; logo, há uma diferença de intensidade, de duração: restrição significa a turbação da liberdade, algo
momentâneo, passageiro, com a finalidade de assegurar a subtração da coisa; privação da liberdade, por sua vez,
tem um sentido de algo mais duradouro, mais intenso, mais abrangente”.
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Seqüestro ou cárcere privado no ECA:
A Lei n. 8.069/90 (ECA), criou uma modalidade especializada de seqüestro ou cárcere privado, conforme se
verifica da leitura do art. 230 (“Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem
estar em flagrante de ato infracional, ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente”).
Aqui, quando a lei menciona a apreensão, não está se referindo a qualquer privação da liberdade, senão
aquela praticada por pessoas que, em tese, tinham autoridade para fazê-lo, a exemplo das polícias civil e militar.
A restrição da liberdade da criança ou do adolescente é feita, dessa forma, pelo próprio Estado, em tese, para
uma das finalidades previstas no ECA. Entretanto, como não havia flagrante de ato infracional, bem como inexistia
ordem escrita da autoridade judiciária, torna-se ilegal a privação da liberdade, fazendo com que o autor seja
responsabilizado nos termos do art. 230.
A autoridade competente, para fins de libertação da criança ou do adolescente ilegalmente privados da
liberdade, tem o dever de coloca-los imediatamente em liberdade, sob pena de ser também responsável por essa
privação ilegal, agora na modalidade de retenção, nos termos do art. 234 do ECA (“Deixar a autoridade
competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação de criança ou adolescente, tão logo tenha
conhecimento da ilegalidade da apreensão”).
Seqüestro ou cárcere privado na Lei de Segurança Nacional:
Para que se possa aplicar a Lei n. 7.170/83, é preciso que exista cunho político no comportamento do agente.
Criando uma modalidade especializada de seqüestro, diz o art. 28 do referido estatuto: “Atentar contra a
liberdade pessoal de qualquer das autoridades referidas no art. 26: reclusão de 4 a 12 anos”.
Essas autoridades a que se refere o art. 28 são: o Presidente da Republica, do Senado Federal, da Câmara dos
Deputados e do STF.
Seqüestro ou cárcere privado e a novatio legis in pejus:
Em sua sessão plenária de 24/09/2003, o STF aprovou a Súmula 711, que diz: “A lei penal mais grave
aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou
da permanência”.
De acordo com os termos da Súmula 711, que expressa o entendimento já pacificado do STF, deverá ter
aplicação a chamada novatio legis in pejus, ou seja, lei posterior, mesmo que mais gravosa, dada a natureza
permanente do delito tipificado no art. 148 do CP.
Capítulo 25 – Redução a condição análoga à de escravo
Introdução:
Hoje, após a modificação havida na redação original do tipo do art. 149 do CP, podemos identificar quando,
efetivamente, o delito se configura. Assim, são várias as maneiras que, analogamente, fazem com que o trabalho
seja comparado a um regime de escravidão. A lei penal assevera que se reduz alguém a condição análoga à de
escravo, dentre outras circunstâncias, quando:
a) o obriga a trabalhos forçados;
b) impõe-lhe jornada exaustiva de trabalho;
c) sujeita-o a condições degradantes de trabalho;
d) restringe, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador
ou preposto.
O art. 1º da Convenção n. 29, adotada na 14ª sessão da Conferência Geral da Organização Internacional do
Trabalho, em Genebra, a 28/07/1930, determina: “Todos os membros da Organização Internacional do Trabalho
que ratifiquem a presente Convenção se comprometem a suprimir o trabalho forçado ou obrigatório, sob todas as
suas formas, no mais breve espaço de tempo”.
Da mesma forma, o art. IV da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1948, também
determina: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos
em todas as suas formas”.
E, especificamente com relação ao trabalho, diz o inciso XXIII: “1. Todo homem tem direito ao trabalho, à
livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.
Dessa forma, o caput do art. 149 do CP, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n. 10.803/03,
atendendo às exigências internacionais, responsabiliza criminalmente aquele que reduz alguém a condição análoga
à de escravo, praticando os comportamentos acima destacados.
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Não só trabalhar forçosamente, mas também impor a um trabalhador jornada exaustiva de trabalho, isto é,
aquela que culmina por esgotar completamente as suas forças, minando sua saúde física e mental, se configura no
delito em estudo.
Da mesma forma, há trabalhos que sujeitam as vítimas a condições degradantes desumanas, ofensivas ao
mínimo ético exigido.
O §1º do art. 149 ainda responsabiliza criminalmente, com as mesmas penas cominadas ao caput do
mencionado artigo, aquele que:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de
trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho, ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
A pena será aumentada de metade, nos termos do §2º do art. 149 do CP, se o crime for cometido:
a) contra criança ou adolescente;
b) por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Classificação doutrinária:
Crime próprio (tanto com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo, haja vista que somente quando
houver uma relação de trabalho entre o agente e a vítima é que o delito poderá se configurar), doloso, comissivo ou
omissivo impróprio, de forma vinculada (pois que o art. 149 do CP aponta os meios através dos quais se reduz
alguém a condição análoga à de escravo), permanente (cuja consumação se prolonga no tempo), material,
monossubjetivo, plurissubsistente.
Objeto material e bem juridicamente protegido:
Bem juridicamente protegido pelo tipo do art. 149 do CP é a liberdade da vítima, que se vê, dada à sua
redução a condição análoga à de escravo, impedida do seu direito de ir, vir ou mesmo permanecer onde queira.
Entretanto, quando a lei penal faz menção às chamadas condições degradantes de trabalho, podemos
visualizar também como bens juridicamente protegidos pelo art. 149 do CP: a vida, a saúde, bem como a segurança
do trabalhador, além da sua liberdade.
Objeto material do delito em estudo é a pessoa contra a qual recai a conduta do agente, que a reduz a
condição análoga à de escravo.
Sujeito ativo e sujeito passivo:
Sujeito ativo será o empregador que utiliza a mão-de-obra escrava. Sujeito passivo, a seu turno, será o
empregado que se encontra numa condição análoga à de escravo.
Consumação e tentativa:
Consuma-se o delito com a privação da liberdade da vítima, mediante as formas previstas pelo tipo do art.
149 do CP, ou com a sua sujeição a condições degradantes de trabalho.
Sendo um delito plurissubsistente, será possível a tentativa.
Elemento subjetivo:
O dolo é o elemento subjetivo do delito tipificado pelo art. 149 do CP, podendo ser direto ou, mesmo,
eventual.
Não se admite a modalidade culposa de redução a condição análoga à de escravo, por ausência de previsão
legal no tipo em estudo.
Causa de aumento de pena:
O §2º do art. 149 do CP prevê o aumento de metade da pena se o crime for cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Para que seja aplicada a primeira causa especial de aumento de pena deverá ser comprovada nos autos a
idade da vítima, por meio de documento hábil, conforme determina o art. 155 do CPP.
A segunda causa de aumento de pena, prevista no §2º do art. 149 do CP, diz respeito, diretamente, à
motivação do agente, ou seja, o que o impeliu a reduzir a vítima a condição análoga à de escravo foi o seu
preconceito relativo a raça, cor, etnia, religião ou origem.
Pena e ação penal:
O art. 149 do CP prevê uma pena de reclusão de 2 a 8 anos, e multa, além da pena correspondente à
violência, tanto para as hipóteses previstas em seu caput, como naquelas elencadas pelo §1º, vale dizer, nos casos
em que há o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador com o fim de retê-lo no
local de trabalho, bem como quando o agente mantém vigilância no local de trabalho ou se apodera de documentos
ou objetos pessoais do trabalhador com o fim de retê-lo no local de trabalho.
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A lei ressalvou, ainda, a hipótese de concurso de crimes entre a redução a condição análoga à de escravo e a
infração penal que disser respeito à violência praticada pelo agente.
Capítulo 26 – Violação de Domicílio
Introdução:
O inciso XI do art. 5º da CR/88 proclama expressamente: “A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém
nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
O caput do art. 150 do CP traduz as hipóteses em virtude das quais se poderá considerar como violado o
domicílio de alguém, perturbando-lhe a tranqüilidade do lar.
A lei penal, portanto, trabalha com dois núcleos, vale dizer, os verbos entrar e permanecer.
Entrar, aqui, no sentido empregado pelo texto, significa invadir, ultrapassar os limites da casa ou suas
dependências; pressupõe um comportamento positivo. Permanecer, ao contrário, deve ser entendido no sentido de
não querer sair. Só permanece, portanto, quem já estava dentro licitamente, visualizando-se, assim, um
comportamento negativo.
Para que seja entendida como violação de domicílio a conduta de entrar ou permanecer, é preciso que o
agente a tenha realizado clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito.
Para que seja melhor entendida a expressão „de quem de direito‟, utilizada pelo art. 150 do CP, é preciso
esclarecer que existem dois regimes que devem ser observados, para fins de identificação daquele que detém o
poder de permitir ou negar o ingresso de alguém em sua casa, vale dizer: a) regime de subordinação; b) regime de
igualdade.
O regime de subordinação é caracterizado pela relação de hierarquia existente entre os diversos moradores.
Assim, por exemplo, os pais ocupam uma posição hierárquica superior em relação aos filhos que lhe são
dependentes.
Ao contrário, quando estamos diante de um regime de igualdade, compete a todos os moradores, igualmente,
o poder de permitir ou impedir o ingresso de pessoas no local onde elas se encontram. Ex: república de estudantes.
O §4º do art. 150 do CP, explicando o conceito de casa que deve ser compreendido para fins de tipificação
do delito de violação de domicílio, diz ser:
I – qualquer compartimento habitado;
II – aposento ocupado de habitação coletiva;
III – compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.
Por outro lado, o §5º do mesmo artigo assevera que não se compreendem na expressão „casa‟:
I – hospedaria, estalagem, ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição
do inciso II do §4º do art. 150 do CP;
II – taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.
Dependências são os lugares acessórios ou complementares da moradia ou habitação, como, por exemplo,
jardim, quintal, garagem, pátio, adega, etc.
Merece ser ressaltado, ainda, o fato de que, embora a rubrica ao tipo penal do art. 150 do CP dê o nomen
juris a esse delito de violação de domicílio, não se está se referindo, tecnicamente, ao conceito de domicílio
utilizado pelo NCC (arts. 70 a 78), mas sim ao conceito de casa explicitado pelo aludido §4º do art. 150 do CP.
Classificação doutrinária:
Crime comum, doloso, de mera conduta, de forma livre, comissivo (na modalidade „entrar‟) e omissivo (na
modalidade „permanecer‟), instantâneo ou permanente, monossubjetivo, podendo, também, ser visualizado como
unissubsistente (se houver concentração de ato, como ocorre com a modalidade permanecer), ou plurissubsistente
(como acontece, como regra, com a modalidade entrar), de ação múltipla.
Objeto material e bem juridicamente protegido:
A tranqüilidade doméstica é o bem juridicamente protegido pelo tipo de violação de domicílio.
A casa ou as suas dependências são consideradas o objeto material do delito em estudo.
Sujeito ativo e sujeito passivo:
Por se tratar de crime comum, qualquer pessoa pode gozar do status de sujeito ativo do delito de violação de
domicílio, inclusive o proprietário do imóvel. Imagine-se a hipótese do proprietário de um imóvel que, contra a
vontade do locatário, nele ingressa.
Sujeito passivo é aquele identificado pelo tipo do art. 150 do CP por meio da expressão „de quem de direito‟.
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Consumação e tentativa:
O delito de violação de domicílio se consuma quando há o efetivo ingresso do agente na casa da vítima ou
em suas dependências, ou no momento em que se recusa a sair, quando nela havia ingressado inicialmente de forma
lícita.
Tendo em vista a possibilidade de fracionamento do iter criminis, sendo um delito considerado
plurissubsistente, é perfeitamente admissível a tentativa de violação de domicílio.
A doutrina, de forma majoritária, aduz que a mera hesitação, por exemplo, em sair de determinado local,
quando convidado a tanto, não se consubstancia no delito em questão, a não ser que ocorra uma recalcitrância com
certa duração.
Entretanto, entendemos não ser possível cogitar-se de tentativa de violação de domicílio na modalidade
„permanecer‟, ao contrário do que aduz Cezar Roberto Bitencourt e Damásio de Jesus. Em que pesem as posições
dos renomados professores, quando o agente, já no interior da casa, por exemplo, convidado a se retirar, diz,
peremptoriamente, que dali não sairá, nesse instante, segundo entendemos, já estará configurada a violação de
domicílio, mesmo que no momento imediatamente seguinte tenha sido dali retirado por pessoas que faziam a
segurança local.
Assim, será admissível, segundo nossa posição, a tentativa na modalidade prevista por meio do núcleo
„entrar‟, não sendo possível tal raciocínio, contudo, pelo do núcleo „permanecer‟.
Elemento subjetivo:
O dolo é o elemento subjetivo característico do delito de violação de domicílio, seja ele direto ou mesmo
eventual.
Entendemos ser perfeitamente admissível o dolo eventual, que ocorrerá na hipótese de dúvida sobre o
consentimento. Dessa forma, se o agente, ao ingressar na casa da vítima, tem dúvida com relação ao seu
consentimento para tanto e, ainda assim, diz para si mesmo que isso não importa, pois que entrará de qualquer
modo, assumindo o risco de produzir o resultado, que aqui se traduz na perturbação da tranqüilidade alheia, deverá
ser responsabilizado pela violação de domicílio, levando-se em consideração o seu dolo eventual.
Merece ser frisado que não estamos lidando com erro, mas sim com dúvida com relação ao consentimento, o
que é diferente. O erro no que diz respeito ao consentimento será considerado erro de tipo, tendo o condão de
afastar o dolo.
Modalidade comissiva e omissiva:
De acordo com os núcleos existentes no art. 150 do CP, o delito de violação de domicílio pode ser praticado
comissiva e omissivamente.
Assim, aquele que ingressa em casa alheia, ou em suas dependências, pratica o delito comissivamente. Ao
contrário, aquele que, havendo ingressado licitamente na casa, dela se recusa a sair, pratica o crime omissivamente.
Modalidade qualificada:
O §1º do art. 150 enumera uma série de situações que faz com que a pena para a violação de domicílio seja
excessivamente aumentada, quando o crime é cometido: a) à noite; b) em lugar ermo; c) com o emprego de
violência; d) com o emprego de arma; e) por duas ou mais pessoas.
No que se refere ao emprego de violência, afirmava Aníbal Bruno, com apoio majoritário da doutrina:
“Violência é a força física com que se anula a oposição do morador, violência contra a pessoa ou contra coisas,
praticada pelo agente para entrar no domicílio ou nele permanecer”.
Em que pese a posição adotada pela corrente majoritária, entendemos, permissa venia, ser melhor o
entendimento no sentido de não qualificar a violação de domicílio a violência dirigida contra a coisa.
A última qualificadora diz respeito ao concurso de pessoas na prática da violação de domicílio. Para que o
delito se considere qualificado, não basta o fato de que duas ou mais pessoas entrem ou permaneçam, contra a
vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências, sendo fundamental que
tenham agido unidas por esse propósito, ou seja, ligadas pelo vínculo psicológico característico do concurso de
pessoas. Caso contrário, cada uma delas responderá pela sua violação de domicílio, sem a imposição da
qualificadora.
Causa de aumento de pena:
O §2º do art. 150 do CP determina: “Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário
público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso de
poder”.
Deve o funcionário público ater-se aos precisos limites impostos pela lei, a fim de que não leve a efeito atos
arbitrários ou, até mesmo, criminosos.
No que diz respeito à violação de domicílio, é a própria lei penal que excepciona os atos praticados pelos
funcionários, conforme se verifica no §3º do art. 150 do CP, apontando os casos em razão dos quais não constitui
crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências, desde que seja: 1) durante o dia, com
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observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência; 2) a qualquer hora do dia ou da noite,
quando algum crime está sendo praticado ou na iminência de o ser.
A última modalidade de aumento de pena diz respeito ao chamado abuso de poder praticado por funcionário.
A expressão abuso de poder quer significar agir com excesso. Dessa forma, o funcionário público que se excede,
indo além daquilo que lhe fora determinado legalmente, atua com abuso de poder.
Exclusão do crime:
O §3º do art. 150 do CP diz textualmente as hipóteses de exclusão do crime, conforme visto acima.
A CR/88 ampliou as hipóteses previstas no transcrito §3º do art. 150 do CP, dizendo, no inciso XI do seu art.
5º: “a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador,
salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial”.
A primeira hipótese diz respeito ao cumprimento de determinação judicial, seja para efetuar a prisão de
alguém ou mesmo para realizar outra diligência, a exemplo do cumprimento de mandado de busca e apreensão.
Nesses casos, somente poderá ser cumprida a ordem judicial durante o dia, entendendo-se aqui por „dia‟ o período
normal no qual são realizados os atos processuais, nos termos preconizados pelo art. 172 do CPC, que diz: “os atos
processuais realizar-se-ão em dias úteis, das 6 às 20 horas”.
A CR/88 menciona também as hipóteses de flagrante delito, desastre ou prestação de socorro, não havendo,
nesses casos, qualquer limite temporal, ou seja, pode alguém ingressar em casa alheia, mesmo contra a vontade de
quem de direito, seja de dia ou mesmo à noite.
Entretanto, comparando o dispositivo constitucional com a norma penal constante do §3º do art. 150,
devemos fazer algumas observações.
A CR/88 menciona a situação de flagrante delito, enquanto o CP aduz o fato de que algum crime está sendo
praticado em casa alheia ou na iminência de o ser. Devemos concluir que a expressão „na iminência de o ser‟,
contida na lei penal, deve, obrigatoriamente, ser entendida no sentido de que o agente, embora não houvesse ainda
consumado o crime, já havia dado início à sua execução, oportunidade em que poderia ser interrompido com o
ingresso de terceira pessoa em sua casa, fazendo, com isso, que a infração penal permanecesse na fase da tentativa.
Merece destaque, ainda, o fato de que a lei penal menciona, a fim de permitir o ingresso forçado em casa
alheia, a prática de crime, não se referindo, outrossim, à contravenção. Nesse caso, entendemos que a CR/88
aumentou as hipóteses de ingresso em casa alheia contra a vontade de quem de direito, pois que mencionou tãosomente a situação de flagrante delito, que poderá ocorrer tanto nas hipóteses de cometimento de crimes quanto na
prática de contravenções penais.
Em caso de desastre, ou mesmo para prestar socorro, o particular atua em estado de necessidade. Sendo um
funcionário público, que possuía tal obrigação de prestar socorro, atuará acobertado pelo estrito cumprimento de
dever legal. Nas hipóteses de cumprimento de determinação judicial, estaremos diante da causa de justificação
relativa ao estrito cumprimento do dever legal. Sendo a prisão em flagrante realizada por um particular, nos termos
da primeira parte do art. 301 do CPP, estaremos diante da causa de exclusão da ilicitude correspondente ao
exercício regular de um direito.
Assim, concluindo, todas as situações elencadas tanto pela CR/88 quanto pelo CP dizem respeito a causas de
justificação, que têm por finalidade excluir a ilicitude do comportamento realizado pelo agente.
Pena e ação penal:
O caput do art. 130 do CP prevê a pena de detenção de 1 a 3 meses, ou multa, sendo que o seu §1º comina,
para a violação de domicílio qualificada, a pena de detenção de 6 meses a 2 anos, além da pena correspondente à
violência.
Dessa forma, a competência, pelo menos ab initio, para julgamento da infração penal prevista pelo tipo
fundamental da violação de domicílio será do JECrim, o mesmo acontecendo com a sua modalidade qualificada,
cuja pena máxima cominada em abstrato não ultrapassa 2 anos, desde que o crime não seja cometido por
funcionário público, nos termos do §2º do art. 150 do CP, aplicando-se, outrossim, todos os institutos previstos pela
Lei n. 9.099/95.
A ação penal é de iniciativa pública incondicionada.
Concurso de crimes:
A modalidade qualificada de violação de domicílio, prevista no §1º do art. 150 do CP, prevê uma pena de
detenção de 6 meses a 2 anos, além da pena correspondente à violência.
Nesse caso, teremos duas infrações penais, vale dizer, a violação de domicílio e a lesão corporal ou
homicídio, por exemplo. Assim, havendo concurso de crimes, qual deles seria aplicado à hipótese em estudo: o
concurso material ou o concurso formal?
Devemos notar que a violência mencionada no §1º é um meio para a prática do crime-fim, que é a violência
de domicílio, e não o contrário, ou seja, a violação de domicílio como crime-meio para a prática de outro crimefim, a lesão corporal ou o homicídio, por exemplo, uma vez que, no segundo caso, seria aplicada a regra do
concurso aparente de normas, ficando a violação de domicílio absorvida pelo delito-fim. A violação de domicílio é
um crime eminentemente subsidiário; é absorvido quando, no caso concreto, serve à execução de outro mais grave.
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De acordo com essa
autônomo quando:
a)
b)
c)
d)
e)
opinião, Nelson Hungria escreve que “a violação de domicílio só se apresenta como crime
seja fim em si mesma;
sirva a fim não-criminoso ou haja dúvida sobre o verdadeiro fim do agente;
seja simples ato preparatório de outro crime;
haja desistência do agente quanto ao crime-fim;
seja o crime-fim menos severamente punido (como, por ex., no caso da entrada à noite na
casa alheia para ameaçar o morador)”.
Responderá pela duas infrações penais, em concurso material, aquele que, com fim de violar o domicílio,
agride a vítima para que possa entrar em sua residência, havendo, no caso, pluralidade de condutas, razão pela qual
deverá ser aplicada a regra do art. 69 do CP, atendendo-se, outrossim, à segunda parte do preceito secundário do
§1º do art. 150 do CP.
Casa vazia ou desabitada e casa habitada, com ausência momentânea do morador:
Considerando-se que o bem juridicamente protegido pelo art. 150 do CP é a tranqüilidade domestica, poderia
se falar em violação de domicílio na hipótese de casa vazia ou desabitada? Não, uma vez que não há possibilidade
de agressão ao bem jurídico mencionado, em face da sua inexistência. Ex: construção em ruína, desabitada.
Situação completamente diversa é a da casa que, embora normalmente habitada, seus moradores dela se
encontram afastados quando do ingresso do agente. Aqui, existe bem jurídico a ser protegido pelo Direito Penal,
razão pela qual a prática da violação de domicílio é perfeitamente admissível.
Caso contrário, não fosse esse o raciocínio dominante, sempre que viajássemos, por exemplo, esse fato seria
como que uma “permissão tácita” para que outras pessoas utilizassem nossa casa, o que não pode ser considerado
um raciocínio razoável.
Assim, a ausência momentânea do morador não descaracteriza a violação de domicílio levada a efeito pelo
agente.
Capítulo 27 – Violação de Correspondência
Capítulo 28 – Correspondência Comercial
Capítulo 29 – Divulgação de Segredo
Capítulo 30 – Violação de Segredo Profissional
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