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Partidos, para quê?
A política e o sistema representativo nem sempre se organizaram em termos
partidários e a própria existência de partidos, inclusive, foi por muito tempo
vista como perniciosa para a unidade nacional e para a busca do “bem
comum” (Manin, 1997). Hoje, no entanto, apesar da aparente perda de
credibilidade e fragilização dos partidos como instituições mediadoras (Dalton
e Wattenberg, 2000), eles seguem como elementos centrais no jogo político.
Strøm e Müller (1999) chegam a afirmar que os partidos políticos são as
organizações mais importantes na política moderna, sendo poucos os
Estados que os dispensam em seus sistemas políticos. O motivo para isso
seria o fato de os partidos desempenharem funções que são valiosas para
muitos atores políticos.
Entretanto, nem todas as funções que são desempenhadas pelos partidos
necessariamente precisariam deles para ser cumpridas, podendo ser
exercidas por outros atores. Essa distinção, que não costuma ser claramente
realizada, é relevante. A defesa normativa da importância da preservação
dos partidos – que fundamenta boa parte das escolhas de desenho
institucional – só faz sentido se ancorada em funções preferencial ou
exclusivamente suas que são positivamente bem avaliadas.
Conceitualmente, é óbvia a possibilidade de uma alternativa aos partidos –
que, aliás, nem sempre existiram e nem sempre estão presentes. Políticos
individuais independentes podem, perfeitamente, unir-se em alianças ad hoc
no parlamento. Muitas das funções dos partidos continuariam sendo
cumpridas, por outros atores, nessa alternativa. A questão é identificar quais
funções partidárias necessárias estariam ausentes, de modo a reconhecer se
é benéfico para a política que haja partidos.
Todo o debate sobre o desalinhamento entre eleitores e partidos aponta para
a crescente incapacidade destes de se adaptarem a uma situação de
transformação da forma de fazer política, paralela ao exercício por outros
atores de funções outrora indiscutivelmente da alçada dos partidos.
Inúmeros autores discutiram o que são os partidos e para que eles servem. O
esforço aqui é o de pensar sobre quais, entre as funções levantadas, de fato
precisam dos partidos para serem (bem) realizadas, de modo a confirmar a
relevância deles para uma democracia de qualidade. Será mobilizada aqui
uma pequena bibliografia a fim de problematizar a questão e elaborar, então,
uma listagem dessas funções.
As funções dos partidos segundo autores clássicos e contemporâneos
John Kenneth White (2006) realiza um compêndio sobre teorias e opiniões
acerca dos partidos ao longo da história do pensamento político desde o
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século XVIII, mencionando algumas funções dos partidos destacadas por
diferentes teóricos. Para Anthony Downs, V.O. Key e William Chambers os
partidos seriam importantes veículos de mediação projetados para organizar
e simplificar as escolhas que o eleitor faz para influenciar as ações do
governo. Além disso, diferentemente dos grupos de interesse, como observa
Key, os partidos nomeiam candidatos e almejam ter responsabilidade pela
administração do governo. Em 1888, James Bryce, citado por White,
observou que os partidos eliminam o “caos da multidão de eleitores”, ou seja,
eles organizam a política.
A Comissão sobre Partidos Políticos da Associação Estadunidense de
Ciência Política enumerou em “Toward a More Responsible Two-Party
System”, em 1950, os seguintes benefícios alcançados por partidos que
sejam guiados por princípios: aos eleitores são dadas opções claras, o
partido vencedor conquista um mandato para governar e garante-se que os
partidos sejam um instrumento pelo qual os eleitores possam fazer uma
“revolução legal”. Schattschneider, por sua vez, destacou a função da
responsabilidade coletiva dos partidos de limitar conflitos.
White busca mais mostrar as controvérsias do que fazer uma análise do que
é um partido e de quais são suas funções. Apenas descarta, a partir da
difusão da internet, o papel dos partidos como fornecedores e filtradores de
informações para o eleitorado, visto que os produtores e consumidores
destas teriam se nivelado. Entretanto, em meio ao debate sobre se os
partidos estão em decadência ou se estão se recuperando neste início de
século XXI, ele é categórico: ou eles se adaptam às novas condições e se
redefinem, com novas funções, ou definitivamente declinarão como
instituições de mediação.
O livro organizado por Russell J. Dalton e Martin P. Wattenberg (2000), com
colaboradores como Ian McAllister – Dalton, McAllister e Wattenberg (2000) –
, Shaun Bowler (2000) e Kaare Strøm (2000), sistematiza melhor as funções
dos partidos e, complementado por Strøm e Müller (1999), ajuda na reflexão
do presente texto.
Dalton e Wattenberg (2000) utilizam a divisão de V. O. Key dos partidos em
“partidos no eleitorado”, “partidos como organizações” e “partidos no
governo” para listar algumas das funções dos partidos em cada um dos três
níveis. No nível dos “partidos no eleitorado” estão as funções de a) simplificar
as escolhas por votos, b) educar os cidadãos, c) generalizar símbolos de
identificação e lealdade, d) mobilizar as pessoas para participar. Em “partidos
como organizações”, Dalton e Wattenberg incluem a) recrutar lideranças
políticas e buscar cargos no governo, b) treinar elites políticas, c) articular
interesses políticos, d) agregar interesses políticos. No nível dos “partidos no
governo” estão as funções de a) criar maiorias no governo, b) organizar o
governo, c) implementar objetivos acerca de políticas, d) organizar o dissenso
e a oposição, e) assegurar a responsabilidade pelas ações do governo, f)
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controlar a administração do governo, g) promover a estabilidade no governo.
As funções dos partidos no eleitorado
A função de simplificar as escolhas por votos, sistematizada por Morris
Fiorina dentro da perspectiva da escolha racional e destacada por Key,
Downs e Chambers, é exclusiva dos partidos. Ela tem, conforme observam
Dalton e Wattenberg (2000, p. 6), subjacente a ela, a relação entre partidos
terem posições políticas claras e consistentes e os eleitores terem boa
informação para saberem em quem votar e reconhecerem que partido
defende o quê. Se isso ocorre, fica muito mais fácil para os eleitores tomarem
suas decisões, a partir de suas próprias preferências.
Por outro lado, a função de educar os cidadãos – que inclui a informação e o
convencimento do público, bem como a seleção de quais questões merecem
destaque e atenção – é justamente a que White (2006) descarta a partir da
difusão da Internet.
A função de generalizar símbolos de identificação e lealdade é apontada
como uma força estabilizadora da democracia, que deixaria o eleitor menos
suscetível a líderes demagógicos e oportunistas. Essa é a questão central
abordada por Dalton, McAllister e Wattenberg (2000, p. 38), que alertam para
o problema do enfraquecimento da identificação dos eleitores com os
partidos, afirmando que haver tais laços muito disseminados reduziria o
impacto de eventos de curto prazo sobre os resultados eleitorais, assim como
a manipulação e o apelo demagógico de novos partidos e de personalidades
políticas.
Os autores superestimam a importância da fragmentação partidária para a
lealdade aos partidos (ora, se um partido se divide em dois e seus eleitores
seguem votando em um deles, não se pode dizer que se fragilizaram seus
laços com os partidos) e também naturalizam (não questionam) que a
importância de um partido estaria associada à votação acrítica sempre nos
mesmos partidos tradicionais. Uma preocupação fundamental deles é que,
sem uma predisposição para votar em algum partido específico, o eleitor
ficaria mais sujeito a votar de acordo com os temas de campanha e com
questões de curto prazo, decidindo o voto ao longo da campanha ou mesmo
no dia da eleição.
Dalton e Wattenberg (2000, p. 60) observam, entretanto, citando Franklin et
al. (1992)[1], que o voto não definido previamente em função do partido (de
modo alheio a um julgamento de suas ações concretas), com um
encorajamento ao julgamento dos candidatos e partidos acerca das políticas
que adotam e de seu desempenho governamental, poderia, como sustentam
alguns, estar mais próximo do ideal democrático. Entretanto, os autores
fazem isso brevemente e sem maior ênfase.
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As questões tratadas por Dalton, McAllister e Wattenberg (2000), que
abordam o desalinhamento entre eleitorado e partidos, estão ligadas
diretamente à crescente incapacidade dos partidos de exercerem a função de
“generalizar símbolos de identificação e lealdade”. Os autores chamam a
atenção para um fenômeno marcante no cenário político mas fazem uma
simplificação exagerada, ao dividirem a relação eleitor-partido em duas
possibilidades categóricas e excludentes: 1) o eleitor se identifica com um
partido tradicional e sempre vota nele, acriticamente independentemente de
quem é seu candidato, de modo que o voto é previamente definido e eventos
recentes não teriam grande impacto no resultado eleitoral; 2) o eleitor decide
em quem vai votar com base nos temas de campanha e nos candidatos
pessoais, sem se importar com os partidos, sendo facilmente manipulado
com apelos demagógicos e não pensando em questões de longo-prazo.
Há uma série de premissas precipitadas nessa divisão bipolar e simplista. Por
que votar sempre necessariamente no mesmo partido, mesmo que
acriticamente, significa pensar a longo-prazo, não ser manipulado e não
apoiar um programa demagógico? Por que analisar os temas de campanha e
os eventos recentes implica ignorar questões de longo prazo e partidos, ser
manipulado e votar em candidatos demagógicos? O “desalinhamento”
também poderia levar a outro cenário bem mais promissor e não menos
realista do que esse diagnóstico determinista: eleitores ordenariam os
partidos de sua preferência, com base em seus projetos de longo prazo, e,
levando em consideração quem seriam seus candidatos, quais seriam seus
temas de campanha e quais teriam sido os eventos recentes, ponderariam
criticamente em qual deles votar.
Votar em partidos diferentes não necessariamente significa uma
inconsistência ideológica e programática: trocar o voto em um partido socialdemocrata por um voto nos comunistas ou nos ecologistas de esquerda não
é o mesmo que deixar de apoiar os socialistas para votar nos conservadores
ou na extrema-direita. Desse modo, tratar a volatilidade eleitoral como um
fenômeno homogêneo em vez de analisar caso a caso pode levar a
conclusões equivocadas, superestimando-se a irracionalidade e inconstância
do eleitorado.
Ainda em relação à “generalização de símbolos de identificação e lealdade”,
Dalton e Wattenberg (2000, p. 6) observam que “os partidos políticos
fornecem uma base de identificação política que é separada da própria
política, e assim a insatisfação com as medidas do governo podem ser
direcionadas para instituições específicas em vez de ser dirigidas para o
próprio Estado.” De fato, essa é uma questão-chave para a estabilidade
democrática, mas parece ter menos a ver com a “generalização de símbolos
de identificação e lealdade” do que com outra função dos partidos
apresentada pelos próprios autores: “assegurar a responsabilidade pelas
ações do governo”.
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O quarto e último papel que Dalton e Wattenberg (2000) apresentam para os
“partidos no eleitorado” é o de mobilizar as pessoas para participar. Segundo
eles, isso ocorreria tanto diretamente – a motivação viria da lealdade do
eleitor – como indiretamente – a simplificação das escolhas seria um
incentivo para votar. Em síntese, mobilizar as pessoas para participar seria
uma função de outros dois papéis dos partidos no eleitorado: generalizar
símbolos de identificação e lealdade e simplificar as escolhas por votos.
André Krouwel (2006) também aponta entre as muitas funções dos partidos a
mobilização das pessoas por meio das campanhas políticas; entretanto, não
se pode dizer que as campanhas têm invariavelmente que ser realizadas
pelos partidos (em alguns casos, tanto a captação de financiamento como a
organização da campanha e da propaganda são efetivamente de
responsabilidade única ou predominantemente dos candidatos individuais),
de modo que não se pode considerá-las como um papel exclusivo dos
partidos.
Dalton, McAllister e Wattenberg (2000, p. 37) dizem que “o partidarismo
provê um método altamente efetivo de organizar a informação política, de
avaliar o estímulo político, de guiar as escolhas eleitorais e de levar à
estabilidade política. O partidarismo é visto como a cola que une as diversas
crenças políticas, que guia o comportamento e que serve como uma força
estabilizadora dentro dos sistemas políticos”.
Assim, Dalton, McAllister e Wattenberg condensam as quatro funções dos
partidos no eleitorado, pois o mesmo pode ser dito nestas palavras: os
partidos têm as funções de educar os cidadãos, mobilizar as pessoas para
participar, simplificar as escolhas por votos e generalizar símbolos de
identificação e lealdade. White (2006) põe em cheque a primeira função e a
última é criticável pelos argumentos acima apresentados. A mobilização do
eleitorado não seria independente e sim uma função de dois outros papéis
desempenhados pelos partidos. Portanto, só é um papel fundamental e
exclusivo dos partidos no eleitorado o da simplificação das escolhas por
votos.
As funções dos partidos como organizações
A função de recrutar lideranças políticas e buscar cargos no governo,
conforme observam Dalton e Wattenberg (2000, p. 7), é uma das funções
mais básicas de qualquer partido político, sendo fundamental para todas as
definições clássicas de partido político. Entretanto, o fato de ser uma
característica comum a todos os partidos não significa que ela não possa
prescindir deles e, portanto, que ela seja uma função exclusivamente
partidária. Isso fica óbvio pela presença de candidatos independentes em
muitos países.
A função de treinar elites políticas se refere à socialização dentro dos
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partidos, pela qual a carreira passa primeiro pela militância, depois pelos
cargos intrapartidários e, só então, pelos cargos eletivos. Essa não é uma
função imprescindível para haver democracia, mesmo dentro de um critério
exigente de democracia representativa, que contenha participação popular
ativa e competitividade de alternativas substantivamente diferenciadas entre
si (isto é, que seja muito desenvolvida nos dois eixos da poliarquia de Dahl:
respectivamente o da “inclusividade” e o da “liberalização” ou “contestação
pública”). Além disso, sequer é uma característica de todos os partidos[2].
A função de articular interesses políticos se refere a dar voz aos eleitores,
defendendo seus interesses. Apesar de ser uma característica fundamental,
sendo mencionada também por Strøm e Müller[3], a articulação de interesses
políticos não é uma característica exclusiva dos partidos, conforme observam
os próprios Dalton e Wattenberg, que constatam que grupos de interesse
fazem o mesmo. É a quarta função dos partidos como organizações que os
diferencia: agregar interesses políticos. Os partidos, portanto, não apenas
articulam interesses como também os agregam em programas abrangentes.
Esta é uma função importante e exclusiva dos partidos, como constatam
Dalton e Wattenberg (2000, p. 8): “Os partidos políticos são uma das poucas
organizações que devem combinar a articulação de interesses com a
agregação de interesses, assim se distinguindo dos políticos individuais, dos
grupos de interesse e de outros atores políticos.”
Strøm e Müller (1999) incluem as funções extraparlamentares das
organizações partidárias de obter informações sobre o eleitorado e suas
preferências, de mobilizar os eleitores e de obter fundos para financiar as
campanhas eleitorais, e observam que tais funções podem ser realizadas
com maior intensidade para o capital (pesquisas e propaganda) ou para o
trabalho (militância, contato direto com o eleitor). Nenhuma dessas funções,
entretanto, é exclusiva dos partidos, e possivelmente elas estão sendo cada
vez menos da alçada deles (Swanson e Mancini, 1996; Farrell e Webb,
2000).
As funções dos partidos no governo
A primeira função dos “partidos no governo” apresentada por Dalton e
Wattenberg é a de partidos ou coalizões de partidos formarem maiorias no
governo. Entretanto, além de ser possível, ainda que difícil, formar governos
apartidários, é enorme a freqüência de governos minoritários (Strøm e Müller,
2000, p. 561; Laver e Schofield, 1990, p. 70-81).
Outra função é organizar o governo, incluindo-se aí também a organização
do processo legislativo, com a manutenção da disciplina e da cooperação
entre os legisladores individuais. Por mais que seja possível imaginar blocos
de parlamentares independentes de partidos ou ainda alianças ad hoc entre
eles, é inegável que a existência de partidos facilita imensamente essa
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organização, além de eles serem a peça-chave para o funcionamento
disciplinado e coerente da assembleia mesmo quando supostamente o
sistema eleitoral incentivaria uma atuação individualista dos membros do
parlamento[4].
Strøm e Müller (1999) observam que, com raras exceções, são de algum
partido estabelecido os chefes do executivo eleitos e, com freqüência, o
chefe do governo continua sendo o chefe de seu partido. Isto, entretanto, não
diz nada sobre por que seria pior que o chefe do governo e/ou do Executivo
não fosse ligado a um partido, diferentemente da questão do quanto os
partidos facilitam a organização do governo e do Legislativo.
Uma terceira função apresentada por Dalton e Wattenberg – e também
destacada por Strøm (2000) – é a de implementar objetivos acerca de
políticas, o que é a derivação na esfera dos “partidos no governo” da
agregação de interesses no âmbito dos “partidos no eleitorado”. Entretanto,
um governo pode implementar suas políticas mesmo sem os partidos, não
sendo, portanto, uma característica exclusiva.
Os “partidos no governo” têm ainda o papel de organizar o dissenso e a
oposição. A importância disso é clara, nas palavras de Dalton e Wattenberg
(2000, p. 9): “Como Schattschneider tão corretamente coloca, a menos que o
povo possa escolher entre os partidos não haverá democracia. Essa escolha
é regularmente manifestada na política partidária, não só no dia da eleição
mas sempre que uma legislação estiver em pauta.” Obviamente, este papel
dos partidos está diretamente ligado tanto à simplificação da escolha por
votos como à agregação dos interesses políticos, ou seja, uma opção de
oposição deve ser identificável como uma alternativa e também ter um
programa.
Uma função fundamental dos “partidos no governo” é a de assegurar a
responsabilidade pelas ações do governo, apontada tanto por Dalton e
Wattenberg (2000) como por Strøm (2000) e mesmo por V. O. Key. No
governo de partido é fácil identificar quem é o responsável pela ação
governamental e os partidos têm mecanismos para garantir a
responsabilidade individual dos legisladores. O partido é, portanto, um
mecanismo importante de accountability. Um mau desempenho aumenta as
possibilidades de derrota para a oposição na eleição seguinte, em função do
voto retrospectivo.
Esse papel dos partidos está ligado aos dois últimos que os autores
mencionam para os “partidos no governo”: controlar a administração do
governo e promover a estabilidade do governo, sendo esta, nas palavras de
Dalton e Wattenberg, o “elemento-chave de continuidade da governança
democrática”. É por isto que essa função de responsabilidade pelas ações do
governo é um diferencial da importância dos partidos: garante uma
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continuidade do comprometimento. Sem partidos, a menos que um político
individual tivesse ambições realistas de permanência pessoal no Executivo,
ele teria menor pressão para governar responsavelmente. Com os partidos é
diferente: políticos se aposentam, mas as organizações partidárias, em geral,
seguem em frente.
Bowler (2000) destaca que os partidos não são importantes apenas para a
formação e a manutenção dos governos, mas também são funcionais para os
próprios parlamentares individuais. Os partidos são a solução para problemas
de ação coletiva, pois a participação de um político em um bloco legislativo
aumenta sua influência sobre as políticas[5]. Essa questão destacada por
Bowler vale tato para a organização do governo como para a organização do
dissenso e da oposição, que, aliás, estão entre as funções destacadas por
André Krouwel (2006).
As funções que tornam os partidos bons para a democracia
Assim, das 15 funções que Dalton e Wattenberg (2000) destacaram para os
partidos políticos, é possível reduzi-las a quatro papéis em que os partidos
são insubstituíveis ou, pelo menos, preferíveis a qualquer alternativa de
representação:
1) Simplificar as escolhas por votos, evidenciando quais são as alternativas
em disputa e sistematizando de forma mais palatável as diferentes propostas.
2) Produzir um programa abrangente de políticas públicas a serem
implementadas que agregue os interesses articulados de seus eleitores,
dando voz a eles. Esse programa pode ser alterado a partir da formação de
uma coalizão, com os parceiros negociando a partir dos pontos de seus
respectivos programas.
3) Assegurar a responsabilidade pelas ações do governo, com os eleitores
sabendo quem punir ou recompensar nas eleições seguintes, mesmo que
mudem os candidatos individuais.
4) Resolver os problemas de ação coletiva dos políticos, organizando o
governo e a oposição, inclusive no Legislativo.
Em síntese, é a organização que os partidos fazem da política – eliminando o
“caos da multidão de eleitores” mencionado por James Bryce em 1888 mas
também o “caos da multidão de políticos” – que faz deles, mais do que atores
importantes para a política, instituições valiosas para a qualidade da
democracia.
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***
Guilherme Simões Reis
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[2] Isso fica bem exposto tanto pela tipologia de Gunther e Diamond (2003) –
que mostra a grande presença de partidos organizacionalmente “magros”
tanto entre os pioneiros, de elite, como entre os criados a partir do final do
século XX – como pela tipologia de Krouwel (2006) – pela qual não só os
antigos e extintos partidos de elite e os recentes partidos-empresa não teriam
uma organização interna relevante, como os partidos eleitoralistas catch-all
marginalizariam seus membros, de modo que essa função de socialização
apontada por Dalton e Wattenberg só faria sentido para os partidos de massa
e, talvez, para os partidos-cartel.
[3] Strøm e Müller (1999) e Strøm (2000) observam que durante, pelo menos,
a primeira metade do século XX, os partidos tiveram a posição de
organizações democráticas por excelência, e isso se deu tanto porque eles
não tiveram rivais nas funções de ligação entre o eleitorado e os governos
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como porque eles foram o veículo de grupos antes marginalizados do
processo eleitoral, como trabalhadores e camponeses. Strøm e Müller (1999)
observam que os partidos são o principal veículo organizacional pelo qual os
eleitores delegam para os representantes a autoridade de fazer políticas, são
um artifício para que os eleitores tenham sua voz ouvida.
[4] Esse é o caso do Brasil, conforme descrito por Figueiredo e Limongi
(1999), contrariando o diagnóstico pessimista que era hegemônico na ciência
política sobre o Congresso Nacional brasileiro.
[5] Bowler se alinha com o que chama de “modelo de uma arena” de
explicação para o comportamento do partido no legislativo, em contraste com
o “modelo de duas arenas”, representado por Ostrogorski, Downs e Mayhew,
que atribuem tal comportamento às ações na arena eleitoral.
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